os posi(a)tivistas: gênese e devir histórico do apostolado ...· filosofia positiva (1830-1842)
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Os posi(a)tivistas: gnese e devir histrico do Apostolado Positivista do Rio de Janeiro
(1881-1930)
FABIANO BARCELLOS TEIXEIRA
Fundado em 1881, o Apostolado Positivista do Rio de Janeiro congregou e expandiu
intensos debates polticos nacionais at os anos 1930. Liderada por Miguel Lemos e
Raimundo Teixeira Mendes, a instituio tornou-se um centro irradiador de ideias para o
Brasil. O pas precisava modernizar-se, afirmavam. Como ativistas, os mencionados
intelectuais e os seus pares procuravam influenciar a opinio pblica e a tomada de decises
do governo na ento capital federal. Eles buscavam regenerar a sociedade brasileira marcada
pelas chagas da escravido, em um cenrio social excludente para grande parte da populao.
O Apostolado ambicionava um novo ordenamento social para uma possvel evoluo do pas
sempre sob o prisma da doutrina positivista.
Abalizados em uma viso de mundo pr-burguesa e anti-operria, as manifestaes dos
positivistas ortodoxos, reunidos no Apostolado Positivista do Rio de Janeiro (AP-RJ),
expressavam o desejo por sanear o pas, educar o cidado, moralizar a sociedade,
organizar a famlia (SILVA, 2008: 6). Os ortodoxos enfrentavam resistncias sobretudo das
foras oligrquico/latifundirias que buscavam manter a hegemonia poltica e social nos anos
finais do Imprio e na incipiente repblica, poca de intensa atuao do AP-RJ. No Brasil, os
seguidores ortodoxos da doutrina de Augusto Comte, capitaneados por Miguel e Raimundo,
deixaram um legado de ao poltica.
Fundada nos anos 1830 pelo francs Augusto Comte (1798-1857), o positivismo foi
ideologia que expressava a sociedade industrial e a burguesa triunfante na Frana e na Europa
Central. Propagandeava as leis gerais que dizia necessrias ao progresso humano para que
alcanasse a sociedade industrial, apogeu da histria da humanidade. A repblica ditatorial
dirigida pelos sbios seria forma de governo mais evoluda que a teolgica monarquia; os
pequenos Estados de at 3 milhes de habitantes, seriam mais progressivos que as grandes
naes; o militarismo blico, seria incompatvel com a cientificidade e as tendncias altrustas
da humanidade; a escravido moderna, instituio abominvel; a Humanidade deveria evoluir
para uma sociedade internacional altrusta, com base na hierarquia e ordenamento social
ministrado pela burguesia industrial, a suposta grande lder do evolucionismo social histrico.
Doutorando em Histria pelo PPGH da Universidade de Passo Fundo-Rio Grande do Sul; bolsista Capes.
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A doutrina comteana tem razes no movimento intelectual bastante ativo na Frana
setecentista, a Ilustrao. O Iluminismo assinalava o pensamento racional como base para o
progresso da humanidade, criticando fortemente a crena no acaso divino. O progresso
cientfico europeu do incio do sculo 19, decorrente da revoluo industrial, fez com que se
disseminasse a ideia de que o homem pudesse obter completo domnio sobre a natureza. As
ideias positivistas se consolidaram nesse contexto como uma corrente de pensamento tpica
dos setores burgueses ascendentes. Assim, o positivismo evolui durante o perodo de transio
de fins do sculo 18 a princpios do 19 como uma utopia crtico e revolucionria da burguesia
antiabsolutista e antifeudalista, para tornar-se no decorrer dos oitocentos aos nossos dias uma
ideologia conservadora identificada com a ordem industrial burguesa estabelecida, j em um
sentido conservador e contra-revolucionrio, ao se opor s propostas ento nascentes de
reorganizao da sociedades pelas classes trabalhadoras (MESQUITA, 2012: 26-64).
So premissas bsicas da doutrina positivista: o cientificismo, o naturalismo e a rigidez
social; procurava-se definir um objetivo e claro mtodo-modelo de estudo sobre a sociedade,
para se obter uma harmonia social, onde a hierarquia social privilegiaria a burguesia industrial
como setor dirigente da evoluo da histria humana. Seriam as bases para uma sociedade
ideal. Ela seria regida por leis naturais, invariveis e independentes da vontade e da ao
humanas; na vida social, reinaria uma harmonia natural. A sociedade poderia, portanto, ser
epistemologicamente assimilada pela natureza (naturalismo positivista) e ser estudada pelos
mesmos mtodos, evoluo, trajetria (dmarches) e processos empregados pelas cincias da
natureza (LWY: 1994, 17).
