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WAGNER SANTOS ARAUJO OS PRONOMES: UMA CLASSE DE PALAVRAS LÉXICO- GRAMATICAIS EM RETROSPECTIVA MESTRADO - LÍNGUA PORTUGUESA PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO 2007

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WAGNER SANTOS ARAUJO

OS PRONOMES: UMA CLASSE DE PALAVRAS LÉXICO-

GRAMATICAIS EM RETROSPECTIVA

MESTRADO - LÍNGUA PORTUGUESA

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

2007

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WAGNER SANTOS ARAUJO

OS PRONOMES: UMA CLASSE DE PALAVRAS LÉXICO-

GRAMATICAIS EM RETROSPECTIVA

Dissertação apresentada ao Programa deEstudos Pós-Graduados em LínguaPortuguesa da Pontifícia UniversidadeCatólica de São Paulo, como exigênciaparcial para a obtenção do título de Mestreem Língua Portuguesa, sob a orientação daProfª. Drª. Jeni Silva Turazza.

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

2007

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Banca Examinadora

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AGRADECIMENTOS

À Professora Jeni Silva Turazza que com paciência e dedicação ensinou-me a ver o

mundo com outros olhos, olhos de pesquisador, de ser humano, e que me fez

ressignifazer-me por meio deste trabalho e com o seu exemplo de garra, força e

competência.

À Secretaria da Educação do Estado de São Paulo que possibilitou que esta

pesquisa fosse realizada com a concessão da Bolsa Mestrado.

Aos alunos, professores e funcionários da FATEC – Carapicuíba que

acompanharam e puderam compreender com paciência e respeito os meus

momentos de desilusão, tristeza e ansiedade. Obrigado pela compreensão e

amizade.

A Valéria Quiroga pela amizade e revisão do trabalho.

Aos amigos, que acompanharam o “processo” e que, mesmo de longe, deram os

mais sinceros votos de confiança e força. Obrigado pela força em especial a Paulo

Henrique de Oliveira, fiel e verdadeiro amigo de infância e da vida adulta, ao casal

Elton e Elaine Neri, com quem dividia as minhas descobertas e angústias de

pesquisa, a Gesse Inácio, companheiro, amigo sincero a quem agradeço a paciência

e o apoio nos momentos difíceis e à minha querida irmã Tina, que sempre acreditou

e apostou nos meus sonhos.

À Albaniza Martins e Gisele Motta, amigas e confidentes, obrigado pela paciência e

por não desistirem da nossa amizade, mesmo com a “exclusão social” com que me

deparei durante o mestrado.

À minha mãe e ao meu pai por acreditarem em mim e nas minhas escolhas, por

saberem que minha vida de estudo não é um mero capricho, mas opção de vida,

afinal, viver é fazer escolhas... Obrigado por aceitarem a minha.

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Em especial:

À minha sobrinha Julia que me deu, durante a fase final deste trabalho, outro brilho

no olhar em função de sua tão esperada existência.

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DEDICATÓRIA

Aos meus “pequenos” - alunos da Escola

“Educador Paulo Freire” – fonte de

inspiração para este trabalho.

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RESUMO

A Dissertação está situada na Linha de Pesquisa História e Descrição da LínguaPortuguesa/Programa de Estudos Pós-Graduados em Língua Portuguesa-PUCSP efocaliza, por uma perspectiva historiográfica, a classe dos pronomes como objeto dainvestigação, orientada pelo pressuposto segundo o qual a relação entre estrutura efunção lingüística é indissociável: havendo variação de estrutura, haverá variação defunção. Tomou-se por ponto de partida a história da lingüística, cujos fundamentosse fizeram suporte para a construção da gramática greco-latina, estendendo-os até aatual contemporaneidade, pois o objetivo geral estava voltado para a compreensãode exposições ou descrições que facultassem compreender o pronome como classeléxico-gramatical, ou seja, quanto sua estruturação e funcionamento. Para mensuraresse objetivo geral, estabeleceram-se três objetivos específicos perspectivizando ospronomes, em diferentes fases de construção da Gramática TradicionalContemporânea, que se fez Normativa em razão da criação de um modelo depolítica lingüística, instituída pelo Estado grego. O primeiro objetivo se voltou para otratamento dado aos pronomes pela Gramática da Palavra; o segundo pelaGramática da Frase e o terceiro pela Gramática Descritiva ou Científica. Osresultados apresentados no Capítulo I orientaram o desenvolvimento dos CapítulosII e III: a não dissociação entre as unidades do léxico e suas relações, de carátermorfossintático-semântico, ser a matriz por meio da quais os pronomes devem serdescritos, pois as línguas assim se qualificam. Assim, os pronomes são palavrasvazias, elementos gramaticais, cujos conteúdos advêm da relação anafórica queeles estabelecem com o nome que substituem. Essa relação substitutiva precisa serfocalizada por aquela estabelecida entre o nome e o verbo; pois é dela que emergeo conteúdo das formas pronominais como amálgama que, ao substituir o nome nasua relação com o verbo, enlaça o conteúdo de ambos – proposição concebida porApolônio Díscolo – para quem o pronome era uma paranonímia - sinonímia e umasemiose. Comprova-se que esse pressuposto-retomado na contemporaneidade pelaAnálise do Discurso, cujos fundamentos estão circunscritos à teoria da enunciação -perderam-se nas descrições gramaticais, embora a Gramática Normativa tenha sidocontinuamente recontextualizada. Por esse movimento ela se mantém tradicional nainovação dos avanços científicos no campo da linguagem. Decorrência desseprocesso de reinterpretação do passado pelo presente, ela estende a descriçãocentrada na palavra para a frase, tendo por ancoragem investigações dos filósofosmedievais e a sistematização taxionômica dos pronomes substantivos e dosadjetivos. Contudo, os únicos gramáticos que focalizam os pronomes pela suasfunções dêiticas e anafóricas são Evanildo Bechara - Gramática Normativa - eLucién Tesniére - Gramática Dependencial ou Funcional, possibilitando assegurarserem eles as matrizes dos processos de coesão textual: a voz de Apolônio nostempos modernos, o diálogo que faculta reconhecer o velho no novo.

Palavras-chave: pronome, estrutura, função, léxico, gramática

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ABSTRACT

The Dissertation is within the History Research Line and Description of thePortuguese Language/Post-Graduation Studies Program in Portuguese Language-PUCSP and focuses, by means of a historiography perspective, on the class ofpronouns as object of the investigation, guided by the presupposition according towhich the relationship between structure and linguistic function is inseparable: if thereis a variation in the structure, then there is a variation in the function. The history oflinguistics was the beginning point, whose grounds were the support for the buildingof the Greek and Latin grammar, extending them up to the current times, as thegeneral purpose was aimed at the understanding of exposures or descriptions thatenabled the understanding of the pronoun as a lexical and grammatical class, that is,in regards to its structure and functioning. In order to measure this general purpose,three specific objectives were established in view of the pronouns, in different stagesof the building of the Traditional Contemporaneous Grammar, which becameNormative in view of the creation of a model of linguistic policy, instituted by theGreek Estate. The first purpose focused on the treatment given to the pronouns bythe Grammar of the Word; the second, by the Grammar of the Sentence, and thethird, by the Descriptive or Scientific Grammar. The results presented in Chapter Iguided the development of Chapters II and III: the non-dissociation between the unitsof the lexicon and its relationships, of morphosyntatic-semantic character, is thematrix by means of which the pronouns should be described, as the languages areclassified in that manner. In this way, the pronouns are empty words, grammaticalelements, whose contents come from the anaphoric relationship that they establishwith the name they replace. This substitutive relationship needs to be seen by thatone established between the name and the verb; as the content of the pronominalforms emerges from that relationship as an amalgam, which, by replacing the namein its relationship with the verb, binds the content of both of them - propositionconceived by Apolônio Díscolo – for whom the pronoun was a paranonímia –synonymy and a semiosis. It is evidenced that this presupposition –contemporaneously retaken by the Speech Analysis, whose grounds arecircumscribed to the theory of the enunciation – got lost in the grammaticaldescriptions, although the Normative Grammar has been continuously re-contextualized. By means of this movement it continues being traditional in theinnovation of the scientific advancements in the language field. Resulting from thisprocess of reinterpretation of the past by the present, it extends the descriptioncentered in the word to the sentence, grounded on investigations of medievalphilosophers and the taxonomic systematization of the substantive pronouns and theadjectives. However, the only grammars who focus on the pronouns because of theirdeictic and anaphoric functions are Evanildo Bechara – Normative Grammar – andLucién Tesniére – Dependency Grammar or Functional, enabling the assurance thatthese are the matrixes of the textual cohesion process: the voice of Apolônio in themodern times, the dialogue that allows the recognition of what is old in what is new.

Key words: pronoun, structure, function, lexicon, grammar

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SUMÁRIO

INTRODUCÃO ............................................................................................. 11

CAPÍTULO I

OS PRONOMES PESSOAIS PELAS MATRIZES DA HISTÓRIA DA GRAMÁTICA

TRADICIONAL CONTEMPORÂNEA

1.1 Preliminares ......................................................................................... 18

1.2 A Gramática da Palavra e da Frase no mundo greco-latino................. 22

1.2.1 O Lógus e a Lexis: uma distinção necessária ........................ 23

1.2.2 A Gramática e a Prescrição da Norma Padrão: distinção

necessária ........................................................................................ 24

1.2.3 Os pronomes pelos gramáticos gregos ................................... 29

1.2.3.1 Os pronomes segundo Apolônio................................ 33

1.2.4 Os pronomes pelos Gramáticos latinos ..................................... 35

1.3 Matrizes para a construção de Gramáticas Nacionais ............................ 40

1.3.1 A gramática no Renascimento: matrizes da gramática

da Língua Portuguesa ........................................................................ 44

1.3.2 Os pronomes pela gramática da Língua Portuguesa ................. 45

1.4 Algumas considerações finais ................................................................. 50

CAPÍTULO II

OS PRONOMES PESSOAIS PELA GRAMÁTICA DA FRASE DA LÍNGUA

PORTUGUESA

2.1 Preliminares ............................................................................................ 51

2.2 Os pronomes pela Gramática de Jerônimo Soares Barbosa .................. 53

2.3 Os estudos gramaticais nos séculos XIX e XX ........................................ 60

2.3.1 Algumas concepções gramaticais do século XIX: os pronomes

pela gramática de Júlio Ribeiro ............................................................ 62

2.4 As Gramáticas e os Parâmetros da Nomenclatura Gramatical (NGB) .... 66

2.4.1 Os pronomes por Carlos Eduardo Pereira – parâmetros Pré NGB 68

2.4.2 Os pronomes por Evanildo Bechara – parâmetros Pós - NGB .... 75

2.5 Algumas considerações finais .................................................................. 79

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CAPÍTULO III

OS PRONOMES PESSOAIS PELO PONTO DE VISTA DA LINGÜÍSTICA

CONTEMPORÂNEA.

3.1 Preliminares .............................................................................................. 82

3.2 O contexto de produção dos estudos estruturalistas ............................... 84

3.3 O estruturalismo e suas vertentes ........................................................... 89

3.3.1 A vertente Européia do Estruturalismo ....................................... 89

3.3.2 A vertente Estadunidense do Estruturalismo ............................. 91

3.4 Os pronomes no contexto da Gramática GerativaTransformacional ...... 95

3.4.1 A Gramática Dependencial ou Funcional .................................. 114

3.4.1.1 Os pronomes pela perspectiva da Gramática

Dependencial ........................................................................... 127

3.4.2 Os pronomes e as palavras plenas ............................................ 130

3.5 As relações Anafóricas e as relações Dêiticas ...................................... 142

3.6 Algumas considerações finais ............................................................ 146

CONCLUSÃO ............................................................................................. 148

BIBLIOGRAFIA ......................................................................................... 163

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“Quando as pessoas não sabem falar, ler

ou escrever adequadamente sua língua,

surgem homens decididos a falar, ler e

escrever por elas e não para elas”

Wendel Johnson

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INTRODUÇÃO

Esta Dissertação está vinculada à linha de Pesquisa História e Descrição da

Língua Portuguesa, cujo propósito é descrever o idioma brasileiro numa dupla

perspectiva: quanto à sua estrutura e/ou quanto ao seu funcionamento, estejam

ambas configuradas ou não por uma perspectiva historiográfica ou histórica.

Assume-se, no espaço ocupado por esta investigação, uma perspectiva

historiográfica, na medida em que ela poderá facultar ao pesquisador dirigir o olhar

para o já visto/ já dito e ver novamente para apreender o que se julga novo. Essa

apreensão decorre do que se percebe e se apreende como ruptura naquilo que se

repete. Por conseguinte, compreende-se a historiografia como locus de intervenção

que se expressa nas práticas discursivas dos historiadores, cuja finalidade é a

reinterpretação da história para além dos limites das ações de caráter institucional:

aquelas que regem a vida pública e cobram movimentos de ressemantização,

inerentes aos processos de reinterpretação. (FREITAS, 2005).

O objeto que se busca reinterpretar, tema desta Dissertação, são os

chamados pronomes pessoais que, concebidos por Aristóteles como uma das partes

do discurso, são descritos por nossos gramáticos como uma classe de palavras

variáveis, ao lado dos nomes e dos verbos. Definidos como palavras que substituem

os nomes, esses pronomes mantêm apenas parcialmente, em relação ao nome,

certo grau de equivalência. No que se refere às pessoas do discurso tem-se: eu, tu,

(você) � nós, vós, (vocês). Observa-se, contudo, no que se refere à flexão de

número gramatical, o fato de o morfe –s (marca de plural, em português), inscrever o

valor de pluralidade apenas em: ele � eles; ela � elas; você � vocês. No caso da

primeira pessoa e da segunda pessoa, o processo de flexão de número se faz por

meio de vocábulos distintos, em: eu�nós e tu � vós, enquanto a de gênero fica

obliterada porque destituída do sinal de flexão mórfica, exceção feita a ele�ela.

Assim, marca-se o gênero como masculino apenas na dimensão do sintagma pelo

uso de determinantes: “o eu”, “o tu”, “o nós”, “o vós”, “o ele”, “o ela”; contudo, esse

uso altera a classe gramatical de pronome para substantivo.

Nesse sentido, os pronomes não se deixam descrever apenas por um ponto

de vista morfológico ou sintático, pois suas flexões também têm caráter lexical.

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Pressupõe-se que, se descritos fora do uso, ou seja, numa perspectiva estrutural, os

pronomes sejam palavras vazias; contudo, se essas mesmas estruturas forem

focalizadas na dimensão do uso que delas se faz, elas são transmudadas em

palavras plenas, ou seja, formas dotadas de conteúdos nocionais. Desta forma, é

preciso considerá-los por todas essas perspectivas, sem excluir as suas funções e

valores na dimensão discursiva, ainda que essa última perspectiva não seja objeto

dessa investigação. Tem-se, para tanto, como ponto de partida, o pressuposto

segundo o qual não há estrutura desprovida de função, ou vice-versa, de sorte a não

se poderem estabelecer rupturas entre essas duas dimensões da língua, e mais, as

estruturas pronominais precisam ser focalizadas como léxico-gramaticais para dessa

forma garantir maior domínio em seu uso efetivo.

Entende-se que as estruturas sempre cumprem funções no espaço ocupado

por interações humanas, em contextos sociais diversos. Por conseguinte, mudanças

de modelos situacionais nesses contextos, ou dos próprios contextos sociais, fazem

com que as estruturas deixem de exercer certas funções, perdendo o caráter

funcional que as qualificavam até então. Esse fato exige a recontextualização de tais

estruturas e esse processo implicará a criação de outras novas funções, sempre

adequadas a esses novos contextos; assim, a adequação de estruturas a novas

funções sempre terá por ancoragem a reinterpretação de velhas estruturas. Para

Burke (1997) esse processo também pode ser designado por recontextualização. A

recontextualização implica movimentos que, se por um lado, desgastam a tradição,

por outro, mantêm-na viva, de sorte a se poder assegurar que velhas estruturas

continuem a atender necessidades de diferentes grupos sociais humanos,

integrantes de uma dada comunidade. Logo, “(...) as tradições são constantemente

transformadas, reinterpretadas, ou reconstruídas – seja essa reconstrução

consciente ou não – para se adaptarem a seus novos ambientes espaciais ou

temporais”. (BURKE,1997. p. 13).

Os gramáticos, ao descreverem a norma padrão do português brasileiro ou os

elementos constitutivos do sistema, optam por um critério que subdivide os

elementos lingüísticos em três níveis: o fonético, o morfológico e o sintático. Assim

procedendo, atribuem relevo a questões de ordem formal, minimizando aquelas de

caráter semântico, de modo que as descrições de que se ocupam deixam de

abarcar os significados que emergem das relações necessárias entre as estruturas

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em funcionamento. O fato de as gramáticas de uma dada língua terem a frase como

o objeto mais complexo de descrição lingüística, acrescida da descrição por níveis,

faz com que os pronomes não sejam focalizados quanto as suas funções anafóricas

e dêiticas.

Reitera-se, portanto, que não se devem promover rupturas entre estrutura e

função, para não correr o risco de se chegar a um estruturalismo a-histórico e

formalista e, por isso, imune a mudanças históricas, ou a um funcionalismo que não

coloca o problema das transformações. Desta feita, torna-se necessário

compreender essa relação entre estrutura e função por uma perspectiva

historiográfica inscrita em diferentes registros da formação da Gramática Tradicional

Contemporânea e em teorias lingüísticas contemporâneas.

A compreensão desses registros poderá assegurar tratamento adequado à

classe dos pronomes pessoais: objetivo geral desta Dissertação. Tal compreensão

está consubstanciada nos seguintes objetivos específicos:

1. focalizar a classe dos pronomes, por meio de parâmetros capazes de

facultarem a compreensão do contexto de formação da história da

lingüística ocidental, tendo por marco inicial o tratamento a eles

dispensado pelos gramáticos greco-latinos e estendendo-os até a

formação das gramáticas da palavra da língua portuguesa;

2. manter o olhar historiográfico da história da lingüística para situar o

tratamento dado aos pronomes, no fluxo de formação da gramática da

frase da língua portuguesa, estendendo-o até a atual

contemporaneidade;

3. focalizar os pronomes pelo ponto de vista da gramática científica ou

estrutural, para verificar em que medida elas os descrevem como

estrutura lingüística que se explicita por meio das funções que

qualificam os pronomes como elementos que substituem o nome.

Para tanto, a pesquisa será desenvolvida por meio dos seguintes

procedimentos:

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a) leitura de obras que tratam da história da lingüística clássica para

compreender os diferentes focos que, em diferentes tempos, facultaram aos

estudiosos da linguagem construir e reconstruir gramáticas para descrever a

estrutura e o funcionamento de palavras, atribuindo relevo àquelas designadas por

pronomes. Tal procedimento deverá garantir a observação de diferentes tratamentos

– definições, descrições, classificações – a que foi submetida essa classe de

palavras, bem como a permanência dela nas gramáticas normativas

contemporâneas que orientam o ensino da língua portuguesa ainda hoje. Tal leitura

será circunscrita em dois tempos: o primeiro até o momento em que a gramática da

língua portuguesa é formalizada pela perspectiva da gramática da palavra e o

segundo, pela perspectiva da gramática da língua portuguesa na dimensão da frase.

b) leitura compreensiva de modelos teóricos da designada lingüística da

língua ou estrutural para focalizar e compreender o tratamento dispensado aos

pronomes pessoais pelo discurso científico moderno da primeira metade do século

XX, aproximadamente. Nesse caso, buscar-se-á selecionar dentre os vários

modelos desse paradigma aquele que representa avanços para o tratamento do

objeto proposto como tema de estudo desta investigação; por conseguinte, tal

abordagem será teórico-analítica, a fim de promover uma descrição lingüística sob o

enfoque pronominal.

Por conseguinte, a Dissertação adquiriu a seguinte configuração formal, além

da Introdução e Conclusão:

Capítulo I - Os pronomes pessoais pelas matrizes da história da

gramática tradicional contemporânea – proceder-se-á a uma revisão dos estudos

gramaticais tendo como marco aqueles advindos da Grécia Antiga até a formação

das gramáticas da Língua Portuguesa, na dimensão da palavra, focalizando o

tratamento dispensado aos pronomes.

1. Capítulo II - Os pronomes pessoais da Gramática da F rase da Língua

Portuguesa – dará continuidade aos estudos gramaticais por meio do olhar

historiográfico, a partir da Gramática da Frase até os estudos que compõem as

gramáticas contemporâneas – Pré e Pós NGB, de modo a identificar o ponto de vista

pelo qual os pronomes foram descritos quanto a suas estruturas e funções frasais;

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Capítulo III - Os pronomes pessoais pelo ponto de vi sta da Lingüística

Contemporânea – focalizará o tratamento dispensado aos pronomes pelas matrizes

fundadoras de gramáticas científicas, ou do sistema, por meio dos estudos

lingüísticos da primeira metade do século XX, circunscritos aos estudos de Chomsky

e Tesnière, buscando compreender em que medida eles facultam dispensar aos

pronomes uma abordagem estrutural articulada aquela de caráter funcional, na

dimensão frasal e transfrasal.

Tal organização explica-se por um procedimento teórico-analítico que, no

corpo desta Dissertação, deverá propiciar o desenvolvimento do tema em questão,

salientando-se o caráter historiográfico e exploratório por meio do qual este estudo

se qualifica.

Faz-se necessário ressaltar que a pesquisa se justifica, ainda, em razão de o

pesquisador exercer o papel de professor de língua materna, em escolas do Ensino

Fundamental e Médio e, por essa razão, precisar ampliar conhecimentos sobre

questões de ordem estrutural e funcional da língua portuguesa. Tal ampliação

deverá implicar maior domínio do objeto que busca ensinar aos seus aprendizes, na

medida em que sente necessidade de renovar sua prática de docência, por meio da

releitura do passado acerca dos estudos gramaticais, para assim, compreender

aqueles de que se faz uso na contemporaneidade. Tal resgate visa compreender

que qualquer língua não reduz a sua descrição a questões de ordem gramatical,

pois o léxico também é uma de suas dimensões e precisa ser considerado – aspecto

este já elucidado nos primeiros estudos e que hoje foram ou estão sendo ignorados.

Afirma Turazza (2002) que o léxico e a gramática são duas dimensões

complementares das línguas naturais, de sorte que a construção de gramáticas

desprovidas do léxico seria inconcebível, do mesmo modo que a construção de

dicionários, desprovidos de conhecimentos gramaticais, também o seria. Assim

sendo, todo dicionário faz, necessariamente, remissão a conhecimentos gramaticais,

tanto quanto os gramaticais se remetem a conhecimentos lexicais. Postula essa

autora que as palavras não existem e nunca existiram isoladamente; razão pela qual

uma sempre está em companhia de outras, ordenadas por categorias gramaticais de

caráter morfo-sintático-semântico.

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Nessa acepção, é preciso compreender os pronomes pelo ponto de vista

léxico-gramatical, o que justifica a revisão historiográfica proposta, visto que para os

gregos a palavra era o ponto de partida, mas não o ponto de chegada dos estudos

lingüísticos. Entretanto, os elementos léxico-gramaticais eram focalizados como

meios, recursos por meio dos quais o homem representa, em língua, seus

conhecimentos de mundo, designando-os, para poder comunicá-los a outrem. Logo,

segundo essa perspectiva: representação, expressão e comunicação são funções

fundadoras que qualificam a invenção e uso de uma dada língua. Exercer o uso

proficiente de uma dada língua é condição necessária para desenvolver a

competência de linguagem e participar de práticas discursivas que circulam numa

dada formação sócio-cultural humana e, assim procedendo, exercer o papel de

cidadão no espaço ocupado por uma nação. Dominar conhecimentos que facultem o

uso proficiente das estruturas léxico-gramaticais, como recursos imprescindíveis

para investir lingüisticamente os textos que se produz, é ser portador de “carta de

cidadania”.

Esse processo de formalização lingüística exige amplo domínio de recursos

léxico-gramaticais: aqueles que integram o repertório cultural de um povo ou nação.

Investir lingüisticamente um texto-processo para transmudá-lo em texto-produto,

implica seleção e combinação adequadas de recursos léxico-gramaticais para a

elaboração do plano da expressão: fundamento da comunicação proficiente. Assim,

as práticas comunicativas explicam-se, de modo geral, como um conjunto de normas

e estratégias de interação social orientadas pela negociação de bens culturais,

explicitados como significados em situações concretas de uso. É na dimensão do

uso que são indexados a tais significados sentidos de modelos de contextos

situacionais: aqueles que apontam para um dado lugar do espaço cognitivo, onde

devem ser processados como novas/outras informações.

Ressalta-se o fato de não se compreender que o objeto de ensino da língua

materna, em relação à reforma proposta para o Ensino Fundamental e Médio,

implicaria a substituição de referências gramaticais, por orientações pragmáticas ou

discursivas; pois, se destituído das formas lingüísticas o discurso enunciado não se

faria texto-produto: lugar em que se registram as representações de conhecimentos

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não lingüísticos pelos lingüísticos. Também não se busca propor a eliminação de

vários recursos explicativos que garantem a descrição do sistema lingüístico do

português, pois o que se busca são conhecimentos capazes de facultar ao professor

de língua materna a revisão de sua prática de docência fundada na reflexão crítica

do objeto que busca ensinar. Logo, a pesquisa não visa a contrapor, por exemplo,

uma psicopedagogia aplicada à pedagogia tradicional – aquela da transmissão ou

de inculcação. Também não se objetiva propor um caminho fundado na lingüística

aplicada, pois se entende não ser possível aplicar modelos lingüísticos em sala de

aula, sem que eles sejam transpostos adequadamente para modelos de situação de

ensino-aprendizagem. Sabe-se que o modelo de contexto de produção do discurso

científico não tem uma relação de equivalência unívoca com o contexto de produção

do discurso pedagógico, de modo que esse deslocamento exige

recontextualizações. Por conseguinte, o professor se lança no mundo da pesquisa

para descobrir conhecimentos que lhe facultem rever criticamente sua prática de

docência.

Entende-se, como Bronckart (1985), ser necessário propor uma nova didática

para o ensino de línguas. Tal didática implica voltar a fazer uso do pedagógico em

primeiro plano e, para tanto, deve-se tomar o discurso científico como ponto de

partida. Desconhecer esse discurso e suas matrizes culturais, suas origens é

acumular novos modelos teóricos desvinculados da tradição com o passado, o que

leva a propostas de novos programas, métodos e procedimentos “novidadeiros” de

ensino, desvinculados da realidade vivenciada no tempo presente, cujo sustentáculo

é o passado.

Nesse sentido, a pesquisa se volta para uma ampla revisão das questões

gramaticais para lançar sobre elas um novo olhar e, por meio dele, estabelecer

vínculos entre o passado-presente, de modo a não se propor a substituição de

referências gramaticais por orientações discursivas ou pragmáticas. Tal posição se

faz significativa na medida em que o propósito da atual reforma educacional, no que

se refere ao ensino de língua materna, é dotar o aluno de recursos de expressão e

compreensão, fundados na reflexão sobre o uso lingüístico das mesmas para

exercer, com alto grau de proficiência, práticas discursivas que qualificam uma

sociedade com alto grau de letramento.

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CAPÍTULO I

OS PRONOMES PESSOAIS PELAS MATRIZES DA HISTÓRIA DA

GRAMÁTICA TRADICIONAL CONTEMPORÂNEA.

1.1 Preliminares

A compreensão das questões lingüísticas não só foi como ainda é uma

preocupação constante para os estudiosos dessa área, visto ser a linguagem o

marco capaz de responder pela transmudação do animal homem em ser humano,

conforme afirma Gusdorf (1977). Vasta e variada é, portanto, a bibliografia com que

se depara o pesquisador que elege a linguagem como objeto de suas investigações.

Descobre que a complexidade das questões lingüísticas se inscreve nos registros de

inúmeras teorias e escolas, cujos propósitos são descrever e/ou explicitar os

modelos de estruturação e funcionamento da linguagem, por meio dos estudos de

língua. É nessa acepção que, parafraseando Ferdinand Saussure, pode-se

considerar que o objeto de estudo da lingüística é uma construção de um ou vários

pontos de vista, por meio dos quais a língua é apreendida pelos teóricos da

linguagem. Tal construção depende, por sua vez, da posição assumida pelos

pesquisadores, o que lhes faculta elaborar perspectivas para seus olhares e, assim

sendo, toda mudança de posição acarretará, necessariamente, mudança de olhar

e/ou de foco: razão de ser dessa variedade teórica e metodológica.

Para os historiadores da lingüística, essa variedade e/ou diversidade de

focalizações não deve se qualificar apenas como produto de estudos que,

desenvolvidos ao longo de um tempo se perdem na vastidão da memória da

humanidade, pois é preciso observar o que eles têm em comum. Apontam que,

desde a origem dos estudos lingüísticos, cuja matriz situa-se na Grécia Antiga: berço

da história do Ocidente, é possível agrupar toda essa vasta bibliografia em três

grandes vertentes que perduram desde as suas origens até a modernidade. São

elas:

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1ª) aquela que se ocupa da relação entre linguagem e pensamento, voltada

para a compreensão dos processos que facultam aos homens representar, em

língua, conhecimentos de mundo, por meio de textos coesos e coerentes. Essa

vertente tem como ponto de partida a relação não unívoca entre as palavras e as

“coisas no mundo” e está fundamentada nos princípios da analogia e da anomalia.

Esses estudos foram recontextualizados pela lexicologia, razão porque não se pode

ignorar a função das palavras de uma língua, quando se tem o propósito de

investigar os processos de representação de tais conhecimentos;

2ª) aquela que se ocupa em descrever uma dada língua, focalizando-a pelos

aspectos formais e funcionais, concebendo-a como a chave necessária para a

compreensão de textos, cujos registros escritos rompem os limites do presente. As

estruturas e regras de construção lingüística, obtidas por esse procedimento

descritivo, posteriormente, são propostas como modelos para o bem falar e

escrever, de sorte que esses textos antigos passam a funcionar como parâmetro

capaz de orientar a produção escrita de um dado tempo presente, de uma dada

contemporaneidade. Por essa razão os fragmentos de autores consagrados pelo

passado povoam o exemplário dos resultados desses estudos até os dias atuais.

Ressalta-se que o produto desses estudos emerge da vertente da lógica filosófica e

são disciplinados pela gramática, compreendida como meio, recurso para se

aprender e se dominar a língua, na sua modalidade escrita ou oral;

3ª) aquela que se ocupa do uso adequado da língua, empregada em situação

discursiva e voltada para a arte da persuasão, implicando o bem falar, em público,

mas sempre configurado pela arte do bem escrever. Essa perspectiva qualifica a

proposta da retórica, cujo objetivo primeiro está centrado no ensino-aprendizagem

de usos adequados da língua, na esfera da vida pública.

Nessa acepção, afirmam Lomes, Osoro e Tusón (1997) que os gregos já

postulavam que os estudos lingüísticos qualificavam-se por alto grau de

complexidade, cuja totalidade exigia e exige a focalização dos mesmos por essas

três dimensões: a arte de representar, em língua, os conhecimentos de mundo que,

tecidos e entretecidos pela ação da linguagem - ao serem colocados ou

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configurados pelas formas léxico-gramaticais da língua, quando do exercício das

atividades da fala - possibilitam dar ao pensamento humano tangibilidade

necessária, com vistas a comunicá-los a outrem. Logo, representar, formalizar e

comunicar para persuadir foram os eixos fundadores dos estudos lingüísticos,

desenvolvidos pelos gregos.

Neste primeiro capítulo, o foco historiográfico tem a função de colocar os

estudos lingüísticos, desenvolvidos no presente e que tratam dos pronomes

pessoais, em uma perspectiva capaz de atribuir relevo às suas tradições. Estas

tradições têm como ponto de referência a Grécia Antiga e como matriz de suas

fundações o uso da língua escrita, cujo registro histórico é atestado pela palavra

grammatikós. Esse vocábulo fazia remissão ao uso das letras, então designadas

por grámmata: sinais que podiam ou permitiam ler e escrever, aprendidos por meio

do domínio de técnicas, chamadas Tecné gramatiké. (NEVES, 1987). Por

conseguinte, os conhecimentos referentes ao domínio do campo das investigações

gramaticais são concebidos, desde a sua origem, como meios que facultam a

aprendizagem da escrita.

Essa aprendizagem de caráter técnico facultava ao homem tornar-se um

artesão da letra: praticar um ofício manual capaz de lhe assegurar o exercício da

arte da escrita e da leitura dessa mesma escrita. Assim, escrever e ler eram

atividades concebidas como profissão de caráter artesanal; mas dissociadas entre

si; segundo Ferreiro (2000 p.12, 13): “Houve uma época, vários séculos atrás, em

que escrever e ler eram atividades profissionais e aqueles a elas destinados

aprendiam- nas como ofício”.

Afirma Robins (1983), que o termo gramatiké estaria circunscrito apenas à

compreensão de técnicas artesanais referentes à produção das letras; logo, distante

do sentido a ele hoje atribuído: sistema de regras finitas que facultam a produção

infinita de frases ou elementos lingüísticos. Também não se pode querer

compreender esse mesmo termo fora dos domínios do campo da filosofia, focalizada

como um lugar ocupado na vastidão dos conhecimentos humanos, e não como

conjunto de conhecimentos disciplinados por áreas do saber, como hoje se busca

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explicar a concepção de gramática. Essa abrangência fazia com que o termo

filosofia encobrisse toda e qualquer reflexão crítica de que resultasse a produção de

conteúdos, em quaisquer áreas do saber humano, sendo o filósofo “o amigo do

saber”. Esse saber era conquistado pelo desenvolvimento da linguagem e implicava

o conhecimento e domínio da língua grega, sem o que não se teria acesso a tais

saberes. É nesse sentido que, para Quintiliano (apud. PEREIRA, 2000) nenhum

estudo gramatical pode ser considerado adequado, se dissociado

(...) da Música, pois o gramático deve tratar dos metros e das rimas, e, seignorar a Astronomia, não compreenderá os poetas, os quais – deixando delado outras coisas – servem-se tantas vezes do nascimento e do ocaso dosastros para veicular a idéia de tempo. Não pode a Gramática, igualmente,ignorar a Filosofia, tendo em vista que numerosas passagens de muitospoemas se baseiam na mais profunda sutileza da Filosofia(...). Queninguém, pois desdenhe os princípios da Gramática como de pouco valor(...), ela revelará muitas sutilezas, que poderão aguçar a inteligência dascrianças, como também propiciar um saber de grande profundidade. (...) Porisso são menos toleráveis os que zombam da Gramática, considerando-aárida e de pouca importância. (PEREIRA, 2000. p.87-89).

Os estudos gramaticais, assim concebidos, por um lado, não eram

considerados em si e por si, na medida em que eles se integram à totalidade das

questões de linguagem; razão porque o gramático precisa aprender a dominar as

diferentes áreas do saber de sua época, para melhor compreendê-la e ensiná-la.

Essas diferentes áreas, por outro lado, não só tinham por suporte a filosofia, mas

também apontavam para o fato de que a linguagem que os homens falaram, é a

mesma com que hoje falam, de modo a se poder asseverar que os novos falares se

assentam em velhas formas de dizer. Logo, aquele pedagogo não ignorava a

questão dos diferentes usos das formas léxico-gramaticais; contudo adverte ser

necessário “que se observe com critério e se defina em primeiro lugar aquilo que

tratamos e chamamos de uso” (PEREIRA, 2000. p. 161), pois o termo “uso” remete-

se, necessariamente, ao termo lexis, ou seja, à palavra: aprendida nos/pelos

movimentos de produção de sentidos, cujo suporte são as atividades da fala. Por

conseguinte, para se fazer ou ensinar gramática não se pode ignorar a palavra como

instância da produção discursiva humana. Assim pensavam os gregos e os latinos

para quem a palavra era o ponto de partida para os estudos da linguagem. (LYONS,

1971).

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As classes de palavras designadas pela Gramática Tradicional

Contemporânea da Língua Portuguesa (G.T.C), nesse contexto, se fazem herdeiras

das categorias greco-latinas e, assim sendo, ponto de partida para resgatar as

matrizes que orientam os estudos referentes à classe dos pronomes no fluxo do

tempo da construção desses estudos gramaticais.

1.2 A Gramática da Palavra e da Frase no mundo gre co-latino.

Apontam os historiadores que, em sentido genérico, a conquista do saber

lingüístico na civilização grega é indissociável da criação do alfabeto e dos

processos de elocução. Assim, os gregos, no chamado período “micênico” – aquele

em que a Grécia helênica fora invadida por povos falantes de diferentes idiomas ou

dialetos do sistema lingüístico do grego – já faziam uso do sistema silábico da

escrita, que incluía alguns logogramas: sinais que representavam palavras

individuais. Contudo, muitos dos conhecimentos desse período se perderam pelo

uso de registros nesse sistema, ainda bastante insuficiente e, por essa razão, os

gregos fizeram uso da escrita Fenícia: um conjunto de sinais consonantais que

obrigava o leitor a fazer inserção de vogais, para poder atribuir sentido a essa

modalidade de registro escrito, quando buscavam compreender o que esses sinais

significavam, por meio da leitura. (NEVES, 1987).

A necessidade de se construir um sistema de sinais vocálicos que garantisse

maior grau de precisão, quanto ao uso escrito dessas vogais, levou os gregos

também a buscarem o sistema de escrita da língua hebraica. Desta feita, a

representação das vogais e das consoantes do grego tem por suporte o sistema de

reinvenção da escrita fenícia por aquele do hebraico. Mais tardiamente, a esse

alfabeto são acrescentados os chamados acentos gráficos ou sinais diacríticos

necessários para recontextualizar esses alfabetos e inventar aquele que, ainda hoje,

serve de suporte material para os registros escritos em diferentes línguas. Por

conseguinte, se os gregos não foram os criadores do sistema da escrita que hoje

povoa o mundo ocidental, eles foram seus inventores. Gramática, glossário e o

dicionário são produtos da capacidade criadora desse povo, afirma Neves (1987).

