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MINISTÉRIO DA EDUCAÇAO E CULTURA UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA ESCOLA DE ADMINISTRAÇÃO PROGRAMA DE CAPACITAÇÃO PROFISSIONAL AVANÇADA CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM POLÍTICAS E GESTÃO EM SEGURANÇA PÚBLICA – LATU SENSU OS “SOLDADOS DE BACO”: a segunda ocupação policial exercida em dez casas noturnas na orla da cidade do Salvador e suas conseqüências para a qualidade do serviço público prestado ao cidadão no terceiro trimestre de 2007 LAÉRCIO MIRANDA BRAGA LUCIANO DIAS CARDOSO SALVADOR-BA NOVEMBRO/2007

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Page 1: OS “SOLDADOS DE BACO”: a segunda ocupação policial ... · contratando segurança privada. Se os aparatos de polícia e justiça não conseguem controlar a criminalidade e sobram

MINISTÉRIO DA EDUCAÇAO E CULTURA UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA

ESCOLA DE ADMINISTRAÇÃO PROGRAMA DE CAPACITAÇÃO PROFISSIONAL AVANÇADA

CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM POLÍTICAS E GESTÃO EM SEGURANÇA PÚBLICA – LATU SENSU

OS “SOLDADOS DE BACO”: a segunda ocupação policial exercida em dez casas noturnas na

orla da cidade do Salvador e suas conseqüências para a qualidade do serviço público prestado ao cidadão no terceiro trimestre de

2007

LAÉRCIO MIRANDA BRAGA LUCIANO DIAS CARDOSO

SALVADOR-BA NOVEMBRO/2007

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LAÉRCIO MIRANDA BRAGA LUCIANO DIAS CARDOSO

OS “SOLDADOS DE BACO”: a segunda ocupação policial exercida em dez casas noturnas na

orla da cidade do Salvador e suas conseqüências para a qualidade do serviço público prestado ao cidadão no terceiro trimestre de

2007.

Monografia apresentada ao Núcleo de Pós-Graduação em Administração da Universidade Federal da Bahia, como requisito parcial para obtenção do título de Especialista em Políticas e Gestão em Segurança Pública.

Orientador: Uaçaí de Magalhães Lopes

Co-orientadora: Juliana Maia Maia

SALVADOR-BA NOVEMBRO/2007

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Aos nossos filhos, pais, esposas e irmãos , pelo apoio e carinho

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Agradecimentos

Durante o processo de desenvolvimento desse trabalho monográfico, foram

fundamentais as participações: da mestranda Juliana Maia e Maia, do Profº. Dr.

Uaçaí de Magalhães Lopes , da Profª. Drª. Ivone Freire Costa, aos quais somos

muito gratos. Agradecemos, também, aos policiais entrevistados ao longo dessa

pesquisa, às instituições que nos apoiaram: Departamento de Polícia Rodoviária

Federal e Policia Civil do Estado de Sergipe, e ao quadro de servidores da UFBA,

pela presteza e eficiência usuais.

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É preciso afiar o “[...] pessimismo da razão [...]”

para construir o “[...] otimismo da vontade”

Antonio Gramsci (CC,1,257)

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RESUMO

Essa monografia realizou um estudo acerca da segunda ocupação policial exercida em dez casas noturnas, em cinco bairros de classe média, situadas na orla da cidade do Salvador, no segundo semestre de 2007. Seu objetivo foi identificar e avaliar as conseqüências para a qualidade na prestação do serviço público de segurança. Foi desenvolvida uma investigação exploratória alicerçada por pesquisas de campo e bibliográfica, empregando-se, como coleta de dados, a entrevista semi-estruturada. A pesquisa identificou a atividade mais valorizada pelo policial – o serviço público ou o serviço privado, avaliou sua satisfação nos dois tipos de atividade e investigou a interferência da atividade privada no serviço público prestado pelo policial. Os grupos temáticos privilegiados na análise dos resultados foram: a organização do trabalho, os relacionamentos inter-pessoais, a realização no trabalho e as implicações sociais da segunda ocupação para o serviço público. Concluiu-se que esses servidores: cumpriam uma excessiva e cansativa jornada de trabalho semanal; possuíam condições precárias de trabalho na segurança pública; relacionavam-se bem, com seus superiores hierárquicos na iniciativa privada e mal, com os correspondentes no serviço público; estavam mais motivados para o exercício da atividade privada, embora descartassem a possibilidade de abandono da atividade pública e suas vantagens; demonstraram pouco comprometimento social e má atuação no cumprimento do mandato público. Palavras-chave: Gestão da segurança pública; Mandato policial; Policiamento público e privado; Bico policial noturno

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ABSTRACT

This monograph carried out a study about the second exerted police occupation in ten nocturnal houses in five middle class quarters, situated in the city of Salvador edge, in 2007 third trimester. Its objective was to identify and to evaluate the consequences for quality in the installment of the public service of security. It was developed an exploratory inquiry founded by bibliographical and field research, using itself, as a collection of data, the half-structuralized interview. The research identified the most valued activity by the policeman - the public service or the private service, it evaluated its satisfaction in the two types of activity and investigated the interference of the private activity in the public service given by the policeman. The privileged thematic groups in the analysis of the results were: the work organization, interpersonal relationships, the accomplishment in the work and the social implications of the second occupation for the public service. It was concluded that these servers: fulfilled an extreme and tiring working journey weekly; had precarious conditions of work in the public security; they got along well with its hierarchic superiors in the private initiative and badly with the correspondents in the public service; they were more motivated for the exercise of the private activity, even so they discarded the possibility of abandonment of the public activity and its advantages; they had demonstrated little social engagement and bad performance in fulfillment of the public mandate. Key-words: Management of the public security; Police mandate; Public and private policing; Moonlighting policeman.

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SUMÁRIO

1INTRODUÇÃO 9 2 REFERENCIAL TEÓRICO 19 2.1Violência e Criminalidade 19 2.2Conceito de Polícia e Policiamento 29 2.3Caracterização da Atividade Policial Privada 36

2.4O Mandato Policial e a Segunda Ocupação 40 3METODOLOGIA 50 3.1.OBJETIVO 50 3.1.1Geral 50 3.1.2Especificos 50 3.2Classificação do Estudo 51 3.3Abordagem 52 3.4Local 52 3.5População e Amostra 52 3.6Instrumentos de Coleta de Dados 54 3.7Tratamento dos Dados 55 4 RESULTADOS (DADOS TRATADOS) 56 5 CONCLUSÃO 73 REFERÊNCIAS 76 ANEXO A – ESTATUTO DOS SERVIDORES PÚBLICOS DO ESTADO DA BAHIA ANEXO B – ESTATUTO DO SERVIDOR POLICIAL CIVIL DA BAHIA

ANEXO C - ESTATUTO DO SERVIDOR POLICIAL MILITAR DA BAHIA

ANEXO D – DECRETO-LEI N.2848/1940 (CÓDIGO PENAL)

ANEXO E - ROTEIRO DE ENTREVISTAS

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1 INTRODUÇÃO

Uma sociedade que se pretende democrática deve almejar atender,

minimamente, os principais anseios da sua população: distribuição de renda,

serviços públicos de qualidade na saúde, educação e segurança públicas;

demandas básicas de qualquer povo, principalmente dos menos abastados,

desprovidos de recursos capazes de suprir as deficiências do Estado nessas áreas.

Embora existam numerosos estudos a respeito das organizações,

principalmente pós-década de 70, pouco se sabe, ainda, sobre a natureza dos

atributos e das relações envolvidas na eficácia de organizações que prestam

serviços públicos. Em razão desta constatação, as corporações policiais, no Brasil,

não constituem raridades e projetam-se em ascendentes práticas de violência e

criminalidade urbanas (COSTA, 2005, p.16).

Os problemas relacionados à segurança pública vêm ganhando dimensões

epidêmicas no Brasil, onde, pessoas e instituições dedicadas a estudá-los

seriamente, são poucas ainda, assim como são muito precários os dados

disponíveis para subsidiar análises precisas e políticas eficazes na diminuição do

crime e da violência. Nossa obsessão pelo crime é traduzida na vida cotidiana, onde

até nos momentos de lazer, reservamos grande parte do tempo para assistirmos aos

filmes de ação e às matérias relacionadas à violência e criminalidade

freqüentemente abordadas nos principais telejornais – em horário nobre

(MACHADO, 2006, p.165).

Neste cenário, um dos temas mais avaliados por estudiosos da área de

segurança, formuladores de políticas públicas, autoridades de governo, acadêmicos

especialistas e pelos próprios policiais é a necessidade de profissionalizar a polícia

brasileira como um recurso para capacitá-la, visando um desempenho mais

eficiente, responsável e efetivo na realização do seu mister.

Diante dessas circunstâncias, o presente estudo visa detectar quais são as

principais conseqüências ocasionadas pela segunda ocupação do policial – mais

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conhecido como bico -, sobre a qualidade do serviço público, realizada em

estabelecimentos identificados como “casas noturnas” (bares, restaurantes e

boates), em alguns bairros de classe média, na orla da cidade do Salvador. Dentre

as quais estão: avaliar a interferência no serviço público prestado pelo policial;

identificar a atividade mais valorizada pelo policial – o serviço público ou o serviço

privado -, e avaliar a satisfação do servidor policial no serviço público e na

segurança privada.

Notadamente, sabe-se que a questão da qualificação não resolverá o

problema da segurança da população ou dos crimes contra o patrimônio. A questão

é mais complexa do que se imagina, tendo em vista que ao levar em consideração

as palavras do grande sociólogo Emile Durkheim quando afirmou no início do século

passado que: “o crime é um fato normal em qualquer sociedade”. Apesar de óbvia, a

afirmação costuma chocar as pessoas que imaginam ser o papel da polícia acabar

com o crime.

Segundo o Professor Gey Espinheira: “as desigualdades sócio-econômicas e

por tantas e tão múltiplas emoções e práticas sociais perversas, sobretudo as do

mundo da produção que coisificam, corroem e, por fim, destroem os seres

humanos.” E, assim, essas discrepâncias tornam-se “condições suficientes, embora

não necessárias, para o estabelecimento de conflitos e de embates violentos.”

(ESPINHEIRA, 2004, p.2 e p.3).

Entende-se, portanto, que se a polícia auxiliasse na redução drástica dos

roubos diários nas grandes metrópoles, a exemplo da cidade do Salvador, ainda

assim, centenas de pessoas seriam vítimas todo dia. Vítimas sempre existirão

independentemente da eficiência da polícia, o que se traduz na responsabilidade

das pessoas de reduzir as possibilidades de sofrerem perdas e danos. Inclusive

contratando segurança privada.

Se os aparatos de polícia e justiça não conseguem controlar a criminalidade e

sobram pressões de outras condições sociais desfavoráveis, o combate à violência

se torna prioridade nas preocupações da sociedade e o mercado da segurança se

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torna especialmente atrativo para exploração comercial. Aqui como em qualquer

lugar do mundo. Por exemplo,

Nos Estados Unidos existiam, no fim dos anos 90, cerca de três vezes mais seguranças particulares (dois milhões) do que policiais, estimados em 650 mil. A projeção norte-americana é de que os agentes de segurança particulares cresçam anualmente o dobro da taxa de policiais. Na Inglaterra e no Canadá, a situação é a mesma: existem duas vezes mais seguranças particulares do que policiais e a taxa de crescimento do setor privado é mais rápida do que a do setor público. (CARTACAPITAL, 19/02/2003, p.29)

Na citada reportagem, a revista atribui ao crescimento desse setor privado

como sendo resultante da combinação entre a baixa credibilidade das instituições

policiais com o aumento da violência urbana. As firmas de segurança privada

multiplicaram-se pelo país e, apenas no ano de 2003, já havia 3.028 autorizadas

pela Polícia Federal para operar no mercado. No mesmo período, a chamada

“indústria do medo” promoveu a circulação de RS100 bilhões por ano – 10% do PIB

brasileiro-, conforme relatório da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos

Advogados do Brasil (OAB-SP). Dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada

(Ipea) demonstram que entre os anos de 1985 a 1995 o número de “soldados

privados” triplicou (IBGE/PNAD, 1995).

Não se pode considerar que a vigilância privada seja necessariamente sinal

de fracasso das forças de segurança pública e que o estado esteja transferindo seus

encargos para o setor privado. Nos estados modernos, áreas que podem ser geridas

por recursos privados, inclusive em segurança, possibilitam liberar os limitados – e

cada vez mais solicitados – recursos públicos para os segmentos mais necessitados.

O lucro desse mercado e a competição entre as empresas tornam a

segurança privada um negócio como qualquer outro em que as empresas

desenvolvem produtos e serviços para disputar clientes. Não se pode deixar de

considerar que um negócio que movimenta bilhões de reais, inclusive sendo um dos

maiores arrecadadores da contribuição de seguridade social para a Previdência

Social do País, oferece centenas de milhares de emprego e estimula outros ramos

de negócio, convém à economia do país e ajuda a atenuar problemas sociais

(SILVA, 2000).

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Contudo, um sério problema é o controle das atividades privadas de

segurança. Na mesma matéria da revista Carta Capital, a professora do Instituto de

Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e pesquisadora do

Centro de Estudos de segurança e Cidadania da Universidade Candido Mendes –

Leonarda Musumeci -, afirma que a segurança privada é parte importante no

combate à violência, desde que ela própria esteja sob controle. Sem vigilância, as

empresas se confundem com o próprio crime.

Além desse fator, tem-se ainda a questão dos próprios funcionários da

segurança pública – civil ou militar – que atuam neste segmento, tendo como esta

uma segunda ocupação policial, como forma de “melhorar” a receita no final do mês,

fomentando esse segmento da economia com a transferência de conhecimento e

habilidades – pois são atividades similares -, favorecendo a apropriação pelo

particular de recursos humanos públicos.

A dupla jornada de trabalho – público e privado – acarreta problemas, bio-

psico-sociais, principalmente quanto à prestação de serviço público, ou privado, com

qualidade, uma vez que a maioria dos que possui a chamada “segunda ocupação

policial”, possui uma forte tendência a não atuarem profissionalmente como

deveriam, prestando, portanto um serviço desqualificado e descaracterizado com os

pressupostos da prestação de serviço público de qualidade à sociedade.

Entende-se, também, que o verdadeiro sintoma da magnitude da

“insegurança pública”, sob a ótica dos empresários e políticos ligados à indústria da

segurança privada, é traduzido: na proliferação de vigilantes informais que

“protegem”, cada vez mais, pequenos comércios expostos à crescente criminalidade;

no aumento da segurança compulsória nesses nichos de mercado. Segundo

reportagem da revista Veja, “a Associação de Cabos Soldados da Polícia Militar do

Estado de São Paulo estima que 90% dos Soldados adotem a prática (irregular) do

‘bico’” (VEJA, 10/01/2007).

Nesta mesma reportagem, há uma referência a uma pesquisa ainda inédita

realizada no Brasil que comparou os níveis de estresse a que estão submetidas

diversas categorias de profissionais. A psicóloga Ana Maria Rossi, presidente da filial

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brasileira da associação que conduziu o estudo – a Irternational Stress Management

Association -, esclarece que. “Mesmo quem trabalha sob alta pressão e em cargos

de grande responsabilidade pode relaxar depois do expediente. Os policiais, não”

(apud VEJA, 10/01/2007). Assim foi explicado o porquê do primeiro lugar, ocupado

pelos policiais, no ranking de estresse.

A vulnerabilidade da segurança pública tem ainda uma face que envolve

sérios questionamentos éticos, administrativos e penais: o suposto envolvimento,

cada vez maior, de policiais graduados na direção de organizações de segurança

privada, freqüentemente irregulares ou com "testas de ferro", sob o respaldo de suas

funções oficiais.

Não obstante, percebe-se que a segunda atividade policial tem-se estendido

às mais diversas atividades comerciais, a exemplo, das casas noturnas, objeto deste

estudo. Cidadãos e empresários que contratam policiais graduados ou não, buscam

privilégios públicos para suas necessidades particulares de segurança e não querem

a habitual eficiência da polícia.

As questões-problemas levantadas são:

− Por que os policiais trabalham como agentes de segurança privada em

casas noturnas da cidade do Salvador?

− Quais as conseqüências dessa segunda ocupação policial para o serviço

público?

− Como essa atividade policial privada tem se organizado em torno do

serviço público?

Nas áreas urbanas do país, a sensação de medo e insegurança tem sido

experimentada como um grave problema público devido à expectativa de que

qualquer pessoa pode se tornar vítima de crime em qualquer ponto das cidades e

em qualquer momento de sua vida cotidiana.

Ressalte-se, no entanto, que não obstante nas últimas duas décadas terem

se verificado inovações na área da formação profissional, poucas iniciativas

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lograram sucesso no sentido de implementar mudanças efetivas nas práticas e

procedimentos dominantes, inscritos em um padrão de desempenho que se traduz

não só na ineficácia dos resultados obtidos para o enfrentamento da questão, mas

que se reveste de aspectos suplementares relacionados, fundamentalmente, à forma

de atuação predominantemente violenta e arbitrária da polícia, permanecendo como

desafio à sociedade contemporânea brasileira.

A despeito de algumas experiências exitosas, as propostas efetivas para

reformulação da atividade profissional da polícia no país, não incorporaram o debate

sobre o modelo profissional a ser adotado pela polícia e as metodologias práticas de

intervenção para a realização das tarefas cotidianas envolvendo a manutenção da

ordem e segurança públicas, principalmente nas questões relacionadas com os

aspectos de condições para o desenvolvimento da atividade policial pública.

Observa-se, por exemplo, que as polícias judiciárias e ostensivas pouco se integram

na busca desse entendimento, dificultando sobremaneira o andamento da

persecução penal.

