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Universidade Tecnológica Federal do Paraná - UTFPR Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciência e Tecnologia - PPGECT II Simpósio Nacional de Ensino de Ciência e Tecnologia 07 a 09 de outubro de 2010 ISSN: 2178-6135 Artigo número: 229 Os usos do computador e da internet para a inclusão social – uma etnografia numa lan house Daliana Cristina de Lima Antonio Resumo O artigo apresentado é resultado de pesquisa etnográfica realizada numa lan house de um bairro popular, no município de Maringá, Paraná. Foram selecionados seis informantes para entrevistas sobre os usos do computador e da internet. A partir daí, foi possível analisar o contexto de inclusão/exclusão digital sob o qual vivem. Neste ínterim, foi fundamental o debate a respeito da inclusão digital no Brasil como uma política para a inclusão social. O uso de tecnologias da informação e da comunicação podem proporcionar a inclusão social? No contexto da “era da informação”, ou ainda, “era do conhecimento” sob o qual vivemos, expomos os usos do computador e da internet a fim de debater sobre a marginalização digital à que o país poderá visualizar futuramente. Palavras-chave: Tecnologias da informação e da comunicação; TIC; internet e adolescentes; inclusão digital. Abstract The uses of computers and the internet for social inclusion - an ethnography of a lan house The article presented is the result of ethnographic research in a LAN house in a popular neighborhood in the city of Maringa, Parana. Six informants were selected for interviews about the uses of computers and the internet. From there, it was possible to analyze the context of digital inclusion/exclusion under which they live. Meanwhile, it was essential the debate concerning digital inclusion in Brazil as a politics for social inclusion. The use of information technology and communication can deliver social inclusion? In the context of the "information age", or "knowledge age" under which we live, we explain the uses of computers and the Internet in order to discuss the digital marginalization to which the

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Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciência e Tecnologia - PPGECT

II Simpósio Nacional de Ensino de Ciência e Tecnologia

07 a 09 de outubro de 2010 ISSN: 2178-6135

Artigo número: 229

Os usos do computador e da internet para a inclusão social – uma etnografia numa lan house

Daliana Cristina de Lima Antonio

Resumo

O artigo apresentado é resultado de pesquisa etnográfica realizada numa lan house de um bairro popular, no município de Maringá, Paraná. Foram selecionados seis informantes para entrevistas sobre os usos do computador e da internet. A partir daí, foi possível analisar o contexto de inclusão/exclusão digital sob o qual vivem. Neste ínterim, foi fundamental o debate a respeito da inclusão digital no Brasil como uma política para a inclusão social. O uso de tecnologias da informação e da comunicação podem proporcionar a inclusão social? No contexto da “era da informação”, ou ainda, “era do conhecimento” sob o qual vivemos, expomos os usos do computador e da internet a fim de debater sobre a marginalização digital à que o país poderá visualizar futuramente.

Palavras-chave: Tecnologias da informação e da comunicação; TIC; internet e adolescentes; inclusão digital.

Abstract

The uses of computers and the internet for social inclusion - an ethnography of a lan house

The article presented is the result of ethnographic research in a LAN house in a popular neighborhood in the city of Maringa, Parana. Six informants were selected for interviews about the uses of computers and the internet. From there, it was possible to analyze the context of digital inclusion/exclusion under which they live. Meanwhile, it was essential the debate concerning digital inclusion in Brazil as a politics for social inclusion. The use of information technology and communication can deliver social inclusion? In the context of the "information age", or "knowledge age" under which we live, we explain the uses of computers and the Internet in order to discuss the digital marginalization to which the

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country can see the future.

Keywords: Information technology and communication; TIC; Internet and teenagers; digital inclusion.

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Introdução

A inclusão digital no Brasil é considerada como uma ação política para a inclusão social.

Evidentemente, a criação do órgão responsável pelo mapeamento dos usos das tecnologias da

informação e da comunicação (TIC), o Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br), afirma tal ação

e seu trabalho visa oferecer subsídios para a resolução do “problema social da exclusão digital”

(DESTAQUES, 2008, p. 1).

Esta problemática é latente nas circunstâncias da “era da informação”, ou ainda, a “era do

conhecimento” (CASTELLS, 1999; ASSMANN, 2000; LÉVY, 1993). Atualmente, se considera

inevitável o uso das TIC no cotidiano, seja uso pessoal, profissional ou escolar, dado, por exemplo,

os procedimentos adotados para inscrições em concursos, pagamentos bancários, participação

em programas de televisão e pesquisas escolares, entre outras atividades digitalizadas.