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1.2.1 O Lógus e a Lexis: uma distinção necessária

Advertem os estudiosos dessa Civilização da Escrita, ser preciso, ainda

considerar a relação entre o que os gregos denominavam por logus e por lexis, para

se conceber o que significava para eles a arte do bem dizer, quer pela oralidade ou

pela escrita. A lexis remete-se ao conceito de função da palavra, ou seja, da

eficiência quanto ao uso efetivo da linguagem, de sorte que a palavra se

consubstancia, ganha existência pelo exercício efetivo das atividades da fala, seja

ela oral ou escrita. Assim, a instância em que se pode observar a ação da

linguagem, formalizada em língua, é aquela em que as palavras se inscrevem no

exercício da fala. A lexis se diferencia do logus como ato que faculta colocar as

idéias em ordem,quando do exercício da fala: atividade que possibilita fazer com que

as coisas sejam no mundo, por meio do uso da palavra. O logus se torna um objeto

à parte, quando focalizado através dos recursos lingüísticos, capazes de facultar a

elocução, podendo ser observado como “regras de uso das palavras que,

circunscritas à “arte do bem falar e do bem dizer”, faz da língua tão somente um

meio para o exercício da fala. (NEVES, 1987). Nessa acepção, essas são duas

dimensões da linguagem indissociáveis, a não ser por questões de caráter teórico-

metodológico.

No sentido acima, ao contrário dos estudos lingüísticos contemporâneos, não

se dissociava o léxico da gramática, pois o primeiro se ocupava da designação das

idéias; o segundo dos processos de sua ordenação no fluxo do exercício da fala e

esses processos de ordenação são observados e descritos, como regras de uso das

palavras, ou de uma dada língua. Assim, a gramática trata das regras que, facultam

o uso, a ordenação das palavras; circunscritos à estrutura da frase. São essas

regras que devem garantir a arte do bem escrever e do bem ler, circunscritas ao uso

efetivo da língua pelos sábios da época: homens capazes de fazer uso da razão

crítica, de se indagarem sobre as razões primeiras, e não sobre as conseqüências

dos problemas humanos e oferecerem respostas adequadas para as mesmas.

Por conseguinte, a arte da gramática não se dissocia da escrita, e tampouco

da leitura e da reflexão crítica, de sorte que a gramática da palavra está voltada para

o estudo dos elementos formais da lexis; a gramática da frase, para o estudo dessas

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mesmas palavras ordenadas pelas categorias da frase, em que elas funcionam para

estruturar ou ordenar idéias. Logo, o léxico e a gramática não eram focalizadas

como elementos ou objetos distintos, mas complementares. Todavia, o léxico já se

fazia compreender como instância que também faz remissão aos sentidos e, por

essa razão, a descrição dos mesmos exigia a construção de glossários e/ou

dicionários, pois no espaço da gramática, a descrição de seus elementos

constitutivos era focalizada como estrutura (morfologia) e função (sintaxe). Nessa

acepção, a lexis reduzida à gramática era instância do logus; mas o logus estendido

à instância do dicionário ou glossário se fazia lugar dos modos de significar da

lexis. Os modos de significar, quando institucionalizados, responderiam pelos

significados: sentidos cristalizados ou instituídos pelo uso, registrados nas páginas

dos dicionários e glossários para funcionarem como matrizes de outros/novos

sentidos. Assim, os sentidos são decorrentes de novos usos de velhos significados.

(TURAZZA, 2005).

1.2.2 A Gramática e a Prescrição da Norma Padrão: d istinção necessária

Coseriu (1980) e outros estudiosos da História da Lingüística fazem referência

ao fato de não se poder confundir descrição lingüística com prescrição lingüística.

Assim, os estudos gramaticais são, em sua origem, fundados em especulações

filosóficas: conjunto teórico cujo propósito não estava voltado para a descrição da

língua grega, mas para a compreensão do modo como ela estruturava os

conhecimentos e como tais conhecimentos, assim estruturados, funcionavam de

sorte a facultar o acesso à sabedoria, por meio da comunicação. O produto desses

estudos, uma conquista a várias mãos e uma construção secular, favoreceu a

construção da gramática grega, bem como de glossários e dicionários: obras em que

estão depositados procedimentos descritivos dos conteúdos das formas vocabulares

dessa mesma língua.

Nessa acepção, a G.T.C é especulativa e descritiva. A sua prescrição é

decorrente da elaboração de uma política lingüística, cuja ancoragem tem como foco

o ensino formal dessa mesma língua, para assegurar a unidade política do Estado.

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Assim, quando se fala em gramática prescritiva, o que se coloca em questão não

são os fundamentos teóricos que asseguraram a descrição dos fatos lingüísticos,

tampouco os critérios selecionados para tanto, mas sim a oficialização de uma

política de ensino e, conseqüentemente, de uma variedade de uso para controlar as

inevitáveis mudanças lingüísticas. Para os estudiosos de políticas lingüísticas, o

objetivo da prescrição é assegurar o controle da variação lingüística, pois a unidade

que assegurava/assegura o exercício do poder de um Estado Político Nacional é a

unidade lingüística do povo.

Neves (1987) e Robins (1983) consideram que a língua grega, no período

clássico, apresentava-se bastante heterogênea, se comparada a outros períodos

históricos, em razão da existência de um número bastante elevado de dialetos

falados no território sob o domínio daquele Estado. Contudo, tratava-se de dialetos

de uma só língua e, apesar das guerras entre cidades-estado do mundo helênico,

essa língua ainda era capaz de unir os gregos em uma única nação tornando-os um

só povo. O seu ensino formal contribuiria, sobremaneira, para assegurar esse

modelo de situação política; todavia, tal modelo de ensino não tinha por marco a

aprendizagem da gramática pela gramática, conforme apontado por Quintiliano.

Observam que, embora esses dialetos não tivessem representação gráfica

bastante lapidada, as inscrições ainda hoje existentes atestam o registro de uma

variedade dos mesmos. Mas aquele registro de que se valera Homero, para

construir os textos da Ilíada e da Odisséia, atestava que tal modalidade de uso não

mantinha identidade com outros falares de que se faziam uso naquele tempo do

Estado Grego.

Recitados em público, os poemas homéricos eram concebidos como fonte de

preceitos morais e contribuíam com a educação grega; mas o estudo de caráter

crítico e etimológico tem como marco o final do século VI a.C. Esses estudos de

caráter especulativo têm como ancoragem reflexões, sobre a natureza e uso da

linguagem, formalizadas pela língua grega, mas circunscritos ao uso que dela fizera

Homero. (LYONS,1971).

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Esses conhecimentos passam a ser mais bem sistematizados, no final desse

mesmo século por filósofos da Jônia, dentre outros, que exploravam não só as

questões de linguagem, mas também aquelas referentes aos campos da

astronomia, física, matemática, ética... Contudo, o produto dessas reflexões -

incluindo aquelas desenvolvidas pelos primeiros retóricos que antecederam a

Sócrates e até os elaborados pelo próprio Sócrates - é bastante fragmentado e nos

foi legado de modo indireto. Assim, os conhecimentos sobre a linguagem – aos

quais se têm acesso direto e que serviram como parâmetro para a construção da

primeira gramática da língua grega – têm por marco os escritos de Platão e de

Aristóteles. O primeiro diferencia o nome do verbo; o segundo, as partes do

discurso.

Afirma Robins (1983) que Platão ou mesmo qualquer outro filósofo dessa

época jamais reuniu e sistematizou suas observações lingüísticas e, embora se

afirme ter tido ele o papel de fundador das primeiras reflexões de caráter lingüístico,

elas estão esparsas na totalidade de suas obras. O mesmo ocorre com Aristóteles,

com Plotino e outros estudiosos da época. Os estudos lingüísticos só passaram a

ser registrados de forma mais ordenada com os filósofos estóicos que retomam os

estudos de Aristóteles, cerca de 300 a. C: origem da chamada escola dos estóicos,

fundada por Zenão. Tal escola responderá pela:

a) formalização da concepção de forma e conteúdo, da qual emerge a

de significante e significado, na lingüística contemporânea;

b) tratamento de modo separado da fonética, da gramática, e da

etimologia;

c) introdução das marcas de acento ou sinais diacríticos na escrita

grega, para indicar a pronúncia correta das palavras e os sinais de

pontuação;

d) sistematização de questões sobre a transitividade;

e) introdução da concepção de paradigma, à medida que, esses

filósofos operam com a concepção de flexão. (LYONS,1971).

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Esses estudos estóicos, desenvolvidos no período helênico, antecedem

àqueles dos alexandrinos e têm como parâmetro o contexto da língua grega e dos

povos falantes de outras línguas.

Segundo Neves (1987), trata-se de um tempo em que se deu a implantação

de uma política lingüística, com vistas a se prescrever o ensino e a aprendizagem da

língua grega, para assegurar a unidade do Estado Político e preservar a cultura

daquele povo, pela leitura e divulgação da sua literatura clássica. Outro diferencial

bastante significativo dessa época era a divergência entre a língua falada e aquela

presente nos registros dos clássicos literários. Desta feita, tomou-se essa

modalidade de escrita como marco dos homens cultos da época, contribuindo com a

criação de uma língua oficial: aquela que assegura a unidade do Estado. Nessa

acepção, o princípio da prescrição é de caráter político e visa à aprendizagem, em

larga escala, de uma língua para se sobrepor a outras, em territórios plurilíngües, ou

a seleção de um dos usos dessa mesma língua, concebida como de prestígio, por

ser tal uso aquele que orienta a produção de textos literários ou documentais.

Desta forma, à chamada escola dos estóicos outra irá se destacar na Grécia

Antiga, a de Alexandrina: um território recentemente helenizado e com ela tem início

a crítica literária, a verticalidade dos estudos etimológicos e o incentivo à leitura dos

clássicos, principalmente aqueles de Homero. Os membros dessa escola ocupavam-

se com a produção de comentários sobre a língua grega e conteúdos desses textos

clássicos, com vistas à compreensão dos mesmos pelos novos leitores. Os

glossários têm a sua produção intensificada ou reformulada, pois muito dos dialetos,

diferenciados daqueles da língua grega, apresentavam vocabulário e sintaxe

distintos, quando comparados aos textos clássicos. Observa-se, portanto, que o

objeto de estudo dos alexandrinos era o texto literário, sendo Aristarco – mestre de

Dionísio de Trácia – considerado o fundador dos estudos científicos das obras de

Homero e Dionísio de Trácia o produtor da primeira gramática da língua grega.

(NEVES, 1987).

Nesse contexto de edificação prolongada em que os estudos filosóficos vão

possibilitando a construção de uma teoria gramatical, há de se atribuir relevo à forma

de raciocínio e de métodos demonstrativos que facultavam aplicar testes às matérias

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e modificá-las à luz da experiência. Tal procedimento era fonte de vários fatores

como comprovam as discussões entre anomalistas e analogistas, ocupados com a

observação e análise dos conteúdos das formas ou materiais lingüísticos.

Os analogistas, ao contrário dos anomalistas, afirmavam que a fala e a

compreensão do seu funcionamento eram regidas pelo princípio da regularidade ou

da analogia; os segundos, pelo princípio da irregularidade ou da anomalia. Embora

essa discussão se estendesse por séculos, elas contribuíram com observações

sobre os padrões formais da palavra. A essa questão associam-se discussões em

relação ao fato de as palavras da língua serem produto de convenção ou de fatos

não convencionais, naturais, de sorte que o tempo responderá pela transformação

natural do vocabulário. Mas, de forma geral, essas controvérsias focam o princípio

da regularidade e o da irregularidade dos fatos lingüísticos que, como se sabe, não

são dicotômicas e sim complementares, visto serem as línguas tanto regulares

quanto irregulares ou vice-versa. Contudo, esses estudos gramaticais terão como

suporte o princípio da regularidade; razão porque eles se consubstanciam por

descrições que visam a apontar “as regras” de uso, sejam elas da estrutura do

sistema ou de um uso desse mesmo sistema, como é o caso da G.T.C.

Por conseguinte, o princípio da regularidade facultará uma descrição

econômica da estrutura das palavras gregas, a criação da concepção de paradigma,

que favorecerá o estudo das flexões nominais e verbais, bem como o

reconhecimento das irregularidades desses mesmos modelos de paradigmas. É

nesse espaço de reflexões que a filosofia assevera ser a linguagem a expressão do

pensamento e dos sentimentos humanos; uma capacidade universal de qualquer ser

humano, desde que ele não traga consigo distúrbios neuropsíquicos. Assim, os

primeiros estudos emergem no campo da fonética, da etimologia e da gramática,

mas.

(...) foi no campo da gramática que... melhor trabalharam (...por) sucessivasgerações (...). As suas descrições foram investidas através da Idade Média edo mundo moderno (...) Além disso, as teorias, as categorias e anomenclatura que os antigos configuraram ao estudar a gramática de suaspróprias línguas tornaram-se parte do instrumental com que trabalha alingüística descritiva em nossos dias. (ROBINS, 1983 p.19)

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Posto isso, passa-se a considerar os estudos sobre as classes de palavras,

para se poder atribuir relevo àquela referente aos pronomes.

1.2.3 Os pronomes pelos gramáticos gregos

A bibliografia de caráter histórico aponta que a primeira gramática da língua

grega – Tecné gramatiké, de Dionísio de Tracia – compreende quinze páginas, vinte

e cinco seções e seis partes e nela não há registros de estudos no campo da

sintaxe. Trata-se, portanto, de uma gramática centrada no sistema de classes de

palavras, cujas análises morfológicas contribuirão para o posterior desenvolvimento

da sintaxe. A filologia, embora anunciada como uma dessas partes, também é pouco

explorada por Dionísio.

Ressalta-se que a primeira parte dessa gramática está centrada na prosódia:

fundamento da leitura em voz alta, designada por “leitura exata”. A segunda parte

está voltada para o uso das expressões literárias; a terceira incide sobre a

fraseologia e os temas; a quarta focaliza a filologia; a quinta parte trata das

analogias e a sexta concebida como parte nobre da gramática, trata da composição

do texto literário. Por conseguinte, esses estudos de Dionísio não são organizados

pelos mesmos critérios propostos pelas nossas gramáticas contemporâneas,

organizadas em três partes: fonologia e ortografia; morfologia e sintaxe.

Definida como conhecimento prático de uso comum aos poetas e prosadores,

o tratamento dispensado aos elementos gramaticais (sons, letras e palavras)

contempla três domínios ou campos: ta stoicheía = elementos da lingüística: os

sons; tà mère lógou, = partes do discurso ou desses ou palavras e ta parepómea =

acessórios, ou pronúncia e leitura correta das sílabas longas ou breves das

palavras.

Para os historiadores dessa gramática, ela é produto de um procedimento

cujo eixo é a observação empírica de textos de autores clássicos e de prestígio que,

coletados, eram recortados de sorte a se fazer uso desses fragmentos para

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afirmações comprobatórias. Apenas os estudos referidos à quinta parte da gramática

dionisiana – analogia – serão futuramente considerados de domínio gramatical e,

por eles se chegará à construção da Gramática Tradicional das línguas modernas,

no mundo ocidental. O fato de os estudos das letras terem a pronúncia como

fundamento fará com que a língua escrita seja o objeto de investigação gramatical,

ao longo do tempo. Também é preciso considerar que a concepção de frase,

embora não desenvolvida pelos primeiros gramáticos, estava associada ao logus ; a

concepção de palavra estava associada à de lexis, de sorte a que ambas fossem

propostas como unidades “mínimas” e “máximas” desses estudos. Assim, a frase já

se define no tempo de Dionísio, como expressão de um pensamento completo e a

palavra como parte do discurso. (NEVES, 1987).

As palavras, concebidas como partes do discurso ou mero logus, são

classificados em: a) ónoma ou nome. b) rhêma, ou verbo; c) antenymia ou pronome;

d) prótheses ou preposição; e) epírohema ou advérbio; f) syndesmos ou conjunções;

g) metoche ou particípio; h) arthon ou artigo. A essa classificação se segue aquela

das chamadas palavras primitivas que, concebidas como protótupon, se desdobram

em classes derivadas, parágogon, em acessórios, parepómea. Assim, no corpo

dessa Gramática, os critérios para se estudar as palavras são:

• Gênero – masculino, feminino e neutro;

• Eidos – nome primitivo e nome derivado;

• Scmênna – forma simples e composta;

• Arithmós – singular, plural e dual;

• Ptosis – caso nominativo, acusativo, genitivo e dativo;

A classe dos pronomes é concebida como parte do discurso ou mero logus

que se qualifica por ser uma paronomásia: de parágogon, porque derivada das

classes primárias, ou seja, nome e o verbo. Por conseguinte, o pronome seria uma

classe de palavras cuja identidade é assegurada, respectivamente, pela relação com

o nome e o verbo; mas no que se refere à sua concepção, ele se tipifica como mero

logus, ou seja, parte do discurso que não se associa à lexis; logo uma classe de

palavra que assessora essas outras duas na construção do discurso.

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Mas, essa classe, quando focalizada pelos seus elementos constitutivos,

também se qualifica como primitiva: os pronomes pessoais e, como derivada: os

pronomes possessivos. Os pronomes primitivos não são antecedidos do uso do

artigo; os derivados ou possessivos o são. Esses pronomes derivados são ainda

qualificados como bipessoais, na medida em que asseguram relações, cujos

sentidos são os valores de “possuidor” e objeto “possuído”, como: filho(s) de João e

de Maria; (os) meu(s) pai(s); (a) casa de meus pais(s); a casa deles (de + eles). Os

primitivos são classificados como unipessoais, quer quanto ao singular: eu, tu, ele(a)

quer quanto ao plural: nós, vós, eles(as) ou quanto ao dual: casa dele(s).

Observa-se, nos exemplos acima, que os pronomes possessivos, à

semelhança do pessoal de terceira pessoa, apresentam flexão de número “plural”; o

que assegura a comutação de “sua(s) casa(s) por casa(s) dele(s) ou dela(s)”, visto

que a terceira pessoa também é flexionada em gênero. Assim, torna-se agramatical

os equívocos do tipo: minha(s) casa(s) por “casa(s) de eu” ou “de nosso”, por

exemplo. Essas reflexões presentes na gramática de Dionísio apontam que,

segundo a classificação proposta, os pessoais de terceira pessoa não seriam

apenas primitivos, mas também derivados. Embora, para ele, seja preciso considerar

que os pronomes possessivos apenas fazem referência aos pessoais - meu lápis:

aquele que pertence à pessoa que fala (Eu); teu lápis: aquele que pertence à pessoa

com quem se fala (tu). Já os pronomes de terceira não operam com o princípio da

referencialidade, conforme apontado, e sim com o da reiteração ou repetição –

aquele lápis = aquele sobre o qual eu falo e que não é o meu e tampouco teu.

Outro aspecto relevante, quanto a essa classificação, é o fato de os pronomes

interrogativos, indefinidos, e relativos merecerem classificação à parte, ou seja: os

interrogativos “que” e “qual” estão inclusos na classe dos nomes; já “onde” e

“quando”, na dos advérbios. Os relativos estão inseridos na classe dos artigos e

diferenciam-se desses últimos, classificados como protaktikón = o que se coloca

antes do nome – O filho de Maria que é minha vizinha: o artigo “o” é colocado antes

do nome “filho”; já o pronome relativo “que” é colocado depois do nome =

hypotaktikón = razão pela qual se passará a usar as designações artigo hipotático e

artigo protático para diferenciar o artigo propriamente dito dos pronomes relativos.

Os indefinidos também se inserem como subclasse do nome e não dos pronomes; já

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os demonstrativos não se encaixam em quaisquer das classes propostas por esse

gramático. Para Neves (1987) esses pronomes, em não sendo primitivos, também

são derivados, pois não são bipessoais, ou seja, não se referem ao “eu” e tampouco

ao “tu”, se se compreender serem essas as pessoas que possibilitam qualificar o

pronome como elemento de interlocução. Também não se incluem entre os

bipessoais da terceira pessoa: “ele”, “ela”, se compreendermos a bipessoalidade

pela categoria de gênero:

O reconhecimento de que os pronomes indicam pessoas poderia pensarfazer na inclusão dos demonstrativos como pronomes da terceira pessoa,mas eles não se encaixam entre os primitivos, porque distinguem gênero,nem entre os derivados porque não são bipessoais. (NEVES, 1987. p.152)

Numa síntese, pode-se afirmar que os pronomes, para Dionísio,

compreendem uma classe de palavras tanto primitivas (pessoais) quanto derivadas

(possessivos). Diferenciam-se os pronomes primitivos dos derivados pelo fato de os

primeiros não serem antecedidos do uso do artigo. Os pronomes possessivos ou

derivados podem ser bipessoais: estabelecem relações entre pessoas: mãe e filho;

comprador e vendedor... e, estas relações, implicam o valor de posse inalienável ;

como o amante de Rosa, ou a casa de Rosa, respectivamente. Quando bipessoais

sofrem flexão de número e de gênero: meu (s); minha (s); sua(s); seu(s); teu(s);

tua(s)... Observa-se que esse valor de posse é qualificador do caso “genitivo”.

A inserção do pronome relativo na classe dos artigos parece decorrer do fato

de o artigo ser o antecedente do nome; já o relativo é empregado depois do uso do

nome ao qual ele substitui: uma questão de colocação, consoante a ordem de

estruturação das palavras pelas categorias da frase. Mas devido ao não

desenvolvimento dos estudos sintáticos e ao fato de os pronomes relativos poderem

substituir o nome que ocupa a posição de sujeito gramatical ou os diferentes tipos de

nomes circunstantes ou advérbios, faz com que eles sejam classificados, consoante

a classe de palavras substituída. Outra questão é o fato de não se haver, ainda,

diferenciado o nome substantivo do adjetivo. Desta feita, a classificação proposta se

faz bastante complexa, quando comparada àquela de nossos gramáticos

contemporâneos.

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1.2.3.1 Os pronomes segundo Apolônio

Apolônio, também gramático grego, faz uma revisão crítica da concepção e

classificação dos pronomes proposta por Dionísio. Considera que o relativo não

pode estar incluso na classe dos artigos, na medida em que ele é usado no lugar do

nome; logo, a questão não se circunscreve à sua colocação após o nome, ou seja,

ele não é um artigo hipotático. Nesse sentido, o relativo se qualifica pela flexão de

caso e de número, expressos por outras formas claramente definidas e, quando se

flexiona um gênero (cujo, cuja), este também se define pela forma (masculina e

feminina).

Assim, os relativos, à semelhança dos pronomes pessoais se opõem ao

nome, na medida em que “indicam” apenas a existência, mas não a qualidade, ou

seja, o atributo do sujeito corpóreo. Essa indicação, quando a pessoa já foi

apresentada pelo nome, se faz pela “anaphórikon” e, em caso contrário, quando ela

está presente, pelo diktikón ou demonstrativo, ou pelo homoiomatikon, ou seja, pela

relação de semelhança. Tal distinção faculta Apolônio postular que o pronome

relativo é um “anafórico” fundado na relação de semelhança com o nome que ele

substitui, para demonstrar a pessoa do discurso por ele substituída e/ou referida. Já

os demonstrativos podem ser considerados como dêiticos, pois apenas apontam

para essas pessoas, mas não as substituem.

Para esse gramático é preciso atribuir relevo ao fato de a pessoa não ser uma

categoria designativa, visto não expressar “qualidade”, mas apenas “apontar para a

coisa ou ser designado” – relação dêitica. Chama a atenção para o fato de as

designações nominais, ou seja, o que é designado pelo nome - a concepção ou

noção pré-existente, o já dito e, por isso determinado - não ter a possibilidade de

indicar senão apenas uma pessoa do discurso: mas uma por vez. Já os pronomes

indicam várias delas de uma só vez: nós = eu +tu+ vós, por exemplo. Apolônio

parece postular a necessidade de se diferenciar pessoas do discurso de classes

gramaticais, ou seja, as pessoas do discurso são representadas em língua, pelos

pronomes pessoais propriamente ditos. O fato de eles exercerem funções sintáticas

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diferenciadas se deve a outra dimensão lingüística: como as pessoas do discurso

são representadas, em língua, no enunciado.

Essa dificuldade de revisão dos estudos de Dionísio não o impede de

apresentar uma nova concepção de pronome, em que se atribui relevo ao fato de

ser essa uma classe de palavras por meio da qual se faz a “indicação” de pessoa do

discurso e de ela poder ser empregada no lugar do nome da pessoa indicada.

Assim, o pronome, por manter relações de significação com o nome e com o verbo,

é uma paranomásia: na classe que só tem identidade em relação a esses dois

outros e, nesse sentido também é uma semiósis, pois arrasta consigo as

significações dessas duas classes. Contudo, embora idêntico, diferencia-se do nome

e do verbo e, nesse sentido é uma antonomásia, na outra forma de outra forma de

antonímia. (ROBINS, 1983)

No caso de eles serem concebidos como “antonomásia” por Dionísio, a

explicação estaria justificada por Apolônio, segundo o qual a substituição do nome

pelo pronome assegura entre ambos relações qualificadas por um certo grau de

identidade. Contudo, essa identidade se inscreve nas diferenças já apontadas, o que

faz dos pronomes uma classe contrária à dos nomes, mas não contraditória a ele e,

nesse sentido, elas não se opõem. Observa Apolônio haver um alto grau de

identificação entre os pronomes e os nomes próprios, mas não entre os nomes

comuns, ressaltando o fato de os pronomes pessoais expressarem apenas a idéia

de substância: o que é substantivo, essencial do ser, da pessoa. Já os pronomes de

terceira pessoa têm maior grau de identidade, tanto com os nomes próprios, quanto

com os nomes comuns, na medida em que se referem àquilo de que se fala. Trata-

se de uma forma pronominal não indicativa das pessoas do discurso, aquelas que

representam em língua os interlocutores: eu ou tu; nós ou vós. Por essa razão,

apenas a terceira pessoa pode se fazer substância – o assunto. Logo, não se trata

de antonímia regida pelo princípio da contradição, em que a afirmação de um

pressupõe a negação do outro, mas de complementação, em que o pronome

reafirma o nome, contudo enquanto substância, e não enquanto qualidade. A

qualidade é transitória e é sempre da pessoa, designada pelo nome próprio – para

afirmar a essência, a individualidade de cada ser. (NEVES, 1987).

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Pode-se considerar nas gramáticas de Dionísio e de Apolônio, que o primeiro

focaliza os pronomes na dimensão da palavra; o segundo trata não só da palavra,

mas também busca focalizá-la pelas suas funções, na dimensão da frase. Logo,

Apolônio desenvolve os primeiros estudos sobre a gramática da frase-grega. Nesse

sentido, embora tenha mantido as 8 classes das partes do discurso, propostas por

Dionísio, redefiniu o pronome não só como palavra que substitui o nome, mas

também como sendo a representação da substância nominal por ele retomada no

fluxo da fala, ou seja, “ousía”. (NEVES, 1987).

Observa-se ainda que os seus estudos não só apontam ser o nome e o verbo

os elementos constitutivos da frase, mas também elabora a primeira descrição

sintática, tendo por ancoragem a relação entre essas duas classes primitivas. As

demais classes são definidas pela relação nome� verbo. Embora não se ocupe

com as relações entre o verbo e os casos oblíquos das palavras, atribui relevo à

construção do particípio e o considera como elemento que participa do lugar

ocupado pelo verbo, pelo nome e pelo pronome no espaço da formalização

lingüística da linguagem. O esforço de Apolônio é apontar que o pronome não só

participa do lugar ocupado pelo nome pelo verbo, mas também para o fato da dupla

função que ele exerce. Essas funções explicitam-se pela retomada do nome ou pela

indicação das pessoas por meio das categorias morfológicas e sintáticas da língua

grega, registradas ou reiteradas pelas formas morfológicas da flexão verbal.

(ROBINS, 1983).

1.2.4 Os pronomes pelos gramáticos latinos

Os estudos sobre a linguagem e as descrições gramaticais da língua latina

são heranças dos gregos recebidos pelo povo romano por meio do contato com

habitantes helênicos das colônias gregas do sul da Itália. Desse contato, cada vez

mais extensivo - implicando o domínio e o controle do Estado Grego pelo Romano,

em razão da invasão da Grécia no século III a.C - os romanos aprenderam a ler e a

escrever. Nesse tempo de aprendizagem, de reconhecimento e conhecimento do

outro, os romanos foram conquistados pelos modelos de reflexão e crítica que levara

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os gregos a dominar o mundo da ciência da razão, da poética e o da retórica.

Descobriram, assim, um vocabulário sistematizado por glossários em que se

registravam uma vasta terminologia referente a saberes sobre a matemática, a

astronomia, a crítica literária e que lhes facultavam compreender textos. Esta

compreensão era garantida pelo domínio da estrutura e funcionamento dessa

mesma língua, aprendida na escola, por meio de estudos da sua gramática, que lhes

assegurava a compreensão do vocabulário e, assim, puderam ascender a esses

conhecimentos, registrados na língua grega, cujo fundamento fora a filosofia.

(NEVES, 1987).

Entre o dado e o recebido, afirma Burke (1997), há um processo de

reinterpretação para que o recebido possa não só se adaptar a outros modelos de

compreensão, mas também às necessidades de contextos diferenciados. É dessa

adaptação que vai emergir a gramática e o estudo do vocabulário da língua latina

pelos mesmos parâmetros descobertos pelos gregos. Com eles Roma também irá

elaborar uma política de ensino do latim, como língua de prestígio que assegurará

ao seu império unidade e a capacidade e força para sobreviver em terras européias.

Para Robins (1983), os romanos não só se apoderam do mundo grego, mas

também submeteram o povo judeu ao controle do seu Estado político, cuja unidade

estava ancorada na língua latina. Assim, a estabilidade desse modelo estatal se faz

extensiva até o século IX d. C. e, no fluxo desse tempo, tem-se o nascimento, a

expansão e a sistematização do Cristianismo que também se tornara religião oficial

daquele Império. Tem-se, desta feita, os pilares que irão assegurar o modelo de

edificação do Estado moderno na baixa Idade Média: uma matriz cultural, inscrita

nos registros de uma língua escrita, oficialmente ensinada e, por isso prescrita por

uma política lingüística de caráter estatal, valorizada por escritores de prestígio no

corpo de uma literatura. A essa matriz cultural associa-se aquela que também

assegura certo grau de unidade religiosa, pois é a fé em Deus, Jesus, Jeová, Alá... e

nos homens, propagada pela língua que também assegurará o poder viver em

comunidade, configurada, organizada por modelos de formação social de que o

Estado moderno é um dos exemplos dessa formação.

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Ressalta Robins (1983), é preciso considerar que o Estado Romano tornara o

latim “língua da administração, dos negócios, do direito, da erudição e da promoção

social” (p. 35). Contudo, nas suas colônias do leste, onde predominava um modelo

de colonização em que a língua grega também mantinha posição de prestígio, os

funcionários romanos aprenderam-na para o exercício de suas funções

administrativas. Desta dimensão, moldada pela formação da filosofia e literatura

gregas, o Estado romano irá se fragmentar em dois impérios: o Ocidental e o

Oriental, esse último tinha como capital Constantinopla. Assim, Roma assegurou um

maior grau de hegemonia no Império do Ocidente, ainda que atribuísse grande valor

àqueles funcionários do Estado que eram plurilíngües e, por isso, capazes de

compreender súditos de diferentes regiões e língua sobre o seu domínio.

Tem-se, assim, Varrão como o primeiro lingüista latino a produzir estudos

gramaticais, definindo essa sua obra como conhecimento sistemático do uso

lingüístico da maioria dos poetas, historiadores e oradores. Por conseguinte, Varrão

tem consciência de que a sua gramática é produto da observação, análise e

descrição de uma norma de uso empregada, não só por aqueles que atuam no

campo da literatura, mas também nos da história e da oratória. Ela é, portanto, um

instrumento que faculta o domínio da estrutura e funcionamento da língua latina,

focada como padrão oficial.

Esses estudos de Varrão adaptados do grego foram registrados, incluindo

concepções como as de linguagem e sua origem, os de anomalia e analogia, dentre

outros, em vinte e cinco tomos. Tais estudos foram organizados em Etimologia,

Morfologia e Sintaxe.

Mas de forma geral, a obra desse gramático latino, bem como a de Prisciano,

aproxima-se do modelo descritivo proposto por Dionísio, o Trácio. Ambos mantêm as

mesmas classes gramaticais do grego, ainda que em substituição à classe dos

artigos, inexistente no latim clássico, proponha a classe das interjeições. Assim, as

interjeições - propostas como subclasse do advérbio na gramática de Dionísio e de

Apolônio - são definidas como palavras de significado estável, indicativas de

emoções, e, agora, independentes e desprovidas de significados estáveis.

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Outra contribuição desses gramáticos latinos, mais especificamente de

Varrão, foi estabelecer diferenças mais precisas entre a forma derivacional e

flexional, bastante obliterada nas Gramáticas gregas. Propõe serem os paradigmas

flexionais mais homogêneos, visto não apresentarem omissões e, por isso, são

naturais; já os derivacionais são heterogêneos, variáveis; por isso, anômalos.

Entende-se que a derivação, apesar de irregular, por estar sujeita a uma “variação

voluntária” – variar de uma pessoa para outra, em relação à forma primitiva das

palavras possibilita à linguagem certo grau de flexibilidade. (ROBINS, 1983).

Assim, Varrão apresenta muito mais do que Prisciano, reflexões e

reformulações dos estudos desenvolvidos pelos gregos, razão pela qual não se

ocupa apenas de copiar e adaptar as classes de palavras do grego para o latim, mas

também, reconhece as categorias de “caso” e de “tempo” como primárias para

diferenciar as palavras do latim que sofrem flexão. Estabelece um sistema de quatro

contrastes flexionais para classificá-las em palavras que apresentam:

• Flexão de caso - nome (substantivo e adjetivo, este

último reconhecido como a classe do nome, mas

como atributo do substantivo);

• Flexão de tempo – verbo;

• Flexão de caso e tempo – particípio

• Sem flexão de caso e tempo – advérbio.

Os pronomes pessoais e os demonstrativos são focalizados como palavras de

flexão dupla; pois, em relação ao nome, eles sofrem variações de casos e, em

relação ao verbo, de pessoa. O fato de as formas dos pronomes demonstrativos

“elle”, “ella”, “ellud” se perderem no uso da língua latina, posteriormente, levará ao

surgimento do artigo, razão porque os pronomes latinos não são classificados como

artigo, como fizera Dionísio. Já os pronomes relativos – “quĩ”, “quae”, “quod”, por

serem morfologicamente semelhantes aos interrogativos – “quis” “quid” – ora são

classificados como nome, ora como pronomes.

Observa-se que a Gramática de Prisciano (500 d. C) e a de Donato (séc.VI),

embora pouco se diferenciem entre si, a não ser em pormenores, servirão como

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instrumentos de planificação da política lingüística instituída pelo Império Romano.

E, assim sendo, funcionarão para o ensino formal da língua latina durante a Idade

Média. São, dessa forma, gramáticas bastantes semelhantes às do grego que, agora

ensinadas, asseguram o estudo do latim a sua semelhança com a língua daquela da

Civilização Antiga.

Nessa acepção, Prisciano descreveu o latim da literatura clássica e, embora

não se ocupe em definir o que entende ser uma gramática, faz uma descrição

sistemática da estrutura e pronúncia das silabas, definidas como menores partes do

discurso articulado, dotado de três propriedades: nome, forma escrita e valor

fonético. No que se refere à morfologia, diferencia a palavra da oração, definindo a

primeira como unidade mínima da estrutura da frase e a segunda, como expressão

de um pensamento completo. Adota a classificação das palavras e outras classes

gramaticais e concebe a interjeição como uma classe independente.

No caso dos pronomes, estes são definidos como palavras que substituem os

nomes próprios e especifica as pessoas do discurso. Reitera a posição de Apolônio

ser propriedade específica dos pronomes indicarem substância desprovida de

qualidade, de forma a diferenciá-los dos nomes próprios e, por isso, os pronomes

podem fazer referência anafórica com todos os nomes. Observa-se a seguinte

classificação para os verbos: ativos – aqueles a que hoje designamos por transitivos;

passivos – aqueles cujo significado não se remte à ação de um agente, mas de um

paciente, como é o caso de “apanhar”, “sofrer”, por exemplo; neutros – aqueles aos

quais se designam, hoje, por intransitivos. O verbo transitivo (ativo) foi definido por

se relacionar com os pronomes do caso oblíquo. Entretanto, não haveria

concordância entre as formas obliquas e aquelas das formas fontes de tais verbos:

elogio – te (laudō te), prejudicado a ti (noceō libi), tenha piedade de mim (egeō

miserantis). (ROBINS, 1983 p. 47).

As estruturas sintáticas da língua latina são pouco trabalhadas por esses

gramáticos, embora se registrasse que a função primária dos pronomes relativos

fosse a de estabelecer relação de subordinação entre orações constitutivas de um

período. A esta função primária, acrescente-se a de esses pronomes relacionarem

um verbo ou oração a outro verbo ou outra oração principal. Postula-se, ainda, o fato

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de serem o nome e o verbo capazes de formarem por si sós, frases com sentidos

completos.

Para Robins (1983):

“A obra de Prisciano representa algo mais que o final de uma era: constitui aponte entre a erudição lingüística da antiguidade e da Idade média (...) A suadescrição serviu durante oito séculos como base das teorias gramaticais emnossos dias como fundamento do ensino da língua latina. (p. 48)

1.3 Matrizes para a construção de Gramáticas Nacion ais

Os estudos sobre a palavra e a frase das línguas greco-latinas, segundo o

quadro apresentado, precisam ser focalizados por três perspectivas na Idade Média:

a) aqueles propriamente voltados para a produção de Gramáticas; b) aqueles que,

embora de caráter gramatical, estão voltados para a produção de manuais didáticos;

c) aqueles de que buscam reconfigurar fundamentos teóricos para o tratamento de

questões lingüísticas. Esses últimos, por não estarem sistematizados, serão

desenvolvidos no fluxo da Idade Moderna e deles resultarão a construção da

chamada Gramática Geral ou Racional, de caráter mentalista e cujo pressuposto

básico é tornar as línguas como espelho do pensamento. (ROBINS, 1983). Mas, de

forma geral, os gramáticos e, posteriormente, os lingüistas, pressupõem-na como

um produto social. (COSERIU, 1980).

A bibliografia aponta que durante a romanização de regiões da Europa, dentre

as quais se situa a Península Ibérica, os estudos da língua latina passam a se fundir

com as tradições lingüísticas de outros povos, ao mesmo tempo em que a filosofia

escolástica vai ocupando lugar proeminente no contexto medieval. Assim, por volta

do ano 1.100 da nossa era, vive-se a fundação das primeiras universidades e o

surgimento da arquitetura medieval. Trata-se de um tempo em que a Igreja agrega e

toma sob o seu domínio todas as atividades culturais e as interpreta como parte do

serviço prestado a Deus pelo homem; de modo a eleger a fé como categoria capaz

de organizar todas as investigações e/ou invenções de caráter intelectual.

