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OS LIVRO ILUSTRADO MAIS INTERESSANTE ESTÃO EMPRESTADO UMA LIÇÃO DE SOCIOLINGUÍSTICA Uma Polêmica Muito Interessante PREFÁCIO LIVRO NOMENCLATURA GRAMATICAL BRASILEIRA 50 ANOS DEPOIS Claudio Cezar Henriques [email protected] TERMINOLOGIA E ENSINO Ao dar aula no ensino fundamental e médio, o professor se depara com muitos desafios, e o principal deles é o desafio de seu sonho. Por que dar aula e logo de língua portuguesa? Dizem que temos vocação para sofredores. Pode ser. Na realidade do trabalho docente, entramos em sala para reencontrar nossas razões, cada um a seu jeito, assim como os alunos que olham para o professor e imagi- nam como será aquele convívio que durará dois semestres letivos, às vezes mais. O que é uma aula de língua portuguesa? Basicamente deveria ser um prolongamento do que se passa no mundo real, pois a língua que usamos é nosso chão, somatopsicopneumático... Com a diferen- ça de que o fato de ser uma disciplina integrante do currículo escolar a torna muito mais propícia à autorreflexividade. Pensar a língua portuguesa para se pensar em língua portu- guesa, transitiva e intransitivamente, nas perífrases e nas paráfrases, nos paradoxos da vida. Onde está a língua que o professor apresenta nas suas aulas? De onde vem o que vai mostrar para o aluno? Vem de uma lista, de uma tabela, de um glossário, de um receituário? Ou vem do jornal, da televisão, do futebol, do cinema, dos bares, da mú- sica e da literatura? Vem do palavrão e do elogio? Da declaração de amor ou da declaração de renda? Ó mulher rendeira... essa língua

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OS LIVRO ILUSTRADO MAIS INTERESSANTE ESTÃO

EMPRESTADO

UMA LIÇÃO DE SOCIOLINGUÍSTICA

Uma Polêmica Muito Interessante

PREFÁCIO LIVRO

NOMENCLATURA GRAMATICAL BRASILEIRA

50 ANOS DEPOIS

Claudio Cezar Henriques [email protected]

TERMINOLOGIA E ENSINO

Ao dar aula no ensino fundamental e médio, o professor se

depara com muitos desafios, e o principal deles é o desafio de seu

sonho. Por que dar aula – e logo de língua portuguesa? Dizem que

temos vocação para sofredores. Pode ser. Na realidade do trabalho

docente, entramos em sala para reencontrar nossas razões, cada um a

seu jeito, assim como os alunos que olham para o professor e imagi-

nam como será aquele convívio que durará dois semestres letivos, às

vezes mais.

O que é uma aula de língua portuguesa? Basicamente deveria

ser um prolongamento do que se passa no mundo real, pois a língua

que usamos é nosso chão, somatopsicopneumático... Com a diferen-

ça de que o fato de ser uma disciplina integrante do currículo escolar

a torna muito mais propícia à autorreflexividade.

Pensar a língua portuguesa para se pensar em língua portu-

guesa, transitiva e intransitivamente, nas perífrases e nas paráfrases,

nos paradoxos da vida. Onde está a língua que o professor apresenta

nas suas aulas? De onde vem o que vai mostrar para o aluno? Vem

de uma lista, de uma tabela, de um glossário, de um receituário? Ou

vem do jornal, da televisão, do futebol, do cinema, dos bares, da mú-

sica e da literatura? Vem do palavrão e do elogio? Da declaração de

amor ou da declaração de renda? Ó mulher rendeira... essa língua

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portuguesa! Por que só ensinar a fazer renda? Bom mesmo é namo-

rar.

Todo o prazer do estudo da língua portuguesa faz parte do

passado e cada professor de língua portuguesa. Não imagino que al-

guém tenha escolhido ser professor dessa disciplina sem gostar dela.

O que houve com a vocação que levou cada professor de língua por-

tuguesa a ser (sê-lo - vá lá!)? O tempo foi calando seu prazer? Pro-

gramas engessados, salários indignos, condições precárias, superlo-

tação, desprestígio... Sua Pasárgada da sala de aula ficou sem a aven-

tura da existência...

Estudas a língua portuguesa com os alunos não dói. Faz pen-

sar - exercício que precisa de treinamento, hábito, vontade... pensar

metalinguisticamente, porque a descoberta do entendimento das coi-

sas da língua é alimento do espírito, é inspiração para outras refle-

xões. Esse estudo muito bem podia ficar assim mesmo: cada dia um

texto, uma história, uma notícia, uma data festiva ou triste, uma visi-

ta. Tudo nos serve de desculpa para falar da língua. A propaganda

diz que aquela cerveja desce redondo? Serve. O gol do Flamengo foi

um golaço? Serve. O nome do filme é "A Ordem da Fênix"? Pode

trazer que serve. Quem está na chuva é pra se molhar? Serve. E se

for pra se queimar, como dizia o semifilósofo Vicente Matheus?

Também serve. Sei cantar o hino do colégio? Meu colégio não tem

hino? Vamos fazer um hino pro nosso colégio, ora! É época de ves-

tibular ou de ENEM e temos um formulário pra preencher? Vamos a

ele.

Está tudo em português, mas, mesmo que não tivesse (porque

o shopping Center, o e-mail e a pizza apareceram diante de nós para

se aportuguesarem), não faria mal nenhum. Cada um de nosso alunos

tem o que dizer sobre todas essas coisas, pois elas fazem parte de su-

as vidas corinthianas, salgueirenses, agrícolas ou litorâneas. Um co-

mentário aqui, um encaminhamento ali, vamos indo pelas beiradas

em busca da confraternização linguístico-gramatical, sem traumas

nem rancores.

Tudo isso é gramática pura, em funcionamento. E tudo tem

nome, porque, afinal de contas, se os alunos têm nome, se o profes-

sor tem nome e a escola tem nome, porque o coitado do artigo defi-

nido só vai se chamar "azinho" e o acento circunflexo "chapeuzi-

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nho"? Mas não é preciso uma nomenclatura gramatical sofisticada.

Só se pede que ela seja apenas uma. Como o ser humano, incomple-

ta, imperfeita, carecendo de retoques e de carinhos - só um instru-

mento.

O maior trabalho é pegar os retalhos todos trabalhados em

tantas aulas e fazer uma bela colcha, um painel bonito e expressivo

que se confirma na hora em que o aluno lê um texto (e gosta de ver

que sabe ler), na hora em que o aluno escreve um texto (e gosta de

ler o que escreveu). E até na hora em que ele faz uma prova, dessas

bonitinhas que o governo aplica para dizer que o mérito é dele (mas

só quando a coisa melhora). Desculpe! O mérito é da aula que o pro-

fessor decidiu como ministrar.

A Nomenclatura Gramatical Brasileira feita em 1959 comple-

ta cinquenta anos. Em Portugal, onde havia uma nomenclatura ofici-

al nascida em 1967, já se fez outra, rebatizada, pomposa, com bibli-

ografia em francês, inglês e espanhol. E o Brasil? Qual a parte que

nos cabe nessa Torre de Babel?

Penso nas pessoas, na língua na gramática, nos nomes - tijolo

com tijolo, pau, pedra... caminho.

Rio de Janeiro, julho de 2009.

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O ENSINO DA NORMA CULTA X NORMA POPULAR

Heloisa Cerri Ramos

Um item que está presente no volume ―Por uma vida melhor‖,

da Coleção Viver, Aprender, 2º segmento do Ensino Fundamental,

na seção de Língua Portuguesa, publicada pela Editora Global, está

provocando estranhamento entre professores e não professores. Cor-

responde ao capítulo 1, de Língua Portuguesa, ―Escrever é diferente

de falar‖.

Esse capítulo discute a diferença entre aprender a falar uma

língua e aprender a escrever essa mesma língua. Aprendemos a lin-

guagem oral (informal) desde que nascemos, ouvindo os outros fala-

rem. O ensino para esta modalidade da língua não se dá pela sistema-

tização. Não é necessário ir para a escola para aprender a falar. Já pa-

ra aprender a escrever é preciso que alguém ensine. Intencionalidade

e sistematização são necessárias para o ensino da linguagem escrita .

O capítulo chama a atenção para algumas características da

linguagem escrita e para uma variedade da Língua Portuguesa (exis-

tem inúmeras outras): a norma culta, também conhecida como norma

de prestígio. Pretende defender que cabe à escola ensinar as conven-

ções ortográficas e as características da variedade linguística de pres-

tígio justamente porque isso é valorizado no mundo do trabalho, da

produção científica e da produção cultural. E ainda que o domínio da

norma de prestígio não se dá de um dia para o outro, mas de modo

gradual, constante e pela intensa prática e reflexão sobre seus usos.

Na p. 14, ―A concordância entre as palavras‖, apresenta-se

como as palavras concordam em gênero e número. A seção fala da

importância desse princípio da língua para a atribuição de sentidos,

uma vez que a concordância ajuda a indicar a relação que existe en-

tre determinadas palavras. Exemplifica como isso se dá na norma

culta e mostra que na norma popular pode acontecer de maneira dife-

rente. Assim, a frase: ―Os livros ilustrados mais interessantes estão

emprestados.‖, onde ocorre concordância de todos os elementos que

se relacionam com a palavra central ―livros‖, pode ser dita na varie-

dade popular: ―Os livro ilustrado mais interessante estão empresta-

do‖. Na variedade popular, basta que a palavra ―os‖ esteja no plural

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para indicar mais de um referente. Um falante da Língua Portuguesa,

ao escutar alguém falar ―os livro‖, vai entender que a frase se refere

a mais de um livro. Isso porque a nossa língua admite esta constru-

ção. Não admitiria, no entanto, ―livro os ilustrado‖. Nenhum falante,

escolarizado ou não, falaria assim.

Na p. 15, continua: ―Você pode estar se perguntando: ―Mas

eu posso falar ‗os livro‘?. Claro que pode. Mas fique atento porque,

dependendo da situação, você corre o risco de ser vítima de precon-

ceito linguístico. Muita gente diz o que se deve e o que não se deve

falar e escrever, tomando as regras estabelecidas para a norma culta

como padrão de correção de todas as formas linguísticas. ‖ Aqui o

importante é chamar a atenção para o fato de que a ideia de correto e

incorreto no uso da língua deve ser substituída pela ideia de uso da

língua adequado e inadequado, dependendo da situação comunicati-

va. Como se aprende isso? Observando, analisando, refletindo e pra-

ticando a língua em diferentes situações de comunicação. Quando há

conhecimento das muitas variedades da língua, é possível escolher a

que melhor se encaixa a um contexto comunicativo.

Aprende-se a falar e a escrever a norma de prestígio pratican-

do-a constante e intensamente. Decorar regras ou procurar palavras

no dicionário têm importância para determinadas situações pontuais,

mas não garantem que alguém aprenda a escrever com fluência e

adequação, em diferentes situações comunicativas. É dever da escola

e direito do aluno aprender a escrever, a ler e a falar os diversos gê-

neros textuais que circulam na sociedade em que vivemos.

O mundo contemporâneo exige pessoas capazes de usar a lín-

gua eficientemente para ler, escrever e falar tanto nas relações inter-

pessoais, como no trabalho, nos estudos, nas redes sociais, na defesa

de direitos, nas práticas culturais e até no lazer.

É um direito de todos os cidadãos ter essa formação linguísti-

ca competente. É dever da escola a responsabilidade de promover tal

fomação, especialmente dos profissionais do ensino da alfabetização

e da Língua Portuguesa.

* Os livros da Coleção Viver, Aprender, 2º segmento do En-

sino Fundamental, seção de Língua Portuguesa, publicados pela Edi-

tora Global, têm como fundamento os documentos do Ministério da

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Educação (MEC) para o Ensino Fundamental regular e Educação de

Jovens e Adultos (EJA) e levam em conta as Matrizes que estrutu-

ram as avaliações (ENCCEJA – Exame Nacional de Certificação de

Jovens e Adultos).

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VARIAÇÃO LINGUÍSTICA

Cláudio Bazzoni

Marcos Bagno, professor do Departamento de Linguística da

Universidade Federal de Brasília, começa o artigo ―Os dois lados dos

‘erros de Português‘‖ afirmando que a ―velha doutrina do erro, tão

arraigada em nossa cultura‖, trata de ―uma idealização nebulosa de

correção linguística‖ e que o uso que não está consagrado como

―norma culta‖ (o uso que não está abonado nas gramáticas normati-

vas e nos dicionários) simplesmente ―não existe‖ ou ―não é portu-

guês‖. Sírio Possenti, professor associado no Departamento de Lin-

guística do Instituto de Estudos da Linguagem (IEL-Unicamp), em

seu livro Por que [não] ensinar gramática na escola (2008, 18ª reim-

pressão, Mercado de Letras) afirma que é fundamental considerar a

distinção entre linguística e erro linguístico: ―diferenças linguísticas

não são erros, são apenas construções ou formas que divergem de um

certo padrão‖; ―são erros aquelas construções que não se enquadram

em qualquer das variedades de uma língua.‖

A variação linguística é um fenômeno inerente a todas as lín-

guas vivas. Um falante de português, independentemente de sua es-

colaridade, sabe e usa a língua materna para interagir em várias situ-

ações comunicativas nos grupos sociais com que convive. Por isso o

―correto‖ e o ―errado‖, nas diversas enunciações linguísticas, devem

ser relativizados. Assumindo o ponto de vista da gramática normati-

va, teremos erro em tudo que fugir à variedade que foi eleita como

exemplo de boa linguagem. Assumindo o ponto de vista de uma

gramática descritiva, só teremos erro na ocorrência de formas ou

construções que não fazem parte, de maneira sistemática, de nenhu-

ma das variantes da língua.

Há usos da língua portuguesa, há variedades que, por serem

igualmente um fenômeno sociocultural, são valorizadas de modo di-

ferente pela comunidade de falantes.

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UM LIVRO DIDÁTICO DE PORTUGUÊS QUE ENSINA A

FALAR ERRADO…

QUE EXPLICAÇÕES VÃO DAR SOBRE ISSO?

Mirella Cleto

Um dos volumes da coleção ―Viver, aprender‖, que consta do

PNLD EJA 2011, foi apontado como ―livro que ensina aluno a falar

errado‖, em matéria publicada pelo Portal iG. O que motivou o tra-

tamento foi a presença de três frases no seu capítulo 1. São elas: ―Os

livro ilustrado mais interessante estão emprestado‖; ―Nós pega o

peixe‖, ―Os menino pega o peixe‖. O que elas estariam fazendo em

um livro didático de Português?

Descrevendo como se dá a concordância em uma determinada

variedade da língua: a variedade popular – depois de já ter sido des-

crito como ela ocorre na variedade de prestígio. Em nenhum momen-

to o capítulo se referiu à variedade popular como ―errada‖. Nem po-

deria, visto que a noção de erro, quando se descreve a língua, signifi-

ca algo específico: ―a ocorrência de formas ou construções que não

fazem parte, de maneira sistemática, de nenhuma das variantes de

uma língua‖. As palavras são de Sírio Possenti (professor associado

no Departamento de Linguística da Unicamp), em seu livro Por que

[não] ensinar gramática na escola (2008, 18ª reimpressão, Mercado

de Letras). É ele quem esclarece:

―Uma sequência como ―os menino‖, cuja pronuncia sabemos

ser variável (uzmininu, ozminino, ozmenino etc.), que seria clara-

mente um erro do ponto de vista da gramática normativa, por desres-

peitar a regra de concordância, não é um erro do ponto de vista da

gramática descritiva, porque construções como essa ocorrem siste-

maticamente numa das variedades do português (nessa variedade, a

marca de pluralidade ocorre sistematicamente só no primeiro ele-

mento da sequência – compare-se com ―esses menino‖, ―dois meni-

no‖ etc.). Seriam consideradas erros, ao contrário, sequências como

―essas meninos‖, ‖uma menino‖, ―o meninos‖, ―tu vou‖, que só por

engano ocorreriam com falantes nativos, ou então na fala de estran-

geiros com conhecimento extremamente rudimentar da língua portu-

guesa.‖

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Para os estudiosos da língua, trata-se de um consenso. Porém

é sabido que não é essa a razão da polêmica em torno de um livro de

Português voltado à Educação de Jovens e Adultos. A questão gera-

dora de debate é o fato de existir um valor social agregado aos usos

da língua (e de ser a escola o espaço privilegiado para seu aprendiza-

do, ser o livro didático o recurso convencional para esse fim).

Nas palavras de Marcos Bagno (professor do Departamento

de Linguística da Universidade Federal de Brasília):

―[...] do ponto de vista sociocultural, o ―erro‖ existe, e sua

maior ou menor ―gravidade‖ depende precisamente da distribuição

dos falantes dentro da pirâmide das classes sociais, que é também

uma pirâmide de variedades linguísticas. Quanto mais baixo estiver

um falante na escala social, maior número de ―erros‖ as camadas

mais elevadas atribuirão à sua variedade linguística (e a diversas ou-

tras características sociais dele). O ―erro‖ linguístico, do ponto de

vista sociológico e antropológico, se baseia, portanto, numa avalia-

ção negativa que nada tem de linguística: é uma avaliação estrita-

mente baseada no valor social atribuído ao falante, no seu poder

aquisitivo, no seu grau de escolarização, na sua renda mensal, na sua

origem geográfica, nos postos de comando que lhe são permitidos ou

proibidos, na cor de sua pele, no seu sexo e outros critérios e precon-

ceitos estritamente socioeconômicos e culturais.‖ [...]

[...]

O erro é uma moeda, e como toda moeda, ele tem duas faces:

uma face linguística e uma face sociocultural. Como já disse, do

ponto de vista estritamente linguístico não existe erro na língua, uma

vez que é possível explicar cientificamente toda e qualquer constru-

ção linguística divergente daquela que a norma-padrão tradicional

cobra do falante. Mas, do ponto de vista sociocultural, o erro existe,

sim, e não podemos fingir que não sabemos do peso que ele tem na

vida diária dos falantes.‖ (Fonte: artigo ―Os dois lados dos ‘erros de

Português‘ ‖)

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A coleção buscou aliar essas duas faces. Não desconsiderou a

legitimidade de uma variedade popular, descrevendo-a segundo um

critério intrinsecamente linguístico. Por outro lado, não ocultou as

implicações de seu uso. Escrevem seus autores:

Você pode estar se perguntando: ―Mas eu posso falar ‗os li-

vro‘?‖

―Claro que pode. Mas fique atento porque, dependendo da si-

tuação, você corre o risco de ser vítima de preconceito linguístico.

Muita gente diz o que se deve e o que não se deve falar e escrever,

tomando as regras estabelecidas para a norma culta como padrão de

correção de todas as formas linguísticas. O falante, portanto, tem de

ser capaz de usar a variante adequada da língua para cada ocasião.‖

A liberdade para escolher demanda o conhecimento das pos-

sibilidades. Por isso, com a finalidade de tornar o funcionamento da

variedade urbana de prestígio mais familiar ao aprendiz – jovem ou

adulto –,foram propostos no capítulo que abriga essa discussão exer-

cícios relativos à aquisição da língua escrita e da variedade social-

mente prestigiada. É só consultar.

Por fim, o capítulo segue o está estabelecido no Edital PNLD

EJA 2011, p. 45, sobre o trabalho com a oralidade:

―A linguagem oral, que o aluno chega à escola dominando sa-

tisfatoriamente, no que diz respeito a demandas de seu convívio so-

cial imediato, é o instrumento por meio do qual se efetivam tanto a

interação educador-aluno quanto o processo de ensino-

aprendizagem. Será com o apoio dessa experiência prévia que o

aprendiz não só desvendará o funcionamento da língua escrita como

estenderá o domínio da fala para novas situações e contextos, inclu-

sive no que diz respeito a situações escolares como as exposições

orais e os seminários.‖

Na mesma página, sobre o trabalho com os conhecimentos

linguísticos, o Edital recomenda ―considerar e respeitar as variedades

regionais e sociais da língua, promovendo o estudo das normas urba-

nas de prestígio neste contexto sociolinguístico‖.

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SECADI-MEC ESCLARECE

Confira a nota da Secretaria de Educação Continuada, Alfa-

betização e Diversidade (Secadi-MEC)

Por admin em 13 de maio de 2011

A Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diver-

sidade do Ministério da Educação (Secadi-MEC) divulgou nota de

esclarecimento a respeito do ensino de variações linguísticas do idi-

oma em escolas. Confira a íntegra:

Lidar com as diferenças é uma das maiores dificuldades do

ser humano. Ao se descobrir a diversidade, em muitas ocasiões, ma-

nifesta-se a tensão, a intolerância e, principalmente, o preconceito,

que se define como uma postura negativa, sem fundamentos, para

com as diferenças manifestadas nas várias dimensões da vida huma-

na. Uma forma de preconceito particularmente sutil é a que se volta

contra a identidade linguística do indivíduo e que, mesmo sendo

combatido, no Brasil, por estudiosos da sociolinguística continua a

ser relevado pela sociedade em geral, inclusive na escola.

O reconhecimento da variação linguística é condição neces-

sária para que os professores compreendam o seu papel de formar

cidadãos capazes de usar a língua com flexibilidade, de acordo com

as exigências da vida e da sociedade. Isso só pode ser feito mediante

a explicitação da realidade na sala de aula.

Todas as línguas mudam com o passar do tempo e variam

geográfica e socialmente. A respeito da língua, dois fatos devem ser

levados em conta: a) não existe nenhuma sociedade na qual todos

falem da mesma forma; b) a variedade linguística é o reflexo da va-

riedade social e, como em todas as sociedades existe alguma dife-

rença de status, essas diferenças se refletem na língua.

5 comentários para “Secadi-MEC esclarece”

1. acaoeducativa

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17 de maio de 2011 às 18:29 | Permalink

Uma frase retirada da obra Por uma vida melhor, cuja respon-

sabilidade pedagógica é da Ação Educativa, vem gerando enorme

repercussão na mídia. A obra é destinada à Educação de

Nota Pública: Livro para adultos não ensina erros

Jovens e Adultos, modalidade que, pela primeira vez neste

ano, teve a oportunidade de receber livros do Programa Nacional do

Livro Didático. Por meio dele, o Ministério da Educação promove a

avaliação de dezenas de obras apresentadas por editoras, submete-as

à avaliação de especialistas e depois oferece as aprovadas para que

secretarias de educação e professores façam suas escolhas.

O trecho que gerou tantas polêmicas faz parte do capítulo

―Escrever é diferente de falar‖. No tópico denominado ―concordân-

cia entre palavras‖, os autores discutem a existência de variedades do

português falado que admitem que substantivo e adjetivo não sejam

flexionados para concordar com um artigo no plural. Na mesma pá-

gina, os autores completam a explanação: ―na norma culta, o verbo

concorda, ao mesmo tempo, em número (singular – plural) e em pes-

soa (1ª –2ª – 3ª) com o ser envolvido na ação que ele indica‖. Afir-

mam também: ―a norma culta existe tanto na linguagem escrita como

na oral, ou seja, quando escrevemos um bilhete a um amigo, pode-

mos ser informais, porém, quando escrevemos um requerimento, por

exemplo, devemos ser formais, utilizando a norma culta‖.

Pode-se constatar, portanto, que os autores não estão se fur-

tando a ensinar a norma culta, apenas indicam que existem outras va-

riedades diferentes dessa. A abordagem é adequada, pois diversos

especialistas em ensino de língua, assim como as orientações oficiais

para a área, afirmam que tomar consciência da variante linguística

que se usa e entender como a sociedade valoriza desigualmente as

diferentes variantes pode ajudar na apropriação da norma culta. Uma

escola democrática deve ensinar as regras gramaticais a todos os alu-

nos sem menosprezar a cultura em que estão inseridos e sem destituir

a língua que falam de sua gramática, ainda que esta não esteja codi-

ficada por escrito nem seja socialmente prestigiada. Defendemos a

abordagem da obra por considerar que cabe à escola ensinar regras,

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mas sua função mais nobre é disseminar conhecimentos científicos e

senso crítico, para que as pessoas possam saber por que e quando

usá-las.

Nota Pública: Livro para adultos não ensina erros

O debate público é fundamental para promover a qualidade e

equidade na educação. É preciso, entretanto, tomar cuidado com a

divulgação de matérias com intuitos políticos pouco educativos e

afirmações desrespeitosas em relação aos educadores. A Ação Edu-

cativa está disposta a promover um debate qualificado que possa efe-

tivamente resultar em democratização da educação e da cultura. Vale

lembrar que polêmicas como essa ocupam a imprensa desde que o

Modernismo brasileiro em 1922 incorporou a linguagem popular à

literatura. Felizmente, desde então, o país mudou bastante. Muitas

pessoas tem consciência de que não se deve discriminar ninguém pe-

la forma como fala ou pelo lugar de onde veio. Tais mudanças são

possíveis, sem dúvida, porque cada vez mais brasileiros podem ir à

escola tanto para aprender regras como parar desenvolver o senso

crítico.

Fonte:

http://www.acaoeducativa.org.br/portal/index.php?option=com_cont

ent&task=view&id=2604&Itemid=2

2. acaoeducativa

17 de maio de 2011 às 18:27 | Permalink

Nota Pública: Livro para adultos não ensina erros

(…) O debate público é fundamental para promover a quali-

dade e equidade na educação. É preciso, entretanto, tomar cuidado

com a divulgação de matérias com intuitos políticos pouco educati-

vos e afirmações desrespeitosas em relação aos educadores. A Ação

Educativa está disposta a promover um debate qualificado que possa

efetivamente resultar em democratização da educação e da cultura.

Vale lembrar que polêmicas como essa ocupam a imprensa desde

que o Modernismo brasileiro em 1922 incorporou a linguagem popu-

Page 15: OS LIVRO ILUSTRADO MAIS INTERESSANTE ESTÃO …linguagemnaciencia.weebly.com/uploads/3/0/9/3/30933555/os_livro... · Tudo isso é gramática pura, em funcionamento. E tudo tem nome,

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lar à literatura. Felizmente, desde então, o país mudou bastante. Mui-

tas pessoas tem consciência de que não se deve discriminar ninguém

pela forma como fala ou pelo lugar de onde veio. Tais mudanças são

possíveis, sem dúvida, porque cada vez mais brasileiros podem ir à

escola tanto para aprender regras como parar desenvolver o senso

crítico.(…)

Fonte:

http://www.acaoeducativa.org.br/portal/index.php?option=com_cont

ent&task=view&id=2604&Itemid=2

3. acaoeducativa

17 de maio de 2011 às 18:24 | Permalink

Uma frase retirada da obra Por uma vida melhor, cuja respon-

sabilidade pedagógica é da Ação Educativa, vem gerando enorme

repercussão na mídia. A obra é destinada à Educação de

Nota Pública: Livro para adultos não ensina erros

Jovens e Adultos, modalidade que, pela primeira vez neste

ano, teve a oportunidade de receber livros do Programa Nacional do

Livro Didático. Por meio dele, o Ministério da Educação promove a

avaliação de dezenas de obras apresentadas por editoras, submete-as

à avaliação de especialistas e depois oferece as aprovadas para que

secretarias de educação e professores façam suas escolhas.

