oswaldo cruz - o médico do brasil

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ALMANAQUE HISTÓRICO

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Page 1: Oswaldo Cruz - O Médico do Brasil

ALMANAQUE H ISTÓR ICO

Page 2: Oswaldo Cruz - O Médico do Brasil

O Projeto Memória — uma parceriaentre a Fundação Banco do Brasil e aOdebrecht — vem, desde 1997,resgatando, difundindo e preservando ahistória de fatos e personalidades que,nas mais diversas áreas, tenhamcontribuído para formar a identidadecultural do país.

São iniciativas como exposições,montadas em centenas de cidades;edição de livros de arte e materialpedagógico, distribuídos em escolas,bibliotecas e instituições culturais nos 26estados brasileiros e no Distrito Federal;produção de videodocumentários,também exibidos em todo o país; eedição de páginas na internet, quereúnem todo o material pesquisadosobre os personagens que já foramtema do projeto: Castro Alves, MonteiroLobato, Rui Barbosa, Pedro ÁlvaresCabral e Juscelino Kubitschek.

O Almanaque histórico “OswaldoCruz — o médico do Brasil”, elaboradocom base em pesquisa rigorosa eilustrado com imagens de época, fazparte da edição 2003 do ProjetoMemória, que homenageia o grandecientista.

Além de garantir leitura prazerosa einformativa para quem deseje conhecermelhor a vida e o tempo de OswaldoCruz, este almanaque é uma fonte depesquisa segura para estudantes eprofessores, pois foi concebido para serusado em sala de aula. Com ele, serádistribuído um guia de orientaçãodestinado a professores da quinta àoitava séries do ensino fundamental,para enriquecer o trabalho pedagógiconas cerca de 17 mil escolas públicas emque vai circular.

Em 2003, o Projeto Memória contacom a colaboração fundamental daFundação Oswaldo Cruz (Fiocruz),entidade centenária que o sanitarista pôsde pé, e à qual dedicou seus maisgenerosos esforços.

ODEBRECHT FUNDAÇÃO BANCO DO BRASIL

Page 3: Oswaldo Cruz - O Médico do Brasil

Oswaldo Cruz está na memória da maio-ria dos brasileiros como o grande médico e sa-nitarista que enfrentou as epidemias da passa-gem do século XIX para o século XX no Bra-sil, momento crucial no processo de moderni-zação do país. Poucos, no entanto, conhecemseus reais feitos na área de saúde pública, osembates políticos em que se engajou, as pres-sões que recebeu da imprensa e da sociedadede seu tempo.

Por querer implantar uma política séria desaúde e saneamento para o Rio de Janeiro, to-mando a capital federal como modelo para oresto do país, Oswaldofoi duramente ironiza-do em charges, piadase críticas de todo tipo.Enfrentou o CongressoNacional, os oposito-res do regime republi-cano e até mesmo a irado povo, que transbor-dou tragicamente naRevolta da Vacina, em1904.

A princípio, as“ações de guerra” queempreendeu contra afebre amarela, a pestebubônica e a varíolanão foram compreen-didas pela população.Seu espírito de homemda ciência, porém, fa-lou mais alto. Mesmo com os grandes revesesque enfrentou, Oswaldo Cruz conseguiu se tor-nar “o médico do Brasil”, cuidando desse pa-ciente com obstinada perseverança.

Percorreu o país em inéditas e custosas ex-pedições sanitárias. Como um bandeirante damodernidade, desvendou o Brasil sertanejo, tãodistante e desconhecido da numerosa e entãomais desenvolvida população da faixa litorânea.

Foi com base nesse trabalho que se inicioua desmistificação da idéia de que os proble-mas do Brasil poderiam ser explicados pelacomposição racial do povo, pelo clima quen-te dos trópicos e até mesmo pela preguiça.

As conclusões tiradas do trabalho de OswaldoCruz e sua equipe levaram os brasileiros a olharpara o país com novos olhos. É nesse novo con-texto que Monteiro Lobato, alguns anos maistarde, se sentirá obrigado a repensar uma desuas criações mais conhecidas, o Jeca Tatu, cai-pira indolente e ignorante que simbolizaria oespírito do homem do interior. “Ele não é as-sim porque é preguiçoso”, af irmará Lobato.“Ele está assim porque está doente!”

O saldo do trabalho de Oswaldo e seus par-ceiros também foi extremamente positivo parao desenvolvimento da ciência. À frente de um

instituto precário, loca-lizado na distante Fa-zenda de Manguinhos,nas imediações do Riode Janeiro, OswaldoCruz transformou a es-cassez em abundância.Construiu um grandecastelo, com o que ha-via de mais modernoem termos de pesquisaexperimental, e deu àciência um merecidotemplo, ainda hoje ematividade. Contratougrandes pesquisadoresbrasileiros e estrangei-ros, criou cursos de es-pecialização e expan-diu as fronteiras do co-nhecimento.

Infelizmente, Oswaldo Cruz não viveria paraver os desdobramentos de suas iniciativas.Morreu cedo, aos 44 anos — mas deixou emseu lugar uma legião de cientistas e intelec-tuais que deram continuidade ao seu trabalho.

Neste almanaque, a vida do sanitarista podeser conhecida em detalhes, tanto do ponto devista científico como no plano pessoal. PoisOswaldo Cruz, além de se dedicar de maneirairrestrita à ciência, o que lhe garantiria umlugar especial na memória brasileira, fez desua vida uma extraordinária experiência hu-mana, em que não faltaram afeto, coragem eentusiasmo.

Page 4: Oswaldo Cruz - O Médico do Brasil

OSWALDO CRUZ

2

JANEIRO01 Dia Mundial da Paz11 Dia do Controle da Poluição

por Agrotóxicos20 Dia do Farmacêutico24 Dia da Constituição

FEVEREIRO06 Dia do Agente de Defesa

Ambiental11 Morte de Oswaldo Cruz (1917)

MARÇO08 Dia Internacional da Mulher19 Dia da Escola20 Início do Outono21 Dia Internacional Contra a

Discriminação Racial22 Dia Internacional da Água27 Dia da Inclusão Digital

ABRIL08 Dia Mundial do Combate ao

Câncer15 Dia da Conservação do Solo18 Dia do Livro Infantil19 Dia do Índio21 Tiradentes22 Dia do Descobrimento do

BrasilDia da Terra

24 Dia da Família na Escola28 Dia da Educação

Efemérides da cidadaniaOUTUBRO01 Dia Internacional das Pessoas

da Terceira Idade04 Dia da Natureza12 Dia de Nossa Senhora

Aparecida (padroeira do Brasil)Dia da Criança

15 Dia do Professor18 Dia do Desarmamento Infantil

Dia do Médico29 Dia do Livro

NOVEMBRO02 Dia de Finados14 Dia da Alfabetização15 Proclamação da República19 Dia da Bandeira Nacional20 Dia Nacional da Consciência

Negra30 Dia do Estatuto da Terra

DEZEMBRO01 Dia Mundial da Luta Contra a

Aids08 Dia da Justiça09 Dia da Criança Defeituosa10 Dia Universal dos Direitos

Humanos21 Início do Verão25 Natal31 Dia da Esperança

MAIO01 Dia do Trabalho13 Dia da Abolição da Escravatura05 Dia do Campo12 Dia da Enfermagem27 Dia da Mata Atlântica31 Dia de Combate ao Fumo

JUNHO04 Dia Mundial contra a Agressão

Infantil05 Dia Mundial do Meio Ambiente17 Dia Mundial da Luta Contra a

Desertificação21 Início do Inverno

JULHO01 Dia da Vacina BCG02 Dia do Bombeiro17 Dia da Proteção às Florestas20 Dia Internacional da Amizade

AGOSTO05 Dia da Saúde

Nascimento de Oswaldo Cruz(1872)

22 Dia do Folclore

SETEMBRO03 Dia do Biólogo05 Dia da Amazônia07 Dia da Independência do Brasil21 Dia da Árvore22 Início da Primavera

CARTA ENIGMÁTICA

– L+p

– m+f

– b+c+eiro

n +

– r

– a+í – le

Q A

A AE

E

– b– v+r

– da

– ia+u

– c

– ão+or

– e+ i

– l+ f

– co – f+n

– c

Respostas na p.60

– de – bo

Page 5: Oswaldo Cruz - O Médico do Brasil

O MÉDICO DO BRASIL

3

SumárioLouros e glórias

40

Uma luta perdida42

O senhor do castelo44

Tempo de formação4

Encontro com a cidade-luz8

Uma grande parceria12

O Rio no tempo deOswaldo Cruz

14

Saneamento:palavra de ordem

18

Guerra aos mosquitos20

Caça aos ratos24

Em busca dasaúde dos portos

28

Abaixo a vacina obrigatória30

A Revolta da Vacina32

Página literária36

Últimas ações50

O legado de Oswaldo Cruz52

O novo Rio38

Caricaturas54

Cronologia58

Page 6: Oswaldo Cruz - O Médico do Brasil

OSWALDO CRUZ

4

Tempo de formação

Certo dia, o menino Oswaldo foi retiradoda aula e enviado às pressas para casa. Láchegando, encontrou o pai à sua espera: tinhaesquecido de arrumar a cama antes de sair.

Nasce OswaldoGonçalves Cruz

Era 5 de agosto de 1872quando dona Amália TabordaBulhões deu à luz seu primei-ro f ilho, Oswaldo, em SãoLuís do Paraitinga, pequena

O jovem médicoMorando no bairro da Gá-

vea, Oswaldo entrou na esco-la aos cinco anos, já alfabeti-zado pela mãe. Aos catorze,ingressou na Faculdade deMedicina do Rio de Janeiro.Formou-se médico aos vinte,horas antes da morte do pai,a quem dedicou sua tese dedoutorado, “A veiculação mi-crobiana pelas águas”. Nessetrabalho, Oswaldo já mostrainteresse especial pela micro-biologia, ramo da biologia queestuda os microrganismos.Aquela nova ciência ganhavaimportância graças aos estu-dos feitos pelo francês LouisPasteur.

cidade na Serra do Mar pau-lista. O pai, Bento GonçalvesCruz, começava a carreira demédico. O casal se mudara dacidade imperial do Rio de Ja-neiro para o interior de SãoPaulo em busca de uma boaclientela para o dr. Bento.

Desde a segunda metade doséculo XIX, os agricultores deSão Luís do Paraitinga, emvez de plantar o café que do-minava as terras da região,cultivavam feijão, milho emandioca. O “celeiro do Valedo Paraíba” tornara-se um im-portante centro agrícola e jáabrigava uma das primeirasfábricas de tecidos do Brasil.

O dr. Bento estabeleceu-secomo médico de prestígio nacidade, guardou um bom di-nheiro e cinco anos depoisvoltou para o Rio de Janeiro,com dona Amália e o garotoOswaldo.

Oswaldo Cruz aos doze anosde idade

Oswaldo Cruz aos vinte anos

Respostas na p.60

PROBLEMA DE LÓGICA

Um marinheiro, cujo navio afundou, viu-se só em uma ilha, com febre altíssima. Do naufrágiosobraram duas garrafas de remédio. Uma delas estava cheia até 3/4 do total, e a outra, vazia.As instruções de como tomar o remédio prescreviam uma dose de metade da garrafa, nem

mais, nem menos. Como ele conseguiu resolver o problema?

Page 7: Oswaldo Cruz - O Médico do Brasil

O MÉDICO DO BRASIL

5

Casa onde nasceu Oswaldo Cruz, em São Luís

do Paraitinga

Bento Gonçalves CruzO pai de Oswaldo Cruz nasceu no Rio de

Janeiro, filho de um comerciante que

morreu prematuramente. Bento e sua irmã

foram criados por um tio, que logo perdeu

a herança deixada pelo irmão. Mesmo com

dificuldades, Bento entrou para a Faculdade

de Medicina. Após uma interrupção nos

estudos, para lutar como voluntário na

Guerra do Paraguai, formou-se médico e

foi morar no interior de São Paulo, como

faziam muitos recém-formados. Casou-se

com sua prima-irmã Amália e teve seis

filhos. Cinco anos depois, voltou a morar

no Rio de Janeiro com a família e instalou

consultório em casa, na Gávea, então um

bairro afastado do centro. Cultivou

numerosa clientela, formada

principalmente por operários das fábricas

instaladas na região, como a Tecidos

Corcovado, onde trabalhava no

ambulatório.

Em 1886, dom Pedro II o nomeou

membro da Junta Central de Higiene Pública.

Quatro anos depois, já na República,

tornou-se inspetor-geral de Saúde Pública.

Ocupou esse cargo por apenas oito meses:

uma grave doença renal o mataria em

8 de novembro de 1892, exatamente no

dia da formatura do filho Oswaldo.

Museu Histórico-PedagógicoOswaldo Cruz

Construída em taipa de pilão e pau-a-pique, acasa onde Oswaldo Cruz nasceu e passou parteda infância foi transformada em museu e centrocultural, reunindo a biblioteca municipal, salaspara exposições e um auditório. No acervo, háuma coleção de fotografias antigas de São Luísdo Paraitinga, porcelanas e objetos de arte sacra,além de algumas pinturas.

São Luís do ParaitingaFundada em 1769, São Luís do Paraitinga deve

seu nome ao padroeiro da localidade, São Luís, eao rio Paraitinga, em cujas margens havia um en-treposto comercial utilizado pelos bandeirantes.

Seus habitantes – cerca de 10 mil – orgulham-se da cultura caipira e das festas tradicionais queacontecem na região. A mais famosa é a do Divi-no, comemorada no dia de Pentecostes (cinqüentadias depois da Páscoa), quando se apresentam gru-pos de danças folclóricas como moçambique, jon-go e congada, além de procissões, rezas e missas.No centro histórico, antigos casarões compõemum dos maiores conjuntos arquitetônicos dos sé-culos XVIII e XIX do estado de São Paulo. Láencontra-se preservada e transformada em mu-seu a casa em que nasceu Oswaldo Cruz.

QUEM FOI?

“O único progresso verdadeiro

é o progresso moral.

O resto é simplesmente ter mais

ou menos bens.”José Saramago, escritor português

Page 8: Oswaldo Cruz - O Médico do Brasil

OSWALDO CRUZ

6

Conta Gastão Pereira da

Silva, no livro Romance de

Oswaldo Cruz:

“Um dia o dr. Bento surpreendeuOswaldo fumando. Fez-lhe ver,delicadamente (pois usava sempreboas maneiras) que o fumo era prejudicialà saúde. Narrou, em cores vivas, todosos prejuízos do vício. Oswaldo ouviu-ocalado. Olhos baixos. Terminada aadvertência, disse-lhe a meia-voz omenino:

— Mas se é assim, por que o senhorfuma?

O argumento seria decisivo se o dr.Bento continuasse a fumar. Entretanto,nunca mais fumou. Nem Oswaldo!”

Quando Oswaldo Cruzfreqüentou a escola...� Os colégios secundários eram cursos

preparatórios para o ensino superior, paraque os filhos da classe dominante entrassemna categoria dos “homens cultos”.

� Havia 250 mil estudantes para umapopulação de 14 milhões de habitantes (censode 1888), o que correspondia a menos de2% do total da população brasileira.

� Não havia freqüência mínima. Os alunospodiam se inscrever em disciplinas, e nãoem séries.

� Naquela época, os pais que não enviassemseus filhos à escola pagavam multa de 20 mila 100 mil réis. Na legislação federal, porém,a instrução primária era livre, gratuita elaica, mas não obrigatória. A obrigatoriedadesó aconteceu a partir de 1930.

� A palmatória já era proibida, mas, naprática, esse castigo ainda foi usado até oinício do século XX.

� As escolas primárias eram chamadas de“escolas de primeiras letras”.

� A educação já era laica, isto é, o ensinoreligioso não era mais praticado nas escolaspúblicas.

Crendices populares do

início do século XX

Se o galo cantar quando for para o

poleiro, é porque algo ruim vai acontecer

à família.

Para evitar mordida de cachorro, virar

a roupa pelo avesso quando o

cachorro está se aproximando.

Para prevenir infecções, cortar o umbigo

ou cordão umbilical do recém-nascido

com uma tesoura virgem e enterrá-lo,

imediatamente, debaixo de uma moita,

onde ninguém passe.

Não se põe galinha para chocar na

época das chuvas, pois os ovos

poderão gorar.

Para evitar que os ovos gorem quando

há trovoada, colocar três pedaços de

carvão no ninho da galinha ou fazer três

cruzes, com carvão, sobre cada ovo.

Entre dois garotos:— Estou indignado! A cada dose de óleo de

rícino que tomo, minha mãe coloca uma moedaem meu cofre!

— E isso te dá raiva?— Claro! Quando o cofre está cheio ela tira o

dinheiro e compra outra garrafa de óleo de rícino.�

— Mamãe, por que é que o papai é careca?— Ora, filhinho... Porque ele tem muitas

coisas para pensar e é muito inteligente!— Então, por que é que você tem tanto cabelo?— Cale a boca e tome a sopa, menino.

Anedotas

Page 9: Oswaldo Cruz - O Médico do Brasil

O MÉDICO DO BRASIL

7

Oswaldo e EmíliaDois meses depois de for-

mado, Oswaldo Cruz casou-se com Emília da Fonseca, aMiloca, com quem viveria atémorrer, em 1917. Ela era fi-lha do comendador ManoelJosé da Fonseca, um abastadocomerciante português que te-ria papel fundamental na car-reira do genro. Oswaldo e Mi-loca tiveram seis filhos: Elisa,Bento, Hercília, Oswaldo,Zahra e Walter.

Todos eles (menos o quar-to, que já tinha o nome dopai), receberam o sobrenomeOswaldo Cruz. A prática seestende a toda a descendênciado sanitarista, desdobradahoje em treze netos e nume-rosos bisnetos e trinetos.

Os três filhos homens se-guirão os passos do pai, for-mando-se em medicina. Doisdeles trabalharão na FundaçãoOswaldo Cruz, a Fiocruz —que, como adiante se verá, foio grande legado do cientista.Oswaldo Filho será diretor dacasa entre 1970 e 1972. O ca-çula, Walter, fará renome nacomunidade científica inter-nacional. Bento, o mais velho,não exercerá a profissão.

Emília da Fonseca CruzMulher inteligente e espirituosa, avançada para o seu

tempo, Emília gostava de vestir-se bem, de passear e deapostar nas corridas do Jockey Club do Rio de Janeiro.Andava de tílburi, carro com dois assentos puxado por umcavalo — a mesma condução que tomava para ir buscar omarido no centro da cidade. No caminho de volta, enchia debeijos e abraços o tímido Oswaldo.

Sem ser exatamente uma virtuose, Miloca tocava piano.Pour Élise, de Beethoven, era uma de suas peças prediletas.Miloca viveu por quase oitenta anos.

Minha querida Miloca

Venho de joelhos pedir-te perdão pela irreparável falta de

não te ir visitar hoje; acredita, anjo meu, que é por força

maior, porque além de eu estar muito resfriado, com dores de

cabeça e de dentes (o que, aliás, não me impediria de passar

um dia sem ver-te), acresce o estares só, em casa; e parece-

me que concordarás comigo que a minha visita hoje seria

muito inconveniente. Espero, meu bem, que serei perdoado.

Manda-me dizer como tens passado e se vais amanhã à

cidade.

Fizeste muito bem em quereres descer hoje porque o

burro está aqui.

Do teu, para sempre,Oswaldo

12/7/1889

Oswaldo Cruz manteve o hábito de

escrever cartas à esposa Miloca. Muitas

delas serviram aos historiadores como

documento de seus feitos em saúde e pesquisa. Entre elas,

porém, encontram-se exemplos de uma terna relação de

amor, como nesta, que ele, aos dezessete anos, escreve à

sua ainda noiva:

Emília da Fonsecacom os filhos Ercília,Walter e Elisa(sentados), Bento eOswaldo (em pé)

“Pensar é mais

interessante do que

saber, mas não mais do

que olhar.”

Johann Wolfgang von Goethe,

escritor alemão

Page 10: Oswaldo Cruz - O Médico do Brasil

OSWALDO CRUZ

8

Oswaldo Cruzem Paris

Com o apoio financeiro dosogro, em 1897 Oswaldo Cruzmudou-se para Paris com a fa-mília. Seu objetivo era aper-feiçoar-se em microbiologiano Instituto Pasteur. Naquelemomento, cresciam as desco-bertas sobre doenças patogê-nicas (transmitidas por mi-crorganismos) e sorologia (oestudo de tratamento de doen-ças com anticorpos obtidos nosangue de animais).