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As gramáticas de Prisciano e de Donato, conforme já apontado, já estavam

concebidas como indispensáveis para o uso da escrita e leitura de textos latinos. No

campo do ensino, os estudos gramaticais tinham caráter prático e normativo,

funcionando como ancoragem para a aprendizagem da Lógica, da Retórica, da

Geografia, da Medicina e da Astronomia: disciplina que, nesse modelo de currículo

escolar, fora substituída por Santo Agostinho. Dois pilares asseguravam o

cumprimento dessa matriz curricular: as traduções realizadas pelos estudiosos

eclesiásticos e a produção de manuais didáticos para garantir o ensino em

mosteiros, abadias e igreja, que iam sendo construídas na Europa.

Os estudos propriamente lingüísticos avançavam pela área da tradução,

orientados pelos sentidos gerais dos textos, vertidos para o latim e não pela

transposição de palavras entre línguas diferentes. Também o alfabeto – já inventado

e sistematizado pelos gregos – assegurava a adaptação aos grafemas ou letras da

língua latina.

Na Baixa Idade Média, os manuais didáticos ensaiavam introduzir o ensino da

escrita de algumas outras línguas, como a inglesa, por exemplo, de sorte a facultar

observações entre línguas diferentes, embora tais diferenças não fossem objeto de

questionamentos. Contudo, é possível considerar referência a processos de

assimilação parciais no que se refere ao esforço de descrição para facultar a

aprendizagem do latim como língua estrangeira de prestígio, bem como a

assimilação parcial da etimologia gramatical. (LYONS, 1971).

O fato de a Igreja haver assumido para si a função de proteger e estimular a

educação como fonte de sabedoria, desde o fechamento das escolas filosóficas de

Atenas, em 529, resulta na intensificação de produção de manuais da gramática

latina. Tais manuais passam a ser divulgados em versos para facilitar o modelo

mnemônico e, à medida que o poder eclesiástico se fortalece e assume a função de

proteger e estimular a educação de caráter religioso coloca-se a literatura pagã de

autores clássicos sob suspeita. Desta feita, só no século IX, o exemplário para as

aulas de gramática fica circunscrito a fragmentos textuais da Sagrada Escritura: um

procedimento didático com vistas a evitar descontentamentos da Igreja. Contudo,

em muitos centros de estudos, mantêm-se pesquisas sobre clássicos pagãos, nas

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áreas da tradução, da etimologia e da lexicografia, como atesta a produção de

Izidoro de Sevilha, no século VIII.

Passa-se a considerar, já no século XII, a necessidade de construção de uma

base teórica diferenciada da mera exposição dos fatos lingüísticos de natureza

didática, de que resultaria a produção de uma Gramática Geral. Postula-se que a

descoberta de fatos gramaticais não seria da competência do gramático, mas do

filósofo, na medida em que aquele não era um homem versado em raciocínios da

lógica da razão. Argumenta-se, ainda, que os gramáticos greco-latinos não se

ocuparam e de indagações de ordem universal, mas apenas com descrições

lingüísticas.

Esse quadro de caráter crítico fez com que os estudos lingüísticos voltassem

a ser orientados pela filosofia escolástica e, assim, retomam-se os princípios de

caráter especulativo fundadores da gramática grega; mas, agora, focalizados pelo

olhar de Teólogos. Desse modo, a gramática especulativa estende-se para além dos

conteúdos programáticos registrados em manuais didáticos para o ensino e, assim,

define-se o lugar ocupado pela teoria lingüística e aquele ocupado pelo ensino.

Propõe-se uma gramática geral, cujo sistema é universal e Gramáticas particulares

cujos sistemas responderiam pelas particularidades de cada língua, pois as

diferenças entre as várias línguas são apenas acidentais.

Incorporam-se à Gramática, concepções semânticas tendo como parâmetro a

diferença entre:

... significātiō e supositiō, propriedades semânticas do vocabulário que,apesar de relacionadas são independentes. A significātiō (...) foi definidacomo a relação entre o signo (palavras) e aquilo que ele significa. Em virtudedessa relação o signo pode funcionar como substituto dos objetos, pessoasetc., (...) com referência aos nomes, esse tipo de fenômeno é designadosupositiō (suposição, suplência) (...) a significātiō é anterior à supositiō, eesta pode ter o seu alcance restringido pela combinação de significātiō nocontexto. (ROBINS, 1983. p. 50 )

Nesse contexto, é estabelecida uma distinção entre suposição formal – a

palavra é concebida como representação de pessoas, ou coisa no mundo: o cavalo

é um animal quadrúpede - e suposição material: a palavra representa a si mesmo –

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o cavalo é um nome. A essa distinção acrescenta a de vox (som) e diotiō (palavra

que foi dita, pronunciada), de modo que o som é a matéria da palavra; o “dito” é

compreendido como a forma da palavra dotada de significado: produto da

significação. Contudo, esses avanços não interferem diretamente na produção de

gramáticas particulares, razão pela qual os gramáticos romanos mantêm inalterados

os estudos morfológicos dos gregos e, consequentemente, as classes de palavras

por eles propostos, para a descrição do latim. Mas muitas definições são

reformuladas pelo ponto de vista semântico, ou seja, por um determinado modo de

significação.

Os modos de significação são orientados pelos seguintes postulados: os

seres existentes possuem várias propriedades ou modos de ser – modī essendī. A

apreensão desses modos de ser pelo sujeito equivale a modos de compreender

ativos que correspondem modos de compreender passivos, razão das qualidades

dos seres apreendidos pela mente humana. O sujeito atribui modos de significar

ativos aos sons e, assim procedendo, converte-os em palavras e partes do discurso

que significam as qualidades dos objetos. Essas qualidades passam a ser

representadas pelos modos de significar passivos. Logo, as qualidades dos seres ou

coisas significadas pelas palavras são produtos do modo ativo, ou seja, a palavra é

focada como processo e como produto.

Esses modos de significar fazem com que se considere o pronome como

parte do discurso que se representa pela “modum entis”, ou seja, eles representam a

realidade de forma estável e permanente. O nome inclui a substância e a qualidade

apreendida de forma determinada: o pronome de forma indeterminada, porque

derivada da propriedade ou modo de ser da matéria prima, isto é, do nome: a

matéria prima do pronome. Já o verbo e o particípio são representados pelo “modum

esse”; o primeiro distingue-se da substância (nome) da qual é predicado; o segundo

não se distingue da substância da qual é predicado. (ROBINS, 1983).

Afirma Robins, (1983) que esses estudos medievais facultam diferenciar

facilmente o nome do verbo, mas não o nome e o pronome, por exemplo. Contudo,

afirma-se que a âncora dos estudos gramaticais é a sintaxe e, nesse período, ela é

desenvolvida para além das questões de concordância, como fizeram os gregos.

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Considerou-se fundamento da sintaxe as construções formadas pela relação entre o

nome e o verbo, bem como a concepção de sujeito e predicado. Assim, as

gramáticas analisam tais relações como base nos ideais de dependentes e

determinantes: termo que exige a presença de outro e aquele que satisfaz,

respectivamente, tal dependência. Tem-se, assim, por exemplo:

Dependente Determinantes

Verbo nome: caso nominativo

Verbo nome: caso obliquo”

A construção do sistema gramatical sintático ainda tem por suporte a

classificação dos verbos em transitivos e intransitivos, a distinção entre substantivo e

adjetivo e a distinção entre flexão e derivação. Nesse sentido, tem-se um grande

avanço no campo sintático e morfológico e um aprimoramento no campo teórico e

metodológico, devido ao rigor e coerência dispensada à estrutura sintática da frase e

da palavra. Esses avanços são sistematizados por Arnauld e Lancellot no século

XVII, e responderão pela edificação da Gramática da frase. Assim, as primeiras

gramáticas da língua portuguesa, produzidas no Renascimento, estão circunscritas

ao tratamento da palavra.

1.3.1 A gramática no Renascimento: matrizes da gram ática da Língua

Portuguesa.

Os estudiosos do Renascimento se voltam para “questões da língua” e se

dedicam à revisão do conceito e do esquema gramatical, de modo a adequá-los à

função diferenciada das línguas modernas, em relação à latina.

É nesse período que dicionários poliglotas são construídos, a fim de colocar o

leitor a salvo de arriscadas especulações decorrentes do eventual parentesco entre

as línguas “nacionais” que eram retransmitidas pelos comerciantes viajantes. Nesse

contexto de valorização das línguas nacionais, observa-se o procedimento

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metodológico em que a língua nacional é analisada em relação a outras, conforme já

enunciado. O latim continua a ser o molde segundo o qual todos os outros idiomas

são pensados, mas não mais o único. Os estudiosos também voltam o olhar às

línguas até hoje chamadas de exóticas de origens africana, asiática, americana, em

comparação aos “vulgares” românicos. Todavia, esse método comparativo não teve

grande êxito, no século XVI, mas será retomado e sistematizado no século XIX,

implicando a construção de gramáticas históricas. Desta feita, o Renascimento é

marcado especificamente pelo fato de as línguas começarem a ser trabalhadas de

modo generalizado como objeto de ensino. Assim, no período renascentista, as

reflexões sobre a natureza da linguagem, são configuradas como o prolongamento

das preocupações já existentes entre os latinos e serão mais bem desenvolvidas

nos séculos XVII e XVIII, sob a influência aristotélica. A ilustração mais notável

desses estudos é a Grammaire générale et raisonnée de Port Royal de 1660.

(LEROY, 1967).

1.3.2 Os pronomes pela gramática da Língua Portugue sa

O uso da gramática e de dicionários como prescrição foi elaborado na Grécia

Helênica (cf. itens deste capítulo 1.2.1 e 1.2.2) e também os romanos se valeram

desse princípio prescritivo, quando aquele império começou a se desmembrar em

várias nações. O desaparecimento do latim nas regiões conquistadas se dá

gradativamente, em razão de novas línguas nacionais assumirem posição de

prestígio e serem focadas como suporte dos novos Estados modernos. Elege-se

uma língua nacional para cada uma dessas nações emergentes: o dialeto de maior

prestígio, ou seja, aquele usado pelos “homens doutos” e/ou que fundamentava

literaturas nacionais. Contudo, o fato de haver resquícios do latim e dos dialetos

falados pelo povo, cria a necessidade de as escolas ensinarem a norma de prestígio

da língua padrão.

Nebrija, em 1942, já postulara ser a língua companheira dos impérios, de

sorte que, no contexto da descoberta do Caminho Marítimo para as Índias e do

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processo de colonização, Portugal se vê diante da necessidade de sistematizar uma

das variantes lingüísticas faladas em seu território, para se formar como nação

independente. É no século XVI, que se tem a produção das primeiras gramáticas de

língua portuguesa: a de Fernão D’Oliveira e a de João de Barros, ambas de caráter

latinista.

a) Fernão de Oliveira

Afirma Fávero (1996), fundamentada em Buesco (1978), que a Gramática da

Lingoagem Portuguesa, reflete as ansiedades do período renascentista, cujo marco

é a edificação do Estado Moderno Português. Desta feita, Fernão D’Oliveira busca

registrar nessa sua obra o fato de a língua portuguesa ser um sistema organizado e

autônomo, independente do sistema lingüístico espanhol: país do qual Portugal

queria se separar, para se fazer reino próprio: “(...) porque o nosso rey e Senhor pois

tem Terra e mando; tenha também nome próprio e distinto per sê, e sua gente falla

ou lingoagem não mais mesturada mas bem apartada” (p.85)

Esses argumentos de caráter político, visando a diferenciar a língua

portuguesa da espanhola se estendem nos registros dessa gramática para exaltar a

nova nação, cujo suporte era a língua, sempre visualizada como mais perfeita do

que a espanhola: “(...) nos falamos com grande repouso como hom~es assentados

(...) e no pronunciar qu~e não sentira a diferença qu~e temos po~q elles escondĩse e

nos abrimos a boca (...) e nos falamos boquiabertos com mays magestade e firmeza

“(p.41);

Esta valorização da pronúncia levará o gramático a dedicar grande parte de

sua obra à descrição fonética e, no que se refere à morfologia, o ponto de partida

para a descrição do português era o sistema latino referente às partes do discurso

ou classes de palavras. Assim, as palavras são focalizadas quanto à flexão e a

derivação.

A gramática de Fernão D’Oliveira é qualificada como “Gramática da Palavra”

em razão de os estudos sobre a sintaxe frasal não ter sido ainda desenvolvida

conforme se registrou no corpo desse capítulo (cf. item 1.3). Assim, ele designa por

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analogia todas as questões referentes à flexão de número e de gênero e, embora

opere com a concepção de declinação dos casos latinos, observa-se que a obra de

Fernão D’Oliveira é composta de uma nomenclatura original e bastante expressiva.

Todavia, sua explanação se perde no teor histórico e na exaltação dos primeiros

reinados, bem como na perdurabilidade da glória romana, devido à imposição da

língua aos vencidos e, só depois, propõe-se a definir gramática. Ela não é

compreendida como teoria de um sistema formal, mas como um produto social.

Suas notações estão circunscritas no estudo da fonética (bastante aprofundada em

sua gramática), ortografia, analogia, etimologia e construção ou sintaxe (bastante

elementar).

Para esse gramático, a grandiosidade do povo português está asseverada

pelo parentesco entre a língua latina, falada por um povo grandioso, e a portuguesa,

cujos usuários também à semelhança dos romanos são homens de bravura e

grandeza. Nessa acepção, a língua falada pelos portugueses “Cō tudo nos tambe

temos casos em tres pronomes os quaes são eu.me.mi.tu.te.ti.se.si no primeiro

destes o d’erradeiro caso ~q e mi alghũs o acabão co estā letra .til. assi mĩ: por¯ q

estes nomes teuerão casos: mais ¯ q em outro tempo e obra o diremos”

(D’OLIVEIRA, s/d. p. 91).

Observa-se, na citação acima, que essa relação entre o latim e o português –

apesar de o sistema latino ser paradigmático e o do português sintagmático, daí a

questão da ordem das palavras na frase ser fundamental em português – acabará

por impor uma classificação dos pronomes pessoais em dois casos: o caso sujeito,

ou reto, e o caso oblíquo. Por conseguinte, tal classificação não se faz ainda

transparente na gramática de Fernão D’Oliveira, conforme aponta o enunciado

acima. Esse gramático também não se ocupa em definir a classe dos pronomes e

precisar a diferença entre os pronomes ditos pessoais e os demais, como os

relativos, os indefinidos, os interrogativos, por exemplo.

Pode-se considerar, numa síntese, que a obra de Fernão D’Oliveira é

efetivamente, um conjunto de curiosas e judiciosas reflexões, de tipo ensaístico; em

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suma: uma miscelânea lingüística e cultural. Todavia, atribui-se a Fernão D’Oliveira,

o mérito de haver sido o primeiro a compor um tratado (primeira anotação) acerca da

língua portuguesa, no que se refere à sua sistematização propriamente dita.

b) João de Barros

Publicada em 1540 – quatro anos após a publicação da Gramática da

Lingoagem Portuguesa (1536) – a Gramática da Língua Portuguesa, de João de

Barros dispensará ao idioma português tratamento semelhante àquele de Fernão

D’Oliveira: elemento de exaltação nacional. Seu objetivo também difere daquele do

seu antecessor: descrever as particularidades de uso da língua portuguesa,

atribuindo relevo à semelhança entre ela e o latim, para diferenciar o povo português

do espanhol. Para tanto, Fernão D’Oliveira desenvolve a fonética; João de Barros a

morfologia, dedicando pouco espaço à sintaxe. Contudo, ambos postulam que a

função da língua é organizar o pensamento humano.

O fato de buscar formalizar os traços variáveis das línguas que descreviam,

latim e português, em relação ao latim, tendo como parâmetro o latim,fez com que

João de Barros não se ocupasse da sintaxe do português propriamente dito, mesmo

porque a sintaxe latina (casos) não têm equivalência unívoca com aquela da língua

portuguesa (ordem). Nessa acepção, a sua gramática também é qualificada como

“gramática da palavra”.

A diferença entre essas duas Gramáticas, além das já apontadas, no que se

refere aos estudos morfológicos, decorre do fato segundo o qual o nome é

organizado, a partir do verbo para Fernão D’Oliveira: “(...) e por tanto os nomes se

conhecem dos verbos”. (p.78). Já para João de Barros, é o contrario, ou seja: “Verbo

(...) é ũa voz ou palavra que demonstra obra algũa cousa, o qual não se declina

como o nome e o pronome por casos (...)”. (p.78). Nessa acepção, João de Barros

mantém a relação da similaridade entre o nome e o pronome pela flexão de casos, à

semelhança de Fernão D’Oliveira.

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Todavia, para esse gramático, o português é uma língua perfeita, de um povo

poderoso e bem formado tal qual o povo e a língua latina. Para comprovar esse seu

argumento, assume uma posição diacrônica, e declina as palavras do português nos

moldes dos casos latinos; razão pela qual, o pronome é definido e classificado,

consoante proposta das gramáticas latinas.

Nesse sentido, afirma que o pronome “é uma parte que se põe no lugar de um

nome e por isso dissemos que era conjunta a ele por matrimonio, o qual tomou o

nome” (BARROS, p.19).

Acasalados ao nome, os pronomes são classificados como:

Primitivos Eu, tu, si, este, esse, ele

Derivados Meu, teu, seu, nosso, vosso

Derivados porque, no caso genitivo, derivam dos primeiros, ou seja, daqueles

do caso nominativo; logo, onde se diz de mi, se deriva meu; e de ti, teu; e de si, seu.

No plural, tem-se nosso, vosso. Eu, nós; tu, vós; Este, e estes são demonstrativos,

porque quase demonstram a coisa por semelhante; Ele, Esse, com seus respectivos

plurais chamam-se relativos por fazerem relação e lembrança da coisa dita, posto

que o seu principal ofício seja demonstrativo. No exemplo do próprio gramático esta

relação de posse é elucidada de modo bastante claro: “Este livro é do príncipe nosso

senhor” (BARROS, p.19). Observa-se, assim, uma não distinção entre os pronomes

pessoais e os possessivos à semelhança das Gramáticas Greco-latinas. Sua

explanação se justifica pela tentativa de explicar os pronomes por meio do uso,

como elucidou, por exemplo, no que diz respeito ao uso do pronome “Ele”,

recentemente visto como a não - pessoa do discurso nos postulados de Benveniste,

este, já era visto por Barros como aquele que tinha como função primeira

demonstrar, embora também fosse visto como aquele de quem se fala e/ou o

assunto, logo, não presente no discurso. Desta feita, Barros já prenuncia o pronome

“ele” como a não pessoa do discurso, aspecto mais bem elucidado nos dias de hoje.

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Convém salientar que sua gramática se configura como sendo a gramática da

palavra e que tais aspectos só seriam mais aprofundados se os considerassem na

dimensão da frase, conforme será tratado no segundo capítulo desta Dissertação.

1.4 Algumas considerações finais

Desta feita, é possível afirmar que a pesquisa registrada neste primeiro

capítulo aponta que a Gramática Tradicional Contemporânea é produto de uma

construção a várias mãos, desenvolvida no fluxo de um longo tempo, cujo marco é a

Grécia Antiga. Nessa acepção, afirma-se que a sua construção abarca diferentes

fases, dentre elas, a latinista, referente ao desenvolvimento da Gramática da

Palavra; a prescritiva, referente ao estabelecimento de políticas estatais para o

ensino da norma de prestígio descrita pelos gramáticos; a histórica de que resulta a

produção de Gramáticas Históricas e a descritiva, referente à incorporação de

princípios científicos para a descrição da língua e não de uma dada norma e que

irão contribuir na construção das gramáticas nacionais.

Ao longo desta investigação de caráter historiográfico observou-se em relação

ao tratamento da língua, a não-cisão dos aspectos relacionados à sua estrutura e

função. Ambas, foram tratadas pelos primeiros estudiosos e observadores da língua

como indissociáveis – abarcando, dessa forma, aspectos relacionados à cultura,

política, aos interesses econômicos, ideológicos, religiosos, etc. Assim sendo, a

Gramática Tradicional, em sua gênese, não descreve a estrutura que qualifica a

língua como sistema, mas sim o uso de prestígio, à medida que as gramáticas são

consideradas como pertencentes à fala e não à escrita. Esse uso de prestígio é

aquele referente à língua oficial: aquela que tem por fundamento a chamada “norma

padrão” selecionada pelo critério do prestígio, ou seja, a norma dos “homens

doutos”, antes da publicação de “Os Lusíadas”, por Camões. Após a produção e

divulgação dessa obra literária, a norma oficial passa a incidir sobre os escritores

portugueses de prestígio.

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CAPÍTULO II

OS PRONOMES PESSOAIS PELA GRAMÁTICA DA FRASE DA

LÍNGUA PORTUGUESA

__________________________________________________________

2.1 Preliminares

Os estudiosos das civilizações que focalizam as produções dos chamados

bens não materiais da cultura humana – saberes ou conhecimentos, idéias e

ideais... – afirmam que, para melhor considerar tais produções, é importante

diferenciar, sem dissociar, a concepção de Estado e de nação, visto serem estas

dimensões complementares das sociedades humanas. O Estado sempre teve e tem

por fundamento a autoridade e esta se configura como uma força que, fundada e

fundamentada em ações de caráter político, tem o propósito de regular e centralizar

os movimentos das sociedades que controlam. Nesse sentido, a força do poder

estatal – seja ele imperial e/ou monárquico absolutista/democrático, bem como

republicano – é exercida pelo grupo que está no poder e se sustenta pelo princípio

da lealdade entre seus membros; pois é dessa lealdade que qualquer Estado vive e

sobrevive até a atual contemporaneidade. A concepção de nação teve e tem por

fundamento a busca ou conquista da liberdade e por isso a sua forca se qualifica

como polêmica criadora da vida intelectual ou artística e, por essa razão, ela se

inscreve na dinâmica da renovação que foi herdada do passado.

Nessa perspectiva, a gramática normativa ou tradicional contemporânea é,

por um lado, produto da civilização greco-romana e arrasta consigo a cultura

institucionalizada por aqueles estados imperiais, razão de ser da sua vertente

prescritiva. Mas, por outro lado, ela também carrega consigo marcos dos processos

de que resultaram a sua recontextualização para se adaptar a diferentes

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nacionalidades e modelos de contextos inerentes a formações sócio-culturais

diferenciadas como aquelas da Idade Média e Moderna. (cf. item 1.3 do capítulo I).

Registrou-se que os estudos referentes à dimensão sintática são

desenvolvidos na Idade Média, estendendo-se para além dos fatos de concordância,

propostos pelos gramáticos greco-latinos e, para tanto, elegeu-se a relação entre o

nome e o verbo, como matriz fundadora dos estudos sintáticos. Constroem-se

conteúdos frasais não reduzíveis àqueles das palavras que, articuladas pelas

categorias sujeito �predicado – matrizes categoriais da oração – são os seus

elementos constitutivos. Passa-se, assim, a focalizar as estruturas dos elementos

lexicais da língua, recortada pelo padrão escrito da chamada norma culta, quanto às

suas funções frasais. Apesar da variação de uso dessas estruturas, observa-se que

há regras finitas que facultam descrever as funções que elas exercem em tal

dimensão e passa-se a descrever tais regras como aquelas responsáveis pelo “bom

uso”.

Os fundamentos teóricos para se proceder a tal descrição estavam

orientados pelo pressuposto referente aos modos de significar conceitos universais,

coincidentes com os modos de ser e de conhecer, de que resulta a concepção de

uma gramática Geral ou Universal e gramática particulares. A Gramática Geral teria

como objeto de estudo o logus, isto é, os princípios gerais da razão humana que

possibilitam compreender os modos de ordenação das idéias pelo exercício da fala

e, nesse sentido, ela se configura como arcabouço teórico que orienta a produção

de gramáticas particulares. Estas se ocupariam da observação e da descrição do

modos de ordenação das idéias, em cada língua particular, focalizando-os como

regras do bom uso das palavras, ou seja, quanto às suas funções sintáticas ou

modo de ordenar as idéias em cada língua. (cf. lexis, p.13 cap. I)

A sistematização desses estudos teóricos vem a público nas primeiras

décadas do século XVII e tem o seu registro na Gramática Geral e Razoada ou

Gramática de Port Royal – nome de um mosteiro para mulheres, fundado em 1216

em uma região francesa que significa “grota cheia de sarças, onde a água se

acumula” (p. IX). Arnauld e Lancelot são seus autores e definem Gramática como a

arte do bem falar, ou seja, de explicar o pensamento por meio de “signos que os

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homens inventaram para esse fim”. (cf. p. 3), não diferindo, portanto, da concepção

de Dionísio de Trácia. (cf. Cap I, p. 29 ).

Observa o tradutor dessa obra que, em sendo uma Gramática Geral, o seu

exemplário é formado por elementos ou frases de diferentes línguas e, para

colaborar com leitores não poliglotas, os mesmos também foram traduzidas para o

português.

A leitura dessa obra pelo pesquisador não teve por objetivo o registro da sua

compreensão, mas ampliar aquela referente a de Jerônimo Soares Barbosa, autor

da Gramática Philosófica da Língua Portuguesa ou Princípios da Gramática Geral

Applicados à nossa Lingoagem: obra que revive a de Arnauld e Lancelot. Por

conseguinte, o objetivo deste capítulo está voltado para os modos de ordenar as

palavras do português e por eles observar as relações que tais palavras

estabelecem entre si para conectar idéias e, por essas relações, privilegiar aquelas

estabelecidas pelos pronomes. Tem-se, para tanto, como ponto de partida a

Gramática de Soares Barbosa por ser o marco inicial dessa modalidade de

descrição, a fim de estender o processo de compreensão das questões lingüísticas

inerentes a essa classe de palavras.

2.2 Os pronomes pela Gramática de Jerônimo Soares B arbosa

O propósito de Soares Barbosa é tecer louvores à razão humana por meio da

descrição de sua língua materna, concebida como ferramenta que faculta

materializar o pensamento: causa universal que explica a origem do homem, razão

pela qual propõe a “(...) analysar o discurso, e nele descobrir a analyse de seus

próprios pensamentos”. (1875. p.IX).

Postula esse gramático que as línguas respondem pela organização do

pensamento e, por isso elas “são (...) um (s) instrumento (s) analítico(s) que

separa(m) as idéias simultâneas do painel (...) do pensamento, que as põe(m) em

ordem e as faz(em) suceder umas às outras no discurso “ (p.69).

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Nessa acepção a representação do pensamento não pode ser observada ou

analisada, quando se consideram palavras isoladas ou cada uma em sua

particularidade, pois é indispensável observá-las, apreendê-las na relação que

estabelecem umas com as outras, sem o que não se apreende os modos de

raciocinar. Logo, ao assinalar as relações entre palavras por meio da sintaxe,

apreendem-se as regras de construção da sintaxe de uma dada língua e, por meio

delas, os modelos de ordenação do pensamento expressos pela fala: atividade que

explicita o pensamento pelo uso de sinais inventados pelo homem para comunicar o

que pensa.

Essas funções da língua – representação e comunicação - fazem da

gramática a arte de falar por meio de sinais lingüísticos, quer sejam orais ou escritos:

(...) a gramática de qualquer língua (...) deve ser uma verdadeira lógica, queensinando a fallar, ensina ao mesmo tempo a discorrer. Que por isso agrammatica foi sempre reputada como uma parte da lógica pela intimaconexão que as operações do nosso espírito tem com os signos que osexprimem. É esta a razão porque os antigos philósofos e os stoicos,principalmente, se fizeram cargo d’ella nos seus tratactos de philosophia. (p.XI e XII).

As diferentes relações instituídas entre as palavras de uma língua, por meio

da sua sintaxe, têm por suporte dois princípios: o da identidade e o da determinação,

e eles não podem ser concebidos de forma indissociável. A relação de identidade é

o fundamento da concordância nominal e verbal; a de determinação é decorrente do

lugar ocupado pelas palavras na estrutura da frase e dessa ordem advém o valor,

isto é, o significado da própria frase. Desta feita, quando se faz uso de frases como

“Velho homem” e “homem velho” não se expressam os mesmos juízos de valores,

pois as idéias veiculadas por esses dois modos de ordenar as palavras não se

equivalem; ainda que a sintaxe de concordância se mantenha inalterada nas duas

construções, a ordem não é a mesma. Logo, é preciso considerar a distinção entre a

ordem dos sinais, visto que tal ordenação se refere a diferentes modos de significar,

em língua, o pensamento que se busca expressar.

Essa distinção entre identidade e determinação possibilitará a Soares

Barbosa descrever os pronomes da língua portuguesa como uma classe de palavras

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que, se por um lado, mantém identidade com o verbo – concordância da pessoa em

relação ao tempo e ao modo, inscritos no espaço de suas flexões – por outro lado,

esta identidade se faz o fundamento e a fundação da regência verbal. Por

conseguinte, a concordância entre a pessoa, número (quantidade de pessoas

implicadas na ação verbal que se busca representar) e no tempo do

desenvolvimento da ocorrência da ação, consoante ao modo em que ela é situada

pelo usuário, no fluxo das atividades de sua fala, possibilita determinar o regime dos

verbos: transitivos ou intransitivos. Se intransitivos, a sua sintaxe será estabelecida

pela relação com o nome substantivo na posição de sujeito; se transitivo, com dois

nomes substantivos: um na posição de sujeito e outro na posição de objeto – o rei

ama seu povo: o rei = amante; o povo = amado, o que desperta o amor do rei, ou

vice-versa; se plural – Os reis amam seus povos – tem se a idéia de generalização,

qual seja, todos os reis são amantes e todos os povos são amados. Contudo, a

relação de regência está implicada pela ação desencadeada pelo amor, que

focalizado como verbo implica, necessariamente, “o amante” e “o amado”. Já no

caso da concordância entre o substantivo e o adjetivo, é preciso considerar que o

suporte da regência é o substantivo e, para tanto, faz-se necessário recorrer à

distinção estabelecida entre ambos.

Substantivos e adjetivos são classes do nome e se diferenciam por meio da

concepção de substância e de acidente. Os primeiros são sinais que fazem

remissão a objetos do pensamento e sub-existem em si e por si; os segundos

também são sinais, mas fazem remissão à maneira de “ser” dos objetos do

pensamento. Entretanto, os adjetivos podem ser tomados ou usados como

substância ou como acidentes: o velho; homem velho = de idade cronológica

avançada; velho homem = de idade mental avançada ou para se fazer remissão ao

tempo de existência do homem na face da Terra: 300 milhões de anos. Mas, em se

tratando de determinação, é sempre o substantivo o regente do adjetivo, razão

porque a sua concordância é determinada pela escolha do substantivo e da sua

flexão em número e gênero, e não ao contrário.

Afirma Soares Barbosa (1875) ser necessário considerar que o adjetivo tem

duas significações: uma distinta “porém indireta, que é a do atributo, a outra confusa,

porém direta, que é a de sujeito” (p.6). Desta feita, a classificação dos nomes em

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substantivos ou adjetivos está fundada no princípio segundo o qual apenas o

homem pode ser sujeito. Assim, designações como “O rei” não devem ser

classificadas como substantivos quanto ao modo de significar, pois elas fazem

remissão à concepção de acidente: aquele que rege, fonte da ação inscrita em

reger. Por conseguinte, “o homem que reina” é rei; logo, o sujeito é o homem,

qualificado pela ação de reinar. Nesses casos, esses nomes assumem a função do

substantivo: sub-existem por si mesmos nos discursos, para significar

individualmente o sujeito.

Esse funcionamento direto e indireto dos nomes adjetivos, para significar de

forma explícita ou implícita o sujeito, é designado: “in recto”, quando o sujeito é

explicitado ou expresso de modo claro, como é o caso de mulher branca; “in

oblíquo”, quando o sujeito é explicitado de modo indireto. Assim, na relação

substantivo-adjetivo, quando se afirma “a brancura da mulher”, tem-se o uso do

“branco” deslocado da sua função original, ou seja, da sua função de adjetivo para a

de substantivo. Nesse caso, a função “in oblíquo”, os adjetivos deixam de ser

focalizados como acidentes para se converterem em substância “tão geral” ainda

que continue funcionando como determinantes de seus substantivos: a brancura da

mulher = aquela mulher que tem o branco como qualidade.

O princípio da determinação, associado aos modos de significar, faculta a

esse gramático considerar que, dentre as palavras que respondem pela organização

ou estruturação da frase, há aqueles que funcionam como determinantes do

substantivo, como é o caso dos adjetivos, dos numerais e dos artigos e de alguns

pronomes, por exemplo. Tal funcionamento, observado quanto aos modos de

significar, o fazem de modo direto ou indireto. Esse posicionamento leva Soares

Barbosa a estabelecer a categoria dos nomes que funcionam como “determinantes”

dos substantivos, de modo a considerar, por exemplo, que a classe dos artigos deve

ser diferenciada em “definido” - o(s) a(s) e “indefinido” – um(s), uma(s). Observa ser

necessário diferenciar, no caso dos indefinidos, quando essas suas formas

funcionarem como artigo, como numeral ou como “pronome” – e, para tanto, se faz

necessário observar os modos de significar destas formas indefinidas:

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Do primeiro d’estes dois artigos (o(s), a(s)) ninguém duvida. Porém dosegundo duvida muitos, dizendo que é o mesmo que o numeral um, ou que odeterminativo vago um certo (quidam). É verdade que elle tem também estasacepções e usos. Porém quando elle exprime ou a unidade numeral ou aunidade de um individuo certo e determinado em mente, que não queremosnomear nem determinar, então não é artigo, e só o é quando toma o nomecommum individualmente sem o aplicar a um indivíduo ou a um mais que aosoutros. N’este sentido é que lhe damos plural, o qual não tem nem pode tercomo numeral. (SOARES BARBOSA, 1875. p.100)

A exemplificação dada pelo autor aponta para o fato de que a análise

gramatical desses usos deve atribuir relevo àquilo que o usuário quer fazer significar

pelo seu modo de dizer. Assim, diante de uma expressão do tipo: “um homem da

corte tem mais espírito e riqueza que um aldeão”, é preciso considerar que a forma

“um” não está funcionando para fazer remissão a um homem qualquer, concebido

genericamente, de modo a significar “Todo e qualquer ser humano”, pois o fato de

ele ser da corte, restringe a concepção de que pertence à corte. O fato de se poder

substituir “um” por “o” = aquele que pertence à corte, não assegura que essas

formas estejam funcionando como artigo, mas como determinativos de “pessoa”:

aquela de que se fala e, nesses casos são determinativos pessoais. Desta feita, o

gramático chama a atenção do seu leitor para o fato de não se dever considerar

apenas as formas das palavras, mas o conteúdo que essas formas arrastam

consigo, em relação ao seu funcionamento, pois é este que aponta para os

diferentes modos de significar. Logo, quando se trata de diferenciar artigo de

pronome, cujas formas se assemelham, esse é o critério a ser considerado.

Os pronomes pessoais, portanto, não se deixam descrever por um único

critério, pois a identidade das diferentes formas pronominais exige que se privilegie

não só a associação entre forma-função, mas também modos de significar.

Estabelecidos os critérios, acima, os pronomes pessoais são descritos como

determinativos pessoais que se classificam em primitivos e derivados e são definidos

em relação às pessoas do discurso e às funções do substantivo e do adjetivo: “os

determinativos pessoais são uns adjetivos que determinam os nomes a que se

referem, pela qualidade do personagem ou papel que fazem no ato do discurso, ou

da propriedade e posse relativa às mesmas personagens”, (p.104).

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Considera Soares Barbosa que os papéis representados por uma ou mais

personagens no ato discursivo são três: o papel daquele que fala – a primeira

pessoa, representado em língua pelo “eu” ou “nós”; o papel daquele com que se

fala, representado em língua pelo “tu” ou “vós”, e o papel daquilo de quem (que) se

fala, representado em língua pelo ele (a) ou ele(s) (as).

A língua portuguesa, segundo esse gramático, tem onze pronomes pessoais

determinativos, dentre os quais seis são primitivos – aqueles que se referem a

apenas uma pessoa – eu e nós; tu e vós; ele e eles ou ela e elas, para o singular, ou

para o plural, respectivamente. O pronome “se” também está inserido na classe dos

“primitivos”; contudo, sempre empregado na terceira pessoa para o singular ou para

o plural, é designado pronome reflexo ou recíproco. Os derivados são em número de

cinco: meu(s), minha(s); teu(s), tua(s); seu(s), sua(s) para o singular ou para o plural,

respectivamente, e, quando se fala de muitas pessoas, têm-se: nosso(s), nossa(s) –

para a primeira pessoa, aquela que fala – e vosso(s), vossas(s) – para a segunda

pessoa, aquela com quem se fala: singular e plural, respectivamente.

Observa-se que, de modo geral, todos os pronomes são determinativos

pessoais, quer sejam primitivos ou derivados; contudo, apenas os primitivos são

declináveis, segundo Soares Barbosa, e “têm casos por conseqüência”. (p.105),

entretanto, opta por não adotar o ponto de vista dos gramáticos latinistas, mas

aquele dos gramáticos das Línguas modernas para quem os casos latinos têm

acepções particulares. Assim, abandona o tratamento fundado nas declinações por

meio de casos e passa a atribuir relevo:

às diferentes relações que um mesmo nome pode tomar para se ligar comoutra palavra no discurso, que sejam significadas pelas diferentesterminações ou casos dentro do mesmo número, quer pelas diferentespreposições que se lhe ajuntam em ambos o números para substituírem osmesmos casos. (SOARES BARBOSA, 1875. p.105).

Assim, elege o critério das “relações” ou da sintaxe para propor que a frase

portuguesa é ordenada pelo: a) sujeito – palavra que, por sua relação com outros

expressa o agente, ou o sujeito do verbo, é equivalente ao caso nominativo; b)

atributo – palavra que expressa, na sua relação com as demais, o atributo, ou o que

se afirma do sujeito; c) o complemento restritivo do nome – palavra que, precedida

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de preposição, restringe a significação do nome que o antecede para restringir-lhe a

significação (genitivo); d) complemento objetivo do nome (acusativo) – palavra que

se faz, na sua relação com o verbo, objeto imediato da ação designada pelo verbo;

e) complemento terminativo, f) complemento circunstancial – acusativo, dativo) –

palavra que, precedida de preposição, expressa uma circunstância verbal. (p.105)

Os pronomes primitivos, segundo esse critério de ordenação, exercem todas

essas funções, conforme a síntese apresentada abaixo, referente a descrições

propostas pelo gramático, quais sejam:

a) na ordenação estrutural da ação, referentes ao fato de eles serem

empregados, a.1) na posição ocupada pelo sujeito, destituídos de preposição; a.2)

no modo imperativo, eles serem empregados após o verbo (fala tu), a.3) em

quaisquer dessas posições ou funções, sempre pressuporem uma determinação

individual da pessoa ou do papel que cada uma delas desempenha no discurso; b)

embora plurais, caso de “nós” e “vós”, poderem ser usados no singular: “(...) quando

os prelados falam em nome da sua Igreja, ou por modéstia, quando alguém quer

comunicar com outros seus louvores, é quando um escritor quer fazer sua obra

comum com o público para quem a destina” (p. 108).