O trecho que gerou tantas polêmicas faz parte do capítulo

―Escrever é diferente de falar‖. No tópico denominado ―concordân-

cia entre palavras‖, os autores discutem a existência de variedades do

português falado que admitem que substantivo e adjetivo não sejam

flexionados para concordar com um artigo no plural. Na mesma pá-

gina, os autores completam a explanação: ―na norma culta, o verbo

concorda, ao mesmo tempo, em número (singular – plural) e em pes-

soa (1ª –2ª – 3ª) com o ser envolvido na ação que ele indica‖. Afir-

mam também: ―a norma culta existe tanto na linguagem escrita como

na oral, ou seja, quando escrevemos um bilhete a um amigo, pode-

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mos ser informais, porém, quando escrevemos um requerimento, por

exemplo, devemos ser formais, utilizando a norma culta‖.

Pode-se constatar, portanto, que os autores não estão se fur-

tando a ensinar a norma culta, apenas indicam que existem outras va-

riedades diferentes dessa. A abordagem é adequada, pois diversos

especialistas em ensino de língua, assim como as orientações oficiais

para a área, afirmam que tomar consciência da variante linguística

que se usa e entender como a sociedade valoriza desigualmente as

diferentes variantes pode ajudar na apropriação da norma culta. Uma

escola democrática deve ensinar as regras gramaticais a todos os alu-

nos sem menosprezar a cultura em que estão inseridos e sem destituir

a língua que falam de sua gramática, ainda que esta não esteja codi-

ficada por escrito nem seja socialmente prestigiada. Defendemos a

abordagem da obra por considerar que cabe à escola ensinar regras,

mas sua função mais nobre é disseminar conhecimentos científicos e

senso crítico, para que as pessoas possam saber por que e quando

usá-las.

O debate público é fundamental para promover a qualidade e

equidade na educação. É preciso, entretanto, tomar cuidado com a

divulgação de matérias com intuitos políticos pouco educativos e

afirmações desrespeitosas em relação aos educadores. A Ação Edu-

cativa está disposta a promover um debate qualificado que possa efe-

tivamente resultar em democratização da educação e da cultura. Vale

lembrar que polêmicas como essa ocupam a imprensa desde que o

Modernismo brasileiro em 1922 incorporou a linguagem popular à

literatura. Felizmente, desde então, o país mudou bastante. Muitas

pessoas tem consciência de que não se deve discriminar ninguém pe-

la forma como fala ou pelo lugar de onde veio. Tais mudanças são

possíveis, sem dúvida, porque cada vez mais brasileiros podem ir à

escola tanto para aprender regras como parar desenvolver o senso

crítico.

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ACEITAM TUDO

Sírio Possenti

De vez em quando, alguém diz que linguistas ―aceitam‖ tudo

(isto é, que acham certa qualquer construção). Um comentário seme-

lhante foi postado na semana passada. Achei que seria uma boa opor-

tunidade para tentar esclarecer de novo o que fazem os linguistas.

Mas a razão para tentar ser claro não tem mais a ver apenas

com aquele comentário. Surgiu uma celeuma causada por notas, co-

mentários, entrevistas etc. a propósito de um livro de português que

o MEC aprovou e que ensinaria que é certo dizer Os livro. Pergunta-

do no espaço dos comentários, quando fiquei sabendo da questão,

disse que não acreditava na matéria do IG, primeira fonte do debate.

Depois tive acesso à indigitada página, no mesmo IG, e constatei que

todos os que a leram a leram errado. Mas aposto que muitos a co-

mentaram sem ler.

Vou tratar do tal ―aceitam tudo‖, que vale também para o caso

do livro.

Primeiro: duvido que alguém encontre esta afirmação em

qualquer texto de linguística. É uma avaliação simplificada, na ver-

dade, um simulacro, da posição dos linguistas em relação a um dos

tópicos de seus estudos - a questão da variação ou da diversidade in-

terna de qualquer língua. Vale a pena insistir: de qualquer língua.

Segundo: ―aceitar‖ é um termo completamente sem sentido

quando se trata de pesquisa. Imaginem o ridículo que seria perguntar

a um químico se ele aceita que o oxigênio queime, a um físico se

aceita a gravitação ou a fissão, a um ornitólogo se ele aceita que um

tucano tenha bico tão desproporcional, a um botânico se ele aceita o

cheiro da jaca, ou mesmo a um linguista se ele aceita que o inglês

não tenha gênero nem subjuntivo e que o latim não tivesse artigo de-

finido.

Não só não se pergunta se eles ―aceitam‖, como também não

se pergunta se isso tudo está certo. Como se sabe, houve época em

que dizer que a Terra gira ao redor do sol dava fogueira. Sem-

melweis foi escorraçado pelos médicos que mandavam em Viena

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porque disse que todos deveriam lavar as mãos antes de certos pro-

cedimentos (por exemplo, quem viesse de uma autópsia e fosse veri-

ficar o grau de dilatação de uma parturiente). Não faltou quem dis-

sesse ―quem é ele para mandar a gente lavar as mãos?‖

Ou seja: não se trata de aceitar ou de não aceitar nem de achar

ou de não achar correto que as pessoas digam os livro. Acabo de sair

de uma fila de supermercado e ouvi duas lata, dez real, três quilo a

dar com pau. Eu deveria mandar esses consumidores calar a boca?

Ora! Estávamos num caixa de supermercado, todos de bermuda e

chinelo! Não era um congresso científico, nem um julgamento do

Supremo!

Um linguista simplesmente ―anota‖ os dados e tenta encontrar

uma regra, isto é, uma regularidade, uma lei (não uma ordem, um

mandato).

O caso é manjado: nesta variedade do português, só há marca

de plural no elemento que precede o nome – artigo ou numeral (os

livro, duas lata, dez real, três quilo). Se houver mais de dois elemen-

tos, a complexidade pode ser maior (meus dez livro, os meus livro

verde etc.). O nome permanece invariável. O lingüista vê isso, cons-

tata isso. Não só na fila do supermercado, mas também em docu-

mentos da Torre do Tombo anteriores a Camões. Portanto, mesmo na

língua escrita dos sábios de antanho.

O lingüista também constata the books no inglês, isto é, que

não há marca de plural no artigo, só no nome, como se o inglês fosse

uma espécie de avesso do português informal ou popular. O lingüista

aceita isso? Ora, ele não tem alternativa! É um dado, é um fato, co-

mo a combustão, a gravitação, o bico do tucano ou as marés. O lin-

güista diz que a escola deve ensinar formas como os livro? Esse é

outro departamento, ao qual volto logo.

Faço uma digressão para dar um exemplo de regra, porque sei

que é um conceito problemático. Se dizemos ―as cargas‖, a primeira

sílaba desta sequência é ―as‖. O ―s‖ final é surdo (as cordas vocais

não vibram para produzir o ―s‖). Se dizemos ‗as gatas‖, a primeira

sílaba é a ―mesma‖, mas nós pronunciamos ―az‖ – com as cordas vo-

cais vibrando para produzir o ―z‖. Por que dizemos um ―z‖ neste ca-

so? Porque a primeira consoante de ―gatas‖ é sonora, e, por isso, a

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consoante que a antecede também se sonoriza. Não acredita? Vá a

um laboratório e faça um teste. Ou, o que é mais barato, ponha os

dedos na sua garganta, diga ―as gatas‖ e perceberá a vibração. Tem

mais: se dizemos ―as asas‖, não só dizemos um ―z‖ no final de ―as‖,

como também reordenamos as sílabas: dizemos as.ga.tas e as.ca.sas,

mas dizemos a.sa.sas (―as‖ se dividiu, porque o ―a‖ da palavra se-

guinte puxou o ―s/z‖ para si). Dividimos ―asas‖ em ―a.sas‖, mas di-

vidimos ―as asas‖ em a.sa.sas.

Volto ao tema do lingüista que aceitaria tudo! Para quem só

teve aula de certo / errado e acha que isso é tudo, especialmente se

não tiver nenhuma formação histórica que lhe permitiria saber que o

certo de agora pode ter sido o errado de antes, pode ser difícil enten-

der que o trabalho do lingüista é completamente diferente do traba-

lho do professor de português.

Não ―aceitar‖ construções como as acima mencionadas ou

mesmo algumas mais ―chocantes‖ é, para um lingüista, o que seria

para um botânico não ―aceitar‖ uma gramínea. O que não significa

que o botânico paste.

Proponho o seguinte experimento mental: suponha que um

descendente seu nasça no ano 2500. Suponha que o português culto

de então inclua formas como ―A casa que eu moro nela mais os dois

armário vale 300 cabral‖ (acho que não será o caso, mas é só um

experimento). Seu descendente nunca saberá que fala uma língua er-

rada. Saberá, talvez (se estudar mais do que você), que um ancestral

dele falava formas arcaicas do português, como 300 cabrais.

Outro tema: o linguista diz que a escola deve ensinar a dizer

Os livro? Não. Nenhum linguista propõe isso em lugar nenhum (de-

safio os que têm opinião contrária a fornecer uma referência). Aliás,

isso não foi dito no tal livro, embora todos os comentaristas digam

que leram isso.

O lingüista não propõe isso por duas razões: a) as pessoas já

sabem falar os livro, não precisam ser ensinadas (observe-se que

ninguém fala o livros, o que não é banal); b) ele acha – e nisso tem

razão – que é mais fácil que alguém aprenda os livros se lhe dizem

que há duas formas de falar do que se lhe dizem que ele é burro e

não sabe nem falar, que fala tudo errado. Há muitos relatos de expe-

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riências bem sucedidas porque adotaram uma postura diferente em

relação à fala dos alunos.

Enfim, cada campo tem seus Bolsonaros. Merecidos ou não.

PS 1 – todos os comentaristas (colunistas de jornais, de blogs

e de TVs) que eu ouvi leram errado uma página (sim, era só UMA

página!) do livro que deu origem à celeuma na semana passada. Mi-

nha pergunta é: se eles defendem a língua culta como meio de comu-

nicação, como explicam que leram tão mal um texto escrito em lín-

gua culta? É no teste PISA que o Brasil, sempre tem fracassado, não

é? Pois é, este foi um teste de leitura. Nosso jornalismo seria repro-

vado.

PS 2 - Alexandre Garcia começou um comentário irado sobre

o livro em questão assim, no Bom Dia, Brasil de terça-feira: ―quando

eu TAVA na escola...‖. Uma carta de leitor que criticava a forma ―os

livro‖ dizia ―ensinam os alunos DE que se pode falar errado‖. Uma

professora entrevistada que criticou a doutrina do livro disse "a lín-

gua é ONDE nos une" e Monforte perguntou "Onde FICA as leis de

concordância?". Ou seja: eles abonaram a tese do livro que estavam

criticando. Só que, provavelmente, acham que falam certinho! Não

se dão conta do que acontece com a língua DELES mesmos!!

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UMA DEFESA DO "ERRO" DE PORTUGUÊS

Hélio Schwartsman

16/05/2011-19h19

O pessoal pegaram pesado. Da esquerda à direita, passando

por vários amigos meus, a imprensa foi unânime em atacar o livro

didático "Por uma Vida Melhor", de Heloísa Ramos. O suposto pe-

cado da obra, que é distribuída pelo Programa do Livro Didático, do

Ministério da Educação, é afirmar que construções do tipo "nós pega

o peixe" ou "os livro ilustrado mais interessante estão emprestado"

não constituem exatamente erros, sendo mais bem descritas como

"inadequadas" em determinados "contextos".

Os mais espevitados já viram aí um plano maligno do gover-

no do PT para pespegar a anarquia linguística e destruir a educação,

pondo todas as crianças do Brasil para falar igualzinho ao Lula. Ou-

tros, mais comedidos, apontaram a temeridade pedagógica de dizer a

um aluno que ignorar a concordância não constitui erro.

Eu mesmo faria coro aos moderados, não fosse o fato de que,

do ponto de vista da linguística --e não o da pedagogia ou da gramá-

tica normativa--, a posição da professora Heloísa Ramos é corretís-

sima, ainda que a autora possa ter sido inábil ao expô-la.

Acredito mesmo que, excluídos os ataques politicamente mo-

tivados, tudo não passa de um grande mal-entendido. Para tentar

compreender melhor o que está por trás dessa confusão, é importante

ressaltar a diferença entre a perspectiva da linguística, ciência que

tem por objeto a linguagem humana em seus múltiplos aspectos, e a

da gramática normativa, que arrola as regras estilísticas abonadas por

um determinado grupo de usuários do idioma numa determinada

época (as elites brancas de olhos azuis, se é lícito utilizar a imagem

consagrada pelo ex-governador de São Paulo Claúdio Lembo). Po-

demos dizer que a segunda está para a primeira assim como a pes-

quisa da etiqueta da corte bizantina está para o estudo da História.

Daí não decorre, é claro, que devamos deixar de examinar a etiqueta

ou ignorar suas prescrições, em especial se frequentarmos a corte do

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"basileus", mas é importante ter em mente que a diferença de escopo

impõe duas lógicas muito diferentes.

Se, na visão da gramática normativa, deixar de fazer uma fle-

xão plural ou apor uma vírgula entre o sujeito e o predicado constitu-

em crimes inafiançáveis, na perspectiva da linguística nada disso faz

muito sentido. Mas prossigamos com um pouco mais de vagar. Se os

linguistas não lidam com concordâncias e ortografia o que eles fa-

zem? Seria temerário responder por todo um ramo do saber que ain-

da por cima se divide em várias escolas rivais. Mas, assumindo o

ônus de favorecer uma dessas correntes, eu diria que a linguística es-

tá preocupada em apontar os princípios gramaticais comuns a todos

os idiomas. Essa ideia não é exatamente nova. Ela existe pelo menos

desde Roger Bacon (c. 1214 - 1294), o "pai" do empirismo e "avô"

do método científico, mas foi modernamente desenvolvida e popula-

rizada pelo linguista norte-americano Noam Chomsky (1928 -).

Há de fato boas evidências em favor da tese. A mais forte de-

las é o fato de que a linguagem é um universal humano. Não há povo

sobre a terra que não tenha desenvolvido uma, diferentemente da es-

crita, que foi "criada" de forma independente não mais do que meia

dúzia de vezes em toda a história da humanidade. Também diferen-

temente da escrita, que precisa ser ensinada, basta colocar uma cri-

ança em contato com um idioma para que ela o adquira quase sozi-

nha. Mais até, o fenômeno das línguas crioulas mostra que pessoas

expostas a pídgins (jargões comerciais normalmente falados em por-

tos e que misturam vários idiomas) acabam desenvolvendo, no espa-

ço de uma geração, uma gramática completa para essa nova lingua-

gem. Outra prova curiosa é a constatação de que bebês surdos-mudos

"balbuciam" com as mãos exatamente como o fazem com a voz as

crianças falantes.

O principal argumento lógico usado por Chomsky em favor

do inatismo linguístico é o chamado Pots, sigla inglesa para "pobreza

do estímulo" ("poverty of the stimulus"). Em grandes linhas, ele reza

que as línguas naturais apresentam padrões que não poderiam ser

aprendidos apenas por exemplos positivos, isto é, pelas sentenças

"corretas" às quais as crianças são expostas. Para adquirir o domínio

sobre o idioma elas teriam também de ser apresentadas a contra-

exemplos, ou seja, a frases sem sentido gramatical, o que raramente

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ocorre. Como é fato que os pequeninos desenvolvem a fala pratica-

mente sozinhos, Chomsky conclui que já nascem com uma capaci-

dade inata para o aprendizado linguístico. É a tal da Gramática Uni-

versal.

O cientista cognitivo Steven Pinker, ele próprio um ferrenho

defensor do inatismo, extrai algumas consequências interessantes da

teoria. Para começar, ele afirma que o instinto da linguagem é uma

capacidade única dos seres humanos. Todas as tentativas de colocar

outros animais, em especial os grandes primatas, para "falar" seja

através de sinais ou de teclados de computador fracassaram. Os bi-

chos não desenvolveram competência para, a partir de um número

limitado de regras, gerar uma quantidade em princípio infinita de

sentenças. Para Pinker, a linguagem (definida nos termos acima) é

uma resposta única da evolução para o problema específico da co-

municação entre caçadores-coletores humanos.

Outro ponto importante e que é o que nos interessa aqui diz

respeito ao domínio da gramática. Se ela é inata e todos a possuímos

como um item de fábrica, não faz muito sentido classificar como

"pobre" a sintaxe alheia. Na verdade, aquilo que nos habituamos a

chamar de gramática, isto é, as prescrições estilísticas que aprende-

mos na escola são o que há de menos essencial, para não dizer abor-

recido, no complexo fenômeno da linguagem. Não me parece exage-

ro afirmar que sua função é precipuamente social, isto é, distinguir

dentre aqueles que dominam ou não um conjunto de normas mais ou

menos arbitrárias que se convencionou chamar de culta. Nada contra

o registro formal, do qual, aliás, tiro meu ganha-pão. Mas, sob esse

prisma, não faz mesmo tanta diferença dizer "nós vai" ou "nós va-

mos". Se a linguagem é a resposta evolucionária à necessidade de

comunicação entre humanos, o único critério possível para julgar en-

tre o linguisticamente certo e o errado é a compreensão ou não da

mensagem transmitida. Uma frase ambígua seria mais "errada" do

que uma que ferisse as caprichosas regras de colocação pronominal,

por exemplo.

Podemos ir ainda mais longe e, como o linguista Derek Bic-

kerton (1925 -), postular que existem situações em que é a gramática

normativa que está "errada". Isso ocorre quando as regras estilísticas

contrariam as normas inatas que nos são acessíveis através das gra-

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máticas das línguas crioulas. No final acabamos nos acostumando e

seguimos os prescricionistas, mas penamos um pouco na hora de

aprender. Estruturas em que as crianças "erram" com maior frequên-

cia (verbos irregulares, dupla negação etc.) são muito provavelmente

pontos em que estilo e conexões neuronais estão em desacordo.

Mais ainda, elidir flexões, substituindo-as por outros marca-

dores, como artigos, posição na frase etc., é um fenômeno arquico-

nhecido da evolução linguística. Foi, aliás, através dele que os cida-

dãos romanos das províncias foram deixando de dizer as declinações

do latim clássico, num processo que acabou resultando no português

e em todas as demais línguas românicas.

A depender do zelo idiomático de meus colegas da imprensa,

ainda estaríamos todos falando o mais castiço protoindo-europeu.

Não sei se algum professor da rede pública aproveita o livro

de Heloísa Ramos para levar os alunos a refletir sobre a linguagem,

mas me parece uma covardia privá-los dessa possibilidade apenas

para preservar nossas arbitrárias categorias de certo e errado.

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VÁ SE INFORMAR SÔNIA VAN DIJCK

Luisandro Mendes de Souza

Eu fico realmente triste com isso, principalmente quando so-

mos alvejados por fogo amigo. Mas fico revoltado quando a pessoa

que escreve o texto comete histerias do tipo que a profa. Sônia come-

teu. Não estou com a verdade, muito pelo contrário. Mas humilde-

mente gostaria de mostrar, passo a passo, argumento por argumento,

como seu texto está equivocado. Tais equívocos são fruto de desco-

nhecimento, falta de bom senso, e falta de ética, pois revelam que ela

não se deu ao trabalho de ir pesquisar sobre o assunto que está escre-

vendo, o que é grave vindo de uma professora universitária. O texto

original está em itálico, meus comentários em formatação normal e

entre colchetes.

Política Educacional do MEC: falar e escrever errado… …

é o certo (Sônia van Dijck)

[O equívoco começa no título, se ela tivesse lido o capítulo

em questão do livro "Por uma vida Melhor", saberia que não se trata

de escrita, e que se estivesse também informada sobre o que se fez

em linguística nos últimos 100 anos saberia que não existe regra er-

rada quando 90% de uma comunidade de fala segue essa regra.]

Custa-me crer nos absurdos que acontecem no Brasil. Mas, a

verdade dos fatos é indiscutível: o MEC adota livro como objetivo

de ensinar a falar e a escrever errado.

Não tenho o menor interesse em discutir conceitos de dialeto-

logia ou de sociolinguística com os autores, pois sei que o projeto

não obedece a interesses científicos, mas políticos.

[Novamente o equívoco, não há nada de errado com a con-

cordância, e o livro, pelo menos naquele trecho, não está ensinando a

escrever. Não precisamos entrar no mérito sociolinguístico do pro-

blema, já que ela obviamente não o entende. Se tivesse outra inten-

ção, que não fosse atacar o governo, talvez ela tivesse ido pesquisar e

saberia que o 'projeto' é baseado nos parâmetros curriculares nacio-

nais (PCN) elaborados nos anos 1998-2000 do governo Fernando

Henrique Cardoso. Tais parâmetros, por sua vez, são baseados em

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estudos realizados, pelo menos, desde o final da década de 70 no país

e foram baseados em CRITÉRIOS CIENTÍFICOS, frutos de anos de

estudo. Agora você quer me dizer que a sociedade não quer um co-

nhecimento que pagou para ter, é isso?]

Vi, em um telejornal, a Profa. Heloísa Ramos, corajosamente,

adequando conceitos e princípios linguísticos para justificar o ne-

fando projeto do MEC, e sua concordância com tão escandaloso

equívoco. Não me interessa refutar os argumentos equivocados da

Professora, pois ela é só instrumento da política educacional do go-

verno petista e está sendo paga para fazer seu papel.

[Esse trecho é engraçado, porque a autora do texto assume

não ter argumento científico para rebater o que a autora do livro de-

fende, que argumento da autora do livro está equivocado? Novamen-

te, a sua atitude é dizer que temos na autora do livro uma defensora

de um programa político do governo, quando de fato é um programa

de estado, ou seja, ele não mudará se entrar outro governo, e não

mudará, se amanhã alguém provar que a gramática universal está er-

rada, não é moda acadêmica, ou existem modas que duram 40 anos e

são consensuais na academia?]

Deixo que o Prof. Evanildo Bechara dê a lição que a Profes-

sora e demais autores não aprenderam na Universidade.

[Um gramático não é mais referência de como se ensinar a

língua pelo menos há 90 anos, desde que Saussure afirmou que as

explicações para os fatos linguísticos devem estar no próprio siste-

ma. Para o Bechara a pesquisa deve ficar na universidade e a socie-

dade deve continuar a ser enganada, devemos continuar afirmando

que a variação não existe, só existe uma forma certa de falar e escre-

ver o português, já que para eles falar e escrever é a mesma coisa.

Veja que o gramático é a autoridade para a profa. Sônia, não o lin-

guista, aquele sujeito que era seu colega de departamento nos cursos

de letras em que ela lecionou; pelo jeito ela nunca soube o que seu

vizinho de porta na universidade pesquisava].

O que me interessa é chamar a atenção para o bem organi-

zado projeto de condenação dos alunos que passam e passarão pelo

sistema público de educação. Falando e escrevendo errado o verná-

culo, os estudantes de hoje e do futuro não terão oportunidade no

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mercado de trabalho e nem de crescimento intelectual. Falando e

escrevendo “nós pega o peixe”, eles jamais serão engenheiros, mé-

dicos, vendedores, advogados, porteiros, enfermeiros, professores,

jornalistas, bancários e mais muitas outras profissões e empregos

lhes serão impossíveis.

[Preciso repetir? O livro não está falando de escrita quando

afirma que 'os livro' é aceitável, o quão difícil é entender isso? Sem

falar no equívoco de se associar 'crescimento intelectual' com o uso

da norma culta. Só pra constar, conheço gente que fala 'menas' e 'teje'

com nível universitário]

Não tenho notícia de que haja ou tenha havido algum gover-

no de algum país que planejasse e implementasse projeto tão cruel,

como se isso pudesse ser apelidado de projeto educacional. O Brasil

consegue ser surpreendente e nefasto com um discurso pretensamen-

te politicamente correto.

[Se outros países têm implantado metodologias semelhantes

eu não sei, mas sei que não se ensina inglês britânico nos Estados

Unidos, que na França não se fala como se escreve e ninguém fica

horrorizado com isso. O discurso não é pretensioso, acho que esse

adjetivo serve para qualificar aqueles que acham que sabem do que

estão falando e não estão.]

Com pompa e circunstância, o MEC do governo petista quer

assegurar que os futuros cidadãos fiquem privados de empregos, de

crescimento intelectual, de relações culturais; no futuro, o MEC de-

seja que os brasileiros estejam no estado de barbárie linguística e

sejam incapazes de entender um edital de concurso, por exemplo;

salvo se o edital informar que “os candidato deve apresentarem os

seguinte documento”.

[Novamente a autora revela desconhecimento do que está fa-

lando, o livro busca justamente ensinar o padrão culto e livro ne-

nhum diz o contrário]

Nem Hitler, com sua mente diabólica e homicida, realizou um

projeto desse tipo para dominar a juventude nazista, ganhando sim-

patias e aplausos dos pouco letrados daquela época.

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[Isso é argumento? Hoje em dia é lugar comum querer com-

parar qualquer atitude intolerante com o nazismo e com Hitler... opa,

peraí, quem é o intolerante nesse caso? Quem não está aceitando a

diferença, a mudança de paradigma?]

Com pompa e circunstância, em uma palhaçada do politica-

mente correto, o governo petista organiza um exército de futuros

adultos privados de proficiência no vernáculo, cuidadosamente pre-

parado no sistema público de ensino, que servirá aos interesses do

estado brasileiro que está sendo forjado desde 2003, em conformi-

dade com as lições Gramsci.

[Ah sim, porque dizer que todos os milhões de alunos que

chegam na escola falando 'os livro' precisam ser chamados de burros,

ignorantes, eles precisam passar a vida escolar toda ouvindo que tem

algo de errado com a língua deles, só assim vão aprender a escrever e

falar o português culto; parece que isso tem funcionado bastante

bem, basta ver os resultados da evasão escolar, dos testes de leitura.

E os PCN, heim? Deve ter sido invenção de algum petista infiltrado

no MEC nos idos de 1999, os acadêmicos que trabalharam na formu-

lação dos PCN? Todos petistas, aposto! Me explica (sim, sou doutor

na minha língua e uso ela do jeito que melhor me aprouver!) como é

que alguém pode privar algum indíviduo de proficiência no vernácu-

lo, se o aluno nem precisa ir para a escola para aprender ele (ou

aprendê-lo, se preferir)]

Revolução?! Não! O PT não faz revolução; molda a socieda-

de que deseja manipular contaminando o sistema público de ensino

com sua proposição populista de “respeito” à linguagem popular e

familiar e coloquial das camadas menos escolarizadas atualmente.

