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  • Os trabalhOs e Os dias

  • Dados internacionais de catalogao na publicao Bibliotecria responsvel: Mara rejane Vicente teixeira

    Hesodo. Os trabalhos e os dias / Hesodo ; edio, traduo, introduo e notas : Alessandro Rolim de Moura. - Curitiba, PR : Segesta, 2012. 152 p. ; 21 cm. - ( Razes do pensamento econmico ; 2) Texto em grego com traduo paralela em portugus. Inclui bibliografia. 1. Economia Obras anteriores a 1800. I. Moura, Alessandro Rolim de. II. Ttulo. III. Srie.

    CDD (22 ed.) 330

    ISBN 978-85-89075-13-8

  • Hesodo

    Os trabalhose os dias

    Curitiba2012

    Edio, traduo, introduo e notas deAlessAndro rolim de mourA

  • Rua Desembargador Westphalen, 15, Conj. 1705Curitiba / PR80010-903Tel.: (41) 3233 8783www.segestaeditora.com.bre-mail: [email protected]

    Ttulo original: EA KAI HMEAI

    Hesodo

    Ttulo traduzido: Os trabalhos e os dias

    Alessandro Rolim de Moura

    Capa e ilustraes (pastel seco e nanquim): Daniela Vicentini

    Capa: Ilustrao a partir de cermica grega ateniense, assinada por Nikosthenes, 550-500 a.C., Berlim, Antikensammlung, Schloss Charlottenburg, F1806.

    Pgina 57: Ilustrao a partir de cermica grega ateniense, atribuda ao pintor de Antimenes, 550-500 a.C., Museu Britnico, Londres, 1837.6-9.42.

    Finalizao: Bibiana Hoffmann de Sousa

    Editorao eletrnica: Gisele Maria Skroch

    Reviso do texto em portugus: Silvana Seffrin

    Reviso do texto em grego: Pedro Ipiranga Jr.

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    AGRADECIMENTOS

    Muitos colegas e amigos me ajudaram neste projeto. Agradeo especialmente a Sandra Rocha e Sandra Bianchet,

    que me enviaram material bibliogrfico; a Roosevelt de Arajo Rocha Jr., que leu e fez anotaes a um dos primeiros esboos da traduo; a Christos Simelidis, que discutiu comigo passagens especficas do texto grego e questes de editorao; ao Dr. Martin L. West, que viu o trabalho em sua fase final e me enviou impor-tantes sugestes sobre as siglas e o aparato crtico, alm de ter me chamado a ateno para o tratamento problemtico que eu vinha dando a uma questo gramatical; a Pedro Ipiranga Jr., que revi-sou minuciosamente o texto grego e a introduo e me salvou de diversos equvocos; finalmente, a toda a equipe da Editora Segesta, pela confiana e pacincia, bem como por sucessivas leituras que sempre vinham acompanhadas de sugestes. Quaisquer erros que tenham permanecido sero de minha inteira responsabilidade.

    Este livro dedicado memria de Marzia Terenzi Vicentini.

    A. R. M.

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    SUMRIO

    Introduo................................................................ 11I Proposta deste livro......................................................... 11II Quem Hesodo? ........................................................... 17III O texto dos Erga ............................................................ 36

    IV Siglas dos testemunhos citados no aparato crtico e outras convenes utilizadas ....................................... 42V Bibliografia ..................................................................... 48

    EA KAI HMEAI .......................................................... 60

    Hesodo os trabalHos e os dIas ............................................. 61

    apndIce........................................................................... 145

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    INTRODUO

    I proposta deste lIvro

    Esta edio tem como objetivo servir, a um s tempo, a pblicos diversos. Como o plano de fazer uma nova traduo de Os trabalhos e os dias (Erga kai hemerai)1 de Hesodo surgiu no contexto da coleo Razes do Pensamento Econmico, um primeiro horizonte de leitores o dos economistas e demais pessoas interessadas na histria das ideias econmicas. Para estes, fazia-se necessrio um texto portugus completo, numa linguagem que, antes de procurar reproduzir os efeitos poticos do original, deixasse to clara quanto possvel a viso de mundo de Hesodo naquilo que ela tem de relevante para a rea da economia, sem criar dificuldades excessivas para um pblico que no est necessariamente habituado leitura da poesia antiga. Da uma das razes de termos optado por uma traduo que se aproxima da prosa contempornea, sem as restries que a escolha de um metro especfico acabaria por impor. Por outro lado, traduzir a poesia de Hesodo sem atentar em nada para a arte dos versos gregos e para as obscuridades do autor seria impossvel, e todo o tempo acompanhou-nos a preocupao de evitar formulaes que

    1 Em latim, Opera et dies, abreviado Op.

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    Introduo

    banalizassem o original. Os Erga nunca foram simplesmente um texto tcnico de agricultura ou um manual de economia. A obra constitui um desafio para os intrpretes e uma constante fonte de surpresas com seu amlgama de crtica social, sabedoria milenar, narrativa mtica, discurso indignado, religiosidade e observao do cotidiano e da natureza, amlgama este vazado num estilo s vezes enigmtico e profundamente marcado pela tradio da poesia oral da Grcia arcaica. Assim, se muitas vezes nosso texto em portugus soar antiquado e misterioso, ou distante da linguagem de hoje, isso corresponde a um respeito mnimo pela lngua hesidica. Se, alm disso, conseguirmos oferecer aos leitores uma traduo que lhes parea escrita numa prosa razovel, ainda que muita vez spera, teremos prestado uma pequena homenagem difcil beleza do poema grego.

    Igualmente no sentido de facilitar a consulta da traduo, acrescentamos alguns subttulos em itlico separando o poema em sees. Que isso no gere, todavia, a impresso de que o texto de Hesodo progride segundo um plano absolutamente lgico. Muitas vezes alguns temas se repetem em partes diferentes, digresses inesperadas interrompem o argumento e conceitos sem relao aparente entre si se justapem em conexes desconcertantes. Isso tudo provavelmente o resultado de uma obra composta, ao menos em parte, segundo princpios de improvisao tpicos da poesia oral, que nem sempre obedecem ordem de uma exposio me-tdica. Analogias sugeridas pela dimenso imagtica ou emotiva de uma determinada passagem vo frequentemente se sobrepor s exigncias do didatismo.2

    2 O elo que conecta Hesodo a uma poesia de tradio oral bem demonstrado por Edwards, 1971 (ver tambm Pavese e Venti, 2000). Possveis

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    Hesodo os trabalHos e os dias

    O segundo grupo de leitores que temos em mente bastante diferente do primeiro. Pensamos que a edio poderia ser til tambem aos estudantes de grego. Para tanto, resolvemos fornecer tambm o texto original. Nossa traduo tende ao literal e procura seguir de perto a ordem do grego, de modo que cada linha em portugus corresponde quase exatamente aos contedos do verso grego de mesmo nmero. Portanto, mais do que se arrogar o sta-tus de obra literria per se, a traduo visa tambm ajudar a ler o original. Dessa forma, aqueles que tm uma instruo mnima na lngua grega, podero perceber no grego o trabalho artstico de Hesodo. Com esses dois grupos de leitores em mente concebemos tambm a introduo, que no se pretende um estudo da obra de Hesodo, mas uma apresentao para um pblico menos especia-lizado, ao qual se oferecem tambm indicaes bibliogrficas para quem desejar um maior aprofundamento.

    Tambm com o fim de prestar um servio aos estudantes de Letras Clssicas, fornecemos um aparato crtico resumido, que apresenta aquelas variantes da tradio manuscrita que julgamos mais pertinentes, bem como algumas intervenes de fillogos ante-riores. Nenhuma obra antiga est desprovida de problemas textuais (exemplo famoso o da prpria Bblia, cujo texto constitudo diferentemente por diferentes editores a partir de milhares de ma-nuscritos, dos quais no temos nem sequer dois que coincidem em tudo). Acreditamos que imprimir um texto grego ou latino sem dar indicaes bsicas sobre isso privar o pblico leitor de informaes de suma importncia, e pode gerar a falsa impresso de que existe um texto nico de Hesodo, Sfocles ou Ccero. Para voltarmos ao

    consequncias disso para a composio de Os trabalhos e os dias so discutidas por West, 1978, p. 41-59.

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    Introduo

    caso presente, os mais de 260 manuscritos de Os trabalhos e os dias apresentam inmeras diferenas entre si. Traduzir o poema necessariamente traduzir uma dessas verses, ou uma nova verso que incorpore aspectos diversos dos diferentes testemunhos que conservam a obra. Da a necessidade de mostrar, de forma expl-cita e sinttica, quais so as variantes, ao menos as mais decisivas. Estas s vezes correspondem ausncia de um determinado verso na maior parte dos testemunhos, ordenao distinta dos versos em diferentes manuscritos, troca de uma palavra por outra, a diferenas nos tempos verbais, etc. Se escolhemos uma variante especfica para servir de base traduo, o trabalho fica mais completo se damos ao leitor condies de perceber que o texto grego daquela passagem no o nico possvel e de julgar por si mesmo qual variante a mais satisfatria.

    Para esse fim, no estritamente necessrio consultar todos os manuscritos existentes. Esse trabalho j foi feito, em grande parte, por fillogos extremamente competentes e dedicados que colacionaram dezenas de cdices medievais, papiros, citaes de outros autores gregos, e o resultado dessa investigao est disponvel nas grandes edies crticas (e.g. Rzach, Wilamowitz, West, Solmsen). Embora muitos cdices, principalmente os mais recentes, ainda no tenham sido analisados a fundo, certamente aqueles mais antigos e que se pde at o momento identificar como os principais foram objeto de colaes relativamente exaustivas. Nosso trabalho, a esta altura da histria da filologia, nas nossas condies de pesquisa e numa edio com fins didticos e de divulgao, simplesmente apresentar, num livro brasileiro de fcil acesso, os elementos principais dessa tradio textual. Teremos tambm a oportunidade de levar em conta as lies de

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    Hesodo os trabalHos e os dias

    papiros trazidos luz aps as edies de West e Solmsen (como o P. Schyen MS 5068, provavelmente o mais antigo papiro hesidico j descoberto): destes, que colacionamos por meio de fotografias, nosso aparato crtico reporta todas as variantes de importncia que possvel ler com certeza. Desejamos que esse aparato crtico, complementado pelas notas filolgicas em portugus que acompanham a traduo e por algumas informaes que forneceremos no material introdutrio e no apndice, possa ajudar a familiarizar os estudantes com a linguagem da crtica textual e incentivar a produo de edies dos clssicos cada vez mais completas do ponto de vista filolgico. Mesmo o pblico leigo vai se beneficiar de edies com tal preocupao, pois ter ao seu dispor textos mais confiveis e que retratam mais corretamente as transformaes histricas pelas quais esses textos passaram. Embora nosso trabalho no seja propriamente uma edio crtica, mas apenas uma edio bilngue com notas crticas mnimas, acreditamos que se pode aguar a conscincia dos estudiosos brasileiros para essas questes, e que perfeitamente possvel, mesmo com as limitaes de nossas bibliotecas, realizar trabalhos mais conscientes dos problemas de estabelecimento de texto presentes na literatura clssica. O ambiente universitrio atual, ademais, permite mais viagens a grandes centros, e as novas tecnologias do a pblico cada vez mais imagens digitalizadas de manuscritos. Esse contexto faz pensar que, mesmo a curto prazo, fillogos brasileiros podero realizar projetos mais ambiciosos nesse campo.