Os estudos desse gramático apontam ser necessário considerar - para o

estudo das classes de palavras do discurso e especificamente, no caso dos

pronomes entre as demais - o fato de que qualquer processo classificatório não

pode estar centrado na palavra isolada. Assim sendo, é preciso atribuir relevo às

relações estabelecidas entre as palavras selecionadas e ordenadas entre si, de

modo a fazerem remissão aos modos de raciocinar, de significar. A seleção dos

elementos lexicais, portanto, não são aleatórios, mas orientados pelo que se busca

dizer, por meio de atos de fala, o que justifica a seguinte definição de gramática

proposta pelos gramáticos gerais: “A gramática é a arte de falar. Falar é explicar

seus pensamentos por meio de sinais que os homens inventaram para esse fim (...)

Esses sinais eram os sons de vozes.” (p.XXIII - Gramática Geral e Razoada ou

Gramática de Port Royal).

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Por conseguinte, os estudos gramaticais são aqueles que se voltam para o

produto das atividades de fala, fundados no uso adequado da língua, de modo a

facultar a compreensão da linguagem como processo que desencadeia ações,

inscritas nos atos de fala.

Os pronomes, desse modo, são sinais que se remetem às vozes por meio das

quais os homens constroem os seus discursos, dizem o mundo por eles

representado uns para os outros, para estarem uns com outros. (GUSDORF,1995).

Essas vozes, evocadas pelos sinais lingüísticos, quando analisadas se inscrevem no

fluxo das palavras empregadas. Analisar os pronomes pessoais é compreender as

vozes que falam por meio das estruturas lingüísticas, sem dissociar estas estruturas

de suas funções: significar o mundo representado em língua; logo, os estudos

gramaticais não se reduzem à morfologia e à sintaxe, pois eles abarcam a dimensão

semântica do que se diz em língua. Crê-se ser esse o ensinamento de Soares

Barbosa, quando considera a relevância dos modos de significar para se analisar as

funções das estruturas lexicais na dimensão das relações que ordenam o

pensamento humano, por meio das formas da língua portuguesa: fato

desconsiderado por nós, professores, quando nos propomos a ensinar gramática.

.

2.3 Os estudos gramaticais nos séculos XIX e XX

Os séculos XIX e XX tipificam-se como aqueles que respondem por

processos de recontextualização de modelos com que as questões lingüísticas

foram até então abordadas. Esse processo tem por marco a sistematização do ponto

de vista histórico com que os estudos no campo das ciências sociais vinham sendo

desenvolvidos dos quais resultaram publicações de periódicos. Também o

desenvolvimento de novas tecnologias, responsáveis pelo aprimoramento dos meios

de comunicação, garantirá a circulação de artigos e obras entre estudantes e

pesquisadores de diferentes universidades européias e americanas que, criadas

além e aquém do Atlântico, estenderão cada vez mais o ensino superior. Essa

estensividade no campo do ensino superior é acompanhada pela planificação de

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projetos políticos que visam a dar a todos os membros das sociedades estatais

instrução primária. (LYONS,1971).

Nesse contexto de grandes mutações, os lingüistas do século XIX passaram a

desenvolver estudo comparado entre línguas diferentes, tendo por parâmetro

aqueles já realizados por missionários católicos e leigos sobre as línguas da Índia,

antes do século XIX. Assim, no século XVI, já se encontram registros sobre a

semelhança entre a estrutura do sânscrito e aquelas das línguas européias. Não se

pode negligenciar o fato de as guerras napoleônicas colocarem em contato a cultura

do ocidente com a do oriente e aquele imperador haver estimulado trabalhos de

caráter arqueológico no Egito e nos Bálcãs, quando essas regiões estavam sob o

domínio do Estado Francês. (ROBINS, 1983)

Assim, em 1803, Schlegel já iniciara (seus estudos) suas investigações sobre

o sânscrito e se tornara professor dessa disciplina na Universidade de Bonn, ao

mesmo tempo em que são criadas cadeiras para tal disciplina e para lingüística

histórica em outras universidades da Europa e da Prússia. Por conseguinte, quando

em 1786 Willian Jones afirma ser o sânscrito uma língua cuja estrutura é “mais

perfeita do que o grego, mais rica que o latim” e mantém com ambas grau de

afinidade, “tanto nas raízes verbais quanto nas formas gramaticais”, passa-se a

defender a tese de que a origem das línguas modernas não mais era aquela do

velho testamento: o hebraico. Desta feita, até meados do século XIX, a lingüística se

volta para o desenvolvimento desse ponto de vista histórico, centrado em questões

teóricas propriamente ditas e aqueles de caráter semântico, fonético e fonológico e

referente a um modelo de gramática descritiva, ou científica.

Desses estudos surgirão gramáticas históricas e os primeiros estudos

descritivos na área de fonética e fonologia, em razão da invenção de novas

tecnologias que facultavam a análise científica da onda sonora e uma classificação

mais precisa dos sons. O produto desses estudos contribuirá para aprimorar

classificações de análises fonológicas, até então fundamentadas no critério

articulatório dos sons vocálicos. Enfim, esse novo quadro responderá cada vez mais

por estudos descritivos, orientados pelo cientificismo positivista de que resultarão as

gramáticas descritivas dos sistemas lingüísticos e não mais da norma padrão ou

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literária herdada dos gregos e dos latinos. Contudo, as gramáticas descritivas

possibilitaram revisão crítica da G.T.C (Gramática Tradicional Contemporânea) e,

consequentemente, revisão de seu modelo de descrição, conforme se apontará no

capítulo III desta Dissertação. Todavia, ela não deixa de incorporar esse ponto de

vista histórico, sem abandonar aquele dos gregos e dos latinos. Exemplos

significativos dessa fase são as gramáticas de Júlio Ribeiro e João Ribeiro: a

primeira privilegia até certo ponto a vertente histórica; a segunda, a vertente

descritiva que começa a ser desenvolvida no século XIX. Apresentam-se, a seguir,

os estudos desses dois gramáticos, ainda que se tenha focalizado o tratamento

pronominal apenas na gramática de Júlio Ribeiro, pois os aspectos relacionados ao

ponto de vista descritivo será objeto de estudo do Capítulo III, desta Dissertação.

2.3.1 Concepções Gramaticais do Século XIX: os pronomes pela gramática de

Júlio Ribeiro.

Julio Ribeiro (1881) mantém em sua gramática a mesma concepção de

linguagem postulada por Soares Barbosa – “intérprete da intelligencia, é um

instrumento de analyse” (p. 6) – e, assim, ao conceituar as classes de palavras,

afirma que elas

“(...) servem para distinguir os seres, os objetos, as qualidades, assubstancias reais e abstratas, as ações, os diversos estados das pessoas,das coisas, todas as manifestações da vida, todos os phenomenos, atémesmo os que caem sob o domínio da imaginação e do futuro, o contingente,o absurdo, o impossível (...) as relações innumeráveis de tempo e de logar,de gênero e de espécie, de número e de qualidade, de causa e de causa eefeito (...)” (p.61 e 62). Todavia, o objetivo de Julio Ribeiro é operar com a“exposição methódica dos fatos da linguagem (...), visto que a função de umagramática não é o de fazer “leis e regras para a linguagem”, mas expor demodo ordenado tais fatos para serem aprendidos com facilidade” (p.1).

Postula esse gramático não ser objeto dos estudos gramaticais a correção da

linguagem, visto que muitos são aqueles que conseguem falar e escrever

corretamente, observando e apreendendo tão somente o uso que pessoas instruídas

fazem da língua; logo, sem ter freqüentado curso gramatical. Pressupõe, assim, que

a aprendizagem do bom uso é decorrente do meio social; entretanto, não deixa de

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considerar o fato de que a descrição sistemática do “bom uso” precisa ser

explicitada por procedimentos metódicos registrados em compêndios gramaticais,

para facilitar tal aprendizagem. Pondera que o domínio das regras gramaticais

contribui para a auto-correção daqueles que aprendem mal a sua língua, mas insiste

em que a aprendizagem da gramática do bom uso está, inexoravelmente, associada

ao exercício da fala, quer oral ou escrita. Observa que tal exercício, no que se refere

à fala escrita implica a leitura proficiente do texto poético; razão por que a gramática

é concebida como meio para se alcançar tal objetivo.

Nessa acepção, a posição de Julio Ribeiro se opõe à daqueles que elaboram

leis ou regras apriorísticas a serem impostas como corretas, ou seja, esse gramático

se contrapõe à prescrição. Por conseguinte, tal qual Julio Ribeiro, João Ribeiro não

visa a elaborar mais um manual de gramática, mas construir uma gramática fundada

nos princípios científicos que emergem no século XIX.

A distinção entre ambos está no fato de Julio Ribeiro considerar a relação

entre língua e sociedade e João Ribeiro (1893) postular que a língua é um

organismo autônomo “e não produto do capricho ou do acaso” (p.116). Embora

ambos sejam comparativistas, Julio afirma que as transformações lingüísticas se

devem a leis cegas e necessárias decorrentes da evolução das sociedades e, por

serem cegas e necessárias, não há exceção para elas:

(...) As irregularidades, os idiotismos, os dizeres íntimos de uma língua sópelo estudo histórico comparativo podem ser postos à luz, explicadas,solvidas (...) Os verbos chamados por muitos gramáticos accidentalmenteirregulares soa verbos perfeitamente regulares... (p.349 e 129).

Afirma-se, assim, que as mudanças lingüísticas decorrem do fato de elas

serem organismos sociais que, à semelhança das “(...) espécies que povoam o

mundo (...) estão sujeitas à grande lei da luta pela existência, à lei da seleção”.

(p.135). A esse processo evolutivo está associado o pronome culturalmente inscrito

nas matrizes da história do homem que as línguas arrastam consigo; logo, “(...) o

estudo da linguagem diz-nos muito sobre a matriz e a história do homem”. (p.2).

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A seleção nas espécies – organismos novos – e não línguas – organismos

sociológicos – respondem pela variação lingüística, sendo os dialetos “obra dos

meios e dos costumes”. Contudo, apesar das variações e variedades lingüísticas,

toda língua “viva” descende das línguas “mortas” de mesma raiz. Desta feita, têm-se

as línguas vivas, o português, e as línguas mortas, o latim, por exemplo.

O procedimento metodológico de que faz uso Julio Ribeiro para descrever os

fatos gramaticais é o mesmo de João Ribeiro, qual seja: busca explicitar as regras

do bom uso, tornando como parâmetro os textos escritos nesse registro. Tem por

ponto de partida a descrição das letras, operando com o fonema para chegar à

palavra e desta para a frase. Esse procedimento indutivo é o mesmo empregado

pelos nossos gramáticos tradicionais contemporâneos, também no tempo presente.

Os pronomes são descritos como classe de palavras que se usa no lugar dos

substantivos ou dos adjetivos; razão de ser dos pronomes substantivos ou adjetivos

– posição assumida por Soares Barbosa e, até hoje, por nossos gramáticos

tradicionais.

Os chamados pronomes demonstrativos, relativos, possessivos e indefinidos

são descritos como adjetivos determinativos e são relacionados, quanto à sua

origem, ao latim e ao grego, devendo-se considerar que:

a) alguém, nenhum, tal, tanto, todo, qualquer, cada um, certo, mais, menos,

mesmo, muito, só são adjetivos determinativos;

b) alguém, ninguém, nada beltrano, fulano, sicrano são pronomes adjetivos (p.

176-178);

c) eu, tu, ele(a), nós, vós, ele(s), ela(s) (caso nominativo) são pronomes

substantivos, à semelhança e me, mim, comigo; te, ti, contigo; se, si consigo;

o, a, se, lhes (dativo).

Na parte referente à sintaxe, Júlio Ribeiro diferencia os pronomes quanto às

suas funções e observa que os pronomes designados por adjetivos, por adjetivos

determinativos classificam-se como:

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a) adjetivos determinativos conjuntivos – os relativos que e qual

antecedidos ou não de preposição. No caso de cujo (a, s) é preciso

considerar a sua significação possessiva (p. 243);

b) adjetivos determinativos indefinidos – funcionam de modo a:

• b.1) completar nomes de número. “quando não se sabe ao certo

quantas as dezenas ou as unidades – Comprei trezentos e tantos

galinhas” (tantas (os) ou muito(s), muita(s);

• b.2) tudo pode funcionar como advérbio em situações como “Sou todo

ouvidos”, ou Deus é todo (ou só) bondade;

• b.3) os adjetivos determinativos possessivos e os indefinidos –

algum(ns), nenhum, qualquer, quaisquer, tal (is), tanto(s), todo(s) –

muitas vezes são propostas ao substantivo: livro meu, poder algum –

poder nenhum;

• b.4) responder pela formação de comparativos e superlativos: Pedro é

mais (menos) alto do que João; Pedro é muito rico; e de correlação: tal

pai, tal filho; tantas cabeças, tantas situações. (p. 245 e 246).

No que se refere aos pronomes substantivos descreve as suas funções

subjetiva, (sujeito), objetiva (objeto direto e indireto) e objetiva adverbial (adjunto

adverbial como tendo comigo = em companhia de).

Pode-se afirmar, numa síntese, que com os estudos de Julio Ribeiro, as

matrizes que servirão de fundamento para a classificação dos pronomes da língua

portuguesa, inscritos nos registros contemporâneos das descrições propostas pelas

nossas gramáticas tradicionais, se tornam sistematizadas. Observa-se que, embora

a terminologia empregada pelos autores tenha sido alterada – Lexicologia por

morfologia: estudo da palavra quanto a seus elementos mórficos; kampenomia ou

ptoseonomia por flexão de gênero e número: estudo da variação da palavra, quanto

à variação flexional, para classificá-los (taxionomia), quanto às suas formas no

masculino e/ou feminino; no singular e/ou plural – esses critérios taxionômicos foram

mantidos, bem como a classificação dos pronomes em substantivos e adjetivos.

Posto isso, consideram-se os estudos gramaticais desenvolvidos por nossos

gramáticos tendo por marco a nomenclatura gramatical brasileira (NGB).

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2.4 As Gramáticas e os Parâmetros da Nomenclatura G ramatical (NGB)

A Nomenclatura Gramatical Brasileira (NGB) tipifica-se como um documento

oficial elaborado por uma comissão que, designada pelo professor Clóvis Salgado –

ministro da Educação do governo do presidente Jucelino Kubitschek – foi formada

pelos professores Antenor Nascentes, Cândido Jucá (Filho), Carlos Henrique Rocha

Lima, Celso Ferreira Cunha, Clóvis do Rego Monteiro, assessorada pelos

professores Antônio José Chediak, Serafim Silva Neto e Sílvio Edmundo Elia. O

objetivo da comissão era propor encaminhamento para solucionar dificuldades e

divergências referentes à concepção e classificação dos termos gramaticais, ou

seja, traçar parâmetros capazes de uniformizar a nomenclatura e/ou taxionomia

morfológica e sintática registrada nas gramáticas brasileiras. Assim, as questões

eram de caráter terminológico e abarcavam pontos vista teórico-metodológicos; pois,

como afirma Saussure, se o ponto de vista cria o objeto, a mudança do ponto de

vista implica a construção de outro objeto e, conseqüentemente, de procedimentos

metodológicos para focalizá-lo.

A solução encontrada pelos membros da comissão foi eleger

parâmetros da sintaxe, posto que esses modelos categoriais têm maior grau de

estabilidade do que a semântica, por exemplo, para unificar e simplificar a

nomenclatura gramatical. Assim, afirma Duarte (2003), o projeto proposto

apresentava inevitáveis inadequações ou deficiências, visto impossibilitar um

tratamento capaz de dar conta da dinâmica da língua. Contudo, esse foi o caminho

encontrado por aqueles estudiosos para promover maior simplicidade e harmonia no

ensino da língua portuguesa. Desta feita, o projeto entrou em vigor pela portaria nº

15/57, de 28 de janeiro de 1959.

Os gramáticos pré – NGB, orientando-se pelo critério dos “modos pelos quais

as palavras significam”, quando tomados os complementos verbais preposicionados,

consideravam os seguintes tipos de complementos verbais: “(...) objeto indireto

propriamente dito, em geral encabeçado pelas preposições “a” ou “para” (escrevi

aos pais), o complemento partitivo, em geral encabeçado pela preposição “de” (a

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ameaçar alguém de alguma coisa).” (BECHARA, 1997. p. 206). O relevo atribuído ao

critério sintático, em detrimento do semântico, segundo Bechara, faz com que se

considerem frases do tipo: Queixou-se dos maus tratos ao diretor, como sendo

constituídas por dois objetos indiretos, na medida em que, tanto “maus tratos quanto

“o diretor” são complementos precedidos de preposição: marco para se diferenciar

objeto direto de indireto.

Tais impropriedades se fazem extensivas a verbos como “ir”, “voltar” que,

embora classificados como intransitivos pelos gramáticos pós NGB, exigem o

advérbio como complemento necessário. Para Bechara (1997), seria mais prudente

que se considerasse tais verbos como “transitivos adverbiados” e se postulasse que,

nesses casos, os advérbios funcionam como complementos verbais e não como

termos acessórios. Reitera esse seu argumento observando que se, por exemplo,

em “A ida a São Paulo ou a Volta do trabalho”, têm-se as designações “São Paulo” e

“trabalho” funcionando como advérbios que completam o sentido dos verbos “ir a” e

“voltar de”, razão pela qual são considerados complementos nominais”, o mais

sensato seria considerar essas mesmas expressões que se seguem aos verbos ir e

voltar complementos de verbos transitivos adverbiados. Tal procedimento garantiria

que se considerasse o fato de a transitividade não ser apenas um traço qualificador

dos verbos, mas também dos nomes, principalmente quando tais nomes são

construídos na deriva do verbo.

Para Turazza (2002), as impropriedades, acima apontadas, não são mais ou

menos significativas do que as decorrentes da classificação dos verbos em “(...)

verbos de sentidos absolutos e verbos de sentidos relativos (...) que levava a

misturar, mais do que hoje, verbos de campo semânticos distintos” (p.38). Contudo,

afirma a autora, a classificação proposta pela NGB não pode deixar de ser

considerada fonte de vários problemas, para o ensino dos fatos gramaticais.

Entende-se que tais questões são objeto de inadequação, quando o professor não é

um conhecedor da língua que busca ensinar, ou seja, quando focaliza os

conhecimentos gramaticais de forma unidisciplinar e não transdisciplinar, conforme

proposto por Quintiliano. (cf. cap.I. p. 21). Logo, o professor precisa ter um

conhecimento mais vasto do objeto que deve ensinar, maior domínio dos fatos

lingüísticos que não se dissociam dos fatos de linguagem, cuja compreensão exige

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reflexão crítica. Tal conhecimento decorre do domínio de diferentes pontos de vista

teóricos sobre os fatos gramaticais.

2.4.1 Os pronomes por Carlos Eduardo Pereira – par âmetros Pré NGB

Pereira (1945) explicita, no prólogo da sua Gramática Expositiva, a ruptura

entre conhecimentos gramaticais herdados do passado e aqueles mais recentes

registrados na gramática de Júlio Ribeiro:

(...) romperam-se os velhos modelos e estabeleceu-se largo conflito entre aescola tradicional e a nova corrente (...) A certeza das teorias pede meças ánovidade desorientadora do método expositivo e á exuberância da tecnologiaobstrusa e cansativa (PEREIRA, 1945. p.9).

Nesse contexto, considera a necessidade de o professor de língua materna

buscar construir caminhos próprios, de modo a fazer compreender que a sua

gramática é produto do esforço do professor. Logo, foi esse modelo situacional que

levou à elaboração da NGB: “(...) na incerteza e deficiência de nossa legislação

gramatical, sentimos necessidade de nos pôr em contato com a língua viva de

pessoas cultas”. (p. 13).

Nessa acepção, a língua é concebida como fato social, não dissociada da

fala, cujas normas não podem ser dadas a priori, como afirma o autor, aquelas

produzidas em gabinetes, ao sabor dos gramáticos. Entretanto, não se deixa

ressaltar a necessidade de “um conhecimento perfeito da língua materna”. Assim, os

numerosos fatos gramaticais devem ser expostos por meio de um corpo harmônico e

simétrico de teorias convergentes, capazes de alargar a compreensão da língua na

sua dimensão da fala.

Afirma que o método expositivo de que fará uso tem por fundamento o

princípio da multiplicidade (variedade de usos) e o da mobilidade dos fatos

gramaticais e, para tanto, propõe “não partir a gramática em pequeninos”, ou seja,

dividir e subdividir as partes dos seus elementos constitutivos, pois tal procedimento

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impede a clareza da compreensão. Para tanto, os fatos gramaticais devem ser

expostos de modo a não se perder a unidade do todo ao qual eles se integram.

A gramática de Pereira toma a palavra como matriz dos fatos da linguagem e

a situa por dois pontos de vista: isolada e combinada umas às outras, quando se

fazem elementos constitutivos da frase. Seus estudos gramaticais se organizam em

duas partes: a Lexeologia e a Sintaxe. A Lexeologia abarca a expressão dos fatos

fonéticos e fonológicos, ortográficos e morfológicos. Afirma ser a morfologia a “parte

da Lexeologia que estuda a palavra em seu elemento imaterial”, isto é, em sua idéia

e significado e ela abarca duas outras dimensões: a) Taxeonomia – estudo das

diversas classes de palavras e as suas propriedades em relação à idéia que

expressam; b) Etimologia – estuda a origem e a formação do léxico, do vocábulo da

língua. (PEREIRA, 1945. p. 81 e 183).

Os pronomes, ao lado das demais classes de palavras, estão inseridos no

domínio da Taxeonomia e são classificados como pronomes pessoais – quando

funcionam como substitutos de nomes – ou como adjetivos determinativos: aqueles

que modificam a extensão dos substantivos, opondo-se aos adjetivos qualificativos

que modificam a compreensão dos substantivos, visto que “o substantivo só pode

ser modificado quanto à sua compreensão e quanto à sua extensão”. (PEREIRA,

1945. p.308). Como determinantes, os demonstrativos, os relativos, os interrogativos

e os possessivos estão ao lado dos artigos, também classificados como adjetivos

determinantes. Já os pronomes indefinidos situam-se ao lado dos numerais.

Essa classificação, orientada por critério sintático semântico se faz bastante

minuciosa e seguida de farta exemplificação capaz de facultar ao leitor diferenciar os

artigos dos pronomes, na dimensão da frase, quando tais classes entram em

funcionamento e apontam para diferentes modos de significar, ou seja, estendem as

os significados dos substantivos para produzirem diferentes matizes de sentido.

Ressalta-se, por um lado, que os pronomes relativos são designados por

“conjuntivos ou relativos” e, assim, o gramático não deixa de apontar a intersecção

que tais pronomes mantêm com as conjunções, na medida em que, à semelhança

delas, funcionam para estruturar orações constitutivas de unidades frasais. Por outro

lado, não deixa de registrar que os conjuntivos ou relativos podem funcionar como:

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a) conjunção propriamente dita – Nunca esperes que te faça o teu amigo o que tu

puderes; b) adjetivo interrogativo – Que tesouro tão precioso será esse, meu irmão?;

c) adjetivo indefinido – E que de enigmas que hão de ali solver-se; d) advérbio – Que

(quão) alegre estava o espírito do criador!; e) interjeição – Que! Vós fareis dos

defeitos de vosso irmão um objeto de passatempo?; f) pronome interrogativo – Que

leva aí consigo?; g) pronome conjuntivo: os relativos que, quem, propriamente ditos;

h) adjetivo qualificativo – Qual o rei, tal a grei; i) pronome possessivo: cujo, cuja; i)

conjuntivos interrogativos – Que horas são? Quem és tu? ; i) e possessivos meu,

teu, seu, nosso, vosso....

Numa síntese, pode-se afirmar que, para Pereira (1945), os pronomes

adjetivos tanto são aqueles empregados no lugar dos substantivos, sempre que se

faz uso da terceira pessoa gramatical - caso dos interrogativos, dos indefinidos, por

exemplo – ou que acompanham o substantivo para estenderem a sua significação –

a mesma função dos determinantes. Logo, os pronomes adjetivos não só podem se

remeter à concepção de nome, quando não têm sua significação estendida, mas

também reunir, ainda, a função de um adjetivo determinativo: aquilo de que gosto =

aquele alimento, ou aquele objeto. O autor afirma serem pronomes todos os

adjetivos determinativos que não têm, na estrutura frasal, um substantivo “claro”,

como por exemplo: Os que dizem e não fazem....; Muitos vivem, outros morrem;

Todos gritam, ninguém tem razão; Ele é tal qual eu esperava. Justifica a

classificação da qual faz uso por meio de informações diacrônicas, observando que

os pronomes o, isto, isso, aquilo, tudo, algo, nada...- são formas que correspondem

às formas antigas neutras dos adjetivos; contudo, com o desaparecimento do gênero

neutro dos substantivos, em língua portuguesa, esses adjetivos assumiram função

pronominal. (p. 119).

Os pronomes pessoais, como substitutos dos substantivos, são explicados

como aqueles que carregam consigo resquícios dos casos latinos e, classificados

como pronomes do caso reto, porque equivalente ao caso nominativo latino; e do

caso oblíquo: os equivalentes aos casos latinos acusativo, dativo, ablativo. Dentre

todos esses tipos de pronomes, o autor se detém a expor longamente para o seu

leitor o pronome reflexivo “se”. (p.328-338). Ressalta que palavras do tipo fulano,

beltrano, sicrano, a gente, bem como os pronomes de tratamento são, efetivamente,

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pronomes pessoais de 3ª. pessoa. Observa-se que tal classificação pronominal não

se dissocia daquela proposta por Soares Barbosa.

A definição de pronome pessoal que apresenta ao leitor não se dissocia

daquela do substantivo: “palavra que tem por função designar os seres pelas suas

relações com a pessoa gramatical” (PEREIRA, 1945. p. 116) e, nesse sentido, esses

pronomes são substantivos e não adjetivos como os acima mencionados. Logo, a

classificação dos pronomes tem por parâmetro a classe do nome; contudo, eles não

podem ser compreendidos apenas como palavras que substituem os nomes

substantivos ou que se usam adjuntos a estes, visto que, ao mesmo tempo, os

pronomes pessoais indicam a posição, o foco com que o nome é empregado em

relação ao ato de fala, ou do uso de tais palavras:

Quando falamos ou escrevemos, as pessoas ou coisas mencionadas nodiscurso entram em uma das seguintes classes relativas ao ato da palavra:1ª. pessoa que fala; 2ª. pessoa com quem se fala; 3ª. pessoa de quem sefala. Chamam-se estas classes PESSOAS GRAMATICAIS, e denominam-sePRONOMES PESSOAIS as palavras que as representam. (PEREIRA, 1945.p. 116).

As concepções acima apontam para o leitor que os pronomes pessoais não

podem ser compreendidos por uma relação unívoca de equivalência com a pessoa

humana, mas sim quanto ao fato de tal pessoa, por ser dotada da competência de

linguagem, poder se auto - representar em língua como aquele que fala – locutor ou

enunciador – e, ao mesmo tempo, representar o outro, aquele com quem se fala e

aquilo ou aquele de que se fala. Para a lingüística contemporânea esse processo de

representações se inscreve no produto de enunciações, ou seja, nos enunciados, e

é reconstruído pelo leitor como quadro enunciativo, por meio de sinais léxico-

gramaticais que ele reconhece, na medida em que tais sinais integram-se ao seu

repertório cultural. Assim, as pessoas gramaticais fazem remissão às pessoas que

estão envolvidas no quadro enunciativo (interlocutores), mas não equivalem a elas,

na medida em que estão ali representadas, em língua.

Para Mangueneau e Charadeaux (2006), tanto o que a tradição gramatical

designa por discurso direto, quanto por indireto, nos registros escritos se qualifica

sempre como “discursos citados”. Assim, o discurso que se materializa em língua

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escrita é aquele em que a pessoa do enunciador toma por objeto de seu ato

enunciativo o discurso de outrem e o enuncia a um seu interlocutor: Paulo disse

que...... Quando Maria chegou, afirmou......., começou a brigar e disse....... Nesse

caso, aquele que fala relata não só o que o outro fez e/ou disse. Também pode

ocorrer em relação ao que se denomina por discurso indireto, de o enunciador

modalizar a sua enunciação, apresentando-a como uma segunda em relação a outro

discurso: Se eu puder acreditar no que ele disse, só posso afirmar que Maria não

veio por estar doente; Como se diz, hoje, estou de pavio curto. Não me aborreça. No

caso do discurso direto, também se tem o mesmo processo: representa-se, em

língua escrita, discurso no qual o enunciador pode estar representado como um dos

locutores de uma interação face a face, ou não; contudo, trata-se de um discurso

citado ou reinterpretado, pois na escrita, o que se registra é o que se viveu, podendo

aquele que fala se fazer representar como aquele que enuncia, porque é o senhor, o

autor da fala, ou se ocultar sobre a fala de outrem.

O uso, por Pereira, dos termos pessoas gramaticais e pronomes pessoais, em

maiúscula, não deixa de chamar a atenção do leitor para tais questões. Desta feita,

ele é o único gramático pesquisado que usa o termo “posição”, quando trata dos

pronomes pessoais, pois a posição do sujeito gramatical, na dimensão frasal, pode

equivaler a diferentes posições assumidas pelo enunciador de um discurso: aquele

que fala por sua conta e risco, ou aquele que fala pela voz de outros.

A correlação necessária entre o nome e o pronome não deixa de pressupor

que, se por um lado, os pronomes asseguram grau de precisão aos significados dos

nomes substantivos, na medida em que os qualifica e os tipifica _ Esse livro é o meu

e não o seu: o conceito de livro está modalizado qualitativamente pelo valor de

posse, mas também indicia o fato de “aquele com quem se fala” haver se apossado

do livro que pertencia àquele que lhe fala, por engano ou por esperteza. O fato de o

enunciado ser frasal, não possibilita afirmar por qual razão, mas permite pressupor

que, caso eles sejam iguais, trata-se de engano; se iguais, mas um está preservado

e o outro não, ou se diferentes, trata-se de esperteza. Por conseguinte, nessa

relação entre o nome e o pronome com valor adjetivo e entre o que se fala, aquele

que fala e aquele com quem se fala edificam-se posições assumidas no mundo da

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vida pelos interlocutores: posição de quem se engana ou de quem é esperto,

reconhecida por aquele que fala e que também é possuidor de um livro.

Contudo, o lugar ocupado pelas designações léxico-gramaticais na estrutura

oracional da frase enunciada apenas apontam, sinalizam para modelos de

organização de informações ou conhecimentos que se busca representar, por

exemplo: Chamei Paulo, para lhe dizer que ele pegou o meu livro, pensando que

fosse o dele – para afirmar que Paulo se enganou, ou, se ele foi esperto ao proceder

de tal forma, tem-se uma frase irônica: dizer X para informar Y. Nesse caso, é

preciso saber quem é Paulo e como ele costuma proceder no mundo da vida: o

sujeito a enunciação se coloca como sujeito do enunciado: uso do verbo chamar

flexionado em primeira pessoa gramatical, mas é aquele que se faz fonte da ação do

chamamento que está sendo relatado: sujeito gramatical tem equivalência com o da

enunciação representado em língua; o sujeito que participa do quadro da

enunciação, na posição de ouvinte do chamamento, Paulo, é aquele sobre o qual

incidirá a ação de chamar, ou seja, é o sujeito evocado e invocado para destrocar o

livro que pegou por engano ou por esperteza. O uso do pronome “lhe” precedido do

para, reitera o sujeito invocado, mas apenas para informar sobre a finalidade do

chamamento: trocar os livros.

A substituição de Paulo por “o”, por exemplo, em nada altera essas relações

significativas; mas, o seu uso exige que se tenha enunciado antes “Paulo”. São

essas posições e esses lugares que facultam tais interpretações; para tanto, não se

pode desconsiderar os valores semânticos dessas estruturas em funcionamento,

como afirma Bechara (1997), ou seja, as classificações sintáticas não podem apagar

aquelas referentes à semântica. Contudo, a semântica da frase, não é a semântica

do texto; razão de se ter de pressupor significações decorrentes de porções mais

extensivas do saber enciclopédico mais extensivo, que a dimensão frasal não

abarca – saber quem é Paulo, como ele procede no mundo – ou aquelas que são

indexadas às frases enunciadas como decorrentes do modelo situacional – se Paulo

agiu por engano ou por esperteza. Nesse último caso, apenas o texto trará índices

capazes de facultar escolher uma ou outra como adequada.

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Nessa acepção, Pereira (1945) aponta para a necessidade de estudos

gramaticais que levem em consideração a noção de pessoa para além de aspectos

meramente estruturais. Tais estudos teriam caráter transfrástico, mas não deixariam

de estender a concepção de gramática para a dimensão dos usos que se faz da

língua para representar fatos interpretados pelos usuários e, assim procedendo, os

conhecimentos gramaticais seriam focalizados como meio e não como um fim em si

mesmo. Desse dialogo estabelecido entre Pereira e os estudos contemporâneos,

pode-se, ainda, melhor precisar as concepções que são fundamentais para o estudo

dos pronomes, na atual contemporaneidade, como: “lugar” e “posição”:

Lugar - espaço ocupado pelo enunciador numa dada enunciação – momento único,

calcado no pressuposto da subjetividade – um eu e um tu no aqui agora;

Posição - espaço ocupado pelo enunciador, também na cena enunciativa, mas numa

perspectiva que lhe promova uma focalização transitória dada pelo próprio

movimento dialógico da enunciação. Assim, o ocupar um lugar é prescrever

convenções institucionalizadas, tanto em nível social, quanto econômico, cultural

etc. A posição está relacionada ao inserir-se no lugar prescrito por convenções

sociais, culturais etc., e por meio dessa inserção, optar por um modelo de

focalização que possibilite um novo olhar. Dessa forma, o ficar no lugar de um nome,

por exemplo, é assumir a convenção dada por meio desse nome – um

direcionamento em termos lingüísticos, gênero, número etc.

Por outro lado, o posicionar-se permite uma visão mais ampla, que abarca

tanto o lugar institucionalizado quanto a transição enunciativa que permite, na

dinâmica do aqui e agora, uma mudança em níveis subjetivos e intersubjetivos.

Nessa acepção, por mais que o outro assuma a posição do Eu, este outro, jamais

será o mesmo eu e este eu nada mais será que a projeção de um nome assumido

no momento da enunciação.

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2.4.2 Os pronomes por Evanildo Bechara – parâmetros Pós - NGB

O professor Evanildo Bechara, gramático de formação filológica, tem

incorporado em suas obras gramaticais muitos dos resultados das investigações

lingüísticas desenvolvidas em nossa contemporaneidade, para fazê-las chegar até

os professores do Ensino Fundamental e Médio. Adere, portanto, aos avanços da

modernidade, mas de forma ponderada, por entender que “não se rompe de vez

com uma tradição secular: isto explica por que esta Moderna Gramática traz uma

disposição da matéria mais ou menos conforme o modelo clássico (1997, p.21).

Entende, portanto, ser a gramática tradicional contemporânea produto de fatos

culturais, continuamente recontextualizados, mas não abandonados, na medida em

que o moderno só se explica em relação ao não moderno, tanto quanto o presente

se explica por conjugar passado e futuro. Assim, seu trabalho no campo da

gramatologia não pode ser qualificado como avançado e tampouco como tradicional.

Por conseguinte, encontra-se nessa sua obra “um tratamento novo para muitos

assuntos importantes que não poderiam continuar a ser encarados pelos prismas

por que a tradição os apresentava”. (p.21).

Nessa perspectiva, a Moderna Gramática do Português: 1º. e 2º. Graus

(1997) é organizada, tanto quanto todas as outras que seguem os preceitos da NGB,

em três partes: Fonética e Fonêmica, Morfologia e Sintaxe; entretanto, a elas se

seguem noções elementares de Semântica, Estilística e Versificação. Os estudos

pronominais situam-se na Morfologia, como uma das classes de palavras da língua

portuguesa e, na sintaxe, como função exercida por tais palavras que, articuladas a

outras pelo exercício da fala, organizam-se por estruturas oracionais definidas como

“a menor unidade de sentido do discurso com propósitos definidos”. (p.194).

Os pronomes são definidos, no âmbito da Morfologia, como unidades de

expressão que designam os seres sem dar-lhes nomes e tampouco qualidade, na

medida em que apenas indicam as três pessoas do discurso: a que fala = 1ª.

pessoa; a com quem se fala = 2ª. pessoa e a pessoa ou coisa de que se fala = 3ª.

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pessoa. Tal definição indica uma concepção de palavra como signo que, na

dimensão da fala se faz apenas sinal para se remeter a designações de pessoas ou

coisas, designadas em língua. Aponta ela para o fato de a classe dos pronomes ser

desprovida de conteúdo semântico, visto designar sem nomear ou qualificar, quando

tomada isoladamente, na dimensão da palavra fora do uso. Por conseguinte, trata-

se de uma classe de palavras do léxico, cujo(s) significado(s) é (são) construído(s)

pelos falantes ou usuários da língua, quando empregadas nas atividades de fala, de

modo a se remeterem à situação de interlocução: “é uma classe de palavras que se

refere a um significado léxico indicado pela situação ou por outras palavras do

contexto”. (BECHARA, 2001. p.132).