No entanto, o que a expressão “inclusão digital” significa efetivamente? Há diferentes e

divergentes concepções sobre o que seja a inclusão digital, entre elas, as que tomam como

parâmetro os usos das TIC (NAZARENO, 2006; MARASCHIN, 2005; SILVINO; ABRAHÃO, 2003), as

que enfatizam a importância da compreensão sobre o modo como se dá o acesso às ferramentas

digitais (VALENTINI, 2008; PELLANDA, 2005; VALENTE, 1999; DEMO, 2005, 2008; CARVALHO et al.,

2007) e as que discutem as políticas adequadas para orientar tais ações (CÔRREA, 2007; DEMO,

2005, 2008; CYSNE et al., 2007).

O acesso às ferramentas digitais é, muitas vezes, reconhecido a partir da posse de um

computador (BALBONI, 2007, CYSNE et al., 2007), mas, por outro lado, há quem discuta o modo

como se dá o uso deste artefato (PAPERT, 1994; VALENTE, 1999) e, ainda, aqueles que associam o

acesso ao uso vinculado à tecnologia Internet (SILVINO; ABRAHÃO, 2003; FERNANDES, 2000).

As discussões sobre o uso das TIC tentam identificar quais habilidades são adquiridas e

quais as características que definem se os sujeitos são partícipes na rede. Em 2000, a Sociedade

da Informação no Brasil publicou o Livro Verde, organizado por Takahashi (2000), onde as

propostas de inclusão digital cobriam um largo espectro de debate, desde a disposição das

ferramentas digitais, a partir da constituição de um público consumidor, até a alfabetização

digital, considerada como aprendizado para um uso básico de serviços de informática

(TAKAHASHI, 2000, p.40-41). Nesse sentido, a ideia de inclusão digital, onde os sujeitos aprendem

a utilizar os serviços digitalizados de informática disponíveis ao consumo, associa-se à ideia de

formação para a cidadania, discutida no capítulo “Educação na Sociedade da Informação”, sob a

ideia do “aprender a aprender”.

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Deste modo, o acesso, ou seja, a disponibilidade de computadores e internet,

infraestrutura, e a capacitação tecnológica são consideradas o primeiro passo a ser dado pelas

políticas de inclusão. Por isso, apresentaremos neste artigo um debate sobre inclusão/exclusão

digital e alguns depoimentos de jovens usuários no contexto da lanhouse pesquisada a fim de

expor um debate sobre a fronteira na qual se identificou estar os jovens usuários: a fronteira da

inclusão/exclusão digital e os perigos, diante disso, da marginalização digital.

Desenvolvimento

Sob a defesa da alfabetização digital, José Armando Valente (2005) pesquisa os usos da

informática nas escolas e divulga, desde a década de 1970, programas computacionais aliados ao

aprendizado das mais diversas habilidades, sejam espaciais, matemáticas etc. Em particular, no

prefácio do livro “Inclusão Digital: tecendo redes afetivas/cognitivas”, organizado por Nize

Pellanda (2005), Valente aponta uma obviedade em relação à categoria incluído:

“Primeiro, 'inclusão' é um termo relativo, dependendo do ponto de vista de

cada um. Isso significa que ele se aplica a todos nós, já que de alguma forma

nos consideramos excluídos. Por exemplo, particularmente sou um excluído por

não entender de astrofísica ou por não ser capaz de ler uma partitura musical.

[...] No outro extremo temos pessoas que são excluídas por não dispor [sic.] do

mínimo necessário para ter uma sobrevivência digna do ponto de vista

alimentar, de moradia ou mesmo educacional. Ou seja, a inclusão de qualquer

natureza tem um limite inferior, porém não tem um limite superior – mesmo

tendo muito, ainda nos consideramos excluídos!” (VALENTE, 2005, p.17).

Tal consideração de Valente faz com que se considere fundamental compreender o binário

inclusão/exclusão sob o qual é indeterminante as possibilidades de inclusão, enquanto estar

excluído em diferentes contextos é aplicável a todos. Deste modo, é possível compreender que

não há uma linearidade, ou seja, uma passagem que marque a mudança da condição dita de

excluído para a de incluído.

Daí a inclusão passa a ser uma ação educacional e Valente (2005) sugere uma perspectiva

freireana para que os indivíduos sejam inseridos de modo crítico, capazes de compreender o seu

processo histórico. Supõe-se que tal compreensão permita que se vá além do uso das ferramentas

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digitais para gerar empregabilidade e/ou para a formação de um consumidor. O mero acesso às

tecnologias é criticado por Valente (2005) na medida em que o autor prevê que as pessoas

“poderão aprender a manusear alguns softwares, porém não terão condições de se apropriar das

tecnologias de informação e de comunicação para promover as transformações necessárias na

melhoria da qualidade de vida” (VALENTE, 2005, p.17).

Por isso, quando o governo intenta incluir digitalmente via disposição de computadores e

de internet, seja via telecentros, ou a facilitação para a criação e funcionamento de

microempresas como as lanhouses, devemos refletir sobre a necessária tarefa a ser executada

por outras vias institucionais. As escolas, por exemplo, devem cumprir um papel fundamental na

formação destes cidadãos para que os computadores não se tornem meros meios de acesso ao

consumo passivo.