Em Paris, aproveitou paraespecializar-se em urologia,área cada vez mais importantedevido ao aumento das doen-ças venéreas, e estudar medi-cina legal.

Encontro com a cidade-luzApaixonado porlentes

Paris também apresentou aOswaldo um outro tipo de la-boratório: o de fotografia. Adescoberta se tornaria umagrande paixão em sua vida.Seduzido pela possibilidadede registrar em imagens tudoo que estava vivendo, Oswal-do Cruz comprou uma câme-ra capaz de fazer fotos este-reoscópicas. Vistas através deum visor especial, elas davamo efeito de três dimensões.

Surgiu então um entusias-mado fotógrafo amador, queregistraria fatos importantes desua atividade científica e davida familiar. Anos mais tarde,em casa, no Rio de Janeiro,montaria um pequeno labora-tório fotográfico.

Ao saberque um jovemmédico brasileiroestava inscritocomo aluno, odiretor do Instituto Pasteur,Émile Roux, o presenteoucom uma bolsa deestudos. Era uma formade homenagear o Brasile seu antigo imperador,dom Pedro II, que fizeradoações e patrocinaraestudos no instituto.

Oswaldo Cruz no InstitutoPasteur

No destaque, Oswaldo Cruz comsua turma do Instituto Pasteur

Ao voltar ao Brasil, em 1899,trouxe na bagagem, além da ex-periência da modernidade eu-ropéia, o conhecimento de mi-crobiologia que será fundamen-tal em sua atuação nas áreas desaúde e saneamento.

Entre pipetas eprovetas

Em Paris, Oswaldo Cruz im-pressionou-se com os labora-tórios do Instituto Pasteur, mui-to diferentes dos que havia noRio de Janeiro. Estagiou emuma fábrica de vidros para la-boratório, para conhecer a téc-nica de vidraria e trazê-la aoBrasil. Aprendeu a confeccio-nar ampolas, provetas, pipetase outros instrumentos afins.Anos depois, fabricaria as pri-meiras ampolas brasileiras,além de ensinar a técnica aosfuncionários do Instituto Soro-terápico Federal, no Rio de Ja-neiro, que viria a dirigir.

Page 11: Oswaldo Cruz - O Médico do Brasil

O MÉDICO DO BRASIL

9

PasteurizaçãoProcesso químico simples, para eliminar

micróbios nocivos de bebidas, que consisteem elevar sua temperatura a um nível não

muito alto (57oC para vinho e cerveja e 63oCpara leite) por alguns minutos e resfriá-los

rapidamente, sem alterar o gosto.

Dicas parafazer uma boa fotoSegure a câmara com firmeza

Aproxime-se do assunto a ser fotografadoEscolha um fundo neutro e simples

Cuide para que a luz do sol não incidadiretamente sobre a lenteComponha um cenário

Procure um ângulo interessante“Capture” sentimentos

O microscópio é um dos instrumentosmais importantes da história da medicina.Ele revolucionou o estudo das doençascontagiosas e permitiu os estudos em mi-crobiologia, histologia e patologia.

A invenção do microscópio composto, que utilizadiversas lentes, é controvertida. A maioria dos historia-dores acredita que o instrumento foi inventado na Ho-landa, em 1590, pelo fabricante de óculos Zacarias Jan-sen. Outros dão o crédito a Antonie van Leeuwenhoek,o cientista holandês que difundiu seu uso no séculoXVII. Ao longo do tempo, a tecnologia dos micros-cópios avançou muito. Os modernos microscópios ele-trônicos ampliam um microrganismo até 1 milhão devezes, enquanto um microscópio óptico convencio-nal consegue aumentá-lo apenas 2 mil vezes.

O hábito de andar com umaenorme pasta, onde carregavasua máquina fotográfica, fez comque os alunos de Oswaldo Cruz lhedessem o apelido de “Dr. Fotógrafo”.

Louis Pasteur(1822-1895)

Cientista francês, estudou física e

química, fez pesquisas na área de

cristalografia e tornou-se célebre por suas

descobertas no mundo dos microrganismos.

Elaborou o processo que ficaria conhecido

como pasteurização, que elimina

microrganismos que contaminam alimentos

e bebidas. A pasteurização causou uma

revolução na indústria da alimentação.

Seu maior feito, porém, foi a elaboração

de vacinas contra raiva para cães e seres

humanos (vacina anti-rábica). A grande

repercussão levou à criação, em 1888, do

Instituto Pasteur, em Paris, dedicado à

produção de vacinas em grande escala. Louis

Pasteur foi seu primeiro diretor. O instituto

logo se transformaria num dos mais

importantes centros de pesquisa do mundo.

QUEM FOI?

� O imperador Pedro II foi um grande amante de

fotografia. Sua coleção é um dos maiores acervosde fotos do século XIX, e está preservada na

Biblioteca Nacional, no Rio de Janeiro.

� A máquina fotográfica é uma invenção francesa.Nicéphore Niepce (1765-1833) foi o primeiro a

fixar uma imagem em um filme

rudimentar. Seu sócio, opintor Louis Jacques Mandé

Daguerre (1787-1851),

desenvolveu a primeira câmerafotográfica e deu nome a

uma técnica primitiva de

fotografia: o daguerreótipo.

Page 12: Oswaldo Cruz - O Médico do Brasil

OSWALDO CRUZ

10

Na época em que Oswaldo Cruz viveu em Paris — final do século XIX —, a Françajá ditava a moda para mulheres e homens em todo o Ocidente. E a indústria

francesa de perfumes já era a mais avançada do mundo. Veja como passeavam asbelas moçoilas e os elegantes homens franceses naqueles tempos:

A moda em Paris

E aqui noBrasil?

Como a moda vinha de Pa-ris, por incrível que pareça asmulheres e os homens da so-ciedade usavam esses mesmosmodelitos. A diferença é que,no Brasil, o clima tropical tor-nava essas peças extremamen-te inadequadas em cidadescomo Rio de Janeiro ou Salva-dor, por exemplo.

Dama — Enfeitada comrendas, sedas e babados, paradeixar suaves os contornos daroupa. Usa espartilhos e ligas.Nos trajes de passeio, os qua-dris ganham enfeites drapea-dos de curvas fechadas e amaioria leva chapéus e som-brinhas.

Cavalheiro — Veste ternospesados e sóbrios, sempreacompanhados de chapéu ebengala; cuida especialmenteda costeleta, da barba e do bi-gode. Para dormir, não dispen-sa o camisolão e a “máscarade bigodes”, para torná-losapontados e elegantes.

Qual a origem da“água-de-colônia”?

Conta-se que na Guerra dos Sete Anos, entreFrança e Grã Bretanha (1756 a 1763),

durante a ocupação da cidade alemã deColônia pela França, alguns oficiais franceses

compravam uma água de cheiro agradável,tipo loção, e mandavam para as parisienses.

Em Paris, o líquido foi batizado “eau deCologne” (água de Colônia).

Interior de loja de tecidos, Rio deJaneiro, início do século XX

ICONOGRAPHIA

O baralho foi criado no século XVI pelofrancês Grinconneur. As cartas eram pintadas

à mão. Copas (�) simbolizava o clero;espadas (�), a nobreza; paus (�), o povo; e

ouros (�), o comércio.

ICONOGRAPHIA

ICONOGRAPHIA

Page 13: Oswaldo Cruz - O Médico do Brasil

O MÉDICO DO BRASIL

11

Conta-se, na França, que Napoleão, duranteuma viagem para o Sul com seus exércitos,

decidiu pernoitar numa pequena hospedaria dacidade de Bessières. Para o jantar, o dono

preparou uma deliciosa omelete, que deixou oimperador extasiado! Napoleão não teve dúvidas:

no dia seguinte, ordenou aos moradores quejuntassem todos os ovos da cidade e preparassem

uma grande omelete para seus soldados!

Paris e seus saboresEm Paris, Oswaldo Cruz pôde conhecer a

culinária francesa, diferenciada por seus mo-lhos, suas misturas de pratos doces e salgadose a cremosidade das mousses e cremes. A in-fluência da cozinha francesa no Brasil se es-tende até os dias de hoje.

A Belle Époque teve início por volta de 1880,estendendo-se até a Primeira Guerra Mundial, naEuropa, e até meados da década de 20, no Brasil.Foi um período de intenso progresso material, sob

a égide da ciência e da evolução tecnológica.Inovações revolucionaram de forma abrupta o

modo de ser do cidadão burguês, provocando umclima de euforia e de confiança nos avanços

empreendidos pelo homem e nos benefícios queproporcionavam. A emergente burguesia industriale a classe média gozavam de todos os prazeres

materiais que a vida poderia lhes oferecer. A BelleÉpoque foi um período de intensa atividade

artística, principalmente em Paris e em Viena.A pintura era marcada pelo predomínio da figurahumana. Em um clima leve, descontraído e de

exaltação à vida, pintavam-se cenas agradáveis,mulheres e crianças belas exprimindo felicidade.

Abusava-se das cores e dos brilhos.

Encontre no caça-palavras algumas expressõesde origem francesa que fazem parte da nossalinguagem culinária: mousse, chantili, brioche,omelete, crepe, vinagrete, filé mignon, quiche,pavê, glacê, croissant, ovo pochê, cassoulet,

patê, consomê, molho rosé.

M C T M O L H O R O S E A QA C O N S O M E H C N P E UZ A N T O V O P O C H E V I I S O E G B U L N R E R I CJ S N T N A S S I O R C N HT O G E H N S R R I P L A EN U I L J S E V A P R I G ON L M E A S T E H C O I R BC E E M A I C M T C H R E NA T L O C A L R O A S S T VD F I T L A T N I M P C E IE R F G C H A N T I L I B R

CAÇA-PALAVRAS

Respostas na p.60

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3

UMA RECEITA FRANCESA

Omelete com tomateà provençalIngredientes:4 colheres (sopa) de manteiga2 colheres (sopa) de óleo1 colher (sopa) de salsa picada6 ovos4 tomates maduros, sem assementes, picados grosseiramente2 rodelas de cebola picadas1 dente de alho picadosal e pimenta-do-reino a gosto

Modo de preparoAqueça o óleo e junte todos os ingredientes,exceto os ovos e a manteiga, e refogue até que ostomates estejam macios. Reserve. Numa tigela,bata os ovos, tempere com sal e pimenta.Numa frigideira, derreta duas colheres (sopa)de manteiga e despeje metade da mistura de ovos.Incline a frigideira de um lado para outro paradistribuir a massa uniformemente.Levante as bordas com um garfo e tire do fogoquando a omelete ficar cremosa. Ponha numprato, recheie com metade do refogado de tomatee dobre-a ao meio. Repita o procedimento com orestante dos ingredientes.

Rendimentotrês porções

Page 14: Oswaldo Cruz - O Médico do Brasil

Uma grande parceriaA peste aporta emSantos

Em 1899, ano em que Os-waldo Cruz retornou de Paris,houve uma grande mortanda-de de ratos no porto de San-tos, litoral paulista, logo apósa chegada de um vapor da ci-dade portuguesa do Porto. Vi-tal Brazil e Adolfo Lutz, pes-quisadores do Instituto Bacte-riológico do Estado de SãoPaulo, diagnosticaram: pestebubônica. A cidade foi postaem quarentena e, a pedido dogoverno federal, Oswaldo via-jou a Santos. Cinco dias maistarde, telegrafava ao ministroda Justiça, Epitácio Pessoa:“Os critérios clínico, epide-miológico e bacteriológicopermitem afirmar categorica-mente ser a peste bubônica amoléstia reinante”.

Nascia uma importante par-ceria científica — e uma ami-zade duradoura — entreOswaldo Cruz, Vital Brazil eAdolfo Lutz. Os três troca-riam longa correspondênciasobre questões de saúde públi-ca e pesquisas, além de co-mentários pessoais. No futu-ro, trabalhariam juntos em vá-rios projetos científicos.

O soro à labrésilienne

O soro contra a peste erafabricado apenas na França,pelo Instituto Pasteur, cuja

produção era insuf icientepara a demanda mundial.Para produzir o soro no Bra-sil, o governo criou o Institu-to Soroterápico Federal, noRio de Janeiro, sob a direçãodo barão de Pedro Affonso.Instalado na Fazenda de Man-guinhos, o instituto ficaria po-pularmente conhecido como“Instituto de Manguinhos”. Adireção técnica foi entregue aOswaldo Cruz.Era o início doque viria a serum dos maiorescentros brasi-leiros de pes-quisa, ensino eprodução de va-cinas e medica-mentos: a atualFundação Os-waldo Cruz (Fio-cruz).

O governo deSão Paulo tam-bém começou aproduzir soro an-tipestoso no la-boratório do Ins-tituto Bacterioló-gico, dirigido porVital Brazil. Em1901, o laborató-rio ganharia auto-nomia, rebatizadoInstituto Soroterá-pico do Estado deSão Paulo — quedaria origem aoInstituto Butantan.

Barco equipado com aparelhoClayton espalha fumaça contramosquitos no porto de Santos,por volta de 1905

QUEM FOI?

OSWALDO CRUZ

12

Adolfo Lutz(1855-1940)

Nascido no Rio de Janeiro, cursou

medicina na Suíça, onde foi morar ainda

pequeno. Estudou e trabalhou em diversos

países, como a Alemanha, onde fez

pesquisas sobre o bacilo de Hansen,

transmissor da hanseníase (lepra), e os

Estados Unidos, onde dirigiu um hospital

no Havaí durante três anos.

No Brasil, participou, em 1892, da criação

do Instituto Bacteriológico do Estado de

São Paulo, tornando-se seu diretor no ano

seguinte. Convidado por Oswaldo Cruz

para chefiar um dos setores do Instituto de

Manguinhos, lá permaneceu por 32 anos.

Após sua morte, em 6 de outubro de

1940, o Instituto Bacteriológico do Estado

de São Paulo foi rebatizado Instituto

Adolfo Lutz, que até hoje é um dos centros

de pesquisa mais importantes do país.

Page 15: Oswaldo Cruz - O Médico do Brasil

Vital Brazil Mineiro

da Campanha(1865-1950)

Nascido no município de Campanha,

em Minas Gerais, fez os estudos

preparatórios em São Paulo e cursou a

Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro.

No Instituto Bacteriológico de São

Paulo, atual Instituto Adolfo Lutz,

pesquisou os soros antiofídicos e fez os

primeiros experimentos com veneno de

serpentes. Ajudou a criar o Instituto

Soroterápico de São Paulo, que produziria

diversas vacinas e soros. Começou suas

pesquisas na Fazenda Butantan (onde

hoje funciona o Instituto Butantan),

desenvolvendo técnicas de imunização de

cavalos para fazer a vacina contra a peste,

e produziu as primeiras ampolas de soro

contra veneno de jararaca e cascavel.

Criou um centro de pesquisas biológicas

em Niterói (RJ), o futuro Instituto Vital

Brazil. Era diretor desse instituto quando

morreu, em 1950.

Em 1915, Vital Brazil já era bastanteconhecido no mundo científico por seu

trabalho no Instituto Butantan.Durante uma viagem a Nova York,

foi chamado a socorrer um empregadodo Jardim Zoológico do Bronx Park,

que havia sido picado por umacobra “prima” da cascavel, a Crotalus

atrox, e já passara por váriostratamentos, sem resultado.

Com o soro antiofídico, Vital Brazil osalvou da morte.

Instalações do Instituto Soroterápico Federal,em 1903

No primeiro plano, dois jovens cientistas doInstituto Soroterápico: Henrique da Rocha Lima(à esquerda) e Ezequiel Dias

QUEM FOI?

Da força: dobrar a esquina.

Da rapidez: fechar a gaveta, trancar e jogara chave dentro.

Da velocidade: dar a volta na mesa epegar a si mesmo.

Da revolta: morar sozinho e fugir de casa.

Da sorte: ser atropelado por umaambulância.

Do azar: ser atropelado por um carrofunerário.

Da lerdeza: cuidar de quatro tartarugas edeixar uma delas escapar.

Da magreza: deitar na agulha e se cobrircom a linha.

Cúmulos

O MÉDICO DO BRASIL

13

Page 16: Oswaldo Cruz - O Médico do Brasil

OSWALDO CRUZ

14

O Rio no tempo de Oswaldo CruzO caos urbano

Com o fim da monarquia,em 1889, o país entrou numafase de mudanças. A maioriada população ainda se concen-trava no campo, uma vez quea agricultura dominava a eco-nomia brasileira; entretanto, aabolição da escravatura e umaindústria nascente ajudavam aacelerar a urbanização caóti-ca das cidades.

A capital federal sofreu deforma acentuada as conseqüên-cias dessa desorganização ur-bana, pois recebia trabalhado-res braçais sem instrução nemqualificação profissional, namaioria negros e mulatos mar-ginalizados pelo preconceitoracial e social.

Nos primeiros anos do sé-culo XX, a cidade era conhe-cida como “túmulo dos es-trangeiros”. Navios de outras

esse comércio intenso, algunsquiosques de madeira e zincoajudavam a compor a paisa-gem caótica. O jogo do bichoe o bilhete da loteria eram ven-da certa.

Na zona portuária, um ou-tro tipo de atividade aconte-cia: aquele era o reduto dosmalandros, dos marinheiros,das prostitutas, videntes e ci-ganas. Casas de ópio escondi-am-se no beco do Ferreiro.

O comércio dosabastados

Nas ruas do centro, o bur-burinho vinha do comércio daaristocracia. Lojas, confeita-rias, cafés e prédios de escri-tórios eram freqüentados porelegantes cavalheiros que, nosfinais de tarde, reuniam-se nascalçadas. Lá ficavam à espe-ra das senhoritas que voltavamdas compras, com suas blusasrendadas, saias compridas earmadas, ostentando cinturasafinadas por espartilhos. Elasusavam graciosos chapeuzi-nhos que lhes enfeitavam orosto, na esperança de com-pensar, acreditavam, a falta damaquiagem tão usada pelasfrancesas, aqui consideradapecado. Afinal, Nossa Senho-ra não se pintava! Ignorandoos gracejos dos rapazes, en-travam em suas charretes paravoltar às mansões dos bairrosde Botafogo e Laranjeiras.

bandeiras evitavam atracar noporto do Rio, temendo a mortede seus tripulantes por febreamarela, peste bubônica, varío-la, malária ou outras doenças.

Um cenário decontrastes

Emoldurado por uma natu-reza exuberante, o Rio de Ja-neiro era, no entanto, uma ci-dade suja e maltratada. A po-pulação convivia com lixo e su-jeira nas ruas estreitas, que maldavam vazão ao tráfego dascharretes, bondes e carrinhos,puxados por carregadores ape-lidados de “burros-sem-rabo”.

Nas calçadas, igualmenteestreitas, vendedores ambulan-tes espalhavam suas mercado-rias: cestos, verduras, panelas,doces, leite, aves, empadinhasde milho, bacalhau, sardinhas,café, cachaça... Em meio a

Praia de Botafogo, Rio de Janeiro, início do século XX

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GR

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Page 17: Oswaldo Cruz - O Médico do Brasil

O MÉDICO DO BRASIL

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Fato trágicoEm 1895, o navio italiano

Lombardia atracou no porto doRio para uma visita de cortesia.A tripulação foi recebida pelo

presidente da República,Prudente de Morais, numagrande festividade. A visita

terminaria em tragédia. Dos 340tripulantes, 333 pegaram febre

amarela. Morreram 234 doentes.O fato teve péssima repercussãono exterior, e o Rio de Janeiro

ganhou o apelido de “túmulo deestrangeiros”.

Aos pobres,os morros

Além de ocupar os cortiços,abundantes no centro, os po-bres se espalhavam pelos bair-ros da Saúde, Gamboa e deSanto Cristo, região que numpassado ainda recente sediarao mercado de escravos da ci-dade. Uma legião de desem-pregados e de trabalhadorespouco qualificados da indús-tria nascente vivia em precá-rias condições de moradia.Muitos iam para as favelas,que já começavam a surgir nasencostas dos morros. Ali tam-bém foram morar escravos al-forriados que lutaram naGuerra do Paraguai e solda-dos vindos da campanha deCanudos.