Observa-se que o autor afirma ser o significado da classe dos pronomes

decorrente do modelo de situação ou contexto, fazendo equivaler a situação de

interlocução ao contexto e este se explica por modelos de organização de

conhecimentos enciclopédicos da memória social de longo prazo que é sócio-

histórico-cultural. O contexto, assim concebido, se explica pela concepção de

conhecimentos prévios, ao qual as palavras dotadas de significado se remetem

como recortes: porções de conhecimentos de mundo, lingüisticamente designadas

por palavras; logo, as palavras seriam pedaços de conhecimentos de mundo que

facultam falar o mundo, conclui Turazza (2006). É nesse sentido que definidos

como palavras que substituem os nomes, os pronomes, aos substituí-los arrastam

para si os significados dos nomes substituídos e, por esse movimento, os qualifica

como anafóricos, funcionando no discurso como recurso que assegura a progressão

semântica do texto, ou da sua referência tematizada, conforme se buscará explicitar

no capítulo III. Para Koch (2001), essa função substitutiva dos pronomes assegura a

coesão remissiva lexical. Por conseguinte, Bechara deixa de incorporar na sua

definição essa função substitutiva dos pronomes tão significativa para os clássicos e

estes, por sua vez, ignoravam em suas exposições gramaticais o fato de eles se

remeterem à situação de interlocução. Contudo, essas são questões que se

explicam apenas na dimensão textual da discursividade e não na dimensão da

lingüística frasal, mas o autor as explicita no corpo de sua Gramática Escolar.

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Considera que os pronomes, do ponto de vista semântico, exercem função

dêitica: “apontam para o modelo de situação ou de contexto”, de sorte que, assim

funcionando, eles são verdadeiros “gestos da linguagem”, inscritos nas matrizes da

língua. Esses gestos verbais, para o gramático, na medida em que indicam são

dêiticos e, na medida em que fazem referência ao contexto, “como é o caso dos

pronomes relativos (...) indica um elemento presente ao falante”. (BECHARA, 2001.

p.132). Assim, tomando como ancoragem o pronome relativo que tanto responde

pela conexão entre orações de estruturas frasais como, por retomadas do já

enunciado, para fazer progredir semanticamente o conteúdo do dito, classifica a

dêixis em anafórica – aquela que aponta para elemento já enunciado, ou catafórica –

aquela que aponta para elemento não enunciado ou não presente na microestrutura

do texto-produto.

Também é na sua Gramática Escolar que Bechara recontextualiza a

concepção de terceira pessoa do discurso, pelos fundamentos da teoria da

enunciação de Émile Benveniste (1976), afirmando ser ela uma pessoa

indeterminada que apenas “aponta para outra pessoa ou coisa em relação aos

participantes da relação comunicativa”. (BECHARA, 2001. p.132). Benveniste não a

considera pessoa indeterminada, mas uma “não pessoa”, visto que para esse autor:

<<Eu>> designa quem fala e implica ao mesmo tempo um enunciado sobre<<eu>>: ao dizer <<eu>>, não posso deixar de falar de mim. Na segundapessoa, <<tu>>é necessáriamente designado por <<eu>> e não pode serpensado fora de uma situação enunciada a partir do <<eu>>;simultaneamente, <<eu enuncia qualquer coisa como predicado de <<tu>>(BENVENISTE, 1976. p. 166).

A primeira e a segunda pessoa, concebida pelo jogo da interlocução, só

existem por referência à outra, na relação de reciprocidade da fala, de modo que

não se pode eliminar essa relação de gemeidade. A terceira pessoa é identificada

em relação a tal jogo, pois só se afirma fora da relação eu�tu e, portanto, se

constitui no nível da conjugação verbal. Essa mesma compreensão leva Bechara

(2001) a afirmar que os pronomes pessoais designam apenas as duas pessoas do

discurso e a não pessoa: o não eu e o não tu, embora a tradição gramatical afirme

ser a não pessoa uma terceira pessoa. Observa o autor, em nota de rodapé, o fato

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de se poder fazer uso da segunda pessoa de modo impessoal, quer no uso escrito,

quer no oral, em enunciados do tipo: Daniel a situação comigo está difícil. Chega um

momento em que você (= eu, a gente (nós) impessoalizado) não sabe o que fazer.

Nesse caso, conforme já explicitado, trata-se de o locutor que detém a palavra dela

fazer uso de modo estratégico para se situar no lugar do tu: não só evocá-lo, mas

dividir com ele responsabilidades sobre o que diz, ou seja, partilhar a autoria do dito.

(MANGUENEAU, 2006).

Observados esses pontos de vista da lingüística contemporânea, o gramático

focaliza a taxionomia tradicional pós-NGB e classifica os pronomes em substantivos

e adjetivos. Aloca e qualifica os pronomes pessoais do caso reto e oblíquo como

pronomes substantivos, já os demais – possessivos, demonstrativos (abarcando, a

rigor o artigo definido), indefinido (abarcando a rigor o artigo indefinido),

interrogativos e relativos - tanto podem exercer a função de substantivos, quanto de

adjetivos, pois há aqueles que podem exercer ambas as funções. Assim, em casos

como: Meu livro é melhor que o seu – o pronome possessivo “seu” é empregado em

referência ao substantivo “livro”, mas como todo pronome possessivo, não só indica

o valor semântico de posse, em referência à pessoa possuidora; razão pela qual

ambos (meu e seu) devem ser considerados adjetivos. Contudo, em usos do tipo:

Isto é melhor do que aquilo – quando os pronomes não se remetem a qualquer

substantivo, mas estão no lugar que seria por ele ocupado, têm-se pronomes

substantivos.

O tratamento dos pronomes no capítulo referente à sintaxe, afora as

considerações já apontadas, registradas em nota de rodapé sobre os problemas

advindos da NGB, não acrescenta revisão por meio de resultados das modernas

teorias lingüísticas, mas também não se afasta daquelas tradicionais, cujo marco é a

gramática de Soares Barbosa. Assim, os pronomes pessoais exercem função

sintática de sujeito, de objeto direto ou indireto. Os demais, na medida em que

substituem substantivos, exercerão tais funções que são específicas do substantivo;

se de adjetivos determinativos, exercerão a função de adjunto adnominal.

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2.5 Algumas considerações finais

É possível considerar que a pesquisa registrada neste segundo capítulo

aponta ser a Gramática Normativa da Língua Portuguesa ou Tradicional

Contemporânea produto de variadas interpretações da língua portuguesa que têm

por fundamento os estudos da linguagem no fluxo de um tempo em que o povo

português se constituiu como Estado de uma das Nações ibéricas. No século XVIIII,

ela se recontextualiza e se renova ao se estender o modelo descritivo da palavra

para aquele da frase, sistematizando conhecimentos produzidos pela filosofia

escolástica ou medieval.

No século XIX, esse movimento de renovação dos conhecimentos gramaticais

está registrado nas Gramáticas de João Ribeiro e de Júlio Ribeiro que trazem

consigo a produção de conhecimentos dos comparativistas que defendiam serem as

línguas produtos da história de um povo fundador de uma nação e, ainda serem elas

organismos vivos que nascem crescem e morrem. Assim, se por um lado, as línguas

eram fatos sócio-históricos, por outro, elas também eram sistemas orgânicos

degenerativos que tinham a história como inimiga, pois na linha do tempo, assistia-

se à decomposição delas; razão de o latim ser uma língua morta e o português, uma

língua viva (JOÃO RIBEIRO, s/d e JÚLIO RIBEIRO, 1881). O fato de não se haver

proposto um tratamento de caráter histórico, mas historiográfico, para a abordagem

dos pronomes, fez com que se deixasse de focalizar essa classe de palavras quanto

à sua origem latina. Entretanto, João Ribeiro, excluindo o foco eminentemente

histórico com que focaliza as questões da língua portuguesa, não descreve os

pronomes, quanto à definição, classificação e suas funções frasais, de modo

diferenciado da descrição proposta por Júlio Ribeiro. É o ponto de vista teórico que

diferencia esses dois comparativistas, pois ambos mantêm para o tratamento dos

pronomes um procedimento metodológico semelhante ao de Jerônimo Soares

Barbosa, pois tanto um quanto o outro postulam ser a língua um instrumento que

faculta representar o pensamento, o que assegura procedimento semelhante para o

tratamento dessa e de outras classes gramaticais.

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No século XX, mantém-se a concepção de sistema como hipótese teórica

para o tratamento das línguas; contudo, esse sistema deixa de ser focalizado como

um dado natural e passa a ser concebido como um dado social; contudo, destituído

de contexto historiográfico e, conseqüentemente, do ponto de vista humanístico

herdado da tradição. Para Lobato (1978), como decorrência dessa cisão, passa-se a

compreender e a se postular que a gramática do sistema - uma estrutura imanente,

capaz de descrever todas as normas ou variação de usos de um único sistema – por

ser científica se sobrepõe à pedagógica, de caráter acientifico, porque

fundamentada em princípios da filosofia clássica que não se deixaram sistematizar

pela lógica da razão pura., mas que arrasta consigo princípios de racionalidade.

Poder-se-ia afirmar que o século XX assiste à cisão entre gramáticas gerais: aquelas

que facultam descrever os sistemas, e gramáticas particulares: aquelas que facultam

descrever os idiomas desses mesmos sistemas como são a gramática do português

de Portugal, a do brasileiro e as de outras nações africanas.

Bechara, conforme apontado, faz uso de fundamentos que asseguraram a

construção da gramática do sistema lingüístico do português para recontextualizar

metodologias greco-latinas herdadas pela tradição e, assim procedendo, rever e

propor uma outra definição para a classe dos pronomes, dentre outras

incorporações que faz. Mantém-se fiel aos princípios da NGB, embora se oponha a

muitos deles em notas de rodapé, conforme registrado no corpo deste capítulo, na

medida em que eles não facultam ao gramático operar com um modelo de descrição

capaz de recorrer à dimensão semântica. Por isso, a compreensão dos fatos

gramaticais por ele descritos exige, por um lado, conhecimentos de gramatologia e,

por outro, a consciência de que tais conhecimentos não são estáticos, porque

continuamente dinamizados e revisados como recontextualização de cultura sobre a

língua que se descreve. Por ser manter fiel à tradição e entender que ela sempre foi,

é e será renovada, apesar do controle dos Estados Nacionais, vai revendo e

registrando o novo pelas matrizes do velho e, assim procedendo, afirma que a

gramática a ser ensinada na escola é a tradicional, por meio de uma prática de

docência capaz de fazer dela um meio e não um fim, ou seja, pelos parâmetros

propostos por Quintiliano. Eis por que sua gramática é designada “moderna” e/ou

“escolar”, pois a produziu para os professores.

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Convém salientar que, embora os estudos de Evanildo Bechara da década

1960, Lições de Português pela análise sintática, já elucidassem em suas primeiras

notações a importância da situação e do contexto, baseado nos estudos de Mattoso

Câmara Junior – de quem advém muitas de suas reflexões - os estudos advindos

dessa época pouco direcionaram os estudiosos da língua a uma concepção voltada

ao uso, ou seja, à sua funcionalidade, como se observa em suas gramáticas

contemporâneas. Nestes estudos, de ordem sintática, Bechara se mostra bastante

influenciado pelo paradigma estruturalista, ao qual nos atentaremos com mais

atenção no capítulo III desta Dissertação.

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CAPÍTULO III

OS PRONOMES PESSOAIS PELO PONTO DE VISTA DA

LINGÜÍSTICA CONTEMPORÂNEA.

3.1 Preliminares

A revisão apresentada nos Capítulos I e II possibilita considerar que a

gramática tradicional é produto de inúmeras investigações sobre a linguagem e as

línguas humanas, desenvolvidas ao longo das civilizações do Ocidente. Tais

investigações apontam para a construção de pontos de vista teóricos diferenciados,

cujos pressupostos asseguram descrições de caráter diverso e que foram sendo

sistematizados e retomados nos estudos gramaticais de outros autores a fim de

organizar o pensamento lingüístico, como é o caso dos estudos de Apolônio Díscolo

acerca da noção de anáfora que serviram de inspiração a outros estudiosos da

língua que se dedicaram com o intuito de melhor entendê-la, no tratamento dos

pronomes. A esses pontos de vista aliaram-se conhecimentos sobre teorias e

descrição lingüística para solucionar questões que se colocam no âmbito da

educação lingüística, cujo propósito é a aprendizagem proficiente das línguas em

situação de uso.

Os conhecimentos sistematizados pela nossa gramática tradicional, todavia,

com o advento dos estudos lingüísticos que tiveram por marco inicial o século XIX e

por marco final as décadas de 1960-1970, aproximadamente, tornam-se objeto de

críticas. Passou-se a qualificá-los como acientíficos, atomistas, nocionais, não

explícitos, imprecisos e circulares. No que se refere à classificação das partes do

discurso, a crítica se fez extensiva aos critérios empregados para agrupar palavras

de uma língua em dez classes gramaticais. Critica-se, ainda, o fato de as definições

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dessas classes serem avaliadas como inadequadas por não oferecerem

informações gramaticais suficientes para cada uma delas:

(...) O substantivo, por exemplo, é definido como a palavra com quedesignamos ou nomeamos os seres em geral (ou é a palavra que denotapessoas, lugares ou coisas) (...) fala daquilo a que os substantivos sereferem, mas não fornece nenhuma informação gramatical sobre a classe.(LOBATO, 1978. p.18).

Afirma Lobato (1978), ser necessário ponderar esse cenário crítico, pois

quando se faz uso de pressupostos teóricos da Lingüística da Língua para tratar dos

estudos e das regras que regem o funcionamento das mesmas e se considera o

critério nocional - atribuindo relevo a critérios flexionais e funcionais – chega-se “ao

mesmo conjunto de elementos depreendido pelos gramáticos tradicionais” (p.19).

Nesse sentido, as gramáticas produzidas pelos lingüistas da língua não deixam de

atribuir cientificidade às investigações realizadas pelos gramáticos tradicionais.

Contudo, adverte a autora, novos critérios implicarão escolhas de novos

fundamentos teórico-metodológicos e, consequentemente, de procedimentos

descritivos cujos resultados serão distintos daqueles propostos pela gramática

tradicional.

O objetivo deste capítulo é o de revisar esses diferentes resultados,

explicitando a compreensão desses novos pressupostos teórico-metodológicos de

modo a verificar em que eles facultam uma abordagem diferenciada dos pronomes,

para além dos limites da gramática tradicional. Ressalta-se um dado que já se faz

bastante significativo para o professor-pesquisador: nenhuma classe gramatical

pode ser focalizada por meio de um único critério, em razão de as estruturas

lingüísticas serem multifuncionais; ou seja, os substantivos representarem, em

língua, os seres em geral, flexionarem-se em gênero, número e grau, poderem ser

precedidos de elementos da classe dos determinantes – dentre os quais se situam

os pronomes, conforme apontado. Por conseguinte, na posição de determinantes,

eles exercerão a função de adjunto adnominal, à semelhança do adjetivo e, na

posição ocupada pelo substantivo na estrutura frasal do português, exercerão a

função de sujeito ou objeto. Embora exerçam as mesmas funções do substantivo,

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eles não equivalem ao substantivo e, por isso a definição de substantivo não recobre

aquela atribuída aos pronomes, ainda que eles sofram flexões de gênero, número,

mas não de grau. Desta feita, segundo Lobato (1978), operar no campo de ensino,

com restrições é se tornar incapaz de explicitar como elementos lingüísticos de

número reduzido atendem a uma multiplicidade de usos expressivos.

Adverte, ainda, essa autora sobre a adoção pelos professores de novas

terminologias, empregadas no âmbito das ciências da linguagem, no campo do

ensino; razão pela qual o uso de novos termos em sala de aula deve ser

proporcional à compreensão do sistema e funcionamento da língua pelo professor.

Assim, a divulgação de novos termos desprovidos da compreensão de novos

pressupostos teóricos não contribuirão para o domínio e uso dos elementos léxico-

gramaticais, como recursos expressivos, tampouco para explicitá-los de modo a

favorecer a compreensão desses usos.

3.2 O contexto de produção dos estudos estruturalis tas

O tempo situado entre as últimas décadas do século XIX e as primeiras do

século XX, extensivos aos anos de 1960 e 1970, têm por marco a sistematização

dos conhecimentos por áreas disciplinares e implicaram a construção do chamado

paradigma estruturalista. Desse ponto de vista unidisciplinar resultará a “Lingüística

da Língua” ou “Lingüística Estrutural” que assegurará o estatuto de ciência aos

estudos da linguagem, implicando a mudança de tratamentos a ela dispensados, na

dimensão da língua. Desloca-se, assim, o foco até então centrado numa sociologia

de caráter filosófico, histórico e humanista para aquele de caráter a-histórico, que

orientará estudos no campo da linguagem, o que resultou na eliminação de

fundamentos teóricos capazes de fazer referência ou de abarcar – a categoria da

totalidade histórico-social humana.

Para Jantsch (1996) esse processo de cancelamento significou o abandono

de um ponto de vista multidisciplinar em favor daquele unidisciplinar, voltado para a

pretensão de um discurso científico unívoco. Assim,

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(...) a modernidade que seguiu este caminho científico e tecnológicoesquecem aquelas, observação de Bacon, segundo as quais, quando oobjeto de conhecimento for o ser humano, não é possível tratá-lo como coisa.Não posso tratá-lo como coisa. Não posso pensar que a minha metodologia,feita para dominar coisas seja eficaz e legítima nesse terreno. Mas foiexatamente isso que aconteceu a partir do século XVIII, e principalmente noséculo XIX e XX, quando as chamadas ciências humanas ou sociais (...)dispontaram como ciências em um contexto filosófico e ideológico dominadopelo modelo quantitativista, matematizante e fisicalista. (p.42).

Nesse contexto, a vertente filosófica voltada para temas como a angústia e a

morte, fundada no princípio da transcendência e na esperança histórica, cede

espaço para o pensamento cientificista racionalista do que se resultará o abandono

de valores humanistas que qualificam o Iluminismo. Essa sistematização científica,

segundo Goldmann (1972), implicará à ruptura entre as concepções de estrutura e

função, de sorte a garantir a neutralidade da força das ações históricas que,

segundo o autor, situa-se no lugar construído pelo vínculo indissociável entre essas

duas concepções.

Justifica-se essa mudança como decorrente da necessidade de se

atribuir aos estudos lingüísticos padrões de cientificidade, capazes de facultar o seu

reconhecimento como ciência autônoma, fundamentada em princípios teórico-

metodológicos próprios. As idéias de Ferdinand Saussure passam a ser revestidas

de grande importância para o cumprimento desse propósito, na medida em que

possibilitam promover certa ruptura entre estudos diacrônicos e sincrônicos das

línguas. A dimensão sincrônica focaliza a língua num dado ponto da linha do tempo

para observar e descrever a sua estrutura e funcionamento, sem que se atribua

relevo a quaisquer mudanças de caráter sócio-histórico cultural pelas quais ela

passou. O relevo atribuído a tais mudanças decorrentes do fato não mais centrado

em um único recorte da linha do tempo qualifica a dimensão diacrônica ou histórica.

Trata-se de dois campos de estudos com princípios e métodos diferentes que,

segundo Robins (1983), não devem se excluir, tanto na formação da lingüística

quanto na do professor de línguas.

Outra ruptura saussuriana é estabelecida entre langue e parole. A parole

se refere aos dados imediatamente acessíveis ao observador-analista; contudo, o

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seu objeto de análise é a langue – o léxico e a gramática interiorizadas pelos

membros de uma dada comunidade lingüística, pois são eles que lhe facultam

compreender e falar a língua da comunidade. A langue é, agora, concebida como

um sistema social imune a mudanças individuais, decorrentes da parole, pois todas

as mudanças são previstas pelo sistema lingüístico, independente do homem, da

sua história.

Postula Saussure que a langue – objeto de estudos do lingüista – deve ser

tratada por um ponto de vista sincrônico: descrita como um sistema léxico-gramatical

inter-relacionado e não como um conglomerado de entidades autônomas. Assim,

cada elemento lingüístico dever ser definido em relação uns com outros, e jamais de

modo absoluto. Nessa rede de inter-relações esses elementos são identificados

pelas suas respectivas posições no sistema e não pelas suas substâncias, ou seja,

na dimensão da fala. Numa dimensão sincrônica, essa rede deve ser considerada

por dois eixos:

a) o paradigmático ou associativo – aquele referente aos sistemas de

categorias, em que os elementos são considerados por uma perspectiva contrastiva;

por meio da qual é possível diferenciar, por exemplo, o verbo do nome, tornando

como parâmetro a diferença de flexão entre ambos:

1) Eu secretario a reunião.

2) O secretário da reunião fui eu.

O contraste entre “secretario” e “secretário” estabelecido na dimensão

paradigmática é dado imediatamente pela mudança de tonicidade: secretario X

secretário que incide, respectivamente, sobre a sílaba “-ri”, e do “ta” garantindo o

reconhecimento da categoria do verbo em oposição à categoria do nome. Nesse

caso, a tonicidade funciona como morfema: traço distintivo das categorias nominal

em oposição à verbal, indicando que se trata de duas palavras distintas que

exercem funções distintas no eixo sintagmático: o nome poderá exercer as funções

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de sujeito ou de objeto; o verbo responderá pela construção do predicado verbal,

para o qual se exige um complemento: a reunião.

O mesmo ocorre com as formas pronominais “nós”, “vós” e “nos”, “vos”, em

que o acento tônico é traço distintivo para estabelecer entre eles oposição e se

poder classificá-los como pronome do caso reto ou do caso oblíquo: os primeiros

exercem a função de sujeito, os segundos de complemento. Mas, nesse caso, não

há mudança de categorias, e sim de função, pois a distinção se remete à posição

dessas pessoas do discurso, no mundo da vida: “o nós” e “o vós” focalizam aqueles

que produzem ou desencadeiam a ação descrita pelo verbo, ou seja, são fontes

dessas ações que se remetem a modos de proceder no mundo da vida – Nós iremos

ao cinema: “nós” = sujeitos da decisão (eu+tu+ ele ou ela). Já o “nos” e o “vos”

focalizam aqueles que não desencadeiam a ação descrita pelo verbo, mas que são

alvos da mesma: Leve-nos ao cinema. Nesse caso o “nos” (eu+tu+ele ou ela), na

posição de objeto se faz dependente do exercício da ação de outrem: aquele a

quem se dirige para pedir que “leve” a si e a outros ao cinema. Embora queira ir, não

pode desencadear tal ação, e ciente dessa sua condição de ser incapaz de

deliberar, pede.

Por conseguinte, a oposição deixa de ter marcas formais e se circunscreve

à função decorrente da posição desses elementos pronominais na estrutura da

frase, de modo a fazer remissão à posição no mundo da vida. Mas esse tipo de

oposição não é objeto de estudo dos estruturalistas, visto que o aspecto formal é

sempre o objeto por eles privilegiado. Desta feita, a oposição entre, por exemplo: “O

secretário e/ou a secretária da reunião” é dada pela oposição, no eixo sintagmático

entre o uso do artigo “o” em contraste com o artigo “a”, pois os morfemas “a” e “o”

dos sufixos “-ria” e “-rio” são vogais temáticas: insere tais vocábulos na categoria do

nome. Desta feita, a flexão de gênero é sintagmática. (MATTOSO,1972).

b) o sintagmático – aquele referente à ordenação seqüencial dos

elementos no enunciado. Nesse caso, em se considerando que a língua portuguesa

é sintagmática – razão porque a ordem dos elementos constitutivos de seus

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enunciados determinarem a identidade dos nomes em relação ao verbo, ou vice-

versa – tem-se a oposição nome X verbo entre secretária, secretaria e secretário. Já

a oposição entre A secretaria da empresa e A secretária da empresa não é

estabelecida em função da ordem, pois as duas designações não se diferenciam

quanto à ordem ou posição, no enunciado frasal. Desta feita, podem exercer a

mesma função, como por exemplo, a de sujeito ou de objeto, razão por que a

oposição paradigmática prevalece para se reconhecê-las como duas designações

distintas, capazes de exercer a mesma função.

Observa-se, nas explicitações acima, que o modelo teórico saussuriano é

construído pela dualidade fundada no princípio da pertinência: langue x parole;

sincronia x diacronia; paradigma x sintagma, de modo a precisar o objeto de estudo

do lingüista. Este deve se ocupar apenas como os elementos pertinentes ao sistema

da langue: aqueles que se explicitam pela regularidade e não pela variação e, essa

será objeto de estudos da sócio, da psico e da etnolingüística. Ao lingüista cabe

descrever os elementos do sistema e suas regras combinatórias, por uma

perspectiva sincrônica e não diacrônica, considerando o fato de a langue ser social e

a parole individual, logo, a langue formaria um código social único, composto de

regras invariantes que compete ao lingüista descrever. Abandona-se, portanto, o

campo da variação inerente às atividades de fala, ao uso desse sistema de

codificação, para considerar tal sistema social.

Essa dualidade se faz extensiva ao signo lingüístico, descrito pela relação

indissociável entre significante ou imagem acústica e significado ou conceito. Assim,

nos exemplos trabalhados, a distinção entre secretário, secretaria e secretario é

dada por imagens acústicas distintas que implicam conceitos distintos e, por essa

razão, trata-se de três signos diferenciados, visto que essas formas implicam a

representação de três conceitos: aquela secretária ou secretário – designação de

um papel social, exercido no mundo do trabalho; secretaria = lugar em que se

exercem as ações do secretariar, assim, eu secretario ou ele secretaria remetem-se

à ação de secretariar reuniões, em que o “eu” ou o “ele” apontam para o exercício

desse papel no mundo do trabalho.

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3.3 O estruturalismo e suas vertentes

Os estudos saussurianos, segundo Lepschy (1971), promoveram a

construção de diferentes modelos teóricos ou escolas ditas estruturalistas, de modo

que o uso do termo estruturalismo se tornou uma designação bastante genérica.

Contudo, os princípios da imanência, da pertinência e da regularidade de que

emergem procedimentos metodológicos – segmentação, substituição e oposição –

servirão de parâmetro para todos os estruturalismos que buscam descrever

diferentes línguas naturais. Desta feita, para esse autor, há vários estruturalismos,

razão porque o plural, e não o singular qualificaria o uso adequado do termo.

Entretanto, embora todos eles sejam fundamentados nos mesmos princípios e

sustentem os mesmos procedimentos metodológicos para o tratamento descritivo

dos sistemas lingüísticos, é possível agrupá-los em duas vertentes: a européia e a

estadunidense.

3.3.1 A vertente Européia do Estruturalismo

Essa vertente da Lingüística Estrutural tem por marco inicial o segmento de

várias escolas na primeira metade do século XX e delas resultam pesquisas de

excelente qualidade nos campos da fonologia, da morfologia e da sintaxe. No campo

da semântica também são registrados alguns avanços, porém as dificuldades

encontradas para sistematizar os significados produzidos pelo homem, segundo

princípios da lógica matemática, acabam por apontar os limites dos modelos

estruturalistas.

Os historiadores da lingüística moderna apontam que o seu desenvolvimento

se deve:

• à Escola de Genebra – constituída pelos principais discípulos de

Saussure: Charles Bally e Albert Sechehaye que responderam pela

organização e pela escrita da obra póstuma do mestre genebrino, embora

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não concordassem totalmente com os seus ensinamentos. Essa discordância

estava circunscrita ao fato de eles não compreenderem a possibilidade de se

estudar a língua dissociada das atividades da fala. Sechehaye,

posteriormente, se volta para investigações sobre a parole, esforçando-se por

compreender o funcionamento do sistema, com vista a romper os limites

dessa oposição saussuriana. Mas, essa perspectiva funcionalista será mais

bem desenvolvida pelos lingüistas da Escola de Praga.

• à Escola ou Círculo de Praga ( República Tcheca) – constituída por

Nicolai Trubetzkoy – que se ocupou da elaboração de procedimentos

metodológicos que lhe facultaram estabelecer estudos nos campos da

fonética e da fonologia – e por Jakobson que se dedicou a investigar as

funções da linguagem humana. Ainda que os resultados dos estudos de

Jakobson tenham sido tão significativos quanto os de Trubetzkoy para que os

estudos lingüísticos se firmassem como ciência, o fato de eles estarem

configurados pela perspectiva estruturalista não têm como foco o falante real.

Trata-se, portanto, de funções circunscritas a um código abstrato, concebido

como sistema e descrito pelos parâmetros da lógica da razão pura. Nessa

acepção, o modelo de estrutura proposto para o funcionamento da língua,

pressupõe o movimento do diálogo que se explica em dois tempos distintos:

aquele referente ao processo de codificação da mensagem por um emissor e

ao processo de decodificação dessa mesma mensagem por um receptor.

Assim, os estudos de Jakobson sobre o tema se fazem insuficientes para o

tratamento efetivo da língua em uso.

• à escola de Copenhague (Dinamarca) – constituída por Brondal

e Hjelmslev, tem esse segundo autor como seu maior representante. Suas

pesquisas estão voltadas para a redescoberta de concepções e princípios

capazes de explicitar a estrutura da língua pelos da lógica, de sorte a

construir um modelo teórico muito mais formalista e abstrato do que aquele de

seus predecessores.

Os estudos da vertente européia criam várias correntes que respondem pela

sistematização de conhecimentos teóricos – metodológicos no âmbito da fonética,

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da morfologia, da sintaxe e respondem pela criação dos campos dos estudos

lexicológicos e lexicográficos. Para tanto, operam com a concepção segundo a qual

o código lingüístico pode ser segmentado em níveis e, assim procedendo, acabam

por construir uma visão unidisciplinar para os estudos da linguagem; razão do

especialista em fonética e fonologia, daquele em morfologia ou em sintaxe. Ocupam-

se da semântica da palavra e, posteriormente, com a da frase e, até certo ponto,

esforçam-se por não privilegiar apenas o aspecto formal da língua; contudo, a

semântica não deixa de ser um critério para diferenciar as variantes do sistema das

variações de fala focalizando forma e morfema, som e o morfe.

Pode-se considerar que a vertente européia contribui para validar os

princípios saussurianos, assegurando a depreensão das unidades que dão

identidade ao sistema lingüístico, por meio de análises formais, centradas na

segmentação e na comutação. Tais unidades deixaram de ser definidas por

categorias psicológicas ou metafísicas, orientadas pela lógica da filosofia clássica,

privilegiando-se a distinção opositiva e a relação mútua que eles mantêm entre si.

3.3.2 A vertente Estadunidense do Estruturalismo

Lepschy (1971) afirma não ser possível estabelecer diferenças significativas

entre a vertente européia e a estadunidense, até o período pós Primeira Guerra

Mundial, pois é a partir de 1920 que a lingüística da América do Norte passa a

desenvolver seus traços específicos. Essa especificidade é decorrente do alto grau

de valorização formal, da busca de um modelo capaz de assegurar explicações

sobre o uso excessivo de regras de produção de enunciados frasais e, ainda, de se

privilegiar como objeto dos estudos lingüísticos a frase e não mais a palavra isolada.

Essa passa a ser concebida, posteriormente, como elemento dos constituintes

frasais. Entretanto, mesmo os estudos morfológicos são orientados por critérios que

atribuem relevo à relação sintagmática.

Outro diferencial significativo é o fato de a lingüística européia ter como marco

do seu desenvolvimento os estudos de Saussure, enquanto a americana tem por

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fundamento aqueles propostos, em princípio, por Bloomfield e, posteriormente, por

Chomsky. Assim, os mesmos estudos funcionalistas de Halliday estão mais

próximos da tradição bloomfieldiana do que aqueles desenvolvidos pela Escola de

Praga. (LEPSCHY, 2004).

Nessa acepção, em seus primórdios, a lingüística americana não relega

aspectos de caráter semântico dissociados da sintaxe, de modo que essa ruptura

será estabelecida gradativamente. Assim, à medida que se reafirma a tese da

autonomia da sintaxe como matriz da Gramática Transformacional, posteriormente,

reelaborada e designada Gramática Gerativa, se busca reintegrar a semântica aos

estudos lingüísticos.

Os estruturalistas bloomfieldianos fazem uma distinção entre sentido literal –

aquele formalizado pelos morfemas e/ou por palavras isoladas – e sentido estrutural:

aquele resultante da maneira pela qual as palavras são combinadas em estruturas

maiores e tomam como objeto de estudo essas estruturas maiores. Passam a

estudar os mecanismos usados para expressar esses sentidos estruturais, em

língua inglesa, em detrimento do sentido literal. Consideram que as palavras, por

esse ponto de vista, se classificam em: a) formas livres – aquelas que por si sós

funcionam como elemento de significação por exemplo: P: Maria vai à feira? R:

Vai, ou Sim , ou Não; P: Quem irá à feira? R: Maria . P: Você irá à festa com qual

vestido? R: O preto. P: Quando será a festa? R: Amanhã; b) formas presas –

todos os morfemas flexionais, os prefixais e sufixais. Considera-se, ainda, uma

classe de palavras ditas estruturais.

A essa classificação Mattoso (1972) acrescenta as chamadas formas

dependentes para descrever a língua portuguesa: preposições, artigos, pronomes

adjetivos e pronomes átonos do caso oblíquo. Nesse contexto, os pronomes

pessoais do caso reto podem funcionar como formas livres, mas aqueles que

acompanham os nomes seriam formas dependentes. (1) P: Quem chegou? R: Ele, o

seu amor. (pronome= forma livre); (2) Essa garota é linda (forma dependente)

Esses estudos facultam a revisão crítica da estrutura e formação das palavras

de sistemas lingüísticos e os pronomes empregados junto ao nome são classificados

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como determinantes no caso daqueles designados por adjetivos, ou como

substitutos dos nomes no caso dos substantivos, ou como palavras estruturais no

caso dos relativos.

Os transformacionalistas optam pela construção de teorias lingüísticas de

base matemática e o resultado de seus estudos é divulgado a partir de 1957. A obra

que se faz marco desses modelos é Estruturas Sintáticas, de Noam Chomsky,

embora o termo tradição tenha sido empregado por Harris em um artigo designado A

Análise do Discurso, de 1952, Chomsky, discípulo de Harris, tem os seus estudos

mais divulgados e conhecidos do que aqueles do seu mestre, de modo que o termo

lingüística transformacional sempre evoca Chomsky. Para a historiografia, tal fato se

deve por ter sido Harris apenas uma figura significativa da transição entre a

lingüística bloomfieldiana e a chomyskiana; logo, o iniciador, mas não o

sistematizador desse outro ponto de vista.

Para Chomsky (1957), os estudos desenvolvidos pelos gramáticos

tradicionais pecam pela falta de explicação das regras que, adotadas para descrever

uma dada língua, apresentem um tratamento minucioso de exceção: “(...) por não

expressar as regularidades subjacentes fundamentais da língua estudada, a

gramática tradicional dá uma idéia sobremodo falso”... (SILVA,1978. p. 38).

Por conseguinte, o propósito desse pesquisador é explicitar tais regularidades

subjacentes às atividades da fala; razão pela qual a teoria Transformacional irá

operar com os pressupostos de competência e desempenho associados aos de

estrutura profunda e estrutura superficial. A explicitação da compreensão de

competência e desempenho está fundamentada numa concepção mentalista de

linguagem, segundo a qual as gramáticas das diferentes línguas, ainda que

variáveis, terão propriedades comuns essenciais descritas pela Gramática Universal.

Nessa acepção, as diferenças ou variações entre as línguas decorrem, por

um lado, do fato de elas serem produtos da faculdade de linguagem e esta

faculdade variar em função de experiências diferenciadas; mas, por outro lado, no

que se refere à suas estruturas, tal variação é limitada porque é controlada pela

gramática universal. Por conseguinte, a concepção de gramática universal é

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retomada como preceito capaz de assegurar a variação das línguas, as

particularidades de suas respectivas gramáticas, pelas matrizes da unidade da

gramática geral ou universal: concepção dos gramáticos de Port Royal.

(LEMLE,1989).

Adota-se, portanto, um enfoque mentalista que fora excluído dos estudos

bloomfieldianos e a ele atribui relevo. Sustenta-se que a linguagem é determinada

por propriedades inatas da mente humana e, assim o sendo, o homem é dotado da

faculdade específica da linguagem que lhe permite aprender uma ou várias línguas.

Contudo, embora estímulos e hábitos possam fornecer dados sobre essa realidade

mental, tal realidade não é o objeto de estudo da lingüística. Entende-se que a

faculdade da linguagem se desenvolve e se aprimora em interação com o ambiente

e, com o tempo, ela se constitui como sistema de conhecimentos; logo a interação

não se qualifica pela relação homem�homem. Entretanto, para se descobrir,

compreender e explicar esse sistema é preciso isolar fatores de ordem biológica, de

caráter ambiental, de sorte a apreender as características lógicas comuns de

determinada língua. O objeto de estudo da lingüística é aquele configurado pelo

padrão dessa lógica, explicitada por princípios da matemática. (SILVA, 1978).

Chomsky faz uma descrição entre conhecimento tácito que o falante tem da

sua língua e que é por ele usado para produzir e interpretar orações e o

conhecimento sobre o uso efetivo dessa mesma língua. A esse conhecimento tácito

designa competência e àquele que lhe faculta o uso da língua, desempenho. Postula

ser objeto de estudo da lingüística a competência, pois é ela que faculta o

reconhecimento de seqüências como orações bem formadas, ou seja, orações

gramaticais. O enfoque na competência não implica total indiferença pelo

desempenho, na medida em que o seu estudo pressupõe uma teoria explícita da

competência. Por conseguinte, os estudos da lingüística americana se voltam para a

construção de um modelo de competência, pressuposto como aquele empregado

por um falante ideal, que faz uso de um conjunto de regras transformacionais e que

lhe facultam associar a estrutura profunda à estrutura superficial das orações que

produz. Essa associação implica estabelecer relações adequadas entre forma

fonética e conteúdo de orações, independente do uso e/ou das situações em que

são empregadas.

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Pode-se considerar que se os estruturalistas europeus excluem a fala de seu

campo de estudos, os americanos excluem o desempenho, pressupondo que a

aquisição e uso de uma língua não estaria sujeita a fatores de ordem histórico-

cultural. Para tanto, operam com o princípio da regularidade, pressupondo a

homogeneidade dos falantes. Desses estudos emergem as chamadas gramáticas

formais que visam a descrever a estrutura dos sistemas lingüísticos – Gramática

Transformacional e /ou Gerativa – ou o funcionamento desse mesmo sistema, mas

sem considerar o modelo de contexto situacional que tipifica os mais variados usos

de um mesmo sistema.

3.4 Os pronomes no contexto da Gramática Gerativa T ransformacional

Apontou-se que o modelo teórico de que resultaria a Gramática Gerativa

Transformacional, proposta por Chomsky, implicou a rejeição de diversos

pressupostos que fundamentariam os estudos bloomfieldianos. Entretanto, a

formação estruturalista desse pesquisador faz com que ele não abandone a

convicção de que a forma pode ser estudada independente da função comunicativa

da linguagem.

