oswaldo cruz

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OSWALDO CRUZ E MANGUINHOS A 23 DE MARÇO DE 1903, Rodrigues Alves nomeou Oswaldo Cruz para a Diretoria-Geral de Saúde Pública, com a tarefa de sanear a capital e combater as principais epidemias que assolavam o Rio: a peste bubônica, a febre amarela e a varíola. Nascido em 5 de agosto de 1872 no Estado de São Paulo, Oswaldo Gonçalves Cruz formou-se em Medicina aos 20 anos, com a tese A Veiculação Microbiana pela Água. Seu interesse pela microbiologia, ainda não muito difundida na época, levou-o a Paris para estudar no Instituto Pasteur. Foi o segundo brasileiro a fazê-lo. Chegou na capital francesa em pleno auge de descobertas de microorganismos patogênicos e do desenvolvimento de soros. Ao retornar da Europa, Oswaldo Cruz foi designado, em 1899, para combater uma epidemia de peste bubônica que grassava em Santos. EM 1900, O GOVERNO INAUGUROU O INSTITUTO SOROTERÁPICO FEDERAL, com a atribuição de fabricar soros e vacinas contra a peste. A direção geral do novo órgão, instalado na antiga fazenda jesuíta de Manguinhos, foi entregue ao Barão de Pedro Afonso, proprietário do Instituto Vacínico Municipal; a área técnica ficou a cargo de Oswaldo Cruz. Em 1902, o Barão afastou-se de Manguinhos, ao entrar em atrito com Oswaldo, por divergências quanto aos objetivos da instituição. O jovem pesquisador, que defendia a abertura de novas linhas de produção e o desenvolvimento de trabalhos experimentais, assumiu a 9 de dezembro a direção geral do Instituto Soroterápico, utilizando-o, no ano seguinte, como base para suas campanhas de saneamento. Estava dado assim o primeiro passo para a transformação de Manguinhos de uma simples fábrica de vacinas no maior centro de Medicina Experimental da América Latina. Foto de Oswaldo Cruz. Acervo Casa de Oswaldo Cruz. Conjunto histórico arquitetônico de Manguinhos, 1927. Acervo Casa de Oswaldo Cruz. “Leitores, acaso conhecem o Oswaldo, rapaz elegante, rapaz dos bonitos. Que mata a Amarella, matando os mosquitos. Conhecem o chefe da higiene do Rio? O sábio mais moço que existe no globo?” Jornal da época

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Texto que fala sobre a revolta da vacina

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Page 1: Oswaldo Cruz

� OSWALDO CRUZ E MANGUINHOS

A 23 DE MARÇO DE 1903, Rodrigues Alvesnomeou Oswaldo Cruz para a Diretoria-Geral de Saúde Pública, com a tarefa de sanear a capital e combater as principais epidemias que assolavam o Rio: a peste bubônica, a febre amarela e a varíola.

Nascido em 5 de agosto de 1872 no Estado de São Paulo,Oswaldo Gonçalves Cruz formou-se em Medicina aos 20 anos,com a tese A Veiculação Microbiana pela Água. Seu interessepela microbiologia, ainda não muito difundida na época,levou-o a Paris para estudar no Instituto Pasteur. Foi o segundobrasileiro a fazê-lo. Chegou na capital francesa em pleno auge

de descobertas de microorganismos patogênicos e dodesenvolvimento de soros. Ao retornar da Europa,Oswaldo Cruz foi designado, em 1899, para combater umaepidemia de peste bubônica que grassava em Santos.

EM 1900, O GOVERNO INAUGUROU O INSTITUTO SOROTERÁPICOFEDERAL, com a atribuição de fabricar soros e vacinas

contra a peste. A direção geral do novo órgão, instalado na antiga fazenda jesuíta de Manguinhos, foi entregue ao Barão de Pedro Afonso, proprietário do Instituto VacínicoMunicipal; a área técnica ficou a cargo de Oswaldo Cruz.

