os lusíadas - ilha dos amores

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  • 7/25/2019 Os Lusadas - Ilha Dos Amores

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    Simbologia do episdio da Ilha dos Amores (IX,18 X, 143)

    Prof. Lus Arezes Agrupamento de Escolas de Ponte da Barca Pgina 1

    Resumo do episdio

    Depois de vrias dificuldades em Calecute, os Portugueses iniciam a viagem de regresso Ptria.

    Estamos em finais de julho de 1498.

    ento que Vnus decide premiar os corajosos nautas por todo o trabalho e sofrimento que

    haviam tido, Por mares nunca de antes navegados (I, 1). A deusa J trazia de longe no sentido, /

    Pera prmio de quanto mal passaram, / Buscar-lhe algum deleite, algum descanso, / No Reino de

    cristal, lquido e manso (IX, 19). Esse deleite proporcionado com a chegada a uma nsula divina

    (IX, 21) repleta de prazeres. Uma ilha alegre e deleitosa (IX, 54), onde um grupo de Ninfas

    apaixonadas os espera, impacientemente. Mais uma vez, Ferno Veloso quem d o alerta:

    Senhores, caa estranha (disse) esta! (IX, 69).

    O que se passou durante o dia, famintos beijos, mimoso choro, afagos to suaves, risinhos

    alegres, Milhor experiment-lo que julg-lo; / Mas julgue-o quem no pode experiment-lo (IX,

    83). Chega-se mesmo a celebrar a unio entre os homens e aqueles seres divinos, fazendo-se juras de

    eterna companhia,/ Em vida e morte, de honra e alegria(IX, 84).

    Tethys explica, depois, ao seu Vasco da Gama que tudo aquilo o merecido prmio pelos

    trabalhos to longos (IX, 88), referindo as futuras glrias que lhe sero dadas a conhecer. Aps a

    explicao do sentido alegrico da Ilha, o poeta termina, tecendo consideraes sobre a forma de

    alcanar a Fama.

    Ainda na Ilha dos Amores, os nautas so brindados, no canto X, com um banquete oferecido por

    Tethys, durante o qual so profetizadas as conquistas futuras dos Lusitanos no Oriente. Aps uma

    interrupo nas estrofes 8 e 9, para o poeta fazer uma ltima invocao a Calope, prossegue o

    discurso proftico. Vasco da Gama , entretanto, encaminhado por Tethys ao cume de um monte,

    onde lhe mostrada a Mquina do Mundoe a futura dimenso do Imprio Portugus no Oriente.

    Em seguida, d-se o embarque dos marinheiros e a viagem de regresso Ptria, que havia de

    decorrer de forma tranquila: Podeis-vos embarcar, que tendes vento / E mar tranquilo, pera a ptria

    amada (X, 143). E Assi foram cortando o mar sereno, / Com vento sempre manso e nunca irado (X,

    144).

    Leitura simblica

    Todo o episdio, que representa cerca de vinte por cento do poema, tem um carcter alegrico-

    simblico (cf. IX, 89-92). Em primeiro lugar, a ilha , com frequncia, associada a imagens

    paradisacas e considerada em diferentes culturas como a representao de um mundo perfeito,

    separada do restante mundo comum, exigindo a demanda, a aventura e o esforo para l se poder

    chegar.

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    Simbologia do episdio da Ilha dos Amores (IX,18 X, 143)

    Prof. Lus Arezes Agrupamento de Escolas de Ponte da Barca Pgina 2

    Neste episdio, descrita como um locus amoenus(local agradvel, ameno), propcio fruio

    da tranquilidade do esprito, e apresentada como um prmio, bem merecido (IX, 88), que

    representa a glorificao do povo portugus, a quem reconhecido um estatuto de excecionalidade.

    Pelo seu esforo continuado, pela sua persistncia, pela sua fidelidade tarefa de expanso da f

    crist, os Portugueses como que se divinizam (esforo e arte / Divinos os fizeram, sendo humanos IX, 91), adquirindo um estatuto de imortalidade que , afinal, o galardo mximo a que pode aspirar o

    ser humano, ao mesmo tempo que so admitidos viso do cosmos.

    Podemos dizer que a energia criativa do Amor que conduz os Portugueses imortalidade, o

    Amor que deifica homens e humaniza deuses, unindo-os num s ser e fazendo com que entre eles no

    haja mais distino. No se trata de um amor qualquer, mas do Amor desinteressado, do Amor

    ptria, do Amor ao dever, do empenhamento total nas tarefas coletivas, da capacidade de suportar

    todas as dificuldades, todos os sacrifcios. esse Amor que manifestam Gama e os seus homens e que

    permite a tantos libertar-se da "lei da morte", um Amor que o narrador j havia referido na

    Dedicatriaa D. Sebastio: Vereis amor da ptria, no movido / De prmio vil, mas alto e quase

    eterno (I, 10).