O governo petista, calmamente, pretende criar milhões de brasilei-

ros que, quando chegarem à vida adulta, serão incapazes de ler e

entender um jornal, uma revista e, principalmente, um livro de His-

tória, escritos em vernáculo. Esses futuros adultos não terão compe-

tência para apreciar Machado de Assis, Graciliano Ramos, Drum-

mond, Vinicius, Érico Veríssimo e outros. E os ilustres autores do li-

vro perverso, como bons peões do governo petista, poderão pergun-

tar: “E quem precisa apreciar a Literatura elitista, golpista, burgue-

sa?” – “Por que os adultos do futuro precisarão ler um livro de His-

tória, se eles não terão direito a discutir os fatos históricos, pois vi-

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verão apenas com as informações divulgadas na forma de “os cida-

dão deve comparecerem ao comício da liderança nacional, para que

todos escute as verdade a serem revelada.”

[Acho que isso já aconteceu e quem fez isso não foram os pe-

tistas, foram os militares, o Sarney, o Itamar, o FHC... é só ver os

testes educacionais, o nível de leitura do pessoal que passou pela es-

cola nos anos 70, 80 e 90. Aqueles que tem família estruturada, aces-

so a livros, esses se dão bem independentemente do método de ensi-

no ou do professor, só que esses são a minoria, a escola nunca con-

seguiu manter o diferente, ela sempre o repeliu, não sou eu quem es-

tá dizendo isso, é a história, mas o que eu conheço de história da

educação... alguém que passou grande parte da vida formando pro-

fessores deveria saber].

Bem sei que as boas escolas privadas jamais cairão nessa

farsa de ser válido ensinar a falar, a ler e a escrever errado, como

princípio pedagógico. Quem puder colocar seus filhos em boas esco-

las particulares, terá salvo parte dos futuros adultos da barbárie

linguística. Então a Literatura elitista, golpista e burguesa de Ma-

chado, Graciliano, Drummond, Érico, Cecília Meireles e outros ain-

da terá alguns leitores. Jornais e revistas elitistas, golpistas, burgue-

ses, que usarem a correção da Língua Portuguesa ainda poderão ser

lidos e as notícias serão compreendidas por alguns futuros adultos.

[Ainda bem que tem gente que tem dinheiro nesse país, senão

estariam ralados, né? Eu queria saber o que é 'barbárie linguística',

fiquei curioso, sou doutor em linguística e desconheço esse conceito]

Não resisto e mando um recado para a ilustre Profa. Heloísa

Ramos e demais autores: vocês ouviu os galos cantar e não sabe on-

de está os galo. Vocês nada sabe de níveis de linguagem. Vocês não

entende nada da função da escola. Mas, vocês compreende perfei-

tamente esse meu recado escrito no dialeto do MEC petista, usado

no livreco de ocês. Se vocês quiser me responder, por favor, escreva

na Língua Portuguesa que seus professor dos tempo antigo e ultra-

passado tentaram ensinar a vocês.

["Vocês nada sabe de níveis de linguagem. Vocês não enten-

de nada da função da escola." Pois bem, dona Sônia, com essa afir-

mação a senhora insulta todos aqueles que todos os dias ensinam aos

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seus alunos nos cursos de letras a fazer justamente o que a profa. He-

loísa Ramos pôs em prática. A senhora insulta o Prof. Ataliba Tei-

xeira de Castilho, curador do Museu da Língua Portuguesa, coorde-

nador do maior projeto de estudo da gramática da fala no planeta, o

projeto NURC (Norma Urbana Culta) que mostra justamente que

mesmo os falantes ditos cultos (com nível universitário e residentes

em centros urbanos) não seguem as normas que as gramáticas pres-

crevem. Eu custo a entender como uma professora universitária pode

ser tão dogmática a ponto de não aceitar uma mudança de paradigma

na educação. E nem é uma revolução, já que se está apenas mostran-

do que há duas formas de se fazer a concordância nominal e verbal,

uma tem mais prestígio que a outra, por isso uma é o padrão e a outra

é a "errada", mais daí provavelmente devemos ter uns 190 milhões

de brasileiros falando errado nesse momento. A senhora insulta todos

os acadêmicos que passaram anos de sua vida escrevendo artigos e

livros defendendo justamente o que tem sido posto em prática, e nem

é só pelo livro da profa. Heloísa, se a senhora estivesse melhor in-

formada, saberia. A senhora insulta a inteligência dos acadêmicos e o

próprio investimento que a sociedade fez nos últimos trinta anos em

pesquisas sobre o ensino de língua portuguesa. A depender da senho-

ra, podemos queimar todos os livros, teses, artigos, dissertações que

foram escritas defendendo e mostrando que não há nada de errado

com 'os livro' e construções similares, muito pelo contrário, já que

estão todos errados, e a senhora e o Bechara estão certos?]

Segundo François Lyotard, linguagem é poder. A equipe de

autores desse maldito livro sabe disso; por isso, aceitou servir de

instrumento para o governo petista. Com seu tristemente brilhante

trabalho, os ilustres autores tornaram o tarefa do professor de por-

tuguês uma atividade inútil: ninguém precisa ir à escola para

aprender a falar e a escrever “a gente fomos, mas o pessoal saí-

ram”.

[Exatamente, a língua é poder. Todos sabem que a invenção

de regras por parte dos gramáticos é só mais um instrumento de po-

der. Ou vai me convencer de que existe alguma argumento razoável

para termos tantas formas de escrever os 'porquês'? Fala e escrita são

coisas diferentes, fato. Não é teoria, não é politicamente correto, não

é moda. Escrevemos e falamos diferentemente, fato. Há duas formas

de se realizar a concordância nominal, fato.]

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_________________

O texto da Profa. Sônia está publicado aqui. O blogue não in-

forma se ele foi publicado em papel ou originalmente em outro site.

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POLÍTICA EDUCACIONAL DO MEC: FALAR E ES-

CREVER ERRADO...

... É O CERTO

Sônia van Dijck

Custa-me crer nos absurdos que acontecem no Brasil. Mas, a

verdade dos fatos é indiscutível: o MEC adota livro como objetivo

de ensinar a falar e a escrever errado.

Não tenho o menor interesse em discutir conceitos de dialeto-

logia ou de sociolinguística com os autores, pois sei que o projeto

não obedece a interesses científicos, mas políticos. Vi, em um tele-

jornal, a Profa. Heloísa Ramos, corajosamente, adequando conceitos

e princípios linguísticos para justificar o nefando projeto do MEC, e

sua concordância com tão escandaloso equívoco. Não me interessa

refutar os argumentos equivocados da Professora, pois ela é só ins-

trumento da política educacional do governo petista e está sendo pa-

ga para fazer seu papel.

Deixo que o Prof. Evanildo Bechara dê a lição que a Profes-

sora e demais autores não aprenderam na Universidade.

O que me interessa é chamar a atenção para o bem organizado

projeto de condenação dos alunos que passam e passarão pelo siste-

ma público de educação. Falando e escrevendo errado o vernáculo,

os estudantes de hoje e do futuro não terão oportunidade no mercado

de trabalho e nem de crescimento intelectual. Falando e escrevendo

―nós pega o peixe‖, eles jamais serão engenheiros, médicos, vende-

dores, advogados, porteiros, enfermeiros, professores, jornalistas,

bancários e mais muitas outras profissões e empregos lhes serão im-

possíveis.

Não tenho notícia de que haja ou tenha havido algum governo

de algum país que planejasse e implementasse projeto tão cruel, co-

mo se isso pudesse ser apelidado de projeto educacional. O Brasil

consegue ser surpreendente e nefasto com um discurso pretensamen-

te politicamente correto.

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Com pompa e circunstância, o MEC do governo petista quer

assegurar que os futuros cidadãos fiquem privados de empregos, de

crescimento intelectual, de relações culturais; no futuro, o MEC de-

seja que os brasileiros estejam no estado de barbárie linguística e se-

jam incapazes de entender um edital de concurso, por exemplo; salvo

se o edital informar que ―os candidato deve apresentarem os seguinte

documento‖.

Nem Hitler, com sua mente diabólica e homicida, realizou um

projeto desse tipo para dominar a juventude nazista, ganhando sim-

patias e aplausos dos pouco letrados daquela época.

Com pompa e circunstância, em uma palhaçada do politica-

mente correto, o governo petista organiza um exército de futuros

adultos privados de proficiência no vernáculo, cuidadosamente pre-

parado no sistema público de ensino, que servirá aos interesses do

estado brasileiro que está sendo forjado desde 2003, em conformida-

de com as lições Gramsci.

Revolução?! Não! O PT não faz revolução; molda a socieda-

de que deseja manipular contaminando o sistema público de ensino

com sua proposição populista de ―respeito‖ à linguagem popular e

familiar e coloquial das camadas menos escolarizadas atualmente. O

governo petista, calmamente, pretende criar milhões de brasileiros

que, quando chegarem à vida adulta, serão incapazes de ler e enten-

der um jornal, uma revista e, principalmente, um livro de História,

escritos em vernáculo. Esses futuros adultos não terão competência

para apreciar Machado de Assis, Graciliano Ramos, Drummond, Vi-

nicius, Érico Veríssimo e outros. E os ilustres autores do livro per-

verso, como bons peões do governo petista, poderão perguntar: ―E

quem precisa apreciar a Literatura elitista, golpista, burguesa?‖ –

―Por que os adultos do futuro precisarão ler um livro de História, se

eles não terão direito a discutir os fatos históricos, pois viverão ape-

nas com as informações divulgadas na forma de ―os cidadão deve

comparecerem ao comício da liderança nacional, para que todos es-

cute as verdade a serem revelada.‖

Bem sei que as boas escolas privadas jamais cairão nessa far-

sa de ser válido ensinar a falar, a ler e a escrever errado, como prin-

cípio pedagógico. Quem puder colocar seus filhos em boas escolas

particulares, terá salvo parte dos futuros adultos da barbárie linguís-

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tica. Então a Literatura elitista, golpista e burguesa de Machado,

Graciliano, Drummond, Érico, Cecília Meireles e outros ainda terá

alguns leitores. Jornais e revistas elitistas, golpistas, burgueses, que

usarem a correção da Língua Portuguesa ainda poderão ser lidos e as

notícias serão compreendidas por alguns futuros adultos.

Não resisto e mando um recado para a ilustre Profa. Heloísa

Ramos e demais autores: vocês ouviu os galos cantar e não sabe on-

de está os galo. Vocês nada sabe de níveis de linguagem. Vocês não

entende nada da função da escola. Mas, vocês compreende perfeita-

mente esse meu recado escrito no dialeto do MEC petista, usado no

livreco de ocês. Se vocês quiser me responder, por favor, escreva na

Língua Portuguesa que seus professor dos tempo antigo e ultrapassa-

do tentaram ensinar a vocês.

Segundo François Lyotard, linguagem é poder. A equipe de

autores desse maldito livro sabe disso; por isso, aceitou servir de ins-

trumento para o governo petista. Com seu tristemente brilhante tra-

balho, os ilustres autores tornaram o tarefa do professor de português

uma atividade inútil: ninguém precisa ir à escola para aprender a fa-

lar e a escrever ―a gente fomos, mas o pessoal saíram‖.

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JUCA ENTREVISTA SÍRIO POSSENTI

O programa é de 2007, mas vale (e muito) a pena dar uma

olhada. Principalmente os desavisados, que acham que sabem tudo

sobre como funcionam as línguas humanas, ou o português brasileiro

e como ele deve ser ensinado.

O prof. Antônio Carlos Xavier (UFPE) também escreveu um

texto no seu blogue comentando as declarações de um jornalista,

Merval Pereira, mostrando que estão equivocadas.

O senador Paulo Bauer (PSDB-SC) propõe que o MEC reco-

lha o livro didático. Só pra constar, o senador é formado em adminis-

tração de empresas e ciências contábeis e foi secretário estadual da

educação de SC (um dos estados em que o professor recebe um dos

piores salários do país e que se recusa agora a pagar o piso nacional).

Deve conhecer tanto de educação que nunca leu os parâmetros curri-

culares nacionais ou estaduais.

Olá eu sou Juca Kfouri e vou conversar hoje com o professor,

com o linguista Sírio Possenti. Quem é o professor Sírio Possenti?

R.: Professor. Professor, trabalho na Unicamp a 28 anos, an-

tes disso eu trabalhei uns dois ou três anos em xxxxx. Rio Grande do

Sul, antes disso um ano em Caçador, então eu sou linguista a uns

trinta anos digamos assim.

Em caçador?

R.: Caçador, Santa Catarina. Eu sou daquela região, eu sou

nascido em Arroio Trinta.

Professor Sírio você tem uma coluna semanal no terra maga-

zine, uma belíssima revista do portal terra, escreveu uma coluna de-

liciosa e diga-se de passagem demolidora sobre uma entrevista que

eu fiz aqui com o professor Pascoal Neto. Bom não me peça para re-

produzir porque eu também não vou me embolar em praça publica,

mas a coluna dele era assim daquelas de fazer pensar. De fazer pen-

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sar sobre a arrogância da gente, e sobre a arrogância da gente até no

falar, até no tratar esta ultima Flor do Lácio inculta e bela. Então eu

queria, exatamente Sírio, tratar contigo este lado, você tem uma vi-

são absolutamente libertaria da língua portuguesa e eu suponho que

isso te cause muita controvérsia no teu meio. Como é que é isso?

Como é que é a sua visão?

R.: Na verdade não sou eu que tem esta visão libertaria, é a

linguística, digamos a uma maneira de estudar as línguas, que é ve-

lha, desde, digamos que tem 500 anos pelo menos, desde quando os

europeus tiveram que descrever línguas, que nunca tiveram sidos

descritas, evidentemente quando Anchieta vai fazer uma gramática

de Guarani, do Tupi Guarani, ele não pode consultar os clássicos, ele

tem que ouvir os indígenas, é uma maneira de estudar as línguas que

é uma descrição objetiva ou mais objetiva possível do que as línguas

são, sem nenhum critério de isso é certo, isso é errado. A boas com-

parações que a gente pode fazer com outros campos científicos, di-

gamos com a botânica, para um botânico não tem planta errada, tem

planta diferente, ou como diz o Perini, um astrólogo não vai dizer

que a lua deveria ser sempre cheia, o que ele tem é que explicar por-

que tem 4 fases. Então um lingüista é um bicho, pra quem é língua

não é um lugar do certo e do errado, mas é também isso, ele sabe que

sociedades organizadas de uma certa maneira com hierarquias sem-

pre significa o que? Quem ta em cima impõe não só a lei, o tacão, a

policia, mas também uma língua, o modo de falar, e impõe uma ou-

tra cosia que é mais grave, impõe aos outros a convicção de que eles

não sabem falar, quando de fato eles sabem.

A língua é um instrumento de poder também?

R.: É também um instrumento de poder. Não a língua, a pro-

criação da língua.

Mal comparando Sírio, poderíamos dizer por exemplo que a

gente teve isso cabalmente na ditadura franquista em relação a Cata-

lunha por exemplo?

R.: Por exemplo, quando se impede que um grupo, enfim, ét-

nico ou linguista, fale a sua língua, mas eu acho, essa intervenção é

grossa e você pode combater facilmente digamos assim. Você pode

dizer, onde é que se viu xxxxx é complicado quando se diz, o cara

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que disse menas, menos gente, esse cara não sabe falar, isso é grave,

isso grave por duas razões, primeiro porque você acha que você sabe

analisar, e você não se dá conta que ele diz menas gente diante do

feminino. Porque se você ouvir todas as pessoas que dizem menas

sempre, que depois vem sempre um feminino. Ou seja ele esta tra-

tando como se o menas fosse um adjetivo, nem sabe o que é isso,

mas ele ta tratando com se fosse um adjetivo.

E a gente deve aceitar que isso seja uma maneira ...

R.: Veja, não é que deve aceitar, é um fato, esse é um fato que

você tem que explicar, agora isso não significa que, a gente que en-

tende isso, que então, eu e mais não sei quem diria, a então não pre-

cisa mais ensinar a escrever direito, não, é o contrario, o que eu acho

e muita gente acha, eu aprendi lendo os outros, não inventei nada, e

que se você respeita isso, se você entende isso, o ensino do padrão é

muito é muito mais facilitado.

Nós vamos continuar esta conversa deliciosa, eu já sei que

hoje vai faltar tempo mas enfim até já.

Estou conversando com o linguista Sírio Possenti professor da

Universidade de Campinas daqui a pouco iremos falar dos livros de-

le, deixa eu por aqui um pouco o futebol aqui no meio, pra gente

continuar esta conversa e uma informação que eu não dei na abertura

e do Agora, o titulo da coluna a que me referi é Redundante mente a

coluna na qual ele trata o programa que eu fiz com o professor Pas-

coal. Você tem um time de coração?

R.: Tenho, e essa coisa de estar do lado errado, como diria a

minha profissão, neste lado público, porque, talvez eu pudesse ser

bem sucedido e escrevendo dicas e eu prefiro não ser bem sucedido

escrevendo contra as dicas. Eu sou corintiano desde os 10 anos por

uma razão muito torta, eu era santista e quando o santos comprou o

Gilmar eu pensei, a não, ai é demais, eu vou torcer para o coríntians.

É esquisito né. Não é o meu jeito.

Olha!. Um reforço, isso não se faz. Que maravilha.

Ai você pegava a questão das redundâncias, que a gente tra-

tou aqui no linguajar da crônica esportiva, dos narradores, e você

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tem uma visão muito especial sobre o que redunda e o que não re-

dunda. Em tese tudo redunda.

R.: Tudo o muito né. A suposição de que uma língua, que ca-

da palavra da língua, ou cada pedaço da palavra de uma língua de-

signa um objeto especifico ou uma ideia especifica, não tem nada

haver com o que as línguas são, já houve gente que tentou inventar

construir línguas que fossem perfeitas, suponde que essas que tem a

capacidade ou de enfatizar, ou de insistir naquilo que é mais relevan-

te deixar pedaços em branco para que outros saque do que se trata

como se isso fosse a imperfeição, acho que a grande perfeição é exa-

tamente essa, as vezes redunda e as vezes falta, as palavras querem

dizer muitas coisas, e as vezes a mesma coisa tem muitas palavras, as

línguas são assim, e criticar a redundância, digamos, para pegar o seu

exemplo, repetir o mesmo time, é estranho porque, os exemplos ai

são sempre os mesmos, enfrentar de frente, já houve gente que disse

que suicidar-se é um equivoco porque o se e o sui mas isso era latim,

quer dizer, ai é realmente não sacar nada. A questão da redundância,

ou da clareza, ou da equivalência exata entre essas palavras e as coi-

sas e um equivoco sobre o que as línguas são, de novo se fossemos

comparar é como se você disse-se, por exemplo, que todas as plantas

tem que ter raízes do mesmo tipo, ou só as raízes suficientes para

sustentá-las, e que todas deviam ficar embaixo do solo, que o resto ta

errado, a língua são como são, evidentemente a sociedade interfere,

dizem, as placas tem que ser assim, os letreiros assados, os títulos,

algumas coisas tem rima, outras não tem, a literatura se faz assim, o

peiper cientifico se faz assim.

Em certas áreas os textos são muito mais uniformes, em ou-

tras áreas a variedade é muito grande, isso é resultado de uma histo-

ria, a complexidade das ações num campo redunda frequentemente

nas adversidades dos gêneros que se usa num campo, uma certa uni-

formidade produz uma certa uniformidade, a gente acha, equivoca-

damente no fundo, que por exemplo, que as palavras das ciências são

exatas, na verdade não são, elas são lidas exatamente, evidentemente

que uma palavra como atração ou evolução, tem sentidos que tem,

se eu uso revolução em física, revolução quer dizer só uma coisa, eu

leio revolução sempre do mesmo jeito, não porque em português ou

em xxxxx mas porque eu sou treinado a ler, treinado entre aspas para

ler testos de física.

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Uma coisa que me encantou, e que eu não sei a bem da ver-

dade a que ponto eu fui capaz de perceber em toda a sua profundida-

de é exatamente quando o xxxxx trata da estrutura da língua e come-

ça a filosofar em torno dela, o porque eu falo casa e eu exatamente

imagino aquilo, porque até casa tem diversos outros sentidos, esse é

um mundo interminável?

R.: Fantástico, o que digamos me leva a gostar muito do que

eu faça, a me divertir num certo sentido, até porque uma das coisas

que mim interessa e eu estudo, analiso, escrevo sobre isso, é o hu-

mor, que é o lugar, o espaço social onde a língua é absolutamente

posta em questão o tempo todo, quando parece que você sabe o que é

uma palavra, vem uma piadinha e desmonta, então digamos assim,

quando você sabe o que é detergente vem um Millôr e define como

prender pessoas, esse negocio de escreve junto, escreve separado, é

uma palavra são duas etc... esse é um fenômeno onde as línguas es-

tão constantemente submetidas, então quando parece que a coisa esta

solidificada arrumada, na verdade o falante subverte isso o tempo to-

do. Seja na mudança da gramática, novas pronuncias por exemplo,

ou novos sentidos para as palavras, o deslocamento de sentidos, para

das um exemplo, cada vez mais eu ouço gente dizendo o povo per-

deu a credibilidade nos políticos, e um dia o xxxxx de São Paulo, o

Souza quando o São Paulo não estava muito bem, disse que a torcida

estava perdendo a credibilidade no time. Se você olhar os dicionários

que registram o uso mais corrente e clássico, a credibilidade é pro-

priedade daquele que merece fé, mas neste uso a credibilidade é uma

propriedade daquele que acredita, ou pode ser que um dia venha a

ser só isso, ou predominantemente isso, teremos perdido alguma coi-

sa não acho, até porque se você disser que perdeu aqui você ganhou

lá, a credibilidade não precisa estar presa, o efeito que esta frase pro-

duz é perfeitamente compreensível.

Quando você olha a língua deste jeito, eu acho que é muito

mais interessante, muito mais maravilhoso digno, de ser curtido do

que quando você olha como uma espécie de receituário. Eu faço

umas comparações assim malucas, é como ler xxxxx que fala sobre o

sistema da moda, ou a Gilma de Melo e Souza que escreve sobre a

relevância do vestuário, ou então ser o Ronaldo Esper que diz isso ta

feio, isso ta bonito.

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Tá certo, você tem toda razão. Fazer um merchando bem

aqui, alguns do livro do professor Sírio Possenti, por exemplo Os

Humores da Língua, pela editora mercado de letras que é exatamente

um livro sobre as piadas. Por que (não) ensinar gramática na escola.

Esse não está entre parentes, isso quer dizer mais ou menos

assim, dependendo do que você achar que é gramática é melhor não

ensinar. Dependendo do que você acha que é ensina-se o tempo todo.

Antes de continuar com os livros, eu, por exemplo, acho que

ontem, fiz um titulinho lá no meu blogue, Abra os olhos CDF, a ta

empoada, vou colocar Abra os olhos, chegou evidentemente sempre

tem alguém errou imperativo porque segunda pessoa do subjuntivo

ai é um esquemismo exagerado, não parece, venha pra caixa você

também e não vem pra caixa você também.

E acho inclusive que é supor, por exemplo, que a língua, di-

gamos foi congelada em 1622 a meia noite e de lá para cá não pode

mais mudar e é também não considerar o que ela não significa nos

seus usos, o Brasil é supostamente essa terra do compadrio da boa

vida, o homem cordial, etc., etc., na verdade não é a gente sabe que

não é, mas a língua reflete isso de alguma maneira, radicalizando

porque também não é verdade, a gente não manda, a gente pede, só

que se o cara não fizer ele tá lascado. A gente não usa imperativo o

português do Brasil não usa imperativo, isso tem haver com o nosso

comportamento, digamos, isso expressa de alguma maneira uma ide-

ologia, as vezes a ideologia esta marcada na eliminação de uma es-

trutura linguística especifica, eu acho por exemplo que o gerundismo

não é um erro grosseiro de língua, é um sintoma do descompromisso,

que quando você diz vamos estar entregando, não entrega, o grave

não é o gerundismo, que alias não é um gerundismo, é um estarismo,

que ninguém reclama que vou continuar bebendo, vou continuar tor-

cendo para o meu time, o problema é que se aqui estiver o verbo es-

tar, e os jornalistas erram grosseiramente não sei porque, eles fazem

umas lista de erros e não veem que o erro, se é que é um erro, o que

caracteriza todas essas estruturas é a presença do verbo estar, e uma

certa incompatibilidade do sentido do verbo estar e do verbo seguin-

te, que um manda durar e o outro impede de durar.

Uma tradução direta dos manuais de telemarketing do inglês.

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Isso eu já duvido. Tenho serias duvidas sobre isso, mas mes-

mo que a origem fosse essa o fato de que muita gente usa fora deste

ambiente significa que a estrutura do português aceita isso, Camões

usou, todo mundo usa o tempo todo, e isso tem provavelmente um

caldo cultural que facilita essa aceitação, isso produz um certo char-

me, digamos uma pessoa que quer aparecer mais jovem, mais desco-

lados ela usa um gerundismo, mas isso também é uma forma de dizer

olha não to muito preocupado em fazer o que tinha que fazer.

Professor Sírio Possenti que além destes três livros, destes

dois que já mostrei, tem também A Cor da Língua e outras croniqui-

nhas da linguística, também da Editora Mercado de Letras, Mal

comportadas línguas, da Criar Edições de Curitiba, Discurso, Estilo

e Subjetividade, da Martins Fontes, foi o doutoramento depois virou

livro, e Os limites do Discurso, da Criar Edições. Bom muito simples

qualquer destes sítios de pesquisa você vai lá e põe ali Sírio Possenti

e você tem os livros do Professor, a gente em seguida se você quiser

falar com Juca entrevista basta você entrar na pagina

www.espn.com.br/jucaentrevista até já.

Estou conversando com o linguista Sírio Possenti professor da

Universidade de Campinas, certamente um dos nossos centros de ex-

celência neste país. Sírio voltando as redundâncias ambos os dois até

Camões escreveu, posso falar numa boa, virar aqui dizer acho que

ambos os dois Ronaldos deve jogar na seleção.

É num certo sentido isso produz um efeito de ênfase, agora

sem querer dizer que é por isso ou por aquilo, ele lá pode ter precisa-

do de ambos os dois para dar o número certo de sílabas. Eu me lem-

bro de uma entrevista do Garcia Marques um dia, eu estava nu hotel

eu liguei a televisão e ele tava falando dos livros dele, e dizendo que

o mais importante de tudo quando se escreve é o ritmo, que seja, não

é ser exato ser objetivo, as vezes você não precisa de um adjetivo a

mais para dar uma informação mas a frase manca sem o adjetivo, e

esse manca podia ser...

