os tapajó arqueologia e história

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http://www.historiaehistoria.com.br/materia.cfm?tb=historiadores&id=16 acesso em 14/11/2014 - 12:48 Os Tapajó: Arqueologia e História - Introdução por Vera Guapindaia Introdução A reconstituição da história humana pode ser abordada a partir de três aspectos: o das idéias, o do comportamento e o dos objetos físicos (Newton, 1987). A reconstituição do passado humano através dos estudos arqueológicos está fundamentalmente ligada a análise dos objetos físicos - da cultura material. Em alguns casos, existe a possibilidade de relacionar os estudos da cultura material com informações históricas, como no caso da arqueologia de Santarém, pois quando os primeiros europeus chegaram na região ainda encontraram os Tapajó vivendo no local. Das primeiras viagens dos exploradores europeus pelo rio Amazonas e mais tarde com a fixação de missões religiosas na região, resultaram os relatos históricos sobre os Tapajó. As informações históricas disponíveis não são muito detalhadas, mas permitem obter um quadro geral da organização social e política dos Tapajó e fazer alguma referência a objetos por eles confeccionados. O texto aqui apresentado foi dividido em quatro partes: a primeira apresenta um histórico do desenvolvimento da pesquisa arqueológica na região de Santarém; a segunda, resume as informações históricas; a terceira apresenta a análise dos objetos considerados mais marcantes da cerâmica de Santarém e na última são feitas considerações gerais sobre a importância das coleções e da preservação do patrimônio arqueológico. Arqueologia na região de Santarém O interesse pela arqueologia da região de Santarém começou no século XIX, com as escavações e coletas de superfície realizadas pelo geólogo Frederick Hartt nos anos de 1870 e 1871(Hartt,1885) e no ano seguinte pelo botânico Barbosa Rodrigues (Rodrigues,1875). No início do século XX, entre os anos de 1923 e 1926, a região foi investigada pelo etnólogo Curt Nimuendaju, que registrou sessenta e cinco sítios arqueológicos localizados entre as cidades de Santarém e o povoado de

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http://www.historiaehistoria.com.br/materia.cfm?tb=historiadores&id=16acesso em 14/11/2014 - 12:48Os Tapaj: Arqueologia e Histria - Introduopor Vera Guapindaia

Introduo A reconstituio da histria humana pode ser abordada a partir de trs aspectos: o das idias, o do comportamento e o dos objetos fsicos (Newton, 1987). A reconstituio do passado humano atravs dos estudos arqueolgicos est fundamentalmente ligada a anlise dos objetos fsicos - da cultura material. Em alguns casos, existe a possibilidade de relacionar os estudos da cultura material com informaes histricas, como no caso da arqueologia de Santarm, pois quando os primeiros europeus chegaram na regio ainda encontraram os Tapaj vivendo no local. Das primeiras viagens dos exploradores europeus pelo rio Amazonas e mais tarde com a fixao de misses religiosas na regio, resultaram os relatos histricos sobre os Tapaj. As informaes histricas disponveis no so muito detalhadas, mas permitem obter um quadro geral da organizao social e poltica dos Tapaj e fazer alguma referncia a objetos por eles confeccionados.O texto aqui apresentado foi dividido em quatro partes: a primeira apresenta um histrico do desenvolvimento da pesquisa arqueolgica na regio de Santarm; a segunda, resume as informaes histricas; a terceira apresenta a anlise dos objetos considerados mais marcantes da cermica de Santarm e na ltima so feitas consideraes gerais sobre a importncia das colees e da preservao do patrimnio arqueolgico.Arqueologia na regio de Santarm O interesse pela arqueologia da regio de Santarm comeou no sculo XIX, com as escavaes e coletas de superfcie realizadas pelo gelogo Frederick Hartt nos anos de 1870 e 1871(Hartt,1885) e no ano seguinte pelo botnico Barbosa Rodrigues (Rodrigues,1875). No incio do sculo XX, entre os anos de 1923 e 1926, a regio foi investigada pelo etnlogo Curt Nimuendaju, que registrou sessenta e cinco stios arqueolgicos localizados entre as cidades de Santarm e o povoado de Alter-do-Cho, nas margens do rio Tapajs, e na regio de Arapixuna, na margem meridional do Lago Grande de Vila Franca, no rio Amazonas. (Nimuendaju,1948; Palmatary,1960). Segundo Nimuendaj, entre todas as regies do rio Tapajs visitadas por ele, foi cidade de Santarm, o local onde encontrou maior quantidade de material arqueolgico, refere cidade como esta mina inesgotvel de cermica, me deu outra vez mais que todo o resto da viagem (Hartmann, 2000:58). No final da dcada de 1930, Helen Palmatary (1939,1960) realiza o primeiro de uma srie de estudos de colees, que so apresentados a seguir, como os de Frederico Barata (1950, 1951, 1955a, 1953 b e 1959) e de Conceio Corra (1969). Os estudos de Palmatary e Corratinham como orientao terica s hipteses difusionistas e migratrias dominantes na poca (Gomes, 1997). Embora includa no mesmo perodo, a contribuio de Barata teve natureza diversa, marcada pela formao e pelo interesse do autor, que era artista plstico. Seus estudos valorizaram os aspectos artsticos da cermica de Santarm, inclusive influenciando outros artistas plsticos, como o paraense Manoel de Oliveira Pastana[2]que criou uma srie de mveis inspirados na arte tapajnica e cujos desenhos encontram-se hoje no acervo do Museu do Estado do Par na cidade de