A ocupação desordenadados morros e cortiços, semnenhuma forma de sanea-mento, e a convivência comlixo, esgoto e água contami-nada favoreceram as sucessi-vas epidemias de febre ama-rela, varíola, peste bubônica,cólera e outras doenças quevitimavam milhares de pes-soas. Naquele tempo, no Rio,a taxa de mortalidade era tra-gicamente ascendente.

ORIGEM DA PALAVRA “CARIOCA”A palavra “carioca” surgiu quando o português

Gonçalo Coelho, que foi morar no Rio de Janeiro em1503, vindo de uma expedição com Américo Vespúcio,

construiu uma casa quadrada — forma bem curiosapara o padrão dos índios. A casa de Gonçalo, às margens do rio

Maracanã, foi chamada por eles de carioca, união de branco(cari) e casa (oca), em tupi.

Cabeça-de-porco

Para os cariocas, otermo “cabeça-de-porco” é sinônimo

de “cortiço”. Onome foi

emprestado damaior casa de

cômodos de aluguelda capital.

Construída peloconde d’Eu, maridoda princesa Isabel,

seus enormesaposentos eramsubdivididos por

placas de madeira;2 mil pessoas

moravam ali! Sobreos portões, em vez

das habituaisestátuas de leões,havia uma enormecabeça de porco.

Cortiço no Rio de Janeiro, no início doséculo XX

PROPAGANDA DE UMA COMPANHIA DE VIAGEM EUROPÉIADO INÍCIO DO SÉCULO XX

“Viaje direto para a Argentinasem passar pelos perigosos focosde epidemias do Brasil.”

!Impressionante!

Entre 1872 e 1890, a

população do Rio passou

de 274 mil para 502 mil

almas, como se dizia na

época. Em 1906, chegaria

a mais de 800 mil

habitantes!

Page 18: Oswaldo Cruz - O Médico do Brasil

OSWALDO CRUZ

16

Em 1900, a cidade ainda guarda ocunho desolador dos velhos tempos dorei, dos vice-reis e dos governadores, comruas estreitas, vielas sujíssimas, becosonde se avoluma o lixo. O novo regimenão teve ainda tempo para modernizaro Rio. Mesmo as artérias principais (Ou-vidor, Ourives, Uruguaiana, GonçalvesDias, 1o de Março) são muito pouco es-paçosas. E as outras ruas, mais distan-tes do centro, como as que cercam o lar-go da Misericórdia, não passam de vie-las curvas e malcheirosas.

Nas praças mais amplas, quase nãoexistem árvores, permitindo que o soltorne abrasador o calçamento de para-lelepípedos e os passeios de lajes altas.Pavimento e calçada apresentam-se es-buracados.

Dentro dos sobrados centenários, re-manescentes ou cópias dos tempos co-loniais, as senzalas do rés-do-chão setransformam em bares, lojas e oficinas.Sem esgoto e sem janelas nos quartos,os outros andares dos sobrados do cen-tro da cidade são um “dédalo de corre-dores e alcovas”.

Por ruas de muito movimento, que li-gam bairros, esticando-se para as La-ranjeiras ou São Cristóvão, um par detrilhos cruza o calçamento. São os bon-dinhos. Alguns são elétricos, que desde1892 fazem a linha entre o Flamengo ea Carioca. A imprensa afirma: os “nos-sos elétricos, que, sem o menor favor,são os melhores do mundo...”. Mas amaioria dos veículos, chacoalhando fer-

ragens, velhos e incômodos, ainda é pu-xada pelo tradicional par de burrinhos.

Afora os bondes, o tráfego da cidadeconstitui-se de raros caleches e charre-tes, e mais freqüentes carroças puxadaspor um ou dois cavalos. Mais comunsainda são os carros puxados por bra-ços humanos. As ruas estão cheias devendedores; alguns puxam pela calça-da carroças, com mercadorias: são os“burros-sem-rabo”. Nas carroças, nolombo dos animais, nas costas ou nosbraços, homens e mulheres, antigos es-cravos, imigrantes portugueses, ale-mães, turcos vão trazendo suas merca-dorias. Passa o leiteiro conduzindoatrás de si uma vaca tuberculosa e umbezerro faminto. E o vendedor de aves,as galinhas presas em cestos atados aum burro: cabo de vassoura às costaspara equilibrar a carga, vêm o cestei-ro, o ceboleiro, o papeleiro, o verdurei-ro; um oferece mocotó, o outro doces; umnegro traz carvão, ou sorvete; as mu-lheres vendem doces ou miudezas.

A cidade é uma imensa feira.

O JORNALISTA LUÍS EDMUNDO,AUTOR DE SABOROSAS CRÔNICAS,FEZ O SEGUINTE RELATO SOBRE

A VIDA URBANA DO RIO DE SUA ÉPOCA

Rua do Ouvidor, Rio de Janeiro,início do século XX

Page 19: Oswaldo Cruz - O Médico do Brasil

O MÉDICO DO BRASIL

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Preencha o diagrama com os ingredientes e acompanhamentos eencontre o nome de um típico prato da culinária brasileira, que teve sua origem

nas senzalas das antigas fazendas.

MulherVocê vai fritarUm montão de torresmo pra acompanharArroz branco, farofa e a malaguetaA laranja-baía ou da seletaJoga o paio, carne-seca, toucinho no caldeirãoE vamos botar água no feijão

MulherDepois de salgarFaça um bom refogado, que é pra engrossarAproveite a gordura da frigideiraPra melhor temperar a couve mineiraDiz que tá dura, pendura a fatura no nosso irmãoE vamos botar água no feijão

A saborosa feijoada carioca tem sua origem nas senzalas. Os escravoscozinhavam, junto com feijão preto, as carnes desprezadas pelos senhores. Ao comer,

espalhavam farinha de mandioca por cima. O prato tornou-se o símbolo daculinária brasileira, sempre acompanhado da tradicional caipirinha.

MulherVocê vai gostarTô levando uns amigos pra conversarEles vão com uma fome que nem me contemEles vão com uma sede de anteontemSalta cerveja estupidamente gelada prum batalhãoE vamos botar água no feijão

MulherNão vá se afobarNão tem que pôr a mesa, nem dá lugarPonha os pratos no chão, e o chão tá postoE prepare as lingüiças pro tira-gostoUca, açúcar, cumbuca de gelo, limãoE vamos botar água no feijão

FEIJOADA COMPLETAChico Buarque de Hollanda

PALAVRAS CRUZADAS

Respostas na p.60

1. principal ingrediente da receita

2. couro de porco frito

3. tripa recheada com carne moída e temperos

4. fruta descascada, cortada em pedaços

5. verdura refogada em tiras finas

6. cereal em grão, principal acompanhamento do prato

7. tipo de farinha usada para a farofa

8. tradicional bebida brasileira servida com a feijoada

9. carne salgada e exposta ao sol para secar

10. tempero, usado em folha seca

11. condimento picante, típico da culinária brasileira

12. carne de porco ensacada em tripa seca

13. pedaço de carne da região lombar do porco

14. parte cartilaginosa da cabeça do animal

15. gordura do porco subjacente à pele, com o respectivo couro

16. carne da parte traseira, cauda

Page 20: Oswaldo Cruz - O Médico do Brasil

OSWALDO CRUZ

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Saneamento: palavra de ordemO iníciodasreformas

Quando assumiu a presi-dência do Brasil, em 1902,sucedendo Campos Sales,Rodrigues Alves mudou-separa o Rio de Janeiro. Leva-va na bagagem um audacio-so plano de modernizaçãourbana, que consistia em sa-near a cidade, pôr fim às do-enças, alargar as ruas, cons-truir novas e amplas avenidas,remodelar o porto e derrubaros incontáveis cortiços.

O presidente nomeou oamigo e engenheiro PereiraPassos para a prefeitura, eOswaldo Cruz para a DireçãoGeral de Saúde Pública.

O plano desaneamento deOswaldo Cruz

Em 1903, acumulando afunção de diretor do InstitutoSoroterápico Federal, Oswal-do Cruz foi empossado na Di-reção Geral de Saúde Públicacom uma missão gigantesca:promover campanhas sanitá-rias para erradicar três dasprincipais doenças que perio-dicamente atingiam a popula-ção, de forma epidêmica: afebre amarela, a peste bubô-nica e a varíola.

Seu plano de ação começoucom a reforma da legislaçãovigente para os serviços deSaúde Pública, que continhacontradições entre os planos

Pereira Passos:o Haussmannbrasileiro

Pereira Passos, o prefeitoescolhido por Rodrigues Alvespara implantar a remodelaçãourbana, transformou o Rio numimenso canteiro de obras. Oprojeto teve como parâmetro asobras promovidas por GeorgesEugène Haussmann, prefeitode Paris no período de 1853 a1870. Quando morou na capi-tal francesa, Pereira Passospôde assistir a uma das fasesmais difíceis dessa reforma,em que bairros populares fo-ram arrasados, construindo-seum novo padrão de metrópolemoderna, modelo para váriascidades do mundo.

A rua da Carioca em reforma

A avenida Central (hoje Rio Branco) em obras

“Não basta ter um espírito bom,

é essencial aplicá-lo bem.” René Descartes, filósofo francês

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O MÉDICO DO BRASIL

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federal e municipal. Escreveuum novo código sanitário, queincluía um artigo sobre a va-cinação obrigatória contra avaríola. Iniciou-se, então, umalonga negociação no Congres-so para aprovar o código, oque só aconteceria em novem-bro de 1904. Para a imprensa,o povo e os adversários políti-cos, esse código sanitário fi-cou conhecido como “Códigode torturas”.

O Bota-AbaixoApelidada de Bota-Abaixo

pelo povo, a reforma da cida-de começou com a remoçãoda população dos cortiços,considerados focos de prolife-ração das doenças. No entan-to, nenhuma política de habi-tação foi pensada para os de-salojados. Acostumados a vi-ver no centro, esses morado-res se recusavam a mudar paraos subúrbios, preferindo subiros morros e formar inúmerasfavelas.

Enquanto os engenheirosmudavam a paisagem urbana,alargando ruas e derrubandoprédios, as brigadas sanitáriasinvadiam casas para espalharinseticida à base de petróleo edemoliam as que não obede-ciam aos preceitos higiênicosexigidos. Mais de cem corti-ços foram destruídos.

OLAVO BILAC, EM MARÇO DE 1904, ESCREVE

SOBRE A REFORMA DO RIO DE JANEIRO NO

PRIMEIRO NÚMERO DA REVISTA KÓSMOS

AS PICARETAS REGENERADORAS

Há poucos dias as picaretas, entoando um hinojubiloso, iniciaram os trabalhos da construção daAvenida Central, pondo abaixo as primeiras ca-sas condenadas. Bem andou o governo, dando umcaráter solene e festivo à inauguração desses tra-balhos. Nem se compreendia que não fosse um diade regozijo o dia em que começamos a caminharpara a reabilitação.

No aluir das paredes, no ruir das pedras, no es-farelar do barro, havia um longo gemido. Era ogemido lamentoso do Passado, do Atraso, do Opró-brio. A cidade colonial, imunda, retrógrada, em-perrada nas suas velhas tradições, estava soluçan-do no soluçar daqueles apodrecidos materiais quedesabavam. Mas o hino claro das picaretas abafa-va esse protesto impotente.

Com que alegria cantavam elas — as picaretasregeneradoras! E como as almas dos que ali esta-vam compreendiam bem o que elas diziam, no seuclamor incessante e rítmico, celebrando a vitóriada higiene, do bom gosto e da arte!

“Veja ilustre passageiro o belo tipo faceiro que o senhor tem a seu lado.No entanto, acredite, quase morreu de bronquite. Salvou-o o Rum Creosotado.”

CÉLEBRE ANÚNCIO AFIXADO NO INTERIOR DOS BONDES DO RIO DEJANEIRO, NO INÍCIO DO SÉCULO XX

“Tudo quanto puderes fazer ou creres poder,

começa. A ousadia tem gênio, poder e magia.”Johann Wolfgang von Goethe, escritor alemão

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OSWALDO CRUZ

20

Guerra aos mosquitosA teoria dosmiasmas

O plano de modernizaçãodo Rio levava em conta a teo-ria dos miasmas, defendidapor muitos médicos da época.Essa teoria sustentava que asdoenças vinham dos “mausares” provenientes das águasparadas e dos focos de lixo pu-trefatos. Acreditava-se que ainalação dos miasmas era acausa das doenças epidêmicas.

Segundo os defensores dateoria, para dar fim às epide-mias bastava acabar com oscenários de sujeira, constru-ções pouco arejadas e ruasestreitas, onde não havia cir-culação de vento e sol. Aconstrução de largas avenidase outras obras de porte, alémde facilitar o acesso, visavamcombater os miasmas.

A teoria cubanaSó no ano de 1902 a febre

amarela matou 984 pessoas nacidade do Rio de Janeiro.Oswaldo Cruz, opondo-se àteoria dos miasmas, traçou umplano de trabalho que buscavaacabar com o mosquito trans-missor. Ele se baseava na teo-ria cubana formulada em 1881por Carlos Juan Finlay (1833-1915), que combatera a doen-ça em Cuba exterminando omosquito Stegomyia fasciata eisolando os doentes.

Tendo corrido a notícia de que Oswaldo Cruz iria aHavana para conhecer de perto os métodos dodr. Juan Carlos Finlay no combate ao mosquito

transmissor da febre amarela, surgiu e fez sucesso noRio esta canção, cujo autor, diziam os gozadores,

era o próprio mosquito:

ESPERE UM POUCO...EU VOU A CUBA

Letra de Culicídio ExógenoMúsica de Stegomyia fasciata

Embora moço, eu sou sabido,Muito talento em mim se incuba,Os livros todos tenho lido...Espere um pouco... eu vou a Cuba.

Desta cidade malfadadaQuero que o nome cresça e suba,Sem febres, vai ficar amada:Espere um pouco... eu vou a Cuba.

Quando estiver saneada e limpaHá de ostentar, airosa, a juba,E levantar bem alto a grimpa;Espere um pouco... eu vou a Cuba.

Verão meu nome celebrado,Por mim soar da fama a tuba,E até então, ó povo amado,Espere um pouco... eu vou a Cuba.

Parto, mas quero à minha voltaPalmas ganhar... de carnaúba,Ter de micróbios uma escolta,Ao meu regresso lá de Cuba.

Ser em triunfo recebidoEntre ovações que o gênio aduba;Mostra-te, povo, agradecido,Quando eu regresse ali... de Cuba.

Para desengasgar com espinha

de peixe, chamar São Brás

três vezes, dizendo:

“São Brás do altar, me faz

desengasgar”. Pronunciada a

frase, jogar um punhado

de farinha na boca e engolir

sem mastigar.

O mosquito era o vilão do Rio

Page 23: Oswaldo Cruz - O Médico do Brasil

O MÉDICO DO BRASIL

21

Os mata-mosquitosPara levar a cabo a emprei-

tada, Oswaldo Cruz precisariade 1200 homens para comporas brigadas de mata-mosqui-tos. Mas a burocracia e a pou-ca verba limitaram a ação aapenas 85 homens. Em um tra-balho abnegado, os mata-mos-quitos percorriam jardins,quintais, porões e telhados,desinfetando alagados, ralos ebueiros, limpando calhas, la-vando caixas-d’água e remo-vendo depósitos de larvas demosquito. Dentro das casas lo-calizadas nas zonas dos focos,queimavam piretro de enxofrepara desinfecção. Os doenteseram isolados com telas emosquiteiros ou removidospara o Hospital de Isolamen-to São Sebastião.

O Stegomyia fasciata daquele tempo,perseguido sem trégua por Oswaldo Cruz, é muitoconhecido por todos os brasileiros. Trata-se doAedes aegypti, o mosquito da dengue. Mudou denome, mas continua a nos causar problemas.

Ao retornar das inspeções,os mata-mosquitos relatavamtodas as ocorrências de molés-tias. Assim Oswaldo Cruzpôde mapear a febre amarelana cidade e atualizar as esta-tísticas epidemiológicas. Re-cebeu, no entanto, duras críti-cas da imprensa, do povo e dacomunidade médica, insufla-das pelos adversários políticosdo presidente, que chamavamo cientista de “czar dos mos-quitos”.

Os “Conselhosao povo”

Oswaldo Cruz lançou mãode todas as alternativas de quedispunha para esclarecer opovo e convencê-lo a preve-nir as epidemias: folhetos edu-cativos para a população em

geral, outros dirigidos aos pro-fissionais de saúde, e até mes-mo medidas de coerção, comoa notificação compulsória doscasos de doença. Publicou naimprensa seus famosos “Con-selhos ao povo”, textos queexplicavam à população comoeram os mosquitos transmis-sores da febre amarela, os cui-dados que cada cidadão deviatomar para acabar com os cria-douros, como se proteger daspicadas e evitar o contágio, ecomo os doentes deviam sertratados.

Mesmo com toda a resistên-cia e as dificuldades técnicas,em 1907 a epidemia de febreamarela foi considerada erradi-cada do Rio de Janeiro. Oswal-do Cruz finalmente ganhara aguerra contra os mosquitos.

Brigadas de mata-mosquitos

Mata-mosquitos vedam residênciaspara aplicação de veneno contrao transmissor da febre amarela

Page 24: Oswaldo Cruz - O Médico do Brasil

OSWALDO CRUZ

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A FEBRE AMARELAHOJE

O número de casosregistrados no Brasilatualmente indica que afebre amarela estácontrolada. A vacina usadanos nossos dias, queimuniza a pessoa por dezanos, não é maisobrigatória. Devem servacinados apenas oshabitantes das regiões ondeainda há casos — os estadosdo Acre, Amapá, Amazonas,Goiás, Maranhão, MatoGrosso, Mato Grosso doSul, Pará, Rondônia,Roraima, Tocantins, e oDistrito Federal — e quemviaja para lá.

Mas existe apossibilidade de que afebre amarela volte emforma de epidemia. Issoporque o Aedes aegypti,que a transmite, é tambémo transmissor da dengue,doença para a qual aindanão existe vacina e que éepidêmica no país.

A tabela abaixo, publicada em 28 de dezembro de 1908 no jornal The Times,de Nova York, faz parte do artigo “The sanitation of Rio”, em que Oswaldo Cruz expõe o

sucesso do trabalho que empreendeu na capital brasileira.

Dengue, uma doença tropicalDesde 1986 o Brasil vem enfrentando surtos epidêmicos de

dengue, que atingiram, em 2002, o patamar de epidemia.O mosquito transmissor, a fêmea do Aedes aegypti, encontra

no clima tropical as condições ambientais favoráveis paraproliferar-se, o que acontece em tempo de chuva e em lugaresque tenham água limpa e temperatura ambiental entre 24° e26°C.

O Aedes só ataca durante o dia e pode picar por volta detrezentas pessoas antes de morrer. A dengue clássica é benigna.A forma hemorrágica, porém, pode causar a morte.

SintomasFebre alta, dores musculares, nas juntas, na cabeça

e atrás dos olhos, manchas avermelhadas na pele,fraqueza, enjôo e falta de apetite.

TratamentoComo não há vacina para a moléstia, o melhor é

fazer repouso, beber muita água e tomar medicamentospara dor e febre, sempre receitados por um médico.

PrevençãoA única forma de acabar com a epidemia da dengue

é evitar a proliferação dos mosquitos, combatendoseus focos. Alguns cuidados fundamentais:

� Lavar sempre com bucha e sabão as vasilhas de água dos animais.� Colocar areia nos pratinhos das plantas e xaxins.� Tampar bem caixas d’água, latões de lixo e nunca conservar água

parada, como em pneus velhos, latas abertas etc.� Manter as folhas das bromélias secas ou cobertas com pó de café.� Usar repelente no corpo quando estiver em lugar onde haja

muito mato ou que seja conhecido como foco do mosquito.