Você quando escreve tem como habito ler em voz alta o que

você escreveu?

Não isso talvez seja um defeito meu, eu também não sou um

bom revisor, especialmente não sou um bom revisor dos meus textos.

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Na verdade acho que ninguém é, revisor tem que ser outro.

Esta questão do ritmo, quem aprende a escrever para rádio e televi-

são acaba obrigatoriamente fazendo isso em busca do ritmo e acaba

sendo uma boa escola, mas esta coisa da revisão por exemplo, Sírio,

é uma das coisas que me atraem. Eu conheço e conheci. Hoje em dia,

infelizmente esta em desuso a figura do revisor, extraordinários revi-

sores que nunca foram exatamente bons escritores.

Talvez seja por isso, é um pouco na brincadeira, é uma das

coisas que esta me interessando ultimamente, é olhar este tipo de

questão porque este questão do ensino me interessa, fico meio divi-

dido entre pesquisar humor, análise do discurso, escrever para um

grande publico e falar para os professores e dizer para eles coisas que

parecem interessante. Essa coisa do revisor, por exemplo, tem haver

historicamente com a política das editoras e não com uma política

linguística ou seja é uma política editorial, a editora pode decidir que

ela não usa esse ou que não usa este ou que não usa trema, ela não

gosta ela não usa, se você olha a historia da escrita do texto publica-

do, do texto escrito antes da legislação ortográfica sobre o português,

porque ortografia não é língua, ortografia é objeto de lei, a ortografia

é uma espécie de fotografia da língua seria ridículo se a gente inter-

pretasse ao pé da letra você mostrar uma foto e dizer esse aqui sou

eu, isso só é porque a gente entende, sou eu generosamente, por que

a gente é esperto, a gente não diz, então com quem é que eu estou

conversando você é essa foto, a ortografia não é a língua, se você

olha aquilo que foi editado sei lá século XVI, XVII e XVIII, você

olha as cartas, os jesuítas, dos vice-reis, etc.. você vai ver que a gra-

fia não é a mesma, ou seja a ortografia usa nos livros publicados não

é uma coisa da língua é uma coisa da empresa, da editora, ela uni-

formiza o editor o revisor os especialista lá quem bota maiúscula, bo-

ta ponto, bota ponto é o tipista, eles que inventaram esses sistema de

anotação que as vezes é uma questão estética, para deixar a pagina

do livro mais assim ou mais assado, não é necessariamente para o li-

vro ficar mais claro, esse negócio que sem virgula a gente não enten-

deria é uma bobagem, a gente entende de qualquer forma.

Você certamente conhece uma crônica do Vinicius de Moraes

sobre o Marre Garrincha que não tem uma vírgula e é uma delícia.

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É. Hoje eu tenho uma coluna não vou dizer quem é o autor

porque eu não quero, mas o cara disse que se não botar vírgula na

adjetiva você não pega a informação, eu acho que isso é do tipo, qual

é a diferença entre o gato e o cachorro, se você jogar os dois no muro

o que mia é gato, não é verdade é melhor você aprender a dizer o que

é um gato e o que é um cachorro para você não dá explicações ridí-

culas deste tipo. A escrita é uma coisa da política publica sobre um

determinado lugar em que a língua circula e ela não é língua, eu acho

que o professor deveria tratar, vamos simplificar, tratar o aluno mais

como escritor do que como revisor ou seja é aquele que vai fazer de

textos bons mas que terá uns problemas e alguém vai revisar, e esse

revisor pode ser o professor, pode ser a turma da sala, e assim por di-

ante, então quando eu disse que pode ser que seja por isso, eu quis

dizer o seguinte, pode ser que seja um equivoco, se uma pessoa vai

ser revisor na vida ela vai ser revisora ela não vai escrever, eu supo-

nho que numa escola de jornalismo por exemplo o jornalista talento-

so que vai ser mandado mundo a fora para cobrir os eventos não é

necessariamente aquele que você escolheria para ser revisor.

Tá certo, acho que faz todo o sentido.

Claro, é possível que uma pessoa aprenda as duas coisas mas

em geral uma aprende melhor uma a outra não.

Sírio se você tivesse que escolher um escritor da língua por-

tuguesa qual é o que mais te encanta, eu estou te fazendo esta per-

gunta é uma pergunta muito pessoal eu arrisco dentro de mim esse

autor, mas quero xxxx

É muito difícil para mim.

É praticamente impossível uma estupidez este tipo de pergun-

ta, qual o filme da sua vida, o livro que você leu.

Digamos como eu sou meio dividido acho que eu posso me

dar o direito de dizer que Sírio que gosta muito do Machado de As-

sis, tem um que gosta muito do Rubens Fonseca, tem um que fica

fissurado pelo Grão Sertão de Veredas xxxx ou Manoel Bandeiras,

enfim, Rubens Braga, e um amicíssimo meu que mora em Curitiba

de quem ninguém fala, que a gente só cobre o que já esta coberto e o

Roberto Gomes.

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Graciliano Ramos está em qual lugar?

A não, lá em cima, lá em cima, Vidas Secas, Angústia, ponta,

ponta, ponta. Que é, por exemplo, onde eu não colocaria o Tostão,

escreve bem, mas eu acho ainda que ele foi muito maior como joga-

dor do que como escritor. Acho que ele é um escritor normal, bom,

mas nada comparado a Guimarães Rosa, nem mesmo a um Drum-

mond que tem uma linguagem mais comportada, digamos ser com-

parável a Guimarães Rosa ele deveria fazer gols com a unha do de-

dão com o cabelo, que o Guimarães inventou quase uma língua toda

pronta.

Professor Sírio, muitíssimo obrigado eu tenho certeza que o fã

do esporte adorou esta conversa.

Eu que agradeço.

Eu adorei também, agente volta até lá.

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SOBRE PRECONCEITO LINGUÍSTICO

NA RÁDIO CBN

Antonio Carlos Xavier

À Direção de jornalismo da Rádio CBN

Venho manifestar minha indignação com esta emissora após

ouvir observações estapafúrdias do comentarista de política, Senhor

Merval Pereira, bem intencionado, porém cientificamente desatuali-

zado, em relação aos mais recentes estudos realizados no campo da

Ciência da Linguagem.

Os comentários disparatados proferidos pelo jornalista acon-

teceram durante a emissão do dia, 13/05/2011, dentro do programa

―CBN Brasil‖, ancorado pelo jornalista Carlos Alberto Sardenberg.

O comentário abordou supostos erros conceituais presentes no livro

didático de Língua Portuguesa, ―Por uma vida melhor‖, da coleção

―Viver, aprender‖ aprovado pelo MEC depois de avaliado por uma

equipe de especialistas. O comentário pode ser ouvindo na íntegra

acessando o link

http://cbn.globoradio.globo.com/comentaristas/merval-

pereira/MERVAL-PEREIRA.htm e depois clicando no podcast inti-

tulado ―Livro didático não pode aceitar erro de Português‖.

Solicitado pelo apresentador a comentar trechos do referido

livro no qual aparecem afirmações tratadas por ambos como ―polê-

micas‖, o comentarista declinou uma série de opiniões equivocadas e

descabidas sobre tais trechos. Adjetivos como ―absurdo‖, ―ilógico‖,

―distorcido‖... permearam largamente a fala do jornalista sobre a po-

sição dos linguistas, CIENTISTAS QUE SE DEDICAM A ESTU-

DAR O FUNCIONAMENTO DA LINGUAGEM E A DESCREVÊ-

LA tal como ela é e não como ela deveria ser.

Durante e depois do comentário, fiquei me perguntando: com

que autoridade científica este comentarista de política se arvora a te-

cer comentários avaliativos sobre questões de linguagem para as

quais nitidamente não tem formação acadêmica?

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O que ele denomina de ―erro gramatical‘ não passa do que,

nós linguistas, cientificamente denominamos de variação no uso da

linguagem, de acordo com o contexto situacional. Dizer: ―Nós pega

o peixe‖ ou ―Os menino pega o peixe‖ são exemplos de variação na

forma de usar a linguagem, tal como apontado corretamente pelo li-

vro.

O comentarista confunde ―falares regionais‖ com modo in-

formal de utilizar a língua. E o que é pior, na sequência, ele afirma

que só em algumas regiões é que se fala ―errado‖ (―o fato de falarem

errado em certas regiões não quer dizer que seja o português cor-

reto‖). Certamente a região onde ele vive não se fala ―errado‖ e mui-

to menos ele falaria fora do ―Português padrão. Não é bem isso o que

uma análise superficial dos seus comentários nos permite ver.

Segundo o senhor Merval, ―livro didático não pode ensinar

errado‖. Esse senhor precisa ser avisado de que não se trata de ―ensi-

nar errado‖. Trata-se de reproduzir, em lugares adequados para isso,

como em livros didáticos, por exemplo, as descobertas científicas de

anos e anos de pesquisas, tendo como objeto de investigação diferen-

tes línguas como inglês, francês, espanhol, alemão e também portu-

guês. Pesquisadores sérios passam horas, meses e anos de suas vidas

coletando dados, cotejando-os, analisando-os, guiados por metodo-

logias e teorias rigorosas para realizarem suas pesquisas. Os resulta-

dos de todo esse trabalho não são meras impressões superficiais co-

mo as opiniões deste ―ingênuo‖ comentarista que é mais um refém

das concepções de ‗língua‘, ‗erro‘ e ‗gramática‘ disseminadas em

manuais de português escritos por pessoas desatualizadas sobre os

novos achados da Ciência da linguagem.

No trecho do livro lido pelo apresentador do programa para

ser objeto das observações do comentarista referia-se à possibilidade

de alguém ser vítima de ‗preconceito linguístico‘ se optar por falar

―os livro‖ em lugar de ―os livros‖, forma padrão esperada. O ―senhor

sabe tudo‖ comete o impropério de dizer que tal afirmação daquele

livro didático que seria ―um absurdo total‖. Entretanto, ele mesmo

comete uma série de ―erros de português‖ em seu desnecessário co-

mentário. Coloco essa expressão entre aspas para acentuar que, cien-

tificamente, não há ―erro‖ no uso da língua, o que pode haver é ina-

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dequação linguística, ao se usar uma variação da língua fora do con-

texto adequado ou esperado.

Vejamos algumas das inadequações linguísticas cometidas

por ele em seu lamentável comentário num dos mais importantes ve-

ículos de comunicação, o rádio, cuja maior parte da audiência desta

emissora em particular, a CBN, é formada por ouvintes bastante es-

colarizados, muitos com nível de mestrado e doutorado, a exemplo

de uma grande parcela dos linguistas deste país. Certamente, alguns

ouvintes devem ter se incomodado bastante ao escutar tais inadequa-

ções, neste contexto de comunicação em que deveria predominar o

uso formal da Língua Portuguesa. Vejamos alguns dos seus ―deslizes

de linguagem‖:

a) ―imagina‖ - A forma verbal adequada deveria ser ―imagi-

ne‖ (você), ou seja, o comentarista deveria ter usado a 3ª. pessoa do

singular no modo imperativo, pois dirigia-se ao apresentador com

quem estava dialogando no ar. A forma verbal ‗imagina‘ é relativa à

2ª. pessoa do singular (tu) do modo imperativo;

b) ―você falá‖ – Há a omissão do ‗r‘ final neste e em vários

outros verbos e locuções verbais (aceitá, pode sê, vai fazê, estudá,

transformá, justificá, querê, politizá etc.) que permeiam o comentá-

rio. Usando o mesmo rigor do comentarista purista, tal omissão cons-

tituiria uma inadequação de pronúncia do verbo, ―ato falho‖ também

classificado por muitos gramatiqueiros de ―vício de linguagem‖.

Imagina você, leitor, como agora ficará a imagem deste jornalista

depois de empregaR tantos verbos sem ‗r‘. Seus ouvintes não vão lhe

perdoaR.

c) ―né? – A contração do advérbio ‗não‘ com o verbo ‗ser‘

empregado na 3ª. pessoa do singular, ‗é‘, aparece com frequência no

texto oral do jornalista. Se ele tivesse sido mais cuidadoso com a

própria linguagem teria preferido a forma ‗não é ?‘ e assim tiraria a

naturalidade da fala própria do veículo rádio.

d) ―ele tem mérito por outras coisa‖ – Na mesma linha do

―esquecimento da língua padrão‖, o jornalista esqueceu de fazer a

concordância nominal no ar para todo o Brasil. Faltou-lhe inserir a

letra ‗s‘ na palavra ‗coisa‘. Será que ele não percebeu que estava fa-

lando potencialmente para milhões brasileiros que ouviam a emisso-

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ra naquele momento? Ou ele teria pensado que estava à mesa de um

bar, verborragindo a seus amigos de imprensa para lhes parecer um

intelectual, capaz de discorrer fluentemente sobre qualquer tema, até

mesmo sobre aqueles para os quais jamais leu uma tese, nunca pegou

em uma dissertação ou sequer folheou um artigo científico desta área

de conhecimento, a Linguística?

e) ―ele (Lula) em nenhum momento nunca, embora tenha res-

valado‖– Neste trecho aparecem duas inadequações linguísticas das

quais o comentarista não se deu conta. Uma é o uso da dupla negati-

va (‗nenhum‘ e ‗nunca‘) que constituiria uma quebra da lógica no ra-

ciocínio cartesiano que o jornalista tanto advoga. Sabe-se que duas

partículas ou palavras negativas numa mesma sentença tornam-na

afirmativa. A segunda inadequação é a construção de uma frase com

‗anacoluto‘, isto é, um fenômeno linguístico bastante comum na mo-

dalidade falada da língua, caracterizado pelo abandono de uma estru-

tura frasal com o imediato início de outra frase. Tal procedimento

pode deixar o ouvinte atordoado. Será que o ―sábio jornalista‖, pro-

fundo conhecedor da Língua Portuguesa e das formas de raciocínio

lógico, esqueceu-se destes detalhes?

f) ―ele tem esse viés, tem essa mania‖ – A sequência das pa-

lavras ‗viés‘ e ‗mania‘ com o intuito de encadear uma sinonímia, ou

seja, que ambas as palavras apresentem sentido similar é mais uma

mostra de que o ―perfeccionista observador‖ de supostos ―erros‖

alheios também comete suas impertinências semânticas. A palavra

‗viés‘ significa ―obliquidade, linha, direção oblíqua‖ e ‗mania‘ quer

dizer ―aferro a uma ideia fixa, teima, desejo imoderado‖. Portanto,

não são termos sinônimos e não deveriam ser usadas paralelamente

como o fez o tão ―atento‖ comentador.

g) ―é uma tese completamente absurda‖ – Considerar ‗absur-

da‘ uma tese qualquer que seja acerca da qual se nunca fez pesquisa

científica para confrontá-la ou sequer leu um artigo científico sobre a

questão é no mínimo uma atitude irresponsável. Absurdo é usar um

veículo de comunicação tão poderoso como o rádio e a audiência de

tão prestigiada emissora para fazer ecoar suas mais obsoletas con-

cepções sobre linguagem, pois defender qualquer preconceito é um

atentado ao ser humano, ao seu direito de ser. No que concerne à lín-

gua, este tipo de preconceito é um dos mais sutis e danosos porque

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silenciosamente paralisa o indivíduo no processo de construção de

sua autoestima, da imagem de si.

h) ―realmente eu não consigo alcança essa ideia‖ – É esperado

que o comentarista admita sua limitação em alcançar essa ideia, pois

sua análise não passa de um pitaco, de uma opinião intrometida em

seara alheia, desprovida de quaisquer fundamentos científicos.

Há muitas pesquisas que provam as variedades linguísticas e

que poderiam a abrir a mente deste senhor no que concerne ao funci-

onamento da língua. Trata-se de um fenômeno que acontece a todas

as línguas vivas do mundo. Variação e mudança são movimentos na-

turais de fenômenos vivos. As línguas são assim, e por isso obede-

cem aos seus usuários que são seres criativos e dinâmicos. Fósseis

imutáveis são apenas as concepções de alguns gramatiqueiros aos

quais o comentarista político da Rede CBN, Merval Pereira, ajuda a

congelar.

Penso que a direção de jornalismo da Rádio CBN deveria

apenas pautar temas estritamente políticos, pois destes o Merval Pe-

reira parece bem entendê-los.

Antonio Carlos Xavier – Professor titular em Linguística da

UFPE.

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OS LIVRO MAIS INTERESSANTE

ESTÃO EMPRESTADO

Augusto Nunes

A menção a leituras informa que a frase reproduzida no título

do post não foi pinçada de alguma discurseira de Lula. Mas os auto-

res do livro didático ―Por uma vida melhor‖, chancelado pelo MEC,

decerto se inspiraram na oratória indigente do Exterminador do Plu-

ral para a escolha de exemplos que ajudem a ensinar aos alunos do

curso fundamental que o s no fim das palavras é tão dispensável

quanto um apêndice supurado. O certo é falar errado, sustenta o pa-

pelório inverossímil.

A lição que convida ao extermínio da sinuosa consoante é um

dos muitos momentos cafajestes dessa abjeta louvação da ―norma

popular da língua portuguesa‖. Não é preciso aplicar a norma culta a

concordâncias, aprendem os estudantes, porque ―o fato de haver a

palavra os (plural) já indica que se trata de mais de um livro‖. Assim,

continuam os exemplos, merece nota 10 quem achar que ―nós pega o

peixe‖. E só podem espantar-se com um medonho ―Os menino pega

o peixe‖ os elitistas incorrigíveis.

―Muita gente diz o que se deve e o que não se deve falar e es-

crever tomando as regras estabelecidas para norma culta como pa-

drão de correção de todas as formas linguísticas‖, lamenta um trecho

da obra. Por isso, o estudante que fala errado com bastante fluência

―corre o risco de ser vítima de preconceito linguístico‖. A isso foram

reduzidos pelo Brasil de Lula e Dilma os professores que efetiva-

mente educam: não passam de ―preconceituosos linguísticos‖.

―Não queremos ensinar errado, mas deixar claro que cada lin-

guagem é adequada para uma situação‖, alega Heloísa Ramos, uma

das autoras da afronta. Em nota oficial, o MEC assumiu sem rubores

a condição de cúmplice. ―O papel da escola‖, avisam os acólitos de

Fernando Haddad, ‖ não é só o de ensinar a forma culta da língua,

mas também o de combater o preconceito contra os alunos que falam

linguagem popular‖.

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A professora Heloísa sentiu-se ofendida com a perplexidade

provocada pelo assassinato a sangue frio da gramática, da ortografia

e da lucidez. ―Não há irresponsabilidade de nossa parte‖, garantiu.

Há muito mais que isso. Há um crime hediondo contra a educação

que merece tal nome, consumado com requintes de cinismo e arro-

gância. O Brasil vem afundando há oito anos num oceano de estupi-

dez. Mas é a primeira vez que o governo se atreve a usar uma obra

supostamente didática para difundi-la.

Poucas manifestações de elitismo são tão perversas quanto

conceder aos brasileiros desvalidos o direito de nada aprender até a

morte, advertiu o post reproduzido na seção Vale Reprise. As lições

de idiotia endossadas pelo MEC prorrogaram o prazo de validade do

título: a celebração da ignorância é um insulto aos pobres que estu-

dam.

A Era da Mediocridade já foi longe demais.

Clique na imagem e confira um dos trechos do livro “Por

uma vida melhor”:

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ANEXO:

O artigo de Augusto Nunes aludido na seção Vale Reprise é o

seguinte:

A CELEBRAÇÃO DA IGNORÂNCIA

É UM INSULTO AOS POBRES QUE ESTUDAM

―Eu cheguei à Presidência mesmo sem ter um curso superior‖,

repetiu Lula a frase que nasceu como pedido de desculpas, tornou-se

desafio, foi promovida a motivo de orgulho e acabou virando refrão

do hino à ignorância. ―Talvez até quando eu deixar a Presidência

possa até cursar uma universidade‖, disse nesta terça-feira o único

chefe de governo do mundo que não sabe escrever e nunca leu um

livro.

Desse perigo estão livres os professores universitários. Lula

evita livros e cadernos como o Superman evita a kriptonita. Longe

do trabalho duro há 30 anos, não estudou porque não quis. Tempo

teve de sobra. Vai sobrar mais tempo ainda quando sair do Planalto,

mas continua sobrando preguiça. E ele entende que foi formalmente

dispensado de aprender qualquer coisa pelos companheiros que sa-

bem juntar sujeito e predicado.

A lastimável formação escolar foi tratada como pecado venial

até que o crítico literário Antonio Cândido ensinou que, dependendo

do portador, ignorância é virtude. ―Essa história de despreparo é bo-

bagem‖, decretou há dois anos, entre um ensaio e a leitura de um

clássico, o professor que não perdoava sequer cacófatos. ―Lula tem

uma poderosa inteligência e uma capacidade extraordinária de ab-

sorver qualquer fonte de ensinamento que existe em volta dele ─ via-

jando pelo país, conversando com o povo, convivendo com os inte-

lectuais‖.

Amigo do fenômeno há 20 anos, Antônio Cândido descobriu

um doutor de nascença. ―Nunca vi Lula ser um papagaio de nin-

guém‖, garantiu. ―Nunca vi Lula repetir o que ouviu. Ele tem uma

grande capacidade de reelaborar o que aprende. E isso é muito im-

portante num líder‖. O líder passou a reelaborar o que aprende com

tal desembaraço que anda dando lições a quem sabe.

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Em junho, numa entrevista à RBS, explicou que a ministra El-

len Gracie não conseguiu o emprego no Exterior porque não estudou

como deveria. ―Mas ela é moça, ainda tem tempo‖, consolou-a. Em

julho, enquadrou os críticos do programa que provocou o sumiço da

miséria, o extermínio da fome e a promoção de todos os pobres a

brasileiros da classe média.

―Alguns dizem assim: o Bolsa Família é uma esmola, é assis-

tencialismo, é demagogia e vai por aí afora‖, decolou o exterminador

de plurais. ―Tem gente tão imbecil, tão ignorante, que ainda fala ―o

Bolsa Família é pra deixá as pessoas preguiçosa porque quem recebe

não quer mais trabalhá‖. Quem discorda do presidente que ignora a

existência da fronteira entre o Brasil e a Bolívia, reincidiu, ―é uma

pessoa ignorante ou uma pessoa de má-fé ou uma pessoa que não

conhece o povo brasileiro‖.

Povo é com ele, gabou-se outra vez nesta terça-feira. No meio

da aula, recomendou o estudo de português. ―É muito importante pa-

ra as crianças não falarem menas laranjas, como eu‖, exemplificou.

Mas não tão importante assim: ―Às vezes, o português correto as

pessoas nem entendem. Entendem o menas que eu falo‖.

Mesmo os que não se expressam corretamente entendem

quem fala menos. Não falta inteligência ao povo. Falta escola. Falta

educação. Falta gente letrada com disposição e coragem para corrigir

erros cometidos por adultos que nasceram pobres. Lula deixou de di-

zer menas quando alguém lhe ensinou que a palavra não existe. O

exemplo que invocou foi apenas outra esperteza. Poucas manifesta-

ções de elitismo são tão perversas quanto conceder a quem nasce po-

bre o direito de nada aprender até a morte.

Milhões de meninos muito mais pobres do que Lula foi en-

frentam carências desoladoras para assimilar conhecimentos. A cele-

bração da ignorância é, sobretudo, um insulto aos pobres que estu-

dam. É também uma agressão aos homens que sabem. Num Brasil

pelo avesso, os que aprenderam português logo terão de pedir licença

aos analfabetos para expressar-se corretamente, e os que estudaram

em Harvard esconderão o diploma no sótão.

A boa formação intelectual não transforma um governante em

bom presidente. Mas quem se orgulha da formação indigente e des-

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preza o conhecimento só se candidata a estadista por não saber o que

é isso. Lula será apenas outra má lembrança destes tempos estranhos.

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MESMO FALANTES CULTOS NÃO SEGUEM A

NORMA PADRÃO

Análise leva em conta mais de 1.500 horas de entrevistas gra-

vadas desde a década de 1970 em cinco capitais

Pesquisa mostra que entre brasileiros com nível superior só

5% usam pronomes da forma recomendada

ANTÔNIO GOIS

FOLHA DE SÃO PAULO

"Os menino pega o peixe e colocam na mesa." O leitor mais

escolarizado provavelmente estranhará a falta de concordância na

frase anterior entre o artigo e o substantivo e entre o sujeito e o ver-

bo. Mas há algo mais nela em desacordo com o que é ensinado em

gramáticas.

Falta o pronome oblíquo "o", para que a frase, agora escrita

em total acordo com a norma padrão, fique assim: "Os meninos pe-

gam o peixe e colocam-no na mesa."

Análise de mais de 1.500 horas de entrevistas gravadas desde

1970 em cinco capitais revelam que mesmo os brasileiros de nível

universitário, na fala, usam variedades linguísticas em desacordo

com a norma padrão.

Estudos feitos a partir do projeto Nurc (Norma Linguística

Culta Urbana) e do Programa de Estudos sobre o Uso da Língua re-

velam, por exemplo, que a omissão do pronome, como no exemplo

da frase que iniciou este texto, é uma das características mais co-

muns tanto entre os mais escolarizados quanto entre os menos instru-

ídos.

Entre brasileiros com nível superior, não passa de 5% a fre-

quência na fala com que o pronome é colocado em casos em que a

norma padrão escrita recomendaria. Entre os menos escolarizados, o

percentual é de 1%.

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CONCORDÂNCIA

A diferença mais visível está na concordância em frases cur-

tas, como em "Os menino pega o peixe", mais comum entre os me-

nos escolarizados.

As pesquisadoras Dinah Callou, Eugenia Duarte e Célia Lo-

pes, da UFRJ do projeto Nurc, explicam que os mais escolarizados

têm maior cuidado com a concordância ao escrever. Na fala colo-

quial, porém, o monitoramento é menor e ela se aproxima das vari-

antes populares.

"Para espanto de muitos, as análises mostram que as varieda-

des cultas não só não se distinguem muito entre si como também não

se distanciam muito das variedades chamadas populares", afirmam

as pesquisadoras.

Um dos mais conhecidos estudos feitos a partir da base de

dados do projeto Nurc foi feito por Ataliba Teixeira de Castilho

(Unicamp).

Ele afirma que uma das principais conclusões foi que, para

surpresa de muitos, a língua falada por eles era também muito dife-

rente do que era preconizado pelas gramáticas da época.

Os pronomes pessoais das gramáticas escolares (eu, tu, eles,

nós, vós, eles), por exemplo, já não correspondiam mais ao que era

usado na fala dos mais escolarizados, que já trocavam, desde a déca-

da de 1970, "tu" e "vós" por "você" e "vocês", além de "nós" por "a

gente".

