os segundos portugueses

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Uma continuação d'"Os Lusíadas", de Luís de Camões, por A. do Carmo Reis

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  • A. do Carmo Reis

    OS SEGUNDOS PORTUGUESES

    Dois Cantos e uma Apstrofe de narrativa pica em oitava rima para acrescentar Histria de Portugal Epopeia OS LUSADAS de Cames.

  • C A N T O P R I M E I R O

  • 1 Andava na leitura e reflexo Do Poema que a Ptria honra e canta, Com beleza, com gnio, com aco Herica de Epopeia sacrossanta E Tesouro da Lusa Gerao, Quando sinto uma fora que me espanta E atrai ao movimento que medonho, Sideral, alto crculo de sonho.

    2 Era chegada a noite em lua cheia, E na margem do rio me encontrava, Ao fundo de pequena e linda aldeia Que o Ave no silncio contornava, No gozo de remanso que me enleia, Como era de costume e desfrutava, Quando ouvi em compasso calmo e certo Bater um som de remos ali perto.

    3 Eis que resplandecente se afigura O rosto do Imortal e Fabuloso, Excelso Vate, em flgida estatura ! Fico, ento, especado e temeroso, Aguardando que fale de voz pura A palavra de Gnio talentoso. E o Lus de Cames se levantou, Os olhos ps em mim e assim falou:

    4 - Eu venho dos Infernos de Tirsias Que governa das sombras o destino ! Da funda escurido e das falsias Soturnas, onde o Sbio sibilino Nos contou dos mortais tenes nemsias E gosto escandaloso, corintino. Mas de vs, Portugueses, teceu fama Mais alta e mais sonante que a do Gama.

    5 Ora sabe aquele Velho venerando Quo injusto suplcio e sofrimento para mim ser preso ao vil, nefando Castigo de no ter acolhimento No Empreo onde Zeus sustm o mando E o eleito de Apolo tem assento, Por me ver acusado de incutir No Rei Moo a loucura de Quibir.

  • 6 E mais me confessou o bom Porteiro Da caverna onde guarda o co Cerbero, Que desta sorte ruim foi engenheiro O prfido Lieu, o tredo e fero: Mais que Tntalo sofro em cativeiro Um castigo de horrores, cru, severo. E findou deste modo o Ancio: - Encontra, agora, um nume da Nao !

    7 Algum que cante o drama da Histria, Desde Sebastio, o Desejado ! E mostre que, depois, no houve inglria Vida no Portugal alevantado, Tal que aos deuses dar por bem memria, E vero que o desastre foi vingado. - Assim fars, de sorte que este peso Me abandone e me deixe livre, ileso.

    8 Invoca de Calope famosa E de Minerva, diva da Cultura, O estro da poesia gloriosa Para que faas versos de segura Mestria inspirada, to garbosa A ponto de olvidar a tessitura De outros gnios que cantam epopeia Com a bno e o dom da melopeia.

    9 Esto contigo as esbeltas ninfas dAve Que descem da montanha ao mar cerleo ! No temas a misso nem te entrave O esforo desta obra, grande e hercleo, Para celebrizar em verso grave Maiores que de Atenas o peclio Os Anais Lusitanos, voz solene Inspirada na fonte de Hipocrene.

    10 Lus douto, descansa que farei Respondi ao Poeta genial O cntico do Povo, Lusa Grei, Segundo tu fizeste ritual, Em verso de latina forma e lei. Possa ficar honrado Portugal Com nova, bem notvel escritura Que se inspira na tua partitura.

  • 11 Foi, ento, que vi louros envolvendo O rosto de Cames e luz na fronte, Enquanto se afastava, parecendo Tornar para trajecto de remonte, E aos poucos se alongou esmaecendo, Assentado na barca de Caronte, Deixando-me nas asas de Morfeu, Com a bno de Apolo e deus Orfeu.

    12 lembrana saltou a multido Dos heris e da Gente Lusitana Que na Histria tomou consagrao, Desde as lides em Terra Tingitana Ptria renascida, Gerao Nova que a Liberdade tem, ufana Das conquista de Abril e da bravura De Marte que ps fim Ditadura.

    13 Eis que num repentino friso louro Vejo os Capites que de atalaia Estiveram, perante o sorvedouro De uma Guerra sem fim por onde saia, E avultam a meus olhos em cor douro Melo Antunes e, ao p, Salgueiro Maia. Logo levanto a voz: em sua glria Do meu Canto farei dedicatria.

    14 Estava um cu brilhante, reluzente, Onde fiquei em nuvem repousado, No stio em que Vnus excelente Olhar me desejou proporcionado. Foi, ento, o Saturno complacente Que abriu o longo drama do passado. Logo Zeus ordenou tocar clarim, E a Musa me inspirou a gesta assim:

    15 Depois de uma batalha pavorosa Que fez tremer o vasto e gro Imprio, Por via da derrota estrondosa, Pesadelo, loucura, vituprio, Para nada serviu a mo bondosa De Henrique, cardeal idoso e srio. Com astcia, tramias de faanha, Logo avana Filipe, rei de Espanha.

  • 16 Porque nenhum herdeiro tinha o Trono Ou com aval de todos ocupasse E cingindo a Coroa como dono, Nas Cortes de Almeirim se deu o impasse, Nem o Febo Moniz logrou abono. Ento, antes que algum se apresentasse, Mandou o Castelhano a invaso E, em Tomar, recebeu aclamao.

    17 Ficou rei e senhor maior do Mundo, Com uma s bandeira testemunha, Mil naus e galees no mar profundo, Imprio onde o Sol jamais se punha, De Neptuno o tridente furibundo, Da longnqua Timor Catalunha ! Mas comprovou que fora do Direito O Direito da fora traz despeito.

    18 Debalde, Dom Antnio levantou Alguma denodada resistncia. Porque as tropas de Espanha no travou, Em batalhas sofreu a impotncia De um sonho que to alto alimentou Para salvaguardar Independncia. Santa Cruz, Duque dAlba fim ingrato Fizeram padecer Prior do Crato.

    19 Em vo apareceram bons augrios De Dom Sebastio que vinha barra. Afinal, eram farsas de uns esprios Que os Filipes prenderam com a garra Que feriu condenados de perjrios E quem leu profecias do Bandarra. Mas, com a dor, tortura e cicatriz, Houve sempre quem no dobrou cerviz.

    20 Entretanto, na terra, por rivais Ganhara Portugal Bretes, Gauleses, Povos do Norte, vilas, capitais De comrcio, negcio de burgueses, Mundo da bolsa, naus e arsenais. Por mar e terra, Danos, Holandeses, As naes da Europa Luterana Que atacam Espanhis e F Romana.

  • 21 E assim, por fazer mal Lusa Gente, Preferindo Madrid e no Lisboa, Desastroso nos mares, indigente Ficou todo o Pas (afora Goa). Vai crescendo o fervor independente Contra o jugo que esmaga e que magoa. Corre a ira do Algarve at ao Minho, Em vora, explodiu o Manuelinho.

    22 Mas tambm protestavam mercadores, Cados em final desiluso Por perderem os tratos e valores Nas rotas do Brasil e de Sio. No menor fora a perda de favores Sentida pelos nobres da Nao. E pensam sacudir a canga dura Logo que venha a boa conjuntura.

    23 Viveram longo tempo os oligarcas Em suas cortes grande devaneio, Confiando o destino s deusas Parcas At que se apavoram com receio De ver no Povo em sangue as cruas marcas, E pensam acabar o escamoteio Antes que a plebe salte rua, insana, E d vivas f republicana.

    24 Chega aos cus o temor da fidalguia, Logo convoca os deuses Padre Eterno E censura de Baco a teimosia De condenar o Luso ao fundo averno. Abraa Vnus, jantam ambrosia, Bebem de acordo o nctar bom falerno E mandam o Mercrio alipotente Aconselhar conjura nobre gente.

    25 Teme em seus aposentos o Bragana, Avanam o Ribeiro e o Almada, Que ao braso, como ao Trono, a esperana S vale quando est com boa espada. E antes que Olivares, sem tardana, Faa de Portugal uma coutada, Descem, correm aos Paos da Ribeira E expulsam a Regncia estrangeira.

