outono em nelwár - o cair das folhas

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Outono em Nelwár Livro I O cair das folhas “Os fatos que foram inesquecíveis para uns, e nunca conhecidos pela grande maioria...”

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Mistérios e dúvidas sempre rondaram a vida do jovem Lodwein, o rapaz pálido de sardas no rosto e cachos cor de mel, também conhecido pelos moradores de Alto da Mordida como o “garoto do castelo”, aquele moço tão difícil de se fazer amizade, que quase nunca saía da fortaleza dos saberes lá no topo daquela colina onde vivia com o velho Todyeld, um gorducho mestre de conhecimentos de ar cauteloso mas de também senso de humor inigualável. Estes dois, sendo respectivamente pupilo e mestre, costumavam visitar a pequena cidadezinha pesqueira próxima ao seu lar apenas nos dias calmos, que era quando o vilarejo não recebia a agitada visita dos marinheiros pescadores que sustentavam a cidade com mercadorias de venda. Tomavam eles esta precaução justamente para não serem muito conhecidos, afinal, Lodwein e Todyeld levavam uma vida quase que semelhante à destes animais selvagens que somente saem de suas tocas para certas ações vitais à sobrevivência e logo tratam de esconder-se novamente. Contudo, até mesmo estes animais selvagens, apesar de todas as suas precauções, sempre são vigiados por olhos atentos de predadores ou farejados por alguma raposa astuta, e no caso dos dois moradores do castelo não era diferente. O conde Mellrich, um baixinho sempre muito bem vestido, de destreza na lábia e de coração sonhador, não perdia a oportunidade de investigar estes dois, tentando entender quem seriam aqueles estranhos seres encapuzados e soturnos que de vez em quando passavam pela velha estrada e subiam as escadarias da colina da fortaleza dos saberes, entravam lá dentro, e somente se iam, dias depois, com a mesma furtividade e mistério com que vieram. Sim, estas visitas eram de certa forma frequentes e o mais célebre dos seus visitantes tinha um encontro marcado para em breve, era este Leillindor, o rei dos elfos Cullyen de Nelwár. Entretanto, o que um nobre senhor, tão requisitado pelos habitantes de seu reinado e perseguido pelos reis rivais dos outros governos fazia viajando tão distante de suas terras, visitando aqueles dois miseráveis conhecedores? Esta é uma pergunta a qual também Lodwein constantemente fazia, mas que Todyeld, seu mestre, nunca a respondeu, além de evita-la tanto quanto possível. E foi em uma destas raras visitas feitas pelo rei élfico Leillindor que a grande aventura do rapaz Lodwein, da princesa élfica Mowilla a qual acompanhava a seu pai, e do valente burrinho de carga Focinho, haveria de começar, pois quando o jovem e seu mestre realizavam uma apresentação de conhecimentos ao nobre senhor, todos levam a mais infeliz das surpresas a qual poderiam receber ou esperar.

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Outono em Nelwár Livro I

O cair das folhas

“Os fatos que foram inesquecíveis para uns, e nunca conhecidos pela grande maioria...”

Mapa dos Três Reinos de Nelwár

(Este mapa, que representa Nelwár, o local onde se passa a história do livro, está bem

demonstrativo, não recebeu nenhum tratamento técnico apropriado)

Sobre o livro de Paulo LEBTAG, Outono em Nelwár

Tive o gosto de ler o livro de Paulo Lebtag, Outono em Nelwár, e posso dizer que fiquei encantado. Se bem é verdade que a história por si mesmo já é bastante encantada, o estilo do autor é suave e claro, deixando ao mesmo tempo o leitor à espera dos acontecimentos que o prendem a cada página. A sua linguagem é direta, simples e encontra-se estilizada num português acessível.

É impressionante a capacidade imaginativa do autor. Mundos e submundos são criados na história a tal ponto que a imaginação do leitor também faz uma viagem através de terras desconhecidas, cheias de surpresas e de perigos. Mas nem tudo é um suspense constante, há momentos de descanso, nos quais o leitor se delicia tão somente em admirar o belo, o nobre, o verdadeiro. Sem dúvida alguma, o autor procurou colocar altos ideais e valores humanos que estão sempre latentes no coração humano. Todo mundo deveria descobrir kahvian, isto é, a luta pela verdade e pela nobreza. E ao falar de luta nos referimos a um empenho sério, tal qual o autor expressa no seu livro.

Logicamente, o leitor ficará admirado também como o autor conseguiu criar uma nova língua. Quem já frequentou a obra de J. R. R. Tolkien, sem dúvida encontrará algumas semelhanças. Há uma linha de pensamento que embora seja contínua com o autor de O Senhor dos anéis, apresenta-se numa descontinuidade na qual emerge a novidade de Lebtag. Além disso, ainda que o gênero literário possa ser identificado o de Tolkien e de outros autores afins, Paulo Lebtag não repete Tolkien; talvez se poderia dizer o continua.

Chama-me a atenção de maneira especial os paladinos, esses heróis que dedicavam a vida inteira à luta pelo bem e pela verdade que, nalguns casos, até se “esqueciam” de casar ou, pelo menos, não lhes era uma necessidade imperiosa. Nessas guerras e lutas, o autor deixa transparecer que “mesmo sendo guerreiros em trabalho, os soldados não se importavam e farreavam alegres”. É uma das características também da obra de Lebtag, a alegria e a esperança, mesmo em meio às situações mais desconcertantes.

A meu ver, Outono em Nelwár é uma dessas obras destinadas ao êxito editorial. Penso que se poderia inclusive pedir ao autor que escrevesse como foram ou como serão as outras estações em Nelwár. Qual Vivaldi nas suas quatro estações, bem poderia ser escritas: O inverno em Nelwár, A primavera em Nelwár e O verão em Nelwár. Desfrutaríamos com as aventuras de seres por nós pouco conhecidos, mas que autores como Lebtag vão desvendando paulatinamente.

Meus melhores desejos de êxito nesse trabalho destinado a ser lido e admirado.

Pe. Dr. Françoá Costa

Pároco da Paróquia Nossa Senhora d’Abadia – Anápolis – GO Professor da Faculdade Católica de Anápolis – Anápolis – GO

Curriculum Lattes: http://lattes.cnpq.br/3876466221304482

Movimento 1 - Banquetes e não-convidados

Capítulo I: O convite

No topo de uma colina refrescada pela direta brisa do mar, um formoso velho castelo

repousava. Fora ele outrora a residência de antigos senhores, uma relíquia da antiga arte. Formas retas e circulares subiam num cinza variante de pedras até o topo nos tetos pontiagudos das muitas torres, seu nome é fortaleza dos saberes. Do alto dela podia se ver ao oeste, logo abaixo, uma pequena vila pesqueira, a qual vinha lutando pelo título de uma cidade oficial da província de Corgham do Oeste. Este castelo não é abandonado, como alguns pensam, pois um velho homem, um ser muito peculiar mora lá. Seu nome é Todyeld, já fora um importante mestre de conhecimentos de reinos distantes, e já passara por muitas aventuras em sua juventude, contudo ele se recolheu em estudos nos muitos e muitos livros que abarrotavam os cômodos daquele esquecido castelo, numa última missão de vida. Este velho, de barba agora não muito longa, e de barriga grande, não vive sozinho. Um jovem chamado Lodwein reside com ele. Na verdade dois jovens, dois irmãos, porém, o outro de nome Belgar, desde que completou sua alta idade não mais aparecia em casa. Estava sempre ocupado em suas missões paladinas. Sim, isso é de se surpreender, pois Belgar é um paladino, e isso é uma grande honra diante de todos! Bem, já houve dias que assim foi, pois em tempos passados o título paladino ainda não tinha sido desvirtuado... Todavia, isto não importa muito agora. Lodwein é muito jovem, tinha somente dezessete anos, e em breve ele faria aniversário, e com isso somente faltaria mais um ano para alcançar a alta idade segundo as antigas leis dos homens. Foi no início do outono, esta tão bela estação, a qual transformava aquelas partes das terras de Nelwár em um cenário fabuloso, que em uma fria manhã, Lodwein e Todyeld desciam em grossos casacos de pele as escadarias enevoadas da colina do castelo, junto a um burrinho de carga. Folhas caem dos amarelados caducos pinheiros e abetos nas encostas da colina. A paisagem ainda possui aquele verde pueril das árvores nos primeiros instantes da estação, deixando tudo com um ar mágico. Quão belo é de se ver! Todyeld e Lodwein somente descem a colina no sexto dia da semana, porque é quando a cidade se acalma, e eles podem reabastecer os suprimentos do castelo sem serem muito notados. Por isso poucas pessoas de Alto da Mordida, a cidade próxima à fortaleza dos saberes, os conheciam. Isto era da vontade deles: Não serem conhecidos por ninguém. Ir ao mercado no sexto dia da semana já havia se tornado uma tradição para os dois. No sétimo e no primeiro dia da semana a cidade borbulhava de pessoas, e Todyeld e Lodwein odiariam ir a ela numa ocasião dessas. Porém, contra os seus habituais costumes, eles encaminham-se para lá, bem num destes dias de tanto movimento. Precisam fazer isso por um motivo especial.

O barrigudo e não muito alto Todyeld, buscava no lado direito do burrinho de carga as melhores áreas para se pisar nos irregulares degraus da escadaria. Enquanto que Lodwein, rapaz pálido de sardas no rosto, afastando seus cachos cor de mel, admirava a breve visão do

leste que se tinha numa parte do caminho. Que espetáculo ele vislumbra! O estranho bosque das raposas logo ali embaixo, com seus incontáveis pontudos pinheiros furando o véu de neblina a brilhar sobre a floresta com a luz dos primeiros raios do sol. Essa luz dourada vinha após ter superado as mui distantes montanhas eternas, e cortado toda a melodiosa terra de Nelwár. Mais adiante na visão do jovem Lodwein, seus olhos podem alcançar a sombra das imponentes montanhas de Kais-Obîrg deixando seu formidável semblante na paisagem. Ele bem sabia que os anões moravam lá, e se pergunta se um dia as visitaria. Isto para ele era um sonho de infância, algo que almeja muito. A direita ainda depara-se com longínquas planícies e seus brilhos, quem sabe cidades e seus estranhos negócios logo pela manhã.

Durante a descida, iam conversando, e Lodwein apoiando um ombro no lado esquerdo do burrinho, olha para seu mestre e pergunta indignado:

- Ora Tody! Como você pode ser tão injusto? Você está sendo contrário ao avanço do maior conhecedor de todos os tempos! Eu já me desculpei por ter queimado algumas coisas, então por que você não continua me ensinando sobre como lançar chamas e fazer explosões? – Gesticula efeitos magnos com as mãos e dedos.

- Algumas coisas? – Retruca Todyeld indignado apalpando sua barba já grisalha pelo tempo, e carbonizada por alguma criminosa explosão. – Você ateou fogo em mim e queimou minha barba, muitos escritos importantes também se perderam em parte por causa do que você fez! Sem mencionar que também não gostei nenhum pouco deste seu tom presunçoso. Que história é essa de ser o maior conhecedor de todos os tempos? Ainda falta muito para chegardes a tal nível... Maior conhecedor do mundo... E também não seja exagerado Lodwein, já lhe disse inúmeras vezes, nós não somos bruxos malignos ou perversos feiticeiros, nem velhos dragões para lançarmos chamas. Nós apenas falamos o idioma Niênico¹, e somos simples conhecedores², tudo o que fazemos é fruto de nosso estudo e experiências. E é graças a essas suas ideias confusas e lunáticas que você se empolga em exagero e eu acabo me queimando, e perdendo minha barba. – Resmunga o velho.

Nota de rodapé: ¹Niênico é o nome de uma velha língua a qual é capaz de superar as leis e regras da natureza visível do mundo. Seu uso tem influência especial sobre a matéria. Ou seja, as coisas reagem à sua pronunciação.

²Conhecedores são estudiosos que dedicam suas vidas aos estudos das diferentes áreas do conhecimento, realizando experimentos, trabalhando com os números e suas lógicas, pesquisando sobre a dinâmica dos astros, meditando sobre os pensamentos e as ideias, também produzindo trabalhos artísticos, alguns ainda criando invenções. E estes dois, Todyeld e Lodwein, eram uns destes conhecedores. Todyeld o mestre, e Lodwein o pupilo.

Lodwein cala-se e prefere não responder e nem mesmo olhar para seu mestre. - É a terceira vez Lodwein, a terceira! – Afirma Todyeld erguendo três dedos roliços. –

Primeiro, foi aquele passarinho bonitinho de garras afiadas, segundo o galho contorcido. Sabe, eu quase perdi um dente aquela vez! E agora lá se foi mais da metade da minha barba. Tudo isso porque me desobedece.

Lodwein concorda com a cabeça, e calado ergue o rosto e fita o distante. Tinha uma feição rígida e contrita, e um estranho fulgor no olhar.

Todyeld o observa enquanto caminha, vê sua expressão, logo reconhece aquilo e grita em advertência. – Não Lodwein! Nem pense em tentar fazer isso sozinho, vai acabar se matando! – O velho gorducho bem conhecia seu pupilo e percebe que ele planejava uma maneira de usar aquelas chamas mais uma vez, e nem prestava atenção nas palavras de seu mestre.

- Mas eu não falei nada! – Afirma Lodwein desarmando seu rosto sério e segurando um riso sarcástico. Do outro lado do burrinho, o velho trajando casacos, os quais o deixavam ainda mais gordo, se zanga. E não querendo delongar a conversa, o rapaz questiona com verdadeira dúvida. – E, Tody, por que mesmo estamos indo ao mercado no sétimo dia da semana? - É um jovem muito distraído e esquecido, vive vagando em seus próprios pensamentos.

- Não se lembra? Precisamos comprar o necessário para o banquete da nossa ‘visita especial’, que virá daqui a cinco dias! – Responde Todyeld, enfatizando com mistério as últimas palavras, e buscando sigilo até mesmo das nozes, a pender-se do arvoredo, e dos galhos tombados no chão.

Lodwein logo se lembra de tudo. Dos grandes banquetes a preparar para sua “visita especial”, e bem depressa o jovem fita os lados para ter certeza que nada nem ninguém tenham ouvido sua conversa. O tamanho sigilo não era bobagem, pois sua visita não era ninguém menos que o próprio rei élfico e uma simples corte, o rei de Nusweld³. (Nota de rodapé: ³Nusweld era como os homens traduziam floresta dos elfos, porém seu nome original era Beföllia. Beföllia, no idioma Cullyen significa segunda moradia. Isto, pois Beföllia, a floresta élfica, fora a segunda residência que os elfos Cullyen tomaram para si. Cullyen é o nome deste povo élfico, assim como o nome de seu idioma. Os elfos Cullyen no passado eram elfos errantes, e por isso a própria palavra Cullyen significa errante.) Entretanto, estas são outras histórias. O rei elfo não é um viajante rotineiro, o qual não tendo algo melhor o que fazer, passeia visitando qualquer pessoa. Na verdade, ele corre até mesmo sérios riscos saindo da segurança de seu reino para ir até ali. Isso gera uma dúvida: Então o que o levaria a viajar até lá? Essa é uma pergunta que também Lodwein possuía, e vivia a refletir sobre. Nem ele sabe explicar a razão dessa visita secreta que o rei dos elfos fazia até a fortaleza dos saberes de quatro em quatro anos. Mistérios desse tipo sempre rondaram, aos montes, a vida de Lodwein.

(Imagem dos dois a descer a colina com o burrinho) E pensando nisso, mais uma vez o rapaz tenta arrancar a verdade de Todyeld. - Sim, é

verdade, o rei elfo virá para ver como eu estou, não é mesmo? – Começa ele com uma suposição investigativa.

O velho homem para seu passo, se vira, e levantando o olhar fita o jovem. Seus esbugalhados olhos se acentuam da sombra do chapéu azulado de abas largas, eles o fitam confusos. – Ver como você está? Como assim Lodwein, de onde tirou essa ideia? – O rapaz logo percebe o espanto causado com sua afirmação e isso o anima, talvez estivesse no caminho correto dessa vez. Todyeld, por sua vez, buscando tornar-se indiferente à suposição dele, volta a apontar seu grande nariz para os degraus e abaixa seu chapéu declarando a velha explicação. - Eu já lhe expliquei isso, seu rato albino bisbilhoteiro das colinas verdejantes de

Kais-Fuor! O rei elfo é alguém muito fascinado pelas descobertas das outras raças, e é interessado nos nossos estudos, por isso vem assistir as nossas apresentações de conhecimentos.

- No entanto, eu não entendo porque então ele se interessaria justamente pelos conhecimentos de dois estudiosos habitantes dum lugar tão distante e inacessível em meio a esse imenso bosque, sendo que ao leste daqui, há Kais-Obîrg, a grande cidade dos anões, infestada de gnomos, gênios em todas as áreas do saber. – Encurrala Lodwein esperando uma boa resposta.

- Ora, todos sabem que os elfos não vêm se entendendo bem com anões há muitas décadas. – Retruca o velho barrigudo consternado.

- Contudo, também todos sabem que os elfos nunca tiveram inimizades com gnomos. – Completa Lodwein. - Veja mestre, não faz sentido ir tão longe se ele pode obter explicações de pessoas muito mais sabidas e em outros lugares mais próximos. Eu andei analisando os fatos, e veja o que descobri. A última vez que ele veio até aqui eu tinha dez anos e a anterior seis. Sabe o que acho? O rei elfo planejou vir de quatro em quatro anos à Alto da Mordida, e como há essas desavenças entre os três reinos, ele deve ter encontrado dificuldades e não pode vir no último encontro, vindo somente agora, oito anos depois.

- E por que então, Lodwein, raposa maquinadora de ideias absurdas, um grande rei viria até a fortaleza dos saberes, somente para visitar um jovem atrapalhado, e intrometido como você? – Contra-argumenta Todyeld.

- Bem, eu, não sei. Mas você... Você deve saber. – Responde observando seu mestre. Este prefere olhar os degraus a já findar em sua frente. – Fico pensando... O rei deve ter alguma grande ligação de amizade com você, de tempos distantes, ou talvez com alguém do meu parentesco. Não sei ao certo. Ou até mesmo, talvez, ele esteja interessado nos seus estudos do “livro”. – Lodwein se referia a um livro o qual seu mestre era tradutor.

Todyeld então olha para o jovem, e percebe como se tonara um rapaz inteligente e não conseguiria lhe esconder a verdade por muito mais tempo. Todavia, mesmo desejando contar-lhe tudo, não deve, ainda não é a hora certa. Dá um suspiro e os degraus já haviam acabado, e uma pequena trilha inicia-se, levando até a cidade. – Em outra hora conversaremos mais sobre isso, agora silêncio, ninguém nessa vila deve saber sobre o que discutíamos. – Lodwein, já acostumado em nunca obter respostas quando este assunto era o tema da discussão, prefere não continuar o diálogo, também tem consciência daquele não ser o lugar mais correto para esse tipo de conversa.

Alto da Mordida, uma cidade calma e pacata em dias mortos, que é como os habitantes

dela chamam os dias nos quais os navegantes de mares distantes não trazem mercadorias entretanto, nos dias cheios, quando eles vêm, a cidade toda se movimenta. Não é difícil se perder em suas pequenas ruas mal sinalizadas, labirintos habitacionais pavimentados de pedras lisas. Nos dias cheios elas se abarrotam de vendedores e compradores, habitantes e viajantes, todos com um interesse em comum: Uma boa barganha. E peças de prata ou de ouro nem todos possuem, por isso a permuta é a moeda local. Suas tabernas e pousadas de madeira estrangeira e alvenaria pobre entopem-se de marinheiros cansados e fedendo a sardinha,

sedentos por um bom copo de cerveja, carne de porco, e a especialidade do local: O pão de Alto da Mordida, ou como muitos chamam: A “mordida”. Uma especiaria fantástica, concebida pelos antigos pescadores de lá. Um pão recheado com carne de arenque e avelã, banhado num misterioso molho de tomate e defumado na brasa de um carvalho. Os ingredientes do molho eram um segredo de sangue, com ameaça de uma dolorosa morte aos cozinheiros que revelassem, e infelizmente se tem registros de alguns tolos que ousaram revelar o segredo. Esta comida era famosa entre os navegantes, marinheiros e até piratas do mar calmo.

(Imagem da cidade e das casas de Alto da Mordida e do pão) As casas em geral não possuem varandas para as ruas e sobem apertadas umas nas

outras, terminando em tetos pontiagudos. No passado os dias cheios não eram tão comuns, porém nos últimos dias isso mudou. Aos poucos se tornaram mais comuns e aquela cidade começou a se movimentar e crescer. Os habitantes de lá, um povo de pele um pouco morena e cabelos e olhos escuros, costumam dizer que o sol agora estava brilhando para Alto da Mordida, e dessa forma, ela iria crescer. A cidade se localiza logo em cima da mordida forte, uma grande enseada em meio aos paredões de pedra no norte do Mar Calmo, onde a terra adentra formando uma praia. Os antigos dizem que outrora um imenso peixe mordeu os paredões fazendo aquela grande abertura, e essa lenda antiga nomeia a cidade. Para subir o penhasco frente ao mar, é preciso ziguezaguear nas estradinhas, talhadas na rocha, até o topo.

(Imagem da enseada de Alto da Mordida) Mal Todyeld e Lodwein entram em Alto da Mordida, um homem muito bem vestido

de fraque verde escuro veio cumprimentá-los em largas passadas, desproporcionais para seu tamanho. Deixava um colete dourado escapar por debaixo. Um chapéu de centro elevado como o de uma cartola e abas laterais erguidas a chamar atenção para seu rosto sorridente e enrugado, talvez de tanto sorrir sem motivo.

- Sejam bem vindos meus amigos, mestre Todyeld e Lodwein. Como andam as coisas lá em cima? – Saúda o homem de roupas elegantes referindo-se ao castelo.

- Olá conde Mellrich. Lodwein e eu estamos muito bem, não tivemos nenhum problema, nos últimos tempos. – Responde o velho num educado sorriso.

E após saudar Tody num forte aperto de mão, comenta espantado, ao se aproximar do mais jovem. – Ora, o tempo tem passado para todos mesmo! Como estás diferente Lodwein, meu rapaz! Tu cresceste muito e ficastes mais forte e com uma aparência intelectual também! Sem dúvida estás muito mais bonito!

Isso deixa-o pensativo e envaidecido. Todyeld foi depressa em perguntar. - E você Mellrich, como vai sua família?

- Minha família vai bem. Sim, estamos muito felizes com os acontecimentos recentes. Cada vez mais os pescadores falam de grandes trocas e negociações com as cidades do sul, de maneira especial Foz Pura. Novas casas e comércios sendo construídas. Alto da Mordida cresce! – Relata Mellrich orgulhoso.

- Fico contente com isso. – Afirma Todyeld forçando uma face condizente com sua afirmação. Ele se irrita com o conde, pois ele não sabe falar sobre nada além de negócios, e toda conversa acabava caindo nesse assunto. – No entanto e quanto a sua família? Sua esposa,

Alne, o seu filho Fiagred e a jovem Ladlia, concluíram os estudos médios? – Tenta refazer sua pergunta anterior.

Ao ouvir falar da filha do conde, Ladlia, Lodwein sente um calafrio, pois logo lhe veio à mente antigas lembranças.

- Fiagred sim, mas Ladlia ainda não. – Afirma Mellrich sem delongas, logo antes de, embalado numa nova ideia, acrescentar. – Entretanto, foi muito bom tu terdes tocado neste assunto, porque os nossos centros de estudos baixos e médios têm se tornado muito cheios, e faltam mestres para o ensino. Podes imaginar que cada vez mais os jovens buscam conhecimentos, e estamos tendo de colocar alguns homens de fora ou anciãos, que entendam um pouco dos estudos, para lhes ensinar. Faltam mestres de verdade, pessoas experientes como tu, meu amigo, mestre Todyeld. – Uma cadeia de dentes ilumina de uma forma patética a face enrugada pela expressão daquele homenzinho.

- Eu agradeço seu convite, mais uma vez, e como antes, – Um suspiro - terei de negar. – Todyeld busca ser paciente, todavia foi notável seu aborrecimento. Não é a primeira vez que ouvia aquele pedido. Há tempos Mellrich tenta trazer novamente Tody para as salas de ensino, porém, havia muitas tramoias por trás de seu convite.

O conde se põe em uma solitária gargalhada, e indaga risonho. - Ocupado como sempre não é mesmo, velho amigo?

- Exato. E veja, aqui estou eu mais uma vez nessa situação. Lodwein e eu temos de ir ao mercado. Você estava seguindo rumo ao castelo, não é mesmo? Podemos ajudar? – Sua paciência já havia se esgotado, agora está irritado e impaciente.

- Ah, sim, é claro, como sou esquecido. – Dá tapinhas em sua própria testa. – Eu vim em nome de Alto da Mordida, convidar-vos para a festa em comemoração a oficialização da cidade como integrante da província de Corgham do Oeste! – Afirma cheio de entusiasmo o sorridente.

- Mas já? Ora, pensei que isso somente aconteceria daqui a muito tempo... Quando será a festa?

- Hoje à noite, na praça da cidade, e será uma grande festança. Os anciãos vão nomear o novo Conde-chefe da cidade, pois quem a comandará agora será ele, junto ao conselho de condes, seguindo o exemplo das cidades oficiais. E como os mais velhos sempre foram os líderes, então nós decidimos que eles escolheriam os membros do conselho. Assim ficaria justo, e se há algo que não pode existir, é a injustiça. Principalmente agora que estaremos sobre as rédeas do rei. Depois os registros terão de ser assinados lá na cidade de Franco... – Mellrich tagarelaria o dia inteiro se não fosse cortado.

- Meu amigo. - Interrompe Todyeld o enfadonho discurso buscando ser o mais educado possível, e já avançando. – Desculpe, no entanto, de fato, temos de ir. – Põem a mão nas costas de Mellrich e o vira de leve.

No último instante, o baixinho chicoteia seu olhar para o topo da colina, em meio à neblina, na possível direção do velho castelo, e logo se volta para frente. Mais uma vez ri e diz. – Tem razão, me desculpe por isso. Bem, vou seguindo nessa direção, vou fazer este convite para mais algumas casas aqui próximas. É uma manhã agradabilíssima, perfeita para uma

caminhada. – E assim ele segue alegre à esquerda do caminho, na intenção de alcançar outra trilha logo ali a baixo, passando assim pela sombra de uma grande faia solitária.

- Adeus então. – Diz Todyeld. - Adeus – Lodwein ainda pensativo despede-se. E os dois se viram rumo à cidade. Contudo, um estranho “espere lá” é ouvido e eles se voltam para a direção da voz. O pequeno homem, o qual havia os deixado usando uma contente face, encara-os a

alguns metros ali num atípico semblante. - O mestre Todyeld e o Lodwein somente vão ao mercado no segundo dia da semana. E hoje é o sétimo. O mestre Todyeld e Lodwein não descem à cidade nos dias cheios. E hoje é um dia cheio. – Fita com frieza os três, até mesmo o pobre burrinho não escapa do seu olhar.

Um silêncio desagradável, que somente não se torna insuportável porque é interrompido pelo farfalhar da grande faia, toma aquele lugar. Suas folhas douradas e vermelhas caem lentas por entre eles, quase que para amenizar aquela situação. Nenhuma folha ousa passar por entre os olhares a se cruzarem. Todyeld pensa em dizer algo. Lodwein também. O burrinho quer fugir. E Mellrich continua parado, os encarando como uma severa estátua.

Foi então, que para a surpresa deles, o pequeno homem abre um largo sorriso e depois dá mais uma de suas gargalhadas. No silêncio daquela manhã, e em meio aquela estranha situação, a risada soou macabra, mesmo cheia da alegria daquele homem. E que alegria suspeita ele expressa... Felicidade duvidosa demais...

- São tempos bons não é mesmo? E às vezes acabamos exagerando. – Mellrich olha para Todyeld e dá umas batidas na barriga. - Sempre é bom termos provisões quando se é um comilão. Vejo vocês hoje à noite. Não faltem. – Se despede sem mais surpresas, deixando para trás Lodwein, Todyeld e o burrinho de carga assustados e cheios de dúvidas sobre o porquê de tal tenebroso procedimento. Mellrich parecia até mesmo saber de algo. Algo que não deveria estar sabendo...

(Imagem da estranha cena às portas da cidade, do convite do conde Mellrich)

Capítulo II: Ponderações de Todyeld

O burrinho geme num baixo zurro. Lodwein acalma o pobre animal e pergunta

para Todyeld o que significaria tudo aquilo que havia acabado de acontecer. - Eu não sei, no entanto tenho péssimos pressentimentos. – Responde o velho agora

ainda mais enrugado observando Mellrich a se afastar. Ele volta-se para frente e, de repente, levando as mãos ao rosto lamenta em notável desespero. – Pelos grandes guardiões! Em que abismo nossas terras se encontram! Oh, céus. Sou um homem vivido e já vi muitas coisas, no entanto, isto conseguiu me atemorizar profundamente! Será este o início do fim?

- Acalme-se mestre! Também não é para tanto, o senhor acha que o conde Mellrich pode estar sabendo de algo?

Todyeld cessa seu passo, e parece vagar em pensamentos. Depois, para a surpresa de seu pupilo, ele esfrega o lacrimejo que lhe veio de súbito e

assua o nariz de uma maneira bem escandalosa provocando muito barulho, e ainda após isso solta uma extravagante risada. – Ah! Não se preocupe Lodwein, lebre branca das pradarias silvestres de Sihnerin, tudo vai ficar bem. Eu somente tive um relapso de tola loucura. Esqueça isso que viu.

Há um interessante fato sobre a personalidade de Todyeld Filperk, o qual lhe é muito peculiar: O de que aconteça o que acontecer, ele sempre vai tentar sorrir da situação e buscar, de alguma maneira, fazer o outro sorrir também. Era um senhor que vivia brincando com todos, um grande palhaço, na verdade. Amava passar vergonha em seu aprendiz. Gostava de inventar apelidos absurdos, como o da lebre branca. E este não é o único título que o pobre Lodwein recebeu em sua de vida. Eis alguns dos que se têm registro: Rato albino bisbilhoteiro das colinas verdejantes de Kais-Fuor, raposa maquinadora de ideias absurdas, quadrúpede alvo das planícies vermelhas, potro cacheado das longínquas praias de Farkweld, e por fim, um dos prediletos do velho maluco, o esquilo do alvorecer das tão formosas gélidas e remotas Montanhas Nevoentas. Sempre os apelidos-títulos seguiam este estranho padrão: Um espécime animal seguido de alguma característica deste, e depois o suposto local de origem, e tudo isso muito enfeitado com qualidades um tanto quanto incomuns e absurdas.

(Imagem de um rato, uma raposa, um potro e um esquilo) Todyeld não quer preocupar seu pupilo, por isso agiu dessa maneira e mudou de

assunto. Entretanto, uma agonia muito grande crescia dentro de si, e mesmo tentando não transparecer isto, não foi possível conter toda a aflição. Ele começa a dizer um pouco abatido enquanto seguem para a cidade. - Mas, você viu a ideia dele? Colocará homens de fora para ensinar os jovens de Alto da Mordida. É provável que aceite qualquer um que estiver disposto, colocará pessoas sem instrução alguma para ensinar. Quanta falta de responsabilidade! Você sabe por que ele tanto me quer como mestre de ensinos, não sabe? Se eu fosse mestre de ensinos, estaria bem nas suas garras insolentes, já que ele é o conde-do-ensino, e assim talvez eu pudesse soltar algumas pistas úteis aos seus vis propósitos. Este Mellrich está de olho em nós desde que viemos para cá. Suas dúvidas explodiram quando chegamos, há quase duas

décadas, e tínhamos a chave do velho castelo. Este homem sempre quis saber a razão de a termos. Em sua cabeça perversa, descobrir isso lhe é um desafio. Mellrich acha que temos amizades com seres importantes. É claro que isso é verdade, mas isto é um segredo! Ninguém daqui devia nem mesmo conjeturar tal fato! Eu tenho ainda dúvidas se as informações que ele consegue são repassadas para outros, se ele está a serviço de alguém do mal, fato que não duvido nada, ou se é apenas um gambá curioso. Você se lembra, não é mesmo Lodwein, que eu já o ajudei no centro de ensinos? Contudo eu fui muito tolo, deixei-me engrandecer pelo orgulho e em uma das aulas acabei falando mais do que devia, e aquela vil raposa, com suas orelhas em pé, ouviu e supôs muita coisa desde então.

- E você percebeu como ele menciona o castelo? Foi a primeira coisa que perguntou! – Continua o velho a remoer cada fato da conversa. – Estes são os grandes planos dele, se tornar senhor de Alto da Mordida e morar na fortaleza dos saberes. É claro que este é só o começo de suas maquinações, as quais por sinal, já estão quase completas. Eu tenho certeza que Mellrich será nomeado Conde-chefe esta noite pelos ignorantes anciãos desta cidade, ele e toda sua trupe receberão títulos importantes. Tudo isso faz parte de seu plano. – Um pesado suspiro. -Sinto estarmos sendo encurralados, pequeno esquilo. – Ele apelida Lodwein - Sinto que raposas e seres da noite nos emboscam, aqui, em Alto da Mordida...

Nesta última parte em nada consegue Todyeld ser suave, sua voz soa aflita e funesta. Eles então olham ao redor e veem os camponeses e suas filhas e filhos já começando a

aparecer, saindo e entrando na cidade. Neste horário cedo, quando o sol já se despontava há pouco tempo, os habitantes das terras vizinhas chegavam a Alto da Mordida para comprar o que precisavam. As carroças eram estacionadas fora da cidade, pois caso elas entrassem, poderiam causar muita confusão nas ruas não muito largas, assim era dito. Somente pequenos animais tinham permissão de entrar na cidade. E Todyeld, quase sendo contraditório com seu posterior pesar, escandaloso em suas brincadeiras, saúda a todos os camponeses gritando como um animal, erguendo a mão no mais alto e causando imensa vergonha no jovem Lodwein. Este, possuído de raiva, cutuca e belisca seu mestre. As filhas dos camponeses trocam cochichos ao longe e olham risonhas para os dois.

- Quiete com isso Tody! Você mesmo não disse que tínhamos de ser discretos! – Embravece-se ele.

- Tem razão, meu rapaz. Vou me aquietar, vou me aquietar. – Ele diz dando umas últimas gargalhadas da vergonha que passou em seu aprendiz.

- Você me humilha em público, Tody. – Comenta ele percebendo ser observado ao longe pelas donzelas.

- Saiba que as humilhações são boas meu rapaz! E há algo que tenho de lhe alertar. Tome muito cuidado com Mellrich, pois ele gosta de encher as pessoas de elogios para conquistá-las a seus vis propósitos. Você sabe muito bem de como sempre lhe avisei sobre o orgulho e a vaidade. Estes são grandes defeitos seus. Não só seus, contudo meus também. E é nosso dever lutar contra eles. É isso o que pede nossa ordem dos conhecedores, a humildade está intrínseca nela. Lembre-se do lema dos conhecedores: “Floud hillit, dare graun hum-humê”, “Aprender sempre, para ensinar humildemente”!

- Tem razão, mestre. – Concorda Lodwein. Entram na cidade, e o velho gorducho continua com suas ponderações. - Veja Lodwein, percebe estes aldeões? Você não os vê mais trazerem suas carroças

para dentro da cidade. - Mas mestre, as ruas são apertadas e isso tumultuaria a circulação dentro dela! E

afinal, o que isso tem haver? - Ora, isto no passado nunca foi um empecilho para os camponeses. Eles entravam

exprimindo-se uns nos outros, independente dos muitos conselhos que recebiam para não o fazerem. Sabe por que não entram mais? – Sussurra o velho. – Pois agora eles têm vergonha de suas carroças. Agora não mais se sentem satisfeitos de seu árduo trabalho no campo, sua colheita e tudo o que fazem nas fazendas.

- Com todo respeito mestre: Estás louco! – Debocha o moço. - Não. Você é que não consegue compreender. Desde que Mellrich trouxe toda essa

conversa de crescimento para a vila, tudo têm mudado. Ser pescador não é mais motivo de orgulho para a cidade, mesmo ela sendo de base pesqueira. Veja Lodwein, não são mais os pescadores que moram próximo da praça do centro, as suas casas foram afastadas para longe. E você viu o que está predominando lá agora? Um monte de comércios.

O pupilo começa a levar o velho mais a sério. - ‘A permuta é a moeda de Alto da Mordida’. Conhece esta afirmação? Sim... Ela já foi

dita por quem visitava esta vila, e isso um dia foi verdade. Contudo veja se ainda o é. Não há mais nenhum trocador de mercadorias nas ruas, todos somente aceitam ‘peças de prata ou bronze, e que tenham o sinal de Foz Pura, por favor’. Estão todos a ajuntar tesouros e somente isso lhes importa. Tire a prova por si mesmo. Chame qualquer um para conversar. Parecem cópias do conde Mellrich tagarelando. De cinco palavras quatro estão relacionados a ouro e a outra tem um brilho dourado. Rapaz, temo pela conservação da inocência dessa vila. É uma grande maldade o que está acontecendo nela. Seus valores e sua rica cultura estão sendo violentados por essa ‘melhoria’ trazida por Mellrich.

Assim seguiram os dois habitantes do castelo, juntos a Focinho, o nome dado por Lodwein ao burrinho. Adentram eles então a cidade a procura de produtos dignos de um rei, ou ao menos com potencial para tal. Encontram a venda de uma senhora com bigode e ombros largos, que mesmo não tendo uma aparência tão agradável, sua loja parecia perfeita. Possuía as mais finas ervas de cheiro, cogumelos e belas batatas. Todyeld já imaginava seu prato principal: Arenque assado. Sendo este o peixe mais abundante na cidade, seria excelente como uma espécie de boas vindas à Alto da Mordida. Ele aproveita e compra mais frutas, verduras e outros suprimentos para a estadia dos convidados. Carregam o animal de carga, e rumam para a rua branda, a mais larga. Ela cortava desde o meio da cidade, onde ficava a praça, e rumava à saída da parte sudeste.

(Imagem de uma rua e seus comércios em Alto da Mordida)

Mal dobram a esquina para a rua branda já se espantam. Como os dois habitantes do castelo temiam, um assustador número de pessoas entupia a cidade. E, por o lugar ser tão apertado, a sensação de abarrotamento aumentava. Este era, o tão evitado por eles, dia cheio.

Lodwein protege por muitas vezes seu mestre e sua carga que se chocavam a todo instante com algo ou alguém. - Isso não está normal mestre, por que será que há tanta gente assim? – Exprime o jovem se esforçando para manter as batatas e cebolas nas cestas de Focinho em meio aos encontrões e à barulheira.

- Parece que todos estão aqui para preparar a festa de hoje à noite. – Explica Todyeld. – Mellrich parece ter comovido toda a cidade.

Eles então entram numa ruela e vão costurando a cidade até a saída, achando, por fim, a estradinha para a colina do castelo. Ela seguia sem muitas curvas até o começo da longa escadaria do pequeno monte. Lodwein e Todyeld passam pelo elegante portal da entrada talhado em forma de arco e feito de cedro. Havia nele uma inscrição num idioma não comum que dizia: “De Tornnuin fuir náar, ilser suir ag fergar”, significando “Suba o Sábio cheio, vazio desça sem anseio”. A frase representa o antigo importante papel do castelo: Um guardião de conhecimentos4.

(Imagem do portal e da escrita no idioma não comum) Nota de rodapé: 4Há muito tempo atrás, na época de um antigo bom rei chamado

Niôdel, as terras de Nelwár prosperavam em todos os sentidos, principalmente na área dos conhecimentos. E para receber os muitos saberes trazidos em forma de livros e pergaminhos, vindos dos mares e oceanos, presenteados por reis amigos de reinos distantes, foi-se criado esta fortaleza para guardar toda a sabedoria trazida pelo mar, assim como as ciências do passado e os estudos produzidos naquele tempo e nos vindouros. Porém os reis posteriores foram perdendo o aprisco pelo saber, e o castelo foi esquecido. Somente sendo lembrado após muitos anos por um importante mago que confiou esse lugar às mãos de Todyeld, dando-lhe uma missão especial.

E assim eles seguem, puxando o animalzinho agora carregado de suprimentos. A neblina já havia se dissipado pelos raios de sol que vagarosos desanuviavam toda bruma.

Mal chegam à metade do caminho, Lodwein já pôde vislumbrar o castelo em meio às copas das arvores. Tão bela era aquela obra. Veio-lhe então à mente uma canção ensinada por seu mestre. Era perfeita para uma boa descrição da fortaleza. Assim cantou ele:

Aquele que foi, que o que pensou

O saber sem véus, ele honrou. No píncaro construído, e na colina foi erguido

Aquele que ar nobre tem. Em sua volta ninguém, Se iguala, ou supera, nem supera, ou se iguala

Ao leste raposas andantes

Lá entre imponentes ciprestes Doitro lado está cintilantes

O mar calmo no oestes

O fascinante jogo das suas torres É sua arte singular

Corpo principal sobe em andares Até o alto alcançar

Andares possui também

Diferentes, igual ninguém Torres sobem sobre torres-grãs,

Suportam as menores, as torres-anãs

Portal, não original, pois para proteger foi ele fundado D’escuro metal, o portão gradeado,

Portal igual nunca vislumbrado Pátio belo teatral, jamais igualado.

Para tu, coração bom, é afago sem negação

Para tu, perverso maldoso, é ameaça, tortuoso...

Imponente ele é, é sua natureza Guardião perene, exprime sábia beleza.

(Imagem do castelo)

Após terem atravessado o portão e se encontrarem no pátio do castelo pergunta

Lodwein ao tirar um cabaz de Focinho: - O que faremos agora mestre? - Bem... – Começa Todyeld antes de jogar o outro cesto em cima de sua pança, e

carregá-lo até uma porta do lado sul. – Precisamos comparecer à festa, você sabe muito bem da fama que já temos nessa cidade, não é mesmo? Será um evento muito importante para ela, e sem dúvida os habitantes compreenderiam como ‘mais uma falta de educação do velho Tody’. Eu planejava começar os preparos da estadia do rei esta noite, no entanto pelo visto terei de adiantar um pouco por agora, e concluir ao longo dos dias seguintes. Afinal, como os elfos somente chegarão na próxima semana, que é a primeira semana de lua cheia do outono, temos certo tempo.

Eles param em frente a uma porta de madeira com detalhes em ferro, pousam os cestos no chão. Todyeld mais uma vez recorre ao chaveiro usado para destrancar o portão, e abre a fechadura enquanto fala com seu pupilo. - Leve para a cozinha as batatas e as maçãs para a nossa refeição do meio dia, guarde o resto na despensa. Esta tarde você poderá continuar estudando, ou desenhando, o que queira fazer. Seria bom se revisasse a apresentação de

conhecimentos que você fará ao rei. Quanto a mim, vou deixar tudo pronto para amanhã, temos o reavivamento da Guerra5. Até mais. – E virando-se Todyeld acrescenta. – Não esqueças, quando o sol estiver para cair se arrume para a festa da cidade.

Nota de rodapé: 5O reavivamento da Guerra tratava-se de um importantíssimo ritual de comunhão a qual todos os membros de Kahvian realizavam no primeiro dia da semana. Kahvian era o grande exército eterno dos descendentes por excelência ou por mérito, dos guerreiros da Grande Guerra. A Grande Guerra foi a guerra mais importante e decisiva acontecida em todos os tempos. Sua importância era tanta, que por todo sempre foi reavivada.

Lodwein pega a chave com seu mestre. Pensativo e com uma feição preocupada, o velho se retira triste. Tomando as maçãs e verduras, o jovem leva-as até a cozinha situada no segundo andar do edifício leste, o principal. Após fazer isto, solitário ele caminha pelas muitas portas e escadas do castelo, até chegar a uma longa escadaria em espiral. Este é o caminho para seu quarto, o mais elevado do castelo, na alta torre sul. Outrora este foi o quarto de seu irmão, entretanto, quando ele começou suas longas viagens paladinas, Lodwein apoderou-se dele.

(Imagem da torre; dividindo o espaço com o texto acima) O quarto na torre era circular e tinha uma breve escadaria de pedra circulando-o pela

parede levando até uma sacada. Aquele era o ponto mais alto de visão de toda a região, era até assustador o vislumbre tido a partir de lá. Antigamente ali fora um observatório de astros. Isso justificava as incomuns aberturas no teto. Notável também era o grande acervo de livros sobre invenções que o rapaz guardava com muito zelo. Ele passava horas e horas vasculhando e estudando seu tesouro particular de conhecimentos. Lodwein, ao longo de sua vida, já havia até mesmo conseguido inventar algumas coisinhas interessantes. Talvez a mais fascinante de suas criações seja o PVESL-31, que são as iniciais de: Projeto Voador Engrenado Super Leve – número 31. Foram inúmeros testes até conseguir quase concluí-lo. A palavra quase foi utilizada por que quando se tratava de Lodwein, toda conclusão era incerta. Muitas eram as vezes que ele corria até Todyeld e dizia: “Veja mestre, eu consegui terminar de fazer tal invento! Somente falta-me fazer certo reparo e ajustar uma engrenagem e estará pronto”. E ele recebia como resposta: “Ora, mas se ainda falta algo, então como pode afirmar ter concluído?”. Era sempre era assim. No entanto pode-se dizer que o PVESL-31 era uma obra-prima, um invento muito fascinante e se têm importantes registros os quais relatam como a engenharia deste projeto auxiliou a muitos outros. A engenhoca conseguia alçar pequenos voos pelo quarto, usando de um sistema de pêndulos que conservavam parcialmente um movimento inicial, e faziam em seguida uma hélice rodar, levantando o projeto pelos ares. Seu voo era uma sequencia de pulsos que faziam o invento ir pulando pelo ar até cair no chão.

(Imagem do PVESL-31) Por causa disso, a viagem até Kais-Obîrg6 era uma utopia para Lodwein. Nota de rodapé: 6Kais-Obîrg era o reino dos anões em Nelwár, nas três montanhas, e lá

eles viviam em sociedade com os gnomos. Os maiores inventores de todos os tempos foram gnomos, e a genialidade parecia ser nata na raça deles. Por isso aquele lugar era um paraíso para todo e qualquer fanático pela engenharia dos inventos, ou inventor anônimo.

Lodwein acreditava que nunca conseguiria um dia ir até lá, pois por algum motivo até então misterioso, seu mestre nunca o permitia sair de Alto da Mordida, e algumas vezes, nem mesmo do castelo. Contudo, o jovem ainda não sabia da grande aventura que tomaria parte, vindo a ver e realizar muita coisa a qual nunca imaginaria fazer.

Ainda no quarto de Lodwein, encontravam-se rascunhos e muitas folhas com desenhos a carvão: Obras arquitetônicas incompletas, vestimentas não concluídas, humanoides sem alguns membros, e traços de um rosto em comum. O jovem rapaz tinha o péssimo hábito de começar a fazer um desenho e nunca concluí-lo por total. Isto irritava Todyeld, que sempre quando se colocava a ver a arte dele, questionava abismado: “Como pode começar algo e não concluir? Deste jeito você nunca irá melhorar suas habilidades!”.

Se aproximando então de uma pilha de papéis amontoados em um dos cantos da sala, Lodwein desenterra um grande objeto, no fim se revela: Sua cama. Esta foi uma curta etapa bagunçada na vida dele. Depois de certa idade, ele se tornou muito ordeiro. Se joga espalhando-se todo, cruza os braços atrás da cabeça, e fita o teto e suas estruturas de madeira. - E de pensar que daqui a alguns dias os elfos vão estar aqui. Eu preciso ensaiar minha apresentação de conhecimentos, pois se algo der errado o mestre Tody me jogará pelas janelas do castelo. Porém nem sei por que ensaiar tanto, se chegando na hora sempre mudo tudo que planejei mesmo. – Conversa Lodwein consigo mesmo.

Ele vasculha alguns papéis ali próximos, pega uma fina e lisa tábua de madeira, põem um desenho inacabado em cima dela. Começa a apalpar a cama, as costas, e ao passar o dedo na fresta de um dos tijolos, um fino carvão pula do orifício. Aconchega-se na cama, e continua a dar feições ao semblante do papel. Já havia antes um nariz, e dois olhos, agora uma delicada boca entreaberta surge. Traços velozes dão aos olhos um brilho antes desconhecido, e em baixo de lisos fios uma orelha pontuda surge do lado direito. Lodwein desenhava um elfo, na verdade uma elfa, uma bela donzela élfica. Ela já aparecia em outras criações suas desde há muito tempo. Mas, quem seria esta elfa que ele desenha?

(Pequena imagem de Lodwein desenhando a elfa)

A tarde vem, Lodwein vai à cozinha e descobre que Todyeld já havia almoçado. Ele toma uns embutidos de carne e umas maçãs depois volta para seu quarto. Horas depois o sol começa a cair, e o rapaz logo veste uma elegante túnica de linho, antes de jogar sobre os ombros sua pesada capa de peles. Indo até a sacada de seu quarto, sente o agradável cheiro da brisa do mar, e já ouve lá embaixo no oeste a cidade vibrando em festa. Estava na hora de ir para este abundante banquete comemorativo, e seu mestre já o esperava.

(Imagem de Lodwein na sacada)

Capítulo III: Ceando com as raposas

Gaiteiros e flautistas habilidosos acompanhavam as batidas dos pés no chão e das

canecas nas mesas, enquanto rabecas uivavam seguidas dos vibrantes sons dos alaúdes dos marinheiros. A praça da cidade estava cheia, muito colorida e iluminada, quase todos os habitantes estavam lá. O grande círculo e as ruas as quais desembocavam nele estavam todas lotadas de mesas dispostas de forma aleatória, porém a maior de todas elas destacava-se bem no centro. E somente os mais importantes da cidade sentavam-se nela. Mellrich e sua família já tinham seus lugares garantidos, é claro. Para todo lugar se via uma grande diversidade de comidas e bebidas que os próprios moradores haviam preparado e levado para dividir com todos. A mistura de cheiros no ar era de abrir o apetite de qualquer um.

Lodwein e Todyeld haviam trago uma cesta de cogumelos e uma modesta garrafa de vinho. E eis que mal atravessam a rua branda, são avistados por um amigo. - Ei Tody! – Ouvem um grito à esquerda deles, e ao se virarem avistam um braço rechonchudo acenando. Eles logo seguem nesta direção.

- Meu velho amigo Osyf! – Exclama Todyeld enquanto abraça aquele homem, o qual se assemelhava muito a ele. Após um forte abraço cheio de tapinhas nas costas, Todyeld olha para Osyf e para o redor. - Como vai você e sua família, meu amigo? E onde está Reci?

Uma grande gargalhada embala o homem e ele responde. - Tudo vai bem meu querido Tody! Minha família e eu agora estamos em um novo negócio! Como eu tenho muitas filhas habilidosas na costura, entramos na produção de indumentárias. Estamos vendendo tudo o que produzimos, temos clientes até mesmo em Foz-Pura! A cidade mais importante das redondezas.

- Interessante... – Comenta Todyeld num lento fechar de rosto. Ele se entristece por ver que até seu amigo tinha sido dominado pelo sentimento trazido por Mellrich.

Osyf também acaba ficando sem alegria. Ele bem sabia que aquele tipo de assunto não agradava muito a Todyeld. Também, como fazia tempo que eles não se viam, estavam um pouco desajeitados para conversar.

- Mas, e onde está Reci, sua esposa? – Pergunta o velho mestre mais uma vez. - Sim, sim, Reci, minha esposa! Ora, isso é mais uma das birras daquela mulher! Os

organizadores da festa obrigaram nossa família a providenciar as roupas de mesa, e isso a enfureceu. Você bem sabe como ela odeia quando a obrigam a fazer qualquer coisa. Por isso disse que não viria para cá e preferia comer sozinha em casa. Aquela mulher... Mesmo irritada costurou todos os panos de todas as mesas da festa, porém não quis vir. E mesmo dizendo a ela que seu afilhado Lodwein estaria aqui, não foi suficiente para convencê-la.

Todos então riem de Reci, do seu jeito de ser. Ela era de uma personalidade muito forte. - Contudo, Reci prometeu que amanhã ou depois subiria ao castelo para ver como

Lodwein está. E também lhe dar seu presente. Que dessa vez parece ser algo muito diferente e especial. Em breve você fará aniversário não é mesmo rapaz? Quantos anos fará? – Pergunta Osyf.

- Sim, é verdade. Farei dezoito anos. – Responde Lodwein curioso pelo presente de Reci.

- Que bom, que bom! – E não mais perdendo tempo, Osyf entra no assunto que mais lhe interessava. - Pois bem, vamos sentem-se conosco meus amigos! Há há! Pelo inconfundível cheiro, esta cesta deve estar cheia de seus deliciosos cogumelos, não é mesmo Tody? – E ele tinha razão, em meio aos tantos outros, o dele se destacava.

- Oh, sim é verdade, eu os preparei. E aceitamos seu convite com prazer. Todyeld logo sentou-se junto de seu companheiro, enquanto que Lodwein procurou

um lugar ao lado de seus dois únicos amigos, mais ao fim da mesa. Chegando lá, os encontra e ele é logo questionado. - Diga lá Lodwein, quanto tempo,

não? Como vão as coisas? – Pergunta Ferif, filho de Osyf, e seu primo de consideração. Um garoto moreno muito alto para sua idade, de ombros largos e cabelos negros como carvão, um típico habitante de Alto da Mordida.

- É verdade, já faz um bom tempo que não nos vemos. Nunca mais me procurou nem mesmo para comprar o fruto seco. – Acrescenta Widol primo de Ferif, sobrinho de Osyf, sentando-se à direita. Ele já fora muito íntimo de Lodwein, contudo é difícil manter uma amizade com o “garoto do castelo”, o qual raramente aparecia na cidade e quando o fazia não delongava-se por demais; depressa voltava para sua casa. Widol fora um dos poucos meninos de Alto da Mordida a visitar a fortaleza dos saberes e a até brincar no formidável pátio dela. Rapaz loiro de olhos claros, e de humor estritamente peculiar.

- Desculpem-me, mas nos últimos tempos tem sido difícil descer do castelo. Sempre há muito que fazer. – Reponde Lodwein um pouco embaraçado.

- Tudo bem. Relaxes quanto a isso. – Widol foi o primeiro de suas terras a usar o verbo ‘relaxar’ dessa maneira. – E o que tu tens feito de tão importante?

Após uns gaguejos, e uns sorrisos, Lodwein consegue juntar as palavras certas. - Ando estudando muito, entende?

Widol e Ferif se entreolham, e ambos o observam. Sempre cheio de mistérios e esquisitices. Entretanto, Widol põem um sorriso no rosto e acalma seu amigo. - Está certo então. – Ele diz. – Vamos sente-se logo, antes que chames mais atenção, conhecedor dourado.

Lodwein entende que o apelido se referiu ao fato dele ser um conhecedor, e seu cabelo ser cor de mel escuro, porém não entendeu a outra parte. – Chamar mais atenção? Como assim Widol?

Enchendo os copos com uma bebida típica do povoado, muito saborosa, ele explica: - Ora, desde que chegastes minhas primas não param de olhar para cá. Da mesma

forma como as meninas daquela mesa, e também as dali. Contudo, com segurança no que falava e ignorando os olhares, Lodwein lembra-se dos

conselhos de seu mestre e é irredutível enquanto vira seu copo cheio de bebida. - Não seja tolo, meu amigo, você sabe muito bem que tenho muito o que estudar e não tenho tempo para isso.

Por sua vez, Widol retruca indiscreto e sarcástico: - Tens razão Lody, tu ainda tens de estudar a forma correta de falar com Ladlia, a filha do conde, não?

O jovem naturalmente pálido torna-se ainda mais branco. A bebida a qual já lhe descia pela garganta volta ao copo num engasgo que se repete. Ferif e Widol dão gargalhadas.

- Acalme-se Lodwein. – Recomenda Ferif. E ele tenta, contudo a pergunta o pegou de jeito, sem contar que ele se incomodava em

falar desse tipo de assunto tão próximo de seu mestre assim. Olha para os lados, verificando se ninguém mais ouviu algo. Sem mencionar que achou a piada bem inteligente.

- Às vezes eu penso nela, contudo eu não quero mais fazer isso. – Começa a dizer sem jeito após terminar seu golpe interrompido. - Quero esquecê-la, entende? Para ser sincero, até já me esqueci quem é ela. – Afoga Lodwein suas mágoas juvenis naqueles goles da bebida não alcoólica, parecendo até um homem muito vivido. Ladlia fora a primeira garota que Lodwein se apaixonou, e seu inconsciente ainda nutria algum sentimento, assim como sempre acontece com a primeira paixão. Porém, o pai dela era Mellrich, e Todyeld, seu mestre, não gostava nenhum pouco dele, tinha medo do que esse conde era capaz. O jovem nunca entendeu muito bem todas essas desconfianças e certas vezes achava um exagero, todavia, em respeito à sabedoria de seu mestre, preferia manter distância dele e dela.

Os amigos conversam sobre muitos outros antigos assuntos até que então a cesta de

cogumelos chega ao final da mesa, e mais da metade já havia ido embora. Os três rapazes pegam alguns, colocam em seus pratos, e começam a mordiscá-los.

- Ora, está muito gostoso Lodwein! Tu que os fizestes? És um menino prendado. – Provoca o loiro comediante causando risos entre os três.

Ferif lembra-se de algo importante. - Ah, é verdade Lodwein, já ia me esquecendo de lhe contar, Widol tirou a sorte grande: Está noivo de Imeinla.

- Imeinla? A filha de Fegral, o ferreiro? Aquela do cabelo de longos cachos? – Pergunta Lodwein perplexo. – Você sempre a amou tanto! Bem, para ser sincero, você e metade de todos os rapazes de Alto da Mordida.

Widol, com uma feição de bobo, admira um cogumelo em sua mão, começa a o acariciar como se tocasse a própria Imeinla dos longos cachos. E para deixar a cena ainda mais incomum, beija o cogumelo. Dá um suspiro apaixonado. – Sim... Ela mesmo... Invejem-me se quiser. – Diz ele antes de gargalhar. Fez toda essa encenação para ser engraçado, ele era um cômico.

- Mas, deixando as brincadeiras de lado, é verdade. – Recomeça Widol seu discurso agora com mais seriedade. – Há algum tempo eu e Imeinla vínhamos nos encontrando em segredo. Tacava-lhe pedrinhas na janela pela noite, e escalava a árvore do vizinho; conversávamos a noite toda. Vi que ela não é tão metida, como muitos me diziam, e é muito digna. Pedi-a então em casamento ao seu pai semana passada, no primeiro dia do outono, e para minha surpresa ele aceitou, e acredite, de bom grado. O velho temível e assustador Fegral aceitou. Eu que pensei que iria sair de lá atravessado por sete espadas recém-forjadas, sai noivo de sua filha. Fiquei muitíssimo feliz. Acho que vai dar tudo certo, já que agora meu tio Osyf começou a venda de vestimentas, e eu trabalho levando a carga para as outras cidades, estou ganhando uma boa quantia por isso. Vou comprar uma casinha bem ali no círculo da

esquina-do-norte, para mim e minha donzela dos longos cachos castanhos. E planejo o casamento para antes do fim desta estação. Devo dizer que este outono promete!

- Com certeza. Fico feliz por você meu amigo. – Afirma Lodwein, que depois saboreia um pouco de sua abóbora cozida sem nem imaginar que a afirmação de Widol era muito verdadeira: Este outono prometia...

Até que algo inesperado começa a acontecer entre os rapazes. Ferif olha para Widol e faz um aceno com a cabeça, seu primo por sua vez entende o significado disto.

Descendo até Lodwein, que se agachava para encher a boca de comida, Widol cochicha. - Você tem certeza absoluta que se esqueceu de Ladlia, não é? Espero mesmo que sim, meu amigo.

Antes que o rapaz pudesse perguntar o porquê disto, atrás dele uma agradável voz feminina o cumprimenta. - Olá Lodwein.

O rapaz se volta para trás e vê uma donzela de pele alva à direita de um rapaz muito semelhante a ela; deveriam ser irmãos. Seus cabelos escuros e lisos.

Lodwein engole os pedaços quentes de abóbora, que descem rasgando pela sua garganta. Ele não deveria ter enchido tanto sua boca. - Ah, olá Fiagred, filho de Mellrich. E olá Ladlia, filho de Mellrich. – Consegue dizer após se levantar de súbito batendo sem querer no seu copo e derramando o que lhe sobrava de bebida. Lodwein, em sua mente, começa a se perguntar por que teria começado o cumprimento pelo irmão dela, e não por ela. Depois percebe que dissera: “Ladlia, filho de Mellrich”, sendo que o correto seria “filha”. Ele então toma ar para começar a se explicar, mas desiste por perceber que se atrapalharia demais. Nota que estava fazendo uma careta feia por causa disso e deseja ficar mais ameno. Todavia sua sobrancelha pesava demais para parecer calmo. Em segundos dentro de si ele já se torturava por ter cometido tantos “erros gravíssimos”. Assim ele pensava. E sua garganta ardia pelas abóboras, e temia que Ladlia tivesse percebido a pequena lágrima que lhe escorreu pela dor do imenso montante a qual lhe desceu pela “goela”, mesmo tendo esfregado-a o mais depressa possível, e dessa forma sujando seu rosto com a manga nada limpa de sua túnica. E por causa disso o rapaz desejava se esganar com a maior força do âmago do seu ser. Contudo, já deve bem ser claro que tudo isso não passava daquele catastrofismo que parece estar intrínseco nesta etapa da vida de alguns jovens, não é mesmo? Na verdade, o moço não conseguiu se concentrar mais quando viu a pequena boca vermelha e bem desenhada em meio às duas bochechas rosadas de Ladlia. Da mesma forma perdeu o controle ao ver aqueles dois olhos grandes e bonitos da moça. Seus cílios longos criavam uma atmosfera toda única e envolvente no seu olhar. Não foi possível, para ele, manter a calma. Foi isso que aconteceu.

- Seja bem vindo Lodwein, e também o senhor, mestre Todyeld. – Começa Fiagred, o irmão da moça, um rapaz de fala educada, entretanto com um tom pernicioso. Olhava para o velho que já estava do outro lado da mesa a observá-lo. – Eu e minha irmã viemos aqui, em nome do nosso pai, conde Mellrich, convidar-vos a se sentarem conosco na mesa principal.

Todyeld dá um breve sorriso, olha para Lodwein e para a aconchegante família que o recebeu por primeiro. E começa a se irritar e sentir-se envergonhado pela ousadia de Mellrich. Todos estavam a olhar para ele e esperavam sua resposta, até que alguém intervém na escolha.

- Não se preocupem. Diga ao vosso pai que os dois em breve estarão lá. – Osyf em pé e com sua mão no ombro de Todyeld é quem responde.

Fiagred, o filho de Mellrich, fita o velho mestre ainda sentado em sua cadeira, e espera uma resposta dele. E após um olhar para seu amigo Todyeld declara. - Pois então em breve estaremos lá.

Fiagred e sua irmã se despedem e vão. Antes que Todyeld pudesse dizer algo, Osyf fala-lhe baixinho. - Não se preocupe com

nada. Você sabe muito bem que não sou tolo. Eu sei o que se passa, pode ir sem problemas. - E após isso inventa uma explicação para toda sua família em alta voz. - Sem dúvida é uma grande honra sentar-se à mesa principal, alegremo-nos pela honra de nossos amigos.

Todyeld se admira pela sagacidade do homem ao seu lado, e compreende o porquê de considerá-lo um grande amigo. Osyf já sabia que o conde Mellrich gostava de jogar com Todyeld. Aos olhos de todos, ele mostrava-se como um homem perfeito e maravilhoso, porém tinha uma vida secreta, cheia de planos e investigações esquisitas, manipulando uns e perseguindo outros. E é graças a estes mistérios que Tody tinha muito medo do conde, o qual aos seus olhos poderia ser somente mais uma vítima do sistema vigente, o sistema das falsas aparências e de ostentações vãs, ou não ser tão inocente assim. E se não fosse, Todyeld e Lodwein estariam correndo sérios perigos. Isso, o velho bem sabia.

Com breves despedidas ele e Lodwein se encaminham para a mesa principal. Widol e Ferif os acompanham até próximo do centro da praça, depois, porém também se despedem.

Mal se aproximam da mesa principal, Mellrich logo grita por eles. - Mestre Todyeld!

Por favor, sente-se aqui! – Aponta para um lugar que obriga seu filho Fiagred a providenciar, o próprio lugar dele.

Todyeld diz que não seria preciso, e pede para Fiagred permanecer. Entretanto, a insistência sorridente e impertinente de Mellrich é tanta que ele aceita. O filho do conde se senta logo ao lado, seguido de Ladlia, sua irmã, por fim Lodwein.

- Então meu amigo? – O conde respira fundo e aperta firme o braço de sua esposa. Ansiosos e inquietos soltavam umas risadinhas ao pensarem na mesma coisa. - O que achou da grande novidade? Hein?

Todyeld ainda tentando se arrumar em seu assento almofadado, dá pouca atenção àqueles dois. Até que os fita e acha esquisitíssimo toda a áurea que os dois criavam pela expectativa de sua resposta. E, contraindo-se de leve para trás, o velho questiona. - Desculpem-me, do que se trata?

Mellrich e Alne gargalham barulhentos e isso estranharia o velho, se ele já não estivesse bem ciente de que aquele casalzinho berrava risonho por qualquer banal motivo. - Eu fui escolhido como candidato para Conde-chefe! – Exclama Mellrich orgulhoso, mordendo os lábios. Sua esposa, com risos empavonados afagava seu ombro, enquanto se inquietava em sua cadeira somente em conceber a ideia do marido ser o novo Conde-chefe.

O mestre de ensinos, que estivera estático diante da cena dos dois, se vira para frente. - Minhas congratulações. – Responde pondo as mãos sobre a mesa, puxando as mangas e

escolhendo o melhor vinho e bons pedaços de galeto e pão. Depois se pondo a comer, ignora os dois ao seu lado.

Mellrich e Alne sentem-se sem graça pela desatenciosa e insatisfatória parabenização de Todyeld. Fecham seus sorrisos cochichando um pouco aqui, um pouco ali, se calam. Mas isso não seria por muito tempo.

Por sua vez, o velho em nada estava distraído, e em sua mente, com muita angústia, pensava: “Como se eu e vocês já não soubéssemos, suas vis raposas! Seus planos estão acontecendo bem como queriam, não é mesmo? E quanto a mim, como desejavam, caí na emboscada. Eu estou no covil de vocês. No covil das raposas, ceando com elas”.

Enquanto o conde Mellrich, não contendo-se no silêncio, iniciava um orgulhoso

diálogo com Todyeld, narrando diversas “aventuras dos negócios”, Lodwein, seu pupilo, do outro lado pensava sobre a situação em que se encontrava: A sua esquerda a graúda esposa de um bem nutrido outro conde se remexia quando devorava, como uma selvagem, entre grunhidos um pernil bronzeado de peru. Contudo, em contrapartida, à sua direita, uma donzela muitíssimo refinada degustava um pequeno naco de pão banhado num odorífero molho escuro. A maneira como a moça levava uma bandejinha para prevenir a possível queda de alguma gota, era de uma etiqueta inigualável. Sim, quanta beleza no modo de agir. No entanto, seria melhor que ela continuasse no seu teatro de boas maneiras, pois suas palavras possuíam uma soberba insuportável. - Meu pai foi escolhido como candidato a Conde-chefe. O que acha disso Lodwein?

Ele se assusta por ver que Ladlia, a filha do conde Mellrich, o questionava sobre algo. Gosta de ouvir a voz dela, tão agradável, apesar de tudo. - Acho muito importante, é um considerável cargo. – O jovem diz a primeira coisa que lhe veio à mente.

- Considerável? – Ladlia, porém, entende isso como uma ofensa. – Outros cargos são ‘consideráveis’, Lodwein. Não sabe que um Conde-chefe é a cabeça da cidade desmiolada? Pescadores são ‘consideráveis’, vendedores são ‘consideráveis’, fazendeiros também o são, até mesmo os mestres de conhecimen... – Ela se cala, esbugalha seus olhos, põem a mão na boca e continua num tom de espanto. – Como sou parva! Desculpe-me Lodwein. – Agora ela segura a mão dele. – Você deseja seguir a carreira de seu mestre não é mesmo? – Interroga consternada. - Não quis menosprezar o cargo de Todyeld! – Quis ela ser o mais irônica possível em sua ridícula vingançinha.

Lodwein até já havia pensado em ser um mestre de conhecimentos, contudo nunca se decidiu sobre o assunto. Não por não gostar da ideia de ser um, e sim porque queria se tornar um inventor. Ele respeitava muito o seu mestre e o seu trabalho. Ao seu ver, era um dos cargos mais honrados.

E agora, conhecendo finalmente quem era Ladlia, o rapaz percebia que os comentários sobre ela eram verdadeiros: Não passava duma metidinha asquerosa, apesar de ser belíssima e, sem dúvida, a mais linda da vila.

Lodwein, então, retruca com severidade. - Talvez eu me torne um, afinal, é um trabalho digno. E na realidade, é um dos mais importantes. Pois é ele quem passa o

conhecimento e a sabedoria para todos os outros cargos, até, e principalmente, aos condes, se quer saber. Teria orgulho de um dia o ser. E caso não tenha percebido, sendo seu pai o conde-do-ensino, isso faz dele algo bem parecido de um mestre de conhecimentos. - Lodwein podia parecer tímido e acanhado, entretanto defendia a verdade com justiça, e sabia dar contra-argumentos à altura numa rapidez de pensamento impressionante.

Ladlia se cala e observa o jovem com outros olhos, e sinceramente se admira pela posição contrária dele. Suas opiniões e declarações sempre eram incontestadas pela maioria das pessoas; ninguém nunca discordava dela. E a moça, que apesar de tudo era muito inteligente, sem nenhuma ironia, afirma pensativa. - Tem razão Lodwein... Tem toda razão...

No fundo Ladlia era uma boa pessoa. Um dia, na época em que Lodwein se apaixonou por ela, foi uma garota bem melhor. Contudo a beleza subiu sua cabeça. Vivendo sempre rodeada de elogios, falsas amizades e rapazes aos seus pés, a moça acabou se tornando uma pessoa muito vazia. Sem mencionar que em sua casa seus pais sempre gostaram de ostentações e também mantinham amizades por interesse. Isso lhe serviu de mau exemplo. Mas quem sabe um dia ela aprenderia. A vida poderia lhe ensinar. Quem sabe não voltaria a ter o bom coração que teve em sua infância. E assim realizar atos importantes e honrosos para Nelwár, e talvez até mesmo em terras mais distantes.

(Imagem de Ladlia, a moça confusa) Eis que então os anciãos decidem anunciar quem seria o novo Conde-chefe, quem

encabeçaria o conselho. Este deveria representar a cidade diante dos grandes conselhos e assembleias. Era o cargo mais alto que alguém poderia desejar dentro de uma cidade.

Todyeld já sabia quem seria nomeado. Quem seria nomeado também já sabia que seria o escolhido. Todos já sabiam.

Após o pessoal calar-se um velho cabeludo se levanta e de fala vacilante balbucia de dedo erguido e olhos fechados. - Eu, Rytosguil, fi-filho de Rytoskar, li-líder dos anciãos, e em nome de todos nó-nós, os ma-mais velhos, nomeio, a-agora, para este cargo de li-li-liderança, que é mu-muito importante para nó-nós, habitan-tan-tantes de Alto da Mordida, que há mu-muito esperamos por melhorias, que estamos mu-muito fe-felizes com isso, e que a-a-a-achamos esse cargo mu-muito importante, mas... Porém... Esperem... Esperem... Eu, Rytosguil, fi-filho primeiro de Rytoskar, no-no-nómeio: O jovem Mellrich, co-como-Conde-chefe Mellrich, e que a-a-ago...

Toda a cidade explode em festa apagando a voz do velho caquético. Os habitantes de lá gostavam muito de Mellrich, pois afirmavam que ele já havia feito muito por todos. Ele poderia não ter fundado a vila, no entanto era graças a ele que a vila se tornara uma cidade oficial. Todos o aplaudiam. Alne era quem parecia mais feliz. Seu marido também estava muito contente. Contudo, o sorriso em seu rosto era carregado duma estranha alegria, e isso Todyeld não deixou de notar.

- Querido povo de Alto da Mordida. – Se levanta o mais novo Conde-chefe de braços

erguidos, iniciando seu discurso com muitas palmas e tilintar de harpas. – É uma grande honra para mim, receber esse cargo tão importante... – O barulho o interrompe, e bem

humorado pede silêncio. - Alto da Mordida outrora foi uma pequena vila de pescadores, mas com os esforços de pessoas dedicadas por inteiro ao bem de todos, ela cresceu. Lembro-me das tantas viagens que já foram feitas para trocar nossos recursos por metais. Com o tempo fomos acumulando riquezas, e investimos em nós mesmos. E vejam isto! Hoje comemoramos nossa nomeação como uma cidade oficial! Não pararemos por aqui. Antes, Alto da Mordida não fazia parte da província de Corgham do Oeste, hoje ela faz. Outrora, éramos visitados somente por piratas e marinheiros mal intencionados, nos dias atuais somos visitados por diferentes povos e de boas raças. – O mestre Todyeld se inquieta. - Tempos atrás, Foz Pura nem mesmo sabia da nossa existência, agora somos nós é que sustentamos os estoques de mercadorias distantes deles. Podemos nos orgulhar de nós mesmos. Temos algo para se orgulhar. E é Corgham do Oeste que mais deve se alegrar pela nossa integração a ela! – E após as muitas palmas grita para a multidão vibrante. - E toquem música, e encham nossas canecas, pois vamos festejar! – E a cidade cumpre o pedido com muito prazer.

Todyeld se desespera, pois ouviu mais na fala de Mellrich do que todos souberam

escutar. Em instantes se levanta, antes mesmo do conde se sentar, vai até a cadeira de Lodwein, cochicha algo para ele, o jovem ouve, levanta-se, segue seu mestre, eles correm para o meio da multidão borbulhante. O Conde-chefe olha ao redor, percebe que seus dois convidados não estavam lá, os vê correr logo adiante, tenta segui-los, não consegue, todos pulavam, gritavam e cantavam, a movimentação era intensa, as pessoas viam que Mellrich estava entre elas, todos o abraçavam, saudavam, bailavam, ele desiste de persegui-los, mas ele sabe porque os dois fugiam. Sim, ele sabe.

Enquanto isso, não muito longe dali, correndo por uma pequena estradinha Todyeld

ofegante, perguntava a si mesmo repetidas vezes. - Como ele sabe? Como ele pode saber? - O que foi mestre? O que aconteceu? - Lodwein não entende nada. Correm para o castelo e se trancam nele. Nada foi dito entre eles. O velho corre

tropeçando pelos corredores escuros do castelo a procura de algo, ou alguém. O rapaz, sem palavras, não entendia o que estava acontecendo.

(Imagem de Lodwein dentro do castelo, com feição de incerteza vendo seu mestre fugindo em tropeços pelos corredores escuros do castelo)

Capítulo IV: Os moradores do castelo

Na manhã seguinte, Lodwein após realizar todas as suas meditações, desce para a

cozinha, e encontra Todyeld. O velho cuidava de duas grandes panelas no fogo. Sua feição era de angústia e parecia não ter dormido bem.

O jovem senta-se à mesa e prepara algo para comer. - Bom dia Todyeld. - Disse ainda de boca cheia e de olhar questionador.

- Olá Lodwein. Bom dia. – Responde o barrigudo com uma voz cansada sem virar-se. As panelas borbulhavam, e o cheiro de batatas cozidas pairava no ar. - Diga, Tody. O que aconteceu ontem? Lentamente, largando a colher de pau num longo suspiro, e se voltando para o pupilo,

ele começa a explicar-se. - Eu acredito que Mellrich saiba... Saiba sobre a visita especial que receberemos por estes dias...

- E como ele teria descoberto?! E como você poderia saber disto?! Ora mestre, se tudo isso for por causa das tais visitas que ele mencionou no seu discurso, você está exagerando. Não tem nada haver com o rei élfico!

- Silêncio Lodwein! Não diga isto em voz alta! Quantas vezes preciso lhe repetir isso? E quanto ao que você diz, não meu rapaz, está errado. Meu senso me alerta, e de uma maneira como nunca havia feito antes. E também sempre houve os pesadelos... Sempre sou avisado. Sempre! Mellrich deixou aquilo nas entrelinhas de propósito. Isto, pois Alto da Mordida não foi visitada por nenhuma “boa raça”, como ele disse no seu discurso. E como todo mundo sabe, essa expressão, boa raça, indica os elfos. Eu conheço bem aquela raposa, já convivi com ele e sei quando está planejando algo! Acredite meu rapaz, Mellrich sabe muito mais do que deveria saber...

Lodwein agora um pouco incerto, tenta argumentar. - Nós também nem sabemos se a nossa ‘visita especial’ virá.

- Nosso convidado não faltará. Recebi uma mensagem em minha janela esta noite, um pássaro mensageiro. Até temos um prazo desta vez. Ele e sua comitiva deverão chegar logo após o quarto sol seguinte cair. Devem estar entrando agora no bosque das raposas em nossa direção. Espero que tudo dê certo.

O jovem então ouve um estranho som vindo lá de fora, zurros de um animal assustado, e questiona. - Mas e o que é esse barulho, mestre?

- É Focinho, ele está assim desde a primeira hora do dia, está incomodado com alguma coisa. – E falando num tom funesto, Todyeld acrescenta. - Quem sabe este burrinho tem o dom élfico da visão, e está prevendo algo...

Lodwein, indignado com o clima assustador, e impaciente como era quando se tratava de assuntos desse tipo, logo grita. - Ora! Quiete com isso Tody! Falar nefastamente assim somente trará mais trevas! Mellrich devia estar se referindo às novas embarcações dos anões que em breve pousarão aqui. E é provável que Focinho tenha comido algo que lhe fez mal.

Você sabe como ele come tudo que vê pela frente. É isso. Vou lá acamá-lo agora, e quanto ao senhor, pare com essa choradeira agonizante!

O velho mestre mexia a colher de pau em silêncio, e o máximo que expressou foi um forçado sorriso e um “tem razão”, sem muito ânimo.

Lodwein desce para o andar inferior, vai para fora do castelo, até o pátio, e segue em

direção a um salão da fortaleza, onde outrora foi uma pequena galeria de exposições, e que agora servia como um estábulo improvisado. Lá encontra Focinho suado. Contudo, o clima estava frio e o céu anunciava chuva em breve, assim não era por calor que ele transpirava tanto. Investigando melhor o animal e o local observa que ele não dormiu nada bem, era provável ter passado mal a noite toda.

O rapaz acha isso estranho e comenta com o burrinho. - Quer dizer então que até você anda tendo pesadelos com algo, Focinho? Era só o que me faltava...

Foi quando um barulho veio do grande portão de ferro, alguém batia nele com um objeto de metal, o qual fazia um tilintar irritante de se ouvir ecoar pelo castelo. Como Lodwein estava mais próximo, saiu e foi ver quem era.

Logo se alegra muito, pois ao portão estava Reci, a esposa de Osyf, sua antiga ama de leite. Lodwein a amava muito e a tinha como uma mãe, entretanto nunca a chamou assim.

Não demora e Todyeld põe a cabeça para fora duma janela da cozinha, lá no alto, e avista sua amiga Reci. Com isso desceu depressa para lhe abrir os cadeados. - Senhora Honroso! Que prazer o nosso em tê-la aqui conosco! – Declara Todyeld em alta voz enquanto cruza o pátio da fortaleza. Por algum motivo, ele sempre chamava Reci Honroso, esposa de Osyfus Honroso, pelo sobrenome dela, e isso, precedido de um título de respeito. Mesmo ela insistindo inúmeras vezes, o velho nunca a chamou de forma diferente.

- Oi Lodwein, meu filho! E olá, Todyeld! Vamos, abram depressa essa porta, porque vem vindo uma forte chuva. – Afirma a mulher baixinha de cabelos curtos e volumosos, trajando vestes simples, mesmo sendo uma grande costureira; ela não gostava de ostentações.

- Oh, claro, dona Honroso. Perdão. – Desculpa-se Tody abrindo o portão o mais depressa, e com certo receio de Reci. Isso era até cômico de se ver, o medo que o velho mestre de conhecimentos tinha da senhora. E ele não era o único. A mulher baixinha era famosa por ser brigona e nervosa. Embora Reci, na verdade, era muito justa e apenas brigava pelos seus direitos. Quanto a Tody, este sempre teve enorme temor do que a pequena esposa de seu amigo poderia lhe fazer. Ela já nem se importava mais com isso. Cansou de se importar.

- Olha, fiquei sabendo de uma coisa muito esquisita! Osyfus me disse que vocês foram à festa ontem, não é? Porém desapareceram antes do fim da festa de uma hora para outra. Que história é essa? – Quer Reci saber, para preocupação dos dois.

Ora, Tody bem sabia que ela não era fofoqueira, entretanto era muito curiosa e faria de tudo para saber a verdade. E, mesmo sendo uma grande amiga, não lhe podia contar nada sobre os motivos de sua fuga. Afinal, ele supunha que Mellrich soubesse sobre a vinda do rei elfo e que dera uma pista disso nas entrelinhas de seu discurso. E ninguém, além dos moradores da fortaleza dos saberes, deveriam saber desse segredo. O velho barrigudo tinha de

ser rápido numa desculpa. - Bem, eu fiquei angustiado, digo, nervoso quando Mellrich obrigou que Lodwein e eu nos sentássemos com ele na mesa principal. Osyf, seu marido deve ter lhe contado. E depois da, nenhum pouco surpreendente, nomeação do Conde-chefe não quis mais saber de ficar com aquela gente. Por isso sai depressa e nervoso. Foi isso.

Reci ouve aquilo e fica pensativa. Era uma boa desculpa. – Tudo bem. Eu te entendo. – Ela responde ainda de olhar investigativo. Entretanto, vendo que, de fato, era a verdade, logo desmancha o clima misterioso e vai avançando para dentro do castelo. – Deixemos essas bobagens de ontem para ontem então. Não tem jeito, aquele tal de Mellrich agora é Conde-chefe e esfregará seu novo cargo na cara de todos para sempre. Não quero falar disso. Basta. Vamos entrando para a cozinha. Se vocês ainda não tomaram a refeição matinal, vou lhes preparar uma delícia que comprei lá em Foz-Pura.

- Que delícia? Pão de milho de Sirdhlaits? – Lodwein aprendeu a ser curioso com sua “mãe” Reci.

- Não... Vocês já se enjoaram disso. É o pó de um fruto o qual os marinheiros de mares distantes vêm trazendo para vender lá em Foz-Pura. É uma fortuna o peso. Porém vale a pena pelo delicioso sabor.

Reci tinha essa mania. Sempre quando descobria uma nova delícia trazia para os moradores do castelo até eles enjoarem. Então ela procurava algo diferente.

Mal atravessam o pátio, gotas de chuva começam a cair, e os três depressa correm para dentro e tratam de se trancar na fortaleza do saber. Em segundos o castelo se esfria. Esse era o único “defeito” dele: Muito suscetível às variações de temperatura. Por isso, Todyeld, como sempre, vai buscar lenha num cômodo da parte de baixo e acende a lareira da sala principal do complexo. Essa lareira era muito especial, pois foi projetada para que quando fosse abrasada, conseguisse aquecer diversas partes da grande construção. A engenharia por detrás desse feito era algo complexo e envolvia tubulações feitas de diferentes materiais ao longo das paredes. Obra dos gnomos, é claro; eles eram muito engenhosos. Porém esse defeito do resfriamento não era algo tão ruim. Quem morava no castelo, sabia que isso era o mais gostoso dele. Como ele ficava bem frio, o prazer em botar fogo na lareira especial e sentir como as paredes iam vagarosas se esquentando, até encher de calor toda aquela morada, tornando dessa forma tão boa a sensação de estar nessa hora dentro do castelo, perdoava qualquer erro de projeto. A fortaleza do saber aquecia seus moradores como um gostoso abraço de mãe.

Enquanto isso, Reci na cozinha do andar de cima preparava algo ao fogo. O mais moço esperava preguiçoso no sofá em frente ao fogo. Pouco tempo depois ela chega trazendo canecas e uma chaleira quente e pesada. Os três se acomodam à frente do fogo, sentados em confortáveis sofás. O cheiro da essência trazida por Reci espalha-se pela sala. E isso fez o rapaz questionar-se a respeito do que seria aquilo.

- Isso é alguma espécie de chá? - Claro que não, Rato albino, não sente o cheiro de leite? – Retruca o velho que amava

discutir assuntos de cozinha com seu pupilo. Nisto os dois eram rivais eternos. - É claro que sinto. Entretanto, já ouvi dizer que o povo de Foz-Pura faz umas misturas

quentes com diversos líquidos, e que eles consideram todas estas misturas um chá, seu Bode

velho. – Retruca o jovem percebendo estar numa disputa de conhecimentos específicos com seu maior adversário: Todyeld.

- Mas são duas criançolas mesmo! Podem parar com essas suas discussões infantis para decidirem quem sabe mais sobre cozinha. Desta vez Lody está certo. O que temos na chaleira é um dos chás de Foz-Pura. – Explica Reci buscando encerrar a discussão.

O rato albino Lodwein vangloria-se da sua vitória, enquanto Todyeld lhe fecha os punhos.

- Mas, diga-nos, Reci, como é o preparo disto? – É bem simples, Lody. Somente se fervem o leite e o pó-marrom juntos. Agora vamos,

provem um pouco. O cheiro era ótimo, sem dúvida, parecia ser algo doce; aroma tranquilizador. O gosto

ainda melhor. Quando provam pela primeira vez, se espantam por perceber o quão bom aquilo conseguia ser.

- Por céus e mares! Que maravilhoso! – Afirma Lodwein extasiado pelo tão saboroso e calmante líquido que bebia.

- Isto parece coisa dos elfos! Apesar de que a cor marrom não é comum em suas bebidas... – Supõe o mestre de conhecimentos soprando os vapores de sua caneca para poder tomar mais daquela maravilha.

Era a bebida perfeita para dias frios. Para se tomar em frente uma lareira bem quentinha.

E estando um clima tão bom, gerado pela chuva lá fora e o chá de leite com o pó de Reci ali dentro, o rapaz somente soube agradecer. – Muito obrigado Reci.

- No entanto não é tudo Lodwein. Ainda tem o seu presente de aniversário bem aqui. – Diz a mulher. – Como sei que vocês pedem para não os visitar nos dias muito próximos ao seu aniversário, eu o estou trazendo hoje.

Reci era a única habitante de Alto da Mordida a frequentar o castelo, e Todyeld de fato, pedia-lhe para não os procurar nessa data. Todo ano era assim. E durante esses dias, o velho ficava inquieto e ansioso. Não sentia-se bem e tinha muitos pesadelos. Lodwein achava isso estranho, e cogitava consigo o porquê dessas sensações. Ninguém de Alto da Mordida podia vir nos dias de seu aniversário, pois essa era uma época que eles costumavam receber visitas secretas. Além do rei élfico, alguns anões, guerreiros paladinos e outros costumavam também visitar o castelo. Lodwein já refletiu muito sobre a razão disto. Ele sabia que seu mestre tinha muitos amigos de seu passado, porém também acreditava haver outro motivo secreto. Sempre pensou consigo sobre aquela suposição que já declarou: Que as pessoas iam até lá para ver como ele estava. No entanto, o rapaz nunca soube justificar este seu pensamento.

A mulher então decide mostrar qual era seu presente. Puxando de sua bolsa uma roupa tricotada do tamanho de um colete, causa grande espanto em Todyeld e Lodwein, porque, sem dúvida, havia algo de especial e fantástico naquela veste.

- Aqui está Lody. Era para ser um tabardo para se usar por cima, porém não teve linha o suficiente para isso, e fiz essa espécie de colete élfico. É para vestir por baixo da roupa, pois

parece aquecer bem, e não coça a pele. Sem falar que é muito leve e agradável. Pode-se usar para dormir, eu penso...

- Colete élfico? Como assim? - É sim, pois eu o costurei para você com uma lã élfica que comprei duma vendedora

encapuzada. Lodwein se vira para seu mestre. Ele por sua vez, ignorando o mundo ao redor e

encontrando-se perdido em seus pensamentos, fixava sua mente apenas no colete enquanto acariciava a barba. Sua aparência era séria, e isso deixa o rapaz assustado. - Reci, conte-me mais sobre essa lã élfica e essa mulher encapuzada.

- Bem. Na minha última ida a Foz-Pura com meu marido Osyf, eu comprei essa lã de uma andarilha vendedora. – É quando Reci começa a ficar confusa. – Estranho... Lembro-me muito bem deste dia, porém algumas coisas não fazem sentido na minha cabeça. Veja: Eu me lembro de ter comprado esse novelo, fora dos muros da cidade, e ao amanhecer do dia, quando havia somente uma estrela no céu. Mas não sei dizer o que fazia lá esse horário. Sei que a vendedora me ofereceu essa lã, e a princípio recusei. Porém, quando ela se aproximou e me disse que essa lã poderia ser uma ajuda, consegui ver de relance seus olhos. Foi então que descobri: A mulher era uma elfa! No mesmo instante me lembrei de você, Lodwein, e de como você é apaixonado por tudo que se trata dos elfos, não é mesmo? Assim tive a ideia de lhe tricotar um tabardo. Com isso a elfa misteriosa me perguntou se eu iria fazer algum bordado no meu presente. Disse que sim. E a vendedora então pediu que eu bordasse a letra “L” em azul. Eu gostei da ideia, afinal seu nome começa com “L”. Mas, recordando-me desse momento, vejo que não falei a ela sobre lhe tricotar um presente, acho que a vendedora adivinhou o que eu pensava... E, pensando melhor, não sei se paguei. Não sei nem se ela chegou a me oferecer como mercadoria. Acho que foi isso. Ela somente queria me dar, e eu pensei que ela queria me vender. Não me lembro de mais nada, nem antes, nem depois disso. É estranho. Mas foi tudo muito fascinante e emocionante. Quando me lembro disso, destes momentos que estive com essa elfa, não tenho medo algum, pois senti um grande amor. Um amor de mãe...

Após as palavras de Reci, todos ficam quietos. Mesmo parecendo este ser um silêncio de medo, não era isso. Estavam num silêncio de meditação. E aquele colete trouxe uma sensação maravilhosa a eles, quando o viram, o tocaram. O rapaz, então, veste o colete e sente-se tão protegido e seguro, que poderia lutar contra todos os males existentes, sem medo algum. E de alguma forma inexplicável, o colete trouxe ao lugar uma melodia amorosa, que os fez embalarem numa paz indescritível e nunca antes sentida. Paz que há muito desejava Todyeld. Pareceu que, naqueles momentos de chuva e vento forte na terra, a fortaleza do saber não se encontrava mais sobre a colina. Parecia estar sendo transportada para o mais alto das nuvens.

Os três compreenderam que se encontravam num efeito especial provido daquele colete. E o mestre Todyeld viu nisso a oportunidade perfeita para realizar o reavivamento da Guerra. Não demorou em levantar da cadeira com uma feição de paz e calma. E com a mão chamou Reci e Lodwein para o seguir. Juntos foram até a sala onde realizavam o devido ritual. Todyeld vestiu-se com suas vestes de Excelente7, pois ele era um.

Nota de Rodapé: 7Excelente são os tipos específicos de guerreiros de Kahvian que tem a permissão de realizar o reavivamento da Guerra. Os reavivamentos acontecem em todos os reinados onde as leis de Kahvian são vividas. Em Alto da Mordida havia outros Excelentes que realizavam o reavivamento.

E começam o ritual. Iniciam com belos cânticos em línguas melódicas. Leem os poemas e textos das eras passadas, anteriores ao acontecimento da Grande Guerra. Depois Todyeld, como um Excelente, tem a oportunidade de lhes dizer algumas palavras sobre os legados que Kahvian recebeu, assim como também explicar como aconteceu o inesquecível combate do passado onde o mal maior foi vencido. Após outros poemas chega-se ao ápice do rito, onde se revive o momento crucial da Grande Guerra. Com os devidos preparos ritualísticos, todos se põem em sinal de imenso respeito e o Excelente, ali sendo naquele momento o próprio antigo e único Excelente Guerreiro, revive aquele ato preciosíssimo, no qual as correntes que prendiam todos os Donnien, os seres existentes, Os Filhos; ao grande maligno, são quebradas, e todos os seres são então libertos novamente. Após isso e outros poemas vem o momento de união dos membros de Kahvian, onde cada um, que esteja em condições, vai em direção à espada do reavivamento e a brande, entrando assim em comunhão com a Grande Guerra.

Chegando ao fim do último canto ouvem um grande estrondo e todo o edifício treme. Foi como se a fortaleza tivesse pousado, voltado ao chão mais uma vez. Todyeld estava sério, contudo em seu espírito sentia grande paz, mansidão.

Ele abre seus olhos, volta-se para Lodwein e declara com firmeza na voz. – Lodwein, este colete que você recebeu é um presente muito especial. Você somente poderá retirá-lo quando estiver na eterna segurança. Escute bem isso. - E fixando seu olhar no distante, como se vislumbra-se algo muito além das paredes do pequeno salão em que se encontravam, afirma com certa frieza. - Eles já não existem mais como antes.

Reci aproximando-se questiona. - O que já não existe mais como antes? - Meus pesadelos. - E o que eles são agora? Deixando de fitar o além, e direcionando sua visão à mulher em sua frente, Todyeld,

após engolir em seco, diz um pouco triste, contudo com notável calma. - Eles agora vão se tornar realidade.

Reci começa a angustiar-se. Ela volta-se para Lodwein. A mulher leva a mão a cabeça e agita-se. - E o que devo fazer? Tenho de comunicar a alguém? Quem devo chamar?!

- Você não fará nada Reci. Você irá embora agora e não contará nada a ninguém. E saiba que se algo disser, estará amaldiçoando a si mesma por traição.

Aflita ela fecha o rosto em profunda tristeza e chora. – Entendo. Concordo, sim concordo.

Lodwein já ia tomar a palavra para reclamar da resposta de seu mestre, entretanto Reci se volta para o velho e mais uma vez pergunta temerosa. - E quanto a ele? E quanto a Lodwein?

Todyeld faz sinal negativo com a cabeça. – Eu não sei...

Isso causa imensa tristeza na mulher, que corre para abraçar Todyeld e lhe diz. - Adeus meu amigo Marku.

Após isso, com muita aflição, vai e aperta o rapaz contra si com a maior força que tinha. – Adeus Lodwein, meu filho! – Antes de sair correndo para o pátio do castelo.

Desesperando-se ao vê-la nessa situação, o moço corre atrás e grita. - Espere! Reci, espere! Não dê ouvidos às loucuras de Tody! Reci, espere! – E num dado momento acaba berrando aquilo que mais a tocaria no coração. – Mãe! Espere! – Ele nunca a havia chamado dessa forma.

Quando Lodwein disse isso, foi o fim para Reci. Como ela chorou. Como foi triste ver a face sofrida daquela tão boa mulher virando-se lentamente para trás com um semblante amargo de dor. Como foi triste! Mas, voltando a correr com rapidez, ela desce até o pátio, abre o portão, o fecha, e arremessa as chaves na direção de Lodwein, o qual distante tentava alcançá-la.

Aquilo irrita profundamente o rapaz. Afinal, porque Todyeld agiu com tamanha frieza

para com a boa Reci? Isso lhe enfurece, e nervoso ele sobe mais uma vez para o castelo. Chegando a sala encontra seu mestre de costas. O jovem espera uns instantes para ver

se algo aconteceria, depois indignado diz-lhe. - Espero que tenha uma boa justificativa para esse escândalo, Todyeld!

- Tenho uma boa e uma má notícia, meu rapaz. – Mal o moço termina de falar, o velho lhe interrompe, ignorando a reclamação de seu aprendiz.