Uma das consequências é que, como explica Castilho, é cada

vez menos comum o uso do sujeito oculto, já que, pela terminação

do verbo, não é possível mais identificar claramente qual pronome

pessoal foi ocultado.

As formas verbais de terceira pessoa são usadas com os pro-

nomes "você" e "ele", portanto a terminação não é capaz de identifi-

car o sujeito (por exemplo, "você fala", "ele fala"). O mesmo vale

para as formas do plural ("vocês falam", "eles falam"). Com "tu" ou

"vós", isso não aconteceria. A terminação seria suficiente para que o

interlocutor descobrisse qual era o sujeito da frase.

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ENTREVISTA

COM O PROFESSOR ATALIBA CASTILHO

SOBRE O LIVRO

"POR UMA VIDA MELHOR"

Nos vamos falar novamente aqui no noticias universo sobre o

polemico livro didático pra jovens e adultos que foi distribuído pelo

MEC pra quatro mil duzentos e trinta e seis escolas de todo o pais,

quase meio milhão de alunos, essa polemica se arrasta a vários dias.

O livro Por uma vida melhor da Editora Global considera va-

lido o uso na linguagem oral de expressões gramaticalmente erradas,

segundo o livro evitaria um possível preconceito linguístico. Bem

nos vamos conversar hoje sobre este tema com um especialista, o

pesquisador e professor aposentado da USP e da Unicamp Ataliba

Castilho, o professor Castilho inclusive tem uma gramática, lançou

uma gramática aqui Gramática do Português Brasileiro que entre

outras coisas trata desta questão do uso de palavras que não são da

norma culta da língua no português falado.

Professor Castilho o senhor leu o livro em questão, este livro

que esta sendo distribuído pelo MEC?

Já li sim, se não nem viria aqui.

Esta certo. Então o que, onde esta a polemica?

A polemica eu quero dizer antes de mais nada, que acho que

esta polemica tem maior importância para trazer para as ruas uma

discussão que tem rolado dentro dos muros acadêmicos e nos órgãos

de um ensino publico e de um ensino particular, ou seja, que portu-

guês nos vamos ensinar nas escolas? O começo disso tudo, eu acho

que esta realmente na emissão da nossa constituição de 88 que esta-

beleceu que o ensino fundamental era obrigatório, passaria a ser

obrigatório pra todos, sendo obrigatório para todos as escolas não

iam mais receber unicamente os alunos filhos da classe média urba-

na, gente que lê livro, que assina jornal, lê jornal, etc. mas sim tam-

bém a pessoas que não tem essa condição cultural na sua casa.

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O estado brasileiro se preparou para essa grande alteração,

baixou os parâmetros curriculares, feito por gente de muita compe-

tência, aparte daí as universidades desenvolveram pesquisas sobre

como é mesmo o português do Brasil agora, vários projetos coletivos

se dedicaram a este tema, e com isto foi possível prepara material di-

dático para enfrentar a situação do aluno que não te, não fala na sua

família o português padrão, essa situação que realmente agora acon-

tece, nos estamos com mais clareza, vendo com mais clareza os pro-

blemas que vem a ser você incorporar na escola publica e também na

escola privada você encontrar pessoas que não fala a norma culta e

terão que aprender, porque esta é a obrigação da escola.

Quer dizer a escola tem que ensinar a norma culta. Agora, en-

tão o senhor concorda com este livro? pelo que eu não entendi.

Este livro eu acho que não foi lido pelas pessoas que estão le-

vantando estas questões todas, estão dizendo que a autora do livro

admite como correto ensinar nas escolas a variedade popular da lín-

gua, quando que ela não fez isso, ela ensino as regras da concordân-

cia de acordo com o padrão com a norma culta e depois disse, agora

estas mesmas frases são ditas deste outro modo entre as pessoas que

não dominam o padrão culto, porque que ela fez isso, porque a idéia

destas alterações todas que nós estamos assistindo é que você não

exclua o seu aluno que não fala o padrão culto do ensino, não vai lo-

go dizendo você falado errado, o seu pai fala errado, todo mundo fala

errado, porque ai você quebrou a relação entre o professor e o aluno,

é um cuidado de incorporar a pessoa...

Isso que ela chama ai de preconceito linguístico?

É. O preconceito seria, você fala tudo errado, você não sabe a

gramática, porque do ponto de vista cientifico é engraçadíssimo,

porque ninguém consegue falar se ele não tem uma gramática, ele

tem uma gramática, ou seja uma estruturação das palavras na sua ar-

ticulação dentro da sentença, etc. É impossível falar se você não tem

uma gramática. Agora, a gramática da modalidade popular, que do

ponto de vista cientifico é mais avançada do que a gramática da

norma culta, por causa do controle do ensino, ela tem que natural-

mente ralentar um pouco a sua mudança, mas que de todo o modo

são gramáticas que convivem na cabeça do aluno, então ele tem que,

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a escola vai, não quer excluir o aluno, por isso esta estratégia que ela

adoto.

E esta é uma estratégia adotada com concordância da acade-

mia, isso ai foi pensado, não é essa autora que resolveu escrever des-

ta maneira, isso é..

Se você esta mencionando a Academia Brasileira de Letras, ai

eu acho que não, porque a academia brasileira de letras defende a

obrigação dela, a língua literária.

Esta certo, quando eu falo academia eu falo a universidade, os

pesquisadores, as pessoas que trabalha com a língua ou com a lin-

guagem, com a gramática. O senhor é um gramático, escreveu uma

gramática, não é um linguista.

Não eu sou um linguista também, só que eu sou um linguista

gramático. Isso ai é uma outra coisa, é que agora as gramáticas pas-

saram a estas fitas desde os anos 80 para cá por linguistas aqui no

Brasil, o que é uma novidade, gente que faz pesquisa sobre a língua

através de projetos coletivos, verifica cuidadosamente como de fato

se fala no Brasil e se escreve no Brasil, ai então é que parte para a fi-

xação disso em gramáticas pedagógicas, então isto é uma coisa que

muda, mudou um pouco no nosso panorama cientifico e de ensino

pedagógico.

Aqui na gramática que o senhor, essa gramática é recente, o

senhor lançou ela quando?

Ela saiu no ano passado, em abril do ano passado.

Abril de 2010, então ta, aqui nesta gramática o senhor trata

então desta questão da linguagem, como é que o senhor chamou, não

é da norma popular, isso da variedade popular da língua, o senhor

trata isso aqui?

Variedade popular. Trato, eu mostro por exemplo é que uma

coisa é você conjugar o verbo de acordo com o padrão culto, e outra

coisa é conjugar o verbo dentro da variedade popular. Na variedade

popular você não diz eles foram, na variedade popular você diz ex foi

o eles virou ex e o foram esta perdendo a morfologia, o nosso verbo

esta perdendo a variação morfológica por causa de alteração que

houve nos quadros de pronomes, isso é todo um conjunto de coisas

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que estão funcionando ao mesmo tempo, então eu digo isto aqui que

na língua culta é eles foram no dialeto popular, não escolarizado é ex

foi. Agora estamos inventando alguma coisa? Não. Porque aonde foi

que descobriu que as pessoas falam ex foi, gravando a fala das pes-

soas não escolarizadas, estudando como eles falam, e eles falam as-

sim, gostemos ou não.

Alias não a razão para gostar nem desgostar porque isso é um

fato. É um fato.

É um fato, porque agente não pode falar assim que é absolu-

tamente errado, você fala errado, você,

A fala errada absolutamente errada é quando você fala e o ou-

tro não entende. No mais você esta usando ou uma variedade ou a

outra.

São formas de usar...

Diferentes de dizer a mesma coisa, a língua é muito rica, não

queremos poder empobrecer .

Agora o que esta sendo questionado professor é o seguinte, é

que a professora, outra coisa que não esta sendo dita é que este é um

livro para jovens e adultos, ou seja, gente já com uma certa maturi-

dade, não são meninos, meninas, jovens, são jovens e adultos. Mas o

que esta sendo questionado é que neste livro a professora admite, ou

seja, tem uma frase que diz assim a então vc me pergunta eu posso

falar 'os livros' claro que pode o senhor concorda com isso claro que

pode.

Olha quando você tem uma pergunta errada, você tem uma

resposta errada, perguntar para uma pessoa você pode falar os livro

esta pergunta esta errada, porque as pessoas estão falando assim, já

estão falando assim, só que isso não esta de acordo com o padrão.

Então isso também foi muito explorado, por causa deste pode ai de

um lado, o outro problema que este texto de fato traz é designar a va-

riedade popular como norma popular, isso trouxe um certo ruído.

Ela chamou aqui de norma, e não é uma norma.

Porque entre nos, é, do ponto de vista cientifico é, alguma

coisa normativo entre as pessoas que não tem escolaridade, mas veja

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bem, é melhor, preservar o uso de norma só para o padrão culto evita

ruído, evita confusão. Existe o padrão culto que a língua do estado,

que a escola ensina.

Que tem que ensinar, o papel dela é ensinar.

Tem que ensinar, tem sem duvida nenhuma, essa variedade

linguística que promove o cidadão. Então ele vai falar melhor, ele

vai ser mais claro, vai ser mais expressivo e ele vai ser mais aceito

fora do seu meio, do meio em que ele convive, de sorte que sem du-

vida ninguém jamais negou é obrigação da escola a língua do estado,

e a língua é o padrão culto, que até da sua forma gráfica vem disci-

plinada por uma lei, é uma coisa bem engraçada isso, é uma lei for-

mal que disciplina a ortografia. Agora então seria melhor preservar

em suma a palavra norma pra esta língua culta do estado, legal aceita

nas gramáticas, através das quais o individuo se promove socialmen-

te. Que é claro que ele se promove muito mais socialmente dizendo

eles foram do que ex foi, isso não resta duvida.

Falar de maneira errada ele não vai crescer na vida

Por outro lado se no seu meio, na sua família ele sai dizendo

eles foram quando os pais diz ex foi ele foi inadequado ali, naquela

variedade é ex foi que se disse, que se diz, na outra situação social

eles foram então é muito complexo dizer ele errou quando disse ex

foi depende, se disse isso no seu meio não errou porque naquele

meio se diz assim essa é a variedade popular.

Eu estou me divertindo muito, desculpe dizer isso aqui, nos

todos temos admiração pela França e o Frances e tudo isso, não é?

No Frances faz tempo que as regras são assim, você marca o plural

só no artigo, o resto você escreve mas não fala mais.

Que é exatamente como ela colocou aqui né, os livros ilustra-

dos mais interessantes estão emprestado, então se refere a um livro

ou mais de um livro, ela disse que se refere a mais de um livro por

causa do artigo.

É como em francês Le livre ilustrê etc então você sabe que é

plural por que você disse Le não disse Lhe, que seria o singular, en-

tão a marcação esta no artigo. O Frances é uma língua mais velha

que o português, nasceu no ano de 800, e o português nasceu por

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volta de 1100, é mais velho então ela teve tempo de mudar mais, ou

seja o português popular esta indo para um lugar já atingido, já che-

gado digamos assim aqui já chegou o Frances por exemplo, e o in-

glês também não tem esta marcação toda.

Deixa eu colocar um argumento, um outro argumento na nos-

sa conversa, é o seguinte, eu acho que isso teve muita repercussão

também porque os alunos que saem do ensino médio hoje, mesmo no

ensino fundamental eles saem com uma grande deficiência da língua

portuguesa, saem da escola sem saber falar, sem saber escrever,

principalmente sem saber escrever, falar que se comunicam como o

senhor esta dizendo, mas não se comunicam na norma culta e nem

escrevem bem na norma culta, estão ai os exames todos que deixam

isso claro. Será que não é por isso que houve esta tamanha repercus-

são? E o medo de pais, e gente que tem filhos na escola, ou amigos

na escola, então estão ensinando errado na escola, será que não foi

isso que aumentou a repercussão?

Em primeiro lugar não estão ensinando errado na escola; em

segundo lugar o grande problema que nos estamos tendo é essa ex-

plosão do ensino, o despreparo dos professores, mas não só o seu

despreparo, a sua dificuldade em manter a disciplina necessária para

o estudo para qualquer estudo em sala de aula, porque nosso é um

pais indisciplinado, na hora que você ver acontecer coisas horríveis

por ai, em todos os níveis do governo, grandes escândalos, não se

prendem ninguém, agora vai um professor e diz nos precisamos de

fazer assim você esta passando uma normatização para os seus alu-

nos que vive em um pais que não tem norma legal, tem as formais,

mas não tem na sua pratica do dia a dia, aqui no Brasil teria prendido

o Stros teria colocado algemas e colocado na cadeia? O Presidente

do FMI. Teria?

É uma boa pergunta.

Agora como é que o professor em sala de aula, tendo que pas-

sar um padrão a língua de estado nesse meio todo como ele consegue

manter a disciplina em sala de aula? Ele não consegue, isso não é

problema dele.

O senhor atribui isso aos problemas..

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A claro os alunos não são idiotas, estão lendo, estão sabendo,

estão vendo, porque que só eu tenho que seguir ou isso ou aquilo?

Porque num pais todo mundo esta vendo isso acontecer.

Isso aumenta a dificuldade do professor ?

Isso aumenta a dificuldade do professor, ele tem que ser pre-

parado sem duvida, ele tem que ser municiado de bom material didá-

tico sem duvida, mas a uma coisa na qual ele não pode resolver , que

é essa falta de atenção as normas da vida civilizada, não é, não estão

mostrando agora que os alunos chineses são os que são mais adian-

tados, nestes testes que fazem, os chineses, os coreanos, porque?

Porque a uma disciplina lá, porque que há uma disciplina? Se um in-

dividuo ou político comete algum erro, bom ele tem que se suicidar,

se o criminoso faz alguma coisa terrível, bala na nuca, e quem paga a

bala é a família, eu não estou prevendo aqui uma matança geral, com

balas na nuca, eu estou dando exemplos estremados de que? Em cer-

tos lugares se leva a serio, a norma da vida em sociedade, e a norma

da gramática é uma das coisas da vida em sociedade, é um dos as-

pectos, mas isso é um quadro conjunto, como é que eu posso ir para

um lado, exigir de uma lado uma coisa se do outro.

Ta bem professor, então quer dizer, quem esta criticando mui-

to este livro é porque não leu, é isso? Esse é seu argumento?

Em primeiro lugar não leu, em segundo lugar não conseguiu

colocar isso, situar isso no atual quadro dos problemas do ensino pu-

blico no Brasil motivados, felizmente este é um ótimo problema, a

universalização então não há mesmo, não se aceita o diferente, o in-

dividuo, o diferenciado como você esta dizendo agora, não se aceita,

o Brasileiro não tem esse senso democrático, então qualquer coisinha

que acontece ali todo mundo já sai caindo de pau.

Ta certo professor, obrigado pela presença do senhor aqui na

Universo TV.

Eu que agradeço pelo convite.

Até uma próxima oportunidade.

Até uma próxima.

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ESTUDOS DA NORMA PADRÃO NO BRASIL

Escrito por Stella Bortoni Dom, 22 de Maio de 2011 15:15

Mesmo falantes cultos não seguem a norma padrão

Análise leva em conta mais de 1.500 horas de entrevistas gra-

vadas desde a década de 1970 em cinco capitais

Pesquisa mostra que entre brasileiros com nível superior só

5% usam pronomes da forma recomendada

ANTÔNIO GOIS

FOLHA DE SÃO PAULO

"Os menino pega o peixe e colocam na mesa." O leitor mais

escolarizado provavelmente estranhará a falta de concordância na

frase anterior entre o artigo e o substantivo e entre o sujeito e o ver-

bo. Mas há algo mais nela em desacordo com o que é ensinado em

gramáticas.

Falta o pronome oblíquo "o", para que a frase, agora escrita

em total acordo com a norma padrão, fique assim: "Os meninos pe-

gam o peixe e colocam-no na mesa."

Análise de mais de 1.500 horas de entrevistas gravadas desde

1970 em cinco capitais revelam que mesmo os brasileiros de nível

universitário, na fala, usam variedades linguísticas em desacordo

com a norma padrão.

Estudos feitos a partir do projeto Nurc (Norma Linguística

Culta Urbana) e do Programa de Estudos sobre o Uso da Língua re-

velam, por exemplo, que a omissão do pronome, como no exemplo

da frase que iniciou este texto, é uma das características mais co-

muns tanto entre os mais escolarizados quanto entre os menos instru-

ídos.

Entre brasileiros com nível superior, não passa de 5% a fre-

quência na fala com que o pronome é colocado em casos em que a

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norma padrão escrita recomendaria. Entre os menos escolarizados, o

percentual é de 1%.

CONCORDÂNCIA

A diferença mais visível está na concordância em frases cur-

tas, como em "Os menino pega o peixe", mais comum entre os me-

nos escolarizados.

As pesquisadoras Dinah Callou, Eugenia Duarte e Célia Lo-

pes, da UFRJ do projeto Nurc, explicam que os mais escolarizados

têm maior cuidado com a concordância ao escrever. Na fala colo-

quial, porém, o monitoramento é menor e ela se aproxima das vari-

antes populares.

"Para espanto de muitos, as análises mostram que as varieda-

des cultas não só não se distinguem muito entre si como também não

se distanciam muito das variedades chamadas populares", afirmam

as pesquisadoras.

Um dos mais conhecidos estudos feitos a partir da base de

dados do projeto Nurc foi feito por Ataliba Teixeira de Castilho

(Unicamp).

Ele afirma que uma das principais conclusões foi que, para

surpresa de muitos, a língua falada por eles era também muito dife-

rente do que era preconizado pelas gramáticas da época.

Os pronomes pessoais das gramáticas escolares (eu, tu, eles,

nós, vós, eles), por exemplo, já não correspondiam mais ao que era

usado na fala dos mais escolarizados, que já trocavam, desde a déca-

da de 1970, "tu" e "vós" por "você" e "vocês", além de "nós" por "a

gente".

Uma das consequências é que, como explica Castilho, é cada

vez menos comum o uso do sujeito oculto, já que, pela terminação

do verbo, não é possível mais identificar claramente qual pronome

pessoal foi ocultado.

As formas verbais de terceira pessoa são usadas com os pro-

nomes "você" e "ele", portanto a terminação não é capaz de identifi-

car o sujeito (por exemplo, "você fala", "ele fala"). O mesmo vale

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para as formas do plural ("vocês falam", "eles falam"). Com "tu" ou

"vós", isso não aconteceria. A terminação seria suficiente para que o

interlocutor descobrisse qual era o sujeito da frase.

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POR QUE TODA ESSA CELEUMA REFERENTE À

INCLUSÃO DE TÓPICOS DE

VARIAÇÃO LINGUÍSTICA EM LIVRO DIDÁTICO?

Stella Maris Bortoni-Ricardo (UnB)

Escrito por Stella Bortoni Sex, 20 de Maio de 2011 22:24

Eu poderia, como Shakespeare, dizer que se trata de muito ba-

rulho por nada, mas prefiro me ater a analisar o ‗barulho‘. Nunca os

órgãos de imprensa, inclusive os mais poderosos, dedicaram tanto

espaço para discutir um conteúdo de livro didático, como aconteceu

nas últimas semanas em relação ao tratamento de regras linguísticas

variáveis em livro destinado à educação de jovens e adultos. Não me

deterei nos fatos, sobejamente conhecidos. Observo apenas que, por

um lado, tivemos jornalistas ilustres criticando veementemente o tra-

tamento que o livro deu às variantes de regras de concordância no-

minal e verbal, com o objetivo de ensinar que há diferenças entre as

modalidades oral e escrita da língua. Argumentavam os jornalistas

que a escola estaria fugindo a sua função precípua, que é ensinar

alunos de todos os estratos sociais a usar com competência a nossa

língua materna. Gostaria de incluir aqui a refutação a essa interpreta-

ção equivocada da imprensa, mas resisto à tentação e deixo isso para

um próximo texto.

Por outro lado, tivemos manifestações esmeradas de linguis-

tas nacionais, inclusive da Associação Brasileira de Linguística –

ABRALIN, mostrando que toda a Linguística brasileira está com-

prometida com o ensino competente da língua portuguesa nas esco-

las. Retomarei também esse ponto em breve.

O que quero agora é refletir sobre o impacto que fatos, geral-

mente circunscritos à atenção apenas de professores e dos responsá-

veis pelas políticas públicas de educação, tiveram sobre a sociedade,

a julgar pela importância que a grande imprensa lhes conferiu. É

possível também que, ao pautar a matéria, a mídia tivesse intenções

políticas, mas deixo essa análise aos especialistas em política. Res-

trinjo-me ao acervo de conhecimentos acumulados na área de Socio-

linguística, com os quais convivo há mais de 30 anos.

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Um conceito seminal na Sociolinguística, que preside a toda a

contribuição que essa disciplina tem feito à Educação é o de compe-

tência comunicativa, avançado por Dell Hymes em 1967 e retomado

em 1972. Para sua postulação, esse sociolinguista de formação an-

tropológica buscou subsídios na teoria sintática de Noam Chomsky e

na antropologia funcionalista de Ward H. Goodenough. Caudatária

dessas duas influências, a competência comunicativa de Hymes tem

na adequação dos atos de fala seu principal componente, ou seja, um

ato de fala é adequado se atende às exigências do contexto em que é

produzido e, principalmente, se leva em conta as expectativas do ou-

vinte. Assim posta, a adequação que é parte essencial da competên-

cia comunicativa emana diretamente da definição que Goodenough

fornece para cultura: ―a cultura de uma sociedade consiste de tudo

aquilo que as pessoas têm de conhecer e tudo em que têm de acredi-

tar a fim de operarem de uma maneira aceitável pelos membros des-

sa sociedade‖. Ele vai além, ao associar cultura aos modelos que as

pessoas têm em mente para perceber, relacionar e interpretar o que as

cerca. A aceitabilidade, Goodenough enfatiza, depende ainda em

grande parte de critérios estéticos, que alguns cientistas denominam

―elegância‖.

A noção de aceitabilidade, coletiva, como propõe o antropó-

logo, nos ajuda muito a entender como nas sociedades que desenvol-

veram a escrita, a literatura e as tecnologias elegem uma determinada

variedade linguística como a mais correta, mais lógica, mais desejá-

vel, em detrimento das demais. Essa escolha não é aleatória, depende

de fatores sócio-históricos e está intimamente associada ao prestígio

dos usuários de cada variedade. No começo do século XX, o Círculo

Linguístico de Praga dedicou atenção ao processo de padronização

das línguas, que as transforma em línguas nacionais de uso suprarre-

gional. Enfatizava o Círculo dois componentes desse processo: a pa-

dronização, via elaboração de gramáticas, construção de dicionários,

fundação de academias de belas letras, e a legitimação, que consiste

no apreço que os falantes têm pela variedade padronizada e no valor

que lhe conferem.

No caso do nosso português, a variedade de prestígio, usada

na literatura, na burocracia estatal e no culto religioso, chegou nas

caravelas. A língua lusitana já estava em processo de padronização

quando seus usuários chegaram ao Novo Mundo. Desde então, vem

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sendo cultuada e reverenciada e se transformou no principal passa-

porte para a ascensão social em um país de mestiços, ansiosos por se

assemelharem aos europeus.

O que assistimos nas últimas semanas foi à manifestação des-

se apreço pela língua padronizada, temperado pelo temor (natural-

mente infundado) de que pudéssemos perder um patrimônio linguís-

tico cultivado nos cinco séculos de nossa curta história e nos séculos

que a antecederam, na Península Ibérica. Quando os jornalistas bra-

dam contra a teoria sociolinguística que recomenda a discussão na

escola dos nossos modos de falar e de escrever, estão ecoando valo-

res muito arraigados. Nós, os sociolinguistas, que por obrigação de

ofício, temos de nos ater aos princípios em que nos formamos e nos

deter em análises de cunho científico, devemos encontrar o tom certo

do discurso para explicar à sociedade e aos seus porta-vozes que nós

brasileiros somos uma comunidade de fala marcada por ampla hete-

rogeneidade. Temos de convencê-los de que a descrição da variação

linguística ajuda a coibir a discriminação odiosa contra os falantes

das variedades de pouco prestígio e, mais que tudo, facilita, aos nos-

sos alunos, a aprendizagem dos modos prestigiosos de falar e de es-

crever indispensáveis à vida urbana, plasmada pela cultura letrada.

Brasília – UnB, 20 de maio de 2011.

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SOBRE O LIVRO DIDÁTICO QUE ACEITA ERROS

Caros Cevelistas,

Leio quase tudo que é postado aqui, mas raramente dou al-

guma opinião.

Ontem, quando li o post do prof. SÃlvio da Silva, que foi meu

professor de linguÃstica na UFG, imediatamente me lembrei do tex-

to *Nóis mudemo*. Penso que tem a ver com essa questão do

chamado erro. Acredito que muitos conhecem o texto, e se não co-

nhecem e se dispuserem a ler, aà vai.

Abraços a todos.

Ronaldo Cardoso

--------------------------------------------------------------------------

------\

-----------------

"NÃ―IS

MUDEMO"

Fidêncio

Bogo

Â

O

ônibus da Transbrasiliana deslizava manso pela Belém-

BrasÃlia rumo a Porto

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Nacional. Era abril, mês das derradeiras chuvas. No céu,

uma luazona enorme

pra

namorado nenhum botar defeito. Sob o luar generoso, o cer-

rado verdejante era um

presépio, toda poesia e misticismo.

Mas

minha alma estava profundamente amargurada. O encontro

daquela tarde, a visão

daquele jovem marcado pelo sofrimento, precocemente enve-

lhecido, a crua

recordação de um episódio que parecia tão banal...

Tentei dormir. Inútil.

Meus

olhos percorriam a paisagem enluarada, mas ela nada mais era

para mim que o

pano de fundo de um drama estúpido e trágico.

As

aulas tinham começado numa segunda-feira. Escola de peri-

feria, classes

heterogêneas, retardatários. Entre eles, uma criança cres-

cida, quase um

rapaz.

â€―

Por que você faltou esses dias todos?

â€― É

que nóis mudemo onti, fessora. Nóis veio da fazenda. Ri-

sadinhas da turma.

â€―

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Não se diz "nóis mudemo", menino! A gente deve dizer:

nós mudamos,

tá?

â€― Tá,

fessora!

No

recreio, as chacotas dos colegas: Oi, nóis mudemo! Até

amanhã, nóis mudemo!

No

dia seguinte, a mesma coisa: risadinhas, cochichos, go-

zações.

â€―

Pai, não vô mais pra escola!

â€―

Oxente! Módi quê?

Ouvida

a história, o pai coçou a cabeça e disse:

â€―

Meu fio, num deixa a escola por uma bobagem dessa! Não

liga pras gozações da

mininada! Logo eles esquece.