MORTALIDADE POR FEBRE AMARELA NO RIO DE JANEIRO1903-1909

ano janeiro fevereiro março abril maio junho julho agosto setembro outubro novembro dezembro total

1903 133 142 151 99 24 10 9 4 4 2 2 4 584

1904 2 7 7 8 10 4 4 1 1 - 3 1 48

1905 3 13 23 59 64 61 26 9 6 5 8 12 289

1906 6 9 6 8 2 1 2 - 1 3 1 3 42

1907 1 1 6 14 6 4 4 1 1 - 1 - 39

1908 - - 1 - - 3 - - - - - - 4

1909 - - - - - - - - - - - - -

Page 25: Oswaldo Cruz - O Médico do Brasil

O MÉDICO DO BRASIL

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JOGO DOS SETE ERROS

O original do caricaturista Raul (desenho de cima),publicado no Jornal do Brasil em 13 de agosto de 1904,serviu de inspiração para o jogo. Encontre as diferenças. Na escola:

— Joãozinho, você podeme explicar como a suaredação está absolutamenteigual à que seu irmão fez noano passado?

— Posso sim: temos amesma irmã.

Zezinho está visitando oMuseu Imperial, quando umguarda bronqueia:

— Não pode sentar aí,moleque! É a cadeira do domPedro!

— Quando ele chegar eusaio!

O caipira ganhava todas asapostas das brigas de galosdaquele vilarejo, quando umsujeito da cidade, cansado deperder, chega para ele epergunta:

— Meu amigo, vejo que osenhor é um grande entendidoem brigas de galos.

— É... – respondetimidamente o caipira.

— Pois eu já perdi quasetodo meu dinheiro. Nãoacertei uma aposta... pode meajudar e dizer qual é o galobom da próxima luta?

— O bom é o galo branco –responde o caipira.

O sujeito da cidade,rapidamente, aposta todo oresto do seu dinheiro no galo.Quando acaba a luta, ao ver ogalo branco derrotado, ele vaiter novamente com o caipira:

— Você não me disse que ogalo branco é que era o bom?

— Pois entonce... o brancoera o bom... o preto é que erao marvado!Respostas na p.60

Anedotas

Page 26: Oswaldo Cruz - O Médico do Brasil

OSWALDO CRUZ

24

A campanha contraa peste bubônica

Organizar uma campanhapara erradicar a peste bubô-nica foi outra missão que cou-be a Oswaldo Cruz como di-retor geral de Saúde Pública.Esse combate foi mais fácilque a luta contra a febre ama-rela: todos reconheciam queos transmissores da doençaeram as pulgas dos ratos.Oswaldo Cruz já enfrentaraum surto em Santos, e o Insti-tuto Soroterápico Federal jáproduzia o soro antipestoso.

Ainda assim, a imprensacriticava duramente a campa-nha. Mesmo achincalhado em

Caça aos ratospiadas, caricaturas, crônicas emúsicas satíricas, OswaldoCruz conduziu com firmezaseu plano de vacinação da po-pulação, e não desistiu da lutacontra os ratos.

Os compradoresde ratos

A campanha contra a pesteaconteceu ao mesmo tempoem que se combatia a febreamarela. Para a nova tarefa,Oswaldo Cruz criou um es-quadrão de cinqüenta homensvacinados que saíam à caça deratazanas em armazéns, casas,cortiços, becos, hospedarias eonde mais pudessem encon-

trá-las. Espalhavam raticida eremoviam o lixo. O médicochegou a criar a f igura do“comprador de ratos”: umfuncionário público que pas-sava pelas ruas pagando atétrezentos réis por rato apanha-do pela população. Não demo-rou para que espertinhos co-meçassem a se dedicar a umaatividade inusitada: criar ratose vendê-los à Saúde Pública.

Os índices da doença de-moraram a cair. Mesmo as-sim, quando Oswaldo Cruzdeixou a Diretoria Geral deSaúde Pública, em 1909, oscasos de infecção já erammuito baixos.

Fonte: Fontenele, J.P. Relatório do Serviço de Saúde Pública do DistritoFederal, 1939

MORTALIDADE POR PESTE BUBÔNICANO RIO DE JANEIRO

por 100 mil habitantes

MO

RTA

LIDA

DE

ANO

Peste bubônicaA peste bubônica é uma doença infecciosa

de roedores selvagens, causada pela bactériaYersinia pestis. Transmitida ao homem pelapicada da pulga do roedor, ou por gotículasde saliva de pessoas contaminadas quetenham contraído a forma pneumônica dadoença, apresenta como sintoma o aumentodos gânglios linfáticos, provocando ínguasou bubões, de onde vem o adjetivo“bubônica”. Atualmente, o tratamento éfeito com antibióticos específicos.

O suspeito sr. Amaral – O caso mais famoso desses novos

criadores de rato é o do sr. Amaral, que pôs seus empregados nas ruas,

avisando que compravam ratos da população. Em pouco tempo tinha

direito a receber quase dez mil contos de réis, o que não era pouco!

O fato levantou suspeitas das autoridades, e o sr. Amaral foi preso.

Em seu depoimento, porém, deixou claro que comprava apenas os

legítimos ratos da terra, nenhum deles “importado” de outros lugares.Está vendo, seu Amaral, como são as

coisas?! Ontem eu, hoje você! É a sorte!

Page 27: Oswaldo Cruz - O Médico do Brasil

O MÉDICO DO BRASIL

25

FATO CURIOSOPor incrível que pareça, comprar ratos para combater doenças ainda é um recurso usado pelas

autoridades em campanhas sanitárias. Em novembro de 2001, a imprensa noticiou um programa

da prefeitura de Nova Iguaçu, na baixada Fluminense, que pagava cinco reais por quilo de ratos.

O objetivo era diminuir a superpopulação de roedores e dar fim à leptospirose na cidade.

JOÃO DO RIO E OS “RATOEIROS”O JORNALISTA JOÃO DO RIO (PSEUDÔNIMO DE PAULO

BARRETO), QUE DESCREVEU A CIDADE DO RIO DE

JANEIRO EM DELICIOSAS CRÔNICAS, REGISTROU NA

GAZETA DE NOTÍCIAS “AS PEQUENAS PROFISSÕES” QUE

EXISTIAM NA CIDADE, COMO A DOS TRAPACEIROS

(CATADORES DE TRAPOS), SELISTAS, APANHADORES DE

GATOS ETC. É ASSIM QUE ELE DESCREVE OS “RATOEIROS”:

[...] A mais nova, porém, dessas profissões, quesaltam dos ralos, dos buracos, do cisco da grande ci-dade, é a dos ratoeiros, o agente de ratos, o entrepostoentre as ratoeiras das estalagens e a Diretoria de Saú-de. Ratoeiro não é um cavador — é um negociante.Passeia pela Gamboa, pelas estalagens da CidadeNova, pelos cortiços e bibocas da parte velha da ur-bes, vai até o subúrbio, tocando uma cornetinha coma lata na mão. Quando está muito cansado, senta-sena calçada e espera tranqüilamente a freguesia, so-prando de espaço no cornetim.

Não espera muito. Das rótulas há quem os chame; àporta das estalagens afluem mulheres e crianças.

— Ó ratoeiro, aqui tem dez ratos!— Quanto quer?— Meia pataca.— Até logo!— Mas, ó diabo, olhe que você recebe mais do que

isso por um só lá na higiene.— E o meu trabalho?— Uma figa! Eu cá não vou na história de micró-

bio no pêlo do rato.— Nem eu. Dou dez tostões por tudo. Serve?— Hein?— Serve?— Rua!— Mais fica!E quando o ratoeiro volta, traz seu dia fartamente

ganho...

A PESTE BUBÔNICAHOJE

As doenças provocadaspelos ratos ainda causammuitos problemas para apopulação e a saúde pública.A peste continua presente noBrasil, nos Andes e nosEstados Unidos, além dediversos países africanos ealguns asiáticos. Segundo aFundação Nacional de Saúde(Funasa), há focos naturais depeste bubônica em áreas dosestados de Pernambuco,Piauí, Ceará, Rio Grande doNorte, Paraíba, Alagoas,Bahia, Minas Gerais e Rio deJaneiro. O controle dessesfocos é fundamental paramanter a população a salvode novas epidemias.

Entre 1980 e 1993, foramnotificados 736 casos depeste humana no país.O maior número de casos(151) foi registrado em 1982,e o menor (dez) em 1991.A peste, quando não étratada, chega a matar 50%dos infectados.

Page 28: Oswaldo Cruz - O Médico do Brasil

OSWALDO CRUZ

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Se você gosta de soltar a voz e cantar, como amaioria dos brasileiros, ou se pretende cultivar umbelo timbre vocal para falar em público, fazer umdiscurso ou dar aulas, preste atenção nestesconselhos, da fonoaudióloga Ana Paula D. Pellosini,para preservar e embelezar sua voz:� Só cante quando estiver com a saúde em dia.� Tome muita água e evite ambientes com ar-

condicionado ligado ou com fumaça.� Na apresentação, use roupas confortáveis.� Jamais consuma bebidas alcoólicas antes de cantar:

apenas água em temperatura ambiente e chás leves.

O saneamento promovido por Oswaldo Cruz foi tema de muitas músicas queanimavam os salões de baile da época. Uma das mais conhecidas é “Rato, rato”,cujo título foi inspirado nos gritos dos compradores de ratos nas ruas. Lançada no

Carnaval de 1904, a letra demonstra a ojeriza do povo pelo animal,e ainda traz uma triste marca da época: o preconceito contra os judeus.

Vale apenas pelo registro histórico da manifestação popular.

RATO, RATOCasimiro G. Rocha e Claudino M. da Costa

� Evite leite e seus derivados. Restos degordura costumam se depositar nas cordasvocais, influindo no som da sua voz.

� Abuse de alimentos como maçã e gengibre,ótimos adstringentes para as cordas vocais.

� Durma bem e tenha uma alimentaçãobalanceada.

� Acostume-se a preservar seu aparelho vocal:não grite, fale em tom de voz baixo, tenhacuidado até na forma de tossir.

� Não fume e só tome remédios indicados porum médico.

Dicas para cantar bem

A A6 A

Rato, rato, rato, A#º E7/B E7

Por que motivo tu roeste meu baú?E7(9) E7 E7(9)

Rato, rato, rato, A

Audacioso e malfazejo gabiru. A6 A F#7

Rato, rato, rato, Bm D7/F#

Eu hei de ver ainda o teu dia final Fº A/E F#7 B7

A ratoeira te persiga e consiga E7 A...

Satisfazer meu ideal....A

Quem te inventou? A#º E7/B E7

Foi o diabo, não foi outro, podes crer. E7(9)

Quem te gerou? A

Foi uma sogra pouco antes de morrer. F#7

Quem te criou?

Bm

Foi a vingança, penso eu.D/F# Fº A/E F#7 B7

Rato, rato, rato, rato, E7 A A7

Emissário do judeu D

Quando a ratoeira te pegar, D#º

Monstro covarde, não me venhas E7

A gritar, por favor.A7

Rato velho, descarado roedor D

Rato velho, como tu faz horror!

Nada valerá o teu cui-cui. D#º E7

Tu morrerás e não terás quem chore por ti. G#º D/A

Vou provar-te que sou mauB7 E7

Meu tostão é garantido, A7 D

Não te solto nem a pau.

Page 29: Oswaldo Cruz - O Médico do Brasil

O MÉDICO DO BRASIL

27

A convivência entre homens e roedores é

antiga. Onde existe gente, existem ratos para

buscar restos de comida. Extremamente

adaptáveis aos ambientes mais diversos, se

proliferam mesmo sob condições

desfavoráveis. Provocam grandes perdas de

alimentos, pois além de comê-los, deixam

urina, fezes, pêlos e pulgas em grãos,

rações e farelos. A peste bubônica é apenas

uma das doenças trazidas pelos ratos.

Estima-se que os roedores sejam

responsáveis pela perda de um quinto da

produção mundial de alimentos.

O uso de microrganismos como armas

biológicas é registrado desde os primórdios

da humanidade. Gregos, romanos e persas

contaminavam o campo inimigo com

cadáveres infectados. Na Idade Média,

os mortos por peste bubônica eram

arremessados por catapultas contra os

O COMÉRCIO DE RATOS,NA ÉPOCA UMA HABITUAL CENA

DE RUA, TAMBÉM FOI CONTADO

POR PEDRO NAVA, EM

BAÚ DE OSSOS

Logo depois passava gritando ou-tro verdugo. Rato, rato, rato! Corriade dentro das casas o tropel das mu-latas, meninos, patroas e crioulas comsuas ratoeiras e todos despejavam oconteúdo das armadilhas dentro deuma espécie de sorveteira enorme quecontinha um líquido que dava fuma-ça sem ferver. Os bichos mortos iamlogo para o fundo e os vivos ficavamnadando, em círculo, até que a potas-sa os descascasse. O homem, em vezde receber, pagava. Duzentos réis a ra-tazana, um tostão por camundongo.Pagava, tampava, punha na cabeça eseguia soltando o pregão que viroumúsica de rato, rato, rato, / camun-dongo, percevejo, carrapato — que fi-camos devendo ao empresário da com-pra que era o dr. Oswaldo GonçalvesCruz. Infelizmente a providência, emvez de acabar com a bicharia, indus-trializou sua criação. Havia especia-listas que os tinham em viveiros e quesó os vendiam adultos e gordos, por-que assim eram mais bem cotados.Duzentão.

“Se os teus projetos forem para um ano, semeia

o grão. Se forem para dez anos, planta uma árvore.

Se forem para cem anos, instrui o povo.”Provérbio chinês

Charge publicada em Paris,

em 1911

adversários. Eles

desconheciam o

princípio da

transmissão da

doença, que não se

dá de pessoa para

pessoa, mas passa

por vetores, como

a pulga do rato.

Page 30: Oswaldo Cruz - O Médico do Brasil

OSWALDO CRUZ

28

A viagem de inspeção

Durante as campanhas desaneamento e de moderniza-ção do Rio de Janeiro, Oswal-do Cruz ainda planejou umapolítica nacional de defesa sa-nitária dos portos marítimos efluviais de todo o país. Paraisso, precisava conhecer ascondições de cada porto.

Em busca da saúde dos portos

Durante a expedição aos

portos era comum

Oswaldo Cruz reclamar

dos enjôos que sentia por causa do balanço

do navio. Ele chegou a dizer à esposa

Miloca, numa carta:

“Há dois dias que o terrível enjôo não metem absolutamente permitido de te escrever.Ainda agora estou-o fazendo na iminênciade ser por ele assenhorado”.

Em outro trecho, ele conta os maus

bocados por que passava:

“O navio inteiramente à mercê dosvagalhões fazia as maiores diabruras. Estemar infame tivemo-lo durante perto de oitohoras seguidas até Cabo Frio. Para cúmulode caiporismo enjoei atrozmente, vomitandotudo quanto sem poder mover-me”.

Entre setembro de 1905 efevereiro de 1906, acompa-nhado pelo secretário João Pe-droso, Oswaldo Cruz partici-pou de uma expedição a trin-ta portos, de Norte a Sul dopaís. Em todos os lugares emque atracava, era recebidocom homenagens e jantares.

Durante a expedição, co-letou rico material de pesqui-

sa, principalmente sangue deenfermos e mosquitos de di-ferentes procedências. Pelaprimeira vez, Manguinhosrecebia elementos para ma-pear a saúde nos sertões bra-sileiros. Alguns anos maistarde, Oswaldo e outros cien-tistas do instituto fariammais viagens para completar atarefa.

NOTA PUBLICADA EM 30 DE

SETEMBRO DE 1905, NO JORNAL

A TRIBUNA, DO RIO DE JANEIRO,

SOBRE A CHEGADA DE OSWALDO

CRUZ AO PORTO DE SANTOS

“O jovem e dedicado funcio-nário acaba de dar um exemploproveitoso: pela primeira vez,desde que o Brasil possui um ser-viço regular de higiene, o diretorda repartição competente em-preende uma viagem aos portosda República, para verificar devisu as necessidades sanitáriasdos estados. Ninguém, certa-mente, deixará de aplaudir umfuncionário que assim rompecom os hábitos burocráticos, eprocura desempenhar conscien-ciosamente o importante cargoque lhe foi confiado, em vez desatisfazer-se com apresentar bri-lhantes e palavrosos relatórios.”

Page 31: Oswaldo Cruz - O Médico do Brasil

O MÉDICO DO BRASIL

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A náusea marítima é um mal que acometequatro em cada cinco pessoas. Os naviosmodernos contam com médicos e medicaçãoapropriada para aliviar essa sensaçãodesagradável, capaz de tirar o prazer daviagem. Os sintomas mais comuns sãopalidez, suor frio, dores de cabeça, tontura,náusea e vômito. A palavra “náusea” éderivada do grego naus, “navios”.

Quem for desbravar os mares pode seprevenir observando algumas dicas:� Evite ingerir alimentos gordurosos e

bebidas alcoólicas dois a três dias antes deviajar.

� Durma bem, relaxe, e não vá a festas nanoite anterior.

� Raiz de gengibre pode prevenir enjôo eseus efeitos colaterais.

� Para maior segurança, antes de viajarconsulte um médico, que lhe indicará omelhor princípio ativo para seu caso.

Se o enjôo vier:� Sente-se num assento firme, num lugar

bem arejado e olhe para um ponto fixo nohorizonte.

� Tome água ou bebida que contenha umpouco de açúcar, mas sem gás, comoisotônicos e sucos, para não se desidratar.

� Evite ficar na cabine.

CHARADINHAS

1. Em uma casa moram duas mães e

duas filhas e cada uma delas está

acompanhada de duas pessoas.

Quantas pessoas há na casa?

2. O que tem orelhas mas não escuta

nada do que você diz?

3. O que é que quando se mata, todos

ficam contentes?

4. Qual a cidade mais explosiva do mundo?

5. Qual a palavra com cinco letras que,

tirando duas, fica uma?

6. O que é menor do que a boca

de uma formiga?

7. O que tem debaixo do tapete do hospício?

8. O que o livro de matemática disse para o

livro de português?

9. O que é ave mas não voa, tem lã mas não

é carneiro?

10. Quando foi que 1/4 da população da

Terra foi morto de uma vez?

11. Uma mulher que dirigia e lia um livro

ao mesmo tempo bateu o carro e

morreu. Qual era o seu nome?

!Galinhas, cavalos, cachorros e gatos

também podem sentir enjôo

com o movimento dos barcos.

O francês Jacques Cousteau,

grande explorador do universo

submarino, por não saber qual a melhor

solução para o enjôo, recomendava

que, se o problema for grave,

é melhor ficar em terra firme mesmo.

Respostas na p.60

Diz-se que a jararaca gosta de leite materno.

Por isso, quando uma mulher tem criança

pequena, deve, antes de dormir, olhar debaixo da

cama e dos travesseiros, para verificar se a cobra

não está lá. Embora ela não faça mal à criança,

pode roubar-lhe o leite, mamando na mãe.

Page 32: Oswaldo Cruz - O Médico do Brasil

OSWALDO CRUZ

30

Abaixo a vacina obrigatóriaEntre uma epidemiae uma lei

Em 1904, mais uma epide-mia de varíola assolou o Riode Janeiro. As campanhascontra a febre amarela e apeste bubônica empreendidaspor Oswaldo Cruz estavamem pleno curso. Mata-mos-quitos e brigadas de desrati-zação cruzavam a cidade. Eranecessário que o combate àvaríola se fizesse ao mesmotempo, para que o saneamen-to da cidade se completasse.

Uma lei de 1837 já insti-tuíra a obrigatoriedade da va-cina antivariólica, mas nun-ca fora cumprida. OswaldoCruz mandou ao Congressoum projeto de lei que refor-çava a obrigatoriedade commais rigidez.

O projeto provocou um de-bate fervoroso sobre o assun-to. Enquanto isso, o cientistaenfrentava 1706 casos de in-ternações por varíola no Hos-pital de Isolamento de SãoSebastião. Tomou medidasprofiláticas, isolando os in-fectados, fazendo desinfec-ções e vacinando aqueles que,voluntariamente, aceitavam aimunização.

Os voluntários diminuíamà medida que o debate toma-va conta da imprensa. As 23mil aplicações em julho bai-xaram para 6 mil em agosto.

Prós e contrasOs defensores da vacina

obrigatória e do Código Sani-tário, batizado pelo povo de“Código de torturas”, argu-mentavam que a vacinaçãohavia sido implantada anterior-mente em países como Alema-nha (1875), Itália (1888) eFrança (1902), com sucesso.