  • 26 Duquesa de Mntua assustada Por ver falida toda a sentinela, Logo apontam a porta franqueada, Para no a lanar pela janela... Ao Miguel Vasconcelos, de estocada, Ferem e defenestram sem cautela. assim que se pagam as traies De vendidos, sabujos e viles.

    27 Logo assomou c fora na varanda O grito da Real Restaurao, E o Povo, no terreiro, sarabanda Danava com alegre comoo, Por saber que de novo quem comanda senhor nobre e duque, o Dom Joo. Toda a gente ali vem entrar em cena Com o ardor da Filipa de Vilhena.

    28 Comea a Dinastia Brigantina, Tem pela frente longa e dura guerra Contra a fora de Espanha Filipina E toda a Casa dustria que ela encerra. Mas o deus Marte e a Deusa Vespertina, Com Vulcano que ajuda a Lusa Terra, Pedem ao grande Jpiter vitria Das Armas Portuguesas arte e glria.

    29 Com o bravo Albuquerque no Montijo, Com Salvador Correia em Angola, Independncia foi combate rijo. Com o Padre Vieira de alta escola, Feito nncio do ptrio regozijo, Na Europa, em Roma que consola Da Espanha, Portugal, pas inteiro, Sacode canga, jugo e cativeiro.

    30 Houve que perdurar por muitos anos Luta que fez autnoma a Nao. E valeu nos combates lusitanos O gnio de Lusa de Gusmo, A Rainha que trava o Castelhano Depois que faleceu o Rei Joo. E, para conseguir vencer a Guerra, Reanimou a Aliana de Inglaterra.

  • 31 Atiram-se cavalos e pelouros, Infantes e pesada artilharia, De raiva atacam, vencem, ganham louros, Refregas, batalhes e companhia De Castelo Melhor, raivosos touros, At que, em Montes Claros, a razia Deixa as tropas de Espanha na falncia E reconquista a Ptria Independncia.

    32 Entretanto, morria Afonso Sexto, Que as intrigas deportaram aos Aores. Consider-lo Adnis foi pretexto A que Francisca desse os seus amores Ao prncipe Dom Pedro, no contexto De viciada mo de bastidores. E, com muito desgosto e desalento, Foi a Rainha Me para o convento.

    33 Quando o irmo em Sintra foi finado, E a Guerra se acabou, cabeceira Do novo Rei se ps desesperado O dever de encontrar melhor maneira De salvar o Pas arruinado. Traz ao Governo o Conde de Ericeira Que introduz artes txteis, oficinas, Monta fbricas, manda cavar minas.

    34 E tudo se constri sem perguntar A vontade do Clero e da Nobreza, Do Povo, em Cortes, onde vinham dar Os vares para fala a Sua Alteza, Quando se costumava respeitar Os foros da Famlia Portuguesa. Tal como na Europa desta data, O Rei passou a ser um autocrata.

    35 Por enquanto no teve a Monarquia Seguro o novo rumo da Fazenda, Que as invejas da treda fidalguia Recusavam a fbrica e a moenda. A to baixo levaram vilania Que o Ministro chamou a morte horrenda, Antes que por Tratado videirinho Valesse o anglo pano o luso vinho.

  • 36 De to alto favor que prendou Ceres Discordou certamente o deus Saturno Que Josefa deu paos e alteres, Mas na princesa dano ps soturno. E juntou-lhe m sorte, caracteres Que lhe deram ruim fado e diuturno De Sempre Noiva ser com pretendentes, E as bodas sempre nulas e pendentes.

    37 Tinham, no entanto, os Fados destinado Que Portugal houvesse fulgurantes Riquezas de Pas afortunado. E veio do Brasil dos Bandeirantes Ouro a rodo em navios embarcado, Com pedras preciosas, diamantes Que fizeram do Reino bom regalo E do Monarca o Rei Sardanapalo.

    38 No foi boa Poltica seguida Aquela que se fez por invaso Da Espanha que estava dividida Por causa do seu Trono e Sucesso. Terminava com Paz reconhecida, Se bem que houvesse ainda Matapo... Por descuidar defesa ultramarina, Perdeu-se para Holanda a rica Mina.

    39 Aos olhos da Coroa, Vera Cruz Aparecia Terra-Promisso E a aurfera cpia era a luz Que tentava geral emigrao Das gentes que julgavam dalcatruz Tirar riquezas mil de um s filo. Enquanto as Naus dos Quintos, cheias douro Davam ao Creso Rei o gro tesouro.

    40 Chegavam a Lisboa cargas louras De minrio de riqussimos metais, Arrancados terra, lides mouras Que faziam dos ndios animais. No Reino, o abandono das lavouras, Das artes de mester industriais, Entregava o Pas aos calaceiros, Novos ricos do trato, e aos matreiros.

  • 41 Esbanjo, luxo e pompa de saraus, No so, no entanto, o nico legado Desta era de rtilos pardaus De um Rei que, pelos deuses bem fadado, Deixou feitos diversos, bons e maus. E, pelos tempos, h-de ser lembrado, No por ter feito Infantes Palhav, Mas por Marinha Grande e por Lous.

    42 Aqui, fbricas foram fulgurosas Estncias de trabalho e produo. Tanto quanto, em Lisboa, as famosas Letras e as Artes nobres de eleio, O esplendor do Barroco, verso e prosas, A pesquisa moderna, rigor so, Como na Academia da Histria E, nos cus, Passarola de memria.

    43 Mas tambm Biblioteca de excelncia Na Universidade construiu, Da Cultura Coimbra referncia Ficando, tal como em Mafra erigiu Majestoso Convento de imponncia, Como no Portugal jamais se viu. Pena foi que, no fim, a grande Ibria Visse o Monarca pobre e na misria.

    44 O Sculo Dezoito ia ao meio, Quando ao Trono subiu o Rei Jos, Homem de sombra, dvidas, enleio, A quem Lus da Cunha deu por f Testamento Poltico e anseio De que viesse boa de mar A sorte de ver outro e reformado O Reino tantas vezes adiado.

    45 Iam mudando os tempos europeus Com Francos e com Anglos por rivais. Tremiam os tiranos, camafeus E coroas de prncipes reais. Eram ideias, eram jacobeus, Eram novos princpios racionais. Houve alguns soberanos que aceitaram: Esclarecidos Dspotas ficaram.

  • 46 Tais diferenas via no futuro O Zeus que tudo sabe e negoceia, Sabendo que nigum est seguro, Pensa logo fazer uma assembleia Para ditar decreto mais maduro. No avana com tal, que a Citereia Lhe diz: No vale a nossa soluo, Que tudo isto dar Revoluo !

    47 Nem tu que s Pai celeste e nos seduzes, Poders encontrar a salvao Fora deste pensar de novas Luzes, Que de tudo faz norma e s Razo. Doravante, vers canhes, obuzes Assestados a toda a Tradio ! E para crer, amar ou no inteiro, Na Terra, s um Deus o Verdadeiro !

    48 O Olimpo aterra tanta profecia Do Mundo novo, cnico, medonho, Que vem a quebrar velha harmonia. Ergue a voz o Tonante e diz: No sonho, Vamos abandonar a primazia. Mas, antes de sair, por mim disponho Que no caos o Pluto e o deus Urano Entreguem a Lisboa ao deus Vulcano.

    49 Ningum se via prximo do Inferno, De Novembro o primeiro despontava, Quando, na Capital, o monstro Averno As goelas da morte escancarava. Tremia a terra, o mar, o cu superno Ardia em chamas, tudo se abalava. Vinha da foz do Tejo o maremoto, E a Baixa sucumbia ao Terramoto !

    50 to grande a catstrofe, tremenda, Mortfera, fatdica e letal, Que esfacela colunas, e vivenda Alguma ficar na vertical ! Rolam pedras, o solo se abre em fenda, Nunca to ruim se viu em Portugal ! Nas ruas correm novos, fogem velhos, Sem tempo para ouvir ou dar conselhos.

  • 51 O fumo contamina a atmosfera, Rebentam as golfadas sulfurosas Da boca fumegante da cratera, Corpos desfeitos, cenas horrorosas De sangue e sacrifcio que se acera Nas vtimas prostradas, escabrosas. Na cabea do Reino, a foice avana, To cevada da trgida matana.