Não

esqueceram.

Na

quarta-feira, dei pela falta do menino. Ele não apareceu no

resto da semana,

nem na segunda-feira seguinte. AÃ me dei conta de que eu

nem sabia o nome dele.

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Procurei no diário de classe e soube que se chamava Lúcio

- Lúcio Rodrigues

Barbosa. Achei o endereço. Longe, um dos últimos case-

bres do bairro. Fui lá,

uma tarde. O rapazola tinha partido no dia anterior para a casa

de um tio, no

sul do Pará.

â€― É,

professora, meu fio não aguentou as gozação da mini-

nada. Eu tentei fazê ele

continuá, mas não teve jeito. Ele tava chatiado demais.

Bosta de vida! Eu

devia

di tê ficado na fazenda côa famia. Na cidade nóis não

tem veis. Nóis fala

tudo

errado.

Inexperiente,

confusa, sem saber o que dizer, engoli em seco e me despedi.

O

episódio ocorrera há dezessete anos e tinha caÃdo em total

esquecimento, ao

menos de minha parte.

Uma

tarde, num povoado à beira da Belém-BrasÃlia, eu ia pe-

gar o ônibus, quando

alguém me chamou. Olhei e vi, acenando para mim, um

rapaz pobremente vestido,

magro, com aparência doentia.

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â€― O

que é, moço?

â€― A

senhora não se lembra de mim, fessora?

Olhei

para ele, dei tratos à bola. Reconstituà num momento meus

longos anos de

sacerdócio, digo, de magistério. Tudo escuro.

â€―

Não me lembro não, moço. Você me conhece? De on-

de? Foi meu aluno? Como se

chama?

Para

tantas perguntas, uma resposta lacônica:

â€― Eu

sou "Nóis mudemo―, lembra?

Comecei

a tremer.

â€―

Sim, moço. Agora lembro. Como era mesmo seu nome?

â€―

Lúcio - Lúcio Rodrigues Barbosa.

â€― O

que aconteceu com você?

â€― O

que aconteceu ? Ah! fessora! É mais fácil dizê o que

não aconteceu. Comi o

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pão

que o diabo amasso. E êta diabo bom de padaria! Fui garim-

peiro, fui boia fria,

um "gato" me arrecadou e levou num caminhão pruma fa-

zenda no meio da

mata. Lá trabaiei como escravo, passei fome, fui baleado

quando consegui fugi.

Peguei tudo quanto é doença. Até na cadeia já fui pa-

rá. Nóis ignorante à s

veis

fais coisa sem querê fazê. A escola fais uma farta danada.

Eu não devia de

tê

saÃdo daquele jeito, fessora, mas não aguentei as go-

zação da turma. Eu vi

logo

que nunca ia consegui falá direito. Ainda hoje não sei.

â€―

Meu Deus!

Aquela

revelação me virou pelo avesso. Foi demais para mim.

Descontrolada, comecei a

soluçar convulsivamente. Como eu podia ter sido tão bur-

ra e má? E abracei o

rapaz, o que restava do rapaz, que me olhava atarantado.

O

ônibus buzinou com insistência.

â€― O

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rapaz afastou-me de si suavemente.

â€―

Chora não, fessora! A senhora não tem curpa.

Como?

Eu não tenho culpa? Deus do céu!

Entrei

no ônibus apinhado. Cem olhos eram cem flechas vingado-

ras apontadas para mim. O

ônibus partiu. Pensei na minha sala de aula. Eu era uma as-

sassina a caminho da

guilhotina.

Hoje

tenho raiva da gramática. Eu mudo, tu mudas, ele muda,

nós mudamos, mudamos,

mudaamoos, mudaaamooos... Super usada, mal usada, abusa-

da, ela é uma guilhotina

dentro da escola. A gramática faz gato e sapato da lÃngua

materna - a lÃngua

que a criança aprendeu com seus pais e irmãos e colegas -

e se torna o terror

dos alunos. Em vez de estimular e fazer crescer, comunican-

do, ela reprime e

oprime, cobrando centenas de regrinhas estúpidas para aque-

la idade.

E os

lúcios da vida, os milhares de lúcios da periferia e do inte-

rior, barrados nas

salas de aula: "Não é assim que se diz, menino!" Como

se o professor

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quisesse dizer: "Você está errado! Os seus pais estão er-

rados! Seus irmãos

e amigos e vizinhos estão errados! A certa sou eu! Imite-

me! Copie-me! Fale

como eu ! Você não seja você! Renegue suas raÃzes!

Diminua-se! Desfigure-se!

Fique no seu lugar! Seja uma sombra!"

E

siga desarmado para o matadouro.

________________________________

De: SÃlvio da Silva <linguista.ufg.caj@...>

Para: [email protected]

Enviadas: Quarta-feira, 18 de Maio de 2011 10:18

Assunto: Re: (CVL) Sobre o livro didático que aceita erros

Olá a todos.

Fico pensando no aluno de uma região especÃfica que che-

ga a uma escola em

outra região e começa a usar a sua variante. Em pouco

tempo, os colegas

começarão a fazer chacota, tirar sarro, como dizem os jo-

vens, desse colega

forasteiro. O uso linguÃstico de um aluno de outra região

será motivo para

zombaria total na escola. Será concretizado um caso de bul-

lying. Ou não? Não

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seria o mesmo caso do aluno que é chacoteado porque é

alto demais, ou magro

demais, ou narigudo, e por aà vai?

Fico ouvindo e vendo os comentários absurdos sobre o fato

de que usar uma

variante (na fala) é falar errado e percebo o quanto a lin-

guagem pode ser

usada como mecanismo de opressão. Se o Ministério

Público conseguir fazer

com que bullying seja considerado crime (há uma indi-

cação disso em

http://www.bonde.com.br/?id_bonde=1-3--687-

20110419&tit=ministerio+publico+quer+\

transformar+bullying+em+crime),

logo deveremos ter inúmeros processos sobre aqueles que

discriminam e zombam

de quem usa uma variante não prestigiada.

Abraços acadêmicos a todos!

SÃlvio da Silva - UFG/CAJ

Em 15 de maio de 2011 12:42, Adail Sobral

<adail.sobral@...> escreveu:

> O que faz a ignorância elitista, meu Deus! Que arro-

gância a do Noblat. A

> questão é que há duas questões. 1. O livro não diz

que se deve ESCREVER

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sem

> concordância. Diz que, na fala, PODE-SE (na verdade,

ocorre de) não fazer a

> concordância. 2. Aceitar isso na escola é uma maneira

de, não

> discriminando,

> mostrar as vantagens de assimilar os dialetos de prestÃgio.

Finalmenbte

> alguém disse isso. Porque é uma incoerência ensinar

sociolinguÃstica e ver

> alguns nossos ex-alunos impondo a normal culta a todas as

situações,

> impondo

> o padrão escrito formal a situações de lÃngua falada

informal e, assim,

> EXCLUINDO os falantes de outras variedades, para não

falar do absurdo se

> impor a escrita, derivada, Ã fala, primitiva, origo et fons,

nuncfa

> transcrita, mas objeto de convenções.

> Há uma confusão entre norma padrão e norma culta. E

outra entre culto

> formal

> e culto coloquial. Mas não há como discutir com quem,

como esse colunista,

> já sabe de tudo antes de ouvir o outro. Como ele cita dis-

torcendo! Com toda

> a correção... gramatical.

> Ninguém defendeu a exclusão das normas cultas. O

que vi foi uma primeira

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> tentativa de desreprimir a maioria que não nasceu em be-

rço de ouro, aqueles

> muitos para quem uma norma culta não é a primeira

variedade aprendida.

> adail sobral

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POSIÇÃO DA ABRALIN SOBRE A POLÊMICA DO

LIVRO DIDÁTICO

Prezados Colegas,

encaminho o texto que a Associação Brasileira de Linguística

começou a

divulgar, inicialmente em meio eletrônico, para veicular sua

posição

relativa à polêmica criada em torno do livro didático "Por

uma vida melhor".

Solicito ampla divulgação do texto. Grata!

Adelaide H.P.Silva

(Tesoureira da Abralin - Gestão 2009-2011)

*Língua e Ignorância***

O Brasil tem acompanhado a polêmica a respeito do livro

*Por uma vida melhor

*, distribuído pelo PNLD do MEC. Diante de posicionamen-

tos virulentos e

alguns até histéricos, a *ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE

LINGUÍSTICA,*

*ABRALIN,*vem a público manifestar-se a respeito.

O fato que chamou a atenção foi que os críticos não tiveram

sequer o cuidado

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de analisar o livro mais atentamente. Pautaram-se sempre nas

cinco ou seis

linhas citadas. O livro acata orientações dos PCN (Parâmetros

Curriculares

Nacionais) já em andamento há mais de uma década. Outros

livros didáticos

também englobam a discussão da variação linguística para

ressaltar o papel e

a importância da norma culta no mundo letrado. Portanto,

nunca houve a

defesa de que a norma culta não deva ser ensinada. Ao contrá-

rio, entende-se

que esse é o papel da escola, garantir o domínio da norma pa-

ra o acesso

efetivo aos bens culturais e para o pleno exercício da cidada-

nia. Esta é a

única razão que justifica a existência da disciplina de Língua

Portuguesa

para falantes nativos de português.

A linguística surgiu como ciência há mais de um século. Co-

mo *qualquer outra

ciência*, não trabalha com a dicotomia certo/errado. Esse é o

posicionamento

científico, que permitiu aos linguistas elaborar outras consta-

tações que

constituem hoje material essencial para a descrição e explica-

ção de qualquer

língua humana.

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Uma constatação é o fato de que *as línguas mudam no tem-

po*,

independentemente do nível de letramento de seus falantes,

do avanço

econômico e tecnológico ou do poder mais ou menos repres-

sivo das

Instituições. Formas linguísticas podem surgir, desaparecer,

perder ou

ganhar prestígio. Isso sempre foi assim. Muitos dos usos hoje

tão cultuados

pelos puristas originaram-se do modo de falar de uma forma

alegadamente

inferior do latim

Outra constatação é o fato de que *as línguas variam num

mesmo tempo*:

qualquer língua apresenta variedades deflagradas por fatores,

como

diferenças geográficas, sociais, etárias, dentre outras. Por

manter um

posicionamento científico, a linguística não faz juízos de va-

lor acerca

dessas variedades, simplesmente as descreve. No entanto, os

lingüistas

constatam que essas variedades podem ter maior ou menor

prestígio, que está

sempre relacionado ao prestígio que têm seus falantes no

meio social. Por

esse motivo, o desconhecimento da norma de prestígio pode

limitar a ascensão

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social e isso fundamenta o posicionamento da linguística so-

bre o ensino da

língua.

Não há caos linguístico, nenhuma língua já foi ou pode ser

corrompida ou

assassinada, ou fica ameaçada quando faz empréstimos. Inde-

pendentemente da

variedade que usa, o falante fala segundo regras gramaticais

estritas. Os

falantes do português brasileiro fazem o plural de ―o livro‖ de

duas

maneiras: uma formal: *os livros*; outra informal: *os livro*.

Mas

certamente não se ouve ―o livros‖. Assim também, não se

pronuncia mais o ―r‖

final de verbos no infinitivo, mas não se deixa de pronunciar

(não de forma

generalizada, pelo menos) o ―r‖ final de substantivos. Qual-

quer falante,

culto ou não, pode dizer (e diz) ―comprá‖ para ―comprar‖,

mas apenas algumas

variedades diriam ‗dô‘ para ‗dor‘. Estas últimas são estigma-

tizadas

socialmente, porque remetem a falantes de baixa extração so-

cial. Falamos

obedecendo a regras. E a escola precisa ensinar que, apesar de

*falarmos*―comprá‖ precisamos

*escrever* ―comprar‖. Assim, o trabalho da linguística tem

repercussão no

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ensino.

Por outro lado, entendemos que o ensino de língua materna

não tem sido bem

sucedido, mas isso não se deve às questões apontadas. Esse

tópico demandaria

discussão mais profunda, que não cabe aqui.

Por fim, é importante esclarecer que o uso de formas linguís-

ticas de menor

prestígio não é indício de ignorância ou de outro atributo que

queiramos

impingir aos que falam desse ou daquele modo. A ignorância

não está ligada

às formas de falar ou ao nível de letramento. Aliás, pudemos

comprovar isso

por meio desse debate que se instaurou em relação ao ensino

de língua e à

variedade linguística.

*Associação Brasileira de Linguística – Diretoria biênio

2009-2011*

O ASSASSINATO DA LÍNGUA PORTUGUESA

Livro distribuído pelo MEC que tolera erros gramaticais

como "os livro" e "nós pega" causa estragos no aprendizado de

meio milhão de brasileiros e atrapalha o desenvolvimento do Pa-

ís

Amauri Segalla e Bruna Cavalcanti

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Imagine a seguinte cena: na sala de aula, o adolescente levan-

ta o braço para perguntar à professora se ele pode falar ―nós pega o

peixe‖. Ato contínuo, a mestre pede ao jovem para consultar o livro

―Por uma Vida Melhor‖ e dar uma olhada na página 16. Sedento por

conhecimento, o aluno acompanha com olhos curiosos enquanto a

docente lê o trecho proposto. O garoto, enfim, sacia a dúvida: sim,

ele pode falar ―nós pega o peixe‖. Está escrito ali, claro como a soma

de dois mais dois em uma cartilha de matemática. Com nuances dife-

rentes, a situação descrita acima provavelmente vai se repetir em mi-

lhares de escolas públicas de todo o País. Não é difícil calcular os e-

feitos nefastos no futuro dos 485 mil estudantes do ensino fundamen-

tal que devem receber a obra distribuída pelo Ministério da Educação

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por meio do Programa Nacional do Livro Didático. De autoria da

professora Heloísa Campos e outros dois educadores, ―Por uma Vida

Melhor‖ defende a ideia de que erros gramaticais são aceitáveis na

língua falada. Para Heloísa, frases como ―os livro ilustrado mais inte-

ressante estão emprestado‖ (tal pérola aparece em destaque no mate-

rial) não podem ser condenadas se forem expressas verbalmente.

Mesmo que em uma sala de aula.

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MALTRATARAM A GRAMÁTICA: na lógica do livro

que tem o aval do MEC, a frase “os menino pega o peixe” é acei-

tável

Autora desconhecida, sem grandes feitos na área da educação,

Heloísa se viu no centro de uma polêmica que envolveu escritores,

linguistas e professores. Por mais que alguma voz aqui e ali tenha

defendido os argumentos de Heloísa, além dos eternos demagogos de

plantão, a maioria esmagadora condenou seus métodos de ensino.

Uma das mais importantes escritoras brasileiras, Nélida Piñon tem

autoridade – como poucos, a propósito – para falar sobre a língua

portuguesa. Eis seu veredicto: ―O livro confirma a tese de que esteve

sempre em curso no Brasil o projeto de manter uma legião de brasi-

leiros como cidadãos de segunda classe‖, diz a autora de ―Vozes no

Deserto‖. Escritor que conseguiu a rara combinação de fazer sucesso

junto ao público e, ao mesmo tempo, conquistar a crítica, Fernando

Morais está indignado. ―Esse livro é uma barbaridade‖, diz o biógra-

fo do jornalista Assis Chateaubriand. ―Trata-se de um desastre, o o-

posto do que é pregado por uma pessoa minimamente civilizada.‖

Linguista com décadas de serviços prestados à educação brasileira e

ex-professor da Unifesp, Francisco da Silva Borba amplia a discus-

são. ―O aluno tem que ser ensinado‖, afirma. ―Se ele tolerar infração

às regras, então para que serve a escola?‖

Sob diversos aspectos, ―Por uma Vida Melhor‖ tem potencial

para piorar a existência de meio milhão de brasileiros. Se realmente

for levado a sério pelas escolas públicas, a obra vai condenar esses

jovens a uma escuridão cultural sem precedente. Ao dificultar o a-

prendizado da norma correta, os professores da ignorância terão cri-

ado uma espécie de ―apartheid linguístico‖, para usar uma expressão

do ex-ministro da Educação Cristovam Buarque. De um lado, os ri-

cos e bem instruídos. De outro, os jovens reféns da falta de conheci-

mento gramatical. Se é evidente que o livro assassina a língua portu-

guesa, na medida em que diz que o aluno pode, na fala, escolher usar

a concordância ou não, por que diabos ele teve o aval do MEC? Pro-

curado, Fernando Haddad, o atual ministro da pasta, não quis se pro-

nunciar (leia quadro). A autora Heloísa Campos pelo menos não se

furtou ao dever de defender sua obra. ―Falar ‗os livro‘ do ponto de

vista da linguagem popular não é um erro‖, diz a professora. ―A nos-

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sa abordagem é de acolher a fala que o aluno traz da sua comunida-

de. A cultura dele é tão válida quanto qualquer outra.‖

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Embora não faça referências diretas, Heloísa repete as máxi-

mas do livro ―Preconceito Linguístico‖, do professor e escritor Mar-

cos Bagno, que faz certo sucesso entre educadores modernos por co-

locar questões políticas e ideológicas na discussão. Bagno afirma que

a linguagem reproduz desigualdades sociais – como se isso fosse

uma descoberta assombrosa. É claro que sim. A questão não é essa.

Em vez de manter o jovem que não domina a língua imerso na triste

ignorância – a pretexto de preservar suas raízes culturais –, por que

não retirá-lo de lá? Falar corretamente não é o primeiro passo para,

no avanço seguinte, escrever melhor? Escrever melhor não represen-

ta uma oportunidade de crescimento pessoal e profissional? Tente

conseguir um emprego falando ―nós vai‖ e você certamente terá suas

chances reduzidas a zero. É simples assim.

Pode ser bonito, pode ser simpático, pode ser ousado defender

o direito de as pessoas cometerem barbaridades gramaticais, mas na

vida prática isso é uma tragédia. É claro que todos nós cometemos

erros ao falar – intencionais ou não –, como é óbvio que, em certos

ambientes, se expressar como um decano da linguística pode soar ar-

rogante e desnecessário. Mas, na vida real, falar minimamente direito

só traz vantagens e são justamente essas vantagens que autores como

Heloísa Campos desprezam. ―Uma coisa é compreender a evolução

da língua, que é um organismo vivo, a outra é validar erros grossei-

ros‖, diz Marcos Vilaça, presidente da Academia Brasileira de Le-

tras. ―É como ensinar tabuada errada. Quatro vezes três é sempre 12,

na periferia ou no palácio.‖ Mesmo para aqueles que, em tese, de-

fendem a abordagem de Heloísa, o livro é visto como uma obra me-

nor. ―Não há nenhuma novidade no que o livro diz‖, afirma o profes-

sor de português Pasquale Cipro Neto. ―Ele tem uma ou outra passa-

gem meio ingênua, pueril, mas no todo cumpre o seu papel.‖

Para um país que nos últimos anos vem registrando índices de

crescimento assombrosos e tem a ambição de reduzir o abismo da

desigualdade social, a educação é talvez a arma mais poderosa que

existe. Nesse campo, conforme estudos internacionais demonstram, o

Brasil está encalhado na rabeira global. Aqui pouco se lê, pouco se

estuda, pouco valor se dá ao conhecimento. Não é hora de mudar? A

língua, como já observaram pesquisadores importantes, é um ele-

mento que traduz a identidade nacional. É um instrumento de unifi-

cação – e não de segregação entre os que sabem e os que não mere-

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cem saber. Ela é, acima de tudo, um princípio de cidadania. Diante

da onda de protestos provocada pela notícia da distribuição de ―Por

uma Vida Melhor‖, é possível que o livro encontre alguma resistên-

cia entre os professores. Na semana passada, a procuradora da Repú-

blica Janice Ascari, do Ministério Público Federal, afirmou que a

Justiça provavelmente receberá uma avalanche de ações contra a pu-

blicação. Ela própria foi incisiva em seu blog. ―Vocês estão desper-

diçando dinheiro público com material que emburrece em vez de ins-

truir‖, escreveu Janice. ―Essa conduta é inadmissível.‖ Se as ações

vingarem, os jovens terão a chance de dizer, alto e bom som: ―Nós

pegamos o peixe.‖

As trapalhadas de Haddad

A polêmica sobre os livros didáticos distribuídos pelo MEC

não foi a única a atormentar o ministro Fernando Haddad nos últi-

mos tempos. O episódio da fraude no Enem em 2009, quando foram

roubadas provas dentro da gráfica responsável pela confecção dos

testes, foi mais uma de suas trapalhadas. No ano seguinte, constatou-

se erro na impressão das provas – e de novo a responsabilidade re-

caiu sobre o Ministério da Educação. À época, os exames correram

sério risco de serem cancelados, o que acabou não acontecendo. Os

equívocos não param por aí. Neste ano, surgiu a denúncia de fraudes

no Prouni, com estudantes beneficiados pelo programa, mas que não

se enquadravam nos limites de renda. Ao mesmo tempo, veio à tona

o episódio da sobra de vagas, principalmente no caso de bolsas par-

ciais e no programa de educação a distância, o que demonstraria uma

falha administrativa. Para aumentar o desgaste de Haddad, entidades

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internacionais de fomento não cansam de advertir que o grande gar-

galo ao desenvolvimento do Brasil continua a ser o baixo nível da

educação.

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PROFESSORA DA UEM

DEFENDE LIVRO DO MEC

Carla Guedes

A A A

Um livro para a Educação de Jovens e Adultos (EJA), distri-

buído a 4.236 escolas e a quase meio milhão de alunos pelo Ministé-

rio da Educação (MEC), tolera erros de concordância na fala.

A obra, que considera correta as expressões "nós pega o pei-

xe" e "os livro" e prega que o aluno pode esquecer o "s" , deixou os

zelosos pela língua culta de cabelo em pé.

Uma das autoras do livro "Por uma vida melhor", Heloísa

Ramos, explicou que a intenção foi mostrar que o conceito de certo e

errado deve ser substituído por uso adequado e inadequado da lín-

gua.

Uma enxurrada de reações à obra tomou conta de jornais e da

internet na semana. O presidente da Academia Brasileira de Letras

(ABL), Marcos Vilaça, criticou a adoção do livro pelo MEC e afir-

mou que os ensinamentos de "Por uma vida melhor" são como "en-

sinar tabuada errada".

Já a Associação Brasileira de Linguística informou que os crí-

ticos se precipitaram ao atacar os ensinamentos do livro. "Não tive-

ram sequer o cuidado de analisá-lo mais atentamente", disse a enti-

dade, em nota.

Neiva Maria Jung

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A professora Neiva Maria Jung, doutora em Letras e profes-

sora de Língua Portuguesa da Universidade Estadual de Maringá

(UEM), considera que ao tratar do assunto no livro, o estudante –

que fala justamente dessa forma –teria mais facilidade em assimilar a

norma culta. "Vai levá-lo a discernir em quais ambientes ele pode fa-

lar daquela forma".

"O que os autores (do livro) se propuseram a fazer não foi

afirmar ao aluno que ele pode continuar falando assim. Em vez de

ignorar, o que eles estão fazendo é trazer o assunto para a sala de au-

la‘‘.

"A sociedade ainda se vale da linguagem como valor de ex-

clusão social e acha normal que todos tenham de falar e escrever de

acordo com a norma culta. Esse discurso é preconceituoso‘‘.

O Diário - Qual a opinião da senhora sobre o livro que tolera

erros de concordância na fala?

Neiva Maria Jung - A postura atual da linguística pede que a

escola leve o aluno a compreender o que constitui a linguagem dele

na fala. Esse seria o caminho mais fácil para ele aprender a escrita.

Da forma como está acontecendo hoje, simplesmente se impõe a

norma culta escrita e ainda se deixa claro para o aluno que ele deve

falar como ele escreve. E essa é uma tarefa muito árdua e que não

acontece. Nem mesmo os que mais zelam pela língua, os mais puris-

tas, não conseguem falar como escrevem. Eles falam uma norma cul-

ta, mas que é diferente da escrita. Levar o aluno a entender o que

constitui a sua fala parece mais fácil para que ele compreenda o que

constitui a escrita.

Qual é, afinal de contas, a diferença entre a fala e a escrita?

Elas não são a mesma coisa. A oralidade também deve ser trabalhada

nas escolas, mas principalmente a escrita, que é a responsável pela

mobilidade social. Esses grupos socioeconomicamente desfavoreci-

dos têm fala bastante diferente e com muitas variações linguísticas

porque não têm acesso à escolaridade como os grupos mais privile-

giados. Na verdade, o preconceito que gerou essa polêmica é social e

como agora existe uma política de combate a todo tipo de preconcei-

to, precisamos começar a mexer nesse assunto, que é muito velado.

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O Diário - A escola pode aceitar outras variantes da língua,

diferentes das regras gramaticais?

Neiva Maria Jung - Não é que a escola vai aceitar uma carta

ou um ofício escrito com variação linguística. Até porque são gêne-

ros que exigem a norma culta. A escola vai corrigir, pedir que o alu-

no refaça, vai trabalhar para que ele redija um ofício e um requeri-

mento dentro dos padrões da língua culta.

O Diário - Em uma prova não será aceito, por exemplo?

Neiva Maria Jung - De jeito algum, porque a prova pede a

norma culta. Ela vai aceitar em um bilhete para o colega, por exem-

plo. O próprio aluno já sabe o que pode usar no bilhete e em uma

carta para a diretora, por exemplo. Ele tem a noção de adequação da

linguagem. O que acontece é que os alunos de classes sociais desfa-

vorecidas não têm muito contato com a escrita antes da escola. Eles

não têm quem faça essa mediação e mostre o que é da escrita e o que

é da fala.

O Diário - Mas está certo dizer "nós pega o peixe"?

Neiva Maria Jung - Certo e errado é relativo. Há certos gru-

pos sociais no Brasil que falam ‗nós pega o peixe‘. Pelo menos no

capítulo ‗Escrever é diferente de falar‘ (do livro distribuído pelo

MEC a alunos da EJA), o que os autores se propuseram a fazer não

foi afirmar ao aluno que ele pode continuar falando assim. A escola

faz de conta que isso (a variante) não existe. Em vez de ignorar, o

que eles (autores do livro) estão fazendo é trazer o assunto para sala

de aula.

E mais: precisamos explicar linguisticamente porque a pessoa

fala ‗nós pega o peixe‘. Por que só há marca de plural no primeiro

elemento? Na verdade, essa marca é redundante. O português culto

pede que se repita, mas a sociedade economiza tempo e essa econo-

mia também acaba indo para a linguagem. O livro leva o aluno a re-

fletir e é um caminho para que ele entenda porque o ‗nós‘ passou pa-

ra ‗nóis‘ e ‗peixe‘ não é mais ‗peixe‘, e sim ‗pexe‘.