Já os opositores argumen-tavam que os métodos deaplicação da vacina eramtruculentos e seus aplicadoresdemonstravam brutalidade notrato das pessoas. Além disso,não confiavam na qualidadeda vacina. A maioria não eraexatamente contra a vacina-ção, mas contra a sua obriga-toriedade. Defendia que cadaum optasse por tomar ou nãoa vacina.

O decreto impunha que asbrigadas sanitárias entrassemnas casas e vacinassem as pes-soas à força. A reação da po-

pulação foi imediata. Os paisde família não admitiam quesuas esposas e filhas mostras-sem as coxas ou os braços aosfuncionários da saúde. Alémdisso, temiam-se os eventuaisefeitos negativos do líquidoinjetado.

Fato complicadorEm julho de 1904, em meio

a essa discussão, uma mulhermorreu pouco depois de tersido vacinada contra a varío-la. O médico-legista, adeptoda resistência à vacina, rela-tou infecção generalizada de-corrente da imunização comocausa mortis. O fato teve am-pla repercussão nos jornais. Aopinião pública voltou-se con-tra o governo e sua política sa-nitária. Em 5 de novembro, re-presentantes dos diferentessegmentos sociais instituírama Liga Contra a Vacina Obri-gatória.

Charge ironizando a obrigatoriedade da vacina

Page 33: Oswaldo Cruz - O Médico do Brasil

O MÉDICO DO BRASIL

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VaríolaO que éHoje extinta em todo o mundo, a varíola é uma doença

infectocontagiosa causada pelo vírus Orthopoxvírus variolae.Exclusiva dos seres humanos, foi uma das enfermidades maisantigas e devastadoras da história. Acredita-se que tenha surgidohá mais de 3 mil anos, provavelmente na Índia ou no Egito.

TransmissãoOcorria de uma pessoa para outra, pelas vias respiratórias.

O vírus ficava incubado no organismo de sete a dezessete dias.SintomasAo se alojar nas fossas nasais e na garganta, os vírus causavam

febre alta, mal-estar, dor de cabeça, dor nas costas e abatimento.Após alguns dias, a doença ficava mais violenta: a febreabaixava e erupções vermelhas surgiam na boca, gargantae no rosto, espalhando-se depois por todo o corpo.Antes de a vacina ser descoberta, o máximoque se fazia era torcer para que o corpoconseguisse reagir ao vírus e vencer amoléstia. Os que sobreviviam ficavamcom cicatrizes no rosto e corpo.

A VACINAOBRIGATÓRIA

Autor desconhecido

Anda o povo aceleradoCom horror à palmatóriaPor causa dessa lambançaDa vacina obrigatóriaOs panatas da sabençaEstão teimando dessa vezQuerem meter o ferro a pulsoBem no braço do freguês.E os doutores da higieneVão deitando logo a mãoSem saberem se o sujeitoQuer levar o ferro ou nãoSeja moço ou seja velhoOu mulatinha que tem visgoHomem sério, tudo, tudo,Leva ferro que é servido.Bem no braço do Zé do PovoChega o tipo e logo vaiEnfiando aquele troçoA lanceta e tudo maisMas a lei manda que o povoE o coitado do freguêsVá gemendo na vacinaOu então vá pro xadrez.[...]Eu não vou nesse arrastãoSem fazer o meu barulhoOs doutores da ciênciaTerão mesmo que ir no embrulhoNão embarco na canoaQue a vacina me persegueVão meter ferro no boiOu no diabo que os carregue.

Fonte: Memória da Pharmácia,

disco Emi/Odeon, Roche.

Crendices acerca da vacina antivariólica

Acreditava-se que o sangue dos ratos comprados para o combate

à peste bubônica serviria de matéria-prima para a vacina.

Como a vacina era fabricada com líquidos extraídos de

vacas doentes — pústulas da varíola do gado —,

quem a tomasse correria o risco de ficar com cara de vaca.

Em vez de imunizar as pessoas, a vacina provocaria a varíola.

Os médicos não sabiam nada a respeito da doença.

A medicina não devia interferir na doença, deixando-a seguir seu curso normal.

Page 34: Oswaldo Cruz - O Médico do Brasil

OSWALDO CRUZ

32

O povo se agitaA publicação do plano que

regulamentou a aplicação davacina obrigatória, denomi-nada pelo Congresso de “Hu-mana Lei”, em 9 de novem-bro de 1904, foi o pretextoque faltava para uma granderevolta popular.

A Revolta da Vacina

A descobertada vacina

No dia 14 de maio de 1796 o médicoinglês Edward Jenner inoculou, nummenino de oito anos, uma pequena

quantidade de sangue de umacamponesa que fora infectada

anteriormente pela varíola bovina.O menino adquiriu imunidade

contra a varíola humana. Jenner jáobservara que os camponeses que se

infectavam primeiro pela varíolabovina, mais branda, nunca

desenvolviam a forma humana dadoença. Estava descoberta a vacina,

que mudou a história daimunologia no mundo.

E HOJE, A VARÍOLA EXISTE NOBRASIL? E NO RESTO DO MUNDO?

Em 1973, o Brasil recebeu a certificaçãointernacional de erradicação da varíola.A vacinação foi suspensa no país em janeiro de1980, ano em que a Organização Mundial deSaúde declarou a doença erradicada em todo oplaneta. Isso significa que poucas pessoas nascidasapós essa data são imunes à moléstia.

Há, no entanto, amostras do vírus emlaboratórios nos Estados Unidos e na Rússia.Especialistas acreditam que elas também existamno Iraque e na Coréia do Norte. Teme-se que essesvírus, contagiosos e fatais, venham a ser utilizadoscomo armas biológicas. Depois dos ataquesterroristas de 11 de setembro de 2001, a ameaçacresceu e os laboratórios americanos voltarama produzir a vacina.

perdido o controle da manifes-tação popular, decidiram nãoaparecer. Gestos solitários,discursos espontâneos e gritosde revolta surgiram da multi-dão descontrolada. O tumultotomou o Rio de Janeiro, e ogoverno ordenou a interven-ção policial.

A reação popularA reação à chegada da polí-

cia veio na forma de pedradase confrontos generalizados.Carroças e bondes foramtombados e incendiados, lo-jas foram saqueadas, postesde iluminação destruídos.

Bonde virado na praça da República,no Rio de Janeiro, durante a Revolta daVacina, em novembro de 1904

ICONOGRAPHIA

Pelotões policiais dis-paravam contra a mul-tidão; eram muitos osmortos e feridos. Du-rante uma semana, ocentro da cidade vi-rou uma praça deguerra.

Os manifestantesenfrentavam a políciaarmados com o queviam pela frente —em geral, o própriomaterial usado na re-forma das avenidas:

No dia seguinte, opovo tomou as ruas; asmultidões se agitavamna rua do Ouvidor, nolargo São Francisco ena praça Tiradentes.Os integrantes da LigaContra a Vacina Obri-gatória, que tanto in-suflaram a multidão ase rebelar, marcaramum comício para amanhã seguinte. Aoperceber que haviam

Page 35: Oswaldo Cruz - O Médico do Brasil

O MÉDICO DO BRASIL

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pedras, vigas, ferros e ferra-mentas. Entre gritos de pâni-co e dor, a massa entoava pa-lavras de ordem contra o go-verno, a vacina obrigatória ea polícia.

Um outromovimento acontece

O motim popular criara ascondições ideais para um mo-vimento de outra natureza —um levante militar —, com oobjetivo de depor o presiden-te Rodrigues Alves. Partindoda Escola Militar da Praia Ver-melha, sob a liderança do ge-neral Travassos, comandantesde alta patente aliaram-se aosrevoltosos e armaram um gol-pe de Estado.

O encontro com as forçasfederais, enviadas às pressaspelo governo, aconteceu narua da Passagem, onde o ge-neral Travassos foi atingido

Introduzido na América do Norte peloseuropeus, o vírus da varíola teve efeitos trágicos.

Matou 90% dos astecas e vários nativos donordeste do continente. Também foi usado como

arma biológica no século XVIII, durantea conquista das novas terras americanas,

disputadas entre franceses e ingleses. Ao saberque os índios tinham se unido aos franceses, osingleses distribuíram lençóis que haviam sido

usados por doentes de varíola, provocando umaviolenta epidemia naquelas tribos, o que minou

o apoio indígena aos franceses.

e morto. Em pouco tempo osalunos da Escola Militar es-tariam rendidos. Atracado naponte do Catete, um barcoaguardava o presidente, quedevia embarcar num naviode guerra. Rodrigues Alvesrecusou-se a fugir, alegandoque não sairia da capital,nem deixaria o comando dopaís.

A revolta popular continua-va intensa pelas ruas. Bancos,comércio e repartições públi-cas fecharam suas portas. Apolícia não conseguiu assu-mir o controle da situação. Opovo pedia a demissão do di-retor geral de Saúde Pública.O presidente não cedeu: con-fiava no trabalho de Oswal-do Cruz e sabia que a vacinaobrigatória era um pretextopara o povo expressar seudescontentamento com o go-verno e a situação social dacidade.

O Rio em estadode sítio

Em 17 de novembro foi de-cretado estado de sítio no Riode Janeiro. A Escola Militarfoi fechada. Rodrigues Alvesrevogou a lei que tornava a va-cina obrigatória e autorizouque os institutos de vacinaçãoimunizassem apenas os quedesejassem.

O saldo da revolta foi de23 mortos, 67 feridos e 945presos. Quase a metade dosprisioneiros foi submetida atrabalhos forçados no Acre.

Oswaldo Cruz continuouem seu cargo, gozando daconfiança do presidente, masperdeu a batalha contra a va-ríola. Em 1908, um novo sur-to acometeria mais de 9 milpessoas na cidade. Mesmocom esses números preocu-pantes, a não-obrigatoriedadefoi mantida.

O CENÁRIO DA REVOLTADESCRITO PELO JORNALO PAIZ, EM NOVEMBRO

DE 1904“[...] os combustores de

iluminação partidos, comos postes vergados, esta-

vam imprestáveis; os vidros quebra-dos brilhavam na calçada; parale-lepípedos revolvidos, que serviam deprojéteis para essas depredações, coa-lhavam a via pública; em todos ospontos, destroços de bondes incendia-dos, portas arrancadas, colchões,latas, montes de pedras, mostravamos vestígios das barricadas feitas pe-las multidões agitadas.” !

A palavra “vacina” vem do latim vaccinus, “de vaca”.

Cicatrizes de varíola foram encontradas no rostomumificado do faraó Ramsés II.

Em algumas culturas antigas, as crianças sórecebiam nome se sobrevivessem à doença.

Page 36: Oswaldo Cruz - O Médico do Brasil

OSWALDO CRUZ

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Jeitinho brasileiro…Durante a Revolta da Vacina, no Rio de Janeiro, um dos

lampiões arrancados das ruas serviu para enganar a polícia,no bairro da Saúde. Disposto estrategicamente em cima deuma carroça, entre escombros e barricadas, afugentava astropas do Exército, que de longe pensavam tratar-se de umcanhão pronto para atirar!

Por que os negroseram tãocontrários à vacina?

Prata Preta e seus companheiros do bairro daSaúde, onde moravam muitos dos negros vindosda Bahia em busca de trabalho na capital, tinhammotivações específicas para se revoltar contra ogoverno.

Adepta do candomblé, a população negrarecusava-se a tomar a vacina por princípiosreligiosos. Esse culto, na época, estava proibidopelo governo, sob acusação de “feitiçaria”. Ospraticantes da religião acreditavam quedeterminadas divindades tinham poder sobrealgumas doenças. Entre esses deuses, está Omoluou Obaluaiê, que seria o orixá responsável pelavaríola. Os poderes de Omolu não se resumiriama causar a varíola: podiam também atenuar seusefeitos. Cultos e sacrifícios rituais eram oferecidosao orixá, pedindo proteção contra o mal.Assim, era difícil que a vacina vinda dos médicostivesse credibilidade entre os seguidores docandomblé. E era preciso resistir a ela.

Prata Preta: líder da resistência negra à vacinaEstivador e capoeirista, Prata Preta combateu as forças policiais fazendo uma barricada

que ficou conhecida como Porto Artur, na praça da Harmonia, bairro da Saúde. Liderou a

resistência por vários dias. Aquele seria o último foco de revolta popular a ser rendido.

No fim do conflito, Prata Preta esteve entre os presos mandados para o Acre.

Sua valentia e coragem lhe deram fama nos noticiários, na literatura e nas caricaturas de

jornal, em que ele era retratado dando golpes de capoeira.

FATO CURIOSOMais de cinqüenta anos

depois da revolta, em 1960,equipes da Organização

Mundial de Saúde,trabalhando na erradicação

mundial da varíola,encontraram essa mesma

resistência contra a vacina.Isso aconteceu na ÁfricaOcidental, onde algumas

tribos praticavam um cultofetichista de varíola, o

Vodu-Sakpate ou Sopona.

Charge publicada em jornal carioca sobre

a prisão de Prata Preta

O orixá dos iorubas, vindos da África, chama-seSapona. Tinha o poder tanto de espalhar a varíolacomo de proteger seus devotos contra os males dadoença. O orixá foi trazido ao Brasil pelos escravos,que aqui passaram a chamá-lo de Omolu ou Obaluaiê.

Formidável reduto defendido com entricheiramento de

mulambos e carroças quebradas, medonhamente

artilhado com canhões de canos de barro e lampiões

quebrados pintados a piche.O espantalho do desordeiro

Prata Preta era o Stoessel caricato daquela traquitana,

que fez mover forças de mar e terra.

A rendição da praça efetuou-se nestas memoráveis

condições: os atacantes não deram um tiro, nem

encontraram ninguém dentro da praça da... Harmonia.

Page 37: Oswaldo Cruz - O Médico do Brasil

O MÉDICO DO BRASIL

35

A capoeiraDisseminada pelos congoleses que chegaram ao Brasil como escravos, a capoeira era,

originalmente, uma dança da guerra. Aperfeiçoada como prática de defesa pessoal,passou a ser ensinada entre os que haviam fugido para os quilombos. Quando recapturados,

esses capoeiristas passavam adiante o seu conhecimento.

Os movimentos da luta foram associados às cantoriase músicas africanas para que parecesse uma dança,e assim não levantar suspeitas dos feitores sobre seu

caráter belicoso. Mesmo assim, durante o regimeescravo, o jogo da capoeira foi perseguido e proibido.

Com o fim da escravidão, a capoeira continuou a serobjeto de perseguição. No início da República,

o marechal Hermes da Fonseca proíbiu essa práticaem todo o território nacional. O código penal de 1890

previa penas severas aos capoeiristas.

A proibição só fez aumentar a resistência entre os negros— para eles, a capoeira era sinônimo de liberdade.

A capoeira hoje

A capoeira é reconhecida como uma

autêntica manifestação cultural e

esportiva do Brasil. Ensinada em

academias e praticada nas ruas de muitas

regiões, conquistou também adeptos nos

Estados Unidos, Alemanha, Canadá,

Suíça, Inglaterra, Japão, Portugal,

Espanha, Israel, Itália, França, Austrália

e Suécia, entre outros países.

Hoje em dia, muitas doenças podem ser evitadas pela vacinação. No Brasil, algumas vacinassão obrigatórias (em todo o país ou em algumas regiões) e constam do calendário

estabelecido pelo Ministério da Saúde. Existem ainda outras, não obrigatórias, mas muito úteiscomo medidas profiláticas. A seguir, as principais doenças prevenidas com vacinas:

� Caxumba � Coqueluche � Difteria � Febre amarela � Gripe � Hepatite B � Meningite � Pneumonia � Poliomielite � Rubéola � Sarampo � Tétano � Tuberculose

A professora tenta ensinarmatemática para o Joãozinho.

— Se eu te der quatrochocolates hoje e mais três amanhã,você vai ficar com... com... com...

E o garoto:— Contente!

Joãozinho chega em casa eentrega ao pai o recibo damensalidade escolar.

— Meu Deus! Como é caroestudar nesse colégio.

E o menino:— E olhe, pai, eu sou o que

menos estuda na minha classe! Anúncio da Casa Granado do início do século XX

ICONOGRAPHIA

Anedotas

Page 38: Oswaldo Cruz - O Médico do Brasil

OSWALDO CRUZ

36

O QUEBRA-LAMPIÃO

TESTEMUNHA OCULAR DOS ACONTECIMENTOS QUE PUSERAM O

RIO DE JANEIRO DE PERNAS PARA O AR POR UMA SEMANA,QUANDO O POVO SE OPÔS À VACINAÇÃO OBRIGATÓRIA, LIMA

BARRETO RELATOU DETALHES DA REVOLTA DA VACINA EM SEU

LIVRO RECORDAÇÕES DO ESCRIVÃO ISAÍAS CAMINHA, DE 1909.

Página literária

cial a cavalo percorria a praça, intimando opovo a retirar-se. Obedeci e, antes de entrarna Rua do Ouvidor, a cavalaria, com osgrandes sabres reluzindo ao sol, varria olargo com estrépito. Os curiosos encostavam-se às portas das casas fechadas, mas aí mes-mo os soldados iam surrá-los com vontade esem pena. Era o motim.

As vociferações da minha gazeta tinhamproduzido o necessário resultado. Aquele re-petir diário em longos artigos solenes de queo governo era desonesto e desejava oprimir opovo, que aquele projeto visava enriquecerum sindicato de fabricantes de calçado, queatentava contra a liberdade individual, quese devia correr a chicote tais administrado-res, tudo isso tinha-se encrostado nos espíri-tos e a irritação alastrava com a violênciade uma epidemia.

Durante três dias a agitação manteve-se.Iluminação quase não havia. Na rua do Ou-vidor armavam-se barricadas, cobria-se opavimento de rolhas para impedir as car-gas de cavalaria. As forças eram recebidasa bala e respondiam. Plínio de Andrade, comquem há muito não me encontrava, veio amorrer num desses combates. Da sacada dojornal, eu pude ver os amotinados. Havia apoeira de garotos e moleques; havia o vaga-bundo, o desordeiro profissional, o pequeno-burguês, empregado, caixeiro e estudante;havia emissários de políticos descontentes.Todos se misturavam, afrontavam as balas,unidos pela mesma irritação e pelo mesmoódio à polícia, onde uns viam o seu inimigonatural e outros o Estado, que não dava afelicidade, a riqueza e a abundância.

O motim não tem fisionomia, não tem for-ma, é improvisado. Propaga-se, espalha-se,mas não se liga. O grupo que opera aqui não

A fisionomia das ruas erade expectativa. As patrulhassubiam e desciam; nas janelashavia muita gente espiando eesperando qualquer coisa. Tí-nhamos deixado a estação doMangue, quando de todos os la-dos, das esquinas, das portas edo próprio bonde partiam gri-tos: Vira! Vira! Salta! Salta!Queima! Queima!

O cocheiro parou. Os passa-geiros saltaram. Num momen-to o bonde estava cercado porum grande magote de popula-res à frente do qual se movia umbando multicor de moleques, es-

pécie de poeira humana que os motins le-vantam alto e dão heroicidade. Num ápice,o veículo foi retirado das linhas, untado dequerosene e ardeu. Continuei a pé. Pelo ca-minho a mesma atmosfera de terror e expec-tativa. Uma força de cavalaria de polícia,de sabre desembainhado, corria em direçãoao bonde incendiado. Logo que ela se afas-tou um pouco, de um grupo partiu uma tre-menda assuada. Os assobios eram estri-dentes e longos; havia muito da força e dafraqueza do populacho naquela ingênuaarma. E por todo o caminho, este cenáriose repetia.

Uma força passava, era vaiada; se carre-gava sobre o povo, este dispersava-se, frag-mentava-se, pulverizava-se, ficando um ououtro a receber lambadas num canto ou numportal fechado. O largo de São Francisco eramesmo uma praça de guerra. Por detrás daEscola Politécnica, havia uma força e os to-ques da ordenança sucediam-se conforme asregras e preceitos militares. Parei. Um ofi-

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O MÉDICO DO BRASIL

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tem ligação alguma com o que tiroteia aco-lá. São independentes; não há um chefe ge-ral nem um plano estabelecido. Numa es-quina, numa travessa, forma-se um grupo,seis, dez, vinte pessoas diferentes, de profis-são, inteligência, e moralidade. Começa-sea discutir, ataca-se o governo; passa o bon-de e alguém lembra: vamos queimá-lo. Osoutros não refletem, nada objetam e correma incendiar o bonde.