Lodwein fica com ainda mais medo, pois todo o clima de tensão criado pelo seu mestre

já o assustava bastante. Todyeld nunca agiu com tanta severidade assim. E a raiva do jovem, era na verdade para esconder sua insegurança. E agora o velho tinha notícias para lhe dar. Seria essa a grande a hora? A hora tão desejada, desde sua infância?

Sempre seu mestre lhe guardou segredos. E esses mistérios sempre estavam ligados aos estranhos pesadelos dele. Lodwein desde pequeno observava em Todyeld um grande medo pelo dia de amanhã. Este sentimento de exagerada desconfiança para com o futuro era repassado aos outros habitantes da fortaleza dos saberes. Contudo, para amenizar a tensão, o velho sempre fazia brincadeiras para mudar de assunto e nunca lhes dava explicações. Isso somente deixava mais evidente a gravidade do problema. E agora, naquele momento de tanta tensão, seu mestre teria notícias para lhe dar.

Quem sabe não seria esse o momento para entender o porquê das estranhas visitas e de tantos outros mistérios que irritavam Lodwein? Quantas vezes ele não brigou com seu mestre por causa dos segredos? Sua infância foi repleta de esquisitices. Aquela estranha fuga que fizeram na festa da cidade não foi a primeira delas. E sempre foi assim. Lodwein, a criança esquisita, o rapaz solitário, a se esquivar e fugir de todos, sendo puxado pelas mãos de seu mestre. Não tinha amigos porque teve de crescer preso no castelo para se proteger de algo que nem mesmo sabia o que era. Quem sabe tudo isso teria sido em vão. Seu mestre poderia ser na verdade um maluco, e obrigava o moço a viver sua loucura com ele. Ou talvez não. Talvez de

fato houvesse um grande perigo, e seu mestre fosse um grande herói a protegê-lo. E agora, Todyeld tinha algo a lhe dizer.

- Diga Todyeld. Conte-me tudo. E virando-se devagar, segurando algo em suas mãos, o mestre de conhecimentos põe-

se a falar. - A má notícia, é que Reci esqueceu a bolsa. – Ele a segura. – A boa é que ela esqueceu o pó marrom do chá delicioso. – Completa o velho todo sujo com aquele pó. Havia metido a mão no pote e estava comendo tudo. Sua barba branca agora cheia do doce de cor marrom, assim como a mão melecada, e um sorriso muito sarcástico no rosto. Como uma criança toda lambuzada que teria comido o doce escondido dos pais, e deparando-se com eles, ria por saber estar fazendo a coisa errada.

Lodwein não sabe o que dizer. Esperava ouvir uma grande revelação e encontra aquela brincadeira de mau gosto. Ele gagueja sem palavras.

- Quer um pouco? – O velho lhe tenta. - O que? Como assim? – O jovem ainda está confuso. - Como assim o quê, esquilo do alvorecer das tão formosas gélidas e remotas

Montanhas Nevoentas? Vou comer tudo sozinho. E surtando de vez ao ouvir aquilo, grita feroz. - Ora seu Bode velho! Solte isso! Eu

planejava acrescentar isso na receita de um biscoito! – Avança e retira a bolsa da mão de Tody. O velho muito irônico gargalha da ira de Lodwein pelo pó marrom. O próprio rapaz

não resiste e também acaba rindo. Por fim, a situação se torna uma piada e acabam em risada. A maioria das vezes os climas ruins acabavam daquela forma naquele castelo. Por mais

temeroso e pavoroso estivesse o tempo lá fora, sob aqueles tetos, sempre houve alegria. Apesar de tudo...

Mas Lodwein também não deixou essa passar tão tranquila dessa vez. Ele volta a perguntar. - Porém diga-me mestre, o que foi toda essa conversa estranha que o senhor teve com Reci?

- Ah... Desculpe-me meu rapaz. Eu lhe peço verdadeiras desculpas por tudo. Por todos esses mistérios que sempre guardei de você ao longo da nossa vida juntos. Todo o medo que lhe causei. Peço-lhe seu verdadeiro perdão. Sei que não sou o mestre perfeito, contudo estou tentando fazer o meu melhor, acredite.

Diante de um pedido de desculpas deste, o rapaz não tem coragem de acusá-lo de nada mais. - Eu lhe perdoo Tody.

- Obrigado. Somente lhe peço: Continue confiando em mim. - Eu confio. Sempre confiei... Após todas essas conversas pesarosas, quebradas por alegrias e reafirmações de votos

de confiança, os dois ainda tem paciência para encarar a única aula que Lodwein tinha ao cair da tarde do primeiro dia da semana: A Aula do livro.

Este era o estudo mais importante, e o que mais necessitava empenho do rapaz. Isto porque a Aula do livro era na verdade um grande trabalho o qual Todyeld foi incumbido. O livro em questão era o lendário Livro do mago Inglorth, e nessas aulas, admiravelmente, Tody

ensinava à Lodwein a língua Niênica. Sim, isso é de se surpreender. Tody sabia falar Niênico! Para muitos ele era o último que ainda conhecia esse idioma. E é claro, que isso era um dos segredos do velho. Ninguém deveria saber, de forma alguma, da capacidade dele em falar esse antigo e fantástico idioma. E enorme era a honra de Lodwein ao ter um mestre destes, afinal, qual outro conhecedor teve tamanha alegria? Em ter em seus horários de estudo, um tempo reservado para o aprendizado de Niênico? Ora! Ninguém!

- “Niênico foi uma língua inspirada para o antigo mago Inglorth. Este, durante a Grande Guerra que aconteceu há eras atrás, tomando conhecimento das Altas Línguas, faladas pelos Fenduin, os seres menores do alto, descobriu a capacidade de um dos Altos Idiomas deles: A capacidade de superar as leis da natureza visível. A princípio, a ideia que teve, enquanto lia sobre este idioma, foi a de aprendê-lo e depois falá-lo. Porém isso não era permitido, a eterna palavra declara que esta língua somente deve ser utilizada três vezes. E duas vezes já foram os momentos na história em que a falaram, e a missão de versar nela pela terceira vez não cabia a ele. Com isso o mago Inglorth, inspirado pelo fogo da sabedoria de Ëllui, estudou outro idioma dos Fenduin, e descobriu neste um efeito parecido com o que procurava, porém menor, e após isso criou a língua Donnien-Fendúica, que depois foi chamada de Niênico. Na era do mago Inglorth muitos aprenderam a falar este idioma, todavia com o tempo a língua foi esquecida por completo, como se acreditava. O mago Inglorth era um dos sete filhos de Pouldthus, e por isso tinha uma Arma Magnífica, assim como todos os outros sete. A Arma Magnífica dada a Inglorth foi um livro, e o mago decidiu que escreveria nele em Niênico. Após a Grande Guerra o livro teve diversos paradeiros, contudo, como ao longo dos anos ninguém mais aprendeu a falar este idioma, os escritos do mago tornaram-se indecifráveis, e criaram-se então diversas lendas as quais narravam as surpreendentes capacidades que o livro tinha. Eras depois surgiu um importante mestre de conhecimentos chamado Orield, o tradutor. Este, de alguma forma nunca revelada, conseguiu aprender o idioma Niênico. Por isso, o livro do mago Inglorth foi confiado em suas mãos, e ele recebeu a missão de o traduzir. Assim, Orield recebeu o título de tradutor. Com o tempo ele percebeu a necessidade de se ter um pupilo, e foi quando promoveu a prova de aptidão aos Altos Idiomas, e somente um rapaz conseguiu; o único dentre os duzentos e trinta e três jovens conhecedores do Velho Centro de Aprendizados de Barhágin-húr a possuir a destreza vocal, a habilidade de interpretação, a integridade de ligação entre mente e corpo, a paciência e dedicação necessárias: Todyeld Filperk, seu pançudo mestre que está agora em pé diante de você. – Este foi o discurso declarado por Tody na primeira Aula do livro. Os olhinhos do pequeno Lodwein brilharam ao ouvir tudo isso. O jovem amava esse tipo de história.

As Aulas do livro eram as mais emocionantes. Além do inacreditável fato de lidarem com o lendário e secreto livro de um grandioso mago de verdade, eles ainda aprendiam um idioma que dava capacidades fantásticas àqueles que a falavam! Todyeld de fato era muito bom em Niênico. Com grande ciência apontava para um objeto próximo de si e dizia palavras como: “Porgo’vualla Lohat!”, e este se desprendia da mesa e plainava com leveza no ar. Ao contrário de Lodwein, que buscando acelerar o crescimento de uma plantinha arriscava, sem muita segurança, uma frase igual a: “Fannia Hra...rer?” E sem querer, botava fogo na pequena

muda. Isso era o suficiente para fustigar um longo sermão de Todyeld, o qual, buscando uma forma de apagar as chamas, gritava enfurecido. – Lodwein! Quantas vezes já não lhe disse sobre a firmeza e segurança na fala?! E que espécie de conjugação intencional foi esta: “rer”? Já lhe disse para prestar atenção no contexto da frase para aplicar a conjugação adequada! E como você pôde confundir mais uma vez “hlar” com “hrar”? Desse jeito não tem como não causar uma explosão! – Sem contar a vez que ateou fogo na barba de seu mestre. Por causa disso, nem é necessário explicar que Lodwein era proibido de falar essa língua fora dos horários e dias da aula.

E assim eram as Aulas do livro de Lodwein. Sempre muito divertidas e cheias de puxões de orelha8.

Nota de Rodapé: 8Porém é importante destacar aqui que o Niênico não é uma espécie de magia. Pois a magia, da forma como é conhecida pela maioria de nós, é considerada bruxaria para eles, e dessa forma algo errado. Existem diferentes idiomas os quais são utilizados para se comunicar com outras pessoas; o Niênico, por sua vez, é usado na comunicação para com a natureza visível. É como se o Niênico fosse o idioma de todas as coisas que existem, e assim elas a compreendessem e reagissem a este. O que é algo completamente diferente da contestável bruxaria, e até mesmo da magia.

(Pequena imagem para dividir os textos, algo como “~~~*~~~”) Quatro dias após estes últimos eventos, os moradores do castelo recebem, mais uma

vez, a mensagem de uma ave. Todyeld a lê e logo ordena que se aprontem, pois os tão esperados convidados, estavam chegando. Para esta ocasião especial são necessárias vestes adequadas, e o velho mestre trata de consegui-las. Como eles realizariam uma apresentação de conhecimentos, não havia roupa mais apropriada do que a raríssima indumentária dos conhecedores. Um traje-relíquia muito precioso que possui uma simbologia muito forte a qual remetia a tempos felizes, embora difíceis. Um passado em que o castelo bem se lembrava: A era do saber; a época de sua construção.

(Imagem da roupa) Lodwein e Todyeld vestem-se, e aguardam a chegada da comitiva élfica. O jovem fica

muitíssimo elegante com esta roupa. Algo lhe diz para se equipar bem naquela noite. Por isso ele coloca materiais de estudos, poções especiais e elixires nos muitos bolsos internos da sua casaca. Ele põe suas longas luvas, as que tinham os dedos do meio, indicador e polegar expostos. São as que ele e Todyeld costumam usar em seus trabalhos. Já o velho pançudo, teve de encolher bem sua barriga, apertar-se com faixas e um cinto, para conseguir caber em sua velha vestimenta. No entanto, por fim, consegue entrar nela, mesmo não tendo certeza se conseguiria sair. Mas as roupas eram muito flexíveis e com propriedades mágicas, fazendo com que, apesar de tudo, até mesmo Todyeld se tornasse muito elegante usando-as.

O grito de uma ave de rapina então é ecoado no pátio, eles saem e vão até lá, veem-na

pousada sobre uma rocha do portal da frente. Os dois anfitriões correm para escancarar o portão. Era crepúsculo, e o céu já se escurecia. Quão maravilhosa foi a sensação ao puxarem o

portão e ouvirem o trotar de cavalos habilidosos subindo a colina nos degraus irregulares da escadaria. Já podiam ver por entre as folhas das árvores que logo ali embaixo, seres que pareciam possuir o brilho da lua, subiam para o castelo.

Os elfos chegavam. (Imagem da cena numa perspectiva onde mostra a estrada e entre folhas d’arvores os

elfos)

Capítulo V: Os elfos chegam

O velho e o jovem se posicionam no meio do pátio a observar o par de cavaleiros que

chegam à frente. Sem elmos, os soldados da corte real vestiam uma armadura de escamas de metal azulado que cobria todo o seu corpo, desde o pescoço até as pontas dos pés e mãos. A técnica de construção dessa admirável armadura, é claro, era de origem élfica. Por cima de tudo ainda usavam uma túnica com capuz para disfarçá-los e cobrir todos seus aparatos, afinal, não poderiam chamar atenção. Porém, como ali, naquele momento, estavam seguros, sem receio os soldados a frente desfraldam bandeiras com o brasão de Beföllia e trotam com mais força para dentro do castelo. Logo após vem o rei elfo Leillindor.

(Imagem da cena onde os dois cavaleiros entram pelo portão exibindo o brasão de Beföllia, o reino élfico em Nelwár)

O primeiro pensamento que se tem quando se fala dos elfos, é de que todos eles são seres esguios e muito ágeis. Entretanto, isto não é aplicado a todos, apesar de que, de maneira geral, eles tenham hábitos muito saudáveis e possuam fascinantes habilidades natas. Leillindor, o rei elfo, por sua vez, não contradiz o senso comum, ele de fato é magro. Um escuro olhar profundo e amistoso, logo acima de um nariz altivo e lábios finos. Seus fios, lisos e cor de malte escuro. E com o traço em comum para todos os elfos: As orelhas pontudas. Simples vestes de viagem não tiravam dele seu incorruptível ar da realeza élfica. Lodwein se lembrava muito bem dele, pois nunca esqueceu do quanto o rei era amigável.

Em seguida, na fila, vinha uma bela dama, que sorrindo admirava-se com toda a magnífica construção que era aquele castelo. Esta silhueta já foi descrita antes, pois “ela já aparecia em outras produções suas desde há muito tempo”. Sim! A elfa dos desenhos de Lodwein se materializava em cima de um belo corcel branco. Seu nome é Mowilla, filha de Leillindor, senhorita dos Cullyen, a princesa élfica. Cabelos longos e lisos desciam até depois de sua cinta trazendo o dourado e possante brilho dum sol de verão. Seus olhos possuíam o mesmo verde que as folhas de faia na primavera apresentam quando sobrepõem à luz. Lábios que pareciam sustentar um eterno “Flu” se fechavam acentuados nas extremidades e erguiam-se levemente ao meio. E, aquilo que é importante de se contar: Ela fugia daquele senso comum sobre os elfos. Em primeiro lugar por não ser a garota mais magra nem alta do reino élfico, e, em segundo, por não ser nada ágil! Isso logo se mostra, quando ao parar seu cavalo e tentar descer, a elfa se desequilibra, pisando na barra da própria túnica de seda cor de lima, e somente não se espatifando de cara no chão porque logo atrás três soldados elfos vinham, e os que não estavam montados a cavalo, seguram-na e erguem-na. Eles até já pareciam saber do tropeço que ela iria levar. E não sabiam por terem o dom da visão élfica, mas sim, por já terem experiência em livrar Mowilla de uns bons arranhões. Se ela não fosse a princesa, e merecesse os devidos respeitos, eles, com certeza, já teriam chamado-a de desastrada.

- Gaflonuinta kirar! Ol’lya Keirdoe, Leillindor Etohollya! (Seja cordialmente bem-

vindo! Leillindor Verde-álamo, rei elfo). – Saúda Todyeld em alta voz com uma longa

reverência. O velho sabia falar Cullyen, a língua dos elfos errantes, com fluência. Já Lodwein ainda estava aprendendo e apesar de conseguir entender, encontrava bastante dificuldade na hora de falar.

- Meu querido Todyeld!9 – Dispensa o rei elfo qualquer reverência e logo abraça o mestre de conhecimentos, que retribui o cumprimento. – Que alegria rever velhos amigos.

Nota de Rodapé: 9As partes seguintes da história conterão muitas conversas em élfico errante, o Cullyen, e também em outras línguas. Mas por uma questão de praticidade, somente as partes mais importantes e indispensáveis, ou desejadas, serão colocadas da maneira como são de verdade. E com isso, a maioria dos diálogos será traduzida sem demonstrar as duas versões, a no idioma original e a traduzida para língua comum, como ocorreu na situação onde Todyeld saudou Leillindor. Dessa forma, será mostrada no decorrer da história apenas a tradução dos diálogos. Fluindo dessa maneira as conversações como se todos falassem o idioma comum.

E virando-se para o outro anfitrião, o rei expressa uma feição de incerteza e espanto. - Realmente fiquei muito tempo sem visitá-los. – Afirma ele. - Vejam isto. Quão belo o pequeno Lodwein se tornou! Parece um senhorzinho dos homens! – E mais uma vez quebrando as regras da saudação real, abraça o rapaz.

O jovem percebe então que seu mestre, movimentando a cabeça, o fita e tenta dizer algo pelo olhar. Ele praticamente gritava: “Agradeça o elogio!”. Lodwein por fim compreende. - Muito obrigado, senhor Leillindor pelos elogios.

- Fascinante! Como você cresceu! Quantos anos, segundo sua raça, você tem agora? – Questiona o rei, analisando o pequeno moço.

- Farei dezoito em breve. - Ihra! (É verdade!) Como sou esquecido... Daqui a poucos dias fará aniversário, e até

tenho um presente para você, meu caro jovem. Mais tarde lhe entregarei. Ele se lembra dos maravilhosos brinquedos élficos que ganhou do rei em outras visitas,

e até àquele dia os tinha guardados, pois eram de ótima qualidade. Àquela idade, Lodwein não se vê mais recebendo brinquedos, por isso, fica curioso para saber o que ganharia.

Mowilla, após se reestabelecer da sua quase queda ao descer do cavalo, rindo, vai cumprimentar Todyeld. O velho, segundo as leis da cortesia daquele povo, com a mão direita toma o delicado pulso da princesa. Numa reverência, põem sua palma esquerda sobre sua própria fronte, e a encosta na mão dela. Assim pedia a tradição.

(Imagem representando a saudação) - Iktä (Saudações), Mowilla Verde-álamo, filha de Leillindor. – Disse o mestre de

conhecimentos. - Iktä, Todyeld, filho de Ureld. – Responde a moça de sorriso contente, e olhos

luminosos. Logo após cumprimentar o anfitrião mais velho, ela se dirige para Lodwein que deve

então realizar o mesmo procedimento de como saudar alguém pouco íntimo da nobreza élfica. Assim ele declara. – Iktä, Mowilla Verde-álamo, filha de... De... – Mesmo tendo seu mestre

acabado de dizer, ele, emocionado pela situação, consegue esquecer o nome do rei élfico. Lodwein era mestre em esquecer nomes, sobretudo, os que obrigatoriamente deveria saber.

- Iktä, Lod... – A princesa então começa a dizer sua parte da saudação, um pouco risonha, no entanto, é interrompida pela tardia continuação dele.

- Mowilla, filha de... filha de Elro... Não, é... Leroli... Lindoli... É... – Tenta o rapaz se lembrar.

Um dos guardas engasga uma risada, enquanto outros dois levam a mão à boca. - Leillindor! - A senhorita não resiste e ajudando-o, acaba gargalhando da confusão,

encerrando assim com toda a cerimônia do momento. O aprendiz de Todyeld fica possesso de vergonha. Porém, ao ver que até o próprio rei achou graça da sua cabeça fraca para nomes, começa ele também a rir. Soltando as mãos e abraçando-o carinhosa, a elfa exclama. - Há quanto tempo Lodwein!

(Imagem bem comunicativa com os dois parágrafos seguintes. Como se fizesse um devaneio, algo assim. Poderia ser uma imagem de Mowilla moça e Lodwein criança brincando.)

Lodwein nunca se esqueceu da filha do rei elfo. Ele a considerava uma verdadeira amiga. Nas visitas passadas, quando se conheceram, ele era somente um garotinho, enquanto ela já era uma moça crescida, precisando até mesmo se curvar para acompanhá-lo em certos feitos. Lodwein sempre foi muito experto e com uma inteligência anos a frente da sua idade. Os mais velhos sempre gostavam de tê-lo por perto, ele era bem divertido quando jovenzinho. E, como é bem da natureza dos elfos um ótimo senso de humor e uma alegria inocente, semelhante a das brincadeiras de criança, pode-se imaginar o quão bem Mowilla e Lodwein se entendiam. Apesar de muitos pensarem que a princesa somente fazia o papel da garota bacana, onde não tendo mais o que fazer brincava com as crianças, isso não era verdade. Quando ela vinha visitá-lo, como bons amigos, eles faziam muitas estripulias juntos.

Foi quando então, veio à mente de Lodwein a lembrança dum importante acontecimento de sua infância. Na última visita do rei elfo, o jovem mostrou seus primeiros rabiscos para a princesa Mowilla, e ela se admirou muito, e teve a ideia de lhe pedir para desenhá-la. Ora, as habilidades do pequenino ainda não eram tão grandes naquela época. Mas mesmo assim, num grande esforço, passou-a para o papel. Sem muita noção de sombra, luz e angulação, o desenho não ficou bom. Entretanto, para não ser mal educada, ela elogiou-o e disse para não desistir. Lodwein, porém, ficou muito triste, porque viu que nem de longe seu desenho havia ficado parecido com sua amiga elfa. A moça então lhe propôs um desafio. Ele deveria treinar para quando se reencontrassem, ele a mostrasse um belo desenho dela. Mowilla o questionou se ele conseguiria se lembrar de como é a aparência dela para desenhá-la. O pequeno Lodwein fitou-a por um longo tempo e depois declarou seguro do que dizia: “Nunca esquecerei seu rosto, elfa. Aceito sua proposta.”.

- É verdade Mowilla. – Responde Lodwein sorridente. – Faz muitos anos que não nos

vemos. E observando-o com atenção ela exclama. - De fato, você cresceu muito! - Já você não aumentou em nada. – Retruca o rapaz.

- Não é verdade, eu cresci meia polegada. – Responde ela consternada. Os dois percebem que estão agora quase da mesma altura. E mais do que depressa,

num mesmo pensamento, eles colocam-se um de costas ao outro e comparam a altura das cabeças. Até que o vencedor se anuncia.

- Há! Sou exato meia polegada mais alto. – Vangloria-se Lodwein de sua conquista. - Veremos daqui a quatro anos! – Pretere Mowilla, causando risos entre os elfos. E é quando Todyeld, como bom anfitrião que era, faz um convite a todos. - Mas e então

venham conosco meus amigos, banqueteemos lá dentro, pois há muito o que conversar! – Com isso seguem para dentro do castelo.

Bem quando a lua começava a subir sem pressa no céu escuro, uma bela ceia era

servida no salão das refeições da fortaleza dos saberes. O luar que entrava pelos vitrais, unindo-se à luz das velas, deixava o salão claro como dia. E não se importando com cerimônias e tradições, os próprios elfos convidados ajudam Todyeld e Lodwein a trazer a comida para a mesa a qual há muito tempo já estava ornamentada.

Todos então se calam para cantarem o velho poema no alto-élfico, que é recitado antes das refeições.

Gëhve’gëh. Ihgoda gavinih, arua Lin’luta di döä gauna tivgauna, dei Tivo.

Gauna koqegauna, Nuvimtelo di Supatelo baulot gauna, di hoel Fietelo. Diea, gauna hregauna Nuniego dlea Fägnativo,

Dlo, gauna ylrugauna lanuniego Kakketelo döä Gihë dlea Fägna Ibi, döä arua gauna.

Eram poucos os que ainda sabiam falar este idioma, e somente algumas antigas

cantigas e poemas como este perduraram entre os elfos. Todyeld e Lodwein também tinham alguns desses hábitos, pois ambos viviam segundo a educação élfica. A única ainda semelhante aos padrões da Gloriosa Era, a época onde os seres viviam com mais intensidade os preceitos de Kahvian, os quais foram estabelecidos durante a Grande Guerra. Estes versos contêm agradecimentos pela refeição, lamentações pelos famintos, e nestes são oferecidas as forças do alimento para o trabalho em prol do bem de todos.

Ao terminarem a canção, eles abrem seus olhos e depressa se põem à mesa para cear. (Imagem da ceia)

Após todos estarem bem satisfeitos, conversam entre si. - A ceia estava indubitavelmente fantástica! – Elogia o rei elfo apreciando as últimas

gotas do seu vinho. - De fato, estava muito delicioso, senhor Todyeld. – Acrescenta um soldado, depois dos

lisonjeados agradecimentos do velho, que, de fato, era um bom cozinheiro. Leillindor então se vira para Lodwein. - Parece que você está aniversariando, não é

mesmo? Venha aqui meu rapaz, tenho um presente para lhe dar.

O jovem, pego de surpresa, se levanta um pouco envergonhado e põem-se a frente do rei. Um elfo a serviço trás uma pequena caixinha de madeira verde acinzentada, com simples detalhes em alto relevo. Abrindo-a, o senhor élfico retira uma pequena luz prateada.

- Eis meu presente, jovem Lodwein: Um brilho de Laintlil10. – Diz o rei segurando pela corrente um pingente luminoso.

Nota de Rodapé: 10Laintlil em Alto élfico significa Estrela do dilúculo. Lodwein toma aquele pequeno objeto em suas mãos. Era circular e com uma estrela

trabalhada em relevo. Seus raios se espalhavam até o outro lado onde se encontravam numa letra élfica. (Imagem do pingente Brilho de Laintlil)

- Conhece a história de Laintlil? – Pergunta Leillindor. - Sim, mas é claro! A guerreira que deu início à Grande Guerra, começando aquilo

que por fim criou Kahvian, que seguimos e somos... – Replica o jovem fascinado, e logo recita uns versos.

A primeira guerreira ela assim fora Da grande guerra é a iniciadora.

Magnos atos esquecidos não foram E os tempos dirão o mesmo que outrora:

Salve Laintlil! Nossa mãe guerreira e protetora!

- É um presente muito valioso, pequeno Lodwein. Sempre que estiver feliz, agradeça por isso com ela. E quando o desespero cair sobre ti, peça-a para lutar ao teu lado, pois ela nunca abandona ninguém que a clama com humildade!

O mestre de ensinos então tosse com força e chama atenção. Seu pupilo logo compreende e agradece. - Muito obrigado, senhor Leillindor.

- Está certo, meu rapaz. E saiba que de fato você precisará muito da ajuda dela. Lodwein acha aquilo estranho, pois o tom e o olhar do rei elfo naquele momento

deixaram transparecer certeza no que dizia, e não mera suposição ou palpite. Mas antes de Lodwein fazer qualquer pergunta, o rei deseja-lhe sorte em sua

apresentação e se vira para o mestre de conhecimentos ao seu lado, ignorando-o. – Contudo, Todyeld, meu amigo, antes de começarmos as apresentações, gostaria de conversar com você em particular.

- Compreendo. – Declara o velho coçando sua barba, e se voltando para seu aprendiz. - Lodwein, vá preparar sua apresentação. Irei conversar com o rei por uns instantes. Saia agora. – Até mesmos os soldados se distanciam após isso.

Ainda pensativo sobre a afirmação do rei, o jovem entende o pedido e se retira. Ele imagina consigo então sobre o que iriam conversar. Provável, ser algo a respeito dele ou do Livro do mago Inglorth. - Está certo, mestre, até mais. Até logo, senhor Leillindor.

O rei elfo o responde e depois também diz à princesa. - Mowilla, minha filha, porque não vai com Lodwein limpar-se? – O pai já conhecia sua filha e as suas manias, as quais eram muitas por sinal. Uma delas é a de sempre lavar bem as mãos antes e após as refeições.

- Ficaria muito contente. – Ela responde aliviada. - Venha Mowilla, vou lhe guiar até o lavatório. – Convida Lodwein. Eles seguem então

castelo à dentro enquanto Leillindor conversa com Todyeld no salão. Após estarem a sós, o rei e o mestre levantam-se e seguem rumo a algum lugar, para

discutirem sobre seus assuntos secretos.

Capítulo VI: A surpresa de Mowilla

O rapaz guia a elfa até um lavatório, e acaba aproveitando a oportunidade para

também lavar-se. Ao concluir sua limpeza, e secar seu rosto em um pano, ouve a pergunta que mais ansiava.

- E então Lodwein, você ainda se lembra do desafio que lhe propus? - ‘Nunca esquecerei seu rosto, elfa’. – Retruca ele trazendo à tona a antiga missão. Mowilla dá uma de suas cativantes risadas, e lembrando-se da frustração do pequeno

menino, que outrora havia se entristecido por não ter conseguido desenhá-la muito bem, questiona-lhe. - Melhorou suas habilidades artísticas?

- De certa forma... - Nal’ruh (Que bom)... E eu posso ver, nylä?(Algo como: Não é mesmo?) Lodwein então se lembra do quão desorganizado seu quarto era. - Sim, pode sim. Você espera aqui por uns instantes e eu vou lá buscar, tudo bem? –

Ele diz enquanto sobe os primeiros degraus do que parecia ser uma longa escadaria. - Seu quarto é na torre mais alta? – Mowilla percebe que estão na exata localização

daquela maior torre do castelo a qual ela tinha visto enquanto subia a colina com os elfos. - Sim, no último andar. Mowilla então recorda que seu pai, desejando protegê-la de qualquer acidente ou

perigo, não permitia que seu quarto fosse em andares altos, mesmo ela sendo apaixonada pela visão que se tinha das alturas. Ele também nunca a deixava sair sozinha, e isso a afastava um pouco da sociedade. Ela não tinha muitas amigas. Seu pai tomava todos esses cuidados, pois a mãe dela falecera logo após o parto11, e Leillindor desde então se tornou um pouco inseguro. E os tantos zelos e precauções excessivas faziam com que a princesa se sentisse sufocada. Um de seus maiores desejos secretos era o de fugir de tudo aquilo e se aventurar em alguma jornada.

Nota de Rodapé: 11A morte da rainha foi o augúrio dos difíceis tempos os quais os Cullyen vieram passando.

Lodwein percebe o triste vagar da princesa em um pesaroso pensamento, e acreditando ser ele o causador disso, acaba convidando-a ressentido. – Você gostaria de subir até o meu quarto?

- Ficaria muito contente. – Responde a moça voltando a si, e alegrando-se pelo convite. Agora já não tinha mais desculpas, teria de levá-la até lá. Enquanto subia à frente da

elfa, preveniu-a. - Veja Mowilla, devo lhe avisar que meu quarto não é muito arrumado! - Não tem importância, eu também não sou tão organizada. – Isto não era tão verdade

assim. Pois, seu armário repleto de sapatos na parte debaixo, vestidos galantes à esquerda, túnicas ao centro, e na direita uma coleção de tiaras, contradizia sua afirmação. Um detalhe da coleção de calçados é que ela possuía muitas botas, algo muitíssimo incomum para uma donzela. Pode-se dizer que ela praticamente inventou o uso de botas como algo elegante. Foi Mowilla quem apresentou um desenho dum modelo bem feminino deste calçado para os

sapateiros da realeza, e estes se admiraram pela criatividade da jovem. E, aos poucos, outras elfas tomaram conhecimento e passaram a utilizar as botas dessa forma também. Até que meses depois uma elfa com este calçado, foi avistada por uma camponesa, filha de homem, a qual após isso fez costuras semelhantes em sua botina. É por causa disso que muitas mulheres daquela era começaram a usar botinas não mais somente para o trabalho do campo, mas sim também como item de luxo.

Eles chegam então a uma porta de madeira. Lodwein tinha a chave. - Lembre-se, não sou organizado... - Eu já lhe disse que não tem proble... – Ela emudece-se quando a porta se abre. Entrando devagar pelo quarto dele, ela olha admirada todos os papéis nas paredes,

dispostos em pilhas ou pelo chão. - Desculpe princesa, eu te alertei quanto a minha bagunça. – Tenta Lodwein arrumar

a baderna ajuntando algumas folhas caídas. - Hol’nia! (Uau!) Você melhorou muito. – Ela consegue por fim dizer. Somente agora o moço percebe que na verdade Mowilla se impressionava pela

qualidade dos seus muitos desenhos. Eles, de fato eram ótimos. Mas de todos, o que a fez calar-se, foi o esplêndido castelo desenhado em uma grande folha na parede. Diferentes instrumentos e engenhocas também apareciam em carvão. Estes eram invenções de Lodwein, projetos os quais nunca deram certo, ou cópias de inventos dos gnomos. Não demorou muito para ela encontrar um sorriso de uma mulher. Guiou-se até este e viu que uma bela elfa sorria amistosa e contente. A mesma donzela foi aparecendo em outras imagens, em diferentes ângulos, com variadas emoções, por vezes feliz, outras imparcial, porém, nunca triste.

Ele encontra o que procurava, e estendendo um tecido o qual aceitou perfeitamente o carvão, a questiona um pouco envergonhado. - E agora, o que acha?

Dessa vez não tinha dúvidas, era Mowilla quem estava representada ali naquele desenho. Simpática ao primeiro olhar, duvidosa num segundo momento, amável numa última olhada, e linda todas as vezes. As mãos unidas em frente ao corpo a davam uma certa inocência, e esta de fato era pertinente na moça. Os longos cabelos sobre os ombros reforçavam a aparência pueril, assim como criavam um humor à cena. E um sorriso no rosto tão doce, tão maravilhoso, este comunicando-se com as ruguinhas dos olhos ao se fecharem em alegria passavam um ar mágico àquela criatura tão bem representada. Ela usava um vestido, e este, após a cintura, avolumava-se até acabar depois do joelho em bonitos babados. Uma bela botina aparecia no final dos riscos. O traçado parava quando os tornozelos se iniciavam.

- Ehuar! (Belíssimo!) Ehuar! Está ótimo... E veja, a roupa que eu usava no dia... – Disse ela admirando o quão realista era o que via. Seus olhos verdes brilhavam enquanto estendia a mão e tocava o desenho. Encostando nos lábios da imagem, vinha e tocava os seus próprios. Quase para confirmar a realidade do que via. Ao perceber a perfeição das vestes, ela se espanta. Era tudo muito bom. Estava maravilhoso! – Ehuar! Está perfeito.

- Gostou mesmo? Agradeço o elogio... Ah sim, essa foi a última imagem que eu tive de você, então a fiz usando a roupa daquele dia. Contudo teve algo que não consegui acertar: Os seus olhos. É muito difícil expressar com carvão o brilho do olhar élfico.

- Bobagem, ficou lindíssimo! Amei. – Ela o ignora, achando esse comentário uma falsa modéstia. Contudo, se se analisar bem a imagem, o olhar deixou um pouco a desejar mesmo. Embora a elfa tenha notado isso, o resto estava fantástico demais para se fazer qualquer crítica. - Sem dúvida você venceu o desafio! – Exclama num largo sorriso.

Ele agradece e fica muito feliz em ouvir isso. Era um alívio após todo esse tempo de espera.

Dobrando o tecido do desenho dela, este não se torna tão grande, e o rapaz entrega-o a ela. – Gostaria que aceitasse. Um presente.

A moça estava para explodir de alegria, pois queria muito aquilo, mas recusa. – Não Lodwein... Não poço aceitar. Você deve ter se sacrificado muito neste trabalho. Eu não posso aceitar isso. Fique com você para guardar memória de mim. E afinal, não sou eu, e sim você quem merece presentes.

O jovem a recorda risonho empurrando o pano. – ‘Nunca esquecerei seu rosto, elfa’. E nunca esquecerei mesmo! Já tenho para sempre sua imagem aqui. – Disse ele apontando para sua cabeça. - Tome. Somente aceite Mowilla.

Ela acaba cedendo, e na verdade era bem o que queria. Havia amado aquele desenho e seria o melhor presente que jamais recebeu. Por fim, declara. – Bem, já que insiste, agradeço muito! – E abrindo o pano para uma olhada mais de perto comenta toda alegre pelo seu ganho. – É tão bem feito! Amei... Obrigada Lodwein.

Isso o deixa alegre: Vê-la tão feliz daquele jeito. (Imagem de alguns desenhos, talvez mostre uma reprodução do desenho de Mowilla.

O texto abaixo poderia iniciar somente em uma nova página do livro.) - No entanto, o que você mais gosta de desenhar? – Pergunta ela após ter guardado

cuidadosa seu precioso ganho e ter ido conferir a vista que se tinha da sacada do quarto dele. - Bom, para ser sincero, eu somente consigo desenhar coisas estranhas e malucas

sabe... Eu desenho muitas invenções minhas, ou de outros inventores, e máquinas engenhosas. Tenho um monte destes bem ali. Eu gostaria de passá-los para a realidade, porém me faltam recursos... Gosto mais dessas esquisitices, entende? Edifícios bem estupendos e algumas paisagens de lugares inimagináveis, uns seres absurdos e também desenho a princesa élfica.

Pobre moça, não sabia se se sentia lisonjeada por isso ou ofendida. - Não espere! Não que você seja um desses seres absurdos, ou que desenhar você seja

uma esquisitice! – Lodwein já começa a demonstrar suas habilidades em atrapalhar-se por completo. – Quero dizer, com essas estranhezas, eu também desenho você... Perdão, perdão. Digo, além... Além dessas estranhezas, eu também desenho você!

Lodwein agora queria que aquela antiga máquina de tortura a qual havia engenhado saísse do papel e o engolisse naquele instante. “Que catástrofe!”, culpava-se ele.

A princesa dá uma gargalhada muito agradável de se ouvir, e fala sorridente. – Você é engraçado Lodwein. Me divirto muito contigo.

- Desculpe-me! – Buscando desculpar-se, o rapaz continua. – Você não é uma esquisitice, é diferente do que faço, na verdade, acho que é a coisa mais linda que retrato, é a coisa mais linda a qual gosto de desenhar, e...

Naquele momento ele se cala. Desde quando começou a confundir-se, não sabia ao certo o que dizia, nem ouvia suas palavras. Mas naquele instante, ele bem percebe o que disse.

Mowilla fecha seu sorriso e o encara admirada. Lodwein estranha a fluidez e a tranquilidade com que disse aquilo. E algo novo surge

nele, e a fonte disso, parecia ser a pessoa ali a sua frente. A jovem elfa não esperava ouvir aquilo. Teve uma surpresa. E também fica pensativa. (Aqui deve acontecer algo como no capítulo V, onde se fala da lembrança de Lodwein

quando ele vê Mowilla. O texto seguinte se apresenta como uma espécie de devaneio.) Um fato que pode não ser tão simples de se compreender, é a situação dos sentimentos

entre as diferentes raças. Lodwein é um homem. Mowilla uma elfa. E não há paixão entre as raças dos homens e dos elfos. Isso ocorre, pois certas sensações são diferentes e incompatíveis numas raças para com as outras. O tipo de fatos os quais suscitam a paixão para um homem, são diferentes dos que suscitam paixão numa elfa. Assim, um elfo não consegue se apaixonar por uma mulher, ou uma anã, nem gnoma. Mulher não tem paixão por anão, elfo, gnomo. Anão não se casa com gnoma, mulher, ou elfa. Um homem só se apaixona por uma mulher. Uma elfa só consegue ter paixão por um elfo. Anão se casa com anã. E gnomo só se une em casamento com gnoma. Isso é notável. Eles não conseguem ter esse sentimento da paixão, como a maioria das vezes se é entendido, essa sensação juvenil, que leva a loucuras impensadas, e que, por muitas vezes, cria diversas uniões. Assim, a paixão não é um sentimento compatível entre raças diferentes. Porém, este não é o único sentimento o qual deveria unir um homem a uma mulher. Este deveria existir para fortificar a união. Há algo capaz de criar ligações ainda mais fortes entre os dois.

Em eras passadas houve um homem que amou muito uma elfa, isso é contado na lenda do “casamento de Fadaro, o filho mais novo de Pouldthus, com Iruin, a elfa doente”. Sim, é um antigo conto, triste, contudo muito bonito e precioso.

A lenda conta que durante a Grande Guerra, o filho mais novo de Pouldthus, Fadaro, estava no combate, quando um imenso dragão atacou um pelotão élfico bem próximo a ele. Fadaro ordenou ao monstro que cessasse seu ataque. A besta por sua vez avançou com suas garras sinistras e apanhou uma das elfas curandeiras do pelotão e a lambeu com sua língua maldita, envenenando-a, logo depois a engoliu. Tudo foi muito rápido e o tempo não foi suficiente para Fadaro evitar o ataque. Quando chegou correndo, o dragão já havia a posto para dentro de seu gasganete da morte. Mesmo assim, sem medo e com imensa fúria, Fadaro abriu a boca da maldita aberração, entrou pela garganta e foi buscar a elfa nos estômagos da infeliz criatura. Encontrando a curandeira, Fadaro usou de Thúnril, sua Arma Magnífica, um imenso machado de duas lâminas, e cortou a barriga do dragão, saindo de lá e salvando a elfa.

A fera amaldiçoada em incontrolável ira esmagou o ombro direito de Fadaro. Após isso a besta fugiu declarando-lhe uma promessa: “Escutai, escutai, Ŵifiuyh Wÿrmladus, filho último de Pouldthus. Eu, Lennorlin, senhor do ódio e da fúria, serei quem lhe tirarei a vida. Ainda lutaremos antes do seu fim, ou do meu.” E é por isso que Fadaro recebeu o título de “O amaldiçoado pelo dragão”.

Após muitos fatos da Grande Guerra, a elfa curandeira que o corajoso Fadaro havia salvado, pediu aos seus para que o chamassem, pois ela desejava lhe agradecer. A elfa, chamada Iruin, tinha conseguido sobreviver ao acontecimento, porém, ficou doente devido ao veneno do dragão, naquele momento quando ele a lambeu. Fadaro após muitas visitas a Iruin acabou a amando de verdade. Ele amou Iruin, a elfa doente. E eles se casaram...

Desta história, os sábios entenderam que Fadaro, sendo ele homem, somente conseguiu se casar com Iruin, a elfa, pois o sentimento causador dessa bendita união foi o amor em sua mais perfeita manifestação, onde o maior desejo é o de inteira doação ao outro sem desejar nada em troca. Iruin estava doente e debilitada, inclusive incapaz para tal ato. Contudo Fadaro a amava por demais... Sim... Fadaro muito amou Iruin.

(Texto histórico enfeitado como tal) E naquele momento onde o rapaz e a moça se calaram e entreolharam-se, algo

semelhante ao que Fadaro sentiu, nascia entre eles. Mowilla olha-o confusa. Ela sempre buscou explicações a tudo que se passava em seu

coração, contudo aquilo não possuía lógica alguma. O que havia naquele moço de diferente para conquistá-la? Nada. Em nada ele era “superior”. Mas essa não era a questão ali. E porque a presença daquele filho de homem ali trazia um ânimo tão agradável e indispensável à elfa? E qual a razão de, mesmo com tantas confusões, pensamentos conflituosos, e de seu jeito atrapalhado, o jovem, ali em pé, parece ser tão bom? E porque valia a pena se doar por ele?

Lodwein fixa seus olhos nos da elfa, e não consegue mais desviar deles. Ele via o interior dela. E ela era diferente. Diferente de todas as garotas que tinha conhecido. Aquele brilho no olhar tinha uma inocência magnífica e atraente, o qual era lindo. E era tão bom estar com ela. Mesmo que não se sentisse atraído por outras luzes ofuscáveis, a luz dos olhos dela superava qualquer outro desejo seu. Por ela valia a pena.

E então a elfa percebe que o jovem ali também está cheio deste mesmo sentimento. Ele

da mesma forma nota isso. - Lodwein, eu... – Começa a moça meio duvidosa, querendo aproveitar a situação de

ambos estarem confusos, para dizer-lhe seu conflito interior. E o rapaz responde também vacilante. - Mowilla, eu... Também... As mãos dos dois se encontram e eles seguram-se com uma doce apreciação do

simples toque ao outro. Mas são interrompidos: Um elfo entra no quarto. No mesmo instante, transformam aquele afetuoso contato um ao outro num simples

aperto de mão. Mowilla é rápida em falar. - Muito obrigada pelo presente Lodwein, eu lhe agradeço muito.

Já o soldado, parecendo ignorar a cena e com um tom severo, lhes diz. - Senhora Mowilla e senhor Lodwein, o rei os chama agora.

- Já estamos indo, Evirlin. – Afirma a princesa. – Pode descer e em breve estaremos lá. - Não. Desculpe-me Senhora Mowilla, entretanto minhas ordens são de acompanhá-los até o salão imediatamente. Venham sem delongas.

Lodwein e a elfa se entreolham. Ambos percebem uma rispidez estranha na voz do comandante élfico. Ele estava preocupado com algo, e falou como se a segurança deles dependesse de o acompanharem o mais depressa possível.

- Vamos indo então. – Eles respondem enquanto fecham o quarto de Lodwein. Descendo as longas escadarias, o moço vai até a elfa e lhe cotovela de leve, e expressa

em sua face um questionamento. Ele queria saber o porquê da severidade do elfo. Ela, por sua vez, faz sinal negativo com a cabeça e deixa entender não saber também.

Assim, cheios de confusões pelos novos sentimentos e por aquela estranha atitude do comandante élfico, eles descem a torre e seguem para um salão, onde iria ser realizada a apresentação de conhecimentos.

Capítulo VII: Os não convidados

No passado, na Gloriosa Era, onde as leis de Kahvian eram vividas pelos grandes

reinos, os conhecedores recebiam uma considerável ajuda do reinado, de modo especial o dos homens. Quantias em ouro e prata para cobrir os gastos da compra de materiais e instrumentos necessários aos seus experimentos e trabalhos. Contudo, naqueles tempos, com a exclusão das leis de Kahvian dos regimes reais dos homens, os conhecedores perderam sua maior fonte de auxílio, e estes passaram a ser isolados estudiosos em lugares desconhecidos, assim como Todyeld e Lodwein. Apesar de que os gnomos de Nelwár, no reino dos anões, realizavam notáveis estudos, criando também grande saber. Os gnomos recebiam ajuda de alguns ricos poderosos, assim como de pessoas de terras distantes e do reinado anão também.

As “apresentações de conhecimentos” eram eventos muito importantes, pois era por meio destes que os conhecedores sobreviviam, ainda mais naqueles dias. Quando um conhecedor descobria algo novo e interessante, chamava reis, senhores, cultos, mestres e todos os interessados para assistirem seus experimentos e explicações, e também para contribuir com ouro e prata, afinal, tudo era muito caro. E, se um conhecedor descobrisse algo de grande importância, e caso isto fosse comprovado como sendo verdadeiro por uma Casa-do-Saber, ele recebia o título de mestre de conhecimentos. Uma Casa-do-Saber era um grupo de mestres de conhecimentos os quais julgavam e documentavam todo o saber produzido, e estas comunicavam entre si, buscando uma homogeneidade no que sabiam. Em Nélwar havia somente uma Casa-do-Saber, e esta se situava em Kais-Obîrg, o reino dos anões.

Vão então Lodwein, Mowilla e Evirlin até uma grande sala do quinto andar do edifício central onde uma espécie de auditório, criado especificamente para as exposições, e com assentos que desciam gradativos até um palco, se encontrava. Esta já foi uma das funções da fortaleza dos saberes, a de ser um ponto de encontro dos estudiosos desejosos em expor suas descobertas e expectadores curiosos em assisti-las.

Lodwein se dirige ao centro, onde seu mestre já o esperava. Muitos itens úteis para as suas explicações dispostos no pequeno palco do meio. Os elfos também vêm e se assentam. E como fazia parte da tradição, Todyeld antes de dar início, recita o ortodoxo poema do preparo.

Sob teto azul como saber,

Abram a mente, e o teu ser. Queridos ouvintes, deixei-vos correr

Teu pensar, isto podes fazer.

Não busques enriquecer-vos. Ouvi homens, anões e elfos.

Dos conhecimentos somos servos. Não tudo são abertos.

Assim cai a rocha, pena voa Aceiteis está verdade boa Atrás de sinos agora soa

Que sua voz sempre ecoa

Lodwein sempre se perguntou quanto ao sentido destas palavras. E o poema não acabava ai, ele continuava por mais numerosos e melodiosos bonitos versos.

Após concluir a recitação, Todyeld inicia sua introdução ao trabalho. - Amigos. É velha a tradição dos estudiosos mostrarem seus conhecimentos a nobres senhores, e também para interessados. Desde a relação mágica entre os números, até as mudanças do que existe. Tudo se interliga. Astros no céu. Se pormo-nos a observá-los, descobriremos importantes pontos que argumentam sobre nosso derredor e o que se passa nele. Vejamos a mudança das folhas. Reparando na...

O rapaz sabia da importância da explicação de seu mestre, pois introduziria ao que iria falar. No entanto, ele também tinha consciência do quão longo era esse discurso. Muito, muito longo.

E quando ele por fim conclui, recebe palmas do atento público élfico. Eles de fato se interessam por tudo aquilo e anseiam muito pela apresentação de Lodwein.

Com isso, o jovem começa a fazer as suas saudações oficiais. - Senhor Leillindor Verde-álamo, Rei-Patriarca dos Cullyen do Oeste. – Diz inclinando-se em sua direção. - Senhorita Mowilla Verde-álamo, a princesa dos Cullyen. – Um sorrisinho lhe escapa ao dobrar-se. A moça percebendo isso, da mesma forma não resiste. - Evirlin Fehuh’Lel’lo, Primeiro General-Oficial dos Cullyen. E brava escolta élfica Cullyen. Senhor Todyeld Velhapena, o 27º vitalícia-cadeira-honorífica da Casa-do-Saber de Barhágin-húr. Agradeço, as vossas presenças, e ao meu mestre, de maneira especial, pela introdução geral. Eu sou Lodwein e o tema da minha apresentação de conhecimentos será: As diferentes expansões entre e dentre os muitos meios aos quais ela pode existir. E terei como base os estudos realizados por quatro grandes estudiosos dos tempos passados. Etfoln Idko Irt, o gnomo estudioso do som, quem primeiro percebeu e calculou em números a expansão dos sons. Garlar Siefh, o homem do ferro, analisou durante toda sua vida as propriedades deste material em específico, e outros. Odvotr Elno Eft Ko, o gnomo estudioso das poeiras estranhas e mágicas. E Ubnelf Umna Ank, o pai dos números aplicáveis, e criador das deduções numéricas reais.

Somente então Lodwein pode dar início às suas verdadeiras explicações. Descobrindo um pano, o jovem revela um grande cubo de paredes de vidro e bordas de aço, este estava cheio de algum líquido incolor. A plateia começa a se questionar do porquê de tal grande recipiente, e o que seria aquilo em seu interior.

(Imagem do lugar da apresentação, focando o cubo) - Não se assustem, nesta caixa de vidro e aço, a princípio, há somente água, e é nela

que eu pretendo realizar meu experimento. O que venho hoje demonstrar a vocês é uma incógnita numérica existente no cálculo das forças de expansão, e a qual possui a capacidade

de torná-las renováveis. Ou seja, um fator não antes descoberto dentro das forças que pode fazê-las multiplicarem-se sozinhas. Sendo mais claro ainda: Uma geração de forças infinitas.

Esta última parte trouxe real espanto aos ouvintes. - Como primeira declaração da minha apresentação, escolho a descoberta de Etfoln, o

gnomo estudioso do som, ele proferiu: ‘Os sons são ondas que se expandem nos meios existentes, não somente nos visíveis, e variando suas incidências de acordo com as circunstâncias preditas’. E Etfoln também propôs a seguinte relação numérica que nos permite calcular o tempo e a dimensão do alcance de um som num certo meio. – Ele se vira e começa a escrever vários numerais numa madeira lisa.

- Façamos um exemplo como demonstração. Se eu bater uma palma. – E Lodwein faz isso. – Percebam como o som aos poucos some. Pois bem, essa perca gradativa pode ser vista na fórmula de Etfoln. Vou mostrar a vocês. – E com isso o conhecedor se põe a fazer muitos rabiscos no quadro.

- Esta explicação da mesma forma é aceitável nesta água. Notem também que se eu encostar a ponta do meu dedo no meio da água, ela cria pequenas ondas as quais se chocam umas nas outras em um ciclo. Mas, eu lhes pergunto: E quando não mais trabalhamos com um plano? Aumentamos as direções possíveis? Quais as possibilidades, e como calculá-las? Etfoln também nos explica. – Aumentando alguns certos valores nas relações, o rapaz calcula assim as diferentes direções e enche ainda mais a espécie de lousa em que escrevia. Os elfos começam a se embaralhar um pouco com aquilo. Lodwein tira vantagem. – Pode parecer complicado para vocês, mas não para mim.

(Imagem dos cálculos malucos) Todyeld em pé num canto da sala observa seu aluno. Nota que independente dos

muitos conselhos, o rapaz continuava sendo orgulhoso. Isso entristece ao velho. No entanto, isso não seria para sempre, pois muito viria a acontecer a ele, tendo assim de aprender essa importante lição. Percebe o velho mestre também o quanto seu pupilo gostava daquilo tudo que fazia, e como mantinha o público atento em suas palavras. Todyeld se lembra de seu próprio passado, suas aventuras e velhos amigos. Ao longo de sua vida estudou diferentes assuntos, fez diversas apresentações, entrou em grandes pesquisas, se meteu em muitas encrencas. Entretanto, no final de tudo, sua maior alegria estava ali: O menino que tomou para criar e ensinou tudo o que sabia. Como ele havia aprendido rápido, e como era inteligente! O mestre via muito de si no pupilo. Ele era como um filho para o velho.

Lodwein agora começaria uma importante parte da apresentação, e os elfos estavam atentíssimos. - Eu lhes trago outra questão. – Continua o apresentador entusiasmado. – Vocês acham que qualquer material pode se expandir em qualquer meio?

A plateia não sabe responder. - Essa é uma dúvida a qual ainda é muito questionada pelos estudiosos, e há muito já

dito quanto a este assunto, todavia, mesmo assim, existe uma imensidão de interrogações. Dentro das certezas lhes digo que existem expansões calculáveis. E quando digo expansões nesta situação, refiro-me às ditas vulgarmente, explosões. Algumas delas são muito

interessantes, e veremos uma destas. – Ele se vira para pegar um vaso. Dentro deste havia um líquido de cor amarelada, que é despejado na água. Ao misturar a solução com uma colher metálica, ela volta a ser incolor.

Ao virar-se para o público percebe que um soldado não estava mais lá, os outros se entreolhavam um pouco inquietos, o rei élfico o fitava de uma maneira desconcertante, assim como Todyeld, já Mowilla somente imaginava qual seria a próxima surpresa de Lodwein. Aquilo foi estranho. Por que um soldado teria se ido, e um estranho clima teria surgido?

No entanto, o conhecedor continua mesmo assim. - Vocês talvez se perguntem o que seria isto que acrescentei na água. Peço paciência, pois irei explicar depois sobre isso em detalhes. – Tomando um saco de couro cheio dum pó incolor, esvazia-o em um recipiente à parte, e com uma pinça de ferro busca uma minúscula rocha a qual estava sendo guardada naquele saco. Com o maior cuidado para não encostar-se a ela, pega o pequeno cristal de cor avermelhada e levanta para mostrar ao seu público.

Todavia, para espanto de Lodwein, mais dois elfos haviam desaparecido, e os dois que ainda ficaram, haviam trocado de assentos e estavam muito preocupados. Alguma coisa acontecia entre eles. O rei e o mestre continuavam seus estranhos olhares. Mowilla, no entanto, sentada mais a frente, não havia notado a diferente movimentação. Lodwein pensa consigo se não teria feito algo de errado na sua apresentação e se seria o causador daquilo.

Voltando ao seu discurso, ele tenta reavivar a emoção na plateia. - Agora, um dos meus momentos favoritos, quando as luzes e as explosões acontecem! Uma expansão notável e interessante, podemos assim dizer. O que eu tenho aqui é algo muito raro e também caro. Um mineral até pouco tempo sem utilidade para os anões. Este foi estudado por Odvotr, o gnomo. Amigos, peço a todos calma e confiança, não há nada o que temer. Este experimento já foi realizado muitas vezes por nós e sem nenhum dano.

Lodwein então joga a pedra avermelhada, esta desce devagar até quase metade do recipiente; pega um pouco do pó do saco e despeja sobre a água. Os elfos soldados, antes tão cheios de preocupações, não conseguem deixar de notar o que está para acontecer ali. O rei observa cheio de desconfiança o recipiente, enquanto Mowilla nem mesmo pisca de tanta atenção. Lodwein amava essa parte.

O cristal vermelho dentro da água começa a emitir um brilho fosco, a princípio rosa escuro depois dourado. A luz aumenta quando aquele líquido amarelo se separa da água e atrai-se para o cristal. Pequenas luzes vão piscando na água, minúsculas estrelas. E a sala se clarifica por causa disso. Estas são puxadas para a pequena rocha, que agora esquentava a água, bolhas aparecem. Os brilhos menores se fundem à estrela do meio. Entretanto, ela diminuía, tornando-se um pequeno ponto incandescente a se apagar. Some por completo. E eis então: A magia acontece. Uma explosão contida na caixa levanta repentinos vapores e ilumina toda a sala com um clarão dourado e rubro, num estrondo estupendo. Após isso as luzes se apagam e a caixa antes transparente fica escura e envolvida por metal quente o qual se esfria tornando-se cacos de ferro.

Lodwein satisfaz-se em ver aqueles olhos impressionados, sorrisos incertos e mentes repletas de dúvidas.

- Impressionante não? Isto é o que Odvotr chamou de ‘vigésimo sétimo efeito da expansão provocada por um cristal de ouro-vermelho’. Sim, existem outros cinquenta efeitos. – Brinca ele pensando agora ter a atenção de sua plateia por uma eternidade, quem sabe.

- A explicação para este efeito é a seguinte: O cristal de ouro-vermelho possui propriedades especiais que reagem com a areia salina de bronze, e também com o pó de ferro o qual sempre esteve na água. Essas placas formadas nas paredes da caixa são deste material. – Um soldado então volta para sala fazendo com que Evirlin, o comandante élfico, sentado ao lado do rei, se levantasse veloz para falar com ele. Evirlin ouve o cochicho e vai repassá-lo para o seu senhor. Lodwein observa aquilo tudo, e não interrompendo sua explicação, que já havia decorado, se põem a assistir a cena. – Desde o princípio eu já tinha acrescentado pó de ferro na água, e após isso adicionei o mel de pedra, que é aquele líquido amarelo. Este brota em minas a certas profundidades. Foi Odvotr quem descobriu a utilidade, entre outras, de fazer o pesado metal boiar na água limpa.

O rei élfico ouve com atenção as ligeiras palavras de seu general-oficial, o qual recebe um olhar e uma curta palavra como resposta. O comandante fita num breve instante o mestre Todyeld, comunicando-lhe algo. O velho não consegue conter a apreensão que se acentua fortemente em seu rosto. O hábil comandante sai da sala da mesma maneira como entrou. – A história de como o gnomo Odvotr Elno se interessou pelas poeiras é muito interessante e mostra como surgem os gênios de verdade. Ele não era um grande estudioso, somente trabalhava com os anões em uma mina. Como é do saber de todos, os gnomos sempre ajudaram aos outros com seus conhecimentos, e Odvotr era quem dizia os melhores lugares para escavar, os de suntuosos resultados. Enquanto os anões somente procuravam ouro, prata e ferro, o gnomo se interessava por mais do que isso. – Mowilla, com sua aguçada audição, ouve algo no horizonte, e se vira para o sul e sudoeste, depois olha para seu pai. O rei imóvel comunica-a algo por olhar, e ela se volta duvidosa para frente e continua a assistir, agora um pouco aflita, a apresentação.

- O mel de pedra, e o cristal de ouro-vermelho são descobertas de Odvotr. Quando chegou a certa idade, ele decidiu parar com seus trabalhos nas minas e se dedicou aos estudos. Foi quando procurou o outro grande estudioso da sua época que viria a se tornar seu grande amigo, Garlar Siefh, o homem do ferro. – Evirlin, o comandante élfico, volta a aparecer na porta e mira sua visão em Todyeld, parece lhe dizer algo, e ele entende a mensagem. O velho mestre sobe os degraus e se põem a caminho da porta. Lodwein continua sem nem mesmo ouvir o que dizia. – Garlar e Odvotr passaram a estudar juntos as reações das suas descobertas, e foi nesses estudos que eles escreveram os ‘cinquenta e um efeitos da expansão provocada por um cristal de ouro-vermelho’.

- A história de como Garlar Siefh se tornou ‘o homem do ferro’ também confirma como a genialidade é algo grandioso e uma dádiva. Todos nós passamos por situações interessantes em nossas vidas, e precisamos ter grande criatividade para aproveitarmos essas situações. Se num... - Mowilla nota que o mestre Todyeld havia saído da sala, ela vira-se para seu pai. – Se num dia... é... – A elfa parece assustada e vai se assentar ao lado do rei. – É...

O rei elfo acalma sua filha. Os soldados não estão mais dentro da sala, haviam ido para algum lugar, e um “é...” ecoava na sala. Lodwein então percebe, tinha perdido por completo o rumo da sua fala. Porém, algo muito estranho acontecia. Estranho demais para continuar com sua apresentação. - Desculpe senhor Leillindor, mas o que está acontecendo?

- Não se preocupe, apenas continue sua apresentação. – Responde o rei com severidade.

- Desculpe-me, irei continuar então... – Ele pensa uns instantes e tenta mais uma vez. – O senhor tem certeza? Não está acontecendo nada?

- Apenas continue sua apresentação Lodwein. – Seco replica o elfo. - Me perdoe, me perdoe... – Inclina em sinal de desculpas, e dá sequencia. Decide

resumir o que dizia, e desconfortado segue. – Foram muitos os experimentos destes dois. A maioria deles nessa área. Um deles foi este o qual apresentei aqui hoje. E... – Neste momento o rapaz pensa no grande corte que faria em sua apresentação, para avançar e concluir mais depressa. – Aqui podemos aplicar a dedução numérica real de Ubnelf, o pai dos números aplicáveis. Sabemos que além, é claro, de saber a direção das expansões, também seria possível calcular sua potência. Com as técnicas de Ubnelf podemos medir os efeitos das expansões, e saber o quão forte ela pode ser. Ubnelf ainda criou uma maneira de aumentar os resultados. Segundo ele: ‘Sempre que aumento a quantidade daquilo ao qual produz a potência, ou incentivo ao ato gerado por ela e com ela, aumento os resultados’. A ideia geral do experimento é a de unir todos esses conceitos com... – O rapaz é interrompido.

Lodwein não consegue concluir seu raciocínio. E daquela interrupção em diante, toda sua vida, como a conhecia, iria mudar para sempre...

- Parem com a apresentação! – Grita Evirlin, fazendo com que todos do auditório se virassem assustados. – Venham comigo!

Esbaforido o comandante elfo se dirige ao rei e travam um atribulado diálogo. Suas

palavras eram rápidas e possuíam perigo, era difícil traduzir o que dizia. Leillindor dá-lhe ordens, e após isso se volta para sua filha, segura-a num abraço aflito. Depois o rei chama ao jovem enquanto seguiam para outro cômodo do castelo. – Apresse-se Lodwein. Venha conosco.

- O que aconteceu? O que aconteceu?! – Questiona o rapaz agitado. Seu coração batendo forte, e as pernas enchendo-se de uma moleza assustadora.

- Sinto muito jovem, mas teremos de deixar a apresentação para outro dia, e sem dúvida, em outro lugar. Temos visitas.

- Quem? – Retruca o rapaz com os pensamentos alucinados. - Lodwein, não é seguro verem minha filha aqui, e eu também não quero que saibam

sobre nosso encontro, por isso vocês devem se esconder. Todyeld lhe ordenou pegar as provisões escondidas na cozinha, e se dirigir para o último nível, o mais profundo da torre nordeste. Seu mestre disse que você saberia o significado disto.

Desde quando ele era criança, Todyeld sempre lhe falou sobre fugas emergenciais. O menino pensava isso ser loucura do seu mestre. A cada dois meses o velho renovava o estoque das mochilas e cantinas.

- O que está acontecendo? Diga, diga-me por favor! – Suplica Lodwein em vão. - Senhor rei. – Alerta Evirlin sobre algo. - Sim, eu sei. Não me apresse general. Agora, tenho uma ordem para você:

Comandante, proteja minha filha, e o senhor Lodwein. Leve-os até Beföllia, a floresta élfica. – Essas foram as ultimas palavras do rei Leillindor ao oficial Evirlin, a sua última ordem a ele.

Em desespero a moça pergunta. - Hun’há, Unfa leapilon? (Pai, o quê está acontecendo?) – Mowilla já não mais resistindo à tensão se rompia em choro.

- Lolito nuis na Kovife laär golipo niu naa coliben flordlal? Leipatodan Glordun. Ame nu Volu nuis leapilo, lon tirolelo unfa hirato. Naä’dä. Dorelo nuis lon: ‘Na Folyto niwo naa Keiraa leipato Beföllia’Seari.’ (Lembra quando eu te ordenei que nunca entrasse nos assuntos diplomáticos entre os elfos e as outras raças? Isto geraria muitos problemas para você. E não sei o que faria se algo te acontecesse. Acalme-se. Não se esqueça, ‘o caminho para os elfos é o rio da floresta.’) – Dizendo isto, abraça-a com força, quase machucando-a, dá-lhe um beijo na fronte e acrescenta. - Não há o que temer, não há. São aqueles assuntos diplomáticos de sempre. Que Laintlil seja vossa mãe e guie vossos passos, os acompanhe e proteja! – Foi o que rogou. E assim se foi o rei Leillindor a proferir palavras em élfico.

Mowilla, Lodwein e o comandante Evirlin se dirigem para a cozinha, onde dentro de

um quartinho havia cinco grandes mochilas de viagem, Lodwein pega duas. Retira mais da metade da bagagem de uma delas e põe na outra. Entrega a mais leve para Mowilla. Evirlin pega uma terceira onde enche com quase toda a bagagem da quarta e da quinta.

Todyeld entra correndo pela cozinha e encontra-os. - Mestre, por favor, diga-me o que está acontecendo. – Suplica Lodwein quando o vê,

segurando-o pelo braço. - Os homens Lodwein. Estão aqui! – Diz o velho conduzindo-se ao comandante élfico

e esquivando-se de seu pupilo, o qual em choque buscava entender a explicação que ouviu. Mais palavras ligeiras e incompreensíveis, em meio a rugas de inquietação. Evirlin

recebe suas devidas informações e põem as mochilas nas costas. Todyeld deseja acalmar aos jovens, de modo especial Mowilla. Ela havia compreendido as velozes palavras ditas e isso a fez levar a mão a boca e entrar em um pranto ainda maior do que o de antes.

- Não tema, bela Mowilla. Ainda banquetearemos pela sua beleza inigualável, e à saúde de todos nós!

A princesa tenta ser forte, e em soluços limpa os olhos e respira fundo. - Lodwein, pegue sua mochila, venha comigo por um instante. – Ordena o velho

pingando em suor. Ele retira debaixo de suas vestes algo em volto em panos. – Eu quero que você leve isto.

- O que é isso? – Questiona o rapaz.

- O livro do Mago Inglorth. – Retruca receoso. - Lodwein, meu filho, por tudo que existe e é precioso, guarde este livro em segredo de todos! Você sabe o que ele significa para mim, não é mesmo?

- Certo mestre, mas me diga, por que isso tudo? Que homens são esses? Porque eu devo levar o seu livro? Por favor, mestre, me responda!

Todyeld dá um grande suspiro, e esse ar que respira unido às súplicas ouvidas de seu pupilo tão querido o fazem perder toda a firmeza. Esvaindo-se em choro ele o esmaga num abraço contra si. – Meu filho, saiba que eu te amo como se fosse sangue do meu sangue. Eu nunca estive com um sentimento tão doloroso em meu coração assim antes. Temo pelo...

Ele se cala. Pois antes de declarar estar receoso de seu maior pesadelo, ele se torna real. Todo aquele ambiente em que se encontram escurece-se e a vida parece esvaecer-se

de lá. Uma forte batida é sentida no peito dos vivos, como se estivessem entre um martelo e a bigorna. Um sentimento de desordem enche de brumas a mente e o coração. E uma agonia enraíza-se em todo o corpo. Todos sentem isso.

– As minhas terríveis visões... Elas chegaram... – Balbucia o velho homem. Todyeld enfia o livro na mochila do jovem, e o empurra na direção da cozinha ordenando num forte grito antes de sair correndo. - Fuja Lodwein, eu lhe ordeno que tome os túneis e fuja! Maldito seja se ousar retornar por minha causa, maldito seja!

Lodwein obedece seu mestre, segue o corredor e entra na cozinha, iniciando uma corrida desvairada. Evirlin segura um aço reluzente em sua mão direita, enquanto busca proteger com a outra a jovem elfa, apavorada por algo que não sabia o que era.

- Sigam-me! – Grita Lodwein se jogando numa porta que dava em uma breve sequencia de degraus. Após passar por um corredor sai numa sala escura e abre uma porta na direita. Uma longa escadaria agora descendo no profundo escuro, e o rapaz pode ouvir os elfos atrás de si. Não dá para ver um palmo à frente e por isso ele acaba se chocando contra uma porta com muita velocidade. Abrindo-a chegam à outra sala em completa escuridão.

- Espere Lodwein! – Pede Evirlin. – Segure Mowilla. Há alguém atrás de nós. Encostem-se a esta parede!

O jovem assustado percebe-se num quarto subterrâneo da torre e como bem o conhece, mete a mão no escuro, busca e encontra numa mesa ao lado, velas e um pequeno pavio, ele as acende. Lodwein sente sangue pingar de seu nariz, a batida na porta foi muito forte. Sabe onde estão; aquela era a sala secreta em baixo do castelo. Logo ali à frente seguiam os túneis que guiavam até próximo do bosque das raposas, e assim a rota de fuga. A mesa na verdade era um caixote de madeira cheio de equipamentos de viagem.

Mowilla treme, Lodwein também. Onde está Evirlin? De fato muitos sons perturbaram a mente de todos, todavia, seriam eles verdadeiros? Alucinações? Onde está Evirlin? Eles então sentem uma dor ainda mais angustiante e um grande tremor faz todo o castelo tremer até às suas fortificações. Poeira cai do teto e apaga as velas que seguram. O som de passos torna-se audível. Não são élficos, são pesadas batidas, e odeiam o chão que pisam.

Lodwein segura Mowilla e correm juntos para a porta do túnel. Os passos correm atrás deles. Ele fecha a porta, exprimem o máximo que seus pés conseguem. Os passos continuam. A

escuridão completa, o túnel descendo e os passos se aproximando. Pequenos fios de luz são vistos e os passos não freiam. Lodwein se lembra das nítidas palavras de seu mestre em como abrir aquelas portas dos túneis, e ele inicia um processo insano de abrir e fechar passagens. Até que chega à última destas, e ouvindo uma corrida irada atrás de si, salta para fora.

Aos pés da colina do castelo, caídos no chão, ambos se viram para ver o rosto do perseguidor na fraca luz vermelha do lado de fora. Nada veem. Não há perseguidor algum. Olham para a fortaleza que surge muito ao alto de suas vistas. Uma densa nuvem escura parece ter decido até ela. Uma forte chama explode em labaredas as quais lambem todo o castelo. Lodwein reconhece aquele fogo. São aquelas chamas perigosas que seu mestre não o quis ensinar a fazer. Era coisa do Tody. Mas por que ele teria criado tais labaredas se elas só deveriam ser usadas em situações de extremo perigo? Onde está Evirlin?

- Temos de ir Mowilla, venha comigo! – Consegue dizer Lodwein após instantes de

silêncio. Ele segura a mão da elfa, esta chora sem parar. O castelo sofreu um triste dano. – Temos de ir, não estamos seguros aqui, a qualquer momento outro perigo...

E antes de o rapaz conseguir terminar seu aviso, ouvem berros de uma besta dominada por um terror cruel. Mowilla vê a sombra do bicho na distância e grita em espanto, mas isto, para maior infelicidade deles, faz com que a fera os aviste.

- Corra Mowilla! Corra! E assim a princesa seguiu disparada ao encalço do moço. Adentraram o bosque das

raposas e seguiram para o leste. Entretanto, nem eles mesmos sabiam ao certo para onde estavam indo. Mal sabiam que isto seria apenas o início de uma longa jornada e que ainda muitas aventuras os aguardavam.

(Possível imagem colorida da cena onde Mowilla e Lodwein fogem para o bosque das raposas enquanto o castelo pega fogo e a sombra da criatura os assusta.)

Movimento 2 – Emocionantes infortúnios e combates

Capítulo VIII: O ajudante desconhecido

Enquanto Lodwein e Mowilla corriam atravessando moitas e arbustos em meio aos

altos e densos pinheiros do bosque das raposas, pensavam sobre o que estava acontecendo e se ainda estariam sendo perseguidos. Saltam velozes por sobre troncos caídos. O chão formado de gravetos e folhas secas estrala com os passos pouco cautelosos e desesperados do rapaz. Mesmo muito assustada, a elfa corre como um cervo, ligeira e graciosa não deixa rastros e nem faz tanto barulho. Na floresta escura é difícil ver muito a frente. Eles somente ouvem o chacoalhar de suas mochilas cheias de provisões para viagem, e de equipamentos, assim como suas respirações ofegantes.

Já haviam corrido um bom trecho quando atravessando um arbusto Mowilla indaga. - Lodwein, para onde nós vamos?

- Para Beföllia, a floresta élfica. Ainda assombrada pelo que havia acabado de acontecer, a moça não tinha esperanças.

- Mas nós não sabemos o caminho, e é muito longe daqui. – Enxuga ela, com a manga do vestido, as lágrimas que começam a lhe descer pelo rosto.

- Mowilla, Mowilla! Acalme-se. – Pede o rapaz. - Sim, é verdade, é muito longe daqui. No entanto, é para lá que o rei elfo pediu que fossemos. Você se lembra quando ele disse que o caminho para elfos é o rio élfico, não é mesmo? Pois bem, dará tudo certo, não há dificuldade alguma, somente precisamos encontrar um grande rio vindo do norte, e segui-lo contra a correnteza. Assim chegaremos a Beföllia, a sua casa, são e salvos.

O ânimo dela começa a crescer. - Ma’nia. (Está certo.) E você sabe como achá-lo, correto?

- Pelo o que estudei nos mapas, o rio élfico fica ao leste de Alto da Mordida. Então é muito simples. Somente temos de seguir nessa direção.

– Bem, olhando dessa forma, parece ser fácil. Que bom! Mas, Lodwein, para qual lado fica o leste mesmo? Você sabe, certo?

Isso lhe foi doloroso de ouvir. De todos os defeitos do rapaz, quem sabe este seja o pior de todos. Ele era um completo desorientado e isso se somando com a confusão natural que existia no bosque fazia-o não ter a mínima ideia da direção correta. A elfa ao seu lado havia acabado de se reanimar e agora espera uma resposta dele.

- Bem... – Começa ele. – O leste... - Sim? – Até então Mowilla ainda está feliz. Contudo, um riso duvidoso do moço faz com que a alegria dela aos poucos se dissipe. - Você não sabe, não é mesmo? – Ela questiona incrédula. Outro sorriso a faz entrar em desespero. Ele tenta melhorar a situação. - Calma, vai

dar tudo certo.

- Não! Não vai. Leipaton suiitan, suiitan! Nin defone vie sugelon. (Estamos perdidos, perdidos! Iremos morrer aqui.) – Mowilla se enfurece. Até que pondo as orelhas em pé, a elfa escuta algo de estranho a certa distância dali. - Ouviu isso Lodwein?

- O quê? - Acho que ouvi alguma coisa distante; não, espera! Está próximo! – E ao dizer isso,

eles levantam suas cabeças, e eis que o semblante de um estranho perseguidor é avistado lá em cima numa pequena colina quebrada. Logo o reconhecem. É a mesma besta dominada por um terror cruel que havia os apavorado e os feito fugir de próximo do castelo horas atrás.

(Imagem da visão do perseguidor à luz do luar logo ao alto de um paredãozinho) - Rel’ppu! (Uma expressão de desespero) Um monstro! – Grita Mowilla. E antes deles conseguirem fugir, a estranha criatura salta lá do alto, e cai, soltando um

zurro conhecido, bem em cima de Lodwein. Ora, o rapaz que segundos atrás estava em pânico, agora se vê irritadíssimo e feliz ao

mesmo tempo. A fera assustadora é Focinho, seu burrinho inconsequente. Ele provavelmente tinha quebrado algum osso de seu dono naquela queda. Saltitante, o animal ornejava de alegria pelo reencontro.

Focinho, batendo os cascos no chão e balançando o rabo como um cão, puxa forte o ar pelas narinas e prepara-se para soltar mais um zurro de felicidade, contudo Lodwein segura suas mandíbulas e chia pedindo silêncio. O animalzinho entende então que não pode sair por ai gritando alucinado, pois eles encontravam-se em uma situação de perigo. Ele se desculpa pela mancada e mantinha cautela com tudo a partir daquele momento.

- Pois bem. – Pensa o rapaz. – Não podemos ficar parados aqui. Como há um forte cheiro de queimado vindo daquela direção, eu imagino, infelizmente, que este seja o castelo em chamas. Logo, temos de seguir o caminho contrário para rumarmos para o leste.

E Mowilla inicia uma corrida ao dizer. – E nos apressemos logo, pois ouço muitas coisas nessa floresta e que não sei se são animais amigáveis.

Isso é o suficiente para colocá-los de novo a fugir assustados. Virando-se com frequência para verificar a segurança de suas costas, os três seguem

com velocidade pelo bosque das raposas. Já tendo eles corrido por certo tempo e nada tê-los alcançado, Lodwein se recorda de

uma dúvida sua e questiona a elfa. - Mowilla, o que você ouviu lá no castelo enquanto eu fazia minha apresentação e que chamou tua atenção?

- Cavaleiros... Subiam a colina. Pareceram-me muitos, não sei bem ao certo. Assustado o rapaz pondera sobre isso. – Cavaleiros? Isso é estranho... – Se lembra então

de outro fato. - E naquele momento, antes dos tremores e da nossa fuga, o que Todyeld disse para Evirlin em élfico? Ele falou tão depressa, não consegui traduzir.

- Disse que os ‘homens do dragão’ estavam no pátio e queriam falar com o meu pai. Faz alguma ideia do significado disso?

- ‘Homens do dragão’? Soa-me como uma espécie de ofensa, não? Isso também não faz sentido para mim. – Lodwein tenta, porém não consegue entender a situação a qual se

encontra. Somente tem suposições. Estas ele declara à elfa enquanto desvia de um arbusto. - Eu acho que sei quem invadiu o castelo. Devem ter sido os moradores de Alto da Mordida. Quem sabe o conde Mellrich. Ele é um homem de bastante importância na cidade, no entanto, Tody sempre desconfiou dele e falou que ele não era uma boa pessoa. - A tensão os acompanha, por isso a todo instante olham para trás. - Ele acha Mellrich um homem muito ganancioso e capaz de fazer tudo por poder. Porém, não acredito que Mellrich seja capaz de realizar atos tão sinistros quanto os que vimos lá trás. Afinal, ele não é nenhum bruxo. Ao menos não pelo o que sei...

- E se não forem realmente homens que invadiram a fortaleza? – Cogita a princesa pondo Lodwein também a pensar sobre isso. É uma possibilidade a qual não havia considerado. – E se não forem eles os responsáveis por aqueles tremores e nuvens negras?

Ele fita a princesa e esta também o olha enquanto correm. - Sim, faz sentido. Continue. – Pede o rapaz.

- Pode até ser que foram os homens quem invadiram a fortaleza. – Raciocina a princesa. - Todavia, não o fizeram sozinhos. E também não acredito serem os invasores simples habitantes duma pequena vila pesqueira. Vale ainda pensar sobre algo mais. Talvez ‘homens do dragão’ seja uma referência a outro tipo de ser.

A atenção de Lodwein volta-se por completo a ela. Suas palavras possuem lógica. - Digo isso, pois ouvi vozes estranhas, muito incomuns. - Continua a elfa então em sua

análise junto ao moço. - Em Beföllia ouvi várias histórias sobre aquele tipo de sensação tenebrosa e assustadora. Isso me lembra uma leeeeenda...

Mowilla é interrompida, pois sofre uma queda. Enquanto eles conversavam e se olhavam, acabaram atravessando um grande denso

arbusto e a princesa, sem perceber tropeçou nas costas de alguém. Lodwein, vendo o tropeço salta para o lado, e depois vai ajudar a elfa, a qual despercebida havia se espatifado no chão da clareira em um grito de espanto. Sombras os rodeiam. E quão infeliz seria a surpresa deles, quando ao levantarem suas vistas, percebem onde foram cair.

Ardendo, no centro duma clareira no bosque das raposas, uma fogueira projetava

sombras compridas. Árvores haviam sido derrubadas e arrastadas de uma maneira violenta para o redor, criando uma espécie de muro de copas, densos arbustos. Calcado e remexido foi o chão por pés semelhantes a martelos gigantes. Aquele lugar criava uma pequena proteção para os que o prepararam: Goblinóides.

Sobre um grande olmo caído sentava-se um hugwur montanhês. Criatura de altura próxima aos dez palmos. Todavia, se talvez levantasse sua cabeça acima dos ombros, é provável que chegasse a uns doze. Longos e volumosos são seus braços, seus punhos se dobrando no chão. Visto de lado parece ser uma criatura mais larga do que de frente. Fortes pernas descansam de ter jogado seu calçado de ferro e couro por estranhos lugares, e também de martelarem o chão. Fios grossos e sebosos como de um javali saindo por debaixo da malha de ferro e de sua couraça, revestindo os braços e pernas da aberração. A boca pequena para o grande número de caninos e incisivos que se exprimem desordenados num repugnante

sorriso. Um nariz fino e pontudo semelhante ao bico de uma ave de rapina. Olhos dourados esbugalhando-se no apertado lugar o qual sobra para eles. Assim é um hugwur, uma das monstruosas espécies que atormentavam aquelas terras.

(Imagem de um hugwur ao lado de um homem, comparando as suas alturas. Também um wirck, e um ogwur.)

E aquele ali sentado, sentia-se muito exausto, estava suado e sangrando, fizera muitos serviços sujos. Seu nome era Houk. Ao lado dele dois famintos lobos negros, servidores dos monstros, também recostavam-se. Eram da espécie dos wircks, detestáveis predadores de tudo o que fosse vivo. Aguardavam algum alimento de seus donos, visto que do mesmo modo estavam esgotados. Já do outro lado da clareira, descansando-se sobre uma bétula, um ogwur assentava-se. Este era menor, da altura de um homem comum. Corcunda e com braços desproporcionais as suas pequenas pernas. Seu corpo mais delgado, embora ainda forte. A pele dessas criaturas era similar ao couro de porcos selvagens. Rosto assustador semelhante ao do hugwur, com orelhas tão pontudas quanto às dele. Finas pupilas em meio a olhos cor de gema de ovo o davam um olhar sinistro. E um estranho sorriso repleto de pequenas serras afiadas. Aquele ogwur, o qual trajava-se como o outro monstro, preparava algo na fogueira. Seu nome era Frok e ele era o líder do grupo, havia deixado algo no fogo para assar e voltou a se sentar.

Nesse dado momento Houk, o monstrão, sentando-se como um sapo, ofegava enquanto via seu chefe Frok jogando uns gravetos, ao longe, na chama. Foi quando o fato mais inusitado que ele já tinha visto aconteceu.

Folhas farfalham atrás de seu comandante, e depois atravessando a bétula com velocidade, uma criatura tropeça bem nas suas costas. Frok, o líder do acampamento goblin, que não esperava por isso, cai de rosto por terra comendo pedras e minhocas. A primeira criatura, segundo Houk, parece ser uma donzela. Esta moça também não esperava o tropeço e esborracha-se toda. Logo após um rapaz mais esperto advém desviando-se da confusão e depois ajudando a moça no chão. O monstro grandalhão não resiste e começa a gargalhar descontrolado. Mas isso não era tudo. Pois, um pequeno burro salta para dentro da clareira e se junta à senhorita e ao moço.

Um acampamento de goblins, o pior lugar onde Lodwein e Mowilla poderiam desejar

cair após o que lhes sobreviera. O jovem ergue a elfa e ajuda-a tirando gravetos e folhas presas em seu cabelo e na

roupa. Pergunta-a se ela está bem. A elfa prefere não responder, pois mesmo não estando machucada, replicar que sim seria uma tolice diante daquela situação. Uma assustadora enorme aberração gargalha do outro lado, enquanto uma criatura horrenda resmunga no chão ao lado, e dois lobos negros famintos e de olhos vermelhos se aproximam duvidosos farejando-os.

Levantando-se dolorido e alquebrado a criatura tombada espuma de zanga. - Skûst, shûz, foârg zhrur. Hur forhfuz du worsh zo gurnfuz zu? Tu haga! Tu haga! – Vocifera o feroz jogando-se para os lados, e se calando quando encontra os dois jovens. O hugwur sentado no olmo ainda ria.

- Fiz gorfuz! – Ordena o goblin menor ao outro que se cale, e este o obedece. Em seguida observa por um tempo os estranhos e se põem a falar. – Ora, Ora, Ora... U quê temus aquirr. – Parece ser o idioma comum, porém distorcido de tal maneira que é quase incompreensível. Ele graceja e completa. - Um homensiniur... E uma mossiniar, shunto com um burro-suculento.

Lodwein dá um passo e estende a mão frente à Mowilla protegendo-a. Se põem a pensar consigo mesmo: “A situação não é nada boa. Correr não é uma boa alternativa, os lobos parecem ser bem velozes, nos alcançariam com facilidade. Iriam nos dilacerar por trás com suas garras e dentes. Amaldiçoadas monstruosidades, não posso permitir que encostem em um só fio de Mowilla! Também, se fugíssemos, poderíamos ser atingidos por flechas. E se a acertassem, se perfurassem-na, transpassando-a. Não! Fugir não. Lutar quem sabe. Porém não sou bom nisso. E de arma, tenho somente minha pequena adaga. Em contra partida esse bicho, além de possuir uma espada de verdade, deve ter passado a vida inteira em brigas. É verdade! Eu tenho meus vidros com os líquidos mágicos na casaca. Lembro-me de ter colocado algumas essências explosivas. Poderia tentar acertar a cara desse maldito aqui da frente. Contudo, isso somente instigaria a raiva dos outros.” Independente do que pensasse, não havia uma boa alternativa. Mesmo assim, discreto ele retira um vidro e o segura.

- Hei Houk, segure estes nossoss amigos, naum queremos que eles fusham. E dê um sheito nesse pequeno burriniur aqui. Dará um ótimo refeisssaum. – Comanda o vil Frok para o grande monstro o qual se levantando do olmo segue em direção aos três. Os lobos rosnam e latem selvagens. Frok ainda chama outros goblins que Mowilla e Lodwein nem mesmo sabem, no entanto, escondem-se nas árvores ali próximas. - Hei Kosha! Hei Rurgû! Dessam aqui para noss ashudar, temus vissitas.

Quando Lodwein e Mowilla ouvem isso, perdem todas as esperanças, afinal, isso somente piora a situação dos dois! No entanto, a coragem acende no coração de Focinho, e ele, virando-se para trás e direcionando seus cascos bem nas costas do maldito Frok, a criatura menor, dá um zurro de fúria e, no momento de melhor oportunidade, dispara um coice bem em cheio no insolente.

Ora, Frok mais uma vez não esperava por isso, e é arremessado de cara na fogueira. Houk, o grandalhão, não contém suas gargalhadas terríveis. Isso foi o fim da picada. O comandante goblin salta já em gritos de ódio e corre na direção deles a brandir uma espada negra. - Eu matu voshéiss! Malditusss!

Lodwein abraça Mowilla se projetando na direção do golpe, numa tentativa de defendê-la. Já Focinho se esconde atrás dos dois.

E este parecia ser o fim da aventura... Contudo, algo estranho acontece. Quando Frok avançava furioso para matá-los, é atingido pelo corpo de um goblin

arremessado do alto das árvores. Isso mesmo, um cadáver de um ogwur é atirado lá do alto bem certeiro nele. Esse defunto é Rurgû, aquele ajudante da trupe dos goblins e que Frok havia ordenado descer para junto deles, sua garganta sangra devido a um corte largo e profundo.

Seguido a isso, uma flecha zumbe por sobre a clareira e entra lá do outro lado nas muitas folhas de uma copa. Ouve-se um ululo de dor, e outro corpo de goblin despenca daquela árvore. É Kosha, o outro soldado da trupe, com a testa perfurada.

Ora, Frok se vê em meio a um ataque contra seu batalhão, e dando ordens em silvos e gritos, avança para o ataque. - Shkûto! Forfuz buk ahor! Hagfuz fuur!

(Imagem de Frok furioso avançando brandindo sua espada negra na direção dos dois) Mas isso seria em vão, pois novamente a investida é interrompida. Um misterioso ser,

um homem encapuzado, desce de uma árvore e defende o golpe. E os atos seguintes dessa batalha foram poetizados em versos que por muitas vezes foram cantados entre os elfos.

(Imagens da luta no decorrer do poema ilustrando o que nela aconteceu.)

Eis descendo veloz, um misterioso Sua capa ao vento, foi o que soprou Chocou-se o metal dos habilidosos Não sendo do mal, o golpe parou

Elfa e homem viram-no então Em defesa se pondo corajoso

Era desconhecido, sem brasão Lutando com bravura, o prestigioso

Gritou em desespero, o maldoso primeiro

Por ajuda gritou, o monstruoso Recebeu auxílio dum outro maldoso guerreiro

Seu capataz e companheiro, veio furioso Do olmo caído, ele levantou-se

O grandão distraído fora chamado Imensa era espada que elevou-se

Para finalizar o misterioso bem armado

As habilidades do desconhecido se mostraram O golpe que iria lhe matar acertando-o em cheio

Acertou o primeiro, de posição eles trocaram E o pequeno monstruoso foi cortado ao meio

Lobos enfurecidos partiram ao ataque,

Em defesa do tal goblin-chefe, e agora morto, eles correram Em sua direção foram num baque

Mas guerreiro sagaz, escapou-se dos lobos, E estes é que sofreram

Quis o jovem Lodwein o desconhecido ajudar Sacou sua adaga e na fera ele mirou

Guerreiro-amigo não quis que o auxiliar E num soco no rapaz por completo o desarmou

Dura era a luta que ao ajudante desconhecido inda faltava

Havia o grandão com imensa vil espada Um goblin na árvore, este mataria com flecha d’aljava

E dois lobos atrozes armavam-lhe outra emboscada

Eis o seu plano, assim ele o fez:

Um atirador das costas retirou E num lobo ali caído foi certeiro

O virote pontudo o furou, trespassou A fera é ferida pel guerreiro

Novamente com coragem vem Lodwein, o rapaz

Ergueu alto um brilhante vidro e o quis arremessar Porém o encapuzado vê isso, julga belaz E o vidro dele toma, o vê como incapaz

Mowilla, a princesa, cogitando logo viu

Quem seria aquele estranho ajudante peregrino: Para os defender assim tão ardil

O combatente só podia ser um paladino!

O encapuzado quis a situação analisar: Um hugwur feroz raivoso vinha-lhe, avançava E com isso novo golpe descia em rasgo pelo ar

Mas agilidade era dele dom e amiga, e pulou donde estava

Tendo um ótimo ensejo, o ajudante fere o hugwur profundo O monstro é ferido em dor na garganta

Este se levanta e quer retrucar o golpe mesmo moribundo Feroz o monstro estava, quão raiva era tanta

A criatura ferida alcança e joga-o bem distante

O golpe retrucado vem com força e para longe o arremessa Numa árvore distante dali, ele se choca ofegante

O herói que lutava sim muito depressa

Porém outro lobo que inda em pé estava

Vendo o paladino bem ferido vai numa investida de cão A fera foi, gritava rosnava

E como tempo não ajudou, este ele não desviou, o golpe não foi de raspão

Ó raiva, ó fúria guerreiro tomou Guerreiro ferido enfurecido lutou!

Veloz o guerreiro sobe na árvore, ele a escala

Na copa não mais se viu o paladino Lobo o segue, com garras a árvore ele rala

Foi sumindo nas folhas, lá seu destino O combate dos dois não foi visto, só seu final

Lobo azarado morre esfaqueado É jogado do alto, fim fatal

Morto e arremessado, assim foi fadado

Sobra hugwur que gritou e foi lutar Paladino com raiva parte em estopim Em fugaz luta, deveu monstro matar

E derrota os inimigos, que tombam todos no fim. E foi assim que o paladino, até então apenas um ajudante desconhecido, salvou

Mowilla Verde-álamo da enrascada contra os goblins no outono do bosque das raposas.

Lodwein nem mesmo tem a oportunidade de falar com o guerreiro encapuzado, pois mal o último inimigo havia sido derrotado, ele já se pôs a correr para dentro da floresta preparando seu atirador de flechas.

O rapaz se volta eufórico para Mowilla. - Fenomenal! Você viu isso? Por céus e mares! Aquele homem acabou de derrotar três goblins terríveis e dois lobos gigantes em segundos!

- Ihra (É verdade). E você viu como ele matou o monstruoso goblin grandão? Disparou uma sequencia de investidas e pancadas. Foi sensacional! – Acrescenta a elfa encenando os golpes.

- E no começo, quando o chefe deles pediu ajuda ao grandalhão para lutar contra ele, mas foi o próprio golpe da imensa espada do monstro que acabou matando monstro menor. Fantástico! Quem seria esse homem?

Nessa hora o burrinho dá uns relinchos como se quisesse lhes falar algo. - Você sabe Focinho? Claro que não, não é mesmo amigo? Só está eufórico também. – E Lodwein o ignora.

- Ele é um paladino da floresta, com certeza. – Reponde a elfa.

- Eu nunca havia visto um deles em ação. Nunca pensei que pudessem lutar dessa forma. E para onde será que ele foi? – O rapaz questiona.

- Eu o ouvi perseguindo algo, talvez ainda haja mais goblins nas redondezas e ele foi derrotá-los.

- Faz sentido... Oh céus! Como sou distraído. Esqueci-me de perguntar se você está bem. Mowilla, está machucada?

- Não se preocupe Lodwein, estou bem. Gëhvea! Somente fiquei muito assustada, pensei que fossemos morrer. Contudo está tudo bem agora.

- Bom ouvir isto. – Após dizer isso, o rapaz percebe não segurar mais o vidro o qual antes tinha pegado e grita agora consternado. – Ora, onde está meu frasco de explosão que tirei da casaca para tentar ajudar? Acho que o paladino me roubou na hora em que me jogou para longe, afastando-me da luta!

A princesa ri enquanto, sentada, se recompunha. Entretanto eles não têm a oportunidade de descansar, pois algo acontece entre os

corpos dos caídos. - Veja Mowilla, o lobo flechado no peito ainda está vivo! Com isso eles se levantam e se preparam para o pior. Lodwein saca mais um frasco.

Buscando ar em ânsias assustadoras, a fera tenta recompor-se e erguer-se. Pondo-se sobre suas quatro bambas patas e ostentando por entre as costelas uma flecha, a fera olha todo o lugar. Acaba por ver a derrota dos goblins e encontra o homem, a elfa e Focinho. E em meio a espumas de ódio, estufa o peito peludo antes de soltar um alarmante uivo.

- Está chamando ajuda, precisamos impedi-lo! – Exclama Mowilla ao rapaz, e este desesperado arremessa o objeto em suas mãos. Porém erra o alvo o qual continua a ganir.

- Morra maldito! – Ele tenta mais uma vez com outro vidro e acerta-o em cheio na garganta. Uma explosão violeta faz o perverso animal ser jogado para longe, cessando seu chamado. Lodwein tendo detonado-o, solta gritos de alegria e comemoração junto à princesa. Ambos riem emocionados. Até que...

- No’notu (Essa não). Temos um grande problema! – Afirma Mowilla percebendo que mesmo pegando fogo a criatura ainda se mexe.