    Na Ilha dos Amores, temos a glorificao do peito ilustre lusitano, a vitria da inteligncia e do

    gnio humano e ainda a embriaguez dos vrios sentidos. A Ilha tambm a manifestao da Beleza de

    um mundo ideal, onde todos os que merecem so compensados pelo seu esforo, onde o Amor corre

    livre e no alvo de censuras, um mundo onde, lado a lado, se conjuga o terreno e o divino, o carnal e

    o espiritual. Ela o restabelecimento da Harmonia, de modo que a consagrao e a transfigurao

    mtica dos heris apontam para a recolocao do Amor como centro da Harmonia e do Mundo.

    Assim como nos primrdios bblicos uma mulher fizera Ado ficar sujeito morte, tambm

    agora a inocncia do paraso recuperada atravs da(s) figura(s) feminina(s) que liberta(m) os homens

    da lei da morte. Este regresso ao paraso perdido remete para a questo da autodeterminao

    humana e do orgulho humanista. A deificao dos homens elevados ao estatuto de deuses uma

    ideia adequada ao impulso do Renascimento, que assistiu a um importante avano no domnio do

    planeta por parte do Homem. Neste contexto, muito interessante que o humano Gama tenha

    alcanado, com a posse de Tethys, smbolo do domnio dos mares, aquilo que fora negado a

    Adamastor, um tit semidivino.

    Podemos, igualmente, aproximar a Mquina do Mundo da temtica amorosa. De facto, o Amor

    a fora capaz de corrigir os desacertos e a desarmonia do mundo e, por isso, guiado por Tethys e

    pela fora do Amor para contemplar a Mquina do Mundo, o feliceGama, agora divinizado, ouve o

    convite da deusa: Faz-te merc, baro, a Sapincia / Suprema de, cos olhos corporais, / Veres o que

    no pode a v cincia / Dos errados e mseros mortais (X, 76).

    Comovido / De espanto e desejo (X, 79), Gama contempla aquilo que s aos deuses era

    permitido. Diz-lhe a Deusa: O transunto, reduzido / Em pequeno volume, aqui te dou / Do Mundo

    aos olhos teus, pra que vejas / Por onde vas e irs e o que desejas (X, 79).

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    Simbologia do episdio da Ilha dos Amores (IX,18 X, 143)

    Prof. Lus Arezes Agrupamento de Escolas de Ponte da Barca Pgina 3

    Ao ser elevado acima das categorias do tempo e do espao e ao ser proclamado senhor do

    Saber, alto e profundo, / Que sem princpio e meta limitada (X, 80), o heri recebe a coroao

    mxima. Com esta iniciao ao conhecimento ou Sapincia Suprema do Universo, passa do mundo

    profano, vulgar, para um mundo sagrado.

    A Mquina do Mundo simboliza, portanto, a vitria do conhecimento racional, do pensamento

    ordenado frente ao mundo desarmnico e confuso. Cabe ao homem, por meio de seus esforos, por

    meio do Amor, impor a si e quilo que est em seu redor uma viso ordenada.

    Concluso

    Tal como na Mensagemde Pessoa, tambm nOs Lusadas O mito o nada que tudo. No

    existe, mas tem um poder criador e fecundante, isto , d sentido. De facto, que razo de ser teria a

    existncia se estivesse, irremediavelmente, votada morte e ao desaparecimento?

    Mais uma vez, notria a viso humanista de Cames e a exaltao das capacidades humanas:

    um bicho da terra to pequeno (I, 106) consegue vencer as suas prprias limitaes e ir alm do

    que prometia a fora humana (I, 1).

    Recordo, a propsito, a exortao pedaggica que o pico dirige, no final do canto IX, aos que

    suspiram por imortalizar o seu nome. Fao-o citando Amlia Pinto Pais que reescreveu em prosa os

    referidos versos que apresentam um notvel modelo de perfeio humanista:

    CONSELHOS DO POETA. Por isso, queridos leitores e todos quantos amarem a

    fama, procurai despertar do cio que escraviza, refreai a cobia e a ambio, abandonai o

    vcio da tirania. Essas honrarias vs, o ouro, no do valor a ningum: Milhor merec-

    los sem os ter, / Que possu-los sem os merecer.

    Procurai, sim, ser justos na paz, fazendo leis que no dem aos grandes aquilo que

    dos pequenos; sede valentes na guerra contra os inimigos sarracenos (mouros); se assim

    for, possuireis riquezas e honras merecidas; e tornareis ilustre o Rei que amais, dando-lhe

    bons conselhos ou ajudando-o com as vossas espadas, como fizeram os vossos

    antepassados.

    No preciso fazer coisas impossveis, j que querer poder; se assim fizerdes,

    sereis tambm recebidos nesta Ilha de Vnus1.

    1Amlia Pinto Pais, Os Lusadas em Prosa, Areal Editores, Porto, 19952, p. 69.