    Quando comeamos a caminhar com base nesses princpios, o contato com detalhes do texto e com as diferentes interpretaes provenientes das variantes textuais torna a traduo de cada pas-sagem um dilema ainda maior do que faria supor a ateno s j

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    Introduo

    complexas virtualidades artsticas e semnticas de uma frase grega num livro didtico de lngua ou numa edio que ignorasse de todo os problemas textuais. Por mais modestos que sejam nossos objetivos, inevitvel, vez por outra, que uma certa liberdade de pensamento nos leve a discordar das propostas de fillogos ante-riores. Da o fato de esta edio fornecer um texto grego que no exatamente igual a nenhuma edio anterior, e de nosso aparato crtico ser redigido tambm de acordo com determinadas escolhas individuais. Teria sido com certeza mais fcil utilizar o fac-smile de uma edio autorizada. Mas ler os aparatos crticos das edies anteriores nos torna mais crticos. Seria despropositado, claro, modificar o texto de acordo com a mera pretenso de ser um editor original. Como a edio de West sem dvida a mais completa que j foi feita e o seu conhecimento da lngua grega e da sua poesia a um s tempo muito vasto e preciso, evitamos (com exceo de pouqussimos casos) discordar dele em questes menores, como a pontuao e a acentuao, e todas as diferenas entre este texto grego e o de West so listadas no apndice ao final do volume. Para o estudante mdio de nossas universidades, edies crticas to pormenorizadas como a de West podero talvez intimidar uma leitura mais profunda, e o aparato ao p da pgina parecer por vezes indecifrvel. Nosso aparato mais simples, a comear, por levar em conta um menor nmero de testemunhos (unicamente aqueles que consideramos imprescindveis), e tambm por usar uma linguagem menos abreviada. Est, todavia, ainda redigido em latim, conforme a melhor tradio. Apenas se acostumando com o aparato em latim o estudante vai se tornar capaz de lidar com as edies mais completas, pois quase todas adotam esse princpio. uma dificuldade da linguagem desse campo de estudos, a qual

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    Hesodo os trabalHos e os dias

    tem suas razes prticas e histricas. No recomendvel proteger nossos estudantes desse percalo. Por outro lado, os fillogos de vocao aos poucos aprendero o prazer de interpretar e manusear a lngua do seu campo do saber.

    Passemos agora a uma apresentao do autor e da obra, bem como a uma explicao concisa da histria do texto de Hesodo, seguida de uma lista didtica das siglas e abreviaturas usadas no aparato crtico e dos sinais crticos utilizados nesta edio.

    II Quem Hesodo?

    Diferentemente do que ocorre com Homero, Hesodo ainda tratado pelos estudiosos contemporneos como figura histrica de existncia quase indubitvel, algum de carne e osso, passvel inclusive de uma abordagem biogrfica. Essa atitude da crtica estimulada pelo prprio texto hesidico, que, em diversas oportuni-dades da Teogonia e de Os trabalhos e os dias, apresenta uma voz autoral que fala de si mesma explicitamente. Isto , embora Homero contenha passagens em que o ofcio do aedo descrito, em pratica-mente nenhuma delas vemos o poeta da Ilada e da Odisseia (se que se trata de apenas um poeta) emergir com clareza e falar de si mesmo utilizando a primeira pessoa. Em Hesodo, no s vemos claramente afirmado o carter potico do texto que est sendo enunciado, mas tambm o sujeito por trs desse texto coloca-se orgulhosamente como um profissional nessa arte.3 No texto hom-rico, a referncia ao eu narrativo-potico ocorre, quando menos indiretamente, nas invocaes e em certos trechos em que a voz que

    3 Havelock, 1996 [1963], p. 116-117.

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    Introduo

    narra compara os heris da epopeia aos homens de hoje.4 Essas referncias, ainda que nos faam entrever mais concretamente um poeta que um dia comps aqueles versos, so muito fugidias se comparadas ao que vemos em Hesodo, o primeiro poeta ocidental a falar em seu prprio nome e dar indicaes mais precisas sobre sua vida pessoal.5 Na Teogonia 22-33, o poeta nos conta como um dia, quando apascentava suas ovelhas no monte Hlicon, as Musas dirigiram-se a ele e o tornaram poeta. J nos Trabalhos, versos 27-41, Hesodo comenta os desentendimentos sobre a partilha da herana paterna que ele tem com seu irmo Perses. Mais adiante, em 633-640, lemos que o pai do autor costumava apelar a viagens martimas para escapar pobreza. Foi fugindo desta ltima que ele abandonou Cime, na sia Menor, e se estabeleceu em Ascra, perto do Hlicon. Alguns versos depois (646-662), continuando o tema da navegao, Hesodo comenta que ele prprio nunca se aventurou no mar, exceto quando uma vez foi a Eubeia participar dos jogos em honra de Anfidamante, nos quais obteve uma vitria com um hino. Essa foi a sua nica experincia com barcos, mas mesmo assim, diz ele, tratar desse assunto, pois as Musas, que o introduziram no caminho da poesia, ensinaram-no a cantar um canto extraordinrio.

    4 Note-se, no entanto, que a viso de um narrador homrico absolutamente objetivo tem cada vez menos credibilidade na crtica, principalmente a partir da aplicao mais sistemtica da narratologia anlise dos poemas (ver e.g. de Jong, 1987, 1997 e 2004, p. 13, 14-18).

    5 Barron e Easterling, 1985, p. 92. pela Teogonia 22 que ficamos conhe-cendo o nome Hesodo, para cuja discutida etimologia (possivelmente aquele que tem prazer com o caminho ou aquele que emite canto, ou ainda aquele que percorre a via do canto) ver Most, 2006, p. xiv-xvi, e Ercolani, 2010, p. 51, n. 1.

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    Hesodo os trabalHos e os dias

    Poderamos talvez ver nessa diferena entre a postura ho-mrica e essa guinada autobiogrfica de Hesodo o sinal de uma evoluo, da passagem de um estgio em que o poeta se v como um discreto intermedirio das Musas para uma potica em que o artista est mais consciente de seus meios e apresenta uma indi-vidualidade mais delimitada.6 Mas nada impede que as diferenas apontadas acima sejam imputveis tambm distino entre os gneros literrios envolvidos. Se pensamos na literatura sapien-cial antiga tal como caracterizada por West, veremos que nela comum que os ensinamentos sejam proferidos pela voz de uma figura que se apresenta como pessoa experiente, cuja existncia explica, justifica e d autoridade a sua opo pelo discurso did-tico. A vinculao de Hesodo a esse tipo de literatura tambm verificvel por outras razes (como o emprego da fbula), o que nos leva a crer que muito mais a forma literria posta em ao que faz a personalidade do poeta vir tona.7

    6 Assim apresentam o problema, por exemplo, de Romilly, 1973, p. 158-159; Krausz, 2007, p. 111-115. Note-se a viso do desenvolvimento histrico dos gneros literrios gregos em Snell, 2001 [1955], p. 55-56.

    7 Ver West, 1978, p. 3-25; Nagy, 1990, p. 48, 54, 71-72. muito debatida a ligao de Hesodo com a literatura de outros povos da Antiguidade, princi-palmente em funo dos marcantes paralelos entre, de um lado, a Teogonia e Os trabalhos e os dias, e, de outro, certos textos do Oriente prximo (ver, por exemplo, a semelhana entre o mito das raas em Hesodo e as quatro eras associadas a quatro diferentes metais em antigos escritos persas, como relata West, 1978, p. 174-175; cf. Barron e Easterling, 1985, p. 101). Sem descartar a possibilidade de que certas histrias e formas literrias circu-lassem entre povos de diferentes lnguas na poca de Hesodo, ou tivessem sido transmitidas Grcia antes da poca deste e conservadas na tradio dos aedos, h que se observar tambm que muitos aspectos da literatura sapiencial que se repetem em obras de pocas e povos diferentes podem ter se desenvolvido independentemente, dadas certas tendncias e sugestes criadas pelo prprio tema e pelo recorte da realidade que este impe. Por

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    Introduo

    O quanto da personalidade e dos acontecimentos expostos nos poemas baseia-se na prpria vida do poeta incerto. A tentativa de reconstruir a biografia do autor com base no que ele diz de si mesmo nos poemas8 esbarra em basicamente duas dificuldades: em primeiro lugar, o discurso autobiogrfico de Hesodo no suficientemente claro e livre de contradies; alm disso, no sabemos o que ali no fruto de uma elaborao potico-ficcional que obedece s exigncias criativas do gnero literrio e de cada obra especfica. Negar totalmente, porm, a veracidade do que os poemas expem sobre a vida de seu autor, com base na ideia de que temos ali pura e simplesmente uma construo literria, no se oferece como uma postura equilibrada.9 Por mais que Hesodo tenha optado por apresentar uma figura ficcional como porta-voz de seus versos, a imagem da existncia humana que o leitor encontra ali deve ter se inspirado na observao de uma vida real ou de vidas reais. Sua imagem do mundo campons, se fosse

    outro lado, apesar de os Trabalhos serem um obra praticamente nica na literatura grega, o poema tem uma estreita ligao com gneros fortemente estabelecidos em solo helnico, que se manifestam na mesma poca ou um pouco depois, nomeadamente o epos homrico (tanto a Ilada e a Odisseia quanto os hinos) e a elegia moralizante de um Tegnis. E por mais que en-contremos semelhanas entre Hesodo e a literatura de outros povos (quer a literatura sapiencial, quer a de outros gneros), no h que se perder de vista a especificidade da criao do poeta grego (note-se que nenhum mito oriental sobre a sucesso de geraes ou reinos exatamente igual ao de Hesodo). Ver tambm Detienne, 1963, p. 10-12; Walcot, 1966a; Jimnez e Dez, 1978, p. 30-41; Burkert, 1987; Lesky, 1995 [1971], p. 118-120; Pereira, 1993, p. 159-162; West, 1997, p. 276-333; Rutherford, 2009.

    8 Para a interpretao dos Erga como um poema de ocasio, que reflete uma disputa judicial verdadeira ocorrida entre Hesodo e seu irmo Perses, ver a crtica de Jaeger, 1989 [1933], p. 63. Para Snell, 2001 [1955], p. 66, os versos de Hesodo so uma arma numa contenda judiciria. Cf. Walcot, 1966a, p. 106.

    9 Essa viso j se encontra discretamente em Murray, 1947 [1897], p. 77, e levada ao extremo, com referncia aos Erga, por Nisbet, 2004.

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    Hesodo os trabalHos e os dias

    totalmente sem relao com o que se via na Grcia arcaica, no teria nenhuma verossimilhana. Que esse fundo emprico da percepo de Hesodo se fundamente ao menos em parte na viso que ele tinha de sua prpria existncia, no h razo bastante para duvidar. Da que a pergunta sobre o estatuto verdico ou no desse eu hesidico no propriamente a questo mais interessante. Tem maior relevncia a constatao de que o poeta se preocupa em apresentar uma individualidade assim definida e a investigao de como essa vida imaginada e representada poeticamente.