E no caso da exclusão? Como definir situações de exclusão? O sociólogo José de Souza

Martins (2002) afirma que a categoria exclusão foi construída, sociologicamente, para “explicar a

ordenação social que resultou do desenvolvimento capitalista. Mais do que uma definição precisa

de problemas, ela expressa uma incerteza e uma grande insegurança teórica na compreensão dos

problemas sociais” (MARTINS, 2002, p.27). E o problema torna-se ainda mais complexo devido ao

fato de tal desenvolvimento precisar cada vez menos do trabalhador, ou seja, um papel social

cumprido pela maioria das pessoas.

“'Excluído' é apenas um rótulo abstrato, que não corresponde a nenhum sujeito

de destino: não há possibilidade histórica nem destino histórico nas pessoas e

nos grupos sociais submetidos a essa rotulação. 'Excluído' e 'exclusão' são

construções, projeções de um modo de ver próprio de quem se sente e se julga

participante dos benefícios da sociedade em que vive e que, por isso, julga que

os diferentes não estão tendo acesso aos meios e recursos a que ele tem

acesso. O discurso sobre a exclusão é o discurso dos integrados, dos que

aderiram ao sistema, tanto à economia quanto aos valores que lhe

correspondem. Dificilmente se pode ver nele um discurso anticapitalista,

embora ele certamente seja um discurso socialmente crítico” (grifo da autora,

MARTINS, 2002, p.30-31).

Para Martins (2002), seriam “excluídos” aqueles que “estão nas ruas, nas favelas e cortiços,

nas invasões, nos bairros miseráveis da urbanização patológica que o novo desenvolvimento

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produziu” (MARTINS, 2002, p.34). Sendo assim, mesmo “excluídos” acabam por ser enraizados

nas margens e é na margem que consomem os restos (DEMO, 2007). Daí, como Martins (2002)

afirmou, os valores e ideais dos “excluídos” são resultantes da reprodução da “sociedade de

consumo”, o que os impõe a satisfação de suas necessidades aos “resíduos do sistema”

(MARTINS, 2002, p.36). Então, a expressão “excluído” é conservadora “porque orientada pela

valorização da inclusão no existente, no que permanece, e não no que muda e, sobretudo, no que

pode mudar” (MARTINS, 2002, p.37).

Vê-se que, no âmbito da inclusão digital, uma maioria está à margem dos processos de

desenvolvimento tecnológico, isto porque, há dificuldades vitais e primárias, como alimentar-se,

vestir-se e habitar, que impedem, muitas vezes, a possibilidade desta maioria ser “incluída” para

participar das instituições que exigem novas qualificações. Como Martins (2002) afirmou, o

“incluído” não tem autonomia para criar novas situações, já que ele deve tentar se incluir numa

posição já disposta socialmente. Caso não haja inclusão, os indivíduos ficam na margem e,

portanto, não deixam de ser consumidores, mas, como dito tanto por Martins (2002) como por

Demo (2007), são consumidores de restos.

No atual contexto da sociedade da informação, não possuir acesso aos artefatos

tecnológicos, como o computador, e não desenvolver habilidades com esta ferramenta, é estar

excluído. O sistema educacional brasileiro, por exemplo, já definiu que a posse de níveis de

escolaridade mediada pelo acesso às instituições escolares é sinônimo de inclusão social e que tal

acesso garantiria uma vida melhor por meio de um emprego qualificado. Contudo, assim que o

ingresso no sistema educacional passou a ser considerado quase que a única pré-condição para a

passagem de estudantes para outros níveis, vimos surgir um processo político educacional na qual

os alunos eram promovidos automaticamente de uma série para outra a fim de garantir a

apresentação de altos índices de promoção escolar e baixos índices de evasão (DEMO, 2005). Tal

procedimento estimulou a postura de “lançar a 'culpa' pelo atraso sobre os atrasados, encobrindo

a dinâmica neoliberal que fabrica exclusão social como marca crucial de sua própria razão de ser”

(DEMO, 2005, p.37).

Diante dessa dinâmica, a suposta inclusão produziu formas de marginalização. Neste

contexto, muitos indivíduos possuem um certificado de determinado grau de escolaridade que

comprova sua alfabetização, mas não compreendem o que leem nem sabem escrever

fluentemente. Assim, a maioria das políticas de inclusão social resultou numa “inclusão na

margem” (DEMO, 2007), já que dados de pesquisas mundiais apresentam o aumento das

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disparidades sociais e da pobreza, apesar das políticas inclusivas na educação e em outros

setores.