O apagamento momentâneo da honesti-dade e a revolta contra pessoas inacessíveislevam os melhores a esses atentados brutaiscontra a propriedade particular e pública.Concorre também muito a nossa perversi-dade natural, o nosso desejo de destruir,

QUEM FOI?

Afonso Henriques de

Lima Barreto(1881-1922)

Nascido no Rio de Janeiro, Lima Barreto

era filho de tipógrafo. Mestiço, pobre e

alcoólatra, sofreu preconceito e desprezo

da elite da época e foi ignorado pela crítica

quando lançou suas primeiras obras.

Escreveu em vários jornais cariocas e

concorreu duas vezes, sem sucesso, a uma

cadeira na Academia Brasileira de Letras.

Internado duas vezes em hospícios, morreu

de colapso cardíaco, solteiro, aos 41 anos.

É considerado o grande romancista da

Primeira República, pois sua obra discute

os acontecimentos de seu tempo, suas

questões e contradições, revelando a

mentalidade e detalhes da vida no Rio de

Janeiro. O triste fim de Policarpo Quaresma

é um exemplo de sua habilidade literária.

que, adormecido no fundo de nós mesmos,surge nesses momentos, quando a lei foi es-quecida e a opinião não nos vigia.

No jornal exultava-se. As vitórias do povotinham hinos de vitórias da pátria. Exage-rava-se, mentia-se, para se exaltar a popu-lação. Em tal lugar, a polícia foi repelida;em tal outro, recusou-se a atirar sobre o povo.Eu não fui para casa, dormi pelos cantos daredação e assisti à tiragem do jornal: tinhaaumentado cinco mil exemplares. Pareciaque a multidão o procurava como estimu-lante para a sua atitude belicosa. O serviçonormal da folha fazia-se com atividade. Osrepórteres iam aos lugares perigosos, aos pon-tos mais castigados pela polícia, corriam acidade em tílburis. Nem os revisores nem osseus suplentes faltavam à chamada; outrotanto sucedia com os tipógrafos e os outrosoperários.

Toda essa abnegação era para garantiros seus mesquinhos empregos. Um pobre ti-pógrafo, que morava para a Saúde, onde otrânsito se fazia com os maiores perigos, fi-cou todos os três dias no jornal. Temia sermorto por uma bala pedida. Houvera mui-tas mortes assim, mas os jornais não as no-ticiavam. Todos eles procuravam lisonjeara multidão, mantê-la naquelas refregas san-grentas, que lhes aumentava a venda. Nãoqueriam abater a coragem do povo com aimagem aterradora da morte. A polícia ati-rava e não matava; os populares atiravam enão matavam. Parecia um torneio... Entre-tanto eu vi morrer quase em frente ao jornalum popular. Era de tarde. O pequeno italia-no, na esquina, apregoava os jornais da tar-de: Notícia! Tribuna! Despacho!

De há muito que a rua parecia retomar asua vida normal. Durante todo o dia os pas-seios se fizeram como nos dias comuns; repe-tidamente, porém, uns grupos que paravamno canto do largo de São Francisco vaiarama polícia. O esquadrão, com o alferes na fren-te, partiu como uma flecha e foi descendo arua do Ouvidor, distribuindo cutiladas paratodos os lados. O pequeno vendedor de jor-nais não teve tempo de fugir e foi derrubadopelos primeiros cavalos e envolvido nas pa-tas dos seguintes, que o atiraram de um ladopara outro como se fosse um bocado de lama.

Page 40: Oswaldo Cruz - O Médico do Brasil

OSWALDO CRUZ

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Renasce o orgulhocarioca

Apesar do alto preço — de-molições, populações desabri-gadas, proliferação de favelase uma revolta popular semprecedentes — o Rio de Janei-ro passou por uma metamor-fose. Seu aspecto provincianodeu lugar a construções sun-tuosas, estrategicamente loca-lizadas nas novas avenidas docentro. A valorização dessa ci-dade burguesa e moderna es-

CIDADE SAUDÁVELO conceito de cidade saudável serve como

parâmetro para nortear as políticas de saúdepública em diversos países do mundo, desde

que foi adotado pela Organização Mundial deSaúde, em 1995. As condições que uma cidadesaudável deve ter são as seguintes: ambiente

limpo, sem poluição e seguro, e acesso aeducação, cultura, saúde, assistência social e

trabalho para toda a população. A comunidadedeve ser forte e solidária, consciente da justiçasocial e do bem comum, e deve participar das

decisões do poder público.

Parece impossível? Até 2002, só na Europa1100 cidades foram consideradas saudáveis

pela Organização Mundial de Saúde.

O novo RioO apelido “Cidade

Maravilhosa” foi dado aoRio de Janeiro pelo

jornalista e escritor CoelhoNeto, em artigos quepublicava no jornal

A Notícia, em 1908. Foi,porém, a marchinha “Cidade

maravilhosa”, lançada nocarnaval de 1934 pelo

compositor baiano AndréFilho, que imortalizou a

expressão e se transformouno hino da cidade do

Rio de Janeiro.

tava entre os ideais do iníciodo século XX: o Rio de Janei-ro queria parecer Paris.

O sentimento de orgulhoaumentava, nutrido por artigosde jornais e destaques nos dis-cursos políticos. Assim, quan-do Afonso Pena assumiu apresidência da República, emnovembro de 1906, suceden-do Rodrigues Alves, o Rio deJaneiro já era conhecido comoa cidade mais linda do mun-do, a “Cidade Maravilhosa”.

CIDADEMARAVILHOSA

(HINO DA CIDADE DO RIO DE JANEIRO)André Filho

Cidade maravilhosa, cheia de encantos milCidade maravilhosa, coração do meu BrasilBerço do samba e das lindas canções,Que vivem n’alma da genteÉs o altar dos nossos coraçõesQue cantam alegrementeCidade maravilhosa, cheia de encantos milCidade maravilhosa, coração do meu BrasilJardim florido de amor e saudade,Terra que a todos seduzQue Deus te cubra de felicidade,Ninho de sonho e de luzCidade maravilhosa, cheia de encantos milCidade maravilhosa, coração do meu Brasil

“O grande segredo para a plenitude

é muito simples: compartilhar.” Sócrates, filósofo grego

Lei no 5, de 25/8/1960; Lei no 488, de 27/10/1964

Oswaldo Cruz em postal de J. Pinto, 24/12/1915

Page 41: Oswaldo Cruz - O Médico do Brasil

O MÉDICO DO BRASIL

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TRECHO DO ARTIGO

DE OLAVO BILAC NA

GAZETA DE NOTÍCIAS

DE 19 DE NOVEMBRO

DE 1905, SOBRE AINAUGURAÇÃO DA

AVENIDA CENTRAL

(ATUAL AVENIDA RIO

BRANCO)

* Dixe: ornamento, jóia, enfeiteBalázio: tiros, balasBernardas: revolta popular, motim, desordem públicaPersigal: curral de porcos, chiqueiro, pocilga

A “AGENDA 21”A “Agenda 21 Global” foi lançada como modelo para o desenvolvimento sustentável na Conferência

das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento Humano, a ECO-92, realizada em 1992 noRio de Janeiro. A agenda é uma pauta de ações para satisfazer as necessidades atuais dos habitantes doplaneta, sem comprometer os recursos ambientais necessários às próximas gerações. Sugere atividades

que estejam em harmonia com a natureza, promovendo a qualidade de vida de toda a sociedade.O documento serviu como base para cada país elaborar e implementar sua própria

“Agenda 21”, nacional e regional. Dos 180 países presentes na Conferência, 179 assinaram a agenda.Os Estados Unidos foram o único país a não assinar o documento.

Já vistes alguma vez uma criança pobre,dessas que raras vezes têm a sorte grande deuma verdadeira alegria, receber um brinque-do caro, um boneco ricamente vestido, umdixe* de preciosa beleza? A criança, a princí-pio, tem medo de aceitar o presente inespera-do; estende as mãos, retrai-as — como quemreceia uma cilada do destino mau… Anima-se por fim, apanha o brinquedo com mil pre-cauções, com as mãos trêmulas; apalpa-o deleve, de manso; toma-lhe o peso, mede-o comos olhos ávidos; e fica a mirar o tesouro, tonta,aparvalhada, sem falar, sem rir, sem chorar…

O meu bom povo está como essa criança.Que é que lhe haviam dado os governos até

agora? Impostos e pau; ruas tortas e sujas,casas imundadas… E às vezes atravessadaspor balázios*; estados de sítio e bernardas*;febre amarela e tédio …

Ele, o deserdado, não se queixava. Lá dizPerrault, no seu conto imortal, que a GataBorralheira passava as noites olhando para

Inauguração da avenida Central, novembro de 1905

ICONOGRAPHIA

o borralho, sem esperança e sem revolta, comoquem sabe que só veio ao mundo para traba-lhar e sofrer… Assim o povo carioca, resigna-do, ia vivendo a sua vida triste, habituado aovasto persigal* que lhe davam por morada,sem outro ideal que o de comer duas vezes etrabalhar dez horas por dia, com só diverti-mento de politicar um bocadinho e a só como-ção de arriscar todos os dias dez tostões nacobra ou no peru…

E eis que, de repente, alguém lhe tapa osolhos, e leva-o assim vendado a um certo lu-gar, e retira-lhe a venda, e mostra-lhe umaavenida esplêndida, bordada de palácios, echeia de ar e de luz — e diz-lhe: “Recebe isto,que é teu! folga e regala-te! Teve um fim o teuaviltamento, e começa a ter o que todos os ou-tros povos já têm: um pouco de decência natua casa, e um pouco de aventura na tua vida!”.

Page 42: Oswaldo Cruz - O Médico do Brasil

OSWALDO CRUZ

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Louros e glóriasOswaldo Cruz e oInstitutoSoroterápico

O Instituto SoroterápicoFederal foi beneficiado pelofato de seu diretor, OswaldoCruz, estar também no co-mando da Saúde Pública. Aspesquisas científicas, concen-tradas no combate à varíola, àfebre amarela e à peste bubô-nica no Rio de Janeiro, foramexpandidas e diversificadas.

Nele iniciaram-se pesqui-sas e produção de imunobio-lógicos contra tuberculose,cólera, malária e outras doen-ças parasitárias. Também fo-ram desenvolvidos produtospara as epizootias, que causa-vam prejuízo à agropecuária.

Essas medidas consolidaram aimportância do instituto naárea de saúde social.

Oswaldo Cruz estimulouainda o setor de ensino. Os cur-

sos de Aplicação se destinavamaos doutorandos, que pesqui-savam nos laboratórios do ins-tituto, e a médicos já formados,que queriam se aperfeiçoar.

Oswaldo Cruz é recebido como herói nacional no Rio de Janeiro, aovoltar de Berlim, em 1908

As novas tecnologias na época de Oswaldo CruzUm grande avanço tecnológico ocorreu no final do século XIX e no início do século XX,

quando novas fontes de produção de energia foram usadas nos processos produtivos, surgindo o automóvel, a telefonia, o fonógrafo, a fotografia, o cinematógrafo, entre outros inventos que

sinalizavam o ingresso da humanidade nos tempos modernos.

A eletricidade foi uma das formas de manifestação da modernidade. No Brasil foraminstaladas durante o Império as primeiras usinas hidrelétricas e termelétricas. No Rio de Janeiro,

capital do Império, a inauguração da rede de energia elétrica foi a iluminação da EstaçãoCentral da Estrada de Ferro dom Pedro II, em 1879, atual Central do Brasil.

Nos primeiros anos da República, a energia elétrica passou a ser usada como força motrizna indústria, na iluminação pública e nos transportes. Uma nova e dinâmica paisagem deu à

cidade do Rio uma moderna vida cotidiana.

A figura do acendedor de lampiões a gás deixou de fazer parte deste cenário. Os bondes,antes puxados por tração animal, ficaram mais rápidos e cobriam distâncias maiores.

A malha ferroviária ligando as zonas norte e oeste da cidade, e as linhas de bonde até a zona sulpromoveram o crescimento urbano dessas áreas.

Acabaram-se a fuligem, o mau cheiro e os iminentes riscos de incêndio pelo usoconstante do gás. Apareceram os eletrodomésticos: ventiladores, ferros de passar roupa,máquinas de lavar, geladeiras e máquinas de costura. As pessoas subiam e desciam em

elevadores e escadas rolantes. As lâmpadas elétricas iluminavam melhora vida noturna, criando novos hábitos domésticos e sociais.

Page 43: Oswaldo Cruz - O Médico do Brasil

O MÉDICO DO BRASIL

41

Os bondes são todos electricos e andão com uma

velocidade de aterrar. Ha alem dos bondes, que se

succedem todos os segundos, formando quase que uma

fila contínua, um trem subterraneo e varios aereos, de

maneira que quem passa pela rua tem sobre a cabeça um

camboio a desfilar com toda a rapidez e sob os pés um

outro. O barulho é infernal e ha uma verdadeira agitação

na colmeia. No hotel ha a disposição dos hospedes: o

telephone por “todo o mundo, o telephone urbano, agencia

de bilhetes prá todos os theatros, caminhos de ferro e

vapores ha empregados que escrevem sob dictados em

machinas de escrever. [...]

Interessante é o culto que aqui estende pelos elevadores:

o americano tem um orgulho enorme dessa verdadeira

instituição nacional, que os leva em menos de 1 minuto ao

20o ou ao 30o andar das colossaes casas, que eles

denominam “arranhadores do céu”. Queria ver-te ou á

tua mãe num desses elevadores: apenas se entra, que elles,

sobem ou descem numa carreira vertiginosa que quase

tonteia! E cada casa tem 4 ou 5 elevadores que, por assim

dizer, nunca páram — Como já te disse os carros de praça

aqui são carissimos e são os denominados “cab” que são

pequenas victorias, em que o cocheiro vai sentado, frente

á tolda e por traz do carro.

O fascínio de Oswaldo Cruz pela

modernidade nova-iorquina transparece

neste trecho da carta que escreveu à

esposa em 10 de novembro de 1907*:

Premiação brasileiraem Berlim

Em 1907, o Brasil partici-pou da exposição de Higienedo XIV Congresso de Higie-ne e Demografia de Berlim.Chefiada por Oswaldo Cruz,a equipe brasileira — a únicada América do Sul presente àexposição — apresentou ostrabalhos do Instituto Sorote-rápico Federal: soros, vacinase fotos de insetos tropicais,entre outros.

Tanto a exposição como osestudos divulgados pelos cien-tistas brasileiros durante ocongresso garantiram o pri-meiro prêmio à delegação: amedalha de ouro. A repercus-são na imprensa brasileiranão poderia ter sido melhor.

Um périplointernacional

De Berlim, Oswaldo Cruzviajou a Paris, onde visitou oInstituto Pasteur. Em seguida,

“Os volts, watts,ampères, hertz,roentgen, mach.

É já o mundo modernono qual vivemos.”

Machado de Assis

foi a Nova York, onde, emnome de Rodrigues Alves, le-vou a boa notícia da erradi-cação da febre amarela doRio de Janeiro ao presidenteTheodore Roosevelt.

No México, assumiu, comrepresentantes de governos depaíses da América Central, ocompromisso de criar uma le-gislação sanitária para erradi-car a febre amarela de seusterritórios. Ao retornar ao Bra-sil, no início de 1908, umamultidão o esperava no porto,ansiosa para saudar o maisnovo herói nacional. O Rio deJaneiro, que se transformarana “Paris das Américas”, tinhaagora o seu “Pasteur”.

* Texto em ortografia originalAnúncio do início do século XX

Page 44: Oswaldo Cruz - O Médico do Brasil

OSWALDO CRUZ

42

Uma luta perdidaO plano frustrado

No governo Afonso Pena,que sucedeu o de RodriguesAlves, Oswaldo Cruz mante-ve-se à frente da DiretoriaGeral de Saúde Pública. Noentanto, o cargo já não lhe ga-rantia o mesmo poder de de-cisão e de persuasão políticajunto à presidência. Muitos deseus planos para a saúde pú-blica não sairiam do papel.Um deles — talvez o mais im-portante para a população —era o combate à tuberculoseou peste branca, como a doen-ça era conhecida.

Os números revelavam umasituação aguda no Rio de Ja-neiro. De 1901 a 1907, foram16 690 mortes, sete vezes maisque a mortandade por febreamarela: 2 256. O combate aomal, que ainda não tinha cura,dependia de medidas profilá-ticas, como o isolamento dosdoentes em locais adequados

— os sanatórios de cura — ea educação da população. Atéaquela época, cabia ao gover-no dar assistência aos doentessem recursos. Os sanatórioseram particulares, caros, e lo-calizados em regiões monta-nhosas, consideradas saudá-veis para os doentes.

O objetivo de Oswaldo Cruzera justamente o de dar a to-dos os doentes aquilo que sóos mais ricos podiam ter. Alémde propor medidas de contro-le, tratamento e isolamento,seu projeto contra a tubercu-lose previa uma aposentadoriapara os trabalhadores, pelotempo que durasse a doença.

Uma das demandas do pla-no dizia respeito ao controledos animais. Todo o gado lei-teiro deveria ser submetido aoteste de Koch, feito com a tu-berculina produzida em Man-guinhos. Essa medida irritouos produtores.

Oswaldo Cruz jogaa toalha

Ao contrário da febre ama-rela, que atingia a todos, a tu-berculose vitimava sobretudopessoas pobres, moradoras delocais insalubres e rústicos.Por isso, o governo não a clas-sificou como calamidade pú-blica e não liberou a verba ne-cessária para combatê-la.

Oswaldo Cruz estava des-gostoso com a falta de empe-nho do novo presidente nasquestões da tuberculose, entreoutras medidas sanitárias bar-radas. Em novembro de 1909,com a entrada em vigor deuma lei que proibia a acumu-lação de cargos no serviço pú-blico federal, optou por deixara Diretoria Geral de Saúde Pú-blica e permanecer à frente deManguinhos, já então trans-formado em Instituto Oswal-do Cruz.

Charges alusivas à luta de Oswaldo Cruz contra a tuberculose

Page 45: Oswaldo Cruz - O Médico do Brasil

O MÉDICO DO BRASIL

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TuberculoseO que éDoença infectocontagiosa provocada pelo

bacilo de Koch, cujo nome científico éMycobacterium tuberculosis. Acometegeralmente os pulmões e pode se espalharpelas juntas e outras partes do corpo,levando a um quadro grave.

TransmissãoO bacilo é transmitido de uma pessoa a

outra por beijo, perdigotos, respiração,espirro, tosse e também por partículassuspensas no ar. Atinge mais as pessoas malnutridas ou com baixa resistência.

SintomasPerda de peso, suores noturnos, dores no

peito, febre (geralmente à tarde), catarrocom sangue e tosse com ou sem catarro, deduração prolongada, por mais de um mês.

PrevençãoVacina BCG em crianças no primeiro

mês de vida, imunizando contra um tipoespecífico de tuberculose que atinge asmeninges. Hoje, defende-se a revacinação,principalmente dos profissionais de saúde.

PARA A SORTE DO DIA-A-DIA

Trevo-de-quatro-folhasEncontrar um trevo-de-quatro-folhas,

raríssimo, é sinal de boa sorte e confirmaçãode que seus desejos irão se realizar. Mas sóvale para os encontrados na natureza; os que

forem comprados não têm efeito.

Estrela cadenteTer a sorte de ver uma estrela cadente no céué sinal de bons presságios. Ao vê-la, faça um

pedido e ele se realizará.

Joaninha na mãoSe uma joaninha pousar em seu dedo, é sinal

de que você foi escolhido para fazer umpedido. Preste atenção à direção em que ela

voar; daquele lado virá sua sorte!

Dinheiro na ruaEncontrar dinheiro na rua significa sorte para o

felizardo. Se for uma moeda ou uma notadobrada, é sinal de que algo será transformado

para melhor! Esse dinheiro não poderá sergasto. Deve ficar guardado como um talismã,

garantia de abundância a seu portador.

Beija-florSímbolo de alegria e prazer, o beija-flor é

considerado pelos índios um pássaro fiel, querepresenta beleza e alegria. Se um deles voar

sobre sua cabeça, estará anunciando achegada de alguma boa notícia.