    52 Como pode, meu Deus, acontecer Uma hecatombe assim, luz do dia ? Como pode este Povo merecer Tanta calamidade, tal razia ? Jesus Cristo, Senhor, no vais valer Terra que da Santa Me Maria ? Perguntava, exaurido e implorando, Um velho sacerdote, agonizando.

    53 Virgem da Conceio que, muitas vezes, Salvastes nossos homens do mar fundo, E sempre destes bnos nos revezes Que aos pobres desgraados deste Mundo Serviram, contra o dano e a dor, de arneses, Por mor que fosse o mal e furibundo, Por ns, por todos ns intercedei, Que ningum nos acode, nem o rei !

    54 Pelo meio dum beco, entre runas, Uma donzela me, de filho infante Nos braos, a chorar, e com meninas Desgrenhadas e berro lancinante, Esfarrapadas, plidas, franzinas, Murmurava consigo, soluante: Dei meu homem ao mar em tenra idade, Dou s minhas crianas orfandade !

    55 Mas no meio de tanta confuso, Aparecem ladres e salafrrios Que roubam tudo quanto est mo, E violam mulheres e sacrrios; Matam sem ver a quem, por ambio, Criminosos, esbirros e sicrios. Nunca se vira tal e torpe estrdia De sdicos infames da balbrdia.

  • 56 Eis que baixa, com firme deciso, Vem lestro, na carroa de cavalos, Um ministro da Corte, e, por lio, Manda prender patifes e enforc-los. Logo resolve aos mortos dar vazo E aos vivos o cuidado de salv-los. Para isso descera do Castelo Sebastio Jos Carvalho e Melo.

    57 Quem assim procedia, to ousado, Fora j diplomata de carreira Por Londres, por Viena traquejado, Ouvira ideia nova da maneira Como se faz Governo Iluminado. E por essa medida de craveira Se orientou o novo Portugal Com o severo estilo de Pombal.

    58 Mas no era, no entanto, da Razo Que vivia somente o Reino Luso. E houve, muita vez, contradio Entre o dito e o feito, basto abuso, Violncia e cruel perseguio De que veio processo vil, abstruso, Gesto igual ao que em terras galicanas Se fazia, tal qual nas prussianas.

    59 Longe da sua Ptria fez caminho O grupo luminar estrangeirado. Um deles era o dito Barbadinho, Outro, Ribeiro Sanches afamado. Mas nunca receberam o carinho De sua Terra terem regressado. Para policiamentos salomnicos Chegavam j as lojas dos manicos.

    60 Qui para mostrar aceitao Das ideias e formas libertrias, Consentiu o Governo criao De um Conselho de musas luminrias, Os poetas de alguma inspirao Que de rima fizeram obras vrias: Com norma menos grega e mais romana, Assim viveu a Arcdia Lusitana.

  • 61 Sobejava ao Governo de arrogncia A Poltica dura e mo de ferro, Por uso no fazer da tolerncia Mas antes praticar garrote e berro. Tirou o Chefe prol da circunstncia Quando, sem inquirir verdade ou erro, Mandou matar os Tvoras e Aveiro Com malvadez, sanhudo e carniceiro.

    62 E na mesma sentena foi julgado O Clero Jesuta grei danosa, Por ter conspirao no atentado Contra o Rei, numa noite tenebrosa. S ficou o Tirano saciado Ao expulsar com ordem acintosa Os Padres de importantes privilgios, Como gente de intriga e sacrilgios.

    63 Logo de Oeiras Conde o galardo Recebeu o Ministro rigoroso, Das mos do Rei que tinha de paixo A tourada e o torno caprichoso. Quis mostrar que Poder o da Nao, E foi contra os soberbos afrontoso. Fez obra com orgulho e altivez, No lhe tardou a honra de Marqus.

    64 Com leis e com decretos, ditadura Sustentou com furor e teimosia. Cuidou de levantar a agricultura, Fez do Porto um vinho de ambrosia, Maravilha de nctar em taa pura Da Nobreza e da rica Burguesia. Dominou o apetite dos Ingleses E entregou o negcio a Portugueses.

    65 Levantou o comrcio ultramarino, Pesou os benefcios e os agravos, Companhias e rotas com atino, Deu a quem merece a f nos bravos; E dfrica ao Brasil, tenaz, leonino, Acabou com o trfico de escravos. Protegeu as indstrias fabriqueiras, Ordenou o plantio de amoreiras.

  • 66 O velho Santo Ofcio foi entregue Ao Estado que dele fez seu uso. Das armas e defesa encarregue Foi De Lippe, chamado ao Grmio Luso, Quando a Europa Franca e a Varegue Contra os Anglos, por terra e mar confuso, Disputavam o comando dos Oceanos, Na Guerra que durou por uns Sete Anos.

    67 Mas a glria maior e consagrada Do Marqus que fundou e fez Lisboa A capital de mrmore quadrada, E a Praa do Comrcio que ressoa Por Terreiro do Pao ser chamada, Foi ter conseguido por coroa A Reforma do Ensino e qualidade DEstatutos da nova Faculdade.

    68 Ao pao chamou nobres e senhores, E nasceu uma nova fidalguia. Aristocratas fez dos mercadores, Aboliu diferena que existia Opondo cristos novos a seniores. E deixou ao futuro a mestria Do estilo das Luzes racionais Que recusam os ritos ancestrais.

    69 At que sucedeu no calendrio Rei Morto (lei suprema da Natura), E logo soprar ventos de contrrio Depois que foi levado sepultura O Dom Jos, monarca e relicrio De segredos do Trono e ditadura. Ao baldaquino veio generosa A Maria, Rainha e Piedosa.

    70 Rodaram os Ministros governantes, Voltaram os Jesutas ao Pas. Mudaram os comandos importantes, Da priso saiu livre o infeliz. Da estranja vieram emigrantes, De Londres, de Berlim e de Paris. Ao Poder, o Visconde de Cerveira Subiu, e comeou a Viradeira.

  • 71 Apesar da bondade da Rainha, Vem cena a vingana e a inveja, Que Pombal j no tem, com antes tinha, Fora de mando aos nobres e Igreja. Nos Paos Rgios outra casta alinha Pelo novo senhor, Marqus dAngeja. Vai o velho Tirano ser julgado, Por juiz ao desterro condenado.

    72 Parece ter havido contra-senso De jri que resolve dar a pena Que no correspondia ao crime intenso Dum foro cru, quando esteve em cena. Mas h nas leis a mirra e o incenso Que tornam o castigo coisa amena: O Ru sempre alegou que a ditadura Tivera de seu Rei a assinatura.

    73 Iam mudando os tempos e as vontades, A Poltica nova comeou: No Ministrio outras h verdades Que do estrangeiro trouxe e aceitou. A Senhora Piedosa, sem vaidades, O Povo ao Palcio convidou, Chamando as pobres gentes aos assentos Para delas ouvir agravamentos.

    74 Relanou o trabalho e a produo, Segundo agora vem e se relata Nos tratados de nova concepo Que defende a doutrina fisiocrata. E resolve fazer abolio Do estorvo que impedia, quela data, Das indstrias progressos e surtidas: Corporaes que foram abolidas.

    75 Era tanta a vontade de crescer E trilhar mais caminho com ardor

    De quem quer revelar alvorecer Para outra idade e pundonor, Que a Londres vai a dar seu parecer Da compra de uma mquina a vapor Jacinto, fabricante e emissrio, Com vista num projecto visionrio.

  • 76 Adaptou-se o Regime conjuntura E recusou o tempo da pragmtica, Incrementou espaos de Cultura Dados a grandes mestres de gramtica E demais conhecer sem armadura Que aferrava saberes dogmtica. Com o Serra, mais outras eminncias, Fundou a Academia das Cincias.

    77 Mas no menos famosa, a Casa Pia Aparece em seu tempo retumbante, Boa escola de ensino e de mestria, Em artes, em ofcios relevante, Para jovens recreio e alegria, Foi a obra mais til, mais prestante Que fez Pina Manique, o Intendente, Para desamparado e indigente.