- Cooorreee!!! O grande lobo negro em chamas avança na direção deles ansiando por vingança. Todavia para a, mais uma vez, surpresa deles, três flechas em sequência o fazem

tombar e, dessa vez, silenciar-se de vez. Anuncia contente a princesa. - É o paladino. Ele voltou para nos ajudar! Venha, vamos

saudá-lo. Eles voltam à clareira, pois se afastaram um pouco dela na fuga do lobo, e aguardam

duvidosos. Eis que então sai dos arbustos o ajudante desconhecido. E, usando uma capa verde escura, segurando um lançador de flechas, ele vem caminhando devagar e se aproxima, depois para. Focinho dá uns relinchos, parecia querer falar alguma coisa, no entanto é repreendido por Lodwein.

Dobrando-se da maneira correta de se reverenciar a realeza élfica, o paladino se mostra muito cortês e estudado. Isso os surpreende. Uma amigável voz sai debaixo de seu capuz o qual cobria seu rosto voltado para o chão. - Iktä, Mowilla Verde-álamo, filha de Leillindor, a princesa da floresta élfica. É uma honra para mim ver-te.

A elfa se sente muito lisonjeada com isso, e responde ao homem. - Iktä, paladino do bosque das raposas. Minha família e eu temos uma preciosa dívida contigo, agradecemos sua incomensurável ajuda. Por favor, se não for audácia da nossa parte, poderia nos dizer seu nome?

Ficando agora em pé e descobrindo o seu rosto o homem se apresenta. Um sorriso aparece na face de Lodwein quando ele responde. - Sou Belgar, o paladino sem pai, o presenteado com a joia do tesouro da rainha anã. – E se virando para o rapaz, acrescenta. - E irmão de Lodwein, o cabeça de vento!

Focinho dá uma resmungada, pois desde o começo tentou avisar que era Belgar.

Capítulo IX: Goblins no bosque

Após longo tempo distantes um do outro, os irmãos Lodwein e Belgar se saúdam num

aperto de mão e abraço. Calorosos cumprimentos nunca foram muito do costume entre eles. - Que bom encontrá-lo Belgar! Agradeço pela ajuda. - E lembrando-se dos fatos o

rapaz reclama. - Ei! O que você fez com minha essência de bafo engolido? Você roubou o meu frasco!

Golpeando-lhe a testa com a palma da mão, o irmão mais velho retruca. – Deveria estudar mais! Verde amarelado significa presença de extrato de falsa bromélia. E não verde azulado, com cinza de carvão raro. O frasco tinha essência de sopro dengoso e não essência de bafo engolido. E eu usei num goblin agora pouco. - Eles iriam iniciar uma discussão se Belgar logo não o houvesse interrompido. – Mas quiete com essas bobagens. Não temos tempo para isso agora Lodwein. Devemos partir depressa. Ainda há muitos goblins na floresta, e aquele lobo ali denunciou nossa posição. Sem mencionar o fato de que vocês também fizeram um barulhão. Carreguem suas mochilas em Focinho para corrermos mais leves. Sei que não é um burrinho velocista, mas vai precisar se esforçar como um. – O rapaz e a moça obedecem ao pedido e o pequeno animal também não reclama. - Eu preciso da maior velocidade e cautela possível da parte de vocês três, tudo bem? Procurem não deixar muitos rastros. Isso foi para você, Lowdy. – Como Belgar bem gostava, usa o apelido que inventou para seu irmão. - Vamos, temos muito o quê correr.

(Imagem dos quatro a adentrar o bosque e seus muitos pinheiros soturnos) Assim seguem Lodwein, Focinho e Mowilla a Belgar, o irmão dele, que a princípio

apresentou-se como um ajudante desconhecido, e que agora os guiava por entre os estranhos lugares do bosque das raposas demonstrando ser a ajuda mais adequada para eles. A mata é densa e os numerosos soturnos pinheiros erguem-se até no alto, onde suas copas surgem formando grandiosos cones. Seus caules como incontáveis colunas de diferentes grossuras, fazendo assim difícil saber se uma árvore estava próxima ou longe. Isso somado a escuridão da noite, e também a inexperiência, fez com que diversas vezes na correria os três acompanhantes de Belgar se chocassem de cara, com o ombro ou com o focinho, nas árvores, deixando-os assim ralados e feridos.

- Lodwein, explique-me. – Belgar pede após longo tempo de corrida, e quando já estão

um pouco mais seguros. - Acabo de voltar de uma missão solitária no extremo sul de Nelwár, corri o mais depressa possível, pois sabia que hoje era o dia da visita de Leillindor. Nem mesmo passei no manso paladino para reportar minha missão. E, mal me aproximo da fortaleza encontro esse acampamento de goblins. Foi quando o céu se escureceu e nuvens negras desceram sobre a colina e vi as explosões e as chamas. Quis correr para lá, mas tive de ficar aqui e vigiar esses goblinóides. Estava entre as árvores observando-os, esperando a melhor oportunidade para atacar. Então de repente vejo três aturdidos tropeçarem entre goblins ferozes procurando briga. Como me explica isso?

- Ora, não foi nossa intenção cair nessa clareira, estávamos fugindo! – Esclarece o moço.

- Do quê vocês corriam? Diga, o que se passou no castelo? - Eu estava fazendo minha apresentação para o rei e os elfos quando fui interrompido.

Parece que homens descobriram sobre a vinda do senhor élfico e apareceram a cavalo para ter com ele. Os soldados saíram para resolver isso no pátio. E depois houve um monte de confusões, fomos obrigados a fugir por causa dessa visita.

- Conde Mellrich... – Cogita Belgar. - Provável que sim, e agora ele se tornou Conde-chefe. A festa para sua nomeação foi

há uns dias atrás. Depois disso fomos levados para a cozinha com um comandante élfico. O pai de Mowilla se despediu dela antes de Tody vir e me entreg... É... Conversávamos, no entanto aconteceram uns tremores e um mal caiu sobre nós e o mestre ordenou por em plano a “fuga pelos túneis”. Ele mandou que pegássemos aquelas provisões da cozinha e partíssemos. Foi tudo muito rápido e não deu tempo de entender nada. O outro elfo que nos acompanhava voltou para lutar contra algo que nos seguia. Ele não retornou, ficamos com medo e fugimos sozinhos.

- O senhor Todyeld ainda disse que os homens do pátio eram ‘homens do dragão’. Sabe o que isso significa? – Acrescenta a princesa.

- É verdade. Me esqueci disso. Belgar, faz ideia do que isso seja? O paladino se emudece. Não consegue esconder a feição de preocupação. Pensa em

como resolver esse problema. Ele dá um assovio, mas nada acontece. O paladino tentou chamar seu falcão mensageiro, porém este não respondeu ao seu chamado. Fala por fim. - Vivemos tempos estranhos meus amigos. Estranhos demais. Para onde vocês planejam ir?

- Para Beföllia, a floresta élfica, levar Mowilla à sua casa. – Responde o jovem. – Contudo, por favor, Belgar, fale o que sabe!

- Sente-se bem, senhora? – Pergunta Belgar ignorando-o. - Sim, um pouco cansada, embora acredite que ainda consigo correr por mais tempo,

se necessário. – Neste momento, a princesa élfica começa a sentir uma dor e angústia diferente, muito intensa, por algum motivo que não sabia dizer qual. – No entanto, é verdade. Belgar, conte-nos o que está acontecendo!

- Eu levarei vocês até o manso paladino, lá pedirei ajuda ao meu chefe, o líder dos paladinos. Não se preocupe senhora, nós te acompanharemos até a floresta dos elfos, Beföllia.

Lodwein se irrita. – Pare de ignorar nossas perguntas! Fale o que sabe, Belgar! - Céus e mares Lowdy! Eu não sei explicar essas coisas... Você percebeu o que acabou

de acontecer ali atrás? Quando eu assoviei chamando meu falcão e ele não veio? Você pode não entender, mas saiba, isso é um péssimo sinal para um paladino em campo. Ou seja, eu também estou com problemas aqui. No mais, confiem em mim. Vou tentar levar vocês ao meu líder, ele é sábio e prudente. E quanto a essas suas dúvidas, ele saberá explicar-lhes, com certeza. A situação não é fácil. Corremos muito perigo. Principalmente vocês dois. Agora, acalmem-se, fiquem tranquilos. Só isso posso dizer. Isso não os abrandou. Nenhum pouco.

E foi com essas confusões em mente que continuam a seguir o paladino, o qual com frequência assovia a procura de algum falcão. Os paladinos faziam o uso de seres especiais da floresta como ajudantes para seus serviços, os animais-amigos. Estas criaturas eram diferentes das outras, podiam compreender os homens e suas lutas. Estavam sempre a serviço e eram muitos leais. No passado existiam muitos deles, entretanto com o passar dos anos sumiram. Foi a época em que homens lutavam ao lado de feras lendárias e míticas. Agora, neste tempo, os paladinos contavam com a ajuda somente dos cavalos, eternos companheiros, das aves silvestres, maioria falcões, lobos e cães, e alguns poucos ursos.

Já haviam corrido por muitas horas e os três menos preparados estavam exaustos. Belgar então cessa a corrida para que eles descansem e os recomenda. - Fiquem aqui, é

um lugar de certo seguro. Irei certificar isso e buscar nossa exata localização. – Ele retira um cantil de couro e uns pacotes de pão das mochilas deles. – Bebam mais água e comam alguma coisa, tentem descansar. Não devo demorar muito, tudo bem?

A elfa escuta o som de água distante e diz. - Escuto água corrente. Nós estamos próximo do Kei’Seari, o rio élfico?

- Não, não. Esse é o rio do bosque. Mais ao sudeste ele desemboca no rio élfico. Não julgo seguro descer até lá. – Adverte Belgar ao se levantar. – Fique em paz senhora. Lodwein venha comigo por um instante.

Eles se distanciam de onde estão, e o paladino retira um objeto de seus pertences e o dá ao seu irmão. - Eis meu presente de aniversário. Já passou do tempo de você ter uma lâmina de verdade, não é mesmo? Aquela sua adaga é uma brincadeira de mau gosto.

O jovem olha para Belgar, vê aquele rosto amigável, semelhante ao seu, porém mais velho. Seus cabelos também cacheados, e o castanho de seus olhos mais claro. Crescendo intensa e um pouco dourada, a barba no rosto. Era uns sete anos de idade mais velho do que ele. Lodwein agradece o presente, que era uma, não muito longa, espada, feita segundo a arte paladina de produção de gládios.

(Imagem de um gládio paladino) - Devo praticar um pouco de agora em diante, não é mesmo? Punhais de madeira não

se comparam com os de aço. - Sim, é verdade. Agora devo ir. Parece que algo de fato estranho está acontecendo no

bosque e devo verificar isso. Ah! Lodwein, mais uma coisa. – Ele abaixa seu tom num sussurro. – Ela parece estar muito assustada, tente acalmá-la. Adeus.

O moço entende, guarda sua nova espada na bainha presa à cintura. Volta-se para a elfa, esta aflita se aperta como que por frio. - Mowilla? Está tudo bem? – Questiona ele se aproximando.

Ela tenta sorrir, entretanto, não consegue. – Acho que não... Não, não estou nada bem. Uma dor nunca sentida antes aflige meu

coração. Tenho consciência de isso poder ser consequência dos fatos horríveis acontecidos conosco, no entanto, não parece ser por isso. O motivo parece vir por algo ou alguém distante. Não sei dizer.

Lodwein não é muito hábil em consolar ninguém, nem sabe o que dizer naquele momento. Por isso somente se senta ao lado dela. Ela se vira para ele. A luz de alegria a qual parecia sempre fulgurar em seus lindos olhos, está apagada. Vê-la abatida daquela forma fez a noite parecer tão mais escura para o jovem. O bosque está quieto e uma fria brisa sopra. Ele pensa em segurar a delicada mão da elfa entre as suas e ficar a observa-la atenciosamente por um longo tempo. Seria isso o recomendado por seu irmão e também o esperado pela moça. Perfeito seria ver o rosto tão formoso de Mowilla, sua aparência bela e doce, por longas horas. Assim como reclinar a cabeça dela sobre os seus ombros e acariciar-lhe os cabelos dourado-escuros, com suas tranças bem feitas, cobrindo-a, como um grosso véu luminoso. E ela, muito provável, num sorriso ainda forçado, agradeceria-o por sua presença e consolo amistoso. Mas não foi isso que o rapaz fez. Ele não era bom em reconfortos.

Por sua vez, Lodwein se vira para trás, pega um pedaço de pão e oferece-o. - Quer comer alguma coisa? É bom, vai te deixar forte. – Ele diz isso enfiando um naco do pão na boca, e oferecendo um cantil de água.

Mowilla acaba achando graça do diferente jeito do rapaz, não é o que esperava ouvir. - Não estou com fome, no entanto acho que aceito a água. O rapaz entrega o cantil à princesa enquanto enche mais a boca com pão. Depois

também se refresca. Mowilla sente suas pernas doerem, pois foi uma corrida exagerada. - Está muito cansada? – Pergunta Lodwein. - Um pouco. - Acho que tenho algo que pode te ajudar. - Buscando entre os vidros trazidos nos

bolsos da sua casaca, ele acha um frasco contendo um líquido de cor amarelada. Entrega-o à moça. – Beba, é um elixir da saúde, lhe trará forças.

- E é gostoso? - Bem, eu gosto muito do sabor dos elixires, são bem doces. Confie em mim, vai fazer

você se sentir melhor. A moça desconfiada dá um breve sorvo e fazendo diferentes caretas analisa a bebida. - Ih’lä!(Legal!) É uma delícia! E veja, pareço recuperar minhas forças e ânimo bem

depressa! E quando passa o efeito? - Na verdade, o efeito é permanente. Restaura a pessoa até mais uma vez esgotar-se. Exausto, Focinho os observa, até que quando descobre o elixir, chega mais perto para

pedir um pouco. Enfia-se entre eles na direção do frasco. - Ah, você também quer um pouco? Tome aqui o restante. – Oferece a princesa ao

burrinho. Enquanto eles iam conversando o céu perdia toda sua escuridão, e um novo dia se

preparava para nascer. Este traria nova esperança, ou não. Mowilla então escuta algo ao longe, e se põem de pé. - Vamos nos preparar, seu irmão

já está chegando, e vem com pressa. Sem dúvida teremos de novo que correr. Não demora muito, chega apressado o irmão de Lodwein a falar. - Pois bem, fico feliz

em vê-los já dispostos. Tenho boas e más notícias. Infelizmente, há muitos goblins no bosque,

por isso tomaremos a trilha dos paladinos. Porém, para nossa felicidade, o falcão de um paladino amigo meu vagava pelo céu e escutou meu assovio. Já mandei mensagens para os outros a respeito de nós. Agora vamos indo!

E assim eles partem numa veloz corrida. A manhã anuncia-se, e os três ainda rumam incansáveis. Após um bom trecho percorrido chegam à trilha dos paladinos, a qual não é muito larga e nem mesmo parece segura. Mesmo assim nela avançam.

Até que Mowilla se vira assustada para os outros enquanto apressam-se. - Ouviram isso?

- O que? Talvez sejam paladinos. – Isso chega a ser sarcástico da parte de Belgar. Ele sabia perfeitamente que não eram dos paladinos aquele som o qual também escutou.

- Não. Os paladinos não correm tão raivosos assim. Com isso, Belgar os obriga a apertarem ainda mais o passo e questiona. – Senhora

Mowilla, são muitos estes seres? No entanto, ela nem precisa responder. Ele mesmo já sente as ameaçadoras batidas dos

pés de uma horda furiosa no chão. Quando a primeira flecha zune por entre eles, o medo aumenta, e se voltando para trás veem goblins a persegui-los.

-Cuidado! – Alertam-se uns aos outros. As malditas criaturas saltam pelo meio das árvores como primatas selvagens e pouco a

pouco os alcançam. O primeiro grave dano seria em Mowilla se Belgar não tivesse bloqueado com seu escudo a forte flechada. Uma pedrada seguida de gargalhadas acerta as costas de Lodwein. Um pequeno goblin consegue chegar próximo e salta num grito sobre Focinho, porém leva um coice na cara e voa para longe. Tudo indica que o fim deles está próximo, pois todo cansaço da noite caía sobre eles com ainda mais força, agora no amanhecer do dia.

Contudo, esses aventureiros eram bem protegidos em sua jornada, graças ao brilho de

Laintlil, o qual Lodwein trazia em seu pescoço. Isso, pois, disparos precisos acertam os sete goblins a menos de algumas braçadas

deles. Os outros quatro da esquerda fogem nas sombras das árvores antes de serem os próximos. Sorte que os três da direita não têm, e caem todos perfurados por terra.

Os paladinos chegam! E estão em grande número. Seus arqueiros são muito habilidosos. É uma batalha paladina. Ah sim! Um belo combate é esse que explode bem naquele dilúculo do outono em Nelwár no bosque das raposas.

Por entre o arvoredo fechado é travada a luta. Paladinos da floresta afrontam os goblins invasores. Muitos homens vestidos de uma maneira similar à de Belgar podendo ser vistos nas copas a dar disparos certeiros, seguidos de movimentos rápidos de esquiva. Já outros avançam em largas passadas sobre os inimigos com talentosos golpes. Grande é o número de ogwurs, hugwurs e wircks, porém, aquele é o território dos guerreiros do bosque, e eles o conhecem muito bem. Apesar de toda a violência, tão bonito é o barulho da guerra. Há arte em tudo aquilo, é quase música. Homens com suas armas, trajando-se semelhantes à floresta e servindo uma boa causa, gritando, chocando metais, disparando virotes que cantavam por

todos os lados pelo ar, dando ordens e as obedecendo, todos juntos formando acordes de guerreiros em uma harmonia admirável. Belíssimo!

- Venham comigo! – Grita Belgar para Lodwein e Mowilla, os quais se extasiam pelo ambiente da batalha. Ele os defende enquanto berra chamando um nome e emitindo agudos assovios. – Guvat! Guvat! – Clama sem parar.

É quando um combatente responde ao chamado. E aparecendo montado a cavalo vem um garoto, um moleque. Parece jovem demais para estar lá.

- Eu sabia que viria, menino! Ainda bem que você trouxe meu corcel. Veja, tenho lhe uma missão importantíssima. Estes são Lodwein, meu irmão, e Mowilla Verde-álamo, a princesa élfica. Leve-os em segurança para o manso paladino. Use as cavernas e vá depressa.

- Está certo Belgar, eu farei isto. Focinho dá um zurro de desespero, pois parecem ter-lhe esquecido. - Ah sim, amarre esse burro e galope com ele também. Afastando-os um pouco da luta, Mowilla e Lodwein são postos no alto cavalo do irmão

de Lodwein, o qual Guvat o monta. Este aguentaria até o dobro do peso se necessário, é um animal resistente. Belgar havia se separado de sua montaria logo antes de se aproximar do castelo. Seu cavalo havia voltado para rever sua própria família.

- Muito bem, Guvat leve-os até a senhora Dienna. – E se voltando para os seus, acrescenta. - Mowilla e Lodwein, não se preocupem, apesar de jovem, ele é um ótimo cavaleiro. Adeus. – Belgar se despede e volta para o combate.

- Fiquem calmos, iremos entrar em umas cavernas no nosso caminho, mas em breve chegaremos ao manso paladino. – Diz Guvat, o garoto de olhos alegres e atentos a tudo. Nos lábios um animado sorriso, pois aquilo tudo o diverte muito. Tem agora em sua responsabilidade Lodwein, Mowilla e Focinho.

Eles então seguem vertiginosos por entre os pinheiros da floresta. Com frequência o

garoto força a montaria a se emaranhar em acentuadas curvas. Mowilla logo entende que Guvat quer confundi-los, pois o caminho para a morada dos paladinos é secreto. Até aqui ela ainda consegue ter a trilha certa em sua mente, já Lodwein se confundiu no primeiro desvio. A somatória da velocidade com as curvas, mais a confusão natural do bosque, é de fazer perder a direção de qualquer um. Focinho, preso por uma corda logo atrás, somente consegue acompanhar o possante ritmo da cavalgada devido ao elixir, o qual teve um efeito diferente sobre ele. Mais ágil, veloz e forte ficou o animal após bebê-lo. Na verdade, instantes atrás, no fervor do combate, ele até mesmo tinha derrubado três goblins, dois destes em um só golpe. Eles adentram então uma caverna escura e o breu cai sobre eles. Percebendo que a elfa ainda não tinha embaraçado os seus sentidos, pois usa de sua aguçada audição para se localizar, o menino cavaleiro se esforça para atrapalhá-la. Dentro da caverna, o trotar do animal ecoa no teto e nas paredes. Horas o som parece de um lugar estreito, horas de imensos abismos ou aberturas. Num tremendo esforço a moça ainda mantém a concentração. Até que Guvat joga o corcel num aguaçal dum córrego subterrâneo. Nadam alguns metros e se encharcam todos. E com isso, a elfa não mais sabe identificar a direção tomada. Assim eles saem das cavernas e

voltam mais uma vez a ver alguma luz. Ofuscados pela visão do brilho do nascer sol somente conseguem perceber que o chão de onde estão é um limpo gramado verde. Correm por sobre esse campo e depois entram num estábulo.

- Esperem aqui por um instante. - Pede Guvat ao sair correndo. Os três olham para o lugar onde se encontram. Não há cavalos ali, contudo espaço

para dezenas, ou talvez centena destes, não falta. Feno, rédeas e arreios podendo ser encontrados em montes nos cantos e pendurados pelo lugar. Não demora muito uma mulher chega.

- Oh, meus queridos. O que temos aqui? Dois feridos. Estão bem minhas crianças? Conseguem ficar de pé?

Eles respondem que sim, a senhora os ajuda a descer. - Quão exaustos vocês aparentam, meus queridos. Venham comigo, levarei vocês para

os aposentos da minha casa, lá descansarão. Não precisam mais se preocupar, estão seguros agora! - Acabam confiando na mulher e esta os leva até uma porta do estábulo, passam num corredor e se veem dentro duma casa.

Guvat toma conta de Focinho o qual se sente totalmente à vontade naquele estábulo. Sente-se um genuíno cavalo de guerra, para ser exato.

Enquanto isso, os dois cansados adentram um quarto escuro. Lá aquela mulher os faz deitar em camas macias. Ervas fervendo em água quente tornando o ambiente muito reconfortante. Aos poucos eles vão adormecendo, mesmo ainda atordoados e um pouco enjoados pela confusão e reboliço da cavalgada. E a última lembrança que teriam é a da voz da senhora a lhes dizer. - Durmam minhas crianças, durmam...

Capítulo X: Os proscritos paladinos

Há muitos e muitos anos atrás, em uma era d’outrora, Niôdel entrou nos Campos Melodiosos. Niôdel foi um dos sete irmãos filhos de Pouldthus, que lideraram Kahvian por todos os extremos. Kahvian é a luta, a causa, a verdade, são os guerreiros que continuaram a combater o mal após a Grande Guerra, perdurando-a assim viva, sendo-a. Niôdel, liderando uma comitiva de guerreiros vagava abatido, devido a certos fatos, a procura de novas terras para trazer a novidade do combate. Foi quando este cavaleiro, num dado momento de tristeza, ouviu, trazida pelo vento, uma melodia que chamou sua atenção. Um harmonioso canto escutou quando adentrou as planícies banhadas pelo Rio Eterno. Este lugar era chamado de Campos Melodiosos pelas pessoas que lá viviam.

O rei daquela região havia falecido sem se casar, e quem passou a reinar foi Nelwár, a sua irmã. Ela era chamada de rainha sempre cantante pelos habitantes de lá, pois ela vivia a cantar. E a sua cantoria era ecoada por todas as províncias daquele lugar. Ora, Niôdel estupefato pelo que seus ouvidos lhe permitiam escutar, quis conhecer quem seria a dona de tal melódica voz.

No tempo que passou entre os povoados, Niôdel conseguiu cativar muitos aldeões a se unirem a causa de Kahvian, na luta contra o mal. O povo estava fustigado pelo desejo da boa guerra que ele havia trago. Por isso a própria rainha Nelwár, ao ouvir boatos dele, ordenou a presença do estrangeiro em seu castelo real. Quando a rainha o conheceu e soube quem aquele homem era, sua ascendência e sua história, ficou admirada. Foi informada de que a nação desejava lutar contra os males das terras distantes, queriam os outros povos ajudar. Por fim ela, maravilhada pela maneira como o tal estrangeiro cativou o povo, concedeu que as causas de Kahvian se tornassem legítimas no país.

Niôdel era um amante da arte, de modo especial, a música. Foi assim que em agradecimento à senhora da realeza, cantou e tocou uma canção que ele mesmo compusera para ela, cantando a sua beleza. A rainha Nelwár acabou amando à Niôdel, que por sua vez também a amou. Eles se casaram e juntos governaram aquela nação. O novo rei decidiu renomear aquelas terras chamando-as então do nome de sua amada esposa: Nelwár.

Ao tomar conhecimento de que a coragem crescia entre os homens, as forças do reino maligno do sul começaram a atacar aquelas terras. Com isso o rei fundou a ordem dos Undônerun12, os anéis de paládio. Duzentos e cinquenta e seis anéis e espadas de paládio foram forjadas e entregues aos duzentos e cinquenta e seis primeiros Undônerun. Estes eram bravos guerreiros que lutavam ao estilo silvestre. Assim Niôdel criou os Paladinos, hábeis combatentes que sempre guerrearam contra o mal a serviço do rei.

Nota de Rodapé:12O nome Undônerun é de origem duma língua antiga e significa: Anéis de paládio, anéis palatinos, aquilo que é feito de paládio, os paladinos. Dessa forma uma tradução correta para “Undônerun” seria “Paladinos”.

Após muitos anos a rainha Nelwár e Niôdel faleceram deixando sua descendência que sempre teve os Paladinos como guerreiros oficiais do reino de Nelwár. No entanto, com o passar do tempo houve muitas confusões no trono, e os Paladinos sofreram com isso. Aos

poucos perderam toda a honra que seu nome trazia, o conceito sobre eles foi desvirtuado e depois dos tristes casos da “Primavera em Farkweld" os paladinos fugiram para um bosque distante. Mesmo assim ainda serviam ao rei e guerreavam contra o mal.

Nos últimos acontecimentos daquele tempo em Nelwár, o rei Hainth tornou-se um paladino e saiu a lutar. Todavia, com isso, ele foi considerado pelo povo como um vagabundo e preguiçoso que não queria governar. Depois do caso na província de Farkweld, forçado pelas pessoas e pelo conselho dos condes, voltou ao trono e de lá não mais saiu. Sabe-se que pouco tempo após isso morreu e que seu filho Beonth foi coroado rei e era um bom governante. Contudo, em seu governo esqueceu-se por completo dos paladinos. Desta forma eles se encontravam degredados, os paladinos eram um mero grupo de proscritos que viviam no bosque das raposas.

(Texto histórico enfeitado como tal)

Era um quarto aconchegante o qual Lodwein se encontrava. Peles de carneiro nas

janelas tornavam-no escuro de uma maneira agradável, o cheiro do vapor de ervas trazia um acalentador sono aos cansados. A senhora Dienna estava lá quando Belgar adentrando vai acordar seu irmão.

Chegando próximo da cama de madeira ele o cutuca. - Ei Lodwein, acorde, não acha que passou da hora? Se contorcendo todo de preguiça, o jovem limpa a remela dos olhos e deseja saber. -

Que horas são? - Passa da metade do dia. – Responde o irmão. Bocejando pergunta o folgado. – Ontem você voltou para o combate depois que

partimos a cavalo? E como ele terminou? – Porém, num solavanco o rapaz endireita-se e olha ao redor, pois se lembra de algo importante e pergunta assustado. - É verdade! E onde está Mowilla? Como ela está?

- Acalme-se minha criança, acalme-se. A senhora élfica já despertou e está com minha filha Korlla. – Explica a curandeira Dienna.

- Lodwein, a luta não foi ontem, e sim hoje pela manhã. – Acrescenta Belgar. - Impressionante! Sinto como se tivesse dormido por dias. - Estes são os efeitos das minhas ervas relaxantes, elas descansam o corpo e a mente

deixando qualquer guerreiro pronto para a lida em pouco tempo. – Explica a mulher, retirando a bacia de vapor.

- É verdade, ia me esquecendo. Acho que ainda não vos apresentei um ao outro direito, Lodwein. – Afirma Belgar. - Essa senhora que os cuidou desde hoje cedo é a senhora Dienna, mãe de Guvat, e a nossa matriarca.

- Agradeço à senhora. Sinto-me ótimo! - Por nada, meu querido. Depois faça uma caminhada lá fora e coma algumas frutas

com meus filhos. E a noite se prepare, pois vamos fazer um delicioso jantar para todos.

Isso Lodwein gosta muito de ouvir, ele é um grande comilão. Continua então a questionar seu irmão. – Mas Belgar, diga-me como foi a batalha?

- Gëhvea, nós vencemos esta. Nenhum paladino foi morto, mas muitos foram feridos. Eu mesmo, por exemplo, levei um sério corte no ombro. – Ele de fato está enfaixado nessa parte do corpo. – Os goblins não capturaram nenhum de nós, e nem nós conseguimos prender ninguém deles, ao menos não vivo. Ultimamente estes infelizes estão muito sigilosos com suas informações e estão matando a si próprios quando os capturamos. Alguns guerreiros ainda encontraram tocas goblin no chão e acampamentos em diversos pontos. Por isso estamos passando todo o dia no bosque a caçá-los. Também buscamos descobrir de onde é que eles estão vindo, e porquê.

- Espantoso! Você nunca me disse que os paladinos eram tão sensacionais assim, Belgar. É impossível vencê-los numa luta. Não fique muito orgulhoso, mas suas habilidades, de modo especial, são inacreditáveis! Como nunca me mostrou isso antes?

O paladino ri. – Isso é resultado duns últimos treinamentos que tenho tido com uma alcateia do bosque. Lá tem uns lobos muito experientes. E também, estávamos em vantagem na batalha de hoje, essa é a nossa floresta, não se pode esquecer isso. Somente fico pensando como os goblins conseguiram invadir-nos desta maneira sem que percebêssemos, e também por que estão fazendo isso agora? – Se põe a pensar antes de prosseguir. - Mas enfim, Lodwein, eu vim aqui para te acordar e, além disso, lhe dizer que ainda tenho trabalho e passarei o dia inteiro fora, irei para o norte. Pode ficar tranquilo, o manso dos paladinos é seguro. Já pedi a Guvat para mostrá-lo a você e a Mowilla. Coma alguma coisa depois de se levantar. Adeus.

- Espere Belgar. Diga-me o que acha de toda essa loucura? O que está acontecendo? O que faremos? E onde está Todyeld, o nosso mestre?

Após um longo silêncio ele fala. - É como já te disse meu irmão. São tempos estranhos, estranhos demais. Viajaremos para a floresta élfica para levar a senhora Mowilla em segurança. Por hora é isso. E o líder dos paladinos também não está aqui. Quando ele chegar, conversaremos. Fique em paz Lodwein, adeus. – Retira-se do quarto sem se importar com as outras súplicas do mais novo.

- Não entendo porque este sigilo. É algo tão esquisito. Gostaria de entender isso tudo. –

Comenta o jovem com Dienna. A mulher acaba pensando alto. – Não sou autorizada a falar sobre isso. - Como assim? – O rapaz se espanta. - Quero dizer, nem sei do quê se trata. Esses guerreiros são tão misteriosos, vivem com

seus segredos e nunca mencionam nada com as esposas. Sobretudo o meu atencioso Muldat. Não que ele tenha dito algo. E também não que ele desconfiasse de mim. Melhor. Esqueça isso. Deixe para lá.

- Fale-me o que a senhora sabe. - Eu sei pouca coisa... Quero dizer, não sei nada sobre isso. Ah! Que maravilha, veja

quem chegou: Meu filho Guvat. Vamos Guvat, leve-o daqui. Tome Lodwein, estas são suas roupas novas, a sua antiga está lá fora no sol. Vá se vestindo pelo corredor. Até logo.

Após ser forçado a se levantar, o moço, segurando uma túnica de linho, é empurrado para fora do quarto enquanto implora. – Ainda não, por favor, espere!

Encerrando em severo tom, ela o expulsa. – Já chega! Pegue suas coisas e vá embora. – Fecha a porta não lhe dando mais chance de questioná-la.

No corredor, um pouco transtornado, Lodwein retira as vestes de dormir e traja a

túnica antes de calçar suas botas. Guvat ao lado também está embaraçado, e lhe diz. - Desculpe minha mãe, ela às vezes

age assim, um pouco nervosa. - Tudo bem, não se preocupe. Já que não tenho escolha, é melhor eu deixar alguns

assuntos para depois mesmo. Guvat é seu nome, certo? Onde está Mowilla? - Sim, sou Guvat, filho de Muldat. A dona elfa está no quatro da minha irmã Korlla.

Nós vamos mostrar a vila para vocês enquanto esperamos as comemorações noturnas. As esposas estão preparando um delicioso jantar para os seus maridos cansados que voltam da batalha. É uma tradição. Gosta de assados?

- Claro, com certeza. - Pois terá todo tipo de carne. De vaca assada, frango e patos, leitão na brasa... Já faminto, ele replica. – É esse o tipo de banquete que eu gosto! Batendo na porta, os dois entram no quarto da irmã de Guvat. Mowilla e Korlla se

levantam da cama, onde conversavam, e vão até eles. Muito bonito é o vestido cor de pêssego com mangas até os cotovelos o qual a elfa veste, assim como suas botinas justas terminando abaixo dos joelhos. E, ainda, em sua cabeça um manto a cobrir-lhe os cabelos cheios de tranças, faziam-na parecer-se muito com uma típica moradora do manso paladino. Korlla, que é parecida com seu irmão Guvat, e é a filha mais nova, também se traja dessa maneira.

- Olá novamente senhora elfa. Korlla, podemos ir? – Pergunta Guvat. - Podemos. Somente estava conversando com a dona Mowilla. Lodwein cumprimenta-a. – Olá! Korlla é seu nome, certo? Fico feliz em conhecer a

irmã de Guvat. - Também me alegro em me encontrar com o irmão do mestre Belgar. – Disse a

loirinha de face alegre. - Minha mãe pediu para que levássemos uma cesta com algumas frutas, pão e carne para comermos lá fora. Vamos então.

Lodwein concorda e enquanto seguem, pergunta à princesa. - Está melhor Mowilla? - Sim, estou. – O sorriso em seus lábios não condiz com a tristeza de seus olhos. O

rapaz logo percebe, ela está abatida e finge alegria para não causar preocupação. - E você, dormiu bem? – A elfa o questiona. - Muito bem! Aquelas ervas são ótimas. – Espreguiça-se ele. - Pois então, acho que

devemos passear pelo manso dos paladinos até o fim do dia, não é mesmo? - Ihra (É verdade). Estou animada para conhecê-lo, parece ser um lugar tão bonito.

Crescido num acolhedor descampado do bosque das raposas, o manso dos paladinos era o lugar mais airoso daquela soturna floresta. O vento desenhava suas formas nos leves aclives e declives verdes onde coloridas flores brincavam ao sol. Bordos enrubescidos e carvalhos amarelados lembravam a todos de que era outono. Breves trilhas de pedras e tronquinhos guiavam até casas com formas retas feitas de madeira. Cada moradia era digna de uma descrição privilegiada. Pois apesar de parecidas, elas conseguiam serem bem singulares, únicas, tornando todo passo dado uma nova descoberta. Muito dedicadas eram as esposas, se esforçando sempre por manterem os lares limpos e floridos. Enquanto os esposos viviam em suas viagens, combatendo inimigos distantes, ou fazendo comércio com outros lugares. Isto, pois, eles não eram bem-vindos nas cidades circunvizinhas. Havia criações de porcos, ovelhas, galinhas e alguns bovinos para o próprio sustento. Um pequeno lago vivia repleto de patos e gansos que grasnavam o dia inteiro a se banharem. Mais afastado das habitações, sob a sombra de um imenso carvalho, ficava o jardim da paz dos paladinos, o cemitério deles. Cavalos e cães se entendiam bem com os poucos lobos e raposas negras, a única espécie destas ainda amistosas aos homens. Naqueles dias um único urso ficava no vilarejo, o Roliço, um preguiçoso que só descia de sua árvore para comer e receber mimos das crianças. No total deveria existir cerca de cinco dezenas de famílias vivendo por lá.

(Imagem, muito provável colorida, do manso dos paladinos) Sentados à sombra dum robusto freixo eles descansam após terem feito uma simples

refeição do meio dia. - Seg’lenu (Fabuloso). Deve ser muito bom viver aqui, com tantos animais assim. -

Mowilla se encanta com o lugar. - E é mesmo. Espere até levarmos vocês para a torre-poleiro. – Avisa Korlla. –

Chegando lá mostrarei a vocês o filhote de gavião que ganhei. Eu amo pássaros, acho-os tão espertos.

- Foi bom ter lembrado isso. – Afirma Guvat, que após isso dá um agudo assovio. – Quero que vejam Neni, minha raposa.

Ao ouvir isso a elfa assustada questiona. - Uma raposa? Você cria um bicho desses? 13 Nota de Rodapé:13Eis um curioso fato ainda não mencionado sobre Mowilla Verde-

álamo. Há muitas lendas entre os elfos usadas para assustar crianças onde o vilão é em geral uma raposa malvada e o herói uma destemida lebre branca. E por causa disso, a princesa tinha imenso pavor desse animal que dava nome ao bosque. Lá, onde ela mora, não existem raposas, assim ela nem mesmo sabia ao certo o tamanho desse bicho. Engraçado que as viagens para o castelo de Todyeld e Lodwein, eram sempre um conflito de sentimentos para Mowilla. Queria rever seus amigos, no entanto, tinha medo de encontrar seu maior pesadelo: Uma raposa. O rei Leillindor já muito tentou explicá-la de que se tratava de um animalzinho pequeno e inofensivo, mas tente dizer isso a princesa... Para Mowilla, qualquer ser que é capaz de devorar uma amável lebre, é um ser terrível. Ah, se ela descobrisse que seu pai já lhe deu ensopado de lebre quando esteve de cama...

- Não tenha medo, dona Mowilla. Elas são um pouco ariscas, no entanto, não nos atacam. – Busca Guvat acalmá-la. - A senhora já, de fato, viu uma?

Mesmo estando em pânico, a moça tenta não fazer um escândalo. - Para ser sincera, não. Nunca. Hil’le (Nunca).

Enquanto dizia isso, eles puderam ver, saltitando pelos campos, um animalzinho negro com as patas pardas, e um longo rabo repicando, seguindo o movimento, enquanto a boca aberta, lembrava um sorriso. Nem Mowilla, com todo o trauma das lendas, consegue não achar o ser amável. Neni ligeira chega e costura-se por entre eles a roçar sua cauda e corpo. Parando ofegante em frente à Guvat, rola mostrando a barriga e pede carinho e comida.

(Imagem de Neni) Guvat joga um pedaço de queijo e indaga. - O que acha? - Até que esta aqui é mais fofinha. - A elfa comenta, começando a mudar de ideia a

respeito das raposas. - Será que ela me deixaria tocá-la? – E estendendo a mão na direção de Neni, a raposa a cheira. E para a surpresa deles, Neni salta sobre ela a acariciá-la. Mowilla retribui com um cafuné. – Ah... Fen’lunenu! (Que graçinha!)

O animal depois parte para Lodwein, e ele o dá um naco de pão. – É verdade. Bem bonitinha.

- Isso porque vocês ainda não viram os falcões. – Afirma Korlla, que deixa bem claro sua notável paixão por esses animais de penas. Existe até certa rixa entre os irmãos, pois segundo Guvat, os melhores amigos dos paladinos são os cavalos, enquanto para Korlla são os gaviões.

- Ora, vamos lá conhecê-los então! – Sugere Mowilla levantando-se. – Concordo contigo, aves são animais muito espertos e sábios. Quero saber mais sobre elas também. Afinal, somente se pode amar algo, se bem o conhecermos, correto?

Assim eles sobem por um caminho íngreme na floresta mais densa e encontram, em meio a amieiros e cedros, uma torre que se ergue até ultrapassar as mais altas ramagens. A velha construção lembra o estilo da fortaleza dos saberes, o castelo da colina onde Lodwein cresceu, e isso chama a atenção dele. Bem no mais alto da torre, há esculturas de pássaros. Eles entram e sobem até os últimos andares onde ficam os ninhos e poleiros.

Os paladinos usavam as aves para enviarem mensagens, por isso aquele lugar era cheio de pássaros, vindos de diferentes lugares, trazendo as mais diversas informações, assim como de paladinos a espera de respostas. Contudo, a maioria das aves não está lá naquele momento. Quase todas se encontram com seus donos ajudando-os na comunicação da batalha e na procura que estava acontecendo.

Korlla traz até eles em suas mãos um falcão com poucas penas, coberto apenas de uma penugem branca, e que parece bem saudável. A garota retira uns filetes de carne e o alimenta.

- Que pequenino lindo! – Acaricia Mowilla o gavião novo. – E a mãe dele não se importa de você pôr a mão nele?

- Na verdade as aves-amigas compreendem a tradição do serviço aos homens, por isso não se preocupam conosco. Se um paladino toma um filhote para criar, os pássaros confiam-no a ele, e não se preocupam mais. Até mesmo como voar, sou eu quem terei de ensinar para

ele. – Explica a garota. – Como ainda estou aprendendo sobre isso, Belgar está me ajudando. Ele é um dos melhores mestres de falcoaria. E esse é o meu sonho, me tornar uma mestra na arte da falcoaria, assim como ele.

- Isto eu não sabia. – Diz Lodwein espantando-se ao ouvir tais elogios de seu irmão. – Que Belgar é um mestre de falcoaria. Mais uma coisa que ele não me contou. De pensar que os paladinos possuem tantas habilidades. Impressionante.

- Nós aprendemos desde pequenos que como a nossa ordem dos guerreiros paladinos luta por uma causa nobre, ela recebe auxílio especial. Por isso somos tão habilidosos. – Explica Guvat, o qual sempre se considerou um paladino, sem nem mesmo ter feito os inumeráveis treinamentos para se tornar um, ou alcançado a idade correta. – E graças a isso os animais-amigos nos auxiliam. Também praticamente nascemos espadachins e arqueiros natos. Existimos para lutar pelo bem, essa é a nossa missão e razão de ser.

- Mas quais são as causas pelas quais vocês lutam? Vocês possuem algum código de leis, ou algo semelhante? – Questiona a princesa elfa.

- ‘São três as bases sólidas da conduta de um paladino: A obediência às leis naturais, o seguimento da real ética, e a constante prática da verdadeira justiça’. – Para um menino, Guvat sabe muito. Apesar de, é claro, esse discurso ele ter decorado. – ‘As leis naturais correspondem àquilo que está intrínseco ao nosso ser, e que nos é revelado pela meditação racional e analítica da natureza dos seres e das coisas. A real ética incide em agir como nossa mente racional ordena, seguindo sem hesitar, o que a reta e sã consciência dita. E a verdadeira justiça consiste em dar a cada um o que é seu.’ Assim foi escrito pelo grande Niôdel, o fundador dos paladinos.

- Seg’felsu (Fascinante). – Mowilla se lembra de algo. - Isso se assemelha muito ao tipo de ensinamento dado pelos meus mestres de ensino no centro de estudos élficos. Esse tipo de conhecimento é chamado de Kei’Tirolet. Eu não consigo entender muito bem o que os mestres falam. Não sou boa nisso e sempre sou avaliada como péssima.

- Ah sim, Keitirúlete... – Tenta o menino pronunciar a palavra. – Acho que já ouvi meu pai e os outros falarem sobre algo assim.

E observando por uma janela da torre, Guvat consegue ver o manso dos paladinos lá

em baixo. Ele percebe uma diferente movimentação e os avisa. – Acho que as esposas já estão começando a preparar a festa. Devíamos ir até lá ajudá-las, não acham?

Todos concordam com ele e se propõem voltar à torre outro dia. Assim, eles retornam descendo a pequena estrada até chegarem à casa de Muldat, o líder dos paladinos. Em frente a ela havia uma área descampada, onde diversas casas se encontravam ao redor, criando dessa forma um espaço circular, perfeito para comemorações e banquetes. As senhoras já estavam a arrumar os assentos e tudo mais. Algumas delas traziam comida e preparavam uma grande fogueira. Os rapazes vêm e procuram ser úteis, ajudando a carregar mesas, pratos, talheres, toalhas, barris de cerveja, vinho, comida e tudo mais o que uma boa festança paladina pedia. Literalmente, preparavam uma festa para um batalhão.

Capítulo XI: Velhas lendas

O sol começava a se pôr no manso paladino do bosque das raposas e o lugar da festa

já estava preparado quando os primeiros guerreiros paladinos voltaram. Suas esposas e filhos correm para saudá-los com abraços e honrarias. E aos poucos aquele espaço se enche de combatentes com suas cantorias de vitória. Sons de alaúdes sendo tocados em grupo. Instrumentos de corda é a especialidade daquele povo. Unindo vozes e alaúdes, assim como mesas e panelas, eles criam o típico ambiente das confraternizações paladinas: Muita música e boa comida.

(Imagem da confraternização paladina e de tocadores paladinos de alaúdes) Estava escuro e crianças brincavam aos arredores, nos momentos em que não paravam

admiradas para conhecer Mowilla, a princesa élfica de verdade. Uma dúzia de menininhos e menininhas sentava-se ao redor da moça a lhe fazer perguntas absurdas. Ela diverte-se com aquilo.

- Você é de verdade? – Uma bela menina interroga. - Sim, é claro. – Responde a observada. - Mas você não é um espírito? – A mão de uma garotinha se levanta. - Não, eu sou uma Cullyen, simples elfa. - Já sei, você é uma fada! – Afirma outro miúdo em meio a cuspes. - Eu nem asas tenho para uma ser. - Seu cabelo é de ouro mesmo? - É dourado, no entanto não é de ouro. - Uma princesa pode ordenar um degolamento? - Que dúvida esquisita menino! Não, não posso fazer isso. - Moça, quantos anos você tem? - Eu já vi bastantes invernos. - É verdade que você pode voar? - Eu já lhes expliquei isso, meus queridos. Não tenho asas, pois não sou fada. Sou

apenas uma elfa, como diz a canção: “... De orelhas pontudas e muitos anos nas costas...”. Sou a filha mais nova do rei Leillindor. Tenho quatro irmãos, três eu nunca conheci, e um é paladino igual ao pai de vocês. Vivo com meu pai e minha tia lá em Nusweld, que é como vocês chamam a floresta élfica Beföllia. Apenas isso, meus lindinhos.

- Ããããããã... – Exprime a infantil plateia querendo demonstrar ter compreendido melhor agora, apesar de ainda estarem cheios de dúvidas.

É quando diversos nomes são gritados por muitas mulheres a alguns passos dali, são mães a chamar seus filhos. Com isso toda a filharada se levanta e se despede, acenando com seus braçinhos rechonchudos. – Adeus dona elfa! Adeus!

- Emiuli Leäni, emiuli Klopan,! (Adeus lindos, adeus crianças). E Lodwein, que ouviu toda a divertida conversa, fica pensativo com um dos

questionamentos feitos. Afinal, qual seria a idade de Mowilla?

Depois de ter despedido-os e se encontrarem a sós, ele a indaga um pouco receoso. – Mowilla... Desculpe perguntar, mas... Quantos anos você, de fato, tem? Se não se importar em me dizer.

- Bem... Segundo as contas dos elfos eu tenho uma idade, já para os homens, o seu povo, eu devo ter outra. É difícil de explicar. Apenas posso dizer com certeza que vivi bastante, e me lembro de muitos fatos históricos importantes. Como por exemplo o do... – A elfa é interrompida pelo alvoroço que se faz de repente na multidão, pois Muldat e o seu pelotão haviam voltado. – Horvoa! (Que bom!) O chefe dos paladinos chegou! Depois nós conversamos sobre isso, vamos lá saudar os combatentes.

Isso deixa o rapaz decepcionado, é uma dúvida que gostaria de ter resposta. Pensativo segue para salvá-los.

Com muita cantoria e aplausos, recebem os guerreiros. Entre eles está Muldat, o tão

importante líder dos paladinos. Senhora Dienna corre para receber o “beijo da vitória”, tradição após as conquistas, de seu marido Muldat, um senhor não muito alto de barbas e cabelos castanhos, e que possuía um ar protetor o qual era sentido por aqueles que convivessem com ele. Contentes as esposas recebem seus maridos e com carinho são beijadas na fronte e abraçadas. Após cumprimentar Dienna, o velho líder brada o “clamor da conquista”. - “Amigos! Eis que volto da luta e encontro minha família em paz, lares tranquilos, e com a certeza da derrota maligna!”.

E todo o povo responde em coro, como ensinou Niôdel. - “Sinal de que a árdua labuta resultou-se bem eficaz, é digna de júbilos, desfraldemos nossa signa!”. 14

Nota de Rodapé:14 Esse diálogo de clamores poéticos e quase teatrais fazia memória aos primeiros paladinos e seus hábitos e práticas.

Por fim, Muldat, vislumbrando toda a festa preparada para eles, se fascina e comenta em alta voz. – Oh sim, parece que as nossas esposas nos fizeram uma deliciosa refeição! Então não percamos mais tempo, meus amigos. Vamos comer. Mas esperem! Onde está a minha cadeira?

- Está bem ali, próxima à fogueira, meu querido. Sabemos que você sempre gosta de descansar ao lado do fogo durante as refeições. – Responde Dienna.

- Apesar de estarmos festejando, ainda não posso descansar por completo, minha querida. Estamos esperando o último grupo chegar e trazer suas notícias. Nosso filho mais velho, Vidcot, liderou este batalhão para o norte em busca de informações. Somente me sossegarei quando eles retornarem!

Sentando-se em seu pesado trono esculpido num tronco cerrado, o líder conversa com muitos paladinos os quais a todo instante o reportam sobre algo. – Oh sim, goblins próximos ao córrego calmo o sujaram e derrubaram árvores. Fizeram bem em recolher os corpos e levá-los a uma vala. E localizaram a madeira para buscarmos amanhã? Então agiram bem. – Elogia a atitude de uns. – Como assim um deles escapou? Subiu para os ramos e não mais o viram? Isso não é desculpa! Desde garotos treinamos arquearia em bosque e vocês não os conseguiram acertar uma flecha sequer? Aceito suas desculpas, todavia devem voltar aos

exercícios básicos e não errem mais. – Adverte outros. – Lastimável meu amigo, espero que seu cachorro não morra devido a essa pedrada na cabeça. É visível que não está nada bem. Desejo melhoras. Acredito que Dienna possa medicá-lo, ela também entende bastante de animais. – Lamenta os danos recebidos. Tudo é contado para Muldat, que em sua mente analisa os relatos a procura de melhores estratégias de guerra.

- Oh sim, foi uma baita batalha, essa nossa! – Ele comenta bebendo um pouco de vinho para refrescar a garganta e a mente. Passando seu olhar pelo movimentado festejo, encontra sentados em banquinhos dois seres desconhecidos, uma bela moça e um rapaz muito semelhante a um amigo seu. – Oh claro! Esqueci-me de que temos convidados especiais!

Berrando agora em alto tom, o líder dos paladinos pede a atenção de todos. – Amigos paladinos! – A multidão se cala para ouvi-lo. - Em meio a todas essas preocupações, acabei me esquecendo da grande honra a qual fomos privilegiados! Pois, está entre nós a princesa de Nusweld, e o irmão de nosso bravo Belgar! Peço perdão a eles pelo meu esquecimento. Meus amigos, saudemo-los com uma canção de boas vindas!

Então, ao som dos alaúdes e flautas acompanhadas de graves vozeirões, o pessoal canta-lhes uma tradicional música de boas vindas.

Hey-hey-hou! He-hey-hey-hou!

Hey-hey-hou! Que venha, que cheguem em glória! Hey-hey-hou! Que a luz seja sempre sua vitória!

Hey-hey-hou! He-hey-hey-hou! Acenando para os dois, o líder os chama para sentarem-se mais próximos. Com

sorrisos envergonhados e olhares para o chão, a moça e o jovem levantam-se e caminham até lá, onde dois lugares são providenciados ao lado de Muldat. Este os saúda e questiona. - Olá vocês. Como se chama, minha querida? Mowilla, não é mesmo?

- Sim! Sou Mowilla Verde-álamo. – Ela fica contente em ver que o paladino já conhecia seu nome. Enquanto isso, a multidão, antes tão cantante, volta mais uma vez às suas outras conversas.

- E você, irmão de Belgar? Você é Lodwein, correto? - Isso mesmo. - Oh sim! Grande é minha alegria por tê-los aqui, Mowilla e Lodwein. Vamos, sentem-

se, não se acanhem. Pois, todos aqueles que buscam praticar a justiça e o bem, zelando pela verdade e a paz, são bem vindos no manso dos paladinos! – Esta afirmação de Muldat os fez refletir sobre suas condutas. Poderiam também eles ser contados entre estes? – Todavia, digam-me, amigos, como chegaram até aqui? Eu bem sei que poucos dias atrás uns soldados elfos vieram até nós pedindo auxílio, pois a floresta é confusa, e uma comitiva real tentava chegar até a fortaleza dos saberes. O rei ia para a apresentação de conhecimentos, não é verdade? Houve então fogo lá no castelo e depois a floresta toda se encheu de maldade. O que aconteceu, afinal?

A tristeza volta à elfa, e o rapaz é quem responde. – Ora, esperávamos que o senhor pudesse nos responder essas perguntas! Nós também não sabemos de nada. Não dá para entender. Eu estava fazendo a apresentação no castelo, quando os soldados élficos se levantaram e foram verificar a entrada, pois parecia haver homens de Alto da Mordida lá. Porém sem sabermos porque, fomos obrigados a fugir, e aconteceram uns tremores e haviam seres fantasmagóricos no castelo. Acabamos partindo sozinhos. Se foram homens ou algum outro tipo de ser que atacaram o castelo, nós não sabemos dizer. Mas o que sabemos é da possibilidade disto ter capturado meu mestre Todyeld e o rei Leillindor. Ou quem sabe, feito algo pior com eles.

- Não... Isso é impossível. Se de fato aconteceu alguma luta, e Todyeld estava lá, ele não perdeu esse combate. Eu o conheço em batalha, e nunca o vi perdendo. Apesar de que... Aquelas nuvens, aquela escuridão... Oh sim, tenho que pensar melhor quanto a isto. É claro, o futuro é incerto e... Enfim! O que lhes digo é: Confiem em Todyeld! Eu lhes dou a minha palavra de que neste momento o seu mestre e seu pai estão bem. Mas apesar de tudo, o relato de vocês trás informações muito importantes, e sem dúvida alguma, os elfos de Nusweld precisam saber disso. Por isso, irei pedir para enviarem imediatamente um gavião mensageiro até a floresta élfica e avisarem sobre um atentado contra o rei. E quanto ao rumo de vocês, Belgar me contou um pouco dessa história. Vocês planejam voltar para Nusweld, a floresta élfica, e precisam de ajuda, não é mesmo? Pois se este for o caso, já não precisam se preocupar mais. Amanhã mesmo providenciarei um grupo de paladinos para os levarem em segurança até lá.

- Agradecemos muito, senhor Muldat. – Fala Lodwein. - No entanto, diga-nos, o senhor de fato não pode nos dizer mais nada sobre esses acontecimentos estranhos? Pelas suas palavras podemos entender que o senhor sabe de algo. Não há nada para nos explicar? Qualquer coisa que pudesse nos dar ao menos uma mínima ideia do que se passa conosco? A razão de termos de fugir de repente, e o porquê de tantos segredos?

Após levar a mão à barba, e dar um profundo suspiro, o velho patriarca se põe a falar. – Amigos... Vejamos o que lhes posso dizer. O que sou permitido. O que meu juramento permite que eu lhes conte. – Isso fez os dois se espantarem e sinceramente prestarem atenção nas palavras daquele senhor. Toda a baderna da festa em torno deles parecia ter sumido para eles. – De fato, como vocês já perceberam, pois são muito espertos, há um segredo por trás de tudo. Isso é verdade, há um segredo. Ele envolve de maneira direta à Lodwein, Todyeld e Belgar. Mowilla infelizmente acabou entrando nessa história. Todavia, se certos outros fatores, os quais não posso dizer a vocês, forem verdade, a princesa élfica e toda sua família estão também envolvidos de maneira direta no problema de Lodwein. E saibam: Isso tudo é muito perigoso! A vida de Todyeld, Belgar principalmente, Lodwein, Mowilla e até a do rei Leillindor, está em perigo. É triste lhes dizer, mas, Nelwár não é mais uma terra segura para vocês.

Foi um baque ouvir aquilo tudo e tão de repente assim. Ficam sem palavras e muito confusos.

Afinal o que está acontecendo? Lodwein não quer acreditar, fica nervoso, depois assustado. Suas reações alternando-se entre fúria e risos incrédulos. – Isso deve ser brincadeira. O que foi que fizemos de errado? Céus e mares! O que foi que fizemos de errado?

Mowilla perde o fôlego ao final das palavras do homem. Seu coração pulsa forte e um estranho gosto de nada lhe vem à língua e ela quis beber algo. – Hun’há... Hun’hatin. (Pai... Papai.) – A moça somente pensa em seu amado pai.

- Acalme-se Mowilla, acho que tudo vai dar certo. – Assim tenta o rapaz acalmá-la. - ‘Acho’? – Isso não a tranquiliza. Abismados e desamparados, sentem-se os dois naquela ceia. Acreditam estarem

fazendo parte de um grande jogo, sobre o qual não sabem as regras. Seus pensamentos buscando uma maneira de resolver aqueles esquisitos problemas e sair daquela situação, voltar para casa e tudo como era antes. Mas suas mentes enevoavam-se de pensamentos funestos e de desesperança. – É o fim de tudo. – Acreditam eles. – Muldat, por favor, ajude-nos, diga-nos o que fazer! – Implora Mowilla e Lodwein chorosos.

No entanto, eles nem imaginam, mas alguém muito sábio os ouve lamentar. Essa

pessoa os compreende muito bem, pois já havia passado por acontecimentos muito piores, que não eram apenas possíveis infelicidades, como no caso deles. Infortúnios que de fato se consumaram. E esse homem é o próprio Muldat, o patriarca dos paladinos. A melhor pessoa para lhes ajudar naquela situação.

Dando-lhes um forte abraço, o velho Muldat chora com eles. – Oh sim, meus queridos... Eu entendo a vossa dor. Sim, como eu entendo. Contudo, não devemos mais chorar. Não mais! Pois estes são tempos de glória, ou não percebem? – Tentando secar as lágrimas, os dois levantam os olhos para o patriarca. Ele traz um sorriso no rosto. – Eis a oportunidade que vocês sempre desejaram, meus queridos!

- Como assim? Como alguém poderia querer toda sua vida destruída em dias? E a vida de sua família ameaçada de morte?!

- Não, não, não. Vocês entenderam tudo errado. Isso não é a destruição da vida de vocês. Pelo contrário, é só o começo! Tudo nessa vida tem uma razão. Se vocês foram postos nesse desafio, é porque vocês podem vencê-lo! E percebam que emocionante jornada vocês se encontram. Aprendam a ver a vida de vocês com um olhar paladino: Uma frágil princesa élfica e um atrapalhado conhecedor, ambos, jovens que nunca haviam antes saído da segurança de seus castelos e fortalezas, se veem agora obrigados a descobrir um grande mistério o qual põem as suas próprias vidas e as de sua família em risco!

Lodwein e Mowilla gostam do que escutam e dão umas risadas enquanto se entreolham. Vendo dessa forma, parece muito mais épico e emocionante. A noite estava bem escura, paladinos cantando do outro lado, e o calor da fogueira os aquecendo.

Muldat continua. - E passando por inumeráveis aventuras, eles tem de lutar contra goblins assustadores, participarem de guerras históricas e passarem por diversas confusões para descobrirem a razão de estarem sendo perseguidos. Lodwein e Mowilla, os dois aventureiros.

Segurando um soluço, o moço tenta entrar no clima. – Ora, não se esqueça de Focinho! E falando nisso, onde será que ele está?

- Oh sim, claro. Não podemos nos esquecer do corajoso burrinho o qual, amando o seu dono, segue-o até a morte, se necessário. Não se preocupe, ele está bem. Mas, vocês conseguem entender agora, meus amigos? Conseguem entender? É preciso ver o mundo com um olhar paladino. Tudo é emocionante para nós, cada desgraça que nos abate no dia de hoje, torna-se um sorriso em nossos rostos amanhã e mais uma história para contarmos. Sofrer por nada, não faz sentido, contudo dar um sentido ao infortúnio é algo admirável e louvável! Afinal, são de infelicidades que são feitas as melhores lendas! – E agora, espirituoso o homem se levanta gritando em alta voz. - Viver para lutar, pela causa nobre, Kahvian de nossos pais. É para isso que existimos!

E todos os guerreiros, sem nem terem tomado parte da conversa dos três, interrompem o que fazem e se voltam em coro ao seu líder e conclamam, possantes, um hino de vitória.

Viver para lutar Pela causa nobre

Kahvian de nossos pais Eis nosso existir

Nunca abandonar O pequeno e pobre

E assim seguir Até a glória alcançar

Bradando a vitória

Dos grãos-paladinos São nossos heróis

Os bons destemidos Que vivem na história

Desde o primeiro peregrino São os escolhidos

Que vivem pra lutar

E a canção segue ecoando na noite. Ao longo dos versos, lobos unem-se em uivos, falcões gritam no céu e a fogueira estrala mais forte. E ao fim da última frase do canto: “Pela luz de Kahvian”, Roliço, o urso preguiçoso, lá de sua árvore solta um urro que ecoa em todo o bosque. Isso faz os paladinos gargalharem muito e depois voltarem a festejar.

- Não sei como ainda não descobriram a localização do manso paladino. Eles fazem um barulhão para quem desejam manter segredo de sua posição. – Comenta o moço.

- Ihra (É verdade). – Concorda a elfa não conseguindo resistir às lágrimas, mas essas agora de alegria, brotando sem cessar.

Após a cantoria, o líder dos paladinos, empolgado com o clima, logo trata de chamar as crianças para ouvirem suas lendas. Nisso ele era ótimo. Suas habilidades como narrador de lendas superavam as de luta. Muldat, o grande contador de histórias, assim o chamava a filharada dos guerreiros. Por isso, quando o homem puxa sua cadeira para mais próximo da fogueira, e grita “hoje tenho mais uma lenda!”, os meninos e meninas saem correndo de alegria para conseguirem os lugares mais próximos do patriarca.

- Venham pequenos, pois hoje irei lhes narrar a história de Guvat, Vidcot e Korlla, três heróis do nosso passado. E saibam vocês que os nomes dos meus filhos são uma homenagem a estes três heróis. Vamos, ajuntem-se ao redor de mim, venham. Não se acanhem. – Muldat fita Mowilla e Lodwein, e com sua carinhosa expressão os chama para a roda também. E eles se levantam, sem hesitar, de suas cadeiras e assentam-se ao pé de Muldat, igual aos menininhos e menininhas, achando aquilo tudo maravilhoso.

- Muitos podem não saber, mas Vidcot foi um dos primeiros Paladinos das épocas em que o nome do nosso grupo ainda recebia honras. – Começa Muldat, atraindo a atenção da plateia para si. Todos ficam em paciente silêncio para ouvi-lo. - É claro, que não trabalhamos por causa de meros passageiros reconhecimentos. Afinal, mais importante do que o mundo saber que fazemos o bem, é O bem ter conhecimento disso, assim como nossas próprias consciências. Mas enfim... Foi neste tempo distante que Vidcot e sua melhor amiga, e companheira de infância, Korlla, ainda rapazotes, viviam lá onde hoje chamamos de Karthfil. Eles moravam num insignificante vilarejozinho que amavam muito, eram jovens de bom coração. Seu povoado vinha sofrendo com a improdutividade da terra, pois ela de uns tempos para os outros havia parado de ser frutífera. Imaginem isso naquela época! E vendo esse grande problema, os dois amigos, Vidcot e Korlla, tiveram a ideia de partir para o palácio da rainha sempre cantante, a rainha do reino deles naqueles tempos, na intenção de implorar a ajuda dela para o povo. Esta seria a única solução. A princípio os pais deles não permitiram, afinal, eram jovens demais e nunca nem haviam saído do vilarejo. Contudo, percebendo o quão grave era a situação da pequena vila, e sendo estes dois os únicos corajosos dispostos a viajar, tão distante assim, para pedir ajuda, os pais deles acabaram cedendo. Todos os aldeões da vila, na fé de que eles fossem conseguir alguma ajuda da rainha sempre cantante, deram-lhes seus humildes tesouros para terem condições de viajar. Era uma longa viagem e teriam muitos gastos. Todos colocaram muita confiança nos dois moçinhos, que não eram tão mais velhos que alguns de vocês. Oh sim. Quanta responsabilidade sobre eles.

Cada vez mais o número dos pequeninos aumenta. E aglomerando-se, circundam o contador de histórias muito cheio de gesticulações e de momentos introspectivos na sua narração.

- Pois bem, assim partiram eles, e no caminho, já depois que muito haviam andado, encontraram uma família de ladrões viajantes. Sim, isso mesmo, depararam-se com uma família de ladrões viajantes. E saibam vocês, eles eram pessoas de bom coração, apesar de tudo. Assim como hábeis guerreiros. Também sabiam fazer emboscadas tão engenhosas e perfeitas como ninguém mais. Sobreviviam muito bem nas florestas e bosques. A família de ladrões sabia que seus atos criminosos eram errados e justificavam seus erros dizendo roubar por não

ter escolha, e que como reparação do erro, faziam caridade dos lucros. Todavia, minhas crianças, não os vejam com bons olhos por causa disso, de forma alguma! Pois roubar não é justo e nunca se deve fazer isso, em situação nenhuma. Essa justificativa de roubar por não ter escolha é errada. Sempre se tem escolha. Assim como a desculpa de fazer caridade dos lucros. Ora, isso é uma incoerência! De que adianta fazer o bem para uns, enquanto se faz o mal para outros? Está errado. Só se pode fazer o bem. E o bem se faz por completo! Quem faz o meio termo conscientemente, faz o próprio mal. Porque guerreiros mornos são escória. E oportunidade para se aprofundar no combate, praticamente, não falta a ninguém! Mas enfim, acabei entrando em outros assuntos, mais uma vez... Como ia dizendo a vocês, nossos dois heróis, Vidcot e Korlla, ficaram um pouco receosos a respeito daqueles ladrões. Isso é notável, afinal, eram ladrões. Os quais a princípio, inclusive, queriam lhes roubar. Mas quando os bandidos souberam da história dos dois aventureiros, impressionaram-se muito com a coragem e a força de vontade deles em querer ajudar sua vila natal, e mudaram de ideia, chegando até mesmo, a lhes oferecer auxílio. Percebendo ser essa a melhor oportunidade de viajarem em segurança ao palácio da rainha sempre cantante, os dois acabaram aceitando a ajuda. Com o passar do tempo, Vidcot e Korlla foram conhecendo melhor a família dos ladrões, de maneira especial, o filho mais velho de um dos casais, o destemido moçinho Guvat. Com este jovem eles fizeram uma bela amizade, e juntos os três aprontavam muitas brincadeiras de crianças. Oh sim... Gostavam de fazer sabotagens com os mais velhos. E eram armações tão engenhosas e cômicas, que os próprios adultos enganados nessas armadilhas juvenis não conseguiam conter-se e achavam muita graça. Muito depressa tornaram-se grandes amigos, e conversavam entre si sobre muitos assuntos. Um destes, Guvat não concordava com eles. Ele duvidava de que a rainha sempre cantante fosse ajudar a aldeia de Korlla e Vidcot. Já os dois preferiam manter as esperanças. Mas, vocês pequeninos podem estar pensando agora: Será que pelo fato de nossos dois heróis estarem andando junto da família de ladrões, eles passaram a roubar com eles? Isso não aconteceu, saibam vocês! Não aconteceu. Nossos dois heroizinhos odiavam quando o grupo partia para os assaltos. Decepcionavam-se muito com eles e nunca os ajudavam nem em um furto de uma pequena maça sequer! E nem mesmo aceitavam comer ou fazer uso de algo que fosse fruto do roubo. Então, os ladrões foram sentindo vergonha de seus atos, devido a incorruptível moral que Korlla e Vidcot demonstravam, preferindo passar fome e sede nas inóspitas planícies das terras melodiosas, do que tomar parte com roubos.

- O que é ‘inóspita’, senhor Muldat? – Questiona um garotinho. - Oh sim, me desculpe pela palavra, meu pequeno. Significa uma terra em que não se

tem como viver. Mas continuando... Até aquele momento da vida, a família dos assaltantes poderia ter se safado muito bem de todos os incontáveis furtos e assaltos, contudo eles não esperavam pelo o que ainda lhes viria a acontecer! Oh sim, eles não esperavam... Pois, vagando próximo à corrente do velho rio Selûr, estava um viajante solitário, com muita bagagem em seu cavalo, e ele, num dado momento, parou para beber água neste rio. E ora, saibam vocês que este viajante estava na mira da família dos ladrões. Seria o roubo mais fácil já feito, e também o último! Isso porque os assaltantes já haviam decidido não mais roubar, iriam parar com aquela vida de crimes e procurar se ocupar nas grandes cidades. Entretanto, aquele roubo

final, seria para eles muitíssimo especial. Algo impressionante aconteceria. E eles nem imaginavam que suas vidas mudariam para sempre naquele dia.

- O homem errante, considerado um alvo fácil, ajoelhava-se rente à água, estava indefeso. Nessa hora os bandidos pularam na direção dele anunciando-lhe o assalto e encostaram suas espadas nas costas do viajante. Ele estava cercado por hábeis espadachins os quais o haviam estudado por horas e horas. E não eram quaisquer espadachins. Essa família de ladrões nunca havia perdido um ataque, uma luta. Eram muito experientes e imaginavam estar tudo correndo conforme o planejado. Todavia, minhas crianças, quão grande foi o erro dos ladrões em serem tão presunçosos assim! Pois, aquele ser encurralado, mais veloz que um raio, e duma mágica misteriosa e inexplicável, puxou de suas vestes uma espada larga que se ergueu por inacreditáveis oito palmos acima de sua cabeça! Era uma espada enorme! A maior de todas já antes vista por eles, era algo inexplicável e temível. Eles contemplaram Qullus, o terror dos maldosos, a maior das espadas já usadas pelos mortais. No mesmo instante os assaltantes saltaram para trás, e percebendo que não lidavam com uma pessoa qualquer, prostraram-se diante do errante misterioso a lhe implorar perdão.

Um certo garotinho, que sempre esteve mais a frente muito atento nas palavras do contador de histórias, abismado pelo o que ouviu, levanta a mão e pede. – Senhor Muldat, senhor Muldat! Conte-nos mais sobre “Culhuxs”, a espadona gigantesca!

Dando uma gargalhada, o homem continua. – Está certo, minha criança, está certo. O nome dela é Qullus, sua lâmina tem no total dez palmos de extensão, no entanto, diz a lenda, que a espada era inteligente e mudava seu tamanho de acordo com a necessidade. Dentre os muitos títulos da espada, os quatro mais importantes são: Terror dos maldosos, abrasadora de exércitos, maior espada usada por um mortal e segundo gume mais letal contra dragões.

Um curioso pergunta. - E qual é o primeiro gume mais letal contra dragões? - Esse título é dado a um machado, entretanto, isso já são outras lendas, minha criança.

Mas, voltemos ao episódio do rio, pois o viajante errante, o qual brandia a imensa Qullus, meus pequeninos, era na verdade Niôdel, um dos sete irmãos! O tão famoso Niôdel! Isso mesmo, eles tiveram a honra de conhecê-lo.

Tomadas de repentino espanto as crianças alvoroçaram-se e Muldat teve de esperar o silêncio delas para continuar.

- Oh sim, minhas crianças, se admirem! E ele depressa ordenou aos ladrões que se levantassem. O viajante errante disse estar os observando já há muito tempo, e afirmou ter se impressionado com as habilidades deles. Na verdade, ele não vagava sozinho. Um pequeno exército o acompanhava. Niôdel somente dispersou sua tropa e andou sozinho para emboscar aqueles que o queriam emboscar. Sem dúvida, este é o pai dos paladinos, não concordam? – Muldat gargalha da sagacidade do grão-guerreiro. - Niôdel então convidou a família dos ladrões para se juntar a ele, e eles é claro, não pensaram duas vezes em aceitar. Imaginem só, meus pequenos, quão grande alegria a deles em serem convidados a se juntar ao lendário exército de Niôdel! E quando Vidcot, Korlla e Guvat conheceram esse brioso combatente, foram até este e imploraram para que ele fosse o mestre deles. Foi então, que nosso fundador Niôdel disse sua célebre frase: “Mestre? Como posso ser o mestre de vocês se sou apenas um

pupilo? Se querem estar comigo, não queiram me seguir, mas queiram seguir aquilo que eu sigo. E o que eu sigo é a verdade e a justiça. Assim estarão comigo. E não existe nada mais importante do que aquilo que eu sigo.” Bonita frase, não concordam? Até hoje a temos como lema de vida. E ela é proclamada nas celebrações especiais para se tornar um paladino.

- E desde então os três rapazes tornaram-se os maiores propagadores das boas novas de Kahvian a qual Niôdel tinha vindo-lhes trazer. Imensa era a alegria daqueles três em fazerem isso. Sem medo iam a vilas e cidades contando a todos sobre os magníficos feitos ocorridos na Grande Guerra, e como os seres poderiam agora dar continuidade nessa luta. E nessa empolgação eles decidiram voltar para sua vila, pois desejavam compartilhar isto com seus familiares e antigos amigos. E assim Vidcot e Korlla partiram para seu antigo vilarejo. Porém, chegando lá, os aldeões e seus pais foram depressa em lhes perguntar se eles haviam conseguido a ajuda da rainha sempre cantante. Mas nossos rapazes estavam tão felizes e empolgados pelas novidades ouvidas de Niôdel que logo lhes foram anunciar Kahvian. Os aldeões por sua vez ignoraram suas palavras e insistiram em questionar se haviam conseguido encontrar-se com a rainha e pedi-la ajuda. E foi nesse momento, minhas crianças, que as coisas complicaram... Quando Vidcot e Korlla contaram a eles que haviam desistido de buscar ajuda da rainha sempre cantante, pois decidiram dedicar-se na propagação da luta pelas causas nobres de Kahvian, a aldeia enfureceu-se. Eles indignaram-se por terem voltado da viajem sem trazer auxílio! Como ficaram indignados! Quase teriam os matado, se os próprios pais de Vidcot e Korlla, muito tristes e desapontados, não tivessem pedido a seus próprios filhos, como reparação do erro cometido, irem embora e nunca mais voltarem. Que tristeza! Nossos heroizinhos foram expulsos de sua vila. Isso tudo por, na sua ânsia juvenil, não terem ido buscar ajuda da rainha sempre cantante. Bem... Em parte, eles também falharam nesse sentido. Assim como os aldeões do vilarejo, que foram muito impacientes, e perderam a oportunidade de tomar parte na luta de Kahvian... Mas, foi isso que aconteceu... Por fim, eles foram expulsos para sempre do vilarejo.

- Sim, crianças, grande foi a infelicidade dos nossos heróis. Entretanto, nem tudo estava perdido. Niôdel havia recebido um convite especial da rainha sempre cantante. Ele fora chamado para ir ao castelo. E essa visita foi muito especial. Pois, após ela, Kahvian legitimou-se no país, e a rainha Nelwár casou-se com o viajante errante. Oh sim, o bravo guerreiro Niôdel e Nelwár, a rainha sempre cantante, conheceram-se naquele dia e ela admirou-se pelas causas nobres de Kahvian assim como pelo próprio Niôdel. E não deu outra, minhas crianças! Niôdel casou-se com Nelwár! E saibam que isso foi muito bom para nossos dois heroizinhos, Vidcot e Korlla. Pois quando Niôdel tornou-se rei, fez questão de chamá-los, assim como a Guvat, para servi-lo na companhia real. Ou seja, Vidcot, Korlla e Guvat tornaram-se escudeiros do rei! Tendo oportunidade então, nossos dois primeiros aventureiros, pediram ajuda para sua vila. O rei Niôdel ficou admirado pela atitude deles, pois mesmo tendo sido expulsos da aldeia pelos seus próprios pais, ainda assim desejavam ajudá-la. E por isso o rei enviou muitos alimentos, e auxílios para aquele vilarejo. E aquele povoado, não mais passou fome!

Muldat ajeitou-se em sua poltrona de madeira, pegou sua caneca e virou uns bons goles de cerveja antes de então continuar. – Pois bem! E os tempos passaram, minhas crianças,

e nossos heroizinhos cresceram. E muito aconteceu entre eles... Da boa amizade que sempre existiu entre Vidcot e Korlla, surgiu um grande amor, o qual se consumou num perfeito matrimônio dos dois. Quando eles eram crianças, os pais de Korlla sempre brincavam que aqueles dois iriam um dia se casar, mas os dois nem se atentavam para isso, na época eram somente dois amiguinhos. É tão bonito quando as coisas acontecem assim... Quanto a Guvat, por sua vez, enfocou-se tanto em Kahvian que não sentiu a necessidade de casar-se, acreditam nisto? Dia e noite treinava suas habilidades, sem parar! Quando não melhorava sua pontaria no arco e flecha, desafiava todos os espadachins num duelo de destrezas, ou então aventurava-se pelos bosques impondo-se provações. Era um guerreiro e aventureiro esse Guvat. Por sinal, lembra muito ao meu próprio filho Guvat, não concordam, minhas crianças? E enfim, juntos, como bons três amigos, Guvat, Vidcot e Korlla trabalharam a serviço da causa nobre, e do rei, em todas as províncias do reinado.

- Até que certa vez, enquanto vagavam próximos do antigo vilarejo de onde haviam sido expulsos, decidiram visitá-lo. Mal se aproximaram avistaram ao longe que a vila fora atacada e destruída, chegando lá descobriram o ataque ter sido feito por um exército da força negra do extremo sul, o maldoso e perverso reino das sombras! Depressa eles partiram e avisaram ao rei. E foi a partir desse fato que iniciou-se as épicas batalhas do reino das terras melodiosas contra as forças negras do sul. E esses conflitos foram tão intensos que mudaram a aparência de nossas terras para como as conhecemos hoje em dia. Por exemplo, a antiga planície próspera, a qual era outrora uma terra florida e fausta, onde se situava o castelo da rainha Nelwár, foi devastada devido às guerras, tornando-se um lugar horrível e assustador, lá onde atualmente chamamos de planícies vermelhas. E saibam que muitos ataques acometeram-se a Nelwár desde então. Foi nessa época que os povos das nossas terras conheceram as terríveis aberrações existentes: Os tão malvados wircks e as perversas e abomináveis bruxas... E todos esses seres atacavam sem parar os nossos povos. É verdade que alguns desses monstros já nos importunavam antes disso, entretanto eram poucos os casos, e naqueles tempos as investidas foram mais fortes e mais frequentes.

- Contudo não se preocupem, crianças, pois foi graças a esses acontecimentos que Niôdel teve uma genial ideia para combater o mal. Afinal, contra um mal tão forte e intenso seria preciso um exército com uma força à altura para combatê-lo! E percebendo essa investida tão violenta do exército maligno do sul, Niôdel logo convocou Vidcot, assim como Guvat e sua família e parentes, os ex-ladrões. Escolheu também ainda os melhores e mais confiáveis de seus companheiros e soldados de confiança para então fundar uma nova ordem de guerreiros em Nelwár. Juntando um total de duzentos e cinquenta e seis combatentes homens, Niôdel fundou a ordem dos Undônerun, os Paladinos. E, como um dos sinais da ordem, mandou forjar duzentas e cinquenta e seis espadas semelhantes à sua, e anéis de compromisso, feitos de paládio, e os deu a seus fiéis duzentos e cinquenta e seis primeiros guerreiros Paladinos. Se querem saber, dessas espadas e anéis quatorze delas podem ser encontradas no nosso manso paladino, pertencendo: A mim, ao velho Begrif, Fyere, Norles, Dehu, Inibrako, Brudurfu da mão inchada, Efinosto, Pepto do lago dos patos, Hanago tiro certo, Atiteno, Otto Etúreo, Luoi, o jovem e por último a Belgar.

Os pequeninos fascinavam-se com aquelas histórias das épocas passadas, e poderiam ficar ali a noite inteira. Entretanto isso não ia acontecer, pois a senhora Dienna, logo entendendo o pensamento das mães dos pequeninos, que estavam ali próximas preocupadas pelo horário tarde, fala para a plateia a bater palmas. - Pois bem minhas crianças, sem dúvida as histórias do senhor Muldat são ótimas, e essa noite vocês terão muito com o que sonhar. Porém já é tarde e passa da hora de vocês dormirem. Vamos, voltem para suas famílias e casas. Suas mães já estão impacientes! Vamos!

- Ááááááá! – Rezinga os pequeninos revoltados, levantando-se nervosos e sendo puxados pelas mãos maternas.

- Oh sim, adeus minhas crianças! Não chorem, sempre terei histórias para contar a vocês! – Acena Muldat a dar boas risadas. – Oh, eu amo esses paladininhos. - Ele observa a cena dos meninos e meninas a irem embora, antes de suas apreensões voltarem-lhe a mente. - Contudo, deixando a diversão de lado, onde estará meu filho Vidcot e o seu grupo? Alguém, por favor, envie um pedido de reportagem da parte deles. Estou preocupado pela demora. Já deveriam ter chegado.

Lodwein e Mowilla, após ouvirem toda a história se levantam para ir embora, mas

antes de saírem são chamados mais uma vez pelo líder Muldat. – Senhora Verde-álamo e Lodwein, esperem. Tenho algo para lhes dizer. Em primeiro lugar, espero que tenham entendido tudo o que quis dizer a vocês naquela hora, e também com o conto de Vidcot, Korlla e Guvat. Acredito ter ficado bem claro. E vocês também terão muito com o que sonhar e refletir essa noite. Mas também, gostaria de lhes lembrar: Não se esqueçam que aqui no manso paladino vocês são meus convidados, por isso, minha casa é de vocês. A hora que quiserem dormir falem com Dienna e ela providenciará camas para vocês dormirem. Eu também já ia conversar com meus paladinos aqui, procurando formar uma comitiva para levá-los em segurança à Nusweld. Dessa forma, podem ficar bem tranquilos, pois todo o necessário está sendo providenciado.

Eles agradecem a atenção de Muldat, o qual, despedindo-se, logo se volta para suas conversas e planos.

Enquanto isso, alegres eles iam caminhando para a casa de Muldat. - Sabe. – Fala a elfa rindo. – Não sei se foi infantilidade da minha parte ou não,

entretanto, eu me empolguei com a história do senhor Muldat. – O rapaz olha para ela e gargalha do que ouviu, a moça logo o cutuca. – Você tem de admitir Lodwein, foi muito emocionante!

- Está bem, eu concordo, foi uma história fascinante. - Sem mencionar as palavras que ele nos dirigiu antes de começar a lenda. É

impressionante toda essa compreensão de aventura a qual os paladinos conseguem ter. Antes somente conseguia ver a mim mesma, minha situação, encontrando-me perdida e passando por graves riscos. Mas isso é egoísmo e covardia da minha parte. Meu pai é quem mais corre perigo neste momento. Essa é minha missão nessa história: Salvá-lo.

- Tem razão. Temos de ser os heróis nessa hora. Todyeld sempre quis me proteger de algo. E acredito que era desse momento. Não quero ser um fardo para ninguém. Não quero ser causa de morte para meu amado mestre. Vou descobrir todo esse mistério e salvar Todyeld! Ou então, meu nome não é Lodwein!

Os jovens rapazes, agora cheios de coragem, formavam este novo plano em suas vidas:

Salvar aqueles que os criaram desde pequenos. Estavam esperançosos e tinham fé na vitória. No entanto, a história deles ainda tinha muito por vir e talvez essas palavras lhes fossem soar pesarosas no futuro.

Mowilla seguiu e foi para o quarto de Korlla, enquanto Lodwein seguiu Guvat, filho de Muldat, e deitou-se numa cama improvisada junto à do garoto. O rapaz ainda fez suas meditações diárias antes de ir dormir acreditando que a elfa estivesse no cômodo ao lado já em profundo sono, entretanto, isso não era verdade. Mowilla não havia ido descansar naquela noite. Fora fazer algo diferente...

Capítulo XII: Mowilla Mira-certa

Na manhã seguinte, Lodwein acordando percebe a luz dum alegre dia a entrar no

quarto. Guvat parece estar acordado na cama ao lado tomando coragem para se levantar. O rapaz se põe na devida posição e ainda na cama realiza suas meditações diárias.

Após isso, cumprimenta seu colega de quarto. - Bom dia Guvat. - Olá Lodwein, e então, dormiu bem? - Bastante, agradeço muito. Geralmente minhas noites de sonos são péssimas. Costumo

cair no sono somente depois de horas e horas rolando na cama, contudo, aqui no manso tenho deitado e já dormido.

- Bem, eu sempre dormi bem, talvez deva haver algum efeito sonífero aqui no manso e ninguém saiba. – Brinca o garoto. - Mas Lodwein, se já estiver pronto, e quiser comer alguma coisa, desça pela segunda escada à esquerda no corredor. Este é o caminho para cozinha, acredito que minha mãe tenha preparado uma refeição matutina para nós. Eu já vou indo para lá, pois recebi uma missão para hoje. Tudo bem?

- Está certo! Mas, antes de ir, você sabe se Mowilla e Korlla já estão de pé? Que horas sua irmã costuma acordar?

- Não sei dizer, Korlla às vezes acorda cedo para trabalhar, outras vezes é muito preguiçosa. Vá até o quarto dela para saber. Estou descendo para a cozinha. Até mais.

Lodwein termina de arrumar sua cama e vai até o quarto ao lado, depara-se com a porta fechada, o moço bate esperando resposta. A filha de Dienna abre. - Ah, Lodwein, posso ajudar?

- Sim. Bom dia Korlla. Mowilla já acordou? Preciso falar com ela. - A senhora Verde-álamo não está aqui. Na verdade, ontem veio até o meu quarto, no

entanto, deu-me boa noite e disse que não iria dormir e saiu. Ele se espanta com isso, e pensa no que isso significaria. - Entendo. Obrigado Korlla,

até mais. Com isso sai depressa Lodwein e pensativo desce os degraus, se deparando com a

senhora Dienna no caminho. Ela lhe saúda. - Bom dia minha criança, aonde vai assim tão rápido? Venha, preparei um delicioso pão de amêndoas com queijo de cabra para você.

- Bom dia, a senhora sabe onde está Mowilla? – Ele questiona enquanto é puxado até uma cadeira que é obrigado a se sentar. Não queria ficar lá, mas Dienna foi insistente lhe trazendo pela mão.

- Ah sim, não se preocupe com isso, ela já comeu e está lá fora. No entanto, quanto a você, somente deixarei sair depois de ter comido! – Senhora Dienna era duma personalidade muito forte, e o jovem não ousa desafiá-la. – Vamos, prove do biscoito de mel que fiz. O que achou, está bom?

- Uma delícia! Muito bom mesmo. Bem, se só poderei ir embora depois que comer, será que a senhora poderia então me passar uma fatia desse pão, quero prová-lo com geleia de pera.

- É claro minha criança, coma a vontade! Bem, não entendo vocês jovens, são tão impacientes! Logo antes de você chegar, meu Guvat saiu correndo também, pegou um pedaço de pão e uma maça e partiu depressa.

Nunca houve nada capaz de tirar o apetite de Lodwein. Após provar de quase tudo na mesa ele comenta. – Eu não costumo comer demais pela parte da manhã, mas não pude resistir, estava tudo muito gostoso. Obrigado e até breve.

- Não lhe disse que deveria ficar um pouco! Agora sim você está forte para a lida! Adeus!

E saiu ele a procura da princesa. Andando pela vila o jovem Lodwein ia conhecendo-a e percebendo o quão fascinante

era o lugar em que se encontrava. Logo em seus primeiros passos depara-se com uma especial construção. Esta é mais alta do que as outras e muita ornamentada de arte, belas esculturas e pinturas. Pelos símbolos de espadas Lodwein deduz que aquele lugar se trata de um templo para a realização dos reavivamentos da Guerra. O jovem fica pensativo, afinal, será que no manso haveria então um Excelente para as realizações? Lodwein não pergunta isso a ninguém, mas a resposta, como depois ficaria sabendo, é que sim. Ainda em sua caminhada o rapaz percebe o notável número de crianças, e vê que em geral as famílias paladinas cresciam bem numerosas, sempre cheia de filhos. A menor delas deveria ter uns cinco ou seis filhos. Parecia ser maravilhoso viver com os paladinos, com seus hábitos e sua cultura tão admirável. Era de fato uma pena que aqueles briosos guerreiros, naqueles tempos, tivessem sido condicionados ali, no esquecido bosque das raposas, e não estivessem assumindo o merecido cargo de defensores de Nelwár, função a qual havia sido fundada a ordem deles.

Até que por fim Lodwein encontra algo que o paralisa por completo, não consegue avançar. Lá sobre uma colina gramada e banhada pela manhã, o rapaz vê algo fabuloso. Uma moça formosíssima sendo iluminada pelo sol. É sem dúvida a mais bela donzela a qual seus olhos já puderam contemplar. Não dá para saber se o sol brilha nela, ou se ela brilha como o sol. Uma senhorita a esbanjar especial e mágica beleza élfica. Lodwein não é o único a admirá-la. Muitas esposas e crianças punham seus rostos para fora das janelas para vislumbrarem o encanto da moça à luz da agradável manhã de Outono. E era tão bom vê-la, penteando seus fios cor de ouro enquanto observava o leste. Seu cinto apertando-lhe a túnica, e na cabeça repousando uma tiara com um brilho na testa. Espetacular é quando o ser da colina sorri ao ver o rapaz a observá-la ao pé da colina. Vê-la alegre é tão bom. E dessa vez não havia dúvida, é verdadeira a felicidade. Diferente dos últimos dias, onde a moça vinha sorrindo somente para parecer mais forte. E ela é Mowilla Verde-álamo, uma elfa que sem palavras poderia ensinar sobre o verdadeiro belo e demonstrar a real alegria de viver.

(Imagem do ser da colina, possivelmente colorida) E correndo ela desce o aclive da colina chegando contente a saudá-lo. - Ähive hevinui

(Bom dia) Lodwein. Dormiu bem?

- Vo... Você é... Tã-tão bonita Mowilla... – O rapaz perplexo pelo vislumbre tido, nem nota o que fala. Seus olhos não estão acostumados a ver a verdadeira beleza élfica. E por certo tempo fica boquiaberto e emudecido.

- Obrigada Lodwein. Algum problema contigo? Você está com uma feição de bobo. Voltando então às rédeas do seu ser, ele se desperta. - Sim, estou. Quero dizer, não!

Hã? Estou bem. Tive outra boa noite de sono também. E falando nisso, Korlla mencionou que você não dormiu, por quê?

- Ora, seu avoado! Já se esqueceu sobre mim? - Como assim? – E fitando a moça e suas orelhas pontudas a lembrança lhe vem à

mente. – Ah sim, é verdade! Já estudei sobre isso, contudo nem sabia dizer se era verdade ou mito. Elfos não dormem, não é mesmo?

- Na verdade dormimos sim, no entanto, não tanto quanto vocês homens e anões dorminhocos. Somente quando de fato estamos cansados.

- E o que você fez para passar seu tempo nessa madrugada? - Fiquei conversando com uns vigias paladinos. Também treinei com o presente que

ganhei. Veja. – Ela lhe mostra uma aljava quase vazia e um arco paladino, o tempo todo ela esteve segurando-o, mas somente agora o rapaz percebe.

- E você sabe usar um arco e flecha? – Ele questiona. - É claro! Lodwein dá uma risada incrédula a qual deixa Mowilla consternada. – Você duvida de mim? Se é assim, vamos, peça um alvo para eu te provar. Qualquer

um. Ele fica pensativo, gostou do desafio, começa então com um alvo bem simples. – Está

bem então, aquele tronco. - Sem brincadeiras, Lodwein, isso está a somente uns dois passos. - Tudo bem, aquela tília bem ali. - Por favor, estou falando sério. - Mas essa árvore deve estar a vinte pernadas daqui! É um alvo difícil. Mas já que é tão

boa assim, acerte aquele primeiro cedro no caminho que seguimos ontem, bem ali, é dificílimo, devem ser cem passos daqui.

- Basta Lodwein! Fale-me um alvo sério ou ficarei muito nervosa contigo, de verdade! O rapaz então se assusta, pois sua última proposta era de fato difícil até para o mais

habilidoso arqueiro, um alvo escolhido como rebeldia, para desafiá-la. Contudo isso ainda não havia a satisfeito. É quando ele tem uma audaz ideia, sobe um pouco a colina e acha o desafio perfeito.

- Venha Mowilla, lembra-se da torre-poleiro que visitamos ontem? Ali está a ponta dela, entre as folhas muito, muito, muito distantes. Lá no topo, se você se lembra, há esculturas de aves feitas pelos paladinos. Acerte uma delas, se é tão boa arqueira.

A elfa sobe ainda mais a colina, eleva sua palma sobre os olhos e fita o seu alvo mui distante e quase inalcançável às vistas. Seria difícil. A moça aperta o arco no chão, para conseguir assim dobrar a corda sobre o próprio arco, com isso dobrando a tensão da corda. Ela

apronta a flecha no arco, e com um tremendo esforço consegue estender bem a corda, mira nas nuvens, fazendo seus cálculos, e depois solta a flecha. Num zumbido troante a seta é disparada em direção ao céu, desaparecendo das visões no momento em que sobrepõem a luz do sol. Lodwein perde o tiro de vista, mas não Mowilla. Acompanhando o objeto não observável a olho nu, ela espera uns instantes e então diz segura daquilo que falava. – Acertei.

- Como assim acertou? Nem dá para saber. Está somente brincando comigo. Impossível. – Lodwein não acredita.

- Não, mas eu vi, acertei. - Está mentindo. - Tudo bem então, se não quer acreditar... Porém, se deseja confirmar, está lá, bem

debaixo da asa de uma coruja de madeira. Lodwein espantado silencia-se por um momento. Não podia ser verdade. Era

impossível. O rapaz então sai correndo e a elfa lhe persegue a dar risadas. Tomam o caminho e

chegam na torre mais depressa que uma flechada. Sobem velozes as escadas até o último andar onde são surpreendidos por Korlla e um paladino alimentando uns filhotes.

- Olá vocês, porque correm assim sorridentes? – Korlla mal havia chegado para dar de comer ao seu gavião e se depara com a cena.

- Mowilla diz que acertou um alvo na torre-poleiro e viemos confirmar. Mas estávamos lá no manso, e é impossível acertar algo tão distante assim. – Diz Lodwein esbaforido.

- Então foi ela quem flechou a escultura da coruja? – Admira-se a filha de Dienna. - Eu não sabia que você era tão boa arqueira, senhora Mowilla! Ali está a ave de madeira flechada, vejam. – Os três se espicham pela janela para ver.

E para causar crises de gargalhadas em Mowilla e provocar uma onda de reclamações da parte de Lodwein, a flecha estava lá, transpassando de maneira violenta a estátua de uma coruja.

O paladino ali presente ouve tudo e aproxima-se deles. – Iktä, Mowilla Verde-álamo. Sou Hanago, o Tiro-certo. Sou considerado o melhor arqueiro dos paladinos do bosque das raposas, e vencedor, em identidade secreta, de vinte e três competições de tiro ao alvo em diversas cidades de toda a terra de Nelwár. Estou impressionado com o seu feito. Sei que é uma princesa da realeza, e não uma militar, não obstante, devo dizer que se quisesse, poderia nos ser muito útil em combate.

- Fico contente com os elogios. E me interessei pelo convite Hanago, Tiro-certo. – Diz a moça de sorriso largo.