O osso maior da forquilhaDepois de saborear uma galinha, duas

pessoas pegam o osso em forma de Y dopeito, seguram em suas pontas, fazendo umpedido oculto, e as puxam. Quem ficar com a

parte maior terá o desejo realizado.

Grilos e lagartixasEsses pequenos animais significam boa sorte

ao lar. O canto do grilo dentro da moradaanuncia dinheiro à vista. A lagartixa, símboloda resistência, ao grudar na parede da casa,

deixa a sorte colada na superfície.

Você sabia?

� Um terço da população mundial está infectadocom o bacilo da tuberculose. Entre as vítimas,

há 45 milhões de brasileiros.

� 5% a 10% dos infectados desenvolvem a doença.

� Cerca de 30 milhões de pessoas no mundo

podem morrer da doença nos próximos dez anos.

� Cerca de 6 mil brasileiros morrem de tuberculosepor ano.

Duvida sempre de ti mesmo,até que os dados não deixem lugar

para dúvidas.(Louis Pasteur, sobre a importância das pesquisas)

Page 46: Oswaldo Cruz - O Médico do Brasil

OSWALDO CRUZ

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O senhor do casteloA ciência ganha seutemplo

Durante seus primeirosanos, o Instituto Soroterápi-co Federal funcionou em pre-cárias instalações, na Fazen-da Manguinhos. Em 1905,Oswaldo Cruz encomendouao arquiteto português Luísde Moraes Júnior a constru-ção de um imponente casteloem estilo neomourisco, queseria o centro do conjunto ar-quitetônico de Manguinhos.O objetivo era dar à ciênciabrasileira um “templo”, paraque fosse reconhecida e pre-servada, e garantir que essetemplo fosse visível, em todaa sua majestade, pelos tripu-lantes e passageiros dos na-vios estrangeiros que passas-sem pelo Rio de Janeiro.

O projeto, inspirado no pa-lácio árabe de Alhambra, emGranada, na Espanha, tevecomo base um desenho do

próprio Oswaldo. A constru-ção contou com ricos materiaistrazidos de longe: maçanetasde ouro dos Estados Unidos,vitrais da Alemanha, escadasde mármore de Carrara elouças de banheiro da Ingla-terra.

Quando ficou pronto, em1918, o Castelo de Mangui-nhos — chamado também dePavilhão Mourisco — tinha,além de muito luxo, instala-ções que igualavam seus la-boratórios de pesquisa aosmais modernos do mundo.

Em 1981, o prédio seria tom-bado pelo Instituto do Patri-mônio Histórico e ArtísticoNacional.

Uma equipede peso

Oswaldo Cruz privilegiavao intercâmbio científico, en-viando pesquisadores paraestágios e cursos de aperfei-çoamento em laboratórios naEuropa e nos Estados Unidos,e contratando cientistas euro-peus de renome para traba-lhar no instituto.

Para compor sua equipe,trouxe Carlos Chagas e, deSão Paulo, Adolfo Lutz. En-tre os muitos cientistas impor-tantes do instituto, constavamnomes como Gaspar Viana eJosé Gomes de Faria — que,em 1910, publicaria a desco-berta do parasita Ancylosto-ma braziliens, causador doamarelão.

Desenho de Oswaldo Cruz queserviu de base para o projeto dopavilhão Mourisco

Castelo de ManguinhosOswaldo Cruz e cientistas no antigo refeitório deManguinhos

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O MÉDICO DO BRASIL

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Os cientistasviajantes

No início do século XX, asdoenças representavam um sé-rio empecilho às obras de en-genharia, às exportações e aodesenvolvimento da agricultu-ra. Grande parte dos trabalha-dores dos portos, estradas deferro e lavoura era atingida

Madeira–Mamoré – a Ferroviado Diabo� A construção da estrada foi uma verdadeira torre

de Babel. No seu auge, havia trabalhadoresbrasileiros, espanhóis, italianos, dinamarqueses,gregos, poloneses, indianos, húngaros e até dailha de Barbados, nas Antilhas.

� O número exato de mortos durante a construçãonão é conhecido. Há depoimentos que falam em33 mil. Talvez por isso ainda hoje as histórias elendas sobre a ferrovia sejam tão presentes nosconfins do Brasil. Uma delas diz que, para cadadormente colocado, uma vida foi perdida.

� A Madeira–Mamoré foi desativada em 1979.

por doenças como a malária,a febre amarela ou a varíola.

Empresas particulares e go-vernamentais procuraram oInstituto Oswaldo Cruz paraorganizar expedições científi-cas a vários cantos do país, natentativa de solucionar casosde doenças endêmicas e baniras epidemias. O primeiro in-ventário moderno sobre saú-

de e condições devida das populaçõesrurais resultou dotrabalho dessasequipes. Levavamfotógrafos e atémesmo cinegrafis-tas para documen-tar os procedimen-tos e registrar emimagens a situa-ção dos habitantes.Pouco se sabiasobre o que nãoestava na faixa li-torânea do país,mais populosa edesenvolvida.

QUEM FOI?

Carlos RibeiroJustiniano Chagas

(1878-1934)

Mineiro de Oliveira, nasceu em 9 de

julho de 1878. Cursou a Faculdade de

Medicina do Rio de Janeiro. Recebeu

reconhecimento na ciência internacional por

ter descoberto, em 1908, o mal que abatia

os sertanejos com sintomas de cansaço e

aceleração cardíaca. Chagas identificou

todo o ciclo da doença: o hospedeiro

(o inseto barbeiro); o agente causal

(o protozoário denominado Trypanosoma

cruzi, em homenagem a Oswaldo Cruz,

seu parceiro científico); o reservatório

doméstico do parasita; e, por fim, a doença,

que foi chamada de doença de Chagas.

A descoberta aconteceu na cidade de

Lassance, quando chefiava uma expedição

sanitária para combater a malária no norte

de Minas. Com a morte de Oswaldo Cruz,

em 1917, Chagas assumiu a direção do

Instituto Oswaldo Cruz, onde permaneceria

até o fim da vida, em 1934.

Como diretor do Instituto,Oswaldo Cruz supervisionouinúmeras expedições e parti-cipou pessoalmente de algu-mas delas.

A Ferrovia do DiaboEntre julho e setembro de

1910, Oswaldo Cruz, acompa-nhado de Belisário Pena, co-mandou uma expedição a Por-to Velho (RO), onde estava sen-do construída a ferrovia Ma-deira–Mamoré. Por apresentarum alto índice de mortalidadede trabalhadores, por causa dedoenças como beribéri, pneu-monia e principalmente malá-ria, a estrada era conhecidacomo Ferrovia do Diabo.Oswaldo levou aos trabalhado-res medidas profiláticas e umadura campanha sanitária: do-ses maciças de quinino e, nopôr-do-sol, recolhimento obri-gatório nos alojamentos sobproteção de mosquiteiros. Odescumprimento das regrasacarretaria descontos salariais.

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OSWALDO CRUZ

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A experiênciacarioca no Pará

Chamado pelo governo doPará para erradicar a febre ama-rela do porto de Belém, Oswal-do Cruz levou do Rio de Janei-ro uma das antigas brigadas demata-mosquitos e alguns médi-cos que trabalharam no sanea-mento da capital. Implantou umplano de combate à epidemia econvocou João Pedroso para co-mandar a campanha, nos mol-des da que havia levado a cabono Rio: caça aos mosquitos, iso-lamento dos doentes, expurgose desinfecções. A erradicaçãoda epidemia foi alcançada emseis meses.

As campanhassupervisionadas porOswaldo Cruz

As expedições mais signifi-cativas ocorreram entre 1911e 1913. Sempre sob a lideran-ça de importantes pesquisado-res, penetravam regiões distan-tes da capital: Astrogildo Ma-chado e Antônio Martins foramaos vales do São Francisco edo Tocantins; Artur Neiva eBelisário Pena estiveram emGoiás, Pernambuco, Piauí eBahia; João Pedro de Albu-querque e José Gomes de Fa-ria, no Ceará e Piauí; novamen-te Astrogildo Machado, destavez com Adolfo Lutz, visitouos povoados ribeirinhos ao lon-go do rio São Francisco; e Car-los Chagas, Pacheco Leão eJoão Pedroso trabalharam nabacia Amazônica.

Dicas para umaexpedição na mata� Antes de sair, identifique-se

no posto de controle da região.� Anote o número do telefone

do resgate ou do Corpo de Bombeiros.� Siga pelas trilhas principais e pelas já

abertas, de preferência com um guia.� Não grite, para não assustar os bichos.� Não acaricie nem alimente animais,

mesmo os pequenos ou inofensivos.� Seja cuidadoso ao entrar em cavernas;

além de servir de abrigo para espéciesperigosas, elas têm passagens estreitas,lagos submersos e galerias.

� Não ponha as mãos em buracos naterra ou sob pedras, que podem serrefúgio de animais.

� Não deixe seu lixo no caminho.Guarde-o para ser jogado na cidade.

� Nunca queime nem enterre qualquertipo de resíduo não-orgânico.

� Previna-se contra picadas de insetos.� Procure saber quais doenças são

comuns na região e previna-se comvacinas, se necessário.

� Use roupas e calçados adequados paraum longo período de caminhada.

� Beba água a cada meia hora, paragarantir sua hidratação.

� Alimente-se várias vezes ao dia, empequenas quantidades.

Mata-mosquitos em frente a uma casa coberta para desinfecção,em Belém

O QUE NÃOPODE FALTAR NA

MOCHILA Protetor solar,

antialérgicos, pomadapara picadas de insetos,soro fisiológico, kit de

primeiros socorros,repelente, telefonecelular com bateria

reserva, lanterna e pilhasreserva, bússola, apito de

emergência, canivete,fósforos, cantil com água,

frutas in natura oucristalizadas, sanduíches

(feitos no dia, semmaionese ou requeijão),

biscoitos, barras decereais e chocolates,boné, óculos escuros,

mapa da região,documentos com

identificação de tiposangüíneo e aviso sobre

possíveis reaçõesalérgicas.

Ao conviver com a natureza,

não tire nada além de fotos,

não deixe nada além de pegadas,

não mate nada além do tempo.

Page 49: Oswaldo Cruz - O Médico do Brasil

O MÉDICO DO BRASIL

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� Por atingir pessoas quegeralmente moram em regiõespantanosas, a maláriatambém é conhecida comoimpaludismo ou febre palustre(dos pântanos).

� A cada ano são registradoscerca de 500 milhões de casosno mundo, entre infectados edoentes. Em cada cem,noventa ocorrem na África.

� Antigamente acreditava-se queas doenças eram transmitidaspelos “maus ares” de locaisinsalubres e pantanosos. Emitaliano, “maus ares” é malaria— daí o nome da doença.

MaláriaO que é

Doença comum no mundo inteiro, causada pelomicrorganismo plasmódio, cujo agente transmissor é a fêmeado mosquito Anopheles.

Sintomas

Febre intermitente, calafrios, suor, dor de cabeça, enjôos,vômitos, fraqueza. Pode levar à morte.

Tratamento e prevenção

Não existe vacina contra a doença. O ideal é evitar aspicadas dos mosquitos. Quem mora ou circula em áreas derisco deve proteger-se com repelente, usar calças e camisas demanga comprida, colocar telas em portas e janelas, cobrircamas e redes com mosquiteiros e usar inseticida nos locaisonde dorme.

O tratamento deve ser iniciado assim que a doença forconfirmada por exame de sangue. Hoje já existem algumasterapias eficazes, com cloroquina.

Astrogildo Machado e Antônio Martins - 1911

Belisário Pena e Artur Neiva - 1912

João P. de Albuquerque e José G. de Faria - 1912

Adolfo Lutz e Astrogildo Machado - 1912

Carlos Chagas, Pacheco Leão e João P. de Albuquerque - 1912-1913

A MALÁRIA NOBRASIL

Em 1999, o paísregistrou mais de 600 milcasos de malária. Em 2001,foram tomadas novasmedidas de controle.O índice caiu para 390 mil,mas o número ainda émuito alto. O Brasil estáatrás apenas dos paísesafricanos e da Índia nonúmero de doentes.O combate à maláriarepresenta um grandedesafio para a saúdepública, já que a doençacausa mortes e internações,afastando pessoas dotrabalho e crianças daescola por longos períodos.

Mapa com a rota de cinco expedições sanitárias supervisionadaspor Oswaldo Cruz

Você sabia?

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OSWALDO CRUZ

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O MovimentoSanitarista

À medida que os relatos dasexpedições chegavam à capi-tal, crescia a discussão sobreas condições sociais do inte-rior do país. Começava a cairpor terra a concepção de queos problemas do Brasil se ex-plicavam pela composição ra-cial do povo e pelo climaquente dos trópicos, propícioa doenças e até mesmo à pre-guiça. Nascia o MovimentoSanitarista, que defendia aidéia de que não haveria de-senvolvimento nacional se asmoléstias endêmicas não fos-sem satisfatoriamente combati-das. Representantes de vários

segmentos da sociedade se en-gajaram em uma campanhapelo saneamento dos sertões.

Em 1918, surgiu a Liga PróSaneamento do Brasil, presi-dida por Belisário Pena. O ob-jetivo era instituir uma políti-ca nacional de saneamento.Em janeiro de 1920 foi criadoo Departamento Nacional deSaúde Pública. Seu diretor,Carlos Chagas, em pouco tem-po organizaria os serviçossanitários e ampliaria a res-ponsabilidade da União na pro-moção e regulação da saúdepública em todo o país.

Infelizmente Oswaldo Cruznão viveria para ver os resul-tados de sua política expedi-cionária de saúde.

O Jeca Tatu éredimido

Monteiro Lobato foi umdos líderes do MovimentoSanitarista. Crítico da socie-dade brasileira, Lobato criouo personagem Jeca Tatu, quesimbolizava o caipira pregui-çoso e sem vontade de ven-cer, de pouca ambição e vi-são curta para o progresso eo bem comum. O escritor in-tegrou-se ao movimento em1918, após refazer a ima-gem que traçara do JecaTatu. Lobato mostrou o es-pírito da campanha quandoafirmou que “O Jeca não éassim; ele está assim porqueestá doente”.

Carlos Chagas (no centro da foto) àsmargens do rio Negro, em São Gabriel daCachoeira (AM), 1913Acampamento em Bebe Mijo (PI), junho de 1912

A água silenciosa é a mais perigosa.

A calúnia é como carvão, quando não queima,suja a mão.

A sorte faz parentes, a escolha faz amigos.

Casa onde falta pão, todos brigam e ninguémtem razão.

Na boca do discreto, o público se torna secreto.

Tempestade no mar, gaivotas em terra.

Conhece-se o marinheiro no meio datempestade.

De mau grão, nunca bom pão.

Mais vale cuidar do nosso de longe do quedo alheio de perto.

Conforme é o passarinho, assim é o ninho.

Quem hesita perde a chance.

Na boca do mentiroso, o certo se faz duvidoso.

PROVÉRBIOS

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O MÉDICO DO BRASIL

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JECA TATUZINHO

Numa casa de sapéLá na beira do caminhocom dois filhos e a “muié”Mora o Jeca TatuzinhoNo terreiro uma galinhaum galo velho e um leitãoe o quintal sem plantaçãoJeca vive descansandoNunca tem disposiçãoPassa o dia se espreguiçandoDiz que pro trabalhoNão tem vocaçãoNuma tarde que choviaUm doutor por lá passouVendo Jeca que sofriaUm remédio receitouE lhe disse: meu amigo,Não ande mais de pé no chão:Sua doença é amarelãoJeca comprou sapatoPrá família e prá a toda a criaçãoDava gosto a gente “vê” galinhade botina e galo de botinão.

Quem é Jeca TatuSinônimo e símbolo de caboclo do interior, segundo o Dicionário Aurélio,

o personagem Jeca Tatu aparece pela primeira vez em dois artigos de Monteiro Lobato

(“Velha Praga” e “Urupês”, de 1914). Caipira preguiçoso, que a qualquer tarefa

responde “não paga a pena”, tem sua origem no interior de São Paulo, onde Lobatoera fazendeiro. Na época, o autor o compara a um urupê – parasita que suga a planta

saudável. Lobato, porém, reveria a imagem pejorativa do personagem sob influência

do Movimento Sanitarista e popularizaria sua nova opinião num folheto depropaganda farmacêutica onde o herói é o Jeca Tatuzinho.

Curado, Jeca torna-se um modelo saudável, exemplo de amor ao trabalho, e vai ser

o garoto-propaganda do Biotônico Fontoura no almanaque de mesmo nome – a peçapublicitária de maior sucesso na história da propaganda brasileira.

Quem passar pelo caminhoFica logo admiradoJá não tem mais o ranchinhoNo lugar tem um sobradoHoje em dia, o TatuzinhoÉ o maior dos “fazendeiros”Tem saúde e tem dinheiroSua história é uma liçãoPrá quem anda de pé no chãoSapato no pé prá não “entrá” os “bichinho”É a receita do Jeca Tatuzinho.Fonte: “O velho almanaque vai fazer 50 anos”, in O Estado de S. Paulo,21/5/1969.

“Está provado que tens no sangue e nas tripas um jardim zoológicoda pior espécie. É essa bicharia cruel que te faz papudo, feio, molenga, inerte.

Tens culpa disso? Claro que não”Monteiro Lobato, Urupês, prefácio à 4a edição, 1919

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OSWALDO CRUZ

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Alguns pontos do programa para a administração de Petrópoliselaborado por Oswaldo Cruz

Últimas açõesA doença avança

Oswaldo Cruz estava emParis, em 1907, quando soubeque sofria de nefrite, a mes-ma enfermidade que mataraseu pai; ao saber do diagnós-tico, sua reação foi, no míni-mo, excêntrica: traçou um pla-no detalhado de como e ondedeveria ser seu jazigo, na en-costa do Vidigal, na chácarado sogro.

Voltou ao Brasil e continuouseu trabalho obstinado na áreade saneamento, exercendo asfunções de diretor geral deSaúde Pública e diretor do Ins-tituto de Manguinhos. Apósoptar por permanecer apenasà frente do instituto, em 1909,continuou sua luta supervisio-nando e liderando expediçõessanitárias por todo o país e di-

rigindo o grande centro depesquisa.

Foi nesse período queOswaldo começou a sentir agravidade de seu quadro: pas-sava seus dias acompanhandoas pesquisas e os experimen-

tos no instituto, mas preferiaficar só, durante horas, em suasala. Lia com muita dificulda-de; a doença, que castigavaseus rins, também atacava avisão e o deixava abatido.

Bento, o filho mais velho,pediu ao governador do Rio,Nilo Peçanha, que nomeasseo pai para a recém-criada pre-feitura da cidade de Petrópo-lis, vizinha da capital. OswaldoCruz não só aceitou o desafio,como se entregou inteiramen-te ao novo cargo, que ocupouem 17 de agosto de 1916.

Como era de seu feitio, ela-borou um audacioso plano dedesenvolvimento social e ur-bano para a cidade, mas nãoteve tempo de pôr seus proje-tos em prática. A doença seagravava e ele só ficou no car-go por seis meses.

Oswaldo Cruz em óleo do pintorfluminense Batista da Costa

� Organização do serviço sanitário� Rede de esgotos� Regulamentação e fiscalização da venda do

leite� Organização do ensino primário� Parque para ginástica das escolas e educação

física obrigatória em todos os colégios� Imposto (2$000 por metro) sobre terrenos

devolutos� Preparo de gás pobre com lixo e produção de

energia elétrica para os britadores e oficinas� Substituição na prefeitura das carroças de

tração animal por automóveis

� Barragem dos rios e plantio de flores emsuas margens

� Construção de um edifício de diversões� Bondes – linha circular Castelania-Alto

da Serra� Museu Histórico do Império e Jardim

Botânico, no Palácio Imperial� Calçamento de macadame asfaltado e

interlinha dos bondes e paralelepípedos� Repressão da mendicância e criação de

asilos para mendigos� Estatística da população e índice de

analfabetismo

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O MÉDICO DO BRASIL

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Última foto de Oswaldo Cruz,feita no jardim de sua casa, emPetrópolis

O combate a saúvaApesar dos crescentes pro-

blemas de saúde, OswaldoCruz trabalhava com entusias-mo. Antes de assumir a pre-feitura de Petrópolis, dedicou-se ao estudo da erradicaçãoda saúva, a pedido do entãogovernador do estado do Rio,o ex-presidente da RepúblicaNilo Peçanha, preocupadocom a devastação que elaspromoviam nas plantações.