    78 Contudo, foi tambm o mais censrio, Dos polcias o chefe galopim, Em trabalho de rusga, decisrio De vidas, por capricho de malsim. Fez o rol de instrues e de cartrio, Para agrado do Trono e do Delfim, Com ordens de priso e de enxovia Contra a seita ilegal, Maonaria.

    79 No conseguiu, porm, prender ideias Que corriam na pgina de Imprensa, Por cidades, por vilas, por aldeias, E punham a Realeza turva e tensa, Ao chamar a mudanas europeias Todo o Povo que sofre, mas que pensa Ser melhor o Regime da Nao Quando o sbdito for o cidado.

    80 Entretanto, brilhou feliz talento Em verso de valor diamantino, O poeta que foi musal portento, O Manuel Bocage, dom sadino, Ao tempo em que se ergueu, de monumento, Na Estrela, uma baslica ao Divino. E, depois, vem a traa que romana Em bom regresso Terra Lusitana.

  • 81 Ia o sculo posto em seu ocaso, E na Europa inteira se sentia Emperrar o progresso pelo atraso Em que o antigo Trono se perdia, Quando saltou em fria o p raso Do Povo iroso e toda a Burguesia. Na Frana do Capeto, com Razo, Rebentou a feroz Revoluo!

    82 Era num dia plcido de Maio, Os Estados Gerais o Rei chamou, A ver se conseguia, com ensaio Derradeiro, salvar (mas no salvou) O Pas da tragdia que, de um raio, Na agonia terrvel o lanou. Porque a Assembleia junta, com acinte, Se proclamou, unida, Constituinte.

    83 Abolidos se fazem privilgios, Os tributos, as honras, os proventos Que tinham os senhores nobres, rgios, Brasonados ou de outros nascimentos. E novos ao Poder se vo: elege-os O Povo pelos seus merecimentos. Fraco, podre, sem foras e corrupto, Acabou o Regmen Absoluto.

    84 Depressa o movimento se lanou Com sangrenta, mortal carnificina, Pois at para tanto se inventou A mquina da crua guilhotina, Que, entre muitos, tambm decapitou Os Reis a quem julgaram com verrina. Ao saber de tal drama de inclemncia, Dona Maria fica na demncia.

    85 Revoluo Francesa radical, Assim consta por todas as Naes, De Norte a Sul, da Rssia a Portugal. Temem as Monarquias convulses Que os burgueses agitam em geral Contra o Poder das nobres tradies. E logo se opuseram mudana, Os Britnicos e outros, de aliana.

  • 86 Assim se mobilizam os soldados Da Lusitana Fora militar, Companhias de tropas de apeados, Marinha e colunas de montar. Marcham a combater, regimentados, Os Galos que preciso derrotar. Mas s foram fazer no Rossilho Campanha de falaz desiluso.

    87 De batalha a batalha, cresce a Frana Com armas e tambm com iderio. E o general que mais vitria alcana Faz o golpe Dezoito de Brumrio: o Napoleo que se balana A bater todo aquele feudatrio Que, durante tremenda e bruta guerra, Se colocar ao lado de Inglaterra.

    88 Nesta malha de intrigas e confrontos Se viu Joo, o Prncipe Regente, Procurar ordenar e manter prontos Os garantes do Trono independente. E, por faltarem peas, lanas, contos Que a Portugal ditassem ascendente, Na Guerra das Laranjas, foi Espanha Que apanhou Olivena com gadanha.

    89 Doravante, mais grave se tornava Permanecer o Luso em paz, neutral, Depois que Bonaparte decretava O Bloqueio maior Continental, E com esta Poltica pensava Destruir de Albio o arsenal. Como o Governo Luso no acedeu, A carga de Invaso aconteceu.

    90 Entre Espanha e a Frana um Tratado Dividira em Reinos o Pas Que, depois de ter sido conquistado, No teria Histria nem matriz. E a Casa de Bragana, seu ducado, Ficaria sem Trono e sem raiz. Assim Junot marchou para Lisboa, Atravessando o rio Bidassoa.

  • 91 ento que o Conselho e Sua Alteza Resolvem retirar para o Brasil Com a Corte, com Bispos e Nobreza. No largo Tejo, a tiro de fuzil, Fundeava a Real Esquadra Portuguesa De elite militar e da civil, Naus, fragatas, bandeiras nos aplustres, Magna pompa que acolhe tais Ilustres.

    92 Havia pouco quando, rumo ao cais, Vinha descendo o coche da Senhora Rainha Me, que achava ser demais A marcha dos cavalos, corredora. Ordena, ento, que trave os animais O auriga, e a quem diz, moderadora: To depressa no vale a pena ir, Que at pensam que vamos a fugir!

    93 Sai a frota, sulcando o esturio, Com o ms de Novembro no seu crono, No ano sete do novo calendrio Do sculo que abriu, dezeno nono, Quando Junot chegou, retardatrio, Sem poder apanhar a Corte e o Trono. Ao fundo, pde ver, e sem conforto, Quem queria agarrar, ou vivo ou morto.

    94 J chegado, no Rio de Janeiro, Onde iria ficar, por muitos anos, Foi o Prncipe logo prazenteiro Em gestos diplomatas, soberanos, Quando abriu ao comrcio estrangeiro Os portos litorais, americanos. E no tardou que fossem os Ingleses A ganhar muito mais que os Portugueses.

    95 Ficara o Governo de Regncia Na Metrpole, frgil, sem valia, Perante o Invasor e prepotncia Que sobre o Povo trouxe a tirania, Ajuntando ao massacre e violncia Decreto que aboliu a Monarquia. At que, um dia, a mui Leal Cidade, Sem temor, implantou a Liberdade !

  • 96 J tarde, mandou tropa a Gr-Bretanha Que veio unir-se Lusa Militana, E um chefe General para a campanha Que havia de fazer-se contra a Frana. E assim, em Portugal e pela Espanha, De Junot, Soult, Massena, com pujana, Se venceu as trs grandes Invases, Com guerrilha, batalhas, incurses.

    97 Meu Deus! Oh! Quanta dor! Quanta amargura! Foram mortes terrveis e pungentes, Temores e fazenda no segura, Ataques, crimes feros, inclementes, Assaltos, violaes, soez tortura Do Francs Invasor aos inocentes ! E o que mais cru deixou de horror as marcas Foi, no Douro, o Desastre com as Barcas.

    98 Estando a Corte em Terras Brasileiras, Obra grande ali foi estipulada: Ruas, tratos, indstrias fabriqueiras Na Colnia em Reino transformada. E ao Reino Portugal eram canseiras A sorte que lhe estava reservada: Lavoura e oficinas na falncia Sem poder aguentar a concorrncia.

    99 Sofriam os burgueses no negcio, Enquanto os Anglos tudo disputavam Com navios, alm do Equincio. Sofriam militares que cansavam Do Comando Britnico, becio, Injusto, repressivo, que odiavam. Longe deles, o Rei entre Tupis, Anambs, Anacs e Guaranis...

  • 100 Germinando, crescendo, dilatando, Da revolta a vontade e a ideia Chamavam todos, todos preparando, A gente das cidades e a plebeia. Muito mais inda, aps o mal nefando De estrangular, luz da lua cheia, General Gomes Freire, com crueldade, Que o fez mrtir da ptria Liberdade.

  • C A N T O S E G U N D O

  • 1 Anjos e Arcanjos, Tronos, Potestades, Corte de Serafins que o Cu povoa, Vs que inspirais talentos e vontades De obras em verso, fama que ressoa, Trazei at mim claras as verdades, E seja minha voz feliz que entoa A Revoluo grande que se vence Na Cidade que Me Portucalense.

    2 Na velha Europa vinha acumulando O desejo de haver outra medida Na gesto da Poltica, e voltando O olhar de apreo Frana redimida Que por muitos escolhos ia dando Lies de livre Ptria renascida, E aos Povos oprimidos dava exemplo De ser dos cidados o novo templo.

    3 J seis vezes a Terra circundara O Sol em seu rodar de translao, E na derrota amarga se findara O Imprio do minaz Napoleo. Entretanto, a seguir, se retomara O Regime da velha reaco Que reuniu contra a Frana, em sala plena, Os Reinos do Congresso de Viena.

    4 Porm, no haveria quem travasse A corrente da fora das ideias, Nem por diversas partes obstasse O sangue liberal em muitas veias, No curso para onde caminhasse A F e as esperanas europeias. E assim rebentam vivas convulses Onde os Burgueses ganham condies.