As cincias da sociedade, assim como as da natureza, deveriam limitar-se observao
e a explicao causal dos fenmenos, de forma objetiva, neutra, livre de julgamentos de valor
ou ideologias, descartando previamente todas as prenoes e preconceitos. O positivismo
procurava ser uma cincia neutra como as cincias exatas da fsica, da qumica e da
matemtica, que despontaram fortemente no sculo 19, procurava ainda ser imune aos
interesses e paixes, em ltima instncia, pretendia a neutralidade cientfica. Inicialmente o
positivismo era contra o tradicionalismo clerical do Antigo Regime, era contra a ordem
feudal, para a seguir se transformar em uma tese fortemente conservadora, com a vitria da
ordem burguesa e crtica ltima do mundo do trabalho (LWY, 1994: 18-22).
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Augusto Comte
Isidore Auguste Marie Franois Xavier Comte, ou Augusto Comte (1798-1857),
considerado o criador do positivismo, como doutrina cientfica constituda. Por sua
contribuio, tido como um dos pais da sociologia. A teoria estruturada por Comte defendia
que todo saber do mundo fsico advinha de fenmenos positivos (reais) da experincia e
eles seriam os nicos objetivos da epistemologia. Ele sustentava tambm a existncia de um
campo de ao, no qual as ideias se relacionavam de forma exata, lgica e matemtica e que
toda investigao transcendental ou metafsica que no pudesse ser comprovada na
experincia deveria ser desconsiderada. Para ele, as cincias empricas deviam prevalecer
perante as especulaes filosficas idealistas, tambm na anlise da sociedade. Comte buscou
a sntese do conhecimento positivo da primeira metade do sculo 19, especialmente da fsica,
da qumica e da biologia. Seu objetivo era a formulao de uma fsica social (a
sociologia) que reformulasse o quadro social instvel decorrente das novas relaes de
trabalho do capitalismo industrial e do sindicalismo organizado e combativo que germinava
na Europa oitocentista (SGAS, 2004: 02).
Podemos dividir a produo de Augusto Comte em duas etapas: a primeira, marcada
pelo cientificismo e a segunda, marcada pela religiosidade. Na primeira fase, a obra Curso de
filosofia positiva (1830-1842) expe a base da doutrina comteana, cujos alicerces tericos
esto assentados na proposta de trs estados do desenvolvimento humano e do conhecimento:
o teolgico, o metafsico e o positivo. O positivismo era, portanto, viso social evolucionista e
mesmo dialtica, ainda que em sentido mecanicista. Na fase teolgica, o ser humano
compreende o mundo a partir dos fenmenos da natureza conferindo a eles carter divino,
encerrando-se essa fase no monotesmo. Na fase metafsica, a interpretao do mundo
alicerada em conceitos abstratos, ideias e princpios. E na fase positiva o ser humano limita-
se a expor os fenmenos e a fixar as relaes constantes de semelhana e sucesso entre eles.
Nessa fase, as causas e as essncias dos fenmenos so deixadas de lado para se evidenciarem
as leis imutveis que nos regeriam, pois o conhecimento destina-se a organizar e no a
descobrir (SGAS, 2004: 2-3).
Para Comte, o objetivo da filosofia seria a organizao das cincias em seis fases. Na
base da pirmide estaria a matemtica, seguida da astronomia, da fsica, da qumica, da
biologia e, por fim, da sociologia (MESQUITA, 2012: 30-33). Nas cincias de sua poca,
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Auguste Comte destacou-se por seus estudos matemticos. Em Discurso sobre o conjunto do
Positivismo (1848), Comte parte das feies reais do termo positivo para atingir uma
significao moral e social maior, a fim de reorganizar a sociedade, com a supremacia do
amor e da sensibilidade sobre o racionalismo. O pice dessa tese a religio da humanidade.
(SGAS, 2004: 3).
A unidade do conhecimento positivo passa a ser coletiva em busca da fraternidade
universal e da convivncia em comum. A unio entre teoria e experincia seria baseada no
conhecimento das aes repetitivas dos fenmenos e sua previsibilidade cientfica. Assim,
seria possvel o aprimoramento tecnolgico. O estgio positivo corresponderia atividade
fabril (industrial-burguesa) e transformao da natureza em mercadorias, explicando o
domnio da natureza pelo homem. Se entendermos a cincia como a investigao da realidade
fsica, o positivo o objeto e o resultado dessa investigao. Dessa forma, a sociedade
tambm passvel dessa anlise e a fase positiva ser caracterizada pela passagem do poder
poltico para os sbios, que se distinguiriam pelo conhecimento, para ele, separado, como
vimos, de qualquer determinao ideolgica, poltica e social (SGAS, 2004: 3-4).
A segunda etapa dos trabalhos de Comte representada em sua obra Sistema de poltica
positiva (1851-1854), que preconiza a religio da humanidade, cuja liturgia baseada no
catolicismo romano, estabelecida em O catecismo positivista (1852). A essa altura, a doutrina
positivista adquire feio religiosa com credo na cincia. Ele prope toda uma liturgia,
extremamente rgida, para o credo da