    Stoddard faz uma reviso da fortuna crtica de Hesodo, opondo as leituras biografistas quelas preocupadas com os poe-mas enquanto construes literrias, e separa de modo excessiva-mente simplista aqueles que encontram um fundo verdico nesse elemento biogrfico e, segundo a autora, veem Hesodo como um pastor rude, cuja poesia sem sofisticao traduz essa origem humil-de, daqueles que acreditam que a ideia de um Hesodo campons apenas uma fico potica e tentam interpret-la em funo do texto em si.10 Mas a presena de uma base autobiogrfica pode conviver perfeitamente com a escolha de uma forma literria que indique ao poeta uma maneira especfica de trabalhar com suas experincias pessoais. A histria da literatura est repleta de exemplos de escritores cuja vida conhecemos e que tematizaram sua trajetria existencial sem deixar de observ-la e filtr-la da perspectiva de uma criao artstica que tem leis especficas. O fato de no conhecermos documentos sobre a vida do autor no nos deve obrigar a partir do pressuposto de que ficcional absoluta-mente tudo o que ele diz sobre seu eu. Pelo contrrio, o nus da

    10 Stoddard, 2004, p. 1-33, esp. 14-15.

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    Introduo

    prova recai sobre aqueles que negam a veracidade das afirmaes do poeta. De fato, a anlise de Stoddard se enraza em diversas concepes problemticas. Uma delas a categoria de um texto em si desvinculado da realidade, como se a nossa capacidade de tornar significativo um texto fosse independente de conhecimentos sobre coisas exteriores ao texto (mesmo as interpretaes mais radicalmente antibiografistas citadas pela autora se fundamentam num entendimento da cultura grega que obtido fora do texto). Outro pressuposto questionvel, que Stoddard compartilha com parte da crtica biografista e a impede de vislumbrar uma postura mais flexvel, aquele que vincula a poesia de algum ligado a um ambiente rural e semiletrado a uma imagem de falta de refina-mento e tcnica literria, como se um poeta enraizado em tradies populares no pudesse ter conscincia de seus meios artsticos e produzir um texto sutil e arquitetonicamente elaborado.

    Tido por alguns como mais antigo que a obra de Homero,11 o corpus hesidico congrega, alm de Os trabalhos e os dias e da Teogonia,12 outros textos de autoria mais duvidosa. Eles incluem o Escudo de Hracles (quase com certeza esprio) e o Catlogo das mulheres (mais provavelmente do prprio Hesodo),13 alm de diversas outras obras que s chegaram aos dias de hoje por meio de fragmentos pouco extensos. Entre esses poemas perdidos

    11 Para a controvrsia antiga sobre a antiguidade de Hesodo em relao a Homero, ver os testemunhos coletados por Most, 2006, p. 162-175 (esp. T10-14, para a ideia de que os dois poetas eram contemporneos, e T15-16, para a opinio de que Hesodo veio antes).

    12 A autenticidade da prpria Teogonia tambm j foi posta em dvida (ver Pausnias 9.31.4).

    13 O Catlogo considerado obra de Hesodo por Arrighetti, 2008, p. 26 (contra West, 1985, esp. p. 127-128).

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    Hesodo os trabalHos e os dias

    encontravam-se, por exemplo, os Grandes trabalhos, obra prova-velmente ligada a Os trabalhos e os dias pela temtica.

    Embora Herdoto diga em 2.53.2 que Homero e Hesodo viveram aproximadamente 400 anos antes dele prprio, data que casa com o terminus post quem estabelecido pela coincidncia en-tre os dados astronmicos que se deduzem de Hesodo e a suposta posio dos astros em 850 a.C.,14 a obra hesidica ter sido mais provavelmente composta na segunda metade do sculo VIII antes da nossa era, quem sabe mais para o final desse perodo do que no seu incio. Isso combina com o que se supe da histria da intro-duo do alfabeto na Grcia.15 Alm disso, a partir de meados do sculo VIII que assistimos ao incio da colonizao helnica da Itlia e da Siclia (processo que condiz com a histria da viagem do pai de Hesodo).16 Ora, o problema da data nos conduz a uma reflexo importante para a questo da especificidade de Hesodo na histria da economia, e por isso devemos nos deter um pouco mais nesse ponto. Alguns autores17 chegam a dar como quase certa a datao do ltimo tero do sculo VIII, com base em achados arqueolgicos que situariam a Guerra Lelantina um pouco antes do ano 700 (nessa data, a plancie Lelantina, que vinha sendo habitada ininterruptamente desde a Era de Bronze, foi destruda e abando-nada). Como Hesodo relata ter vencido um concurso de poesia num festival em homenagem a Anfidamante (Op. 650-659), um

    14 Edwards, 1971, p. 7, n. 34; Jimnez e Dez, 1978, p. 11.15 Nagy, 1990, p. 38; Healey, 1996, p. 281-286. A introduo do alfabeto se-

    ria do sc. IX; as primeiras inscries conservadas, do sc. VIII. Segundo Sarian, 1998/1999, p. 164, na segunda metade deste ltimo que se d a apropriao da escrita pela poesia.

    16 Ver Walcot, 1966a, p. 108-109.17 Barron e Easterling, 1985, p. 93; Pereira, 1993, p. 155, n. 1.

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    Introduo

    heri que teria perecido numa batalha naval durante essa guerra, teramos a uma indicao da poca em que o poeta estava ativo.

    Mesmo esses dados, no entanto, so incertos,18 e temerrio construir um panorama detalhado do momento histrico de Heso-do em bases to disputadas. Alm de dados arqueolgicos sempre passveis de interpretaes diferentes, no possumos outras fontes de informao sobre o perodo que no sejam os prprios poe-mas homricos e hesidicos. Assim como em relao biografia do autor, o contexto socioeconmico da obra ser sempre uma reconstruo hipottica.19 Portanto, a realidade econmica que aparece nos Trabalhos, que certamente desejaramos conhecer com maior preciso, no pode ser relacionada com segurana a nenhum processo poltico ou transformao social claramente documen-tados. Mais do que um testemunho de uma poca que possamos descrever com solidez, o poema traz reflexes de carter geral sobre a vida do pequeno agricultor, relaes sociais e comerciais, a administrao do trabalho agrcola, a maneira como o trabalho se liga ao funcionamento da natureza, entre outros temas afins. Esses pensamentos, ainda que sem dvida baseados na realidade que Hesodo ter vivido em Ascra em algum momento de sua exis-tncia, tm um interesse que transcende os limites desse passado.

    18 Mazon, 1926, p. 78, observa que a identidade do Anfidamante citado por Hesodo no pode ser conhecida com certeza. Para Most, 2006, p. xxv, n. 8, a data, a durao e mesmo a realidade histrica da Guerra Lelantina so matrias discutveis. Ver Janko, 1982, p. 94-98, que tambm discute as possveis citaes de Hesodo em Semnides de Amorgos (que poderia representar o terminus ante quem de Hesodo). Janko tende a datar Hesodo entre o final do sc. VIII e meados do VII. Cf. Walcot, 1966a, p. 118-119; Ercolani, 2010, p. 16.

    19 Essa cautela expressa tambm por Tandy e Neale, 1996, p. 4-5.

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    Hesodo os trabalHos e os dias

    Qualquer que fosse a situao exata dos campesinos gregos naquela poca, chama a ateno o simples fato de que os prota-gonistas dos Erga so homens que precisam do trabalho dirio para viver. Eles vivem da terra (secundariamente, da navegao comercial) e dependem do esforo dos prprios braos para que a terra produza. No podem contar com a ajuda de muitos escra-vos ou serviais (Tandy e Neale estimam que, entre familiares, escravos e trabalhadores assalariados, a propriedade de Hesodo contava com algo entre 7 e 12 pessoas).20 Esse retrato contrasta profundamente com o que vemos nos poemas homricos. L o foco principal da ateno so nobres guerreiros cuja relao com a dureza do trabalho agrcola est muito mediada. Certamente as comparaes picas trazem por vezes cenas de trabalho no campo, mas isso parece ocorrer numa realidade paralela da Guerra de Troia e das aventuras de Ulisses. O pai deste, Laertes, aparece no final da Odisseia curvado sob o peso do trabalho na terra, mas isso serve ao propsito de mostrar justamente o heri degradado, dando a entender que ele foi reduzido a essa atividade por causa da ausncia do filho e dos desmandos dos pretendentes de Pen-lope. Assim, Jaeger v em Hesodo a expresso da mundividncia de uma classe social diferente daquela cantada em Homero, mas que, tal como aquela, tem seu valor para a constituio da cultura grega como um todo.21 Como coloca Herdoto em 7.102.1, pela voz de Demareto, [o]s gregos tm sido criados na escola da pobreza, e a virtude a ela se

    20 Tandy e Neale, 1996, p. 29. Os mesmos autores chegam a deduzir do poema uma estimativa da quantidade de gros necessrios para alimentar todas essas pessoas, e da o tamanho da propriedade de Hesodo (p. 27-31). A concluso a que chegam de que ela era de pequena a mdia, medindo de 15 a 30 acres, aproximadamente.

    21 Jaeger, 1989 [1933], p. 59-72; ver tambem Schler, 1985, p. 28.

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    junta, filha da temperana e das leis estveis, dando-nos armas contra a pobreza e a tirania.22 No h em Hesodo, contudo, uma glorifica-o do trabalho como atividade que seria por si s enobrecedora.23 O trabalho , antes de mais nada, uma necessidade. Os deuses colocaram-no no caminho da prosperidade; ele o resultado da separao entre deuses e homens narrada no mito de Prometeu e Pandora, e por isso se reveste em parte de uma aura de punio. Trabalhar no , contudo, vergonhoso. parte da sabedoria de Hesodo reconhecer que trabalhar preciso e que s trabalhando possvel ter uma boa vida. A possvel alegria do trabalho a da percepo de que se est realizando com eficcia a atividade de que depende a nossa sobrevivncia (ver 476, 481).

    comum encontrar entre os estudiosos a noo de que Hesodo um pessimista.24 Seus conselhos podem dar a entender que convivia com uma impresso de risco iminente, com a amea da fome e das dvidas sempre espreita. quase desnecessrio lembrar que, no mito das raas, Hesodo coloca a sua poca como a pior, representando um imenso declnio em relao aos primeiros tempos da humanidade.25 Podemos relacionar essa leitura com

    22 Trad. de J. Brito Broca (Herdoto, Histria. Rio de Janeiro: W. M. Jackson, 1953), com adaptaes. Jaeger, 1989 [1933], cita essa mesma passagem (p. 59).

    23 Como parecem sugerir Trd-Boulmer e Sad, 1992, p. 31. Cf. Verdenius, 1985, ad 289, 303, 311.

    24 Por exemplo, Aubreton, 1956, p. 47; Clay, 2003, p. 46-48. Cf. Hamilton, 1989, e.g. p. 72, 75-76; Nagy, 1990, p. 65-67.