Por meio dessas considerações foi possível afirmar que a categoria inclusão é flexível,

multifacetada e complexa e, por isso, deve ser interpretada em conformidade com um dado

contexto social e um dado período histórico. Daí a legitimidade do recorte proposto por esta

pesquisa com o intuito de constatar se ocorre, neste contexto e para estes sujeitos, algum grau de

inclusão digital. A questão central deste trabalho foi originalmente formulada à luz das pesquisas

realizadas pelo Comitê Gestor da Internet no Brasil, que apresentam dados sobre os usos das

Tecnologias de Informação e de Comunicação, e em publicação do ano de 2007 dão relevância

aos centros públicos pagos (cybercafés, lanhouses) por seu papel fundamental à inclusão digital.

A pesquisa – os usos do computador e da internet na lanhouse

Nosso problema de pesquisa, inicialmente, foi delimitado como sendo a procura de

respostas pelas quais poderíamos compreender o fenômeno das lanhouses e de seus usuários,

sobretudo as crianças em idade escolar. Visto as possibilidades mais plurais de acesso à Internet

para muitos jovens de classes mais abastadas, privilegiamos um local frequentado por muitas

crianças e jovens pobres. Para tanto, fizemos pedido, junto ao organismo Observatório das

Metrópoles, com sede na Universidade Estadual de Maringá, de um levantamento do perfil

sociodemográfico do bairro, que conta com 7.583 residentes. Dentre estes, 2.289 são os

responsáveis pela renda mensal das 2.293 residências, e 1.494 destes moradores possuem renda

desde 1⁄2 à 5 salários mínimos, sendo que 87 não possuem rendimento algu m. Apenas 708

responsáveis possuem renda a partir de 5 a mais salários mínimos. Verificamos assim, a presença

de situações socioeconômicas díspares neste pequeno bairro, apesar da predominância de

moradores de baixa renda, o que também pôde ser observado desde o início das visitas ao

ambiente lanhouse.

A pesquisadora frequentou o local em horários diversos, manhãs, tardes e noite, durante 4

meses. Foi realizado o preenchimento de questionários face-a-face, o que possibilitou maior

riqueza na obtenção dos dados, já que o informante pôde fazer perguntas sobre os itens e

esclarecer dúvidas. Assim foi possível escolher informantes que frequentam ativamente o local e,

também, confirmar certos comportamentos já percebidos nas observações de campo, como, por

exemplo, o massivo uso da rede social Orkut.

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Não foi necessário aplicar numerosos questionários para perceber padrões nos usos do

computador e da Internet nesta lanhouse, já no 50º questionário foi possível perceber que o

levantamento tinha alcançado o ponto de saturação (GASKELL, 2002, p.71). Por exemplo, o uso de

correio eletrônico. Um número significativo de usuários possui referência no cadastro do

provedor Hotmail, mas utiliza com muito mais frequência o comunicador instantâneo vinculado

ao mesmo, qual seja, o MSN (ambos da Microsoft). O objetivo da elaboração e aplicação deste

questionário foi realizar um mapeamento superficial dos usos do computador e da internet na

lanhouse, com itens como idade, gênero, se tem computador em casa, com internet ou não, e

sobre outros meios comumente usados pela maioria dos internautas. Foram realizadas 10

entrevistas, sendo que 4 contaram com a presença conjunta de mãe ou pai do usuário (4 são os

informantes escolhidos, 3 mães, 2 pais e 1 irmão), todas gravadas e transcritas. A partir da análise

destas entrevistas, percebemos que seria necessário realizar novas entrevistas com as crianças,

separadamente, dos pais, já que os pais foram mais falantes e, muitas vezes, intimidaram os

meninos. No entanto, justamente por estarem na presença dos filhos, os pais deram informações

riquíssimas para refletirmos sobre os usos da Internet e o que esta representa para eles e para o

futuro de seus filhos. As entrevistas foram abertas e valorizamos a conversa informal, já que

percebemos na primeira entrevista, um desconforto quando a pergunta foi direcionada à uma

temática e não possibilitava ao respondente maior liberdade para pensar, o que foi percebido

pelas respostas rápidas e concisas.

Como dito anteriormente, se espera que inclusão digital se dê com o trabalho de

alfabetização, ou seja, que os sujeitos sejam partícipes do próprio processo de formação

intelectual. Apesar das pesquisas do CGI.br revelarem que os usuários de lanhouses contribuem

ao aumento do número de acessos à internet no Brasil, que tipo de uso é realizado?

Trazemos o matemático Seymour Papert (1997) como central para a reflexão sobre a

inclusão digital no âmbito da aprendizagem porque este pesquisador considera fundamental a

utilização pedagógica dos computadores. Quando escreveu seu livro “A família em rede”,

publicado em 1997, Papert iniciou uma discussão sobre o uso do computador e da Internet por

crianças. Para Papert (1997) as crianças são curiosas e, por isso, nessa fase deve ser estimulado o

aprendizado do uso da máquina. No entanto, segundo este intelectual é importante que a criança

compreenda os códigos que a máquina recebe para executar diferentes funções, sejam desenhos

ou cálculos, ou seja, a criança pode compreender uma programação para, posteriormente,

construir programas. Isto porque, Papert (1997) espera que as crianças comandem as máquinas

para que não sejam comandadas pelas mesmas.