Há de se considerar que, na chamada “Teoria padrão”, Chomsky já

desconsidera a divisão da gramática Tradicional em três áreas – fonologia,

morfologia e sintaxe – e propõe a concepção de um sistema de componentes inter-

relacionados, quais sejam: o componente de estrutura sintagmática, o

transformacional e o morfo-fonêmico. Esses componentes contêm regras que

possibilitam reescrever as transformações entre as categorias sintáticas da estrutura

profunda e as estruturas superficiais (componente transformacional). As regras

morfo-fonêmicas teriam a função de associar representações fonéticas às cadeias

de termos especificados pelo componente sintático. Segundo Silva (1978), esse

modelo da Teoria Padrão poderia ser assim representado:

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Componente de Estrutura sintagmática

Componente Transformacional

Componente Morfo-fonêmico

Representação fonêmica

Esse modelo teórico, à proporção em que é divulgado e aceito, torna-se

objeto de reflexões críticas e, dentre elas, duas se fazem relevantes: ao fato de as

estruturas lingüísticas serem sintático-semânticas – o que leva Chomsky a

reformulações que incorporam o componente semântico – e não se dar importância

às questões de caráter lexical e, por essa razão, as categorias gramaticais deixam

de ser objeto de estudo dos primeiros transformacionalistas. Tais reformulações

terão como resultado o modelo designado “Gramática Gerativa” ou “Gerativa

Transformacional”, assim esquematizada. (SILVA, 1978. p.84).

Componente Sintático

Sub-componentes de base

Componente Categorial Léxico Sub-componente

transformacional

Componente Semântico Componente fonológico

Observa-se que se mantém o componente sintático como elemento fundador

e ordenador dos sub-componentes de base, bem como o transformacional, como

matriz da descrição gramatical. Assim, o componente semântico e o fonológico são

subordinados a essa matriz geradora de frases, de forma a negar que a estrutura de

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uma dada língua seja sintático-semântica. Entretanto, o léxico e a semântica são

incorporados a esse modelo hierárquico de estrutura profunda e, desse modo,

passa-se a considerar que as relações gramaticais são significativas, mas como

seqüências ideais de estruturas intermediárias: aquelas situadas entre a estrutura

profunda e a superficial, bem como as regras transformacionais aplicáveis a cada

sentença.

O sub-componente lexical especifica as propriedades dos elementos lexicais,

por meio de um conjunto de traços morfo-fonológicos, sintático-semânticos e certas

regras de redundância – por exemplo: “O cavalo caiu”. e “O menino caiu.”, tem-se O

cavalo = + animado + potente – racional, - humano; O menino = + animado, +

racional, + humano. Da explicação de regras do sub-componente categorial (+

substantivo, tanto cavalo, quanto menino) resultam cadeias pré-terminais que, por

meio da aplicação de regras de inserção lexical são convertidas em estrutura

profunda. Assim, o sub-componente transformacional converte uma estrutura

profunda em uma ou várias estruturas superficiais, mediante a aplicação repetida de

transformações gramaticais, por exemplo:

As regras que especificam a estrutura profunda −O → SN = SV; SN →

determinante+ nome e as estruturas superficiais, bem como a relação entre esses

dois tipos de estrutura – aquelas referentes ao sub-componente categorial: N →

Substantivo = + animado, + potente + racional - são acrescidas regras de

interpretação semântica e fonológica. Essas últimas relacionam esses objetos

sintáticos a uma representação semântica, por um lado e, por outro, às fonéticas.

Mas esses dois componentes - o semântico e o fonológico – utilizam informações

fornecidas pelo componente sintático. Por conseguinte, é o componente sintático

que oferece todas as informações relevantes para as interpretações semântico-

fonológicas. O semântico associa tais interpretações à estrutura profunda; o

fonológico à estrutura superficial. Assim, ao componente sintático cabe especificar

uma estrutura profunda que determina a interpretação semântica e, ao mesmo

tempo, uma estrutura superficial que determina a estrutura superficial.

Nesse contexto de reflexões críticas, propõe-se a necessidade de se

acrescentar ao modelo um componente retórico, para assegurar à oração uma

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interpretação retórica, de modo a se poder considerar questões de ordem estilística.

Também se deveria considerar a inserção de um componente pragmático capaz de

responder a questões referentes ao uso. Essas reflexões vão ganhando corpo,

principalmente com o desenvolvimento dos estudos semânticos pós 1960, e chega-

se a sugerir que a estrutura profunda deveria ter por suporte um componente

sintático – pragmático. Assim, o que se faz claro é o reconhecimento da

interdependência de todas elas. Contudo, Chomsky se mantém irredutível

postulando que

(...) as orações têm propriedades gramaticais e um sentido intrínsecodeterminado por regras e não por considerações de uso, contexto e outrosfatores (...) o fato de certas orações talvez nunca terem sido produzidas naexperiência de qualquer falante de uma língua, ou mesmo da historicidade deuma língua em apreço ou de suas interpretações fonéticas e semânticasideais (SILVA, 1978. p.114)

Logo, para entender qualquer oração, estruturada segundo o princípio da

gramaticalidade, o falante recorre a interpretações semântico-fonéticas ideais.

Nesse sentido, exclui qualquer referência ao modelo de contexto de uso para buscar

adequar a sua teoria às criticas de que ela se faz alvo. Reitera a necessidade de se

considerar a gramaticalidade, aceitabilidade e a adequação de orações geradas por

regras transformacionais, a partir da estrutura profunda.

Nessa acepção, os pronomes, exceção feita a “alguns”, “ninguém”, segundo

os transformacionalistas, são explicados pela hipótese segundo a qual, na estrutura

profunda, eles pertenciam à categoria do substantivo e, à categoria dos

determinantes, classificados como definidos ou indefinidos.

Os argumentos empregados para tanto são baseados em critérios de

restrições da seleção lexical que impedem, por exemplo, que certos verbos tenham

determinado tipo de sujeito, como é o caso do verbo “sorrir” que exige como sujeito

um substantivo com o traço “+ animado”. Tal fato justificaria o porquê de uma oração

do tipo “A mulher sorriu” ser gramatical e “O sofá sorriu” ser agramatical. Assim, os

traços semânticos dos substantivos seriam relevantes para formular regras de

restrição de seleção lexical capazes de facultar uma interpretação semântica

adequada de orações. Cancela-se o fato de um sofá poder sorrir quando os sentidos

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dessa frase emergirem em um texto que represente o mundo narrado em que se

projeta para objetos com qualidades humanas: no tempo em que os objetos podem

falar.

Nesse sentido, dadas as orações: (1) Eles se reuniram no parque; (2) Eu me

reunia no parque, os pronomes, à semelhança dos substantivos, também impõem

aos verbos regras de restrição de seleção, pois o verbo “reunir” não pode ter como

sujeito, por exemplo: (3) A caneta se reunia no parque. Lá ela era feliz. Assim, os

pronomes na estrutura profunda são substantivos.

Entretanto, na estrutura superficial eles diferem dos substantivos, na medida

em que eles não podem ser precedidos de artigo e, por isso, são agramaticais,

traços do tipo:

(4)aqueles eles foram ao cinema.

(5) o ele não foi ao cinema.

(6) Este ela se enganou.

Logo, os chamados pronomes pessoais do caso reto ou oblíquo não admitem

ser precedidos por determinantes; mas, esses pronomes parecem funcionar como

artigos e não como substantivos em orações do tipo:

(7) Vocês, grevistas, não sabem o que estão fazendo.

(8) Nós, os médicos, temos maiores responsabilidades.

Para justificar tal interpretação, propõe-se a inserção de um adjetivo entre o

pronome e o substantivo da segunda seqüência, de modo que, na estrutura

superficial, ter-se-ia: “Nós, jovens médicos” é semelhante a “estes jovens médicos”.

Assim, “nós” não é um artigo, mas um pronome; mas as seqüências acima seriam

derivadas da seguinte estrutura profunda: “Nós, que somos médicos” e “Nós que

somos os jovens médicos”. O apagamento das seqüências “que somos” resultaria

em “Nós, médicos “ e “Nós, os jovens médicos”, o que justificaria o uso do artigo “os”

na segunda seqüência. (SILVA, 1978).

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Observa-se que as explicações acima não levam em conta a pausa entre o

pronome “nós” e o verbo “temos” ou entre o pronome “vocês” e o verbo “sabem”; e

por isso, considera-se o fato de um pronome pessoal preceder um substantivo.

Contudo, nesses casos, o que se verifica é o fato de esses sintagmas nominais

serem idênticos àqueles de seqüências como “os grevistas não sabem o que estão

fazendo” e “os médicos temos maiores responsabilidades = nós. Assim, os

transformacionalistas deixam, por um lado, de fazerem a interpretação fonológica e,

por outro, propõem um modelo de estrutura profunda que confirma a explicação

tradicional.

A ampliação da base explicativa dos fatos gramaticais vai sendo ampliada aos

poucos e, em se tratando da descrição da frase em língua portuguesa, vários serão

os sintaticistas que a ela se dedicarão. No que se referem aos estudos dos

pronomes pessoais, eles acabam sendo considerados como elementos da classe

dos substantivos – alguém, ninguém ou dos determinantes – todos, ambos, estes,

esses, essas... - por isso, constitutivos dos sintagmas nominais, e ainda, como

elementos da classe de relação, como é caso dos pronomes relativos.

Na função de determinantes tipificam-se como elementos constitutivos do

sintagma nominal (SN) que precedem o nome e, nessa posição, ao lado dos artigos,

têm-se os pronomes demonstrativos, indefinidos, os possessivos e os numerais.

Ressalta-se que os pronomes possessivos são os únicos que continuam a merecer

questionamentos sobre sua inclusão na classe dos determinantes, visto que, embora

eles sejam colocados entre os membros dessa classe e nela ocupem a posição de

antecedente do nome na estrutura superficial, na estrutura profunda ele difere da

descrição dos demais. Para Pontes (1978), essa questão se deve ao fato de eles

implicarem valor de posse e, por isso, a estrutura profunda seria derivada de uma

oração que implicaria tal valor; por exemplo:

• Sintagmas do português indicadores do valor de posse:

(1) Eu comprei ou ganhei o livro.

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(2) O livro é meu → porque eu o comprei, ou o ganhei.

(3) O meu livro →aquele que eu comprei e por isso me

pertence.

Assim, ao se referir ao “livro”, o falante poderia asseverar:

(4) O livro do Wagner.( locução adjetiva)

(5) O livro que o Wagner comprou ou ganhou.

(6) O livro dele.

(7) O seu livro.

Logo, o uso do meu, teu, seu, nosso, vosso, na estrutura superficial implicaria

transformações. Considera-se, ainda, o fato de os possessivos admitirem o uso do

artigo como antecedente – os meus pais; os meus outros professores – ou de

pronomes demonstrativos: aqueles meus professores. Os pronomes possessivos

teriam, portanto, um caráter adjetivo.

Os determinantes, segundo Chomsky, ainda se tipificam pelo princípio da

identidade que mantêm com o nome e, por isso, na estrutura profunda (E.P) apenas

o nome sofre flexão de gênero e número; logo, a concordância de gênero e número

dessa categoria gramatical é produto de transformações; por exemplo: a seleção

lexical do nome “menino”, como nome de um sintagma nominal (SN), implicará a

atribuição dos traços de gênero e número ao determinante desse nome. Assim, ter-

se-ia:

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Outra transformação que qualifica o uso dos determinantes é a elipse de

nome idêntico, ou seja, pode-se suprimir o nome já enunciado: O menino ganhou um

livro, eu também quero um = eu também quero um livro; O menino escolheu um

livro, eu escolhi outro. (livro) e O menino leu este texto, mas não aquele (texto). O

uso do princípio da economia leva ao cancelamento, na estrutura superficial, do

nome do SN da segunda oração; contudo, para a interpretação semântica, ele se

mantém na E.P na mente do intérprete. Nesses casos, nossos gramáticos

tradicionais consideram que os pronomes “outro” e “aquele” devem ser considerados

como pronomes substantivos, em oposição a “este”, por exemplo, que seria adjetivo.

Mas, se considerarmos a E.P, eles se mantêm como pronomes adjetivos, na função

de adjuntos adnominais.

Tem-se restrição a essa regra, quando o nome do SN da primeira oração é

precedido do artigo “o”, conforme descrito por Pontes (1978. p.147):

Maria quer o vestido, eu também quero (o vestido), visto que, nesse caso, ofalante opta pelo uso do pronome pessoal do caso oblíquo: Maria quer ovestido, eu também o quero (o=ele=o vestido). Outra opção é o uso deoração relativa: Maria quer este vestido, eu quero o (=aquele vestido) queestá sobre a mesa; entretanto, o emprego do artigo “o” na E.S, faz remissãoao pronome “aquele” na E.P. Essa correlação entre “este” (=vestido que estásobre a mesa, mais próximo do interlocutor – enunciador, ou seja, daqueleque fala) leva nossos gramáticos tradicionais a descreverem esse uso do “o”como pronome demonstrativo equivalente a “aquele”. Nesse caso, privilegia-se uma descrição voltada para a Estrutura Profunda; mas no caso de “Euquero este vestido e Maria quer aquele vestido” – aquele tem a descrição queincide sobre a Estrutura Superficial.

Para esses nossos gramáticos os pronomes demonstrativos devem ser

definidos em relação às pessoas dos interlocutores: quando próximos daquele que

fala: este(s), esta(s), quando próximos daquele com quem se fala esse(s), essa(s) e,

quando distantes de ambos – aquele(s), aquela(s), mas sempre empregados para

demonstrar que o objeto da fala é o mesmo e localizar a posição do mesmo em

relação aos interlocutores. A questão problemática está no critério classificatório

oscilante que, ora privilegia a análise do fato lingüístico na E.S, ora na E.P. O

mesmo ocorre em: O meu vestido é o azul, ou seu é o vestido vermelho; em que o

adjetivo “azul” e “vermelho” fazem remissão a dois vestidos que se diferenciam pela

cor, de sorte que na primeira oração predica-se “azul” e, na segunda, “vermelho”

para diferenciá-los. Desta feita, “o azul” é analisado como predicativo do sujeito na

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primeira oração, privilegiando-se a sua função “qualitativa” de vestido; já na segunda

oração “vermelho” é analisado como substantivo; porque precedido do artigo.

Cancela-se a interpretação semântica da E.P e as suas transformações para gerar

E. S:

O meu vestido é o azul.

O seu vestido é o vermelho.

Constata-se que, embora se afirme que esses pronomes pessoais substituem

o nome, em verdade, eles também o acompanham, o determinam, à semelhança de

outras classes gramaticais como a do artigo, a dos numerais e a dos adjetivos.

Assim, nossos gramáticos optaram por considerar a ocorrência para classificá-los:

se acompanham o nome, precedendo-o, na posição de determinantes, são

pronomes adjetivos; se ocorrem sozinhos no SN são designados substantivos. Logo,

em frases do tipo:

Pedro disse que o menino poderia ir ao cinema e ele foi:

Ele foi ao cinema.

01

Pedro SV

V 02

SN SN SV

Det. N Aux. V SNP

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Prep. SN

Det. N

Pedro disse que o menino poderia ir a o cinema

Ou quando se tem:

O uso do pronome pessoal “ele” foi empregado como atualização de um SN

para fazer remissão ao SN de 02 = “o menino”. Por conseguinte, ele equivale a “o

menino”, na estrutura profunda; portanto, trata-se de uma transformação por

substituição. Mas o mesmo critério não se aplica à transformação por elipse,

conforme se observa abaixo:

O

SN SV

Det. N

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pré de pós det. Cop. SN

det base N SA

O meu vestido é o vestido azul O seu vestido é o vestido vermelho

Assim, na E.S tem se a síntese de O1 e O2 decorrente do uso da regra de

apagamento de SN1 de 02, bem como do termo “vestido” como nome do SN de O1

e do verbo copulativo (é), de modo a evitar repetições, conforme se aponta abaixo:

O meu vestido é o (vestido) azul; o seu (vestido) ( é ) o (vestido) vermelho.

Nesse caso, “meu” e “seu” explicita a relação de posse de dois vestidos que,

diferenciados pela cor, são objetos possuídos pela pessoa que fala e pela pessoa

com quem se fala. O ponto e vírgula marcam a relação de oposição entre os dois

vestidos, cujas cores diferenciam o sentido de pertença atribuído a pessoas

distintas. A síntese das orações na E. S, implicando o cancelamento e a não

repetição do termo “vestido”, não impede a interpretação semântica da frase que se

remete a um discurso relatado. (MAINGUENEAU, 2005). Mas, tanto “meu”, quanto

“seu” são determinantes do nome “vestido”.

Nessa acepção, todo pronome pessoal que, na E.P, ocorre antes do nome de

um SN, quer na posição de sujeito ou de complemento verbal, é determinante. O

que se observa, no que se refere à substituição do nome pelo pronome, é o fato de

essa substituição poder ser total ou parcial. A substituição total decorre da

identidade entre os constituintes do SN – sujeito ou complemento – da primeira

oração por um SN da segunda oração – O menino = Ele. A substituição parcial

decorre da identidade parcial entre os determinantes de um nome de um SN, de

uma 1ª e de uma 2ª oração: O meu vestido → O seu vestido. No caso da

substituição parcial tem-se a ocorrência da elipse; logo são duas transformações

distintas para evitar repetição e assegurar sínteses na E.S; contudo, tais

apagamentos não impedem a interpretação semântica.

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Essa descrição fundamentada em Pontes (1978) possibilita considerar que os

pronomes pessoais, propriamente ditos - Eu, tu, ele(s), ela(s), nós e me, mi, comigo,

te, ti, contigo, o(s), a (s) se, lhe(s) – aqueles que se tipificam pela substituição total,

são pronomes propriamente ditos. Já no caso da elipse de nomes idênticos, quando

a substituição é parcial – suprem-se o que é idêntico e se mantém o que é diferente,

na estrutura superficial: trata-se do uso desses pronomes como determinantes. Por

conseguinte, não justifica a designação de pronomes substantivos e adjetivos para

esses casos, pois se considerarmos que, dada a frase: Maria gosta de mangas

maduras; eu de verdes, tem-se na estrutura profunda:

Maria gosta de mangas maduras. Eu gosto de mangas verdes – em que

tanto “madura” quanto “verdes” são adjetivos, mesmo na estrutura superficial estes

nomes remetem à classe dos adjetivos. E assim sendo, e comparando frases do

tipo:

E.P – Eu disse àquele menino louro que ele poderia entrar.

E. S – Eu disse àquele louro que ele poderia entrar.

O cancelamento de “menino” na E. S não gera nenhuma ambigüidade na

interpretação semântica, visto que “louro” continua qualificando “menino” e não faz

remissão ao “papagaio”, quando designado por “louro”, na condição de nome

substantivo.

No caso dos determinantes de valor partitivo, é preciso considerar a

segmentação de exclusão, mas a transformação é ainda por elipse: supressão na

estrutura superficial do nome idêntico na E.P:

Um dos meninos saiu.

Algum dos meninos saiu.

Nenhum dos meninos saiu.

Cuja estrutura profunda seria:

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Um menino dos meninos saiu.

Algum menino dos meninos saiu.

Nenhum menino dos meninos saiu.

Em que se dá a supressão de “meninos” + a totalidade deles – aqueles de

que se fala.

No caso:

“alguém chegou” ou “ninguém chegou” - têm-se as formas pronominais

ocupando a posição de SN para afirmar ou negar a chegada de uma pessoa e, à

semelhança dos pronomes pessoais. Por conseguinte, essa classe de pronomes

substantivos que exercem funções de sujeito ou de objeto, também é qualificada por

Lemle (1989), como pronomes propriamente ditos. Todavia, os pronomes que à

semelhança dos artigos e dos numerais exercem a função de determinantes do

nome, se comparados ao adjetivo que também exerce tal função, merece uma

formulação mais precisa. Desta feita, o adjetivo, propriamente dito, funciona como

determinante do nome substantivo e, juntamente com ele, é um nome, ou seja, uma

palavra que se remete à mesma designação inerente ao conteúdo dos substantivos,

mas dela difere por restringir ou explicitar tal conteúdo. Trata-se dos chamados

adjetivos restritivos ou explicativos; classificação proposta pelos nossos gramáticos

tradicionais, como por exemplo:

• Explicativos: leite branco, bola redonda ou arredondada;

• Livro de cem, duzentos páginas (livro grosso); livro de dez

páginas, quinze (livro fino)

Não há livros desprovidos de páginas, nesse sentido é explicativo; mas ser

fino ou grosso, qualifica o livro pela quantidade de páginas e, assim, ao qualificá-los,

os classifica e, por isso, são restritivos.

Nessa acepção, os restritivos funcionam de modo a precisar a concepção

designada pelo substantivo para:

a) classificar ou tipificar um “objeto” representado pela designação:

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a¹) como: bolsa de couro, de napa, de plástico (um tipo de material de que

é feita a bolsa);

a²) como: gaveta de meias, de pano de prato – conteúdo de um contender;

a gaveta, ou seja, a sua função;

b) diferenciar uma designação genérica: vestido verde, azul, amarelo.

c) flexibilizar o conteúdo de uma designação genérica, em relação à gradação

de uma dada qualidade ou estado: menina bonita, feia, feinha, menina

alegre, alegrizinha, alegrona.

Para Koch (2004) o adjetivo, propriamente dito, deve ser descrito como um

sintagma adjetival (SA), indexado ao sintagma nominal; por exemplo: Aquela menina

bonita está triste.

O

SN SV

Det. N Modif. Cop. Modif.

SA SA

Aquela menina bonita está tristeNesse caso, o copulativo (verbo de ligação) diferenciará o SA do S.N – função

de sujeito – do SA - função de predicativo. Para Lemle (1989) é preciso considerar

que há na relação de comando (regência) entre o SN (referente) e o S.A (regido),

justificada pela concordância do adjetivo com o substantivo e não o contrário.

Para Pontes (1978), é preciso considerar que os adjetivos são classes de

palavras que pertencem ao léxico e não à gramática, como é o caso dos artigos e

dos pronomes que integram a classe dos determinantes, principalmente no caso dos

pronomes demonstrativos que não admitem o uso dos artigos definidos (o esse, o

aquele menino) – ao contrário dos possessivos - O meu pai, a minha mãe – estes

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seriam agrupados dentro dessa mesma classe, qual seja, a dos artigos. A autora

justifica essa sua posição por um ponto de vista histórico, valendo-se dos estudos de

Celso Cunha (1978).

Afirma Celso Cunha (1978) que quando se fala em determinantes inclui-se o

artigo definido, de modo que os determinantes do SN se classificariam em

quantificadores, demonstrativos, referenciadores e numerais. Assim compreendidos:

a) Os quantificadores e os demonstrativos funcionam:

a¹) como definidos - todos e ambos; este, esse, aquele e

a²) como indefinidos – algum, nenhum, qualquer, cada e um;

b) os referenciais – outro, mesmo, tal e próprio;

c) os numerais se subdividem em cardinais: um, dois...;

quantitativos: pouco(s), vários, muitos, e em ordinais: primeiro,

segundo...

O critério de que decorre essa classificação dos indefinidos está

fundamentada no princípio da distribuição, qual seja:

• os indefinidos propriamente ditos, ao contrário dos

demonstrativos não são empregados como

quantificadores, como é o caso dos demonstrativos:

Quero os vestidos do balcão.

Quero dois daqueles vestidos do balcão.

Quero só aqueles vestidos do balcão.

Assim, são agramaticais construções do tipo:

algum

nenhum

Esse qualquer vestido.

um

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Observa-se que os indefinidos só ocorrem na primeira posição como

expressão de um SN de orações em que eles ocupem a posição de sujeito. E,

quando ocupam o a posição de objeto – não vi nenhum, qualquer, o, vestido - tem

valor de negação. Logo, não é possível combinar, por exemplo, “todos” com

“alguns”, “quaisquer”, por essa razão, todos, alguns, qualquer, cada e um formariam

uma única classe: a dos quantificadores - definidos propriamente ditos, ainda que se

tenha:

Todos os meninos.

Todos aqueles meninos.

Ambos os meninos.

Há de se considerar, nos exemplos acima, a diferença de interpretação entre

“todos” e “ambos”: embora “ambos” faça remissão ao traço + contável = dois e todos

como “contáveis” , eles sempre designam a totalidade de um dado conjunto:

• Todos os toxicômanos merecem tratamento médico= a

classe, um conjunto dos homens que faz uso de substâncias tóxicas, e

não todos os homens.

• Todos os homens são mortais = assim como qualquer outro

animal; mas a referência é feita apenas a um conjunto deles: aquele

referente ao animal humano.

Já os quantificadores indefinidos sempre farão referência a uma parte de um

dado conjunto.

Alguns toxicômanos merecem tratamento médico;

Poucos homens são imortais = aqueles cujos ideais são atemporais, existem

mesmo após a morte. Mas “todos” não ocorre em construções partitivas, como

acima, de modo a se remeter a “uma parte de”, um conjunto, como é o caso de

alguns, poucos.

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Nesse sentido, “todos” e “ambos” são membros da classe dos quantificadores

definidos e “algum”, “nenhum”, “qualquer”, “cada” e “um” dos definidos. Já os

pronomes “pouco”, “muito” e “vários”, empregados com alto grau de freqüência no

plural, são alocados na classe dos determinantes numerais, visto se remeterem ao

valor de “quantidade não mensurável”, em oposição a “um, dois, três, quatro...”.

Assim como:

(1) O pouco feijão do saco alimentou todas aquelas dez crianças.

(2) Há pouco açúcar no açucareiro - é interpretado como “pouca

quantidade de”, podendo como em (1) remeter-se ao valor de

proporcionalidade: ser pouca a quantidade de feijão em relação à

quantidade de crianças, mas ter sido suficiente para alimentá-los e, nesse

caso, implicar avaliação quantitativa, tendo como suporte a concepção de

proporção e suficiência.

As especificidades da classe dos referenciadores e dos determinantes

indefinidos decorrem do fato segundo o qual os referenciadores podem:

• Ser precedidos do definido:

O mesmo vestido

Aquele outro

Esse tal

O próprio

Já os indefinidos não aceitam tal distribuição, razão por que não são usuais

construções do tipo.

Nenhum mesmo vestido.

tal

Algum próprio

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Todavia são usuais:

Todos os mesmos vestidos foram usados por aquelas moças.

Todos os outros vestidos foram vendidos. Em que se tem um traço semântico

que faz referência a algo, ou a alguém – todos os outros moços saíram –

mencionados em alguma parte do discurso. Assim, os referenciadores sempre são

empregados:

a) depois dos demonstrativos:

Os outros meninos.

Aquele tal menino.

Esse mesmo menino.

O próprio menino.

b) depois de pronomes, mas não de nomes próprios:

Ele mesmo. Ele próprio. Se empregados com nomes próprios tem-se a

inversão dessa ordem. O próprio Marcos – quando é antecedido de determinante

definido. Já no caso de construções como: Mesmo o Marcos, tem-se o traço

semântico de “inclusão” – Marcos que não se incluía no conjunto daqueles que

sempre fazem exercícios passa a incluir-se nele.

Esses estudos distribucionais levam Pontes (1978) e Lemle (1989) à seguinte

classificação dos determinantes do SN, conforme quadro abaixo:

Quantificadores Demonstrativos Referenciadores Numerais

Definidos todos

ambos

O A (s)

Este (s) (a)

Esse (s) (a)

Outro (a)

Mesmo (a)

Tal

Próprio (a)

cardinais quantitativos ordinais

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Indefinidos

Alguns

Nenhum

Qualquer

um

Ø

Um

Dois

Três

...

Pouco

Vários

Muitos

...

Primeiro

Segundo

Terceiro

...

Para efeito de exemplificação, uma aplicação gramatical em língua

Portuguesa dos estudos sintáticos advindos do procedimento estrutural

chomskyano, todavia, ainda com terminologias tradicionais, pode ser observada nos

estudos de Perini (1976) que tenta atribuir relevo às questões que norteiam a Língua

Portuguesa sob o ponto de vista estrutural, o caráter de generalidade:

(...) o que estamos fazer é construir a gramática de uma língua – nãoapenas daquele conjunto de sentenças que formam os nossos dados nomomento. Isto significa que as regras que propusermos para um determinadoconjunto de sentenças deverão ter valor geral na língua, aplicando-as a todasas sentenças em que as condições necessárias forem satisfeitas. (PERINI,1976. p. 71)

Esse caráter genérico do qual Perini se vale submete questões referentes à

identidade lingüística do português do Brasil ao modelo de análise que não

corresponde em sua totalidade à do modelo norte-americano. Este falso pressuposto

de adequação teórica, em muito contribuiu para um aprendizado acerca da língua,

sob a perspectiva mecanicista e superficial acerca dos fenômenos lingüísticos.

Assim, ao analisar a obra de Perini da década de 1970, observa-se uma tentativa de

atribuir aos velhos conceitos da gramática tradicional, outros correspondentes a

Gramática Gerativa Transformacional, sem abandoná-los, compondo mais tarde, a

gramática descritiva do Português.

3.4.1 A Gramática Dependencial ou Funcional.

O modelo teórico de que resultaria a Gramática Dependencial ou Funcional,

no âmbito da vertente estruturalista européia, foi desenvolvida por Lucién Tesnière,

também na década de 1950.

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A principal obra desse lingüista é Eléments de Syntaxe Structurale, de 1959,

em que se registra a sua teoria voltada para o estudo dos fatos gramaticais

concebidos como um sistema de organização e funcionamento das línguas. Toma

como objeto de observação e análise o francês, elegendo como espaço de

observação aquele centrado na prática de um modelo de observação voltado para a

comparação entre diferentes gramáticas de várias línguas. O seu esforço é não só

descrever os fatos gramaticais, mas também relacionar esses fatos a uma

nova/outra prática de docência, de sorte a favorecer a compreensão das estruturas e

funcionamentos dos fatos lingüísticos pelos aprendizes de uma língua (p.10). Logo,

os seus estudos são revestidos de um propósito didático. Entretanto, eles têm tido

pouca divulgação no Brasil e poucas são as Universidades que os privilegiam como

programas de ensino de cursos de formação de professores; a opção recai sobre a

Gramática Gerativa Transformacional. Nesse sentido, a sua produção remete-se a

uma teoria construída e aplicada com os aprendentes da Escola Normal, de

Montpellier, na França.

Tesnière insiste na importância a ser atribuída à concepção de função,

quando o objetivo é tratar da Sintaxe de uma dada língua para descrever a estrutura

dos seus enunciados, quer na dimensão frasal e/ou textual: “(...) tuvo el honor de dar

um ejemplo de análisés gramatical integral(...) sobre um texto literario de carácter

muy ediomatico, uma fábula de La Fontaine “ (J. FOUNQUILT, 1994, p.12). Logo, a

sua sintaxe se faz adequada para o tratamento do texto.

A compreensão do modelo teórico proposto pelo lingüista francês implicaria

em se apreender a distinção entre sintaxe estática – aquela proposta pelos nossos

gramáticos tradicionais, por exemplo – e sintaxe dinâmica. A primeira teria por marco

as categorias gramaticais herdadas pela tradição greco-latina à qual estaria

subordinada. Assim, tal sintaxe seria produto da sintaxe dinâmica: aquela

desenvolvida por Tesnière cujo marco são as funções. Desta feita, o objeto de

estudo da sintaxe estática é a ordem linear; o da sintaxe dinâmica é a ordem

estrutural que faculta diferenciar as funções de uma dada estrutura lingüística.

Observa-se o uso do termo transformação pelo estudioso francês; contudo,

diferentemente da lingüística estadunidense, ele postula que a ordem estrutural é de

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várias dimensões, enquanto a linear é de uma única dimensão; logo não há

equivalência unívoca entre essas duas concepções de sintaxe e tampouco entre a

desenvolvida pela lingüística européia e estadunidense. (J. FOUNQUILT, 1994).

Outra diferença significativa entre a lingüística estadunidense e a européia é o

fato de essa sintaxe dinâmica situar-se na zona intermediária em que se articula a

semântica e a sintaxe. Para tanto, busca-se focalizar as relações sintático-

semânticas de modo a dar conta da atividade da fala, privilegiando-se as

concepções do “fala” e do “compreender” o que se “diz” pelo exercício da fala.

(...) <<hablar>> es estabelecer entre lãs palabras um conjunto de conexiones(...) <<Compreender>> aprehender el conjunto de conexiones que unem lãspalabras. (...) hablar uma lengua es transformar el ordem estructural enordem lineal, e compreender una lengua es transformar el ordem lineal enordem estructural. (J. FOUNQUILT, 1994. p. 33-34).

O eixo do modelo de gramática dependencial, fundado na concepção de

sintaxe dinâmica, é a de conexão entre palavras: elementos constitutivos da frase

que, assim focalizados, deixam de ser concebidos como unidades lingüísticas

isoladas, como apresentadas na descrição dos dicionários. Em conexão, as palavras

devem ser compreendidas na/pela relação que estabelecem entre si, de modo que a

frase se explica como conjunto dessas relações. Do ponto de vista da sintaxe

estrutural, a frase é sempre o ponto de chegada e jamais o ponto de partida de um

modelo de descrição, cujo foco é a conexão; entretanto, ela é o lugar, o meio natural

que asseguram a existência da palavra.

Os gramáticos, normalmente, tomam como ponto de partida a noção de

palavra para chegarem à de frase, quando deveriam proceder de modo inverso:

tomar como ponto de partida a de frase para se chegar à noção de palavra: o que o

homem aprende não são palavras, mas conexões: a armação da frase. A conexão é,

portanto, matriz para a expressão do pensamento e, assim sendo, dada a frase

“Alfredo fala” ela é composta por três elementos: “Alfredo”, “fala” e a conexão entre

ambos:

“Cuando digo: Alfredo habla, no quiero decir , por um lado que hay um

hombre que se llama Alfredo e, por outro; que “alguien habla”, seno que “Alfred

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realiza la acción de hablar”, y a la voz, que, “el que habla es, Alfred”. Logo, analisar

tal frase como sendo constituída de dois elementos é centrar-se na dimensão

morfológica da língua e descuidar do que é essencial, ou seja, da conexão, do

vínculo sintático. Por conseguinte, é a conexão que responde pela concepção de

frase, pelo seu caráter orgânico e vivo: um princípio vital. (J. FOUNQUILT, 1994. p.

21-23).

A representação das conexões que respondem pela estruturação da sintaxe

dinâmica é feita por meio de estemas: uma arborescência, não necessariamente

binária, como aquela de Chomsky (O= SN+SV) concebida numa dupla dimensão,

mas focalizada apenas quanto à estrutura profunda. Assim sendo, o estema coloca

em prática um modelo de elaboração teórica bastante diferente daquele proposto

por Chomsky, pois Tesnière redefine o modo de articulação entre morfologia, a

sintaxe e a semântica – para ele, a língua é uma estrutura morfossintático-

semântica. Tal estrutura sempre é subjacente à ordem linear, cujo produto é a frase.

Postula ser necessário estabelecer uma distinção entre o plano do pensamento e o

da língua.

O plano do pensamento se qualifica como abstrato, de ordem psíquica e

lógica, cujas categorias são universais e invariáveis; o plano da língua se qualifica

como formal, de ordem lingüística, cujas categorias são variáveis. Esse plano formal

se apresenta por uma dupla dimensão: uma forma interior, abstrata e uma forma

exterior que implica o investimento fonético. O objeto de estudo da sintaxe dinâmica

é a forma interior, cujo conteúdo é semântico. Assim, forma (sintaxe dinâmica ou

estrutural) e conteúdo são dimensões interdependentes da língua, ou seja, aquelas

inerentes à semântica. Logo, não se dissocia sintaxe de semântica, a não ser por

questões de ordem metodológica:

“(...) Una cosa es la <<estructura>> de uma frase, y otra cosa es la <<idea>>

que expressa y constituye seu sentido. Es impossible, pues, distinguir entre el

<<plano estructural>> y el <<plano semântico>>”. (J. FOUNQUILT, 1994). O sentido

é a razão de ser da estrutura e a estrutura a razão de ser das palavras: papel

essencial, inerente ao funcionamento do sistema sintático-semântico de uma língua.

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Portanto, as palavras são sempre focalizadas em função de um dado uso, de modo

a se compreender por função esse papel, no plano de expressão do pensamento.

Uma síntese destes pressupostos é elaborada por Fuchs e Lê Goffic (1975.

P. 50) pelo seguinte quadro:

A sintaxe dinâmica implica uma revisão das categorias tradicionais ou partes

do discurso que, conforme já apontado, são também avaliados por Tesniére como

heterogêneas, na medida em que elas se definem pela mescla de diferentes

critérios. Esse autor classifica as palavras em plenas – nome; substantivo e adjetivo;

verbo; advérbio e pronomes – e palavras vazias, como as preposições, as

conjunções e os determinantes. Carregados de função semântica, as palavras

plenas têm a função de representar e evocar idéias; as vazias são instrumentos

gramaticais; cuja função é a de indicar, preencher e transformar a categoria das

palavras plenas e regular as relações entre elas. Convém salientar que, em se

tratando das preposições, pertencentes à categoria das palavras vazias, em língua

portuguesa, seu uso apresenta sentidos semânticos concomitantes à uma dada

situação de uso. Como no caso: morrer de frio – estabelece a relação causa e

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conseqüência, em contrapartida, o mesmo sentido não ocorre em: morrer com frio –

neste caso, a causa da morte não está diretamente relacionada à condição de estar

com frio. Desta feita, as preposições, em língua portuguesa, apresentam

considerável carga de significação o que não lhes confere o enquadramento na

categoria das palavras vazias.

Afirma Tesnière que esta definição entre palavras plenas e vazias,

fundamentada pela/na semântica, deve corresponder à distinção entre palavras

constitutivas e palavras subsidiárias, na dimensão estrutural. Uma palavra será

constitutiva quando assumir uma função estrutural e se tornar um “nó”, como por

exemplo, em: O livro de Alfredo, em que as palavras “livro” e “Alfredo” são

constitutivas. Já as palavras “o” e “de” são subdiárias, por assumirem uma função

estrutural e formar um “nó”, pelo fato de aparecerem no interior desse nó, mas não

formarem por si mesmas quaisquer nós. Desta feita, só as palavras plenas

funcionarão como núcleos semânticos; as subdiárias aparecem no interior desses

núcleos, mas o centro estrutural será sempre a palavra constitutiva. Logo, as

palavras subdiárias não têm autonomia. No caso dos pronomes pessoais do caso

reto ou oblíquo, eles são tratados no estema, a partir da concepção de actantes –

pessoas ou coisas que participam do processo designado pelo verbo – da

concepção de anáfora desenvolvida a partir de Tesnière.