    25 Vemos com certa desconfiana a ideia de que para Hesodo essas raas no correspondem propriamente a uma sucesso cronolgica linear, mas cclica, como coloca Vernant, 1983 [1965], p. 24-25. O trecho em que o poeta diz que gostaria de ter morrido antes ou nascido depois da raa de ferro (Op. 175) no indica necessariamente que teremos uma repetio dessas mesmas fases, mas pode ser simplesmente uma expresso (alis, muito eficiente do ponto de vista retrico) de desespero. certamente possvel atribuir ao poeta

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    Hesodo os trabalHos e os dias

    alguma hiptese sobre a situao econmica da poca? Segundo Tandy e Neale, pode-se deduzir das tabuinhas em linear B que a sociedade micnica estava organizada segundo um sistema em que as pessoas contribuam com parte de sua produo para um poder central, que em troca proporcionava determinados bens e servios. Esse esquema provavelmente continuou durante a Idade das Trevas (aprox. 1000-800 a.C.), mas numa escala menor, pois nessa poca houve um decrscimo populacional e menos trocas entre as cidades. Com a criao de novas rotas comerciais no sculo VIII, ligando desde o norte da Sria at as colnias gregas do Mediterrneo ocidental, apenas os chefes comunitrios que centralizavam a produo e distribuio dos bens (os reis de Hesodo) teriam tido condies de se beneficiar do incremento das trocas. Pequenos proprietrios como Hesodo teriam pouca infraestrutura para atuar bem nesse cenrio ampliado (note-se a desconfiana com que o poeta trata a navegao, que se apresenta praticamente como um ltimo recurso para quem no consegue combater a pobreza trabalhando apenas na terra). Ao

    uma concepo da temporalidade que no coincide com uma viso histrica racionalista. Parece-nos mesmo muito convincente a exposio de Torrano, 1992, passim (esp. p. 91-92), que mostra, em sua introduo Teogonia, que no pensamento arcaico hesidico a genealogia dos deuses no se d com um esquema de anterioridades e posterioridades temporais, em que cada estgio anula e substitui os anteriores e os relega a um passado inalcanvel. Hesodo faz que os seres divinos apaream agindo quase simultaneamente, cada um em sua esfera de poder, ainda que organizados distintamente segundo diferentes fases. Isso no quer dizer, contudo, que o poeta no tivesse a noo de anterioridade e posterioridade no plano humano, e que no pudesse ver sua poca como pior que as anteriores. Por mais que os homens da raa de ouro, por exemplo, ainda existam como divindades guardis (122-127), o fato que a terra os encobriu (121), e os homens de hoje vivem num contexto que, segundo Hesodo, s tende a piorar. Ver Detienne, 1963, p. 18-19.

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    Introduo

    mesmo tempo, a dependncia dos reis em relao aos pequenos proprietrios diminui medida que o grande comrcio extrapola as trocas locais. Esse contexto levaria fragilizao do trabalho e a uma reduo da prosperidade de figuras como a que Hesodo desenha para si no poema. Da adviria a insegurana que o texto sugere, o que parece se expressar no conselho de limitar a prole a apenas um filho (376-377). Ao mesmo tempo, Hesodo parece continuar levando em conta a possibilidade de trocas no mbito local: note-se como as relaes com os vizinhos so enfatizadas nos versos 342-351. E a perspectiva de um excedente (380) a ser vendido em lugares distantes no est excluda, como deixa claro a passagem sobre a navegao.26

    Explicaes desse tipo devem ser lidas com cuidado. Mas interessante o exerccio intelectual necessrio para sua elabo-rao, que estimula a imaginao do leitor com curiosidade por questes de histria econmica. Apesar de todas as dificuldades, o poeta considera plausvel a aspirao riqueza (21-24, 381), chegando mesmo a vislumbrar a chance de comprar mais terra (341). O progresso, no entanto, sempre colocado na dependn-cia da dedicao ao trabalho (e.g. 495) e do favor dos deuses, que precisam ser propiciados (336-340). O ganho fcil, obtido por meios desonestos, levar ao desastre (352). De qualquer forma, essas e outras partes do poema levam-nos a relativizar a imagem de pessimismo associada a Hesodo. sintomtico das dificuldades oferecidas pela interpretao da realidade econmi-ca de Hesodo o fato de que Jimnez e Dez fazem uma leitura que pouco tem em comum com a exposta acima. Para eles, a

    26 Ver Tandy e Neale, 1996, p. 15, 22, 35-37.

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    voz que fala nos poemas hesidicos representa uma burgue-sia em ascenso, que na verdade se beneficia enormemente do desenvolvimento mercantil trazido pelas colonizaes e, ao adquirir maior riqueza, passa a questionar o poder poltico dos aristocratas.27 Essa interpretao parece-nos menos provvel que a de Tandy e Neale, mas tem a virtude de enfatizar um Hesodo que, longe de ser apenas a vtima de transformaes sociais, coloca-se criticamente. Para Detienne, entretanto, o poema de Hesodo testemunho de uma crise agrria na qual o empobrecimento dos pequenos proprietrios os leva a depender mais dos grandes produtores e para estes perder suas terras.28 O autor adverte para o perigo de projetarmos no poema categorias econmicas desenvolvidas depois do advento do capitalismo, ou ideias caractersticas da ideologia burguesa, como a que ele resume com a expresso enrichissons-nous.29

    Isso nos conduz ao debate sobre a aplicabilidade do termo campons quando se fala de Hesodo. A. T. Edwards30 critica os vrios estudos que assimilam o mundo sugerido pelo poema ao modelo antropolgico da sociedade campesina,31 que segundo o autor essencialmente uma comunidade rural subordinada a um

    27 Jimnez e Dez, 1978, p. 16-30. Uma interpretao semelhante em Pucci, 1977, p. 128.

    28 Detienne, 1963, p. 22-27. Cf. Trever, 1924, p. 160-161, 165.29 Isto , enriqueamos. Ver Detienne, 1963, p. 49, 52. Walcot, 1966b, p.

    172, porm, pensa que Detienne erra ao negar a atitude de exortao ao enriquecimento em Hesodo.

    30 Edwards, 2004.31 Entre os autores que se associam ideia criticada por Edwards, 2004, esto

    Trever, 1924; Detienne, 1963; Tandy e Neale, 1996.

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    poder externo, normalmente urbano.32 Nesse modelo, Ascra seria o vilarejo campons, Tspias a cidade que o domina e onde vivem os reis. Edwards, porm, sustenta que os conflitos mais importantes do poema so internos ao vilarejo, e que em Ascra, que conserva sua autonomia em relao a Tspias, que se desenha a oposio entre o pobre e o prspero, to central no texto. Haveria um risco de anacronismo na aproximao entre a sociedade hesidica e o que por vezes se entende por campesinato.

    Como observa Vernant, nem mesmo a noo de trabalho em Hesodo pode ser confundida com o que hoje entendemos com esse termo. A palavra grega erga designa acima de tudo os trabalhos agrcolas, e no havia nenhum termo na lngua antiga que traduzisse a noo abstrata de trabalho presente no mundo contemporneo, em que o vocbulo se aplica indiferentemente s diversas atividades humanas vistas sob a tica do que produzem para a sociedade, do valor que tm enquanto atividades a serem pagas e da identidade que podem criar para determinados grupos (como a classe trabalhadora).33

    A essa discusso se relaciona a polmica (hoje quem sabe j um pouco ultrapassada) sobre a possibilidade de enxergarmos He-sodo como um revolucionrio, a que se oporia o entendimento de sua postura como eminentemente reacionria.34 certo que sua viso negativa da mulher por exemplo, no mito de Pandora e nos conselhos sobre o casamento em 695-705 , sua nfase no cuidado

    32 Ver Goldey, 1982, p. 539-546, que trabalha com esta e outras definies de campons, utilizando dados de diversas culturas.

    33 Vernant, 1983 [1965, de um artigo originalmente publicado em 1955], p. 252-274.

    34 Ver Detienne, 1963, p. 9 (com n. 1); p. 11, n. 8; p. 28 (com n. 2).

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    com o que est em casa, em detrimento do que est fora (364-367), assim como seu conselho sobre arranjar um trabalhador sem casa e uma empregada sem filhos (602-603), se por um lado contm al-guns elementos de uma sabedoria impiedosa, traduzem igualmente um esprito conservador e temeroso. Mesmo assim, o campons de Hesodo no assume uma postura absolutamente conformista. Sem deixar de reconhecer com humildade o lugar do homem na difcil ordem das coisas, Hesodo fala contra os reis devoradores de presentes, dando vazo portanto a suas insatisfaes com uma aristocracia que, concentrando em suas mos o poder dos tribunais, fazia dele mau uso. Da vem o tema da justia, que depois far muitas outras aparies importantes na literatura grega e constitui uma das principais temticas dos Erga. O trabalho, sugere Hesodo, s tem sua correta compensao se a justia administrada sem distores.

    Tambm para iluminar o tema da justia Hesodo utiliza uma narrativa consagrada: o j referido mito das raas. Nele, como em ou-tras passagens, o poeta revela sua capacidade de contar histrias de forma concisa e poderosa, restringindo-se aos elementos essenciais. notvel a diferena em relao ao estilo homrico. Um exemplo o emprego do discurso direto. Mais da metade do corpus formado pela Ilada e pela Odisseia corresponde a falas das personagens. Com isso Homero dramatiza ao mximo as situaes, e no sem motivo que Aristteles dele se lembra ao exemplificar o estilo da poesia em que o poeta mistura a voz do narrador com uma imitao anloga do teatro, ao assumir as vozes das personagens.35 Hesodo muito parcimonioso no uso do discurso direto, e mesmo o discurso indireto no est nele presente com muito destaque. Leclerc mostra,

    35 Potica 1448a19-24 (cf. 1460a5-11).

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    Introduo

    no entanto, que os curtos discursos das personagens hesidicas (quase sempre so os deuses que recebem esse privilgio da fala) so extremamente densos do ponto de vista dos sentidos trabalhados na narrativa, pois normalmente resumem em si ou prefiguram alguns dos mais importantes desenvolvimentos do texto.36

    A presena dos deuses nas narrativas sobre Pandora e sobre a sucesso das raas humanas, bem como o papel central das Musas e da figura de Zeus nos Trabalhos (e na Teogonia) e as frequen-tes menes deusa Demter, entre outros aspectos, mostram a importncia da religiosidade no poema. A Justia uma deusa, e, tal como ela, so personificadas vrias outras ideias presentes na obra (e.g. o Juramento). No h como tomar os conselhos sobre o trabalho agrcola expressos no texto e entend-los desvinculados dessa viso religiosa, como se Hesodo tivesse uma concepo racionalista da vida cotidiana e da natureza e as menes aos deuses fossem meros ornamentos poticos. A sacralidade do mundo natural pontua constantemente o poema, misturando-se s instrues prticas e s recomendaes ticas, como no trecho em que a Justia denuncia a Zeus as malvadezas praticadas na cidade, ou na passagem em que Hesodo sugere que se ore a Zeus e Demter no incio da semeadura (versos 465-467), ou ainda num trecho como 483-484, em que, no contexto da discusso sobre o adiamento do trabalho de arar a terra, o sucesso dessa atividade colocado na dependncia da mente de Zeus porta-gide. O trecho dos Dias, no final do poema (765 et sqq.), tal como o ca-lendrio agrcola de 383-617, contm indicaes sobre tempos propcios ou no para certas atividades, mas dessa vez o poeta foca

    36 Leclerc, 1993, p. 81-107. Uma anlise do estilo hesidico encontra-se em Waltz, 1906, p. 139-207.

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    Hesodo os trabalHos e os dias

    sua ateno nos dias do ms. Considerado por alguns como um repertrio de supersties que contrastaria com a visada racional do resto da obra, o trecho mesmo excludo da obra por certos estudiosos (notadamente, Wilamowitz), como se no fosse do prprio Hesodo.37 Mas a diferena entre os conceitos de religio e superstio depender muito da religio em que fomos criados, e o pensamento mgico dos Dias poderia estar muito vontade no contexto da religiosidade da poca. No h que se exigir do poeta o mesmo tipo de racionalidade construdo pela cincia moderna. Essas crenas de Hesdo no impedem, entretanto, que ele tenha tambm a capacidade, por exemplo, de observar a natureza com uma visada objetiva (como ao perceber a passagem do tempo pelo comportamento dos animais) e reconhecer a importncia de usar certos equipamentos feitos pelo homem segundo certas tcnicas (como o caso do arado, cuja feitura descrita detalhadamente em 427-437, ou das roupas para o inverno, em 536-546). Religio-sidade e razo no se excluem mutuamente.38

    De fato, os importantes temas do trabalho e da justia39 ligam-se tambm por meio da viso religiosa do poema. Hesodo diz que frequentemente uma cidade inteira sofre por causa dos crimes de um s homem, qualquer que seja (240-241): em resposta s maldades deste, Zeus manda fome e peste, e o povo perece

    37 Wilamowitz nem sequer imprime 765 et sqq. em sua edio (ver a explicao em Wilamowitz, 1928, p. 8; cf. Frnkel, 1975 [1962], p. 129).