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Com suas orientações piagetianas, este matemático afirma que “não é frequente que as

grandes transformações se façam sem riscos” (PAPERT, 1997, p.22), como já demonstra o

processo de desenvolvimento do conhecimento na história da humanidade. Em vista disso, ao

escrever este texto, Papert (1997) teve como principal intuito apresentar, para as famílias,

possibilidades para a construção do conhecimento a partir do desenvolvimento de habilidades

com o computador. Assim, também é favorável que profissionais, em geral, interessados em

refletir sobre os usos das TIC considerem as possibilidades criativas de ferramentas tecnológicas

abertas ao conhecimento de todos. Papert (1997) reforça a importância da aprendizagem das

crianças para que haja a construção de um mundo melhor, de pessoas mais criativas e, logo, mais

críticas.

A adoção de uma postura crítica a respeito das potencialidades nos usos das TIC deve ser

fundamental nas discussões a respeito da inclusão digital, já que é visível a inevitabilidade no uso

do computador e da internet nas mais diversas situações sociais que já presenciamos. No meio

educacional, por exemplo, pode haver uma reprodução de pesquisas do tipo enciclopédica em

detrimento da criação de hipertextos e a prática do compartilhamento. Nas relações entre as

pessoas, a internet pode potencializar, facilitando o contato entre parentes que moram em países

diferentes, ou, por outro lado, pode pôr em risco o contato de uma criança ao abuso sexual por

parte de outro indivíduo. Queremos dizer com isso que não há como esperar que apenas

situações promovedoras ao bem-estar físico, psicológico ou social dos indivíduos se façam com o

uso das TIC, ou o contrário, pensar nas TIC como potenciais destruidoras das capacidades criativas

do ser humano.

No âmbito da aprendizagem, muitos profissionais agem presos a velhos métodos como, por

exemplo, a memorização mecânica da tabuada (Papert, 1997). Com o computador, Papert (1997)

acredita que as crianças vão aprender o que realmente desejam conhecer, já que as decisões

individuais sobre suas ações garantem tal liberdade, concomitantemente ao exercício de sua

autonomia. Se considerarmos, ainda, o quanto a tecnologia pode ser maleável, principalmente

com a gama de recursos divulgados na Internet, a liberdade de ação proporciona à criança a

possibilidade de dar sentido a formas de aprender que ela mesma vai criar, desenvolver e

manipular.

Com os resultados das entrevistas, defendemos a ideia de que há um uso comunicacional

potencial para a valorização de relacionamentos em detrimento do compartilhar conteúdo. Em

estudo de Raquel Recuero (2007) é discutido a importância que os usuários dão ao

reconhecimento de si próprio, ou seja, a busca por uma identidade, visualizada quando os sujeitos

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buscam intensamente moldar seus perfis na rede social Orkut. Ao partir de conceitos sobre

interação no computador, Recuero (2007) buscou compreender as forças que regem a busca pela

identificação de si pelos outros. Para tanto, a pesquisadora parte da ideia de redes sociais

construída por Primo (apud RECUERO, 2007) e a define de duas formas:

“A interação social mútua forma redes sociais onde os laços são constituídos de

um pertencimento relacional. [...] essas redes são caracterizadas pela presença

de laços mais fortes e de capital social. [...] São redes cujo custo é alto, já que

os atores precisam investir em conversas e trocas sociais através das

ferramentas de comunicação. É preciso dispender tempo para comunicar no

MSN, para discutir em fóruns ou mesmo, para colocar mensagens no Orkut.

Esse investimento acaba implicando em uma presença de uma menor

quantidade de atores nessas redes, já que existe um alto custo [...] Já a

interação social reativa forma laços constituídos de pertencimento voltado à

associação com a rede social. Esta interação implica em um processo com

pouco custo para o ator, onde basta associar-se e todos os valores da rede

tornam-se imediatamente acessíveis. Essa associação, no entanto, é motivada

por um processo de identificação entre usuário e grupo. Essa identificação é

associada a uma construção de identidade como principal motivação para

aderir a determinados grupos. É o que acontece, por exemplo, com as

comunidades do Orkut: mais do que interagir, os atores procuram filiar-se ao

grupo para mostrar um determinado interesse ou ideia comum” (grifo da

autora, RECUERO, 2007, p.7-8).