Em 1902, o Barão afastou-se de Manguinhos, ao entrarem atrito com Oswaldo, por divergências quanto aosobjetivos da instituição. O jovem pesquisador, que defendia a abertura de novas linhas de produção e o desenvolvimentode trabalhos experimentais, assumiu a 9 de dezembro adireção geral do Instituto Soroterápico, utilizando-o, no anoseguinte, como base para suas campanhas de saneamento.

Estava dado assim o primeiro passo para a transformaçãode Manguinhos de uma simples fábrica de vacinas no maior centro de MedicinaExperimental da América Latina.Foto de Oswaldo Cruz. Acervo Casa de Oswaldo Cruz.

Conjunto histórico arquitetônico de Manguinhos, 1927. Acervo Casa de Oswaldo Cruz.

“Leitores, acaso conhecem o Oswaldo, rapaz elegante, rapaz dos bonitos. Que mata a Amarella, matando os mosquitos. Conhecem o chefe da higiene do Rio? O sábio mais moço que existe no globo?”

Jornal da época

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Page 2: Oswaldo Cruz

“Disponha o governo do dinheiro e das leis que julga necessárias, e a febre amarella, no Rio, será, em breve, um mito.”

Oswaldo Cruz

OSWALDO CRUZ ESTRUTUROU A CAMPANHAcontra a febre amarela em moldes militares, dividindo a cidade em dez distritos sanitários, cada qual chefiadopor um delegado de Saúde. Seu primeiro passo foiextinguir a dualidade na direção dos serviços de Higiene.Para isso, estabeleceu-se uma conjugação de esforçosentre os setores federais e a Prefeitura, com aincorporação à Diretoria-Geral de Saúde Pública do pessoal médico e de limpeza pública municipal.

A polícia sanitária impunha medidas rigorosas para o combate ao mal amarílico, inclusivemultando e intimando proprietários de imóveis insalubres a demoli-los ou reformá-los.

As brigadas mata-mosquitos percorriam a cidade, limpando calhas e telhados, exigindo providências para proteção de caixas-d'água, colocando petróleo em ralos e bueiros e acabando com depósitos de larvas e mosquitos.

Nas áreas de foco, expurgavam as casas, pela queima de enxofre e piretro (um tipo de inseticida) e providenciavam o isolamento domiciliar dos doentes ou sua remoção para o Hospital São Sebastião.

O SANITARISTA BASEOU O COMBATE À FEBRE AMARELA no recente êxito da campanha realizada

pelos americanos em Havana e em algumas experiências realizadas no Brasil, que comprovavam o acerto da teoria do médico cubano

Carlos Finlay de que o transmissor da doença era um mosquito: o Aedesaegypti, conhecido então como Stegomyia fasciata ou Culex aegypti.

Numa época em que ainda se acreditava que a maior parte dasdoenças era provocada pelos ares pestilenciais, a idéia de "se pagar arapagões para caçar mosquitos", como dizia uma revista de então, sópoderia provocar o riso. O jovem pesquisador bem que tentou alterar a opinião pública, fazendo publicar seus Conselhos ao Povo, uma série de folhetos educativos. Mas enfrentou a oposição de grande parte da classe médica, que não aceitava a teoria de Finlay.

Oswaldo Cruz não foi poupado: charges diárias na imprensa, canções com letras maliciosas, quadrinhas... Mas o riso logo se transformou emindignação, devido ao rigor com que eram aplicadas as medidassanitárias – especialmente a remoção dos doentes e a entrada nas casas para o expurgo, mesmo sem autorização dos proprietários.

Preparação de casa para desinfecção, década de 1900. Acervo Casa de Oswaldo Cruz.

� A CAMPANHA CONTRA A FEBRE AMARELA

Aparelhos Clayton para serviços de profilaxia terrestre, década de1900. Acervo Casa de Oswaldo Cruz.