    38 Ver Rowe, 1983, p. 126. Para um Hesodo que a um s tempo pensador e poeta tradicional, ver Havelock, 1996 [1982], p. 219-232. Para Hesodo como precursor do pensamento filosfico, ver, por exemplo, Snell, 2001 [1955], p. 46-52. Cf. Detienne, 1981 [1967], p. 18-19, n. 9.

    39 O foco nesses dois temas uma constante na crtica (ver e.g. Nicolai, 1964, p. 161-162).

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    (243). Mas esse homem que Hesodo tem em mente, cujos atos afetam a comunidade inteira, parece estar muito mais prximo daqueles que ele chama reis. Imediatamente aps as imagens dos desastres que acometem a cidade que habita o homem mau, o poeta se dirige aos reis, mencionando mais de uma vez na passagem seus desmandos no exerccio do papel de juzes. Os homens que do sentenas retas, ao contrrio, so beneficiados por Zeus e repartem em festins o fruto do seu trabalho (231). Sua cidade prospera (227). Se o poder divino perpassa toda a realidade e guardio da justia, isso no implica que em Hesodo o ser humano seja passivo. Ao homem hesidico cabem escolhas morais e delas resulta o tipo de relao que ter com os outros homens e com o divino. Assim como sociedade, ele tambm observa o mundo natural, repleto de deuses, e nesse panorama sabe reconhecer os sinais que orientam seu trabalho. Em tal contexto, o planejamento e a organizao so essenciais (471-472, 502-503).

    Hesodo tradicionalmente ligado ao que costumamos chamar poesia didtica. Embora no houvesse, no universo do epos grego arcaico, uma distino clara entre poesia heroica e poesia didtica,40 a recepo de Hesodo se encarregou de op-lo a Homero como representante de um tipo diferente de arte.41 A

    40 Ercolani, 2010, p. 26.41 Contriburam para isso diversos momentos dessa recepo. o caso do

    Certame entre Homero e Hesodo (como observado por Hunter, 2009, esp. p. 262-268). Note-se tambm o poeta helenstico Arato, que mostra ter He-sodo em mente na sua obra Fenmenos (a vinculao entre os dois autores reconhecida por Calmaco Ep. 27.1), alm, claro, de Virglio, que nas Gergicas 2.176 chama seu poema um Ascraeum [] carmen. Parte da crtica moderna (ver e.g. Paley, 1883, ad 28, p. 175; Van Groningen, 1958, p. 257-258; Pucci, 1977, p. 1, 4; Verdenius, 1977, p. 234-235; Bowie, 1993, p. 20-23; Brando, 2000, p. 8, 19; cf. West, 1966, ad 26-28, p. 161-162), ao

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    Hesodo os trabalHos e os dias

    Antiguidade acabou por encontrar at mesmo uma terminologia para expressar esse gnero literrio especfico em que se situariam Os trabalhos e os dias: Proclo (ap. Scholia uetera p. 230 Pertusi), citando Plutarco, diz que este rejeitou as linhas 757-759 dos Erga como vis e indignas da Musa da educao ( ), enquanto o gramtico latino Diomedes, num trecho preocupado com classificao literria, refere-se species didascalice (Grammatici Latini 1, 483 Keil).

    Dada essa conexo com a poesia didtica, alguns crticos se perguntaram se Os trabalhos e os dias de fato ensinam alguma coisa, j que vrios conselhos sobre o cultivo da terra parecem demasiado vagos ou incompletos, ou, ao contrrio, bvios demais, para que o texto funcionasse como real instruo para os agriculto-res daquela poca (ou de qualquer poca).42 Os fins do poema no seriam outros? Apesar de esse questionamento no deixar de ter seu interesse, preciso considerar que se Hesodo descrevesse com todos os detalhes tcnicos cada fase do trabalho no campo, seria muito mais difcil sustentar uniformemente a qualidade potica do texto. Que ele capaz de dar instrues pormenorizadas, os trechos sobre o corte da madeira (420-429) e a rao do trabalhador (442) provam-no sem margem de dvida. Mas Hesodo procura alternar

    interpretar os versos 27-28 da Teogonia como uma crtica do prprio Hes-odo poesia homrica e uma tentativa de diferenciar-se dela, associa a obra hesidica ao propsito de transmitir verdades (supostamente em oposio s fices, mentiras ou concepes incorretas de Homero). A crtica que enfatiza a ligao entre os Erga e a poesia sapiencial de outros povos (ver acima) colabora, igualmente, para reforar essa recepo.

    42 Ver e.g. Heath, 1984; Thalmann, 1984, p. 58; Hamilton, 1989, p. 84; Nelson, 1996. Luciano, no Dilogo com Hesodo (esp. na seo 7), j sugere que questionvel a utilidade da obra para os agricultores, que j conheceriam muito bem o que o poema se prope a ensinar.

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    passagens assim com indicaes mais gerais e com os aspectos ticos, psicolgicos e sociais do trabalho. prazeroso ler uma descrio minuciosa em verso, mas ela se torna mais interessante se introduzida no momento certo, cuidadosamente pensada como o contraponto de uma reflexo moral, de um olhar para os espaos em que se realiza o trabalho e a distribuio deste no tempo, ou uma sugesto sobre os sentimentos dos atores (humanos, divinos e animais) que habitam o universo do trabalho. Mais do que uma instruo tcnica, Os trabalhos so uma potica e uma filosofia do trabalho. Se assim entendida, a obra conserva seu estatuto didtico sem perder seu carter esttico.

    Enfim, Os trabalhos e os dias, pelas razes expostas aci-ma e ainda outras (que as limitaes de espao desta edio nos impedem de discutir), nos ensinam muito sobre o tempo em que foram escritos, mas mantm uma enorme atualidade.

    III o texto dos erga

    Um dos maiores responsveis pelos desenvolvimentos da crtica textual hesidica no sculo XX foi Rzach, que estabele-ceu a teoria de que os manuscritos medievais do poeta podem ser divididos em trs famlias, s quais ele se refere com as trs maisculas gregas , e ,43 que encontramos em praticamente todas as edies posteriores. Em cada uma dessas famlias Rzach encontra um manuscrito mais antigo e de maior importncia, que representa de maneira mais fiel as caractersticas bsicas de sua

    43 Ver Rzach, 1913, p. iii-iv; RE 8.1230.56-1231.32 s.v. Hesiodos.

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    Hesodo os trabalHos e os dias

    famlia. So os manuscritos C (sigla para o manuscrito grego de Paris nmero 2771, do final do sculo X) na famlia ; D (ma-nuscrito da biblioteca Laurenziana nmero 31.39, do sculo XII) na famlia ; e finalmente E (datado do final do sculo XII ou do incio do XIII, o manuscrito 11 do fondo antico da Universidade de Messina) na famlia , que representaria, segundo Rzach, a recenso de um gramtico bizantino annimo. Essas trs famlias remontariam a um arqutipo da poca de Fcio, isto , do sculo IX,44 perodo em que se inicia a passagem da escrita maiscula grega para a minscula. possvel que, para cada autor, apenas uns poucos manuscritos em maisculas (em alguns casos, qui apenas um) tenham servido como exemplares para as primeiras cpias em minsculas, os demais manuscritos antigos ou tardo--antigos tendo sido descartados. Isso fez que a tradio passasse por uma espcie de funil nessa poca (os ltimos manuscritos em maisculas datam em geral do final do sculo X): o que deve ter acontecido tambm com Hesodo e justifica a teoria do arqutipo do sculo IX. Solmsen, entretanto, expressa (com razo) suas dvidas em relao tese de que nas mos dos bizantinos dos sculos IX-X teria havido apenas um cdice j com lies diversas, pois s vezes encontramos um consenso entre os papiros e parte dos cdices na transmisso de um determinado erro, o que pode sugerir que os manuscritos medievais que o contm obtiveram--no de uma tradio mais ou menos homognea que remonta Antiguidade e independente do arqutipo de , e .45

    A partir das primeiras cpias em minsculas, a que se ligam mais diretamente C, D e E, foram produzidos os outros manuscritos

    44 Colonna, 1959, p. 13; Edwards, 1971, p. 11.45 Solmsen, 1990, p. xiii-xiv. Ver tambm West, 1974, p. 182.

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    pertencentes s famlias citadas acima. Eles so referidos por West com as minsculas gregas , e seguidas de nmeros que identificam cada um dos cdices especficos, como, por exemplo, 2 (manuscrito grego do Vaticano nmero 904, de cerca de 1250-1275), 4 (= S em Solmsen; o Laurentianus 32.16, do ano de 1280) e 3 (Vaticanus Graecus 2383, H em Solmsen, de 1287).

    Por a j se v que os mais antigos documentos que preser-vam os Erga na ntegra, como costuma acontecer com a literatura antiga em geral, foram escritos muito tempo depois da obra: no nosso caso, os manuscritos mais completos so mais de um mi-lnio e meio mais recentes do que o poema. Mesmo o arqutipo, ou seja, o manuscrito reconstrudo hipoteticamente que teria sido a fonte direta ou indireta de todas as cpias posteriores, estaria mais prximo de ns do que de Hesodo.