Belm. A partir da dcada de 1980, Anna Roosevelt inicia o primeiro projeto de pesquisa na regio de Santarm com uma metodologia que combina pesquisa de arquivo, estudo de colees e escavaes estratigrficas (Gomes,1997). Nos anos de 2000 e 2001 novas escavaes arqueolgicas foram realizadas por Roosevelt na regio de Santarm. Os resultados dessas pesquisas ainda no foram publicados, mas, segundo informao pessoal da referida pesquisadora, brevemente sero divulgados. As pesquisas de Roosevelt (1991,1996) em outras reas da regio do baixo Amazonas, como em Taperinha e Monte Alegre, estabeleceram a presena humana na Amaznia por volta de 11.200 A. P., e o surgimento das atividades ceramistas na regio em cerca de 8.000 A. P. Estes resultados modificaram a idia de que as tradies ceramistas da Amaznia teriam derivado dos Andes Centrais e da Mesoamrica atravs da difuso cultural ou migrao (Gomes,1997).Depois do incio das pesquisas de Roosevelt, mais trs estudos de colees foram desenvolvidos. O primeiro de Vera Guapindaia (1993) que abordou especificamente a coleo Frederico Barata do Museu Goeldi. O objetivo do trabalho foi caracterizar culturalmente os Tapaj, dando nfase ao aspecto tecnolgico da cermica. O segundo trabalho, foi o de Cristina Scatamacchia, Clia Demartini e Alejandra Bustamante que iniciaram a organizao e classificao da coleo Tapajnica do Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de So Paulo (MAE/USP). O objetivo geral deste trabalho foi fazer algumas consideraes sobre o aproveitamento cientfico de colees arqueolgicas (Scatamacchia et al,1996:317). O terceiro trabalho foi o de Denise Gomes, que realizou um estudo mais aprofundado da coleo do MAE/USP[3]. Seu trabalho procurou contextualizar a cermica de Santarm no quadro cronolgico proposto para a Amaznia pr-histrica. A pesquisa de Gomes obteve uma datao a partir de um dos componentes orgnicos da cermica, que coloca a Cultura Santarm no perodo de 1000-1500 A D.Os conhecimentos resultantes dos estudos de colees associados s pesquisas sistemticas permitiram a primeira elaborao de uma seqncia de ocupao humana na regio do Baixo Amazonas. A rea comeou a ser ocupada a cerca de 9.500 a.C. Os primeiros habitantes, provavelmente viviam em pequenos grupos familiares habitando as grutas e os abrigos-sob-rochas, alimentando-se da caa de animais de pequeno porte, da pesca e da coleta de frutos e sementes. (Roosevelt, 1996). As evidncias arqueolgicas caractersticas deste perodo so os instrumentos lticos, como raspadores, pontas de projtil bifaciais, furadores, facas, etc. (Roosevelt, 1996) e as pinturas rupestres como as encontradas em Monte Alegre e Prainha (Pereira, 1996; 2003). Os primeiros grupos ceramistas comearam a surgir por volta de 6.500 anos a.C. , como mostram as evidncias arqueolgicas do sambaqui[4]de Taperinha, localizado a sudeste da cidade de Santarm, nas margens de um pequeno rio, denominado Ituqui. Os fragmentos de cermica encontrados em Taperinha pertenciam a vasilhas de formas simples e de aparncia tosca, certamente destinada ao uso utilitrio. O antiplstico[5]utilizado na confeco da cermica era areia. A maioria dos fragmentos no apresentava decorao e alguns poucos eram decorados com incises. Estes grupos ceramistas viviam em pequenas aldeias s margens dos rios e tinham sua alimentao baseada no consumo de moluscos, peixes, e plantas e frutos silvestres.Por volta de 3.000 anos a.C., surgiu nas vrzeas da Amaznia, um modo de vida muito semelhante ao que existe hoje entre os ndios amaznicos (Roosevelt, 1992). Viviam em aldeias, cultivavam razes, coletavam, caavam e pescavam. A cermica produzida por estes grupos tinha como aditivo cauixi, areia e cariap, e apresentava decorao em motivos geomtricos, pinturas e alguns apliques em formas de animais. As vasilhas mais comuns possuam formas ovais, semelhantes a cuias.As sociedades de organizao mais complexa se consolidaram na regio de Maraj e Santarm, em torno de 1.000 a.C.( Roosevelt, 1992). Entre elas, uma das mais conhecidas foi a dos ndios Tapaj[6], que ainda habitavam a regio at o sculo XVII, quando os primeiros europeus comearam a ocupar a regio.Os TapajOs Tapaj habitaram a regio do rio Tapajs, no Estado do Par, pelo menos desde o sculo X at ao XVII (Gomes, 1999[7]; Rojas, 1941; Acua, 1941). Sua principal aldeia estava situada na foz do rio Tapajs, local do atual bairro de Aldeia, na cidade de Santarm. Alguns autores mencionam alm da aldeia principal, outras localizadas rio acima, ou para o interior (Barbosa Rodrigues,1879; Hartt,1885; Roosevelt,1987).At o sculo XVIII as informaes histricas fixavam a presena dos Tapaj na embocadura do rio Tapajs estendendo-se at Alter-do-Cho. Uma das razes provveis desta localizao restrita, que a partir deste ponto o rio Tapajs ainda no havia sido explorado. No sculo XIX, com a navegao do alto Tapajs j estabelecida e com os primeiros estudos de interesse arqueolgico realizados por Hartt e Barbosa Rodrigues, estes limites foram estendidos at a cachoeira de Borur, a 40 km acima de Itaituba. J no sculo XX as pesquisas de Nimuendaj estenderam os limites da rea tapajnica para Norte, Sul, Leste e Oeste, tendo como ponto central regio de Santarm. Considerando a mobilidade caracterstica dos grupos indgenas amaznicos e o fato dos Tapaj dominarem a rea, provvel que a partir da a foz do rio Tapajs, eles tenham se expandido para o sul, chegando at Itaituba, nas margens do prprio Tapajs; e