No Brasil, durante muito tempo, a questão da segurança foi estudada de

forma restrita no foco da justiça criminal, polícia, tribunais e sistema carcerário. O

desempenho dessas atividades, na maioria das vezes, comportou ao poder público

estadual. No entanto, numa visão panorâmica, compreende-se a interveniência de

outras esferas governamentais com o reaparecimento das antigas guardas

municipais, junto aos municípios de grande porte, para a função de proteção do

patrimônio das cidades; e na esfera federal, uma participação acentuada na

elaboração de planos estratégicos de ação na área de segurança, com programas

específicos no combate à violência - criação da Secretaria Nacional de Segurança

Pública e da Força Nacional são exemplos do recente processo de “federalização”

de temas relacionados à segurança.

Justifica-se essa abordagem tendo em vista que a complexidade das relações

sociais, agravadas por vários fatores desfavoráveis, a saber: taxas elevadas de

desemprego, manutenção das desigualdades sociais, leis ultrapassadas que

favorecem a impunidade, têm contribuído para que a violência se projete em linha

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ascendente, vindo a se tornar prioridade a adoção de medidas cautelares e

preventivas de comportamento.

Além disso, os agentes de segurança pública, por comporem uma parte do

sistema público de pronto atendimento, em tempo integral, ao cidadão, passaram a

ter atribuições que não são específicas de sua atividade fim: salvaguardar

monumentos, tidos como importantes para o contexto social; encaminhamento de

pessoas portadoras de doenças mentais em crise para atendimento médico; atuação

como segurança particular do seu superior hierárquico e de instituições bancárias,

entre outros. Essa situação impõe aumento de encargos a seus já limitados recursos

orçamentários, redundando no comprometimento da eficácia da segurança pública e

gerando, destarte, lacunas que vêm sendo preenchidas pela segurança privada.

O poder de Polícia vem deixando de ser uma atividade hegemônica do

Estado. Nesse âmbito, vem ocorrendo um grande desgaste tanto pelas iniciativas

comunitárias de autodefesa como pela expansão das atividades da indústria da

segurança, tendo em vista o aumento da criminalidade, do sentimento de

insegurança e o reconhecimento de que o Poder Público, mesmo que consiga

prestar um serviço de segurança de qualidade, não atende às mais variadas

necessidades específicas de segurança demandadas pelo mercado.

Paralelamente ao modelo tradicional de segurança pública, centrado no

controle repressivo penal, a sociedade propõe uma abordagem alternativa à questão

da segurança, enfatizando o seu caráter interdisciplinar, sinalizando que a

segurança deve deixar de ser competência exclusiva das políticas criminais do

governo para converter-se em tema transversal, objeto de preocupação de diversos

setores da sociedade civil, inclusive da segurança privada.

A relevância social desta temática consiste no argumento de que: “um país

como o Brasil, com uma população de 43 milhões de pobres (renda pessoal inferior

a dois dólares por dia), precisa investir prioritariamente em educação, saúde,

moradia popular, saneamento básico e geração de empregos. Programas

emergenciais de renda mínima, bolsa-escola, capacitação profissional e facilitação

de crédito para a população de baixa renda, entre outros, têm de ser estimulados.

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Só um maciço esforço de resgatar a dívida social o mais rapidamente possível, junto

com uma profunda revisão do nosso falido modelo de segurança e justiça, é que nos

permitirá vislumbrar no horizonte um país menos injusto e violento” (LEMGRUBER,

2002, p.185).

Como a violência e a ineficiente segurança pública estão presente no

cotidiano das grandes cidades e do campo, importando em grande sensação de

insegurança e impunidade nas pessoas, produzindo a insatisfação de toda

sociedade brasileira, que vive em clima de descontentamento com os governantes e

as políticas públicas.

Vale ressaltar que a violência e a criminalidade que assolam o país, recaem

sobre os ombros do Estado, porque ele detém o poder hegemônico, sendo o

responsável, direta ou indiretamente, pela manutenção da ordem pública e

segurança dos cidadãos, englobando tanto sua segurança física quanto do seu

patrimônio.

Um problema de tal complexidade necessita da participação, não apenas dos

órgãos governamentais, mas da participação de todos, da sociedade, das

organizações civis, de todas as entidades que possam se envolver com essa

questão e que, por conseqüência, as pessoas possam reencontrar a tranqüilidade

indispensável à vida. O problema, no entanto, é como isso vem sendo alcançado.

Muitos são os policiais públicos que se encontram em uma segunda atividade

policial: a privada. Geralmente atuam em estabelecimentos comerciais, na

segurança pessoal, valendo-se de suas folgas no serviço público para atuarem como

policiais privados. A despeito da ilegitimidade, muito embora questionável, desta

segunda ocupação – previstas nos dispositivos legais que regulamentam as

profissões de policiais militares e civis -, o TST (Tribunal Superior do Trabalho) já

reconheceu o vínculo empregatício entre o policial que pratica o “bico” e a empresa

que o contrata, determinando que todos os direitos trabalhistas sejam pagos

devidamente ao policial, fato esse relatado em decisão sobre uma lide envolvendo a

Empresa Norforte Segurança e um PM de Pernambuco que fazia a segurança de um

supermercado (O Estado de São Paulo, 22. Jul. 2003).

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A questão, contudo, ainda, se relaciona com a qualidade do serviço prestado,

seja este no âmbito público ou privado, pois tendo em vista que estes funcionários

públicos atuam em suas folgas, supõe-se que não há tempo hábil para descanso e,

conseqüentemente, suas atividades laborativas estariam assim comprometidas.

Sabe-se, também, que a procura de uma segunda atividade em seu ramo de

atividade está relacionada ao baixo estímulo à sua atividade como policial, deixando

este funcionário, muitas das vezes, desmotivado. Atrelado a esse motivo tem-se

ainda a falta de infra-estrutura que proporcione atuar de forma eficiente e eficaz. O

resultado, sem sombra de dúvidas, é a má qualidade na prestação do serviço

público.

A relevância pessoal deste trabalho consiste na busca - destes pesquisadores

- da compreensão dos mecanismos utilizados na efetivação das políticas e gestão

de segurança pública na polícia brasileira e suas implicações para o servidor público

que nela atua, com um enfoque especial na averiguação da qualidade deste trabalho

prestado por um policial que possui uma segunda atividade. Elucidar, ainda que

parcialmente, o que motiva esses colegas a seguirem esse caminho da transgressão

funcional, em que pese o perigo e o desgaste físico e mental a que são submetidos

ao exercerem a atividade extra durante o turno da noite.

Nossas polícias são máquinas pesadas e lentas, nada inteligentes e criativas,

que não valorizam seus policiais nem os preparam adequadamente; não planejam

nem avaliam o que fazem; não aprendem com os erros porque não os identificam;

não conhecem os problemas sobre os quais atuam (os policiais, individualmente

sabem muito; a polícia, como instituição, nada sabe); não se cultivam o respeito e a

confiança da população; cada vez mais só prendem em flagrante, porque pouco

investigam; limitam-se a reagir depois que os crimes já ocorreram; cometem um

número imenso de crimes, quando sua tarefa é evita-los ou conduzir à justiça os

perpetradores (SOARES, 2006, p.117).

Há que se almejar neste estudo, também, um incremento da produção

acadêmica especializada nesta temática que considere as especificidades sócio-

cultural e institucional brasileiras cujas bases estejam ligadas à informalidade, bem

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como, a perspectiva de assimilar a ambígua relação público-privada representada

pelo trabalho, nas “casas noturnas”, realizado pelos “agentes estatais”.

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2 REFERENCIAL TEÓRICO

2.1 Violência e Criminalidade

A violência não é uma, é múltipla. Palavra oriunda do latim vis que significa

força e se refere às noções de constrangimento e de uso da superioridade física

sobre outra pessoa. Está relacionada aos conflitos de autoridade, lutas pelo poder e

a vontade de domínio, de posse e de aniquilamento do oponente e de seus bens.

Suas manifestações são aprovadas ou desaprovadas, lícitas ou ilícitas segundo

normas sociais mantidas por usos e costumes naturalizados ou por aparatos legais

da sociedade (MINAYO, 2000, p.14).

Percebeu-se nos últimos anos, um aumento nas taxas de homicídio e

criminalidade, elevando custos a elas associados e uma crescente importância dada

ao tema em pesquisas de opinião. Em 1980, o Brasil registrava algo em torno de 12

homicídios para cada grupo de 100 mil habitantes, em 2005 esse número já havia

chegado a 26 por 100 mil. Os governos e a sociedade civil consideram o problema

do aumento da violência e da criminalidade como um dos mais sérios obstáculos ao

desenvolvimento econômico e social. A maior preocupação para 31% dos

brasileiros, no ano de 1997, era a criminalidade. Em 2007, a preocupação com a

falta de segurança suplantou a do desemprego e dos baixos salários, chegando ao

índice de 59% (VEJA, 2007, p.83).

A opinião pública, antes ocupada, principalmente, com as questões sócio-

econômicas, tais como: desemprego, juros, inflação e impostos; hoje também coloca

na “ordem do dia” as preocupações decorrentes do crime e da violência, como fora

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demonstrado. O grande desafio que se avizinha é o de formular e, mais

complexo ainda, aplicar políticas públicas que pretendam prevenir e diminuir o crime

e a violência.

Pesquisas capazes de compreender as causas e as conseqüências desses

fenômenos, agregadas a bancos de dados, poderiam otimizar o entendimento das

perspectivas espaciais e temporais da criminalidade, bem como o seu

monitoramento.

Sob o aspecto econômico, no Brasil, ainda são reduzidos os trabalhos que

têm abordado o tema dos determinantes da criminalidade. De certa forma, isto se

deve ao fato de que há uma exigência de prazos mais longos para uma avaliação

mais precisa, mas o tema é relativamente novo nessa ciência humana. Além disso, a

relativa escassez de bases de dados sobre criminalidade no país, em virtude da falta

de padronização entre os órgãos de segurança pública – há 27 unidades da

federação que dispõem de informações classificadas de forma diferente -, quando

comparada com a atual situação favorável nos Estados Unidos, por exemplo, não

contribui para o desenvolvimento de pesquisas na área.

Por ocasião do recebimento do prêmio Nobel de economia, Becker

sentenciou que os criminosos potenciais atribuem um valor monetário ao crime e

fazem uma comparação deste valor ao custo monetário associado na realização do

mesmo. Esse custo inclui os de planejamento, execução e o de oportunidade,

traduzido na renda que perderão enquanto estiverem ausentes do mercado de

trabalho legalizado, bem como o custo esperado se forem detidos e condenados e

um custo moral atribuído ao ato de desrespeitar a lei (BECKER, 1993, p.390).

A teoria traduz-se na expressão: (1 – pr) * U(li – ci – Mi) – pr * U(pu) > U(wi) ,

interpretada como um determinado indivíduo (i) optará pelo cometimento de um

crime em detrimento do mercado legal. As variáveis são definidas como: pr (

probabilidade de captura e condenação), li (valor monetário do ganho do crime), ci

(custo de planejamento e execução do crime), Mi (custo moral), pu (valor monetário

do castigo) e wi (renda aferida em atividades legais) (FAJNZYLBER, 2001, p.8).

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Uma das implicações que se pode inferir diante deste modelo é a de que o

crime só irá compensar se os salários pagos no mercado legalizado forem

suficientemente baixos. Em relação aos crimes contra a pessoa, desmotivados

monetariamente, poder-se-ia supor que a utilidade decorrente da realização dos

mesmos pode ser representada pelas unidades comparadas às adquiridas em razão

da aquisição de bens materiais.

A ênfase nas interações sociais e nas características externas micro e

macroeconômicas representa uma vertente recente da literatura econômica sobre

crime e ajuda a explicar a concentração do crime em determinadas áreas ou a

ocorrência de “ondas” de crime. Com efeito, as variáveis em questão – trabalho,

saúde, renda, educação, etc. – também estão associadas a um maior número de

vítimas potenciais economicamente atrativas e, portanto, a um maior retorno para a

atividade criminal. Schwarz frisa que:

No caso de crimes sem motivação econômica, em que a renda das vítimas é possivelmente irrelevante, o efeito esperado de um aumento nos rendimentos derivados do mercado legal é, segundo o modelo econômico, o de reduzir os incentivos ao crime (SCHWARZ, 1997, p.10)

Na perspectiva do modelo apresentado, a desigualdade na distribuição de

renda deveria estar associada a maiores taxas de crime na medida em que ela pode

ser interpretada como uma “práxis” para a diferença entre o retorno do crime,

associado à renda das vítimas potenciais, relativamente mais abastadas e o custo

de oportunidade do crime, principalmente quando associado à renda dos criminosos

potenciais, na base da pirâmide salarial (FAJNZYLBER, 2001, p.8)

Assim, para essa doutrina, em áreas com mais disparidades sócio-

econômicas, conviveriam indivíduos com menores custos de oportunidade de

participar em atividades criminais, com indivíduos cujos bens materiais os tornam

vítimas ou “clientes” (no caso de crimes sem vítimas) relativamente atrativos. E, em

muitos casos, a segurança privada pode ser considerada um bem normal, ao qual

pessoas de baixa renda têm menor acesso, enquanto a segurança pública pode ser

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direcionada, em sociedades mais desiguais, para as áreas de maior renda per capita

(FAJNZYLBER, 2001, p.8).

Exemplos dessa interpretação peculiar de uma corrente da criminologia

podem ser elencados: em 2003, o Congresso Nacional aprovou a criação do regime

disciplinar diferenciado, o RDD, que prevê o isolamento de criminosos de alta

periculosidade nos presídios (Câmara dos Deputados), constatou-se que, a despeito

de quadrilhas dominarem parte dos presídios brasileiros, o isolamento dos líderes

tem sido eficaz para lhes subtrair poder e influência dentro das prisões; limitar o

horário de funcionamento de bares ajudou à cidade de Diadema (Grande São Paulo)

a reduzir, em cinco anos, a sua taxa de homicídios em 68%, pois constatou-se que

60% dos homicídios ocorridos na cidade ocorriam a 100 metros de um bar; o

programa “tolerância zero” – adotado pela polícia da cidade de Nova York – consistia

na aplicação da pena de privação de liberdade até para crimes de “menor potencial

ofensivo” como pichação e uma profunda reforma na polícia, culminou com uma

redução de 60% dos homicídios em seis anos, e diminuição de 55% dos furtos de

veículos (SOARES, 2002, p.227).

Corroborando essa “lógica economicista”, várias tentativas foram feitas, no

Brasil, com o fito de reduzir a criminalidade, mas conforme relato do jornalista de

uma importante revista semanal, houve uma inversão dos resultados face às

expectativas geradas, ”... aumentando-se a pena para quem praticava o seqüestro –

em 1990, qualificando-o como crime hediondo -, e então, dois anos depois, o

número de seqüestros quadruplicou no Rio de Janeiro. Em 1996, houve 8000 casos

de estupro no país. Virou crime hediondo. No ano seguinte, foram 14000...” (VEJA,

2007, p.61).

Analisando-se alguns dados norte-americanos sobre a pena de morte -

extraídos de um trabalho da socióloga Julita Lemgruber -, outro grande mito da

discussão sobre controle da criminalidade no nosso país, usualmente defendido

como solução para grande parte dos nossos problemas criminais: Nos Estados

Unidos, país que desde 1976 reintroduziu a pena de morte para crimes letais, a taxa

de homicídios por 100 mil habitantes é de duas a quatro vezes superior à registrada

em países da Europa Ocidental que não adotam essa pena; os estados norte-

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americanos sem pena de morte têm taxas de homicídios mais baixas que os estados

onde é aplicada a punição capital; embora os Estados Unidos estejam entre um

número pequeno de países que condenam à morte jovens menores de 18 anos, um

relatório de seu Departamento de Justiça informou que, entre 1985 e 1991, o

número de jovens presos, com 13 e 14 anos, acusados de homicídio, cresceu 140%.

Entre jovens de 15 anos, o crescimento foi de 217% (LEMGRUBER, 2002, p.170-

184).

Segundo a própria Julita, “A pena de morte não diminui a incidência dos

crimes aos quais se aplica e é extremamente cara: uma pessoa executada custa ao

Estado tanto ou mais que um condenado a 40 anos de prisão, na medida em que

uma condenação à morte implica processos que se estendem por muitos anos,

contemplando um grande número de apelações”. E conclui: “Atualmente, já se tem

clareza de que a pena de prisão é cara e ineficaz: não inibe a criminalidade, não

reeduca o infrator e estimula a reincidência, além de separar famílias e destruir

indivíduos, aniquilando sua auto-estima e embrutecendo-os. Sabe-se que quem sai

das penitenciárias, em geral sai pior e, ao reincidir, freqüentemente comete crimes

mais graves, ao contrário dos infratores punidos com penas alternativas, que

reincidem muito menos” (LEMGRUBER, 2002, p.170-184).

“Dissecando” algumas das origens da violência, o professor e sociólogo da

UFBA afirma: “As diferenças e desigualdades são condições suficientes, embora

não necessárias, para o estabelecimento de conflitos e de embates violentos, dentre

os quais a guerra é o mais sintomático...” (ESPINHEIRA, 2004,p.3). Em um outro

artigo, intitulado: Violência na sociedade contemporânea: origens e causas da

violência em Salvador, o Doutor Espinheira traduz com rara lucidez “... a violência é

uma representação social de múltiplas faces e dimensões.” (ESPINHEIRA, 2000,

p.2). Corrobora, em grande medida, o entendimento de que nenhuma pacificação é

possível enquanto a distribuição de renda for muito desigual e as proporções de

poder demasiado divergentes, sendo, também que nenhuma prosperidade, a longo

prazo, é possível sem uma pacificação estável (ELIAS, 1997, p.161 e 401).