    5 Vai na Revoluo o Continente Entrando contra nobres regalias, Mobilizando o Povo descontente Dos feudos e de antigas fidalguias, Com mo armada e berros contundentes Para atacar as velhas Monarquias. Em fora, devagar ou de rompante, Vo ao Poder Burgueses, doravante.

  • 6 Era, ento, Portugal em orfandade Por ter longe de si o Rei Joo, E a Corte no Brasil, e sem vontade De voltar ou achar resoluo Para findar a ruim calamidade Que desgraava a gente da Nao: A misria por causa dos Franceses, A servido por via dos Ingleses.

    7 Mas haviam ficado na memria As promessas que foram esquecidas Por Invasores a quem a fria dria Instigou vilanias desmedidas, Renegando princpios, na vanglria De ambio e soberba apetecidas. Na lembrana ficou a Liberdade, E o sonho resistiu na puridade.

    8 Conspiram fabricantes e doutores, Na loja e no Sindrio principais. Juntam-se nos quartis os seguidores Militares, sargentos, generais, Esto dispostos luta, sem temores Vo tomar atitudes terminais: Levanta-se no Porto a aclamao Do Rei e da legal Constituio.

    9 De Santo Ovdio vem Praa Nova O Exrcito infante e cavaleiro Que da virtude antiga faz a prova: A de ser bem chamado de tripeiro. E com brados e berros soa a trova Que o Povo mobiliza, prazenteiro: Viva o nosso Senhor, viva a Cidade ! Viva a Nao ! E viva a Liberdade !

    10 Logo se funda a Junta Provisria, Com o Toms, o Borges e o Carvalho. A seguir, Lisboa que vitria Vem com o rico e gente do trabalho. Vem o fidalgo, vem o Clero glria, Com o mesmo fervor, e o mesmo talho. A Junta que se faz Provisional Expulsa o anglo e perro Marechal.

  • 11 Por todo o Reino est em andamento A prima, Liberal Revoluo ! Para reunir o Luso Parlamento Se abre dos Deputados eleio. Doravante, nas Cortes tem assento Quem vai elaborar Constituio. Nobreza, Clero, lite plebeia, Todos com igual voto na Assembleia.

    12 Regressa o Rei Joo a Portugal, Em mar calmo, de brisa zefirina, E a ulica Famlia principal, A pensar certamente na m sina Que os espera no Reino seu natal. Vem a bordo a Rainha Joaquina, Que no jura a Lei nova da Nao E ao Regime pe sempre o seu travo.

    13 Fica no Rio o Pedro governando Com Ministrio grado e trabalhoso, Para seu novo Reino procurando O futuro brilhante e radioso, O destino do Povo repensando No quadro de Nao, ambicioso. E, enquanto defendia os seus valores, No perdia o ensejo dos amores.

    14 A Espanhola, teimosa ana-bolena, Joga xadrez de ocultos bastidores E pelo Poder velho traz arena Os ressentidos nobres e senhores Do Clero e outros mais a quem acena Com honrarias rgias e favores. Rebenta a feroz Vilafrancada E, a seguir, eclodiu uma Abrilada.

    15 Assim com os desmandos e traies No vo avante os sonhos liberais, E perante as diversas convulses Que o Prncipe Miguel e serviais Provocam com recusas e paixes, Manda o Rei, com aval das Leis Gerais, Que o Infante se v com seu idlio Para Viena dustria, no exlio.

  • 16 No vem Paz ao Reino Portugus Apesar do esforo concertante, Que h quem aposte fero, muita vez, Nas aces e campanha difamante. Desse modo vilo, assim o fez O Agostinho Macedo, trovejante Em pasquins e sermes de parentica Com odiosa verrina dialctica.

    17 Vem o mal Poltica Vintista Quando o Brasil se anima com a luz Do grande Movimento Autonomista Que a Amrica de espada e de arcabuz Ops ao Espanhol colonialista. Chega a hora de a Terra Vera Cruz Ouvir o Tiradentes e os Baianos, A gesta dos heris pernambucanos.

    18 E, na altura das Cortes Constituintes, Mandam volte o Brasil a ser colnia, Reacendem os protestos contra acintes, Crescem frias, adensam de acrimnia Atritos velhos, medram os requintes. E o Dom Pedro rejeita a parcimnia: Levanta o brao, leo recusa a canga, Sem medo, lana o Grito do Ipiranga !

    19 Correm assim as coisas, quando a morte Leva Joo, o Rei que foi Clemente, A quem coube o veneno como sorte. E, com rumo ao Brasil Independente, Vai a Deputao de assunto forte: Qual o de entregar ao descendente Filho mais velho, feito primognito, A Coroa, direito seu congnito.

    20 Dom Pedro aclamado como herdeiro Do Trono de seus pais e antepassados. Mas, como do Brasil o Rei primeiro, Imperador de todos os Estados, Logo resolve dar o bom e ordeiro Decreto, para ver pacificados Os Lusos que a faco divide e aparta: Edita, assina, outorga e d a Carta.

  • 21 No contente com tal resoluo, Dom Pedro Quarto toma como certo E decide fazer abdicao, Por conselho daqueles que tem perto, Do Trono e da Coroa da Nao, Em sua Filha, e, Pai com jogo aberto, A d ao Dom Miguel em casamento Para que de Regente tenha assento.

    22 Eis que chega de fora, concordante, E Carta logo presta juramento, O Miguel que aceitou e vem Infante Para ao Governo dar o seguimento. Mas, por sentir o Povo delirante A receb-lo, cai no esquecimento O que disse e o que fez sob a palavra Que d por sua honra a gente brava.

    23 Oh! Como poderia ser formosa A Poltica, e bela actividade ! Se no fosse to falsa e mentirosa, To falha de coerncia e de verdade, A atitude de quem a faz rendosa Ou dela se aproveita por vaidade. E tambm no merece aceitao Aquele que a seguir por ambio.

    24 s ocultas, conspiram os bares, Os bispos, os abades e outros mais Que recusam viver pelos padres, Princpios e valores liberais; E, juntando-se ao Duque de Lafes, Querem instituies tradicionais. Chamam os Trs Estados a quartel E aclamam como Rei o Dom Miguel.

    25 Entra o Pas em negra tempestade De guerra entre irmos e seus amoucos. Padecem os da Carta atrocidades Dos Corcundas que os catam, como loucos Torturam com feroz barbaridade, E os que matam na forca no so poucos, Que at se despertou em gente mansa A fria ruim e o sonho da vingana.

  • 26 Quo felizes aqueles exilados Que deixaram a Terra Me bendita ! E, em bandos e magotes irmanados, Escaparam sorte vil, precita, Por montes e arribozes embrenhados, Se passaram Frana, onde habita O Povo que tem alma e corao Na Carta, nacional Constituio.

    27 Quis o destino bom que, no Brasil, O Dom Pedro deixasse de reinar. Foi, ento, que assumiu ardor viril De frente de um comando se postar Para a Guerra, furor, ciso civil, Fazendo sua Filha retornar A Coroa do slio de Bragana Que a ela pertencia por herana.

    28 Sobe Europa, Londres e Paris, Dado Causa de intrpida faanha, Da Reivindicao maior, feliz, Dinheiro, barcos, tropas arrebanha. Prepara bom regresso ao seu Pas, Tudo a postos na costa da Bretanha. E arrostando procelas, mar e dores, A Armada aponta a proa aos Aores.

    29 Na Terceira, se prova a resistncia Que h-de reconquistar o Portugal. Ali forma Conselho de Regncia O Prncipe, de farda General, O Duque que s tem por incumbncia E misso, mais que todas principal, A que ele quer, a que sonha e acarinha: Pr Maria no Trono de Rainha.

    30 Ao mar amigo a frota se relana, De popa aproveitando barlavento, Navegando segura na bonana Leda tripulao sem desalento, De peito corajoso e de esperana Em ver depressa a Ptria, Luso Assento. At que de alto monte assoma a crista E da gvea se brada: Terra vista !