a leste, at o rio Jarac, afluente do baixo Xingu; para oeste, at a serra de Parintins, no atual estado do Amazonas. Roosevelt (1992) interpreta as evidncias arqueolgicas encontradas na atual cidade de Santarm, associadas s informaes histricas, como evidncia da existncia de uma grande chefia, cujo apogeu foi do sculo X ao XVI. Este modelo proposto por Roosevelt implicaria na existncia de chefes unificando e controlando vastas reas, com assentamentos densamente povoados por centenas de pessoas.Os relatos histricos informam que os Tapaj estavam organizados em aldeias com 20 a 30 famlias, onde os membros de cada famlia viviam juntas em casas coletivas (Cruz,1900). Os grupos familiares possuam lderes (chefes), a quem deviam obedincia. Alm dele, existia ainda um chefe geral, ao qual os lderes familiares se submetiam (Heriate,1941). A estratificao social era bem marcada, havendo um grupo de pessoas de status diferenciado que s podiam casar entre si e detinham o poder de chefia. O casamento era poligmico e as mulheres adlteras eram punidas com morte (Bettendorf, 1909). Existiam escravos, provavelmente prisioneiros de guerra. Com a expanso colonial surge um outro tipo de escravido: a do indgena pelo portugus. Esta tinha objetivos puramente comerciais, de abastecimento da colnia, que assentava sua economia em um regime escravista.Os Tapaj possuam locais especiais para a prtica de seus rituais e tambm para guardar objetos considerados sagrados. A maioria destes rituais foi registrada pelo padre jesuta Felippe Bettendorf, que foi enviado para fundar uma misso entre os Tapaj no ano de 1661. Segundo ele, em um dos rituais os homens bebiam e danavam. As mulheres transportavam as bebidas para o local, porm, por no possurem permisso para ver o que se passava, cobriam os olhos com as mos. Talvez exista alguma relao dessa proibio feminina com as representaes das caritides[8](Barata,1953). O local de realizao destas cerimnias foi denominado por Bettendorf (1909) como "Terreiro do Diabo".Um outro ritual tambm acontecia em um local especfico na prpria aldeia, onde se consumia bebidas e realizavam-se danas. O ritual era chamado de "Mafoma" pelos brancos. Esse termo era usado na poca para designar pessoas no catlicas (Ibid.).A adorao de objetos pintados para os quais ofertavam milho demonstra a importncia deste cereal na vida do grupo. Com este cereal faziam uma bebida para ser consumida durante o ritual, no qual tocavam instrumentos para invocar seus deuses (Heriarte, 1874). Quanto ao tratamento dos mortos, foram registradas duas prticas diferentes. Na primeira o morto era colocado em rede, com todos os objetos que usava em vida a seus ps. Em sua cabea colocavam a figura de algum deus e depositavam-no em uma casa feita para este fim. Ali ficava a decompor-se at que restassem apenas ossos. Estes eram modos e colocados em bebidas, que eram tomadas por seus parentes e outras pessoas consideradas especiais (Heriate,1874). Na segunda os ossos eram colocados em urnas funerrias e enterrados (Barbosa Rodrigues,1875).A primeira prtica foi registrada historicamente; a segunda um registro arqueolgico. Pelas limitaes dos registros arqueolgicos (Ibid.) da poca e pela possibilidade dos enterramentos pertencerem a uma das muitas tribos que viviam naquela regio junto com os Tapaj, o primeiro registro torna-se mais confivel.Diante destes dois registros, podemos ainda considerar outro aspecto que no invalida o que foi colocado anteriormente. Essas duas prticas registradas poderiam significar que existia um tratamento diferenciado para os mortos, talvez segundo seu grau de nobreza e importncia poltica e social. Um dado que refora esta suposio o fato de Acua (1941) ter registrado entre os ndios do rio Amazonas e seus afluentes, a existncia de diferenas no enterramento dos mortos. Alguns eram conservados dentro de suas prprias redes e outros eram queimados em grandes fogueiras com todos os objetos que em vida lhes pertenceram. E ainda, os ossos dos xams eram conservados pendurados em suas redes, no alto de uma maloca e adorados como deuses ancestrais.A literatura etnogrfica registra vrias formas de tratamento diferenciado na maioria das vezes relacionados com sexo, idade e importncia da pessoa perante o grupo (Montardo,1995:35-39; Chaumeil, 1997). Sobre a lngua que falavam os Tapaj existe poucas informaes. quase certo que eles no tinham o Tupi como sua lngua oficial, j que houve necessidade da traduo do catecismo escrito nesta lngua para as outras (Bettendorf,1909). Porm, bastante provvel que eles utilizassem o Tupi para comunicar-se com os povos falantes desta lngua que habitavam as proximidades e com quem comerciavam. Pois, do seu vocabulrio as poucas palavras que chegaram at os dias atuais, cinco so de origem Tupi (Barata,1949). A questo dos Tapaj ser ou no uma tribo agressiva foi motivo de contradio entre os autores. Carvajal (1941) e Heriarte (1874) descreveram comportamentos agressivos. Por outro lado, Rojas (1941), Acua (1941) e Bettendorf (1909) relataram a maneira bastante receptiva como foram tratados. E h ainda as referncias de Frei Laureano de la Cruz (1900), que em sua primeira meno aos Tapaj cita-os como uma tribo bastante agressiva, porm, na segunda vez refere-se a eles como amigos.Existem dois aspectos que devem ser considerados. O primeiro a existncia de guerras intertribais, pois existem referncias sobre o temor que outras tribos tinham dos