Adiante, no mesmo trabalho, Espinheira elenca os tipos de violência e, dentre

os quais, cinco destes são de suma importância para se compreender esse

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fenômeno, analisando-se os condicionantes sociais, não econômicos, que

concorrem para a violência e a criminalidade:

1- Violência institucional da ordem social, praticada pelo campo institucional

do Estado formados pelo aparato de segurança pública, envolvendo as polícias

Militar e Civil, e também todo o segmento do judiciário;

2 - Violência familiar, descrita pela especificidade do grupo familiar, os maus-

tratos e os abusos sexuais em relação a crianças e adolescentes, à mulher e aos

idosos;

3 - Violência inter-pessoal sem fins lucrativos, refere-se à truculência, à

intolerância, nas circunstâncias em que os conflitos se exacerbam, a exemplo de

relações de vizinhanças ou de convivência em ambientes coletivos, marcados pela

competição;

4 – Violência cotidiana é caracterizada pelo estado de intolerância entre os

diversos agentes sociais, sobretudo nos espaços coletivos;

5 – Violência de representação social é descrita como originária de grupos

com identidades e territórios, em que aglomerações sociais se configuram como

controladores de territórios e como representantes de identidades sociais

específicas, sobretudo entre os jovens.

O aumento da violência e conseqüentemente da criminalidade, em ambiente

de relativa estabilidade econômica, é um fenômeno que pode ser entendido sob

variados prismas: a ineficiência do Estado, representada pela impunidade dos

criminosos, pelo grau de corrupção dos agentes públicos, pela incapacidade de

efetuar uma gestão adequada dos recursos existentes; a inexistência de programas

educacionais e de lazer que mantenham os jovens longe do crime; a falta de

estratégias que reforcem o envolvimento da comunidade no controle do crime e da

violência; serviços públicos de saúde e educação deficientes, que não permitam uma

maior mobilidade e segurança sociais. São alguns dos elementos que apresentam à

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sociedade um “caldo de cultura” mais do que suficiente para o recrudescimento das

relações sociais e sua conseqüente “degeneração violenta”.

Nunca a violência e a criminalidade estiveram tão presentes nas agendas

políticas e sociais deste país. Relatório da ONU (Organização das Nações Unidas)

compila e avalia cerca de 200 estudos produzidos nos últimos anos e aponta que a

violência urbana tem aumentado mundo afora, mas isso é mais intenso na África e

na América Latina, afirma Ban Ki-Moon, secretário geral da ONU (ESTADO DE SÃO

PAULO, 2007).

No nosso país morrem 100 pessoas por dia, em média, vítimas de armas de

fogo, e o Estado de São Paulo responde por 1% dos homicídios no mundo. Entre

1970 e hoje, a taxa de homicídios triplicou no Rio de Janeiro e quadruplicou em São

Paulo. Em 2001, a taxa de homicídios no Rio foi de 45 a cada 100 mil pessoas,

contra 8 por 100 mil em toda a Europa e 7 por 100 mil em Nova York. No mundo, a

taxa de homicídio subiu 30% desde o ano de 1980, passando 2,3 crimes para 3 por

100 mil habitantes no início da década atual (ESTADO DE SÃO PAULO, 2007).

Nos últimos anos, a violência tem se tornado mais freqüente entre os que

compõem os segmentos mais ricos e instruídos da população. Segundo pesquisa

realizada pelo economista Ib Teixeira, da Fundação Getúlio Vargas, tem-se os

seguintes pontos, somente no estado de São Paulo (2000):

− Mais de 2/3 da população diz ter mais medo do que confiança das Polícias

Militares e Civis de todo o nosso território.

− 56.9% da população entrevistada, que sofreu roubo ou furto, não

recorreram à polícia;

− 90% dos edifícios residenciais possuem grades ou uma forma de barreira

física;

− 4,3 milhões de paulistanos já sofreram algum tipo de violência, sendo que

1,3 milhões já sofreu assalto.

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Para a Organização das Nações Unidas (ONU), os índices de homicídios

maiores que 25 pessoas por 100 mil habitantes, são considerados graves; e entre 10

e 25 por 100 mil habitantes são considerados incômodos. A cidade de Nova York,

em 1990 possuía taxas de homicídio por 100 mil habitantes na ordem de 31 por 100

mil habitantes e hoje possui 08 para cada grupo de 100 mil.

Em trabalho recente: Análise dos Custos e Conseqüências da Violência no

Brasil, os pesquisadores – Daniel R. C. Cerqueira, Alexandre Y. X. Carvalho, Waldir

J. A. Lobão e Rute I. Rodrigues (CARVALHO, 2007, p.1) – avaliaram que o país

possuiu um custo estimado em R$92,2 bilhões, no ano de 2004, representando algo

como 5,09% do PIB, equivalente a um valor per capita de R$519,40. Desse total, os

gastos correspondentes ao setor público foram de R$28,7 bilhões, enquanto que o

privado totalizou R$60,3 bilhões - com referência aos custos tangíveis e intangíveis

arcados pelo setor privado -(CARVALHO, 2007, p.1).

A violência e o crime - violência tratada formalmente pela lei -, todavia, são

comportamentos sociais inerentes à natureza humana. Cada sociedade estabelece

até que ponto há de tolerar a violência.

O limite à violência não é apenas legal, mas sobretudo social. A existência do crime é fato social normal (Durkheim), embora sempre abominável e logo punível seu autor; anormal e patologia social é o crime em taxas altas. O crime para a sociedade é como a célula doente para o organismo humano, sempre há e haverá a célula maligna que é controlada e contida pela defesa orgânica, a doença estará caracterizada com a alta taxa destas unidades mórbidas, porém cada célula doente merece, por si só, tratamento (SCHWARZ, 1997, p.14).

Dessa forma, a onda crescente de violência, inclusive criminal, é um

complicado enigma do mundo moderno que não será bem decifrado se não houver a

desvinculação da mera retórica, das rivalidades corporativas ou científicas (cientistas

sociais e juristas), do emocionalismo. E, complementa o mesmo autor, que:

Tanto quanto o mal da Aids, o do crime exige, para seu eficaz enfrentamento, consciência de que o problema é multidisciplinar, de responsabilidade profissional de muitos (policiais, promotores, juízes, peritos) e responsabilidade social de todos, eis que os fatores do

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crime (melhor que “causas do crime”, segundo as últimas tendências da Criminologia) são múltiplos e de variada etiologia (SCHWARZ, 1997, p. 14).

O fato é que somente a repressão não terá força, nem mesmo com maiores e

bem armadas legiões de policiais, para conter o crime. Conquanto, indispensável e

preventivo (em certos casos) a punição é, no entanto, enfrentamento apenas do

efeito do problema. Neste sentido já alertara Beccaria, em 1775, proclamou ser mais

fácil, mais útil, prevenir que reprimir; tamanha evidência parece distante de nossas

concepções (AMARAL, 1999, p.1).

Nesta temática, talvez a única verdade inquestionável seja o fato de que o

crime é produção sociocultural, ou seja, seus elementos condicionantes têm esta

etiologia.

Com efeito, o comportamento agressivo gerador da criminalidade, deriva de fatores inerentes à personalidade e de fatores situacionais, tais como: frustrações, influência de modelos agressivos, o efeito modelador da permissividade, sobretudo, nos meios de comunicações e na família, o relativismo moral e o declínio da normatividade íntima (independente de juízos valorativos) da religião, tudo isto se não é determinante, por certo, é fortemente condicionante (SCHWARZ, 1997, p.18).

Com tais elementos presentes, a convivência social está potencialmente

ameaçada. Neste sentido, os crimes poderiam ser classificados em:

− Crimes patológicos (derivam de doenças do corpo e/ou da mente);

− Crimes passionais (associado à violenta tensão que pressiona o agir);

− Crimes por opção (decorrem da franca falência do poder intimidatório do

Estado, eis que o agente elege a alternativa da infringência das regras

penais).

É nesta última classe de crimes que se encontra a grande maioria dos delitos

mais preocupantes, nos dias correntes. Percebe-se, diante do exposto, que a

redução da criminalidade e da violência e a garantia da segurança dos cidadãos são

hoje grandes desafios tanto para as autoridades federais, estaduais, municipais

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como para a sociedade, pois a violência atinge níveis epidêmicos em algumas

regiões do Brasil.

O crime organizado corrompe e enfraquece organizações públicas e privadas, até mesmo aquelas responsáveis pelo controle da criminalidade e da violência. A sociedade hoje tem pouca confiança nas organizações policiais e no sistema de justiça criminal (BRASILIANO, 2002, p.19).

É sabido que a violência mais gravosa ocorre com maior intensidade nos fins

de semana, especialmente nas metrópoles, onde são registrados elevados índices

de roubos, acidentes automobilísticos, homicídios... No município de São Paulo, o

Instituto Fernand Braudel de Economia Mundial desenvolveu em 2001 um

acompanhamento das ocorrências de roubo a ônibus. Constatou-se que havia uma

concentração desses delitos em algumas horas do dia (das 18 às 23 horas) e,

sobretudo na sexta-feira (início do fim de semana) (OLIVEIRA, 2002, p.186-199).

Embora as casas noturnas focadas nesta pesquisa estejam localizadas em

bairros nobres – onde as taxas de homicídios são relativamente baixas quando

comparadas ao subúrbio soteropolitano, denominada pela CONDER como “Miolo de

Salvador” -, os policiais que nelas trabalham estão expostos à violência ocorrida com

mais intensidade no período noturno, quais sejam elas decorrentes de: lesões

corporais, brigas, rixas, acidentes automobilísticos, que estão usualmente

relacionadas ao abuso de drogas lícitas e ilícitas ocorridos nos ambientes festivos.

O diagnóstico da questão da Segurança Pública no Brasil revela o

crescimento contínuo da criminalidade e da violência a partir dos anos 70, esse

incremento considerável teria sido motivado pelos variados fatores, tais como:

− Aumento da população jovem; taxas elevadas de desemprego;

− Manutenção das desigualdades sociais;

− Crescimento do crime organizado;

− A falta de articulação entre as polícias dos Estados e destas com a esfera federal;

− Insuficiência do Judiciário e Ministério Público;

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− A falta de treinamento e de remuneração adequada aos profissionais da segurança pública;

− As violações aos direitos fundamentais dos cidadãos na rotina de policiamento e de investigação criminal;

− A falta crônica de vagas no sistema carcerário; leis penais antiquadas para a realidade do crime organizado, entre outros (BRASILIANO, 2002, p. 17-21).

A violência sempre foi, é e sempre será um aspecto importante da vida

humana. Para nossa infelicidade, parece que a violência civil existirá sempre e

provavelmente crescerá até que as atuais pressões demográficas e confusões

morais desapareçam no pretérito, deixando um lugar para diferentes problemas a

importunar as futuras gerações. Não há solução mágica e fácil, pois teremos que

conviver com a violência, tentando minimizar seus danos, custos e impactos na

medida do factível (McNEILL, 2002, p.31).

2.2 Conceito de Polícia e Policiamento

A polícia, como uma instituição mantida pelo governo, regulada por leis e tem

como atribuição constitucional a segurança pública, não pode manter a política de

segurança pública de “um por si, e o Estado por todos”, já que as pessoas, em tese,

estão integradas em um todo do tecido social, mas com vulnerabilidades distintas,

principalmente com base na capacidade econômica.

Segundo Amaral, originariamente, polícia era conjunto de funções

necessárias ao funcionamento e à conservação da cidade-Estado (polis grega, daí a

etimologia de polícia e civita romana, daí civil, isto é, inerente à civita). Civil era, pois,

derivação de cidade (conceito político e não urbanístico) e logo Direito Civil (o Direito

dos nascidos na civita romana) e cidadão – aquele a quem é dado o direito de influir

na gestão da coisa pública, da civita (daí república: res (coisa)+publica). Militar era

(e é) antítese conceitual de civil, no sentido primitivo os que se domiciliavam na

cidade - os civis - e os que estavam fixados fora da civita - os militares -

(AMARAL,2002,n.54).

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Assim, os corpos militares (as legiões romanas) eram sediadas fora dos

limites da cidade para defendê-la dos invasores (os bárbaros) e não podiam adentrá-

la sem permissão do governo.

Dentro das civitas, só bem depois (já final do império romano) é que vai ocorrer o fenômeno do pretorianismo, militarização transitória de determinadas funções estatais ligadas à segurança pública (cessada a excepcionalidade retornava-se à normalidade civil) e amiúde usado como instrumento de conquista, manutenção e exercício forçado do poder - que já perdera muito de sua força sobrenatural que tanto fortaleceu as cidades-Estados – (AMARAL,2002,n.54)

Isto vem de explicar o fenômeno político, já histórico, denominado militarismo

(degeneração profissional que culmina com o controle da vida civil pelos

especialistas da defesa externa e hoje, também, interna, mas neste caso apenas por

exceção e requisição do supremo magistrado civil).

Assim, na essência, policiar é civilizar, porquanto a vida civilizada (vida na

civita, em comunidade) implicava e implica em refreamentos do que não é civilizado,

do que não é urbanidade (civita e urb, são raízes latinas para a idéia de virtude, a

arte dos gregos clássicos). É muito significativo o distanciamento, quase

esquecimento, em nossos dias, dessa função precípua e eterna da instituição

policial, sua razão de ser corrompeu-se, deturpou-se.

A polícia mais visível a todos é a de segurança pública (o braço mais forte e

armado do Direito a serviço da municipalidade, não fosse a debilidade de nossos

municípios) e por isso mesmo, metonimicamente, todos tendemos a confundi-la,

enquanto parte, com o todo. Confunde-se, também, polícia-função (sentido original)

com polícia-corporação (sentido usual).

Modernamente e na medida em que os tradicionais meios de controles do

homem (o freio mítico da Antigüidade politeísta, o do cristianismo medieval...)

desapareceram ou perderam força e novos fatores anti-sociais surgiram, a polícia se

especializa e, hoje se apresenta com duas funções:

− A tradicional polícia preventiva (administrativa, p/alguns), de proteção

individual e coletiva;

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− A moderna polícia judiciária, ou seja, atividade policial repressiva (judicial)

ao crime e de auxílio à justiça penal (investigação cientifica dos crimes).

Confunde-se também a necessidade de polícia fardada (e até de disciplina e

hierarquia) com a necessidade de ser militar a sua formação (cultura) profissional.

Como refere Catarina Sarmento e Castro, o conceito de polícia é encarado

em diferentes perspectivas.

Na perspectiva da atividade material de polícia, que pressupõe uma finalidade própria, distinta das demais formas de atividade administrativa que concorrem para a satisfação do interesse público, e num sentido orgânico ou institucional, enquanto conjunto de órgãos e agentes pertencentes a serviços administrativos cuja função essencial consiste no desempenho de tarefas materiais de polícia(SARMENTO & CASTRO, 1990, p. 16).

A mesma autora, Sarmento e Castro (1990, p.29 e p.30), afirma ainda que a:

Doutrina tradicional portuguesa construiu um conceito de polícia apoiado em dois diferentes perfis: o perfil funcional, considerando a polícia a atividade administrativa que se exerce mediante a imposição de restrições aos direitos dos particulares, incluindo, se necessário, o uso da força, e o perfil material, que já destacava a necessidade de afastar os perigos para os interesses sociais gerais.

Diogo Freitas do Amaral (2001, p.162) define as formas de exercício dos

poderes de polícia como “aqueles que impõem limitações à liberdade individual com

vista a evitar que, em conseqüência da conduta perigosa dos indivíduos, se

produzam danos sociais”, depois o autor apresenta como exemplos os

“regulamentos de trânsito, os regulamentos sobre instalação e funcionamento de

indústrias insalubres, ou ainda os regulamentos sobre a utilização de material

elétrico”. Ainda sobre o poder de polícia, Celso Antônio Bandeira de Mello

(MELLO,2005, p.768) descreve como “a atividade estatal de condicionar a liberdade

e a propriedade ajustando-as aos interesses coletivos...”. Deve ainda referir-se que a

competência para a sua emissão está reservada às autoridades de polícia.

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A vigilância, por sua vez, consiste na atividade, de natureza preventiva e

antecipatória, destinada à recolha de informações que habilitem as autoridades de

polícia a prevenir quaisquer possíveis perturbações e a adotar as necessárias

providências para fazê-las cessar quando se produzam, ou para identificar os seus

autores.

Essa atividade vem tradicionalmente decomposta em dois pólos: o geral, que

se traduz, segundo Caetano (1994.p.1165): “na observação constante da conduta

dos indivíduos nos lugares públicos e de todas as atividades que nestes decorrem”;

e o especial, que é aquele que “segue o desenrolar de certa forma de

atividade”.Neste sentido, os atos de polícia seriam atos administrativos

especializados pelo fato de serem emitidos por uma autoridade de polícia no

exercício das suas competências. São também por isso atos unilaterais e

imperativos dirigidos aos particulares, os quais lhe devem estrita obediência e

garantidos pela execução prévia. Neles destacam-se as medidas de polícia.

Quando nos referimos à polícia e a procuramos entendê-la, percebe-se,

desde o início, que se estabelece entre ela e o conceito de ordem pública, uma

relação de estreita proximidade, nomeadamente, quando referida aos fins da polícia.

José Ferreira de Oliveira, neste sentido, escreve que para o “direito administrativo, a

referência à ordem pública é normalmente entendida como o fim da polícia

administrativa geral”, lembrando que a mesma se decompõe na clássica trilogia de

“segurança pública, tranqüilidade pública e salubridade pública” (FERREIRA DE

OLIVEIRA, 2000, p.11).

As melhores raízes do conceito de ordem pública, buscam-se nos estudos de

Maurice Hauriou (1919), que a definia como a “ordem material e exterior considerada

como uma situação de fato oposta à desordem, um estado de paz oposto ao estado

de perturbação (‘trouble’)” (SARMENTO E CASTRO,1999, p.207).