    Quando recorremos aos fragmentos em papiros, restos de livros que chegaram at ns diretamente da Antiguidade, o mais antigo do sculo II antes da nossa era, o que quer dizer algo em torno de 500 anos depois do poeta. Mas os papiros constituem uma fonte independente com a qual podemos checar a validade dos ma-nuscritos medievais: muito mais antigos, eles correspondem a um outro estgio da transmisso, um momento em que provavelmente ainda no tinham se firmado as tendncias que se configuram nas famlias de cdices medievais. De fato, s vezes os papiros conser-vam lies nicas, que continuam a vir luz conforme novos papiros so descobertos, identificados e editados. No caso que nos ocupa, h alguns papiros que foram incorporados ao nosso repertrio h pouco tempo, depois dos trabalhos de West e Solmsen. So eles: os Papiros de Oxirrinco 4648 (sc. III, texto astronmico que cita Op. 383-384, 567), 4651 (sc. III, um texto em prosa citando Op. 219-

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    Hesodo os trabalHos e os dias

    223), 4659 (sc. II, contendo Op. 8, 17-27), 4660 (sc. I a.C. ou I d.C., preservando Op. 57-63(?), 91-106), 4661 (sc. III, contendo Op. 563-567), 4662 (final do sc. II, atestado para Op. 771(?)-776) e 4663 (sc. II, trazendo o ttulo do poema); o Papiro da Coleo Schyen 1.7, nmero de inventrio MS 5068, do sc. II ou I a.C. (conserva Op. 360-366, 378-384); o Papiro de Antinopolis 3.118 (sc. III, com Op. 484-492, 524-532) e um papiro da Bodleian Library, o MS Gr. Class. c. 237 (P) frr. B + C (datado do final do sc. VI, incio do VII, contm Op. 765-767, 769/70(?)-774, 803-806, 808-812). Esses novos testemunhos reforam algumas variantes j identificadas, por exemplo, nos cdices medievais, alm de trazerem lies antes desconhecidas.

    No se pode desprezar, contudo, um outro campo de investi-gao textual, aquele representado pela chamada tradio indireta: podemos utilizar as citaes de Hesodo em outros autores gregos e latinos. Essas citaes, como esto inseridas numa tradio manuscrita diferente, podem vir a conservar uma lio que, na tradio especfica de Hesodo, deixou de ser copiada. No interior dessa tradio indireta, podemos identificar um ramo mais especfico representado pelos comentadores antigos (por exemplo, Plutarco e Proclo, o pensador neoplatnico do sculo V da nossa era) e bizantinos (como Tzetzes e Moscopulo), que preservamos com diferentes graus de fidelidade nos esclios (as anotaes marginais dos manuscritos da Idade Mdia). Trata-se a no de autores que citam Hesodo ocasionalmente, mas de filsofos ou crticos que se debruaram sobre a obra e tentaram esmiu-ar tambm questes de estabelecimento de texto. Os esclios, seja nos lemmata (os trechos do poema escritos margem para introduzir a nota), seja nos comentrios propriamente ditos, preservam e dissertam sobre leituras divergentes que so frequentemente valiosas. Um outro conjunto de testemunhos a ser considerado parte, segundo West, o

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    Introduo

    das citaes de Hesodo presentes nos manuscritos dos Etymologica bizantinos, que preservam, entre outras coisas, excertos dos Erga. No menos que 150 versos citados nos Etymologica remontariam a um manuscrito de Hesodo do sculo X ou mesmo anterior, independente do arqutipo que teria dado origem a C, D e E.46

    Para West, E e H ainda tm a primazia entre os manuscritos como representantes de duas tendncias divergentes que ele identifica nesse grupo (a e b). Na famlia que Rzach chamou , West separa D dos demais como o nico desse grupo que remonta linearmente ao mesmo exemplar de que provm , famlia em que C sem dvida o mais confivel, no s por ser o mais antigo mas tambm por possuir sinais de ter sido copiado cuidadosamente, num contexto de estudo mais aprofundado: o manuscrito distingue entre os esclios antigos annimos () e os comentrios de Proclo (que aparecem misturados em quase todos os outros casos), utiliza uma ortografia mais criteriosa e traz uma srie de sinais crticos nas margens. As famlias e , mais o manuscrito D, viriam da mesma linhagem, qual se liga tambm o texto que teria sido usado por Proclo. A teria havido um arqutipo, que West chama . Os outros manuscritos da famlia , junto com as lies dos Etymologica, sugerem uma outra tradio.47

    Como possvel perceber, construir uma genealogia dessas diferentes fontes no simples (ver a complicada tentativa de stem-ma codicum na p. 85 da edio de West), principalmente porque as diferentes famlias no oferecem um retrato puro e inalterado de suas caractersticas, devido ao fato de muitos manuscritos terem sido copiados no de um s exemplar, repetindo automaticamente

    46 West, 1974, p. 162-163; 1978, p. 79.47 West, 1974, p. 164-165, 170, 178, 181-182.

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    Hesodo os trabalHos e os dias

    todas as suas lies, mas terem levado em conta outros testemu-nhos de que o copista dispunha no momento de seu trabalho. Isso levava o escriba a colacionar verses distintas e a frequentemente incorporar sua cpia leituras provenientes de manuscritos ligados a famlias diferentes daquela a que pertencia o seu exemplar de referncia. Essa mistura entre linhas diferentes da transmisso o que os fillogos chamam contaminatio.48

    Esse universo de dados quer pela enorme quantidade de informaes textuais que abarca, quer pelo tempo e espao que separam o autor das diversas cpias que se produziram de seu tra-balho, e essas mesmas cpias entre si justamente o que impe que tomemos uma postura crtica. Uma edio no deve, contudo, necessariamente visar reconstruo do texto original do autor, haja vista que a prpria existncia desse original pode ser ques-tionada: nada nos garante que um texto antigo no contivesse uma certa instabilidade j na poca de sua composio. De fato, muitas variantes textuais podem remontar a diferentes verses produzidas pelo mesmo autor ou mesmo a erros que ele tenha cometido. No caso de um poema como os Erga, que est ligado a uma tradio oral, possvel que muitas variantes tenham origem em verses diferentes recitadas em ocasies diferentes, por Hesodo ou outros aedos e rapsodos. Se essa possibilidade pe em xeque a noo de uma autoria nica e, em consequncia, as tentativas de separar trechos autnticos de passagens esprias, temos a, por outro lado, uma razo a mais para registrar as variantes, j que aquelas que por acaso remontarem ao perodo de transmisso oral tero todas igual direito de pertencer a um texto que era visto como sempre

    48 Ver e.g. West, 1974, p. 166.

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    Introduo

    aberto a reelaboraes e de autoria, por assim dizer, coletiva.49 O que uma edio crtica objetiva mostrar a existncia das variantes e atest-las em documentos, dentro do possvel, historicamente localizados. Essas variantes sero, na pior das hipteses, erros; na melhor, vestgios de diferentes momentos do processo de criao da obra ou indcios das diferentes interpretaes pelas quais o texto passou. O ideal a que aspira uma edio desse tipo fornecer a base para quaisquer interpretaes do texto que levem em conta essas variantes e seu significado. Como dissemos anteriormente, nossa edio no pretende ser completa. Para uma viso mais profunda das variantes existentes e dos testemunhos em que es-to atestadas, indispensvel a consulta s edies crticas que arrolamos na bibliografia.

    Iv sIglas dos testemunHos cItados no aparato crtIco e outras convenes utIlIzadas

    Para no sobrecarregar o aparato crtico e reduzi-lo ao mnimo essencial, resolvemos, no que concerne aos manuscritos medievais, atestar as variantes que decidimos relatar apenas com os principais representantes da tradio tal como escolhidos por Solmsen, isto , C para a famlia , D para a famlia e E e H para a famlia . Os outros cdices so citados apenas eventualmente, quando conservam alguma lio particular de relevncia. Isso no contradiz os resultados da investigao de West.

    49 Para aprofundar essa discusso sobre tradio oral e estabelecimento do texto, ver e.g. Van Groningen, 1958, p. 269-270, 275, 279; Kirk, 1962, passim, esp. p. 68; Edwards, 1971, p. 197-199; Nagy, 1990, p. 38-42, 78-80; Pellizer, 1996, p. 236-238.

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    Hesodo os trabalHos e os dias

    Os cdices so citados com as siglas de Solmsen, reser-vando-se as de West queles que aparecem apenas na edio do fillogo ingls (em alguns casos rarssimos, quando nenhuma dessas edies definiu uma sigla especfica para um manuscrito pouco citado, ele referido com o nome que aparece no catlogo da biblioteca em que est conservado).

    Quando envolvidos nos trechos das variantes relatadas, os papiros so sempre citados, utilizando as mesmas siglas que em West e Solmsen (8, 38, etc.), exceto para aqueles que apareceram depois dessas edies, que so citados com siglas que ns lhes atribumos, seguindo os princpios das edies anteriores (e.g. 53).

    Fomos bastante econmicos na citao das fontes indiretas e dos fillogos modernos, frequentemente contentando-nos com a referncia a apenas um, seguida s vezes de al. (e outros). So especialmente significativas as lies de Proclo, dos esclios antigos e dos Etymologica.

    Embora fosse possvel, nesta seo, dar ao iniciante orienta-es mais extensas sobre como interpretar o latim do aparato, isso tomaria muito espao. Damos apenas algumas breves indicaes e sugerimos a leitura de West, M. L. Crtica textual e tcnica edi-torial aplicvel a textos gregos e latinos. Trad. A. M. R. Rebelo. Lisboa: Fundao Calouste Gulbenkian, 2002.

    sIgla

    C Parisinus Gr. 2771 (final do sc. X)2 Vaticanus Gr. 904 (aprox. 1250-1275)D Laurentianus 31.39 (sc. XII)S Laurentianus 32.16 (1280) = 4 na edio de West

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    Introduo

    3 Vaticanus Barb. Gr. 4 (segunda metade do sc. XIII)6 Ambrosianus C 222 inf. (sc. XIII-XIV)7 Vaticanus Gr. 915 (anterior a 1311)9 Athous Iviron 209 (aprox. 1300)10 Parisinus Gr. 2707 (1301)12 Laurentianus 32.2 (aprox. 1310)13 Vaticanus Gr. 57 (primeira metade do sc. XIV)15 Laurentianus conv. soppr. 158 (sc. XIV)E Messanae bibl. Univ. F.A. 11 (final do sc. XII)H Vaticanus Gr. 2383 (1287) = 3 na edio de WestN Ambrosianus J 15 sup. (sc. XIV)4 Cantabrigiensis Coll. Trin. O. 9.27 (final do sc. XIII)5 Yale 254 (Phillipps 3875) (1301)9 Vaticanus Gr. 44 (meados dos sc. XIV)11 Vaticanus Gr. 1332 (sc. XIV)o consenso entre C, D, E e H (exceto quando falta algum

    deles no passo em questo)t conjunto dos autores antigos que citam Hes. no passo

    em questo esclios antigose manuscrito hipottico de que proviriam as citaes

    dos Etymologica5 P. Vindob. G 19815 (sc. IV)8 P. Genav. 94 (incio do sc. V)9 P. Berol. 7784 (sc. V-VI)10 P. Oxy. 1090 (final do sc. I)11 P. Oxy. 2091 (sc. III)19 P. Michigan 6828 (sc. I)33 P. Michigan 5138 (sc. I-II)

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    Hesodo os trabalHos e os dias