Tapaj e a prtica de escravido, provavelmente como resultado destas guerras. Os relatos histricos mencionam que os Tapaj eram guerreiros temidos entre os outros ndios (Carvajal, 1941; Acua,1941). O segundo aspecto a afirmao (Idem) que os Tapaj no atacavam os homens brancos e o registro da maneira receptiva como receberam alguns viajantes. Ao que parece, eles temiam aquela gente diferente que possua armas de fogo e aos quais alguns ndios do rio Amazonas chamavam de filhos do sol (Rojas,1941). Sobre o registro de Carvajal que mencionou a agressividade dos Tapaj, Mello Leito considera que o dominicano teria exagerado em seu relato "para dar realce proeza de seu capito, pois era tal a segurana na subida, que Pedro Teixeira poude mandar adiante um simples batelo, no feliz estratagema de que nos conta Acua" (1941:111(21)). Quanto a Heriarte, apesar de consider-los como brbaros e mal intencionados, no registra nenhum incidente em sua viagem que demonstre esta agressividade.Sem dvida, como j foi abordado, os Tapaj eram um grupo de muitos guerreiros, armados com poderosas flechas envenenadas, porm se realmente fossem agressivos, a implantao dos jesutas no teria sido to tranqila, e o seu extermnio no teria sido to rpido e fcil (Guapindaia, 1983).Ao que parece os Tapaj construam caminhos destinados ao deslocamento entre as aldeias, pois evidncias desses caminhos foram encontradas entre as terras pretas. Eram feitos quase em linha reta e tinham aproximadamente um metro e meio de largura e trinta centmetro de profundidade (Barbosa Rodrigues, 1875; Nimuendaj, 1949).Os registros histricos afirmam que as casas eram muito grandes e feitas com madeiras trabalhadas (Rojas,1941), provavelmente cobertas de palhas, que eram abundantes na regio. No ano de 1872, em Santarm, ainda existia uma parte da cidade, o que hoje constitui o bairro de Aldeia, que era habitada somente por ndios, alguns descendentes dos antigos Tapaj, misturados a outras tribos. Neste caso, os ndios moravam em cabanas feitas de folhas de palmeira (Barbosa Rodrigues, 1875). Quanto produo de armas, tornaram-se famosas as suas flechas envenenadas (Carvajal,1941; Acua,1941; Heriarte,1874). Segundo, Nimuendaj, o veneno usado no seria o curare, comum entre as tribos atuais da Amaznia, pois os sintomas de morte registrados eram diferentes dos provocado por este veneno (Nimuendaj,1948). Tambm se registrou o uso de veneno em comidas, para matar pessoas indesejveis (Bettendorf,1909).No que diz respeito manufatura de objetos, alm da produo de um variado vasilhame, estatuetas de cermica e objetos em pedras, h registros de esteiras, redes de palha, mantas de algodo e trabalho em madeira (Heriarte,1874;Bettendorf,1909). Apesar de ter sido registrado o uso de mantas de algodo, a julgar pelas representaes cermicas das estatuetas antropomorfas, eles no usavam vestimentas. Algumas estatuetas mostram o cabelo amarrado com uma faixa e pulseiras nos tornozelos, que poderiam ser de algodo. As mantas, ao que parece, serviam apenas para forrar as casas, como descreveu Heriarte (1874).Estas so as poucas informaes registradas sobre os Tapaj. Ao contrrio dos cronistas que viajaram pela costa do Brasil nos sculos XVI e XVII, os viajantes e naturalistas que percorreram a Amaznia no deixaram extensos relatos sobre esta regio, mesmo assim, conforme j mencionado, as informaes disponveis permitiram formular um idia geral sobre a organizao dos Tapaj.A cermica de SantarmOs registros histricos, como j abordado, mencionam a confeco e utilizao, entre os Tapaj, de artefatos de diversas matrias-primas como algodo, madeira, cips, etc. Porm, devido alta umidade e temperatura da regio amaznica, os artefatos confeccionado com matrias orgnicas raramente se conservam nos stios arqueolgicos. Os artefatos confeccionados em argila e rochas so os que melhor resistem a essas condies climticas. Por isso, a maioria do material arqueolgico em stios amaznicos se compe de artefatos cermicos e lticos[9]. Estes objetos quanto mais elaborados, maior quantidade de informaes trazem sobre seus fabricantes, como o caso da cermica encontrada na regio de Santarm.A cermica tipicamente Santarm caracteriza-se pela grande variedade e complexidade nas formas dos objetos. A pasta usada para a confeco da cermica era elaborada com mistura de argila, cacos de cermica triturados e um tipo de espongirio de gua doce, conhecido como cauixi. Os tratamentos de superfcie predominantes eram os plsticos marcados pelos modelados e incisos; a pintura era usada em menor quantidade, porm, sua tcnica era muito bem controlada, incluindo o uso da bicromia e da tricromia. As vasilhas apresentam contornos complexos associando harmoniosa e regularmente a representao de figuras humanas e animais. Os objetos mais significativos, da grande variedade apresentada na cermica de Santarm, so os vasos de caritides, os vasos de gargalos, as estatuetas e os cachimbos. Os vasos de caritides foram assim denominados por Frederico Barata (1950) emfuno de um dos seus componentes - as pequenas figuras modeladas que sustentam uma vasilha sobre suas cabeas relembrando os elementos clssicos da arquitetura grega. Eles so compostos por trs partes distintas superpostas (Figura 1). A primeira, um recipiente semi-esfrico, com boca circular, borda direta e base arredondada, apresentando incises contornando a parte externa, localizadas prximas borda, e apndices zoomorfos e antropozoomorfos.