Entende-se que, polícia e ordem pública seguem comumente juntas,

importando por isso, precisar com especial cuidado, o conceito de ordem pública

prevalecente na nossa doutrina. Para o professor Jorge Miranda, ordem pública

significa o:

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Conjunto das condições externas necessárias ao regular funcionamento das instituições e ao pleno exercício dos direitos individuais, referindo-se aquelas condições externas não tanto por se tratar da ordem nas ruas, mas antes porque estão em causa fatores exteriores aos direitos e circunstâncias envolventes do seu exercício (MIRANDA, 1994, p.5).

Também José Ferreira de Oliveira apresenta uma noção de ordem pública por

referência aos fatos e à lei: “por referência aos fatos – a ordem pública é vista como

a ausência de toda a perturbação material ou a ausência de desordem” (FERREIRA

DE OLIVEIRA, 2000, p.17). Definindo-se pela negativa. Neste sentido, Maurice

Hauriou considera que “ordem pública é a ordem material e exterior considerada

como um estado oposto à desordem, isto é, uma situação de paz pública oposta a

uma situação de alterações à ordem ou insegurança” (HAURIOU, 1938, p.511).

Vivenciamos uma era de mudanças velozes, em virtude de uma profunda

análise epistêmica dos arcaicos paradigmas. A todo instante os conceitos

paradigmáticos de polícia repressiva sofrem um processo de mudança. Autores

como Bayley e Soares, compreendem que o simples uso repressivo da polícia não é

um mecanismo eficaz o enfrentamento do crime A submissão das polícias às

análises da comunidade científica é muito recente.

Conforme Bayley, uma das razões da polícia não ter sido colocada à prova ou

estudada é o fato de só ter sido percebida em momentos cruciais de repressão

política. É difícil encontrar na literatura informações a respeito das polícias (BAYLEY,

2001, p.16). As polícias e as prisões permaneceram à margem do processo e, em

virtude desse desleixo coletivo, nossa sociedade está pagando um alto preço

(SOARES, 2006, p.111).

Para se compreender a instituição policial é necessário citar os elementos

que constituem a polícia: a exclusividade no uso legítimo da força, a atuação interna

e a autorização coletiva – legitimidade – (BAYLEY, 2001, p.20).

Essa exclusividade do uso da força é uma característica essencial da polícia

moderna, embora existam outros segmentos que usam da força para restaurar a

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ordem ou influenciar no comportamento das pessoas ou de grupos sociais.

Todavia, o uso legítimo da força é uma exclusividade das Polícias. É necessário ao

policial ter autorização para utilizar a força. Sem essa autorização o policial não seria

reconhecido (BAYLEY, 2001).

Apenas o policial, está equipado, autorizado e requisitado para lidar com

qualquer exigência para a qual a força deva ser usada para contê-la, contudo, se

este policial não tiver a autorização para utilizar a força física, tornar-se-á

irreconhecível. Há outras comunidades que exercem a força, como forma de

coerção, mas o policial é o único executivo da força. (BAYLEY, 2001, p.20).

A polícia deve e pode fazer uso da força, no desempenho de sua missão, de

forma tal que esse uso não vá além do necessário não se constituindo força

excessiva ou uma ação violenta por si só. É considerado uso legítimo da força, a

utilização desta, pelas polícias modernas, até o momento em que a extensão das

medidas utilizadas para conter a resistência não ultrapasse o limite mínimo do seu

uso. O uso legítimo da força somente é admitido quando se faz necessário a

autodefesa, com o objetivo de coerção ou na constituição de força policial para atuar

em nome de terceiros.

A formação dos policiais é dirigida à atuação em um ambiente delimitado . As

atividades rotineiras são voltadas para um grupo de pessoas pertencentes a uma

sociedade previamente definida. Os policiais são treinados e formados para agirem

dentro da legalidade, dentro de um espaço territorial delimitado e agir de acordo com

a demanda dos cidadãos. A previsão de uso interno da força é fundamental para

excluir exércitos, para desvincular a função policial da atuação dos exércitos

(BAYLEY, 2001, p.20).

A Autorização coletiva (legitimidade) se concebe

na seguinte hipótese: quando a força é utilizada pela sociedade privada, o termo,

Polícia, é totalmente excluído; todas as pessoas podem prender,, mas a polícia deve

e detêm a legitimidade de usar a força para executar as suas tarefas e cumprir a sua

missão. As polícias não se distinguem somente por ter exclusividade em utilizar a

força, mas pelo fato de ser legítimo o seu uso.

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Três são os fatores constitutivos principais das polícias modernas, a saber: o

caráter público da polícia, a necessidade de especialização e a importância

incondicional de sua profissionalização. Esses atributos são indispensáveis para

distinguir a polícia dos demais segmentos e instituições que exercem controle social.

O caráter público das instituições policiais é definido pelo aspecto de ser paga

por e controlada pelas comunidades (governo), agindo coletivamente. Não se pode,

portanto, confundir polícia pública com a polícia privada, pois esta não é paga ou

direcionada para a coletividade. A credencial é condicionada à formação, orientação,

pagamento e controle por parte das comunidades, sendo que a polícia pública tem

como prioridade o cumprimento da Lei fazendo uso legítimo da força. (BAYLEY,

2001, p.36).

A especialização caracteriza-se quando as agências são direcionadas a se

concentrar principalmente na aplicação de força física. Esta característica é

fundamental para que possamos mensurar os impactos da utilização da força física

dentro de um sistema governamental. Com a nova realidade social e o crescimento

dos crimes violentos, tráfico, crime organizado, etc., a especialização das polícias

vem crescendo; observa-se, por exemplo, a criação de batalhões e unidades

especiais para esse tipo de enfrentamento nas Polícias: Civil, Militar, Federal e

Rodoviária Federal. Uma força policial especializada concentra suas forças na

solução e redução da violência, enquanto que outras forças policiais não

especializadas podem fazer muitas coisas além de usar somente a força. (BAYLEY,

2001, p.25).

A profissionalização reflete diretamente na qualidade do serviço prestado pelo

policial. Profissionalização refere-se a uma preparação explícita para realizar

funções exclusivas da atividade policial. O policial truculento e desprovido de

alteridade não é mais regra nas instituições policiais e sim exceção. O profissional

deve ser recrutado por mérito, treinado, disciplinado e ter evolução em sua carreira.

O uso de tecnologias modernas, autonomia, discrição e neutralidade na aplicação da

lei devem ser exploradas para alcançar um fim desejável (BAYLEY, 2001, p.25).

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Segundo o dicionário Aurélio Ferreira, a palavra qualidade pode ter, entre

outros, os seguintes significados:

Propriedade, atributo ou condição das coisas ou das pessoas capaz de distingui-las das outras;

Excelência de alguém ou de algo; (FERREIRA, 2005, p. 718).

Pelo que se pode depreender dos significados que o dicionário traz para o

verbete qualidade, observa-se que esta palavra surge inicialmente como atributo de

um produto. É, para o dicionarista, uma noção de valor que se recai sobre

determinada pessoa ou coisa. E, ao mesmo tempo, é um sistema de valores que

avalia a qualidade de algo, quer seja para sua recusa quer seja para a sua

aprovação.

2.3 Caracterização da Atividade Policial Privada

A segurança privada teve seu surgimento no século XIX nos Estados Unidos.

Em 1820, o norte-americano Allan Pinkerton organizou um grupo de homens para

dar proteção ao então presidente Abrahan Lincoln. A partir de então foi fundada a

primeira empresa de segurança privada do mundo, a Pinkerton’s.

No Brasil, o setor surgiu na década de 60 com ao aumento de assaltos a

instituições financeiras para proteger o patrimônio, pessoas e realizar transporte de

valores. Somente no dia 20 de junho de 1983, a segurança privada ganhou

regulamentação específica A Lei 7.102 instituiu normas de constituição e

funcionamento das empresas particulares que exploram serviços de segurança

privada. No Estado da Bahia, informações obtidas nos bastidores – entre colegas

policiais -, o “bico” policial relacionado à segurança privada teve seu início quando

uma famosa rede de Super-Mercados contratava policiais, durante seus períodos de

folga, para executarem serviços de segurança armada no transporte de valores, no

princípio dos anos oitenta do séc.XX.

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Um número pouco superior a 2500 (duas mil e quinhentas) empresas de

segurança privada geram pouco mais de 333 mil postos de trabalho formais e

diretos. Estes números crescem a cada dia devido ao aumento da demanda por

estes serviços. Os setores da segurança privada correspondem às atuações em

vigilância (ostensiva) patrimonial das instituições financeiras e outros

estabelecimentos públicos ou privados; a segurança de pessoas físicas; o transporte

de valores ou a garantia de transporte de qualquer tipo de carga (escolta armada); e

os cursos de formação de vigilantes – vide Tabela 1.

Tabela 1 – Vigilantes em atuação nas empresas de segurança por região – 2006

Brasil 333.720 100% Região Norte 17.654 5,29%

Região Nordeste 49.627 14,87% Região Sul 54.700 16,39%

Região Sudeste 187.818 56,28% Região Centro-Oeste 23.921 7,17%

Fonte: SISIVIP/DPF-2006

Conforme dados obtidos na PNAD (Pesquisa Nacional por Amostras de

Domicílio entre os anos: 1985 a 1995 – IBGE), o setor de segurança privada cresceu

112%, evidenciando que há um fenômeno de franca ascensão em curso no nosso

país, similar ao que ocorre em vários países do mundo, especialmente nos situados

na Américas, na Europa e Japão.

Para se ter um panorama dos serviços de vigilância quanto à sua renda

proporcionada, em agosto de 2006, publicou-se portaria do MPOG (Ministério do

Planejamento, Orçamento e Gestão), que estabelece um limite máximo de preço dos

serviços contratados por órgãos públicos, conferindo especificidades de acordo com

o Estado, o turno e a quantidade de horas trabalhadas.

A Tabela seguinte demonstra o preço mensal dos postos: (vide tabela 2)

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Tabela 2 – Preço unitário do serviço de vigilância

SERVIÇO DE VIGILÂNCIA - PREÇO MENSAL DO POSTO (Portaria nº 03, 16 de agosto de 2006 - Secretaria de Logística e Tecnologia da Informação do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão) Limite Máximo para Contratação e Repactuação dos Serviços (em R$):

UF Posto 12 x 36 horas

diurno Posto 12 x 36 horas

noturno Posto 44 horas / semanais

diurno

AC 3.470,00 4.000,00 1.870,00

AL 2.760,00 3.170,00 1.510,00

AM 3.630.00 4.100,00 1.940,00

BA 3.080,00 3.770,00 1.650,00

CE 3.370,00 3.700,00 1.800,00

DF 6.050,00 6.620,00 3.250,00

ES 3.560,00 4.260,00 1.910,00

GO 3.730,00 4.330,00 1.980,00

MA 3.150,00 3.650,00 1.680,00

MG 4.580,00 5.400,00 2.390,00

MS 3.220,00 3.540,00 1.720,00

MT 2.940,00 3.400,00 1.570,00

PA 3.610,00 4.190,00 1.910,00

PB 3.170,00 3.460,00 1.670,00

PE 3.750,00 4.220,00 1.980,00

PR 5.120,00 5.600,00 2.710,00

RJ 3.850,00 4.450,00 2.060,00

RN 3.590,00 4.310,00 1.870,00

RO 3.330,00 3.840,00 1.800,00

SC 3.830,00 4.370,00 2.050,00

SE 3.450,00 3.890,00 1.800,00

SP 4.930,00 5.650,00 2.650,00

TO 3.660,00 4.260,00 1.910,00 Fonte: Secretaria de Logística e Tecnologia da Informação do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão

Vale acrescentar que os serviços autorizados são: vigilância; segurança

orgânica; segurança patrimonial; segurança pessoal; curso de formação; escolta

armada e transporte de valores. Para a qualificação de Vigilantes de empresa de

segurança privada, exige-se que este tenha, no mínimo, 21 anos, seja brasileiro;

curso de vigilante – com aprovação e de formação: autorizado; seguindo da

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aprovação em exame de saúde física, mental e psicotécnico; além de estar quite

com obrigações eleitorais e militares; e, principalmente, não ter antecedentes

criminais, (Lei. 7.102, 1983, art.16).

A regulação da atividade de segurança privada – assenta, pois, na idéia de

que é legítimo aos particulares zelarem pela sua segurança pessoal, porém que isso

não lhes confere uma inteira liberdade de escolha dos meios de concretização dessa

segurança. Vale ressaltar que o reconhecimento de que a salvaguarda da segurança

não é um atributo exclusivo do Estado representa, só por si, um avanço importante.

Por outras palavras, o Estado reserva o monopólio do uso da força, mas não possui

o monopólio de satisfazer a necessidade coletiva de segurança

Segundo Brasiliano:

A atividade de segurança privada obriga-nos a introduzir algumas precisões. Desde logo, porque a dimensão positiva do direito à segurança deixa de ser realizada exclusivamente pela proteção dos poderes públicos: as entidades privadas concorrem, subsidiariamente, através de atos instrumentais e localizados, para a concretização da dimensão positiva do direito à segurança. Mas, ao mesmo tempo, estão também vinculadas, tal como as entidades públicas, ao respeito pela dimensão negativa do direito à segurança, ou seja, esta dimensão negativa também se manifesta em relação às eventuais agressões pelos ‘poderes privados’ (BRASILIANO, 2002, p.21).

Por outro lado – e este é um dado crucial – tendo, um caráter instrumental e

subsidiário, a segurança privada não pode exercer funções que são da competência

exclusiva das entidades públicas. Assim, por exemplo, sendo lícito que realizem

estudo de segurança, os serviços privados não podem, todavia, desenvolver

atividades de recolha e produção de informações de segurança interna que

competem em exclusivo ao Serviço de Informações de Segurança (BRASILIANO,

2002, p.21).

É certo que o reconhecimento de espaços de segurança privada comporta

alguns riscos. Desde logo, existe o perigo de o Estado “privatizar” excessivamente o

dever à salvaguarda da segurança interna. Por outras palavras, corre-se o risco de

se perder de vista a distinção entre público e privado no domínio da segurança

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interna. Refutando essa tese de que o Estado não mais se diferenciará do setor

privado em um futuro próximo, Robert, Phillippe observa:

Não existe esta coisa de privatização pura: a ação do Estado não desaparece. Ela simplesmente se mistura com o fundo em alguns tipos de caso, e é combinada com vários padrões de administração de segurança. Em certo sentido, a privatização não existe. Os sistemas de segurança privada(internas ou contratadas de fora) não substituem os órgãos públicos que eram, anteriormente, controlados pelo Estado: agora, eles são órgãos que são adicionados aos sistemas anteriores e são combinados com eles (PHILLIPPE, 1988, p.112).

2.4 O Mandato Policial e a Segunda Ocupação

É verdadeira a afirmação de que o policial pode ser dissuadido de realizar

suas intenções, em algumas ocasiões, recua diante da oposição, e que por variadas

razões, eventualmente desiste de completar o que iniciou. Entretanto a própria razão

de existir da polícia implica na hipótese de existirem crises que, no momento e no

lugar onde ocorrem, devem ser enfrentadas de maneira coerciva. A responsabilidade

de ser policial consiste em lidar com todas as situações em que a força pode ter que

ser utilizada e a maior habilidade daquele é demonstrada pela capacidade de evitar

o uso da força, a não ser que esta seja absolutamente imprescindível (BITTNER,

2003, p.36).

Difícil é descobrir uma profissão em que há mais oportunidade e maior

tentação de corromper-se do que a de policial. Certamente, existem setores no

policiamento que estão mais sujeitos ao risco de corrupção do que outros, por

exemplo, aqueles policiais que se envolvem com prostituição, drogas e jogatina.

Outra forma de corrupção policial, mais difícil de tipificar e punir é o abuso de

poder. Muitos policiais quando estão “policiando”, envergonham, insultam, intimidam

e agridem os cidadãos, notadamente pertencentes às classes de menor poder

político, econômico e social. Excetuam-se, porém, motivações políticas usadas

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indevidamente para denunciar supostos abusos cometidos. A respeito das

motivações que determinam esta má conduta:

Entre os fatores que contribuem para o abuso do poder policial estão incluídos os traços da personalidade do policial enquanto indivíduo e a ausência de controle por parte do departamento; mas a causa principal é a incompetência profissional. O trabalho policial é uma ocupação extraordinariamente complexa, difícil e séria, que freqüentemente exige grande habilidade e capacidade de julgamento. [...] Tendo em vista o modo displicente como os policiais são recrutados, treinados e supervisionados, não surpreende que policiais altamente habilitados constituam uma minoria. Isso acontece porque, de modo injusto, o trabalho policial é considerado como uma ocupação de baixo gabarito, e aqueles considerados adequados para exercê-la são, portanto, julgados exatamente por se adequarem às tarefas mais simples do policiamento mais do que às suas tarefas mais difíceis (BITTNER, 2003, p37 e 38).

Algumas considerações devem ser destacadas a respeito da natureza do

trabalho policial, pois aqueles que pretendem ingressar na carreira, devem saber

que: o policiamento é uma ocupação complexa, exige conhecimento e habilidade e,

o mais determinante é que, aqueles que o exercem são imbuídos de um poder

bastante considerável para utilizar a força quando for necessária; o policiamento não

constitui uma técnica, tal como a contabilidade, ao invés, faz grandes exigências em

termos de experiência e de julgamento; diferentemente da pessoa comum do povo,

que tende a responder com raiva, medo ou repugnância, o policial deve proceder

metodicamente nas ocasiões em que a norma seria ter uma reação impulsiva.