- Entretanto, não se vanglorie tanto, Mowilla, você errou uma coisa! – Lodwein ainda reclama. - Não acertou em baixo da asa da coruja, como havia dito, mas sim em cima da asa. E por sinal, sua flecha fez um estrago muito grande na escultura.

- Sem mencionar outro perigoso fato, princesa. – Adverte Hanago, o paladino. – Não se pode sair por ai atirando numa torre militar! Temos um sino aqui que é tocado em caso de ataque, e eu já ia tocá-lo para anunciar uma invasão. Somente não fiz isso porque vi que a

flecha na coruja era uma flecha-paladina. E pensei que poderia ser um aprendiz errando seu tiro. Mesmo é claro não acreditando ser possível atirar tão longe assim. A senhora pode treinar suas habilidades sim. Todavia, busque alvos... Menos perigosos, me entende?

A moça se envergonha. – Entendo perfeitamente. Me desculpe, senhor Hanago. – E ficando furiosa ela aponta o causador daquilo tudo. – A culpa na verdade é de Lodwein, que duvidou das minhas habilidades como arqueira! Fiquei muito nervosa com ele! Me desculpem.

Eis que então algo realmente inusitado acontece. Entrando com imensa velocidade pela

janela, um falcão mensageiro se choca com impressionante força numa parede logo atrás deles. O animal bate no duro obstáculo, jogando penas pelo ar e caindo desacordado no chão com as garras para o alto.

(Imagem da ave se chocando na parede) - Mollvá! (Oh céus!) – Gritou Mowilla desesperada ao ver a cena inesperada da ave. - Céus e mares! O pássaro morreu! – Lodwein também leva um grande susto. Enquanto isso, Korlla e Hanago caiam na risada. O paladino logo lhes previne. – Não

meus amigos, acalmem-se... Este é Gweldolin, o mais velho e estabanado falcão-mensageiro ainda servindo aos paladinos.

Korlla vai até a ave, cutuca-a e chama. – Ei, Gweldolin, acorde logo e nos diga sua mensagem.

Dando uns tremeliques com as patinhas antes de, se levantando, estralar o pescoço, a ave se põem a falar. – Árrrh!!! Eu odiu éssas parêdis. Sempri aparecendo em mina frênti.

Mowilla: Oh falcão falou?! Lodwein: Oh falcão falou?! Gweldolin vê os dois e lhes pergunta coçando a cabeça e cuspindo penas. – U qui qui

foi? Árrrhg? Mowilla e Lodwein se entreolham devagar. Pensam um instante. Por fim, não resistem.

Os dois se explodem em gargalhadas. Soluçam de tanto rir. E se abraçam, levam a mão a boca, tiram lacrimejo dos olhos. Foi uma algazarra. E quanto mais o falcão lhes perguntava qual o problema deles, os dois mais se punham a rir.

(Imagem de Gweldolin, o falcão falante) Mas Hanago falava serio. – Diga, honorável amigo Gweldolin, qual mensagem você

nos trás? Levantando voo até o braço do paladino, Gweldolin lhe diz. - Vidcot chega do norte.

Um exército de goblins. Uma guerra será necessária. Rechamar todos os paladinos. Além de Gweldolin, há Gwulfi e Falwil com mensagens. Assim envia Vidcot, filho de Muldat.

- Muito obrigado amigo Gweldolin, está liberado dos seus serviços até que seja chamado outra vez. – E voltando-se para os risonhos o homem diz. – Vocês devem voltar agora para o manso e procurem um lugar seguro. Entendam, tudo está se complicando, então busquem não... Não quero ser grosso, sei que vocês são de grande valor, no entanto, preciso dizer. Não interfiram muito em nossos assuntos, tudo bem? É perigoso para vocês.

Deixando os risos de lado, Lodwein e Mowilla se chateiam.

- Mas queremos ajudar! Nós podemos fazer isso! – Argumenta o moço. - Sim! E o senhor disse que minhas habilidades no arco poderiam ser úteis na guerra!

– Retruca a elfa. Hanago reflete um pouco e afirma. – Bem, não sou eu quem decide isso. Isto é escolha

do senhor Muldat. Não posso fazer nada por vocês. Mas, meus amigos, agora voltem lá para baixo. Adeus. Você também pequena Korlla, eu termino de alimentar seu falcão para você. Vão agora.

Eles então saem depressa e encontram grande movimentação chegando no manso. De

fato, Vidcot, Belgar e outros já estavam na vila e conversavam com Muldat. As notícias não parecem boas. Comenta-se sobre um exército de goblins e uma possível guerra em breve.

O líder assim declara ao povo borbulhante de conversas duvidosas. - Paladinos e suas famílias! Devo vos informar que ao norte da floresta à sombra das

montanhas dos anões, há um grande número de goblins. Eles estão organizados e formam hordas de guerra. O que temíamos parece ser verdade, os muitos acampamentos que encontramos não são mera coincidência. Foi um verdadeiro ataque planejado, uma tentativa de infiltração no bosque. Está sendo difícil conseguir mais informações sobre eles. Descobrimos que estão montando guarda no norte e deduzimos que iniciarão um ataque decisivo no mais tardar em um dia. Não obstante, não tememos a guerra e por isso usaremos da inteligência: Os atacaremos primeiro. Duvidaram de nossas forças ousando adentrar nosso bosque. Por isso essa noite, essa noite atacaremos os acampamentos deles! - E agora em fulgor de combate ele brada mais alto. - Se preparem, se preparem, pois o manso paladino está em guerra! Mães e esposas, entrem em suas casas e sejam amorosas com vossos filhos e maridos. Crianças honrem os heróis que combatem pela boa causa. Levantem-se povo, levantem-se! Pela glória de Kahvian! Pela luz da glória! Levantem-se paladinos!

A princípio alguns estavam temerosos, porque sentiam a realidade da guerra caindo sobre eles. No entanto, aos poucos eles iam cedendo o lugar do medo para a coragem. Com novas esperanças, seguem para as preparações.

Mas também, antes que o povo se dispersasse, Vidcot, filho mais velho de Muldat, anuncia feliz. – Amigos paladinos, ouçam-me! Meu pai e guerreiros do manso, escutem o que tenho a vos dizer! Não viemos trazer somente relatos preocupantes, entretanto também trazemos notícias felizes. Pois dessa vez não lutaremos sozinhos. A força de um exército inteiro nos ajudará! Pois, um grande guerreiro ouviu nossos clamores e declarou vir em nosso auxílio. Amigos, o Coruja Branca lutara conosco!

Brados jubilosos partem das famílias que agora já não mais duvidam da vitória. Grande foi a coragem e esperança entre eles a partir de então. Muitos cantaram alegres canções sobre o tal Coruja Branca, onde narrava-se combates de um herói magnífico.

Muldat feliz responde. - Ora Vidcot, meu filho! Por que não me disse tão boa novidade antes?! Oh sim, eis com isso nova chance na guerra. Vejam povo, a vitória não está tão distante assim de nós! Nós somos os mesmos Paladinos das guerras d’outrora, meus amigos! Bravos guerreiros, coragem, a Grande Guerra já foi vencida!

E assim o manso paladino se prepara para a batalha. Mowilla e Lodwein compartilham da mesma emoção que o povo. Surge ainda um

sentimento especial entre eles. Entreolhando-se felizes, sabem o que querem. - Vamos à guerra também!

De mãos dadas, o rapaz e a moça procuram pelo líder. – Temos de falar com Muldat, precisamos descobrir em que podemos ser úteis.

- Está certo! Ah! Estou tão contente com tudo isso, Lodwein. - Eu também Mowilla. E quem será este Coruja Branca o qual o povo está cantando? - Eu sei quem é! Ele também é bem conhecido entre nós, elfos. Coruja Branca é como

alguns chamam Endelorth, um poderoso mago e sábio. Lodwein se pergunta do porquê de tal nome, Coruja Branca. Avançando por entre as pessoas, acham aquele quem procuram. - Senhor Muldat! – Grita Lodwein. – Eu e Mowilla queremos guerrear com vocês! Todos os olham desconfiados, alguns riem deles, mas a resposta é de Muldat. - Oh sim! Por mim tudo be... Não, espere, quero dizer. Não posso permitir isso, Belgar e

o rei Leillindor me matariam. – Hesitante, o homem acaba negando. Belgar, o irmão do jovem, que na verdade sem o rapaz perceber estava bem ao lado

dele na multidão, confirma. – Está louco Lodwein? Morreria na primeira investida do inimigo. Não! Você ficará aqui. Sinto dizer isso, porém, você também princesa.

Isso os desanima muito. Sentem-se desamparados, desejam participar, contudo, ninguém mediava por eles. Até que uma voz conhecida fala em meio a todos.

- Muldat, não seja tolo! Aqui está a provável arma da vitória e a despede embora assim? Sim, sou Hanago, Tiro-certo. É assim que me chamam. Contudo digo a vocês que esta elfa possui a mira mais certeira que já passou por estes bosques desde quando suas árvores eram apenas sementes!

Se o maior atirador admite que alguém é melhor do que ele, isso deve, sem dúvida, ser considerado. Muldat era atrevido e agia no impulso quando estava demasiado feliz, e em seus planos queria muito Lodwein e Mowilla no combate. Por isso gargalhando professa. – Oh sim, Se é assim então, Belgar e o rei Leillindor me perdoem, pois eu nomeio agora você, elfa Cullyen, como: Mowilla Verde-álamo, Mira-certa. Lembre-se para sempre, que este título lhe foi dado por Hanago, o Tiro-certo. E ainda os nomeio, Mowilla e Lodwein, como guerreiros honorários paladinos. Oh sim! A boa guerra. Nada como ela para nos alegrar um pouco. – E ele sai correndo, fugindo das reclamações furiosas de Belgar. Muldat se divertia com essas coisas. Percebe-se então de quem Guvat herdou a tamanha ânsia e empolgação por combates.

- Mowilla Mira-certa... Isso soa bonito. Gostei do título... – Aprecia a elfa. O rapaz, por sua vez, comemora golpeando o ar alegrando-se muito. Pois essas

nomeações significam que eles poderiam participar da guerra com os outros.

E foi dessa forma que Lodwein e Mowilla entraram para o batalhão paladino na guerra contra os goblins no norte do bosque das raposas. Grandes feitos esperavam por estes dois jovens, os quais cada vez mais embarcavam em sua aventura. Seus próximos encontros também lhes seriam decisivos, afinal, conheceriam aquele o qual mais iria lhes ensinar sobre a vida, assim como sobre suas verdadeiras missões: O Coruja Branca.

(Imagem dessa cena emocionante, os guerreiros amontoados e se preparando para a guerra enquanto Lodwein e Mowilla gloriavam-se de seu ingresso na guerra.)

Capítulo XIII: Guerra d’Outono

Parte I

Parte então do manso dos paladinos um grande exército marchante. É uma serena

noite, e as expectativas e emoções afluem entre os homens os quais furtivos dirigem-se para a guerra. E esse combate travado entre os combatentes da floresta contra os goblins invasores viria a receber o nome de guerra d’Outono, e entraria para a história dos paladinos como um importante feito. Homens barbudos e rapazotes espertos cavalgando juntos e silenciosos dentro da floresta seguindo para o norte, todos trajando vestes que se confundiam com o arvoredo ao redor. Estariam mentindo se dissessem não estar com medo. Eles estão. E quem não ficaria? No entanto, tinham de ser corajosos. Sempre que o temor caia sobre o coração de um combatente, os colegas ao redor pareciam perceber isso, e se aproximavam com sorrisos e amigáveis sinais de incentivo. Aos poucos eles vão passando por outras moradias de paladinos dentro do bosque, pois havia outros acampamentos permanentes menores além do manso. O número dos paladinos ia aumentando até chegarem ao local combinado para o encontro de todos, onde decidiriam como iniciar o ataque e contra qual base goblin investir por primeiro. Corajosos e briosos são os guerreiros que se encontram entre eles, entretanto não basta somente esses dons para estar lá. Guvat os tem, mas ficou em casa, emburrado, por mais uma vez não poder ir à guerra.

Contudo, uma pergunta pode estar começando a surgir, afinal, por céus e mares, onde

estaria Focinho? Pois bem. Quando Lodwein e Mowilla se preparavam para partir para a guerra, lhes ocorreu de que não tinham montaria. E os paladinos, quando vão a uma luta, realizam uma apresentação oficial de todas as montarias disponíveis. Tocam sinos especiais, e instrumentos de sopro, conclamando seus fiéis animais para cavalgarem junto a eles. Estas criaturas, todas dotadas de muita compostura e graciosidade, alinhavam-se numa longa fila, apresentando-se todos como bravos e valiosos ajudantes. Nessa hora, todos os paladinos colocavam-se em ereta postura a alguns passos do animal, e prestavam breve reverência em sinal de respeito, depois seguiam em sua direção, e os tomavam como montaria. Era uma bela tradição paladina. Nessa hora também os paladinos e suas companhias recebiam as boas venturas especiais de um Excelente, dando-os a força de Kahvian necessária para a guerra.

(Imagem dos cavalos paladinos alinhados em postura diante de seus paladinos) E foi nesse momento de tanta seriedade que Lodwein e Mowilla reencontraram

Focinho. Ora, eis que em meio a todos aqueles vigorosos quadrúpedes, um destacava-se por ser notavelmente mais baixo e franzino. Isso é claro, em comparação aos outros, pois analisado sozinho, era um animal espetacular. Um burro já não mais apenas de carga, isto, pois parecia ter passado por um rigoroso treinamento, chegando até ao ponto de poder ser considerado uma verdadeira montaria paladina. Postura firme e imponente como as das épicas estátuas de mármore retratantes de lendários feitos, força pulsante em seus músculos estufados. Um belo

espécime se encontrava no final do corredor dos alazões. O jovem e a moça, ao verem-no, aproximaram-se desconfiados.

- Focinho, é você? – Perguntou Mowilla. Sem perder a pose, o burro respondeu positivo com a cabeça. - Por céus e mares! Agora sim estou encrencado. Todyeld vai me matar com certeza!

Não devia ter dado para Focinho aquele elixir. – Afirmou Lodwein. - Meu mestre sempre me alertou sobre possíveis efeitos diferentes em outros seres.

Ora, mas não foi somente aquele líquido especial quem fortificou o burrinho. Ele havia em sua estada nos estábulos comido do feno paladino fortalecedor de animais. E também aprendeu dos habilidosos cavalos-guerreiros grande parte de suas técnicas, e se dedicado ao máximo para treiná-las. Era um novo burro. Merecia até outro nome... Mas não... Focinho era um nome bom para ele.

E foi assim que o rapaz tomou o burro Focinho como sua montaria, enquanto Mowilla seguiu junto a Belgar em seu cavalo. Era uma cena muito inusitada, a de Lodwein, o jovem de sardas no rosto e cabelos cor de mel escuro, em cima do pequeno, entretanto, possante Focinho, o animal corajoso e esforçado, o qual amava muito seu dono.

(Imagem de Focinho e Lodwein a montá-lo) Mas, voltando à guerra: Muldat chega ao local combinado e, sendo ele o líder, logo

inicia o discurso. – Oh sim meus amigos. Que bom estarmos todos nós, mais uma vez, reunidos! Vemos

assim o quanto somos mais numerosos do que imaginamos, não é mesmo? Contudo, falemos do que importa. As informações são as seguintes: Os goblins planejam invadir o bosque e derrubá-lo, como já é costume deles em lutas dentro de florestas. Derrubam as arvores e vão se enfiando na terra em buracos cavados para auxiliá-los no cerco. Um grande acampamento deles foi encontrado bem ao norte, fora do bosque. Nossos reportadores afirmaram terem vistos túneis saindo de lá. Deduzimos que eles usam essas passagens para entrar no bosque, pois elas devem sair em diferentes pontos aqui dentro. Mas além deste acampamento, descobrimos outros três menores. Um destes está próximo daqui seguindo naquela direção ali. Há mais outros dois, um ao leste e outro ao noroeste, naquela e nesta direção. Nossa missão essa noite será destruir todas essas três bases, e investirmos contra o grande acampamento ao norte.

- Háhá! Não parece difícil. Está fácil para nós. – Vangloria-se um espadachim velhaco. – E o que estamos esperando? Ao assalto!

- Calma lá, meu velho amigo Poltrid. Não será tão fácil assim. – Adverte Muldat. – Devemos esperar os outros paladinos, e também a nossa ajuda especial... Espero mesmo que ele venha.

Lodwein e Mowilla, ansiosos pelos seus futuros feitos bélicos, sentam-se num canto

afastado dos debates. Belgar se aproxima deles. - Levantai-vos bravos soldados! Espadas já afiadas? Preparados para matarem alguns goblins malditos?

- Assim espero. – Responde o rapaz com forçada calma. Nele se iniciava um duelo interior entre o medo e a coragem. Isso acontecia em somente relembrar das monstruosas criaturas.

- Ora rapaz! Não era isso que você queria? Deixe de lado o medo Lowdy, vamos, coragem meu irmão! E você princesa? Como vão os ânimos?

- Agora que chega a hora, sinto-me um pouco temerosa. Mas quando percebo o apoio de todos para mim, sei que não posso voltar atrás. E também, foi meu desejo passar por tudo isso. Tenho de agradecer a todos! De modo especial à Korlla, pois acabei deixando toda minha bagagem na fortaleza e ela me deu este vestido tão leve e versátil, é perfeito para a ocasião. Também a cor verde ajudará a me camuflar. – Mowilla está muito bem preparada para o combate. Seu longo cabelo foi todo amarrado numa trança única e enrolado ao cinto. A aljava está cheia de flechas para os hábeis disparos da Mira-certa. Pronta para matar goblins.

Mowilla há muito tempo possuía uma dúvida, e tendo a oportunidade quis então perguntar. – Belgar, às vezes me questiono se não é errado matar essas criaturas. Tirar a vida de animais por mero prazer não é algo incorreto? Também não seria no caso desses goblins? E afinal, o que são eles?

- Antes de mais nada, nós não os matamos por mero prazer, princesa Mowilla. Isso é guerra. Ou nós os matamos, ou eles nos matam. – Responde Belgar. – Porém saiba que sua pergunta é de fato pertinente, e fez muito bem em fazê-la. Precisamos por primeiro entender o que é um goblin. Diversos Kei’Tirol já pensaram sobre isso. Os Kei’Tirol são os sábios élficos. Na verdade, são todos aqueles pensadores que usam de seu tempo e mente para a busca do saber verdadeiro... Mas enfim, ainda há muitas incógnitas quanto a isto, porém, um fato se tem certeza: Goblins não são como nós, homens, elfos. E nem são o contrário de nós. Também não são como animais. No nosso mundo, existem somente quatro tipos de seres menores capazes de conhecer seu próprio ‘eu’: Os elfos, homens, anões e gnomos. É claro, que muitos dos animais-amigos também o conseguem, contudo, eles são servidores especiais, isto é, seres celestiais, e por isso não entram nessa nomeação. Desculpe princesa se estou te confundindo. Não sou bom em explicações. Deixe-me ser mais direto: Goblins não tem uma origem bondosa, como nós. Eles vieram do mal e são frutos dele, e somente servem para isso. As mentes e as existências deles são a mesma treva que é a maldade em si, compreende? São incapazes de demonstrar um sentimento bom, e desprezam tudo que veem. Odeiam toda a natureza, as outras raças, de maneira especial os elfos, saiba você. Detestam também os seus semelhantes e sentem ódio até mesmo de si próprios. São seres perversos e a real razão de existirem é para nos destruírem. São os causadores de divisões e contendas. Veja bem, eu compreendo esse seu pensamento, de compaixão para com eles. A senhora não é a única a tê-lo. Contudo saiba que até isso é uma estratégia do inimigo. Ele planejou criar essa ideia nos nossos corações para assim poder dominar pessoas pela compaixão. Perceba o quanto o inimigo é experto. Por isso, Mowilla, não sinta pena deles, eles não sentirão de você. Eles não são seres como nós. Todos esses malditos são uma legião só, são a própria perversidade refletida em muitos pequenos seres malignos. Uma imensa horda de seres sem coração, e que anseiam por destruir não somente seu corpo, mas também sua alma.

Isso não encoraja Mowilla em nada. Agora sim é que ela treme de medo. Belgar dá uma risada e acrescenta. - Acalme-se senhora, é por isso que somos

paladinos. Para mostrarmos o poder do bem sobre o mal! Sim, é um trabalho difícil, porém recebemos ajuda especial. E sem contar que você nunca matou um deles. Depois do segundo que você derrota, a sensação de dever comprido e consciência limpa é muito boa. Você acaba se acostumando. Com o tempo tudo parecerá um emocionante jogo. Você verá.

Um assovio dum mensageiro é escutado entre o pessoal, todos esperavam ansiosos por

isso. Tomando o máximo de cuidado para não alarmar demais, o soldado encarregado de observar o céu logo avisa a todos. - Ele veio! O Coruja Branca está chegando!

Todos então se voltam para as alturas. Um vulto sobrevoa o agrupamento fazendo por breves instantes tudo se escurecer. A figura mal distinta dá um rodopio no ar antes de pousar um pouco a esquerda do acampamento por entre o escuro da floresta. Ainda não dá para se saber o que entrou nas árvores, no entanto deve ser algo bem grande. É quando dois enormes olhos amarelos brilham no escuro e avançam para os paladinos. Aqueles que não o conheciam espantam-se e já iam sair correndo. Entretanto, apresentando-se na claridade, o ser amedrontador se mostra belo e esplêndido. É uma coruja gigante branca. Um animal lendário e mítico, de plumagem alva, mas com as pontas de algumas penas manchadas de preto. Escuro também é seu bico escondido no centro de sua face enorme. E a coruja aproximando-se do numeroso grupo, faz uma reverência ao batalhão. Nessa hora em que o animal abaixa a cabeça, um outro ser salta das costas dela e se põe entre os guerreiros. Trajando uma pesada e incomum capa de frio, um imponente homem pula no chão. Num olhar mais atento, nota-se que por debaixo do capuz, envolvendo o pescoço e ombros, grossas peles de animais o protegiam do frio. Porém aquela noite não está fria, então a neve sobre suas roupas não é de lugar nenhum próximo de lá. E isso gera uma dúvida: De onde será que esse combatente veio? Onde esteve? Isso ninguém nunca sabia dizer. Voltando a analisá-lo, notam suas pernas revestidas por metal, como se trajasse alguma armadura, no entanto somente a parte protetora de baixo. Ainda neste ponto via-se um cabo comprido de espada balançando na bainha à direita.

(Imagem do Coruja Branca e sua montaria) O patriarca dos paladinos é quem vai recebê-lo. - Salve Coruja Branca! Quão grande

alegria em termos você conosco. - Meu caro Muldat, amigos paladinos, feliz e honrado sou eu em ter-me convosco, vós,

os últimos daqueles os quais ainda afrontam o mal, com tanta garra. – Diz o tão fabuloso homem que é recebido com o máximo de barulho que a situação permite. – Desculpe interromper vossos júbilos, no entanto, poderiam mostrar-me o que já fora planejado? Atrasei-me com uns certos assuntos.

- Oh sim, claro, compreendo. – Junto aos organizadores dos ataques, o líder dos paladinos senta-se com o convidado para esclarecer-lhe o que já havia sido decidido. O guerreiro Coruja Branca então descobre sua cabeça e mostra seu rosto. De longe, Lodwein o considera um estranho velho. Estranho, pois seu cabelo e barba já são brancos, entretanto, não

parecem foscos e sem vida, como o de um idoso. Os dele brilham como fios de prata, e seu olhar ainda traz jovialidade. É como se seus cabelos fossem, por natureza, brancos.

Todos do acampamento focam suas atenções no novo visitante. Ora, há horas atrás os pensamentos de todos voltavam-se somente para Lodwein e Mowilla, o jovem conhecedor e a princesa élfica, mas agora é diferente, pois um lendário guerreiro está entre eles: O Coruja Branca. E quem não gosta disso é Lodwein. Pois, como Todyeld já sempre lhe advertiu, o rapaz era muito vaidoso e gostava sempre de ser o centro das atenções, apesar de não admitir isso. Não demora muito e o jovem diz ao seu irmão. - Bem... Ele não parece um grande mago. Está mais para um combatente comum.

- Está enganado Lowdy. O Coruja Branca não é só um valente lutador. É também um grande conhecedor, se quer saber. Eu bem sei, pois já tive a honra de participar de uma guerra com ele. – Afirma Belgar.

Isso deixa Lodwein consternado. Ele gostava sempre de ser o maior conhecedor da redondeza. Em sua mente o jovem ia maquinando argumentações onde no final, ainda era o melhor. Conhecimentos específicos que somente o conhecer Lodwein saberia. Pensando consigo, uma forma de, em algum momento, pôr o combatente famoso à prova, o moço diz. – Deve ser verdade então. Ele é um grande conhecedor. Eu somente gostaria de ter uma chance de falar com ele.

A moça ao lado acrescenta. – Eu também gostaria. Não sei se o Coruja Branca ainda se lembra de mim. Faz muito tempo desde nosso último encontro, pois parou de nos visitar na floresta élfica. Gosto muito dele, o senhor Endelorth.

Após concluírem os esclarecimentos das posições de guerra de cada pelotão e terem

falado sobre os acampamentos goblins e seus pontos fracos, Muldat faz um sinal para partirem. Aos poucos, os avisos, recomendações e o plano são cochichados entre os guerreiros enquanto avançam para o ataque.

Lodwein, por sua vez, somente anseia por uma oportunidade de conversar com o tal Coruja Branca. Porém, a todo instante alguém conversa com ele. É um homem muito ocupado. E nisso o rapaz percebe que sempre o homem, com notável cortesia, atendia a todos que o procuravam. Quem sabe não seria tão difícil ter um diálogo com ele.

Já era da personalidade de Lodwein um jeito furtivo de agir. Por isso, o rapaz, calculando uma forma de falar com o Coruja Branca, apressa seu passo e vai ultrapassando de maneira despercebida por entre os paladinos, até se aproximar do sábio. Mowilla nota isso, e apressa seu passo para acompanhá-lo.

Chegando mais próximo do homem de cabelos brancos, Lodwein nota que em suas costas, escondido sob as vestes, há um estranhíssimo volume, quase uma corcunda. Todavia, não era bem isso. É como se em suas costas aquela pessoa carregasse um grande objeto escondido. E isso era enorme, pelo volume talvez fosse muito pesado. Mas o que seria aquilo? Não dava para saber, e ninguém ousaria perguntar.

Por fim, o Coruja Branca nota que alguém havia chegado próximo de si e se vira para ver, assim deparando-se com eles, exclama espantado. - Hol’fiupan! (Que surpresa!) O que faz

aqui, pequena Mowill? – Muito contente, o homem cessa seu passo e, segurando a mão da princesa, a saúda conforme a tradição.

- Endelorth! Como vai o senhor? Gaih’na! (‘Ixi!’) É uma longa história o porquê de estar aqui. – Responde a princesa. – Todavia, antes de qualquer coisa, gostaria de lhe apresentar Lodwein, o irmão de Belgar.

Para a surpresa do rapaz, o mago volta-se para ele com um olhar muito incomum. O de alguém que revê um querido conhecido. Não o encara como se fosse a primeira vez que o visse. Parece já conhecê-lo. E nesse instante Lodwein se espanta, pois, ele também o conhece de algum lugar. Poder jurar que sim!

Cumprimentando-o num forte aperto de mão, o velho fita-o no mais fundo do seu olho, como fazia com todos. Muitas pessoas ficavam embaraçadas com essa atitude do mago. Seu olhar parecia penetrar a pessoa, vendo-a por inteira e compreendendo-a por completo. - Como vai meu jovem?

- Vou bem. – Lodwein responde um pouco seco. Não gosta da maneira como o homem o observa e desvia o olhar. Quer lhe perguntar algo, mas não pensa nada há tempo.

- E então, você é o irmão de Belgar? – Pergunta o Coruja ainda a fitá-lo com agudeza. – E pelas suas vestes vejo que é um conhecedor também. Desculpe, mas, como é que se chama agora?

Agora? O que ele quis dizer com “agora”. - Pensa o rapaz consigo. - Sou Lodwein, aprendiz de Todyeld Filperk.

- Como imaginei, como imaginei. Depois de tanto tempo, já era de deduzir que tivesse crescido e se tornado um rapazote. Faz muito anos desde nosso primeiro encontro, sabia?

Mais uma vez um profundo espanto toma conta do jovem. Por que isso sempre acontecia? Todo mundo parecia lhe conhecer e saber algo sobre seu passado que nem ele mesmo sabia. - O senhor me conhece? De onde? Como?

No entanto, antes de receber qualquer resposta, alguém se aproxima e interrompe o diálogo. - Salve Endelorth, amigo dos paladinos, o Coruja Branca! Que bom revê-lo. - É o irmão de Lodwein, ele intromete-se de propósito.

- Eis Belgar, o corajoso. Acabo de conhecer seu irmão, ele cresceu bastante desde aqueles dias, não? Aparenta já estar na alta idade, segundo os costumes dos homens, ao meu ver. Isso é bom. E também se tornou um conhecedor como Todyeld. Que bom... E ele já sabe?

Belgar atropela o mago para dizer. – Não! Não sabe. E... Ah... Vai saber, ainda. Falta pouco. Digo, não há nada o que saber...

O mago então percebe a mancada que deu. – Por raios e tempestades! Desculpe-me amigo Belgar! Sou eu falando demais, mais uma vez...

Lodwein e Mowilla levantam a voz querendo fazer perguntas, mas Belgar logo lhes ordena para fazerem silêncio, aponta ao redor e para as armas. Estão em guerra, não podem fazer algazarras.

Todavia o mago questiona. – Meus jovens, me expliquem melhor um fato. Fui informado que a fortaleza do saber foi atacada, e Todyeld e Leillindor correm perigo. Vocês

dois foram obrigados a fugir, e muitos goblins atacam o bosque. Correto? Mas digam-me em detalhes, o que de fato aconteceu lá no castelo?

Lodwein toma a palavra. – Senhor Coruja Branca, foi tudo muito estranho, e espero que isso faça mais sentido ao senhor do que fez a nós. Estávamos no castelo realizando uma apresentação de conhecimentos quando tudo aconteceu. Os soldados élficos se inquietaram, pois escutaram homens invadindo o castelo. Pelas nossas deduções, não deviam ser muitos homens. Mesmo assim fomos obrigados a fugir em nível de emergência. Pegamos as provisões de viagem e recebemos recomendações para viajarmos para a distante floresta élfica. Foi quando tivemos umas sensações macabras no castelo, e fugimos em desespero. Isso é estranho, pois se os invasores eram somente homens, como todas as coisas medonhas puderam acontecer?

Coruja Branca atenta-se ainda mais. – Houve fogo não é mesmo? Sabe quem o fez? E também me diga como eram essas sensações macabras.

- O fogo não foi arma do inimigo, e sim de Todyeld. Ele o usou depois das sensações assustadoras terem acontecido. Era como se estivéssemos sendo esmagados. A estranha névoa que nos cobriu confundia a mente e o coração. Lembro-me agora que houve muitos tremores no lugar, pergunto-me se não eram ilusões. Tudo se encheu de assombrações perseguidoras. Foi assustador.

Endelorth dá um suspiro e por uns instantes permanece pensativo. - Entendo... Agradeço, meu jovem. Irei analisar e investigar tudo o que você me relatou.

- Senhor Endelorth, por favor, me explique, de onde me conhece? O senhor já me viu quando eu era criança, não é mesmo? – Lodwein aproveita a oportunidade.

O homem dá uma olhada para o irmão do rapaz e por fim sorri. – Sou um homem velho, já vi muitos nascerem, serem crianças, amadurecerem e morrerem. Sim, já vi muitos morrerem. – Afirma introspectivo. - Bem, até breve então. Agora terei de voltar e falar com Muldat. Desculpe deixá-los nesse momento. Nos encontraremos pela luta. Por favor, não morram! Mas se morrerem, morram em paz. Até mais, meus jovens.

Lodwein se desanima por completo. Havia sido mais uma conversa inútil. Contudo não para Mowilla. Ela havia percebido nuances na conversa que lhes seriam

muito úteis em suas investigações sobre os mistérios que rondavam os últimos dias deles. A moça o cutuca e o chama para o lado. Fala baixinho. - Já sei Lodwein! Eu sei quem atacou o castelo!

- Quem? – O rapaz assustado e feliz duvida. - Bruxos. - Bruxos? Por que diz isso? - Veja, faz todo sentido. É impossível para os homens realizar os feitos que vimos, não

concorda? E que outro ser seria capaz de fazê-los? Somente bruxos. Sem mencionar outro fato. Você reparou na pergunta de Endelorth? Ele perguntou quem fez o fogo. Viu como ficou triste quando descobriu que o fogo foi feito por Todyeld? Isso confirmou para ele que bruxos atacaram a fortaleza.

- É verdade Mowilla, faz todo sentido... – Cogita o jovem. – Tody sempre me disse que a arma mais eficaz contra bruxos era fogo. Céus e mares! Como sou pateta! Como não pensei nisso?! Claro! Bruxos atacaram o castelo e Tody os atacou com chamas. E essa verdade não exclui Mellrich da história. Já ouvi meu mestre pensando alto sobre uma relação de Mellrich com esse tipo de ser maligno.

Os dois ficam felizes por começarem a desvendar a charada. No entanto também ficam tristes por perceberem a dimensão do perigo que corriam: Estavam sendo perseguidos por bruxos.

Partindo para mais uma coleta de informações, Lodwein nota algo e logo aponta, antes

de sair depressa. - Ei Mowilla! Veja aquilo! Coruja Branca, Muldat e meu irmão estão conversando ali. Será que você não conseguiria escutar o que estão falando?

- Posso tentar. – Ela espicha as orelhas e se concentra naquele ponto distante. Pois, esse é um dos dons élficos, uma incomparável audição.

Ouve então: “... Nuvens negras daquele tipo, oh sim, capaz... talvez seja...”,“Eu pensei que tivessem a derrotado.”,“Está enganado Belgar, ninguém... assim”.

- Estão discutindo sobre os fatos do castelo. – Comenta a moça. - Tente descobrir algo mais. Fixa-se de novo, a moça, neles, no entanto dessa vez eles conversam num estranho

dialeto. O mago, que não era tolo, percebeu a elfa os escutando e passaram a falar nessa língua. Contudo ele não conta com o fato dela conhecer um pouco daquele idioma e conseguir entender algumas palavras.

- O que falaram dessa vez? – Pergunta o moço. - Eles são espertos, estão falando em Undônerun, a antiga língua dos paladinos. E

somente consegui traduzir um trecho da frase: ‘...lutamos junto ao verdadeiro rei’. Será que discutem sobre meu pai?

- Talvez... É quando Muldat ergue a mão, e todos param de correr. – É aqui! Aos seus lugares. - Melhor deixarmos isso para depois. Venha Lodwein, preciso encontrar Muldat, ele

me orientará na guerra. Assim foi combinado. – Diz Mowilla caminhando para a direção daquele que a ajudaria.

A guerra estava para começar. Aproximando-se de Muldat, Mowilla o cutuca e ele se vira para ela. - Olá senhora

Verde-álamo, venha comigo, te levarei ao seu posto. Acabamos encontrando vigias inimigos no caminho, precisamos do trabalho dos arqueiros. – Mas quando o líder dos paladinos vê Lodwein os seguindo explica. – Desculpe Lodwein, mas você ficará com os espadachins. Essa missão é somente para os arqueiros.

- Não! Ele vem comigo. – A princesa fica consternada. – Nós lutamos juntos, não é mesmo?

- É claro! – Afirma o rapaz se aproximando dela. - Não deveria permitir. Isso não foi o que combinamos. Se não fosse Mowilla Mira-

certa não aceitaria seu pedido. – Nada mais irritava Muldat do que fugir do tratado, porém, naquela hora, causar escândalos seria pior.

Com isso Mowilla e Lodwein se juntam ao primeiro batalhão de flechas, o qual se

compunha do comandante Hanago, Tiro-certo, e doze outros arqueiros. Analisando a situação, o comandante volta-se para seu grupo e explica seu plano.

- Pois bem, nosso primeiro tiro deve ser miraculoso. Precisamos em um ataque derrotar cinco ogwurs nas árvores, três no chão, e outro possível atrás de alguma árvore. Descobrimos pistas de mais um possível alvo, mas ele não está mostrando-se. A ideia é mirá-los na testa e na nuca. A metade ataca os de cima e a outra os de baixo, enquanto que a Mira-certa flechará naquele alvo lá longe em cima daquele arvoredo...

- Desculpe interromper, mas eu tenho uma ideia melhor. – O rapaz calcula a falha no plano do chefe que se espanta com a objeção.

Hanago, o líder do pelotão, um pouco irritado, fala. – Garoto, isso não é hora de brincadeira!

- Mas eu tenho uma boa ideia! E eu considerei todo seu plano e ele não vai dar certo. Isso, pois você está usando as habilidades de Mowilla de forma errada, sem mencionar que você também não analisou de maneira correta o alvo escondido. E se não conseguirmos capturá-lo, e ele fugir assustado na furiosa investida? Não dará certo, e isso trará muitos problemas.

Um dos arqueiros, o qual ouviu tudo muito atento, comenta pensativo. – Ele tem razão. - Ora! Mas então diga-nos essa sua brilhante ideia, garoto. – Hanago se enfurece. - Antes de mais nada, é preferível guardar Mowilla para o final. Já que ela de certa

forma nunca erra, deve acertar o goblin desaparecido quando ele se mostrar. Depois, deve-se acertá-los, se estiverem de frente, nos olhos e na boca, e se ficarem de lado, bem no ouvido. Afinal, todos os tiros precisam matá-los de imediato. Outro ponto importante a se analisar: É impossível eliminar todos de uma só vez. Por isso vamos dividir o ataque em seis tiros, façamos assim: Primeiro tiro, derrotamos aquele ogwur no chão, quando este sair do foco de visão de seus companheiros. Segundo tiro, flechamos os dois embaixo daquela árvore na garganta, para grunhirem. Isso fará com que os outros três em cima dos galhos mostrem suas caras, terceiro tiro. Quarto tiro, garantam a execução dos que foram golpeados no pescoço pelo segundo tiro. Dessa forma sobrará dois nas copas e um escondido. Muito simples. Quinto tiro, assassinem os das copas para que seus corpos caiam e façam barulho. Com isso o último inimigo se revelará. Sexto tiro, Mowilla termina o ataque.

Um breve silêncio no pelotão. - Pode dar certo. – Declara aquele mesmo arqueiro de antes. - É... Vamos tentar o que o irmão de Belgar disse. – Afirma Hanago um pouco

embaraçado.

Estupendo! Tudo saiu perfeito, da maneira como Lodwein propôs! O exército inteiro dos paladinos

fica boquiaberto quando tudo termina. Muldat dá o aviso a todos e eles continuam avançando no bosque das raposas. As pessoas que passam ao lado do batalhão de flechas os jogam elogios silenciosos.

- Muito bem rapaz. – Hanago parabeniza Lodwein apertando-lhe o ombro. – Desculpe-me por desconfiar de você, Lodwein, o planejador de ataques.

O rapaz gosta do título que recebeu, e que assim é chamado pelos outros.

Capítulo XIII: Guerra d’Outono

Parte II

Após já terem percorrido bom trecho floresta adentro, e não encontrarem nenhum

outro grupo inimigo, a tropa dos paladinos da floresta chega ao seu primeiro real ataque. São três as bases militares goblins que descobriram dentro do bosque e os paladinos se dividiram em três comandos de guerra para atacá-las. E naquele ponto do denso bosque das raposas se encontrava o alvo do pelotão o qual Mowilla e Lodwein haviam sido designados para estarem. Dessa vez a estratégia é simples. Arqueiros fazem cobertura aos espadachins enquanto estes avançam com seus cachorros e lobos numa investida veloz e arrasadora.

Percebendo a eficácia da simples estratégia que seria utilizada, e sabendo que sua ajuda seria justamente na elaboração de táticas complexas de combate, Lodwein comenta. - Mowilla, acredito que não ajudarei em nada se ficar aqui com vocês, vou me juntar ao pelotão de espadachins com Belgar e os outros.

- Mas Lodwein, nós não íamos guerrear em dupla? - Se eu permanecer nesse batalhão não derrotarei ninguém, não tenho arco. Ache-me

em meio ao tumulto e faça-me cobertura. Assim ainda estaremos lutando juntos. A elfa se conforma. – Tudo bem. – Mesmo com seu jeito atrapalhado, que inclusive

criava situações perigosas, Lodwein era uma boa pessoa. E suas confusões somente traziam mais emoção à história, tornando sua presença cada vez mais essencial. Mowilla já havia entendido isso. Sua tristeza em deixar Lodwein naquele momento demonstra isso. – Até mais então. Te protegerei com minhas flechas. – E baixinho, roga, em sua língua, pelo bem dele.

Lodwein por sua vez se junta aos outros aguardando o sinal de Muldat. Aproximando-se de seu irmão Belgar, percebe que o mago Endelorth não está entre eles, e pergunta. – Onde está o Coruja Branca?

- Ele foi conversar com os ursos do bosque, pedindo a eles para se unirem ao nosso exército nessa batalha. É por isso que ainda estamos esperando, e não iniciamos o ataque... Faz mais de hora desde a partida dele e ainda não recebemos nenhuma resposta...

– Fascinante! Combater ao lado de ursos! Os ursos do bosque são animais-amigos também?

- Sim. Somente alguns... E foi bom ter falado sobre isso, pois quero lhe apresentar meus companheiros de luta. Chegue próximo Lodwein. Deixe-me lhe apresentar os três cachorros e o lobo que combatem comigo. Já passamos por muitas aventuras juntos. Eles são Tyu, Hya, Fytu e Grye.

(Imagem dos três cachorros e do lobo) Lembrando-se do inacreditável encontro na torre-poleiro com Gweldolin, o falcão

falante, o rapaz saúda receoso. – Olá senhores cachorros e senhor lobo, é uma honra lutar ao lado de vocês, sou Lodwein, irmão de Belgar, dono de vocês.

Em resposta, os animais fazem uma breve reverência a ele.

Um pouco espantado pelo fato, Lodwein questiona. - E eles falam? - Não, não... Esses daqui não. Contudo, são capazes de nos compreender. Entendem a

nossa língua, mas não a falam. Dado momento, o líder dos paladinos ergue sua mão. Este é o sinal de preparo, e os paladinos põem-se todos mais que depressa em posição

de ataque para investirem sobre o acampamento goblin. Os vigias dos inimigos já estão na mira dos arqueiros do bosque, e os espadachins preparam-se para atacarem ao melhor estilo paladino: Uma investida feroz e massiva. Eram três os acampamentos goblin, cada um se espalhando em pontos diferentes do bosque das raposas. E o plano deles é destruir as três bases simultaneamente, para depois, somente assim, poderem todos juntos atacarem a base maior. Reportagens em sons cautelosos e sinais de mão anunciam que cinquenta ogwurs, e seis hugwurs montanheses os aguardam logo ali à frente. Não seria tão difícil lutar contra esses cinquenta e seis goblins. E percebendo com sua experiência de guerra que aquele momento é perfeito, o líder dos paladinos, ainda de braço no alto se apronta.

Até que Muldat abaixa sua mão. A guerra começa. Flechas voam de todas as direções para dentro do acampamento inimigo e grande

parte dos goblins menores morre nesse primeiro golpe. Onze deles tombam. Enquanto isso, os que ainda vivem sacam suas medonhas e esquisitas armas e partem para defender-se. Os animais-amigos vão à frente, logo seguidos dos paladinos espadachins e lanceiros, intercalados por disparos precisos os quais passam com perfeição inacreditável por entre os guerreiros acertando somente os goblins. Os paladinos, em sua luta quase que dançante de tão compassada e cheia de rodopios graciosos e inacreditáveis, parecem não ter medo de serem flechados por seus amigos, e nem os arqueiros de acertarem um companheiro. Uma sincronia fantástica. Faziam aqueles feitos extraordinários com admirável naturalidade, como se fosse algo comum.

Lodwein, empunhando a espada que ganhou de seu irmão, espera os goblins chegarem mais próximo. Até que um sanguinolento ogwur-caolho vê o jovem e decide avançar em sua direção. Com sua lança quebrada, queria assassiná-lo ficando-a em seu peito. O rapaz se concentra no golpe da lança, pois iria arriscar um desvio para o lado, seguido dum contra-ataque rápido nas costas do monstro. No entanto, uma flechada no olho ainda bom da criatura a faz rodopiar para o lado.

Isso o desanima um pouco. Queria lutar também. - Tudo bem, deixe-me tentar de novo. – É o que fala quando vê, saindo de uma

caverna e saltando como um louco, um chifrudo maldito feroz. Mais uma vez o jovem guerreiro com a espadinha é escolhido como alvo dos monstros, mas dessa vez a história parece ser mais séria. Este goblin é maior, e seu gládio mais afiado. Contudo, como Lodwein bem julga, ele é um tolo, pois levanta todo seu corpo para esmagá-lo num golpe certeiro, e

nessa hora o rapaz percebe que se avançasse na direção da besta e enfiasse sua lamina na barriga da criatura, seria uma vitória perfeita.

Mas não deu muito certo. Dessa vez quem derrota o ser maligno são dois lobos-amigos. Estes pegam o bicho e o dilaceram por completo, não sobrando nada para o rapaz.

Tudo bem. Aquele bicho seria muito difícil para um iniciante mesmo... - Talvez, quem sabe, posso matar aquele goblin magricela. – No entanto, já era tarde,

um paladino o decepa. - Vou então finalizar este goblin sem pernas. Um golpe na cabeça e pronto. – Não dá

tempo, uma flecha o mata. - Por céus e mares! Não acerto infeliz algum nessa guerra! Decepcionado, o jovem já estava para desistir de vez, quando sua esperança e ânimo

retornam. Pois debaixo de dois corpos de goblins, um monstro esquelético o avista e deseja feri-lo. Este seria um alvo perfeito para o rapaz. Olha ao redor e confirma que ninguém tinha notado a criatura tentando continuar lutando, mesmo estando coberta por outros goblins mortos. Rosnando furiosa, a criatura em moribundo esforço balançava, com a única mão que ainda tinha, uma adaga suja. Queria furar o calcanhar de Lodwein.

- Pelo o que vejo, só assim para matar um goblin. – Afirma o moço erguendo a espada. Mas, para acabar de vez com suas esperanças, isso não é possível. Não dá tempo, pois,

zunindo no ar uma seta desce perfurando a nuca do moribundo. Isso foi o fim. Lodwein desiste depois dessa. Resmungando chuta um capacete e guarda

a espada na bainha. Decide voltar para o batalhão de flechas, está muito zangado. Encontra Mowilla sorridente que logo quando o vê grita feliz. - Lodwein! Lodwein! Eu

já matei três! – Exclama ela erguendo os três últimos dedos da mão. - Que bom. Já eu não matei ninguém, uns vinham para cima de mim, porém eram

assassinados por lobos, facadas e tiros. - Eu sei, derrotei dois que iriam te ferir. - Ah! Então foi você quem roubou minha contagem? Sua ladra! - Ladra? Não posso fazer nada se você é um fraco! - Eu não sou fraco, eu ia matar aqueles dois! Tinha tudo planejado, uma sequencia

perfeita! Eu, fraco. Ora! - Ei vocês dois! Não percebem que estamos numa guerra? - Interrompe um arqueiro

furioso. – É impossível se concentrar num tiro com essa gritaria. Esses novatos... - Desculpem-nos. – Dizem entreolhando-se nervosos e cochichando acusações. No final, aquela batalha é mais uma vitória para o exército do bosque. Conseguem

derrotar a todos, foram silenciosos e não perderam homens, contudo, dessa vez, houve feridos graves. Apesar disso, foi um ótimo resultado.

Muldat reorganiza o grupo e esclarece. – Foi uma boa luta, entretanto, estamos cometendo um erro muito grave. Precisamos capturá-los vivos, necessitamos de informações. Temos de saber mais sobre esse ouro que estamos encontrando no acampamento, apesar de já ter minhas deduções a respeito disso. Também não sabemos para qual senhor estes malditos

servem. Se estão sendo comandados por alguém, ou são rebeldes loucos. Tudo isso deve ser descoberto. Além disso, isto foi um pedido do Coruja Branca.

- Falando nele, onde está? Quanta demora... – Deseja um comandante saber. - Do jeito que os ursos andavam zangados conosco, será difícil um acordo. Ouvi dizer

que eles se revoltaram, pois deram ouvidos aos comentários de que viramos ladrões. – Fala Muldat. - Esses cabeças-duras! Não contem com a vinda deles, usemos de nossas próprias forças. Oh sim, ainda há muito mais trabalho para essa noite, vamos!

Assim, caminham velozes e sorrateiros ainda mais para o norte. Chegando ao fim da

floresta, avistam lá na distância as formosas montanhas de Kais-Linr, pertencentes aos anões mineradores. Uma brisa vem do mar calmo, sendo soprada do oeste por sobre um rio o qual escorria-se em pequenos veios distantes unindo-se todos num veloz outro rio. Este contornava toda a beira do bosque se abocando com mais outras correntes de água, como a da cidade dos anões e a do rio élfico.

(Imagem da cena narrada acima) Bem nesse momento, além do batalhão deles, também chegam os outros dois pelotões

de combatentes paladinos, mais que triplicando assim o número dos guerreiros da floresta. Grande é a alegria deles quando, ao conversarem entre si, descobriam que as lutas dos outros batalhões também foram fáceis e sem mortos. Estar em tamanho número de combatentes faz com que eles se animem mais para a guerra. Eles deveriam ser agora mais de uma centena de homens.

É quando ouvem uma marcha desorganizada de passos raivosos. - Ali! Vejam, correndo naquela estrada improvisada, sobem cerca de umas três dúzias

de goblins! – Avisa o observador do grupo. Muldat ordena-lhes. - Se escondam nas árvores, e quando passarem por nós os

atacamos. Todos se põem a correr em busca dum lugar seguro e não visível. - Venham comigo, Lodwein e Mowilla. – Ordena Belgar levando-os para um rochedo

cheio de arbustos. Havia mais uns oito guerreiros lá. Quando os goblins correram para dentro da mata e já estavam encurralados, o líder

assobia liberando a fúria paladina silenciosa vinda da escuridão. Como sempre, primeiro as flechas depois os golpes de espadas.

- Agora é minha vez! – Fala o moço à elfa, instantes antes de sair em disparada ao lado de Belgar.

Dessa vez os goblins estão mais furiosos, não obstante, são massacrados. A luta é rápida e, mais uma vez, alguns homens são feridos. O líder dos paladinos pede a reagrupação. Agora os guerreiros do bosque precisariam avançar pelo descampado e é imprescindível a máxima cautela e furtividade.

Lodwein se aproxima da moça contente e com uma novidade. - Há! Consegui matar um, Mowilla!

- Psssiu! – Chia uns soldados agachados.

- Fico contente. – Responde ela sussurrando. - Vejamos se consegue me superar na próxima investida.

- Vamos fazer diferente agora. Dessa vez lutaremos juntos de verdade. Escute minha ideia.

- Como assim? E o jovem a conta seu plano, uma nova estratégia de luta em dupla. O exército paladino chega então ao principal acampamento goblin, uma imensa vala,

ao norte do bosque. Uma enorme fenda a qual, talvez, um grande navio pudesse se encaixar lá de maneira perfeita. Era dividido em andares, e diversos túneis perfuravam as paredes. Bem como os falcões e gaviões haviam antes relatado.

(Imagem do acampamento goblin) - Para onde será que levaram toda essa terra? – Questiona um soldado ofegante. – É

um buraco gigantesco. Belgar já tinha antes pensado sobre isso e explica. – Acredito que aquele buraco mais

profundo e largo seja o primeiro dos túneis. Na verdade, eles vieram por debaixo da terra até esse lugar. Todo o entulho retirado foi levado por esse túnel maior. Agora onde jogam isso? Não sei. Ninguém sabe. E veja só quanto equipamento de guerra! E essas fogueiras, aquecem bastante sem produzir muita fumaça e luz. Esses malditos estão bem preparados.

- E estão numerosos desta vez. – Lodwein faz uma estimativa. – Mais de cem ogwurs estão na vala, e pode haver mais deles dentro dos túneis, cerca de vinte e cinco hugwurs, e sem mencionar os...

- Bowurs15, quatro deles. – Interrompe Mowilla assustada. Nota de Rodapé:15 Bowur, ou como algumas lendas dos homens os chamam, troll, era

três vezes maior que um goblin pequeno, e de assombroso volume. Seus braços eram tão espessos quanto à barriga de um adulto exageradamente gordo. E suas próprias panças podiam esmagar um ou mais homens com facilidade. Suas caras eram tão distorcidas e pelejadas que seria impossível descrever um rosto para esses monstros. Uma letal arma do inimigo, aberrações criadas para destruições monumentais. Eis mais uma questão, o porquê de estarem ali.

O batalhão paladino começa a sentir-se amedrontado, afinal, um único daquele ser já daria um trabalhão. Muldat, o líder dos paladinos, olha pesaroso para seus amigos. Ergue sua mão para ordenar mais um acometimento. – Bem, não queria lutar com Bowurs essa noite, mas se essa é a nossa missão de hoje, que seja assim.

- Espere! Eu sei de algo que pode ajudar. – Interrompe Lodwein. - Oh sim, uma ajuda. Diga-nos. – Alegra-se o líder. - Em meus estudos sobre os bowurs, observei diversas gravuras detalhando as

estruturas internas e ósseas desses seres. Eu também li muitas descrições sobre a carapaça deles e cheguei a uma conclusão. Apesar de colossais e assustadores, eles têm um ponto fraco. Na verdade, dois para ser mais exato. Um golpe, nesses lugares, e é vitória garantida.

- Onde podemos acertá-los? Quais são esses pontos?

- O primeiro é na base do pescoço, nesse vão entre a clavícula, a primeira costela e o esterno. Eu pesquisei que a carapaça dos bowurs se trata da pele deles exposta ao sol. E essa parte do corpo nunca recebe luz, já que eles todos são tão corcundas. E também há o importante fato de que alguns órgãos vitais do monstro podem ser atingidos perfurando-os ali. Uma flecha bem comprida num arco com muita tensão no fio poderia matá-lo num único disparo, talvez.

- Entendo! E estamos bem em cima deles, isso nos dá uma vantagem se erguerem a cabeça, correto? E qual o outro lugar?

- O outro ataque fatal seria perfurá-los com um golpe perpendicular abaixo do braço, na axila do bowur. É importante que seja muito forte e perfure-o o máximo possível. Também há algumas coisas vitais nesse caminho.

- Oh sim! Que maravilha! Comuniquem isso aos outros. Vamos escutar o nosso sabido Lodwein, o planejador de ataques.

Aos poucos todos recebem essas informações e ganham novas perspectivas no combate. Animam-se por saber agora que o temível monstro não é tão invencível assim.

Mas ânimo que não dura muito tempo. Pois um estranho fato começa a acontecer. - Espinhos brotando do chão? – Os paladinos começam a se perguntar. – Estamos

sendo espetados, o que são essas coisas? De onde estão vindo? Os lobos e cães começam então a rosnar e a latir para o chão, enquanto farejam algo

diferente e cavoucam a terra. Ninguém consegue calá-los. Só entendem melhor quando aqueles estranhos objetos pontiagudos saem de vez da terra.

– São chifres! São chifres dos goblins! Nos descobriram, estão embaixo de nós! – Eles gritam. - Golpeiem o chão, o chão!

Muldat, sabendo que não podem concentrar toda a atenção nos monstros que surgem da terra, logo grita aos arqueiros. – Não percam tempo com esses aqui, matem os bowurs lá em baixo, os acertem nos pontos fracos! Atirem neles!

Mowilla e Lodwein põe o plano deles em prática. Trabalham como uma dupla de combate. A elfa acerta os monstros distantes, com suas flechas, enquanto o moço faz a retaguarda dela, protegendo-a dos goblins que brotam da terra.

- Há! Este é meu terceiro Mowilla! – Ele a avisa. - Não vou permitir que me supere. – E dizendo isso, a princesa estica no culminar das

forças o fio do arco, e dispara bem em cheio no maior dos monstros que estava próximo da saída. – Nal’nia! Meu sexto.

- Estou no quinto. - Não é justo, no seu lugar nasce muito mais deles. Lodwein gargalha enquanto golpeia cabeças e mãos maldosas surgindo do chão. A moça quer fazer um importante feito para os paladinos, por isso se dedica em

derrubar os maiores e mais fortes goblins. Por fim os monstros da terra são todos derrotados, mas o número dos soldados malignos saindo da vala é muito grande e o combate se intensifica

ali, onde estão. Por isso Lodwein e Mowilla correm para procurar um lugar seguro. A elfa mata mais um enquanto correm. Eles se jogam num pequeno aclive, onde tomam fôlego.

- Doze, e você? – O rapaz suava de cansaço. - Nove. – A moça ofega. - Todavia, vale ressaltar que foram quatro ogwurs menores,

quatro hugwurs montanheses e um bowur. - Sim, tenho que admitir, os seus foram muito mais desafiadores. Após recuperarem um pouco as forças, Lodwein exclama. - Vamos voltar! E lá vão eles para mais uma investida. No entanto eles não esperam por aquilo que

veem. Em segundos que deixaram a batalha, o número dos goblins aumentou notavelmente, e esses malditos não paravam de surgir do grande buraco. Já se vê alguns paladinos caídos. Alguns deles são atacados com muita violência. Os terríveis bowurs agora entram para a luta e causam desordem e mortes. Nada bom, os paladinos estão perdendo, e não param de aparecer mais goblins.

(Imagem dum Bowur lutando violentamente e gritando) E seria a derrota deles. - O chão está tremendo. – Assusta-se Mowilla. - São passos de um exército. Olhe! Vem vindo lá do bosque! Porém dessa vez a surpresa não é inimiga. Os ursos chegam, e Endelorth, montado a

cavalo, esta à frente deles. E com um melodioso e cativante grito de guerra, o Coruja Branca cavalga possante para a batalha enquanto é seguido pelo pelotão do bramido. E o tamanho e a massa daqueles ursos dobra o comum. Sua pelugem negra possui rajadas vermelhas nas extremidades dos membros. E estes tem um peculiar mau-humor que por fim é muito útil no seu estilo de combate abrasador. O pelotão do bramido, composto pelos ursos rubros do bosque das raposas, desce para a guerra, avançando com patadas pesadas e rugidos ferozes.

(Imagem da cena narrada acima) Gargalhando, o mago se aproxima de Lodwein e Mowilla. – Ihra! Às vezes esqueço-me

do furor destes grandões. Deixem o resto com eles, por fim eles estavam desejosos da guerra. Agora começa a difícil tarefa. Encontrar algum goblin para lhe arrancar informações...

Lodwein comenta. - Há um monte deles ainda vivos ali. Alguns sobreviveram após nos terem surpreendido num ataque vindo da terra.

- Não meu jovem. Não... Estes soldados de ataques suicidas nunca sabem muito. Preciso achar um comandante entre eles. Procurem por colares e outros adereços, os chefes costumam usar isso.

Hanago, um pouco sangrando, corre para dar um aviso ao velho. – Senhor Coruja Branca, Muldat capturou um dos líderes deles. Eles estão lá dentro da fenda.

Depressa descem até lá e encontram, num canto do acampamento, paladinos ao redor dum goblin.

- Deixem-me interrogá-lo. – Solicita o homem abrindo espaço e se aproximando. O ogwur capturado é bem diferente dos outros. Não possui o braço direito, tem uma cabeça muito grande e orelhas largas. Endelorth inicia questionando-o. – Dzu zinfrarh górhugita?

(Imagem do goblin capturado)

O monstro ri em tosses de sangue. – Não se preocupe senhor. Eu conheço sua língua nativa. – Fala o monstro sem sotaque algum, com mais cortesia e perfeição na fala que muitos homens. Inicia então, o ser maligno um desafiante diálogo com o mago. – Eu sou Fihkka, e este exército é meu braço. Vocês acabam de ver somente o meu polegar.

- Não, criatura perversa. Você não fala a minha língua nativa, mesmo com toda a inteligência a qual se orgulha de possuir, é impossível de aprendê-la. Se isso é seu polegar, como o diz, admite então que haja mais criaturas ao vosso poder?

- É tão esperto senhor, e cheio de articulações na fala. Você também deve ser grande entre os seus, deve possuir um exército, quem sabe ser o maior dos viventes de Nelwár. Engano-me?

- Se você diz ‘também deve ser grande entre os seus’, põe-se a si mesmo em grau de superioridade entre os seus. Admitindo, dessa forma, que é um líder goblin. Mas você não é o maior entre os seus. Quem é maior que você? Diga-me para quem serve? Quem lhe conferiu a regência desse exército?

- Não, você se engana, mago. Não sou pequeno entre os goblins. E somos muitos, e somos fortes.

Intrometendo-se na conversa, um guerreiro provoca. – Se vocês são tão forte assim, como explicam a derrota de vocês aqui? – Ele diz apontando para a destruição ao redor.

Dando uma gargalhada perversa, o goblin retruca. – Preciso rir da incompetência de vocês, paladinos. Acreditam mesmo que dominar essa base é uma grande conquista? E você mago, acredita ser tão poderoso assim para conseguir nos vencer sozinho? Digo sozinho, pois essa trupe de proscritos selvagens ao teu lado são nada diante de nós. Acredita que consegue nos vencer?

Coruja Branca retruca. - Pela sua ameaça, você nos comprova que há um exército grandioso de goblins, e que vocês estão organizados. Pois bem, quem é o vosso líder?

- Mago tolo! Como pode me ignorar assim? Eu sou Fihkka, o esperto, e este exército é meu braço. Vocês acabam de ver somente o meu polegar! Vou ordenar que toda a força ao meu comando os persiga até a morte. Sim, é o que farei, você e seus guerreirinhos da luz. Estão condenados, seus imbecis. – Isso irrita os paladinos. – E não é somente isso. Quando todos nós chegarmos, poremos todo o maldito bosque das raposas a baixo. Derrubaremos e queimaremos cada árvore dessa floresta nojenta. Cavaremos e amaldiçoaremos todo o vosso solo!

Um combatente saca a espada furioso. – Já chega! Vou matar você, sua praga infernal! No entanto o Coruja o detém. - Para trás, paladino. Não dê ouvidos às ameaças dessa

criatura. – E ele se volta para o perverso goblin. – “Quando todos nós chegarmos”? Isso quer dizer que mais goblins das forças malignas estão a caminho de Nelwár. Para qual motivo?

- Julga-se a si mesmo sábio, mago? Acredita mesmo que consegue arrancar alguma informação de mim? Tolo. Você é um tolo, Endelorth. Sim, sei quem é. Endelorth, o mago maldito.

Coruja Branca então puxa de suas vestes um curto cajado com um cristal brilhante na ponta, gritando-lhe. – Diga-me para quem você serve!

O brilho vindo do cristal causa agonia e sofrimento no perverso monstro. Ele implora em sua própria língua. – Zto! Gaifuz fiz haruga.

Entretanto o velho irredutível lhe ordena. - Agora diga a verdade, seu maldito! Quem é você, qual sua missão e para quem serve?

Sofrendo pela luminosidade daquele cristal, e lutando ao máximo das suas forças, a criatura tenta não falar. Contudo a luz daquela pedra traz a tona toda verdade escondida nas trevas, e diante dela, o goblin seria obrigado a respondê-lo. E sendo ele uma criatura má e mentirosa, dizer a verdade lhe condenaria a morte, pois era um inimigo do bem e da verdade. E após muito resistir o monstro diz. - Sou Fihkka, um dos cinco generais goblins, nossa missão é destruir Nelwár até o fim do Outono e sirvo ao dragão vermelho. – E morre agonizando.

Coruja Branca se cala e abaixa a cabeça. Um sentimento até então nunca esperado de

se encontrar naquele mago, transparece-se: Medo. Seu emudecimento faz os paladinos desesperarem-se. O que a fala daquele goblin poderia significar para paralisar de tal maneira um corajoso guerreiro como Endelorth?

- Quem é o dragão vermelho? – Aproximando-se, ousa Lodwein questionar

quebrando o silêncio. O homem se volta para ele aflito. – Vocês não deviam estar aqui e nem ouvir isso... Mal ele terminou de falar, como antes, tremores são sentidos e os homens perguntam.

– O que é isso? Não chamamos mais reforços. Hanago é quem responde. – De fato, é uma ajuda, só que não para nós! – Pondo todos

a correr depressa para fora daquele grande buraco. Chegando ao topo da fenda, eles veem lá no oeste um numeroso exército do inimigo

vindo depressa. Muldat chama a todos para lhes dar as devidas ordens de guerra. - Oh sim, não temam meus amigos. Agora é uma hora importante do combate, vamos

usar da mais antiga tática de luta. - O que faremos senhor Muldat? – Questiona um combatente. - Fugimos! Tomem seus cavalos, resgatem os feridos e os corpos. É hora de batermos

em retirada para o manso, meus amigos! Para o manso! Com isso todos se agitam e, obedecendo às ordens, tomam suas montarias e resgatam

seus companheiros partindo depressa. Assim termina a primeira etapa da guerra d’Outono, a luta travada entre os paladinos

do bosque das raposas contra os goblins invasores, nessa tão formosa estação. Endelorth entrou num estado de choque e meditação. Parece ter sido transportado em pensamento para outro mundo. O breve combate de palavras com o goblin Fihkka lhe revelou algo trágico. Ninguém entende ao certo do que de fato se trata, contudo, todos entendem uma coisa: Acontecimentos pesarosos e catastróficos estavam por vir. O que será que estaria acontecendo na velha Nelwár?

- Senhora Mowilla! Lodwein! Perdoem-me por me esquecer de vocês. – Muldat

exclama achando-os em meio à correria. – Nós estamos retornando para o manso, e preciso saber se vocês irão voltar conosco? Saibam, vocês serão eternamente bem-vindos lá. Contudo, acredito que chegou a hora de tomarem seus próprios caminhos. E também, caso façam essa escolha, saibam que estes cinco paladinos ao meu lado estão dispostos a acompanhá-los até certo ponto. Essa é uma ótima oportunidade para darem continuidade nas suas jornadas. E então, qual é a escolha de vocês?

Mowilla e Lodwein se entreolham e o mesmo pensamento toma aqueles dois. – Partiremos para a floresta élfica!

Muldat os compreende. – Oh sim! É assim que deveria de ser mesmo. Eu fico muito contente em tê-los conhecido e passado esse tempo com vocês. Mowilla, minha querida, mande um abraço e um pedido de desculpa para seu pai. Com certeza o velho Leillindor me mataria se soubesse o que lhes permiti fazer nessa noite.

- Do mesmo modo, foi imensa alegria para mim. Não se preocupe, tudo foi muito bom. – Responde a elfa.

- É verdade. Então, adeus princesa! E adeus Lodwein, meu rapaz! Não se preocupem tanto, Belgar irá com vocês. Assim estarão em segurança.

Endelorth se aproxima. – Vou ajudá-los também. Vou levá-los até o Oldí, ele sem dúvida poderá os ajudar.

Isso trouxe imensa alegria à Muldat o qual gargalhando fala. – Oh sim! Oh sim! Dessa vez sim, não tenho com o que me inquietar! Pois o Coruja Branca irá acompanhar e levar vocês até meu eterno amigo Oldí! Problema resolvido. Quanto a mim, devo ir agora. Os paladinos me aguardam, e a luta contra esses goblins somente começou. Adeus! – E ao dizer isso, Muldat sai a cavalo seguindo para o sul, retornando para sua casa e suas muitas preocupações.

Belgar então pergunta ao mago. – Mas e agora, senhor Coruja Branca, para onde

vamos? A casa de Oldí é muito longe. - Iremos primeiro a Peleja-nova, a cidade dos anões em Kais-Linr. – Ele responde sem

o seu peculiar e habitual humor. Ainda está se recuperando do temor trazido pelas palavras daquele goblin.

Capítulo XIV: Tensão na sala de reuniões

Ah, uma fuga! Nada como uma desesperante cavalgada pela preservação de suas

vidas ameaçadas por um azafamado e sedento de vingança exército de goblins contra o dia que daqui a algumas horas iria nascer. Como diria Muldat, oh sim, nossos aventureiros estão bem enrascados. Endelorth monta um cavalo muito bonito e alto, manchado de marrom, parece ser um animal muitíssimo velho, porém ainda forte. Corre Lodwein veloz em cima de Focinho. O burrinho havia lutado ao seu lado na guerra d’Outono, horas dando coiçadas em goblins feiosos, outras se escondendo com o restante das montarias. Mowilla fica junto a Belgar em seu alazão, um forte cansaço caía sobre a moça. E ainda acompanhando-os, um grupo de três paladinos enviados pelo senhor Muldat. Juntos, eles fugiam dos goblins, pois ao terem invadido o acampamento deles, reforços foram chamados, e estes avistaram a pequena comitiva deles correndo para o leste.

Longo é o caminho o qual tem de correr até chegar à cidade dos anões naquelas montanhas, Peleja-nova. E os goblins não desistem. Em suas horríveis montarias correm avidamente ao encalço da comitiva de Lodwein. Passam todo restante da noite e a madrugada numa marcha alucinada até a cidade, o céu já anuncia clarear. Logo, de longe, eles veem uma imensa muralha contornando o pé da colina protegendo a parte externa e muitos edifícios, com formas retas e tetos escorredores de neve, cobrindo a montanha até chegar às minas no alto. Um rio fora contido num veloz e amplo veio o qual passava pela parte de baixo da cidade, e nele até se podia navegar. O alto muro é sempre vigiado pelos guardas atentos e receosos contra assaltantes. Nada assusta mais um anão do que a ideia de ser roubado.

(Boas imagens ilustrando bem Peleja-nova, as casas e o rio contido) Por isso, mal eles são avistados, diversos vigias anões descem armados aos portões para

saber o que os visitantes queriam. No entanto, Coruja Branca era bem conhecido entre eles, e não seria impedido de entrar. Chegam cansados após percorrem cerca de duas dezenas de cansativas milhas. Sobem até a entrada e antes de se anunciarem, uma janelinha range na colossal porta de ferro da muralha.

Uma voz grave e ofensiva interroga-os. – Digam, quem são e o que querem? Endelorth é um homem gentil em suas conversas, e busca nunca ser ríspido. - Ora,

guarda-anão! – Inicia bem humorado. – Você sabe muito bem quem sou, e tem conhecimento, também, da minha autorização em entrar nessa cidade. Preciso falar com o governador Ghilick, é um caso de urgência. Um exército goblin está em nosso encalço. Observem o oeste e os verão. Eu me responsabilizo por estes que me seguem. Então vamos amigo. Estou com muita pressa. Abra esta porta agora. – Apesar da sutileza nas palavras, percebe-se também sua autoridade.

Faz-se uns instantes de silêncio, palavras são discutidas em cochichos do outro lado, depois se ouve o som do destrancar de vários cadeados e fechaduras.

A porta se abre e um baixo soldado os saúda com uma longa reverência. - Desculpe-nos Coruja Branca. Seja bem-vindo. A mensagem da sua presença foi já enviada para Ghilick,

o governador. Espero que esteja ciente, pois você é responsável sobre seus acompanhantes e a culpa de qualquer crime deles recaíra no senhor, segundo nossas leis. Também é de suma importância que eles a cidade não tumultuem, por isso devem sob a vigia da guarda de Peleja-nova permanecer até a conclusão das do senhor discussões. Concorda com esses termos?

- Concordo com seus termos, guarda anão. Quanto aos meus seguidores, espero que eles também tenham ouvido o que me disse. – Ele avisa aos seus. – Paladinos, tomem conta destes três para não fazerem qualquer bobagem. – Endelorth se referia a Lodwein, Mowilla e Focinho. – Agora, vou-me dirigir a presença do governador para resolver certos assuntos, e após isso partiremos. Não se preocupem, aqui estamos seguros. Então, adeus meus jovens.

Com isso o mago, ignorando as devidas autorizações e os soldados os quais o deveriam guiá-lo, se despede dos seus amigos e vai cavalgando pela cidade em direção à casa do governador, lá num patamar mais alto de Peleja-nova.

Enquanto isso, ficam com os anões, sob a vigia deles. Lodwein quis tirar suas dúvidas.

- Belgar, você sabe o que Endelorth foi falar com Ghilick? - Pelo o que sei, ele é muito estimado entre os anões. Quem sabe irá pedir ajuda para

nós. E também o Coruja Branca sempre tem assuntos a resolver com todos. Ele é um homem muito importante e bem conhecido. Apesar de que é ao mesmo tempo desconhecido também. – Reflete Belgar. – Também penso que tentará fazer diplomacia em nome dos paladinos. Se não está sabendo, nós estamos sendo acusados de roubar ouro e prata dos anões. Entretanto são os goblins, os verdadeiros ladrões. Lembra-se do ouro encontrado aos montes nos acampamentos deles? Pois bem, é tudo dos anões. Os paladinos recolheram e estão guardando na intenção de devolvê-los.

- Isso é um absurdo! Como tal calúnia pode ter sido considerada como verdadeira? – Indigna-se Mowilla. – Os paladinos são os guerreiros mais nobres existentes!

Belgar dá um triste suspiro, o qual parece um lamento de culpa. Quase deixando entender que os paladinos fossem mesmo os ladrões do ouro. A elfa acha isso estranho, mas não comenta nada a respeito.

Lodwein, por sua vez, se encanta pelo fato de estarem naquela tão bela cidade anã, Peleja-nova. E ele, ligando os fatos, fica curioso sobre algo e pergunta ao seu irmão. - Belgar, há algum centro de conhecedores em Peleja-nova? Ou, quem sabe, conhecedores gnomos por aqui?

- Bem Lowdy, não sei dizer ao certo, porém se não estou enganado, existe um centro do outro lado da cidade. Mas está abandonado. A maioria dos conhecedores se concentram lá em Kais-Obîrg, como bem sabe. Acho que você e Todyeld são os únicos conhecedores de Nelwár a não viverem lá.

O rapaz se entristece. – É uma pena. Somente espero algum dia visitar Kais-Obîrg. Seria bom se, ao invés do caminho nordeste pelo rio élfico, que vai direto para a Nusweld, desviássemos pelo leste e depois para o norte. Assim poderíamos passar um tempo entre os gnomos de Kais-Obîrg. Mas, não temos tempo para isso, eu sei... Precisamos chegar o mais

rápido possível à floresta élfica. Precisamos também solucionar alguns enigmas da nossa jornada.

Mowilla concorda com o rapaz. Depressa, o mago chega ao paço governamental, um formoso edifício esculpido na

rocha. Outros soldados o recepcionam. - Senhor Coruja Branca, fico feliz em vê-lo mais uma

vez. No entanto, desculpe-me a minha intransigência, entretanto, possui a autorização escrita para entrar e falar com o governador Ghilick?

E antes que ele pudesse esclarecer, um guarda chega correndo com uma carta em mãos.

- Eis minha autorização. – Responde o velho. – Fiquem em paz, e resolvam isso entre vocês. – Ele não tinha tempo para isso, precisa discutir assuntos mais importantes.

Com rapidez vai adentrando o lugar o qual conhece bem por já, muitas vezes, ter visitado. Chega ao salão das reuniões onde Guilick deveria de encontrá-lo.

Após algum tempo de os anões terem avisado Guilick sobre a presença especial de Coruja Branca, o governante de Peleja-nova, acompanhado de umas empregadas que iam lhe ajeitando a roupa, chega com uma feição cansada e roupa não muito elegante, pois havia acabado de acordar. É por isso que a serviçal lhe entrega uma caneca com bebida quente.

Assim que o anão governante entra na sala e vê que de fato é Endelorth, o Coruja Branca, quem o espera, ele se sente receoso. E o mago bem percebe essa hesitação da parte dele.

Mas o visitante depressa o saúda. - Salve Guilick, governador de Peleja-nova. Diga-me, amigo, porque parece temer conversar comigo?

- Salve Coruja Branca. Não entendo o que está dizendo, amigo. Não estou a fugir de nenhum diálogo. Somente acabo de acordar, e penso que você me interpreta mal. Entretanto, penso o senhor não ter me acordado na madrugada, e com tanta urgência, para certificar se tenho ou não temor em conversar com você. O que se passa sobre a velha Nelwár, querido mago?

- De fato, há assuntos sérios para discutirmos e por isso serei objetivo. Governante anão, seu povo corre perigo, assim como sua cidade. Goblins marcham em hordas sobre vossas terras! Você tem de sublevar Peleja-nova e todos seus anões para a guerra! Os paladinos o auxiliarão. Eles já vêm combatendo-os com vigor há tempos, e por sinal, protegendo a vocês em segredo.

Guilick com esforço contem uma intensa expressão em sua face. Arregalou seus olhos, mas rapidamente buscou trazer solidez a seu rosto. Quando ia levar a mão à boca abaixou-a depressa. Em segundos o anão amorteceu seu desespero e voltou à calma. As empregadas do governante, as quais encontravam-se ali ao redor, ficam inquietas ao ouvirem as palavras do mago e começam a cochichar. De imediato o governante ordena-lhes. - Senhoritas, obrigado por acompanharem-me, e porem-se em pé tão cedo para servir-me, agora podem se retirar. Por favor.

Endelorth sabe interpretar isso muito bem. Sua presença ali é um incômodo, por algum motivo. Quando começou a falar dos goblins, viu a imensa preocupação do pequeno anão. Decifra então o mago que Guilick, o governante, sabe sobre os goblins, mas esconde isso da população. Ele não quer essas informações se espalhando. O mago intui que haja maldade naquela história, e Guilick faz parte dela.

Coruja Branca questiona abismado. - Ora, o que foi isso? Porque seu povo não pode saber? Porque quer esconder isso até mesmo dos seus de sua casa?

Meio risonho o anão tenta se explicar. - Não. Você me interpreta errado mais uma vez, amigo. Caro senhor. Não. Somente não quero alarmá-los agora, compreende? – Uma risadinha. - Vou lhes avisar. Contudo, não agora. Somente quando tivermos entendido melhor a situação.

Então, Endelorth nervoso se ergue em frente a ele. - Não minta para mim, anão. Diz-me a verdade! Verdade esta a qual aparenta estar também escondendo do povo ao seu comando. Muitas tramoias perversas eu percebo nessa cidade. Seu exército o auxilia nessa mentira. Pois seus guardas não se alarmaram para o combate quando dissemos ao portão que estávamos sendo perseguidos por goblins. Imagine essa loucura! Eles ignoraram isso! Estranhei também a cautela de não nos deixar livres na cidade, com o pretexto de podermos vir a ‘tumultuar’ a cidade. O que isso significa? Que tipo de ordens são essas? São suas? E se são, qual a razão? Ora, Ghilick, se há alguma maldade por trás disso tudo, eu quero que me explique agora!

Tensão na sala de reuniões. Enfurecido, o governador se levanta da cadeira, coçando a cabeça e a barba. Anda

inquieto pela sala, busca em gaguejos as palavras corretas para dirigir ao Coruja Branca. - Vamos anão, diga-me. – Incita o mago. De tanta força que faz, chega a arrancar fios da barba. Coça a cabeça, enche-se de ar

para algo dizer, mas nada diz. Dá voltas pela sala. - Vamos! Diga-me. – Insiste o velho. Por fim, algo surpreendente. Aquele baixinho barbudo, transtornado em abismais

conflitos internos, se desmancha em lágrimas. Põe-se a chorar em lamentável angústia. Dá pena de ver. Ele busca conter o choro, todavia não consegue. Em soluços busca se justificar. – Não é fácil ser um governador nos dias de hoje.

Endelorth começa a entender melhor o que se passava. Ghilick está sendo forçado por forças maiores a não falar para o povo sobre os goblins. Finalmente ele começa a desmanchar os nós da história.

Com isso, recomeça seu diálogo com docilidade na voz, investigando-o. - Está encurralado não é, meu amigo? O poder está lhe obrigando a ser algo o qual não quer ser, correto? Mas sempre há uma oportunidade de ser diferente, caro Ghilick. Não quero mais lhe ser causa de sofrimento, e não vou lhe obrigar a me responder. Porém, faça do seu não responder uma resposta a mim. Afinal, o calar, muitas vezes, é concordar. Confirme: Você está sendo obrigado a se calar diante dos goblins? Você e outros governantes também, estou certo? A população não pode ficar sabendo, porque isso a fustigaria a guerrear, e cobrariam atitudes

de guerra de ti, todavia suas ordens são de ignorá-los, verdade? O exército sob suas ordens tem criado a ilusão na cidade de que tudo corre bem, porém também estão bem cientes do imenso número de seres malignos fora dos muros, não é mesmo? Tudo isso trás muito sofrimento aos soldados e a você, pois vocês odeiam os goblins, com plena razão. E receberem ordens de ignorá-los é para vocês quase a morte. Posso imaginar. Talvez eu tenha acertado em minhas deduções. Contudo, o mais importante ainda não entendo. De onde vêm essas ordens? Dos goblins? Eles o cercaram há algum tempo e agora vocês lhes prestam obediência? Ou essas ordens vêm do rei anão? Mas porque ele faria isso? De onde vem? Isso você não me responderá, e eu terei de descobrir sozinho.

Ghilick não diz mais nada. Não contra-argumenta uma suposição se quer. Pobre anão. Dor e angústia transparecem de seu ser. Leva as mãos à cabeça e não tem coragem de levantar o rosto. Sozinhos naquela sala de reuniões, ele e Endelorth. Foi uma triste cena e que deixa pensativo o mago a respeito do porquê de todos estes mistérios em Nelwár.

- Sou uma vergonha para meus ancestrais. Não sou digno de meu nome. – Afirma o pesaroso Guilick sem erguer a cabeça.

- Eu compreendo a sua situação, amigo anão. Mesmo assim não concordo com a sua aceitação diante desse tamanho absurdo. Imagine isso: Anões, os tão corajosos guerreiros e talentosos mineradores, fazendo acordos com goblins, esses demônios malditos que somente nos querem destruir. Saiba que a covardia é um orgulho petrificado na sua forma mais vil. E o orgulho leva à morte eterna. – Coruja Branca alerta-lhe sobre o perigo em que se encontra.

Ele continua. - Mas, se você não fustiga a população para a guerra, eu o farei. A presença minha e do meu grupo já está fazendo isso... E saiba que quando formos embora daqui, tudo mudará nessa cidade. Pois a verdade aparecerá. E se a verdade lhes dói, é porque vivem na mentira. Fiquem em paz.

Assim o mago se retira em largas passadas, pensando agora num jeito de fugir dali. Afinal, uma horda maligna o esperava a porta da cidade, esse era seu novo grande problema. Como fugir de Peleja-nova e escapar dos goblins perseguidores odiosos os quais a essa hora já deveriam ter chegados todos e estarem a aguardá-los do lado de fora.

(Imagem de Endelorth saindo da casa do governante e vendo toda a cidade dos anões, assim como o horizonte.)

Capítulo XV: Fuga de Peleja-nova

E assim, em largas passadas, o Coruja Branca sai e monta em seu cavalo, indo então

ao encontro de seus acompanhantes. Tantas confusões se passam em sua cabeça. Anões aliados a goblins. Paladinos considerados ladrões. Elfos, homens e anões em forte atrito sem uma racional explicação. O que estaria acontecendo em Nelwár? Endelorth é um homem vivido, e sua imensa experiência o alerta sobre um grande perigo. Havia tênues teias malignas nessa história. Todos esses fatos juntos são para o mago como que fumaça de algum fogo serpentino e silencioso feito pelas forças do mal e que lhe é alerta de uma incontrolável queimada. Por trás de todos esses fatos havia algo, ou alguém maligno. Um poder escuro. Agora, o que? Quem? Suas suposições são vagas. Pesadelos do passado veem-lhe a mente, e ele o mais depressa espanta esses pensamentos. Não. Não há nenhuma conexão. As palavras daquele goblin moribundo devem ser mentiras. Devem ser. Contudo e se não forem?

(Aqui o texto poderia ir se esvaecendo em fumaça, também haver uma imagem do mago correndo a cavalo pensativo, com os pensamentos saindo de sua cabeça.)

O cavalheiro pensativo chega por fim até seus amigos. Belgar, se aproximando, questiona. - Como foi a conversa com o governante? - Lamentável, meu caro. Percebo que enfim a corrupção chegou aos valiosos e

resistentes corações dos anões. Mal sinal. – Um suspiro pensativo dele leva todos a um profundo e triste silêncio.

Isso sempre acontecia quando se ficava muito tempo próximo a Endelorth. Ele costuma falar das verdades tristes do mundo, e isso deixa os ouvintes mais reflexivos. Muito era aprendido ao seu lado. E a maioria desses aprendizados, se aquele que o escutasse não estivesse bem preparado, poderiam vir a ser chocantes. É uma sensação muito diferente. Mowilla e Lodwein começam a tê-la. Quem a tinha, ia percebendo o quanto o mundo encontrava-se em trevas e como ele também, apesar de tudo, ansiava por voltar à luz. Passava-se a ver o mundo como uma criança a qual havia caído por seu próprio tolo orgulho em uma enrascada muito grande, e precisava desesperadamente de ajuda. Após se perceber isso, um desejo de mudar os cursos errados do mundo surgia naqueles que escutassem Endelorth com humildade. É algo espontâneo, uma amorosa e ao mesmo tempo dolorosa responsabilidade é tomada para si. Isso acontecia, pois Endelorth tinha essa visão, e ela é muito contagiante ao se conviver com o mago.

No entanto, o Coruja Branca é sábio, e sabe dividir bem esses problemas com o resto de sua vida. Essa divisão é muito importante, pois se não ocorresse, a pessoa entrava em uma profunda tristeza e perdia toda a esperança. E o esmorecimento nessa hora é um perigoso inimigo. Ele logo vê o clima que criou.

- Ora, vejam só, eu fiz de novo! Levei vocês a uma descrença. Não se desesperancem, meus amigos. – Vendo os soldados ali próximos acrescenta. - Veja, até os guardas anões estão sentidos pelas minhas palavras. – E tomando da autoridade que sua posição de líder o confere,

ergue-se diante deles encorajador. – Ora, levantem-se bravos guerreiros! Onde está sua confiança? São tão covardes assim? Coragem! Essa é a nossa guerra de sempre. Ela não está perdida. Pelo contrário. Estamos ainda lutando. E se querem saber, já somos vitoriosos. Pois a maior das guerras já foi vencida! Pois o Excelente Guerreiro já destruiu as correntes que nos prendiam ao mal! Agora somos livres para combater toda a maldade! Sendo, e juntos a, Kahvian!

Os vigias da cidade, que são soldados corruptos, se emocionam. Batem no peito em arrependimento e suplicam ao mago jogando-se ao chão. - Senhor Coruja Branca! Liberte o povo de Peleja-nova! Não queremos mais ignorar os goblins e sermos indiferentes diante da guerra!

- Então não o sejam, meus amigos. Tomem suas cornetas e levantem suas armas. Fervilhem essa cidade para o heroico combate! Goblins formigam fora de seus muros e vocês devem agir. Guerreiem contra esses malditos, ou então fujam para Kais-Obîrg em busca de reforços. Todavia, nunca, repito, nunca sejam indiferentes diante de qualquer maldade! Da mesma forma como o fogo do sul é maligno ao te destruir o espírito, o gelo do norte é capaz de te endurecer o coração. Por isso a frieza da indiferença é maligna também. Ajam, pois, agora!

Com isso os anões enchem-se de alegria e ânimo, com gritos roucos correm e tocam os sinos de alerta. O som de bélicas trombetas erguem-se alto, e flâmulas de aviso são desfraldadas, causando tumulto na cidade e muita correria, galopes para todos os lados, animais agitados e pessoas correndo para todos os lados. Assim se inicia uma guerra. Se iriam partir ao ataque ou fugir, ninguém sabia dizer, mas algo iriam fazer.

Quando a floresta ouve tamanho tumulto, houve uma estranha movimentação nela. O

mago é o único que nota isso lá de Peleja-nova, observando ao longe o bosque das raposas. (Imagem do olhar de Endelorth para o bosque das raposas.) Belgar, assim como os outros, não sabia mais o que fazer. - Senhor Coruja Branca! O que faremos agora? Ficaremos para lutar com os anões?

Ou partiremos? Já não fazemos mais a mínima ideia dos nossos destinos. - Não meu jovem. Essa guerra de agora é dos anões. Quanto a nós, fugiremos de barco

pelo rio. Tenho um amigo que poderá ajudar-nos quanto a isso. Venham comigo. E a comitiva o segue, ainda cansados do combate que há poucas horas atrás haviam

travado. Já não mais querem adivinhar a próxima etapa da jornada, deixam-se levar pelo líder Endelorth, o Coruja Branca, sem perguntas.

O céu clareia-se devagar naquele dilúculo que anuncia que mais um dia em Nelwár

inicia-se, após uma transtornada noite de batalhas épicas. Encontrando um guarda pedem informação a respeito de onde seria a casa deste amigo do mago, e são levados até o porto. O porto de Peleja-nova era a corrente do rio Oks represada, e essa formava um ponto de partida para os pequenos navios que se enchiam de minérios e desciam às vilas e cidades para negociar.

(Imagem do porto de Peleja-Nova) Uma taverna com uma moradia no andar de cima é apontada como sendo o lugar

procurado. Batem na porta diversas vezes até que, lá de dentro, alguém lhes pergunta. - Quem

bate em minha porta a esta hora da madrugada? – Diz a voz, um pouco nervosa, dum anão dorminhoco, mas não preguiçoso, a segurar uma lamparina.

- Endelorth, seu amigo, e preciso de ajuda. – Responde risonho. Depressa as barras de madeira são retiradas na parte de dentro e a porta se destranca.

Sai lá de dentro um anão de cenho pesado e de pelos dourados e abraça-o contente. - Dhês esck Sost! (Meu querido amigo!). Diga lá logo! O quê necessita você? –

Vibrante é a alegria do pequeno em saudá-lo, seus olhos azuis encaram-no carinhosamente. - Meu amigo Noig! Vou lhe custar caro com meu pedido. Veja, estes paladinos e eu

precisamos fugir pela água com velocidade. No entanto, não temos embarcação alguma, poderia nos ajudar com isso?

- Hahá-hol! Com plena certeza. Pelo visto estão vocês em uma aventura! Hahá-hol! E onde está o meu irmão Todyeld? Meu maior amigo de todo, todo o sempre...

Eles então se entreolham tristes quando lhes vêm à mente a lembrança de Todyeld e todos os fatos que aconteceram.

Noig, o anão, percebe isso e questiona depressa. - Por que esses rostos de morte? Aconteceu algo ao meu querido amigo?

Endelorth toma a palavra. - Desculpe Noig, mas não temos tempo para isso agora. Entenda, corremos perigo e nossas vidas dependem de você. Agora acalme-se e tome providências para nos ajudar.

- Sim, tudo bem, posso eu entender. Somente espere você então eu vestir uma roupa digna e irei juntar-me ao seu brioso grupo.

- Não é necessário que venha conosco. Lembre-se, você tem seu estabelecimento para cuidar e diversos outros compromissos com os mineradores. E também sua esposa Trolsa não ficaria nada feliz com a ideia de sua viagem. É melhor que você fique.

- Sem problemas, meu companheiro, não se preocupe, sem problemas. Eu irei conversar com ela e tudo ficará acertado. Podem vocês já aquele barco azul logo ali desancorar. Eu nada demoro e estarei em breve de volta.

E assim sai correndo para dentro em velozes, mas cautelosas, passadas. Coruja Branca, que bem o conhece, comenta com os outros. - Ele vai entrar em uma confusão com sua família. Não posso permitir isso.

De fato, não demora muito e o anão chega preparado para uma jornada, com malha metálica e mochila lotada de suprimentos. - Uma estupenda manhã! Perfeita para uma navegação. – O pequeno exclama enchendo o peito.

- Noig. Você não irá conosco, Trolsa não sabe que está partindo. Eu sei que você está fugindo da sua casa.

– Endelorth! – O dono do barco agarra-se no manto do mago. - Eu conversei com meus dois filhos Fôil e Foig, e em tomar conta da mãe e irmãs concordaram eles. Faz décadas

que não saio eu para algo assim com você. Por favor, permita eu que vá! Eu sei dos deveres para com aquele horrendo chato dragã... Quero dizer, para com a minha amada esposa anã...

- Tenha mais respeito para com sua senhora, Noig! - Sim, claro. Perdão. Eu bem sei que ter uma esposa é dádiva para um anão. Elas são

raras e a maioria dos anões nem mesmo consegue se casar. – E numa última piadinha ele acrescenta. - Talvez por isso grande parte dos anões sejam tão felizes.

- Basta Noig! Mais uma dessas e vou a pé para não ter de entrar em sua barcaça. Deve amá-la, é isso que falta entre vocês, amor! Eu entendo que Trolsa não é nada compreensível, entretanto, isso ainda não é desculpa.

A felicidade deixa o anão, o qual abatido fita o chão. Por céus e mares! Ele está cansado daquela rotina chata. Quer uma aventura.

- Entretanto, já que foi assim que teve de acontecer, então vamos antes que ela acorde. – Diz Endelorth apertando-lhe o ombro e seguindo para o barco. O pequeno quase grita de alegria, porém segura o berro, não quer acordar ninguém, principalmente se esse alguém for sua esposa. Agora sim seria como antigamente! As emocionantes jornadas com o Coruja Branca! Hahá-hol!

Uma brisa sopra do sudoeste e é tudo que precisam. Saem do ancoradouro e

manobram para o imenso portão de grades que fecha a entrada pelo rio. Tudo ia bem até um grito vindo da casa ali próxima chamar a atenção de todos os arredores.

Trolsa, a esposa do pequeno marinheiro, enfurecida sai de lá sendo perseguida por dois de seus filhos e, segurada por eles, berra raivosa. - Traul Noig! Fedorûfi îm iminihe mororûfi d-bhêta Felful! Felful!

Mowilla se aproxima de Belgar, ela repete algumas palavras que ouviu. – O que a esposa dele quis dizer?

Ele meio sem graça comenta. – Bem, princesa Verde-álamo. É bom que algumas coisas fiquem mesmo sem serem entendidas.

Mas, Endelorth, berrando na direção da anã a beira do cais, busca alentá-la. - Acalme-se minha querida Trolsa! Apesar de tudo, um dia ainda se orgulhará de seu marido por ele ter nos ajudado nessa jornada!

Por isso Noig, o marinheiro, imagina consigo o significado dessas palavras do mago. Seria aquilo uma profecia?

E agora içando as modestas velas do barco, atravessam o grande portão e caem no rio

Oks a velejar. (Imagem da cena acima) O azul do céu está mais ameno e uma agradável e calma manhã se apresenta. Seria

um calmo, pacífico e belo dia... Entretanto... Quando o barco sai pelos portões de Peleja-nova, aquela estranha movimentação do

bosque, a qual Endelorth havia avistado, mostra-se à luz da matina. Animais perversos e

goblins furiosos saltam de seus esconderijos e põem-se a correr disparados em direção a eles. Os anões lá na cidade avistam aquela fuga e veem o número assustador dos maldosos que se escondiam bem embaixo de seus narizes. Ao sair de suas casas para iniciar mais uma vez a rotina do dia, os simples habitantes da cidade espantavam-se com o exército maligno à frente de seus portões que, de suas distantes visões, brotavam como que formigas, avançando em centenas e centenas de guerreiros numa perseguição ao barco. Isso fez toda a cidade descobrir o segredo e borbulhar em gritos de desespero e protesto.

Enquanto isso, nossos aventureiros entravam numa das, talvez, mais emocionantes etapas de toda a aventura.

Flechas negras zombem em direção ao barco. Goblins e wircks já os alcançam

nadando pelo rio. Corvos malignos voam sobre eles e como setas furiosas, tentam furar as velas. Já é mais de umas três centenas de monstros em cada margem. Lanças arremessadas perfuram a embarcação. O pequeno navio poderia ser resistente, entretanto, não contra um ataque tão massivo como aquele. Eles enfrentam uma última investida das monstruosidades, as quais sobreviveram à primeira etapa da Guerra d’Outono, assim como dos reforços malignos que chegaram para ajudá-los.