O que aconteceu linguisticamente? O professor estaria levan-

do o aluno a compreender a gramática da língua que ele fala e da que

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ele vai aprender para escrever e para falar em situações formais. Res-

salto que o preconceito não é resultado da questão linguística, ele é

social.

O Diário - Ao citar esses exemplos no livro, ficaria mais fácil

para o estudante assimilar a norma culta?

Neiva Maria Jung - Parece que sim. O que está acontecendo

é que a escola simplesmente ignora a forma de falar do aluno e finge

que ele não fala diferente. O estudante chega à escola e percebe que

a forma que ele fala não está correta. Isso não é claramente dito, está

nas entrelinhas. Então, ele começa a silenciar. Colocar o assunto em

discussão talvez seja uma forma de trazer o conhecimento do aluno

para a sala de aula. O estudante tem de se sentir parte da construção

do conhecimento. Como ele vai participar se o que ele tem e o que

constitui sua identidade a escola simplesmente despreza? Ele precisa

sentir na escola que o ele sabe tem valor e não simplesmente achar

que tudo o que aprendeu até então não tem valor.

Essa forma talvez faça com que ele reconheça que há diferen-

tes gêneros orais e que ele precisa se apropriar deles para conseguir

mobilidade social. Caso contrário, ele não vai conseguir se inserir em

determinados lugares da sociedade, não vai conseguir passar em

concurso público e no vestibular.

O Diário - A senhora acha que houve muita polêmica sobre o

assunto?

Neiva Maria Jung - Acho e fiquei até estarrecida. Eu achava

que nós, como sociedade, já tínhamos avançado um pouco mais. Até

li um artigo (sobre o tema) que fazia relação com a Semana de Arte

Moderna de 1922. E nós mudamos tanto desde então, mas de repente

um fato que já deveria estar acontecendo nas escolas gera toda essa

polemica.

Isso mostra que os linguistas tem muito a fazer. A sociedade

ainda se vale da linguagem como um valor de exclusão social. A so-

ciedade acha normal que a gente tenha uma norma culta e que todos

tenham de falar e escrever de acordo com ela. Esse discurso é pre-

conceituoso porque o que se faz é deixar à margem da sociedade to-

da a população que não fala e escreve na norma culta. A escola pre-

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cisa ensinar a outra variedade para garantir a mobilidade social do

estudante.

O Diário - Há riscos para os alunos pelo fato de a escola tole-

rar erros de concordância?

Neiva Maria Jung - Se trouxermos isso para a sala de aula

estaremos incentivando os alunos a falar errado? Não, ao contrário.

Isso vai auxiliar e levar o aluno a perceber o que é a norma culta e o

que é a variedade que ele fala. Vai levá-lo a discernir em quais locais

pode falar de qual jeito.

O Diário - Antes, o acesso à escola era restrito, hoje é mais

democrático.

Antes, quem tinha acesso à escola eram os grupos elitizados.

Os próprios professores eram elitizados. Depois que a escola abriu

(os portões) para todos, outros grupos sociais passaram a frequentá-

la. A maioria dos professores de hoje são desses grupos sociais. Com

a entrada deles, veio a variação linguística e a escola não quer dar

conta dela, é mais fácil ignorar.

O Diário - Quem fala errado consegue escrever certo?

Neiva Maria Jung - Sim, se você tem contato com a escrita e

se passou por uma escola que lhe ensinou. Você percebe que uma

coisa é do gênero escrito e outra do falado. Tanto é que em muitas si-

tuações esquecemos um ‗s‘ ao falar, mas dificilmente escreveríamos

sem essa concordância.

O Diário - Por que abordaram o tema em um livro didático

distribuído na Educação de Jovens e Adultos?

Neiva Maria Jung - Porque são grupos que não tiveram

acesso à escola e essas variantes são muito presentes (na vida deles).

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FELIPE ANDREOLI E MONICA IOZZI -

NOVA CARTILHA "EDUCACIONAL" DO MEC

O /R/ EM POSIÇÃO DE CODA SILÁBICA

NO FALAR CAMPINEIRO –

Cândida Mara Britto Leite

S U F R F LA DA POLÊMICA

SOBRE O LIVRO DIDÁTICO

"POR UMA VIDA MELHOR"

CESAR CALLEGARI, DO CNE, FALA DA POLÊMICA

SOBRE O LIVRO "POR UMA VIDA MELHOR"

LIVRO ENSINA PORTUGUÊS ERRADO

E MEC APÓIA INICIATIVA

POLÊMICA EM LIVRO DO MEC

Cleonara Schwartz

ESCRITORES RIEM DA TESE DA GLOBO SOBRE

LÍNGUA POPULAR E LIVRO DIDÁTICO 'ERRADOS'

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O QUE DISCUTIR SOBRE O POLÊMICO LIVRO?

Pasquale Cipro Neto

"O que parece cabível discutir é se princípios de linguística

devem ser abordados num livro que não se destina a alunos de letras,

em que a linguística é disciplina essencial. Esse é o verdadeiro deba-

te. Não faltam opiniões fortes dos dois lados. É isso." (Fátima San-

tos)

Folha de São Paulo, 26/05/2011 - São Paulo

Definitivamente, não se pode dizer que esse livro "ensina er-

rado". O cerne da questão é outro (Pasquale Cipro Neto)

Em 1988, eleita prefeita de São Paulo, a professora Luiza

Erundina nomeou Paulo Freire secretário da Educação do município.

Antes de assumir, o consagrado educador disse mais ou me-

nos isto: "A criança terá uma escola na qual a sua linguagem seja

respeitada (...) Uma escola em que a criança aprenda a sintaxe domi-

nante, mas sem desprezo pela sua (...)

Precisamos respeitar a sua sintaxe mostrando que sua lingua-

gem é bonita e gostosa, às vezes é mais bonita que a minha. E, mos-

trando tudo isso, dizer a ele: "Mas para tua própria vida tu precisas

dizer a gente chegou em vez de dizer a gente cheguemos". Isto é di-

ferente, a abordagem é diferente. É assim que queremos trabalhar,

com abertura, mas dizendo a verdade".

A declaração de Freire causou barulho semelhante ao que

causou (e ainda causa) o livro "Por uma Vida Melhor", em que se

mostram fatos relativos às variações linguísticas. Nele, dá-se como

exemplo de norma popular a frase "Os livro ilustrado mais interes-

sante estão emprestado". Dado o exemplo, explica-se isto: "O fato de

haver a palavra os (plural) indica que se trata de mais de um livro.

Na variedade popular, basta que esse primeiro termo esteja no plural

para indicar mais de um referente". O livro prossegue:

"Reescrevendo a frase no padrão culto da língua, teremos:

"Os livros ilustrados mais interessantes estão emprestados". Você

pode estar se perguntando: "Mas eu posso falar 'os livro'?" Claro que

pode. Mas fique atento porque, dependendo da situação, você corre o

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risco de ser vítima de preconceito linguístico". Há uma certa contra-

dição na explicação, já que na frase popular a forma verbal ("estão")

está no plural. Nessa variedade, o que se usa é "tá".

O caso aborda no livro é tecnicamente chamado de "plural re-

dundante".

Tradução: na forma culta ("Os livros ilustrados mais interes-

santes estão emprestados"), todos os elementos que se referem a "li-

vros" (núcleo do sujeito) estão no plural (os, ilustrados, interessantes,

estão, emprestados). É assim que funciona a norma culta do espa-

nhol, do português, do italiano e do francês, por exemplo. Em fran-

cês, o plural redundante se dá essencialmente na escrita; na fala, sin-

gular e plural muitas vezes se igualam. Em inglês, pluraliza-se o

substantivo; o artigo, o possessivo e o adjetivo são fixos (na escrita e

na fala). Quanto ao verbo, a terceira do singular do presente é dife-

rente das demais pessoas em 99,99% dos casos; no pretérito e no fu-

turo, há apenas uma forma para todas as pessoas.

O fato é que a ausência do plural redundante não se restringe

à variedade popular do português do Brasil. Também é fato que, ape-

sar de algumas afirmações pueris (""Mas eu posso falar "os livro'?"

Claro que pode. Mas fique atento porque, dependendo da situação,

você corre o risco de ser vítima de preconceito linguístico"), em ne-

nhum momento o livro nega a existência da norma culta, como tam-

bém não se nega a mostrá-la e ensiná-la.

Há vários exercícios em que se pede a passagem da norma

popular para a culta. Definitivamente, não se pode dizer que o livro

"ensina errado". O cerne da questão é outro. O que expliquei sobre o

exemplo do livro é assunto da linguística, que, grosso modo, pode

ser definida como "estudo da linguagem e dos princípios gerais de

funcionamento e evolução das línguas" ("Aulete"). A linguística não

discute como deve ser; discute como é, como funciona. O que parece

cabível discutir é se princípios de linguística devem ser abordados

num livro que não se destina a alunos de letras, em que a linguística

é disciplina essencial. Esse é o verdadeiro debate. Não faltam opini-

ões fortes dos dois lados. É isso.

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A Sociolinguística e a alfabetização

Escrito por Stella Bortoni Dom, 29 de Maio de 2011 11:59

ENTRE NORMA E USO, FALA E ESCRITA: CONTRI-

BUIÇÕES DA SOCIOLINGUÍSTICA À ALFABETIZAÇÃO

Raquel Meister Freitag1

Recebido em: 2011-01-17 Aprovado em: 2011-04-26 IS-

SUE DOI: 10.3738/1982.2278.542

RESUMO: Neste texto, são discutidos alguns conceitos so-

ciolinguísticos essenciais para que o professor alfabetizador te-

nha êxito em seu propósito: as questões referentes à norma e ao

uso da língua e sua relação com a fala e a escrita. Para ilustrar a

discussão, são elencados resultados acerca da relação entre fala e

escrita no rotacismo (neutralização dos traços fonéticos de /l/ e

de /r/), fenômeno fonológico variável no português, fortemente

estigmatizado e sensível aos contínuo da escolarização e urbano-

rural.

Palavras-chave:

Norma linguística. Sociolinguística. Alfabetização.

INTRODUÇÃO

Ao chegar à escola, toda criança, em condições normais de

desenvolvimento, já é dotada de competência gramatical e co-

municativa na sua língua materna, antes de ser alfabetizada. A

alfabetização é o processo em que a criança vai aprender especi-

ficamente o código escrito da sua língua materna. Trata-se de

um processo de apropriação de tecnologia, que exige dos profes-

sores empenhados em tal tarefa conhecimentos específicos de

1 Professora da Universidade Federal de Sergipe. Dra. em Linguística

pela Universidade Federal de Santa Catarina.

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Linguística. O professor deve, por exemplo, reconhecer que cada

criança vem de uma realidade sociolinguística diferente, e que

essas diferenças irão se manifestar no modo como as crianças

irão aprender o código escrito. Neste texto, primeiramente, são

discutidos alguns dos conhecimentos linguísticos necessários pa-

ra que o professor de língua materna possa analisar e trabalhar

a escrita dos alunos. Em um segundo momento, são analisados

resultados de um fenômeno sociolinguístico do português – o ro-

tacismo – com o propósito de evidenciar como a realidade socio-

linguística do alfabetizando manifesta-se no seu aprendizado do

código escrito.

Coordenadora institucional do projeto Ler + Sergipe: lei-

tura para o letramento e cidadania (CAPES/INEP – Programa

Observatório da Educação 2010). Nucleus, v.8, n.1, abr.2011

1 UMA CONCEPÇÃO DE LINGUAGEM

Embora linguagem e língua sejam noções interligadas2, a

primeira é mais abrangente que a segunda. O termo linguagem

costuma ser associado a palavras como „faculdade‟, „capacida-

de‟, „atividade‟, com foco ora na função cognitiva/biológica, ora

na função comunicativa/social da linguagem humana. A lingua-

gem é uma atividade cognitiva e discursiva, já que ela mantém

um vínculo estreito com o pensamento e também estabelece a in-

terlocução. través dela “se estabelecem quadros de referências

culturais [...] pelos quais se interpretam a realidade e as expres-

sões linguísticas. [...] Como atividade sobre símbolos e represen-

tações, a linguagem torna possível o pensamento abstrato.”

(BRASIL, 1998a, p. 20).

E através dela também se estabelece “ação interindividual

orientada por uma finalidade específica, um processo de interlo-

cução que se realiza nas práticas sociais existentes nos diferentes

grupos de uma sociedade, nos distintos momentos de sua histó-

ria”. (BR S , 1998a, p. 20.) Em resumo, pela linguagem se ex-

pressam pensamentos, ideias e intenções, se promovem relações

interpessoais. Observe-se a seguinte passagem dos PCNs, em que

a noção de língua como conhecimento implícito, se mescla com a

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noção de usos historicamente situados dos quais aflora o verná-

culo3:

Desde a infância, todos os falantes de uma língua comuni-

cam-se com base em uma gramática internalizada, que indepen-

de da aprendizagem sistemática, pois se adquire pelo contato

com os demais falantes. É a partir desse saber linguístico implíci-

to que os usuários se fazem entender, de uma forma ou de outra,

e deixam transparecer as marcas de sua origem, idade, nível so-

ciocultural. (BRASIL, 1998b, p. 57)

A língua, na perspectiva sociolinguística, é concebida co-

mo um sistema heterogêneo, portanto sujeito a variações e mu-

danças no espaço e no tempo. As diferenças linguísticas costu-

mam ser reunidas em três tipos de variação: a variação regional

ou geográfica (diatópica), a variação social (diastrática), e a va-

riação estilística ou de registro mais ou menos formal (diafásica).

Podemos ainda considerar uma quarta variação, decorrente da

modalidade oral ou escrita da língua (diamésica). Todos os tipos

de variação ocorrem nos diferentes níveis linguísticos: fonético-

fonológico (ex.: <peixe ~ pexi>; <mulher ~ muié>);

morfológico (ex.: <colherinha ~ colherzinha>; <menininho

~ meninote>); sintático (ex.: <a gente canta ~ a gente cantamos>;

< estudo ~ eu estudo>) ; lexical (ex.: <pandorga ~ papagaio ~

pipa>); discursivo (ex.: <sabe? ~ entende?>; <acho que ~ pare-

ce>).

2 Em Gorski e Freitag (2007) pode-se encontrar uma am-

pla e detalhada discussão sobre concepções de língua, linguagem

e gramática. Na base de qualquer reflexão sobre o ensino de lín-

gua, os termos linguagem, língua, norma e gramática são de uso

comum inclusive entre os leigos e representam conceitos nada

triviais, uma vez que diferentes teorias linguísticas recortam e

definem de modo diferente seus objetos; cada concepção de lín-

gua(gem) tem correlata uma certa concepção de gramática; o

conceito de norma linguística está atrelado à visão de gramática;

enfim, os termos em pauta são, no mínimo, polissêmicos. Existe,

assim, uma estreita correlação entre as diferentes concepções de

língua(gem) e as concepções de gramática.

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3 Vernáculo é o estilo em que é dada monitoração mínima,

isto é, em que se presta o mínimo de atenção à fala (LABOV,

[1972] 2008, p. 63). Nucleus, v.8, n.1, abr.2011

3 A variação geográfica carrega fortes marcas identitá-

rias: o indivíduo praticamente se identifica, revela sua origem

regional, ao falar. A variação social também carrega marcas

identitárias e se manifesta nas diferentes normas: a norma culta

é usada pelas pessoas mais diretamente relacionadas com a cul-

tura escrita que é historicamente legitimada (pessoas com alto

grau de escolarização), ao passo que as normas ou variedades

não-padrão são utilizadas por indivíduos não escolarizados ou

pouco escolarizados. As variedades culta e não-padrão usual-

mente refletem as diferenças sociais dos falantes. A norma culta,

vista por muitos como o “falar corretamente”, é considerada

uma via de ascensão social. Quem não domina a variedade pa-

drão da língua é marginalizado, ridicularizado, enfim, excluído:

em uma entrevista para emprego, na escola, no vestibular. Po-

rém, o domínio e o uso da variedade culta ficam restritos a uma

parte muito pequena da população brasileira, que, não por coin-

cidência, é a detentora do poder político e econômico.

No que diz respeito às variedades linguísticas, é papel da

escola ensinar a „norma culta‟ da língua, que é a variedade de

prestígio na sociedade. Entretanto, a variedade linguística que o

aluno traz de casa nunca deve ser desconsiderada e tachada de

“erro”. que os professores devem fazer é considerar os dife-

rentes níveis de conhecimento prévio que os alunos apresentam e

promover a ampliação desses conhecimentos, criando situações

comunicativas diferenciadas para que os alunos estendam grada-

tivamente o conhecimento linguístico já adquirido. Muitas vezes

as diferenças entre as variedades dos alunos e a variedade da es-

cola são tão grandes que parece estarmos diante de duas línguas

diferentes. E essas diferenças são ainda mais salientes no mo-

mento de aprendizado do código escrito da língua.

CONHECIMENTOS SOBRE ASPECTOS FONÉTICOS

DE DIFERENTES VARIEDADES DA LÍNGUA

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A análise de textos produzidos por crianças que estão

aprendendo o código escrito da sua língua materna revela a ma-

neira como os aprendizes inconscientemente registram aspectos

fonéticos da modalidade sociolinguística regional que utilizam.

Ao iniciar seu intercurso no mundo da escrita, a criança tende a

estabelecer uma correspondência estrita entre os sons da fala e

as letras, numa atitude semelhante à do linguista ao fazer uma

transcrição fonética. No princípio do aprendizado do código es-

crito da sua língua materna, a criança constrói hipóteses acerca

da representação dos sons, tomando por base seus conhecimen-

tos da fala da sua variedade sociolinguística.

Na modalidade escrita a variação não está prevista quan-

do uma língua já venceu os estágios históricos da sua codificação.

A uniformidade de que a ortografia se reveste garante sua funci-

onalidade. Toda variação fonológica de um discurso oral (inclu-

sive e principalmente a de natureza regional) se reduz a uma or-

tografia fixa e invariável, cuja transgressão não é uma opção

aberta para o usuário da língua. Assim, o texto escrito pode ser

lido e entendido por falantes com os mais diferentes antecedentes

regionais. Estamos pois diante de dois estatutos bem distintos.

Ensinamos nossos alunos a usar os recursos da variação oral pa-

ra tornar sua fala mais competente, preservando contudo suas

características sociodemográficas, e ensinamos nossos alunos a

usar a ortografia: a grafia normatizada, fixada, canônica.

(BORTONI-RICARDO, 2004, p. 273).

Veja-se o que ocorre com o fenômeno do rotacismo no

português. Do ponto de vista fonético, as consoantes /l/ e /r/ são

muito próximas, podendo, por isso, intercambiar-se ou neutrali-

zarem-se. Seus traços articulátorios são definidos no quadro 1.

/ l / / r /

Ponto de articulação alveolar Alveolar

Modo de articulação late ral Vibr ante

Ressonância oral Oral

Vibração laríngea sonora Sonora

Quadro 1: Traços articulatórios das consoantes /l/ e /r/

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Fonte: (CRISTOFARO-SILVA, 1999)

Como pode ser observado no quadro 1, a diferença entre

as consoantes resume-se ao modo de articulação: enquanto a

primeira é lateral (o som é produzido à medida que o ar escapa

pelos lados de um obstáculo formado no centro da cavidade bu-

cal pelo contato do ápice da língua com os alvéolos), a segunda é

vibrante simples (o som é produzido à medida que o ar escoa por

uma passagem estreita formada por um toque rápido do ápice da

língua contra os alvéolos).

Porém, apesar da semelhança do ponto de vista articula-

tório, as consoantes /l/ e /r/ constituem fonemas distintos no por-

tuguês, uma vez que podem contrastar em ambiente idêntico.

Aplicando-se o princípio da comutação a pares mínimos, a troca

de /l/ por /r/ implica em mudança de significado: / „kala / é dife-

rente de / „kara /; / „atlas / é diferente de / a‟tras /.

E, do ponto de vista sociolinguístico, as consoantes /l/ e /r/

também se parecem quanto ao potencial de variação. Estão sujei-

tas a inúmeros processos de variação dialetal, por vezes, neutra-

lizando os traços contrastivos e transforando-se em alofones po-

sicionais, tais como no rotacismo.

O fonema /l/, quando funciona como segunda consoante

prevocálica nos cluster consonantais, está sujeito ao processo de

rotacismo, do qual derivam formas como [„kraru], [„krawdia],

[„broku], entre outras. De acordo com Coutinho (1979), na pas-

sagem do latim ao português, o processo agiu intensamente con-

vertendo formas como ecclesia-, plaga-, esclavufluxu- em igreja,

praia, escravo, frouxo.

Variedades linguísticas em que ocorre o rotacismo costu-

mam ser associadas a comunidades rurais e são estigmatizadas.

Entretanto, trata-se de variantes linguísticas de milhares de bra-

sileiros falantes das variedades não-padrão, a “classe social des-

prestigiada, marginalizada, que não tem acesso à educação for-

mal e aos bens culturais da elite”, para quem a fonética da nor-

ma culta é como a de uma língua estrangeira.

As escolas de zona rural ou de periferia atendem a uma

clientela com características socioculturais específicas, que se

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distinguem das características da clientela das escolas urbanas

dos bairros de classe média, principalmente no que se refere ao

repertório linguístico. Estas especificidades não são devidamente

contempladas nos livros didáticos nem tampouco nas propostas

curriculares, cabendo aos professores de crianças provenientes

de uma cultura iletrada a pesada tarefa de fazer a adequação dos

conteúdos programáticos aos antecedentes culturais de seus alu-

nos. Alguns desses professores são membros da comunidade on-

de trabalham, outros são forasteiros‟, com background cultural

diferente. Tanto uns quanto outros, porém, precisam aprender a

identificar as características sociolinguísticas e culturais de seus

alunos, de forma sistemática. Esta identificação é pré-requisito

para a implementação de estratégias pedagógicas e interacionais

que sejam sensíveis aos traços culturais dos alunos e proporcio-

nem melhores resultados de aprendizagem. (BAGNO, 2001, p.

42).

Para identificar as características sociolinguísticas e cul-

turais dos alunos de forma sistemática, é preciso que os conhe-

cimentos (socio)linguísticos decorrentes das pesquisas atuais so-

bre educação em língua materna façam parte da formação do

professor alfabetizador.

Soares (1998, p.8) apresenta o que seria o mínimo que um

professor alfabetizador deveria aprender em sua formação:

Um alfabetizador precisa conhecer os diferentes compo-

nentes do processo de alfabetização e do processo de letramento.

Conhecer esses processos exige conhecer, por exemplo, as práti-

cas sociais e usos da língua escrita, os fundamentos do nosso sis-

tema de escrita, as relações fonema/grafema que regem nosso sis-

tema alfabético, as convenções ortográficas... exige ainda a apro-

priação do conceito de texto, de gêneros textuais... Mas, além de

conhecer o objeto da aprendizagem, seus componentes linguísti-

cos, sociais, culturais, o alfabetizador precisa também saber co-

mo é que a criança se apropria desse objeto, ter uma resposta

para a pergunta: “como é que se aprende a ler e a escrever?

ler e produzir textos de diferentes gêneros?”. sso significa co-

nhecer o processo de compreensão e produção de texto escrito, o

processo de construção de sentido para um texto, o processo de

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desenvolvimento da fluência na leitura, os processos de aquisição

e desenvolvimento de vocabulário, de que dependem a compre-

ensão e a construção de sentido... O alfabetizador tem de conhe-

cer o objeto da aprendizagem e também o processo pelo qual se

aprende esse objeto, a língua escrita. Infelizmente esses conheci-

mentos ainda não entraram na formação dos alfabetizadores.

(SOARES, 1998, p.8, grifos da autora)

Casos como o do rotacismo costumam provocar reações

de preconceito linguístico, principalmente naquelas pessoas que

se situam nos pontos mais altos na pirâmide social, ou seja, que

pertencem a um nível socioeconômico mais alto e que dominam a

variedade culta da língua. O preconceito linguístico se manifesta

em comentários do tipo: “fulano fala errado”, “fulano não sabe

falar direito”, “a fala de fulano é feia”... isso se chama valor

social das formas variantes. A fala (ou escrita) é avaliada ou jul-

gada em função do status social dos indivíduos que a utilizam, e

não pelas características linguísticas em si.

ROTACISMO NA FALA E NA ESCRITA

Como vimos, o rotacismo é um fenômeno regular e recor-

rente no português. Ainda assim, é alvo de estigma. Alinhado a

estudos que tratam deste fenômeno (cf. COX; ASSAD, 1999;

FREITAG et alii, 2010), trazemos resultados de um estudo reali-

zado para averiguar o efeito da variedade linguística da criança

em processo de aprendizado do código escrito da sua língua ma-

terna, mais especificamente, o efeito do fenômeno do rotacismo,

em alunos de uma escola da zona rural de Ribeirópolis, municí-

pio do Agreste Central Sergipano (SANTANA et a.i, 2008). Fo-

ram escolhidos seis itens lexicais contendo o cluster consonantal

/Cl/, cuja representação é um dígrafo (planta, flor, bloco, blusa,

placa, globo). Os alunos foram expostos a um ditado visual (no

qual eram expostos a figuras representando os itens lexicais alvo)

e a um ditado oral (no qual as pesquisadoras ditavam os itens le-

xicais observando a variedade de prestígio, ou seja, /l/). A figura

1 ilustra a ocorrência das variantes no ditado visual.

Figura 1: Ocorrências da variante padrão e não padrão

no cluster /Cl/ em ditado visual. Inicialmente, a amostra previa

alunos da 2ª e da 4ª série; entretanto, os alunos da 2ª série não

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conseguiram executar nenhuma das duas atividades (nem oral,

nem visual). Assim, os dados de análise resultantes são apenas da

4ª série, nível em que se esperaria um relativo domínio das re-

gras de conversão de fonemas em grafemas, ou seja, aprendizado

pleno do código escrito da língua.

Foram considerados 145 sujeitos, o que totalizou 893 da-

dos (é preciso considerar que no ditado visual nem todos os itens

lexicais foram interpretados conforme o previsto: para blusa,

houve respostas como camisa ou vestido; para planta, árvore ou

galho, entre outros), como ilustra a figura 2.

Figura 2: Ocorrências de outras respostas no ditado visual

Os resultados quantitativos foram obtidos de acordo com

a metodologia da sociolinguística quantitativa (cf. LABOV

[1972] 2008), com a codificação dos dados e submissão ao pacote

estatístico GoldVarbX (SANKOFF; TAGLIAMONTE; SMITH,

2005).

Foi realizada uma análise binomial, e os fatores “vocábu-

lo”, apresentado na tabela 1, e “tipo de estímulo” apresentado na

tabela 2, mostraram-se estatisticamente significativos.