A conexão se inscreve na dimensão estrutural e estabelece entre as palavras

relações de dependência, de modo que tais relações respondem pela conexão entre

um termo superior (regente) e um termo inferior (regido); razão por que tais relações

são representadas por uma linha vertical, para explicitar relação dependencial.

Contudo, um termo regido ou subordinado a um regente pode se tornar o regente de

outro, como por exemplo:

Saiu = regente

Amigo = regido, mas regente em relação a “meu”

Meu = regido

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O nó formado pelo termo regente, ao qual todos os outros termos da frase

estão subordinados, é o nó central e este papel é exercido pelo verbo: o nó dos nós

de uma estrutura frasal. Contudo, nada impede que uma frase tenha um

subordinativo ou um adjetivo ou advérbio exercendo o papel de nó – fato este

comum em títulos de livros ou filmes:

1)“bonitinha (A) _ mas _ ordinária” (A)

2)“O tempo (O) _ e_ o vento (O) (cf. Junção , p:)

1. “O crime do Padre Amaro”.

A= Adjetivo

O = substantivo

E = circunstante (advérbio)

I = Verbo

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Observa-se, nos exemplos acima (1 e 2) que Tesnière reconhece o fato de

não ser o verbo, necessariamente, o centro organizador de uma frase e, assim,

rompe com versão tradicional e mesmo com as Gramáticas Gerativistas.

O estema é constituído pelo conjunto de linhas que aponta para a hierarquia

das conexões, facultando visualizar a estrutura da frase. Ele expressa a atividade do

falante e se define como a expressão gráfica da ordem estrutural. Assim, na

descrição de frases simples, o verbo expressa um pequeno drama e, como tal,

“comporta obrigatoriamente um processo e geralmente <<actores>>”. (J.

FOUNQUILT, 1994. p.169).

A transposição dessa representação dramática, em língua, se explica:

Processo = verbo (I)

Atores = actantes (O) – as pessoas ou coisas que participam do processo são

sempre representadas por substantivos ou equivalentes aos pronomes pessoais.

Circunstâncias = circunstantes (E) expressam as diferentes circunstâncias:

tempo, modo, causa... em que o processo se desenvolve (advérbios).

O número de actantes, pessoas ou coisas que participam do processo

expresso pelo verbo, depende da valência do verbo: a) monovalentes – verbos que

regem apenas uma pessoa; b) bivalentes – verbos que regem duas pessoas; c)

trivalentes – verbos que regem três pessoas; d) avalentes - aqueles desprovidos de

actancia por expressar um processo que se desenvolve por si próprio, como é o

caso de acontecimentos meterológicos como chover, nevar, garoar, em que não se

tem atores. Assim, os estemas que descrevem as conexões desses tipos de verbos

são:

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• Avalente = Choveu

• Monovalente = A

• Bivalente = B

• Trivalente = C

A esses estemas, respectivamente Tesnière designa por linear, bifurcado e

trifurcado, e mantém para o primeiro actante, (01), a designação de sujeito; para o

segundo, 02, a de objeto e para o terceiro, (03), complemento de atribuição.

Considera que não se pode pressupor haver oposição entre o actante sujeito e o

actante objeto; pois ambos estão subordinados ao verbo e designam noções

sintáticas bastante claras: o primeiro realiza a ação (01) e o segundo é afetado por

essa mesma ação (02). No caso do actante (03), ele não é afetado pela intervenção

dos outros dois, pois a ação é realizada em seu proveito ou detrimento.

Faz-se necessário ressaltar que para esse gramático não pode haver

estrutura desprovida de função e, assim sendo, o verbo exerce a função de

representar ação referente a um processo - modo de proceder: fugiu, pegar, dar – do

qual participa um, dois, ou três actantes. Observa-se não haver, como na Gramática

Tradicional, hierarquia entre as funções de actante (01), sujeito e actante (02), objeto

e “beneficiado” ou “prejudicado” actante (03). Desta feita, são papéis diferentes que

se explicitam por relações de complementação e não de oposição, de modo que,

quando se opõe sujeito e objeto não se apreende o equilíbrio estrutural da frase.

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Em se tratando dos circunstantes (E), também regidos pelo verbo, não há

para eles um número definido como é caso dos actantes, de modo que um verbo

pode reger vários circunstantes. No estema, os circunstantes são colocados na

mesma posição dos actantes.

Resta observar a concepção de junção e translação, para explicitar a

concepção de frase complexa. A junção e translação realizam-se por juntivos e

translativos, ou seja, por palavras vazias.

A junção refere-se à coordenação entre palavras ou frases e pode responder

por diferentes matrizes semânticas; entretanto os juntivos não equivalem apenas às

chamadas conjunções coordenativas. Dada as frases:

Ou Pedro e João gostam de sorvete. Ou Maria comprou verduras e frutas.

Tem-se “e” como juntivo: palavra cuja função é unir entre si palavras plenas

ao núcleo regente: “verduras e frutas” são núcleos da mesma natureza, entre os

quais se situa o juntivo “e” como marca, sinal de junção entre duas frases:

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(1) Maria comprou verduras.

(2) Maria comprou frutas.1

ou

(1) Pedro gosta de sorvete

(2) João e Pedro gostam de sorvete.

Do apagamento dos termos repetidos em (1) e (2) tem-se, nesse caso, a

marca de junção de duas frases, na dimensão da expressão da fala. Assim, não há

conexão estrutural desprovida de conexão semântica, de sorte que o juntivo é um

sinal que possibilita diferenciar a frase simples da complexa, como no exemplo

acima, ou em:

Maria e José compraram frutas e verduras, cujo estema seria:

A função, portanto, implica conexões entre nós da mesma natureza,

referentes a dois actantes (o sujeito e o objeto), ou entre processos também da

mesma natureza:

Viajar por terra e por mar. (junção entre circunstantes)

1 Observa-se que nossas gramáticas designam “Pedro e João” como sujeito composto = resultado da composição de frases

em uma. Centrado nesse caso, não designam “verduras e frutas” por objeto direto composto, cancelando o sentido de ser a

composição de dois objetos: alvos da ação de Maria.

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Os juntivos2 também podem ocorrer entre termos cujo valor semântico são

contrários entre si, designados por juntivos antinominicos, dialéticos ou justificativos,

que expressam:

a) oposição entre dois contrários (mas);

b) a passagem de uma noção negativa para outra positiva que

arrasta consigo valor semântico de “contrário” ou de “contraditório”, como

em:

2 As diferentes matrizes semânticas dos juntivos não são aqui apresentadas por razão de síntese e em função dodesenvolvimento do tema.

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A translação é também uma operação gramatical que, ao lado da junção e da

conexão dão especificidade à sintaxe estrutural. Ela consiste em transferir uma

palavra plena de uma categoria gramatical em outra categoria: substantivo em

adjetivo, ou vice-versa; substantivo em advérbio, verbo em substantivo, e dessa

troca resulta a mudança de função. Essa operação de translação é representada

pelo símbolo: devendo se observar a seguinte terminologia:

• Transferido - o termo ou categoria focalizada antes da

mudança de categoria: casa, belo, nadar, Pedro, galinha

(=substantivo, adjetivo, verbo, substantivo, substantivo

respectivamente).

• Translativo – termo que designa palavras vazias que

respondem pela translação: em, o, -eza, de;

• Transferendo – o termo ou o transferido focalizado após a

translação, a mudança de categoria: em casa, o belo, a beleza, o

nadar, de Pedro.

Casa = substantivo em = preposição

Belo= adjetivo o = artigo

Transferidos Nadar = verbo Translativos de = preposição

Pedro = substantivo -eza = sufixo

Galinha = substantivo ar = sufixo

em casa

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o belo

Transferendo o nadar

de Pedro

beleza

galinhar

Essas translações são designadas de “primeiro grau”, pois as de segundo

grau remetem-se às chamadas orações subordinadas: o transferido, nesse caso, é

um nó que domina a frase inteira: “Quero que você me aqueça neste inverno e que

tudo mais vá para o inferno”:

Assim “aquecer” e “ir” são verbos que exercem a função de 02 = actante

objeto de querer; logo, funções de substantivos.

Os postulados acima foram explicitados para se poder compreender a

estrutura e o funcionamento dos pronomes – objeto dessa investigação – e para

apontar que, ao contrário da Gramática transformacional, as descrições

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fundamentadas em tais postulados facultam um maior grau de compreensão dos

fatos da linguagem. Esses fatos investem-se de grande grau de complexidade e

apontam que a linguagem não se deixa explicar por modelos da lógica matemática -

precisam ser compreendidos no âmbito da atividade da fala: um exercício que visa a

dar tangibilidade às relações do pensamento pela materialidade da língua. A

complexidade da descrição proposta decorre da própria complexidade da língua

que, por dar forma ao pensamento, assegura a atividade da fala e faculta ao homem

dizer:

(...) no que se refere a su concepcion del plano del pensamiento “abstracciónhecha de toda expressión lingüística”, plano según el “objetivo e consciente “:el en este sentido se opone a Saussure que decía:“no hay ideas prestabelecidas y nada es distinto antes de la aparición de lalengua” – en la relación que plantea entre el plano del pensamiento y el planode la lengua (atividade metal subjetiva e inconsciente. (FUNCHS e LêGOFFIC, 1975 p. 56).

3.4.1.1 Os pronomes pela perspectiva da Gramática D ependencial

Os estudos sobre o pronome pela Teoria de Lucién Tesnière estão propostos,

a partir da sua concepção de morfologia na sua relação com a concepção de sintaxe

dinâmica e com a compreensão da classe dos nomes como palavras plenas,

qualificadas como constitutivas e subdiárias. A esses pressupostos é necessário

acrescentar aqueles referentes à anáfora.

Para Mattoso Câmara Junior (1970), a sintaxe, desde que compreendida pelo

principio da relação se faz extensiva à combinatória de sons ou letras de que

resultam as sílabas e à combinatória de sílabas de que resultam os morfemas,

destes na formação de palavras e destas na formação da frase. Esta mesma

concepção está registrada na Gramática Tradicional Contemporânea.

Tesnière compreende ser esta uma concepção inerente à sintaxe estática e

observa que tal posicionamento submete os estudos sintáticos aos morfológicos.

Considera que a conversão do esquema estrutural, alinear, na ordem linear

estabelecida pelas línguas de caráter sintagmático, como as neolatinas, implica o

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investimento fonomorfológico, por meio do qual a frase se materializa. Essa

materialidade assegura à frase uma forma externa destinado a alcançar os ouvidos

ou os olhos e que não se confunde com o esquema estrutural, tampouco com o

linear, na medida em que tem natureza essencialmente concreta. Essa forma

externa da frase, para o autor, é o objeto de estudo da morfologia; pois o objeto de

estudo da sua forma interna é a sintaxe:

“La sintaxe es, por tanto, bien <<distinta>> de la morfologia: es

<<independente>> de ella. Tiene su propia ley: es <autônoma>>”. (TESNIÈRE,

1990. p. 59). Reconhece que essa sua posição rompe com estudos clássicos,

principalmente os desenvolvidos no século XIX que tivera por parâmetro a fonética e

a morfologia, de modo que os estudos publicados sobre a sintaxe têm, de modo

geral, caráter “sintático-morfológica”. Recorre a Charlles Bally cujos estudos na área

de estilística apontam ser necessário reabilitar as forma interior da linguagem,

fundamentando-se na observação do que ocorre não espírito do sujeito, falante,

quando expressa aquilo que pensa: posição assim assumida por Tesnière:

“(...) cuando hablamos, nuestra intención no es la de encontrar depués um

sentido a una seria de fonemas preexistentes, sin o dar una forma sensible

fácilmente transmisible a un pensamiento preexistente y que es su única

razón de ser. Em otros termos, el telégrafo está para transmitir telegramas,

no los telegramas para hacer funcionar el telegráfo.” (1990. p. 61).

Afirma que por eleger a sintaxe articulada à semântica para o tratamento da

estrutura e funcionamento da língua, torna-se necessário fazer uso de outro termo

diferente de “sentido” para tratar da relação entre o pensamento (= expressando o

que está sendo expresso pela atividade da fala) e o esquema estrutural e o linear,

referentes à dimensão lingüística, por um lado. E, por outro lado, fazer uso do termo

“expressado” para tratar do investimento fonético e, para tratar da morfologia, o

termo selecionado é “marcante morfológico”.

“O termo ‘marcante morfológico’ expressará no y ala relación entre el

expresando y el expresante, sino la relación del expressado com o expressado”. (p.

61). Logo, quando Tesnière faz uso da expressão marcante fonológico estará se

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remetendo à relação entre o expressado, ou seja, o investimento fonológico da frase

e o marcante, o marco do expressando, isto é, do pensamento. Assim,

compreendida, a morfologia trata do estudo desses marcantes ou marcas.

Para o autor é preciso diferenciar os marcantes entre si quanto à:

a) natureza, ou o investimento fonético que os constitui (cf.

secretário, secretária, secretaria e secretariar. p. 86 e 88);

b) a ordem em que ocorrem na cadeia falada – “secretariar”

a reunião: núcleo regente; secretário, secretária e secretaria:

actantes, ou 01, 02, por exemplo;

c) a aderência dos marcantes, compreendida como o grau

de coesão que une entre si aqueles elementos mórficos que o

antecedem ou procedem na cadeia falada. A aderência é a função

inversa da profundidade dos recortes dados na cadeia falada;

assim, dada a frase “O Pássaro fugiu da gaiola”, os recortes

pássaro/ fugiu da gaiola, em que se observa alto grau de aderência

entre o � pássaro e menor grau entre fugiu � de a� gaiola;

d) e conexões desprovidas de maçantes morfológicos como

é o caso de “O pássaro fugiu”, proferida para afirmar que o pássaro

realizou a ação de fugir e que sua fuga o tornou livre. Tal é o caso

das interrogações nucleares, do tipo “O pássaro fugiu?”, em que o

sinal gráfico “?” na língua oral, corresponde a uma entonação que

incide sobre a conexão entre o núcleo regente e o actante a ele

subordinado.

Fugiu

(?)

o pássaro

Trata-se de fatos lingüísticos que não se traduzem no plano morfológico por

quaisquer marcas morfológicas. Observa-se, assim, que Tesnière não considera o

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morfema “zero” de concordância entre o actante sujeito e o verbo e, por isso, afirma

ser este o ponto frágil da sintaxe morfológica ou estética.

3.4.2 Os pronomes e as palavras plenas

Tesnière postula que as palavras plenas expressam diretamente o

pensamento, de modo a se remeterem a idéias gerais e a idéias particulares. As

primeiras designam palavras plenas gerais – expressam as categorias gerais que

facultam apreender idéias particulares, ou seja, têm conteúdo categórico, mas não

um conteúdo semântico que lhes seja próprio: “qualquer um” = categoria:

substantivo (conteúdo categórico, mas não expressam nenhuma idéia particular

(conteúdo semântico). As segundas designam palavras plenas particulares –

expressam idéias particulares, bem como as categorias gerais que facultam

apreender tais idéias; logo, têm um conteúdo semântico e um conteúdo categórico:

cavalo= expressa a idéia de cavalo (+ animal, + mamífero + quadrúpede + herbívoro

+ meio de transporte humano...) e à categoria dos substantivos.

Nesse contexto teórico, palavras plenas gerais podem ser tomadas por

palavras vazias, embora tais palavras – como é o caso daquelas que nossos

gramáticos tradicionais designam por pronomes indefinidos – se qualifiquem como

palavras plenas particulares: expressa, conteúdos semânticos particulares e se

remetem a categorias gerais. Assim, é preciso considerar que palavras plenas

gerais, tais quais as particulares, podem funcionar como centros semânticos de

núcleos:

A gente vai ao cinema.

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Tanto “gente” quanto “cinema” são constitutivas de núcleos, pois se não o

fossem não poderiam constituir o actante (01) e o circunstante (E) do estema acima.

Assim, os pronomes são explicados como elementos da classe dos

substantivos e estes são compreendidos como gerais – aqueles que se remetem as

pessoas, nela inclusa os pronomes pessoais do caso reto e os indefinidos ou

indeterminados, assim como substantivos particulares: Maria, João, gato, cachorro,

por exemplo.

O pronome tem, para Tesnière, um sentido bastante preciso:

a) eles são adjetivos empregados com a função de substantivos e, nessa

acepção. “(...) el pronombre no es más que uno dos multiples casos particulares del

fenômeno más geral de la traslación” (p. 109), por exemplo: Pedro = substantivo

particular, com função de actante (01) ou (02):

Pedro = substantivo geral, com função de adjetivo epíteto (= aquele que

qualifica, determina um substantivo à semelhança de cavalo bravo, para diferenciar

do adjetivo predicativo: o cavalo é bravo):

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O cavalo de Pedro é bravo.

em que “Pedro (O) é transladado da função de substantivo para a de epíteto

(A) da palavra “cavalo”= substantivo. A mudança de categoria, implica mudança de

função: deixa de se comportar como actante; logo: mudança de categoria

(translação) e de função (dinâmica) da dimensão sintático-semântica: outra conexão:

cavalo se torna médio regente “de Pedro” para designar Pedro como possuidor e

cavalo como possuído. Nesse exemplo, a translação atribuída ao adjetivo bravo, se

justifica pelo caráter de epíteto a que esse adjetivo possui. Desta feita, pode-se

afirmar que “bravo” se enquadra na categoria dos cavalos não mansos.

Nesse caso, a palavra transferida mantém as características da categoria a

que pertence, mas deixa de ser morfossintaticamente um substantivo, visto realizar

outra estrutura de frase em que figura como adjetivo – é transladado: O>A,

facultando a economia da sintaxe. Por conseguinte, o valor semântico de “posse”

tanto está materializado em língua portuguesa por esse modelo de translação – “de

Pedro” = dele + seu - quanto pelos chamados pronomes possessivos pelos

gramáticos tradicionais e, nesse sentido, eles integram à categoria dos adjetivos.

Assim sendo, em “meu cavalo”, “teu livro”, “seu lápis”... esses pronomes asseguram

tal conteúdo semântico pelo grau de aderência em que se inscreve o valor

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semântico da relação “possuidor (eu, você, etc.) e possuído (cavalo, livro, lápis),

cujos estemas seriam:

b) eles são autênticos substantivos gerais e, nesse caso, têm gênero e

número gramatical, além de não poderem estar em paralelismo, quer como o

conteúdo semântico do adjetivo ou com a função do epíteto. Esses

substantivos gerais compreendem:

b¹) os substantivos interrogativos: Quem? O quê? – já os interrogativos

“Quando?”, “Como?”, “Onde” integram-se, quanto ao conteúdo semântico e

função sintática à categoria dos circunstantes; já “qual?” (= o qual/ a que?)

“como é?”, a categoria dos adjetivos.

Observa-se que os substantivos interrogativos são bastante

numerosos, de modo que o conteúdo semântico desses substantivos

pronominais são bastante variáveis, bem como suas funções sintáticas:

actantes, adjetivos e circunstantes, como se observa nos estemas abaixo:

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Tais interrogações, designados nucleares, nas suas variações, como se

observa, podem ocupar diferentes núcleos subordinados ou regentes, referentes às

categorias que exercem função substantiva, adjetiva ou de epíteto e de circunstante;

razão por que há grande liberdade para se usar tais substantivos. Há de se

destacar, dentre tais substantivos, aqueles que se referem a noções gerais –

indeterminação e indefinição – que expressam idéias vagas e /ou indeterminadas:

“um homem passou por aqui; qualquer um poderá fazer esse trabalho”

Nesse contexto de reflexões, Tesnière apresenta a seguinte classificação

para os substantivos:

Interrogativos – quem?

negativos – nada, ninguém

Gerais Pessoais – eu, tu...

Indeterminados: qualquer ...

Substantivos

Particulares Comuns ou apelativos – cavalo

Próprios – Alfredo ...

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Identifica como substantivos pessoais: eu, tu, ele... e os designa como

pronomes pessoais propriamente ditos e ressaltam que qualquer análise detalhada

das categorias gerais não é o objeto de estudo da sintaxe estrutural, mas sim da

sintaxe categórica. E, operando como os princípios da extensão e o da

compreensão diferencia substantivos próprios – aqueles cuja extensão é limitada, já

que se aplicam a indivíduos, mas cuja compreensão é mais ampla, visto se

remeterem a indivíduos que têm inúmeras qualidades – dos substantivos comuns.

Esses funcionam para designar tudo que nos rodeia e, muitas vezes, são nomeados

apelativos, cujo inconveniente é de só poderem ser aplicados aos nomes próprios:

Maria, venha cá. Maria, por favor... Aponta que os limites entre substantivos gerais e

particulares perdem a sua linha divisória, pois quanto mais se amplia a extensão e

se limita a compreensão dos substantivos particulares mais se aproxima dos

substantivos gerais e vice- versa, visto que:

Los substantivos próprios, cuya extensión es restringida y su compreensiónilimitada, son opostos a los substantivos generalles, cuya compreensión esrestringida e su extensión ilimitada, mientras que los substantivos comunes,cuya extensión e comprensión son media, se situa entre ambos (p. 112).

Esse mesmo critério classificatório é empregado para classificar os adjetivos

em gerais – indeterminados e indefinidos – e particulares. Contudo, os adjetivos não

têm nenhuma extensão por si mesmos – a idéia de branco, por exemplo, é

independente de sua aplicação em qualquer caso particular. É essa ausência de

extensão que faculta diferenciar o substantivo do adjetivo - branco se aplica ao

homem, quer numa perspectiva física ou não: homem branco, homem de alma

branca, ou às coisas: lápis, cadeira, armário, parede... Assim, a extensionalidade da

idéia a que se remete o adjetivo está delimitada pelo substantivo por ela

determinado. Logo, se a compreensão dos adjetivos tica restrita pela sua

combinatória com o substantivo, não é possível usar os princípios da extensão e o

da compreensão para classificá-los e, por essa razão, Tesnière os classifica em

atributivos e relacionais, tendo por critério a idéia expressa pelo próprio adjetivo. São

atributivos, por exemplo, armário branco, bolsa bonita, e os que expressam idéias de

quantidade: dois armários, quatro bolsas (numerais) ou pouco, muito.

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Os adjetivos de relação se remetem a um substantivo que, por sua vez, se

refere a uma pessoa ou a circunstâncias de tempo e/ou lugar e, por isso, são

classificados em: adjetivos pessoais e adjetivos circunstanciais – os primeiros

evocam a idéia de pessoa; os segundos de circunstâncias (advérbios). Apresentam

abaixo, dois quadros que sintetizam tais classificações:

de qualidade

Adjetivos

atributivos

de quantidade

De relação

Pessoais

Circunstâncias

Observa-se que:

a) adjetivos do tipo cartesiano, machadiano, são do tipo

particular: textos machadianos = aqueles que são de autoria de

Machado;

b) adjetivos que se remetem a quantidade gerais – muito,

pouco, grande, em português são lexicalizados por: b¹) prefixos:

hipermercado, mini mercado, multi livraria, ou por b²) sufixos:

viela, ruela – pequena via ou rua, casarão. b³) por advérbios de

intensidade como: um grande número de (quantidade).

Os adjetivos pessoais seriam:

Meu, teu, seu nosso,

vosso,

seus...(possessivos)

Brasileiro (adj. Pátrios, de

origem, pertença).

Este, esse, aquele...

(demonstrativos)

Homem do posto.

Menino de rua.

Gerais Particulares

Tal (uma tal pessoa)

Igual, semelhante a,

Certo, tão bom...

Branco

Bonito como

...

Muito = em grande

quantidade ou qualidade

Dois

Três

...

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No singular

1ª pessoa

2ª pessoa

3ª pessoa

Meu, minha

Teu, tua

Seu, sua (de ele, de ela)

No plural

1ª pessoa

2ª pessoa

3ª pessoa

Nosso

Vosso

Seus, suas (de eles, de

elas).

Opõe a 1ª e a 2ª pessoa à 3ª que é uma “não pessoa”, ou seja, o que está

ausente do exercício propriamente dito da atividade da fala, mas não do seu

conteúdo temático. Assim, a não pessoa é aquilo ou aquele que se faz conteúdo do

dizer. É por esta razão que a não pessoa, ao contrário das pessoas propriamente

ditas, têm flexão de gênero e de número, nas línguas européias. Nesse sentido,

“eu”, “tu” jamais são empregados no plural, já o “ele” sim.

Tesnière, fundamentando-se nesses estudos, propõe que se considere os

sufixos “-ivo”, de origem latina – “out”, de origem grega (particípio presente do verbo

ser – significa a essência da pessoa), para se diferenciar “pessoa (1ª e 2ª ) da “não

pessoa”(3ª). Desse modo, falar, expressar suas personalidades ou modos de ser – e

por “anotivo” (a= prefixo grego: significa desprovido de, no caso, de personalidade),

a 3ª pessoa, ou “não pessoa” para Benveniste. Contudo, considera ser necessário

focalizar o “outivo” sob duas perspectivas: o “antooutivo” (eu) e o “antiotivo” (tu), na

medida em que, no processo de interlocução, o “eu” toma consciência da pessoa

que ele é, quando aprende a se opor, a se diferenciar do “tu”, ou vice-versa. Nesse

sentido, retoma-se a concepção de pessoa proposta por Dionísio de Trácia e por

Varão que se esforçam para precisar, em suas gramáticas, a concepção de pessoa

por meio da matriz significativa inscrita na forma vocabular “out” e que, anexa a

forma “-ivo”, responde pela sua qualificação do ser humano, que na condição de

sujeito ou de objeto.

Pode-se considerar, como síntese desse produto descritivo, que os

substantivos pessoais, embora de alta freqüência nos usos lingüísticos, não têm

equivalência unívoca com os substantivos propriamente ditos, pois não designam as

pessoas humana – homem ou mulher – no sentido lato do termo, mas sim relação

dos interlocutores com a língua que visam tratar-se da concepção de pessoa

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representada, mas na língua por um ponto de vista gramatical. Nessa acepção,

quando as pessoas que falam focalizam a si mesmas, como fonte das ações

desencadeadas pela linguagem, a representação dessa concepção as leva a se

designarem por “eu”; se ao invés de focalizarem a si mesmos como falantes, mas o

foco incidir sobre aquele com quem se fala, agora, concebendo como fonte de

ações, dessa representação, responde pela designação “tu”. Se, durante o ato de

fala a pessoa focaliza respectivamente a si ou ao outro como alvo de ações, as

designações são “me, mim, te, ti”, em português, precedidas ou não de preposição,

em função da regência verbal: para mim; a mim; para ti; a ti e, no caso de “me” ou

“te”, tem-se aglutinação dessas formas ao verbo, separadas em língua escrita por

hífen: apenas uma questão de convenção: dá-me; dou-te.

Os estudos de Benveniste (1976) sobre esse tema apontam não ser fácil

diferenciar “pessoas gramaticais” de pessoas do discurso: o que fala, aquele com

quem se fala e aquele de que se fala, na medida em que tais pessoas se explicam

pelo princípio da subjetividade. Para esse autor, quando se privilegia tal principio, é

preciso considerar que as estruturas subjetivas, de caráter psicológico, apontam que

os fatos lingüísticos se explicam por correlações binárias e estes se superpõem à

personalidade (sema que é o fundamento da concepção de pessoa) e, portanto à

subjetividade. Assim, é a personalidade que várias línguas do indo europeu com

línguas semitas, dentre outras, apontam ser necessário considerar que os

substantivos pessoais têm a tendência de se converterem a índices pessoais, na

função de 1ª e 2ª ou 3ª actante. Essa conversão em elemento indicial assegura a

sua não manifestação ou materialização no plano da expressão frasal, pois o verbo -

termo regente – assume formas de flexão para assegurar a indiciação de pessoas.

Todavia, na representação estemática, os índices mantêm a posição do actante, por

exemplo:

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Observa-se, no exemplo acima, que a correlação entre aquele que fala e

aquele com quem se fala, inscrita no 1º estema, sob a forma de ordem, marca como

actante (O3) o sujeito do pedido: Eu ordeno a você ; não explicitada na frase

produto. Contudo, o uso do modo imperativo aloca o sujeito com quem se fala = tu

que também não é enunciado (Ø), na condição de beneficiador daquele que fala,

mas a forma “dá” – flexão de 2ª pessoa do modo imperativo – indicia para o usuário

ser o “tu” = você, trata da segunda pessoa e não da primeira. Nessa acepção, em

razão da ordem direta, marco qualificador do português, faz com que “você” ocupe o

módulo de sujeito gramatical: aquele que pratica a ação; mas, nesse caso, trata-se

daquele que deve praticar a ação em benefício daquele que fala, representado pelo

“me” – não como sujeito da fala, mas como beneficiário da segunda frase – não lhe

darei o livro porque eu o perdi – tem-se a razão para o não cumprimento da ordem

dada. O uso do futuro do modo indicativo flexionado na 1ª pessoa faz do “eu” (O1)

índice de pessoa que coincide com o sujeito da fala: o tu, na posição de que detém a

palavra, torna-se “o falante”, mas não para assegurar o benefício dele solicitado,

mas para negá-lo. A comutação entre “me” e “lhe”, não deixam de ser formas

distintas para denominar o sujeito da ordem: mas a primeira faz referência do modo

como o falante designa a si próprio; a segunda ao como ele é designado pelo tu;

logo, ao jogo das relações de interlocução para representar “quem está com a

palavra”, quem fala e quem ouve.

O substantivo pessoal “o” = livro, = ele, a não pessoa, é o tema, o assunto do

processo de interlocução, previsto na lexicalização do verbo, e, substitui a

designação livro para assegurar a não repetição desse substantivo particular.

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Pode-se considerar, nessa perspectiva, que os substantivos pessoais,

concebidos como índices da forma verbal são por ela previstos por estarem

lexicalizados no conteúdo dessas mesmas formas: dar = sujeito (doador) – objeto –

sujeito (donatário; beneficiado ou não). Assim, a frase é o espetáculo constituído

pelo verbo pela inter-relação entre os actantes previstos pelo seu conteúdo

semântico. O investimento lingüístico dessas actâncias apenas desenha o jogo da

interlocução, de modo a fazer referência a ele, por meio da flexão. Esta indicia pelo

modo, pelo tempo (e/ou lugar) os participantes da ação, perspectivizados numa

temporalidade (ou espacialidade) que, inscritas no modo verbal, apontam, indiciam o

“como” está/foi focalizado o acontecimento representado em língua. No caso

exemplificado:

• Modo = imperativo: para qualificar aquele que fala como

alguém que “pode” ordenar ou pedir e aquele que ouve como alguém

que pode ou não cumprir a ordem dada. É índice de modalidade.

• Tempo do pedido = aquele referente ao “aqui e ao agora”,

inscrito ao ato de ordenar, para exigir e não dar ao ouvinte (tu) o poder

de negar. Logo, o próprio tempo da enunciação em que prevalece a

modalidade de ordenação, quando a escolha incide sobre o modo

imperativo. (BECHARA,1997).

• Modo indicativo: para qualificar o dizer daquele que fala

pela sua atitude, no caso, a da “certeza” em não poder cumprir a

ordem a ele dada. Indicia a modalidade da asserção: frase afirmativa.

• Tempo = futuro do presente: para indiciar que o objeto (=

ele = o livro) de que se fala está circunscrito a um acontecimento

ocorrido não passado = aquele que antecede ao momento da

enunciação: perda do livro. Assim, o uso futuro indicia a sua

individualidade com o passado (CELSO CUNHA, 1989) e justifica o

não cumprimento da ordem dada. Assim, esse uso indica não só a

negação do pedido, como informa sobre o não poder cumprir a ordem

dada e aloca o beneficiário na condição de prejudicado.

Desta feita, esses índices verbais são pontos integrantes dos verbos da

língua portuguesa e seus usos não implicam quaisquer dificuldades para os usuários

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se autodenominarem como “ontivos” sob a perspectiva de “autoontivo”, ou para se

oporem uns aos outros, sem deixar de se situarem em relação aos seus outros, na

medida em que se apossam ou passam a palavra uns para os outros. Observa

Tesnière que, por essa razão os índices sempre exercem função anafórica, já que

“anontivo” (a não pessoa) é o ponto que faculta aos interlocutores se auto-

designarem como a auto ou antiontivos. Nesse sentido, a “não pessoa” é o eixo

fundador do investimento lingüístico da actância inscrita no conteúdo da forma

verbal e que equivale ao modo como as pessoas se posicionam no mundo para

estar com outros.

Mas não basta estar com “outros”, é preciso permitir que eles também

estejam comigo, sem o que não é possível ao homem reconhecer a si, em

reconhecendo o outro. Esta é a função do jogo interlocutivo, por meio do qual se

compreende a pessoa, quando se é capaz de diferenciar os interlocutores dos

modos como eles se auto-representam, representando uns aos outros. Por

conseguinte, se os índices pessoais se convertem em desinência verbal é preciso

esforço de compreensão dos recursos lingüísticos para se poder diferenciar o sujeito

gramatical (sujeito aparente) do sujeito ontivo – você na frase “Dá-me o livro” é um

“sujeito aparente”, se considerado em relação àquele que fala, pois é o ouvinte, o

antiontivo, da ordenação. Assim, não se fala em sujeito e sim em sujeitos da

enunciação: falante-ouvinte, ou vice-versa, pois é preciso diferenciar a posição de

antiontivo e antiontivo:

“me” = autoontivo

“você” = antiontivo

“lhe” = antiontivo do você

“eu” = autoontivo = você.

Em relação ao lugar em que o anotivo se encontra: sob a posse do antiontivo

– a ordem é para deslocar ao lugar de onde está para se situar sob a posse de

antioontivo. À conjunção objetiva, materializada em língua pela flexão, inscreve-se

essa complexidade do processo de intersubjetividade, inerente ao jogo da

interlocução que qualifica as práticas discursivas humanas em que será objeto de

estudo do capítulo III, explicitada por alto grau de complexidade por Tesnière.

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3.5 As relações Anafóricas e as relações Dêiticas

A anáfora se define como conexão semântica suplementar à qual não

corresponde qualquer conexão estrutural, visto que a dimensão estrutural e a

semântica são independentes para Tesniére:

...esta independência no es sino uma visión teórica del espíritu. Em lapráctica los dos planos son paralelos de fato, ya que el plano estructural notiene outro objeto que el de hacer possible la expressión del pensamiento, esdecir, del plano semântico. Entre los dos no hay identidad, pero hay“paralelismo. (p. 71-72).

Por conseguinte, esse paralelismo se inscreve nas conexões quando se

conjugam conexões estruturais e semânticas, de modo que a dimensão estrutural

projeta a semântica, ou vice-versa. Para o gramático, a função do núcleo regente, na

dimensão estrutural é dar sustentação à incidência semântica dos elementos a ele

subordinado, devendo-se considerar que “(...) lo estructural y lo semântico no vale

sólo para lãs conexiones, sino también para los centros que estas tiene como

función conectar”. (p. 75). Assim cada nó conexional é também núcleo semântico de

funções e estes, por sua vez, são sintático–semânticas de natureza distintas:

aquelas que duplicam a conexão estrutural e aquela que exerce função semântica

suplementar, por exemplo: Maria carrega a sua própria mala e eu a do seu sobrinho.

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Na sintaxe alinear não há elipse, segundo Tesnière e, assim sendo, é preciso

recuperar todos os apagamentos de itens lexicais que ocorrem na frase-produto.

Apresentam-se no exemplo como frases conjugadas que comportam vários

anafóricos: palavras vazias de conteúdo semântico, quando focalizados nos

dicionários, mas que se convertem em palavras plenas na dimensão do texto, ou de

fragmentos textuais. Por conseguinte, a anáfora não se circunscreve à dimensão da

frase ou da oração, visto ser ela um desdobramento, uma extensionalidade de

sentidos mais globais que rompe com os limites dessas unidades da língua.

• a palavra “sua”, regida por “mala”, institui não só uma

relação semântica de posse do objeto, mas também institui uma

relação com o possuidor – A mala de Maria = a sua mala

• a palavra “própria”, pela sua aderência semântica com

“sua” (mala) = valor do objeto possuído, também é regida por mala,

regida pelo “mídio” “carregar”, cujo papel de carregar é exercido por

Maria. Assim, a relação anafórica de “própria” com “Maria” cancela

qualquer ambigüidade de interpretação, reforçando o sentido de que é

o possuidor da mala.

• o “seu”, regido por “sobrinho” que, por sua vez, é regido

por “mala”, actante objeto do núcleo “carregar”, explicita para o leitor

que o sobrinho é de Maria e não do “eu” = actante, dois que exercem

também o papel de carregar. Logo são duas malas: a de Maria e a do

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seu sobrinho – a primeira, carregada por Maria; a segunda por um

“eu” que, no exercício do seu papel de enunciador também se coloca

na posição de “carregador”, apontado para o leitor “ser colaborador de

Maria”.

Assim sendo, um anafórico pode estabelecer conexões semânticas entre

frases que não estão relacionadas por conexões sintáticas, conforme se apontará no

estema que se segue a esse.

Observa-se que as palavras plenas alocadas no extremo superior das

conexões anafóricas, pelas relações sintáticas, estendem seus valores ou conteúdos

semânticos àqueles a elas subordinadas, de modo que as relações anafóricas

respondem pelo processo de compreensão e asseguram a coerência local do texto.

Nesse sentido, as relações anafóricas são a âncora dos processos de coesão que

têm por ancoragem uma sintaxe dinâmica, na sua indissociabilidade com a

semântica: fundamentos da compreensão.

Considera-se, como resultado desses estudos que os pronomes anafóricos

são demonstrativos, os pessoais (3ª pessoa), os possessivos (adjetivos), os

demonstrativos (circunstantes: aqui, ali, lá...) e os relativos. Embora, como apontado,

os pronomes ditos pessoais do caso reto e oblíquo exerçam função referencial em

relação aos participantes do jogo da interlocução, Tesnière não os diferencia dos

anafóricos, como posteriormente o faz, a lingüística textual. Nesse sentido, convém

salientar que os estudos feitos por esse autor acerca dos aspectos da

referencialidade, serão retomados pela lingüística textual – momento em que tais

conceitos serão mais bem tratados. Convém ainda salientar a importância dos

estudos desse autor nas sistematizações conceituais futuras.

Apresenta-se, abaixo, o estema do texto que se transcreve a seguir, cuja

extensão, embora seja reduzida, não deixa de facultar uma observação mais precisa

das relações anafóricas como suporte imprescindível que explícita os processos de

coesão.