- Corram para o deque debaixo! – Recomenda um paladino. - Cuidado Lodwein! – Belgar salva o seu irmão de uma flechada. - Mowilla, você está bem? – O rapaz vai ajudar a elfa ferida de raspão no ombro. - Meu querido barco! – Lamenta Noig. - Cuidado! Tronco gigante! – Grita um guerreiro sem saber o que fazer. Um imenso

Bowur havia saído dentre o arvoredo com uma arvore na mão e arremessado-a bem na direção deles.

Endelorth depressa cruza a embarcação, e segurando seu cajado como um taco, ele rebate o tronco de volta gritando um feitiço melódico. – Wifslosta! - O golpe emite um forte estrondo seguido duma rajada de luz branca um pouco esverdeada. Criaturas malignas lá na margem são esmagadas e jogadas para longe pelo projétil rebatido.

Uns goblins então conseguem subir para o barco. De repente os paladinos, o anão e o mago veem-se num combate de espadas enquanto

navegam. E isso não era nada bom. Pois uma curva acentuadíssima para o leste seria necessária logo à frente.

- Cubram-me! – Grita Noig que sai correndo para tomar a direção do barco. Uns dois paladinos aceitam essa missão, e em saltos e rodopios bem sincronizados,

pulam no ar cortando braços e flechas, enquanto defendem espadadas destinadas ao pequeno anão, o qual se protege como pode ao tempo que manobra a embarcação para o novo rio caudaloso.

Mowilla e Lodwein se escondem junto com as montarias na parte de baixo da embarcação. No entanto, monstros conseguem entrar lá, mas são dizimados com facilidade pelos cavalos paladinos. Focinho também faz sua parte dando coiçadas nos horrendos.

Belgar quis focar os corvos. Com sua espada na mão direita e a esquerda livre, pula pelo barco, corta cabeças e mãos dos ousados invasores, enquanto desvia de flechadas e principalmente, explodindo pássaros negros em dezenas de penas.

Ora, o medo é grande quando um wirck consegue subir no convés! Isso Noig não permite por muito tempo. Mete-lhe o machado na garganta, fazendo

disparar sangue pelo barco inteiro e, rodopiando, joga o perverso e imenso lobo negro bem longe.

Mais seres perversos conseguem subir para lutar, e a escuridão domina as planícies e águas ao redor. O passaredo já causa danos demais e os impede de ver o céu.

Não conseguiriam mais resistir por muito tempo. - Basta! – É o que grita Endelorth. E, erguendo sua espada, reluzente ao brilho da manhã, e chamando a atenção de todos,

que atentos observam-no, profere o mago musicais palavras, as quais lhes seriam poderoso auxílio naquela hora de morte. – TeLaintlil, Gëh’ve’Vluntärerada! Pangi mof ieldo Hurgalde Udeldana pegaläti, Nnuti mid Beuro’Purvto mid Kariiw!

Com isso, desce das nuvens, veloz e gracioso, Olwil, a coruja gigante branca. Em um célere mergulho chega sobre eles, e com uma forte batida de asas impulsiona-os numa mágica ventania. Para a surpresa deles, isso faz com que o barco salte rasgando as águas do rio Oks o mais veloz possível. Sendo o suficiente para deixar para trás todos os malditos, os quais, por fim, desistem da caçada.

Lodwein, Mowilla, Focinho e os cavalos seguram-se firmes lá dentro da popa. Os paladinos e os outros gritam jubilosos de alegria, abraçados aos mastros e derrotando e jogando para fora os goblins que ainda estavam lá.

(Imagem da cena do impulso de Olwil) Após já percorrem boa distância, eles por fim se encontram seguros. E o impulso

mágico das asas de Olwil ainda os embala. Lodwein, sempre interessado em outros idiomas, pergunta a Endelorth. - Que língua era essa que você usou para chamar a coruja, mago? O velho sábio da uma risada. - Chamar a coruja? Eu não fiz isso. - Mas e o que você falou então? – Questiona ele um pouco ríspido. - Você bem conhece o que eu disse. Se trata do velho poema protetor de Laintlil,

aquela de quem você carrega uma insígnia. Tocando o peito, Lodwein sente por debaixo das vestes o colar que ganhou do rei

Leillindor como presente de aniversário. Ouvir dizer aquilo sobre Laintlil e sua proteção, deixa-lhe pensativo.

Aproximando-se deles, Mowilla comenta bocejando. – Que noite mais confusa! Acho que nunca me senti tão cansada assim. Preciso muito dormir.

Noig a diz. – Bem, jovem elfa. Caso queira você na cabine ali poderá encontrar uma cama.

- Agradeço, honorável anão. Contudo, antes disso, ao menos para me preparar mentalmente, gostaria de saber para onde iremos agora.

- Bem minha jovem. – Coruja Branca responde. - Os levaremos a um outro grande amigo nosso, o qual sem dúvida os ajudará muito, e também se disponibilizará a levá-los até a floresta élfica. E princesa, preciso lhe informar outro fato. Nós não mais seguiremos para o nordeste ao chegar no rio élfico, subindo a correnteza e rumando assim para Beföllia, a floresta dos elfos. Confie em mim, apesar de mais rápido, o caminho direto para lá não é mais seguro. Vocês desviarão pelo lado sul das montanhas dos anões.

Ao ouvir isso, Lodwein se espanta e alegre aproxima-se do mago. – Quer dizer que visitaremos Kais-Obîrg?!

- Sim, há muitos assuntos a serem resolvidos lá. É por isso que estamos indo ao encontro deste meu amigo. Ele se chama Oldirk, é um gnomo, e além de ser um herói paladino tem muita influência entre os homens, elfos e anões.

Noig escuta aquele nome e logo também salta animado. - Oldirk? Nós vamos visitar o velho Oldí? Hahá-hol! É como nos tempos de outrora! Quanta alegria para um só dia. E falando em alegria, Coruja Branca, agora me diga onde está Todyeld, o meu mais engraçado e divertido amigo?

Belgar, Lodwein e os outros olham para Endelorth o qual entende sua tarefa: Explicar para Noig, o anão, sobre o duvidoso paradeiro de Todyeld e tudo o mais o que vinha se passando, assim como tentar acalmá-lo...

Grande foi a lamúria do pequeno ao escutar a história deles. Ele era muito amigo do mestre de Lodwein.

E foi assim que o anão Noig entrou também nesta aventura, a qual, por certo tempo, se

tornaria menos belicosa, para se tornar um conflito de emoções. Nas próximas etapas, a inteligência faria o papel da força, e a força deveria ser contida, e tornar-se humildade e paciência.

Movimento 3 – Tensões e encontros

Capítulo XVI: O anoitecer de histórias

O vento soprado das asas de Olwil, a coruja gigante branca, os arremessa para o sul

numa velocidade mais superior que a da corrida de um cavalo. Percorrem com rapidez o caminho em direção ao leste, chegando assim até o rio élfico próximo da metade do dia. A caudalosa corrente de água os auxilia nesta parte, direcionando a embarcação mais uma vez para o sul. Mas, antes de finalizarem a viagem, tem de fazer o último trajeto, uma tênue subida para o nordeste, um caminho contra o fluxo vindo lá de Kais-Obîrg, e devido a isso, eles passam todo o resto do dia, até próximo do anoitecer, para chegarem ao seu destino, Francolônia.

(Imagem do mapa e o barquinho andando nele, mostrando assim o trajeto.) Francolônia é a cidade-principal da província de Corgham do Oeste. Não se passou

muito tempo desde a sua construção e esta cresceu muito depressa, expandindo-se em tamanho e poderio comercial. Quão movimentada ela é no decorrer do dia, só cessando relutante ao anoitecer, quando a escuridão da noite impede os mercadores de contar suas moedas, e também pelo cansaço da possante rotina comercial. No centro da cidade há o grande porto, esse sim nunca para. Ouvem-se dia e noite os sinos dos seus barcos e a barulheira dos marinheiros. Bem projetada é esta região a beira do rio de Kais-Obîrg e os pontos mais importantes da cidade se concentram lá. Isto é, a governaria provincial, o centro de discussões comerciais, a comandaria diplomática do lado Oeste de Nelwár, entre outras instituições onde somente os ricos têm voz e poder. Isso infelizmente é um problema em Francolônia: A corrupção e a tendenciosidade para com os mais abastados. Mas em quesito de estrutura, Francolônia é sem dúvida um exemplo para toda a Nelwár. Afinal, foram os gnomos quem a projetaram, e eles, com seu jeito sempre perfeccionista, muito dificilmente cometiam erros. Mais adentro, na região leste, se encontra o bairro-rico, onde os influentes têm suas mansões. Enquanto nos arredores deste esticam-se as periferias circundantes, essas lembram a aparência de Alto da Mordida. A população, a qual é muito supersticiosa, é bem misturada, a maioria são homens, mas grande também é o número de gnomos, há também alguns anões.

Já está escuro quando os cansados viajantes conversam no barco enquanto observam ao longe a cidade de Francolônia chegando lentamente cada vez mais perto. Mowilla apoia-se sobre os cotovelos no parapeito do navio e admirando o início do luar ia comentando com Lodwein sobre os acontecimentos. - Vou sentir saudades de Korlla e sua família, eles nos foram tão acolhedores. Trataram-nos como se fossemos seus próprios parentes.

- Sim, é verdade. – O rapaz concorda fitando as margens gramíneas que ficam para trás enquanto navegam vagarosos pelo rio de Kais-Obîrg. – Gostei muito de conhecer Guvat e seu pai... São hábeis guerreiros e possuem grande coração. São muito generosos.

- Com certeza. Eles até me deram esse vestido. Que por sinal, já está todo sujo e rasgado. – A elfa fala abrindo a saia. Ela se espanta com a condição do que vê. - No’notu! Estou parecendo uma maltrapilha!

Belgar se aproxima rindo. - Acalme-se princesa. Isto faz parte das glórias da guerra. - Espero mesmo que sim. - E isso é só o começo... – Ele acrescenta brincando com a situação. A princesa élfica então se recorda de algo importante que desejava tirar dúvida. -

Be’silbe! (Lembrei-me!) – Exclama. – Belgar, o senhor Muldat estava contando umas lendas, talvez não fossem verdadeiras, mas, apesar de tudo, queria confirmar a veracidade. Ele disse que você tem um dos duzentos e cinquenta e seis primeiros anéis e uma das duzentas e cinquenta e seis primeiras espadas de paládio. Isso é verdade?

Ele ri e saca de sua bainha uma lâmina dum brilho alvo como a própria pura luz do dia, e quando a manobrou no ar, o punhal ressoou um garboso som. Dizia-se que estes sons podiam fazer justos jubilarem, e maldosos chorarem. É magnífico o trabalho da arma, perfeito, mágico, uma obra prima sem dúvida alguma. – Eu lhes apresento Guvatlew, a espada de Guvat, e no meu anular direito está Guvater, o anel de Guvat. Eles pertenceram ao lendário Guvat, o não-casado.

(Imagem da espada e do anel.) - Hol’nia! Então não são mentiras aquelas histórias! Quer dizer que Guvat de fato

existiu e não se casou, como Muldat nos contou! – Boquiaberta, a moça se aproxima contemplando os lendários itens. – Como você os conseguiu?

Ele suspira de uma maneira estranha. – É difícil de explicar. - Mas e por que o seu anel não possui joia, e o de Muldat tinha um rubi? - O anel dele é uma aliança. Tornou-se uma. No passado, quando os primeiros

paladinos se casavam, era um costume cravar uma pedra preciosa no anel dos dois, do homem e da mulher. E se quer saber, cada joia possui um significado. Por exemplo: O rubi, um amor honroso. A ametista, amizade entre o casal; esta foi a pedra de Vidcot e Korlla. Um brilhante, felicidade com os filhos. Esmeralda, fertilidade da mulher. O diamante rosa, uma nova alegria todo dia. Diamante negro, nada afeta a segurança da família. E por fim, a última joia, a qual nunca ninguém a cravou em seu anel, o diamante azul, a chamada lágrima da nuvem, que significa dor e sofrimento na calmaria.

Mowilla, como toda boa moça, enche os olhos ao ouvir falar de histórias e assuntos relacionados a amor e casamento. – Conte-me mais! – Ela pede.

- A lenda fala que quando os primeiros paladinos foram casar-se, essas pedras simplesmente chegavam até eles de maneiras misteriosas. – Continua Belgar. - Como um presente ou encontrado num inimigo caído, no chão, por exemplo. E elas sempre eram achadas aos pares. Niôdel, um dos sete irmãos, então interpretou isso, sugerindo que elas fossem cravadas nos anéis e explicou o significado de cada uma. Guvat nunca recebeu ou encontrou algum diamante, e não casou-se. Seu anel foi passado ao longo dos tempos entre os paladinos sem nunca ter sido remoldado. Todo paladino que usava o anel de Guvat, parecia ser encaminhado para a mesma missão que o herói das lendas. Ou seja, dedicava-se inteiramente

aos combates sem nunca se casar, e nunca recebiam ou encontravam algum diamante. Isso é claro até chegar a mim.

Mowilla de imediato se lembra do episódio na clareira do bosque das raposas, quando eles se encontraram. A moça bem se recorda de que ao apresentar-se, Belgar, o então ajudante desconhecido, declarou: “Sou Belgar, o paladino sem pai, o presenteado com a joia do tesouro da rainha anã... E irmão de Lodwein, o cabeça de vento!”. – Você foi presenteado com uma joia! – A elfa fala admirada.

- Sim, eu fui. – O irmão de Lodwein responde duvidoso do real significado disso. - E qual a joia que você recebeu? – Quis logo ela saber. Ainda mais incerto ele diz. – Eu ganhei o diamante azul. - A lágrima da nuvem, dor e sofrimento na calmaria! E como você a conseguiu? - Tudo aconteceu em uma missão que realizei há certo tempo. Enquanto eu, e mais um

grande amigo, juntamente a quatro outros batedores cavalgávamos para o leste, nossos gaviões disseram ter visto uma confusão no vale-bosque, logo ao norte do lago Selûr, e fomos até lá ver o que era. Chegando lá, descobrimos que um príncipe anão de terras muito além das Montanhas Eternas, havia viajado para Nelwár na intenção de se casar com uma anã dos montes Sihnerin. No caminho, ele e sua comitiva, foram surpreendidos por goblins ladrões, uns quatro bowurs, dezoito hugwurs, e outros sete monstros. Foi a batalha mais difícil que já lutamos, e inclusive teve um dos nossos que feriu-se tão grave que nunca mais pôde guerrear. Entretanto, no final, Gëhvea, vencemos. De tão contente que ficou o príncipe anão, ele nos ofereceu diversos presentes do tesouro que ia ser dado para a princesa anã, contudo não queríamos receber nada. Mas o anão insistiu muito, até que aceitamos um pequeno saquinho de pano, o qual ele disse estar dando unicamente a mim, o líder daquela missão, e afirmando que, por motivos de honra, eu deveria aceitar este presente. Depois abrimos o saco e vimos um único diamante azul, de tamanho perfeito para um anel. Após esses acontecimentos, ficamos sabendo que o príncipe anão casou-se com a princesa e pouco tempo depois tornaram-se reis. E foi assim que ganhei o título de “O presenteado com a joia do tesouro da rainha anã”.

- Ih’lä! Essas suas histórias são tão interessantes! – Afirma a elfa. – Todavia, ainda há algo que não entendo. Você não havia dito que os paladinos recebiam essas pedras aos pares? Porque então você encontrou somente uma?

- Sim, fico me perguntando o mesmo. Por isso que ainda tenho muitas dúvidas de qual seja a minha verdadeira missão.

Com isso, Mowilla e Belgar ficam uns instantes pensativos sobre essa conversa, buscando entender um pouco mais sobre o incerto destino reservado ao paladino.

Enchendo as velas do barco, um vento impulsiona-os um pouco mais para frente e eles

silenciam-se. Endelorth em outro bordo observa o céu escuro. Ele fixa seu olhar em uma estrela, e parece cochichar bem baixinho algumas palavras. Talvez estivesse meditando sobre os feitos do dia, ou sobre a vida, ou até mesmo conversando com aquela estrela. Os paladinos ajudam Noig a reparar, na medida do possível, os danos que o barco recebeu. A embarcação está com alguns furos, e água havia entrado nela, por isso, mais do que depressa a retiram aos

baldes para fora, e tapam os buracos provisoriamente. Todos haviam cooperado nesses reparos, que foram muitos, por sinal. Por isso estão todos exaustos e desejosos de uma boa noite de sono. Afinal também, boa parte deles havia passado por dois notáveis combates, a Guerra d’Outono e a luta do barco na fuga de Peleja-nova, em apenas dois dias seguidos sem nenhuma pausa para descanso. Assim, é de se esperar o silêncio entre eles, grande é o cansaço daqueles guerreiros.

No entanto Lodwein esteve naqueles tempos muito cheio de especulações, e quebrando a quietude fala a Mowilla. - Sabe, não tem como não notar. Há uma grande e estranha movimentação em Nelwár. E não entendo a razão, mas acho que tem muito haver conosco. Comigo e você Mowilla.

- Concordo contigo. – Afirma ela. – E meu pai há muito tempo já vinha falando sobre mudanças nessas terras. Ele comenta isso com pesar. De fato, algo muito triste deve estar acontecendo.

Os dois discutem essas coisas sem se preocupar com os outros ao redor que os escutam. Pois eles estão, de certa forma, excluídos de propósito da verdade. Seus companheiros demonstram ter conhecimento das razões e motivações dos diversos problemas, todavia não lhes contam nada. E mesmo ouvindo as reclamações dos jovens, continuam calados.

Lodwein, porém, busca desvendar os mistérios aos quais ele está envolvido. - Sabe Mowilla... Acho que entendi o segredo. – Ele cogita. – Escute bem minha suposição, e veja se não concorda comigo. Os homens são os grandes vilões por trás dessa história. Eles se organizaram contra os elfos, e querem dominar toda Nelwár, criando um novo único reinado. De alguma forma, Mellrich descobriu que o rei élfico estaria na fortaleza dos saberes naquela noite, e então comunicou isso aos condes mais importantes da Grande Cidade dos Homens. Os condes devem ter algum acordo maléfico com bruxos, e por isso uma bruxa foi enviada para capturar o rei élfico e Todyeld nos defendeu.

- E eu sei por que os homens estão atacando os elfos. Já ouvi meu pai comentando sobre o conflito dos rios élficos. Essa deve ser a razão das guerras.

- Conflito dos rios élficos? O que é isso Mowilla? - Também não entendo muito. Mas sei que de Beföllia, a floresta élfica, aflui dois rios:

Kei’Seari, o rio élfico, e o rio passageiro. Estes dois são muito importantes para os negócios dos homens, principalmente o Kei’Seari. Por ele, todos os dias, pesos e mais pesos de mercadorias e minérios circulam. A província de Corgham do Oeste e o reino dos anões dependem por total do fluxo deste rio. E o conflito começou quando meu pai represou o rio, liberando-o com menos intensidade e criou uma taxa para circular nele. Você viu enquanto navegávamos no Kei’Seari, o rio élfico, o quanto ele está instável, correto? Antes da represa ele era ainda mais veloz, no entanto calmo, mesmo assim. A maioria da população dos elfos está revoltada contra meu pai, assim como os anões e homens poderosos, porém os elfos-chefes o apoiam nessa decisão.

- Ora, mas se até o rio parece estar sendo contra essa represa, por que Endelorth fez isso? – Questiona o rapaz.

- Sim, isso é muito triste. Tudo é muito complicado e eu entendo pouco sobre essas questões. Eu somente sei que tem haver com as novas moedas, trocas e mercadorias. Eu não entendo nada disso.

Lodwein deseja compreender melhor aquilo. Belgar está ali ao lado deles, fitando o além e escutando a qual rumo a conversa deles tomaria.

Por isso, o jovem questiona. - Belgar, você sabe por que o rei Leillindor represou o rio? - Bem, Lowdy meu irmão, também não sou lá o melhor para lhe explicar sobre isso,

porém vou tentar. E também acho que não será tão errado... Isso vocês dois podem saber. – Ele inicia então seu discurso. - Vocês sabem que há certos anos atrás os gnomos e os homens de Nelwár iniciaram uma relação amistosa, não é mesmo? Dessa “amizade” eles fizeram grandes projetos. Por exemplo, a província de Corgham do Oeste. Ela não existia há umas três décadas atrás. Tudo começou quando, devido aos tristes casos da Primavera em Farkweld, o povo da província de Corgham foi obrigado a fugir de suas terras. Seria preciso então um novo lugar para abrigar todo esse povo. Mesmo antes de essas pessoas virem para essas regiões, já havia alguns pequenos vilarejos e aldeias de homens próximos ao bosque das raposas, Alto da Mordida é um exemplo destas. E, essa era uma região de fato boa de se viver. Contudo, essas terras não pertenciam ao reino dos homens, e sim ao reino dos anões. Mas os homens descobriram uma forma de comprar o direito de morar nesse lugar não pertencente ao seu reino. – Belgar fala com sabedoria, e parece saber muito da história de Nelwár.

- Para explicar como eles fizeram isso, precisa-se entender que os gnomos não possuem um reino em Nelwár, pois vivem sob as ordens do rei anão. Eles mesmos quiseram assim. Dessa forma, muitos gnomos moram e possuem terras nas regiões regidas pelos anões. E esse foi o problema. Quando os gnomos descobriram que os homens de Corgham precisavam de terras para viver, eles passaram a vender seus campos ao reino dos homens para a população da antiga Corgham ter onde morar, e também com isso se enriquecer. Com o tempo, o reino dos anões se encheu de homens de tal forma que isso incomodou a todos. E muitas discussões sugiram e até hoje essa situação não está bem acertada. A província de Corgham do Oeste, por exemplo, não é totalmente oficial segundo as leis da Grande Cidade dos Homens; ainda há acordos a serem feitos sobre ela. No entanto, por fim, essa população estrangeira não foi tão ruim assim, pois, graças a ela, as dinâmicas mercantis nessa região evoluíram até tal ponto que, em menos de três décadas, ela se tornou a região mais rica e desenvolvida de Nelwár. Com isso os gnomos entraram em grandes projetos, como a construção de Francolônia e Foz Pura, por exemplo. E foi então que o problema com os elfos apareceu, pois, o reino dos homens junto ao dos anões uniram-se e enriqueceram-se muito, como nunca antes haviam feito, surgindo assim novos sistemas de troca e comércio, até novas moedas. Tudo estava avançando rápido, e sempre mais e mais veloz e renovando-se, e por sinal ainda está. Mas enquanto isso, os elfos, com seu sistema de sempre e com uma visão menos instantânea do tempo, não conseguiram acompanhá-los. Acabaram sendo excluídos desse avanço. Isso foi muito prejudicial a eles. Pois, no passado, os elfos mantinham pequenas relações de trocas com as outras raças, e isso era suficiente para manter sua sociedade inteira. Contudo, devido a essas mudanças, as ofertas de troca dos elfos não foram mais atraentes e

ninguém mais quis fazer comércio com eles. Isso os levou a uma crise, que como eles dizem, estourou como um trovão. Do dia para a noite os elfos estavam quase passando fome. Haviam se acomodado ao seu sistema de sempre, e não sabiam mais viver diferente dele. Foi quando o rei Leillindor e os elfos-chefes tiveram a ideia de dominar o rio e cobrar pelo uso dele. Porque desse jeito, eles teriam uma fonte de renda para manter o reino, já que as relações de troca haviam falido. E desde então inúmeros problemas surgiram em Nelwár...

Lodwein ouve tudo isso com atenção e muitas novas ideias a respeito dos mistérios de sua própria história lhe veem à mente. Afinal, isso expandiria a dimensão dos problemas para uma área diferente: As áreas mercantis. Agora muito mais está envolvido naqueles segredos.

Bem no início da conversa, Belgar falou algo que chamou a atenção de seu irmão e ele logo lhe questiona. - Belgar, o que seriam esses tristes casos da Primavera em Farkweld? Acho que já ouvi outras pessoas comentarem sobre isso...

Nesse instante, o irmão de Lodwein abaixa a cabeça e um notável abatimento cai sobre ele. É como se uma muito infeliz lembrança tivesse lhe voltado à memória.

- Os tristes casos de Farkweld? Eu tenho me lembro bem. – Noig os escuta e intromete-se na conversa. Com uma feição pesarosa, o anão se aproxima e pede a palavra para Belgar. Ele, por sua vez, parece nem assimilar o que se passa ao redor dele, e, de tamanha infelicidade que lhe sobreveio, não responde a Noig.

Entendendo que Belgar já não tinha mais condições de continuar a lhes falar, o baixinho de semblante carrancudo, mas de coração boníssimo, chega ainda mais perto e começa a lhes dizer. - Pois bem, vou contar a vocês o que sou eu permitido a dizer-lhes. Entretanto, antes de mais nada, meus amigos, peço eu desculpa a vocês o meu linguajar. Tenho eu dificuldade em falar o vosso idioma. Por isso, eu misturo meu idioma-pai com o de vocês. – Noig se explica. – Vocês acostumam-se. Todos se acostumam.

Mowilla e seu amigo se voltam para o pequeno o qual está muito sério. Da mesma forma como os paladinos e Endelorth. Pelo visto, é algo realmente difícil falar dos tristes casos da Primavera em Farkweld.

- Vejam-me e escutem-me com atenção, pois acredito eu ter propriedade para deste tema tratar, talvez até bem mais do que o jovem bravo Belgar, pois ele nem nascido era quando isso acontecido fora. Começou tudo quando a maldita bruxa-mor veio e dominou Farkweld, uma antiga província do reino dos homens. Teve isso tudo acontecido nos tempos do rei Hainth. – Belgar por algum motivo, ao ouvir isso, retira-se dali para um nível inferior do barco. Continua, porém, o anão. – A perversa bruxa construiu lá uma torre de bruxaria, feita de ouro e ornamentada de rubis, os quais diz a história, foram minerados de lá mesmo em Farkweld. Com isso, teve-se espalhado entre os povos a notícia de que riquezas abundantes poderiam ser encontradas naquele lugar. Muitas eram as lendas que falavam das minas enfeitiçadas pela bruxa de Farkweld e que em qualquer lugar daquela região que se minerasse, muitos minérios se retirassem iriam. Assim se falava. E com isso muitos guerreiros dispuseram-se naquela época a destruir a bruxa. Uns com boas intenções, desejavam em verdade destruir aquela maldade, enquanto outros somente no ouro pensavam. E foi graças a esses desejos relacionados com a perversa feiticeira, que muitos se perderam.

- Vendo a situação do ponto de vista de hoje, podem vocês pensarem: Era tudo então uma grande caça ao tesouro com uma bruxa no final da aventura! Mas não meus rapazes. A perversa criatura estava a construir um reino maligno naquele lugar. Goblins e exércitos cruéis estavam se fortificando, e isso foi um verdadeiro ataque contra Nelwár, com a intenção real de os povos todos destruir.

- Muito cresceu a ameaça da bruxa até que o rei Belgor, pai do em breve então rei Hainth, decidiu a Grande Ordem dos Conhecedores convocar. Era este um importante conselho de conhecedores, soldados priores de Kahvian, os quais prezavam pelo bem e lutavam contra o mal em todas as regiões até as mais muito além de Nelwár. Era uma ordem composta de vinte e três sábios, treze deles vieram para aqui lutar contra Gárhita, que era como se chamava a perversa bruxa. Gárhita, a gritante muda do reino maligno do sul, uma comandante das forças negras. Ela já estava sendo perseguida há bom tempo pela Grande Ordem dos Conhecedores e por isso vieram eles em assim tão grande número. Eles uniram-se a outros grupos de guerra existentes para atacar a bruxa de Farkweld.

E dando agora uns risinhos Noig fala. – E um desses grupos de guerra era o Furão-do-sul, os guerreiros mais malucos daquela época. – Fala o anão não resistindo a uma boa gargalhada. Também os paladinos ali presentes, sempre muito reservados, juntam-se a ele, e percebe-se que até o próprio Endelorth está do outro lado a rir também. – Foi uma boa época, não é mesmo Coruja?

- Fizemos muitas loucuras, não é verdade Noig? – Retruca o mago se virando risonho. Após esses momentos de descontração, os quais Mowilla e Lodwein ficam sem

entender, o anão dá seus últimos risos antes de voltar à seriedade. – Pois bem, no Furão-do-sul encontravam-se valiosos guerreiros, e eu tive a honra de estar com eles. Coruja Branca nos liderava. Estava conosco também Muldat e Inibrako, representando os paladinos, Oldirk, os gnomos e Milloul, o elfo bebum. E por fim, Marku, o tradutor.

Endelorth olha para o anão espantado e tossindo e batendo seu cajado no barco quis atrapalhar o que dizia e lhe avisa algo.

Quando Noig compreende se desespera. - Quer dizer! Todyeld, o tradutor. Eu quis dizer Todyeld, foi o que disse! Foi isso!

Lodwein e Mowilla se entreolham espantados e pensativos. O rapaz lembra já ter ouvido aquele nome sendo referido ao seu mestre outra vez, por Reci, sua antiga ama de leite. Ele acha isso muito estranho.

Noig continua depressa. – Como dizia eu. Éramos um grupo de briosos combatentes. Sim. E o nosso grupo uniu-se com outros e também com a Grande Ordem dos Conhecedores e um pequeno exército formamos, reunindo assim os mais fortes guerreiros de Nelwár, e até de fora dela. Seríamos invencíveis se não tivesse acontecido o mais triste dos fatos daquela época. Havia um traidor entre nós. Horgan, o paladino mau.

Mowilla e Lodwein espantam-se ao ouvir isso. Um traidor entre eles, e ainda mais espantoso, este era um paladino! Algo que os jovens nunca imaginariam escutar.

Num profundo suspirar, lamenta o anão. - Sim... Triste muito foram esses casos.

Endelorth, pensativo, havia voltado a olhar para os céus, porém agora pode se perceber tristeza em suas reflexões. Aquele assunto lhe traz isso. Incomodam-se também, os paladinos ali presentes, com aquela conversa. Desviando o olhar e o pensamento dali, eles buscam reconfortar-se na visão das águas do rio de Kais-Obîrg, ao invés de tomar parte nas falas de Noig. E até mesmo o próprio anão, assim como os outros, havia entrado naquela incomum triste introspecção, não dando continuidade no que dizia.

Incomodados pelo silêncio, Lodwein e Mowilla após certo tempo, tomam coragem e perguntam. - Mas, e o que aconteceu de tão terrível nesta traição?

Após tomar a força necessária, engolir em seco e pensar bastante, Noig, o anão, fala. - Foram mortos. Os membros da Grande Ordem dos Conhecedores foram assassinados. Assim como a maioria de nós. E os poucos que não morreram, viveram para ver a gravidade das terríveis consequências dessa traição.

Mowilla e Lodwein não tem palavras, entendem um pouco assim, da seriedade dos

tristes casos da Primavera em Farkweld. Entretanto o anão Noig ainda deixou muito o que contar, e isso era somente uma parte dessa história a qual os jovens nem imaginam, mas a vida dos dois estava de maneira muito íntima ligada.

Unidos ao espírito de luto, os dois silenciam-se com os outros no restante da viagem. Como todos ali são soldados de Kahvian, e sendo aquele o primeiro dia da semana, deveriam fazer o reavivamento da Grande Guerra. Contudo, não havia um Excelente para a realização. Por isso, bem no crepúsculo, Endelorth faz somente uma memória dum reavivamento para eles. Isso os reconforta bastante, e os dá forças para continuar firmes naqueles difíceis desafios os quais vinham passando.

Capítulo XVII: A chegada em Francolônia

Ainda perdurava o silêncio entre os viajantes quando um falcão mensageiro, enviado

pouco tempo antes por um paladino, retorna pousando no parapeito do navio, batendo asas e se equilibrando.

- Chegou a resposta! – Exclama o combatente o qual tinha mandado o gavião, e que demonstra ser bem inquieto e impaciente. Ele estende seu braço e assovia para a ave, ela voa em sua direção. – É o Oldí, ele já está nos esperando no porto da cidade e deseja que pernoitemos hoje em sua casa.

O anão Noig se levanta contente. – A mim parece maravilhoso! - Pois bem. Isto será bom mesmo. – Afirma o mago pondo-se também de pé. – Tenho

muito que conversar com ele. – Contudo, a mensagem ainda não acabou. – Afirma o paladino terminando de ouvir

com muita atenção as palavras ditas pelo falcão mensageiro. Parece haver algo de estranho naquele aviso. Isso pode ser percebido na reação do rosto do guerreiro.

- O que há a mais? – Questiona Coruja Branca duvidoso. Após erguer a cabeça e passar seu olhar sobre eles, fita ele por fim a jovem princesa

antes de dizer. – A entrada de elfos está proibida em Francolônia, temos de esconder Mowilla Verde-álamo.

Todos ficam espantados e indignados ao ouvir isso, questionam-se uns com os outros o porquê de tal proibição.

- Ora! Isso é um absurdo! – Exclama o anão Noig irritado. – Como Francolônia pôde proibir a entrada de elfos?! Os homens somente podem estar malucos!

- Insolentes! – Belgar dá um soco de raiva no parapeito do navio. - O que?! – Lodwein é quem mais havia ficado irado ao ouvir as palavras do paladino.

- Mowilla irá sim conosco! Por céus e mares! O que esses infelizes estão planejando agora? Todavia Endelorth não foi pego de surpresa nessa história, e com altivez na fala e

percebendo como suas deduções anteriores eram verdadeiras, ele afirma. – Como eu imaginava... Bem sabia que isso iria acontecer, somente não pensei que fosse ser agora...

Ainda nervoso, Lodwein pergunta. - Como assim, mago? - Isso já era de se esperar, meu jovem... Isto é fruto das relações de atrito entre os três

reinos, o dos homens, dos anões e dos elfos. – E agora, falando em um tom mais introspectivo ele continua. – Bem... Parece já estar começando... Tem sido tudo muito rápido.

- Do que você está falando? - Não se preocupe com isso, jovem Lodwein. Você deveria agora se preocupar em

descobrir uma maneira de esconder Mowilla. – Retruca Endelorth. Com isso, o rapaz, cada vez mais cheio de dúvidas, assim como todo o restante da

tripulação, são depressa em procurar algum manto ou veste que pudesse ser usado como disfarce para Mowilla. Enquanto correm para resolver esse problema, cruzam os portões de Francolônia.

Ao entrarem para a cidade os viajantes admiram-se com os seus belos edifícios. É até

difícil de acreditar em algo daquele nível em meio a um lugar tão desértico como aquele. Não se esquecendo de mencionar, é claro, também os notabilíssimos requintes de tecnologia os quais somente ali existiam! Francolônia produz conhecimento de inventos tanto quanto Kais-Obîrg, e mesmo sendo uma cidade recente, a fama das criações saídas das cabeças dos inventores habitantes de lá, já são conhecidas em muitas regiões distantes, até mesmo as muito além de Nelwár. Então, já é de se imaginar a alegria de Lodwein em conhecer tal lugar! Mas a tecnologia de Francolônia havia se desenvolvido com mais profusão no âmbito das dinâmicas da cidade. Isto é, na limpeza da cidade, exemplar organização e pavimentação das vias, o tão elogiado esquema de iluminação noturna de lâmpadas a óleo, o misterioso novo sistema de esgoto, entre tantas outras novas dinâmicas exclusivas dela. Todos esses avanços, faziam com que sempre mais as pessoas considerassem Francolônia a cidade do futuro.

É quando os aventureiros do navio avistam lá no porto, após velejarem certo tempo nos canais, um movimentinho distante. Algo sobe e desce balançando-se no ar. Parecia ser um humanoide balançando as mãos, mas é bem pequeno. Aquele ser ainda indefinido dá então um berro em meio a pulos e gargalhadas. - Heeei! Aqui! – Conseguem ouvir lá de longe.

Belgar ri. – Este Oldí é um escandaloso mesmo. Quanto mais o barco aproxima-se, mais os saltinhos aumentam, assim como a alegria

das gargalhadas daquele ser. Mal o barco atraca e estende a ponte para eles descerem, o pequeno trata de subir

mais que depressa na embarcação e vem saudá-los contente. - Oô-lá! Endelorth, meu velho. –Corre o pequenino para cumprimentar o mago por primeiro. Com isso eles podem ter uma noção de como, de fato, ele se parecia.

Os Ognomnus ou, como os homens dizem, apenas gnomos, são menores que um anão, e menos troncudos também, e mais altos que uma ovelha. Pode-se comparar o tamanho deles com a altura da cintura de um homem adulto, ou talvez com o ombro de um anão crescido. A cabeça tem um diferente formato alargado, e tudo no rosto é pequeno e afastado. É impossível não notar as grandes orelhas, e o mais marcante da raça deles, a contínua sobrancelha, que não se divide no meio, e fecha-se com o cabelo nos lados. Dando a eles uma aparência bem diferente da dos elfos, homens e anões.

(Imagem do busto dum gnomo) Outra característica notável dos gnomos é a incomparável força de seus braços e a

prestidigitação de suas mãos. Diz-se que a mão de um gnomo é a máquina mais perfeita existente. Seus dedos possuem uma movimentação mais amplificada, permitindo-lhes realizar coisas incríveis. Sem mencionar a grande potência de um soco destes baixinhos. Graças a isso Oldirk recebeu o título de o quebra joelhos. Muitos foram os goblins que no passado o menosprezavam e corriam para chutá-lo, contudo estes tinham suas pernas destroçadas pelos seus punhos furiosos. Com seu amigável sorriso e aparência amistosa, ele até que poderia se passar por alguém inofensivo, todavia, isso Oldí nunca foi.

- Faz longos anos desde nosso último encontro, não é mesmo, meu amigo? – Endelorth se ajoelha para abraçá-lo.

- Sim, faz mesmo. Se não estou enganado, a última vez foi lá em Farkweld. – Lembra-se o gnomo coçando sua barba contornando a boca, como sempre gostou de cortá-la, apenas bigode e cavanhaque. - Oh céus! Como isso tem tempo.

Logo atrás acompanhando-o, uma gnoma entra silenciosa e espera o gnomo lembrar sua presença para se pronunciar. Após saudar o mago, Oldirk recorda-se dela e apresenta-a a todos. – Por favor, quero que conheçam Olganf Afma, minha irmã. Ela está morando comigo e me ajudando a cuidar da casa. Ela está fazendo isso a pedido de minha esposa. É por isso que na verdade acredito ela ter sido enviada para tomar conta de mim.

Com isso a gnoma, irmã de Oldirk, solta uma gargalhada delirante. Se poderia até não gostar das piadas de Oldí, entretanto, se Olganf estava rindo, sem dúvida, a graça seria a risada dela. É impossível resistir. Todos do barco a acompanham nessa felicidade.

Logo depois Oldirk vai cumprimentar seus conhecidos. - Hei Noig! Meu velho amigo, que alegria rever tantos companheiros de antigamente assim! Isso pede uma farta refeição! O que acha disso, Noig?

- Hahá-hol! Com plena certeza, uma estupenda ideia. – Concorda o anão. – Sem dúvida muito tempo já se foi desde nosso último encontro lá na detestável Farkweld... – Acrescenta o anão em lamúria.

Oldirk, do seu jeito animado, logo quis mudar para um assunto mais feliz. – Ora Noig! Não se abata com essas coisas do passado. Vamos, somente pense na deliciosa costelinha que lhe aguarda em minha casa.

Todos riem com a piada do gnomo. E ele é sempre assim. Em geral está sempre contente e buscando alegrar os outros, de modo muito especial quando recebe visitas. Com isso conhece-se um Noig ainda mais festeiro. Entretanto, o gnomo, antes de tudo, é muito reflexivo e sempre pensa sobre o mundo preocupando-se com os seus problemas. Também constantemente pondera sobre seus próprios negócios e assuntos mercantis. Ele é um gnomo muito rico, e isso se deve ao fato dele ser tão planejador e esquematizador.

Noig também sempre tem um assunto para puxar conversa. Isso chega a ser incomodante. Nunca há silêncio quando se está próximo daquele gnomo. Quem não o conhecesse poderia até mesmo acreditar que ele tivesse algum problema.

Muito contente ele continua a falar com os outros. Encontra-se com os paladinos do barco. - E você Nadasufo, como está sua esposa? Ora, Buliru, vejo que ganhou uma barriga, hã? Dobisto! Nem tinha te visto! Oô-lá Fumbiamu, desculpe, não consegui resolver aquele assunto. E Vódiv, melhorou a montaria com aquela outra cela a qual eu te dei? – Assim ia sempre com diálogos bem pontuais à pessoa, conseguindo inclusive relacioná-los às vezes, criando sem muita dificuldade um ambiente de conversa.

Por fim ele chega a um grande amigo seu. - Oô-lá! Belgar, meu camarada! Já arranjou uma namorada? – Trocadilhos. Ele também ama isso.

- Não Oldí... Ainda não. Sabe como é a vida, não é mesmo? Sempre estou na correria das missões e guerras paladinas, não tenho tido tempo para isso. – Diz Belgar um pouco

risonho. –– Porém, deixe-me apresentar a você Lodwein, meu irmão. Já o mencionei diversas vezes em nossas conversas, o senhor se lembra? Lembra-se daquilo que discutimos sobre ele, correto? – Interroga Belgar num olhar de advertência. Parece querer evocar com sua pergunta alguma restrição já antes feita.

- Está certo, me lembro. – O gnomo logo compreende. E percebendo a presença da moça, ele acrescenta. - Mas digam-me, o que de fato uma donzela élfica faz com vocês? Quando vocês me reportaram sobre a presença de um elfo, pensei que se tratava de algum paladino, e não duma jovem. Como é seu nome, elfa?

- Me chamo Mowilla. Espanta-se o pequeno. – Mowilla Verde-álamo? A senhorita Cullyen, filha de

Leillindor? – Ela logo confirma que sim. - Ora! Logo reconheci. Porque não me contaram que uma princesa estaria com vocês? E desculpe perguntar, todavia, o que a trás aqui? Claro que será uma felicidade recebê-la em minha casa, e não pergunto isso por causa de me trazer alguma inconveniência, no entanto, princesas não saem vagando sem rumo sem nenhum bom motivo.

- É melhor falarmos sobre isso em sua casa. – Endelorth toma a palavra. Oldirk percebe a seriedade do assunto e não insiste. - Bem, está certo. Pelo visto temos

muito para tratarmos, não é mesmo? Então vamos depressa. Mas nisso a gnoma irmã de Oldirk chega risonha ao final da fila, após ter

cumprimentado os outros. - Oi Belgar, meu querido, como vai? Sarou da ferida no ombro? - Estou bem melhor, tia Olga. Obrigado. – Ele afirma. Voltando-se para o irmão dele, ela questiona. - Mas e você, moço, como se chama? - Sou Lodwein, senhora Olganf. - Ah não, meu rapaz, vocês podem me chamar somente de Olga. Tia Olga, se quiserem.

– Diz a afável senhora baixinha de cachos dourados e volumosos. – E quanto a você, moça? Como se chama, bela donzela?

- Eu sou Mowilla, a princesa Cullyen. Tia Olga faz uma feição de dúvida. - Quem? Ervilha, a limpeza Cully-o quê? Eis o maior problema de Tia Olga, sua surdez quase que total. Isso já lhe havia posto

em diversas situações confusas e cômicas. A moça repete mais alto. - Não! Eu disse que sou Mowilla, Mowilla! A princesa

Cullyen, os elfos errantes! -Ah sim! - Ouvindo agora o correto e percebendo a confusão, Olga solta mais uma de

suas risadas contagiantes. – Me desculpem, me desculpem! É minha surdez me confundindo novamente!

Felizes pela recepção, e cansados da viagem, saem eles em direção à casa de Oldirk, após terem negociado a estadia do barco no porto e terem retirado Focinho do convés. O animalzinho quer saber apenas de descansar. Cavalgando em seus cavalos, seguem os paladinos enquanto que os outros vão nas luxuosas charretes do gnomo.

Oldí ia tagarelando ao mesmo tempo em que dirige os enormes cavalos, puxando-lhes as rédeas.

Nisso Lodwein e Mowilla conversam pela janela da charrete com Belgar a cavalo. - Estou impressionado! Ele é um homem, digo... Um gnomo muito rico. E de pensar que é amigo de vocês. – Comenta o jovem.

- Oldirk é muito benquisto por toda a região centro e oeste de Nelwár. – Responde seu irmão. – Ele é dono de duas grandes corporações da cidade. Vejam esses postes com lâmpadas de óleo. Não existe um sistema de iluminação assim em mais nenhum outro lugar. Isso é uma ideia dos gnomos de Francolônia. E Oldirk é o dono da empresa responsável por repor o óleo todo dia, e cuidar das lâmpadas. Ele recebe muito por esse serviço. Sem mencionar também o cargo de representante das riquezas de Francolônia. Recebeu este título porque também é o chefe da indústria onde se produz as moedas de todo o reinado.

- Hol’nia! – Surpreende-se a jovem elfa. - E como vocês o conheceram? - Ah... Isso já foi muito antes de todas essas riquezas. Uma velha amizade muito

importante para nós, pois, ele é a ponte entre os anões e os homens do oeste. Isso porque o óleo das lâmpadas de Francolônia é produzido a partir duma planta cultivada pelos anões de Sihnerin. Assim como também o metal das moedas que os homens passaram a utilizar vem das minas de Kais-Linr. E como Oldirk é o representante das riquezas, e é o chefe da empresa que compra o óleo de Sihnerin e o coloca nas lâmpadas da cidade, ele está constantemente mediando relações mercantis entre os homens e os anões. De certa forma, ao longo da história os gnomos sempre estiveram mediando, com sua neutralidade, relações entre as raças. Isso sempre poupou muito atrito entre elas.

- Por céus e mares! Pelo o que vejo, ele é um gnomo muito importante! Deve ter uma vida bem pomposa, não é mesmo? – Pergunta o rapaz admirado.

- Oldirk de fato possui muito ouro, no entanto, não esbanja nada disso. A grande maioria do que adquire, doa de boa vontade para o tesouro dos paladinos.

- Um tesouro? Para quê os paladinos estão juntando uma riqueza? - É difícil de explicar Lodwein. Isto será para uma história futura. Um dia falaremos

sobre isso. E também vejam, já estamos chegando, a casa de Oldirk é logo ali. Sua residência não é tão longe do porto da cidade.

E seguindo por uma estrada bem pavimentada e iluminada chegam até um portal verde e passam por ele adentrando um jardim de uma magnífica morada. Muito charmoso à luz noturna é o gramado do pátio todo lotado de folhas caídas da estação. Na casa havia um andar térreo somente para dispensas, estábulos e quartos para os empregados. Mas escadas levam até o primeiro andar, onde estão os principais cômodos. Erguendo-se uns bons metros do chão uma torre intercede-se com o edifício. No sótão as janelas indicam um possível segundo andar com quartos. Tudo naquela casa havia sido construído em exagero: Muitos quartos, banheiros, algumas cozinhas, salas. Tudo com muito esbanjo. Então, por isso, vale explicar que os pobres gnomos se sentem ainda mais minúsculos nela, subindo enormes degraus, passando por portas grandonas, abrindo janelas gigantes, entre outras grandiosidades no dia-a-dia.

(Possível imagem da casa de Oldirk) Oldirk chega e para sua charrete. - Sigam-me, vou lhes mostrar a casa. E não se

esqueçam, meus amigos, a casa de Oldí em Francolônia é o segundo manso dos paladinos! E não se preocupem, porque assim como no manso, a comida aqui também é ótima! Vou tratar de preparar uma carne assada, o que acham? – Diz ele se esforçando para escalar os degraus. Chegando ao topo, lembra-se de outros convidados seus. – Ah, eu até me esqueci de mencionar, mas Gewu, o paladino vermelho, e sua família também estão aqui. Parece que teremos uma agradável reunião então!

Dessa forma os aventureiros chegam enfim à casa de Oldirk, o lugar mais seguro

daquela etapa da jornada que poderiam desejar estar. Isso é claro, se não forem importunados ali, em seu descanso. Isso é claro, se não forem...

Capítulo XVIII: O convite de Sellrám

Volta aos poucos a alegria e as forças dos aventureiros, que estão na casa de Oldirk,

juntos a Olganf e umas parentes dela, todas ajudando na cozinha e na limpeza da casa; assim como Gewu, um guerreiro paladino, com sua esposa e filhos. Por isso passa de pouco mais que duas dezenas o número de pessoas ceando ali naquela noite. E com tanta gente paladina reunida é de se esperar que a alegria do festejo tenha sido ainda maior.

Já chega a terceira hora após o anoitecer e o banquete já havia acabado, os convidados agora apreciam doces, bebidas e agradáveis conversas com os amigos. Mowilla já está íntima de Olganf, a irmã do anfitrião gnomo, e suas parentes, também com a esposa de Gewu, o paladino. Enquanto que Lodwein descobriu em Felnne, o filho mais velho de Gewu, um grande companheiro no fanatismo por invenções. Belgar, Noig e os outros conversam sobre feitos de combates, como sempre. Dessa forma foi fácil Oldirk e Endelorth afastarem-se dos outros sem serem percebidos e irem para uma sacada da casa.

Ali, respirando o ar da noite e vislumbrando, à luz do luar, o belo rio de Kais-Obîrg cortando Francolônia em duas partes, eles encontram o lugar perfeito para uma séria conversa.

- E então meu amigo, diga-me, na verdade, qual é a encrenca que os trouxe aqui dessa vez? – Inicia o pequeno gnomo perguntando Coruja Branca e fitando o distante.

- Bem Oldí, meu caro, saiba você que as notícias não são tão boas... – Ele responde. - Invadiram a fortaleza dos saberes. Consegue acreditar nisso? E segundo os relatos foram homens juntos a alguma força maligna. Lodwein, o irmão de Belgar, fazia uma apresentação de conhecimentos ao rei Leillindor no exato momento da invasão. Enquanto a princesa e Lodwein foram obrigados a fugir, a comitiva élfica que acompanhava o rei ficou e lutou. Imagine quão assustador para esses garotos... Eles têm de ser fortes nessa hora. Apesar de que devo admitir, estão se saindo muito bem, para uma primeira aventura. Há suspeitas que Mellrich de Alto da Mordida esteja envolvido nessa história.

- Pela pedra que brilha! Quão tristes notícias você me trás, meu velho! Eu bem conheço o conde Mellrich e sua fama...

- Ainda há mais, meu caro Oldirk. Ainda há mais. Os goblins estavam atacando os paladinos como, acredito eu, você deve já bem estar ciente disso. Porém, saiba agora que eles estão em uma guerra declarada de verdade. Intensificaram por demais os ataques goblins e descobriu-se um plano duma investida maligna para a tomada do bosque. E então os paladinos, os quais nada tolo são, os derrotaram antes de serem atacados, partindo para a luta. Eu fui chamado para ajudá-los nesse combate. Na situação, pedi para capturarem um goblin, pois desejava retirar informações dele, e por fim descobri algo que me trouxe imenso temor. Depois disso, que se passou na noite de ontem, fomos à Peleja-nova e conversei com Ghilick, o governante de lá, e mais uma vez tive um triste diálogo. Descobri os anões saberem da presença de goblins em seus reinos, no entanto não mais guerreiam contra eles. Que grande absurdo! E o pior é que eles desejam lutar contra os goblins! Guilick, como todo bom anão,

odeia goblins, entretanto ele recebeu ordens de não atacar essas criaturas odiadas e malditas. O mistério é este. Pois, quem lhe deu essa ordem? Ora, somente pode ser o rei anão! Mas, por céus e mares! Porque o rei anão ordenaria algo assim? É difícil perceber que todos esses absurdos parecem estar acontecendo de verdade.

Oldirk se espanta. – Mas você suspeita até mesmo do rei anão? Ora, é verdade o fato de fazer alguns anos que eu não falo com ele, isso aconteceu desde minha mudança para Francolônia. Porém, no tempo que convivi com o rei anão, pude perceber, apesar de alguns defeitos, uma integra conduta da parte dele. É difícil acreditar no que diz, mesmo fazendo bastante sentido.

- Sim, é uma pena. E essa é uma das minhas novas missões, confirmar quem, na verdade, está dando essas ordens aos anões, e porque faz isso.

Buscando respostas para essas perguntas com fatos que analisou nos últimos tempos, o gnomo reflete consigo.

- Enfim. E depois dessa conversa com Guilick, nós partimos de Peleja-nova com o barco de Noig. – Continua Endelorth. – E quanto à moça élfica e o rapaz, irmão de Belgar, eles precisam chegar até Beföllia, a floresta élfica. Preciso saber se poderia lhes acompanhar até lá.

- Sim, é claro! Com prazer farei isto. – Responde de imediato o gnomo. – Esse pedido veio na hora certa, pois estou de partida para Kais-Obîrg, provavelmente amanhã ou depois. Eles ficarão comigo lá na minha casa, e depois partiremos para Nusweld, a floresta élfica.

Endelorth não gosta disso. – Espere lá, meu amigo, tem certeza que levar a princesa élfica para o reino dos anões será uma boa ideia? Minhas suposições sobre o rei anão estão se tornando cada vez mais negativas e você me sugere levar a filha do rei elfo para ele? Não me parece algo certo.

- Eu entendo seu pensamento Coruja Branca. Está certo. Porém, saiba que sou bem prestigiado no reino anão. E seria algo muitíssimo problemático para o reinado deles se o rei procurasse problemas comigo. Lembre-se que sou o elo entre os homens e os anões de Corgham do Oeste.

- Assim então espero, meu caro Oldirk. Assim então espero. Vou lhe confiar a proteção destes dois. Faço isso, pois diante de tantos problemas, não posso mais continuar aqui, devo ir a outros lugares e solucionar esses e outros mistérios, antes deles tornarem-se reais catástrofes. Porém, Mowilla e Lodwein precisam chegar a Beföllia.

- Não se preocupe mais com isso, Coruja Branca. Mowilla e Lodwein estão sob meus cuidados a partir de agora.

- Isso me reconforta, meu amigo. Muito me reconforta. Sorrindo o gnomo ainda pergunta. – Mas, Coruja Branca, você pediu para capturarem

um goblin na guerra do bosque, pois desejava retirar informações deste, e por fim, você descobriu algo que te trouxe imenso temor. Correto? E o que foi isso?

Endelorth torna-se ainda mais sério, e se nota uma aflição interior dominando-lhe. - Caro Oldí... Nelwár me surpreendeu nesses últimos dias. Males terríveis parecem resurgir. Males os quais nunca deveriam resurgir das sombras. – Se cala ainda uns instantes antes de continuar. – Diga-me Oldí, o que sabe a respeito de um “dragão vermelho”?

Pondo-se a coçar a barba, o baixinho pensa. – Dragão vermelho? Ora... Nada. Não sei nada sobre nenhum dragão vermelho. Ainda mais em Nelwár, essas terras nunca tiveram dragões, essas pragas preferiam as terras mais distantes. Embora eu saiba de algo relacionado a dragão e que acredito lhe interessar. E isso é um segredo dos homens ricos dessa cidade. Eu nem mesmo deveria saber desse segredo, entretanto, acabo sabendo de cada sussurro dito em Francolônia. Entre os nobres dos homens há uma sociedade secreta chamada “Garra do Dragão”.

Espantado com este relato o mago vira-se duvidoso, e interessado pede que continue. – Por favor, conte-me mais sobre isso.

- Bem, pelo o que sei, não se trata de nada maligno, como um culto a algum ser perverso, como um dragão. Trata-se apenas de um grupo onde os homens debatem assuntos comercias como empréstimos, grandes compras, vendas e trocas, compartilham experiências mercantis e informações, criam parcerias e ajudam-se uns aos outros, um mútuo auxílio. Muitos condes, ricos, banqueiros e outros influentes participam dessa sociedade secreta. Há membros da “Garra do Dragão” espalhados em todas as cidades dos homens em Nelwár. Eu sei que a sede principal deles encontra-se em Swunildel, a Cidadela do Vento, a Grande Cidade dos Homens, cravada nas Montanhas Eternas. No entanto, cada província de Nelwár em geral possui uma sede, que costuma ser na cidade-principal da província. Por exemplo, aqui em Corgham do Oeste é em Francolônia, na cidade-principal, mais em específico na casa do Conde-chefe Sellrám, um dos homens mais poderosos e influentes de toda Corgham do Oeste. Um esnobe alto de aparência fina e muito orgulhoso. Espero que vocês nunca tenham o desprazer de conhecê-lo. E é ele quem comanda a “Garra do Dragão” nessa província. Bem, é claro, que tudo isso que acabei de dizer são informações secretas, e ninguém em Nelwár tem conhecimento.

- Fascinante. – Muitíssimo interessado naquelas informações, o mago medita sobre estas. Pondera então. – Mas ora! Se eles convidam ricos e influentes para participar dessa sociedade secreta, como você pode ainda não te ter sido convidado a tomar parte desse grupo também?

- Seria lógico que eu também tivesse sido convidado, afinal, alguns outros gnomos comerciantes daqui de Francolônia também o foram. No entanto acredito saber o porquê de não terem me convocado. Imagino eles saberem sobre minha amizade com paladinos e elfos, e isto, por algum motivo, pode ser um empecilho para minha entrada nesse grupo.

- Bem, isso prova então que a ‘Garra do dragão’ não trata de assuntos apenas comerciais... – Considera Endelorth. – Pois se eles discutissem apenas trocas, compras, vendas e outras meras questões mercantis, não faria sentido excluir você disso.

- Faz sentido... – Acrescenta o gnomo. – Ao menos há algo que tenho certeza! Os homens nobres dessa cidade sempre me pareceram um tanto quanto suspeitos, e eu não confiaria neles, por motivo algum.

Todas essas conversas as quais tinha escutado ultimamente enchem a cabeça de Coruja Branca com sempre mais dúvidas e ele se sente perdido, pois, Endelorth é um homem muito sábio, e todas as pessoas recorrem a ele para tirar suas dúvidas sobre os fatos do tempo. E,

naquele momento, ele não assumia sua posição do inteligente que sempre está um passo a frente, para poder ajudar os outros. Na verdade, se alguém lhe convocasse pedindo conselhos naquele momento, ele não saberia ser útil. Tem mais dúvidas que certezas. E isso está errado. Endelorth é o mago de Nelwár, assim como de outras regiões. Então compreender por completo as situações problemáticas dos povos é sua missão, para poder assim, com devida sabedoria, aconselhar aos outros corretamente. Coruja Branca percebe como está para trás, e preocupado com isso toma uma decisão consigo.

Vaga, dessa forma, Endelorth e Oldí em pensamentos à luz do luar. Quando, para a triste surpresa deles, uma gnoma, parente de Olganf, chega até os dois

alertando-os sobre algo. - Com licença senhor Coruja Branca e senhor Oldirk, mas recebemos a visita de um nobre. Ele está à porta e deseja ser recepcionado apenas por ti, senhor Oldirk.

O mago e o gnomo se entreolham estranhados pela presunção do visitante. – Deseja ser recepcionado apenas por mim? E qual o nome dele?

- Ele manda dizer que é Sellrám Grão-corcel, o Conde-chefe de Francolônia. - Que propício, não acha? – Brinca o velho mago, demonstrando seu senso de humor. Mas Noig se preocupa com a situação, desespera-se. – Essa não! Ele vai querer entrar,

e ele não pode encontrar a princesa élfica! Temos de escondê-la depressa. – E dizendo isso corre para a sala e toma as devidas providencias para com os seus convidados.

Contudo, o mago está calmo quanto a isso, e tem uma ideia. Vai logo a trás dele e antes que o pequeno pudesse dizer algo, toma a palavra. - Não se preocupe Oldí, apenas aja com naturalidade, confie em mim. – E virando-se para os paladinos, gnomas, a princesa élfica e os outros, continua. – Prestem atenção! Um conde da cidade entrará aqui. Apenas ajam com naturalidade, independente do que virem, confiem em mim, tenho um plano, não escondam a elfa.

Oldirk sai nervoso em direção à porta, buscando acalmar-se. Por sua vez, Endelorth cobre a cabeça com o capuz de seu pesado casaco e retira de suas vestes algo.

À porta, Oldí toma coragem para abri-la e num último momento olha para o mago à esquerda de si. Coruja Branca faz-lhe sinal positivo, dizendo-lhe com isso para ter coragem e confiar nele.

Abre, assim, o gnomo, a porta e encontra o conde e uns dois capangas. Ora, quando ele faz isso, para a incompreensão do pequeno, o mago revela o que havia pegado de suas vestes, é um pano translúcido, uma espécie de manto transparente. Segurando-o, Endelorth usa-o como uma rede de pesca, arremessando-o sobre o conde e os seus, cobrindo-os quase que por completo.

Lembrando-se dos avisos do mago, Oldirk mantêm a indiferença, mesmo diante dessa bizarrice.

- Minhas saudações Oldirk, como andam as coisas? - Questiona o nobre coberto, junto aos seus capangas, pelo estranho tecido branco com leves tons vermelhos. - Como sei que você é um gnomo rico, não deve dormir tão cedo quanto os outros de sua raça, não é verdade? Bem sei que mal escurece vocês costumam já se trancar em casa e ir dormir. Mas os ricos sempre

têm tantas contas para fazer, não é verdade? Por isso tomei a liberdade de vir aqui um pouco mais tarde. E também, pois esse foi o único tempo que tive.

- Olá Sellrám, como andam as coisas? Você acertou. Estou acordado. Mas saiba que não por dinheiro, entretanto, pois tenho convidados especiais, como pode ver. – Disse ele apontando para o mago. - Por isso, perdoe se posso parecer indelicado, mas tenho de dar a devida atenção nesse momento aos meus amigos os quais me visitam, assim peço a você para ser breve em suas palavras e dizer-me depressa em que posso ajudar a você?

- Como posso ver? – Pergunta o Conde-chefe Sellrám espichando sua cabeça para dentro da casa de Oldí a procura de alguém. – Desculpe, não vejo convidado algum, e por sinal, nem mesmo escuto nada.

Oldirk olha para o mago. Endelorth não diz nada, mas com sinais de mão indica que o conde e os seus não podem enxergá-lo. Muito provável devido ao pano que os cobre. Coruja Branca pede para o gnomo continuar falando. - Estávamos ceando, porém não sei se meus convidados ainda estão à mesa, pois vim aqui recebê-lo. Talvez por isso você não os escute banquetear.

- Ora, não tem problema! Peça a mim para entrar então, assim posso ir ter com eles e conhecê-los. Ótima ideia, não concorda? – Convida-se Sellrám a si mesmo.

Em profunda confusão e dúvida, Oldí não sabe o que deveria fazer. Tenta olhar de leve para o lado para receber alguma resposta de Endelorth. O mago então confirma permitindo a entrada do conde e os seus capangas. Oldirk, por fim, responde-lhe. – Claro Sellrám, boa ideia! Por favor, entre.

E é com a entrada do Conde-chefe que as confusões começam. Isto, pois, alguns

problemas do plano de Endelorth, as quais ele já havia considerado, acabam acontecendo. A primeira confusão se dá quando um dos capangas não acompanha o passo do conde,

e com isso descobre-se do tecido. Percebendo isso, o mago puxa seu cajado e parte ao ataque. Com um feitiço cala a boca do capanga e começa uma briga de socos com ele.

Enquanto isso Sellrám entra na cozinha e vendo os paladinos e os outros à mesa, usa de toda sua falsa cortesia para saudá-los, sendo de propósito sarcástico. - Prazer em conhecer vocês... Conhecidos de Oldirk. Pela condição das botas, percebe-se que fizeram uma longa jornada para estarem aqui. Que admirável esforço. – Ele observa os paladinos com desprezo, e faz isso sem receio algum. Olhando para eles, pensa consigo sobre o “tipo de gente” com que Oldirk andava. Entretanto, ele encontra algo inesperado. Passando o olhar sobre os convidados alguém lhe chama muito sua atenção.

– Esperem... – Fala ele com o olhar fixo na elfa, se aproximando. – E você? Você não é como eles. O que uma dama tão... É... – Ele quis elogiar a beleza da elfa, contudo após haver desprezado os convivas de Oldirk daquela forma, envergonha-se em agora falar bem. –Diga-me. O que você faz aqui? – Tomando a mão dela, beija-a.

Não consegue, o conde, tirar os olhos da moça, está confuso e sem palavras. Pois aos seus olhos ela parece uma simples humana, no entanto, com algo de diferente e magnífico. Não se compara com nada que já havia antes visto. A maior das belezas. Algo imortal numa

simples mortal, algo incompreensível e indescritível. É isso que ele vê. Recompondo-se do choque e da confusão a qual o anuviava quanto mais a olhava, ele pergunta a princípio num gaguejo. - Que-quem é você? De onde é sua família?

*

Mas enquanto Sellrám questiona isso vislumbrado, Endelorth na sala ali ao lado pinga de suor quando consegue por fim fazer o tal capanga desmaiar, depois de golpeá-lo com força na barriga e acertá-lo em cheio na nuca usando seu pequeno bordão. Os convidados de Oldirk assistem a toda essa cena com exclusividade, pois a sala de refeições onde estão tem uma grande abertura para a outra sala onde Coruja Branca dedica-se em calar o capanga.

* Ao mesmo tempo, Oldirk responde ao conde quem é Mowilla e sobre sua ascendência.

- Esta é Modwina, ela e a sua família são nossos amigos. Uns dos meus conhecidos. Eles são homens lá da distante região de Lantfil. – Para proteger a identidade da princesa ele muda o nome e a origem dela.

- Modwina? Que nome bonito... – Admira-se o conde, fascinado pela elfa. – Eu sei de alguém que ficaria muito contente em lhe conhecer, sabia?

Oldirk se assusta ao ouvir isso. Pois Sellrám tem agora planos de ou levar a princesa para outro lugar, ou de trazer mais alguém para vê-la. E isso não poderia acontecer. Ela tinha de partir o mais depressa. Oldí, o gnomo, interrompe-o. - Com licença, desculpe Sellrám, contudo, já é tarde e acredito você não ter vindo aqui somente para conhecer meus convidados, não é mesmo? Então, diga, o que te trás aqui?

*

Para o maior esforço do mago, o outro capanga acaba também tendo sua cabeça descoberta e com isso ele vê Endelorth e seu parceiro ferido no chão. Antes de poder gritar, e iniciando mais uma luta, Coruja Branca depressa o emudece, e dessa vez também o puxa para si, com um feitiço. Depois parte para os socos e pancadas. É cômica a maneira como os paladinos, sentados à mesa, viam toda a contenda na sala ao lado e agiam naturalmente.

*

Apertando o fraque sobre os ombros e a cartola sobre a cabeça, o Conde-chefe Sellrám, um homem de soberba esculpida na face, continua. - Tem razão, meu companheiro gnomo, já é tarde. Eu decidi vir em pessoa convidar-lhe para aquela comemoração que falamos semana passada. Lembra-se? Será uma galante festa na residência do Conde-chefe de Francolônia, no caso, eu. Espero que você compreenda o quanto é de suma importância a sua presença. Lembre-se, você faz parte do conselho secundário diretor desta cidade. E também aproveitaremos para fazermos disso as honrosas despedidas suas, pois nós sabemos da sua viagem de volta para Kais-Obîrg.

- Entendo, claro. E estarei lá, pode contar com isso. Agradeço.

- Sua irmã, Olganf, é o nome dela, correto? Também está convidada. – E virando-se para a princesa. - Assim como a donzela Modwina, a quem faço muita, muita, muita questão da presença. – Oldí irrita-se pelo conde ter usado “os três muitos”. - Entretanto, jovem Modwina, antes de me responder se irá aceitar ou não meu convite, preciso saber de Oldirk se ele já lhe explicou algo importantíssimo. – Ele volta-se para o gnomo. – Oldirk, você já a explicou sobre as “leis retentivas” de Francolônia?

- Não, Sellrám, ainda não tive tempo. - Pois então me deixe esclarecê-la. Modwina, cada povo tem sua cultura e nós

devemos respeitá-las. A cultura do nosso povo tem suas origens na província de Corgham, bem distante daqui, nas terras banhadas pelo Rio Eterno. E nós temos alguns costumes culturais que foram trazidos desde nossos pais e os quais nunca podem ser quebrados. Por isso são chamadas “leis retentivas”, pois fomos as mantendo entre nós como obrigações. Contudo, não se preocupe, elas são leis muito simples e as quais somente buscam trazer educação ao povo. Odiamos a falta de educação. Faz parte da nossa cultura. Entende? Tudo se trata de uma busca pela educação. Por isso é importante entender a existência de algumas ações que são consideradas erradas por aqui e que nunca se deve cometê-las. Uma delas é o desacato aos “três muitos”. Ela é uma regra bem simples: Se eu lhe peço algo usando da palavra “muito” repetida três vezes, e isso não lhe vier a custar dinheiro, ou tempo que possa ser gasto produzindo dinheiro, você se torna obrigada a fazer isso. Entende? Assim como quando lhe convidei com três vezes muita questão de que fosse.

Mowilla boquiaberta não sabe o que fazer. Não entende aquela situação. - Não se preocupe Sellrám, ela irá comigo. – Afirma Oldirk. Isso alegra o Conde-chefe, o qual sarcástico se vira para os outros e num sorriso diz. -

Acho que nem precisarei convidar vocês, pois sei que coisas desse tipo não agradam pessoas como vocês, não é verdade?

- Mas eu aceito o convite! – Lodwein, que estava assistindo tudo furioso, contendo-se para não cometer alguma loucura, responde irritado.

- Não é preciso que vá. – Retruca o Conde-chefe evitando a presença de mais outros. - Contudo, eu quero muito, muito, muito ir para essa festa. E sou amigo de Oldí, assim

como de Mowi... Modwina. – Contra-argumenta o rapaz. Sellrám o fita num menosprezo notável. Entendeu, o moço, com perfeição como se

aplica a regra e havia a usado de forma inegável. Responde então o conde num falso riso. – Estou apenas brincando contigo, é óbvio que também pode ir.

- Eu também irei. – Ergue-se Belgar segurando o ombro de seu irmão, ao lado de Mowilla.

*

Endelorth vencia do segundo capanga quando percebeu que a conversa já estava acabando. Precisa, dessa forma, acordar aqueles dois valentões. Segurando firme seu bastão, uma luz brilha na ponta deste e ele os golpeia sobre a fronte. Ao fazer isso se abrem as

pálpebras deles. O mago pronuncia-lhes umas palavras. Com isso os ajudantes põem-se de pé coçando a cabeça e sem se lembrar de nada.

*

E já se virando e partindo embora, o Conde-chefe lhes disse. - Está bem então, os três, a bela donzela Modwina e os dois rapazes, além de Oldirk e Olganf estão convidados. Até mais. – E sai depressa antes de mais alguém o surpreender com algum pedido. Sem mais se voltar, segue para fora da casa, a porta já lhe está aberta. Endelorth se aproxima de Sellrám e segura o manto o qual ainda lhe cobre. Puxa-o para si, para que não fosse levado. E assim parte o Conde-chefe depois do convite.

Após o acontecido, todos estão extremamente irritados com o conde, devido a sua

audácia e ousadia, já Mowilla, sente grande medo, Sellrám assustou-a. Porém aquilo tudo ainda parece estar dentro do planejado, assim Endelorth tranquilo

brinca com a situação dando uma gargalhada e quebrando o silêncio. - Vocês viram aquela pancada que eu dei no grandão careca? Foi bem em cheio, não acham?

Olganf, triste em ver o pavor da princesa, pergunta aflita ao velho de cabelos brancos. - Senhor Coruja Branca, o que faremos agora? Precisamos que venha conosco para essa festa!

- Não minha senhora, desculpe-me. Depois essas conversas com seu irmão, Oldirk, descobri não poder mais acompanhar os jovens nessa aventura.

Lodwein levanta-se furioso. – Então quer dizer que você vai nos abandonar? Quando mais precisamos da sua ajuda? Você nos colocou nessa situação dizendo para não escondermos Mowilla. Agora ela tem de se apresentar para todos os homens de Francolônia, esses nobres perversos e maldosos! E agora? Dê-nos uma solução!

O velho Coruja Branca é de fato muito mais sábio que o rapaz. Ele dá um riso, e bem humorado alerta-lhe. – Acalme-se meu jovem. Em primeiro, é prudente da sua parte ser mais respeitoso com os mais velhos. Em segundo, digo-lhe que tenho uma missão para vocês, e esta não é hora de lamento. Vocês aceitaram a condição de guerra, não é verdade? Não foi isso que pediram para Muldat? Desejavam guerrear. Não é verdade? Então pergunto-lhes, acreditam mesmo a guerra ter acabado ali contra os goblins, no bosque das raposas? Não meus jovens, não mesmo. A guerra somente começou, e nem mesmo está perto de seu fim. Então parem de prantear como se fossem vítimas e todos tivessem de lhes proteger. São vocês quem devem proteger aqueles que lamentam! Nelwár, a terra de vocês, está sendo ameaçada por forças malignas e vocês, mais uma vez, fogem da luta por terem medo do desafio? Tenho a vocês uma missão, meus jovens! Arrancar informações dos condes de Francolônia, de modo especial, Sellrám. Saibam, meu nariz me indica cheiro podre vindo dos feitos desses condes. E são vocês quem devem desvendar o que eles tramam. Também lhes dou a missão de descobrir mais sobre a sociedade secreta “Garra do Dragão”. Esta é a missão. E preciso saber: Aceitam-na, ou recusam-na?

Por essa Lodwein e Mowilla não esperavam. Contudo eles foram sábios dessa vez, e mais que depressa tratam de secar as lágrimas e acalmarem-se, dando o lugar do medo para a

coragem novamente e o forte desejo de ajudar os outros. Os dois põem-se em frente ao mago, e abaixando suas cabeças reconhecem seu erro. - Desculpem-nos Coruja Branca! Tem toda razão! Aceitamos sua missão!

E é isso que Endelorth esperava ouvir. Sorridente, o homem os abraça e parabeniza pela decisão. Mowilla não resiste ao choro de felicidade e emociona-se. Neste momento o mago também diz ao rapaz. – E preciso ainda elogiar sua atitude Lodwein, agiu muito bem usando da mesma “lei retentiva” dos três muitos, utilizada para lhes obrigar a ir à festa, contra o próprio conde Sellrám, dizendo que você fazia muita questão comparecer a este banquete. É exatamente assim que vocês devem agir! Com sagacidade!

- Obrigado, senhor Coruja. – Fala Lodwein. Ele, sabendo das ainda muitas dificuldades da situação, questiona preocupado. – Porém Coruja Branca, ainda temos o problema de Mowilla, como escondê-la?

- Não se preocupe, meu jovem, a solução é este pano. – Diz o mago mostrando o véu misterioso o qual utilizou para cobrir o Conde-chefe. – Este é o manto de Fälloni. Ele é feito dum tecido mágico com propriedades especiais, as quais permitem, aquele quem o saiba manusear, esconder algo desejado. Por exemplo, na situação com Sellrám, usei-o para três ocultações: Para me esconder dele, para não ouvir sons de luta e para esconder a natureza élfica. Assim, se Mowilla cobrir seu rosto com o manto de Fälloni e também, é claro, acredito não precisar mencionar, suas orelhas pontudas, ninguém lhe reconhecerá como sendo uma elfa.

Eles então se alegram muito ao ouvir isso. - Porém, há um efeito não esperado com o uso do véu. – Acrescenta o velho. Espantam-se. – Efeito não esperado? O que acontece? - O manto de Fälloni esconde a natureza élfica, porém, não a beleza élfica, e ao se

apagar a natureza, a beleza apresenta-se com todo seu potencial possível sem os limites da natureza. É como se sob esse manto, o elfo exibisse sua aparência élfica, sem ser um elfo, e sim, sendo humano. E isso sem transgredir a lógica da beleza conhecida pelos homens. Como se uma beleza imortal se contivesse num ser mortal. Resultado disso: Ela se torna belíssima aos olhos de quem a vê.

Parece algo complexo de entender, e a dúvida surge nas expressões faciais dos presentes. Endelorth os acalma. – Não se preocupem, dará certo. Vocês somente nunca devem tirar o manto de Fälloni dela, e é claro, ou mostrar suas orelhas pontudas! É isso, amigos. Desejo-lhes as luzes inspiradoras de Geh’ve sobre suas mentes. E adeus então.

Espantados em ouvir isso, os presentes se entreolham. – Já está de partida, senhor Coruja Branca? – Belgar questiona surpreso em nome de

todos. – Assim, tão de repente? - Sim meu caro, vou aproveitar o ensejo do susto que já levaram com o convite de

Sellrám. Não tenho tempo a perder – Ele pega seu saco de viagem e o joga nas costas. – Adeus Buliru, Dobisto e Nadasufo. Força e coragem Vódiv e Fumbiamu. Fique em paz Gewu e família. Olga, sua sopa estava deliciosa, até breve minha amiga. Agradeço pelo barco Noig, Geh’ve

ilumine-te sempre. Adeus também, pequena Mowilla e Lodwein. Acalmem-se, vocês estarão seguros com Oldí, ele os levará até Beföllia.

- Espere senhor Coruja Branca. Porque vai tão depressa? Apesar de tudo gostaria muito que continuasse conosco! – Pede a princesa, expressando o sentimento dela e dos outros.

- Esta não é a última vez que nos veremos, meus caros, acreditem. Fiquem em paz. Contudo, tenho um pedido a fazer. Gostaria que ao menos até depois dos muros de Francolônia, Belgar e Oldirk me acompanhassem.

– Sem dúvida te acompanharemos, Coruja Branca! – Respondem eles. E assim, em poucos minutos o sábio mago parte da casa de Oldirk a cavalo com o

gnomo e o irmão de Lodwein. Cavalgam para fora da cidade, atravessando os portões e indo sobre gramados verdes

iluminados pelo luar. Após tomarem uma distância bem segura de Francolônia, os guardas já não os podem mais avistá-los com facilidade.

Então o mago comenta com eles. - Pelo visto, meu amigos, temos problemas. E não parecem ser pequenos.

Oldí, o gnomo, faz-lhe uma pergunta sobre alguém a quem prefere não dizer o nome, talvez o velho já soubesse de quem se trata. - Diga-me Endelorth, o que você insinua com forças malignas? Você não estaria pensando que aquela maligna pode ter voltado, ou está?

- Infelizmente, é o que parece. Somente tenho certeza de que estamos vivendo um tempo de trevas, onde os maus tramam contra os bons com uma audácia muito espantosa. Acredito estarmos caminhando para uma armadilha, ou talvez já estejamos nela. Essa história é de fato complicada.

- E para onde você vai, mago? Você vai tentar encontrar e derrotar a gritante muda? – Belgar pergunta-lhe.

- Além de não poder me reter somente aqui e ter de também tomar parte em outros assuntos, tenho de me interar melhor de todos esses fatos os quais recaem sobre vocês. É isso que irei fazer ao partir.

Enquanto falam Olwil, a coruja gigante branca, desce dos céus e pousa ao lado deles. Após uma reverência honrosa para o animal-amigo, o mago desce de seu cavalo e sobe nela. Montado na ave enorme ele os alerta. – Preparem-se para o pior, meus amigos, preparem-se para o pior.

E assim ele sai e some nas nuvens lá nas alturas. Seu cavalo seguiu solitário para o

norte. Oldirk e Belgar voltaram para casa. Enquanto isso Lodwein e Mowilla estavam assustados e um pouco ansiosos com sua missão. Deveriam ir para o banquete com os condes e lhes arrancar informações preciosas. Seria algo difícil, mas aceitaram o desafio.

Capítulo XIX: Olga os prepara

No dia seguinte, após uma pesada noite de sono, Mowilla e Lodwein ainda estão

exaustos, pois as horas de sono não foram suficientes para repor o perdido na última noite, a qual eles lutaram na Guerra d’Outono. Por isso, nenhum dos dois sai muito depressa de seus respectivos quartos. Ambos compartilham os mesmos sentimentos. Sentem-se temerosos e abatidos, talvez devido à missão que receberam de Endelorth, e que deveriam executar na noite daquele dia. Talvez fosse um pouco de medo manifestado em preguiça, porém, isso já era de se esperar, afinal, são jovens demais para tudo aquilo que estão passando.

Logo após o clarear, Belgar trata de levantar seu irmão para o dia. Ele ainda deita-se na cama do quarto separado por Oldirk para os dois irmãos passarem a noite. - Ei Lodwein, acorde, não acha que passou da hora?

Se contorcendo todo de preguiça o jovem nem mesmo consegue erguer-se da cama. – Ora Belgar, porque acordar tão cedo? A festa com o conde é somente à noite.

- É, mas temos muito o que discutir, planejar e ajeitar no dia de hoje. - O que, por exemplo? - Sem nem mesmo tirar o rosto enfiado em sua almofada, o

rapaz exausto questiona. - Levante-se logo, Lodwein! Tia Olga já passou umas quinze vezes batendo aqui na

porta perguntando se você já estava pronto. Ela precisa tirar suas medidas para costurar as roupas. E também precisamos planejar a estratégia para a missão de hoje na festa. – E Belgar demonstrando como de fato conhece seu irmão, acrescenta ainda. – E também bem sei que você deve estar uns bons dias sem fazer suas meditações direito. Como bom conhecedor você deve sempre as fazer. Na verdade todo membro de Kahvian deveria. E se quiser podemos fazê-las juntos, agora, antes de sair do quarto.

Reconhecendo a verdade na fala dele, Lodwein vai tomando ânimo e se põe de pé. Segue até o banheiro do quarto, lava o rosto e a boca. Troca de roupa, usando uma simples veste deixada por Oldí para ele.

Estavam meditando quando ouvem uma voz conhecida à porta. – Belgar, meu querido,

o seu irmão Lodwein já está acordado? O próprio jovem responde falando alto. – Acordei tia Olga! Espere somente mais

alguns minutos e em breve estaremos lá em baixo para tomarmos a refeição matinal. Vá descendo na frente.

- Tudo bem então! – Replica a voz. Após uns breves instantes eles concluem suas reflexões, lendo e meditando trechos de

poemas e textos antigos, muitos deles em geral narrando a Grande Guerra. Vão saindo, e ao abrir a porta uma surpresa.

- Ora tia Olga! O que a senhora faz aqui? – Dizem eles ao depararem-se com a gnoma lá em pé, do lado da porta.

- Olá meus queridos, dormiram bem? Preciso muito das medidas de vocês para começar a trabalhar na costura de suas roupas. Amo vestir-me e vestir aos outros com belas vestes, contudo, não sou muito ágil no ofício da costura. Desculpem-me também, em geral não sou assim tão impaciente, porém, não temos tempo a perder. Por favor, peço que me acompanhem até aquela segunda porta.

Belgar e Lodwein, vendo-se sem muitas opções, cedem. - Olá tia Olga. Se a senhora faz tanta questão de que façamos isso, até mesmo antes do café da manhã, nós vamos então.

Passando por um corredor de madeira nobre chegam a uma porta. A maçaneta desta é avermelhada como se feita de cobre. Repararam nela, os dois rapazes, não sem vão motivo. Ela é muito alta em relação ao chão, e seria difícil a gnoma, até mesmo se se espichasse na ponta dos pés, alcançá-la. Belgar já ia levando a mão para girá-la, quando de repente a porta abre-se. Tia Olga havia rodado uma maçaneta menor bem a baixo, improvisada com um sistema interno para ao sê-la girada, acionar a maior.

Reparando no ato dele, ela lhe diz. – Não se preocupe, querido. Oldí e eu já tratamos de adaptar essa casa de homens gigantes para nós, pequenos gnomos.

E é verdade. Por todos os lados da residência havia improvisações de pequenas engenhocas para solucionar os problemas do dia-a-dia, que para um homem não passaria de uma simples situação cotidiana, e a qual fariam sem perceberem tê-la feito, para os pequenos, eram verdadeiros desafios. Isso se agrava, pois, por algum motivo desconhecido, por ironia talvez, aquela casa tinha suas medidas gerais ainda maiores, em relação até mesmo a um homem comum. Oldirk havia comprado essa casa há muito tempo, sem nem conhecê-la, porque precisava dum lugar seguro, próximo do porto e que fosse no bairro rico. Assim acolheria com maior facilidade os paladinos viajantes, distantes do manso paladino, vindos, em geral, de barco. Em alguns momentos Oldí não se importava com os problemas da casa, e gostava de pensar engenhocas para solucionar os problemas, já em outras, arrependia-se de tê-la comprado. Para certas escadas da casa foi necessária a criação de degraus auxiliares rotativos automáticos. Eram partes da escada que ao rodar formavam novos degraus.

(Imagem da engenhoca do degrau auxiliar rotativo automático) O quarto que haviam entrado trata-se do quarto de Olga. Correndo para pegar fitas de

medidas, a gnoma, apertando-lhes em diversos pontos, ia anotando tudo em um papel. Faz isso com os dois. Enquanto Lodwein apresenta medidas de um jovem esbelto, pouco alto e debilitado pelos recentes esforços, Belgar é um homem maduro e forte. Como passava por constantes treinamentos e desafios em sua vida paladina, havia de fato tornado-se um guerreiro muito robusto. Sendo assim, a roupa para eles deveria corresponder a seus jeitos. Olga sabe da dificuldade desse trabalho, mas aceita com prazer.

Após isso, eles finalmente descem e encontram-se com Oldirk e Mowilla já à mesa comendo pão e bebendo leite quente. A família de Gewu também está lá.

- Sejam bem vindos, meus amigos! – Saúda Oldí. – Olga já conseguiu as medidas de vocês? Saibam que ela está muito animada com isso. Minha irmã se diverte quando o assunto é vestimentas. Ainda mais de jovens como vocês.

- Sim, mal saímos do nosso quarto, ela nos empurrou para seu cômodo e fez suas diversas anotações. – Fala Belgar.

As pessoas na mesa riem. - Está certo! Mas acredito que agora vocês tenham um pouco de tempo para tomarem

a refeição da manhã. – Diz Oldí. – Vamos, sentem-se à mesa. Sentam-se, os dois, e Oldirk gostaria de alertá-los desde já sobre as conversas que

deveriam de ter naquele dia, para esclarecer os pontos da missão. Mas vê que os jovens, apesar de sempre estarem buscando coragem e ânimo, ainda estavam meio abalados por tudo aquilo que vinham passando, e por isso ele prefere deixá-los ter uma agradável refeição da manhã sem intromissões de assuntos que não se tratassem de uma boa descontração. E bonita é a sala de refeições onde estão. Por janelas altas como a parede e cortinadas, entra a luz da manhã, a qual parece mais encantadora em Francolônia.

Ora, ainda estão conversando descontraídos quando Olga entra na sala e sem chamar muito a atenção, como bem é de seu jeito, chega contente e animada até Lodwein e Mowilla. - Meus queridos! Já comecei a preparação das roupas de vocês. Porém queria saber mais sobre a opinião de vocês a respeito de seus estilos preferidos. Acho que já terminaram de comer, não é verdade?

- Sim. – Responde a elfa. – Vamos com a senhora, então. Ao perceber a presença de sua irmã a conversar com os jovens, Oldirk logo diz. – Mas

Olga! Você já está os levando para escolherem as roupas? Ainda não! Eu precisava falar com eles algo importante!

A gnoma dá sua gargalhada contagiante. - Não se preocupe meu irmão! Serei breve com eles.

Oldirk percebe o horário. – Acho que conversamos demais mesmo! Vamos fazer assim, enquanto você leva os meninos para verem as questões das roupas contigo, sentarei com os homens para decidirmos um plano para hoje à noite. As mulheres da mesa, caso elas queiram, podem acompanhar vocês.

- Por mim, tudo bem! – Responde a gnoma. – Mas Belgar precisa vir também. - Desculpe Olga, mas vou ficar para discutir com os paladinos o plano. – Responde o

irmão de Lodwein. - Ah não! Você precisa vir! Porque se não, depois escolherei uma roupa que não lhe

agrada, e a enfeitarei duma forma a qual não vai lhe agradar, e não ajustarei com perfeição a veste! Isso não. É sempre assim. É como quando vou dar presentes aos meus afilhados. Se eu não dou nada, reclamam, e quando dou algum presente, desapontam-se comigo por não gostarem ou estar apertado ou folgado demais!

Belgar ri. – Não se preocupe Olga. O que fizer para mim estará ótimo. Não concorda, a baixinha, e sem jeito de continuar a insistir, fica hesitante na fala,

buscando algo a dizer. – Mas... Bem... É... Percebe a confusão a qual causou nela, o rapaz diz-lhe. – Está bem tia Olga! Vou lá

mais tarde então.

– Que maravilha! Posso me ir agora! Acompanhem-me por favor, meus queridos. – Fala referindo-se à elfa e ao moço.

Lodwein e Mowilla veem-se sem muita opção, diante da insistência da tão amável tia Olga.

- Quando voltarem, conversaremos sobre hoje à noite. - Belgar lhes fala ainda. Assim saem, mas dessa vez vão até um cômodo da casa reservado somente para a

costura. Lá Olga trata de pegar os modelos escolhidos para mostrar-lhes. A gnoma não iria coser uma nova roupa para cada, somente iria escolher umas peças, selecionar suas melhores partes e montar uma veste para a festa daquela noite. Isso é um costume daquele povo. Costumam sempre vestir uma roupa nova em eventos sociais grandiosos, porém por vezes, a veste é apenas uma reunião de partes, com novos bordados e adereços antes não usados. Então é possível de se pensar como eram as roupas deles.

Trás, a gnoma, umas três peças para Lodwein. – O que acha? Qual delas você mais gosta?

- Bem, para ser sincero elas me parecem muito estranhas. Não tem nada haver com o que gosto de vestir.

- Está vendo! É por isso que digo sobre a necessidade de vocês opinarem sobre as minhas escolhas! Mas então, que tipo de roupa você gosta?

- Para dizer a verdade, não tenho um gosto muito definido e nem sou tão exigente com roupas. – Diz o rapaz. – Somente evito coisas extravagantes, entende? Cresci sendo vestido dessa forma. – E agora lhe vindo um pensamento, Lodwein sente-se um pouco triste. – É como minha querida Reci me vestia, era ela quem costurava minhas roupas. Para mim e para Todyeld.

Olga questiona-lhe. – Reci? Quem é esta? Um pouco abalado o jovem responde. – Foi minha ama de leite quando criança, minha

grande amiga e protetora. Hoje sei, ela foi minha mãe. - Entendo. – Disse Olga parando o que fazia por uns breves instantes. Não sendo muito

boa em entrar em espírito de lamúria, a gnoma logo pega outros exemplos para mostrar-lhe. – E esses dois, o que acha? – A tristeza parece não fazer muito sentido à cabeça de Olganf, talvez pelo seu notável dom da alegria verdadeira.

Não se deixando levar pelos fatos infelizes, Lodwein volta a si e analisa o que lhe é mostrado. – Bem, esse em sua mão esquerda é interessante. Somente achei esses babados muito ridículos, nenhum pouco masculinos.

- Concordo. Acha que se tirarmos isso, e ajustarmos ao seu tamanho, está bom? Ou quer acrescentar algo?

- Por mim está ótimo. Somente isso e estará ótimo. Olga gargalha. – Mas não, meu querido! Há muito mais. Ainda falta a capa, os anéis, o

cinto, a calça! Estamos somente começando! Lodwein desanima. – Essa não. Por favor tia Olga, poupe-me de tudo isso! Escolha por

favor o que a senhora quiser para mim.

Olga e Mowilla acham isso engraçado. Diz lhe a elfa. – Eu ajudarei a escolher para você!

O rapaz agradece, mas ainda faltava Mowilla escolher seu vestido. Ela questiona a gnoma sobre sua roupa. - E quanto a mim, tia Olga? - Ah sim, bela elfa! Você merece o mais belo dos vestidos! E sei bem onde encontrá-lo.

Siga-me, há uma seção somente de vestidos atrás daquela porta. Vamos escolher um pra você lá.

Mowilla alegra-se ao ouvir isso. E, como amigas em uma loja de roupas, a elfa e a pequena senhora contentes e ansiosas vão vagarosas até lá, conversando sobre vestidos, cintos, véus, adereços e outros temas femininos.

Lodwein senta-se ali pensativo, observando o quarto de Olga. Enquanto isso reflete ele consigo sobre a gnoma. Percebe, o rapaz, nela algumas semelhanças com Reci, sua mãe de consideração. Isto nota-se em certas maneiras do agir e no lidar de Olganf com pequenas situações. Também ambas gostam de costurar. Contudo uma diferença é notável, o que Olga tinha de calma e alegre, Reci tinha de impaciente e inquieta, ainda mais quando algum problema surgia.

Por um longo tempo o rapaz esperou pelas duas, até que elas chegam rindo e ainda conversando sobre seus assuntos de vestimentas.

Mowilla lhe diz. - Escolhemos um vestido belíssimo! - É mesmo, onde está? - Não! É surpresa! Você o verá hoje à noite! – Afirmando isso, a moça e a pequenina

entreolham-se risonhas, como se estivessem armando um plano secreto. O rapaz contenta-se. – Tudo bem. – Na verdade nem tinha mesmo tanta curiosidade. Despedindo-se deles, Olga fala-lhes. – Agora vão logo até Oldirk e os outros, já devem

estar furiosos comigo e minhas intromissões em suas discussões. Vão! Até breve. Se necessário, os chamarei de novo.

Com isso eles vão até a sala de refeições onde os outros estão a conversar. Mal os

jovens chegam, todos levantam-se da mesa. Parecem haver acabado de chegar a uma conclusão sobre alguma ideia e todos teriam concordado com isso. Seria o fim da discussão.

Belgar ao se virar depara-se com seu irmão, e lhe chama com o apelido que lhe deu. – Olá Lowdy! Acabamos de decidir o plano, e lhes falaremos dele depois do almoço, que será em breve. Por isso, não se preocupem, daqui a pouco contaremos tudo a vocês.

- Depois do almoço? – Lodwein pergunta. – Acho que já esperamos demais por isso. - Acalme-se Lowdy. A missão paladina de vocês está muito interessante. Vocês vão

gostar. Sem escolha, os dois se veem obrigados a esperar. Como eles haviam ficado um bom

tempo jogando conversa fora à mesa após o café e depois estado com Olga a escolher as roupas, um bom tempo se passa, e logo chega a fome e vem o almoço.

Mas após terem feito a refeição, encontram-se mais uma vez reunidos à mesa prontos para discutir sobre os planos da noite. Não antes, é claro, de serem interrompidos por Olga, desejando que Belgar lhe acompanhasse. Contudo, ele diz mais uma vez para ela escolher o que bem quisesse. Depois de muito insistir, tia Olga desiste e se vai para trabalhar na costura.

Pode por fim Oldirk iniciar a discussão, falando-lhes. - Pois bem, meus amigos, tenho uma missão muito importante para vocês quatro.

Lodwein então olha ao redor, e somente vê Belgar e Mowilla, como convidados para a festa. Questiona ele então. – Quatro? Quem é o quarto integrante dessa missão? O senhor se fez junto nessa contagem? Ou contou com a tia Olga?

- Não Lodwein. Acalme-se, em breve você saberá quem é o quarto membro dessa missão, além de você, Mowilla e Belgar. – Acrescenta o gnomo fazendo com que o moço lançasse um olhar desconfiado para a elfa, e ela lhe retribuísse isso.

Mowilla e Lodwein então percebem que, de fato, estão tomando parte de um assunto sério dessa vez. Endireitando-se nos assentos os dois prestam a maior atenção possível a tudo aquilo que lhes é dito.