Para combatê-las, o sani-tarista elaborou um plano tãointeressante quanto polêmico,que consistia em disseminarnos formigueiros uma doen-ça fulminante. Mandou fazer,em barro, uma réplica de for-migueiro, na qual uma pare-de de vidro permitia observaros hábitos das saúvas.

Um descolamento da reti-na, infelizmente, forçou-o ainterromper esses estudos.

“Muita saúva e pouca saúde,

os males do Brasil são.”

Mario de Andrade, Macunaíma

A SAÚVA

Uma grande formigaA saúva é uma formiga cortadeira, ou

seja, corta material vegetal como folhas eflores e o carrega até o interior doformigueiro.

As operárias alimentam-se da seiva queas plantas liberam quando são cortadase dividem-se em jardineiras, cortadeiras

e soldados. Todas são fêmeas estéreis.

As jardineiras são as menores e têm como funçãotriturar pedaços de vegetal e inseri-los no meio de umfungo cultivado no formigueiro, para alimentar as larvasque lá se encontram. As cortadeiras, de tamanhomédio, cortam e carregam os vegetais para dentro doformigueiro. Os soldados são as maiores e têm acabeça grande. Cortam as folhas auxiliando ascortadeiras, mas sua principal função é a de proteger acolônia de inimigos naturais.

A rainha é chamada popularmente içá ou tanajura.Muito maior que as operárias, distingue-se facilmentedo resto da colônia. Os machos, chamados bitus,possuem cabeça e mandíbulas bem menores que as darainha, o que facilita sua identificação.

A fundação de novas colônias se faz pelo vôonupcial que ocorre nos meses de outubro a dezembro.

É fácil reconhecer ninhos de saúvas. Encontram-sesempre no solo e são formados por montes de terrasolta, com vários buraquinhos, os “olheiros” por onde asformigas entram e saem.

Dentro do formigueiro as saúvas escavam váriascâmaras que são interligadas por galerias. Nelaspodem ser encontradas câmaras com fungo, com lixo ecom formigas mortas. A rainha fica na câmara real.

Em algumas regiões do Brasil o povo utiliza a içá –ou tanajura – para preparar petiscos. Podem sertorradas, assadas, em paçoca com farinha de mandiocaou de milho etc.

Page 54: Oswaldo Cruz - O Médico do Brasil

OSWALDO CRUZ

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O nome de Oswaldo

Cruz também está

presente na classificação

de alguns seres vivos:

Trypanosoma cruzi:

protozoário causador da

doença de Chagas

Anopheles oswaldoi:

um dos mosquitos

transmissores da malária

Oswaldostrongylus cruzi:

verme parasita das aves

Oswaldotrema nacinovici:

verme parasita de aves

O legado de Oswaldo CruzOswaldo Gonçalves Cruz morreu em 11 de fevereiro de 1917, durante o Carnaval,

aos 44 anos de idade, ao lado da família e dos amigos Belisário Pena, Carlos Chagas eSalles Guerra. Em homenagem cívica, no Theatro Municipal do Rio de Janeiro, no dia 23de maio, Rui Barbosa dirá: “Como viveu, morreu, superior ao seu tempo e ao seu país”.

A memória de Oswaldo Cruz permanece viva — em seu castelo, templo da ciênciae marco do Rio de Janeiro; na Fiocruz, referência em saúde; em nomes de ruas, praças eavenidas, até mesmo em Paris; e junto à população, querepetidamente o escolhe como o mais conhecidocientista brasileiro.

Sinete de Oswaldo Cruz

Selos e cédula em homenagem ao cientista

Medalha de prêmio de mérito científicoque recebeu o nome de Oswaldo Cruz

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O MÉDICO DO BRASIL

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Castelo de Manguinhos

A Fundação Oswaldo CruzUm século depois de nascer como Instituto

Soroterápico Federal, a Fundação Oswaldo Cruzultrapassou seu objetivo inicial — a produçãode soro e vacina contra a peste bubônica queentão ameaçava entrar pelos portos brasileiros.A Fiocruz é hoje o mais importante centro bra-sileiro de pesquisa na área da ciência e tecnolo-gia em saúde. Foi em suas instalações que pelaprimeira vez no país se isolaram os vírus da aids,da dengue e da hepatite A — e, pela primeiravez no mundo, os vírus picobirna e picotrirna,ligados a diarréias no homem e nos animais.

As atividades da Fiocruz, que é vinculada aoMinistério da Saúde, incluem pesquisa, ensino,assistência hospitalar e ambulatorial de referên-cia, informação em ciência e saúde, educação edivulgação científica, formação de recursos hu-manos, produção de vacinas, medicamentos, kitsde diagnóstico e reagentes, controle de qualida-de em saúde e desenvolvimento de tecnologiaspara a saúde.

Presente na vida de cada brasileiro, a Funda-ção Oswaldo Cruz é responsável por 60% daprodução nacional de vacinas, fabrica setentamedicamentos básicos para o Sistema Único deSaúde, fornecidos à população carente, e setedos doze remédios do coquetel contraaids. A ela se devem, também, inicia-tivas e estratégias para enfrentarnovas doenças, como a pneu-monia conhecida como síndro-me respiratória aguda severa

(SARS), que no final de 2002 se espalhou pelomundo a partir da Ásia.

A Fiocruz não opera apenas nos 800 mil me-tros quadrados que ocupa na antiga Fazenda deManguinhos, na zona Norte do Rio de Janeiro,onde se ergue o conjunto arquitetônico, tomba-do pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Ar-tístico Nacional (IPHAN) em 1981. Atua tam-bém por intermédio de suas unidades que pos-sui em Salvador (Centro de Pesquisa GonçaloMuniz), em Belo Horizonte (Centro de Pesqui-sa René Rachou), Recife (Centro de PesquisaAggeu Magalhães) e Manaus (Centro de Pes-quisa Leônidas e Maria Deane).

Uma das unidades que a compõem é a Casade Oswaldo Cruz, que desenvolve pesquisas emhistória, sociologia e filosofia da ciência e dasaúde pública, além de atividades nas áreas dearquivo, documentação e preservação do patri-mônio arquitetônico da instituição. O mais re-cente departamento da Casa de Oswaldo Cruz éo Museu da Vida, que explicita o engajamentoda Fiocruz com a educação e a divulgação daciência e da saúde.

Para saber mais, visiteo site <www.fiocruz.br>

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OSWALDO CRUZ

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CaricaturasPOUCOS BRASILEIROS FORAM TÃO CARICATURADOS QUANTO OSWALDO CRUZ

NO INÍCIO DO SÉCULO XX. ENQUANTO TENTAVA IMPETRAR COM FIRMEZA AS

AÇÕES DE COMBATE À FEBRE AMARELA, À PESTE BUBÔNICA E À VARÍOLA, ERA

DURAMENTE ESPEZINHADO PELA TINTA DOS CARICATURISTAS. A IRONIA DA

IMPRENSA TRADUZIA O SENTIMENTO POPULAR

“DE VOLTA O TERROR DOS RATOS E MOSQUITOS”,ironizava o caricaturista Bambino numa revista carioca, aofalar das campanhas sanitárias de Oswaldo Cruz

Provocação na capa da revista Tagarela, em novembro de1904: com um trocadilho — “VÁ, ASSINA” —, um OswaldoCruz caracterizado de demônio força o presidente RodriguesAlves a sancionar a lei da vacina obrigatória. Poucos diasmais tarde, a revolta ganhava as ruas

Se a vacina era obrigatória, a resistência a ela tambémdeveria ser — opinião do autor deste desenho e de muitosoutros cariocas em 1904

A AUTENTICIDADE DOS RATOS

— Prove que o ratonasceu, viveu e morreunesta capital e terá300 réis por ele.— ?— Por meio de umajustificação com trêstestemunhas de vista.

Charge de P. Isasi,Jornal do Brasil, 11/8/1904

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O MÉDICO DO BRASIL

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Charge profética de Leônidas na revista O Malho, em 29 de outubro de 1904, dias antes de estourar a Revolta da Vacina:“GUERRA VACCINO-OBRIGATEZA!... Espetáculo para breve nas ruas”.

Versos sarcásticos atribuídos aOswaldo Cruz pela revista Avenida,em setembro de 1904, em chargede Vasco:

“Nessa perfuração arterianaÉ o másculo doutor de altas ciências.Parece ver na natureza humanaUm campo vivo para experiências”

Rodrigues Alves — Por aqui!... Que éque o senhor quer?Zé Povo — Não se assuste, por ora ...Eu quero saber se este negócio daHigiene é brincadeira ou é sério. Se ébrincadeira, o sr. Oswaldo Cruz que sedeixe de graças que lhe podem trazermuito pau. Se é sério, se eu tenho decuidar de mosquitos, de lavar a casacom drogas, de andar a denunciar asdoenças de meus vizinhos – quando éque eu hei de ir trabalhar para ganhar opão de cada dia?

Charge de Dudu, O Malho, 6/8/1904

— Que, seu Oswaldo? É esse o bichoque causa tanto mal à saúde?— Em carne e osso; em carne e osso éum modo de dizer; é como quem diz:em pessoa. E para exterminar o malditosão precisos cinco mil e tantos contos.— Homem, eu tenho visto matar obicho muito mais baratinho ...

Charge de Kalixto, em 1903

QUEM PERGUNTAQUER SABER

A PRAGA DOS CULICÍDIOS

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OSWALDO CRUZ

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À MEDIDA QUE O TRABALHO DE OSWALDO CRUZ IA SENDO RECONHECIDO,O TRAÇO DOS CARICATURISTAS IA SE TORNANDO CADA VEZ MAIS FAVORÁVEL.

OS BONS RESULTADOS DE SUAS CAMPANHAS FORAM DEFINITIVAMENTE

APROVADOS PELA IMPRENSA QUANDO BERLIM PREMIOU, COM MEDALHA DE

OURO, A ERRADICAÇÃO DA FEBRE AMARELA NO RIO DE JANEIRO

Charge de Bambino na Revista da Semana em 1907:

indignadas, “AS EPIDEMIAS” reclamam de Oswaldo Cruz,

que conseguira derrotá-las

João Coelho, governador — Foi a sua ciência que fez omilagre, doutor!Oswaldo Cruz — Não duvido: mas foi a sua presciência, oseu amor ao Pará e o seu patriotismo, que tornaram possívelesse milagre...O mosquito — Se tudo aqui em Belém continuasse comodantes, entregue aos monopólios do velho Lemos, eu nãoteria de azular, deixando de transmitir a febre amarela. Voume embora com o amigo Lemos, mas – diabos carreguem osque livraram o Pará de semelhante peste!...

Charge de Loureiro, O Malho, 17/6/1911

Charge de Leônidas, em O Malho, em 1910, homenageiaOswaldo Cruz e o governador do Pará, João Coelho, pelotriunfo obtido na campanha contra a febre amarela, e prevêuma nova era de engrandecimento para a região emdecorrência da abertura do porto do Pará ao comércioestrangeiro

Outra charge alusiva aos trabalhos de saneamento do Pará:Oswaldo — Comigo é isto, hein? Você há de sair por esseUMARIZAL até VER O PESO da minha força... Comigoninguém pode!...Lemos e Zé — Aí, seu Oswaldo! Faça azular essa Amarelapor esses verdes afora...Ela — Cruzes, Oswaldo!... Cruzes...

NO PARÁ: PRAGA DE MOSQUITONÃO MATA COELHO

À vista dos últimos boletinssanitários pode ser declarada extintaa febre amarela na capital do Pará(Telegrama de Belém)

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O MÉDICO DO BRASIL

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Charge de Kalixto na revista Fon-Fon!,em 11 de janeiro de 1908

Notícias da Europa, onde o nosso dr. Oswaldo Cruz obteve grande sucesso

para o Brasil, asseguram que o ilustre higienista vem disposto a meter o chanfalho

na tuberculose. Não é sem tempo ...Charge de O Malho, em 15 de fevereiro de 1908

— Coroa de louros!... De louros!... Se há coisa maismonótona! As que eu fazia espalhar pelos cemitérios eram,pelo menos, mais vistosas!...

Charge de Julião Machado impressa em O Paiz, 13/2/1908

Alemão — Oh! Eu lembra muido to zenhor quando zeu povochamava zenhor de mada-mosguido... Agora zenhor tira 1o

prêmio e prova que zeu baís é mais limbo... Bergunto: zeusbadricios ainda chamará zenhor de mada-mosguidos?...Oswaldo Cruz — Não sei. Meu país só reconhecerá o méritodos seus homens de ciência, quando abandonar apoliticagem de campanário...Alemão — Não greio, zenhor!Oswaldo Cruz – Ou então... quando eles morrerem, o que émais certo...

Publicada em O Malho, 12/10/1907

— Hei de ser umvencedor de serum.

Publicado na revista Fon-Fon!,de 7/3/1908

TROCADILHOHIGIÊNICO

EM BERLIMO Brasil ganhou o primeiro prêmio na

Exposição de Higiene

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OSWALDO CRUZ

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Cronologia18725 de agosto — Nasce, em São Luísdo Paraitinga (SP), OswaldoGonçalves Cruz, filho do médicoBento Gonçalves Cruz e de AmáliaTaborda Bulhões Cruz.

1877A família se muda para o Rio deJaneiro, terra dos pais de Oswaldo.

1887Ingressa na Faculdade de Medicinado Rio de Janeiro.

Bento, Hercília, Oswaldo, Zahra(que viverá apenas um ano) eWalter.

1897Muda-se com a família para Paris,em busca de especialização emmicrobiologia e soroterapia noInstituto Pasteur.

1902Assume a direção geral do InstitutoSoroterápico Federal.

1903Nomeado diretor geral de SaúdePública pelo presidente RodriguesAlves, tem a difícil missão desanear a capital dos três males queassolam a população: febreamarela, peste bubônica e varíola.

1904Por sua iniciativa, é aprovada a leique torna obrigatória a vacinaçãocontra a varíola. A medida provoca,no Rio, a Revolta da Vacina. Aobrigatoriedade é revogada.

1905Tem início a construção, naFazenda de Manguinhos, doPavilhão Mourisco, ou Castelo deManguinhos, que estará concluídoem 1918. Centro de imponente

1899Retorna ao Brasil. Trabalha noconsultório e na Fábrica de TecidosCorcovado, onde ocupa o cargoque era de seu pai. Abre o primeirolaboratório de análises clínicas doRio de Janeiro.

Integra a equipe que vai combatera peste bubônica em Santos (SP).Inicia relações científicas epessoais com Adolfo Lutz e VitalBrazil.

1900É chamado para a direção técnicado recém-criado InstitutoSoroterápico Federal, dirigido pelobarão de Pedro Affonso, naFazenda de Manguinhos (RJ).

1892Forma-se médico. Morre odr. Bento.

1893Casa-se com Emília da Fonseca,com quem terá seis filhos: Elisa,

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O MÉDICO DO BRASIL

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conjunto arquitetônico, será a sedede um trabalho de pesquisa emsaúde pública internacionalmenteconhecido e respeitado.

Setembro — Parte em expediçõessanitárias pelos portos brasileiros deNorte a Sul, inspecionando, em duasviagens, trinta portos em 111 dias.

1907A febre amarela é erradicada doRio de Janeiro. Oswaldo Cruzrecebe a medalha de ouro no XIVCongresso de Higiene e Demografiade Berlim. Em missão diplomática,assegura ao presidente americanoTheodore Roosevelt as boascondições sanitárias da capitalfederal. Sente os primeirossintomas de sua doença renal.

1908Volta ao Brasil. É recebido comoherói nacional.

1910Lidera expedições a Belém e àregião onde se constrói a ferroviaMadeira–Mamoré.

1914Viaja a Paris com a família. Vive oclima do início da Primeira GuerraMundial.

1915Retorna ao Brasil. Sua doença seagrava. A pedido do presidente NiloPeçanha, trabalha num estudo decombate à formiga-saúva,causadora de grandes prejuízosagrícolas.

1916Por motivo de saúde, encerra suasatividades no Instituto OswaldoCruz e vai viver em Petrópolis (RJ).É nomeado prefeito da cidade.

1911O Instituto Oswaldo Cruz recebediploma de honra na ExposiçãoInternacional de Higiene deDresden, na Alemanha.

1913Toma posse na Academia Brasileirade Letras.

1909Exonera-se do cargo de diretorgeral de Saúde Pública. Dedica-seapenas à direção do Instituto deManguinhos, o antigo InstitutoSoroterápico Federal, que agorapassa a se chamar InstitutoOswaldo Cruz.

191711 de fevereiro — Morre em suaresidência, em Petrópolis, cercadopela família e pelos amigos.Enterrado no cemitério carioca deSão João Batista, tem funeraisconsagradores. Sua memória seperpetuará em livros, cédulas,moedas, selos postais e medalhas,além de ruas, praças e avenidasem todo o Brasil – e até em suaamada Paris.

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Respostas dos passatempos

Problema de Lógica (p.4):

O marinheiro apanhou uma certa quantidade de pedrinhas na praia, devários tamanhos e jogou-as uma a uma dentro da garrafa de remédio, até o

liquido atingir a boca da garrafa. Isso significa que 1/4 do volume estavatomado pelas pedras. Derramou então na garrafa vazia o liquido até que o

nível fosse o mesmo nas duas garrafas. Conseqüentemente, ambas asgarrafas ficaram com a metade cheia. Ele então tomou a dose que necessitava.

Charadinhas (p.29):

1. Três: avó, mãe e filha; 2. O livro; 3. A fome; 4. Granada; 5. Pluma; 6. O queela come; 7. Um louco varrido; 8. Pare de contar historinhas que eu já estou cheio de

problemas; 9. Avelã; 10. Quando Caim matou Abel; 11. Lia Aguiar.

M C T M O L H O R O S E A Q

A C O N S O M E H C N P E U

Z A N T O V O P O C H E V I

I S O E G B U L N R E R I C

J S N T N A S S I O R C N H

T O G E H N S R R I P L A E

N U I L J S E V A P R I G O

N L M E A S T E H C O I R B

C E E M A I C M T C H R E N

A T L O C A L R O A S S T V

D F I T L A T N I M P C E I

E R F G C H A N T I L I B R

Caça-Palavras (p.11):

Palavras Cruzadas (p.17):

FUNDAÇÃO OSWALDO CRUZCASA DE OSWALDO CRUZ

Curadoria de conteúdos científicose sobre Oswaldo Cruz

Ana Luce GirãoLuciana Sepúlveda

Pesquisa de fontes documentaisAdriana AssumpçãoCláudio ArcoverdeJacqueline GirãoVerônica Velloso

Pesquisa de ImagensVerônica Velloso

Cláudio ArcoverdeJacqueline Girão

ColaboraçãoPaulo Colonese - Museu da Vida -

COC - FiocruzAlexandre Medeiros - Biblioteca do CICT

- Fiocruz

ImagensAcervo da Casa de Oswaldo Cruz e

Coordenadoria da Comunicação Social -Fiocruz

ApoioSociedade de Promoção da

Casa de Oswaldo Cruz

Agradecimentos especiais àBiblioteca de Manguinhos - Centro deInformação Científica e Tecnológica -

CICT

Coordenação geral

REMINISCÊNCIAS PESQUISA EPRODUÇÃO CULTURAL

Coordenação de edição e produçãoCarmen Lucia de Azevedo

Ana Laura Moura

Concepção, coordenação pedagógica,conteúdos extras e textos

(almanaque e guia do professor)Tania Regina Bueno

Preparação e revisão de textosPaulo Werneck

Apoio editorialThiago de Azevedo

Edição de arte etratamento de imagens

Eva Paraguassú de Arruda CâmaraJosé Ramos Néto

Camilo de Arruda Câmara Ramos

IlustraçãoMichele Iacocca

Editoração do guia do professorKaryn Mathuiy

Produção gráficaMalu Tavares

CTP e ImpressãoPancrom

Carta Enigmática (p.2):

Caro leitor,Nosso almanaque fala do grande médico e sanitarista brasileiro que

combateu a febre amarela, a varíola e a peste bubônica.

Jogo dos Sete Erros (p.23):

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