A maioria dos policiais trabalha só ou acompanhado de um parceiro, o que

exige uma grande dependência de suas habilidades, conhecimentos e julgamentos,

devendo estarem prontos para concluírem o que iniciaram por iniciativa própria;

mais do que outra ocupação, o policiamento oferece circunstâncias ,as mais

variadas, para a prática de corrupção, desídia e abuso de autoridade, ocasionando a

utilização da polícia como mecanismo de opressão.

Entendendo-se que dos policiais exige-se que se tomem decisões sérias,

parece um desfio à lógica aceitar e contratar candidatos capazes de apenas a

atender a comandos simples. A qualidade destes profissionais deve ser aumentada

através de um aumento das exigências educacionais e de recompensas dos policiais

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que elevam suas qualificações educacionais. Embora isso constitua, na melhor das

hipóteses, em uma medida paliativa, pois pode criar tantos problemas quanto

resolver outros, senão pode-se imaginar quão difícil deve ser convencer pessoas

jovens talentosas e ambiciosas de que o policiamento oferta uma carreira que traz

satisfação(BITTNER, 2003, p.38).

Constatações verificadas no dia a dia de nossas corporações policiais

brasileiras apontam que há uma quantidade considerável de jovens competentes

que ingressam nessas instituições, se capacitam no intuito de seguir uma outra

carreira profissional – freqüentando um curso superior ou pós-graduação - ou, até

mesmo, dedicando-se com mais afinco a uma segunda atividade laborativa (bico).

Clifford D. Shearing em um artigo, intitulado: “A Relação entre Policiamento

Público e Policiamento Privado”, descreve esta convivência da seguinte maneira:

Em muitos países, o número de empregados nos ógãos de policiamento privado é igual ou supera o de empregados no policiamento público. Acentua-se a mudança nas concepções que regem as relações entre policiamento público e policiamento privado. O enfoque das funções da polícia centrado no Estado depreciava as “organizações militares privadas” e via a manutenção da ordem como uma função essencialmente do governo. Em décadas recentes, cresceu uma visão de não-intervencão, típica do laissez-faire, que louva “as parcerias público-privadas” e vê o policiamento privado como uma indústria que fornece tanto um serviço como um benefício públicos. Até que ponto é prudente privatizar a manutenção da ordem e quais as prováveis direções que isso vai tomar é questionado por teóricos sociais (SHEARING, 2003, p.427).

:

Em estudos fomentados pelo Instituto Nacional de Justiça dos Estados

Unidos da América – realizados por Reiss Jr., e Albert J., em 1988 -, analisaram “o

emprego privado da polícia pública”. Cerca de 20 a 30% de todo o efetivo da polícia

pública estava comprometido em “empregos de segurança fora da hora do

expediente”. Estas pessoas eram contratadas por empresas privadas (como

seguranças internos) ou pelas forças policiais privadas (firmas de segurança

contratada). O que mais chamou a atenção foi a preocupação de que o que estava

comprado não era tão somente mais um empregado mas a autoridade do Estado

cumulada a uma licença emitida pelo Estado para usar a força física(SHEARING,

2003, p.445).

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Os chefes de polícia, à época da pesquisa, utilizaram o argumento de que

contanto que se tomassem as cautelas devidas para se garantir que os policiais,

mesmo de folga, estivessem colaborando com a manutenção da paz, considerando-

se que os mesmos eram remunerados pela iniciativa privada para fazerem o que era

exigido do próprio Estado. Reiss analisa até que medida esse ponto de vista

defensivo poderia ser verídico ao perceber os métodos usados pelas polícias

públicas para garantir aos policiais que estivessem de folga, efetivamente, estariam

a serviço do público quando estivessem sendo pagos privadamente. E encerra,

afirmando “... podem existir métodos satisfatórios de controle, defendendo o

emprego de policiais fora do horário de trabalho desde que o uso privado desses

policiais contribua para o bem público.” Recomenda um “maior controle sobre os

empregadores privados e sobre o policial, durante as tarefas exercidas fora do

horário de trabalho” (SHEARING, 2003, p.446).

No final da gestão Brizola/Batista – no governo do Estado do Rio de Janeiro-,

em 1994, aprovou-se uma polêmica lei chamada de “Lei do Bico”, que tinha como

escopo legalizar e regulamentar a atividade complementar para policiais civis e

militares, sob o argumento de que já havia o envolvimento de 70% do efetivo

fluminense, sobretudo na vigilância privada e, em vários países desenvolvidos

(Alemanha, Estados Unidos, e.t.c.), permite-se o exercício do “bico” policial,

atendendo a certas normas e limites delimitados por Lei (MUSUMECI, 1998, p.6-7).

Entretanto, sob a alegação de contrapor o suposto golpe de força

representado pelo lobby dos empresários do setor ao auxiliar na aprovação da Lei

(nº2816/1994) que regulamentava a segunda ocupação policial, o governo seguinte

revoga-a e restabelece a proibição do bico ao membros da ativa na polícia

fluminense.

Ora, “Se a polícia pública pode satisfazer a demanda de um empregador

privado por serviços policiais, de forma que seja superior àqueles fornecidos pela

segurança privada, enquanto, ao mesmo tempo aumenta a capacidade preventiva e

restritiva da polícia pública, deve haver bons motivos para organizar o encontro de,

pelo menos, algumas dessas demandas, através do emprego regular, ao invés do

secundário, dos seus policiais” (SHEARING, 2003, p.446).

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Colocações como estas, representam o pensamento do setor privado como

auto-intitulado um “avalista da paz” e possuidor de um dos protagonismos na

estrutura integrada de policiamento público e privado.

O governo canadense fomentou um estudo, lançado pelo procurador geral do

Canadá, onde todo esforço deve ser implementado para a completa integração dos

esforços de policiamento, sejam eles oriundos de recursos públicos ou privados,

utilizando, inclusive as próprias comunidades e toda sua capacidade de

policiamento. Visão esta, que nos remete à idéia do antigo princípio inglês de

frankpledge, que obrigava às próprias comunidades a garantirem por, si mesmas, a

manutenção da paz e, consistia em um sistema que obrigava o senhor mais velho de

uma determinada comunidade a ser o responsável pela conduta de todos os

membros, efetuando uma “parceria” com os oficiais da corte em seus esforços para

assegurar a paz no reino . Seria, então, uma maneira de idealizar uma “parceria com

igualdade”, retirando, assim, a primazia do uso da força por parte do Estado -

desafiando a própria dominação do mesmo na definição da ordem-(SHEARING,

2003, p.447).

Um dos fatores que mais se destacou nesse sistema foi o fato de

praticamente ignorar as “conquistas” realizadas no âmbito das liberdades civis que

haviam manipulado os debates no princípio do século XX. O relatório canadense

possuiu, portanto, elementos muito mais “revolucionários” do que os

correspondentes americanos – RAND e Hallcrest -.

Notadamente essas transformações foram acentuadas a partir dos anos

cinqüenta, quando a concepção de Estado centralizado era, praticamente,

inquestionável e a representatividade política favorável ao envolvimento privado no

policiamento era incipiente. Atualmente, esse conceito de laissez-faire é considerado

majoritário na formação da consciência política que direciona a relação entre os dois

tipos de policiamento – público e privado.

Teóricos marxistas entendem que esta é mais uma faceta da aliança forjada,

para fins exploratórios, entre o Estado e as corporações objetivando o policiamento

seletivo com o objetivo de proteger a riqueza e o poder (SHEARING, 2003, p.448).

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Como um exemplo claro desta proteção seletiva, pode-se observar a presença

ostensiva de policiamento privado em ruas e logradouros públicos – na cidade do

salvador em alguns bairros “nobres” -, impedindo, inclusive, a livre circulação de

pessoas e veículos com a fixação de barreiras físicas. Situação jamais vislumbrada

em bolsões de pobreza onde, não há renda disponível para assegurar a contratação

desse serviço.

Recentemente, Alan Greenspan, ex-presidente do Fed (Federal Reserve

System) – Banco Central dos Estados Unidos da América -, e que por quase duas

décadas “ditou” os rumos da economia mundial, concedeu entrevista a uma revista

brasileira, vaticinando:

O mundo do capitalismo global é mais flexível, resistente, aberto, autocorretivo e adaptável do que antes. O controle dos governos sobre a vida diária dos cidadãos diminuiu, as forças do mercado substituíram alguns poderes que estavam nas mãos do estado e várias barreiras que impunham limites ao empreendedorismo foram eliminadas. Veja o caso da economia americana. Sua maior força é a resiliência proporcionada pela desregulação dos mercados financeiros e por uma maior flexibilidade dos mercados de trabalho. E, mais recentemente, pelos grandes avanços da tecnologia da informação. Esses avanços vão ficar (Veja, pág.106,107;n.2026,set/2007).

Quando um dos mais admirados “papas” do pensamento da nova governança

neoliberal – doutrina que defende o mercado livre e restringe a intervenção do

Estado sobre a economia (HOUAISS, 2001, p.310) -, apregoa que a flexibilidade dos

mercados de trabalho é uma das condições para o êxito da economia americana,

deduz-se, por conseguinte, o quanto a flexibilização das lei trabalhistas, e sua

conseqüente perda de garantias para o trabalhador, pode ser de fundamental

importância no entendimento das questões relativas ao emprego de mão-de-obra

qualificada e mantida pelo Estado – como é o caso do policial - , com todas as suas

garantias institucionais e legais, possa também, em seu momento de folga, proteger

o patrimônio privado e seus interesses correlatos, ainda que haja várias implicações

ético-morais-legais no exercício dessa segunda atividade. É uma das características

do Estado capitalista moderno, capaz de criar mecanismos necessários para o

atendimento das demandas sócio-econômicas.

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Diante deste quadro, onde o capital é determinante na busca pelo exercício

dos direitos sociais dos cidadãos brasileiros – já que o Estado não tem conseguido

suprir as demandas -, quais sejam: moradia, lazer, educação, saúde, segurança,

trabalho, previdência social, proteção à maternidade e à infância, a assistência aos

desamparados (Constituição Federal, Art.6°, 1988); os servidores públicos buscam

alternativas para auferirem renda extra no período de folga e, em alguns casos, no

próprio horário de expediente, sob o argumento de tentarem manter o padrão de

vida diante das atuais perdas salariais.

É muito comum testemunharmos professores contratados em regime de

dedicação exclusiva, das Universidades Públicas - que, por dispositivo legal, teriam

que se dedicar exclusivamente ao ensino, pesquisa e extensão - realizando “bicos”

em outras atividades ou prestando serviços à iniciativa privada – denominados de

“biqueiros(as)”. Assim ocorre com várias carreiras no funcionalismo público, onde há,

tacitamente, impedimentos legais para que estes exerçam uma segunda atividade.

Com todos os elementos presentes no atual modelo sócio-econômico, entre

eles o empobrecimento da classe trabalhadora, seja ela pertencente à esfera pública

ou privada, “fazer um bico” é prática corriqueira e solução socialmente aceita no

Brasil para o enfrentamento da perda de poder aquisitivo. A banalização do exercício

do bico, assim como a naturalidade com que é vivenciada, é melhor compreendida

com esses aspectos sócio-econômicos.

Policiais civis e militares devem seguir os ditames legais previstos nos

estatutos dos servidores públicos do Estado da Bahia e nos estatutos específicos,

entretanto, parcela desses servidores se dedicam à segunda atividade,

especialmente na segurança privada de casas noturnas, transgredindo normas

atinentes às carreiras policiais.

Mesmo nos Estados Unidos, onde 85% do efetivo exerciam, à época, funções

privadas – de vigilância e outras – nas suas folgas (permitido pelos seus

regulamentos), a prática conhecida como moonlighting, gerava muita controvérsia e

tinha pouca aprovação dos chefes de polícias, que destacavam como problemas: a)

a queda de qualidade de ambos os serviços e a elevação de riscos decorrentes do

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esgotamento físico dos agentes com a dupla jornada de trabalho; b) a possível

responsabilização legal dos órgãos de segurança pública por abusos cometidos em

ocupações particulares; c) o conflito de interesses e lealdade daí derivado

(MUSUMECI, 1998, p.7).

Embora não seja o escopo dessa pesquisa efetuar uma análise jurídica sobre

esse tema – pois é prerrogativa das respectivas corregedorias policiais -, a título de

complementação das informações relacionadas à segunda atividade policial, serão

elencadas adiante, as infrações administrativas que podem ensejar advertência,

suspensão e até mesmo a demissão do servidor público civil –como é o caso dos

policiais civis – e dos servidores militares integrantes do quadro permanente de

servidores públicos do Estado da Bahia (entrevistados neste trabalho). Estão

destacadas as sanções administrativas que podem dar causa a demissão e, direta

ou indiretamente, podem estar ligadas ao exercício do bico (ANEXO A, B, C).

Pode-se supor a existência de variados tipos de infrações penais cometidas

nos ambientes pesquisados – casas noturnas -, particularmente nas boates, onde o

consumo de drogas lícitas e ilícitas, a prostituição, favorecidas pelo horário de

funcionamentom associado à conseqüente diminuição da fiscalização dos órgãos

competentes formam um “caldo de cultura” para a multiplicação das oportunidades

delitivas, a serem praticadas, ativa ou passivamente, pelo agente público.

O policial, enquanto representante do Estado, deveria agir como um guardião

da Lei, mas em virtude dos vínculos que possui com o proprietário do

estabelecimento – quer sejam eles de amizade ou empregatício – e do interesse de

auferir renda extra, abstem-se de exercer o seu mister. Essa atitude faz emergir no

servidor uma identidade ambígua e complexa – ora ele tem que punir os infratores,

quando por ocasião do trabalho público, ora os protege, quando atua no

policiamento privado.

Dos crimes contra a administração pública arrolados no Código Penal

Brasileiro (ANEXO D), talvez o que mais contextualiza essa situação é o previsto no

art.317:

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Solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou ante de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem: Pena – reclusão, de 2 a 12 anos, e multa.

§1°. A pena é aumentada de um terço, se, em conseqüência da vantagem ou promessa, o funcionário retarda ou deixa de praticar qualquer ato de ofício ou o pratica infringindo dever funcional.

§2°. Se o funcionário pratica, deixa de praticar ou retarda ato de ofício, com infração de dever funcional, cedendo a pedido ou influência de outrem: Pena – detenção de 3 meses a 1 ano, ou multa(Decreto Lei n.2848 de 07/12/1940).

A consumação da corrupção passiva ocorre com a solicitação ou aceitação da

promessa ou com o recebimento, independentemente da prática (ou omissão) do ato

funcional. Observe que a vantagem recebida pelo policial ao exercer a segurança

em locais onde ocorram crimes, pode-se configurar no fato típico acima descrito na

legislação penal. Quando o gerente do estabelecimento o contrata, pode estar

pleiteando uma tolerância maior para o cometimento destas ilicitudes, utilizando-se

da condição de corruptor ativo Assim, na prática o que o gerente faz é oferecer ou

prometer vantagem indevida a funcionário público, para determiná-lo a praticar,

omitir ou retardar ato de ofício (ou praticar infringindo dever funcional).

Esse ardil é utilizado pelo dono da boate, no afã de fomentar a proteção para

seu negócio ao mesmo tempo em que torna refém o agente da lei, em virtude da

cumplicidade com os ilegalismos cometidos ali. Contratar mão-de-obra regularizada

seria mais dispendioso para o empresário, já que teria de arcar com o pagamento de

todos os direitos trabalhistas - recolhimento de contribuição previdenciária;

pagamento de horas extras, adicional noturno, entre outros previstos na C.L.T.

(Consolidação das Leis Trabalhistas) -. Além disso, o empresário teria de lidar com

as severas restrições estabelecidas pela legislação vigente quanto ao emprego de

seguranças armados.

Acima de tudo, o pagamento deste tipo de prestação de serviço ao policial

representa uma alternativa muito atrativa. A contratação informal de policiais reduz

gastos com a omissão de vínculos empregatícios, com a burocracia estatal e com o

pagamento de impostos. Além da economia nos custos, a contratação informal de

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policiais para serviços de segurança em casas noturnas confere uma áurea de

“legalidade” ao negócio através do acobertamento dos crimes pelo agente do Estado

que deveria coibi-lo.

Outra ilegalidade flagrante cometida pelos funcionários públicos policiais – e,

em especial os policiais militares -, é a tipificada no Decreto-Lei n.2848/40 (ANEXO

D) em seu artigo 205 que dispõe: exercer atividade de que está impedido por

decisão administrativa: Pena – detenção, de 3 meses a 2 anos, ou multa. Exemplo

disso deu-se quando policiais do Distrito Federal e de Goiás, em seu horário de

folga, foram flagrados e indiciados pela Polícia Federal por estarem fazendo a

segurança pessoal armada de um Deputado Federal – bispo da Igreja Universal do

Reino de Deus -, no momento em que o mesmo transportava uma grande quantia

em dinheiro (FOLHA DE SÃO PAULO, 12/07/2005).

No mês de julho de 2005, na localidade de Cachoeirinha – às margens da Br-

423 -, a Polícia Rodoviária Federal prendeu, em flagrante delito, vinte e duas

pessoas, sendo 18 policiais militares e policiais civis lotados em Sergipe e alagoas.

Os mesmos foram acusados de portar armas ilegalmente e realizar escoltas

clandestinas a 37 ônibus de “sulanqueiros” , oriundos de Aracaju e Arapiraca com

destino à feira de Caruaru (DIARIO DE PERNAMBUCO, 19/07/2005).

Luiz Eduardo Soares analisa o bico como um paliativo valoroso em meio ao

naufrágio que é a vida do policial brasileiro, sufocado pela letargia de sua instituição.

Políticas ineficazes de segurança tentaram desenhar caminhos, mas acordos

corporativos inviabilizam mudanças estruturais conservando a entropia reinante.