Continua o gnomo. - Como ia dizendo. Tenho uma missão muito importante para vocês quatro. Peço as bênçãos de Gëh’ve sobre vocês nesse desafio. Lembrem-se, do modo paladino de agir, seguindo a justiça e o bem. Usem esses valores para solucionarem sua meta. Por isso, saibam qual é a missão de vocês: Conseguir informações sobre qual é a relação dos homens com os estranhos acontecimentos recentes de Nelwár. Dessa forma, devem buscar também saber mais sobre a sociedade secreta da “Garra do Dragão”, entender qual a relação dos condes da cidade com ela, desvendar ainda mais sobre os atos desse grupo, assim como saber os feitos secretos do Conde-chefe Sellrám. Entendam que há uma forte suspeita dos homens de Francolônia estarem, de alguma forma, ligados aos tristes fatos que veem acontecendo em Nelwár: O ataque misterioso na fortaleza do saber, os goblins atacando aos paladinos em uma guerra aberta, os anões não querendo guerrear contra goblins por motivos de “força maior”. Tudo isso é muito triste. E temos a forte suspeita dos homens estarem por trás disso! E Sellrám é o Conde-chefe da cidade-principal da província de Corgham do Oeste, então, se há alguém nesse lado de Nelwár que teria alguma informação sobre o envolvimento dos homens nesses fatos, é ele. Compreendem a missão de vocês?

- Entendemos. – Afirmam. - Pois bem, e é por isso que a festa na casa de Sellrám será um evento tão importante

para nós, e crucial nessa missão. – Prossegue o baixinho. – Pois estaremos dentro da casa dele, e é justamente lá onde os rumores dizem ser o local de encontro da sociedade secreta “Garra do Dragão”. Assim como todos os homens nobres e ricos da região estarão lá, logo, é a ocasião perfeita para encontrar ainda mais pistas. Pois, mesmo se Sellrám não tivesse ligação alguma com esses tristes fatos, fato que não acredito, de certa forma é certeza que alguém ligado a isso estará presente lá nessa festa hoje à noite. Percebam então que há um aspecto muitíssimo importante na missão de vocês que precisam ter: O entrosamento. Vocês precisam tomar parte em todo e qualquer assunto da festa, para poderem ouvir qualquer pista suspeita. Mowilla e Lodwein, vocês entenderam?

- Sim. - Bem... Acho que chegou a hora então de explicar um pouco mais sobre as “leis

retentivas” de Francolônia para vocês. – Ao Oldí dizer isso, Belgar se mexe, incomodado somente em escutar o mencionar de tal irritante assunto. – Saibam que isso se trata da pior invenção já tida por algum homem. Conseguem acreditar que eles escreveram um livro com essas regras? Enfim, importa vocês entenderem que elas são costumes de Francolônia, atos triviais e, em geral, de mera exibição de poderio, os quais foram levados ao nível de regra entre os habitantes. Mas a verdade é que não passam de hábitos que dizem respeito apenas a costumes dos soberbos.

Ao ouvir isso, Mowilla e Lodwein entreolham-se num sentimento de espanto misturado a nervosismo.

- E nós, eu, Belgar e Gewu, separamos algumas leis para mostrar a vocês. Estas vocês deveriam saber para não cometerem nenhum erro crítico aos olhos dos nobres de Francolônia, essa noite no banquete. – Para a total indignação dos dois jovens, Oldirk puxa um papel com algumas anotações. Entendem isso ser uma lista de leis retentivas. – Pois bem. Selecionamos o capítulo do livro onde aborda o agir em uma festa de comerciantes. A primeira regra: “Deve-se, em uma comemoração de mercadores, a todos os presentes cumprimentar, incluindo dessa maneira também, os convidados dos convidados, de forma a criar um ambiente mais amigável e propício ao conversar, sendo todos já conhecidos entre si.”.

Mowilla ergue os braços e abana a cabeça. – Como assim? Como pode ser uma obrigação saudar a todos? E se houver centenas de pessoas nesse banquete? Perderemos todo nosso tempo nisso!

- E de fato se perde. – Comenta o gnomo. – Em geral, uma festa de Francolônia dura um dia ou noite inteira, e muitos são os convidados que chega o final do festejo ainda estão a cumprimentar as pessoas. Os habitantes parecem não perceber o quão ridículo isto é, e delongam ainda mais as saudações.

Somente em imaginar tal situação o desânimo domina a elfa. Mas é então que Lodwein começa a ter suas mirabolantes ideias para enganar essas

leis. – Ora! É muito óbvia e simples a maneira de escapar dessa regra. Não há uma determinação do tempo da saudação, correto? Logo, somente precisamos ser bem breves. Nas leis não há nada que diga que encerar uma conversa seja desrespeitoso, correto? Assim, é uma escapada perfeita.

- Mesmo tendo uma lei referente a encerar assuntos, acredito ela não poder ser aplicada nessa situação. – Cogita Gewu com o livro de regras na mão. - Então, é verdade. Sua ideia é perfeita.

Todos parabenizam o rapaz pelo seu plano de escapada. Alegres entendem poderem encontrar formas de esquivar-se dessas “obrigações”.

Oldirk continua. - Também há outra bem impertinente: “No caso dos filhos de mercadores, se estes encontrarem-se num banquete junto a um baile, e houver ensejo para a dança, e caso um rapaz queira dançar com uma moça, ela deve por obrigação dançar com este, mesmo em situação de indisposição, isto pois, é nessa situação que os filhos dos

mercadores podem melhor se conhecerem e enamorarem-se, criando laços diferentes de união entre as famílias, podendo isso por vezes ser útil aos negócios.”. Dessa forma, Mowilla, estando você tão bonita, por ser elfa e utilizar do manto de Fälloni, é bem provável todos os moços requisitarem você para a dança.

Isso sim irrita a princesa, e faz a fúria ser notável em Lodwein. – Como isso é possível? Mesmo em “situação de indisposição”? Isto é um abuso! Inadmissível. – Os dois enfurecem-se.

- Acalme-se Lowdy, com certeza você sabe de alguma trapaça para essa “lei retentiva” ridícula. – Afirma um paladino.

Quieta-se, o jovem, por uns instantes, pensa e logo diz. – Mais simples ainda. Podemos burlar como antes. Não há uma determinação do tempo exato que se deve dançar, correto? Então dance uns poucos segundos e volte para a mesa. Ou ainda há outra melhor. Pensem comigo, seria feio tirar o par de alguém enquanto esta pessoa dança com outro, não é mesmo? Isso somente é possível se os dois dançantes estiverem de acordo sobre a troca de pares. Logo, Mowilla somente precisa combinar com alguém, para que quando um rapaz estranho se aproxime com o desejo de bailar, ela dance com essa pessoa, deixando a outra sem jeito.

- Sim é uma ótima mesmo! – Fala Gewu. – E com quem Mowilla combinaria isso? Lodwein e Mowilla novamente se olham. O moço fica sem jeito de propor algo. A elfa

fica duvidosa em deixar uma suspeita em qualquer resposta. Ficam envergonhados, um com o outro. E nesse exato momento, eles lembram-se daquela noite no quarto de Lodwein na torre da fortaleza do saber, onde Lodwein havia sentido algo especial por Mowilla e que tentou dizê-la isso. Enquanto que a elfa também sentiu o mesmo e assim como ele desejou contar-lhe, e, naquela vez, as palavras deram lugar a um simples aperto de mão entre os dois. Se ambos queriam falar a mesma coisa um para o outro, isso eles não tinham certeza, mesmo tendo boas desconfianças. Assim, eles encontram-se agora, ali, na casa de Oldirk. Mowilla quer que seu companheiro de dança seja Lodwein, mas sente vergonha de propor isso e talvez ser incômoda ao rapaz, ela ainda não tem certeza da correspondência dos sentimentos. Lodwein desde quando propôs a ideia da parceria nas danças, já se via como sendo o acompanhante de Mowilla, entretanto também não sabe se a princesa élfica sentia o mesmo que ele por ela, e assim, ao sugerir-se como parceiro de dança poderia ser um estorvador. Com vergonha notável, ambos não sabem o que dizer.

- Ora, mas que dúvida boba. Será Lodwein, é claro. – Afirma a esposa de Gewu, impaciente como ela era.

Oldirk, Belgar, Gewu e os outros concordam. Os jovens também fazem sinal positivo à sugestão, sem deixar transparecer alegria.

Essa vergonha de um para com outro deixa muito a transparecer para Oldirk, que é mais velho e sábio em comparação aos outros. Pensa consigo: “Amor entre um homem e uma elfa? Será mesmo que estamos vivendo uma lenda antiga onde o amor entre essas duas raças consumou-se? Não posso acreditar... Se isso for verdade, deve ser sinal de uma grande dádiva para nosso povo...”.

Após esses fatos, Oldí e Belgar continuam lhes falando sobre outras “leis retentivas”, abordando diversos temas, desde a maneira correta de andar, até a forma como sentar, comer

e usar talheres, como limpar-se diante dos outros utilizando dos panos adequados e tantos outros costumes vãos e vazios levados à regra.

Até que Oldirk toma uma posição mais séria em seu discurso e parece ter temas mais difíceis para abordar com eles. Dá umas tossidas e ajeita-se na cadeira. Olha para Belgar, e ele entende sobre qual assunto falaria com eles. Ao compreender isso o paladino perde toda sua austeridade e se enche de penúria. Porém, sabe ser errado transparecer isso, precisa animar os jovens, e com tremendo esforço, busca evitar a tristeza, mas mesmo assim, nota-se seu profundo incomodo ao discutir tal seguinte assunto.

Fala Oldirk então. - Acho que ainda não lhes contamos sobre uma triste “novidade” de Francolônia. Precisamos falar sobre isso, para não acontecer e vocês assustarem-se.

Estranham eles mais vez e se põem atentos a ouvi-lo. - Saibam que existem milhares de goblins em Francolônia. - Milhares? A cidade foi sitiada por eles? Os habitantes também não querem guerrear?

– Mowilla espanta-se. - Não, minha cara. Os goblins de Francolônia trabalham aqui. Isso os paralisa por completo. É o cúmulo do absurdo. Impossível de acreditar e até

imaginar. - Sim... Não estão errados em se assombrarem. – Comenta o gnomo. - Mas e que tipo de trabalhos eles fazem? – A princesa questiona. - Francolônia utiliza de goblins para serviços sujos, como limpa esgotos, em obras de

risco, recolhedores de dejetos, e outros trabalhos do tipo. São baratos e não reclamam. - E como isso é possível? Eles nunca atacaram ninguém? – Pergunta Lodwein

buscando conceber a inacreditável situação. - Isso é estranho, mas até hoje não. Esses goblins são mais tranquilos. Eles os chamam

de goblins-calmos. Estes são capturados lá do depois norte, atravessando a fria cordilheira de Keiryhttä, por isso, os homens afirmam essas criaturas não possuírem ligação alguma com os goblins daqui. Entretanto, bem sabemos que todos os goblins servem a somente um senhor: Ao mal. E quando menos esperarem, esses monstros se voltarão contra a cidade e matarão a todos.

Mowilla não pode aceitar isso. – Como eles conseguem? Como não se espantam com a feiura dessas criaturas? E não se importam mais com todos os atos dos goblins que comprovam a maldade dessas criaturas perversas?

- Oh Mowilla! Quem dera as pessoas de hoje tivessem a bondade de coração como as pessoas de antigamente, como as pessoas da Gloriosa Era. – Lamenta Oldirk. - Não, princesa, elas não mais se incomodam com o feio, isso já não é mais sinal de bondade para elas, e na verdade, a maioria nem mais valoriza o bem. Isso é claro, trata-se de uma abismal incoerência, pois todos sentem a busca natural do bem em seu ser, contudo, a maldade parece estar tão enraizada em seus corações que cegam-se para a verdade e por tolice e orgulho agem com perversidade. E para piorar a situação, tornando tudo isso quase cômico de tão incompreensível, os homens de Francolônia têm isso como sinal de riqueza ou de intelectualidade. É motivo de prestígio para eles terem um goblin dentro de casa para recolher dejetos, limpar esgotos, serem vigias noturnas ou realizarem serviços pesados em casa. E quer

saber do absurdo mais irônico de todos? Uns chegam a promover seus serviçais goblins a trabalhos como garçom e recepcionista. Isso tudo para exibir seu empregado monstruoso. Conseguem acreditar?

Diante de tantos relatos desse gênero, Mowilla e Lodwein riem. Eles dão a irônica triste risada daqueles que perceberam o absurdo em que se encontra o mundo atual.

- Tendo isso em vista, lhes digo. Não se espantem se encontrarem um goblin na cidade. E não assustem-se caso Sellrám coloque algum serviçal deste. Apesar de não acreditar nisso, creio ele não ousar fazer isso nesse banquete.

Não tendo outra escolha, seguem para os outros assuntos da festa. - Por fim, vamos lhes passar diretrizes específicas de como conseguir as informações

do Conde-chefe Sellrám. – Prossegue o gnomo. – E nessa hora do plano, Mowilla faz se muito necessária.

Em nada agrada a princesa e a Lodwein ouvir isso. O que quereria ele dizer com isso? Oldirk dá uma risadinha, assim como Belgar, pensativo ali do lado. - Mowilla, lembra-

se das palavras de ontem do Conde-chefe? Ele lhe disse sobre alguém que ficaria muito contente em conhecê-la? Lembra-se? Pois bem, Belgar e eu discutíamos sobre isso e descobrimos de quem se trata. Sellrám quer unir você a Diohám, seu filho.

Essas palavras sim conseguem irritar Lodwein. – Que infeliz! Maldito! O que ele deseja fazer com ela? O que ele ganha unindo Mowilla a seu nojento filho?

- Acalme-se, caro Lodwein. – Recomendam-no. - Quer dizer que serei uma isca? Não posso aceitar! E se esse filho de Sellrám for um

louco? Não posso aceitar! – Mowilla fica abismada. Oldirk ri. – Tenham confiança, meus rapazes! Tenham confiança. Somos paladinos e

todos nossos planos são bem arquitetados. Apenas continuem escutando, tudo bem? Pois então. Sua missão, princesa Mowilla, é esta: Ser apresentada a Diohám, filho de Sellrám, e... – Ele é interrompido.

- Seduzi-lo?! Que absurdo senhor Oldí! Como ousam me submeter a isso! – A elfa não consegue se aquietar.

- Ora princesa! Não confia em mim?! – Oldirk é quem se indigna agora. - Lembre-se, você e Lodwein estão sobre meus cuidados. É o próprio grande Endelorth quem me incumbiu disso. Nunca os colocaria numa situação perigosa. Continuem escutando e se surpreenderão, e por sinal, inclusive ganharão novas esperanças sobre o mundo. – Endireitando-se sobre sua cadeira, o pequeno continua, achando graça daquilo tudo. – Como ia dizendo. Mowilla deve ser apresentada a Diohám, filho de Sellrám, e conversar com ele para receber as reportagens da última missão dele e as trazer a mim, e depois incumbi-lo de um novo desafio paladino.

Agora Mowilla entende que não deveria ter agido com precipitação, julgando saber a qual rumo a conversa iria, pois ela não entendia mais nada. – Como assim?

- Exatamente isso. Vocês incumbirão Diohám, filho de Sellrám, uma missão paladina. Diohám é o quarto membro da missão de vocês. Acreditem, pois, Diohám é um iniciante paladino.

Questionam admirados o moço e a princesa. - O filho do Conde-chefe de Francolônia é um iniciante paladino?

- Sim. A história dele é muito fascinante. Diohám é um rapaz fantástico, muitíssimo inteligente, e ele sabe das incoerências de seu pai, e também percebeu o rumo errado ao qual toda sua cidade está se encaminhando. Ele conseguiu com um viajante vendedor errante comprar escritos de um aprendiz de Endelorth, chamado Huändlel, um elfo, onde lá estão registrados muitos fatos de Nelwár e de todas as outras terras, vistos pela perspectiva crítica do próprio Endelorth e comentado com os pensamentos do sábio Huändlel. E com isso, o filho de Sellrám foi questionando-se sobre tudo, e mudou por completo sua maneira de agir, pois encontrara a verdade e descobrira o real bem. Algumas vezes Diohám tentou discutir com seu pai, mas nada conseguiu. Seu pai não queria ouvir suas meditações críticas e ordenou diversas vezes a ele parar de ler escritos antigos. Assim como chegou a castigá-lo incontáveis vezes, mas isso nunca diminui a ânsia do rapaz em buscar a verdade. Foi quando nessas leituras Diohám descobriu a ordem dos paladinos e identificou-se por completo com ela e desejou com fervor ser como Guvat. Esse é o maior desejo dele, ser como o lendário Guvat, dedicando toda sua vida no combate pelo bem contra o mal, na boa guerra, lutando contra os maldosos goblins e todas as outras forças ocultas.

- Diohám ainda tentou montar um grupo secreto de combatentes juvenis em Francolônia, ele e mais três outros jovens. Juntos eles já caçaram alguns goblins e por sinal derrotaram alguns já. Enfurecidos com a presença dos goblins em Francolônia já mataram uma dezena deles aqui. É claro, que esse ato não é por completo certo. Os goblins os quais devemos guerrear são os de fora por primeiro, pois os daqui da cidade causam problemas que podem inclusive prejudicar nas estratégias do bom combate. Mas enfim, é sempre nobre derrotar o mal. Contudo, esses atos irritaram em muito Sellrám, quando este ficou sabendo por meio de suspeitas e comentários. Por causa dessa caçada de Diohám e os seus atrás de goblins em Francolônia, o Conde-chefe teve uma briga feia com seu filho e desde então passou a ter vista grossa com ele. Não o dando mais tanta liberdade. Vendo como única solução para mudar as ideias do rapaz, decidiu Sellrám arrumar-lhe uma esposa, assim ele “se aquietaria com as loucuras juvenis”, disse seu pai. No entanto Diohám falou a ele que não queria se casar, pois desejava passar o resto de sua vida lutando contra o mal. Isso somente piorou a situação dele diante de seu pai. E então, desesperado necessitando de ajuda e conselhos, encontrou-se com Olganf, minha irmã. Ele já havia ouvido falar de mim, e sobre os boatos das minhas amizades para com os paladinos, e sabia que Olga era da minha família, e então ele pediu para ela entrar em contato comigo. Desde isto nós mantemos conversas por meio de cartas secretas e é minha irmã quem intermede nossa comunicação. Nossas mensagens são sempre em segredo, pois o Conde-chefe Sellrám não pode saber que seu filho é amigo de alguém como eu. Diohám é ansioso por largar de sua vida e entregar-se ao mundo paladino, no entanto, sei da notável juventude do rapaz, ainda é muito moço e pode mudar de ideia, apesar de não acreditar nisso. Eu o aconselhei então esperar o momento certo para deixar seu pai e sua família, e seguir para os paladinos. É uma das situações mais complicadas já vistas, a deste rapaz. Será realmente difícil dele largar sua vida aqui em Francolônia. Não por ele mesmo,

mas sim, pelo seu pai, que é um homem famoso, e conhecido pela sua fama de inimigo dos paladinos. Logo, imaginem que escândalo isso seria.

Após suspirar e pensar um pouco sobre toda a história do filho de Sellrám, Oldirk continua. - Por isso meus jovens. Não tenham medo dessa missão. Será algo de fato bom! E vocês ficarão muito felizes em conhecer Diohám. Sem dúvida ele lhes ensinará muito sobre como aceitar desafios. Conversem com ele na festa, expliquem a missão, convidem-no a aceitá-la, e trabalhem nela, juntos.

Mowilla e Lodwein sentem-se muito felizes ao saber que o filho de Sellrám, aquele homem tão assustador a eles, é alguém diferente de seu pai, quase o oposto. Com isso ganham um novo ânimo para essa missão e também para a vida. Oldí e os outros continuam a discutir a missão até o entardecer, quando chega a hora de banharem-se para a festa.

Já é noite e chega a hora de aprontarem-se para irem ao banquete na casa do Conde-

chefe de Francolônia. Olga praticamente não respeita-lhes quando voltam do banho. Mal adentram seus quartos, ela já corre até eles vestindo-os e ajeitando-lhes com grande alegria e muitos risos.

Belgar está belíssimo com sua túnica negra veluda com bordados dourados cobrindo-lhe até pouco antes dos joelhos, a calça marrom muito escuro e a bota de couro leve preto. Uma pequena capa avolumava-se sobre os ombros e caia sobre as costas, dando ao guerreiro paladino um ar de força e virilidade. Está imponente e impunha respeito àqueles os quais o vissem. Dava para se saber que ele se tratava de um guerreiro muito forte. Seus cabelos e barba foram aparados, penteados e perfumados por Olga. Tratamento este que há anos o paladino não recebia. Após isso, Belgar está com uma aparência muitíssima nobre.

Lodwein, assim como havia pedido a Olga, tem uma túnica, com um ar fantástico, trabalhada para si, naquela ocasião. Sua veste, também de veludo, é escura meio azulada por fora, mas dourada por dentro. A parte escura possui texturas com desenhos de galhos de arvore. A parte interna volve-se por vezes para fora e prega-se, mostrando assim o brilho dourado da roupa. Apertando-lhe à cintura, um cinto define bem as formas do juvenil corpo do rapaz, que com aquelas vestimentas, apresenta-se como um pequeno sábio. Olganf sente muita alegria em ter arrumado-lhe. Segundo ela, foi uma das composições mais bonitas que já fez. Mas vale esclarecer, essa não foi a mais bonita.

Eis que Mowilla demora bastante para descer. Belgar, Lodwein e Oldirk esperam-na

há cerca de uma hora e meia, e a elfa e Olga não aparecem para irem logo à festa. Já estão impacientes e pensam em subir para buscá-las como bem estivessem, pois, já é tarde.

Entretanto, Olga, junto à esposa de Gewu, outras mulheres e gnomas da casa, chegam correndo, e a irmã de Oldí anuncia-lhes. - Atenção, queridos, apresento-lhes, a mais perfeita composição feita por mim e minhas amigas, Mowilla Verde-álamo.

Viram-se desatentos para a escada e olham a gnoma observando com profunda atenção e apreciação a pessoa descendo em sua direção. É quando todos veem-na.

Mowilla veste-se toda de amarelo creme, com bordados dourados e róseos. Para esconder as orelhas, Olga recorre a um capuz para cobri-la. E essa escolha havia caído perfeitamente no rosto da elfa, pois toda a atenção havia se direcionado sobre sua lindíssima face. As bochechas rosadas, assim como os lábios, e os olhos verdes puros. Na testa repousa-se uma joia vermelha formosíssima trabalhada em uma tiara dourada, que é usada para segurar sobre a princesa, a revesti-la de forma graciosa, o manto de Fälloni e seus tons levemente rubros. A pele, com cor como que de leite, porém levemente corada em tons mais flavescentes, apresenta-se tão limpa e agradável, como na visão que se tem de seu antebraço descoberto pela abertura do vestido, mostrando que, sua roupa que é um ocre levemente reluzente por fora, por dentro é mais clara. Uma faixa dourada aperta-lhe a barriga. Outrora isso lha incomodaria, pois iria definir-lha sua não muita magreza, contudo, devido à correria dos últimos dias, isso não é mais um problema. Está bem mais esbelta, porém, ainda demarcam-se em sua postura, seus ombros levemente larguinhos, como de uma militarzinha. Usa sapatos alvos, feitos de couro branco. Um rubi lindo está em seu pescoço. E isso tudo, cria uma belíssima e extraordinária visão. Também, quando ela entrou na sala, sentiram um agradável aroma como que de uma fruta de sabor cítrico, todavia doce e muito bom. Esse cheiro espalha-se por todo local enquanto ela desce as escadas até eles. Chegando mais perto podem ver quão lindo é o sorriso daquela moça. Um pouco assustada e meio desconfiada, olhava a todos, buscando reconciliar consigo um desejo interior de querer ser notada e ao mesmo tempo não o querer. E como resultado dessa confusãozinha, sorria, tão linda.

E assim, encontram-se ali, todos admirados pela notável beleza de Mowilla Verde-

álamo. Perplexos e extasiados. Oldirk é quem toma coragem e, por primeiro, diz algo. – Gëh’ve seja sempre louvado

pela sua beleza, Mowilla Verde-álamo, filha de Leillindor, princesa dos Cullyen, os elfos errantes! Quão bela está!

Somente com isso os outros vão se libertando das brumas as quais os envolveram naquele momento primeiro da observação, e assim conseguem, cada um, ir comentando algo também, acrescentando elogios. Lodwein da mesma forma o fez.

Olga com isso se põe a despedir-se. – Pois bem, meus queridos, cuidem bem de Mowilla, ela é minha obra prima. Até mais.

- Ora, você não irá com eles? Você também foi convidada! – Questiona Gewu, o paladino.

- Não... Não irei. Por mais que eu ame festas e banquetes, preciso ficar e arrumar as malas. Preciso ajudar as minhas parentas a fazer isso. E temos a intenção de assim que eles chegarem da festa, já estarmos todos prontos para partirmos imediatamente para Kais-Obîrg.

Gewu, assim como outros, compreende e concorda. E Olga fica e providencia o necessário para a viagem, enquanto que Oldirk, Belgar,

Lodwein e Mowilla seguem para o banquete, na casa de Sellrám, prontos para executarem sua missão ali.

Capítulo XX: A missão da festa

Parte I

Partem eles então para o banquete na mansão do Sellrám, o Conde-chefe de

Francolônia. Quando a imponente carruagem de Oldirk para aos portões, chama a atenção de muitos. Isto, pois logo as pessoas reconhecem de quem se trata. O gnomo é muito famoso, sua presença traz ainda mais reverência àquele evento. Descem da charrete por primeiro os homens e o gnomo, e já nesse fato, os olhares da maioria das pessoas as quais estão ali à porta, ou já no gigantesco jardim da casa de Sellrám, voltam-se para eles. Contudo, quando a princesa élfica, disfarçada de moça humana, um pouco envergonhada, sai e se apresenta, é unânime a perplexidade no observar dos presentes. Cutucam-se uns aos outros apontando para Mowilla e os seus. Assim vão seguindo e adentram os portões passando por uma passarela do jardim, em direção à mansão. No caminho, não passam despercebidos. Mowilla está com muita vergonha, pois, sempre ouviu em sua vida elogios a sua beleza, mas ela é inteligente, e percebia este não ser o seu dom mais forte, e as palavras bonitas a ela ditas, eram apenas tratamentos corteses. Todavia, naquele dia a situação é diferente. Ela está de fato linda. E ainda havia o acréscimo da confusão pelo Manto de Fälloni, logo as pessoas viam-na muito mais bela. Pode-se dizer que eles olham-na tal como ela é de verdade, contemplam sua beleza interior de forma externada. Somente sabe, a elfa, reagir a esses fatos com profundo acanhamento e embaraço. No entanto, ela não imagina, mas essa sua timidez torna ainda mais encantadora a sua amável beleza.

Oldirk, Belgar, Mowilla e Lodwein entram no salão enorme da casa de Sellrám. É de fato uma casa muito bonita, e sua arte é inovadora e arrojada, trazendo elementos muito detalhados. Quadros e janelas gigantes criam uma atmosfera de ainda maior grandeza àquele ambiente. É glamoroso. A iluminação também é abundante, deixando o local claro como dia. Paredes e ornamentos, em geral, em tons amarelos claros e leves marrons. Muito bem construída foi aquela mansão. O grande salão possui um segundo andar que é aberto para o primeiro, bem em seu centro, logo, de qualquer ponto dali de cima, poderia se ver a parte de baixo. E, além deste, há ainda um terceiro andar. De fato é colossal aquela residência. Vale ainda lembrar que, de modo especial, para aquele banquete, a decoração está admiravelmente luxuosa. Mesas foram dispostas no imenso salão, bem enfeitadas e repletas de talheres e castiçais bonitos. Cada mesa havia sido reservada de acordo com o número de convidados e sua classe na cidade. Assim, no jardim da mansão e no primeiro andar foram dispostas as mesas dos mercadores menos abastados, contudo com certa influência fora ou dentro cidade, muito espaço foi reservado para estes. No segundo andar encontram-se os ricos e poderosos de Francolônia com notável fama e prestígio na região. Por fim, num terceiro menor andar, está a mesa única de Sellrám, onde ele se assenta junto aos condes de Francolônia e seus amigos mais

próximos. Dessa forma, há um lugar especial somente para Oldí e seus quatro convidados, porém, vale ressaltar que, como Olga não viera, sobraria uma cadeira.

(Imagem da casa de Sellrám no banquete.) Eles encontram por fim seu lugar no segundo andar e se assentam.

Lodwein é o primeiro a questionar. - Qual é o motivo mesmo de toda essa comemoração?

- Bem Lodwein, estive tão preocupado com os assuntos da viagem de vocês, que nem procurei saber ao certo. – Responde Oldirk. – Também houve a Guerra d’Outono e tudo se complicou... Pelo o que me lembro, Sellrám falou comigo semana passada sobre essa comemoração, mas me esqueci qual é o motivo do festejo dela. Deve ser alguma bobagem de sempre.

- Seja por bobagem ou não, ela é de suma importância para realizarmos nossa missão. – Fala Belgar. – Me deem licença. Vou ir investigar. Até breve, fiquem em paz. – Dizendo isso se levanta e sai caminhando como um inocente vagante despercebido, disfarçando suas reais intenções.

Assim que se vai, começam a chegar pessoas e mais pessoas para cumprimentá-los. São diversos comerciantes abastados e conhecidos de Oldí. Muitos deles tem, de modo especial, a intenção de apresentar sua família a ele. Lodwein, Mowilla e o gnomo também se veem obrigados a levantarem-se e ir até as outras mesas para cumprir o costume.

Um desses encontros mais interessantes é o do velho Dinborg que chegou com seu filho Binborg até eles, logo após eles terem cumprimentado outros convidados.

- Ei companheiro Oldirk! Como vai você? – Disse Dinborg, um mercador dono de uma transportadora de feno para animais.

O gnomo, como já havia combinado, usa da estratégia de resumo do diálogo, buscando encerrar o falatório em uma única resposta. – Olá Dinborg. Espero que esteja tudo bem com sua família. Fico feliz pelas suas novas conquistas nos negócios. Aproveite bem a festa. Vá em paz, até breve. – E dizendo isso se viram. Repetia isso com todos.

Todavia Dinborg é um dos que insistem na conversa. - Espere Oldí. – Diz ele. – Vi que trouxe uma belíssima donzela consigo, quem é ela?

Qual sua linhagem? - Quem é ela? Ela é minha convidada e é filha de seus próprios pais. Até mais. –

Retruca desatento Oldí. Não é do seu jeito responder dessa maneira grossa, mas havia uma fila de outros para cumprimentar, e ele nem percebe quão cômico e sem sentido foi sua resposta.

Dinborg parece entender isso e não insisti no cumprimento. Contudo seu filho Binborg está logo ali, ao seu lado, e o mercador dono da transportadora quer apresentá-lo a Mowilla. O filho dele fica, de fato, decepcionado em não conseguir conversar com ela. É um rapaz forte de olhos azuis e cabelos loiros, com um olhar meio vacilante e bem troncudo. Ele olha extasiado para Mowilla, e é notável o enamoro dele pela moça. Vê-se isso na maneira como fita-a e espantado e ofegante desvia o olhar. Assim como ele, diversos outros filhos de ricos da festa, observam-na procedendo da mesma forma. Mowilla anda fitando o chão e envergonhada não queria olhar para ninguém. Lodwein enfurece-se com Binborg, o filho do mercador, e muitos

outros. Irrita-se o jovem em ver tantos outros moços e rapazes a observá-la com esse sentimento.

Contudo, enquanto Lodwein enraivece-se com os olhares à Mowilla, ela fica nervosa pelos olhares direcionados a Lodwein. Como na vez em que Yfreaddo, o famoso proprietário de uma construtora de embarcações, foi ser cumprimentado por Oldí, e estava junto dele sua esposa e seus dois filhos, Dorgaf, um moço de olhos cor de mel e experiente no manuseio das pesadas máquinas e materiais de construção de navios, e Yaldda, uma donzela de olhos como do irmão, e que ao contrário dele, nunca trabalhará em nada, tornando-se uma meiga donzela de mãos delicadas e de toque agradavelmente sugestivo. Yaldda sabe como ninguém direcionar um olhar encantador, e Lodwein é o alvo dela naquela noite. Da mesma forma que muitas outras moças da festa, as quais veem nele admirável imponência, e pensam sobre quão inteligente ele parece ser, e como sua beleza também é convidativa. E isso a princesa Mowilla bem nota e fica também indignada, mas somente em pensamentos, e sem externações de raiva. Passa-se, na cabeça da moçinha, ideias como “era mesmo verdade o fato deles nunca poderem ficar juntos”, e “como isso nunca seria possível, logo seria melhor que ele encontrasse alguma pessoa boa”, entretanto sempre acrescido de um “somente espero que ele tenha a decência de não escolher qualquer uma dessa festa”.

Lodwein somente pensa nos observadores de Mowilla. E ela somente nas admiradoras dele.

E foi cômico, e bonito ao mesmo tempo, o momento do encontro dos olhares dos dois, após uma sequencia de episódios do tipo, que eles perceberam que estavam um com ciúmes do outro. Quando Mowilla percebe este sentimento de Lodwein para com ela, acha muita graça. Da mesma forma ele tem de rir e se alegrar muito ao notar nela a mesma atitude. Os dois sorriem, e depois desse agradável momento, foi muito mais fácil continuar na festa. Sentem-se menos inseguros e duvidosos. Assim prosseguiram cumprimentando as pessoas. A festa seguia um ritmo interessante.

Até que chegam, finalmente, os músicos com seus instrumentos. Um deles passa ao

lado de Mowilla e de repente para seu passo uns momentos, fita-a, e depois segue embora. Ela acha isso estranho.

Mas, chegando ao palco, os músicos se aprontam depressa. O mestre do grupo musical é um gnomo, e havia anões, gnomos, homens e mulheres no grupo. Começam eles então a tocar um novo estilo musical, muitíssimo apreciado e tocado pelos anões, uma música em um compasso simples de três batidas, e que gera um irresistível convite à dança em rodopios.

(Imagem do grupo musical) - Baila comigo, Lodwein? – A elfa pega o moço de surpresa com seu pedido. - Mas eu não sei dançar. – Ele responde desejoso de ouvir um “mesmo assim venha, eu

te ensino”. - Mesmo assim venha, eu te ensino. – Retruca ela, fazendo-o se levantar. Quando Lodwein diz não saber fazer isso, ele fala a verdade. Nunca o fez, e somente

leu algo a respeito disso. E por sinal, tem muito vergonha de o fazer. Inclusive Mowilla

também o tem. Contudo, eles veem ali uma oportunidade de estarem tendo um momento muito especial juntos e não perdem essa oportunidade.

Observam então como os outros fazem, para tentar aprender algo. Os moços passam a mão por detrás das jovens e apertam-nas contra si enquanto suas outras mãos seguram-se, e depois saem rodopiando, compassando-se ao ritmo.

- O que acha disso? – Questiona Mowilla a Lodwein a respeito daquela forma de dançar.

- Me parece desrespeitar por demais o espaço do outro. – Ele responde. - Concordo com você... Pensando melhor, já não sei mais se quero bailar então. - Também não precisamos desistir, Mowilla. Quer dizer, Modwina. Esqueci-me de

referir-me a você dessa forma. Enfim... Bem, eu conheço nada desse tipo assunto, mas tenho uma ideia de como resolver esse impasse. Conhece a dança miúda?

- Sim, a de também compasso em três, e que se baila em passos pequenos, graciosos e elegantes? Sugere que a dancemos?

- Poderíamos unir as duas. – Dizendo isso, ele segura a mão direita dela com a sua esquerda, entrelaçando os dedos de suas mãos, e sua direita ele a pôs sobre o ombro dela. – Ponha sua mão esquerda no meu lado.

Mowilla olha firme dentro dos olhos de Lodwein. – Me parece ótimo. – Ela diz com as bochechas meio rosadas.

- Também achei. Agora, vamos seguindo o ritmo como os outros, mas sem nos apertarmos por demais. E podemos inclusive irmos mais devagar, duplicando o ritmo para seis, que ainda estaremos compassados. – Dizendo isso ele olha a boca dela coberta pelo manto de Fälloni, está aberta, a moça respira depressa.

E assim eles conseguem tomar parte no baile, juntando-se aos outros dançantes. - No fim, foi você quem me ensinou a dançar. – Comenta Mowilla rindo após um

salto. - É verdade. – Lodwein sorri também. – A princípio, nós ficamos tão envergonhados,

mas depois tudo fluiu mais fácil entre nós. - Entre nós? Do que você está falando? – Muito rosada de vergonha, a princesa

questiona, pensando ele já estar falando abertamente sobre os sentimentos que vinham percebendo um no outro. E isso a deixa ansiosa, pois deveria agora tomar uma posição e dizer algo. Já começa a levantar, em sua mente, argumentações contra aquele relacionamento.

- Ora, estou me referindo à dança. No primeiro momento ficamos receosos, mas depois ficamos muito mais tranquilos.

– Hiall! (Ufa!) – A elfa gargalha aliviada de sua confusão. - Pensei que falava de... – Porém ela nem percebe estar falando alto demais seus pensamentos íntimos, por isso se assusta de novo, e se interrompe.

Fitando-a, Lodwein caminha seu olhar sobre o rosto dela. Gosta de observar fundo nos olhos verdes dela, assim como ver suas bochechas vermelinhas, seu queixo tremendo. - Pensou que eu falava de que?

Contudo, é nesse momento, que eles estão imersos em profunda atenção de um para com outro, que eles são interrompidos. E é Oldirk quem os para. O Conde-chefe Sellrám está ao lado dele com um rapaz. Muitos moços e moças da festa, enquanto os dois estavam a bailar e conversar, tentaram intrometer-se pedindo uma troca de pares da dança, mas eles os ignoravam e continuavam um com o outro. Não se importavam com estes porque eram meros rapazotes e senhoritas querendo apenas ter alguma oportunidade de aproximação para com eles usando do pretexto do baile. No entanto, dessa vez é Oldirk quem os interpela, logo, deveria ser um assunto importante. Sem mencionar que Sellrám está ao seu lado. Param de imediato a dança e se põem a escutá-los.

- Lodwein, Modwina, esperem um instante. – Pede Oldirk. – Sellrám deseja apresentar-lhes alguém.

- Olá, bela Modwina, soube que você é a garota mais bonita da festa, e vim lhe trazer meu filho como par. – O Conde-chefe vai direto ao ponto. É assim o seu soberbo jeito de agir.

Sem palavras diante de algo tão inusitado e absurdo, a princesa busca manter a calma e lembrar-se da missão recebida. Respira fundo e procede conforme o combinado: Entrando no jogo de Sellrám. - Grande é o meu prazer em conhecê-lo. – Responde ela estendendo a mão ao jovem.

E pela primeira vez naquele encontro, Diohám, o filho de Sellrám, ergue o olhar para vê-la. Ao o fazer, não se percebe alteração alguma em sua reação. Sem nenhuma expressão exagerada ou alterada, as quais poderiam significar talvez um sentimento afetuoso por ela, ele cumprimenta-a num sorriso. – Prazer é todo meu, senhorita Modwina.

Ao vê-los de mãos dadas pela saudação, o Conde-chefe sente-se muito satisfeito. É como se tivesse já alcançado seu objetivo. Dando um passo para trás fala. – Pois bem, acredito termos de ir agora, pois, os músicos vão começar a tocar outra música, e esta parece ser bem própria para a dança. Vamos dar espaço aqueles que desejam bailar então.

Oldirk também cede espaço a eles, e ao fazer isso, olha para Lodwein. Nisso vê-se nítido no rosto do rapaz o seu conflito interno. Ao mesmo tempo que sabe da necessidade de Mowilla estar naqueles momentos a sós com Diohám, e também entender que o filho de Sellrám é na verdade uma boa pessoa, diferente de seu pai, ele não quer abandonar Mowilla, ainda mais nos braços de outro rapaz, mesmo tendo ouvido falar muito bem deste. Contudo, por fim, Lodwein vence o combate interior e também afasta-se para eles bailarem, sem intromissões.

O Conde-chefe Sellrám acha isso tudo ótimo. É como tinha planejado. Após uns rodopios, onde Mowilla sente-se completamente pouco a vontade, eles vão se

distanciando cada vez mais dos conhecidos. Não conversam nada entre si, e aquilo é embaraçoso.

Até que, quebrando o silêncio, Diohám diz algo. - E então Modwina, qual é a missão paladina de Oldirk dessa vez?

Ela tenta se acostumar à ideia daquele total desconhecido ser confiável para conversas desse tipo, e, meio vacilante pela dúvida, pergunta-lhe. - É seguro conversarmos sobre isso aqui?

- Tem razão, vamos nos afastar um pouco mais. – Dizendo isso, se apartam da visão de todos e se dirigem a uma sacada onde poucos estão. – Aqui parece bom.

- Sim. - Por favor, me esclareça a missão. Mowilla não consegue resistir a sua suspeita, e vê a necessidade de perguntar. – Como

sei que posso confiar em você? - Pois bem. Entendo sua colocação. Vou então reportar para você minha última missão

recebida pelo senhor Oldirk, talvez depois de ouvir isso mude de ideia: Oldirk me pediu para investigar qual é o verdadeiro motivo da proibição da entrada de elfos em Francolônia. Senhor Oldirk, em suas investigações descobriu que os homens estariam por trás de um jogo de interesses em Nelwár, e ele me pediu para analisar e desvendar isso, e eu encontrei a verdade. Os homens de fato estão envolvidos num jogo de interesses, e de modo especial os antigos anciãos homens de Francolônia, hoje, ricos poderosos e influentes. O real desejo deles é reconquistar Drohevvefing, a antiga província de Farkweld, hoje dominada pelos elfos, e dominar o rio élfico, para assim ter o controle sobre os transportes. – Ao ouvir isso, a moça se apavora. Ele continua. – Dessa forma, acredita-se que haja uma intenção de guerra contra os elfos. Por isso, o reino e o rei élfico correm grande perigo.

- Hun’há! (Pai!) – Mowilla se desespera e somente consegue pensar em Leillindor, esquecendo-se por completo do seu disfarce e diz essa palavra em élfico.

Diohám de imediato estranha aquilo. Ele tinha já ouvido alguns elfos Cullyen conversando e sabe como é a forma deles falarem, assim como em seus estudos, somente por curiosidade havia aprendido algumas palavras, entre elas os números, alguns objetos e os nomes dos membros da família. Unindo os fatos, Diohám questiona-a admirado. – Hun’há? Pai? Você é uma elfa? Claro! Faz sentido do porquê de ser tão bela!

Ela percebe ter falhado no seu disfarce e angustia-se. No entanto, ele logo a acalma. - Não se preocupe! Estou do seu lado, não falarei isso

nunca e a ninguém! Mas espere lá! Você disse pai? Quer dizer que você não é Modwina, e sim Mowilla Verde-álamo, a filho do rei Leillindor Verde-álamo! Que honra a minha em conhecer a senhora! – E pensa em voz alta. - Oh céus! Eu conheci uma princesa élfica na minha sexta missão paladina! – Dá uns risinhos e continua. - Por favor, diga-me o que a senhora faz aqui?

- Temo que o que você acaba de reportar já se tornou verdade, Diohám. – Fala a princesa triste. - Eu e Lodwein nos perdemos do meu pai enquanto estávamos na fortaleza do saber, e acredita-se que meu pai foi atacado pelos homens.

- Acredita-se? Como assim? - Não temos certeza, pois fomos obrigados a fugir em direção ao bosque das raposas e

deixamos meu pai e uns soldados no castelo com uma ameaça assustadora a assombrar a fortaleza. Depois disso, eu e Lodwein seguimos e tivemos de lutar contra goblins, recebemos

ajuda dos paladinos do manso, participamos de uma guerra no bosque, fomos a Kais-Linr, a Peleja-nova, e de lá fugimos de barco sendo perseguidos por mais goblins, até chegarmos aqui.

- Por céus e mares! Que aventura fantástica a de vocês! Vocês devem, sem dúvida, estar muito felizes por ela, não é verdade? Desculpe perguntar, mas quem é Lodwein?

- Lodwein é meu... Meu amigo. Eu dançava com ele quando seu pai chegou até nós. - Sim, é verdade, eu o vi. - Perplexo por tal fascinante história, Diohám comenta. – Por

céus e mares, sem dúvida, é uma grande alegria tamanho desafio. Deve estar sendo tudo muito emocionante. E, por favor, será que há alguma algo que eu posso fazer para ajudá-los?

- Acho que chega a hora deu lhe falar sobre a missão. Penso ser esta a maior ajuda a qual possa nos dar. Escute, Diohám: Há uma sociedade secreta em Francolônia chamada a “Garra do Dragão”, os boatos afirmam ela tratar somente de assuntos relacionados a questões comerciais, porém há um forte indício de ser está sociedade secreta quem está por trás do jogo de interesses. E, sendo Sellrám, seu pai, um dos homens mais importantes de Francolônia acredita-se ele estar ligado a esta. Por sinal, as afirmações indicam ele ser o líder desse grupo, e sua casa ser a sede de reuniões da sociedade secreta.

- Por céus e mares! Tem toda razão! Faz todo sentido que seja a “Garra do Dragão” o grupo de homens por trás de tudo isso... – Diz Diohám. – Eu já conheço essa sociedade secreta, e de fato, meu pai é o líder dela, aqui em Francolônia. Contudo, sempre que os investiguei, descobri que eles tratam apenas de negócios, trocas e outros assuntos mercantis, nunca pensei que eles tratassem de planos para conquistar Nelwár para algum propósito estranho! Entretanto, infelizmente, faz todo sentido que sejam eles quem estejam por trás de tudo. Pois, nesse grupo reúnem-se os mais ricos e poderosos, e sem dúvida acontece um compartilhamento de interesses ali. Porém, não pensei que poderia ser desse tipo de interesse. Que pena... Sempre mais vejo quem é meu pai, e até qual ponto ele tem chegado... – Lamenta o jovem.

Mowilla compadece-se dele, entende quão difícil é a situação do rapaz. – Sinto muito Diohám. Mas, você sabe de mais alguma informação importante à missão?

- Talvez o máximo que poderia lhe dizer é o local da sede geral da “Garra do Dragão”. Ela fica lá em Swunildel, a Cidadela do Vento, a Grande Cidade dos Homens em Nelwár. Se querem descobrir algo sobre essa sociedade secreta, vocês devem ir para lá. É isso.

As informações dele deixam a elfa pensativa. Até que chega o momento mais esperado da festa, segundo anuncia o mestre de

organização do banquete, usando de um simples instrumento de amplificação de voz. - Parece que precisamos voltar para dentro. – Diz Diohám. - É verdade. – Ela responde. - Façamos assim então, Modwina. Vou buscar descobrir algo a mais, ainda durante

essa festa, enquanto isso você reporta tudo o que descobri à Oldirk. Até mais. Fique em paz, senhorita. – Fala isso e se vai depressa.

Após a despedida, Mowilla também segue rápida até a mesa, onde Oldirk e Lodwein estão.

Chega e se assenta, pondo-se a falar. - Diohám reportou sua missão. - O que ele contou? – Questiona Oldí. E assim a elfa explica tudo quanto conversaram e isso trás grande preocupação a

Lodwein e ao gnomo. Não é fácil ouvir alguns dos relatos dela. Ela, porém, já começa a encarar isso tudo com um olhar mais paladino. Tranquila, ela não se desespera.

Oldirk comenta após ouvir tudo. – Sem dúvida, percebemos que os homens estão enfiados, quase por completo, nas engrenagens dessas maquinações contra os paladinos e os elfos em Nelwár.

Isso sim os deixa bem pensativos. Na festa começa uma movimentação com música mais celebrativa, o real motivo da

comemoração parece por fim se manifestar, e Lodwein, por simples curiosidade pergunta. - Oldí, você descobriu qual é o motivo desse festejo?

- Bem Lodwein, do que ouvi alguns comentarem, parece se tratar da nomeação de umas cidades.

- Entendo. – Disse o jovem, até então, sem fazer nenhuma ligação de fatos em sua mente.

O mestre de organização do banquete inicia o discurso agradecendo a presença de todos, assim como declara a alegria enorme em receber novos membros.

Isso soa estranho a Lodwein. Depois o mestre continua falando de como a união é importante e somente a

nomeação proporcionaria o bem necessário para a então cidade. “Nomeação ... cidade”? Essas palavras passam latejantes pela mente do moço. Ainda em seu discurso, o organizador fala de como toda a província de Corgham do

Oeste cresceria agora com a nomeação dessas cidades. “Nomeação dessas cidades”, “Província de Corgham do Oeste”? Neste instante, Lodwein

se recorda de algumas noites atrás, e das palavras de um homem eufórico de discurso inflamado.

Mas enquanto o rapaz ali ligava os fatos, o mestre de organização grita mais forte. - Por isso, meus companheiros, eu agora apresentarei a vocês, as aldeias que irão se tornar cidades da província de Corgham do Oeste esta noite!

A essa altura, Lodwein já tinha entendido tudo, contudo Mowilla e Oldirk não desconfiam de nada, e desatentos batem palmas com o resto do público. O moço tenta os avisar enquanto o orador continua. - E também convido a vir até aqui, os condes que serão nomeados Conde-chefes em suas, em breve, cidades oficiais da província de Corgham do Oeste!

Desesperado Lodwein segura firme o braço de Oldirk e tenta dizer algo, mas falta-lhe ar, e não consegue. Nisso o gnomo percebe haver algo de errado e lhe pergunta se está bem, mas a gritaria lá na frente não para. - Por primeiro, convido o Conde-chefe Enbredor, da cidade de Vento-alto!

Todos aplaudem e continua o orador buscando falar mais alto que as palmas. – E por segundo... Por segundo... – Mas os aplausos interrompem-no. Lodwein está pálido e Mowilla

pergunta se ele está bem. Mas o barulho não os deixa ouvir as únicas poucas palavras que o rapaz tenta lhes dizer baixinho. Nessa hora, Belgar chega atrás dele e, pondo a mão em seu ombro, acalma-o.

As palmas da multidão também diminuem e o mestre de organização pode continuar sua fala, mostrando assim para Oldirk e Mowilla, o porquê de Lodwein estar tão desesperado. – E por segundo, convido Mellrich, o Conde-chefe de Alto da Mordida!

Capítulo XX: A missão da festa

Parte II

Enbredor, o conde da outra cidade, começou seu discurso muito feliz. Para ele é uma

honra enorme presenciar o pequeno vilarejo, que ele viu e que o viu crescer, sendo oficializado como uma cidade oficial da província de Corgham do Oeste. Mellrich está ao seu lado e entende e concorda com tudo aquilo o qual Enbredor discursa. As difíceis situações superadas, os primeiros grandes negócios, os reconhecimentos. Todas as palavras daquele conde trazem-lhe lembranças. Percebe-se inclusive um sentimento de amor por sua terra e seu povo. Assim demonstra o novo Conde-chefe Enbredor de Vento-alto, a mais nova cidade oficial da província de Corgham do Oeste.

Enquanto isso, Lodwein, Mowilla e Oldirk não conseguem acreditar na presença de

Mellrich ali. Lodwein é quem pior está. Se não fosse Belgar, o qual com paciência busca acalmar a todos, de modo especial seu irmão, muito provável Lodwein teria surtado.

Oldirk fala indignado consigo mesmo. – Como fui tolo! Como fui pouco precavido! Eu deveria ter procurado saber mais sobre essa festa! Mellrich é o conde de Alto da Mordida, e é também suspeito de estar envolvido nas más histórias que perseguem vocês. Sim é verdade. Hoje é a nomeação de Mellrich. Eu me esqueci por completo. Perdoem-me garotos. Deveria ter lembrado disso, e eu tinha de ter procurado descobrir a razão desse banquete antes de virmos. A culpa foi minha. Perdoem-me. – Lamenta o gnomo ao vê-los tão assustados.

- Agora não é hora de desespero. – Alerta-lhes Belgar. - Acalmem-se e saibam que isso é apenas o começo. Pode ficar ainda pior.

Lodwein e a elfa buscam comer e beber algum tira-apetite ali para tranquilizá-los, tentam enganar suas mentes, um imenso pavor os apodera. Todavia, apesar de tudo, estão em missão, e eles sabem disso, por isso tem de agir com serenidade.

Até que Enbredor conclui e é a vez de Mellrich falar. Aquele mesmo sorrisinho asqueroso de sempre está em seu rosto, mas dessa vez é muito mais exagerado, e nota-se, além disso, um novo sentimento naquele homem. Mesmo externando tamanha alegria, percebe-se uma perturbação nele. Mellrich repete muito do que Enbredor havia dito, porém acrescenta detalhes de sua vivência em Alto da Mordida, assim como as experiências próprias de negócios. Isso é muito interessante, segundo os ouvintes que conversam entre si apontando qualidades notáveis de um verdadeiro conde em Mellrich.

Ao fim dos discursos eles são muito aplaudidos. Sellrám também alegre os felicita com palmas, e toma a palavra. – É de fato uma alegria imensa recebermos estes dois pequenos vilarejos como cidades oficiais da província de Corgham do Oeste. – Dizendo isso, provoca ainda mais festejo nos numerosos convidados. – Isso é, de fato, muito bom para o crescimento da província de Corgham do Oeste. E diga-nos, queridos Mellrich e Enbredor, há algum

habitante de Alto da Mordida e de Vento-alto por aqui, para podermos parabenizá-los também?

Enbredor é depressa em apontar lá para o canto esquerdo do salão, para com isso mostrar as três famílias de pessoas que vieram representar Vento-alto com o conde, todas saltitando e batendo palmas de felicidade. – Lá está um pouco do nosso amado povo! – Diz ele.

E eles são muito bem recebidos com palmas e gritaria. Não havia leis retentivas sobre as algazarras no caso de felicitações, então, nisso o povo de Francolônia não poupava barulho.

Já na vez de Mellrich, ele pensa um pouco, olha sobre a multidão, e depois, sem vacilar, diz apontando altaneiro para a direção de Lodwein e Belgar. – Também há uns habitantes de Alto da Mordida por aqui. Ali estão eles!

Oldirk, Mowilla e Lodwein petrificam-se. Não sabem o que fazer. Nisso, todos da festa olham na direção deles e uma sensação horrível de vulnerabilidade domina-os.

Belgar por sua vez continua calmo. E nessa hora, ele segura o braço de Mowilla e Lodwein e fala bem baixinho. – Acalmem-se... Acalmem-se...

Toda a multidão do banquete olha na direção deles e espera alguma resposta, contudo Belgar somente lhes diz para tranquilizarem-se e nada fazerem. Por isso, eles ficam parados como estátuas.

É quando, de repente, todos começam a bater palmas e gritos surgem. Estão felicitando alguém. Mowilla levanta os olhos e vê, que as pessoas, na verdade, não estavam fitando-os, mas sim, olhavam para convidados que estão a algumas mesas atrás deles. – Nã-não é para nós. – Ela gagueja.

Lodwein e Oldirk, devagar e cautelosos, viram-se para trás e descobrem para quem aquelas palmas eram direcionadas. Dois homens estão de pé, orgulhosos, a serem saudados diante de todos os convidados. – Eu conheço esses dois! – Fala Lodwein. – São de Alto da Mordida, são capangas de Mellrich. Acho que ele não nos viu. Acredito estarmos salvos!

- Está enganado Lowdy. – Retruca Belgar. – Mellrich já sabe sobre nós. Enquanto saí para investigar descobri que ele estava aqui, assim como o ouvi comentando sobre nós. Mellrich sabe que estamos aqui.

Sellrám toma a palavra lá na frente e grita mais uma vez. – Sem dúvida é um prazer tê-los conosco, na minha casa, e em Francolônia. Sejam sempre bem-vindos. Agora chega a hora de oficializarmos tudo! Nessa hora Enbredor e Mellrich vão assinar os documentos, para assim, após isso, estarem de fato dentro do regimento da província de Corgham do Oeste!

O irmão de Belgar e a elfa, olhando ao redor e para os outros assustados, inquietam-se em suas cadeiras. Talvez estivessem procurando a porta mais próxima para fugirem, caso acontecesse alguma outra surpresa infeliz.

Mellrich, o homem que segundo as conclusões de Lodwein, é o causador de tudo aquilo que estão passando, ou talvez um dos maiores responsáveis, está logo ali, há alguns metros. Mowilla está com medo de ter perdido seu pai para sempre, Lodwein o seu mestre. Os dois haviam corrido grandes perigos e passado muito medo. Foram encurralados por goblins malditos no amedrontador e escuro bosque das raposas. Haviam-se cortado, ferido, sangrado; sentem dores no corpo inteiro, não dormem bem há dias. E tudo isso, pelo o que os fatos

indicam, é culpa do Conde-chefe Mellrich. E ele está ali na frente. Sendo louvado, elogiado, aplaudido pelos comerciantes, ricos e poderosos de toda a região, enquanto ri, com sua feição tão sinistra. Mowilla e Lodwein não conseguem sentir raiva dele. Somente sentem medo. Mellrich para eles tinha se tornado o monstro perverso dos seus piores pesadelos. Este é o sentimento deles ali.

Até que chega um dos momentos mais ansiados pelos convidados, a melhor parte de

todo e qualquer tipo de festa: A hora da comida. Oldirk chama os seus de sua mesa e fala-lhes. – Acredito que todos estejam assustados,

assim como eu. Por isso, nenhuma comida seria capaz de nos prender aqui. Vamos fazer assim então: Fujamos embora agora! Saímos daqui e já seguimos para fora de Francolônia em direção a Kais-Obîrg, o reino dos anões. Podemos jantar algo das nossas provisões de viagem. Ignoramos todas as dezessete leis retentivas de boa cortesia em deixar festas, e partimos embora. O que acham?

- É uma ótima! – Diz Lodwein. - Sem dúvida, isso me deixaria muito contente! – Fala a elfa. - Com certeza, é a melhor escolha. – Completa Belgar. - Façamos isso agora, com

cautela e sem chamar a atenção de ninguém, buscando fugir dos olhares de Mellrich nos misturando com a multidão. Vamos depressa.

Entram em acordo e se levantam para partir em viagem para bem distante de Francolônia.

Contudo, mal erguem-se e viram-se, deparam-se com uns seis serviçais a barrá-los. O mais bem vestido deles lhes salva com muita pompa. – Salve Oldirk, dono da zeladora pela iluminação em Francolônia, membro do conselho secundário, salve! O Conde-chefe de Francolônia, Sellrám Grão-corcel, junto a todos os membros do conselho primário, convidam o senhor, assim como todos os seus convidados, para sentarem-se junto a ele à mesa principal no terceiro andar.

Mais uma brincadeira de mau gosto de Sellrám e os seus. Oldirk, Belgar e os outros entreolham-se, e provavelmente, naquele momento, eles

sugerem entre si, por olhar, planos loucos como sair dando socos e porradas em todas as direções e fugir a força, ou de “dar um jeito” naqueles serviçais e silenciá-los. Contudo, é mera loucura do momento. Não sabem qual é a atitude correta de se fazer, nem o que responder.

- Bem... – O gnomo titubeia olhando para Belgar, o qual não se julga sábio para tomar uma decisão naquele momento e somente fita o chão enquanto recalcula os seus planos. Lodwein e Mowilla voltam àquele estado de choque de antes, e estão sem ação. Oldirk sabe que tem de aceitar o convite. Agora já era tarde, haviam sido reconhecidos por Sellrám e Mellrich.

E olhando os seus convidados com um triste observar, e entendendo como todo o jogo, em que estão, obriga-os a, naquela situação, aceitar o pedido do Conde-chefe, Oldirk compreende o que tem de ser feito e responde ao serviçal. – Pois bem, diga a Sellrám que estamos subindo então.

- O Conde-chefe Sellrám agradece a disponibilidade de vocês. Nós iremos aguardá-los e acompanhá-los até lá. Fiquem a vontade para pegar seus pertences e nos seguir. - O serviçal comunica-lhes.

Cada vez mais a tensão aumenta, e o conflito de emoções intensifica-se. Eles se dirigem então pacientes e humildes até ao terceiro andar.

Eles sobem até lá. É um lugar bem menor, comparado aos andares de baixo, no alto do

salão, de onde poderia se ver quase toda a festa. Uma única mesa estendia-se comprida ocupando quase todo o espaço do andar, o qual é quase como uma sacada, uma espécie de píer, onde muitos homens e alguns gnomos já banqueteavam há um bom tempo, bem acima dos outros.

Oldirk, Belgar, Lodwein e Mowilla chegam e descobrem que já havia lugares reservados para cada um deles. Por algum motivo suspeito, o lugar de Mowilla é bem ao lado de Diohám, o filho de Sellrám, e o de Lodwein, do outro lado da mesa. Isso irrita o rapaz. Oldirk, um pouco incomodado, senta-se na sua cadeira. Para cumprir as leis, cumprimenta com acenos as pessoas ali presentes.

Todos os obervam com muita atenção enquanto ajeitam-se. Os olhares deles, de modo especial, voltam-se para a elfa disfarçada de humana. Os condes não conseguem entender como uma simples moça poderia ser tão bela. Pensam sobre quão linda é a jovem por debaixo daquele véu. Até que Sellrám pede ao gnomo. – Ora Oldirk, por favor, apresente-nos seus convidados.

Ele não gosta desse pedido, pois percebe como isso trouxe medo à elfa, que encontra-se naquela situação assustadora, no meio de tantos homens desconhecidos direcionando olhares tão eminentes para ela. Oldirk logo lembra-se da responsabilidade de protegê-la a qual assumiu de Endelorth. Por isso tenta apresentá-la da forma o mais disfarçada possível. – Sim claro! Vou apresentá-los a vocês. Aqui ao meu lado está o grande Lodwein, um jovem muito inteligente, sua fama de conhecimentos é lendária. Ali está Modwina. E na minha esquerda temos o honorável Belgar, um hábil mestre, sabe muito sobre arquearia e lida com animais, seu saber também é lendário. Sinto muito dizer-lhes sobre Olganf, minha irmã, ela não pode vir.

Os condes conversam entre si, admirados pelos elogios dos dois rapazes ao lado de Oldí, e quase haviam esquecido-se da moça. Mas Sellrám logo fala. – É uma pena, Oldirk, a ausência de sua irmã. No entanto, por favor, conte-nos mais sobre a esplêndida jovem que está ao lado do meu filho Diohám. – Pedindo isso, os ali presentes logo voltam à atenção, mais uma vez, para ela.

Angustiado em ver a moça naquela posição, quieta e amedrontada, Oldirk ia tomar a palavra para, talvez, embromar algum discurso, inventando uma história sem sentido sobre ela, na intenção de enganá-los, quando chega até aquele terceiro andar os dois felizardos da comemoração: Enbredor e Mellrich. Eles são bastante aplaudidos pelos condes daquela mesa quando chegam.

Lodwein sente-se cheio dum sentimento ruim quando vê o rosto de Mellrich. Tantas lembranças vêm-lhe a mente. O rapaz então nota que havia um lugar vazio ao seu lado, e deseja no seu íntimo que aquele lugar permaneça assim. Mas isso não acontece.

Ao cessar as palmas, Mellrich e Enbredor procuram seus lugares. Nesse momento, ele olha bem para Lodwein, o qual abaixa a cabeça, imediatamente. Por sua vez o homem encaminha-se até o rapaz.

Chegando àquele assento, toma lugar. Ajeita-se na cadeira e saúda-o com naturalidade. – Olá mestre Lodwein, como andam as coisas?

Uma coragem, de certa forma presenteada por forças superiores, é dada a Lodwein, e ele consegue respondê-lo. – Olá Mellrich.

- Que bom que respeitaram meu pedido! Eu pedi para reservarem meu lugar ao lado do seu, pois queria ficar próximo do meu amado concidadão de Alto da Mordida!

Lodwein nada lhe replica sobre isso. - Você está tão bonito com essa roupa, mestre Lodwein! – Continua Mellrich. - Quem

lhe presenteou-a? Foi o tão famoso e honorável membro do conselho secundário de Francolônia, Oldirk? Não sabia da sua amizade com ele!

Dessa vez, também o rapaz nada diz. - Essas pessoas ao seu lado são seus conhecidos? Ora! Por céus e mares! Veja quem

está aqui! É Belgar! Seu irmão! Há quanto tempo, Belgar! Por onde esteve nesses últimos anos? Nunca mais o vi.

- Olá Mellrich. Estive viajando. – Respondeu-o ele. - Que viagens mais longas! Mas ainda bem que está aqui, para proteger seu irmão de

qualquer perigo. – Ri ao comentar isso. – E, essa moça tão bela? Também é conhecida de vocês?

- Sim, é nossa amiga, estava em nossa casa quando Sellrám veio convidar-nos para estarmos aqui, e acabou pedindo a presença dela também. – Comenta Oldí.

Nesse momento, Mellrich fica sério, e encara bem a moça. Começa então a pensar. Fica, assim como os outros, admirado pela beleza dela. Contudo, ele sabe de mais fatos do que os outros, e começa a considerar muita coisa. – Por céus e mares! Como essa jovem é bonita! Qual é o nome dela?

- Modwina. - Um conde que a olhava desde que ela chegou é quem fala. - Modwina? É um nome diferente. – Comenta o conde de Alto da Mordida com uns

que o ouvem. – Como ela é bela! Bela até demais... Chega a superar os limites normais, não é verdade? Os limites de uma filha de homens...

Enquanto discutem isso, chegam os serviçais trazendo mais comida. Eles, com notável habilidade recolhem as sujeiras, enchem os copos vazios, e repõem as bandejas com mais comida, isso tudo, sem atrapalhar a conversa de ninguém.

Olhando para a grande bacia de coxas de galeto assado à sua frente, e a qual também está à frente de Mowilla, o conde Mellrich percebe o véu o qual cobre o rosto dela, e acha aquilo estranho. Pega uma coxa bem gorda, desfia-a com uma ferramenta própria, e fica fitando a moça com um olhar ameaçador.

Ao ver Mellrich agindo assim para com Mowilla, Lodwein enche-se de um espírito heroico, e deixa o medo de lado. Pega também uns galetos, logo depois de Mellrich, e fixa-o com também um observar amedrontador. O conde sorri. Finalmente o garoto havia aceitado o desafio.

Mellrich toma de sua taça de vinho e come um pouco da carne, antes de comentar, ao perceber que Mowilla não toca em nenhuma comida. – Ora, bela Modwina, pegue uns galetos, coma conosco.

Sellrám e os outros condes ouvem tal comentário e atentam-se aquele diálogo. Mowilla não sabe o que fazer. Um grande desafio recai sobre ela. Pois, se tirasse o véu,

se exporia, e todos descobririam que ela é uma elfa. – Não estou com fome. – É o que consegue replicar.

- Ora, mas acredito vocês então não conhecerem as maravilhosas leis retentivas de Francolônia! – Retruca Mellrich.

- Eu já lhes expliquei sobre isso. – Intromete-se Sellrám, o qual atenta-se para aquele lugar da mesa a todo instante. - E pedi a Oldirk para esclarecê-los. Somente não sei se ele o fez.

- Eu o fiz. – Contesta Oldí. – Somente não tive tempo de expor-lhes todas as seiscentas e dezessete leis retentivas.

- Pois bem, deixem-me explicar-lhes uma lei, então. – Sorri Mellrich. – É obrigatório que se tome parte em toda espécie de confraternização a qual se é convidado a fazer em uma festa. Ou seja, mesmo somente um pouquinho, você é obrigada a comer conosco, Modwina.

Isso acaba com a estratégia de Lodwein utilizada nas outras leis, e ele não sabe o que fazer. Belgar inquieta-se em seu assento, e é possível de perceber que ele está se preparando para o pior. Oldirk também não tem ação.

– Ora, Modwina, a comida está maravilhosa! Se não quiser comer carne, pegue uma batata. - Fala Sellrám à moça, sem compreender até então qualquer complicação nesse simples ato de comer.

Mellrich quis então instigar a todos. – É verdade Modwina. Vamos, coma. Acho prudente tirar esse véu que cobre seu rosto. Você está tanto tempo com ele. Parece até que quer se esconder de nós por debaixo dele.

Os condes da mesa o ouvem e riem disso enquanto olham-na esperando-a tomar alguma atitude.

- Se ela não quer comer não insistam! – Diohám toma a palavra. – Se a moça não tem fome, deixem-na fazer o que desejar. A lei diz ela ser obrigada a tomar parte das confraternizações. E ela já não está fazendo isso? Já não está no meio de nós enquanto nos confraternizamos? Isso é o suficiente.

O pai de Sellrám olha irritado para seu filho, por vê-lo falando cheio de questionamentos e argumentações, e isso ele já havia-lhe proibido tantas vezes. Ainda mais em público.

- Entendo sua colocação, honorável Diohám. – Afirma Mellrich. Todos os numerosos condes, ricos e poderosos, tinham cessado suas conversas e atentam-se para aquela discussão.

– Sim é verdade, que, de fato, o que é pedido na lei retentiva, Modwina já cumpriu. Contudo, o que lhe custa comer? Isso é algo natural, e nem precisávamos estar obrigando-a a fazer isso. – Ele dá um risinho e continua. – Fica parecendo que ela não quer nos dar o prazer de admirar ainda mais sua beleza, tirando esse véu a cobri-la. Parece até querer nos esconder alguma natureza mística por detrás do pano. Quem sabe, nos esconder um lindo rosto élfico. E talvez esse véu seja mágico e está enganando isso de nós.

O silêncio é completo na mesa. Todos se entreolham. Tensão na mesa. Sellrám fita Modwina e Oldirk. Mellrich olha para Modwina e aos condes ao lado dela. Lodwein, vê Belgar que olha para Sellrám, Mellrich e Modwina. Os condes da mesa também trocam olhares confusos entre si. O silêncio é completo na mesa. Um plano alucinado de fuga, incluindo malabarismos fantásticos, explosões e muita pancadaria passa pela mente de Belgar. Lodwein sente-se impotente diante daquela situação, onde todos estão sendo ameaçados. Eles iriam descobri-los e talvez capturá-los como fizeram com Leillindor e Todyeld e levá-los para algum lugar desconhecido. Oldirk pensa em como, caso acontecesse algum fato trágico, poderia sem dúvida levar os outros condes perante a justiça e condená-los a prisão. Isso é claro, se ele também não fosse capturado junto deles e desaparecesse sem deixar notícias. Nenhuma solução, nenhuma salvação parece existir. Foi completo, o silêncio na mesa.

Até que Sellrám começa a gargalhar. Uns três condes ao seu lado o acompanham meio desconfiados. Mellrich depois o segue. Logo, mais pessoas estão dando fortes risadas. Oldirk também toma parte nos risos, seguido de Lodwein e por fim Belgar. Mowilla é a última a rir.

Mas Sellrám cala-se. E todos se calam com ele. E o silêncio volta a ser completo na mesa.

Havia sido implantada na cabeça de todos os ali presentes a dúvida. Afinal, porque Modwina recusa-se a comer, e usa, a todo momento, o véu cobrindo-lhe o rosto? Será que ela esconde alguma coisa? E todos os condes da mesa inquietam-se com essas questões, e agora fitam-na ainda mais.

Mowilla, olha seu prato enquanto sabe que alguma atitude deveria ser tomada, e esta, somente ela poderia fazer. Lodwein segura-se para não fazer algo que nem mesmo sabia ao certo o quê. Belgar somente espera os inimigos agirem primeiro para partir em defesa. Oldirk é somente confusão.

Até que Mowilla age, chamando a atenção de todos. Ergue a mão e pega um galeto e coloca-o em seu prato. Ao perceber isso, Lodwein quase berra, a elfa parece ter desistido, ela iria comer. Belgar pôs a mão no seu lado, onde o cabo escondido de uma adaga poderia ser sentido.

Tomando os talhares, Mowilla corta um pequeno pedaço da carne da coxa e finca em sua faca. Ela então solta o talher e segura o véu a cobrir-lha. Tirando o nó o qual prendia-o ao vestido, fê-lo ficar livre sobre o rosto. É verdade, Mowilla iria retirar o manto, e Lodwein perde as esperanças de qualquer vitória naquele dia. Não sabe o que fazer, desiste. A identidade secreta dela seria revelada.

Mowilla por sua vez, sorri preparando-se para tirar o pano.

A elfa puxa o véu e expõe seu rosto por completo. Os ali presentes acham então que ela é, de fato, uma elfa. Sua face é bonita demais para ser uma filha de homens. Mas ela está de olhos fechados. Então não têm certeza disso. Mowilla, sem abrir as pálpebras, dobra o manto de Fälloni sobre o rosto, cobrindo até o nariz com o pano. Ela então abre os olhos, protegidos pela transparência avermelhada do pano. Mais uma vez, ela volta a parecer-se com uma filha de homem, contudo, de beleza incomparável e fora do comum.

E, com a boca livre para comer, ela abocanha o pedaço de carne na faca e fala sorridente. – Bom apetite a todos.

Por essa Mellrich não esperava, e ele fica com imensa vergonha. Pois todos haviam suposto que ela era uma elfa por causa de suas brincadeiras. E isso agora é comprovado como falso. Mellrich perde sua postura de “malvado imponente” de instantes atrás, e volta a ser somente mais um homenzinho em quem não se pode confiar demais.

Lodwein sente-se completamente aliviado e sorri com sinceridade. Seu apetite de sempre volta na mesma hora, e parte para o ataque ao frango e às verduras cozidas. Como não podia demonstrar demais sua alegria, pois poderiam começar a desconfiar que fosse verdade, sobre o fato de Mowilla ser uma elfa, ele logo encontra a melhor maneira de disfarçar isso: Empanturrando-se de comida, não dando oportunidade dos outros verem seu grande sorriso. Tirando a mão de suas adagas de emergência, pode também Belgar respirar mais aliviado. Assim como Oldirk, o qual no final estava tão desesperado, que parecia ser o primeiro quem iria desistir e fazer algo precipitado.

Por um bom tempo o silêncio reina na mesa. Foi difícil voltar a conversar depois

daquela situação tão tensa. Mas Sellrám é estranho, e conseguia passar por circunstâncias dessas sem sentir qualquer incômodo, e logo puxa um diálogo com um conhecido seu, e aos poucos outros o seguem. Não demora muito depois, a conversação volta àquela mesa.

(Imagem dos condes ceando no alto do terceiro andar) Mesmo a aparência da comida sendo esplêndida, Mowilla e Oldirk não têm muito

apetite para comer. Talvez pela incomodante situação a qual encontram-se, ceando com os orgulhosos condes de Francolônia, com Sellrám e aquele Mellrich. Contudo Belgar e Lodwein parecem pouco se importar com isso, e devoram um montão de tudo o qual é servido, repetem um bocado de vezes.

Até que chega a hora da sobremesa. Este é um hábito tão comum dos cidadãos de Francolônia, que acabou tornando-se uma lei retentiva, sempre ter uma sobremesa em ocasiões especiais. Nesse momento, Oldirk e os seus amigos ficam muito felizes, pois isso significaria o fim da festa, após isso, os convidados iriam apenas continuar conversando, comendo e bebendo. Poderia se dizer, que após isso, todas as leis retentivas haviam sido cumpridas, e Lodwein, Mowilla, Belgar e Oldí poderiam ficar mais tranquilos e saírem dali, em direção a Kais-Obîrg.

Contudo, é quando Sellrám chama Mellrich e fala-lhe. – Conde-chefe de Alto da Mordida, Mellrich. Por favor, conte-nos mais sobre como anda a sua cidade?

Ele sente-se todo contente em ser chamado por Sellrám na frente de tantos condes e pessoas influentes. Ao ouvir esse pedido Lodwein, seu irmão e os outros atentam-se. Afinal, o que Mellrich irá contar?

- Grande Sellrám, Alto da Mordida outrora foi uma pequena vila de pescadores, mas com os esforços de pessoas dedicadas por inteiro ao bem de todos, ela cresceu. Muito mudou, muito crescemos e muito ainda temos de fazer. Acredite em mim, quando digo que muito mudou. Outrora, éramos visitados somente por piratas e marinheiros mal intencionados, no entanto, nos dias atuais somos visitados por diferentes povos e de boas raças.

Ao ouvir isso Lodwein inquieta-se mais uma vez. Já ouviu aquele discurso antes, e se lembra bem em como teve de fugir desesperado após ouvi-lo.

- Visitados por diferentes povos, e de boas raças? – Questiona Sellrám. – O que você quer dizer com isso, Mellrich? “Boa raça”, os elfos?

O conde sorri. – Isso mesmo. Mal a palavra “elfos” é dita na mesa, todos os quais nela banqueteiam-se, cessam mais

uma vez suas conversas e voltam-se para Mellrich, o qual sente-se contente em ter chamado a atenção de todos mais uma vez.

- Conte-nos mais sobre isso. - É verdade, caro Sellrám. Alguém muito especial nos visitou: Leillindor, o rei élfico. Foi

visitar Todyeld, quem você, com certeza, já têm escutado muito falar. Ouvindo isso, Mowilla abaixa a cabeça. Lodwein tenta conter a fúria em si. Quando os condes sabem da visita do rei élfico a Alto da Mordida, todos espantam-se e

não querem acreditar. Indignados começam a discutir entre si sobre o assunto. Uns acusam Mellrich de mentiroso, outros acreditam nele e pedem silêncio para continuar escutando-o.

- Ora Mellrich, não brinque com algo sério desse jeito! – Sellrám enraivece-se meio duvidoso.

- Não estou mentindo. É verdade. Inclusive o rei Beonth, o rei dos homens, poderá comprovar isso para mim, pois, o rei élfico Leillindor, assim como Todyeld, foram encaminhados, com toda a pompa as quais eles merecem, para o rei dos homens. E que caia um raio sobre mim agora se eu estiver mentindo. – As atitudes e o jeito de Mellrich haviam mudado agora. Antes, ele parecia tão confiante, mas agora, está confuso. Alguma lembrança forte vem-lhe a mente. Ao mesmo tempo em que ele tenta forçar um sorriso, olha meio perturbado para Lodwein e Mowilla, querendo ver a reação deles ao ouvirem seus relatos.

O rapaz e a moça estão perplexos. Não sabem como reagir. Simplesmente todas as loucuras as quais estavam vivendo, até então sem nenhuma explicação lógica, são ditas descaradas por aquele homem, que possuí uma certa culpa naquilo tudo. E ele usando desses fatos tão infelizes, que, com certeza, tinha consciência do quanto aflige aos dois, para poder orgulhar-se e gabar-se diante dos outros. É uma situação horrível.

Sellrám fica um pouco incerto daquela história, e sem dúvida iria procurar saber mais disso depois, entretanto, acredita em parte nas palavras de Mellrich. Ele vira-se para Oldirk e pergunta-lhe. – Oldirk, você tem relações de amizade com elfos e paladinos, não é verdade?

- Sim, de fato tenho, Sellrám.

- E você ficou sabendo de algo sobre isso, o qual o Conde-chefe de Alto da Mordida está relatando?

Mas antes de responder, Mellrich, com um sorriso grande demais e ofegando como se estivesse incomodado com algo, parecendo ser um pouco demente, intromete-se no diálogo deles. – Tudo é verdade, grande Sellrám. Cinco dias após a festa de comemoração da notícia que Alto da Mordida seria oficializada, eu recebi informações de que haveria uma apresentação de conhecimentos na fortaleza dos saberes, dirigida pelo brilhante mestre Lodwein, aqui presente. Mas quando cheguei até lá com uns amigos para assistirmos juntos, mestre Todyeld disse para irmos embora.

- Mas e quando foi que o rei Leillindor apareceu e ele e o mestre Todyeld foram levados até o rei dos homens? – Questiona Sellrám.

- Foi logo depois disso. Uns soldados surgiram e pareciam saber de algo, estavam em missão. Eles entraram no castelo e descobriram que o rei élfico estava lá dentro, e com o maior cuidado e gentileza informaram-lhe que o rei dos homens solicitava-lhe a presença. E assim eles foram levados, em belíssimas carruagens, e com uma segurança reforçada por muitos soldados corteses. – E sorrindo de uma forma sinistra, Mellrich acrescenta com sarcasmo. –Mestre Todyeld também foi posto numa carruagem especial, contudo, eu não sei dizer o porquê, a dele era muito mais bonita do que a do rei Leillindor. Talvez por que ele fosse um mestre de conhecimentos, e isso demandaria algo mais próprio a ele.

Mellrich está completamente assustado, isso era notável. Ele está apavorado. E talvez, por tolice da sua parte, estivesse buscando, como forma de se livrar desse sentimento, torturar Lodwein e Mowilla, fazendo-os sofrer contando aquilo tudo, que ele bem sabia iria os fazer padecer, e o qual na verdade, também o estava fazendo sofrer de medo. Aquele homem havia visto coisas terríveis.

Sellrám então fica pensativo sobre isso e comenta algo com um amigo seu, sentado ao lado. Sussurra umas palavras para esse conde. Belgar o vê nesse instante, está distante demais para ouvi-lo, então lê-lhe os lábios. Sellrám diz: “Isto deve ter sido o requerimento 12.94.1 da Garra Maior...”. Isso deixa Belgar pensativo.

Ao ouvirem dizer sobre Lodwein realizar apresentações de conhecimentos, os condes ali na mesa ficam todos extasiados, pois esse é um tema muito apreciado por todos. E assim, uns lhe pedem. – Brilhante mestre Lodwein, por favor, conte-nos sobre suas apresentações de conhecimento!

Intrometendo-se, Mellrich acrescenta. – É! Conte-nos sobre a apresentação a qual você fez para o rei Leillindor!

Lodwein está nervoso. Sua raiva é imensa. E isso somente piora ao ver Mowilla do outro lado, de cabeça abaixada, sem dizer nada. Ele sabe o que ela está passando. Está tentando não chorar para não chamar a atenção. Contendo sua irritação o máximo que consegue, o rapaz responde aos condes. – Outra hora lhes contarei sobre isso.

Mas Mellrich insiste testando-lhe ainda mais. – Ora Lodwein, o mestre Todyeld proíbe-lhe que conte sobre suas apresentações sem sua supervisão para não cometer erros?

Não se preocupe com isso! Todyeld está bem distante de nós, nesse exato momento, então não tenha medo disso. – Ri o insolente.

Respirando fundo e buscando manter a calma, Lodwein tenta se controlar, mas está perdendo as forças.

Os condes persistem em seu pedido. – Por favor, mestre Lodwein, somos muito interessados em apresentações de conhecimentos. Faça-nos uma breve exposição de suas recentes descobertas!

- É verdade, Lodwein! Conte a eles ao menos sobre aquela sua pequena descoberta a qual apresentou para seus amigos de Alto da Mordida quando era bem jovem. – Fustiga-lhe aquele homem perverso. - Lembra-se? Aquela, na casa de Osyfus. Muitos boatos espalharam-se sobre ela. Conseguem acreditar, que ele era apenas um moçinho e já havia descoberto análises muito complexas sobre o comportamento da água dentro de compartimentos interligados? Ah! Eu sei de alguém que gostaria muito de saber desse seu experimento: O rei élfico! Já que ele gosta tanto de criar barragens em rios.

- Tem razão! Estes são os dois inimigos do avanço: Os paladinos, esses ladrões da noite e Leillindor, aquele maldito construindo barragens no rio élfico! – Uns condes murmuram ao ouvir isso.

Mowilla encolhe-se ainda mais em seu lugar. Nesse momento, a ira de Lodwein cresce a um ponto intolerável. Ver Mowilla passando por tamanha infelicidade, tendo de ouvir ofensas a seu pai sem poder defendê-lo, fez também o rapaz sofrer muito. E ele pensa seriamente em tomar uma atitude violenta naquele momento. No entanto consegue com um tremendo esforço conter-se.

Mas é quando Mellrich toca em algo ainda mais especial para Lodwein, que se torna impossível de continuar. – Ora Lodwein, porque não conta a eles então sobre aquela sua engenhoca feita de madeira e cordas torcidas o qual consegue alçar pequenos voos? – Continua em seus tormentos. - Eu ouvi certa vez Todyeld comentando isso com Reci. Os dois estavam muito contentes contigo. Ah! É verdade, já ia me esquecendo de dizer-lhe sobre Reci. Ela andou meio chorosa nos últimos dias. Achei aquilo estranho, e trouxe uns amigos para conversarmos com ela. Você entende, não é mesmo? Eram simples amigos como os que costumam andar ao meu lado. Nós queríamos saber por que ela chorava tanto... Mas ela não nos dizia nada. Por mais que insistíssemos.

Falar de Reci é uma perversidade muito grande. Lodwein começa a respirar mais rápido e forte. Leva as mãos aos cabelos e aperta a cabeça, está latejando. Intensa é a raiva e já não sabe mais se conseguirá resistir. Belgar repara isso. Oldirk também. Até mesmo Diohám olha para o gnomo protetor do rapaz e faz sinal pedindo para não deixar aquilo continuar.

Mas Mellrich não desiste. – E saiba você que nós insistimos muito com Reci. Ah como insistimos... E ela nunca dizia nada.

Lodwein consegue entender com perfeição tudo que Mellrich está insinuando. Quanto mais pensa no que Reci, sua amada mãe, teria passado nas mãos daquele Mellrich perverso, mais difícil é de se conter.

Até que Mellrich consegue alcançar seu desejo, encontrar o limite de Lodwein.

- E ela gosta muito de você sabia disso? Pequeno Lodwein... Muitas vezes ela dizia seu nome enquanto perguntávamos a ela com insistência sobre a razão de chorar. – Ele dá uma risada asquerosa enquanto fala. - E tentamos de diversas formas perguntar-lhe, mas sempre era silêncio. E quanto mais tentáv...

- Já chega! – Grita Oldirk interrompendo-o e batendo a mão na mesa. – Já chega a nossa hora de ir! Infelizmente ela é chegada e temos de partir. – Contorna ele seu grito de interrupção a qual espanta a todos.

- Já vai assim tão cedo? Você precisa continuar... – Diz Mellrich. - Não Mellrich. – Retruca Oldí saindo da mesa. - Já não há nenhuma lei retentiva que

não tenhamos cumprido. Agora temos de ir. Até mais. Belgar de imediato o acompanha encarando o conde perverso de Alto da Mordida,

Lodwein sai sem olhar para ninguém, Mowilla do outro lado da mesa também ergue-se e vai até eles.

Os outros condes do banquete perguntam-lhe porque já iam, assim como Sellrám. - É tarde, e não podemos mais ficar aqui. Fiquem todos vocês em paz. – Responde Oldí. E dizendo isso viram-se e vão embora. Contudo, um estranho “espere lá” é ouvido e eles se voltam para a direção da voz. Mellrich de mão erguida tem algo a dizer. – Há uma lei retentiva que vocês se

esqueceram... Oldirk respira fundo, e pensa consigo se não valeria a pena usar aquele plano de

acabar com todos, mas suporta a provação. – E qual é? - A lei a qual fala de que é falta de educação despedir-se das donzelas sem beijá-las a

mão. E eu ainda não beijei a mão de Modwina. Dizendo isso ele se levanta, vai até a jovem, toma a mão dela e a beija sorridente. Após essa última tortura, eles saem depressa, ignorando o pedido dos outros condes, os

quais também queriam beijar a mão da moça. Eles descem as escadas com velocidade e caminhando com rapidez cruzam o imenso salão, depois o jardim, atravessando o grande portão e entrando por fim na carruagem de Oldirk.

Conseguem fazer todo esse percurso segurando as emoções, a imensa raiva e a profunda tristeza. Mas, entrando na segurança daquela charrete, e sabendo que ninguém mais os viria, não mais contêm-se.

Mowilla e Lodwein sentam juntos, um abraçado ao outro. Ela chora aos prantos nos

ombros dele. Mowilla odeia escândalos, por isso busca fazer o mínimo de barulho possível, mas não consegue. Sua dor é enorme. Ela lembra-se de seu pai, de como, segundo aquelas pessoas, ele havia sido preso e levado para o rei dos homens, de quanto ele estaria sofrendo. É muito dor. É dor demais. Isso fica tristemente evidente quando os pesados soluços chegam a ela. Uma cena muito lamentável de se ver. Lodwein, encontra-se da mesma forma. Escorre-lhe sem parar o choro amargo de ver-se naquele estado caótico de profunda consternação. De

imaginar também os sofrimentos das suas pessoas queridas e amadas, passando por isso, sem nenhuma explicação ainda clara. E assim os dois, Mowilla e Lodwein, abraçam-se num canto da carruagem, um pranteando-se sobre o outro.

Oldirk dirige a carruagem, abre uma portinhola, a qual dá uma visão de lá de dentro ao condutor. Ele tenta consolá-los. – Acalmem-se, meus queridos. Passaremos em casa para pegarmos Olga e as bagagens e logo partiremos deste lugar.

Belgar do outro lado da charrete contrista-se também por eles. E assim, a charrete segue até a casa de Oldirk, onde Olga, Noig e Focinho os esperam

com muitas malas de viagens. Eles depressa arrumam a carruagem para partir e se vão. O anão Noig tinha decidido deixar seu navio no porto, pois não queria pagar o

imposto para subir o rio até Kais-Obîrg, e os acompanharia na estrada. Abatidos, seguem para fora de Francolônia em direção à Kais-Obîrg. Lodwein e

Mowilla adormeceram juntos naquele triste abraço.

Capítulo XXI: Delvokke

Enquanto eles iam passando pelas belas charnecas daquelas terras, que costeiam o rio

vindo lá das três enormes montanhas de Kais-Obîrg, as quais podem ser vistas erguendo-se gigantescas a criar uma contrastada linha divisória no horizonte, clareado pela última luz do luar, logo quando a lua já ia sumindo, Oldirk dirige a charrete no tempo em que conversa com Belgar ao seu lado na condução.

Porém, nessa hora, Lodwein, que está lá dentro, não dorme bem, e tem um confuso sonho.

Ele sonha estar em uma importante festa, muito bem decorada, no grande jardim aberto duma pomposa casa, onde muitas mesas e cadeiras haviam sido montadas. Poucas pessoas estão na festa e comida é servida a estes. O rapaz senta-se sozinho em sua mesa, algumas pessoas o observam de longe. É quando alguém vem na direção dele e senta-se a sua frente, é Mellrich. O conde fica parado ali, fitando-o diretamente com um largo sorriso. Nesse momento, Lodwein enfurece-se e tenta falar algo, mas não tem voz, está mudo. Quer se levantar, contudo parece estar preso à cadeira, é difícil se movimentar, qualquer ação é muito pesada, e não dá para sair do lugar. Isso lhe trás agonia, e o conde continua olhando-o sarcástico. A raiva aumenta cada vez mais, ele quer avançar em cima do homem, contudo algo misterioso o impede de realizar qualquer ação. Aflição e ira dominam o rapaz cada vez mais que ele tenta agir e não consegue. Até que uma forte rajada de luz brilha intensa bem atrás de Lodwein assustando a Mellrich, o qual foge no mesmo instante, e todo o lugar se ilumina. Após esse clarão, ele consegue por fim se soltar e vira-se para trás num salto, derrubando sua mesa e cadeira. Vê então uma dama envolta em claridade. Lodwein pergunta quem é, com isso a moça ergue o rosto, e ele descobre, é Mowilla, com feição um pouco abatida. Todo o lugar onde estão então vai mudando, até se tornar uma colina cheia de flores douradas, assim como a elfa, que tem seu brilho diminuído.

- Isso é um sonho, não é? – Pergunta o rapaz. - Sim, de fato é um sonho. – Responde Mowilla. – Porém, nós estamos conscientes

dentro dele. - Nós? Isso não é verdade. Este é meu sonho e você é apenas uma ilusão da minha

mente. – Lodwein é um rapaz muito incrédulo quando se trata de esquisitices do tipo. - Não Lodwein, tanto eu, Mowilla, quanto você, Lodwein, estamos aqui dentro do seu

sonho, entendendo tudo o que está se passando. - E como isso pode ser verdade? - Quando alguém é próximo a um elfo, e ambos adormecem em um espaço não muito

distante um do outro, o elfo consegue entrar no sono da outra pessoa. Lodwein acha aquilo muito interessante. Começa então a reparar em como todo o

lugar onde se encontram ia se modificando, transformando-se num imenso bosque de árvores douradas de caules prateados. Umas frutas verdes podem ser vistas dependurando-se das folhagens.

(Imagem, provavelmente colorida, deste bosque de árvores douradas, caules prateados e frutas verdes, e os dois jovens caminhando por entre ele.)

- Venha comigo, Lodwein. – Pede a elfa, e eles saem a caminhar. – Essa é a floresta dos meus sonhos, o bosque proibido dos antigos reis elfos do passado, resquícios de uma velha floresta muito bonita dos antigos Altos-elfos. Quando eu era menina, costumava sempre ter pesadelos ao dormir. Por isso, meu pai ficava ao meu lado, entrava no meu sono e destruía todos os monstros e fantasmas, transformando tudo nos mais lindos sonhos. Meu pai sempre me trazia para cá. Porque, segundo ele, este é o lugar mais bonito de toda Hamonfing, assim como também pelo fato deste lugar ter uma ligação especial comigo.

- Ligação especial? – Lodwein quer saber sobre isso, maravilhando-se com aquele magnífico lugar, e o tão lindo arvoredo.

- Essa árvore de caule branco, copa dourada e de fruto esverdeado chama-se Mowill, é uma antiga árvore élfica, e meu pai me deu o nome de Mowilla por causa dela. Ele comparou minha pele ao tronco, meus cabelos a copa, e o verde dos olhos à fruta. Nyl’lä (É claro), Mowilla também é um nome comum entre elfos.

- Fascinante! No entanto, Mowilla, com o que você tinha pesadelos? Risonha ela explica. - Bem, tenho apenas dois medos. Por primeiro: Raposas... Lodwein e Mowilla gargalham desse fato que já havia sido antes conversado entre eles.

Nesse momento, encontram um pequeno lago cristalino. A paisagem fica cada vez mais fantástica e toma forma. Ao longe, montanhas surgem. Eles chegam até a água e mergulham seus pés no lago, está morno, isso os faz relaxar, deitam-se na relva, esticados e descansados.

- E qual é seu outro medo? – Questiona o rapaz. Ela entristece-se. – Tenho medo de goblins e de todo tipo de criatura maligna. Tive um

irmão que morreu num ataque de goblins. Minha mãe depois disso caiu em profunda infelicidade, e também veio a falecer. – Assim conta Mowilla o que sabia sobre a história de sua mãe.

Ao ouvir dizer isso, Lodwein se contrista por ela. Todo o lugar vai se escurecendo e perdendo vida.

- Mas, isso é passado. E eu sempre amo quando meu pai me traz aqui, pois este lugar é muito lindo e perfeito. – Diz a moça, indicando a paisagem e toda sua beleza.

Lodwein, vendo a elfa mais uma vez contente, também se alegra e a luz volta ao lugar o qual se vitaliza numa cor dourada mais uma vez. Sendo aquele sonho do rapaz, seus sentimentos influenciam na aparência da paisagem.

Inclinando-se para a princesa, a qual agora deita-se alegre esparramando seus longos cabelos dourados pela relva, o rapaz pergunta-a. – Mowilla, o que é mesmo necessário para um elfo conseguir entrar no sonho de alguém?

– Bem, a pessoa tem de ser próxima ao elfo, e os dois devem dormir um próximo do outro.

Ele fita-a. - Tem de ser próximo ao elfo? Como assim? Agora, um pouco envergonhada, ela responde. – Sim... Próximo... Isto é, morar no

coração.

Neste instante olham um ao outro e Lodwein lhe pergunta. – Quer dizer então que... Você me...

Mas nesse exato momento do sonho, eles são acordados por Olga. Cutucando-os ela os chama para a refeição matinal.

Ainda sentados, Lodwein e Mowilla acordam ainda abraçados. Eles entreolham-se e

sorriem. Viram nessa hora, que, de fato, foi verdade todo o sonho, ambos estavam lá, e preferem não falar nada.

Havia parado, a carruagem, bem no topo de uma pequena colina ao lado da estrada,

de onde se pode ter uma boa visão de toda aquela região. As três montanhas de Kais-Obîrg mostram-se mais próximas agora. Aquela colina que estão já é um início das elevações montanhosas dessa formidável cordilheira anã. Montam abrigo lá, parece seguro. É uma manhã fria, e por isso acendem uma pequena fogueira. Focinho, que havia seguido junto à carruagem desde Francolônia, pasta no orvalho ali próximo. Ele de fato tornou-se um burrinho muito forte agora, e aguentaria viagens bem longas, sem queixas. Fato que nunca aconteceria antes, pois Focinho não passava de um roliço preguiçoso nos tempo de Alto da Mordida.