No caso da lanhouse pesquisada, os meninos entrevistados dão ênfase aos usos

comunicacionais, exclusivamente o comunicador instantâneo MSN e a rede social Orkut, de modo

a identificarmos a interação social reativa. Isto porque, o uso comunicacional é aliado e

potencializado a partir dos jogos, já que é por meio deles que os meninos conhecem outros

jogadores, no chat do próprio jogo, para daí trocarem o identificados no MSN e se vincularem no

Orkut. Neste sentido, podemos perceber a característica massificante dessas ferramentas, dado

que aquele que não está vinculado é estranhado pelos outros.

Para Recuero (2007), como vimos, as redes sociais podem possibilitar interações mútuas.

No entanto, no caso dos usuários entrevistados, o uso de ferramentas que permitem a interação

conhecida por eles, se faz por meio de um ou outro jogo, e ainda o MSN e o Orkut. Ou seja, eles

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aprenderam a utilizar MSN e Orkut para se comunicar entre si, entre jogadores e com parentes,

assim como o inverso acontece, os meninos aprendem determinados jogos para interagir com

outros meninos e, assim, fazer amigos.

Deste modo, as habilidades digitais ficam restritas, como aponta Recuero (2007), às

interações reativas, nas quais os usuários convergem em torno de interesses comuns e fortalecem

a sua identidade, a partir do reconhecimento do resultado de suas habilidades, estas voltadas à

comunicação, à popularidade, em detrimento do compartilhamento de conteúdos digitais. Sendo

assim, aplicando as considerações de Recuero (2007) para o caso da lanhouse pesquisada, ora os

usuários se incluem, já que usam tais ferramentas na rede, ora estão excluídos devido a não

possibilidade de potencializarem o uso para a produção de novas relações, já que não possuem

dinheiro para tanto. Por isso, estão na fronteira da inclusão/exclusão, passíveis de viverem

marginalizados digitalmente.

Para continuar a discussão, reproduzirei alguns trechos de entrevistas, nos quais foram

substituídos os nomes dos informantes por nomes de personagens do jogo que mais participam e

para a entrevistadora usou uma abreviação:

Entrev.: Você participa de comunidades? Escreve em alguma comunidade?

Summoner: Comunidade!? Eu tenho uma comunidade!

Entrev.: Ah é? Do quê?

Summoner: Quem conhece o Summoner!

Entrev.: Ah, é verdade! Eu já vi! E como é!? Escreve muito!?

Summoner: É. Legal! As pessoas mandam recado, sabe, pro meu Orkut. Legal!

Entrev.: Por que que deu vontade de criar essa?

Summoner: Eu não sei. Parece que, sabe assim quando as pessoas tem e daí você quer ter

também!!

Entrev.: Você escreve muito e-mail pras pessoas?

Summoner: Não, tipo assim, conversar no MSN, sim. Aí eu uso, o Hotmail pra mandar

mensagem, não uso não. De vez em quando!

Entrev.: E site ou fórum, você escreve, envia o que você faz mais?

Ronan: Não, eu quase nem escrevo no Orkut, só mais pra ver.

Entrev.: Por que você entra numa comunidade?

Ronan: Porque eu acho legal, a foto às vezes, o nome.

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Entrev.: Comunidade? Participa?

Lass: Um monte! No Orkut?

Entrev.: Das comunidades do Orkut que você lembra tem bastante, mas você escreve

bastante nas comunidades?

Lass: Eu não. Eu criei 2 comunidades! Tem bastante gente.

Entrev.: O que? O que é?

Lass: Ah, eu não lembro o nome. é... tá escrito assim... no brigas, yes amor. Desse jeito.

Tem bastante gente aí tipo assim...

Entrev.: Ah é?! Fórum! Escreve bastante? Nessas comunidades!

Lass: Não. O pessoal escreve, eu nem entro.

Entrev.: Quando você fez o seu e-mail, você fez por quê? Qual o interesse?

Lass: Ah, MSN, conversar.

Entrev.: Você lembra quando você fez o e-mail, ou mesmo com todo o tempo que passou,

você escreveu muito e-mails?

Lass: Ah, e-mail não, conversar, eu conversei bastante, eu não passei muito e-mail.

Entrev.: Você escreve fora o MSN?

Elf: No Orkut.

Entrev.: No Orkut. Tem fórum que você participa?

Elf: Não.

Entrev.: Já visitou algum fórum?

Elf: Fórum do quê?

Entrev.: Algum fórum de discussão, tem algumas discussões sobre algum assunto, nunca

entrou?

Elf: Não.

Entrev.: Tem e-mail?

Elf: Como assim?

Entrev.: E-mail! Caixa de mensagem, correio eletrônico!

Elf: Tenho o MSN só. Só no MSN.

Entrev.: Você entra pra ver lá novas mensagens e aí que tipo de mensagem você recebe?

Elf: Ah, do MSN mesmo!

Ryan: Não, não sou chegado em e-mail, nem olho.

Entrev.: Qual e-mail você mais usa? Que você fez? Que você tem?