Salários baixos, relações de poder autoritárias e pesadas, más condições de

trabalho, com unidades sucateadas, delegacias imundas, pouco incentivo à

formação e ausência de apoio psicológico sistemático. Essas tintas formam um

quadro triste que provoca náusea e vertigem. O bico seria um remédio para o enjôo,

uma compensação que às vezes passa a compensar (SOARES, 2000).

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3 METODOLOGIA

Neste item, pretende-se especificar o plano de pesquisa usado para o

desenvolvimento do estudo em tela, bem como os objetivos envolvidos nesse

estudo. A descrição dos objetivos vem em primeiro plano, seguida da classificação

da pesquisa, delimitação da população, escolha da amostra e finalmente, da

apresentação dos instrumentos de pesquisa e coleta de dados.

3.1 Objetivos

3.1.1 Geral

Identificar e avaliar as conseqüências da segunda ocupação policial sobre a

qualidade do serviço público de segurança em suas áreas de atuação: estudo de

caso dessas unidades em dez casas noturnas localizadas em cinco bairros de

classe média na orla da cidade do Salvador, no terceiro trimestre de 2007.

3.1.2 Específicos

― Avaliar a satisfação do servidor policial no serviço público e na segurança

privada.

― Identificar a atividade mais valorizada pelo policial – o serviço público ou o

serviço privado.

― Avaliar a interferência da atividade privada no serviço público prestado

pelo policial.

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3.2 Classificação do Estudo

Este estudo, face à natureza do problema descrito e das questões e objetivos

que orientam a investigação, apresentam uma característica fundamentalmente

qualitativa.

A pesquisa qualitativa trabalha com significados, motivos, aspirações,

crenças, valores e atitudes, o que corresponde a um espaço mais profundo das

relações, dos processos e dos fenômenos que não podem ser reduzidos a

operacionalização de variáveis (MINAYO, 1998, p.21).

Ao se classificar esse estudo em descritivo, pode-se inferir que a pesquisa

descritiva tem como objetivo principal a descrição das características de

determinada população ou fenômeno, ou então, os estabelecimento de relações

entre variáveis (GIL, 1991, p.46).

O estudo de caso, tratado aqui, possui como objeto uma unidade que se

analisa profundamente (TRIVIÑOS, 1987, p.133). O caso é uma unidade significativa

do todo e, por isso, suficiente tanto para fundamentar um julgamento fidedigno,

quanto para propor uma intervenção. É considerado também como um marco de

referências de complexas situações socioculturais que envolvem uma situação e

tanto retrata uma realidade quanto revela a multiplicidade de aspectos globais,

presentes em uma situação (CHIZZOTTI, 1998, p.102).

A unidade social que se buscou analisar de maneira profunda, nesse estudo,

foi o grupo de policiais que possuem uma segunda atividade (bico) nas casas

noturnas da cidade do salvador.

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3.3 Abordagem

Como caminho metodológico adotado, esta pesquisa caracteriza-se como

uma pesquisa de campo, utilizando-se também a pesquisa bibliográfica que permite

explanar teoricamente sobre os conceitos relacionados à temática em questão, no

cenário que se traduz a segunda ocupação policial sobre o serviço público – trabalho

e organização policial.

A tipologia do estudo se proporá a desenvolver uma investigação exploratória,

alicerçada por uma pesquisa de campo que levará em conta uma abordagem

eminentemente qualitativa.

3.4 Local

O trabalho de pesquisa foi realizado em 5 (cinco) casas noturnas localizadas

em bairros de classe média na orla da cidade do Salvador. Foram consideradas

casas noturnas os bares, restaurantes e boates que funcionam até altas horas da

noite (madrugada).

Destaca-se o contraste entre casas noturnas onde, algumas estão

direcionadas ao atendimento de uma classe com maior poder aquisitivo e outras

estão voltadas ao favorecimento da prostituição.

3.5 População e Amostra

No que diz respeito ao mapeamento e coleta de dados, quanto à natureza dos

dados a pesquisa constituiu-se pelo levantamento objetivo e subjetivo, primários e

também secundários tendo em vista que se promoveram coleta de opiniões,

sugestões, pesquisa documental e constatação de fatos in loco, na qual buscou-se

identificar, para posterior análise, as conseqüências da segunda ocupação junto aos

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policiais que atuam como seguranças privadas em casas noturnas, na cidade do

Salvador.

A presente pesquisa recorreu à amostragem por conveniência onde os 10

(dez) entrevistados foram selecionados atendendo aos seguintes critérios:

1) Ser policial e trabalhar, no período de folga, em casas noturnas;

2) Estar disponível a fornecer informações.

Os meios realizados para a seleção dos entrevistados são:

1) As sondagens realizadas em visitas às casas noturnas;

2) Indicações feitas pelos entrevistados (técnica da bola de neve).

.

Considerando esses critérios e prazo de entrega do trabalho, foi realizada

uma amostra por conveniência de 10 (dez) policiais entrevistados. Da amostra pode-

se o obter o seguinte perfil:

30% policiais civis e 70% policiais militares;

Média de 14,3 anos de serviço público e 7,4 anos de atividades particulares.

Houve uma identificação por códigos para revelar o contexto da atuação e

proteger a fonte da informação: P. C. (policial civil/ idade), P. M. (policial

militar/idade).

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3.6 Instrumento de Coleta de Dados

A coleta de dados referenciou-se nas seguintes fontes:

Os dados primários foram coletados a partir dos depoimentos obtidos em

entrevistas individuais semi-estruturadas. Essa técnica que se baseia no

estabelecimento de uma relação dialogal assimétrica entre pesquisador e

informante, proporcionando a participação de ambos na produção da entrevista e,

portanto, da geração de conhecimento (TRIVIÑOS, 1987).

Os dados secundários foram coletados a partir do material bibliográfico

(artigos de revistas, publicações, internet) e documental (legislação, regulamentos e

dispositivos legais) que serviram de base para a composição do marco teórico e

para a análise dos dados coletados através das entrevistas.

A utilização dessa técnica de coleta de dados objetivou conhecer as

representações dos policiais sobre as implicações da segunda ocupação para o

serviço público. Nesse sentido, o roteiro elaborado para o direcionamento das

entrevistas visou abranger os tópicos:

― Avaliação da satisfação do servidor policial no serviço público e na

segurança privada.

― Identificação da atividade mais valorizada pelo policial – o serviço público

ou o serviço privado.

― Avaliação da interferência da atividade privada no serviço público prestado

pelo policial.

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3.7 Tratamento dos Dados

O tratamento das entrevistas recorreu à análise do discurso. As categorias de

análise foram extraídas a partir do conteúdo apresentado no relato dos

entrevistados, tendo como referencial a revisão de literatura, os objetivos e o roteiro

de entrevistas.

Essa técnica é utilizada para estudar e analisar material qualitativo buscando-

se melhor compreensão de uma comunicação ou discurso, de aprofundar suas

características gramaticais às ideológicas e outras, além de extrair os aspectos mais

relevantes (BARROS E LEHFELD, 1991, p.70).

A análise do discurso consiste, sobretudo, numa técnica capaz de reduzir o

volume amplo de informações contidas em uma comunicação a algumas

características particulares ou categorias conceituais que permitam passar dos

elementos descritivos à interpretação ou investigar a compreensão dos atores

sociais no contexto cultural em que produzem a informação ou, enfim, verificando a

influência desse contexto no estilo, na forma e no conteúdo da comunicação

(CHIZZOTTI, 1998, p.99).

Esse método foi escolhido, pois se contatou que ele permite compilar as

informações e dados que não se apresentam explícitos a partir dos depoimentos

colhidos.

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4 RESULTADOS (DADOS TRATADOS)

A análise das entrevistas realizadas com os policiais representa a

interpretação dos mesmos a respeito das implicações da segunda ocupação para o

serviço público. Inicialmente, procura-se identificar a organização deste tipo de

trabalho (bico), abarcando-se a experiência adquirida, a jornada enfrentada e os

respectivos rendimentos e ganhos secundários obtidos. Em seguida, procura-se

verificar de que maneira são tratados pelos superiores, clientes e colegas de

trabalho (policiais). Adiante, busca-se analisar como essa atividade laborativa se

insere na motivação e se o servidor pretende abdicar do serviço público em favor do

particular. E, por fim, observa-se a mudança na concepção de cidadão, o

comprometimento com a sociedade e a má atuação no serviço público.

O conteúdo das entrevistas foi aglutinado em quatro grupos temáticos assim

descritos: Organização do Trabalho; Relações (Des)Humanas no Trabalho;

Realização no Trabalho e as Implicações Sociais da Segunda Ocupação para o

Serviço Público. O primeiro (“Organização do Trabalho”) foi desmembrado em

quatro outras categorias:

- experiência de trabalho;

- jornada de trabalho;

- rendimento mensal;

- precariedade das condições de trabalho;

O segundo eixo temático identifica as “Relações (Des)humanas” ocorridas

nos trabalhos público e privado e subdivide-se em três categorias:

- relações com seus superiores;

- relações com colegas da Polícia e os ganhos secundários;

- relações com os clientes.

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Terceiro grupo de temas, a “Realização no Trabalho” concentra as

interpretações dessas realizações em três sub-grupos:

- motivação;

- desmotivação;

- hipótese de abandono do serviço público.

O quarto e último eixo temático procura elucidar quais as “Implicações

Sociais da Segunda Ocupação para o Serviço Público” e comporta a

segmentação em três categorias:

- mudança na concepção de cidadão;

- comprometimento com a sociedade;

- má atuação na atividade pública.

4.1 – Organização do trabalho

Ao definir o trabalho como “o metabolismo do homem com a natureza”, em

cujo processo “o material da natureza é adaptado, por uma mudança de forma, às

necessidades do homem”, de sorte que “o trabalho se incorpora ao sujeito”, Marx

deixou claro que estava “falando fisiologicamente”, e que o trabalho e o consumo

são apenas dois estágios do eterno ciclo da vida biológica. Do ponto de vista das

exigências do próprio processo vital – a “necessidade de subsistir”, como o chamava

Locke – o labor e o consumo seguem-se tão de perto que quase chegam a constituir

um único movimento – movimento que, mal termina, deve começar novamente.

(ARENDT, 2001, p.110-111).

Uma das principais características encontradas em um sistema de

organização burocrática – típico das instituições policiais aqui mencionadas –

consiste em que as dificuldades, os maus tratos e as frustrações tendem a

desenvolver novas pressões que reforçam o clima de impessoalidade e

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centralização que o originou. O sistema de organização burocrática repousa na

existência de uma série de círculos viciosos, relativamente estéreis, que se

desenvolvem a partir de um clima gerado por esses elementos (COSTA, 2005, p.81).

Um desses círculos viciosos já instituídos nas organizações policiais no

Estado da Bahia é a escala de serviço (trabalho) designada para os agentes policiais

da atividade fim (operacional) – 24 horas de serviço por 72 horas de descanso -.

Essa escala, entretanto, sofre uma mudança quando se trata de servidores da

atividade meio que enfrentam jornadas semanais de 40 horas de trabalho

distribuídas durante os dias úteis (serviços administrativos de manutenção e

burocráticos). Percebe-se, portanto, que a cultura organizacional de órgãos

importantes como as Polícias baianas, possui uma característica marcante ao

penalizar os servidores - que empreendem seu ofício nas ruas em contato com a

população – com escalas mais exaustivas (diuturnas) além de maior quantidade de

horas trabalhadas durante a semana.

experiência de trabalho

A experiência adquirida com o trabalho é segmentada em duas análises

distintas: o saber obtido no serviço público e no serviço particular.

Quando inquiridos sobre o tempo de serviço policial público e privado,

respectivamente, surge das entrevistas uma constatação de que a totalidade dos

agentes públicos possui maior tempo de serviço dedicado à instituição policial a qual

pertence, o que implica dizer que a atividade de segurança particular começou a ser

exercida após alguns anos de dedicação exclusiva. Os entrevistados apresentaram

uma média de 13,8 anos de experiência no serviço público e 7,3 anos no serviço

privado, numa faixa etária média de 37 anos e meio.

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jornada de Trabalho

A jornada de trabalho para os policiais, sejam civis ou militares do Estado da

Bahia, se subdivide em duas espécies: a primeira, de 40 horas semanais, é

destinada ao público que exerce atividades de apoio administrativo; a segunda,

representada por 24 horas ininterruptas de serviço por 72 horas de descanso, é a

utilizada pelas administrações aos agentes da atividade fim da corporação. Na

segunda atividade, o segurança possui uma carga horária de 40 horas semanais só

no período noturno (compreendido basicamente das 21h às 05h).

Quando perguntados qual a jornada a que estão submetidos, há relatos que

denunciam até 80 horas semanais, ao se somar as duas atividades, excetuando-se

o tempo de deslocamento - de casa para o trabalho e do trabalho para casa-, exigido

para a o cumprimento dessas demandas.

A alteração de horários de trabalho, coloca a necessidade de alteração de

hábitos alimentares, de sono e de descanso, que resulta, muitas vezes, em

distúrbios fisiológicos, psicossomáticos, ou mesmo, expressa-se em sintomas

psicológicos (TITTONI, 1994, p.100).

Os entrevistados, pela ordem, qual a carga horária semanal exercida no

serviço público e na atividade particular.

“30 horas/semana, 40 horas/semana” (P. M./ 38anos)

“Flexibilidade de horário nas duas atividades” (P. C./36anos)

“40 horas/semana, 40 horas/semana” (P. M./ 34anos)

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rendimento mensal

A renda aferida foi, destacadamente, a maior aspiração dos testemunhos,

considerada por todos como um fator indispensável na busca pela realização dos

objetivos pessoais e familiares.

O conteúdo significativo do salário representa vários sentidos: o concreto

(sustentar a família, ganhar as férias, pagar as melhorias da casa, pagar as dívidas),

mas também o sentido abstrato na medida em que o salário contém sonhos,

fantasias e projetos de realização possíveis. No caso inverso, o salário pode veicular

todas as significações negativas que implicam as limitações materiais que ele impõe

(DEJOURS, 1992, p.51).

A respeito da renda mensal obtida no serviço público e na segunda ocupação,

respectivamente:

Rendimento líquido médio no serviço público: R$1.380,00

Rendimento líquido médio no serviço privado: R$2.840,00

Surge, então, a constatação de que ao se utilizar uma singela análise sob

prisma da renda bruta, a iniciativa privada remunera melhor os trabalhadores da

noite (segundo suas convicções). Entretanto, salienta-se que ao remunerar o

servidor, o Estado recolhe todos os encargos trabalhistas – contribuições

previdenciárias, sociais... - e, após deduzi-los do rendimento bruto, paga os

rendimentos líquidos aos seus servidores.

A renda conquistada nas mencionadas casas é líquida, pois os pagamentos

são feitos em espécie e não há qualquer recolhimento de tributos ou encargos

trabalhistas, favorecendo ao patrão – que não recolhe os impostos e contribuições

correspondentes para os seus empregados (policiais), ao passo em que podem

estar “lavando dinheiro” proveniente de alguma atividade ilícita -. Há também

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interesse deste policial que, em decorrência deste bico, seja feito esse tipo de

pagamento, pois qualquer recolhimento de tributo ou algo similar poderia favorecer à

produção de provas materiais desta segunda ocupação em um eventual processo

administrativo disciplinar ou sindicância.

precariedade das condições de trabalho

Os policiais revelaram expressões de descontentamento com as condições de

labor na segurança pública, interferindo no desempenho de seus integrantes. Uma

dessas expressões de desânimo se reflete nas condições insalubres e inseguras das

delegacias de polícia civil e unidades policiais militares.

“(...) atualmente as condições são muito precárias” (P.M. /42anos).

“Tratam a segurança pública com amadorismo, sem condições, sem investimentos (...)” (P.C./35anos).

“(...) com os chiqueiros existentes que são a maioria dos batalhões e companhias militares em todo o Estado, como prestar um serviço público decente e de boa qualidade? É preciso ter segurança pra prestar segurança pública de qualidade” (P.M./32anos).

O que mais impressionou foi o fato dos agentes destacarem os precários

estabelecimentos e a falta de segurança para a realização dos trabalhos de

segurança pública.

4.2 – Relações (Des)Humanas no Trabalho

As relações retratadas neste item foram compartimentadas em três espécies:

a relação do policial com seus superiores – seja na atividade pública, seja na

particular -; a relação do policial com seus colegas nas duas funções; a relação dos

policiais com a clientela das casas noturnas.

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relações com seus superiores

Surgem aqui declarações que denotam uma generalizada insatisfação com

seus superiores hierárquicos nos respectivos departamentos policiais e uma

sensação de contentamento com seus respectivos chefes no segundo trabalho

(bico).

Tais comentários permitiram a conclusão de que há dois fatores de pressão

no ambiente de trabalho dos policiais (quando a serviço do Estado): o primeiro diz

respeito à existência de uma divisão social – representada pelo conflito de opiniões

entre os que ocupam cargo de chefia e o agente da atividade fim, traduzindo-se em

círculos hierárquicos de convivência distintos; o segundo fator expressa a separação

entre a concepção e a realização das tarefas.

Além da presença de características tayloristas na forma de organização do

trabalho nas organizações policias em tela, principalmente retratada na Polícia

Militar, houve uma constatação de uma “perseguição” classista atribuída aos

membros do Ministério Público e da Magistratura.

“(...) aqui me tratam com mais dignidade, na polícia tratam a gente como indigente, não temos prestígio de nada, não podemos expressar o que pensamos e o que necessitamos.” (P.M./46anos).

“(...) perseguição dos promotores, que tratam a gente como bandidos e mendigos.” (P.C./34anos).

“(...) o policial (...) perseguido por muitos setores do ministério público e judiciário” (P.M./42anos).

Essa divisão entre concepção e execução funciona como um agente inibidor à

participação e à criatividade dos policiais que somente poderia ser atingida em um

ambiente que favorecesse a liberdade de expressão.