  • 31 De Viana descendo o litoral At Vila do Conde, e convocado Conselho na fragata principal, Se decide ser desembarcado O Exrcito da Armada Liberal Na praia onde estava programado: Assim foi qual ficara decidido, E a conserva ancorou em Pampelido.

    32 Nos batis com soldados e chefias, A terra chegam tropas alistadas Para dar luta brava s tiranias Que punham Gentes Lusas subjugadas Por caceteiros, biltres, vilanias, Opresses de vinganas e malvadas. Chega Palmela, chega Vila-Flor, Chega o Senhor Dom Pedro Imperador.

    33 Formada em colunas militares, Ao peito o azul e branco da hortnsia, Alegres no regresso aos Ptrios Lares, Avanaram os Bravos, na cadncia De tambores, com vivas e cantares, cidade do Porto, que a ausncia Do inimigo deixou escancarada, Por decidir bater em retirada.

    34 E, deste jeito tctico e manhoso, Foram os Liberais encurralados. Comea, ento, o Cerco doloroso Que os Miguelistas fazem aos Malhados. H-de ser um calvrio horroroso Para Dom Pedro e todos os soldados Que vo lutar com sanha enraivecida Numa Guerra Civil e fratricida.

    35 Foram duras batalhas, incurses Sobre as Linhas e postos dos rivais, Foram sonhos e muitas iluses De Sertrio e de outros generais. Mas a crena das justas ambies Foi mor que os escarcus acidentais. Valeu coragem de homem na vanguarda, E fora de mulher na rectaguarda.

  • 36 Para sada havia o rio Douro, Tudo o mais era cerca de castigo, Para matar a fome, tripa e couro, Osso e papas (comer de tempo antigo). Tropa aguerrida, frmitos de touro, Povo heri que no foge do perigo, Fazem um s que agarra a mesma lana E tem frente o Duque de Bragana.

    37 De batalha em batalha, e dor tamanha, Vir ao Dom Miguel, por sorte inglria, Triste e total derrota de campanha. Ganham os Liberais honor, vitria, Sob as ordens seguras de Saldanha, General de estratgia peremptria. Mas tanto ou mais que as armas, fora inteira Houve nas Leis Mouzinho da Silveira.

    38 Valeu, por fim, manhosa operao Que do Norte correu costa Sul, E do Algarve subiu, em diverso, Erguendo alto a Bandeira Branca-Azul, E derrotando o brbaro Jordo Com audcia, com jbilo taful, At tomar Lisboa, com orgulho No dia vinte e quatro, ms de Julho.

    39 Com exrcito fraco e destroado, Dom Miguel perde a Guerra, finalmente. Em muitos prlios sempre derrotado Por Dom Pedro, tenaz, belipotente. Embarca, pesaroso, condenado Ao exlio que volta no consente. Mas deixa no Pas os apoiantes, Dos quais os amontados so bastantes.

    40 Governa, agora, Pedro, ditador, Com a Carta por Lei em Portugal, E ministros de gana e de valor Que defendem a Ptria Liberal, Publicando decretos com vigor Para bem do Progresso Nacional. Reformaram as terras e os rendeiros, Encerraram conventos e mosteiros.

  • 41 Acabou Portugal do tempo antigo, Das velhas, ancestrais instituies, Embora permanea algum perigo De bernardas e arteiras convulses. Mas valeu sempre mais o apoio amigo Que, no Ocidente, deram as Naes, E logo lhe garantem segurana No convnio da Qudrupla Aliana.

    42 No acabou seus dias o Regente Dom Pedro, grande Rei, sem vir ao Norte Dizer adeus ao Porto resistente. Entrou no Douro, viu, lembrou a sorte Que deveu Cidade to valente. E ali decidiu, j prevendo a morte, Ficasse no Braso celebrizada Com o Grande Colar da Torre e Espada.

    43 Sobe ao Trono Maria que Segunda, E Segundo Fernando seu marido. Vai cuidar do seu Reino onde abunda Diviso de pensar e de partido, Vai moderar Governo e barafunda, Do Golpe de Setembro at Gramido. Enquanto o esposo, mestre do semntico, Ergue, em Sintra, palcios de romntico.

    44 Depois que a Capital alvoroada Viu chegar aclamantes setembristas Desejosos da Carta reformada, A Rainha, temente das conquistas Populares, promove a Belenzada No intuito de vencer os arrivistas, Apostando na ajuda contra a felga, Que lhe dava a Britnia e o Rei Belga.

    45 No tardou que um acordo acontecesse E outra Constituio de concesses, Para prover que no aparecesse Mais turbamulta nem tribulaes. Houve esforo de molde a que valesse O respeito s Reais Instituies. E o pensar livre brande o argumento Nos clubes, nos jornais e Parlamento.

  • 46 o Passos Manuel o corifeu De um Governo que fez com homens bravos, De reforma do Ensino e do Liceu, Do fecho do comrcio dos escravos, Com S da Bandeira que o tolheu, E outras leis que trouxeram desagravos Ao Povo que no via a equidade, Promessa do Poder da Liberdade.

    47 Os Cartistas, porm, no desarmavam, Esperando chegar a hora certa De mandar no Pas, e conspiravam No fito de, algum dia, vir oferta Do azo que, havia tempos, aguardavam. Eis que um ministro faz revolta aberta: O restauro da Carta liberal Pelo Filho de Algodres que Cabral.

    48 Altivo defensor da Lei primeira, Com Governo de estilo autoritrio, O Cabral demarcou uma fronteira Que no tolera abuso libertrio. Contra si teve berros de trincheira, Nas Cortes, e jornais do seu contrrio. Mas no temeu o fel de Oposies, Por ter por si a tropa e os maes.

    49 Diziam que o Pas caa a pique, E os laos imorais eram avonde. Ele, contudo, opunha barra e dique Seguro por baro e por visconde, Regedor de parquia e o cacique, Selectos para estar no lugar onde Pudessem lanar mo de ferro e farda Contra qualquer conjura de bernarda.

    50 Faltou-lhe ser prudente nas medidas Com as quais procedeu a bom progresso: No Ensino, nas Finanas aferidas Por cadastro do fisco com acesso, E tambm nas estradas esquecidas Que tanto precisavam de sucesso, Tal como nos cuidados de sade, Higiene e destino de atade.

  • 51 Perante o que moderno pesa mais O que dita a funo acostumada, E o que respeita a lei dos ancestrais tido como norma consagrada. Quem nos vem abrir cova de animais ? Gritou brava mulher de Fonte Arcada. E assim eclode contra o vituprio A revolta por mor do cemitrio.

    52 Pelo Minho, Maro e por Lanhoso, A Maria da Fonte fez cordo De protesto e raiva furioso, Por defesa da velha tradio Do enterro de seus mortos carinhoso, Na igreja sepultando o seu caixo. De alto a baixo ficou o Reino em asca E o Padre Casimiro na borrasca.

    53 No tardou que o Partido Setembrista Se agarrasse revolta, posto a jeito, E fizesse valer nova conquista Dum Governo a formar em seu proveito. Atirou-se ao Poder na derrotista Campanha que levou a queda a peito Do Tirano que, duro, foi sagaz, Mas, demitido, deixa o Reino em paz.

    54 Era o que se julgava acontecer Se houvesse cumprimento de Eleies, Tal como comeou a prometer Quem apenas criava as iluses. E depressa se veio a conhecer Que Rainha faltavam condies Para reinar, conforme preparada, Porque sofrera o golpe dEmboscada.

    55 Demitira o Governo de Palmela Contra quem pressionou com muita manha (Tendo Dona Maria parte dela) O cabralino Duque de Saldanha. Logo rebenta a fria de procela, Na cidade do Porto, invicta sanha: Contra a vil ditadura de Lisboa O Norte forma Junta mor de proa.

  • 56 Assim comea a dura Patuleia Que levou Portugal a cenas tantas De abelhas e de zngos de colmeia, Uns afoitos, e os outros sacripantas, Uma Guerra Civil, uma odisseia De heris como Saldanha e Conde dAntas Que travaram combates at dar Num beco sem sada militar.

    57 Tinha a Junta Suprema Portugal Por si, e contra o Duque viperino, Senhor de pouco mais que a Capital. E a Rainha sofreu o clandestino Ataque dO Espectro, bom jornal De Rodrigues Sampaio, leonino. O profeta da glria da Cidade Do Porto, Terra Me da Liberdade !