Ilustração retirada da revista O Tagarela fazendo alusão aosculicídeos, família de insetos à qual pertence o mosquitotransmissor da febre amarela, 1903.Acervo Casa de Oswaldo Cruz.

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Page 3: Oswaldo Cruz

� A LUTA CONTRA A PESTE BUBÔNICA

“Rato, rato, ratoPor que motivo tu roeste o meu baú

Rato, rato, ratoAudacioso e malfazejo gabiru.”

Carnaval de 1904

EM SEGUIDA, o sanitarista iniciou sua luta contra a peste bubônica. A campanha previa a notificação compulsória dos casos, isolamento e aplicação do soro fabricado em Manguinhos nosdoentes, vacinação nas áreas mais problemáticas, como a zona portuária, bem como desratização da cidade.

A associação entre ratos e mosquitos era irresistível. E a decisão da Saúde Pública de pagar por cada roedorcapturado, dando origem aos inúmeros compradores de gabirus que percorriam as ruas, só agravou a situação. Logo constatou-se fraude – importação de animais

das cidades próximas e, até mesmo, a criação de ratos em casa para venda. O maior sucesso do carnaval de 1904 não podia deixar de ser Rato, Rato, de Casemiro Rocha e Claudino Costa.

“A Água Lava Tudo”, Rodrigues Alves e Oswaldo Cruz. Álbum de recortes de jornais e revistas reunidos por Oswaldo Cruz, década de 1900. Autor: J. Carlos. Acervo Casa de Oswaldo Cruz.

Produção de soro antipestoso nas dependências do InstitutoOswaldo Cruz, década de 1900.Acervo Casa de Oswaldo Cruz.

“Caça aos Ratos”. Álbum de recortes de jornais e revistasreunidos por Oswaldo Cruz, década de 1900. Autor: J. Carlos. Acervo Casa de Oswaldo Cruz.

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Page 4: Oswaldo Cruz

EM 1904, UMA EPIDEMIA DE VARÍOLAASSOLOU A CAPITAL.

Somente nos cinco primeirosmeses,1.800 pessoas tinham sidointernadas no Hospital São Sebastião.Embora uma lei prevendo imunizaçãocompulsória das crianças contra adoença estivesse em vigor desde 1837,ela nunca fora cumprida. Assim, a 29 de junho de 1904, o governo enviou ao Congresso projeto reinstaurando a obrigatoriedade de vacinação antivariólica.

Suas cláusulas previam vacinação para crianças antes dos 6 meses de idade e para todos os militares e revacinação de sete em sete anos.Impunham a exigência de atestado deimunização para candidatos a quaisquercargos ou funções públicas, para quem quisesse se casar, viajar ou matricular-se numa escola. Davam ainda à polícia sanitária poderes para convidar todos os moradores de uma área de foco a se imunizar.Quem se recusasse seria submetido à observação médica em local apropriado, pagando as despesas de estada.

O projeto estipulava ainda punições e multas para médicos queemitissem atestados falsos de vacinação e revacinação, obrigava diretoresde colégio a obedecer às disposições sobre imunização dos estudantes e instituía a comunicação de todos os registros de nascimento.

� A HORA DA VARÍOLA

"Não tem nome, na categoria dos crimes do poder, a temeridade, a violência, a tirania a que ele seaventura, expondo-se (...) a me envenenar, com a introdução, no meu sangue, de um vírus em cujainfluência existem os mais fundados receios de que seja condutor da moléstia, ou da morte."

Rui Barbosa

Fac-símile da lei de vacinaçãoobrigatória contraa varíola, publicadaem A Avenida,1904. Acervo Casade Oswaldo Cruz.

Referência à varíola, retirada da charge “Conferência Sinistra”.Diálogo entre os três grandesmales que assolavam o Rio de Janeiro. O Tagarela, agosto de 1904. Autor: Raul Pederneiras. Acervo Casa de Oswaldo Cruz.

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