Figura 1 - Vaso de Caritides Acervo MPEGFoto: Joo Aires da Fonseca

Os elementos zoomorfos so pssaros (urubus-reis) de bico curvo, que podem estar de asas abertas ou fechadas. Os elementos antropozoomorfos representados so de dois tipos. O primeiro possui uma cabea humana com traos faciais bem definidos (olhos, nariz, boca e orelhas) e uma cabea de pssaro (semelhante ao j descrito acima) colocado lado a lado e ligados ao mesmo corpo. No segundo h dois animais (no identificados) representados de perfil e colocados de costas um para o outro, formando um s corpo. possvel identificar as cabeas pela a presena dos olhos e da boca, e os membros inferiores, tendo as pernas dobradas e a presena de ps. A figura humana masculina e possui traos faciais bem definidos, porm, o corpo representado atravs de um fino rolete, onde se identificam apenas as mos, os ps e o falo. Ela est localizada entre os dois animais e liga-se a eles pela cabea e pelos ps, deixando o corpo solto, formando uma espcie de ala. No primeiro elemento antropozoomorfo h a integrao da figura humana com os animais, enquanto que no segundo, h o destaque da figura humana em relao aos animais.Os elementos zoomorfos (pssaros) aparecem em todos os vasos[10], enquanto que os dois tipos de elementos antropozoomorfos so auto-excludentes, isto se um tipo est presente o outro est ausente. Existe simetria na distribuio desses elementos no recipiente e sempre so representados aos pares obedecendo a seguinte ordem: um elemento zoomorfo, um elemento antropozoomorfo, um elemento zoomorfo, e assim sucessivamente.A segunda parte do recipiente formada por trs figuras antropomorfas modeladas -as "caritides" - que fazem a ligao entre o recipiente e a base. Elas sustentam o recipiente sobre suas cabeas e assentam-se sobre a base. Suas cabeas so, geralmente, do mesmo tamanho ou maior que o corpo e possuem representaes de olhos, nariz, boca e orelhas. A presena do corpo quase inexistente. Os membros superiores, quando representados sugerem movimento: cobrindo os olhos com as mos; com uma das mos cobrindo um dos olhos enquanto a outra repousa sobre o joelho; ou com as mos sobre os joelhos. Existem tambm caritides nas quais no h representao dos membros superiores. Os membros inferiores encontram-se dobrados, sugerindo que as figuras esto de ccoras. H a representao dos dedos dos ps feitos atravs de incises.Alm das caractersticas tcnicas, possvel observar alguns outros aspectos na anlise destes objetos, como por exemplo preferncia por representar certos temas. A observao minuciosa de um vaso de caritides no deixa dvidas que a figura humana (caritides) o ponto central do objeto. As caritides possuem um papel fundamental na estrutura do objeto. No so apenas apndices decorativos, cuja ausncia no comprometeria a sua estrutura. A ausncia de apenas uma das trs figuras, inviabilizaria a existncia do vaso. Em oposio presena fundamental das caritides, existem os apndices zoomorfos e antropozoomorfos. Estes elementos, embora estejam presentes em todos os vasos, no tm funo estrutural/central. Sua ausncia no inviabilizaria a existncia do objeto. No supomos que tenha menor importncia esttica do que os outros componentes mas, observamos que esto restritos a esta nica funo, o que torna a figura humana, simbolicamente mais relevante nesse objeto.Gomes (2001) considera os vasos de caritides como objetos sofisticados na organizao dos seus componentes[11]. Analisando os objetos do ponto de vista esttico considera que so caracterizados por quatro tipos distintos de elementos decorativos: a) faixas padronizadas distribudas em torno da borda; b) apndices modelados representando urubus-reis arranjados em intervalos regulares e voltados para o vaso; c) as caritides e d) os padres incisos na base.A autora observa que a decorao em faixas em torno da borda composta principalmente de motivos bilaterais, mas existe tambm elementos assimtricos, combinando simetria bilateral e rotacional. Os urubus-reis modelados seguem este mesmo movimento translacional no qual as figuras se alteram entre vistas frontais e dorsais de um pssaro tambm de asas abertas. E ainda, as pequenas figuras humanas sustentando o recipiente esto arranjadas em um padro radial. Finalmente, a aplicao do princpio de simetria bilateral tambm evidente na organizao dos motivos da faixa basal (Gomes, 2001).A autora reafirma a observao feita por Barata (1950) sobre a transformao de algumas figuras modeladas que, quando vistas de perfil, representam um animal, e quando vistas de frente tem a forma humana. E vai mais alm quando prope que este tipo de transformao relembra aquelas experimentadas nos transes xamansticos. Sob o efeito de drogas alucingenas os humanos mudam e se metamorfoseiam. Esta uma viso de mundo onde a oposio cultura e natureza torna-se clara e onde, na verdade, a natureza cessa de existir como um reino externo. (Gomes, 2001:147).Outro aspecto relevante abordado por Gomes, o contexto ritual e social em que os vasos foram criados e usados. Certamente, um objeto to elaborado, tanto do ponto de vista tcnico como artstico, no seria utilizado quotidianamente. Associando informaes histricas e etnogrficas, a autora prope que a iconografia dos vasos de caritides esteja talvez, estreitamente ligada transmisso de tradies orais durante cerimnias coletivas de colheita e outras (Ibid). O fato de a figura humana ser o ponto central nos vasos de caritides, e estarem juntas ordenadamente corrobora esta proposta, pois as cerimnias coletivas pressupem a reunio de pessoas que devem obedecer a determinadas regras.Os vasos de gargalo (Figura 2) so de dois tipos: o primeiro, o vaso de gargalo propriamente dito, e o segundo, o vaso de gargalo zoomorfo. Os vasos de gargalo so compostos por quatro partes: a primeira um gargalo com flange; a segunda parte, logo abaixo da flange, um pequeno bojo esfrico, que pode possuir representaes de rostos humanos, ou de elementos no-reconhecveis, de ofdios, de batrquios e de lacertlios. A terceira parte o bojo, que pode ser formado por seis abbadas ou possuir a forma esfrica. Sua parte inferior tem o formato cnico e repousa sobre a base do objeto. Na superfcie do bojo existem figuras modeladas antropomorfas ou zoomorfas, que se apresentam aos pares e so posicionadas sempre em lados opostos. Em alguns vasos, as figuras modeladas assemelham-se a cabeas de rpteis crocodilianos. Algumas esto com a mandbula aberta e outras fechadas. Sobre as mandbulas superiores pode existir um animal quadrpede e uma ave, ou somente uma ave, um quadrpede ou ainda dois smios ou figuras antropozoomorfas.