Reunidos em torno do fogo eles tomam chá, comendo biscoito e pão com mel. Belgar chega e se junta a eles. Com uma feição de preocupação, o paladino senta-se na roda, e pegando uma caneca, enche-a de chá e nada comenta com ninguém. Olga tenta descobrir onde havia posto a manteiga, e somente acha embutidos de carne, os quais, até então, apenas Noig interessa-se em comer. Até que Lodwein quis um também, e gostou da experiência de saborear, tão cedo assim, carne. Cada vez mais o rapaz descobre em si mesmo tendências anãs. Mowilla bebe chá e come pão com mel ao lado do rapaz, envoltos num grande cobertor.

Nisso, Oldirk, esperando a manteiga e tomando o chá, questiona preocupado. - Mowilla, Lodwein, vocês já estão melhores?

Respondem que sim. Infere então, o gnomo, da princesa uma dúvida sua. – Mowilla, diga-nos, como você

conseguiu, ontem, lá na festa, tirar o Manto de Fälloni e não ser descoberta por ninguém quanto a sua natureza élfica?

- Na verdade, senhor Oldirk, o brilho élfico, que é o que nos identifica, está no olhar, e como o véu estava sobre os meus olhos enquanto eu comia, ninguém conseguiu descobrir a verdade. Por isso também, no momento em que retirei o manto, fechei os olhos. Entende?

Oldirk admira-se. – Ora, Mowilla! Você foi muito esperta então! Meus parabéns. Você enganou a todos nós.

Lodwein e Belgar também sorriem para a moça, tomando parte no elogio a ela. - Lamento pelo o que passaram ontem, meus queridos. – Diz Olganf. - Está tudo bem, tia Olga. – Respondem os dois. Belgar, pensativo, comenta com eles. – Eu deduzo que Sellrám já sabia que o ataque à

fortaleza dos saberes aconteceria.

- Porque acha isso? – Oldirk interessa-se pela observação dele. - Eu li os lábios de Sellrám no banquete em sua mansão, logo depois de Mellrich ter

relatado o aparecimento de soldados dos homens em Alto da Mordida. Ele disse: “Isto deve ter sido o requerimento 12.94.1 da Garra...”. Sabem o que me parece? Antes de o ataque acontecer, a informação de que ele ocorreria deve ter chegado até Sellrám, mas o Conde-chefe não deve ter dado tanto valor a esse aviso. Segundo suas próprias palavras, esse requerimento foi dado pela “Garra”, ou seja, “Garra do Dragão”, a sociedade secreta a qual ele pertence. Provável ser essa uma ordem vinda lá da Grande Cidade dos Homens, onde é a sede da sociedade.

Eles refletem consigo e percebem, de fato, faz sentido. - Eu gostaria também de relatar algo. – Solicita a elfa. – Diohám disse-me que Oldirk

havia dado-lhe a missão de descobrir o real motivo da entrada dos elfos estar sendo proibida em Francolônia, assim como descobrir se seria verdade o envolvimento dos homens nos recentes acontecimentos de Nelwár. E ele reportou-me a missão. Descobriu ser verdade o fato dos homens estarem num jogo de interesses por trás de Nelwár, e haviam muitos homens de Francolônia tomando parte nisso, principalmente os ricos e anciãos mais poderosos. A Garra do Dragão também estava envolvida nisso. E o real desejo dos homens é reconquistar Drohevvefing, a antiga província de Farkweld, assim como o rio élfico.

Todos ficam espantados ao ouvir esses relatos. - Endelorth precisa ser comunicado disso o mais rápido possível. – Afirma Oldí. Com as emoções exaltadas e os pensamentos agitados, eles tentam se acalmar. Muitas

mãos levadas ao rosto, tapando bocas de espanto e coçando a cabeça de preocupação. Ficam assim por um tempo.

Tomam chá, refletindo sobre todas as notícias e fatos de Nelwár, algo o qual já havia se

tornado comum para eles, quando Belgar, esperando todos estarem mais calmos, fala a eles. – Tenho uma má informação a relatar.

Todos se voltam para ele duvidosos. – O que aconteceu? – Perguntam-lhe. - Há algumas horas na noite, quando adentramos as terras dos anões, tomamos

caminhos os quais não são mais utilizados por ninguém, e, nesse ponto, eu ouvi o chão e descobri que havia uns dois cavaleiros, no máximo, seguindo nesse mesmo caminho abandonado e na mesma direção que nós. Ou seja, eles podem estar nos perseguindo. – Isso aumenta a preocupação neles. – Como sabem, estamos em terras anãs, mas não sei se esses cavaleiros são anões. Os anões não mais estão se movimentando tanto, e o barulho parecia ser de um cavalo pesado, enquanto o povo daqui costuma usar pôneis. Se olharmos pela estrada, não se conseguirá ver ninguém, contudo os sons veem dela. Eu acredito, que esse, ou esses cavaleiros, estejam seguindo por dentro dos bosques costeiros, fugindo assim da nossa visão. E eles vêm em alta velocidade, e até então não pararam nenhum momento para descansarem. Por esses fatos, deduzo estar de verdade nos perseguindo, e ser muito habilidoso. Não tardará a nos alcançar.

Afligem-se em ouvir isso, e angustiada Mowilla fala ao grupo. – Então o que estamos fazendo aqui parados? Vamos fugir!

- Não sei se isso é necessário. Veja bem, estamos falando de no máximo dois perseguidores a cavalo, e nós estamos em seis. Podemos ganhar deles, se forem inimigos.

Ao ouvir isso, Focinho logo chega mais próximo, um pouco decepcionado por não ter sido contado como um sétimo guerreiro.

E sem muitas opções, eles continuam sentados, aquecendo-se ao redor da fogueira, a esperar pelos perseguidores. Noig já não mais se importa com situações de perigo e continua saboreando o embutido de carne, misturando-o com mel. Misturas de gostos tão distintos assim eram muito apreciadas por anões. Unir algo amargo ou salgado com doce num único pão era hábito deles. Lodwein e Mowilla conformam-se com o fato de correrem constante perigo, e buscam ficar calmos. Oldirk prepara-se em sua mente para um combate, havia anos que não dava uns socos e chutes em algum inimigo, ou brandia uma espada em nome da justiça. Belgar somente fita o distante aguardando ansioso qualquer sinal dos perseguidores. Tia Olga, por sua vez, sabe que deverá pegar a carruagem e disparar numa corrida alucinada até Kais-Obîrg no caso duma situação trágica. Focinho aquece-se em pequenas cavalgadas ali do lado, desejoso pelo combate.

É quando Belgar pede o silêncio de todos, e aponta para a floresta logo ao pé da colina

onde estão. – Silêncio! Eles estão chegando. - Não são eles. Há apenas um cavaleiro. – Afirma Mowilla escutando bem o som e

fitando a escuridão das árvores lá em baixo. Silenciam-se por completo quando o trotar da montaria pôde ser escutada inclusive

por aqueles que não têm nenhuma experiência ou dom da escuta à distância. Eis que então salta para fora das árvores o cavaleiro. No mesmo instante Belgar se põe

de pé. O ser está todo coberto com um manto encapuzado verde escuro. Oldirk sorri quando vê isso. É uma veste igual a que Belgar utilizava quando surgiu como o ajudante desconhecido no bosque das raposas.

Nisso, o cavaleiro os avista e sobe depressa a colina. Belgar, por sua vez, também corre na direção dele. Um sorriso brilhoso ilumina o rosto dele. Lodwein nunca havia visto seu irmão tão feliz daquela maneira.

Mowilla também se põe de pé, meio duvidosa e com um riso incerto, fita o ser usando de sua visão élfica, e logo consegue identificar o semblante da pessoa sob o capuz. Dá um grito enorme de alegria. – Delvokke! – Com isso, sai correndo a repetir em alto tom aquilo. – Delvokke! Delvokke!

Oldirk também vai andando depressa na direção do ser, parece ter reconhecido a pessoa.

E, como num encontro de velhos conhecidos, o cavaleiro para a corrida de seu cavalo no meio da colina e depois segue depressa a pé. Nisso seu capuz descobre-se mostrando a todos que ele é um elfo muito alto e extremamente forte, de longos fios loiros trançados. Trata-se dum legítimo respeitável bravo guerreiro. Mowilla vai tão desesperada, que consegue

ultrapassar os velozes passos do paladino Belgar, e chega primeiro ao grande elfo. E os dois se abraçam com força, Mowilla e o elfo guerreiro.

Lodwein olha essa cena lá do topo da colina. O elfo a aperta contra si, beijando a cabeça dela. Mowilla está chorando de alegria

entregue aos braços do forte guerreiro. Lá no alto, o rapaz perde o chão vendo aquilo. De repente, Mowilla não está mais ao

seu lado e o ignora por completo, correndo para aquele tal elfo a cavalo, o qual tem aparência muito austera e parece ser um nobre.

Mas Belgar chega depressa para cumprimentá-lo. Nisso, o elfo coloca Mowilla de lado e saúda-o num aperto de mão e abraço. De imediato ele começa a fazer perguntas para Belgar em uma língua estranha, provável ser a língua dos paladinos. E, enchendo-se de indagações e questionamentos um ao outro, iam subindo a colina até o acampamento. Mowilla, da mesma forma faz diversas perguntas a esse elfo em seu idioma, o élfico Cullyen, falando-lhe depressa e afobada. Ele ignora-a dizendo “Naä’dä! Delilei!”, que significa “Acalme-se! Espere!”. Lodwein não gosta nenhum pouco dele ter respondido-a daquela forma tão fria.

Aquele ser, visado por todos agora, chega ao topo num intenso diálogo com Belgar, todavia enchido de interrupções da moça.

Lá ele encontra os outros e vai saudá-los. - Ähive Hevinui! (Bom dia!) Salve Oldirk, o quebra joelhos! Há quanto tempo meu pequeno amigo?

- Faz mesmo Delvokke. – Responde o gnomo. - Você não imagina o tamanho da nossa alegria em reencontrá-lo aqui! Agora sim estamos mais seguros.

- Não caro Oldirk... É você quem não pode mensurar a minha alegria e satisfação em vê-los assim, vivos e sem nenhum ferimento grave.

Por sua vez, o anão do grupo levanta-se alegre e vai até ele. – Grande Delvokke, líder brioso da Lebre Alva, o mais poderoso grupo de guerra élfico! Como vai você e seu pessoal?

- Salve Noig, o corajoso! Meu amigo, após os tristes casos da Primavera em Farkweld a Lebre Alva nunca mais voltou a ser a mesma. Muitos tomaram um navio após aquilo tudo e seguiram a procura do descanso no mar.

- Isso é uma pena. Tão valiosos guerreiros desperdiçam suas habilidades de luta vagando pelos oceanos. – Lamenta o anão.

- Acredito muitos deles nunca mais voltarem. – Comenta o elfo Delvokke. Após isso, cumprimenta também Tia Olga, e por fim, vai ter com o rapaz. – Salve

Lodwein! Como está crescido! Você nem mesmo deve lembrar-se de mim. Lodwein, forçando ser amistoso, questiona. – E você como se chama? E donde me

conhece? - Desculpe-me, deve ser verdade o fato de você ainda não me conhecer. Permita-me

apresentar-me. Sou Delvokke Verde-álamo, filho de Leillindor, terceiro príncipe dos Cullyen, os elfos errantes.

Ouvindo dizer isso, tudo parece fazer sentido ao rapaz, o qual antes caiu num amargo sentimento de solidão e ciúmes, todavia, agora se envergonha por ter tido pensamentos tão

pequenos para com o próprio irmão da elfa. Isso explica porque Delvokke tratou de uma forma tão fria a princesa; era um irmão ignorando uma irmã, algo comum.

Mowilla, agora menos ansiosa pela emoção em rever seu irmão, percebe o ciúmes de Lodwein, e acha engraçado a maneira como ele após isso respira fundo, dá um risinho e volta a se sentar.

Delvokke, vendo-se numa situação mais tranquila, pede a eles. – Eu preciso me livrar dessas minhas roupas. Apesar de tudo, podem haver wircks me rastreando pelo cheiro, bem distantes da minha visão e audição. E esse é um medo que tive desde o começo da viagem, ser perseguido. Vocês possuem alguma veste para o meu tamanho?

- Acredito minhas roupas servirem em você. – Fala Belgar. - Tenho muitas roupas de homens adultos num baú ali atrás. – Acrescenta Olga. Delvokke veste-se com roupagens novas, emprestadas deles. Depois queima suas

antigas vestimentas na fogueira. E sentados ao redor dela continuam a conversar. - Conte-nos sua história Delvokke, enquanto come algo e se aquece conosco na

fogueira. – Pede Oldirk. Tomando a maior caneca de chá, o elfo puxa o pote de biscoitos mais próximo de si,

assim como o de mel, e mergulhando as bolachas no doce, mordendo o pão e devorando os embutidos, pois está faminto pela viagem, começa a narrar-lhes sua longa história.

- Tudo começou quando há uns quinze dias atrás, eu ainda estava em Beföllia, a floresta élfica, e meu pai Leillindor disse-me que iria viajar em breve para Corgham do Oeste, para visitar Lodwein e Todyeld em Alto da Mordida, como havia prometido de o fazer de quatro em quatro anos. – Isso é algo novo, Delvokke relata que Leillindor havia prometido visitar Lodwein, mas, prometido para quem? Lodwein fica pensativo quanto a isso. – No entanto eu recebi uma missão paladina para ir em Awit-Selûr e decidi resolvê-la rapidamente para logo depois seguir depressa para a fortaleza dos saberes. E assim o fiz. Infelizmente, nessa missão, Hdaling, meu fiel falcão foi assassinado por três flechas, e isso prejudicou toda a minha comunicação com os paladinos. Foi um fato muito triste. Eu tinha Hdaling como um amigo. Ainda não consegui fazer um memorial descente a ele. Eu somente providenciei um pequeno tronco e firmei seu corpo nele e larguei-o no Selûr, o qual irá desembocá-lo no Rio Eterno caindo no Mar Calmo. Segui então em viagem passando por Kais-Fuor até sair da terra dos anões e adentrar Corgham do Oeste passando, ao sul, bem distante de Francolônia até encontrar o rio élfico e cruzar o bosque das raposas. Nisso passara-se muitos dias, contudo, segundo minhas contas, cheguei bem no dia previsto para a também chegada do meu pai, mas já quase na madrugada do dia seguinte. Após muito vagar pela floresta, e quase me perder algumas vezes, vi ao longe, por fim, a fortaleza dos saberes. Mas então, começaram a acontecer os fatos infelizes da história. – Dizendo isso, enche a boca com mais pão e biscoitos, e toma um grande gole de chá.

- Observei que alguns soldados encontravam-se na porta do castelo, e eles não eram elfos, e sim homens. Achei aquilo estranho e corri até lá com cautela para verificar o que aqueles homens faziam lá, na visita secreta do rei élfico. Eram cerca de seis soldados, todavia, estavam todos perturbados e enlouquecidos. Pelas roupas deles identifiquei que eram soldados

importantes de Alto da Mordida. Uma estranha sensação dominava todo o local, era um sentimento de confusão, tormento. Achei estranho, pois já havia sentido aquilo em outro tempo, e nessa hora pensei comigo se não poderia haver alguma ligação entre esses dois fatos. Muito alterados, os soldados estavam tontos, vomitavam, uns tinham espasmos, e somente um estava em condições de manter um diálogo. Interroguei a este então, e ele me disse que de fato o rei elfo havia passado por ali, entretanto, tinha sido levado para ir ter com o rei dos homens em assembleia e discutirem a respeito de assuntos da realeza. Como o castelo estava vazio, deduzi Todyeld ter sido levado junto também. Corri pela estrada dos homens que corta o bosque das raposas e logo ao longe vi uma comitiva de cerca de quarenta soldados, uns vinte montados a cavalo, e cinco carruagens de guerra. E todos esses soldados eram de Swunildel, a Grande Cidade dos Homens, a cidade do rei dos homens. Com minha visão élfica os alcancei e percebi que eles também estavam fora de si, e tinham suas mentes controladas. Olhei para a segunda carruagem e senti meu pai Leillindor lá dentro a sofrer terríveis tormentos. Seria muito difícil salvá-lo sozinho. Quando vi isso fiquei furioso com os homens. A primeira carruagem era muito mais reforçada em aço e chumbo, dava medo de vê-la. Era uma prisão inescapável de tortura sobre rodas. Deduzi então que Todyeld, sendo um poderoso conhecedor, estava trancado lá dentro. Somente algo assim para conseguir prendê-lo.

- Foi quando vi logo a frente de toda a comitiva alguém montado num imenso animal negro, o qual lembrava um cavalo gigante. O ser sobre esta criatura estava coberto por uma longa veste negra como a escuridão. E tive aquela mesma sensação de antes, e no mesmo instante reconheci, e descobri quem era aquele ser: Gárhita.

Ao dizer isso, todos perdem o fôlego de espanto. Lodwein logo pergunta. – Quem é ele? Gárhita. O que é esse ser?

- Não é ele, e sim ela. Gárhita é uma das poucas bruxas malditas que conseguiram escapar da grã caçada paladina às bruxas no inverno em Nelwár, onde diversos reinos uniram-se para devastar a bruxaria de toda Hamonfing. Gárhita fora a líder maligna da ordem das bruxas em Farkweld, que posteriormente veio a construir uma torre de bruxaria nessa região. Ela é o triste caso da Primavera em Farkweld.

Apodera-os o pavor. Mowilla e Lodwein se entreolham, pois aquela informação confirma uma antiga suposição deles: A fortaleza dos saberes havia sido atacada por uma bruxa.

- Nesse instante pensei em fugir dali e seguir para o manso paladino e pedir ajuda, reunindo um grande grupo de combatentes para juntos investir contra essa comitiva de homens de Swunildel e salvar meu pai, Todyeld e quem mais estivesse preso naquelas carruagens. – Prossegue Delvokke. - Mas foi nessa hora que ouvi a voz do meu pai cantando uma canção em Alto-élfico, e que dizia respeito a um jovem elfo loiro o qual tinha por missão salvar uma princesa. Eu entendi que meu pai estava falando comigo por meio daquela canção, ele tinha percebido minha presença. E desejava que eu fosse salvar essa princesa, a qual, sem dúvida, se tratava de Mowilla. Muito triste era a maneira como meu pai cantava essa canção, ele a recitava com dor profunda no coração, era seu maior e mais doloroso desejo sendo exprimido nela. Eu entendi e acabei compartilhando do mesmo sentimento.

- Eu também o senti! – Fala Mowilla. – Lodwein deve se lembrar disso. Eu senti uma grande aflição, nunca sentida antes, enquanto estava no bosque das raposas. Foi quando eu, ele e Focinho bebemos do elixir da saúde.

- Isso deve ter sido alguma habilidade de nosso pai para unirmos-nos num mesmo pensamento. – Cogita Delvokke. – E fiquei profundamente triste em deixar nosso pai naquela situação e ir procurar por você, minha irmã. Foi, de fato, difícil ter de largar nosso amado pai ali sendo torturado para tentar caçar-te. Tomei então a decisão de buscar o manso paladino e junto a eles encontrar-te, voltar e salvar o nosso pai. Com esse pensamento consegui seguir viagem. Assim continuei em direção ao manso paladino, contudo aconteceu algo muito infeliz, goblins surgiram a perseguir-me. Eram muitos, e incansáveis. Fugi derrotando o máximo deles que conseguia, mas eram muitos. Apareceram de todos os lados e pareciam terem sido enviados especialmente para me derrotar. Infatigáveis não desistiam. Corri a procura do manso, no entanto me perdi, não consegui encontrá-lo. E é de fato estranho, nenhum paladino notou a minha movimentação na floresta, lutando contra os goblins.

- Enquanto você estava sendo perseguido, nós também estávamos sofrendo um intenso ataque dos goblins no norte. – Comenta Belgar. - Todos os paladinos estavam em campo lutando. Essas malditas criaturas nos atacaram com muita intensidade ao norte do bosque, enquanto você estava bem no sul dele.

- Isso faz nos pensar que esse ataque foi planejado por alguém. Queriam despistar a atenção de mim e de toda a comitiva maligna de Gárhita cruzando o bosque pelo sul. E, na minha luta, quanto mais combatia os muitos hugwurs e ogwurs, mais deles apareciam. Consegui despistá-los com o tempo, e matei uma boa quantia deles. Até que chegaram os wircks, esses lobos malditos, mestres na perseguição. Conseguiram me farejar e não mais me perderam nessa caçada. E por dois dias fugi deles. Eles vinham do oeste do bosque, então não tinha como correr na busca do manso, e me vi obrigado a dar voltas dentro da floresta. Pois eu tentava ao máximo encontrar Mowilla dentro do bosque. E eu corri, me escondi, escalei árvores, planejei pequenas emboscadas, derrotei goblins e wircks, até que, horas antes do amanhecer do segundo dia incessante de luta, tomei a decisão de sair do bosque e ir procurar qualquer ajuda possível nos vilarejos de Corgham do Oeste.

- Quando você estava a sair do bosque, nós fugíamos de Peleja-nova! – Afirma a elfa. - Vocês passaram em Peleja-nova? – Delvokke admira-se. - De fato, vocês estavam

muito distantes de mim! Nessa hora, meu coração me dizia isso, então saí de lá, e a situação melhorou para mim. Quando perceberam minha intenção em fugir do bosque, os monstros pararam de me perseguir, e seguiram alucinados para o oeste.

- Por isso tantos monstros apareceram para nos atacar na saída de Peleja-nova! – Conclui Noig. – Eles eram as mesmas criaturas atacantes do mestre Delvokke.

- Provável. – Cogita o elfo. – Até então acreditei Mowilla ter tomado o caminho do Kei’Seari, o rio élfico, e o segui. Eu já estava muito ao norte do bosque, e havia passado pelo cruzamento do Kei’Seari e o rio Oks, quando senti no meu coração que deveria seguir pelas estranhas terras acima de Kais-Linr, costeando o rio, e para lá segui.

- Delvokke! Se tivesse nos esperado no cruzamento teríamos nos encontrado! – Disse a princesa.

- Mas fiz bem em ir naquela direção. – Retruca ele. – Pois descobri uma estranha movimentação na região para qual segui. Por entre desfiladeiros e penhascos, encontrei um imenso acampamento goblin de guerra. Preparam-se para uma colossal guerra, dezenas de milhares de soldados. Se escondem logo a sombra de Kais-Linr, as montanhas dos anões próximas ao Mar Calmo.

Mais uma vez, diante de tão péssima notícia, todos angustiam-se. Mas, agora o sentimento mais intenso neles não é o medo, e sim a dúvida. Anseiam mais do que nunca entender todos esses mistérios e infelicidades que se acometem em Nelwár.

- Eu então voltei para o rio élfico. Não sabia o que fazer. Era uma nova difícil decisão que deveria tomar. Decidir entre continuar a procurar Mowilla, encontrar uma ajuda para meu pai, ou então voltar para o reino élfico e avisar sobre esse imenso acampamento de goblins. Ir para o reino élfico me pareceu o mais sábio, contudo, meu coração novamente me guiava para outra direção. E ao invés disso, tomei meu cavalo e desci o rio, mais uma vez, a procura de Mowilla. Entretanto, dessa vez ia até o vilarejo de Fonte-limpa, próximo a Francolônia, onde sei que moram alguns paladinos, e pediria ajuda a eles. Solicitaria um envio de mensagens em urgência ao reino élfico e ao manso dos paladinos explicando-lhes toda a história. Enquanto isso, iria voltar a procurar Mowilla. Porém, tudo aconteceu diferente e melhor do que eu esperava. Cavalgando nessa direção, avistei no alto céu Endelorth, voando em sua coruja branca, e ele notou-me e veio até mim. O mago estava preocupado e depressa contou-me toda a aventura de vocês, e como estavam seguros naquele momento na casa de Oldirk. Isso me acalmou muito. Aproveitei ainda a situação para contar a Endelorth sobre o acampamento goblin. Essa informação o deixou satisfeito, ele disse há muito tempo sentir a presença de um exército maligno e nunca encontrara algo pelos céus. Expliquei a ele a localização e o quanto estava bem escondido entre os desfiladeiros e vales íngremes. Endelorth despediu-se depressa recomendando-me descansar e depois seguir para Kais-Obîrg, pois vocês estariam seguindo nessa direção. E foi o que fiz. Fui até a casa dos paladinos em Fonte-limpa, mandei mensagens a todos, descansei e depois segui o rastro de vocês até aqui.

Noig fica muito aflito e logo o pergunta. – Mestre Delvokke, se um acampamento tão grande assim cresce ao lado de minha Peleja-nova, ela corre perigo! Precisamos agora mesmo avisar ao governante Guilick!

- Não se preocupe Noig. Endelorth partiu para Peleja-nova quando me deixou. Disse-me que iria fazer os anões evacuarem de lá o mais rápido possível. Não se preocupe.

Um pouco menos aflito por ouvir isso, Noig se remexe de remorso. – Espero muito o Coruja Branca conseguir fazer fugirem os anões. Toda minha família está lá, temo por ela. Eu os deixei quando mais precisavam... Trolsa, minha esposa, me degolará vivo quando nos reencontrarmos.

Nisso, Belgar pensativo comenta sobre um fato lá no começo dessa história o qual chamou sua atenção. – Delvokke, você disse que recebeu uma missão paladina a cerca de quinze dias atrás, não é verdade? Pois foi quando também recebi a minha. E, essa missão,

impediu-me de estar lá, junto de Todyeld e Lodwein no dia da visita do rei Leillindor, assim como aconteceu com você.

Cogita, o elfo, sobre isso também. – De fato, é estranho, caro Belgar. Pode ser uma infeliz coincidência, ou não. Estamos numa situação tão trágica, que tudo pode ser possível. E não duvidaria se situações específicas, as quais somente eu e você pudéssemos resolvê-la, tivessem sido criadas para com isso sermos chamados a solucioná-las, afastando-nos de Alto da Mordida. Tudo pode ser possível, ainda mais se considerarmos a existência de um mentor maligno, o qual está por trás de tudo isso.

Profunda reflexão trouxe a todos essas últimas palavras de Delvokke. Oldirk tenta descobrir quem seria esse ser, da mesma forma que os outros. Belgar tem tudo isso como confirmação para a suspeita de uma catastrófica guerra estar próxima de explodir em Nelwár. E isso, provável acontecer dali a pouco tempo, talvez antes do fim daquele outono. Lodwein, Mowilla e Olganf são os que mais se assustam em pensar em guerra. Quanto a Noig, somente quer saber qual desculpa dar a sua esposa Trolsa quando reencontrarem-se. Isso para o pequeno anão é um problema maior que qualquer guerra.

E assim continuam aquela refeição matinal até estarem bem satisfeitos. Depois disso, desmontam tudo, apagam a fogueira e partem, mais uma vez, em viagem. E dessa vez, em direção a Kais-Obîrg.

Um membro do grupo está ansiosíssimo por chegar lá. Esse jovem cresceu sua vida inteira construindo sonhos de visitar a única Casa-do-Saber de toda Nelwár, situada em Kais-Obîrg, um reino de anões e gnomos, todos trabalhando juntos pela busca de novos saberes. Diversos livros narravam como os gnomos eram mestre em criar magníficas invenções e que os anões eram quem mineravam os materiais necessários a esses feitos. Esse era um tipo de parceria a qual costumava acontecer entre essas raças, anões e gnomos. E tudo isso fascina aquele rapaz. De pensar na possibilidade de ter parceiros para ajudar na obtenção de materiais necessários, um dos maiores desafios dos conhecedores, era uma utopia. E agora, vislumbrar todo um reinado construído nessa parceria. Ou ainda nas geniais invenções as quais eles teriam feito. Todos os edifícios bem calculados. A música que era produzida por eles. Tudo vindo de Kais-Obîrg soava como maravilhoso aos ouvidos do jovem conhecedor do grupo, Lodwein. Está impaciente por adentrar logo os portões dessa cidade, na esperança de encontrar um novo mundo fantástico. Mal sabia ele que, em verdade, muitas surpresas o aguardavam em Kais-Obîrg.

Capítulo XXII: Kais-Obîrg

Iam no caminho para as três montanhas, onde encontra-se a Grande Cidade dos

Anões em Nelwár, Kais-Obîrg. Belas e imponentes, as três irmãs, formadas de ações vulcânicas, criam uma paisagem admirável no horizonte. Em seus picos a neve cobre-as acentuando a forma de seus imensos montes. Uma mata tenta escalá-las, mas não consegue por muito tempo, deixando a maior parte delas descobertas. Vê-se também luzes e pequenos quadradinhos erguendo-se numerosos por cima, estes são obras dos gnomos e anões nas montanhas, seus edifícios vistos de longe.

(Imagem das três montanhas de Kais-Obîrg) Na carruagem conversam a respeito daquele reino. Oldirk lhes explica, enquanto

senta-se ao lado de Belgar, o qual dirige dessa vez a carruagem. – Kais-Obîrg é um exemplo de como duas raças podem, se quiserem, viver juntas sem qualquer problema. – Fala o gnomo. – Eles vivem num sistema de ajuda mútua há anos, desde quando Niôdel chegou aos Campos Melodiosos e os Três Grandes Reinos formaram-se. Luidúk é o nome do rei dos anões e os gnomos têm um patriarca chamado Edlinn. O reinado é regido por ambos. Questões comerciais, de justiça, assembleias de aliança, assuntos militares, tudo passa pela vista dos dois. Contudo, quando se trata de questões muito específicas, de entendimento apenas dum anão, Luidúk resolve, e quando é algo o qual apenas um gnomo teria sabedoria para resolver, Edlinn tem a palavra final.

Lodwein e Mowilla maravilham-se com aquelas histórias. De modo especial o rapaz, que enchia o gnomo de perguntas. Ele mal espera a hora de chegarem lá.

Oldí continua suas explicações. – Os anões sempre gostaram de arte, e muito antes de qualquer união com o meu povo, já criavam abundantes obras artísticas. Entretanto, foi quando os anões e os gnomos juntaram-se que seus feitos melhoraram para uma beleza extraordinária. Isso, pois, nós, gnomos, somos mestres na técnica, no aprimoramento, nos detalhes, somos perfeitos no que fazemos, e os anões aprenderam isso de nós.

- Somos também grandes músicos. – Ele explica. – E, a união das raças em Kais-Obîrg foi algo muito bom nesse sentido. Nessa arte, os anões dessa região também são ótimos, e eles criaram muitos instrumentos musicais os quais existem somente aqui, e nós vimos nisso uma oportunidade de criar novos estilos, e harmonias nunca antes escutadas. As mais belas composições que existem são de Nelwár. Admiradas e reconhecidas até em regiões além-mar. Foi aqui onde se inventaram as apresentações de grã-música: As composições para um número massivo de tocadores de instrumento. Há muitos centros de música em Kais-Obîrg, e quando chegarmos lá, vou levar vocês num dos meus preferidos. – E se virando sorridente para o irmão de Lodwein, o qual dirige a condução, acrescenta num tom provocativo. - Talvez possamos ouvir alguma apresentação de grã-música como aquela, não é mesmo, Belgar?

Isso os deixa alegres. Gostam muito, o rapaz e a moça, de uma boa música. Mas, gostariam de entender o porquê de Oldirk ter dado aquela indireta ao paladino.

- Vocês sabiam que temos um virtuosíssimo músico entre nós? Com jovens fãs em toda Nelwár?

- Do que está falando, Oldí? – Lodwein intriga-se. Belgar continua fitando o caminho, um pouco irritado pelo gnomo estar falando

daquilo. O baixinho, por sua vez, acha muita graça. – Pois é verdade. Em uma missão paladina que recebemos tínhamos de conquistar a filha de um nobre a qual assistiria uma apresentação de grã-música em Kais-Obîrg e arrancaríamos uma informação dela a respeito de seu pai. E Belgar resolveu essa missão para nós, e com grande sucesso. Belgar, o galanteador, foi seu título após isso.

Mowilla e Lodwein fitam-no surpreendidos por esses relatos. Belgar resmunga expressando uma feição de indiferença. – Oldirk está inventando. Tudo que fiz foi tocar numa apresentação e após isso fui até a filha do nobre e perguntei-lha o necessário, depois parti embora. E por ter recebido uma missão desse tipo, os paladinos de toda Nelwár tiram sarro de mim.

Riem da situação. Lodwein pensa consigo no quanto sabe pouco sobre seu irmão. De como não conhece suas tão grandes habilidades como músico, ao ponto de ser escolhido para tocar em uma apresentação de grã-música. Também imagina quantos lugares interessantes, pessoas diferentes e feitos engraçados não teria já realizado.

Nesse ponto da viagem, eles passam pelos vilarejos costeiros à primeira montanha. Lá

habitam as famílias menos abastadas, a maioria são de simples mineradores e camponeses. Os mais ricos moravam lá dentro.

Enquanto cruzam a longa e aberta estrada que passa em frente às três gigantes, encontram outra carroça a seguir na mesma direção, e conhecidos guiam-na. Oldirk logo grita a eles. - Ei Filg! Ei Aldo! Como vão vocês, seus preguiçosos?!

E o anão e o gnomo, dirigindo a carroça carregada de feno puxada por bois, logo respondem ofendidos. – Ora Oldí! Como ousa nos chamar assim?! Não está vendo que começamos a trabalhar?

- E quem foi o louco que deu algum serviço a Filg, o anão vida-mansa, e Aldo, seu fiel companheiro no ofício de fazer nada? – Provoca-os Oldí.

- Seu filho mesmo foi quem nos ajudou. – Fala Filg. – Estamos agora transportando feno para animais lá da terceira sombra.

- Isso é ótimo, meus amigos. Já passava da hora de tomarem jeito na vida de vocês. - Mas Oldí... – Aldo fica curioso. – Quem são esses com você? - Estão aqui comigo Olganf, minha irmã, meu velho amigo Noig, o paladino Belgar e

seu irmão Lodwein, Delvokke, também paladino, e sua irmã Mowilla. - Esses dois ai são elfos, não é verdade? Olhe lá Oldí! Tome cuidado em levá-los até

Kais... – Adverte Aldo. - Do que está falando? - Não sabe que a entrada de elfos e paladinos foi proibida em Kais-Obîrg? – Adverte o

gnomo. – Os comentários falam que os elfos não querem mais se unir a nós, e por causa disso,

também nós não queremos mais saber deles em nossas cidades. Os paladinos são ditos ladrões da noite e os elfos inimigos do avanço.

- Ora Aldold! – Exclama indignado Oldirk. – Como pode acreditar numa bobagem dessas? Não fique repassando essas asneiras. Meus convidados irão comigo, e ninguém nem mesmo ficará sabendo da presença deles.

Filg, o outro anão, concorda com isso. – É verdade Oldí. Acho que não tem problema nenhum você levar elfos até Kais-Obîrg. Apesar desses boatos, muitos gnomos da terceira montanha mantêm amizades com elfos, e os levam até lá com grande frequência. Aldo é que não sabe muito das coisas, nem mesmo tem o costume de visitar a Grande Cidade.

Oldirk costuma sempre ignorar essas regras tolas quando não havia nenhuma vigia rigorosa, e por isso, fica satisfeito em ver que esse problema não seria tão grande assim quanto foi em Francolônia. Não precisariam esconder Mowilla e Delvokke com mantos e artifícios do tipo. Por sua vez, os viajantes indignam-se cada vez mais com o fato dos elfos, e agora os paladinos, estarem sendo perseguidos por razões torpes.

Nessa altura da viagem, já haviam passado da primeira montanha, a qual é utilizada para a mineração, e já adentram a área da segunda, onde a Grande Cidade dos Anões havia sido construída. A terceira, menor e um pouco mais distante, é onde se localizava os centros de aprendizagem, de ofícios, de música, de conhecimento. Lá os gnomos são notável maioria.

Chegando próximo da Grande Cidade dos Anões um estranho ronco pode ser escutado vindo do alto do segundo monte.

- Estão ouvindo esse barulho? – Pergunta-lhes Oldirk. – Esse é o famoso sistema de evacuação do som de Kais-Obîrg. Como a cidade é lotada de pessoas, e é muito movimentada, o barulho gerado disso no imenso vão cavado dentro da montanha seria algo ensurdecedor se não fosse expelido para fora. Eles então inventaram canais de metal que captam as vibrações e as expelem para fora nesse grave roído estranho. É por isso que muitos passaram a chamar Kais-Obîrg de Montanhas Murmurantes.

Admiram-se com isso, e agora entendem o porquê de chamá-las assim. É um dito do povo o qual já haviam antes ouvido falar.

Até que chegam às gigantescas passarelas íngremes as quais fazem caminho até os

enormes portais da cidade. Horas depois alcançam a entrada e é algo admirável. Estátuas do tamanho de um carvalho-vermelho adulto saíam do rochedo representando grandes líderes, feitos heroicos de guerreiros, reis e patriarcas anãos e gnomos. Sempre é fascinante visitar aquela cidade, julga Belgar consigo mesmo, e ainda mais se for pela primeira vez, como é o caso de Mowilla, Lodwein e Focinho, os quais perplexos vislumbram toda a maravilha daquela cidade de queixos caídos. Edifícios e torres brotam da montanha por toda parte dando um aspecto impressionante àquele lugar. É algo lindo o que aquele povo tinha conseguido fazer. Inúmeras janelas, umas enormes e outras pequenas, apagam e acendem-se no rochedo, são casas ou edifícios com aberturas para fora.

(Imagem da entrada de Kais-Obîrg)

Entrando por entre seus muito amplos pórticos eles contemplam por fim a Grande Cidade dos Anões em Nelwár. Talvez fosse esta uma das maiores e mais esplêndidas obras construídas pelas pequenas raças. Um salão que se perde a vista de tão extenso para os lados e aberto para o alto havia sido cavado dentro da montanha. Colunas de uma largura absurda sustentam o teto. São tão largas que pessoas moram dentro delas. Esse imenso salão onde estão tinha o nome de Dussa-Harkol, isto é, o Pátio da União, pois anões e gnomos se encontram lá em harmoniosa comunidade.

E o lugar não é um breu de escuridão, pois os gnomos haviam criado um sistema de iluminação baseado em túneis de água pura, vidros, e cristais, captando a menor luminosidade, fosse do sol ou da lua, espalhando-a para toda a cidade. Dessa forma, todos possuíam uma fonte de luz em sua própria casa ou estabelecimento, assim como havia os grandes focos de iluminação, lá no teto, regulados para clarear a cidade de acordo com a intensidade da luz no horário do dia lá fora.

Centros comerciais, de trocas e negociações, as casas de representação das províncias e dos outros reinos, os grandes bancos, as refinadoras de minérios, as lendárias confeitarias e padarias dos mestres anões de cozinha, tudo isso e muito mais se amontoam lá dentro erguendo-se em andares e mais andares. E se olhasse-se para o alto, via-se pontes ligando edifícios pendendo lá do teto, luzes e movimentações podem ser observadas dentro destes.

E a cidade nunca para. É movimentação e barulheira sem cessar. Ruídos e barulhos são expulsos pelo sistema de evacuação do som de Kais-Obîrg, assim como pelo abafamento obtido pelos parques de árvores plantadas lá dentro. Muitos amieiros, castanheiros, sobreiros e carvalhos, árvores com copas de folhagens volumosas, as quais auxiliam na retensão do som, também lá crescem por toda parte, por sobre estabelecimentos, adentrando suas raízes dentro dos locais, ou próximas donde a algazarra das vozes é mais intensa. O trânsito flui com tranquilidade, sendo acidentes e outras confusões muito raras. Toda a cidade havia sido projetada pelos gnomos, os quais não erraram em nada nesta obra-prima de trabalho.

(Imagem de Dussa-Harkol, o Pátio da União em Kais-Obîrg) Lodwein se maravilha com tudo o que seus olhos contemplam e ouvidos escutam. Mal

pode acreditar aquilo ser verdade. Ele, de fato, está lá, visitando Kais-Obîrg, a cidade dos seus sonhos. Desde criança cresceu ouvindo histórias sobre ela, via desenhos e quadros retratando-a e sempre imaginou como seria. E agora depara-se com a própria. É melhor do que imaginava e muito mais impressionante, comparada às pinturas e relatos. O rapaz lembra-se das incontáveis vezes as quais pediu a seu mestre Todyeld para visitarem Kais-Obîrg, e ele sempre lhe dizia para esperar o dia certo, pois chegaria o momento dele conhecê-la. Recorda-se das quantas horas passadas em frente à janela leste de seu quarto, alcançando com seus aparelhos de visão à distância a sombra das imponentes montanhas de Kais-Obîrg, deixando seu formidável semblante na paisagem, lá distante, e o jovem criava consigo ilusões do que estaria acontecendo lá. E agora, ali está Lodwein, realizando sua fantasia de infância: Conhecer a Kais-Obîrg dos anões.

Seu irmão, Belgar, observa-o e alegra-se por vê-lo tão feliz. O sentimento de realização nele é bonito. – E então Lowdy? O que acha?

Respirando fundo e tentando selecionar as palavras corretas, ele consegue por fim responder. – Ora Belgar! Supera tudo que sempre imaginei. É maravilhoso. Mas agora que cheguei aqui, sinto uma certa tristeza. Não sei explicar por que. Talvez por não estar realizando tudo isso com o mestre Tody... Ele tinha prometido que iria me levar a Casa-do-Saber de Kais-Obîrg e apresentaria minhas ideias aos mestres de conhecimentos, e esse seria um passo para ser reconhecido e ter alguma ideia produzida em larga escala, que é meu maior desejo.

- De fato, às vezes quando realizamos um sonho sozinho, ele nos parece apenas isso, um mero sonho, algo pequeno e egoísta. – Comenta Belgar, talvez se referindo a alguma experiência própria.

- É uma pena Todyeld não estar aqui, Lodwein. – Lamenta Oldirk. – Mas, se quiser, podemos visitar a Casa-do-Saber amanhã, e posso apresentar-lhe a uns amigos. O que acha?

Isso anima muito o rapaz. – Seria ótimo! Agradeço muito Oldí. - Bem, como já está chegando à noite, acho melhor irmos logo para minha casa, onde

passaremos a noite. – Fala o gnomo. – Minha esposa e meus filhos já estão nos esperando. Uma boa refeição nos aguarda, sem dúvida. Vamos depressa!

E assim seguem com a carruagem, entrando no fluxo intenso, mas bem controlado, das vias da cidade. Passam por sobre pontes, sobem e descem, entram e saem de túneis até chegar lá, num bairro de casas elegantes, bem no alto, já próximo ao teto de Dussa-Harkol.

(Imagem da visão de Dussa-Harkol, o Pátio da União em Kais-Obîrg, vista a partir da casa de Oldí.)

À porta da casa de Oldirk uma gnoma já o aguarda. Ele grita por ela. - Elna! Elna! De aparência bonita, a gnoma, calmamente desce as escadas e vai recebê-lo. Abraçam-

se e fazem perguntas um ao outro e tudo parece, no mais, bem. Oldí conta a ela sobre os seus convidados, mais que depressa ela grita-lhes. – Mas ora! Vamos logo todos entrando na nossa casa. Sejam todos bem-vindos, por favor, entrem. Preparamos um prato para refeição noturna, muito gostoso, acho ser do gosto de todo habitante de Nelwár: Sopa de cogumelos.

Ronca a barriga deles ao ouvirem isso. De fato, trata-se de um prato amado por todos daquela região. Ainda mais feito por uma gnoma, pois, elas possuem a fama de serem ótimas cozinheiras, especialmente se forem de pratos com cogumelos. Isso, todos sabem. E, sem delongas, vão entrando e tratam de acomodar-se na casa de Oldí. A qual, como a outra em Francolônia, transmite uma sensação muito boa de aconchego paterno.

Enquanto comem, Olganf, a irmã de Oldirk, conversa com Elnast, a esposa dele,

contando-lhe todas as loucuras de seu irmão em Francolônia. Por sua vez, os outros conversam com o gnomo e Mowilla questiona-o. – Oldí, como

você conseguiu toda sua riqueza? Você herdou isso? – Essa é uma dúvida pertinente a todos. - Oh não, princesa... Tudo é fruto das luzes de Ëllui, por meio do meu trabalho. –

Retruca ele. - No começo eu era um revendedor de mercadorias. Tinha um bom dinheiro nessa época. Por sinal, foi neste trabalho que conheci Endelorth, certo dia. Depois disso, quando ouvi dizer que os gnomos estavam fundando junto aos homens uma nova cidade na província de

Corgham do Oeste, vi nisso uma oportunidade de enriquecer. Essa cidade é Francolônia. Tive a ideia de mudar para lá com minha família e montar um novo negócio. Mas minha esposa Elnast gostava demais de Kais-Obîrg e não quis se mudar comigo. Mesmo assim, eu decidi ir sozinho.

Ao contar-lhes essa parte da história, Elnast, remexe-se ali próxima em sua cadeira, assim como Oldirk. Esse é um assunto que até aqueles dias não havia sido bem resolvido entre eles. Essa separação, onde Oldirk tinha ido para outra cidade tentar ganhar a vida e deixado sua família. Foi algo muito problemático para o casal.

Ele continua contando-lhes. – Lá em Francolônia eu tentei fundar um centro de conhecimentos juvenis. Deu certo por uns cincos anos, mas depois cometi muitos erros e tudo desandou. Minha família ficou furiosa comigo e pensei em voltar para Kais-Obîrg, era o que parecia o mais correto. Mas acabei seguindo meus instintos de velho negociante, e decidi trabalhar numa nova ideia. Isso, minha família não gostou nenhum pouco. Tomei a decisão de ser fornecedor de mel de Sihnerin em Francolônia, e esse foi o meu triunfo. Pois, comecei a intermediar negociações entre os homens e os anões. Sem contar também que a venda do mel era muito lucrativa. Com minha influência e dinheiro fui crescendo até comprar o direito de gerir a iluminação de Francolônia, e depois ser dono da casa da moeda.

Ficam admirados pela história do gnomo e mais uma vez alegram-se por ver alguém assim do lado deles.

- Mas isso tudo, sem dúvida, não é minha maior riqueza. Eu vejo que no passado fui muito ganancioso. Porém hoje em dia sei que meu verdadeiro tesouro é Kahvian e sua boa luta, a alegria de estar no combate ao lado dos paladinos, assim como de minha amada família. Minhas seis filhas, Olfang, a mestre de conhecimentos juvenis, Olcild, a gerenciadora de pessoas, Otlald, casada com Arturd, o padeiro, Ocdens, casada com Iglikd, da vigia, Orhitt, mãe dos famosos Oghald e Anderd, os trovões de Kais-Obîrg, e por fim Ocdamt, a também mestre de conhecimentos juvenis. E há também meu filho Olsest, ele veio logo depois de Otlald. Olsest é um famoso inventor lá na Casa-do-Saber, acho que Lodwein ficaria feliz em conhecê-lo. Também há meus três filhos adotivos, Ardunk, Erdunk e Ormend, e minhas duas filhas adotivas Iflang e Iflilf. Hoje em dia somente esses últimos estão comigo, pois são mais novos. Os outros já são todos casados e tem seus trabalhos, sua própria vida independente.

Gostam muito de ouvir falar sobre a família de Oldirk e ficam cada vez mais interessados por saber sobre essa fascinante raça, os gnomos.

Ouvindo falar de família, Noig, o anão, pensa sobre sua a própria. - É... Acho que um traidor eu fui. – Arrepende-se ele - Larguei minha família no

momento que de mim mais precisavam. Eles podem por um exército de goblins ser atacados lá longe, e eu aqui tranquilo uma sopa de cogumelos tomando.

Eles não sabem o que dizer quanto isso, pois de fato é verdade. Noig então diz-lhes. – Desculpem meus amigos, mas tomei uma nova decisão para

mim. Abandonarei vocês nessa jornada. Vou voltar para Francolônia, ver como está meu navio que deixei lá, e esperar minha família vinda de Peleja-nova. Somente passarei mais um dia com vocês, visitarei uns parentes aqui na cidade e partirei de volta.

Lastimam por esse fato, mas compreendem que é o mais correto. E assim, um pouco tristes por saber que Noig não mais estaria com eles, percebem ser

chegada a hora de dormir e acomodam-se nos quartos de Oldirk, ele possui muitos deles para hóspedes, e mesmo enchendo bastantes quartos, ainda sobraram muito mais. Dá-lhes roupas de dormir limpas, banham-se e vão deitar.

Lodwein está exausto e somente quer ir logo dormir, para acordar no dia seguinte e visitar a Casa-do-Saber. Contudo, o rapaz nem mesmo se lembrava da real importância que o dia vindouro teria para ele. Estava tão envolto na ideia de estar visitando Kais-Obîrg que nem mesmo recordava-se que amanhã seria seu aniversário.

Capítulo XXIII: A alegria de Lodwein

No dia seguinte, Lodwein dorme no quarto, que Oldirk havia arrumado para ele,

quando de repente é acordado por estranhos barulhos próximos de si. São ruídos de passos e conversas sussurradas. Ele abre os olhos e então tem uma imensa surpresa. Estão todos lá e eles começam a cantar-lhe uma muito alegre canção em élfico, acompanhada de palmas e instrumentos de corda:

Neusoopalo Soogadalo! Vlea vuda Fihë’Doikke!

Gö Neusla Fogigilei Sellavlalo, Soopalo ihä Rehekke!

Que significa algo como:

Sedes o felizardo!

No seu dia especial! Com alegria canta o bardo:

Sedes sempre imortal!

É uma canção muito antiga, e mesmo sendo em Alto-élfico, todo mundo a conhecia, devido a esta fazer parte de uma bonita e inocente tradição vinda dos costumes de Kahvian.

O rapaz não esperava por isso, foi pego de surpresa. Somente com isso cai em si e lembra-se que, de fato, aquele é o ducentésimo trigésimo primeiro dia do ano, bem próximo da metade do outono, após o primeiro ciclo de luas, significando então, que é seu aniversário!

Ele levanta-se meio envergonhado e vai recebendo o abraço de todos. Muitas mais pessoas haviam vindo para parabenizá-lo e grande é a alegria naquela casa.

Delvokke toma a palavra. – Querido Lodwein, decidimos fazer um dia especial para você, congratulando a cada hora de acordo com o costume de uma das raças de nós, seus amigos.

Isso não faz nenhum sentido ao moço. - Deixe-me explicar melhor. – Continua o elfo. – Pela manhã, iremos fazer uma festa

de aniversário ao jeito dos elfos e dos homens, que é um delicioso café da manhã com um bolo doce. Na hora do almoço será ao estilo dos gnomos, e na refeição matinal, da maneira anã de se comemorar um aniversário.

Lodwein admira-se e alegra-se muito, pois isso significaria que ele ganharia três festas. – Muito obrigado a todos! Para mim, isso será maravilhoso. – Disse, fitando por fim a elfa Mowilla, a qual sorridente e envergonhada como sempre, bate-lhe palmas junto com os outros.

E assim eles seguem para a cozinha e têm essa agradável refeição matinal com o bolo de aniversário. Lodwein corta-o e vai distribuindo pedaços com agradecimentos aos seus amigos queridos. Comem alegres, aquele delicioso bolo, o qual foi feito por Arturd, o padeiro, esposo de Otlald, a filha de Oldirk, e por isso ela e sua família também estão lá, dando ainda mais número à comemoração. Dessa forma cumprem a maneira élfica, e que também é a dos homens, de se festejar um aniversário.

Lodwein também recebe no decorrer do dia alguns presentes de seus companheiros. Delvokke deu-lhe uma adaga élfica, disse-lhe para guardá-la num local secreto junto ao corpo e somente utilizá-la no caso duma emergência. Uma capa azul de viagem foi o presente de Olganf. Enquanto o de Oldirk foi uma nova mochila de viagem, muito leve e espaçosa; o rapaz não sabia, mas uns sacos com ouro haviam sido escondidos em compartimentos dela. Belgar deu um abraço no seu irmão e um tapinha na cabeça, fala que já entregou-lhe seu presente, o gládio feito segundo a arte paladina de espadas. Noig, após muito pensar, lembrou-se de algo o qual carregava consigo e sabia que agradaria muito Lodwein tê-lo: O livro de viagens do pirata Ohig. Um livro que Noig havia comprado há muito tempo dum mercador em Foz-pura, e que nunca descobrira em qual língua fora escrito, somente gostava de ver os mapas e os desenhos. Então, talvez, fosse mais útil nas mãos daquele conhecedor estudioso, ele poderia descobrir qual era a língua, traduzir e saber o que está escrito no livro. Mowilla, sempre atrapalhada e confusa como era, não sabia o que presenteá-lo, no entanto Olganf a ajudou, e por fim decidiram: Uma túnica leve muito utilizada pelos experientes e sábios mestres de conhecimentos de Kais-Obîrg, onde a princesa teve o cuidado de costurar a letra “L” em élfico. Focinho deu uma lambida em Lodwein quando ele estava desatento.

Mais tarde, o aniversariante vai perguntar ao seu anfitrião a respeito do seu especial

desejo. – Senhor Oldirk, quando vamos visitar a Casa-do-Saber? - Vocês irão depois do almoço. – Replica-lhe ele. – Sinto muito, mas não poderei os

acompanhar. Mal cheguei em Kais-Obîrg já me descobriram e muitos querem falar comigo para resolver assuntos importantíssimos. Mas não se preocupe, meu filho Ormend irá com vocês, ele vai para lá toda semana, pois participa dos centros juvenis.

Lodwein contenta-se com isso então. É quando Elnast chama seu marido e os outros para o almoço. - Venha Lodwein,

vamos comemorar seu aniversário agora à maneira dos gnomos. – Diz Oldirk. Chegando a sala de refeições, uma grande variedade de pratos está posta sobre a mesa,

e esse é o diferencial especial das comemorações natalícias dos gnomos. Eles preparam um prato diferente para cada ano de vida que a pessoa completa. Dessa forma há dezoito tipos diferentes de alimento servido: Legumes cozidos, ovos cozidos, carne de boi assada, sardinha assada, refogado de carneiro, galetos no espeto, refogado de milho, sopa de grãos, sopa de cogumelos, sopa de cebola, batatas assadas, cenouras cozidas temperadas com erva-real, molho de nata, molho de tomate com salsa, molho de azeitonas, pão de alho recheado, embutidos fritos com repolho e tomate, e por fim, mistura de batatas fritas em molho de milho

com alho do Norte. Isso tudo em meio a boas conversas com os velhos amigos, faz da festa dos gnomos a mais saborosa e prazerosa. E Lodwein gosta muito dela.

Após o banquete descansam um pouco e Noig despede-se deles, saindo para ir ter com uns parentes seus, prometendo voltar à noite, pois iria providenciar a comemoração natalícia ao estilo anão para o aniversariante.

Chega a hora também, então, a qual Lodwein mais aguardava, quando visitariam a famosa Casa-do-Saber de Kais-Obîrg, a única de toda Nelwár, formada de um conselho de mestres de conhecimentos capazes de avaliar os estudos de um conhecedor, e nomear-lhe com esse tão admirável título: Mestre de conhecimentos.

Oldirk desculpa-se por não poder ir e dá adeus a Lodwein, Belgar, Delvokke, Mowilla

e Ormend, o filho de Oldí, os quais, juntos, seguem em partida para a Casa-do-Saber. Ansioso Lodwein pergunta ao jovem Ormend, guiando-os uns passos à frente

enquanto descem por uma rua íngreme, saindo do bairro onde é a moradia de Oldí. – Ormend, pelo o que li, a Casa-do-Saber situa-se na terceira montanha, a menor delas, e a mais afastada. A distância até ela é muito grande. Até mesmo se fossemos em linha reta, por um túnel talvez, ainda assim, seria distante. É cerca de pouco mais que meia tarde de viagem para ir e voltar. E nós estamos a pé nesse instante. Gastaremos o dia inteiro nessa visita, desse jeito.

- Não se preocupe Lodwein. – Recomenda Ormend. – Não vamos a pé para lá. Vamos utilizar do MTRA, o meio de transporte rápido sobre água, inventado pelos gnomos. Já ouviu falar dele?

Espantado ele responde. – Meio de transporte rápido sobre água? Sim! Eu li muito a respeito, mas pensei que era apenas um projeto, uma simples ideia! Nunca pensei que existisse de verdade.

- Mas é claro que existe! O MTRA funciona muito bem... Bem, pensando melhor, não sei se posso dizer isso com tanta certeza, mas enfim. E ele também é muito conhecido. É uma das coisas mais divertidas de Kais-Obîrg. Vocês vão gostar. E não é só esse transporte que vamos usar. Logo ali à frente vamos usar do MTSC-7, o elevador engrenado.

Todos os nomes dessas invenções soam como monstruosidades para Lodwein. Sim, é verdade o fato dele ser um amante de inovações e tecnologias, contudo o rapaz tem muito medo dos “MT”s, pois ele sabe o que isso significaria. Os “MT”s são os meios de transporte inventados pelos gnomos. Engenhocas malucas as quais prendem as pessoas de uma forma “segura”, depois arremessam-nas por sobre a água, lançam-nas no ar, antes, quem sabe, de pegá-las mais uma vez e sugá-las por tubos, jogá-las em buracos, fazê-las correr por sobre trilhos ou fios aéreos, fazendo todos os habitantes de Kais-Obîrg passarem por uma aventura diária ao irem para o trabalho ou aos estudos.

Sem vergonha de demonstrar o receio, Lodwein recusa-se. – Desculpem-me, mas não posso ir com vocês então.

- Você não quer mais visitar a Casa-do-Saber?! – Belgar não consegue acreditar. - É obvio que ainda quero. Somente não vou ir com vocês. – Explica-lhes ele. – Deve

haver alguma estrada ligando as duas montanhas. Quero ir a pé por ela. Ou melhor, vou

cavalgando em Focinho, ele está bem forte e aguentaria essa corrida. Não se preocupem comigo.

Param então o passo para discutir aquilo. Belgar decepciona-se ali do lado pela atitude de seu irmão. Os outros buscam acalmá-lo.

- Lodwein, não tenha medo dos MT’s de Kais-Obîrg, pois são um pouco seguros! – Esclarece o jovem gnomo Ormend. – E depois você vai se arrepender por não ter tentado. Confie em mim. É muito bom.

- Meu medo é o que me mantém vivo. – Lodwein responde-lhes decidido em seu discurso, ignorando os pedidos de todos.

Até que Belgar chega próximo dele e fala-lhe baixinho, em meio às solicitações e argumentações dos outros. – Lowdy, onde está sua segurança? Em que rochedo assegura-se tua esperança?

Ele vai direto ao ponto, e sabe tocar em cheio no coração de seu irmão. Inclina-se, com isto, confuso, o rapaz, tomando coragem. Nada responde.

Mas instantes depois, deixa as bobagens de lado e continua junto a eles com vacilante coragem.

Assim, após Lodwein ter manifestado seu medo para com tudo àquilo que tirasse seus

pés da terra firme, seguem e utilizam do MTSC-7, uma espécie de plataforma suspensa, a qual sobe, desce e voa por sobre Kais-Obîrg levando seus passageiros para diversos lugares, suspensos por fios.

(Imagem do MTSC-7) Utilizam disto para chegar ao local desejado: O ponto de embarque do MTRA. Somente

em ver tal invento, o estômago de Lodwein aperta-se. O MTRA é um sistema de transporte sobre a água onde uma espécie de barco, cheio de

passageiros, é lançado, atirado como uma flecha. Não tem velas, as embarcações, e são achatadas. Bem apertadas e amarradas, as pessoas seguram-se firmes dentro do navio posto sobre um longo canal de água bem calma. Um amontoado de cordas e fios tensionados é preso no barco.

Lodwein dá suas últimas lamurias. – Bem... Acho que não tenho escolha, não é mesmo? – E se virando para Ormend, questiona-lhe. – E quanto aos números, diga-me, quais são as chances de acontecer algo ruim numa viagem?

- Os construtores dizem que o MTRA não é muito perigoso. Segue padrões normais. Falam que uma em cada cem viagens dá problema. Dessas com problemas, uma em cada cem poderiam ser com problemas perigosos. Desses problemas perigosos, um em cada dez costuma ser catastrófico. Desses, um em cada dez casos, os passageiros sofreriam danos. Desses danos, um em cada dez seriam danos graves. Dos danos graves um em cada dez tinham chances de ser letais, ou seja, morrem.

Mowilla se espanta ao ouvir isso.

Porém Lodwein pensa consigo, e faz seus cálculos. – Se for assim, é algo seguro. A chance de morrer em um acidente num MTRA é de uma em cem milhões. – Ganha ele novas esperanças e ânimo para viajar naquele estranho meio de transporte.

- Sim, é bem seguro. – Responde Ormend. Dá um suspiro e diz enquanto já se aproximam da fila para o MTRA. – Apesar de, na verdade, na prática ser bem diferente.

Isso faz Mowilla e Lodwein voltarem à desconfiança anterior. Os paladinos já haviam outras vezes andado nele, assim como já tinham passado por situações muito mais perigosas, então não tem medo.

Todavia, quando estão na fila e descobrem que muitos operários trabalham na remoção dos restos de um MTRA, o qual havia dado problema, o medo chega a todos. Isso explica a razão de tudo estar demorando demais. Um dos canais de água, por onde as embarcações são arremessadas, está interditada, pois muitos médicos, trabalhadores da saúde, da segurança e da companhia de transporte entram e saem de um dos canais ali em baixo. Isso os faz repensar sobre a segurança do MTRA, e duvidar daquelas estatísticas de acidentes dita por Ormend.

Mas eles não podem ficar lá, assustados para sempre, querem visitar a Casa-do-Saber. Por isso tomam coragem, pagam as taxas, e embarcam no navio. Este, após já estar cheio, é erguido por cordas é posto sobre o canal-4, o qual está vazio e limpo, isto é, sem acidentes na pista. Um aparelho sobre trilhos é puxado e preso na embarcação. Cordas estiradas e tensionadas também são presas a eles.

Até que está tudo preparado, e falta apenas as recomendações da auxiliar de viagem, uma pequena gnoma, vestida de azul, explicando detalhes da MTRA de como garantir a segurança em caso de acidentes. Desanimada e cansada, ele repete o discurso que sabia de cor por repeti-lo tantas incontáveis vezes num mesmo dia.

Tomados de coragem, firmam-se em seus assentos. É puxado, então, para trás o barco em que estão para a direção contrária, até que, quando as cordas estão bem esticadas, são arremessados, plainando sobre a água com grande velocidade.

(Imagem do arremesso do MTRA plainando sobre as águas) Até que chegam à terceira montanha, e percebem a viagem super-rápida ter sido mais

divertida do que imaginam. Apesar de, ainda assim, Lodwein não confiar nenhum pouco em nada que tirasse seus pés da terra firme.

Mas, o medo antes sentido por alguns deles, nem mesmo pode-se comparar com a perplexidade em admirar a magna e esplêndida beleza das obras monumentais dos anões e gnomos ali, na terceira montanha. Veem numerosos centros de ofícios de mineração, agricultura, carpintaria, construtora de edifícios, entre outros. Muitos também são os centros de música. Diversos centros de conhecimentos enchem a cidade, também chamada de Riat-Hur, a terceira montanha.

Assim que chegam, não muito longe, do outro lado da enorme praça com uma estátua de engrenagens gigantescas bem ao meio, formando um chafariz, avistam a Casa-do-Saber. Alegres, correm o mais depressa possível até lá.

Sem muito rebuscamento, a entrada da Casa-do-Saber é na verdade muito simples. Um imenso edifício sem janelas, como que saindo das paredes internas da montanha, com um portal grande de madeira e um letreiro escrito na língua de Kahvian a indicar o nome do local, logo atrás de um simples jardim, composto dum gramado e estátuas de gnomos e elfos.

(Imagem da porta da Casa-do-Saber) Andam admirados vislumbrando todo o local e se encaminhando para entrar naquele

grande prédio sem janelas. É como um grande cubo de pedra lisa saindo da parede. Até que, algo muito inusitado acontece.

De repente, no alto da Casa-do-Saber, uma imensa abertura parte-se fazendo muito barulho. Abre-se nela como que uma enorme janela. Eles olham para lá, e eis que um estranho som vem lá de dentro. Não há com o que comparar, nunca escutaram algo semelhante. Uma mistura do bater de engrenagens, com movimentos brutos de objetos metálicos e isso de uma forma acelerada, junto ao veloz girar de algo cortante no ar. Estranham em muito aquilo. Mas o mais esquisito é quando também na parede da montanha abre-se uma fenda ainda maior do que a do prédio, criando dessa forma, duas grandes janelas, uma em direção à outra, paralelas, uma na montanha, outra na Casa-do-Saber.

Eis que então o causador do barulho mostra-se a todos: Uma geringonça, com uma enorme hélice rodopiando sobre si e pequenas asas, é disparada lá da abertura, cuspindo fumaça e jogando óleo para todos os lados. Algum maluco parece estar dentro disso, talvez um gnomo.

Ormend, o filho de Oldirk, o qual os acompanha, de imediato dá um grito quando vê isso. – Ei! Olsest seu louco!

Ouve-se então uma voz vinda do esquisito veículo que, milagrosamente, sai voando em direção à fenda da montanha. – Ei! Ormend! Como vai a família?

É o que ele grita naqueles poucos segundo os quais esteve no ar, sobre eles, logo antes de cruzar para fora da montanha, pela grande abertura nela, deixando um rastro de sujeira enorme por onde passou.

- Quem é esse?! – Espantado, Lodwein pergunta extasiado de interesse. - Esse é Olsest, meu irmão mais velho. – Responde Ormend. – Ele é um inventor e

trabalha na Casa-do-Saber. - Fascinante... – Lodwein admira-se com aquilo que pôde contemplar: Um gnomo

alçando voos numa invenção sua. A que nível esses pequenos já havia chegado! É fantástico. Entretanto, algo ainda mais inusitado, para completar a surpresa da situação, acontece. Sons ainda mais estranhos são ouvidos vindo lá de fora da montanha, produzidos pela

máquina voadora. Contudo, dessa vez, eles não parecem de bom funcionamento. Algo parece estar errado, pois o som das hélices desacelera-se. Escuta-se, então, um som assustador de queda, e depois o de uma enorme explosão. Fumaça pode ser avistada por entre a fenda aberta na montanha.

- Por céus e mares! Seu irmão morreu! – Grita Lodwein assombrado, vendo Mowilla tomada do mesmo sentimento, ao perceberem que o veículo voador tinha caído.

- Alguém tem de ir lá salvá-lo! – Completa Belgar já saindo correndo.

No entanto Ormend nem mesmo muda de feição. Calmo comenta com eles. – Está tudo bem, gente. Olsest sempre faz isso... Vamos logo tratar de entrar na Casa-do-Saber.

Eles chocam-se. O som da queda e da explosão indica de maneira clara a seriedade daquele acidente, e o próprio irmão da vítima nem mesmo incomoda-se com aquilo. Afinal, qual o significado disso? Será mesmo verdade, que loucuras desse tipo, são tão normais assim, naquele lugar, para Ormend nem mesmo ter se importado? O fato é que seguem caminhando, olhando atônitos para os lados, sem acreditar na reação do jovem gnomo quanto ao acontecido com seu irmão.

- Ah! Já ia me esquecendo de contar a vocês. – Afirma Ormend. – Vocês vão ter de ir na Casa-do-Saber sem mim. – Um pouco irritado ele diz. – Não tenho idade nem para entrar na portaria. Somente sou permitido a ir na Casa-do-Saber juvenil.

- Mas nem mesmo na portaria você pode entrar acompanhado de nós? – Questionam espantados.

- Sim. Eles são muito rigorosos. Talvez se meu pai Oldirk estivesse comigo eles deixariam. Talvez.

Isso os deixa admirados pela seriedade daquele local. - Mas não se preocupem, eu espero vocês aqui. Podem ir. - Eu fico com ele. – Fala Delvokke. - Pode ser perigoso deixá-lo sozinho aqui. Vai que

outra máquina estranha salte das paredes e caia em cima dele. – Ri do seu próprio comentário. – Até logo.

Meio desajeitados pela situação, se despedem e adentram, por fim, a tão conhecida Casa-do-Saber.

Lodwein não consegue conter-se. Sorri de uma forma nunca antes vista. Na verdade, isso é um fato interessante de Lodwein. Ele não é um rapaz muito sorridente. Tem uma feição séria, e mesmo sorrindo em suas diárias conversas e diálogos, é sempre algo vago no final de uma fala. Não é algo suficiente para chamá-lo de um jovem sorridente. No entanto, naquele momento, Lodwein transparece alegria em seu cenho por tanto tempo fechado de preocupação.

Assim que chegam à portaria, já tendo atravessado a primeira porta, encontram um

gnomo bem vestido atrás duma mesa cheia de papéis e documentos importantes. – Saudações senhores, em que posso ser útil? – Ele questiona.

- Viemos visitar a Casa-do-Saber! – Belgar toma a frente para falar. Os outros ali sorriem, tomando parte da alegria de Lodwein.

Lendo uns papéis o gnomo recepcionista pergunta-os. – E vocês tem hora marcada? - Não, não temos. – Belgar se explica. – Mas somos amigos de Oldirk, de Francolônia.

Somente gostaríamos de visitar a Casa-do-Saber. Eu já vim aqui e gostaria de mostrá-la para meus amigos.

Pondo de lado o último documento o qual estava a analisar, o recepcionista diz-lhes. – Desculpem meus caros, isto é um problema muito comum por aqui. Preciso explicar-lhes: A Casa-do-Saber é um lugar sério. Onde estudos de grande importância acontecem. E não é

permitido passeios. Somente pode-se passar daquela porta ali, vigiada pelos dois guardas anões, os que tiverem hora marcada, ou forem um dos conhecedores de nossa Casa-do-Saber.

- Mas senhor recepcionista! Meu irmão Lodwein veio lá de Alto da Mordida, no extremo oeste da província de Corgham do Oeste somente para visitar a Casa-do-Saber! – Insiste o paladino. – Ele é um conhecedor também!

- Quem lhe ensinou o ofício de conhecedor, rapaz? – Pergunta o recepcionista à Lodwein.

- Meu mestre de conhecimentos é Todyeld Filperk. – Afirma ele. – Além de um conhecedor, sou também um inventor. E desde criança, é um sonho para mim visitar Kais-Obîrg. Eu tenho muita paixão pelo povo anão e gnomo! Por favor, senhor. Deixe-me ao menos visitar o setor de conhecimentos de invenções!

- Desculpe, meu rapaz. – Busca, o recepcionista, não ser indelicado. – Isso sempre acontece por aqui. Muitos são os jovens como você que nos procuram contando-nos as mais diversas histórias. No entanto, sinto muito, não posso permitir a entrada. Tente prestar os exames classificatórios. Ou fale com seu mestre para propor com você um novo estudo à Casa-do-Saber, e dependendo da avaliação, seu estudo pode ser aceito e você se tornar um dos nossos conhecedores, realizando sua pesquisa aqui.

- E quando acontece esses exames classificadores? - Bem, meu rapaz, os próximos serão daqui a três meses. Desanimam-se por completo. - E em geral, quanto tempo demora para propor um novo estudo à Casa-do-Saber? - Alguns anos, talvez. Isso é o fim para eles. Não conseguiriam mais entrar à Casa-do-Saber. O recepcionista

não pode os autorizar a entrar, e tentar atacar aqueles dois guardas parrudos anões ali seria uma péssima ideia. Ainda mais estando eles a segurar tão grandes e afiados machados. E, sem dúvida, marcar uma hora seria tolice, não ficariam por muito tempo em Kais-Obîrg.

Todavia, alguém grita de uma porta ali. – Espere lá. Não vão embora, meus amigos. Esperem. - De olhos felizes e de calvície acentuada, um gnomo corre até eles. – Aguardem um instante.

Ele chega veloz até o meio deles. – Ora meus amigos, vocês são jovens bons, sim? Fiquem calmos então. E querem visitar a Casa-do-Saber, sim? Fiquem calmos. Venham sigam-me. – Ele parece cantar quando fala, variando na altura da voz numa mesma palavra, às vezes.

- Senhor! Me desculpe, eu não sabia que estavam com o senhor! – Desespera-se e implora perdão, o recepcionista.

- Não tem problema Iflond! Não tem problema, meu amigo. – Diz-lhe o gnomo, paciente e alegre. - Volte despreocupado para o trabalho, e não se incomode com isso. É o melhor a si fazer, sim? Fique calmo. – E se virando para Lodwein, Mowilla e os outros, diz-lhes. - Venham, sigam-me, acho que posso vos ajudar.

E chegando aos guardas anões, estes perdem por completo a rigidez, e assustados dão caminho a eles. Espantam-se com isso e ficam receosos de avançar, contudo o gnomo insiste. – Venham, meus amigos. Sigam-me depressa, por favor, sim? Vamos vindo.

Caminhando, ele adentra a porta restrita apenas aos conhecedores autorizados, e chama-os com a mão. Silenciosos o acompanham.

Vão andando por um longo corredor, estreito como quatro pessoas lado a lado, mas de altura a perder de vista. De tempos em tempos surgem umas portas simples de madeira, com placas escritas em élfico.

- Desculpem meus amigos, mas tenho algumas condições para ajudar-lhes nessa visita. – Ri o gnomo quase correndo, de tão depressa, lançando olhares para trás, na direção dos seus seguidores. - Eu tenho um compromisso logo em breve, e por isso, não terei tempo de levá-los a muitos lugares. Gostaria então que escolhessem um local especial da Casa-do-Saber que queiram conhecer. Então levarei vocês lá bem rápido, sim? Dessa forma, vocês saciam o desejo de vocês, de visitarem a Casa-do-Saber, e eu não me atraso para meu compromisso, sim?

Eles percebem a justiça no acordo, e também a notável bondade daquele gnomo. No entanto, eles têm uma importante decisão a fazer, agora. Afinal, qual lugar

gostariam de visitar na famosa e cheia de mistérios Casa-do-Saber de Kais-Obîrg, se tivessem de escolher apenas um lugar dela.

Fica claro para eles então, que o mais preparado para responder isso, seria o jovem conhecedor Lodwein. Além de tudo, é seu aniversário e seria razoável que a escolha fosse dele. Sem nem pensarem, um por um vão dizendo. – Lodwein escolherá!

Sorridente o gnomo pergunta-o. – Então, Lodwein, como todos querem saber sua escolha, vamos, diga-nos, onde quer visitar? Sim?

Lodwein torna-se muito sério nesse momento e com a mão no queixo fica pensativo. Tomado, então, de notável e profunda convicção, sem vacilar responde algo intrigante.

Algo que revelaria um pouco mais da verdadeira mentalidade daquele jovem. Uma breve revelação dos sentimentos mais profundos de sua alma. Sua resposta diz um pouco a respeito de sua verdadeira maior missão.

- Eu quero conhecer o setor de Guerra. – Afirma com os olhos fixos no gnomo, e com o coração ardendo dum fogo inspirador.

Abaixa a face, o gnomo, e dá uns risinhos. – E porque, jovem Lodwein, você quer visitar o setor de Guerra?

- Senhor, não é uma questão de querer. É uma questão de dever. Eu devo fazer isso. - Mas, você há de desculpar-me, pois, o setor de Guerra é secreto. – A seriedade

também assalta de repente o pequenino calvo e, da mesma forma, de olhar fixo no rapaz, questiona-o mais uma vez. – Diga-me, jovem Lodwein. Diga-me exatamente o porquê de desejar visitar o setor de Guerra.

E, mostrando a todos um Lodwein até então desconhecido por eles, o rapaz afirma com convicção. – Senhor gnomo. Eu quero ver esse setor, pois sou também um guerreiro, apesar de não saber manusear uma espada. Sou também um caçador de monstruosidades, bestialidades e maldades, mesmo não sabendo ser furtivo o suficiente para dar um golpe letal. Mas eu farei tudo isso e muito mais, usando da minha inteligência. Essa é minha missão, é meu dever. Ser um guerreiro de inteligência.

Mowilla, Delvokke, e de maneira especial Belgar admiram-se com isso. É algo que nunca ouviram de Lodwein. Não sabiam de sua tamanha vontade e desejo de derrotar o mal e lutar pelo bem.

Porém, o gnomo sorri, limpa suas lentes na veste, e com sabedoria põem-no a pensar sobre certas questões. – Mas também a inteligência já é uma forma de manifestar a força, jovem Lodwein. E como a maioria das nossas forças mortais, a inteligência também possui em si a capacidade de ser perigosa. Utilizar a inteligência a favor da guerra poderia ser algo bom e ruim. Sua inteligência na guerra nos seria útil apenas com novas estratégias, novas armas. Entretanto, não são armas melhores que resolvem as guerras, meu jovem, e sim, o bem. Somente o bem resolve todas as guerras. O bem e a coerência. Pois, a maioria das guerras acontece não apenas porque a justiça de um dos lados do conflito está errada ou infundada na verdade, mas também porque um dos lados, ou os dois, não são coerentes com a justiça que eles mesmo defendem, com a justiça que desejam. O que acabaria com o mal dos nossos tempos é a total coerência.

Lodwein não sabe o que dizer. De repente, seu pensamento de que sua razão de existir era para ser um guerreiro de inteligência é abalado pelas palavras muito sábias do gnomo. E, de fato, o que ele diz, faz muito mais sentido com a realidade. Pois, isso tem muito haver, inclusive, com a realidade que vivem naquele momento. Estão sendo perseguidos devido ao caso de poderosos e influentes estarem agindo contrários ao que seus cargos de responsabilidade exigem deles. Se os condes e os Condes-chefes das cidades, se os homens em geral, estivessem cumprindo a justiça da qual falam e desejam, que é a do respeito e do direito pessoal, eles, os quais padecem por buscar a verdadeira justiça, não estariam sendo perseguidos naquele momento. Da mesma forma como aconteceu em Alto da Mordida, onde homens envolvidos com uma bruxa atacaram a Todyeld e o rei Leillindor.

Com ainda bastante alegria o baixinho de pouco cabelo e olhos bem claros, fala-lhe então. – Pois bem, mesmo assim, eu levarei você até lá. Contudo, apenas você poderá ir. Ou alguém que escolha em seu lugar. Apenas uma pessoa será permitida visitar o setor de Guerra.

- Lodwein irá. – Belgar toma a frente e insiste pelo seu irmão. - Sim, Lodwein irá. – Os outros também concordam com isso. Ainda confuso o rapaz novamente seu cenho, está muito confuso. Todo um plano de

vida construído naqueles ideais foi abalado em poucas palavras. Questiona-lhe o gnomo. – Ainda deseja visitar o setor, Lodwein? E, não tendo mais certeza de nada, o jovem não consegue, naquele momento, ter

capacidade decisiva suficiente para opinar algo a respeito disso. Está cheio de pensamentos. Desatento, segue então apenas o desejo dos outros. – Eu irei com o senhor.

Assim, saem e vão caminhando pelo corredor. Em direção à porta do setor de Guerra, Lodwein é perguntado. – Então você é um

inventor, sim? O que já inventou? Respirando fundo, ele abre uma mochila, a qual carrega consigo. – Bem, senhor

gnomo, eu trouxe o PVESL-31. Foi minha maior invenção. - E o que é isso?

- PVESL-31: Projeto Voador Engrenado Super Leve – número 31. - Voador? Quer dizer que isso voa? Sim? - Sim, voa. – Afirma o rapaz. E, mexendo certos pesos, move-se uma espécie de pêndulos, onde com isso, uma hélice

no alto é rodopiada, fazendo a invençãozinha dar uns pulsos no ar, e sair voando. - Fascinante! Seg’felsu (Fascinante). – O gnomo ergue as mãos ao alto e não consegue

acreditar. – É fantástico Lodwein! Isso deixa o rapaz mais alegre. Foi bom ver uma admiração para com seu invento. – O

senhor gostou? - Sim! É claro! Sabia que isso pode ser utilizado no setor de guerra? Lodwein não entende. Há instantes atrás ele tinha destruído suas expectativas de

ajudar em guerras, e agora propunha exatamente o que devastou? - Mas o senhor agora pouco me falou sobre a mediocridade que se é usar da inteligência para guerras.

- Ora, mas você não entendeu o que eu quis dizer, meu jovem. Eu lhe disse que isso não resolveria as guerras, porém nunca disse que não ajudaria a resolvê-la. Aconselhei-lhe a não ter isso como meta de vida, e sim buscar algo melhor.

Mais dúvidas para a cabeça do rapaz. Chegam por fim a entrada do setor de Guerra. O gnomo enfia uma chave dourada na

porta, e girando-a, abre a entrada. Já ia entrando no local, mas quando vê que Lodwein está parado e pensativo, o gnomo não continua. – Não quer entrar, meu jovem amigo?

E ele, ali parado, reflete ainda mais um pouco, antes de, sorrindo, dizer. – Não, senhor gnomo. Agradeço muito a oportunidade. Mas acho que não vou mais entrar no setor de Guerra. Suas observações me abalaram muito, vou meditar mais sobre esse assunto. Obrigado, mesmo.

Com um largo sorriso, o gnomo, seguindo o caminho de volta, fala-lhe. – Quanta sabedoria! Sim, meu amigo. Quanta sabedoria... É exatamente isso que se deve fazer nessa hora. Refletir bem sobre nós mesmo, sim? Seu mestre ficaria muito feliz em vê-lo agindo dessa maneira mais reflexiva, sabia?

- Como assim? O senhor conheceu meu mestre? - Sim, jovem. Eu conheci Todyeld Filperk. E também sei de sua desaparição. Tenho

medo do que possa estar acontecendo. - De onde conhece Todyeld? – Questiona ele um pouco ansioso. - Eu e ele nos topamos algumas vezes em Barhágin-húr. Lá na antiga Casa-do-Saber

de Barhágin-húr. Eu o respeitava demais, pois ele sempre foi muito inteligente. Aflito em lembrar-se de seu mestre, Lodwein quis saber. – E como ficou sabendo da

desaparição dele? O gnomo, sempre sorridente, e soltando uns risinhos de vez em quando, silencia-se

nesse momento. Parece até não ter ouvido a pergunta dele. Lodwein insiste. – Senhor gnomo, por favor, me conte o que sabe sobre meu mestre

Todyeld. Eu e meus amigos estamos numa jornada fugindo de inimigos e buscando saber o verdadeiro porquê dele ter sido atacado.

Ele não responde, mais uma vez, e sorri. Nesse ponto já não estão longe dos companheiros de Lodwein, e o gnomo fala por fim. – Bem, meu amigo. São histórias que poucos conhecem, sim? Mas eu tive acesso. Eu fiquei sabendo. É o máximo que posso lhe dizer sobre isso. Também lhe aviso sobre os fatos que estão por vir. Prepare-se. Grandes acontecimentos estão para surgir em Nelwár. Afie suas espadas, e intensifique suas meditações. O combate será por todos os lados. Até breve, nós nos veremos de novo, acredite.

Isso assusta Lodwein, o qual está tão envolvido em seu novo desafio de repensar sobre sua meta de vida, que nem mesmo insiste com aquele gnomo para saber mais sobre Tody e a respeito de toda a história deles. Afinal, se trata de alguém sem nenhuma ligação com eles, que afirma saber da desaparição. Entretanto, Lodwein, por sua vez, somente pensa consigo como seria possível usar sua inteligência da maneira correta. Essa sempre foi uma preocupação sua, desde pequenino.

Eles voltam e encontram os outros. O gnomo calvo se despede, e parte, de repente, em direção a uma entrada ali, assim como chegou a eles. – Adeus, meus amigos. Até breve. – Diz ele.

Percebendo em Lodwein uma inquietação, Belgar questiona-o. – Está bem Lowdy? Parece com problemas... Você visitou o centro de Guerras, assim tão depressa?

- Bem... Acabei recebendo uns conselhos no caminho e mudei de ideia. Acho que foi o suficiente por hoje. Vamos voltar.

Admiram-se em ouvir isso de Lodwein. Parece não mais se interessar pelo seu maior sonho, que é visitar uma Casa-do-Saber. E por quê?

Sem muitas perguntas, eles saem de lá, utilizam mais uma vez do MTRA, em caminho à casa de Oldirk.

Já é tarde quando a última comemoração natalícia do dia está sendo organizada. Noig,

como prometeu, trouxe consigo todos os preparativos necessários para uma boa festa de aniversário ao estilo anão.

Estão todos lá, mais uma vez, para banquetear e festejar. Lodwein está ansioso por descobrir como seria o jeito anão de comemorar. Este o qual foi tão comentado o dia inteiro por Noig, que afirmava com perspicácia esta ser a melhor das três comemorações.

Até que os parentes de Noig chegam rolando quatro barris enormes até a sala da casa de Oldí.

- Oh! Finalmente chegaram eles! – Grita Noig batendo palmas de alegria. - Barris? – Questiona Lodwein. – E o que há dentro desses barris de tão especial para

fazer desta a melhor das três festas? - Cerveja, meu bom amigo Lodwein. Cerveja! – Diz o anão antes de cantar com seu

grave vozeirão.

Ho-hohoho-ho-ho-hô! Há-haha-há-hâ! Elfdun Fehr d-mus minorôn Frillo

Blumnail Glinna îm Uhrting

Edorôn Nasckro d-mus imih morôn Didillo Îm d-mus komeorôn b-net Feis horaore.

Ho-hohoho! Há-hahahá! Ho-hoho-há! Há-hô!

Que significa algo como:

Ho-hohoho-ho-ho-hô! Há-haha-há-hâ! Boa música para ouvir agora Cerveja amarela e dourada

É o necessário para não ir embora E pra festejar na noite chegada

Ho-hohoho! Há-hahahá! Ho-hoho-há! Há-hô!

Por essa Lodwein não esperava. Também não sabe o que responder. Afinal, nunca nem havia bebido cerveja. Mesmo assim, gosta da confraternização, e come de sua carne assada em abundância, junto à música divertidíssima, executada por uns parentes de Noig e Oldirk. Belgar gosta muito de cerveja e bebe alegre com os outros ali. Delvokke, sendo elfo, não tem muita paixão por essa bebida. Às vezes costuma beber umas taças e apreciar o sabor. Mowilla não prova nada. Até Lodwein, lambisca naquela noite um pouco do líquido amarelo. Assim como Focinho, o qual ganha uma tigela de cerveja, ali fora, posta para ele por Noig. Anões costumam dar bebida para animais.

E a festa segue sempre mais alegre, conforme a música, as comidas, bebidas e as boas conversas ditavam.

(Imagem da festa) Até que alguém bate à porta e vão lá atender. É um parente de Oldí quem abre-a. Com isso, depara-se ele com cerca de cinco soldados anões. O mais alto deles depressa

fala-lhe. – Saudações caro senhor. Procuramos por Oldirk e seus convidados, Delvokke e Mowilla.

Isso faz aquele pequeno gnomo, o qual atende-lhes, sair o mais veloz possível e ir chamar Oldirk, que também é rápido em chegar a porta.

– Salve mestres anões, em que posso ajudá-los? – Fala Oldí ofegando da breve corrida, e bem preocupado com a cena encontrada ali.

E, desenrolando uma carta o soldado anão a lê para ele. - Salve Oldirk, dono da zeladora pela iluminação em Francolônia, membro do conselho secundário desta. Saudamos também, Delvokke Verde-álamo, e Mowilla Verde-álamo, filhos de Leillindor, príncipes Cullyen. Venho até vocês solicitar as suas presenças para uma assembleia. Luidúk, filho de

Flukûk, o rei anão, deseja falar com vocês amanhã, à décima hora do dia, na Casa Real Anã. Aguardamos vocês. – Leem a mensagem, viram-se e partem embora.

É o suficiente para fazer Oldirk quase surtar de pânico. Mas ele contêm-se e espera o dia seguinte para contar a todos isso. Deixa que todos festejem tranquilos, depois adormeçam sem preocupações. Contudo, no dia de amanhã, lhes falaria a verdade sobre o imenso problema que agora estava por vir. O rei anão descobriu a presença dos príncipes élficos em Kais-Obîrg, e agora desejava ter uma assembleia com eles.

Capítulo XXIV: Assembleia com Luidúk

Na noite anterior, todos haviam dormido na casa de Oldirk, e essa noite foi muito

festejada, eles pareceram crianças fazendo brincadeiras juvenis à noite. Reviveram as mais antigas estripulias das suas infâncias na muito espaçosa e cheia de cômodos casa de Oldirk. Mas o chefe da casa, Oldí, precisava que todos estivessem de pé logo cedo na manhã seguinte, então não os permitiu ficar até tão tarde.

Enquanto tomam café da manhã, no dia seguinte ao aniversário de Lodwein, Oldí lembra-se da sua visita de ontem, os soldados do rei anão, e percebe aquele momento ser o mais adequado para contar-lhes sobre o ocorrido. Lodwein e Mowilla falam com seus irmãos sobre assuntos triviais, então o gnomo não atrapalharia alguma conversa importante quando os interrompesse.

- Meus amigos... Ouçam-me, por favor. – Chama o gnomo a atenção de seus convidados para si. – Tenho algo a lhes dizer. Bem... Deixe-me pensar como posso lhes contar isso. – Os paladinos notam a gravidade do tema. – Nós fomos convidados para uma reunião.

- Nós? Todos nós, ou somente alguns de nós? – Belgar questiona. - Para dizer a verdade, apenas eu, Mowilla e Delvokke recebemos este convite. –

Replica o pequeno medindo palavras. Assustados os elfos perguntam. – E quem nos convida para uma reunião? Após um longo suspiro. – Luidúk, o rei anão deseja ter uma assembleia com o príncipe

e a princesa élfica na quarta hora da manhã, lá na sede da justiça de Kais-Obîrg. - O rei anão?! Como ele nos descobriu? O que quer conosco?! – Com a respiração

acelerada, Mowilla indaga. - Provavelmente nos quer capturar e usar-nos como isca diante do nosso pai. –

Delvokke aperta em suas mãos sua caneca e fecha o cenho. – Pedirá em troca a entrega de Drohevvefing, a antiga Farkweld dos homens, e a destruição da barragem no Kei’Seari, o rio élfico.

- Com certeza. – Belgar concorda. - Mesmo assim, acalmem-se. – Oldirk interrompe. – Ao menos o rei anão não agiu

como os homens, e mandou um exército capturá-los. Ele solicitou uma assembleia, o que quer dizer, segurança para vocês. Numa assembleia com o rei, ele está acompanhado de dezenas de conselheiros, assim como do patriarca gnomo, Edlinn, e de um conselho gnomo, onde todos juntos discutirão sobre o destino de vocês. Então, tenham calma. Não será o rei anão apenas quem decidirá.

- Pode ser verdade. – Acrescenta Lodwein. – Contudo é fato que esse conselho anão irá ficar do lado do rei. Logo, se ele quiser mesmo capturá-los, ele conseguirá.

- Mas a decisão terá de passar pelo julgamento do patriarca gnomo e de seus conselheiros, e confiem em mim, ele é muito confiável e justo. Edlinn não nos trairá.

- Contudo, Oldí, e se partíssemos agora? Vocês não são obrigados a participar dessa assembleia! – Lodwein sugere.

- Não, meu rapaz, nós somos obrigados. Você talvez não se lembre. No entanto, quando entramos na cidade, ganhamos um documento da nossa estadia por aqui, e assim que Luidúk convocou-nos para a assembleia, essa informação foi enviada à portaria da cidade, e nós não conseguiremos partir sem termos recebido o carimbo real em nossos documentos.

- Mas nós não havíamos entrado na cidade usando nomes diferentes? – Mowilla pergunta.

- Sim, porém, de alguma forma, vocês foram descobertos. Sinto muito, meus amigos, entretanto vocês terão de ir para essa assembleia com o rei Luidúk. Não se preocupem, não permitirei que algo de ruim aconteça. E por algum motivo, sinto que essa reunião será boa para nós. Confiem em mim.

Não tendo outra escolha, e faltando apenas pouco menos de duas horas para o encontro, terminam seu café, aprontam-se e vão à sede da justiça de Kais-Obîrg. Dessa vez Oldirk os acompanha, e mesmo não tendo sido convidados, Belgar e Lodwein vão juntos com Mowilla e Delvokke.

Chegando lá, após terem, mais uma vez, utilizado do MTSC-7 e do MTRA, assim como

de outro transporte, esperam apenas dois casos serem julgados antes deles serem chamados. Grita um gnomo saindo duma porta. – Assembleia GPDE-2134-21-09-02! De imediato, levantam-se e correm para lá, é o número da reunião deles. - Não se preocupem, Edlinn é justo e fiel, não irá nos desamparar. – Diz-lhes Oldirk

no caminho. Assim que cruzam a porta, admiram-se com a colossal sala completamente

emadeirada a qual adentram. Tudo nela é feito de madeira. Assim como as estátuas fantásticas e belas esculpidas em árvores de troncos muito grossos. Esculturas de gnomos, anões e de símbolos de justiça são dispostas, bem organizadas, naquele salão retangular onde duas bancadas situam-se ao meio, uma a esquerda, outra a direita. Encontram-se, os anões à esquerda, onde um púlpito eleva um trono até mais ao centro. Como que refletido do lado direito, numa construção parecida com a do esquerdo, estão os gnomos. Nessas bancadas, há uns sete níveis de andares onde os conselheiros sentam-se rodeados de papéis e documentos, penas e tinta, carimbos e mais papéis. Bem ao meio das bancadas, havia a grande escultura da espada de Kahvian. Além dessa parte das bancadas, há também o lugar para os espectadores assistirem os julgamentos e assembleias. Castiçais de iluminação pendem-se de correntes vindas lá do alto, tornando claro como manhã de verão todo o salão. Este é o Tribunal Kahvian de Kais-Obîrg. Apesar de que, naqueles últimos tempos, ocorreu tanta injustiça ali, que chega a ser ofensivo de se ter o perfeito nome de Kahvian no meio disso.

(Imagem deste tribunal) Lodwein mais uma vez sente imenso prazer em estar naquela cidade. Sem dúvida, é

belíssimo tudo o que aqueles anões e gnomos tinham conseguido construir em baixo das montanhas.

Assim que entram, veem lá longe o rei anão, um barbudo orelhudo e gorducho, e Edlinn, o patriarca gnomo. Nesse momento, tomam uma surpresa gigantesca. Conhecem a pessoa do patriarca!

Calvo e sorridente, Edlinn conversa com outros na bancada, enquanto organiza uns papéis.

- Ora! É aquele gnomo que nos ajudou ontem a entrar na Casa-do-Saber! – Lodwein aponta-lhe o dedo e exclama.

- É claro! Edlinn! O patriarca gnomo! Sabíamos que o conhecíamos de algum lugar. – Descobrem por fim a verdade, os paladinos Delvokke e Belgar para a duvida a qual tinham discutido muito no dia anterior.

- Eu o tinha achado muito familiar. – Belgar continua. – Contudo nem eu, nem Delvokke conseguimos lembrar-se de onde o conhecíamos. E ele estava trajando vestes tão simples, isso dificultou muito. Eu somente havia visto pinturas e esculturas dele. E nas poucas vezes que visitei Kais-Obîrg, ou tive de lidar com algo sobre ela, nunca adentrei a fundo sobre as famílias nobres dos gnomos, nem de seus patriarcas. Contudo, sabia que ele não me era, por completo, estranho!

Encaminham-se para uma mesa ao centro, disposta lá para os convidados. Após umas conversas, os anões e gnomos começam por fim a assembleia. Um anão,

segurando uma lista, grita em alta voz. - Assembleia GPDE-2134-21-09-02. Convocados especiais Oldirk de Francolônia, Delvokke e Mowilla Verde-álamo. Tratar da estadia da realeza élfica.

Ouvindo dizer de um caso com convocados tão especiais assim, todos os gnomos e anões, muitos deles já com sono, endireitam-se em suas cadeiras, ajustam suas lentes de contato, desenterram-se de dentro dos documentos a frente de suas mesas, todos, para ver aquilo: O famoso bem sucedido Oldirk numa assembleia, e os dois príncipes élficos, filhos de Leillindor, a hospedar-se em Kais-Obîrg, e estes numa mesma reunião. Sem dúvida, é algo que chama a atenção dos conselheiros, e todos eles querem tomar parte disso.