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relações com colegas da Polícia e os ganhos secundários

A prestação de serviços privados de segurança depende do bom

relacionamento com os colegas, que revelam os laços informais entre segurança

pública e segurança privada. Deste modo se reconhece que

“Os colegas sempre colaboram e entendem nossa situação, estamos nessa por que precisamos dessa renda extra pra dar uma vida melhor pros nossos filhos” (P.M./38anos).

Os colegas propiciam bons relacionamentos durante o serviço noturno e,

quando são acionados, costumam ser eficientes e rápidos no atendimento dos

chamados em eventuais momentos. E, a verdade é que “sempre estamos precisando

(...) é sempre rápido [o auxílio]” (P.C./35anos).

Esses bons relacionamentos, segundo os inquiridos, devem-se também às

diversas formas de ganhos secundários representados por gratificações simbólicas

ofertados pelos estabelecimentos comerciais. Assim, a prestação do serviço público

policial não é gratuito. Pois, “há sempre um jogo de interesse, a casa sempre recompensa

esses policiais de alguma forma; seja concedendo lanches, jantar, bebidas, etc.”.

(P.M./34anos).

relações com os clientes

Esse tópico foi um destaque de representação da unanimidade. Todos

afirmaram serem muito bem tratados pelos freqüentadores (clientes) das casas

noturnas, quando exercem o bico. Essa relação de cordialidade entre os prestadores

do serviço de segurança e a clientela repercute favoravelmente quanto ao

reconhecimento da importância desse trabalho no âmbito do estabelecimento.

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4.3– Realização no Trabalho

motivação

Os mecanismos criados pelos entrevistados para se motivarem durante à

realização do trabalho foram descritas como atividades que se complementam – a

pública e a privada. No serviço público, o maior estímulo para exercer a profissão

reside no fato desta lhe possibilitar o status de servidor público e gozar das

prerrogativas inerentes ao cargo de policial, tais como: estabilidade no emprego,

carteira de identidade funcional, férias, 13º salário, licença prêmio, aposentadoria,

assistência social e, até mesmo, arma de fogo disponibilizada pela Secretaria de

Segurança Pública destinada ao exercício do mandato de policiamento público.

O caso relacionado ao policial militar é ainda mais ilustrativo pois, ao utilizar

armamento pertencente à corporação ou que esteja sob sua guarda para dar

suporte ao seu bico nas casa noturnas, o mesmo pode estar incorrendo em uma

séria infração funcional podendo, inclusive, culminar na pena administrativa de

demissão do serviço público (ANEXO C, Lei 7990/art.57.III).

A seguir, têm-se as transcrições de alguns trechos que ilustram a motivação

do profissional quando da realização da atividade regular.

“(...) dependo da minha carteira de policial pra exercer essas atividades extras (...) priorizo as duas, por que preciso da polícia pra exercer essas atividades extras” (P.M./46anos).

“(...) preciso de minha carteira pra fazer esses trabalhos extras.” (P.C./36anos).

“No serviço público tenho a estabilidade – o certo todo mês” (P.M./32anos).

Como forma de suplantar necessidades associadas, fundamentalmente, na

busca por uma maior remuneração, o policial encontra na atividade complementar,

elementos que, se não justificam, ao menos explicam essa procura. Renda extra

(inclusive, isenta de tributação), maior visibilidade social (reconhecimento da

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importância de seu trabalho), são as principais vantagens listadas quando da

atividade “secundária”. Há, portanto, uma complementaridade que interligam os dois

“empregos”.

“(...) aqui me tratam com mais dignidade (...) priorizo as duas atividades (...)”. (P.M./46anos).

“(...) consigo exercer com dignidade minhas tarefas.” (P.C./35anos).

“Na segunda ocupação me realizo mais. O policial é muito discriminado socialmente te” (P.M./34anos).

Há uma constatação de que as motivações para o exercício de ambas

atividades – regular e irregular – são interligadas e interdependentes.

(des)motivação

A precariedade nas condições de trabalho, a remuneração considerada

incipiente face ao risco exigido pela profissão, a rigidez estabelecida na forma de

organização de trabalho – particularmente relacionado aos policiais militares -, são

as principais razões enumeradas para justificar a baixa motivação para o mister de

policial civil e militar quando em serviço oficial.

Em livro publicado recentemente, Dr. Ivone Freire Costa ao investigar quais

são as tendências da Segurança Pública – sob a perspectiva da polícia -, e conclui

que é nítido para 62,1% dos policiais entrevistados, a inexistência de esperança de

melhoria. Apenas 37% dos policiais acreditam na mudança e se deve a: maiores

exigências de nível intelectual, na formação profissional do policial e de sua melhor

capacitação; contratação de serviço de segurança particular; cobrança da própria

sociedade por mais segurança; e algumas iniciativas governamentais implantadas

(COSTA, 2005, p.176).

Não foi detectada nesta pesquisa uma menção de que haja algum elemento

que desmotive a prática do bico. Toda crítica, no que se refere à falta de motivação

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teve como alvo a prestação do ofício público. A tônica dos discursos versou sobre: o

amadorismo, “a falta de investimentos na segurança pública” (P.M/35anos) e “a falta

de condições de trabalho e a má remuneração” (P.M./38anos). As diversas

dificuldades servem como fatores que afugentam os servidores da atividade pública

e os empurra para a atividade privada, como pode ser observado no relato a seguir

apresentado.

“Falta de apoio da categoria, baixo salário, péssimas condições de trabalho, perseguição dos promotores, que tratam a gente como bandidos e mendigo (...) Defendo uma condição de vida melhor pra minha família. O Estado por acaso tá preocupado com o que os meus filhos comem? Ta nem aí.” (P.C./36anos).

O serviço público de segurança é, genericamente, analisado como

desmotivante e desprovido de uma política de incentivo à capacitação profissional e

condições mínimas de trabalho.

hipótese de abandono do serviço público

Se por um lado o serviço publico é mal visto e mal quisto por seus agentes,

por outro lado verifica-se a impossibilidade de abandoná-lo e a sua completa

dependência dele quando se trata da segunda ocupação policial em casas noturnas.

.

Quando se aventa a possibilidade de abandonar o funcionalismo público,

todos concordam em afirmar que não pretendem fazê-lo sob o pretexto de que

precisam da condição de ‘agente da lei’ para conseguirem exercer o bico, pois,

utilizam-se desse status para assegurar sua carteira policial, sua garantias

trabalhistas, seu porte de arma e sua possibilidade de interferir na eficiência da ação

da Polícia quando assim for necessário. E, é nas falas dos policiais que se

constatam a precisão e a dependência da carteira policial, como podemos observar

nos seguintes relatos:

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“(...) dependo da minha carteira de policial pra exercer essas atividades extras (...) preciso da polícia pra exercer essas atividades extras (...)” (P.M./42anos).

“(...) preciso de minha carteira pra fazer esses trabalhos extras (...) sempre estamos precisando (acionar a Polícia)” (P.C./34anos).

Deste modo, parece a haver uma certa reserva de vagas de trabalho na

seguranças das casas noturnas especificamente destinadas aos policiais.

Aparentemente, serviços públicos e privados aparecem como um mecanismo de

balanceamento, onde as vantagens compensadas por um equilibram as dificuldades

apresentadas pelo outro. “No serviço público tenho a estabilidade – o certo todo

mês” (P.M./42anos), e logicamente, o auxilio policial sempre que precisar, ou melhor

constantemente.

Ao serem indagados sobre o tempo de atendimento a uma eventual

ocorrência policial por parte dos órgãos ligados à segurança pública, os mesmos

descrevem a rapidez com que seus pleitos são deferidos como a principal

característica. E assim o serviço “é sempre rápido” (P.C./34anos), podendo demorar

“em torno de dez minutos” (P.M./34anos) para chegar ao local.

E, essa situação se torna mais gritante se contrastada com a longa espera e

pouca qualidade dos serviços públicos policiais prestados a população carente de

Salvador. A polícia que é vista como ineficiente, morosa e conflitiva pela população,

passa a ser vista como ágil, eficiente e cooperativa pelos colegas. Conforme o relato

de um dos entrevistados, o serviço público privatizado para as casas noturnas “É

rápido; sempre com muita eficiência; os colegas sempre colaboram (...)” (P.1).

De outro modo, implica dizer que o tráfico de influência aproxima-se

perigosamente do corriqueiro. O policial, mesmo durante sua “folga”, usa o prestígio

que possui com os servidores plantonistas para lograr proveito próprio, contribuindo

para privilegiar e priorizar o atendimento a esses estabelecimentos no período

noturno. O bico policial em casa noturna e a utilização informal do serviço público

são indícios da “privatização avassaladora da segurança pública”, muito bem

retratada por Luis Eduardo Soares (2001).

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Repetindo mais uma vez, poder-se-ia inferir que a relação bico-trabalho

simboliza um meio de equilibrar os ganhos e custos inerentes. Essa situação pode

ser demonstrada na tabela apresentada a seguir.

Quadro 1 – Quadro comparativo de atividades

Pública Privada

Vantagens

Aposentadoria; 13º Salário;

Férias; Identificação Funcional(Carteira Policial);

Arma; Licenças;

Estabilidade no Emprego;

Remuneração; Tratamento Recebido; Ganhos Secundários;

Desvantagens Tratamento Recebido Não há Aposentadoria; Não há estabilidade;

Cansaço; Quadro elaborado pelos autores

4.4- Implicações Sociais da Segunda Ocupação para o Serviço Público

A maioria dos entrevistados demonstrou um empenho maior no trabalho

quando relacionado à atividade extra. Sob os olhar complacente de suas respectivas

chefias e corregedorias, policiais de níveis hierárquicos diversos, se dedicam ao bico

com o fito pronunciado de reforçar o orçamento doméstico. Essa ausência de um

tempo, durante o período de sua folga, dedicado à realização de lazer,

aperfeiçoamento, de tarefas relacionadas com o prazer ou a satisfação pessoal,

muitas vezes em razão da limitação financeira, gera um sentimento de

descontentamento que, em várias oportunidades, é a “porta de entrada” para

doenças “mentais”.

Essa situação torna-se mais grave se considerarmos que os entrevistados

trabalham duplamente em média há 7,3 anos. Assim, os policiais enfrentam o risco

da cronificação das doenças psicossomáticas numa profissão de alta tensão que

requer o máximo do gozo das faculdades mentais. A precarização da saúde não só

leva à irritação e aos maus tratos dos cidadãos que buscam o seu serviço, como

pode compromete sua capacidade de raciocínio e tomada de decisão que em

situações de confronto armado coloca em perigo a sociedade e o próprio policial.

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mudança na concepção de cidadão

Existem duas justificativas para o qual as casas noturnas recorrem a

segurança pública. Em primeiro lugar, a segurança privada também não dá conta de

todas as situações, sendo necessário recorrer à força pública. Em segundo lugar, e

principalmente, a concepção neo-liberal de cidadania que restrita ao pagamento

direto do Imposto de Renda, que coloca os isentos como não-cidadãos. Como pode

ser observado na declaração de um dos entrevistados:

“(...) em primeiro lugar, as casas noturnas são freqüentadas por cidadãos que pagam impostos. Não é por que eles estão se divertindo na noite, que não necessitem da segurança pública. Há situações que a gente não dá conta, aí precisamos socorrer a estrutura da segurança pública”. (P.M./34anos).

A cidadania deveria ser entendida como o indivíduo no gozo dos direitos civis

e políticos de um Estado (FERREIRA, 2005, p.204). Talvez, esse seja o mais singelo

conceito de cidadania, que representa o momento em que o indivíduo adquire o

direito de votar, com a aquisição do seu título de eleitor e está em pleno gozo dos

seus direitos políticos, participando da vida do Estado (MORAES, 2005, p.189).

Porém, o que foi extraído das entrevistas realizadas nas casas noturnas foram

depoimentos e interpretações equivocadas, se não perversas, dessa concepção de

cidadania.

Quando perguntados se entendiam como correto o fato das casas noturnas

possuírem atendimento privilegiado por parte dos órgãos integrantes da segurança

pública, alguns alegam que o fato dos clientes pagarem impostos os torna cidadãos

aptos a receberem a proteção do Estado – têm direito à segurança pública. Segundo

essa perspectiva, cidadão é quem paga diretamente pelos serviços prestados, e

assim um deles complementa “acho que as casas noturnas deveriam ser mais

assistidas pelos órgãos da segurança pública.” (P.M./42anos). Ou seja, não já basta

o bico policial oferecido cotidianamente, faz-se necessário a presença policial –

fardas, armas e viaturas. Em outras palavras, seria preciso que a segurança pública

oferecesse um serviço privado.

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comprometimento com a sociedade

Os servidores públicos são os próprios instrumentos da atuação do Estado.

Assim, portanto, espera-se ensejar aos servidores – detentores de cargo público –

as condições propícias a um desempenho técnico isento, imparcial e obediente tão-

só a diretrizes político-administrativas inspiradas no interesse público. Todavia,

sabe-se da existência do perigo de que, por falta de segurança, os agentes do

Estado possam ser manejados por governantes transitórios em proveito de objetivos

pessoais, sectários ou político-partidários – que é, notória e infelizmente, a

inclinação habitual dos que ocupam a direção superior do país (MELLO, 2005,

p.238-239).

O compromisso de servir a sociedade com probidade é um dever. Muito

embora saibam da natureza desse serviço, é comum perceber a falta daqueles

atributos essenciais (honestidade e compromisso de servir à coletividade) nas

entrevistas realizadas. Afinal, “meu trabalho é honesto, não tô (sic) roubando

ninguém” (P.C./36anos), discursando sobre a ‘ética’ da segunda ocupação. Como já

foi dito anteriormente, uma nova e perversa concepção de cidadania é gestada nos

domínios da segunda ocupação, expondo boa parte da população à falta de um

serviço de segurança pública de qualidade.

E, assim, quando perguntávamos sobre as conseqüências da segunda

ocupação para a vida social, ficávamos perplexos diante das respostas como: “sei lá,

acho que a sociedade perde com isso; mas tô nem aí, tô (sic) defendendo a comida e o

colégio dos meus filhos” (P.M./38anos).

A lógica mercantil-privada transforma aquilo que não é de competência do

Estado, e, conseqüentemente, não é uma atribuição dos seus servidores em

incompetência estatal. “E mais, tô (sic) fazendo algo que o Estado é incompetente

pra fazer.” (P.C./34anos).

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má atuação na atividade pública.

Os ritmos diários dos organismos são denominados circádios. Indícios

ambientais, como o nascer e o pôr-do-sol, orientam esse ciclo que compreende um

período de duração de 24 horas. Na ausência de tais indícios, como, por exemplo, a

luminosidade, o movimento das pessoas, o barulho e outras marcações temporais,

componentes internos do organismo podem funcionar como relógios biológicos,

conservando estável esse período (que pode durar entre 21 e 27 horas) e o

ajustando conforme às suas necessidades (GONDIM, 2001, p.35-45).

A rigor, existe um tempo para cada atividade: dormir, trabalhar, estudar,

comer e beber. Porém, no caso do trabalho em turnos, esses ritmos são

continuamente desafiados, principalmente no que se refere ao trabalho noturno, em

que se exige do organismo uma inversão do ciclo vigília-sono (GONDIM, 2001).

O problema é que o sono tem uma importância vital na sobrevivência e

adaptação dos mamíferos. Uma equipe de pesquisadores testou ciclistas que eram

despertados durante a noite, privando-os de três horas de sono durante por noite.

Ao se examinar o sangue desses atletas, constatou-se uma maior concentração de

lactose, substância que provoca fadiga muscular, o que os faria cansar mais

rapidamente (GONDIM, 2001).

Cabe assinalar que quando a perda de sono é de uma noite inteira, o tempo

para se chegar à exaustão se reduz. O humor também é afetado pela falta de

quantidade e qualidade de sono, podendo levar à depressão. Quando a pessoa

perde uma noite inteira de sono, ela gasta o dobro do tempo normal para reagir a

estímulos. Há perda, inclusive, de concentração, memória e capacidade de

argumentação lógica (GONDIM, 2001).

Como pode esse trabalhador, submetido a uma carga horária de trabalho

extenuante de até 80 horas por semana (dedicadas às duas atividades), dedicar-se

às tarefas na segurança pública sem as mínimas condições bio-psico-sociais

exigidas para a prática policial.

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“Claro que fica prejudicada a prestação do serviço público. Gostaria que o estado me pagasse melhor, aí sim – iria me dedicar 100% à Polícia, todos iriam ganhar com isso, né verdade?” (P.M./38anos).

“Péssimo pra Secretaria de Segurança, que não consegue desenvolver um bom trabalho, fica com a imagem sempre ruim e, ruim pra sociedade que não é oferecida pra ela um serviço de segurança pública de qualidade”. (P.C./36anos).

“Fica prejudicada a atividade pública, geralmente chego cansado, às vezes nem durmo; com certeza a prestação do serviço público fica comprometida.” (P.M./34anos).

Há, portanto, uma constatação muito alarmante nesse estudo: os policiais

aqui entrevistados, preocupam-se, fundamentalmente, com os rendimentos líquidos

aferidos nas atividades laborativas. Implica dizer que o recebimento de bons salários

é condição mínima para a prática do bom policiamento. Os policiais ruins, mau

preparados e que prestam maus serviços são sinônimos de baixos salários – segun

do as concepções abstraídas nas conversas. E como se apenas os ganhos mensais

resolveriam os problemas da nossa “insegurança pública”.

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5 – CONCLUSÃO

Ao longo desta monografia, que encerra o segundo curso de especialização

em políticas e gestão em segurança pública (II CEGESP), procurou-se identificar e

avaliar as conseqüências da segunda ocupação policial – o “bico”- realizado em

casas noturnas, sobre a qualidade do serviço público de segurança em suas áreas

de atuação.