Um bêbado chegou à farmácia e perguntou:

-O senhor tem sal de fruta?

- Tenho. Respondeu o farmacêutico.

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-Então me dá um de manga.

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3.6 Algumas considerações finais

Os estudos realizados sobre os dois modelos de gramáticas descritivas

possibilitam considerar que tanto a Gramática Gerativa quanto a Dependencial

operam com uma concepção de sintaxe que não se reduz à linearidade da frase-

produto, qualificada pela linearidade da fala, pois ambos operam com um modelo de

estruturação que faculta observar a organização do pensamento em língua. O fato

de Chomsky operar com princípios da lógica matemática, em que essa organização

é explicitada por meio de regras, cuja mobilidade é assegurada pelo princípio da

recursividade, possibilita compreender que o modelo, embora constituído por uma

única matriz - aquela do componente sintático - apresenta certo grau de flexibilidade.

Essa flexibilidade, contudo, depende do baixo grau de variação dos

subcomponentes categoriais, subordinados àquele da matriz geradora: SN + SV.

Entretanto, o esquema arbóreo por ele proposto não impede que se faça dele uma

leitura pelas categorias da sintaxe tradicional, substituindo SN + SV por Sujeito +

Predicado; o SN de um SV por Objeto Direto, se o nome do SN estiver precedido de

determinante, que tal determinante possa ser compreendido como artigo ou

pronome demonstrativo, por exemplo. Nesse sentido, tal gramática assegura uma

leitura "científica" da própria gramática tradicional.

Já os estemas propostos por Tesniére superam a divisão lógica da oração

entre sujeito e predicado, ao eleger o verbo - concebido na sua forma

gramatical como dotada de conteúdo: léxis, ou signo lexical, palavra plena, como

elemento central das unidades predicativas que, progressivamente, configuram as

relações sintático-semânticas, para as mais diferentes relações dependenciais dos

constituintes oracionais. Assim procedendo, esses constituintes se entrelaçam

sintático-semanticamente, num movimento de expansão cuja força ordenadora está

situada no núcleo verbal, nominal ou adjetival, tendo o verbo como regente do nome

e o nome como regente do adjetivo, inclusive dos adjetivos determinativos.

Os pronomes não se tipificam como pro-formas ou determinantes do nome

substantivo, como postula Chomsky e os gramáticos normativos, pois como classes

de palavras vazias, eles se tornam palavras plenas por esse entrelaçamento. Como

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palavras plenas eles se qualificam como substitutos ou determinantes dos nomes

aos quais se referem por relações anafóricas e, nessa acepção, eles se explicam

como uma classe léxico-gramatical.

O modelo dependencial assegura a descrição e a compreensão dos pronomes,

conforme postulado por Apolônio, qual seja, uma classe de palavras que se tipifica

pela: a) parassinonimia - está para o nome e com ele tem identidade funcional, mas

não estrutural; b) uma paronimia: está para o nome, sem ser o nome; logo é

contrário a ele; c) é uma semiose, pois o seu conteúdo é aquele do nome, mas esse

nome está em relação ao verbo e, por isso, carrega consigo, tal significação. Assim,

Tésniére dá transparência a essas concepções de pronome, propostas por Apolônio,

gramático grego. Tal concepção se perdeu nos movimentos de recontextualização

da gramática normativa, nas suas mais diferentes fases de construção; mas o seu

resgate se inscreve na proposta de Tesniére.

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CONCLUSÃO

Faz-se, ao final desta Dissertação, uso de habilidades de síntese para discutir

os resultados obtidos por esta investigação e, para tanto, retomam-se os objetivos

específicos que orientaram, por um lado, a investigação sobre o tratamento

dispensado à classe de pronomes, no fluxo do tempo de construção e registro escrito

de conhecimentos gramaticais e, por outro lado, a organização de cada um dos

capítulos do estudo realizado.

O caráter exploratório da investigação realizada foi configurado por um ponto

de vista historiográfico, por se acreditar que tal perspectiva facultaria ao investigador

reinterpretar o tratamento dispensado aos pronomes pelos gramáticos clássicos e

contemporâneos, no contexto de diferentes espacialidades e temporalidades

históricas. Esse olhar digressivo, mobilizado pelo tempo presente em que se situa o

pesquisador, possibilita afirmar que, embora os estudos gramaticais sobre as classes

dos pronomes se qualifiquem por um grau bastante significativo de repetições, nelas

se inscrevam rupturas ou reinterpretações.

A busca por essas rupturas exigiu uma leitura compreensiva de diferentes e

variados registros capazes de facultar uma organização teórico-metodológica que

apontasse os modelos de construção da gramática tradicional contemporânea da

língua portuguesa, bem como aqueles de gramáticas descritivas ou científicas. Tais

modelos orientariam descrições similares ou diferentes da classe pronominal que

poderiam abarcar suas diferentes funções lingüísticas. Tomou-se o pressuposto da

lingüística contemporânea segundo o qual inexiste estrutura desprovida de função, ou

vice-versa, e traçou-se como objetivo geral a busca de tais modelos para assegurar

tratamento adequado aos pronomes: objeto do estudo desta Dissertação.

A revisão dos pronomes pelas matrizes da gramática greco-romana se fez

extensiva ao tempo de produção das primeiras gramáticas da língua portuguesa,

quando da edificação do Estado nacional daquele povo ibérico. Assim, a construção

de gramáticas de línguas nacionais surge como uma necessidade, historicamente

comprovada, de serem as línguas companheiras dos impérios, na medida em que

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elas asseguram a unidade das nações. Esse caráter político – fundamento de uso

prescritivo da norma padrão descrita pelos gramáticos dos mais diferentes tempos –

foi proposto pelos gregos e implicou a oficialização da norma padrão e,

conseqüentemente, da gramática como fundação do ensino. Entretanto, ela fora

concebida pelos gregos como “um meio” para o ensino da leitura de textos escritos e

para se aprender a escrever os textos produzidos pelos seus leitores. (cf. p. 10, 11 e

15).

Nessa perspectiva, os gramáticos gregos, no esforço de compreensão dos

conhecimentos filosóficos que sustentam a concepção de linguagem como matriz

expressiva do pensamento, por meio da língua grega, tomam “a palavra” (lexis), como

âncora da estrutura e funcionamento da língua e a situam na dimensão da “fala”:

aquela inerente a práticas discursivas de produtores de textos literários. Inscrita no

exercício dessa modalidade de fala proficiente, quando as palavras estão em

companhia uma das outras para articular idéias, produzidas pelo pensamento, as

palavras são focalizadas na dimensão do logus pelos gramáticos; razão pela qual até

a Idade Média, os fatos gramaticais se circunscrevem à palavra. (Cf. capítulo II).

Os pronomes, descritos pelo paradigma da flexão e da derivação, quanto à sua

estrutura, e pelos casos, quanto às suas funções, são reconhecidos como palavras

que se remetem às pessoas do discurso: concepção mantida por todos os gramáticos

até os dias atuais. (cf. p. 21,22).

Outro resultado significativo é o fato de se haver descoberto que os pronomes

só se qualificam como elementos léxico-gramaticias – formas desprovidas de

conteúdos semânticos (gramaticais) – que, na dimensão do lógus, ou seja, quando

focalizados em seu funcionamento, tornam-se dotadas de conteúdos (lexis). (cf. p.

20).

O fato de se haver descoberto e estabelecido, na Idade Média, que os nomes

se explicam pelas classes do substantivo e do adjetivo (cf. p. 55 e 56), fez com que

se observasse certa obliteração na distinção entre pronomes que funcionam como: a)

determinantes de nomes substantivos; b) substantivos; c) recurso de retomada de

substantivos já enunciados; d) adjetivos propriamente ditos. Assim, a classificação

proposta por Dionísio de Trácia está fundamentada na distinção entre primitivos e

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derivados, pessoais e bipessoais, sendo os possessivos qualificados como

bipessoais, na medida em que fazem remissão não só à pessoa que fala, mas

também à que se coloca na posição daquele que possui um dado objeto. Desta feita,

os pronomes pessoais, propriamente ditos, são classificados como unipessoais;

entretanto, em usos como “a casa deles”, o pessoal de terceira pessoa deveria ser

classificado como dual á semelhança dos bipessoais; logo, os pronomes de terceira

pessoa poderiam ser tanto primitivos como derivados. (cf. p. 21). Pôde-se assim,

considerar que a concepção de primitivo e derivado não equivale àquela dos dias

atuais, pois a derivação era compreendida pela anteposição do uso do artigo, de

modo que aqueles que exigem tal uso seriam derivados. Esse critério classificatório

leva Dionísio de Trácia a inserir tais pronomes na classe dos artigos: concepção

mantida por longo tempo.

Apolônio, em sua gramática, apresenta uma revisão da classe dos pronomes e

propõe para ela a concepção de palavra que, se por um lado, fez referência às

pessoas do discurso, por outro, é difundida como palavra que substitui o nome –

concepção e definição aceitas ainda hoje por nossos gramáticos contemporâneos.

(cf. p. 24).

Nesse processo de revisão, Apolônio propõe ser necessário considerar os

pronomes por três perspectivas, na medida em que eles se explicam por serem uma

classe de palavras que se qualifica, ao mesmo tempo, como uma paronomásia, uma

semiologiae uma autonomásia. Assim, os pronomes se inscrevem numa relação

indissociável entre o nome e o verbo por meio da qual constroem a sua identidade

como classe diferençada de ambos, razão de eles serem uma paronomásia. Nessa

perspectiva identitária, os pronomes fazem referência, por um lado, aos processos de

nominalização das pessoas do discurso, inscritos no uso da língua, focalizados na

dimensão do logus: expressão de idéias articuladas; razão pela qual asseguram tal

identidade, na extensão da frase, pela flexão de número e pessoa, dada pela

conjugação do verbo. Concepção retomada por Evanildo Bechara, no final do século

XX.

Essa relação e identidade dos pronomes como nome e com o verbo, marcada

por relações referenciais, faz com que eles arrastem consigo significações do nome

na sua relação com o verbo, ou vice-versa. Essas significações, conjugadas nas

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formas pronominais, de modo a se configurar como uma simbiose, fazem com que se

compreenda que o conteúdo das formas pronominais se explique como uma

“semiosis”. Entretanto, não se pode igualar o significado do nome ou do verbo àquele

do pronome, na medida em que esse significado é produto de uma semiosis e, nessa

acepção, embora o pronome substitua o nome e com ele se identifique, ele não é o

nome e tampouco o verbo. Por essa razão, ele se qualifica como “antonomásia”: a

classe de palavras que se identifica com o nome e com o verbo, mas que é contrária

a ambos. (cf. p. 24).

A relação de similaridade entre o pronome e o nome, instituída na sua relação

com o verbo, leva Apolônio a postular que tal relação mercê ser tratada pela “anáfora”

e pela dêixis, na media em que, ao substituir o nome, ele assegura a relação

referencial com as pessoas do discurso, por esses retomados. Assim, os pronomes

apontam a referência já designada pelo nome na sua relação com o verbo – função

dêitica – e, ao mesmo tempo assegura a permansividade de tal referência no

exercício da fala. (cf. p. 23). A pesquisa realizada aponta que essa concepção dos

pronomes, bem como a descrição dessas suas funções é retomada e explicada pela

Gramática Dependencial ou Funcional de Lucièn Tesnière. (cf. cap. III). Logo, esses

estudos de Apolônio se perderam no tempo de construção da Gramática Tradicional

Contemporânea e só foram retomados no século XX, na França.

Essa perda de função dêitica e anafórica dos pronomes parece se dever ao

fato de os gramáticos romanos terem se voltado para a descrição da língua latina,

fundamentada na produção da sua literatura clássica, os romanos se ocuparam em

aprimorar questões referentes à pronúncia das formas escritas, diferenciar a palavra

da oração e rever as classes gramaticais, propostas pelos gregos, reinterpretando-as

por aquelas da língua latina. Procedimento que se manteve nas gramáticas de todas

as línguas.

No que se refere à classe dos pronomes, eles mantêm a concepção dos

gregos, defendendo-a como aquela que substitui os nomes e especifica as partes do

discurso.; contudo, não se detêm em explorar as funções dêitica e anafórica,

proposta por Apolônio. Assim procedendo, se voltam para explorar a classificação,

postulando serem eles ativos e neutros e, por ela,classificam os pronomes usando

como critério a concordância dos pronomes na posição de sujeito (caso nominativo)

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com o verbo e a concordância dos pronomes oblíquos (cf. p. 28 e 29). Aprimora-se a

sistematização do paradigma da flexão, por meio dos casos, diferencia-se a flexão do

nome daquela do verbo, tendo por critérios tempos verbais e os casos, de modo a se

compreender o particípio verbal como palavra que tanto apresenta flexão de casos

como de tempo, ao contrário do advérbio que delas é destituído. Assim procedendo,

os gramáticos latinos elegem os “casos” para a flexão do nome, e o tempo, para a

dos verbos, tomando cada um deles como categoria primária, o que facilita conceber

o pronome como substituto do nome e, em razão do caso genitivo, postular uma

classificação dos pronomes empregados no caso nominativo - pessoais propriamente

ditos – e no caso genitivo, onde funcionam como adjetivo. (cf. p. 28). Esse ponto de

vista, ao dissociar o verbo do nome, possibilita que eles sejam tratados como classes

distintas e facultando uma concepção de pronome que se define por substituir o

nome, por um lado, e que se inscreve na flexão verbal, por outro. Perde-se, a

proposta de Apolônio.

A distinção entre nome substantivo e nome adjetivo, configurada pelos modos

de significar, de forma geral ou determinada, está mais bem sistematizada nos

estudos desenvolvidos na Idade Média, que também facultam o desenvolvimento da

sintaxe, implicando uma retomada da relação entre o nome e o verbo. Tais estudos

facultam revisar a categoria dos determinantes, de sorte a se conceber os artigos e

os numerais como membros dessa classe, bem como os pronomes possessivos, os

demonstrativos, por exemplo, na medida em que funcionam como determinantes do

nome. Ainda que o ensino se mantenha fundamentado nas gramáticas latinas de

Donato e Prisciano, os escolásticos avançam em suas investigações, delineando a

concepção de palavra como forma dotada de significado, produto de seus variados

usos, apreendida na dimensão da fala. Esses estudos possibilitam avanços no

campo da morfologia que só serão incorporados à gramática, quando ela passa a

descrever a sintaxe frasal: fato que só ocorrerá no ano de 1.600. Desta feita, os

avanços no campo dos estudos linguagem, decorrentes da filosofia escolástica, à

semelhança daqueles produzidos pela filosofia grega, apontam que: a produção de

conhecimentos nessa área não são imediatamente transpostos para o campo

gramatical. Tal transposição demanda séculos para poderem estender ou renovar as

descrições herdadas da tradição. Por conseguinte, novos conhecimentos de caráter

filosófico ou científico se qualificam por uma dimensão discursiva que mantém

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relações com o discurso gramatical, mas um não se reduz ao outro; logo a relação

entre o discurso gramatical e o científico se assemelha àquele entre ciência e

tecnologia. Mas para os gregos, a gramática sempre se qualificou como técnica: um

meio para a aprendizagem da língua escrita.

A construção das primeiras gramáticas da língua portuguesa (cf. p. 35 a 40),

edificadas sob essas matrizes da gramática greco-latina, vão implicar adaptações

desses modelos descritivos ao português falado pelos “homens doutos”, membros da

nobreza cortesã. Elas manterão, por um lado, o valor de prescrição para o ensino

dessa norma “douta” ou padrão como matriz da língua oficial do Estado Português e,

por isso, como modelo a ser ensinado àqueles que são membros dessa comunidade

nacional. Fazer-se homem douto é ter domínio desse uso normativo; razão de ser das

chamadas “gramáticas normativas”: aquelas que descrevem tal norma como modelo

de escrita e de fala oficialmente reconhecidas.

A incisão do foco nas classes de palavras, mais especificamente na do nome e

na do verbo, bem como o não desenvolvimento de estudos que facultassem

descrever a relação entre ambos pelos princípios gramaticais, faz com que as

primeiras gramáticas portuguesas se detivessem no tratamento de classes

gramaticais. Esse foco sobre a palavra possibilita que se qualificassem as gramáticas

portuguesas do século XVI como Gramáticas da Palavra, diferenciando-as nas suas

semelhanças políticas. Assim, o caráter político da Gramática de Fernão D’Oliveira

fez com que ele mais se voltasse para as questões de caráter fonético, pois seu

objetivo era diferenciar o “falar português” na sua semelhança com o castelhano, para

assegurar a identidade do novo Estado, por meio de uma língua oficial. Por

conseguinte, sua gramática nada acrescenta à concepção e descrição dos pronomes,

em relação àqueles registrados nas obras de Donato e Prisciano. João de Barros

também não abandona esse ponto de vista político do seu antecessor e, detendo-se

no tratamento da palavra isolada, mantém para o pronome a definição de classe de

palavra que se usa em lugar do nome e, postula haver entre ambos um casamento

perfeito. (cf. p. 39). Mantém para o pronome a classificação de “primitivos e

derivados”, proposta pelos gregos e os descreve pelas categorias dos casos latinos.

Logo, o pronome é tratado apenas na sua relação com o nome, ou seja, a sua

identidade com o verbo fica assegurada pela flexão de pessoa gramatical.

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A síntese, acima apresentada, comprova que as matrizes da gramática da

língua portuguesa se inscrevem no tratamento dispensado aos pronomes pelos

gramáticos greco-latinos. Contudo, a recontextualização dessas matrizes, na linha do

tempo, implicou o abandono de uma concepção de pronome como classe de

palavras, cuja identidade não se constrói fora da relação significativa instituída pelo

nome com o verbo. Ensinou Apolônio que o pronome é a classe de palavra que não

se explica fora da relação existente entre o logus e a lexis: como logus é uma palavra

eminentemente gramatical, destituída de significado; contudo, esse significado é a

ela incorporado, quando nome e verbo são colocados em função e se articulam por

meio de inúmeras relações das quais emergem os significados dos pronomes. É no

espaço dessa articulação, que o pronome se faz lexis: uma forma dotada de

significação; portanto um signo da língua. Por conseguinte, o objetivo proposto para o

desenvolvimento das pesquisas, apresentadas nesse capítulo, foram atingidos.

O segundo capítulo se voltou para o tratamento da gramática da frase e se

estendeu até as gramáticas da língua portuguesa pré e pós-NGB, para melhor

verificar o foco pelo qual os pronomes foram descritos. Não se abandonou a

perspectiva capaz de delinear mudanças de contexto sócio-histórico-cultural, pois são

elas que apontam os modelos de representação da herança recebida dos clássicos.

Tomou-se como ponto de partida a Gramática Philosófica da Língua Portuguesa ou

Princípios da Gramática Geral Applicados à nossa Lingoagem, de Jerônimo Soares

Barbosa e, como ponto de chegada, a Moderna Gramática do Português: 1º e 2º

Graus, de Evanildo Bechara. A leitura dessa primeira gramática de Bechara teve por

parâmetro aquela centrada na “Gramática Escolar”, do mesmo autor, para melhor se

considerar o tratamento dispensado aos pronomes, em diferentes tempos da nossa

modernidade. Nesse tempo, a produção gramatical foi considerada pelos marcos da

NGB e, por isso, classificou-se tal produção como pré e pós-NGB: Nomenclatura

Gramatical Brasileira.

Os resultados a que se chegou sobre o tratamento dispensado aos pronomes

possibilitam apontar que a incorporação dos conhecimentos lingüísticos produzidos

pela filosofia escolástica foram incorporados à gramática de língua portuguesa

apenas no século XVIII. A descrição dos pronomes está circunscrita às palavras

articuladas pela moldura das categorias da frase: o sujeito e o predicado, cujo suporte

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ordenador é o nome na sua relação com o verbo. Nessa perspectiva, os pronomes

pessoais, focalizados por essas categorias, mantêm aquela herdada dos gramáticos

greco-latinos que, por essa perspectiva, registravam que os pronomes pessoais por

exercerem a função de sujeito (caso nominativo) ou de complemento verbal (caso

acusativo ou dativo) se classificavam em pronomes substantivos do caso reto ou do

caso oblíquo, respectivamente. Os do caso oblíquo, por exercerem a função de

complemento de verbos (termos integrantes), ocupavam posição na constituição do

predicado; mas não deixavam de ser substantivos. Assim, eles mantêm sua

identidade com o nome, definindo-se como palavras que os substituem e, por essas

funções que opõem o nome ao verbo, deles se diferenciam, pela posição que

ocupam, tanto quanto o nome, na constituição da estrutura frasal.

No que se refere á dimensão morfológica, os princípios de identidade e de

determinação, transpostos da teoria escolástica para o campo da descrição lingüística

da norma padrão, faculta a observação e descrição da concordância do sujeito com o

verbo. Essa relação de concordância possibilita verificar uma certa retomada do que

fora proposto por Apolônio:o fato de os pronomes se explicarem pela paronomásia -

relação de oposição, modalizada pelo princípio da contrariedade e não da

contradição) - sempre implicando uma semiosis – significação que conjuga num

amalgama, os sentidos do nome na sua relação de contrariedade e não de

contradição com o verbo. Se a relação fosse contraditória, o uso de um deles

excluiria, necessariamente, o uso do outro, impedindo a articulação entre ambos para

assegurar o uso do modelo categoria da oração – sujeito�predicado - que formaliza

a unidade de sentido das frases. Todavia, a complexidade do plano da significação

que se faz extensiva para além dos limites da frase e também pode ultrapassar os

limites do período simples, não é objeto de estudo gramatical, o que dificulta um

tratamento dos pronomes como palavras que fazem remissão às pessoas do

discurso. A frase ou o período composto são sempre fragmentos de textos: produto

de práticas discursivas.

No âmbito da morfologia a relação de identidade com a classe dos nomes é

explicitada pela flexão nominal de número e de gênero e, com a classe do verbo, pela

flexão de modo, tempo e pessoa; contudo, trata-se de pessoa gramatical: aquela que,

por meio da flexão, institui a concordância com o sujeito da oração. Mantém-se,

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portanto, um grau de dissociação entre a significação do nome na sua relação com o

verbo, pois o critério de flexão qualifica-se por um foco que atribui relevo à mudança

de forma do vocábulo nominal e do verbal. Considera-se, portanto, a questão de o

nome exercer a função de sujeito simples ou composto; se composto, a flexão verbal

é plural; se simples – representado por um nome na flexão singular ou na flexão de

plural – o verbo será flexionado no singular ou no plural, respectivamente. Nessa

acepção tanto a função dêitica quanto a anafórica dos pronomes, não se faz objeto

de estudo da gramática da frase.

A concepção, definição e classificação dos pronomes propostas por Soares

Barbosa em relação à morfologia, ainda se faz mais sistematizada quanto à

taxionomia, pois, ao operar com o princípio da determinação, sistematiza também a

regência do nome e do verbo. Assim, em relação à regência nominal, estabelece a

subordinação do adjetivo em relação ao substantivo e, explorando a significação

indireta e direta do nome substantivo e do nome adjetivo, entende que o adjetivo

atributivo tem segmentação indireta e o substantivo tem segmentação direta. Desta

feia, a segmentação direta é aquela do substantivo que exerce a função de sujeito,

mas adverte que só o homem pode ser sujeito de ações. Por conseguinte,

designações que são substitutivos adjetivos – o rei = aquele que reina – trazem

consigo uma “significação confusa”, pois o atributo está lexicalizado na própria forma

nominal substantiva; mas tal qualidade é indireta (cf. p. 55 e 56). Todavia, a distinção

entre o adjetivo e o substantivo, fundidos nos modos de significar, bem como a

função dos mesmos na estruturação da frase, assegura a Soares Barbosa precisar a

classe dos determinantes e situar os pronomes na classe dos substantivos – os do

caso reto e os do caso oblíquo, os indeterminados e os interrogativos – e na classe

dos adjetivos; aqueles que, à semelhança dos artigos e dos numerais exercem a

função de determinantes do nome substantivo, em quaisquer das posições que ele

assume na frase. Assim, os pronomes adjetivos seriam classificados como derivados:

os possessivos, o relativo e os demonstrativos.

Faz-se necessário ressaltar que os pronomes, embora tenham sido

recontextualizados pelos quadros dos conhecimentos produzidos na Idade Média, no

que se refere a um melhor grau de precisão de compreensão do modelo de sua

estruturação formal, como classe de palavra gramatical, no que se refere à sua

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função, na dimensão frasal, ela também se faz mais bem explicitada, quanto à função

dos pronomes substantivos como substitutos do nome e, no que se refere aos

pronomes adjetivos, como determinantes do nome. Contudo, a função dêitica e a

anafórica, proposta por Apolônio, ficam diluídas na exposição dos fatos gramaticais

morfológicos e nos sintáticos descritos esse representante da gramática da frase, em

língua portuguesa. Entretanto, no corpo desses estudos, a questão da referência

dêitica se explicaria pela concepção de que apenas o nome pode ser sujeito do

discurso e não sujeito da frase; pois entre ambos não há uma relação unívoca.

Aquelas referentes à questão anafórica, todavia, não foi explicitada, a não ser na

definição dos pronomes como substitutivos do nome.

O tratamento dado aos pronomes por nossos gramáticos do Século XIX, João

Ribeiro e Júlio Ribeiro, está fundamentado na concepção de linguagem, como

representação do pensamento, e de língua, como fato social. Embora a gramática de

João Ribeiro carregue consigo um ponto de vista histórico – aquele que predominou

na primeira metade desse século – e a de Júlio Ribeiro um foco configurado pelo

ponto de vista científico, modalizado pela teoria da evolução das espécies,

predominante na segunda metade desse mesmo século, o modelo descritivo de

Soares Barbosa é matriz para ambos os gramáticos. Assim, ambos concebem o

pronome como palavra que substitui o nome ou o adjetivo e, em acompanhando o

adjetivo, ele são considerados como adjetivos determinativos. Como substitutos dos

nomes, eles se deixam descrever como pronomes do caso reto ou oblíquo - função

subjetiva e objetiva, respectivamente – como adjetivos determinativos, no que se

refere às suas funções – estas são descritas, à semelhança dos artigos e numerais e

dos próprios adjetivos qualificativos, como adjuntos adnominais. A única observação

se faz é em relação aos pronomes relativos, designados por “adjetivos determinativos

conjuntivos”, visto exercerem a mesma função da conjunção integrante: substituírem

o nome e, assim, exercerem as mesmas funções sintáticas do substantivo. Contudo,

por modalizarem as orações às quais se integram por significações ou sentidos

inerentes à classe dos adjetivo, quais sejam, o de qualificativo do nome que

substituem, as orações por eles iniciadas são classificadas como subordinadas

adjetivas. Mas essas mesmas concepções e classificação estão propostas por

Soares Barbosa. (cf. João e Júlio Ribeiro, p 62-65).

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O deslocar-se para o século XX implicou a busca de um critério para ordenar

os estudos gramaticais, nele desenvolvidos, devido à quantidade de produções de

gramáticas brasileiras elaboradas por estudiosos da área filologia, ainda que todas

elas apresentem a descrição da norma padrão do português em três partes: fonética,

morfologia e sintaxe. Algumas registrando terminologia semelhante àquela de Soares

Barbosa; outras dela se distanciando, mas variando por se privilegiar o critério

semântico para a descrição da sintaxe frasal, principalmente e outras que

apresentavam um padrão terminológico mais uniformizado; contudo com várias

explicações em nota de rodapé. Entretanto, todas mantinham a matriz descritiva

proposta por Soares Barbosa, quer de forma mais implícita, ou mais explícita. A

leitura da Nomenclatura Gramatical Brasileira, voltada para a construção de uma

terminologia comum, favoreceu tal classificação. Posto isso e classificadas tais

produções como pré e pós-NGB, elegeu-se um gramático representativo de cada

uma dessas fases: Carlos Eduardo Pereira, como gramático pré-NGB; Evanildo

Bechara, como gramático pós-NGB. (cf. p. 68-74 e p. 75-78, respectivamente).

Resultado significativo dos estudos de Pereira, decorrente do fato de esse

gramático operar com critérios morfossintático-semânticos para o tratamento dos

pronomes e de outras classes gramaticais, é a percepção de que eles exercem

função dêitica. Operando com o princípio da similaridade, mas sem desconsiderar a

diferença entre nome e pronome, propõe para o estudo dos pronomes a concepção

de posição. Assim, o pronome equivale ao nome substantivo por ele substituído,

devendo-se, contudo, observar o lugar do pronome na constituição da frase, ou seja,

se a posição é de sujeito ou de complemento verbal. O critério da flexão, considerado

na relação sujeito�predicado, contribui para a identificação das funções exercidas

por aqueles do caso reto ou do caso oblíquo e, mesmo para aquelas dos adjetivos

determinativos do nome substantivo, visto que adjetivos determinantes, ou adjetivos

qualificativos, sempre concordam com o nome substantivo e este com o verbo: matriz

do predicado – o que se predica para o nome. Afirma ser necessário diferenciar

sujeito gramatical de sujeito do discurso, na medida em que não há entre eles relação

unívoca, pois a remissão às pessoas do discurso (dêixis) é função do nome

substantivo e não da pessoa gramatical, inscrita na flexão verbal que concorda com o

sujeito gramatical. Institui-se, assim, uma distinção entre pessoa gramatical e pessoa

do discurso que só se fez transparente para o pesquisador pela leitura da Gramática

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Explicativa de Carlos Eduardo Pereira (cf. p. 71). Contudo, não faz referência explícita

a fato de os pronomes exercerem função dêitica e tampouco anafórica; mas, ao

classificar os complementos verbais propõe que se os diferencie em pronomes

oblíquos, quando exercem a função “objetiva” – objeto direto propriamente dito – e

função subjetiva, quando exercem função de complemento partitivo, ou complemento

de relação (cf. p. 66 e 67).

Essa concepção de posição entre pessoas do discurso – a que fala, aquela

com quem se fala e aquela ou aquilo de que se fala – e pessoa gramatical, instituída

pela relação não unívoca entre ambas, exige que se considere, por um lado, a

posição assumida pelo(s) produtor(es) de discursos e pelos modos como ele(s)

é(são) representados, em língua. Trata-se de posições assumidas por aqueles que

falam, no jogo da interlocução. Assim, a posição do sujeito - fonte de ações

desencadeadas por procedimentos no mundo da vida – ou de objeto – alvo das ações

desencadeadas pelo sujeito não podem ser confundidas com sujeito gramatical e

tampouco com os complementos verbais (objeto direto ou indireto). Em Dá-me o livro

tem-se: o sujeito ser o proprietário ou responsável pelo livro que está em poder do tu

– inscrevendo-se num ato de fala, modalizado por quem tem o poder de ordenar.

Esse mesmo sujeito se faz representar pelo pronome oblíquo “me” por se colocar

como alvo da ação designada pelo verbo “receber”. Assim, o “tu”, ao lhe entregar o

livro, não estará praticando ação por ele deliberada, pois agirá para cumprir uma

ordem. Mas, essa questão de sujeito e objeto, deslocada para essa dimensão

discursiva, só poderá ser compreendida e explicitada na dimensão textual e o texto

não é objeto de estudos gramaticais (cf. item 2.1.1).

Evanildo Bechara, gramático representativo da fase pós-NGB, ainda hoje,

mantém seus estudos gramaticais em contínua revisão, por meio de resultados da

produção científica contemporânea. Por esta razão, tomou-se a “Moderna Gramática

do Português: 1º e 2º Graus”, em um confronto com a sua Gramática Escolar: com

exercícios, de 2000. A primeira, mais próxima dos preceitos impostos pela NGB,

qualifica-se pela riqueza de notas de rodapé, ora de caráter crítico, conforme

apontado nas páginas 66 e 67, ora de caráter reflexivo, ora para apresentar ao seu

leitor pontos de vista de outros gramáticos ou de estudiosos da língua que reforçam o

seu. Contudo, no que se refere à classe dos pronomes, esta será redefinida e

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explicada quanto à sua função dêitica e anafórica, apenas na gramática de 2001. (cf.

p. 76-78).

Esse gramático concebe os pronomes como classe de palavras destituída de

conteúdo semântico, na medida em que designam, sem nomear, quando tomadas de

forma isolada; mas elas se revestem dessa carga de conteúdo, quando empregadas

pelo exercício da fala: tempo em que se remete ao modelo de situação e ao contexto

de conhecimentos enciclopédicos arquivados na memória semântica dos usuários.

Trata-se de um tempo em que os elementos pronominais se fazem signos da

dimensão lexical da língua, em situação de uso. Nessa acepção, a relação entre lexis

e logos é reincorporada ao campo dos estudos gramaticais, por meio dessa definição

que só pode ser compreendida por esse pesquisador em razão da investigação de

caráter historiográfico empreendida.

Bechara, ainda, reformula a concepção de pessoa pelo ponto de vista de

Benveniste, diferenciando aquelas que participam efetivamente do jogo da

interlocução, mediada por atividades de fala (1ª. e 2ª) e aquela/aquilo de que se fala

(3ª. pessoa). Qualifica a terceira pessoa como indeterminada, na medida em que ela

apenas aponta para a outra “pessoa” ou “coisa” de que se fala, mas não participa do

jogo da enunciação como pessoa propriamente dita. Para esse gramático, a terceira

pessoa se institui e se faz representar no discurso pela flexão verbal. (cf. p. 77). Em

nota de rodapé, ele aponta para o fato de se poder fazer uso da segunda pessoa no

fluxo das atividades de fala, quer oral ou escrita, de modo impessoalizado (cf. p. 78).

Todavia, na sua descrição sintática do português, não explicita a função anafórica

exercida pelos pronomes, a qual faz referência, mas deixa claro que tal função tal

qual a dêitica é da dimensão discursiva e não da frasal. Entretanto, esse gramático

resgata o ponto de vista de Apolônio e as coloca em foco, embora não os descreva,

quer na dimensão morfológica ou sintática de suas gramáticas. .

Esses resultados apontam que se pôde identificar os diferentes pontos de vista

pelos quais os pronomes têm sido tratados por nossa gramática tradicional

contemporânea. Também se pode considerar como resultado que os padrões

científicos no campo da ciência são incorporados a essa gramática tradicional, por

meio de uma transposição didática que implica a recontextualização de heranças da

tradição e, por isso, não rompe com as mesmas.

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O objetivo do capítulo III focaliza os pronomes pelo ponto de vista científico da

lingüística estrutural e, conforme postulado, pela concepção de seus princípios e

pressupostos teóricos, buscou-se verificar se eles possibilitariam tratamento

diferenciado dos pronomes da língua portuguesa. Aqueles propostos pela Gramática

Gerativo Transformacional – vertente estadunidense do estruturalismo – não

ofereceram resultados que se pudesse considerar relevantes para tratar dos

pronomes pela concepção postulada por Apolônio Díscolo. O fato de esse teórico da

lingüística estrutural privilegiar a sintaxe como matriz fundadora do processo

descritivo do sistema de uma língua natural, dela excluindo a dimensão semântica

que também qualifica tal estrutura, permite concluir que seus estudos atribuem

cientificidade aos fatos descritos pela sintaxe tradicional. Contudo, ao conceber a

sintaxe como estrutura profunda (competência), subjacente à estrutura superficial e

descrevê-la em si e por si, fez com que se compreendesse que as estruturas

sintáticas se explicam por relações alineares, cuja função é estruturar e organizar o

plano da expressão da fala. Esse modelo se qualifica como mentalista, visto

possibilitar compreender como a língua, pela força dos movimentos da linguagem,

ordenam o pensamento em língua.

Tais resultados deslocaram o pesquisador para a leitura compreensiva da

Gramática Dependencial ou Funcional de Lucién Tesniére – vertente européia do

estruturalismo – e nela descobrir o tratamento dispensado aos pronomes, quanto à

sua função anafórica, mas não dêitica. Essa função, em língua escrita, implica o jogo

de interlocução entre autor-leitor, por meio da leitura compreensiva: aquela que

faculta converter um texto-processo em texto produto pelo ato de discursivização,

numa dimensão. Numa outra, o jogo da interlocução no discurso relatado, em língua

escrita, só se explica quando o leitor constrói para si o quadro das relações

interlocutivas para reconhecer a posição daqueles que respondem pelo discurso que

se relata, enquanto representação textual em língua. Mas esta questão merece

investigações para além dos propósitos estabelecidos para esse estudo.

Esse gramático, apesar de pressupor que a língua é uma estrutura

morfossintático-semântica, também a descreve por meio de uma concepção segundo

a qual a sintaxe é alienar; contudo, dinâmica e, nesse aspecto, o seu modelo teórico

tem certo grau de similaridade com aquele da Gramática Gerativo Transformacional,

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mas não pressupõe o uso de regras, cujo caráter recursivo asseguraria o uso de um

mesmo modelo stander; logo não é mecanicista. Também se opõe a gramática

chomskyana, por operar com o verbo, tomando-o como matriz fundadora da frase –

unidade mínima de significação – estrutura por oração (ôes). Assim o verbo é visto

como uma unidade do sistema lingüístico que traz lexicalizado em seu conteúdo o

esquema funcional do nome, ou seja, a actância. (cf. p. 121 e 122). A actância verbal

sempre está representada pelo nome ou pelo pronome pessoal substantivo. No caso

do pronome adjetivo, a sua função é adjetival, mas mesmo assim, faz referência ao

nome. Essa relação referencial, implicando ou não a substituição do nome é descrita

por traços pontilhados, para diferenciar a função anafórica pelo seu caráter

semântico.

É, ainda, significativo o fato de o autor conceber o pronome como palavra

vazia; logo um elemento gramatical; mas que se faz plena de significação pela

relação anafórica, quando se torna palavra plena; portanto um elemento léxico-

gramatical. Contudo, como o nome substantivo está, indissociavelmente, relacionado

ao verbo que traz os esquemas sintáticos nele lexicalizados, a carga semântica dos

pronomes resulta do fato de se retomar o nome e com ele o verbo: Maria viajou. Ela

não voltará jamais. A Maria de que fala o enunciador (1ª. pessoa do discurso) para o

seu leitor (2ª. pessoa do discurso), não é apenas a que ele, o tu, conhece, mas

aquela que viajou para nunca mais voltar; logo, essa é a carga semântica do pronome

“ela”. Ao se estender a análise dependencial para um texto reduzido (cf. p. 119),

faculta considerar como resultado obtido que os pronomes são o suporte dos

processos de coesão textual. Mas essa é uma pesquisa que extrapola os objetivos

propostos para esta Dissertação.

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