Mesmo tendo escutado que este julgamento já havia começado, Edlinn, lá do alto de seu púlpito, não dá nenhum sinal de interesse. Apenas lê uns documentos e ignora os julgados. Mas com isso, Lodwein e os outros, de fato, podem agora ter certeza. É o mesmo gnomo que os ajudou no dia anterior a entrar na Casa-do-Saber, e que deu sábios conselhos a Lodwein.

- Que se inicie a assembleia. – Grita aquele mesmo anão com a lista na mão. No púlpito esquerdo, o anão barbudo é o primeiro a falar, logo após a declaração do

início. - Salve Oldirk, dono da zeladora pela iluminação em Francolônia, membro do

conselho secundário desta. – Diz o rei anão, com sua voz grave como um ronco, e falando por vezes com a língua presa entre os dentes. Como se tivesse queimado a boca. - Salve Delvokke Verde-álamo, e Mowilla Verde-álamo, filhos de Leillindor, príncipes Cullyen. Salve demais companheiros. Eu sou Luidúk, filho de Flukûk, o rei anão, governante da cidade de Kais-Obîrg.

Eles nada respondem quanto a isso e esperam-no dar continuidade. Acontece então que todos se silenciam, inclusive o rei anão, pois nesse momento seria a hora da apresentação do patriarca gnomo, no entanto ele nada diz, e ignorando-os lê seus papéis.

Espanta-se com tal reação, o rei anão Luidúk, contudo segue mesmo assim. - Então quer dizer que é verdade mesmo? – Ele está extasiado. – Está aqui o príncipe Delvokke, o filho elfo mais novo do nosso companheiro Leillindor, o único ainda a permanecer ao seu lado, enquanto seus outros dois filhos elfos há muitos anos viajaram em direção a terras distantes, deixando a sequência do trono élfico a Delvokke. E Mowilla, a pequena princesa élfica, a menina amada do rei elfo. E vocês dois estão aqui, em Kais-Obîrg, em visita à casa de Oldirk. Estão aqui, à minha frente.

Isso soa como uma ameaça à vulnerabilidade da situação que se encontram. Apenas com um balançar de mão e poucas palavras, Luidúk poderia ordenar a prisão deles.

Entretanto, ao ouvir as palavras do rei anão à esquerda, alguém da direita indigna-se. E, para a surpresa deles, é Edlinn, o patriarca gnomo. E sua raiva não é direcionada ao rei Luidúk, mas sim aos convocados ali presentes. Ele grita enfurecido. – Estão aqui, mas já estão de saída! Partirão bem depressa, se eu puder permitir, sim!

Todos os presentes do tribunal calam-se. É espantoso. Edlinn, uma pessoa sempre tão paciente e calma, nunca havia levantado à voz daquela forma. Nunca esperariam vê-lo agir assim, ainda mais diante de julgados os quais nem mesmo apresentaram verdadeiros problemas.

Mowilla e Lodwein não conseguem acreditar. Assustados entreolham-se. E o patriarca gnomo não para nisso. – E eu não vou permitir que fiquem aqui em Kais-

Obîrg! – Berra ele. – Esses dois elfos são filhos de Leillindor, o maior rival e inimigo do processo de crescimento da nossa cidade! Não são bem-vindos aqui por nenhum de nossos habitantes!

Começam, os anões conselheiros, a discutir sobre isso. É verdade o que ele diz. Sérios, Oldirk, Delvokke e Belgar apenas olham para os seus juízes, esperando o

resolver da questão. Depressa Luidúk, o rei anão fala com uns dos seus, depois pede o silêncio tomando a

palavra. – Ora, velho companheiro Edlinn, tenha calma! Sejamos receptivos com os príncipes elfos. Você mesmo tem amizades com o pessoal élfico. Então, vamos tratá-los com grandes honrarias. Eu, inclusive, gostaria de convidá-los agora a permanecer na minha própria casa, nos mais finos aposentos.

Um pouco menos alterado, Edlinn seca o suor de sua calvície e prossegue respondendo-o. – Sim... Sim... Todos vocês sabem que, de forma geral, sou muito amigo dos elfos. Contudo, eu sou um governante de Kais-Obîrg, e antes dos meus interesses pessoais, devo agir como um líder e responsável pela realização do desejo de meu povo! E nossa população está indignada com os elfos.

Muitos espectadores da assembleia conversam entre si e concordam com ele, batem-lhe palmas. Mas os conselheiros gnomos não entendem porque Edlinn fala aquilo. Não é algo

comum, vindo dele. E os anões, cada vez mais, apoiam o patriarca gnomo, e gritam que estão de acordo com ele.

Diante da indignação geral de todos para com os julgados, Lodwein e a princesa Mowilla envergonham-se e ficam muito irritados. Perplexos, lembram-se do dia anterior e da tamanha gentileza daquele mesmo gnomo calvo, o qual, agora fustiga a fúria de todo o tribunal contra eles. Mas os paladinos continuam sérios, sem tomar qualquer atitude.

Luidúk desespera-se ao ver a assembleia inteira desejando a expulsão dos elfos. Mais uma vez busca ajuda aos seus conselheiros mais próximos, discutindo sobre suas maquinações infelizes e planos maus. Até que ele descobre um argumento interessante e corre para gritar ao povo. – Silêncio! Silêncio! Vou lhes falar uma verdade esquecida! Meus companheiros, não temos o direito de tratar dessa maneira, tão fria e descortês, alguém que possui sangue nobre, mesmo que este não fosse valorizado por nós. Ainda mais quando se fala não apenas de nobreza, mas também de realeza! Eles são filhos de um rei, e merecem as honrarias devidas à sua tão importante posição. Eu ficaria profundamente ofendido se, eu, ou um dos meus filhos, fossem mal tratados em qualquer nação, e nunca perdoaria a isto. Logo, não podemos faltar com a cortesia, e devemos dar-lhes honrarias reais!

Luidúk é sem dúvida um vilão. Levá-los para sua casa seria prendê-los. Se fosse decidido que eles teriam de ir para sua residência, poderiam esquecer de viajar para Beföllia, a floresta élfica. E o rei anão é esperto em suas argumentações, sempre buscando ser receptivo. Mas sua real intenção é prendê-los. Belgar, Oldirk e Delvokke são quem percebem isso.

Edlinn dá um riso. Aqueles que tivessem um bom olhar perceptivo notariam no gnomo uma alegria dupla. Uma, é de certa forma teatral, no entanto, a outra, parece verdadeira. Ele tem uma resposta perfeita. – E nós os trataremos com honrarias reais! Sim, nós o faremos! Dando-lhes a mais hábil, leal, fiel e corajosa companhia de soldados anões, para acompanhá-los em segurança até fora de nossas fronteiras!

Diante disso as palmas explodem vibrantes, pois as falas de Edlinn condizem perfeitamente com o pensamento do povo. Borbulham-se, os expectadores em discussões, onde a maioria esmagadora apoia o patriarca gnomo, enquanto uns poucos discordam dele. Essa mesma proporção de contras e a favor repete-se em meio aos conselheiros.

Após isso, para os expectadores, já é chegada a hora da decisão final ser tomada ali e naquele momento mesmo. Seria um dos casos mais rápidos já resolvidos. O mediador da assembleia, um gnomo numa área neutra do tribunal levanta a bandeira do juízo, a qual significaria que os conselheiros, juntos ao rei e patriarca deveriam naquele momento votar a respeito de qual decisão ser tomada. Uns tentam conseguir o silêncio do pessoal.

Quanto a Mowilla e Lodwein, estes encontram-se em completa fúria até que eles se viram para os seus amigos. Nisso, veem que eles estão calmos, não se preocupam, e os dois começam a se questionar quanto a isso.

Desespera-se o rei anão e os seus, quando o mediador do juízo começa a balançar sua bandeira indicando estar próximo o fim da decisão. A maioria dos presentes do tribunal quer a expulsão.

Até que a bandeira é por fim descida, e o sinal é dado.

Grita então, o mediador. – Levantem as mãos aqueles conselheiros que desejem a expulsão imediata de Delvokke Verde-álamo e Mowilla Verde-álamo de Kais-Obîrg, acompanhados de uma frota de soldados anões até as fronteiras dos limites do reino anão.

E muitas palmas erguem-se das bancadas. - Que se levantem as mãos daqueles que desejem a permanência de Delvokke Verde-

álamo e Mowilla Verde-álamo na casa de Luidúk, o rei anão. E o resultado é mínimo. Para concluir a decisão, o mediador ainda continua. - Justifique, conselho gnomo,

porque votam em maioria pela expulsão de Delvokke Verde-álamo e Mowilla Verde-álamo. Levanta-se da bancada à direita um pequeno barbudo e responde como que a ler um

documento. – O conselho gnomo vota pela expulsão de Delvokke Verde-álamo e Mowilla Verde-álamo, devido ao desejo de não ir contra a vontade, já bem expressa, de Edlinn, nosso patriarca gnomo. – E acrescentando como que um comentário pessoal, o pequeno barbudo diz. – Mesmo não entendendo o porquê de tal atitude.

Sempre costumavam concordar com as decisões do patriarca, o conselho dos gnomos. Tinham muita confiança na sabedoria de Edlinn.

- Agora, justifique, conselho anão, porque vota em maioria pela expulsão de Delvokke Verde-álamo e Mowilla Verde-álamo.

Desordenam-se em gritos, os conselheiros anões, todos querendo dizer algo, todavia, a palavra ficaria apenas para o representante do conselho. E ele, um anão mais velho, já de cabelos brancos, fala. – O conselho anão vota pela expulsão de Delvokke Verde-álamo e Mowilla Verde-álamo, devido ao desejo de ver esses dois bem longe daqui! Correspondendo à vontade de todo o povo de Kais-Obîrg.

Por sua vez, o conselho anão é desordenado e ranzinza, e cada um sempre quer dar palpite e reclamar de algo diferente.

Ainda não havia acabado a assembleia, e o mediador do juízo ainda questiona aos líderes governantes. – Luidúk, rei anão, salve! Expresse e justifique-nos, por favor, seu voto.

E, impaciente e nervoso, ele replica. – Ora! Todos sabem, assim como esses meus conselheiros, que deveriam concordar comigo em minhas decisões, que eu voto na permanência dos dois em minha casa! Isso é o meu desejo.

- E Edlinn, patriarca gnomo, salve! Expresse e justifique-nos, por favor, seu voto. - Eu, Edlinn, filho de Oghomn, patriarca gnomo, voto pela expulsão imediata de

Delvokke Verde-álamo e Mowilla Verde-álamo de Kais-Obîrg, acompanhados de uma frota de soldados anões até as fronteiras dos limites do reino anão, porque é o que o povo quer. – E acrescentando de uma forma ríspida, para o delírio dos expectadores, diz-lhes. – E, por favor, partam antes da primeira hora após o almoço. Os guardas já os estarão esperando no portão principal de Kais-Obîrg.

É a palavra final, e o mediador finaliza. - Assembleia GPDE-2134-21-09-02: Encerrada. – O povo espectador explode em vaias, quase não sendo possível escutar as últimas palavras. – Votado a expulsão imediata de Delvokke Verde-álamo e Mowilla Verde-álamo de

Kais-Obîrg, acompanhados de uma frota de soldados anões até as fronteiras dos limites do reino anão.

Que vergonha e humilhação. Eles saem de lá em meio a urros e escarnecimentos. Não têm mais o direito de permanecer em Kais-Obîrg.

No caminho para casa, Lodwein e Mowilla estão enfurecidos. Deixam de lado

qualquer meditação a respeito da atitude de Edlinn, e apenas veem a vergonha a qual passaram naquele momento, e culpam o gnomo. - Aquele insolente! Como pode nos fazer isso?! Veja o que está nos fazendo vivenciar agora! – Lodwein indigna-se.

Belgar ri. – “A humilhação é a mais poderosa amiga e companheira dos paladinos. Nos dá a força dos fracos, a única capaz de vencer os mais orgulhosos e invencíveis inimigos”. Escreveu Niôdel aos paladinos de Fíngbell. Lodwein, aprenda que é na humilhação que descobrimos onde está a nossa segurança. É nela que demonstramos em que rochedo nossa esperança está assegurada.

Isso cala a raiva do rapaz. Seu irmão sabe fazer isso com muita sabedoria. - Até porque também, Edlinn salvou Mowilla e Delvokke, caso não tenha percebido. –

Continua Belgar. – Os livraram das mãos perversas do rei anão Luidúk, e isso com muito inteligência. E, sem contar, que ainda conseguiu uma escolta militar de “fiéis e corajosos” soldados anões. Sensacional...

Mowilla, a qual embraveceu-se também, e por isso não refletiu direito, ainda não tinha percebido a jogada sagaz do patriarca gnomo. – Ihra! Tem razão. Faz sentido. Talvez o pequeno Edlinn não seja um malvado! E sim, o mesmo bonzinho benfeitor de ontem!

- Gëh’vea, ainda termos pessoas assim do nosso lado. – Delvokke acrescenta. - Ainda, disse bem... – Oldirk age como o pessimista do grupo. – Mas até quando

teremos? Vamos tomar mais cuidado com a nossa aventura a partir de agora. Endelorth os colocou em minha responsabilidade, e por isso os acompanharei nessa jornada até o fim, para garantir que nada de ruim aconteça. Agora vamos voltar para minha casa e partir, o mais depressa possível, para Beföllia.

Já na casa de Oldirk, com velocidade, fazem mais uma vez suas malas e vão partir em

viagem. Noig, o anão amigo deles, esta lá, e vendo tudo isso lamenta. – Que tristeza a minha!

Não sei se suportarei eu saber que vocês, meus queridos amigos, estão partindo para continuarem em uma aventura emocionante, e eu terei de ficar aqui, e vê-los ir sem mim! Preciso ficar e esperar a minha família que vem vindo em uma grande comitiva de anões, fugindo de Peleja-nova, em direção aqui, as três montanhas.

Olganf, a irmã de Oldí, ajudando-os a fazer com rapidez as bagagens, também está triste. – Vou sentir saudades de vocês também. Do jovem Lodwein, e da linda princesa Mowilla.

- Mas vocês serão, por toda a eternidade, bem vindos em nossas terras! – Mowilla fala-lhes com ternura. Também se entristece por despedir-se deles. – A alegria será imensa em receber uma visita de vocês!

- Não sei se nós, habitantes de Kais-Obîrg vamos ser bem-vindos no reino élfico, depois do que tem vocês me relatado aconteceu hoje. – Noig lamenta. – Isso somente veio para piorar ainda mais a conflituosa relação entre os elfos e anões.

- Vocês são meus amigos, e serão meus convidados especiais se nos visitarem. – Insiste a elfa abraçando-os e segurando ao máximo as lágrimas.

- Talvez quando a paz voltar a reinar em Nelwár, minha princesa. – Tenta também o anão segurar o choro. – Essa não! É por isso que odeio despedidas. – Mas não consegue conter-se.

Ela assusta-se ao vê-lo tão triste assim e também começa a chorar. Noig de fato não resiste despedidas, e aquele anão, loiro de olhos azuis e cenho pesado como o de um bruto, expõe pueril seus lábios inferiores, fecha os olhos e começa a prantear. Com a manga da roupa esfrega o rosto e sai dando adeus aos seus amigos. Noig é um coração mole, um manteiga derretida, porém também um amigo de ouro. É uma triste cena.

Isso dá à despedida um ar muito mais melancólico. Elnast, a esposa de Oldirk também lamenta pela ida de seu marido, entretanto entende

que se trata de uma promessa feita a Endelorth, então é algo importante e sério, deveria ser cumprido. Ela apenas demonstra sua insatisfação, porém não o impede de ir.

E assim, após terem comido uma refeição do meio dia muito depressa, mas reforçada, carregam seus animais e encaminham-se para o portão principal de Kais-Obîrg.

Chegando lá, vinte e dois soldados anões muito bem vestidos e equipados, montados

em pôneis robustos os aguardam. Estão preparados como se fossem para uma guerra. Um anão de cor morena e de postura mais imponente e militar aproxima-se deles e

saúda-os com reverências. – Salve Oldirk. Salve Delvokke. Salve Mowilla. Eu sou Goard, capitão do terceiro pelotão pessoal do patriarca Edlinn. Fomos enviados pessoalmente pelo patriarca gnomo para protegê-los. Estaremos às suas ordens até a fronteira das terras anãs.

- Salve Goard. – Delvokke os cumprimenta contente. Com sua sabedoria élfica, vê naquele grupo de guerreiros anões lealdade, fidelidade e coragem. - Será um prazer imenso para nós termos tão corajosos e hábeis soldados da guarda pessoal do patriarca Edlinn ao nosso lado. Geh’vë ewiglëa suuin nama.

- O que quer disso isso? – Goard, o comandante anão paciente e astuto, quer saber. - Desejo as luzes de Gëh’ve sobre você e os seus. - Agradeço as palavras. Partamos, então. Dessa forma, estando já, Lodwein montado em Focinho, seu fiel, antigo burrinho de

carga, agora, brava montaria de guerra, junto à Mowilla, andando a cavalo com seu irmão Delvokke, é a hora de irem. Belgar e Oldirk também estão ali. E junto a eles, os vinte e dois

valorosos soldados anões. Assim, partem em direção à Beföllia, a floresta élfica, nesta que seria a última, mas não menos tumultuada e belicosa etapa da jornada em direção ao reino élfico.

Capítulo XXV: Perigo

Muito longe de estar esgotadas estão as forças daquele grupo de guerreiros, assim

como o ânimo e a felicidade. De fato, o velho ditado dos anões é bem verdade: “Somente se conhece a alegria de um anão, conhecendo um anão no meio de um batalhão”. Quantos são os risos e brincadeiras que eles fazem. Anões em bando têm a estranha tendência de serem mais descontraídos. Talvez seja por isso que, a maioria deles, sempre anda em grupo.

E, nossos aventureiros não ficam de fora dessas divertidas confusões. Com certeza não. Lodwein se dá muito bem com aquela raça pequena, e sua criatividade parece borbulhar ainda mais junto deles. Cantam cantigas bem humoradas, inventadas ali mesmo; contam histórias e lendas anãs, jogam suas montarias uns nos outros se provocando mutuamente a uma corrida até o rochedo mais próximo. Coisas típicas duma viagem anã. E mesmo sendo guerreiros em trabalho, os soldados não se importam e farreiam alegres.

(Imagem colorida das paisagens das terras anãs.) Mas, se falando de beleza, que maravilha é a visão a qual aqueles viajantes têm, pois

podem contemplar, lá longe, a formosíssima região do Selûr, nas terras anãs. Vendo, bem no distante, o lago Selûr em meio a Awit-Selûr, a colorida floresta, e as montanhas de mineração, Kais-Selûr, onde uma importante cidade anã também foi construída. Contudo, eles não viajariam para essa direção, isso está muito ao sudeste. Seu rumo é o nordeste, buscando alcançar Beföllia, a Nusweld dos homens, a floresta élfica. E, nesse caminho, as planícies parecem elevar-se pouco a pouco. Eles já começam a sentir isso após umas horas de viagem.

Chegada à noite, após terem cavalgado desde o início da tarde até pouco depois do

crepúsculo, sem nenhuma considerável pausa, estão exaustos. Haviam alcançado mais da metade do caminho que deveriam percorrer ao todo, e decidem montar acampamento ali mesmo. Lugar calmo e de aparência convidativa. Gramado bem verde e bonito. Além dos pequenos montes, observam logo a umas centenas de metros no oeste, um pequeno vilarejo e umas fazendas. Talvez os habitantes de lá tenham percebido a presença deles. Mas isso não tem muito importância, então se instalam naquele lugar.

Após umas galopadas, e o envio e recebimento de mensagens, os dois paladinos do grupo, Delvokke e Belgar, voltam ao acampamento.

Assim que chegam, Goard, o capitão do pelotão, calmo e de olhar reflexivo, questiona-lhes. – Porque cavalgam a noite? Estão à procura de algum perigo? Pois estão perdendo tempo, mestres paladinos. As terras anãs são terras seguras. Temos torres de vigias ao longo de toda a fronteira. Nenhum esquilo adentra o nosso reino sem isso ser sabido. E pela expressão de vocês, parecem confirmar o que digo. Encontraram algo?

- Tem razão, sábio Goard. – Replica Delvokke. – Não há inimigos aqui nas redondezas, segundo nossas investigações e informações. Contudo, os goblins estão fervilhados, e com muita ousadia montaram uma base de guerra lá no oeste das terras de vocês. Então, aconselho a você a não confiar tanto assim na segurança de suas terras.

- Entendo perfeitamente o que me diz, mestre Delvokke. – Goard responde, sua voz é aveludada, às vezes parece forçar isso. – Mesmo assim, ainda acredito que as possibilidades de algum perigo vir até nós sejam muito mínimas. Pois, para goblins até aqui viajarem, teriam eles de passar pelo norte de nossas terras. E esse lugar é muito vigiado, devido as nossas preciosas e bem guarnecidas terras de Sihnerin, e também da proximidade com o rio élfico. Desculpem-me pelas minhas palavras, contudo, nesses últimos tempos, não se confiam mais em elfos, então o norte é muito bem protegido de vigias.

- Entendo. – Delvokke respira fundo. É uma situação complicada. – Espero mesmo que goblins não nos sigam, capitão Goard.

Assim conversam antes de irem comer algo e depois dormir. Dessa vez, inclusive Mowilla sente-se tão cansada, que decide ir também deitar-se. Combinam entre si, os anões, como farão para revezar as vigias noturnas, e uma fogueira é acesa. Puxam todas as tendas de madeira e peles grossas para próximo ao fogo querendo aquecer-se bem.

Uns grilos cantam vivazes e Lodwein sai da sua tenda na direção das montarias. Encontra por fim quem procura. - Ei Focinho! Trouxe-lhe maçãs, meu amigo.

O burrinho lhe faz uma reverência em agradecimento. - Ora! Você está tão educado, seu velhinho cinzento. – Dá-lhe um cafuné nas orelhas

e segura-lhe as maçãs à boca. Ele dá umas relinchadas, está gostando do carinho. - Aquele tempo com os animais paladinos lhe fez bem, não é mesmo? Já me serve até mesmo como montaria! Imagine isso. E o que você achou de derrotar goblins?

Somente em ouvir tal nome, a coragem assalta o coração do burrinho, que já zurra e quer lutar. Focinho havia sido tomado de um espírito de combate e de raiva contra essas criaturas perversas, e o que mais desejava agora é acabar com todas elas com suas letais coiçadas.

- Muito bem Focinho. Continue assim. – Seu dono lhe recomenda, após ter terminado as maçãs. – Até amanhã então. Descanse bem. Vou ir me deitar. – Dizendo isso, sai e volta para sua cabana improvisada.

Mas, mesmo sem as saborosas frutas vermelhas, a fiel montaria de Lodwein ainda quer continuar na presença de seu querido dono. E trota até o lado da tenda dele, procura um lugar quente ao fogo, e se aconchega ali fora.

Lodwein percebe isso e comove-se com a atitude de seu companheiro de cavalgada. Faz-lhe um convite então. – Ei Focinho! Acho que você cabe aqui dentro, se quiser.

E a montaria ama a ideia. Logo se ergue, e entra na cabana de Lodwein, aperta-se no lado direito, e o rapaz à esquerda. Depressa aconchega-se e fecha os olhos.

O jovem ri daquela cena e despede-se do animalzinho. – Boa noite Focinho. Ainda acordado ele resmunga algo em resposta e logo depois adormecem. (Imagem de Focinho na tenda com Lodwein)

Ao amanhecer do outro dia, Lodwein é acordado com roncos de Focinho pela manhã.

Entretanto, com certeza, não é isso que o faz sair da cama de imediato. Mas sim os estranhos comentários que escuta enquanto espreguiça-se.

Percebendo o tumulto e as muitas conversas entre uns grupos ali, o jovem sai e pergunta ao primeiro que encontra. - Afinal, o que está acontecendo?

- Em meio aos turnos de vigias noturnas foi relatado que algo estranho nos sobrevoou. Mas estava muito alto. Bem acima das nuvens. Talvez um pássaro gigante. Aqueles que o viram, disseram ter sentido medo quando enxergaram essa coisa no céu.

Lodwein vê seu irmão conversando a alguns metros, agradece o anão que lhe explicou um pouco da situação, e corre para lá. Indaga o paladino a respeito da situação. – Belgar, o que está acontecendo?

- Perigo no céu e uma ameaça a correr sobre a terra, milhas distantes de nós. – De braços cruzados, e num tom introspectivo lhe diz entre um suspiro. Está calmo, ao menos aparenta estar. – A lua estava no topo do céu quando lá no alto uma criatura alada cruzou em frente à luz do luar. E eu não sei se era o Coruja Branca, voando em sua ave. A forma do ser não lembrava uma ave de penas. Era tão escuro, e as asas enormes, se encolhiam e abriam como mãos compridas e negras. Não era gracioso como uma coruja, com certeza.

- E que ameaça é esta, milhas distantes de nós? – Interessa-se o rapaz. Goard, o capitão, talvez tentando reparar sua fala do dia anterior, que parece então

não ser tão verdadeira, é quem toma a frente, e responde. – Informações vieram de Sihnerin. Goblins adentram as terras anãs com velocidade. São difíceis de capturar, pois entram em florestas e se escondem depressa. Seguem em direção ao leste das terras anãs. – Ele respira fundo, fechando o rosto. – Seguem em nossa direção.

- Estamos sendo perseguidos pelos mesmos goblins da Guerra d’Outono. – Delvokke, o qual também está ali reflexivo, ri dizendo essa informação assustadora, e fitando o distante.

Mowilla, que também tinha saído de sua tenda ao ouvir os boatos e conversas, e seguido o rapaz, escuta aquilo e fita Lodwein, eles entreolham-se assustados, e preferem não comentar nada quanto a esses relatos.

Com isso, não demora muito e eles desarmam o acampamento para seguir, o mais rápido possível, viagem rumo a Beföllia, a floresta élfica.

Nessa nova etapa, o silêncio domina-os. Não estão mais tão à vontade para fazerem

brincadeiras. O clima de guerra os abate. Esquisito e incomodante sentimento, onde o pensamento do futuro não é agradável, e o medo de talvez daqui há algumas horas serem acometidos por um ataque e morrerem, é presente.

Lodwein bem compreende isso. Por isso trota em Focinho meio sem esperança quando Oldirk se aproxima e o questiona. – Porque está cabisbaixo Lodwein?

- É o sentimento da guerra, Oldí. Não é fácil manter-se firme diante dele. Contudo, a coragem não se isenta dos espíritos daqueles guerreiros. Nunca os

abandona.

- Ora Lodwein! – Expressa o gnomo com uma certa indignação de brincadeira e sorridente lhe fala. - É como diz as célebres perguntas de seu irmão, Belgar. Ele sempre a repete nas missões paladinas: Onde pomos nossa segurança? Em que rochedo assegura-se nossa esperança?

Lodwein se lembra dessas palavras de seu irmão e da sua capacidade de tocar-lhe fundo.

- Nessa hora de guerra, também precisamos pensar da mesma forma que diz um ensinamento dos anões: Na hora da guerra, a coragem vem quando se reaviva seus propósitos de vida. – Continua o pequenino. - E por fim, aprenda com uma frase de nosso querido amigo Endelorth: “Morrer em vão é tolice, no entanto, se for por uma causa justa, é heroísmo”.

O rapaz reflete sobre isso. Tudo aquilo condiz com a verdade, e possui tamanha sabedoria. Animando-se, ainda um pouco receoso, ele concorda. – Tem razão, Oldí. Tem toda a razão.

Até que, após terem caminhado toda a manhã, e já ser a hora da refeição do meio-dia,

os viajantes chegam ao fim das terras pertencentes aos anões. Nas últimas horas de caminhada, todos perceberam como, de fato, as planícies elevaram-se muito. Subindo até formar o desfiladeiro findado, que é o paredão de pedra o qual limita as terras do reino anão. Lá em baixo havia o vale-bosque, uma floresta sem dono, e também o rio élfico. De lá do topo, a paisagem é belíssima.

Em meio à pausa para refeição uma pequena discussão começa a surgir entre os viajantes. Conversas e cochichos de soldados com questões pertinentes, as quais até Goard tem dúvidas de como resolvê-las. Afinal, o combinado foi acompanhar os elfos e Oldirk até ali, a fronteira das terras anãs. Contudo, seria covardia os abandonar quando mais precisam. Afinal, uma horda de goblins os persegue.

Enquanto todos comem, em silêncio pela tensão de não saber se continuariam junto a eles. Goard, o capitão, interrompe a quietude do grupo e interroga seu pessoal. – Amigos, bravos soldados. Sei que muito de vocês já estão a perguntar-se sobre uma questão muito delicada. Todos nós somos guerreiros e por isso, sem dúvida já sabem do que estou falando.

Eles cessam suas ações, uns abaixam a cabeça, outros fitam seu capitão. Todos se põem a escutar as palavras de Goard. - E então, amigos, bravos soldados, o que nós faremos? Continuaremos ao lado dos príncipes elfos, ou retornaremos para Kais-Obîrg?

Muitos escondem os rostos nessa hora, ficam sem jeito ao perceberem que, de fato, é verdade, Goard está falando mesmo de continuar ao lado dos elfos e outros ou não. A maioria não se sente a vontade para manifestar sua opinião sobre isso.

Entretanto um soldado ergue a mão e sugere fitando seus companheiros. – Devemos fazer uma votação! O senhor Goard nos repete a pergunta, e quem é a favor levante a mão.

Contudo, um outro anão interrompe-o. Esse é Doyr, um velho de barba rajada de vermelho, o qual não disse uma só palavra durante a viagem. Não gosta muito de conversas e anda sempre pensativo, muito sério. Parece travar incessantes conflitos internos consigo

mesmo. Ele se levanta e diz. – Isso não seria uma boa ideia. Pois, muitos levantariam a mão por vergonha de negarem a ajuda diante dos príncipes élficos, e não por coragem.

Goard sorri ao ouvir Doyr falando. Concorda com ele. Doyr também é muito sábio, talvez o mais de todo o grupo.

Aquele mesmo anão que havia sugerido a votação pergunta-o. – É verdade, Doyr. Mas, compartilhe conosco um pouco de sua sabedoria, e pedimos a você uma sugestão do que deveríamos, portanto, fazer.

Doyr fecha seus olhos, cruza os braços. – Deveríamos indagar o que nosso capitão quer fazer. Pois eu jurei lealdade a Edlinn, e a Goard, assim como todos vocês. Edlinn não está aqui. Mas Goard está. E eu jurei lutar ao lado do meu capitão até a morte, se necessário. E mesmo que ele tome uma decisão errada, prefiro errar obedecendo, que acertar desobedecendo. Pois a obediência trás calma à alma.

Sem dúvida, a sabedoria está nas palavras daquele velho anão. E todos concordam com ele e com sua sugestão. Viram-se para Goard e um fala. – Diga-nos, capitão Goard, o que seu coração e mente lhes dizem sobre esta decisão? Quer seguir ou deixar os elfos?

Ele, com muita seriedade, fita os olhos de cada um dos seus, antes de lhes dizer. – Meus amigos, bravos soldados, seu capitão não quer abandonar os elfos, e com coragem quer derrotar todos os inimigos que militem contra eles. Pois uma maldade desonesta recai sobre esses errantes, e não é justo que eles morram por falta de ajuda anã. Eu ficarei alegre em segui-los, e minha felicidade seria ainda maior se meu tão precioso e bravo pelotão acompanhasse-me.

A decisão é unânime. Com o máximo de barulho que a situação permite, gritam-lhe jubilosos. – E nós o seguiremos, capitão Goard!

Lodwein, Mowilla e os outros sentem-se muito felizes e aliviados. - Mas se vamos os acompanhar até Nusweld, e os defenderemos de goblins caçadores,

não temos tempo a perder, meus amigos! – Grita Goard. – Levantemos logo nosso acampamento, e partamos embora, na direção da floresta élfica, e agora!

Todos também concordam com isso. Mais que depressa, terminam a refeição e sobem em suas montarias.

- Que caminho tomaremos? – Pergunta Belgar à Goard, muito preocupado com o destino do grupo.

- Vamos utilizar uma velha estrada, que não é mais utilizada. – O anão responde. - Ela corta o vale pelo meio, passando em frente a uma colina e as ruínas de umas construções dos homens antigos.

- Acho que conheço essa estrada! – Uma lembrança vem à mente de Belgar. - Sim! Essas ruínas são o que restou do velho forte do vale Hiel. – Delvokke acrescenta.

– Foi lá que nós lutamos na missão da rainha anã, se lembra, Belgar? - Sim, como poderia esquecer? Foi lá que ganhei o meu título mais conhecido, o de o

presenteado com a joia do tesouro da rainha anã. - É verdade... – Pensa o elfo paladino. – A preciosa e misteriosa joia azul. A lágrima da

nuvem, dor e sofrimento na calmaria...

Com isso, eles trotam até o topo da encosta do desfiladeiro findado, de onde têm a visão do vale-bosque a se estender comprido até uma subida descampada, ainda maior que o tamanho do bosque; também o rio élfico cruza abaixo deles com seu veio enfraquecido pela barragem construída; e por fim, surge na visão, Beföllia, a floresta élfica, lá à frente. Já de lá, tão distante, eles podem ver suas árvores gigantes, as sequoias de Beföllia, imensas de troncos de diâmetro tão grande, que era necessário dezenas de elfos para conseguirem abraçar uma delas, e de altura muito maior que o dobro de qualquer edifício considerado muito alto para os homens. Ao vê-las Mowilla fica muito feliz. Ali é sua casa, e em breve estariam lá. Goard aponta para eles lá em baixo a direção onde está a estrada do vale-bosque, em breve a utilizariam.

(Imagem colorida da visão distante da floresta élfica) Eles descem o desfiladeiro utilizando uma pequena trilha feita pelos anões que

ziguezagueia-se até lá em baixo. É um caminho perigoso e todos tomam muito cuidado trotando em seus pôneis. Está a todo o momento, o abismo, ao lado deles.

Contudo o maior perigo não é isso. Pois, assim que terminam a descida, ecos distantes chegam a eles vindo lá do início

norte do vale-bosque. Gritos trazidos pelo ar de seres já bem conhecidos por aqueles viajantes. - Goblins... De imediato, Belgar, lança seu fiel gavião aos ares enviando-o com uma mensagem de

perigo. – Não temos tempo! Vamos correr e pegar a estrada que Goard nos falou! – Grita o paladino ao grupo. – Eles têm o nosso rastro.

- Não estão fazendo sigilo de sua presença, correm fazendo grande alarme! – Irrita-se o capitão.

- Quer dizer então que estão seguros de si. – Delvokke lhe diz. – Devem estar em grande número.

- Depressa anões! Rápido! – Goard grita aos últimos dos seus soldados a descer a trilha do desfiladeiro em seus pôneis.

Com isso saem correndo adentrando aquela mata, que lembra em muito o bosque das raposas, porém, é mais aberto e menos confuso do que ele.

E, mais uma vez, aqueles aventureiros estão em uma corrida desesperada por suas vidas, com uma horda goblin a persegui-los. O medo os cutuca pelas costas, fazendo a todos virarem-se com frequência para verificarem a segurança. Sentir aquela tensão é algo terrível.

Contudo, o mal estava mais próximo deles do que podiam imaginar. Assim que a estrada dá sua primeira curva, flechas voam na direção do grupo, e o grito de uma moça é ouvido.

Uma seta perfura a perna de Mowilla e sangue mancha seu vestido rosado, e de dor e susto a jovem berra. Além dela, uns pôneis e outros também são feridos nessa primeira investida. Ninguém recebe um golpe letal. Por enquanto.

Sacando seus arcos, os anões revidam, e com fúria conseguem derrotar os insolentes que fazem frente a eles, contudo, a maioria corre para dentro da floresta. Pelo barulho não devem ser muitos. Quem sabe, os primeiros goblins a alcançá-los.

- Permaneçam juntos! Não os persigam! – Goard exige ao grupo. – Eles querem nos separar.

- Malditos! Não consegui prever esse ataque! Não escutei nenhum sinal deles. – Delvokke furioso reclama enquanto cuida de sua irmã.

- Precisamos de um refúgio! – Fala um anão assustado e ofegante. - E o velho forte do vale Hiel? Ele é seguro? – Goard pergunta sem saber a quem

direciona o questionamento. - Sim, está abandonado. – Delvokke responde-lhe. Com uma faixa enrola e imobiliza a

flecha na perna de sua irmã. – Ao menos estava assim há algumas semanas atrás. Uns paladinos me reportaram isso há certo tempo.

Mowilla geme de dor e começa a chorar. Delvokke fala-lhe palavras em élfico, e ela vai se acalmando. – Naä’dä, linwa Etohollya, naä’dä. Uniwielo nuis ado Vorin lon, Flin’bä? (Acalme-se, pequena Verde-álamo, acalme-se. Não movimente mais essa perna, tudo bem?)

Depois desse curativo na princesa, eles correm pela estrada, dessa vez, muito mais atentos.

Após um bom trecho, encontram o forte do vale Hiel sobre uma pequena colina, feito de pedra, com muros altos, e uma torre de três andares.

- Ali está! Vamos! – Corre a frente um soldado. - Espere! – Alerta Goard. – Não temos certeza se está abandonado, pode haver goblins

lá dentro. - O forte possui uma porta bem ali. Tentemos passar por ela e verificar a segurança. –

Delvokke, que, na verdade, não tinha plano algum de ficar lá, e sim queria correr para Beföllia, ao observar a situação de sua irmã, vê a necessidade de pararem.

Chegando à porta, ficam receosos de entrar. Entretanto uivos são escutados por eles vindos do norte, os wircks malditos

anunciavam ao exército maligno que tinham pegado o rastro deles. Isso os motiva a investir com força e velocidade para dentro do velho forte do vale

Hiel. E, de fato, seis goblins estão lá dentro. Esses são exterminados com facilidade, numa única possante investida, e os anões conseguem tomar o forte.

Todos haviam entrado e Goard grita. – Fechem a porta ponham reforços nela! Os soldados correm e pegam mesas e cadeiras, pedregulhos e troncos, pondo-os a

impedir a passagem da porta. Enquanto faziam isso, cerca de dez goblins aparecem do outro lado tentando entrar. - Não permita a entrada deles! – Ordena o capitão. Arqueiros anões sobem escadas, e dos corredores acima dos muros eles atiram flechas,

derrotando a uns. Os goblins revidam com tiros de setas, e paus e pedra. Mais uivos são ouvidos, dessa vez bem mais próximos, e a algazarra da horda goblin

também não está tão distante. Lodwein corre e fica ao lado de Mowilla. – Está bem Mowilla? - Aflito preocupa-se

com ela, sem saber o que fazer.

- Minha perna dói, mas estou bem. – Ela simula uma tranquilidade. Mas a respiração forte e a expressão de medo nos olhos é muito notável.

Um anão passa ao lado deles, a procura de reforços para a porta. – Estamos sendo encurralados aqui.

Outro soldado acrescenta. – Precisamos de ajuda. Um milagre talvez. Isso toca Lodwein, que ouvindo essas palavras, e vendo Mowilla naquela situação tão

triste, machucada e assustada, sente que deveria tomar uma atitude. É quando uma ideia surge na cabeça do rapaz, e ele pensa sobre algo que até então não

havia feito. Foi como se alguém tivesse lhe sussurrado aos ouvidos a ideia. Pondo a mão em sua mochila, sente o misterioso artefato dado por seu mestre Todyeld, nos últimos instantes que estiveram juntos: O livro do Mago Inglorth.

Ele então afasta-se de todos, deixando a princesa ali com Delvokke, Belgar, Goard e os outros soldados no combate.

Por algum estranho motivo, de repente, lhe veio à mente o desejo de ler aquele livro, que por toda a aventura tinha escondido, e poucas vezes, enquanto mexia em sua mochila, o vira, ignorando-o. Algo lhe diz que encontraria resposta aos seus problemas nele.

Mais uns goblins chegam e batem na porta. A gritaria anuncia que a horda goblin ia chegar em breve.

Capítulo XVI: As cento e cinquenta marcas de Laintlil

Quando Lodwein era menor, certa vez, enquanto vagava pelos corredores da

fortaleza dos saberes, viu Todyeld espreitando-se e indo em direção a uma sala escondida. Como o castelo era imenso, Lodwein não havia, de fato, visitado todos os quartos dele, e um desses, que era mais isolado e em meio a um distante corredor subterrâneo, vivia sempre trancado, somente Tody tinha a chave. E o rapaz descobriu visitas sigilosas do seu mestre a este lugar. Seguindo, furtivo, os passos do velho barrigudo, e achando uma forma de ver o que ele fazia lá dentro, Lodwein desvendou o mistério sobre os atos secretos, para fúria de seu mestre. Por fim, Todyeld confirmou que passava horas e horas lendo um velho livro em Niênico, uma língua antiga e poderosíssima. Contudo, ninguém deveria saber disso, ele lhe ordenou. E de tanto insistir, Todyeld contou mais sobre o assunto a Lodwein. Mais pedidos o rapaz o fez, querendo ainda também saber sobre aquela língua, Niênico. Até que Tody viu aquilo, talvez, ser um sinal. Quem sabe Lodwein deveria ser o próximo tradutor do livro, e um falador do idioma Niênico. Por isso, tomou, desde então, o jovem como seu aprendiz, passando a lhe dar as Aulas do livro.

Lodwein entra depressa na torre que há dentro do velho forte do vale Hiel. Lá dentro

há uma sala redonda e uma escada em espiral levando para o alto, anões sobem e descem-na a todo instante. Mesmo não encontrando um lugar, por completo, isolado, percebendo, todavia, não estar sendo notado por ninguém, o rapaz toma coragem e retira da mochila aquele artefato envolto em panos, entregue por Todyeld. Retirando os tecidos ele tem em suas mãos o precioso livro do Mago Inglorth. É a primeira vez que Lodwein está frente a frente com esse item arcaico sem a supervisão de seu mestre. Isso o faz sentir-se um pouco amedrontado.

Assustado pela imensa responsabilidade, o jovem fecha os olhos e abre o livro numa página qualquer, algo aleatório. Cai bem no lugar onde se fala sobre guerra. Isso deixa Lodwein contente. Ele começa a ler e a procurar por algo útil para a situação deles. Nessa busca, acha muitas folhas descrevendo sobre Laintlil, a guerreira que deu início àquilo que por fim criou Kahvian. E há também a descrição de um ato de afeição e de imploração a Laintlil. Na descrição diz-se que este ato a Laintlil é decisivo na luta contra o mal, e de poder incomparável se fosse feito com temor e concentração; derrota certa dos inimigos. No topo da página está escrito o nome deste ato: As cento e cinquenta marcas de Laintlil. Os olhos de Lodwein brilham ao ler isso.

Contudo, nessa hora, Delvokke lá fora, começava a mexer no ferimento da perna de sua irmã, tentando retirar a flecha fincada nela, e Mowilla grita de dor.

No mesmo instante, Lodwein espanta-se e recorda do maior motivo que o levou a investigar o livro: A procura de uma ajuda para a elfa. Por isso ele desesperado vira as páginas, e ainda dentro do capítulo de guerra, encontra uma ilustração de uma perfuração por flecha. Espanta-se por cair justamente naquela página, não acredita ser mera coincidência. Do lado

da imagem havia um texto em Niênico, ele lê e o decora, fecha o livro, o envolve nos panos, guarda-o na mochila e corre para a moça.

Enquanto isso, Delvokke num canto mais afastado e seguro do lado de dentro do forte, próximo à fogueira, busca ter o maior cuidado ao desenrolar as faixas ensopadas de sangue utilizadas para imobilizar a seta na perna de sua irmã. A princesa segura o pranto, e consegue conter apenas o escândalo, mas as lágrimas correm-lhe sem parar. Recordando-se de seus conhecimentos básicos de curandeiro, o elfo paladino tem a sua mão esquerda a segurar o local do ferimento e a outra a flecha.

É quando chega Lodwein, de olhar fixo na elfa, e muito concentrado. Aproximando-se deles, sem fitar mais nada além da ferida nela, o rapaz ajoelha-se ao lado e toma uma atitude que, a princípio, até mesmo Delvokke estranha. Lodwein estende seus braços e agarra firme as mãos de Delvokke que estão a segurar a perna de Mowilla e a flecha, e então tenta forçar para tirar o objeto perfurador. O irmão dela não ia permitir isso, inclusive protestaria, contudo quando o rapaz começa a dizer palavras numa língua familiar ao elfo, ele cala-se e deixa-se ser manipulado pelo jovem.

Gëh’ve, Gorhmo inlimar Bluns, Fliord Omilfes ut wiolhar

Fluitas deêlgo, Ward êlgoar. Linch ut gorh, imdullot corhmar dirfar.

Volhade kanir ênil, leunnut flefar. E ao terminar de dizer essas palavras, Lodwein puxa a mão de Delvokke, e a flecha

desliza para fora do ferimento sem fazê-la sofrer, mesmo possuindo pontas contrárias, as quais tornavam impossível a retirada da seta sem aumentar, em muito, a área de dano.

– Isso é Niênico! – Espanta-se Delvokke. Depressa pega umas ervas que estava preparando, põe sobre o ferimento e enrola a perna dela em faixas limpas. Entretanto, isso nem mesmo era necessário, o sangue tinha estancado e a princesa não sentia mais dores. – Suas palavras transformaram a flecha num objeto flexível e leve como uma pena! Quem lhe ensinou Niênico? Foi Todyeld?

- Sim. – Responde o rapaz um pouco receoso, não devia estar contando lhe isso. Seu mestre tinha lhe pedido para nunca falar nem do Niênico e nem do livro do Mago Inglorth a ninguém. E com isso, o rapaz se recorda do que leu a mais no livro e indaga ansioso. – Delvokke, diga-me. O que sabe sobre as cento e cinquenta marcas de Laintlil?

- Como conhece isso? Foi também seu mestre quem lhe disse sobre isso? – Cada vez mais o irmão de Mowilla surpreende-se, assustado com o que Lodwein tinha conhecimento.

- Eu li certa vez num livro, e lá dizia que isso era um ato de afeto e compromisso a Laintlil, o qual é muito útil em guerra. – Afirma o jovem.

- Sim, Laintlil é nossa protetora, e o ato das cento e cinquenta marcas é algo muito maior que apenas um afeto. É uma tradição antiga ensinada a todos nós por Kahvian. Os benefícios trazidos por este ato são inúmeros. Sem dúvida você deveria fazê-lo. Arrisco dizer ser exatamente isso que estamos precisando neste momento... – Mas Delvokke é interrompido.

Escutam então os gritos dos guerreiros anões vindo da frente do forte. – Investida goblin! Quatro dezenas deles! Ogwurs, hugwurs. Nenhum bowur! Defendam o forte!

Como sua irmã já apresenta-se bem melhor, o elfo paladino decide ir embora. – Mowilla não precisa mais de meus cuidados. Lodwein pode protegê-la. Vou ir lutar pelo forte. Eles precisam da minha ajuda. Fiquem em paz. – Dizendo isso, sai a correr.

- Delvokke! Espere! – Lodwein o persegue. – E quanto às cento e cinquenta marcas de Laintlil? Ensine-me como se faz, para que enquanto vocês lutam eu possa realizá-lo.

Mas, ainda correndo, sem cessar o passo, se vai para o combate. – É bem simples. Mowilla sabe como é, pergunte a ela e façam vocês dois juntos o ato das cento e cinquenta marcas de Laintlil. Dentro da torre vão encontrar o que precisam. Até breve. – Num salto extraordinário, sobe para o alto da torre e de lá toma uma lança e arremessa, pega umas flechas n’aljava e dispara. Berros monstruosos de morte são escutados do outro lado.

O sol começa a cair no oeste e o céu fica mais alaranjado. Lodwein corre de novo para a elfa. – Você sabe como fazer as cento e cinquenta

marcas de Laintlil? Agora, bem calma e já não mais sentindo tanta dor, ela explica. – Sim, é de fato, muito

simples. Precisamos de tinta para gravar em lugares visíveis cento e cinquenta vezes a letra élfica “L” de Laintlil. E para cada marca recita-se uma vez o poema de Laintlil em Alto-élfico, e enquanto isso, deve-se estar relembrando os admiráveis feitos e acontecimentos da Grande Guerra, já que foi ela quem deu início a este importante combate, tão decisivo para todos nós.

- Entendi. – Afirma o rapaz, pensativo. – Mas e como é este poema? E Mowilla responde-lhe.

Te’Laintlil, bulvo Ohërus, Geh’vë Malvilelo mah’qe’vuda Soopalo, Blamna La’poh’Ohërusi’lil, Gihë Haudokakketo Flustielo dlea Vuda.

Gihë Laintlil, Bramna Haudokakketo, Wolditoelo gauva Gorheqe, Mlaä ibi dol Daskolel.

Lodwein admira-se. É um poema muito bonito de se ouvir e parece expressar algo

muito especial. – É lindo! - Sim, é o meu favorito. – Replica a princesa tentando se levantar, testando a força da

perna. Depressa, o rapaz estende a mão para que ela se apoie nele. A princesa consegue se mover com tranquilidade, apenas manca um pouco. – Agora precisamos encontrar tinta, ou algo que possa servir como isso, para podermos fazer as marcas.

- Seu irmão me disse, enquanto corria, para procurarmos dentro da torre, pois lá encontraríamos o que precisamos. Talvez seja sobre isso que ele dizia.

- Tem razão. Vamos até lá. Enquanto eles adentram a torre de três andares, o combate contra os goblins fica cada

vez mais intenso. Muitos gritos dos combatentes e flechas perdidas cortando o ar. Ao cruzarem a porta do alto edifício circular, encontram um baú lá dentro num canto. Eles entreolham-se e acham estranho a presença daquilo ali. Contudo, correm e o abrem. Encontram umas garrafas.

- Cerveja, vinhos e outras bebidas fortes. São inúteis! – Mowilla comenta. - Talvez não tão inúteis assim. – Acrescenta o inteligente conhecedor, abrindo sua

casaca e metendo a mão dentro desta, puxa dois frascos daqueles mesmos que utilizou contra os wircks, naquela noite do bosque das raposas. Misturando-os, e acrescentando duas gotas de um terceiro outro produto de um vidro seu, derramando tudo isso dentro duma garrafa de bebida encontrada no baú, faz uma substância densa de pigmentação ciana. – Isso vai servir como tinta na parede. Mas não podemos deixar isso cair na nossa pele.

Mowilla sorri. - Depressa! Vamos! – A elfa corre até o muro mais afastado do forte, e, à sombra dum alto arbusto espinhoso, junto a Lodwein, que a seguia com rapidez, preparam-se para começar.

- Tente pronunciar logo depois de mim o poema, e lembre-se de meditar sobre os acontecimentos da Grande Guerra. – Lhe explica a elfa. – Pelo o que aprendi, as marcas tem de ser visíveis, então faça-as grande. – Um pouco receosa, respira fundo. – Comecemos então.

Com isso, Lodwein vira a garrafa numa tira de pano improvisada como pincel, e começa a desenhar na parede, enquanto que Mowilla pronuncia de olhos fechados o poema, pausadamente, para que o rapaz a acompanhe. Ao terminarem de desenhar a letra, e terem dito a ultima palavra do poema, “Daskolel”, a letra “L” em élfico na parede, de dimensão pouco menor que a de um homem, incandesce-se com uma luz azul, muito agradável de se ver e estar próximo.

No mesmo instante, entreolham-se espantados. O desenho de tinta ciano o qual haviam feito na parede como que se inflamou de luminosidade bem diante dos olhos deles. Isso significa que algo especial estava acontecendo. Por isso, depressa, cheios de alegria e ânimo, sorridentes, continuam a fazer as outras cento e quarenta e nove marcas restantes.

(Imagem da letra “L” em élfico) Mas, assim que iniciam a segunda marca na parede interna do forte, uma horda goblin

ainda mais furiosa e numerosa chega aos portões, prontos para o combate. A moça e o rapaz entendem a responsabilidade deles em concluir logo aquele ato, viram-se e continuam.

Todavia são muitos goblins. Pouco menos de uma centena deles, ali, do lado de fora. E não cessam de chegar. Lodwein fica com medo, e pensa em parar para ir ajudar, no entanto, ao ver a pequena Mowilla, tão linda ao seu lado, a recitar o poema, de olhinhos fechados, em profunda concentração, ele percebe que o que faziam também é importante. Tanto quanto os feitos dos outros guerreiros.

E, assim como a elfa tinha lhe recomendado, ia pensando sobre os fatos da Grande

Guerra, os quais se lembra. Histórias lidas nos livros, dizendo da alegria do primeiro encontro com Ëllui como Excelente Guerreiro e do início do combate contra o mal. E naquela repetição do poema, acompanhada do esfregar do pano com tinta na parede, cria-se um agradável ritmo, quase melódico, e muito propício para reflexões. Isto leva Lodwein a sentir-se bem.

Ele não é o único a receber algo bom em decorrência daquilo. Os soldados anões e os paladinos também ficam muito alegres. Por algum motivo, tornam-se invencíveis no combate e derrotam com facilidade e notável habilidade aquelas monstruosidades malignas as quais

acometem-se contra o forte, arremessando paus e pedras, flechas; tentando escalar com troncos e cordas e forçando a porta com aríetes improvisados.

Até que algo ruim acontece: A tinta da garrafa acaba bem quando haviam completado

um terço das cento e cinquenta marcas. E, nos breves instantes que suspenderam o ritmo da recitação do poema, espantados e pensando como deveriam proceder agora, os seus amigos guerreiros gritam desesperados, algo tinha acontecido no combate deles. Talvez, tivessem recebido algum dano trágico. Mowilla e Lodwein pensam em voltar lá dentro para fazer mais tinta. Contudo, ao ouvirem os gritos dos combatentes seus amigos, tentam achar depressa algo mais fácil.

Ambos avistam uma fogueira velha, com tocos de carvão. Lodwein corre para lá, cata o que consegue e com velocidade volta para a parede. Mowilla faz feição de reprovação, não acha que vai dar certo. Entretanto, ao desenharem aquele outro “L” em carvão, e falarem as palavras, o símbolo incandesce-se novamente, mas não como antes. O fogo é avermelhado. Lodwein e Mowilla fitam o carvão, e tem dúvidas se isso estaria correto. Mas os guerreiros voltam a jubilar, lá do outro lado, então talvez não estivesse tão errado assim. E eles continuam a fazer as marcas, porém agora, avermelhadas. Esse fato afetou nas reflexões feitas por eles, que tornam-se mais tristes, e, dessa forma, recordam dos fatos trágicos da Grande Guerra, como a emboscada feita a Ëllui como Excelente Guerreiro.

Mesmo vencendo no combate, não queria isso dizer que os guerreiros anões e

paladinos o faziam com tão imensa tranquilidade que poderiam, por assim dizer, continuar naquele ritmo por muito mais tempo, pois isso não seria possível. Suas mais efetivas armas, as flechas e lanças, começam a acabar, mesmo tendo eles trazido pesos e mais pesos delas, em seus pôneis, os quais amontoam-se num canto do forte. Aqueles animais estão acostumados a situações de guerra, e sabem como comportar-se diante delas.

Eis que então naqueles instantes começa o crepúsculo, este fantástico momento, onde o dia e a noite unem-se num clima de tristeza e alegria, junto a incerteza e certo receio do breu que anuncia-se vir para dominar os céus.

Até que os wircks chegam furiosos, saltando bem alto nos muros, escalando-os com

suas garras compridas. Mas são golpeados com violência pelos anões e paladinos para longe. E, enquanto isso, os jovens continuam a fazer as marcas.

Dado momento, Oldirk passa por eles correndo, leva feixes de flecha nas mãos, e percebendo que os dois fazem algo de especial, ele para seu passo e os observa. Por fim, entende do que se trata, dá uns risinhos e fala-lhes. – Muito bem, meus amigos! Agora entendi porque estamos ganhando daquele exército ali fora sem nenhum morto até agora, como que por milagre! Continuem a fazer o ato das cento e cinquenta marcas de Laintlil, por favor! É o que mais estamos precisando nesse momento!

Eles sorriem e não cessam de refletir sobre a Grande Guerra, e desenhar enquanto falam em élfico.

Anões então gritam do alto da torre, assim como uns outros no corredor sobre o muro,

avisando um grande perigo. Muitos soldados correm na direção do portão todo calçado com reforços, e exprimem-se, fazendo força contra a entrada com os ombros.

Um instante de silêncio domina aquela região. E uma única voz interrompe a quietude toda. - Cuidado! Bowur! – Grita Oldirk saltando de cima do muro. Logo depois um imenso estrondo duma forte pancada é ecoado por todo o forte. Encontram-se, mais uma vez, lutando contra aqueles monstros gigantescos. Estas

bestas terríveis desferem golpes brutais, socos de aríete e chutes abaladores, contra a única entrada de madeira do local, assim como nas paredes de pedra do velho forte do vale Hiel causando enorme pavor nos desprotegidos defensores deste, e danos notáveis, crateras e rachaduras por todo lado, à pequena fortaleza. Os goblins menores, hugwurs e ogwurs, também os wircks, afastam-se para contemplar a destruição daquela base bélica a qual há tanto tempo estão a atacar.

Lodwein e Mowilla, percebendo a situação atrás deles piorar, intensificam na concentração e aumentam a velocidade. Porém, o carvão está acabando, e já tinham recolhido tudo quanto havia na fogueira.

Delvokke e Belgar conhecem a técnica para matar Bowurs, por isso, depressa pegam as mais resistentes e afiadas lanças e arremessam várias delas transversalmente no pescoço das criaturas. Conseguem derrotar uns cinco deles, Belgar três, Delvokke dois, até que esgotam as armas, e sobram uns três insistentes monstros a investir contra o portão que se mostra mais resistente do que aparentou a princípio. Os outros goblins iniciam uma retaguarda assídua a favor dos Bowurs, e eles não conseguem atirar flechas nos grandalhões bestiais, impossível detê-los. Aberturas e rachaduras surgem na porta, já veem as caras horrendas dos gigantes destruidores, goblins gargalham ali fora.

Contudo, ao Lodwein e Mowilla terminarem de fazer dois terços das cento e cinquenta marcas, concluindo as palavras e esfregando na parede as últimas lasquinhas de carvão para com isso, fazer incandescer a letra “L”, tudo se cala.

Um tremor assustador vindo do chão retumba em toda aquela região, vinha do sudoeste, crescendo cada vez mais. Eram passos. Pisadas dum exército furioso aproximando-se deles. Os goblins não esperavam reforços do sudoeste, muito menos os anões, então ambos os lados do combate preparam-se incertos e duvidosos.

A elfa e o rapaz ignoram isso, e correm a procura de algo para servir como tinta, estão próximo de concluírem. Em silêncio, para não perderem o foco, voltam para a torre, e querem tentar mais uma vez aquele procedimento que fizeram, na primeira vez, de criar tinta. No baú havia acabado a bebida utilizada na última mistura, a qual não possuía pigmento nenhum, mas dessa vez, há somente vinho e cerveja. Lodwein abre as garrafas de vinho, retira os mesmos fracos de antes, porém acrescenta medidas diferentes, pega outros vidros, entre eles um elixir da saúde, e despeja na combinação também. A cor fica bem escura, um pouco

esverdeada. Nesse instante, uma algazarra explode lá fora dos muros, muita gritaria e movimentação. Os dois não perdem o foco e retornam a fazer os símbolos.

Surge então, por entre o arvoredo do vale-bosque, uma manada de javalis selvagens.

Irritados acometem-se violentos por sobre tudo que está do lado de fora dos muros do forte. Os Bowurs tentam resistir, golpeando-os, contudo o número deles é muito grande, e tinham notável força, fazendo até os grandões fugirem. Hugwurs e ogwurs, desesperados, partem embora. Uns poucos tolos tentam escalar as árvores, porém, como os javalis vêm depressa e chocam-se contra elas, eles derrubam tudo quanto pendurava-se, jogando dessa forma os monstros indefesos no chão para serem pisoteados e arrastados para longe pela ira dos javalis.

Jubilam com isso, os paladinos, felizes pela aparente derrota dos seus inimigos. E eis que, dentre o mar dos animais selvagens, aproxima-se um ser montado sobre um

javali que não é apenas um simples porco negro habitante dos campos, sua estatura é enorme, assim como seus chifres pontudos e brancos, é o rei dos javalis selvagens das pradarias a leste de Kais-Fuor, um famoso animal o qual rege uma manada de porcos ferinos destruidores de cidades e plantações. É procurado por todos os anões fazendeiros, pagariam centenas de pesos em ouro pela cabeça dele. E, para a maior admiração de todos, o ser montado nele, é um anão. Este ser, também nervoso, grita injúrias contra os goblins, expulsando-os para longe.

Correndo em meio à poeira erguida do chão devido à passagem avassaladora, vem se aproximando o anão. Identificam alguma semelhança com uma voz conhecida naquele grito de ameaça do anão tão valente que conseguiu domar o rei javali. E quanto mais chega próximo, mais dúvidas se fazem na cabeça deles, pois conhecem aquela voz.

Oldirk é o primeiro a gargalhar, a rir com gosto mesmo, e berrar. – Noig! Está louco, meu amigo?! Usou da sua fúria lendária mais uma vez, como naqueles tempos em Farkweld?

De fato, é Noig, o anão amigo deles, que havia os deixado em Kais-Obîrg, quem apresenta-se como o domador da manada.

- Ouvi dizer que uma horda goblin estava os perseguindo, e decidi para ajudar voltar! – Grita o pequeno em resposta, correndo na direção deles.

Todos admiram-se pela coragem dele e perplexos não conseguem acreditar na tranquilidade com que dizia ter voltado para ajudar, sendo que, na verdade, havia trago uma manada inteira de criaturas campestres como auxílio, não só ajudando-os, mas garantindo-lhes a segurança do forte, e as suas vidas.

- Joguem-me uma corda, por favor! – Pede Noig. Depressa, querem todos acudir aquele tão incrível guerreiro, e lhe lançam algo para

puxá-lo, honrados por isso. Muito cansado, suado e ferido, as roupas rasgadas e de aparência selvagem, Noig vai subindo o muro do forte. Enquanto ele o faz, vira-se para a fera que usou como montaria, e despede-se desta. – Adeus, rei javali. Desejo-lhe paz, forte animal, e agradeço você para sempre por ter me auxiliado a ajudar os meus amigos.

Assim que Lodwein e Mowilla completam o ato para se fazer uma marca de Laintlil

com a nova mistura feita pelo rapaz, surpreendem-se, pois a luminosidade desta vez é

dourada. Muito mais potente e notável. E, isso novamente, influencia na maneira como refletem. Agora, lembram-se dos fatos após a Grande Guerra, e as maravilhas que Hamonfing recebeu graças ao valioso e precioso combate. Os dois já tinham adquirido prática, e aumentam um pouco a velocidade com a qual iam fazendo as marcas.

Para os anões e paladinos lá do outro lado, na frente do forte, Noig é a grande graça.

Ele bate no peito e brada, sorrindo e encenando uma ira contra os goblins e todas as criaturas perversas de Nelwár.

- De fato, caro amigo anão, sua fúria já era, e continuará sendo sempre, lendária. – Afirma Delvokke.

A manada de javalis agora começa a sumir, e Oldirk indaga abismado. – Ora Noig! Como isso é possível? Diga-nos como fez isso tudo? – É a dúvida de todos.

Noig é um anão humilde, de família simples de pobres mercadores não muito bem sucedidos, mas de corações duma nobreza e mansidão incomparável. Contudo, não podia ficar furioso, pois se isso acontecesse, tornava-se um bruto incontrolável, chegando quase a níveis fantásticos. Porém, naqueles últimos anos, onde dedicou-se a boas meditações, somente duas coisas eram capazes de irritá-lo: Por primeiro, injustiças contra a verdade, maldades contra Kahvian, e por segundo, a simples menção de que houvesse um amigo seu padecendo uma ameaça de perigo.

Por isso então, ele agora mais tranquilizado, pois vê todos seus amigos ali e, apesar de tudo, em segurança, explica-lhes como tudo aconteceu. – Bem, meus amigos, é uma complicada história esta. Estava eu em Kais-Obîrg quando ouvi comentários afirmando goblins marcharem ao norte das terras anãs, rumando o leste, e eu, óbvio, procurei saber quantas equipes de caçada para combatê-los já tinham sido enviadas. Afinal, pensei comigo, esses goblins estarem perseguindo vocês. E para minha fúria, descobri os chefes de Kais-Obîrg nada terem enviado, e nem mesmo planos disso ter. Minha raiva começou aqui. Mas não foi somente isso. Pois, descobri o rei anão Luidúk ter declarado não concordar com o esvaziamento de Peleja-nova, e os retirantes que fugiram abandando a cidade, estarem sem autorização a refugiarem-se em Kais-Obîrg. Aqui também está minha ainda mais raiva. Por fim, tomei um pônei como montaria e corri na direção de vocês, para, mesmo que sozinho, ajudá-los, não os abandonar. Todavia, no meio do caminho, fui atacado por uma manada de javalis selvagens. E, nisso, meu pônei saltou, me jogando para fora dele e, me traindo, fugiu de volta assustado para Kais-Obîrg. Aqui sim minha raiva foi plena, minha própria montaria me traiu! Muito furioso eu estava e sabia do perigo que vocês corriam. Parti então na direção da manada e enfrentei o líder deles, o rei javali. Somente liberando toda minha fúria consegui domar o javali, segurando-o pelos chifres e depois imobilizando-o até ele perder todas suas forças. Depois nós descansamos juntos e ganhei o respeito dele. E usei-o como montaria.

(Imagem da cena do combate entre Noig e o rei javali) De queixos caídos ouviam a história, e somente acreditam nela, porque todos tinham

bem visto o rei javali submisso ao anão. - És duma força heroica, grão Noig, o domador do rei javali. – Admira-se Delvokke.

Amontoam-se os soldados ao redor, concordando, sem dúvida, com qualquer elogio dado a ele.

Nos primeiros instantes daquela noite, o céu ainda não estava tão escuro, entretanto, o

tempo parecia estranho, e nuvens incomuns surgem no oeste. A alegria some do rosto deles quando algo acontece, paralisando-os. O vestígio de um

terrível grito é escutado, vindo do muito distante, ecoando a partir do céu. Há uma profunda perversidade naquele som. Todos amedrontam-se, sentem como uma forte batida no peito, como se aquilo tivesse esmagado a existência deles nos instantes os quais o ouvem.

Até mesmo Lodwein e Mowilla cessam por uns instantes de fazer as marcas. Reconhecem aquele sentimento, é o mesmo daquela noite no castelo.

Delvokke, Belgar, Oldirk e Noig fitam-se assustados. - Temos de fugir daqui. – Belgar é quem sussurra. Um funesto silêncio domina todo o vale-bosque depois do estranho grito, até que, bem

longe, uivos e latidos dos wircks novamente são audíveis. E não demora muito, também goblins se aproximam fazendo barulho, irados e desejosos de luta.

- Temos de fugir daqui! – Delvokke anuncia em brados para todos. - Tirem os calços do portão! Aprontem os pôneis! O forte não é mais um lugar seguro!

– Goard ordena seu pelotão. – Aprontem-se para partir! Mas Lodwein e Mowilla não cessam de fazer as marcas, e continuam, aumentando a

velocidade ao desenharem, e recitando com mais rapidez e medo, intensificando a concentração na reflexão dos fatos da Grande Guerra.

Delvokke e Belgar, já preparados sobre seus cavalos, aproximam-se deles e os ordenam. – Vamos embora! Os anões já estão abrindo os portões, vamos depressa!

E é verdade. Ao abrir da porta, já acontece combate, uns pequenos goblins lutam contra anões.

- E quanto às cento e cinquenta marcas de Laintlil? Ainda não terminamos! – Eles questionam abismados, inclusive quebrando o ritmo silencioso, o qual tinham mantido todo o tempo.

Nem Delvokke nem Belgar falam algo. Somente os fitam também indecisos. Mowilla e Lodwein percebem que é mesmo perigoso continuar e guardam depressa a

tinta na mochila. Lodwein monta em Focinho, assustado, e Mowilla sobe junto a seu irmão. Haviam feito no total cento e quarenta e cinco marcas. Para, mais uma vez atemorizá-los, provando-lhes a coragem ao extremo, o grito é

escutado de novo, agora muito mais próximo. Todos olham para o céu e veem uma nuvem negra voando com rapidez na direção deles. Os que viram os fatos temíveis da fortaleza dos saberes encontram muitas semelhanças nessas nuvens com as daquela noite. E, assim como da última vez, após o berro terrífico, vem o silêncio mortal.

Belgar interrompe a calada, erguendo seu cavalo no alto, seu falcão pairando no ar ao seu lado, e sai correndo a frente do grupo. – Fujamos!

Cruzam então o portão do velho forte do vale Hiel, matando os poucos goblins a os ameaçar e adentram a floresta em desespero, no rumo contrário da terrível veloz nuvem negra, fugindo assim em direção à Beföllia, a floresta élfica. Sete anões do grupo tinham sido feridos com muita gravidade e se não recebessem os cuidados de mãos realmente muito habilidosas, é provável que daqui a algumas horas morressem. Todos sofreram danos consideráveis e sangram.

No decorrer do caminho, uns monstros aparecem. Eles acertam neles as últimas flechas e os golpeiam quando podem. Ignorando-os, iam cada vez mais depressa, através das árvores, em anseio por sair logo do sombrio bosque.

Intensifica-se o escuro da noite e o terror os domina com facilidade. Mowilla e Lodwein passam a ter os mesmo sentimentos daquela noite do castelo, assim

como todos os outros. A bruxa Gárhita os persegue, e em breve os alcançaria.

Capítulo XXVII: O vermelho da estação

No caminho, em sua fuga desesperada, eles ouvem movimentos e passos atrás e ao

redor na floresta enquanto seguem em grande velocidade para Beföllia. Estão esgotados, nos limites das suas forças, cansados como um cachorro; em disparada, vão cortando o bosque na velha estrada a qual encontraram.

Os dois jovens não desistem da ideia das cento e cinquenta marcas de Laintlil, sabem que vai dá certo.

- Vamos continuar, ou não? – Pergunta Mowilla de cima da montaria do seu irmão, assim que Lodwein se aproxima, galopando em Focinho.

- Nós deveríamos. Porém, não é possível pararmos para fazer isso. – Retruca ele quando chegam a uma parte mais plana do caminho.

Mowilla pensa um pouco consigo, antes de dizer. – Talvez não seja necessário fazer a marca numa parede.

Olhando para frente, o rapaz segura firme as rédeas de seu burrinho, pois logo adiante uns goblins surgem, contudo os anões já resolvem a questão. – Talvez... Talvez seja verdade. No entanto, onde mais poderíamos pintar as marcas?

Segurando-se ao cavalo de Delvokke, e testando a segurança, ela aos poucos estende o braço na direção do moço. – Me dê a tinta!

Ele desvia dos corpos dos monstros derrotados a momentos antes, joga a mochila para o lado do corpo, e com uma mão, pega a garrafa tampada com o pano, o qual utilizavam como pincel, enrolado e servindo de rolha. Entrega à princesa.

Com muito esforço ela alcança o vidro, Delvokke a firma de volta na montaria, manda-a tomar cuidado. Seu irmão está tão preocupado com a nuvem negra a os perseguir, que nem nota o que a elfa faz. Mowilla destampa o frasco de vinho modificado e, enquanto vai sobre o cavalo, estica seu vestido e pinta nele a letra “L” do busto até baixo. Após isso, ela fecha os olhos e começa a recitar o poema. Lodwein percebe isso, e acompanha com a voz.

Ao terminarem de falar, a marca fulgura dourada, da mesma forma que na parede, porém, dessa vez na roupa.

- Você é genial, Mowilla! – Lodwein se alegra. – De fato, acho que você não faz ideia do quanto é genial!

Ele estende o braço e passam a garrafa. O jovem abotoa a casaca da indumentária dos conhecedores, a qual utilizava desde Kais-Obîrg, e desenha também em sua veste com a tinta. Focinho tem de cavalgar mais devagar para ele conseguir fazer isso.

E, assim que passam do breve combate de espadas e tiros, e depois, por terem julgado ser uma melhor opção, saírem da estrada e cruzarem por entre os ciprestes, os dois tem chance de dizer as palavras em élfico, para com isso fazer brilhar, mais uma vez, a letra “L”.

É bem quando a centésima quadragésima sétima marca ilumina-se que os cavalheiros conseguem sair, finalmente, do vale-bosque e avistam a frente deles a longa estepe de Beföllia, elevando-se até os pés das enormes sequoias élficas.

Por algum estranho motivo, tudo se cala. As gritarias dos goblins, os uivos dos wircks, as batidas de espadas e sons de flechadas, tudo desaparece, fazendo-os ouvir apenas o trotar de suas próprias montarias sobre a longa colina.

- Desistiram de nos perseguir! – Uns anões comentam felizes. - É verdade! Eles têm medo de entrar nas terras élficas. – Outros ainda dizem. - Estamos salvos! – Comemoram. Porém, Delvokke não concorda nenhum pouco com isso. E muito pelo contrário,

desespera-se ao perceber o silêncio. – Não, soldados anões! Não estamos salvos. Corremos imenso perigo! Corram! Forcem seus pôneis a andar o mais rápido que jamais conseguiram!

Espantados em escutar isso, todos aceleram o passo e assim vão subindo a leve, mas longa, colina.

Avistam uma pequena estrada, um trilho marcado entre as gramíneas, e o seguem. O elfo do grupo vira-se e vê a nuvem negra, ainda se aproximando deles. – Depressa!

Depressa! Vamos! – Berra a eles, ecoando sua voz na calada noturna. De repente, latidos se aproximam por trás, eles se voltam e veem três lobos gigantes

correndo em altíssima velocidade na direção deles. Saltam do vale-bosque a os perseguir. São de uma raça diferente, são avermelhados como raposas e muito mais velozes, astutos e coléricos.

- Cuidado! Wuaks! – Goard, o capitão anão, bem conhece aquela outra raça de wirck, chamada Wuak, e alerta ao pelotão. Sabe como aqueles lobos pulam alto e avançam sem medo algum.

Em instantes, os três wuaks os cercam e saltam neles, destruindo a formação do grupo, fazendo pôneis e anões caírem rolando no chão.

Delvokke larga Mowilla com Lodwein e se volta depressa para ajudar os outros. Um wuak havia capturado um anão e o sacudia na boca. Os outros dois lobos

dilaceram montarias caídas, enquanto dão patadas contra quem se aproxima. Ao verem o soldado sendo comido vivo, desesperam-se, pois o anão é Doyr, aquele mesmo guerreiro de barba ruiva que havia declarado sua lealdade a Goard quando os anões pensavam em abandonar os elfos e paladinos na fronteira das terras anãs. Por isso, mais que depressa todos vão ajudar. Seus gritos de dor são pavorosos. Lodwein e Mowilla ficam juntos, afastados do conflito, com medo e sem saber o que fazer.

Vendo sua casaca brilhando pela letra “L” desenhada, o jovem tem uma ideia e enfia a mão por cima da roupa, puxa para fora o pingente ganhado de Leillindor, na noite do banquete na fortaleza dos saberes. – Vamos recitar o poema! – Ele pede.

E juntos dizem mais uma vez as frases. Com muita força, Lodwein aperta o presente do rei élfico em suas mãos e fecha bem os olhos. Ao concluírem, a letra “L” do pingente fulgura forte.

Abrem os olhos e o combate contra os wuaks ainda está sendo muito violento. Apertando firme o brilho entre as palmas, Lodwein, fixa sua mente na luta à sua frente, implora por ajuda.

É quando ele ouve, lá no fundo de sua mente, uma voz amiga, de alguém que muito desejava auxiliá-lo, dizendo-lhe palavras em Niênico. O rapaz as repete baixinho.

Undônerun qus Doryos Nesril Hrar Els.

No mesmo instante, as espadas dos paladinos e dos anões brilham com uma luz igual a

das marcas de Laintlil, e eles partem à luta contra os wuaks, cheios dum novo ânimo, e em poucos golpes os matam.

Espantam-se com aquilo e, admirados, observam suas lâminas enquanto elas perdem o especial fulgor dourado momentâneo.

- Não temos tempo! Depressa! Vamos! – Delvokke grita. E eles montam nos pôneis restantes, carregam Doyr com seus ossos quebrados e carne

exposta, assim como os outros feridos, e o mais rápido possível, seguem subindo rumo a, cada vez menos distante, Beföllia e o suposto final daquela etapa da jornada.

Notam então um estranho fato. Muitos goblins correm bem longe, na mesma direção, dos dois lados deles, no entanto, sem se aproximar. Como se as criaturas malditas estivessem prontas para o ataque, entretanto, tivessem receio de o fazer.

Eis que então os próprios monstros que os perseguiam, ali nas proximidades, soltam

guinchos de susto e temor, fugindo desorientados de volta para a floresta. São os mesmos temíveis wircks, hugwurs e ogwurs evadindo-se em berros de pânico.

Logo às costas deles, sibila o grito agudo e pavoroso, já escutado por eles, duas infelizes vezes, mas agora, é tão próximo quanto é terrível.

Toda aquela região em que se encontram escurece-se ainda mais, e a vida esvaece-se. Sentem uma forte tensão no peito, como se estivessem sendo esmagados, parecia que uma mão perversa havia atravessado o busto deles e brincava agora com o coração e outros órgãos internos deles. Brumas e desordem enche-lhes a mente, agonia a enraizar-se por todo o corpo.

Gárhita chegou. Cessam o passo. Voltam-se para trás. Surge das densas nuvens negras, uma revoada de

morcegos de todos os tamanhos. Uns são gigantes. Porém um, é o maior de todos. Escuro, e de asas enormes como mãos compridas a se encolher e abrir-se, que tampavam o restante da luz do luar. Peludo, de cara escrupulosa. Maior que o dobro da copa das, realmente, grandes árvores. Ózuth-Ashgk, o terror dos céus, é seu nome. E, montada nessa besta monstruosa, alguém está.

Salta das costas do bicho infernal, Gárhita. Ela também é muito grande e terrível. Duas vezes a altura duma pessoa comum. Suas vestes escuras e rasgadas expunham-lhe os braços e pernas pálidos como de um cadáver de uma forma lascívia. Do rosto, encoberto até a metade pelo capuz, vê-se apenas a boca enegrecida. Descalça, suas unhas amareladas, compridas e pontudas.

Os goblins e wircks, de tamanho pavor que sentem dela, nem mesmo ousam se aproximar.

Silêncio total. Nenhum movimento. Mas a bruxa estende o braço, e com o dedo aponta na direção de Lodwein. O coração do jovem para de bater, e o ar lhe foge dos pulmões, de tamanho terror. E para desespera-los por com completo, assustando da maior forma que até então

jamais os tinham sentido, Gárhita dispara numa corrida feroz na direção deles. Com isso, ela rasga a relva da colina em frente à Beföllia, deixando com suas

horrendas, e afiadas como facas, unhas, um rastro da imensa força que faz, ao iniciar sua investida.

Muito depressa, ela corre; seus passos são enormes, parece uma besta felina num ataque à sua presa.

Lodwein esmaga seus olhos, de tamanha força que os pressiona, aperta o peito, na intenção de segurar o bordado da túnica dada por Mowilla em seu aniversário, e vozeia o poema de Laintlil com a elfa. Após isso o “L” da veste brilha.

Gárhita enraivece-se e corre ainda mais depressa quando vê as marcas luminosas. Lodwein bate as duas palmas da mão contra o seu torso, recita o poema, forçando a

concentração, clamando apressurado. Tão abismal é o medo sentido por eles, que dói lhes o coração. Pôneis relincham jogando seus donos na relva, desmantelando o grupo.

Te’Laintlil, bulvo Ohërus, Geh’vë Malvilelo mah’qe’vuda Soopalo... Mowilla abraça Lodwein. Soldados fugindo, somente pensando em salvar suas vidas. A coragem os abandona.

Anões distanciam-se da direção da investida da tenebrosa. As batidas dos pés da bruxa, velozes, incontroláveis, vêm aproximando-se.

...Blamna La’poh’Ohërusi’lil, Gihë Haudokakketo Flustielo dlea Vuda. Concentrando-se em cada palavra dita, o rapaz e a elfa ambicionam conseguir findar

a tempo. Oldirk petrifica-se onde está, não tem reação. Goard é derrubado no chão por sua

montaria, seu pônei revolve-se e cai sobre ele. Gárhita estende o braço na direção da elfa e do rapaz, suas garras afiadas e longas

como facas, prontas para transpassá-los em dez furos.

Gihë Laintlil, Bramna Haudokakketo,... Muito próximo. Sentem mexer o chão sob seus pés. Eles continuam, com mais

intensidade.

Noig está de tal forma confuso, que não consegue andar. Está atordoado, nenhum passo é possível. Delvokke corre para direção da frente de Mowilla empunhando sua espada.

Belgar é o único com coragem de partir para o contra ataque. Brandindo sua lâmina paladina, vai ao encontro de Gárhita.

Sem desviar, sem perder o foco, numa fixação, numa ânsia assassina, a bruxa corre para matá-los.

...Wolditoelo gauva Gorheqe,...

Sentem-na, sabem que ela quer assassiná-los. O paladino irmão de Lodwein prepara-se para uma espadada. Gárhita, sem esforço, com o braço esquerdo, bate em Belgar, jogando-o muitos metros

para longe, com a direita, arremessa Delvokke. Ergue as garras. Vai apanhá-los.

...Mlaä ibi dol Daskolel. Mas Lodwein e Mowilla recitam a última parte do poema. O “L” do colete dado por Reci, e que ele nunca o retirou de debaixo das suas roupas,

explode em luz. Com isso, um grande manto azul os envolve. Gárhita desarma-se, freia a corrida, salta para trás, grita de espanto e a não ousa se

aproximar. Ao ver o véu translúcido azulado a os encobrir, Lodwein sente a mesma emoção

daquele dia, quando Reci, sua mãe adotiva em Alto da Mordida, lhe presenteou o colete, e juntos eles tomaram a bebida marrom, quente e saborosa. O jovem ouve a voz de Reci em sua mente. - Aqui está Lody. Era para ser um tabardo para se usar por cima, porém não teve linha o suficiente para isso, e fiz essa espécie de colete élfico... – Escuta-se questionando-a. - Colete élfico? Como assim? – Vem lhe a resposta. - É sim, pois eu o costurei para você com uma lã élfica que comprei duma vendedora encapuzada... Sei que a vendedora me ofereceu essa lã, e a princípio recusei... Com isso a elfa misteriosa me perguntou se eu iria fazer algum bordado no meu presente... E a vendedora então pediu que eu bordasse a letra “L” em azul. – Porém, Lodwein conhece bem as coisas élficas. E, aquele manto primoroso a envolvê-los e protegê-los, proveniente da conclusão das cento e cinquenta marcas de Laintlil, não é algo de origem élfica. É muito mais magnífico do que isso.

Gárhita recua assustada, não se atreve atacá-los e fica sem ação. Goard, Oldirk, Noig, Delvokke, Belgar e os soldados anões correm com seus pôneis

para trás do manto brilhoso para defender-se. Eles percebem que Gárhita tem medo do véu, o qual é tão belo, simples e puro.

Delvokke analisa-o e diz baixinho. - É o manto de Laintlil. Laintlil viu as cento e cinquenta marcas e pediu a Ëllui para nos defender. Ela nos protege. – O elfo sorrindo, sussurra. – Salve Laintlil!

Belgar gargalha, pois vê ser verdade, e repete mais alto. – Salve Laintlil! Os anões compreendem o que aconteceu, e com mais alegria e força. – Salve Laintlil! Não demora muito, todos juntos, sob o véu, em regozijo e fervor, saúdam jubilosos,

cada vez com mais intensidade, o clamor. – Salve Laintlil! Salve Laintlil! Salve Laintlil! Gárhita se distancia. Aqueles brados encolerizam-na ainda mais. E, rugindo como uma

besta feroz, ela faz cair raios de cor rubra das nuvens trazidas consigo. Porém, esses trovões estão carregados de bruxaria e geram um efeito sombrio. Os monstros, os quais tinham acompanhado-a, mesmo com muito medo, e que amontoavam-se nas proximidades dali, ao ouvirem o estrondo, mudam seu estado de mente. No mesmo instante, milhares de luzinhas malignas ascendem na escuridão e no bosque. Seus olhos inflamam-se dum fogo vermelho, parecem ser controlados. Gárhita ruge de novo, e toda a legião de seres malignos daquela região vociferam num coral infernal.

Mas os aventureiros não cessam de bradar contentes, batendo suas armas nos escudos. – Salve Laintlil! Salve Laintlil! Salve Laintlil!

Brotando do chão, surgindo da floresta, aproximando-se hugwurs, ogwurs, bowurs, wircks e wuaks, junto aos morcegos gigantes, todos aglomeram-se atrás de Gárhita. Criaturas que há muito tempo vinha os perseguindo naquela jornada, chegam por fim lá, aparecem lotando a longa colina em frente à Beföllia. E um exército maligno de mais de mil monstros d’olhos flamejantes e vermelhos, liderado pela bruxa perversa, forma-se ali. Enfurecidos estão, e odiosos anseiam luta.

Os guerreiros continuam a bradar. – Salve Laintlil! Salve Laintlil! Salve Laintlil! Mesmo quando o brilho do véu protetor começa a sumir. - Salve Laintlil! Salve

Laintlil! Salve Laintlil! E, ainda depois que o manto desaparece, deixando-os indefesos diante de um exército

de mais de mil monstruosidades. - Salve Laintlil! Salve Laintlil! Salve Laintlil! Eles não cessam de clamar alegres. - Salve Laintlil! Salve Laintlil! Salve Laintlil! Vendo então, que mesmo sem a proteção magnífica eles continuam a saudar Laintlil,

Gárhita, como uma serpente enraivecida, estremece-se de tanta ira, e solta seu grito terrífico. Mas isso não os abala mais. A bruxa parte ao ataque, e todo o seu exército a segue nessa investida.

Todavia, nessa hora, uma luz verde vem do céu e pousa nos campos de Beföllia, logo a

frente dos guerreiros do bem. Diminuindo o fulgor distinguem um ser com asas, e logo identificam: Uma coruja gigante branca.

Clamam com mais força. - Salve Laintlil! Salve Laintlil! Salve Laintlil!

O exército maligno recua diante da ave. Salta de cima dela, Endelorth, e se põe em frente dos seres do mal, sem se virar para os seus amigos.

Observam-no enquanto continuam. - Salve Laintlil! Salve Laintlil! Salve Laintlil! Ameaçam-no com urros, os malignos, e em grande velocidade, avançam. Endelorth chicoteia seu braço para o alto erguendo sua espada reluzente à luz do luar. Freando o passo, todos se calam, inclusive os companheiros dele. Depois de tantos

feitos esplendorosos, qualquer menção de algo fantástico, é ameaçador para os perversos. Tudo se silencia a espera de alguma atitude do mago. Contudo, ele apenas se vira depressa para os guerreiros seus amigos, com uma feição

de indignação e os questiona. – Ora! Porque pararam de saudar Laintlil? – E grita enquanto corre na direção dos monstros. – Salve Laintlil!

Os cruéis voltam ao ataque e o Coruja Branca e seus amigos os afrontam na direção oposta. Com os corações flamejantes de alegria e ânimo, clamando Laintlil, correm para o corajoso combate, aquelas quase três dezenas de guerreiros do bem contra os mais de mil combatentes do mal.

(Imagem colorida dessa cena, do confronto) No entanto, Endelorth é sábio e não teria partido para aquele acometimento,

aparentemente, suicida, se não soubesse, com exatidão, o que estava fazendo. Eis que então, uma nuvem de flechas cobre o céu, partindo da floresta élfica, e

dizimando boa parte dos monstros os quais iam mais a frente na investida. Uns morcegos, dominados por Gárhita, se jogam na frente das setas, defendendo-a com suas vidas.

Ecoando seus clarins e cornetas, um exército élfico surge de Beföllia, velozes sobre as estepes correm os espadachins habilidosos sobre cavalos. Um contra ataque à altura para derrotar os malditos. E as duas tropas se encontram.

Começa a batalha. Acontece então, naquela noite, uma guerra sangrenta no reino dos Cullyen, bem aos

pés da floresta élfica. São os elfos ao lado de Endelorth, o Coruja Branca, contra os goblins e outras perversidades, junto á Gárhita.

Grande é a habilidade dos Cullyen em combate. Sua arte de lutar foi desenvolvida

como forma de sobrevivência, pois eles eram um povo errante, apesar de que, na verdade, haviam se estabelecido naquela região há duas gerações de reis. Costumam saltar e rodopiar no ar, enquanto desferem espadadas precisas, defendendo golpes e fazendo sangrar uns dois de uma vez, logo antes de sacar mais de uma flecha e dispará-las, num ritmo compassado e veloz, derrotando vários inimigos ao redor. Conseguem ser mais impressionantes que os paladinos. Afinal, eles mesmos haviam aprendido muito com esses combatentes de orelhas pontudas. Sem mencionar, também, o fato de que os elfos, no plano original de tudo, haviam sido criados, justamente, para serem os guerreiros perfeitos, defensores da paz e da ordem total. Entretanto, muito mudou...

Gárhita, enlouquecida, sobe em Ózuth-Ashgk, o morcego colossal, e levanta voo. Endelorth percebe isso e também monta em Olwil, sua coruja branca, e a persegue. Ele nota como a bruxa não tira o olhar de um ponto específico do combate, e inclusive havia saltado em seu morcego, para um ataque oportuno nessa direção. Ela quer capturar Lodwein.

Entretanto o mago não irá permitir isso, e avança para cima dela. Sua montaria é bem menor, contudo, havia algo de muito fascinante naquele guerreiro. Ele parece sempre saber o que faz. E, com impressionante habilidade, guia a coruja, contornando o morcego enorme, dando golpes com sua espada na fera, e isso enquanto também luta contra a bruxa. Ela revida evocando suas monstruosidades para próximo e ordenando ataques. Quando está ao alcance, tenta rasgar-lhe, mas ele é ágil. Ardiloso, continua o combate dos dois, nos ares.

Lodwein, Mowilla, Belgar, Delvokke, Oldirk e Noig, alegres demais para pensar em

fugir, sacam suas armas e decidem partir para a luta. Talvez aqui esteja o maior erro deles nessa jornada.

Partem ao ataque, cada um à sua maneira, combatendo ao lado dos hábeis guerreiros vindos de Beföllia.

- Vamos repetir aquela estratégia da Guerra d’Outono, Mowilla? – Pergunta contente Lodwein à elfa, enquanto seguem para a batalha.

- Com certeza! – Afirma ela empolgada. E, assim, derrotam muitos goblins, ela, matando os que os ameaçam à distância,

enquanto ele, com sua espada, esfaqueia os audazes a se aproximar demais. Noig e seu machado rodopiando decepa monstruosidades. Oldirk, na maioria das

vezes, ia nos socos, com seus punhais, logo depois de desarmar os inimigos. Delvokke confundia-se com os outros elfos, utiliza das mesmas técnicas de batalha deles. Belgar dá uma aula de como amontoar cadáveres ao redor de si.

Tudo corre bem, até que algo horrível acontece. Um bowur irritadíssimo avança depressa demais para ser contido, e vem na direção de

Lodwein e Mowilla. Ergue bem no alto o tronco de uma árvore, e vai-os esmagar. Eles então saltam, para desviar do golpe, mas, por falta de experiência em combate, cada um foge para um lado diferente, eles se separam. O bowur vira-se para Mowilla, a qual caída no chão não pode se defender. Lodwein vê que Mowilla ia morrer e numa velocidade extraordinária corre e salta até a altura do pescoço do gigante, cravando a espada a partir do pescoço da aberração até o coração, utilizando da técnica de execução destes que ele mesmo supôs, matando o bicho no mesmo instante.

Mowilla vê a cena e boquiaberta não consegue acreditar de tão impressionante. Lágrimas de medo fogem-lhe dos olhos e ela balbucia ainda chocada. – Obrigada, Lodwein...

Ele, do alto da fera derrotada, fica feliz por ter salvado a princesa Mowilla Verde-álamo.

Contudo, nem tudo ocorre tão bem. A elfa é a primeira a perceber o perigo, e num grito agudo, desespera-se. – Cuidado Lodwein!!!

Somente então o rapaz entende do que se trata. O bowur cambaleia com suas últimas forças de vida e vai cair de costas. Mas Lodwein ainda está lá sobre a criatura. E ele tenta saltar, contudo não consegue fazer isso há tempo.

O volumoso bowur despenca, junto a Lodwein, rolando colina a baixo. Tudo acontece muito rápido e a cena é muito forte. Depois de rodar algumas vezes, o pesado cadáver do gigante esmaga metade do corpo

banhado em sangue do rapaz desacordado. Belgar vê toda a cena de longe. - Lodwein!!! – Ouve-se o mais alto dos gritos daquela

noite. E ele corre imediatamente para salvar seu irmão. Mowilla fica pálida como se tivesse morrido, treme, quase a sacudir-se. Em um

momento, seu querido amigo luta ao seu lado, no outro está ali próximo aparentando não ter mais vida. – Vesin wlulyo Lodwein... (Meu amado Lodwein...) – Consegue a elfa sussurrar.

Um guerreiro élfico aparece diante dela e lhe diz. – Iktä! Princesa Mowilla Verde-álamo. Leillindor me envia até você em urgência. Minha missão é retirar-te da guerra e levar-te para a casa de cura!

Ela é pega de surpresa. Com dificuldade assimila as informações e gagueja. – Valnoar! Leillindor? Meu pai está vivo? Ele está bem?!

E Valnoar, que é o nome do guerreiro élfico, responde. – Sim. O rei Leillindor já está em sua casa sendo cuidado pelos curandeiros e me ordenou te trazer até ele.

Mowilla fica abalada. Não tem forças e vacila. É uma notícia impactante. Mexia com muitas emoções suas. Ela vê então que o irmão de Lodwein havia chegado até o bowur que caiu sobre seu amado.

Belgar mete as mãos por debaixo do gigante e, num grito, usando duma força descomunal, retira o monstro de cima dele. Encontra, enfim, Lodwein todo quebrado e sangrando. Segura-o em seus braços e em prantos de profunda amargura, corre para longe da luta. Delvokke já chega próximo, junto a uns elfos curandeiros e pegam o rapaz.

Mowilla, ao ver Lodwein naquela situação, e emocionada pela alegria da notícia de seu pai estar vivo, perde o controle de si. Dá um berro e desmaia nos braços de Valnoar, o elfo guerreiro.

Tanto Mowilla, quanto Lodwein, são levados inconscientes por outros para dentro de Beföllia.

Gárhita, lá do alto, percebe, enquanto luta contra Endelorth, que o rapaz está sendo

conduzido para a floresta élfica. Embravecida, sibila como uma serpente, ordena uma investida de morcegos contra o mago, para despistá-lo, e assim poder fugir desistindo da luta.

Com um fogo verde ele queima os animais das trevas e permite que a bruxa se vá. No entanto, enquanto a vê, voando para longe, chama-lhe bem alto. – Gárhita!

Lá distante, a tenebrosa cessa a fuga e se vira para trás. Endelorth berra. – Diga para Dmorg que eu já sei a verdade! E, possante de ira, ela emite seus rugidos e voa embora, em direção ao oeste.

* * *

Assim, como as folhas avermelhadas das arvores caducas, muito sangue foi derramado

naquele trágico outono, o qual apenas começava, em Nelwár.

Assim escreveu o escritor élfico, ao descrever aquela estação, no poema de Outono em Nelwár.

* * *

A continuação dessa história poderá ser encontrada no segundo livro, Outono em Nelwár: A árvore nua. Onde Lodwein e os outros continuarão sua aventura na procura pelo paradeiro de Todyeld, assim como na busca do grande vilão por trás de tudo.