    38 P. Berol. 21107 (sc. I-II)39 P. Oxy. 3220 (sc. II)40 P. Strasb. 2684 (incio do sc. II)41 P. Oxy. 3221 (sc. II-III)43 P. Oxy. 3223 (incio do sc. II)45 P. Oxy. 3225 (meados do sc. II)48 P. Oxy. 3228 (sc. I-II)49 P. Oxy. 3229 (sc. II)52 P. Oxy. 3231 (sc. II-III)53 P. Oxy. 4659 (sc. II)54 P. Oxy. 4660 (sc. I a.C.-I d.C.)55 P. Oxy. 4651 (sc. III)56 P. Schyen 1.7 (sc. II-I a.C.)57 P. Oxy. 4648 (sc. III)58 P. Ant. 3.118 (sc. III)59 P. Oxy. 4661 (sc. III)60 Bodl. MS Gr. Class. c. 237 (P) frr. B + C

    (final do sc. VI-incio do VII)61 P. Oxy. 4662 (final do sc. II)

    observem-se tambm os seguIntes sInaIs crtIcos:

    { } indicam texto que se considera suspeito< > indicam texto no atestado em manuscritos, mas

    acrescentado pelo editor[ ] indicam texto perdido no manuscrito; reconstruo

    hipottica todo texto que estiver entre colchetes ou na direo do qual se abrir um colchete

    indicam letras perdidas num papiro mas conservadas num outro manuscrito que contm a mesma passagem

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    Introduo

    indica trecho que se considera corrompido e que no foi possvel corrigir por conjectura

    || separa passagens diferentes no mesmo verso discutidas no aparato

    : separa lies diferentes para uma mesma passagem o ponto subscrito indica qua a letra de leitura incertaStobaeusSM letras subscritas apostas a uma fonte indicam que

    a lio encontra-se apenas nos manuscritos dessa fonte designados com essas siglas

    note-se o uso de sInaIs elevados apostos s sIglas:

    C1, C2, etc. indicam primeira mo, segunda mo, etc., quando um manuscrito contm lies produzidas por diferentes copistas

    ac antes da correopc depois da correo indica que a variante descrita como tal na fonte

    em questo por meio da expresso (pl. ), est escrito (sc. numa outra fonte consultada)

    lio encontrada nos lemmata dos escliosmg na margemras correo escrita sobre algo apagadorec indica uma mo mais recente do que a primeirasl variante ou correo escrita sobre a linhauv ao que parecevl indica que a fonte citada traz a lio em questo

    como uma variante, isto , junto com outra(s) leitura(s)

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    Hesodo os trabalHos e os dias

    algumas outras expresses latInas do aparato:

    ath. atetizou / atetizaram (refere-se prtica de marcar passagens suspeitas)

    ci. conjecturoucorr. corrigiudeest / desunt falta / faltamdel. apagou / apagaram (expresso usada para

    rejeio de passagens por parte de editores)hab. possui / possuemom. omite / omitemsuppl. completou

    A sintaxe bsica normalmente utilizada num aparato crtico bastante simples. Um padro tpico o seguinte: primeiro vm o nmero do verso em questo e a variante, seguida da(s) fonte(s) em que est atestada, frequentemente sem espao entre as siglas (e.g. EH, Tzetzes, etc.), ou de um verbo (muitas vezes abreviado) que tem como objeto essa variante (e.g. del.) e do sujeito desse verbo (e.g. Rzach). Os dois pontos (:) podem vir em seguida para introduzir outra variante. Quando logo aps o nmero do verso no est citada nenhuma palavra grega, as informaes que se seguem dizem respeito ao verso como um todo. Naturalmente h variaes em relao a esse padro, mas a prtica faz que em pouco tempo a linguagem elptica do aparato se torne transparente.

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    Introduo

    v bIblIografIa

    Longe de ser exaustiva, esta lista contm apenas os livros, captulo de livros e artigos que mais utilizamos e trazem as informaes bsicas que nos ajudaram a compor este trabalho. Demos certa nfase a ttulos disponveis em portugus. Outras referncias podem ser facilmente obtidas nas obras que citamos aqui, em particular nas mais recentes.

    V.1 Edies crticas

    Colonna, A. Hesiodi Opera et dies. Milano; Varese: Istituto Editoriale Cisalpino, 1959.

    Mazon, P. Hsiode: Thogonie Les Travaux et les jours Le Bouclier. Paris: Les Belles Lettres, 1928 (aparato crtico muito reduzido; hoje bastante desatualizada; com traduo).

    Rzach, A. Hesiodus, Carmina. 3. ed. Leipzig: Teubner, 1913 (a ltima fase do trabalho do autor).

    Sinclair, T. A. Hesiod, Works and Days. London: Macmillan, 1932 (com comentrio).

    Solmsen, F.; Merkelbach, R.; West, M. L. Hesiodi Theogonia, Opera et dies, Scutum, Fragmenta selecta. 3. ed. Oxford: Oxford University Press, 1990.

    von Wilamowitz-Moellendorff, U. Hesiodos, Erga. Berlin: Weidmann, 1928 (com comentrio).

    West, M. L. Hesiod, Theogony. Oxford: Oxford University Press, 1966 (com comentrio).

    West, M. L. Hesiod, Works & Days. Oxford: Oxford University Press, 1978 (com comentrio).

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    Hesodo os trabalHos e os dias

    V.2 Comentrios e edies de esclios

    Cassanmagnano, C. Esiodo, Tutte le opere e i frammenti con la prima traduzione degli scolii. Milano: Bompiani, 2009.

    Ercolani, A. Esiodo, Opere e giorni: introduzione, traduzione e commento. Roma: Carocci, 2010.

    Gaisford, T. Poetae minores Graeci, vol. 2 (Scholia ad Hesiodum). Leipzig: Kuehn, 1823.

    Mazon, P. Hsiode, Les Travaux et les jours. Paris: Hachette, 1914.

    Paley, F. A. The Epics of Hesiod. 2. ed. rev. London: Whitaker and Co.; George Bell and Sons, 1883.

    Pertusi, A. Scholia uetera in Hesiodi Opera et dies. Milano: Vita e Pensiero, 1955.

    Tandy, D. W.; Neale, W. C. Hesiod's Works and Days. A Translation and Com-mentary for the Social Sciences. Berkeley; Los Angeles; London: University of California Press, 1996.

    Verdenius, W. J. A Commentary on Hesiod, Works and Days, vv. 1-382. Leiden: E. J. Brill, 1985.

    West, 1966: vide supra V.1.

    West, 1978: vide supra V.1.

    Wilamowitz, 1928: vide supra V.1.

    V.3 Tradues

    Amzalak, M. B. Hesodo e o seu poema Os trabalhos e os dias. Lisboa: Academia das Cincias de Lisboa, 1947 (contm introduo que aborda questes de economia).

    Cerqueira, A. L. S.; Lyra, M. T. A. Teogonia, Hesodo. Niteri: Editora Universitria UFF, 1986.

    Evelyn-White, H. G. Hesiod, The Homeric Hymns and Homerica, with an English translation. Cambridge, Mass.: Harvard University Press; London: Heinemann, 1914.

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    Introduo

    Eyth, E. Hesiods Werke. In: Langenscheidtsche Bibliothek smtlicher griechischen und rmischen Klassiker. Berlin; Stuttgart: Langen-scheidtsche Verlagsbuchhandlung, 1855-1906, 2. Band (sop. Hesiod. Quintus), p. i-96.

    Jimnez, A. P.; Dez, A. M. Hesodo, Obras y fragmentos. Madrid: Gredos, 1978 (com boas notas).

    Lafer, M. de C. N. Hesodo, Os trabalhos e os dias (primeira parte). So Paulo: Iluminuras, 1991.

    Mantovaneli, L. O. Os trabalhos e os dias, Hesodo. So Paulo: Odysseus, 2011.

    Most, G. W. Hesiod: The Shield, Catalogue of Women, Other Fragments. Cambridge, Mass.; London: Harvard University Press, 2007.

    Most, G. W. Hesiod: Theogony, Works and Days, Testimonia. Cambridge, Mass.; London: Harvard University Press, 2006 (traduo precisa com algumas notas crticas).

    Pereira, J. F. As obras e os dias: apreciao deste poema de Hesiodo, como livro de agricultura, com a trad. dos versos que se referem a esta sciencia. Lisboa: Typ. do jornal O Paiz, 1876.

    Pinheiro, A. E.; Ferreira, J. R. Hesodo, Teogonia; Trabalhos e dias. Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 2005 (com apndices e notas teis e prefcio de M. H. da R. Pereira, p. 7-17).

    Regino, S. M. de. Teogonia; Trabalhos e dias / Hesodo. So Paulo: Martin Claret, 2010 (no recomendvel).

    , . , , , , . : , 1993.

    Torrano, J. Hesodo, Teogonia: a origem dos Deuses. 2. ed. So Paulo: Iluminuras, 1992.

    Wender, D. Hesiod, Theogony and Works and Days; Theognis, Elegies. Middlesex: Penguin, 1973.

    West, M. L. Hesiod, Theogony and Works and Days. Oxford: Oxford University Press, 1988.

  • 51

    Hesodo os trabalHos e os dias

    V.4 Estudos (livros, artigos, captulos de livros)

    Arrighetti, G. Il Catalogo esiodeo: un genere letterario? In: Bastianini, G.; Casanova, A. (ed.). Esiodo, centanni di papiri: Atti del convegno internazionale di studi (Firenze, 7-8 giugno 2007). Firenze: Istituto Papirologico G. Vitelli, 2008, p. 11-27.

    Aubreton, R. Introduo a Hesodo. So Paulo: [s.n.], 1956.

    Barron, J. P.; Easterling, P. E. Hesiod. In: Easterling, P. E.; Knox, B. (ed.). The Cambridge History of Classical Literature I: Greek Literature. Cambridge: Cambridge University Press, 1985, p. 92-105.

    Beall, E. F. Notes on Hesiods Works and Days, 383-828. American Journal of Philology 122 (2001), p. 155-171.

    Bowie, E. L. Lies, Fiction and Slander in Early Greek Poetry. In: Gill, C.; Wise-man, T. P. (ed.). Lies and Fiction in the Ancient World. Austin: University of Texas Press, 1993, p. 1-37.

    Brando, J. L. As musas ensinam a mentir (Hesodo, Teogonia, 27-28). gora. Estudos Clssicos em Debate 2 (2000), p. 7-20.

    Burkert, W. Oriental and Greek Mythology: The Meeting of Parallels. In: Brem-mer, J. (ed.). Interpretations of Greek Mythology. London; Sidney: Croom Helm, 1987, p. 10-40.

    Clay, J. S. Hesiods Cosmos. Cambridge: Cambridge University Press, 2003.

    de Jong, I. Homer and Narratology. In: Morris, I.; Powell, B. (ed.). A New Companion to Homer. Leiden; New York; Kln: Brill, 1997, p. 305-325.

    de Jong, I. Narrators and Focalizers: The Presentation of the Story in the Iliad. 2. ed. London: Duckworth, 2004 [primeira edio 1987].

    de Romilly, J. Gorgias et le pouvoir de la posie. The Journal of Hellenic Studies 93 (1973), p. 155-162.

    Detienne, M. Crise agraire et attitude religieuse chez Hsiode. Bruxelles-Berchem: Collection Latomus LXVIII, 1963.

    Detienne, M. Los maestros de verdad en la Grecia arcaica. Trad. J. J. Herrera. Madrid: Taurus, 1981 [1967].