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Artigo número: 229

Ryan: O MSN.

Jin: Quando eu escrevo é no MSN e no Orkut, é só pra mandar mensagem. [...] Só uso MSN

e Orkut. Nem na net eu entro, só entro no Orkut.

Entrev.: Você fez amigos na internet já?

Jin: Já.

Entrev.: Como?

Jin: Ah, pelo MSN, eu já conheci bastante gente, que é daqui.

Entrev.: E como você vai acrescentando esses contatos no MSN?

Jin: Ah.. com os moleques, os moleques passam o contato com o e-mail dela e eu adiciono

elas, e elas aceita e nós conversa.

Entrev.: E você se diverte bastante com a net?

Jin: Aham.

Comprova-se, assim, o uso massivo da rede social Orkut e a interação social reativa, como

explicado por Recuero (2007). Não se pode ter sempre um incluído digital e alfabetizado que se

dedique à construção de conteúdos digitais, num país onde os altos índices de analfabetismo

atinge milhares. Sendo assim, as lanhouses contribuem à alfabetização com computadores, mas

as crianças aprendem sozinhas, fora da escola, tornando a alfabetização formal mera obtenção do

certificado, como dito anteriormente sobre o “jogar para cima” o aluno, mesmo sem a obtenção

das habilidades concernentes ao currículo definido via diretrizes educacionais. De modo geral, os

usuários mais frequentes na lanhouse, escolhidos para a pesquisa, dedicam maior parte do tempo

de utilização do computador e da internet em jogos, no MSN e no Orkut. O que nos leva a um

questionamento que dificilmente resultará numa única resposta: terão esses usuários fluência

tecnológica?

Deste modo, tentamos diferenciar a concepção de “acesso” da concepção de “uso efetivo”

a partir da discussão realizada por Michael Gurnstein (2003). Nesta, o autor confirma que não

basta dispor estabelecimentos para acesso gratuito ou a preços baixos, o uso efetivo se dá com

produção de conteúdos que devem ser adequados às necessidades de cada contexto

populacional, com objetivos sociais e comunitários. Afirma ainda ser necessário apoio da

sociedade civil, empresas e governos na disposição de uma infraestrutura tecnológica

suficientemente ágil para permitir a aplicação de diversos serviços, entre eles, o acesso às

informações governamentais.

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Os usos dos informantes da lanhouse pesquisada visam fortalecer ou no mínimo

reconhecer a sua identidade. Se não sempre visando a popularidade, o desenvolvimento dos

perfis na rede social Orkut resulta em reconhecimento de si. Dito isto, percebemos que o uso do

computador e da internet tem mais sentido para a socialização do que para a aprendizagem. No

entanto, a aprendizagem ocorre, principalmente, por meio de jogos, pelos quais o princípio de

solidariedade se estabelece, já que uns auxiliam os outros. De modo geral, foi na lanhouse que os

jovens pesquisados aprenderam a usar muitas ferramentas disponíveis na rede e não na escola.

Considerações finais

Podemos afirmar que o tema inclusão digital não se consubstancia, exclusivamente, ao

âmbito educacional. Defendo isto porque a alternativa frequentemente oferecida para a inclusão

digital, qual seja, a alfabetização, comumente, fica restrita aos discursos políticos e aos conteúdos

programáticos das diretrizes de encontros sobre o tema junto às responsabilidades definidas aos

profissionais da Educação. Não obstante, uma das ações, propostas nas políticas sociais, é a

disposição de pontos de internet em todos os cantos do país e se espera que tal acesso promova a

alfabetização. Por outro lado, poderá um indivíduo não alfabetizado formalmente ser incluído

digitalmente? Este indivíduo possuirá saberes práticos melhor desenvolvidos ou, pode-se dizer,

no mínimo, diferentes dos saberes de um alfabetizado digital, mas que atendam algumas de suas

necessidades? Formulada tal questão, acabamos por compreender que há diferenças essenciais

entre alfabetização formal e alfabetização digital. Por exemplo, esta última pode ou não ser

realizada por vias institucionais e, além disso, ambas podem nem mesmo ser complementares.

Contudo, se a inclusão digital não estiver aliada à educação formal, é primordial que o

indivíduo exercite sua autonomia, já que o aprendizado não se dá por vias institucionais. Neste

quesito, temos que considerar as dificuldades de ordem socioeconômica e cultural que,

inevitavelmente, serão apresentadas e o indivíduo com acesso às TIC será culpabilizado por si só,

com base em discursos neoliberais, comumente aceitos.

Os meninos usuários de computador e de internet na lanhouse pesquisada utilizam o

tempo que podem pagar para fins que lhe interessam e não possuem referências que indiquem

como devem construir conteúdos digitais. No entanto, há possibilidades de nivelar como se dá a

inclusão digital longe de parâmetros institucionais? Se as escolas possuem conteúdos

programáticos para generalizar os graus de alfabetização formal, como será a inclusão digital no

contexto das lanhouses?