Figura 2 -Vaso de Gargalo Acervo MPEG.Foto: Joo Aires da Fonseca

Em outros vasos, em vez das cabeas de crocodilianos, existem cabeas de aves semelhantes s encontradas nos "vasos de caritides", s que em dimenses maiores. Nas outras abbadas existem batrquios fixados pelos ps e posicionados em sentido oposto. No espao entre os crocodilianos e os batrquios, h a representao de ofdios. possvel ainda que no lugar das cabeas de crocodilos ou aves, existam figuras antropomorfas semelhantes s que compe os elementos antropozoomorfos, e no lugar dos batrquios modelados, existem batrquios aplicados.A quarta parte do vaso a base, que possui forma anelar. So decoradas com tratamento plstico, algumas vezes representando rostos, figuras zoomorfas ou elementos no-reconhecveis .O segundo tipo o que Barata (1950) classificou como "vasos de gargalos zoomorfos" e podem ser divididos em trs partes. A primeira um gargalo cilndrico, com flange recortada com perfuraes. A segunda o bojo, que pode possuir quatro abbadas ou ter a forma oval. O bojo representa o corpo de um animal que possui a cabea localizada em uma das abbadas e a cauda na abbada oposta. A terceira parte a base do objeto, que possui forma anelar.Nos "vasos de gargalo" h o predomnio, quase absoluto, de apndices zoomorfos. Existem representaes zoomorfas distribudas por toda a superfcie dos objetos, como batrquios, ofdios, lacertlios, smios e aves. H inclusive, "vasos de gargalo" cujas formas representam animais (vasos de gargalo zoomorfos). Em um nmero significativo de vasos de gargalo ocorrem representaes de rostos humanos nos bojos esfricos (abaixo dos gargalos) e nas bases. Nos vasos de gargalo a representao antropomorfa no aparece de maneira to fundamental como ocorre nos vasos de caritides, onde, conforme j mencionado, ela no apenas um motivo, mas interfere na prpria estrutura do objeto. Contudo, Gomes (2001) em sua anlise, considera que, do ponto de vista formal, os elementos antropomorfos ocupam a parte central, ficando no centro de uma cornucpia de animais tropicais ordenados em diferentes nveis. Sugere que esta profuso de imagens zoomorfas evocaria um tipo de mito de criao no qual os atores principais entrelaam-se reforando a ordem social e cosmolgica durante cerimnias coletivas (Gomes, 2001:151). As estatuetas (Figura 3), em sua maioria, representam formas humanas. Na coleo do Museu Goeldi, analisada por Conceio Corra (1965), e que possui no total 119, apenas 2 so zoomorfas (simiescas). As 62 estatuetas analisadas por Guapindaia (1993), pertencentes coleoFrederico Barata, tambm sob a guarda do Museu Goeldi, so antropomorfas. Outro aspecto relevante que a maioria feminina (Corra,1965; Guapindaia,1993 e Gomes, 2001).As estatuetas antropomorfas possuem variadas formas de apresentao e podem ser classificadas quanto anatomia como completas ou incompletas. Entre as anatomicamente completas, existem as que possuem representao naturalista e outras estilizadas. As naturalistas podem ter postura ereta (em p) ou flexionada (sentada, sentada de ccoras ou sentada sobre as pernas). As estilizadas apresentam postura flexionada sentada (Guapindaia,1993).