    58 Pela Rainha Cortes estrangeiras A defesa tomaram oportuna, Aquela que s Naes interesseiras Em fase duvidosa se coaduna: Entram foras inglesas prazenteiras, Entram as espanholas (m fortuna!), Juntam os contendores em Gramido E Portugal ficou em paz, rendido.

    59 Depois de tanta guerra, vem cansao Vem calma dos Partidos Liberais, Est doendo o incmodo fracasso Que padeceram chefes generais. E a Ptria vai sentir no seu regao A desordem, a fome e os marginais: So ladres entre bouas, por adrego, Que roubam a riqueza e o sossego.

    60 Chegam de Frana novas alarmantes Que prometem a todos Igualdade ! Cartistas, Setembristas, concordantes Vo unir-se em favor da Liberdade... Esquecem oratrias retumbantes, Preferem garantir tranquilidade. Reatam com Santa S as relaes, Acaba o Cisma, salvam-se as Misses.

  • 61 As Belas Letras e Artes, entrementes, Cresciam com trabalhos de valor, No tempo em que os veleiros imponentes Cediam aos navios de vapor. Herculano, Garrett, os excelentes, Mais Camilo, polgrafo escritor, Todos eles so gnios de romance E poetas excelsos ou de lance.

    62 Corria na Europa a Primavera Dos Povos que sabiam ser nao, E Portugal enceta a nova era Marcando o fim da luta e da faco Que levara runa vil, severa, Da tristeza e pungente humilhao. Saldanha, o chefe da aventura, Que abre o Estado a outra conjuntura.

    63 Regenerao, assim chamada, poca de riqueza e crescimento, Porque foi, doravante, melhorada A economia de alto investimento: Nas vias, nos transportes aplicada A fatia maior do oramento. E no Governo, norma regular Foi a de dois Partidos a rodar.

    64 Reinam os Soberanos, no governam, Como dispe a lei da lusa Carta: Os Ministrios mudam porque alternam Segundo as Eleies, e o rei aparta. Saber e gostos vlidos externam Os que prezam Atenas mais que Esparta: Assim o revelou Dom Pedro Quinto, Da Cultura gentil senhor, distinto.

    65 E, se nas Letras foi Esperanoso, Tanto ou mais que nas crises e desgraas, Onde o Povo o sentiu um pai bondoso, Tambm nas obras, vias e nas praas Mostrou ser animado e caloroso: Fez inauguraes e bebeu taas, Com saudaes solenes e festivas s primeiras reais locomotivas.

  • 66 Era o tempo em que a rpida cadncia De transportes, de indstria, horizontes No progresso rasgava de excelncia: Nas cidades, por vales e por montes, O comboio deu fim diligncia. Por campos, por floresta, sobre pontes, A Europa cresceu capitalista, E o Portugal fez poca fontista.

    67 Sobe ao Trono Lus, o Popular, Com a mesma Poltica avanando: Livre cmbio que vem prejudicar A produo interna, no cuidando De proteger as vendas ou olhar A lavoura que fica no desmando. Est o Pas na Casa Europeia Mas no se descobriu a panaceia.

    68 Enchem ruas as greves operrias Que recusam voraz explorao. Por causas semelhantes, proletrias, Vai crescer a profusa emigrao. Aparecem escolas de artes vrias, E no logram travar contestao Que ao atrazo da mente e do Ensino Fazem as Conferncias do Casino.

    69 So Regeneradores, so Histricos, Que rodam no Governo contra a crise E contra a dura canga dos Armricos, Sem que algum deles sinta que amenize O peso com discurso de retricos. Ora, se quando h erro, h quem avise, Para afrontar os Reis, burgus e urbano Um Partido nasceu Republicano.

    70 No Ocidente, h tenses imperiais, Correm na frente os Anglos e os Germanos, So eles as Naes industriais Que invejam territrios africanos E disputam files coloniais Aos antigos Senhorios Lusitanos Que recusam insdia to desptica, Desfraldando a Bandeira patritica.

  • 71 Depois de honrar o gnio de Pombal Que alimentou as lusas ambies, agora Lisboa a Capital Dos cortejos, banquetes e flores Que levantam o orgulho nacional Com o gro Centenrio de Cames ! E h quem diga que a Ptria Portuguesa Ser grande sem Corte da Realeza.

    72 Musas de epopeia defendei Que o Vate tenha paz de amor eterno! Pelo altssimo Cntico de lei, luz do antigo tempo e do moderno, gratido de toda a nossa Grei Que brilhe no esplendor do Alm superno. Mas sabe que, na tumba dos Jernimos, Se l existem ossos, so annimos...

    73 Quisera a Monarquia contornar A roda do perigo e depresso Que o sculo vivia sem parar. De frica promoveu explorao At com outros mais se confrontar, Por via do Direito e Tradio, Quando soou rebate de clarim Chamando Conferncia de Berlim.

    74 Viagens de Serpa Pinto, Ivens, Capelo, De costa a contra-costa, maior glria, Testemunhas de posse, digno apelo Justia que faz a s memria. E tudo no livrou que o desmazelo Fosse acusao vil que pra a Histria Ficou aos Portugueses que, vencidos, Perderam os direitos adquiridos.

    75 No valeram desenho nem relato Das colnias do Mapa Cor-de-Rosa Traado com rigor de bom retrato, Carta que Londres viu como afrontosa. E logo decretou um Ultimato Que Lisboa sofreu, e clamorosa Aceitou o terrfico desvairo Do Ingls que dominou do Cabo ao Cairo.

  • 76 Era, ento, Rei Dom Carlos de Bragana Que se abraa Poltica externa Com Teutnicos, Anglos e com Frana, Gestos para travar recusa interna. E s terras dUltramar de lusa herana Manda tropas que deixam a caserna, Para prlios de balas e catana At vencer o bravo Gungunhana.

    77 Mas no logrou calar a resistncia No seio da profunda humilhao Que por causa tivera a prepotncia Dos Bretes que roubaram a Nao. E tudo se agravou na insolvncia Da bancarrota, crise e depresso, Toda a triste espiral do ruim, infausto, Que a Monarquia fez Regime exausto.

    78 Irrompem os poemas de Junqueiro Que ao Povo d a voz catilinria: Portugal o Reino por inteiro Em repulsa m sorte e arbitrria. Salta, no Porto, o Trinta e Um Janeiro, Atacando a Coroa salafrria. E na roda febril da conjuntura O Dom Carlos impe a ditadura.

    79 Nesta inquietao no morre a veia Do alto gnio de mestres escritores. So eles a palavra e a ideia, Talentosos, criativos produtores, O Antero, o Ea e outros de mancheia, Inspirados artistas de primores, Alguns a quem os sonhos se frustraram E Vencidos da Vida se chamaram.

    80 Entrou o novo sculo, varado Por angstias, por medos e aflio. Muito pobre, nos mares embarcado, Foi rumando ao Brasil da promisso. Ficaria na Alfama a voz do Fado A cantar a tristeza e a paixo, Nos retiros onde a mgoa e a dolncia Chamavam gente nobre em decadncia.

  • 81 Oh! Quo nefasto foi aquele dia De Fevereiro, trgico e fatal ! O que no se pensava, nem previa, Aconteceu ao Rei de Portugal: No Terreiro do Pao, a pontaria Do Bua certeiro foi mortal. Caiu Dom Carlos mais o seu herdeiro, E o crime fez tremer o Povo ordeiro.

    82 Logo avana, ao sabor das circunstncias, A fora do esporo republicano Aproveitando todas as instncias E ganhando terreno, de ano a ano, Atento, com vigia s manigncias Das raposas do novo Soberano Que o Governo formou de Acalmao, Mas sem poder travar a convulso.

    83 Chegou o tempo e o Povo ergueu-se armado, Findou a Monarquia deprimente. Em Lisboa, foi tudo preparado E a revolta juntou de raiva ardente O civil, o marujo e o soldado, Cada qual o mais duro e mais valente. Raiou o dia Cinco, ms de Outubro, Desfraldou o Estandarte verde-rubro !