Durante os respectivos estudos, objetivou-se, especificamente:

- Avaliar a satisfação do servidor policial no serviço público e na segurança

privada;

-Identificar a atividade mais valorizada pelo policial – o serviço público ou o

serviço privado;

-Avaliar a interferência da atividade privada no serviço público prestado pelo

policial.

A metodologia utilizada empregou a pesquisa qualitativa de campo,

caracterizada pelo trabalho de significados, motivos, aspirações, crenças, valores e

atitudes, que correspondeu a um espaço mais aprofundado das relações, dos

processos e dos fenômenos que não poderiam ser reduzidos a operacionalização de

variáveis (MINAYO, 1988, p.21)

Os dados primários foram coletados a partir dos depoimentos coletados em

entrevistas individuais semi-estruturados, que se baseou no estabelecimento de uma

relação dialogal assimétrica entre pesquisador e informante, proporcionando a

participação de ambos na geração do conhecimento (TRIVIÑOS, 1987).

Quatro grupos temáticos foram criados com o conteúdo extraído das

entrevistas:

1- Organização do Trabalho;

2- Relações (Des)Humanas no Trabalho;

3- Realização no Trabalho;

4- Implicações Sociais da Segunda Ocupação para o Serviço Público;

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No primeiro grupo – Organização do Trabalho – foram encontrados outros

quatro sub-grupos: experiência de trabalho, jornada de trabalho, rendimento mensal

e precariedade das condições de trabalho.

A experiência de trabalho foi dividida em duas análises: o saber adquirido no

serviço público e no serviço privado. Houve a constatação de um maior tempo – 13,8

anos – no serviço público, e um tempo menor de experiência no serviço privado –

7,3 anos.

Quanto à jornada de trabalho enfrentada pelos profissionais, aferiu-se uma

carga horária de 70 a 80 horas de ocupação por semana – somando-se as duas

atividades.

O rendimento mensal relatado foi a grande inspiração dos “soldados de baco”

para enfrentar tal jornada extenuante. R$1380,00 (serviço público), R$2840,00

(serviço privado).

Variadas expressões de desânimo foram demonstradas diante das condições

insalubres e inseguras das delegacias de polícia civil e unidades militares, quando

se deu o momento de detecção da precariedade das condições de trabalho.

No segundo grupo principal: Relações (Des)Humanas no Trabalho,

constatou-se a necessidade de se dividir em três sub-grupos: relações com seus

superiores, relações com colegas da polícia e os ganhos secundários e, por fim,

relações com os clientes.

Surgiram declarações que denotam uma insatisfação bastante acentuada

com os superiores hierárquicos do serviço público e uma sensação de satisfação

quando da convivência com os superiores na iniciativa privada. O relacionamento

com os colegas da Polícia é descrito como bom e traduz um sentimento de

solidariedade e colaboração diante de eventuais necessidades durante o trabalho de

“bico”. Geralmente há troca de “favores” entre as casas noturnas e os policiais que

estão fazendo a patrulha noturna em suas proximidades, qual seja, o fornecimento

de comida e bebida – caracterizando alguns dos ganhos secundários detectados na

pesquisa.

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O último sub-grupo – relações com os clientes – evidenciou que os

“biqueiros”são muito bem “tratados” pelos clientes dos estabelecimentos

pesquisados, divergindo da maneira que são recepcionados pela coletividade no

momento em que estão prestando o serviço público de policiamento.

Realização no Trabalho - representou o terceiro grupo principal – composto

de outros três sub-grupos: motivação, (des)motivação e hipótese de abandono do

serviço público. Houve uma forte tendência dos entrevistados em evidenciar uma

relação de interdependência entre as atividades regular e irregular, de modo que

não foi verificado interesse algum no abandono do mandato público de policial. A

motivação em exercer o bico foi aferida como sendo muito superior à motivação em

trabalhar na polícia.

Por fim, classificou-se o último grupo temático em: Implicações Sociais da

Segunda Ocupação para o Serviço Público, vislumbrando-se discorrer sobre a

mudança na concepção de cidadão, o comprometimento com a sociedade e a má

atuação na atividade pública. Diante das questões levantadas pelas entrevistas,

concluiu-se que os inquiridos manifestaram irrestrito apoio ao tratamento privilegiado

proporcionado pela força policial aos estabelecimentos privados, sob a alegação de

que os freqüentadores das casas noturnas eram cidadãos - pagadores de impostos -

e merecedores deste atendimento diferenciado do restante da sociedade. E,

finalmente, enfatizaram a falta de comprometimento destes homens com o mandato

público do policiamento, ao ter que cumprir uma jornada de trabalho semanal de até

80h(oitenta horas) semanais, culminando com a péssima prestação desse serviço

essencial à sociedade baiana.

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ANEXO A- ESTATUTO DO SERVIDOR PÚBLICO

LEI Nº 6.677, DE 26 DE SETEMBRO DE 1994 - ESTATUTO DO SERVIDOR PÚBLICO

Publicada no DOE de 27.09.94

Dispõe sobre o Estatuto dos Servidores Públicos Civis do Estado da

Bahia, das Autarquias e das Fundações Públicas Estaduais.

O GOVERNADOR DO ESTADO DA BAHIA, faço saber que a Assembléia Legislativa decreta e eu sanciono a seguinte Lei:

[...]

CAPÍTULO II Das Proibições Art. 176 - Ao servidor é proibido:

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[...]

X - valer-se do cargo para lograr proveito pessoal ou de outrem, em detrimento da dignidade da função pública;

XI - transacionar com o Estado, quando participar de gerência ou administração de empresa privada, de sociedade civil, ou exercer comércio; XII - atuar, como procurador ou intermediário, junto a repartições públicas, salvo quando se tratar de percepção de remuneração, benefícios previdenciários ou assistenciais de parentes até segundo grau e de cônjuge ou companheiro; XIII - receber propina, comissão, presente ou vantagem de qualquer espécie, em razão de suas atribuições; XIV - aceitar representação, comissão, emprego ou pensão de Estado estrangeiro, sem licença da autoridade competente; XV - praticar usura sob qualquer de suas formas; XVI - proceder de forma desidiosa; XVII - utilizar pessoal ou recurso materiais da repartição em serviços ou atividades particulares; XVIII - cometer a outro servidor atribuições estranhas às do cargo que ocupa, exceto em situações de emergência e transitórias; XIX - exercer quaisquer atividades que sejam incompatíveis com as atribuições do cargo ou função e com o horário de trabalho; Art. 192 - A demissão será aplicada nos seguintes casos: (grifo nosso) I - crime contra a administração pública;

[...]

IX - revelação de segredo apropriado em razão do cargo;

[...]

XII - transgressão das proibições previstas nos incisos X a XVII do artigo 176;

[...]

Art. 270 - Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário, especialmente a Lei nº 529, de 20 de dezembro de 1952, a Lei nº 2.323, de 11 de abril de 1966, salvo o artigo 182 e seus parágrafos, e o

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artigo 41 da Lei nº 6.354, de 30 de dezembro de 1991.( Lei 6.932, de 19.01.96 - Revoga o artigo 182 e seus parágrafos da Lei 2323, de 11.04.66). Salvador, 26 de setembro de 1994.

ANEXO B - ESTATUTO DO SERVIDOR POLICIAL CIVIL DA BAHIA

LEI Nº 3.374 DE 30 DE JANEIRO DE 1975

Estatuto do Servidor Policial Civil.

O GOVERNADOR DO ESTADO DA BAHIA, no uso de suas atribuições, faço saber que a Assembléia Legislativa decreta e eu sanciono a seguinte Lei:

[...]

SEÇÃO II - DAS PROIBIÇÕES Art. 14 - Ao Servidor Policial Civil é proibida toda ação ou omissão contrária aos seus deveres funcionais e comprometedora da dignidade do cargo, tais como:

[...]

XX - exercer atividade particular para cujo desempenho sejam necessários contatos com repartições policiais e que com elas tenha qualquer relação ou vinculação;

[...]

XXV - executar atividades particulares que prejudiquem o fiel desempenho da função policial, sejam social ou moralmente nocivas à dignidade do cargo ou afetem a presunção de imparcialidade;

[...]

XXXI - eximir-se, por covardia ou questões de amizade, do cumprimento do dever policial;

[...]

XXXIII - deixar de comunicar, imediatamente, à autoridade competente, faltas ou irregularidades, que haja presenciado ou de que tenha conhecimento, ou informações de fatos que possam interessar à atuação ou disciplina policial;

[...]

XXXIX - trabalhar mal, intencionalmente ou por negligência, prejudicando o andamento do serviço;

[...]

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XLIX - prevalecer-se, abusivamente, da condição de preposto ou autoridade policial;

[...]

Art. 22 - A pena de suspensão será aplicada nos casos de falta grave que não implique em punição maior e não excederá de 90 (noventa) dias. Parágrafo único - A existência de dolo e a reincidência constituem circunstâncias agravantes da intensidade da pena. Art. 23 - Considerar-se-á falta grave aquela que concorra para comprometer a boa ordem do serviço ou o bom nome da organização, tenha ou não relação com o serviço público. Parágrafo único - À autoridade competente para punir cabe aferir o grau de comprometimento para a boa ordem disciplinar motivando o seu ato convenientemente, de modo que o corretivo seja imposto com justiça.

[...]

Art. 27 - As penas de demissão simples e de demissão a bem do serviço público serão aplicadas nos casos previstos no Estatuto dos Funcionários Públicos Civis do Estado, precedidas do competente processo administrativo. Parágrafo único - A pena de demissão, em ambas modalidades, poderá ocorrer ainda nos casos de:

I infração que, por sua natureza característica e configuração, seja considerada infamante, de modo a incompatibilizar o servidor com o exercício da função policial;

[...]

IV - exercício de tráfico de influência;

[...]

VI - contumácia na prática de transgressões disciplinares, seja qual for sua natureza;

[...]

Art. 44 - Esta Lei entra em vigor na data da sua publicação revogadas as disposições em contrário. PALÁCIO DO GOVERNO DO ESTADO DA BAHIA, em 30 de janeiro de 1975.

ANTONIO CARLOS MAGALHÃES Governador

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ANEXO C - ESTATUTO DO SERVIDOR POLICIAL MILITAR DA BAHIA

LEI Nº 7.990 DE 27 DE DEZEMBRO DE 2001

Dispõe sobre o Estatuto dos Policiais Militares do Estado da Bahia e dá outras providências.

O GOVERNADOR DO ESTADO DA BAHIA, faço saber que a Assembléia Legislativa decreta e eu sanciono a seguinte Lei:

Art. 40 - Ao policial militar da ativa é vedado comerciar ou tomar parte na administração ou gerência de sociedade ou dela ser sócio ou participar, exceto como acionista ou quotista, em sociedade anônima ou por quotas de responsabilidade limitada. Parágrafo único - No intuito de aperfeiçoar a prática profissional é permitido aos oficiais do

Quadro Complementar de Oficiais Policiais Militares o exercício de sua atividade técnico-

profissional no meio civil, desde que compatível com as atribuições do seu cargo e com o

horário de trabalho, respeitadas as limitações constitucionais.

TÍTULO IV DO REGIME DISCIPLINAR

CAPÍTULO I

DOS DEVERES POLICIAIS MILITARES

SEÇÃO I CONCEITUAÇÃO

Art. 41 - Os deveres policiais militares emanam de um conjunto de vínculos morais e

racionais, que ligam o policial militar à pátria, à Instituição e à segurança da sociedade e do

ser humano, e compreendem, essencialmente:

I. a dedicação integral ao serviço policial militar e a fidelidade à

Instituição a que pertence;

Art. 57 - A pena de demissão, observada as disposições do art. 53 desta Lei, será aplicada nos seguintes casos:

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[...]

III. utilizar pessoal ou recurso material da repartição ou sob a guarda desta em serviço ou em atividades particulares;

IV. fazer uso do posto ou da graduação para obter facilidades pessoais de qualquer natureza ou para encaminhar negócios particulares ou de terceiros;

[...]

TÍTULO VI DO SERVIÇO POLICIAL MILITAR

CAPÍTULO I

DO SERVIÇO E DA CARREIRA POLICIAL MILITAR

Art. 162 - O serviço policial militar consiste no desempenho das funções inerentes ao cargo

policial militar e no exercício das atividades inerentes à missão institucional da Polícia

Militar, compreendendo todos os encargos previstos na legislação peculiar e específica

relacionados com a preservação da ordem pública no Estado.

§ 1º - A jornada de trabalho do policial militar será de 30 (trinta) horas semanais ou de 40 (quarenta) horas semanais, de acordo com a necessidade do serviço. § 2º - São equivalentes as expressões na ativa, da ativa, em serviço ativo, em serviço na ativa, em serviço, em atividade, em efetivo serviço, atividade policial militar ou em atividade de natureza policial militar, quando referentes aos policiais militares no desempenho de encargo, incumbência, missão ou tarefa, serviço ou atividade policial militar, nas organizações policiais militares, bem como em outros órgãos do Estado, desde que previstos em Lei ou Regulamento.

Art. 163 - A carreira policial militar é caracterizada pela atividade continuada e inteiramente

devotada às finalidades da Instituição denominada atividade policial militar e pela

possibilidade de ascensão hierárquica, na conformidade do merecimento e antigüidade do

policial militar.

Parágrafo único - A carreira policial militar inicia-se com o ingresso e obedece à seqüência de graus hierárquicos, sendo privativa do pessoal da ativa.

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SEÇÃO VI DA DEMISSÃO

Art. 193 - A demissão será aplicada como sanção aos policiais militares de carreira, após a instauração de processo administrativo em que seja assegurada a ampla defesa e o contraditório nos seguintes casos.

I. incursão numa das situações constantes do art. 57 desta Lei ;

[...]

PALÁCIO DO GOVERNO DO ESTADO DA BAHIA, em 27 de dezembro de 2001.

CÉSAR BORGES Governador

Sérgio Ferreira Secretário de Governo

Kátia Maria Alves Santos Secretária da Segurança Pública

Ana Benvinda Teixeira Lage Secretária da Administração

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ANEXO D – CÓDIGO PENAL

DECRETO-LEI No 2.848, DE 7 DE DEZEMBRO DE 1940.

Código Penal.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, usando da atribuição que lhe confere o art. 180 da Constituição, decreta a seguinte Lei:

PARTE GERAL TÍTULO I

DA APLICAÇÃO DA LEI PENAL (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

[...]

Exercício de atividade com infração de decisão administrativa

Art. 205 - Exercer atividade, de que está impedido por decisão administrativa:

Pena - detenção, de três meses a dois anos, ou multa.

[...]

Corrupção passiva

Art. 317 - Solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem:

Pena – reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa. (Redação dada pela Lei nº 10.763, de 12.11.2003)

§ 1º - A pena é aumentada de um terço, se, em conseqüência da vantagem ou promessa, o funcionário retarda ou deixa de praticar qualquer ato de ofício ou o pratica infringindo dever funcional.

§ 2º - Se o funcionário pratica, deixa de praticar ou retarda ato de ofício, com infração de dever funcional, cedendo a pedido ou influência de outrem:

Pena - detenção, de três meses a um ano, ou multa.

[...]

Prevaricação

Art. 319 - Retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício, ou praticá-lo contra disposição expressa de lei, para satisfazer interesse ou sentimento pessoal:

Pena - detenção, de três meses a um ano, e multa.

[...]

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Corrupção ativa

Art. 333 - Oferecer ou prometer vantagem indevida a funcionário público, para determiná-lo a praticar, omitir ou retardar ato de ofício:

Pena – reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa. (Redação dada pela Lei nº 10.763, de 12.11.2003)

Parágrafo único - A pena é aumentada de um terço, se, em razão da vantagem ou promessa, o funcionário retarda ou omite ato de ofício, ou o pratica infringindo dever funcional.

[...]

Art. 361 - Este Código entrará em vigor no dia 1º de janeiro de 1942.

Rio de Janeiro, 7 de dezembro de 1940; 119º da Independência e 52º da República.

GETÚLIO VARGAS Francisco Campos

ANEXO E - ROTEIRO DE ENTREVISTA

Identificação: idade, função, escolaridade, tempo no serviço público, órgão de

trabalho e tempo de trabalho na atividade privada.

1) Você tem mais de um trabalho remunerado nesta atividade? Mesmo ramo de

atividade? Senão, qual o ramo? 2) Qual a sua jornada de trabalho nesta atividade remunerada? E na segurança

pública? 3) Qual sua renda mensal no serviço público? Qual sua renda mensal na(s)

segunda ocupação(ões)? 4) Esta(s) atividade(s), em termos de pecuniários, tem suprido suas necessidades? 5) Qual a sua renda familiar? 6) Você se sente realizado nas atividades desenvolvidas como segurança privada? 7) O que te deixa mais desmotivado no serviço público? 8) Você á pensou em deixar o serviço público para se dedicar à atividade de

segurança privada?

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9) Onde você se realiza mais profissionalmente, e socialmente – na atividade de

segurança pública ou na segunda ocupação?

10) Na sua atividade de segurança privada, já necessitou solicitar o auxílio dos órgãos da estrutura da segurança pública?

11) Quanto tempo em média, ocorre o auxílio solicitado? o atendimento (auxílio) ocorre de forma eficiente e eficaz?

12) Que tipo de conseqüências você acha que incorre em exercer duas atividades de segurança: pública e privada?

13) Ao possuir duas atividades, mesmo que sejam no mesmo ramo, uma das duas não fica prejudicada quanto ao rendimento pessoal e na qualidade da prestação do serviço?

14) De que forma você encara essa situação? Qual a atividade que você prioriza? 15) Como você avaliaria o posicionamento dos órgãos da estrutura de segurança

pública, quando acionado para atender uma ocorrência à estabelecimentos particulares, especificamente casa noturnas?