Figura 3 - Estatueta Acervo MPEGFoto:Joo Aires da Fonseca

As estatuetas possuem em comum a maneira de representar os braos, eles esto sempre presentes e invariavelmente sugerindo movimento. Este aspecto pode ser comparado com as caritides, que tambm apresentam os braos em movimento. Outro aspecto comum entre as estatuetas e as caritides a melhor elaborao da cabea em relao ao corpo. A cabea apresenta todos os componentes caractersticos, sendo por isso sempre mais detalhada que o corpo. A maioria das estatuetas possui a parte posterior da cabea plana, ocorrendo tambm cabeas com a parte posterior cncava e de forma oval. As caritides tambm possuem a parte posterior da cabea plana.Os rostos das estatuetas apresentam feies variadas que so compostas pela associao de formas diferentes na representao dos olhos, das bocas e dos queixos, o que,lhes confere expresses de alegria, tristeza, aborrecimento, etc. Existem pelo menos trs formas de representar os olhos. As bocas, embora sejam representadas por incises, tornam-se variadas porque existe diferena na maneira de represent-las. s vezes os lbios esto com as pontas para baixo; s vezes esto com as pontas para cima; outras vezes fazem um "bico", etc. Os queixos podem apresentar-se proeminentes ou pequenos. A decorao das estatuetas na cermica Santarm inclui pinturas corporais, cabelos tranados e arrumados com faixas, adornos auriculares, pulseiras e tornozeleiras, mostrando uma pessoa ornamentada para uma ocasio especial. Elas so na maioria femininas e possivelmente esto relacionadas ao papel social de algumas mulheres importante entre os Tapaj. De fato, as informaes histricas relatam a existncia de um grupo de pessoas de status diferenciado entre os Tapaj, e dentro deste grupo, mulheres que exerciam papis destacados nessa sociedade, como a "princeza" Maria Moaara. (Bettendorf, 1909). Ela s, tinha permisso para casar com um homem "que lhe fosse igual em nobreza" (Ibid. Realmente, ela era casada com o chefe dos Tapaj, o "Principal Roque". O papel poltico dessa nobreza feminina parece bastante evidente quando Bettendorf diz que "costumam os ndios alm de seus Principaes escolher uma mulher de maior nobreza, a qual consultam em tudo como um orculo, seguindo-a em seu parecer" (Idib). Serafim Leite (1943:359) informou que entre "os ndios do rio Tapajs, merece figurar o nome de Maria Moaara, principalesa, repetidamente mencionada nos comeos da civilizao deste rio. Era esta ndia quem governava o Tapajs". Os estudos de antropologia estticos tm demonstrado que os desenhos, os padres, as cores e at mesmo as matrias-primas utilizadas nas pinturas corporais e em outros adornos entre os povos indgenas fazem parte de um sistema de comunicao cujas regras so compartilhadas por todos (Silva e Farias,1992; Andrade,1992; Mller,1992; Vidal 1992; Galois,1992, Van Velthem, 2003). Por isso, a observao atenta das representaes humanas em objetos tem se revelado uma fonte de dados importantes nos estudos arqueolgicos.Entre os objetos que compe as colees provenientes de Santarm existe um grupo de peas que apresenta diferenas em relao queles considerados tipicamente Tapaj: so os cachimbos. As diferenas fundamentais apresentadas so quanto forma, confeco e aos motivos ornamentais. No aspecto morfolgico o que mais chamou ateno o fato de serem todos, cachimbos angulares. A presena de cachimbos entre os objetos arqueolgicos provenientes de Santarm, relevante, se levarmos em considerao que os registros etnogrficos at o ano de 1700 ou antes, nada dizem sobre o uso do tabaco entre os grupos tribais na maior parte do rio Amazonas e seus afluentes (Cooper, 1987:102). E quanto ao tipo de cachimbos utilizados entre os ndios da Amrica do Sul, os mais comuns so os de forma tubular. Os cachimbos angulares ou de cotovelo foram, provavelmente, adotados por influncia europia (Ibid:103).Embora os cachimbos apresentem tambm o tratamento de superfcie plstico e raramente pintado, diferencia-se pela presena de motivos ornamentais ligados flora em oposio maioria dos outros objetos que em suas representaes foi priorizada a fauna como motivo ornamental. Frederico Barata (1951) levantou a hiptese de terem sido alguns cachimbos executados pelos prprios jesutas, e outros pelos ndios sob a orientao desses padres. Isso parece possvel, uma vez que h informaes histricas relatando as habilidades artesanais dos jesutas.Barata (Ibid,1951:186) afirmou que nos cachimbos "o barro empregado muitas vezes o mesmo dos vasos tpicos" referindo-se aos vasos de gargalo e de caritides. Porm, a anlise tcnica mostrou que o aditivo mais utilizado nos objetos tipicamente Santarm a mistura de cauixi e caco modo, e que entre os cachimbos a maioria no possu aditivo, ou naqueles poucos que apresentam aditivo, este o cariap.Os vasos de caritides, os vasos de gargalo e as estatuetas apresentam um conjunto de caractersticas tcnicas e estilsticas compartilhadas, demostrando haver entre estes objetos uma coeso de elementos culturais. O compartilhamento destas caractersticas permite classificar esses objetos como sendo tipicamente Tapaj e consider-los como os objetos mais tpicos da cermica de Santarm. Por outro lado, a anlise dos cachimbos revelou uma descontinuidade entre as caractersticas consideradas como tipicamente Tapaj, levando a consider-los como objetos resultantes de um outro momento histrico: o perodo de contato com a sociedade europia, que resultou na desestruturao e finalmente na extino dos grupos indgenas que habitavam a foz do rio Tapajs.