  • 52

    Introduo

    Edwards, A. T. Hesiods Ascra. Berkeley; Los Angeles; London: University of California Press, 2004.

    Edwards, G. P. The Language of Hesiod in its Traditional Context. Oxford: Basil Blackwell, 1971.

    Frnkel, H. Early Greek Poetry and Philosophy. Trad. M. Hadas; J. Wilis. Oxford: Basil Blackwell, 1975 [1962].

    Goldey, P. Emigrantes e camponeses: uma anlise da literatura sociolgica. Anlise Social 18 (1982), p. 533-553.

    Hamilton, R. The Architecture of Hesiodic Poetry. Baltimore; London: The Johns Hopkins University Press, 1989.

    Havelock, E. Hesodo pensador. In: _____. A revoluo da escrita na Grcia e suas conseqncias culturais. Trad. O. J. Serra. So Paulo: Editora da Unesp; Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1996 [1982], p. 219-232.

    Havelock, E. A poesia em Hesodo. In: _____. Prefcio a Plato. Trad. E. A. Dobrnzsky. Campinas: Papirus, 1996 [1963], p. 115-131.

    Healey, J. F. O primeiro alfabeto. In: Hooker, J. T. (ed.). Lendo o passado: do cunei-forme ao alfabeto. A histria da escrita antiga. Trad. S. Medeiros et al. So Paulo: Editora da Universidade de So Paulo; Melhoramentos, 1996 [1990], p. 245-315.

    Heath, M. Hesiods Didactic Poetry. The Classical Quarterly, N.S., 35 (1985), p. 245-263.

    Hoekstra, A. Hsiode. Les Travaux et les jours, 405-407, 317-319, 21-24. Llment proverbial et son adaptation. Mnemosyne, Fourth Series, 3 (1950), p. 89-114.

    Hunter, R. Hesiods Style: Towards an Ancient Analysis. In: Montanari, F.; Rengakos, A.; Tsagalis, C. (ed.). Brills Companion to Hesiod. Leiden; Boston: Brill, 2009, p. 253-269.

    Jaeger, W. Paidia: a formao do homem grego. Trad. A. M. Parreira. 2. ed. So Paulo: Martins Fontes, 1989 [1933], p. 59-72 (cap. Hesodo e a vida do campo).

    Janko, R. Homer, Hesiod and the Hymns: Diachronic Development in Epic Diction. Cambridge: Cambridge University Press, 1982.

    Kirk, G. S. The Structure and Aim of the Theogony. In: von Fritz, K. et al. (ed.). Hsiode et son influence: six exposs et discussions. Genve: Fon-dation Hardt, 1962, p. 61-95 (considerar a discusso que vem em seguida).

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    Krausz, L. S. O pastor e as deusas: a iniciao de Hesodo. In: _____. As Musas: poesia e divindade na Grcia arcaica. So Paulo: Editora da Universidade de So Paulo, 2007, p. 95-122.

    Leclerc, M.-C. La Parole chez Hsiode: la recherche de l'harmonie perdue. Paris: Les Belles Lettres, 1993.

    Lesky, A. Histria da literatura grega. Trad. M. Losa. Lisboa: Fundao Ca-louste Gulbenkian, 1995 [1971], p. 115-131.

    Livrea, E. I versi vaganti nel logos esiodeo delle razze (Erga 173 a-e West). In: Bastianini, G.; Casanova, A. (ed.). Esiodo, centanni di papiri: Atti del convegno internazionale di studi (Firenze, 7-8 giugno 2007). Firenze: Istituto Papirologico G. Vitelli, 2008, p. 43-53.

    Luiselli, R. Papiri greci riutilizzati per la manifatura di un cartonnage di lega-tura. Zeitschrift fr Papyrologie und Epigraphik 142 (2003), p. 147-162 (p. 157-159 sobre o MS Gr. Class. c. 237 (P) da Bodleian Library, frr. B + C).

    Maehler, H. Neue Fragmente eines Hesiodpapyrus in West-Berlin. Zeitschrift fr Papyrologie und Epigraphik 15 (1974), p. 195-207 (sobre P. Berol. 21107; para foto do fragmento que contm Op. 173a-c, ver Zeitschrift fr Papyrologie und Epigraphik 4 (1969), Tafel Vb).

    Meliad, C. Pant III 118: un nuovo testimone esiodeo. Zeitschrift fr Papyro-logie und Epigraphik 142 (2003), p. 19-20.

    Murray, G. Historia de la literatura clsica griega. Trad. E. S. y Casteln. Buenos Aires: Albatros, 1947 [1897], p. 76-85 (cap. Hesodo).

    Nagy, G. Greek Mythology and Poetics. Ithaca; London: Cornell University Press, 1990.

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  • EA KAI HMEAI

    HESODO

    OS TRABALHOS E OS DIAS

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    EA KAI HMEAI

    , , , ' ' , ' . , , 5 ' , ' . , ' .11-1 10 , ' , ' ' . , , ' ' 15 . ' , ' 21

    1-10 ath. Aristarchus al.19 ' om. Par. 2763, del. Guyet (habet 53)

  • 61

    HESODOOs trabalhos e os dias

    promIo

    Musas da Piria, que dais glria com canes, vinde; em hinos cantai Zeus, vosso pai. Atravs dele os homens mortais ficam igualmente sem fama e famosos; deles se fala ou se silencia por meio de Zeus grande. Ele facilmente fortalece, facilmente os fortes esmaga; (5)facilmente diminui o ilustre e exalta o obscuro, endireita o torto e o arrogante enfraquece,Zeus altitonante que habita excelsos palcios. Escuta, Zeus, vendo e ouvindo, e com justia endireita as sentenas!1 Quanto a mim, gostaria de dizer a Perses2 verdades. (10)

    as duas lutas

    Ora, no houve apenas um nascimento de Lutas, mas sobre a terraexistem duas.3 Quando algum observa uma delas, considera louvvel; a outra digna de censura: elas tm nimos diversos. Pois uma promove a guerra m e a disputa, a cruel. Nenhum mortal a ama, mas por necessidade, (15)pela vontade dos deuses, tm de honrar a Luta pesada. A outra, a primeira, gerou-a a Noite escura,e o filho de Crono, Zeus sentado em alto trono, habitante do ter, colocou-a nas razes da terra; bem melhor para os homens:

    1 Possivelmente j uma referncia aos julgamentos injustos dos reis devoradores de presentes que sero mencionados em 38-39.

    2 Irmo de Hesodo, com o qual este tem desavenas quanto diviso da herana paterna (ver 27 et sqq.).

    3 Aqui Hesodo corrige a prpria Teogonia 225, onde apenas uma Luta () mencionada.

  • 62

    EA KAI HMEAI

    .32 20 421 , ' , ' ' .524 ,625 25 . , , ' ' ' ' . ' ' , 30 , , . ' ' . ' ' , ' 35 , ' . ', , , , , , 40' ' .

    20 CEacH : DEpc Tzetzes21 C Stobaeusvl : DEH Galenus al.24 53e C

    ac Plutarchus : - CpcDEH sch. in Oppianum al. : uariant codd. 25 et 53

    uv : Aristotelesvl

  • 63

    Hesodo os trabalHos e os dias

    ela leva ao trabalho mesmo a pessoa sem meios. (20)

    Pois um homem sente falta de trabalho ao olhar para outro

    que, rico, apressa-se a arar, plantar

    e administrar bem sua casa, e um vizinho procura igualar o outro

    que se apressa em alcanar a fartura. Essa Luta boa para os mortais.

    O oleiro irrita-se com o oleiro, o carpinteiro com o carpinteiro; (25)

    o mendigo inveja ao mendigo, o poeta ao poeta.

    Perses, coloca essas coisas no teu esprito,

    e que a Luta que se compraz no mal no te afaste do trabalho

    para assistir a litgios, atento aos discursos da praa pblica.

    Na verdade, litgios e discursos pouco importam (30)

    a quem no possui em estoque sustento abundante

    colhido no tempo certo, os frutos de Demter, que a terra traz.

    Estando deles saciado, poderias promover litgios e disputas

    sobre bens alheios. No te ser possvel, contudo, uma segunda vez

    assim agir, mas, sem mais, decidamos nosso litgio (35)

    com julgamentos justos, que vm de Zeus, os melhores.

    Pois de fato j tnhamos dividido a herana, e tu muitas outras coisas

    agarravas e levavas, prestando grandes honras aos reis4

    devoradores de presentes, que se dispem a dar esse veredicto.

    Tolos! No sabem quanto a metade maior do que o todo,5 (40)

    nem quo grande proveito existe na malva e no asfdelo.6

    4 Os reis so provavelmente membros da nobreza encarregados da adminis-trao da justia.

    5 A justia reside no meio-termo. 6 Dieta frugal. Ver outra interpretao em Clay, 2003, p. 36-37.

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    EA KAI HMEAI

    ' , 45 ' . , , . ' ' 50' , . , , , 55 ' . ' , , . ', ' . ' 60 , ' , , ,

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    Hesodo os trabalHos e os dias

    prometeu e pandora

    que os deuses mantm escondido dos humanos o sustento. Pois seno trabalharias fcil, e s um dia, e, mesmo ocioso, terias o bastante para o ano. Logo colocarias o timo sobre a lareira,7 (45)os trabalhos dos bois e das mulas incansveis desapareceriam. Mas Zeus escondeu-o, encolerizado em seu corao, porque o enganara Prometeu de curvo pensar.8 Por isso maquinou amargos cuidados para os humanos, e escondeu o fogo. Por sua vez, o bom filho de Jpeto (50)roubou-o do sbio Zeus para d-lo aos humanos numa frula oca, passando despercebido a Zeus a quem alegra o trovo.Encolerizado, disse-lhe Zeus que ajunta nuvens: Filho de Jpeto, mais que todos frtil em planos, alegras-te de ter roubado o fogo e enganado minha inteligncia, (55)o que ser uma grande desgraa para ti prprio e para os homens futuros. Para compensar o fogo lhes darei um mal, com o qual todos se encantaro em seu esprito, abraando amorosamente seu prprio mal. Assim falou, e riu alto o pai de homens e deuses.Ento ordenou ao ilustre Hefesto que o mais rpido possvel (60)misturasse terra com gua e ali infundisse fala e fora humanas, e que moldasse, de face semelhante das deusas imortais, uma forma bela e amvel de donzela; depois ordenou a Atena que lhe ensinasse trabalhos, a tecer uma urdidura cheia de arte;

    7 Cessando os trabalhos da navegao, o timo assim guardado para que no apodrea.

    8 Na diviso do boi sacrificado em uma reunio entre os deuses e os homens, conforme a Teogonia 535-564. Vernant, 1992 [1974], p.154-170, um estudo clssico do mito prometeico em Hesodo, comparando a verso da Teogonia com a dos Trabalhos.

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    EA KAI HMEAI

    , 65 766 . ', ' .869-82 ' 70 , 75 . ' ' '

    66 () ot : S2 Iulianus 69-82 del. Kirchhoff Wilamowitz al.

  • 67

    Hesodo os trabalHos e os dias

    a Afrodite dourada, que lhe espargisse a cabea com graa, (65)

    penoso desejo e inquietao que d