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A exclusão social também pode ser vista como uma injustiça. Neste sentido, há uma gama

de pesquisadores que discutem a informação e a comunicação como um direito humano nem

sempre garantido (MARQUES DE MELO; SATHLER, 2005). Assim sendo, muitos são excluídos por

ser o acesso à tecnologia internet ainda dispendioso financeiramente. Então, a exclusão deve ser

combatida a partir da base, a partir da conscientização dos excluídos a respeito da sua exploração

e dependência, e também sobre a possibilidade desses excluídos serem autônomos na construção

de sua história. Uma manutenção da cidadania tutelada pelo Estado é uma conformação que

permite chamarmos os sujeitos de pobres e sem qualidade política, havendo, assim, sujeitos de

diferentes classes sociais que se encaixam nesta definição (DEMO, 2003).

Assim, o binômio exclusão/inclusão não dá conta de refletir sobre o processo de

marginalização digital que poderá se intensificar caso não haja políticas estruturais integradoras

(CÔRREA, 2007; DEMO, 2007). As agendas políticas para a Sociedade da Informação são,

cotidianamente, exigidas nos países de todo o mundo, isto porque muitos já compreenderam que

o acesso às TIC não deve ser um fim em si mesmo, mas que é necessário auxiliar os usuários para

a construção de conteúdos digitais (Clement and Shade apud Gurnstein, 2003). Concordamos com

Gurnstein (2003) quando critica propostas governamentais para o acesso a ferramentas

tecnológicas que se restringem à disposição destas para o uso dos cidadãos, sem considerar as

habilidades passíveis de serem desenvolvidas pelos usuários.

“'Acesso', neste contexto, então, é de cerca de sermos capazes de consumir e

receber, em vez de produzir e distribuir. A participação no programa 'Sociedade

da Informação', tal como apresentado aqui concerne com a capacidade de

adquirir, para fazer o download e interagir, passivamente, com um ou outro

Web site criado por outros” (tradução da autora, GURNSTEIN, 2003).

Nessa perspectiva, a lanhouse pesquisada é o único estabelecimento a oferecer essas

ferramentas no bairro e podemos afirmar que todos estão na fronteira da inclusão/exclusão. Isto

porque, não podemos dizer que não estão incluídos uma vez que são usuários do computador e

da internet e as dominam como sujeitos cognitivos. No entanto, essa inclusão é limitada ao

acesso e não à participação.

Mesmo o acesso, diga-se de passagem, é restrito no tempo devido à impossibilidade

socioeconômica para pagar pelo uso dos serviços da lanhouse por tempo ilimitado. Por outro

lado, o período de observação permitiu verificar a existência de um princípio de solidariedade que

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permite que os meninos auxiliem uns aos outros no aprendizado de jogos e nas ferramentas

comunicacionais, quais seja, o MSN e o Orkut. Outra faceta desse princípio de solidariedade

manifestou-se na prática, já abandonada devido a mudanças no gerenciamento da lanhouse, que

implicava na cessão de parcelas de tempo (15 minutos, por exemplo) por parte dos que podiam

pagar para os parceiros de jogo que não podiam.

Não é incompreensível a dificuldade que os meninos pesquisados no contexto desta

lanhouse demonstraram para expressar aquilo que conheciam sobre computadores e Internet.

Quando não muito, seus usos se limitavam à intensa prática de poucos conteúdos digitais, entre

os quais, o MSN e o Orkut. Daí nosso argumento sobre um processo de marginalização enfrentado

por esses meninos, já que na fronteira da inclusão/exclusão ora conseguem se conectar, ora não

possuem dinheiro para tal. Ao mesmo tempo em que sabem acessar a internet usam-na quase

que exclusivamente para habilitar o comunicador instantâneo, modificar seus perfis no Orkut e

valer-se do buscador Google como uma espécie de oráculo, fonte de todo o saber disponível na

internet. Neste sentido, quando incluídos, os usos estimulados pelo grupo a que pertencem e que

com o qual se identificam determinam o modo como são incluídos e, simultaneamente, os limites

e possibilidades dessa inclusão.

Para nós, a lanhouse inclui os meninos na rede. A inclusão digital ocorre neste contexto

com maior visibilidade em contraposição às outras instituições do bairro, como as escolas onde

estudam ou, ainda, as igrejas que frequentam. Apesar desses meninos não possuírem referências

culturais, nem recursos financeiros, eles argumentam sobre a importância do uso do computador

e da internet para si e para toda a família. Ao considerar o fato de vivermos numa “sociedade da

informação” os usuários convenceram suas famílias a respeito da importância de fazerem uso

dessas ferramentas tecnológicas, tanto que, de modo geral, os pais desejam adquirir um

computador e a conexão de internet.

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