Consideraes Finais As inferncias e as afirmaes que constam neste texto foram em sua maioria baseadas nos estudos de colees associadas a relatos histricos. Por isso, considera-se fundamental abordar aqui algumas questes sobre a importncia das colees. Coletar um hbito inerente a natureza humana, e deste hbito, do ato de reunir objetos e do desejo de mostr-los que nasceu a idia dos primeiros museus. Os objetos arqueolgicos, como muitos outros, foram primeiramente coletados por curiosidade e por sua beleza. Por isso, na maioria das vezes as colees so compostas de objetos inteiros e bem elaborados, realidade bem diferente dos resultados das pesquisas sistemticas, onde a quantidade de fragmentos sempre muito superior aos objetos inteiros. A formao das grandes colees arqueolgicas na Amaznia comeou no incio do sculo XVIII estendendo-se at a primeira metade do sculo XX, e cujo trmino coincide com o avano do processo de sistematizao pelo qual vinha passando a pesquisa arqueolgica. As colees feitas neste perodo compem hoje os acervos de importantes museus brasileiros e estrangeiros.Estudos de colees sempre foram uma parte importante da pesquisa arqueolgica, por apresentarem um grande potencial de aproveitamento cientfico na formulao de hipteses, e algumas vezes nas respostas de perguntas formuladas a partir de pesquisas sistemticas. Porm, a formao de colees descontextualizadas, e mal ou no documentadas, j no faz muito sentido no momento atual da pesquisa arqueolgica, pois a coleta de material sem o uso de tcnicas adequadas resulta na destruio dos stios arqueolgicos, o que se contrape ao seu carter cada vez mais sistemtico e cientfico. A pesquisa arqueolgica atual prima pela necessidade de conhecer o contexto de atuao do objeto para que ele possa representar uma resposta efetiva para o conhecimento do processo cultural envolvido no evento a ser estudado (Scatamacchia et al,1996). Portanto imperativo que os atuais estudos de coleo estejam sempre relacionados com pesquisas sistemticas.Outro aspecto que vem se tornando cada vez mais relevante entre os arquelogos e os rgos de proteo do patrimnio cultural, a divulgao das leis de proteo aos stios e aos objetos arqueolgicos, com objetivo dar conhecimento ao pblico em geral da importncia de se preservar e respeitar esta parte to peculiar de nosso passado. Embora a formao de colees tenha sido um momento importante para o desenvolvimento da pesquisa arqueolgica, atualmente essa prtica no encontra mais justificativas que a sustente. O incentivo a formao e a compra de colees ou objetos isolados constitui crime previsto na Lei Federal n3.924, de 26 de julho de 1961, que considera os stios e os objetos arqueolgicos como bens patrimoniais da Unio. Sendo assim, dever de cada um de ns conhecer e divulgar as leis de preveno ao patrimnio arqueolgico e combater qualquer ilegalidade envolvendo quaisquer objetos e/ou stios arqueolgicos.RETORNAR PARA INTRODUOBIBLIOGRAFIAACUA, Christobal de. Novo descobrimento do grande rio das Amazonas. In:Descobrimento do rio das Amazonas. Brasiliana, srie 2, Vol.203. Cia Ed. Nacional, So Paulo, 1941.BARATA, Frederico. Os maravilhosos cachimbos de Santarm. In:Estudos Brasileiros, VOL 13 N 37-9, RJ, 1944A lngua Tapaj. In: Jornal A Provncia do Par, 03 de julho, Belm, 1949.A arte oleira dos Tapaj. Consideraes sobre a cermica e dois tipos de vasos caractersticos.PublicaesInstituto de Antropologia e Etnologia do Par. Belm,2:1-47,1950.A arte oleira dos Tapaj II. Os cachimbos de Santarm. In:Revista do Museu Paulista. So Paulo, nova srie, n V:183-98, 1951.Arqueologia. In:Artes plsticas, n 1, RJ, 1952.Uma anlise estilstica da cermica de Santarm. 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[1]Arqueloga, pesquisadora do MCT/Museu Paraense Emlio Goeldi[2]Pastana nasceu no dia 26 de julho de 1888 na cidade de Belm, ou talvez em Castanhal, no estado do Par. Foi aluno de Theodoro Braga com quem estudou os objetos arqueolgicos de Maraj, Santarm e Cunani, provavelmente alguns deles, pertencentes ao acervo do Museu Goeldi. Desenhou peas utilitrias e de decorao com elementos de origem indgena ou baseado na flora e fauna da regio. Transferiu-se para o Rio de Janeiro na dcada de 1930. Trabalhou na Casa da Moeda, onde executou projetos para o Tesouro Nacional, criando moedas com motivos amaznicos. Para a Empresa Brasileira de Correios criou selos postais dessa mesma natureza. Suas obras podem ser encontradas no Museu do Estado do Par, Museu Nacional e Museu de Belas Artes, os dois ltimos na cidade do Rio de Janeiro. Morreu nessa cidade no ano de 1984, aos 96 anos (Informaes fornecidas por Marisa Mokarzel, pesquisadora do Sistema Intergrado de Museus da SECULT/PA, atravs do pesquisador Nelson Sanjad do Museu Goeldi).[3]O trabalho de Denise Gomes foi realizado sob a orientao de Cristina Scatamacchia.[4]Stio arqueolgico cuja composio seja predominantemente de conchas. A origem da palavra Tupi-guarani:Tamb, monte eaqui, conchas (Mendona de Souza,1997)[5]Antiplstico a matria introduzida na pasta para conseguir condies tcnicas propcias uma boa secagem e queima como: cacos triturados, areia, quartzo, conchas e ossos modos, cauixi, cariap, etc. (Chymz,1976).[6]Neste texto, o termo Tapaj refere-se a cultura arqueolgica e ao grupo indgena e Tapajs refere-se ao rio, em cujas margens habitavam os Tapaj[7]Anlise de fragmentos de cermica tapajnica da coleo do MAE/USP atravs da termoluminescncia datou a cermica de Santarm entre A. D. 900 a 1200[8]Ver definio de caritides no item A cermica de Santarm.[9]Nesse artigo no se tratar dos objetos lticos atribudos aos Tapaj como os muiraquits, as contas e as estatuetas.[10]Os dados apresentados aqui referem-se ao resultado da anlise da Coleo Frederico Barata pertencente ao Museu Goeldi (Guapindaia,1993).[11]Barata (1950) e Guapindaia (1993) j haviam observado a simetria na distribuio dos elementos, especialmente os zoomorfos, antropomorfos e antropozoomorfos nos vasos de caritides.