    84 Presidem os maos, e a Carbonria Est na rua, tenaz e furibunda Sustenta a resistncia necessria Onde o fuzil dispara, e onde abunda Amor da Ptria, alma libertria, Aquele amor herico da Rotunda. Mas logo vem luz o Directrio Formar o seu Governo Provisrio.

    85 Bernardino Machado, Afonso Costa, Tefilo, Relvas, doutos eminentes Que a Repblica chamou porque aposta Em novos rumos, abertos, florescentes, Insigne gerao de quem arrosta Contra questes difceis, contundentes, E logo extingue o Trono-Altar arcaico, Decretando o civil Estado laico.

  • 86 Mais Igualdade, mais Cidadania, Esforado programa de Instruo, Projectando criar Democracia. Assim se procurou a promoo Da pequena e mdia burguesia. E se muito ficou na inteno, Foi porque apareceu o tempo adverso, Cheio de escolhos, prfido e perverso.

    87 Rebenta a Guerra, morrem nas trincheiras Soldados lusos, fora diminuta De tropas sem defesa, aventureiras. E o pior vem depois de tanta luta, No regresso, sem pagas financeiras. Porque os Grandes no fogem conduta De entregar os pequenos m sorte Da misria, da dvida e da morte.

    88 Doravante, o Congresso no assenta No acordo de Partidos, e a ciznia Dos talassas, crescendo peonhenta, Queria renascer na Traulitnia. Mas o Governo vence a v tormenta E condena severo tanta insnia. Pena foi que no resto no mostrasse A fora da gesto que honra a face.

    89 De sufrgio em sufrgio, quem se instala No Poder, com inteiro predomnio, o Partido Afonsista que faz gala Em manter o perene tirocnio Do voto nos eleitos que assinala, Ano aps ano, o trunfo no escrutnio. Foi assim que o Partido Democrtico Tornou o Povo ablico e aptico.

    90 Surgiu o tempo prprio de pensar Que a soluo vital e pertinente Seria conseguir organizar Um Poder s nas mos do Presidente. E aparece o momento de entregar A sorte do Pas ao providente Tribuno e militar Sidnio Pais Em Eleies directas e gerais.

  • 91 No dura muito, morre assassinado, Entrou o Portugal em convulses. Rebentam bombas, crimes e atentado Que fazem mortes, matam iluses, Matam Ministros, matam o Machado Dos Santos, sem respeito aos seus gales. Negro drama, terror, Sangrenta Noite Que do Regime foi letal aoite.

    92 s tristezas da terra se escaparam Aqueles que nos cus navegao Fizeram: de Lisboa se largaram No rumo do Brasil em hidrovio ! Coutinho e Sacadura realizaram Grande feito, com grande aclamao. Filhos do Povo, heris dos vastos mares, Pioneiros de epopeia sobre os ares !

    93 No saiu Portugal do perigoso Marasmo em que tinha fenecido. Eis que de Braga desce corajoso Gomes da Costa, homem decidido, Com tropas bem armadas, revoltoso, Ele, com outros chefes, convencido De que vai restaurar a autoridade Num Governo de regra Liberdade.

    94 Bem o faria noutra conjuntura Se a Europa e o Mundo no tivessem Cado num crise de amargura To gravosa, to funda, que viessem A seguir por opes de ditadura, Regimes autocratas que acontecem: So os Estados frreos e fascistas, De Governo feroz, nacionalistas.

    95 Depressa se formou Poder castrense, Ditadura chamada Militar Que foi mostrando quanto era urgente, Com ordem, disciplina preservar A chama lusa, a f de antigamente. E, para o conseguir e conservar, Erguer a Ptria contra a concusso, Fazendo a Nacional Revoluo.

  • 96 Olham os maiorais para as Finanas Onde acham descalabro muito srio. Por elas vo terar espada e lanas: Concordam em chamar ao Ministrio Um mestre que lhes salve as esperanas, Algum que honra de Coimbra o magistrio. Escolhem e resolvem ir buscar O Antnio de Oliveira Salazar.

    97 Em breve, o Presidente do Conselho, Com ministros fiis e generais, Organiza de cnsul o aparelho, A Polcia de Estado e serviais De censura, que fossem o espelho De ordem e de valores nacionais. Ditou aos operrios e aos patres Que tinham de formar corporaes.

    98 Unio Nacional e sem partidos, Lusitos, Concordata e Centenrios, Celebraes pomposas, alaridos De propaganda contra seus contrrios, Eleies em cenrios prevenidos, Julgamentos fantoches e sumrios: tudo quanto faz o Estado Novo Para bem da Nao e bem do Povo.

    99 Empobrece, incapaz, alegremente, Quem no pode sonhar em ser algum. Na fbrica, trabalha-se inclemente, Com fria de sobrar nenhum vintm. E o Governo no ouve o Ocidente, Fica s, orgulhoso e sem ningum. Faz corar de vergonha Portugal: Abre o Campo do infame Tarrafal !

    100 At que, um dia, vem o espigo Que destri a muralha do Regime: A Guerra das Colnias, ecloso Da Revolta Africana que se exprime Para acabar de vez a sujeio. E logo avana a fora que reprime, Entre lgrimas, dor e maldies, Espingardas, basucas e canhes.

  • 101 Definha Salazar, e vem Marcelo, Segue tudo em geral continuidade. De quem se ope provm o bom anelo Do Pas ter, um dia, Liberdade. Pesa a dor, mais sentido o libelo Contra a Guerra, mortal calamidade, Que no tem soluo, e o fim retarda, Enquanto a humilhao ultraja a farda.

    102 madrugada linda, to saudosa ! ms de Abril de aurora reluzente ! Capites de fibra corajosa Que fizestes a Ptria ressurgente, E do Povo a alegria calorosa Na s Democracia renascente ! Portugal refundou a sua Histria Sobre colunas dignas de memria.

    103 democratizar, desenvolver, descolonizar feliz guio Do Estado de Direito a refazer ! Labor parlamentar, Constituio, E voltar Europa, a conviver No abrao fraternal de integrao. Da Repblica livre a nova era Irrompeu em manh de Primavera !

    104 Partidos, sindicatos e moes, Na rua, nos jornais ou no congresso; H luta de operrios e patres, So caminhos de alcance de sucesso Que melhora da vida as condies. A Poltica faz o bom progresso: Ao Povo d o voto na autarquia, Ao Mundo, a exemplar Lusofonia.

  • APSTROFE

    1 No vs alm ! ouvi, desconcertante, Dizer o gro Cames que regressava, De barco, pelo rio, deslizante. No vs ! repete o Vate que bradava Atende o que tenho por instante Proclamar, com a voz que ningum trava: Como pode, outra vez, ser triste e vil O Portugal feliz que fez Abril ?!

    2 Vem a Histria a entrar pelo milnio, Rompeu o tempo novo de internautas, comum no poltico proscnio Discutir, ao jantar de mesas lautas, Tudo quanto h de bom ou mau convnio. Algum cuida de regras e de pautas Que travem quem promete leite e mel, Escondendo que cobra cascavel ?

    3 tempos de combate, de esperana, De f no Socialismo em Liberdade ! Desfeito foi o sonho da abastana Por no se ouvir a voz da realidade. Pior foi ter vindo a flexi-segurana No emprego de falaz precariedade. Ao pobre resta ver na sorte rude Qual o meio em que pode haver virtude.

    4 Regressaram os grandes ribalta, Reina a Democracia dos ladres: Arrecadam fortuna que faz falta A quantos passam fome e precises. Nos bancos, nas empresas, mais ressalta O escndalo de dar retribuies A presumidos gnios, maus e obscenos, Por tabelas que roubam quem tem menos.

  • 5 Ao que chegou a Ptria nossa amada ! E tudo aconteceu por renitncia Daqueles a quem deu o Povo alada, E geriram Governos sem prudncia. No lhes di a Nao ser ameaada De bancarrota, rproba falncia. Por este andar, voltamos s incrias Que de Quinhentos deram nas lamrias.

    6 Eis que vejo Cames se retirando, E uma nuvem que o leva resplendente. Fico s, estremeo, e acordando Dou conta de quo duro o presente: Portugal na Europa repensando E a Civilizao que est cadente, No a Cultura, no ! Que traz sinais De valores que vivem imortais.

    F I M

    Vila do Conde, Primavera de 2012