Tabela 1: Distribuição das frequências da variante padrão

(vs. a não-padrão) quanto ao vocábulo

Tabela 1: Distribuição das frequências da variante padrão (vs.

a não-padrão) quanto ao

vocábulo

Aplicação/total Percentual

Placa 145/160 91% 0,28

Bloco 106/120 88% 0,22

Planta 127/128 99% 0,83

Blusa 127/147 86% 0,20

Flor 175/176 99% 0,88

Globo 152/162 94% 0,39

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Total 832/893 93% --

Aplicação/total Percentual

Placa 145/160 91% 0,28

Bloco 106/120 88% 0,22

Planta 127/128 99% 0,83

Blusa 127/147 86% 0,20

Flor 175/176 99% 0,88

Globo 152/162 94% 0,39

Total 832/893 93% --

Para entender a importância do tipo de vocábulo na esco-

lha entre as variantes padrão e não-padrão de realização do clus-

ter /Cl/ é preciso rememorar que a escola que subsidiou a análise

está localizada na região rural. s vocábulos “flor” e “planta”

são os que mais favorecem a aplicação da variante padrão, com

pesos relativos de 0,88 e 0,83, respectivamente. São vocábulos re-

lacionados ao contexto de mundo do universo rural, e que cos-

tumam ser utilizados pelos professores nas lições. Possivelmente,

o contato prévio com em contexto de aprendizado levou os alu-

nos a internalizarem a forma padrão.

Tabela 2: Distribuição das frequências da variante padrão

(vs. a não-padrão) quanto ao tipo de estímulo

Aplicação/total Percentual

Ditado oral 268/297 90% 0,38

Ditado visual 564/596 95% 0,55

Total 832/893 93% --

Os resultados obtidos também apontam que o tipo do es-

tímulo – se oral ou visual – desempenha papel significativo na es-

colha das formas variantes. No ditado oral, o percentual de uso

da variante padrão (“pranta”, „grobo”) é de 90%, ao passo que

no ditado visual, o percentual de uso da variante padrão sobe

para 95%. Os pesos relativos, entretanto, reforçam a tendência

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de uso sinalizada nos percentuais: o estímulo visual tende a favo-

recer o uso da variante padrão, com peso relativo de 0,55, ao

passo que o estímulo oral tende a restringir o uso da variante

padrão, com peso relativo de 0,38, Pode-se traçar a relação entre

o estímulo oral e a variedade sociolinguística do aluno, que pos-

sui a realização de /r/ nos contextos em que a variedade padrão

espera /l/, e o estímulo visual e a variedade escrita, aprendida na

escola. Na verdade, não existem fronteiras rígidas, nem entre as

variedades padrão e não padrão, nem entre as modalidades oral

e escrita da língua. Bortoni-Ricardo (2004, p.61) propõe que pen-

semos na ideia de um contínuo (a autora propõe três: contínuo

de urbanização, contínuo de oralidade-letramento e contínuo de

monitoração estilística), representado numa linha imaginária

que tem, localizada em cada extremidade, uma certa variedade

ou modalidade. Estudando as interações em sala de aula, a auto-

ra trabalha com as noções de “evento de oralidade” e “evento de

letramento”, representados sob a forma de contínuo, na figura 3.

eventos de oralidade eventos de letramento

Figura 3: contínuo da oralidade e do letramento (BOR-

TONI-RICARDO, 2004, p. 62)

No caso da sala de aula, por exemplo, um evento de letra-

mento pode ser permeado de eventos de oralidade. Os eventos de

letramento são mediados pela língua escrita (exposição de um

conteúdo a partir de um roteiro escrito, fala simultânea à escrita

no quadro-de-giz, aula de leitura, ditado, etc.). Já os eventos de

oralidade são intervenções curtas do professor, brincadeiras mo-

tivadoras, ou seja, situações de interação não mediadas pelo tex-

to escrito (ex.: “ bram o livro na página tal”, “Vamu ficar quie-

tos”, etc) (B RTONI-RICARDO, 2004, p. 26).

Bortoni-Ricardo (2006, p. 268) destaca que o professor al-

fabetizador precisa “fazer a distinção entre problemas na escrita

e na leitura que decorrem da interferência de regras

fonológicas variáveis e outros que se explicam simples-

mente pela falta de familiaridade do alfabetizando com as con-

venções da língua escrita”. E, ao considerar que as duas caracte-

rísticas principais das línguas são a variação e a mudança, o pro-

fessor terá condições de promover a educação em língua mater-

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na, especialmente nas séries iniciais, com vistas a alfabetizar le-

trando ou letrar alfabetizando (SOARES, 1998).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A análise do fenômeno do rotacismo em alunos da 2ª série

de uma escola da região rural de Ribeirópolis/SE reflete a neces-

sidade, por parte do professor alfabetizador, de ter conhecimen-

to acerca dos pressupostos teóricos da sociolinguística para ter

êxito em seu propósito. Neste sentido, cabe lembrar as palavras

de Mírian Lemle:

O professor que não tem preparo para entender o fenô-

meno da mudança linguística com a mesma naturalidade com

que entende o fenômeno da evaporação ou da condensação da

água é presa fácil de uma teorização preconceituosa dos fatos da

língua. E uma teorização tremendamente perniciosa. Esse pro-

fessor, que não entende o fenômeno da mudança da língua, aca-

ba fatalmente acreditando na ideia de que a língua escrita é a

língua certa e que tudo aquilo que não é igual ao certo é errado.

Todos aqueles que falam errado são inguinorantes. Ao professor,

cabe reprová-los. E a situação se eterniza. (LEMLE, 1991, p.63-

4).

Para atender a esta demanda, ações como as prospectadas

pelo projeto Ler + Sergipe: leitura para o letramento e a cidada-

nia (Observatório da Educação 2010 – CAPES/INEP) focam a

implantação de maneira otimizada das contribuições da Psico-

linguística Aplicada e da Sociolinguística Educacional, ressal-

tando a importância de se trabalhar a consciência fonológica a

partir do contato entre a variedade linguística que o aprendiz

traz de casa e a variedade ensinada na escola.

REFERÊNCIAS

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2001.

BORTONI-RICARDO, S.M. Educação em língua mater-

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VA, C.R. da (org). Ensino de português: demandas teóricas e práti-

cas. João Pessoa: Ideia, 2007, p. 91-125.

LABOV, W. Padrões sociolinguísticos. São Paulo: Parábola,

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SANKOFF, D.; TAGLIAMONTE, S.; SMITH, E. Goldvarb

X: a variable rule application for Macintosh and Windows. Depart-

ment of Linguistics of University of Toronto, Department of Mathe-

matics - University of Ottawa, 2005.

SANTANA, A.R. de et al. O tratamento do rotacismo nas sé-

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L.R. da; FREITAG, R. M.Ko. (org). Linguagem e representação dis-

cursiva. João Pessoa: Universitária UFPB, 2008, p. 147-155.

SOARES, M. B. Alfabetização e letramento. São Paulo: Con-

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SOARES, M. B. Entrevista: nada é mais gratificante do que

alfabetizar. Letra A: o jornal do alfabetizador. Belo Horizonte: CE-

ALE, n. 1, v. 1, p. 6-9, 2005.

POR QUE ENSINAR VARIAÇÃO LINGUÍSTICA

EM SALA DE AULA?

Escrito por Stella Bortoni Qui, 26 de Maio de 2011 20:55

1. O curioso caso de Cesare Battisti

Não consigo me desligar completamente ‗do mundo lá fora‘

durante estes dias de férias. Acesso a internet sempre que consigo

captar a arisco sinal da provedora, movimentando-me por vários

pontos da casa, e leio pelo menos dois jornais de grande circulação

nacional. Nas últimas semanas o assunto mais recorrente tem sido o

‗embroglio‘ Battisti, causado pelas reações à concessão de refúgio ao

fugitivo da justiça italiana, Cesare Battisti, por decisão do ministro

da justiça, Tarso Genro.

Battisti , que pertencia ao grupo terrorista Proletários Arma-

dos pelo Comunismo, foi acusado de quatro homicídios, cometidos

em 1978-9, e condenado à prisão perpétua em seu país, de onde fu-

giu, tendo sido preso anos depois no Brasil.

A Itália reagiu veementemente à recente decisão do governo

brasileiro que , por sua vez, apoiou-se no argumento de nossa sobe-

rania nacional para justificar a medida. De fato, a Itália não pôs em

dúvida nossa soberania nacional, reconhecida na Europa desde 1822.

O que querem os italianos é o seu criminoso de volta para cumprir a

pena que lhe foi imputada.

Brasil e Itália têm uma longa história de boas relações, no

momento chamuscada pelo incidente. Vivem neste país mais de dez

milhões de descendentes de italianos, identificados somente pelo so-

brenome. Meu bisavô paterno veio de Camerota, no sul da Itália, no

final do século dezenove e foi trabalhar na construção da estrada de

ferro Rede Mineira de Viação. Não o conheci, mas meu pai se referia

sempre ao avô, Afonso Bortoni, que teve vida longeva, mas nunca

aprendeu a falar fluentemente o português.

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Qual é o principal divisor de águas entre criminosos comuns e

presos políticos? A distinção, à primeira vista bem simples, é de fato

muito problemática. A caracterização de um criminoso político fica

muitas vezes dependente de circunstâncias históricas ou sociocultu-

rais. O próprio Battisti, na sua longa aventura de fugitivo, que ele es-

tá contando em livro ―Minha fuga sem fim‖, foi acolhido por um go-

verno de esquerda na França e depois expulso daquele país por um

governo de direita. É o matiz político do governo de plantão que

confere culpabilidade ou prestígio a um suposto criminoso político.

O homicídio, pela lei de Deus, tem sido condenado e castiga-

do desde os tempos do fraticídio de Caim que matou, por inveja, seu

irmão Abel. No Decálogo de Moisés, "Não matarás" é o quinto man-

damento. Pela lei dos homens o ato de matar um próximo é sujeito a

muitas interpretações, atenuantes, justificativas e agravantes. Por

exemplo, na guerra, o combatente tem o dever de matar o inimigo.

Nos dois últimos séculos, fazia parte da ética da guerra preservar os

civis, muito embora os civis não tenham sido poupados dos bombar-

deios já na Segunda Guerra Mundial. Nas guerras contemporâneas,

têm morrido mais civis, inclusive crianças, que soldados.

Ao longo da história humana, vemos que o ato de matar um

semelhante pode ser avaliado de formas muito distintas. Não preci-

samos ir longe. Os bravos guerreiros tupinambás, pré-cabralinos, co-

briam-se de glórias ao matar um inimigo e quando esse era valoroso

ainda comiam-lhe a carne em rituais antropofágicos de importância

seminal em sua cultura.

No mundo de hoje temos também muitas evidências do rela-

tivismo de que se reveste a avaliação de atos de violência justifica-

dos por ideologias. Para o presidente Hugo Chávez, da Venezuela,

por exemplo, os guerrilheiros colombianos das FARC, que seques-

tram e matam, são heróis de uma almejada revolução bolivariana. Ao

final da Segunda Guerra Mundial os líderes nazistas foram levados

às barras do tribunal em Nuremberg. Mas fosse outro o desfecho da

guerra, com vitória da Alemanha, os criminosos de guerra a receber

pesadas penas também teriam sido outros.

O caso Cesare Battisti é só mais um exemplo de como é difí-

cil dissociar ideologia de decisões que envolvem a punição de supos-

tos criminosos políticos. Essa novela ainda vai ter muitos capítulos.

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Depende agora de decisão do Supremo Tribunal Federal. Vamos

aguardar.

Salvador, BA, 1º de fevereiro de 2009

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PRECONCEITO LINGUÍSTICO

OU ENSINO DEMOCRÁTICO E PLURALISTA?

Dante Lucchesi (UFBA)2

Nos últimos tempos, a sociedade brasileira vem aprofundando

seu caráter democrático, não apenas com a distribuição de renda

promovida pela ação dos programas sociais do Governo Federal,

como também no reconhecimento da diferença como parte do respei-

to à dignidade da pessoa humana. Hoje o racismo é tipificado como

crime pelo Código Penal, e está em curso no Congresso Nacional um

projeto de lei contra a homofobia. No plano da cultura, manifesta-

ções de matrizes historicamente marginalizadas, como a africana, es-

tão plenamente integradas, como os blocos afros no Carnaval da Ba-

hia, a capoeira e o Candomblé. Porém, o preconceito e a intolerância

ainda predominam em um plano essencial da cultura: a língua.

Nada mais revelador a esse respeito do que a comoção provo-

cada pelo livro didático de língua portuguesa Por uma vida melhor,

distribuído pelo Programa Nacional do Livro Didático, do Ministério

da Educação (MEC), para a educação de jovens e adultos. A revolta

se concentra em uma passagem do livro que diz que o aluno poderia

dizer algo como ―os livro‖, em certos contextos, mas que deveria

empregar a forma padrão ―os livros‖, sobretudo em situações formais

para não ser vítima do preconceito linguístico.

Foi o suficiente para que políticos, jornalistas, intelectuais e

professores manifestassem toda a sua perplexidade e indignação. Até

uma procuradora do Ministério Público Federal, no melhor estilo

udenista da Marcha com Deus pela Família, ameaçou com processo

os responsáveis pela edição e pela distribuição do livro. Argumen-

tou-se que, sendo a missão da escola ensinar a ―forma correta‖, não

podia admitir o uso da ―forma errada‖; e que à escola cabia ensinar a

2 Dante Lucchesi: Professor Associado de Língua Portuguesa da Universi-

dade Federal da Bahia, Pesquisador 1-C do CNPq, autor do livro Sistema,

Mudança e Linguagem (Parábola, 2004), organizador do livro O Português

Afro-Brasileiro (EDUFBA, 2009) e Coordenador do Projeto Vertentes do

Português Popular do Estado da Bahia (http://www.vertentes.ufba.br/).

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norma culta, e não a popular. Chama a atenção, em primeiro lugar, o

açodamento e leviandade de alguns posicionamentos, que revelaram

que seus autores sequer se deram ao trabalho de ler o livro.

A obra, da autoria da professora Heloísa Ramos, baseia-se em

princípios racionais e imprescindíveis para um ensino eficaz da lín-

gua materna, tais como o de que ―falar é diferente de escrever‖. E re-

conhece que o português, como qualquer língua humana viva, admite

formas diferentes de dizer a mesma coisa, o que a ciência da lingua-

gem denomina variação linguística. Informa ainda que a variação

linguística reflete a estrutura da sociedade. No caso brasileiro, o ce-

nário da variação social apresenta uma divisão entre uma norma cul-

ta e uma norma. O livro ainda alerta que, apesar de serem ―eficientes

como meios de comunicação‖, as duas normas recebem uma avalia-

ção social diferenciada, existindo ―um preconceito social em relação

à variante popular, usada pela maioria dos brasileiros‖, mas que ―es-

se preconceito não é de razão linguística, mas social‖. Em vista dis-

so, conclui que ―o falante tem de ser capaz de usar a variante ade-

quada da língua para cada ocasião‖. Não há nada demais em tais

afirmações. Os gramáticos mais esclarecidos reconhecem que o pa-

drão da correção absoluta deve ser substituído pelo parâmetro da

adequação relativa às diversas situações de uso da língua. É tão ina-

dequado dizer ―me dá menos tarefa‖ numa reunião formal de traba-

lho, quanto perguntar ―poder-me-ia informar o preço desse vegetal?‖

em uma feira livre. Como diz ainda o questionado livro, ―um falante

deve dominar as diversas variantes porque cada uma tem seu lugar

na comunicação cotidiana‖.

Informar ao aluno que a língua é plural e admite formas vari-

antes de expressão, cada uma legítima em seu universo cultural es-

pecífico, não é apenas a forma mais adequada de fazer com que o

aluno conheça a realidade da sua língua, mas um preceito essencial

de uma educação cidadã, fundada nos princípios democráticos, do

reconhecimento da diferença como parte integrante do respeito à

dignidade da pessoa humana. A pluralidade é o principal pilar de

uma sociedade democrática, garantindo a diversidade de crenças, de

opiniões, de comportamentos, de opções sexuais etc. Contudo, a di-

versidade linguística é vista sempre como uma ameaça, sem que as

pessoas se deem conta do autoritarismo que tal visão dissemina.

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A aceitação da diversidade linguística não entra em contradi-

ção com a necessidade da aquisição de uma norma padrão para uma

melhor inserção em uma sociedade de classes, dominada pelo letra-

mento. E inclusive o livro em questão se apresenta como um instru-

mento adequado desse ensino, com seus exercícios de pontuação, do

uso canônico dos pronomes e até do emprego das sacrossantas regras

de concordância, que ousou desafiar, tocando em uma aspecto ne-

vrálgico da visão discricionária de língua que predomina na socieda-

de brasileira. O reconhecimento da diversidade linguística, longe de

ser prejudicial, é uma condição sine qua non para uma escola demo-

crática e inclusiva, que amplia o conhecimento do aluno sem menos-

prezar sua bagagem cultural. A imposição de uma única forma de

usar a língua, rechaçando as demais variedades como manifestações

de inferioridade mental, é um ato de violência simbólica e mutilação

cultural inaceitável.

Outro aspecto que chama atenção é o desconhecimento que

predomina na sociedade sobre o ensino de língua portuguesa. Já há

alguns anos que os livros didáticos contemplam a questão da varia-

ção linguística, e muitas escolas têm adotado essa visão mais plura-

lista e democrática de ensino de língua portuguesa com resultados

muito positivos. Portanto, antes que se diga que a distribuição do li-

vro é mais um ato de populismo do governo do PT, deve-se esclare-

cer que essa visão remonta ao governo FHC, com a publicação dos

Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), em 1997, que já diziam

que ―a imagem de uma língua única, mais próxima da modalidade

escrita da linguagem, subjacente às prescrições normativas da gra-

mática escolar, dos manuais e mesmo dos programas de difusão da

mídia sobre ‗o que se deve e o que não se deve falar e escrever‘, não

se sustenta na análise empírica dos usos da língua‖ e alertavam que

―o problema do preconceito disseminado na sociedade em relação às

falas dialetais deve ser enfrentado, na escola, como parte do objetivo

educacional mais amplo de educação para o respeito à diferença‖.

Portanto, só a ignorância ou a má-fé podem explicar as mani-

festações de indignação e revolta que beiram a histeria, diante da dis-

tribuição de um livro tão pertinente, através do sistema democrático

e republicano do Programa Nacional do Livro Didático do MEC. Di-

ante disso, importa saber quais são as razões mais profundas dessas

reações. Em primeiro lugar, a língua ocupa uma posição sui generis

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124

na estrutura social. Em outras áreas do comportamento, as leis se se-

guem às práticas sociais. Na língua, ao contrário, as disposições go-

vernamentais, como no caso dos PCNs, estão muito à frente da visão

dominante na sociedade, que é no geral dogmática e cheia de mitifi-

cações.

O linguista norte-americano William Labov fala do mito da

Idade do Ouro, no qual as pessoas tendem a acreditar que a língua

atingiu sua perfeição no passado e desde então só se tem deteriorado,

e se afligem com as inovações que a cada dia ameaçam mais e mais a

integridade do idioma, sendo as mais perigosas as violações perpe-

tradas pela ―gente inculta‖. Porém, não se conhece uma única língua

cujo funcionamento tenha sido comprometido pelas mudanças que

sofreu ao longo de seu devir histórico. As mudanças que afetaram o

chamado latim vulgar da plebe romana deram origem ao português

de Camões, ao espanhol de Cervantes e ao francês de Flaubert. E as

―deteriorações‖ sofridas pela língua portuguesa desde o tempo de

Camões não impediram que Pessoa escrevesse sua magistral obra

poética. Além do que, muitos males que afligem hoje a língua, para a

decepção de muitos, não constituem grande novidade. Os puristas fi-

cam horrorizados com a linguagem desleixada da Internet, impreg-

nada de abreviaturas. Pois as abreviaturas abundam nas inscrições

romanas e nos manuscritos medievais.

Costuma-se correlacionar também complexidade gramatical

com grau de civilização. Porém, muitas línguas indígenas brasileiras

exibem uma morfologia muito mais complexa, inclusive marcando

certas categorias gramaticais, como a evidencialidade (que informa a

fonte de conhecimento do evento verbalizado), absolutamente ausen-

tes na gramática das línguas europeias. Já muitas línguas africanas,

em sua maioria ágrafas (sem escrita), exibem um sistema morfológi-

co de classificação nominal extremamente complexo. E algumas lín-

guas da Melanésia, de comunidades tribais, têm mais de cem formas

pronominais, contra algumas poucas dezenas das principais línguas

europeias, que têm mais de mil anos de tradição escrita. Ou seja,

complexidade gramatical não tem qualquer correlação com grau de

civilização. Nem se pode pensar que complexidade gramatical impli-

ca maior poder de expressão da língua.

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Outro grande mito é o da ameaça à unidade linguística: se não

houver uma rígida uniformização, a unidade da língua se perde; se o

caos da variação linguística não for detido, a comunicação verbal fi-

cará irremediavelmente comprometida. Ao contrário, a heterogenei-

dade da língua é que garante a sua unidade em uma comunidade so-

cialmente estratificada e culturalmente diversa. É a flexibilidade con-

ferida pela variação linguística que permite a uma língua funcionar

tanto na feira livre quanto nos tribunais de justiça. Se fosse um códi-

go monolítico e inflexível, como sugerem os puristas, a mesma lín-

gua não poderia funcionar em ambientes tão diversos, o que levaria

inexoravelmente à sua fragmentação.

Impressiona o nível de ignorância que se observa em pleno

século XXI em relação à língua. Qualquer pessoa minimamente in-

formada já ouviu falar de Freud, Lévi-Strauss e Max Weber, tem al-

guma ideia sobre o que seja o Complexo de Édipo e o Tabu do Inces-

to e não ousa falar em raças superiores e inferiores, ou que um cri-

minoso possa ser reconhecido pelo formato do seu crânio, mas fala

com naturalidade de línguas simples e complexas e se refere a for-

mas linguísticas correntes como aberrações. Aliás, a visão de que a

forma superior da língua é aquela dos escritores clássicos é contem-

porânea do sistema de Ptolomeu, de que a Terra era o centro do Uni-

verso e, em torno dela, giravam o sol, os planetas e as estrelas. Ou

seja, a Revolução de Copérnico não chegou ainda à língua.

Um exame aprofundado da questão revelará que as motiva-

ções históricas para tanto preconceito e mitificação decorrem exata-

mente papel político crucial que a língua desempenha nas sociedades

de classe. Ao longo dos tempos, a língua tem constituído um podero-

so instrumento de dominação e de construção da hegemonia das

classes dominantes. A construção dos estados nacionais encontrou na

uniformização e homogeneização linguística um dos seus apoios

mais eficazes, sobretudo em regimes autoritários e absolutistas. E o

preconceito contra as formas de expressão das classes populares

constitui um poderoso instrumento de legitimação ideológica da ex-

ploração desses segmentos. Na medida em que o preconceito viceja

na ignorância, pode-se entender por que é tão importante impedir

que uma visão isenta e cientificamente fundamentada da língua tenha

uma grande circulação na sociedade.

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Em um programa televisivo sobre o polêmico livro, um co-

nhecido jornalista inquiriu uma entrevista alegando que a concordân-

cia gramatical seria imprescindível para o raciocínio lógico. Se fosse

assim, os norte-americanos, australianos e ingleses deveriam enfren-

tar dificuldades significativas, porque o inglês é uma língua pratica-

mente desprovida de concordância nominal e verbal.

Ao contrário, a grande maioria dos artigos científicos é escrita

na atualidade em inglês, e as universidades inglesas e norte-

americanas figuram entre as melhores do mundo. Em inglês, se diz: I

work, you work, he works, we work, you work, they work. Na lin-

guagem popular do Brasil, se diz: eu trabalho, tu trabalha, ele traba-

lha, nós trabalha, vocês trabalha, eles trabalha. Nas duas variedades

linguísticas, só uma pessoa do discurso recebe marca específica, mas

o inglês é a língua da globalização e da modernidade, enquanto o

português popular do Brasil é língua de gente ignorante, que não sa-

be votar. Fica evidente que o valor das formas linguísticas não é in-

trínseco a elas, mas o resultado da avaliação social impingida aos

seus usuários.

Ao contrário do que pensa o jornalista, a concordância não é

um requisito para o raciocínio lógico. Até porque as regras de con-

cordância são mecanismos gramaticais que não interferem na comu-

nicação verbal, tanto que é indiferente dizer ―nós pegamos os pei-

xes‖ ou ―nós pegou os peixe‖. A informação veiculada é a mesma.

Em função disso, esses mecanismos costumam ser muito afetados

em determinados processos históricos como aqueles por que passa-

ram o inglês, o português no Brasil e o francês, que, mesmo com a

erosão na oralidade de suas marcas de concordância, não deixou de

se tornar a língua de cultura do mundo ocidental no século XIX.

Porém, na recente história política deste país, a concordância

teve uma posição de destaque, quando a imprensa conservadora

questionava a capacidade do Presidente Lula, invocando, entre outras

coisas, os seus ―erros de português‖. O preconceito linguístico nada

mais era do que a expressão de um preconceito mais profundo das

elites econômicas que não podiam admitir que um torneiro mecânico

ocupasse o cargo de maior mandatário da República. O sucesso e as

conquistas alcançadas pelo Governo Lula, tanto no plano interno

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quanto externo, só vieram a confirmar que, tanto um preconceito

quanto outro, não tinham o menor fundamento.

Mas, vale tudo para desqualificar a linguagem popular, até di-

zer o disparate de que ela ―é caótica e sem regras‖, como afirmou, há

alguns anos, uma jornalista da imprensa conservadora. Desde 1957,

com as publicações dos trabalhos do linguista norte-americano Noam

Chomsky, sabe-se que a Faculdade da Linguagem é uma propriedade

universal da espécie humana, de modo que qualquer frase produzida

por um falante de qualquer língua natural, seja ele analfabeto ou eru-

dito, é gerada por um sistema mental de regras tão sofisticado que

mesmo o computador mais poderoso já produzido é incapaz de fazer

o que qualquer indivíduo faz trivialmente: falar sua língua nativa.

Nesse contexto, é possível compreender o quanto é subversi-

vo (ou seja, transformador) distribuir amplamente um livro didático

que reconhece a diversidade linguística e a legitimidade da lingua-

gem popular. É muito revelador o depoimento do eminente gramáti-

co Evanildo Bechara, divulgado no portal UOL, na Internet, em

18/05/2011. Numa crítica à orientação dos PCNs, que ele considera

um "erro de visão", afirma: ―Há uma confusão entre o que se espera

de um cientista e de um professor. O cientista estuda a realidade de

um objeto para entendê-lo como ele é. Essa atitude não cabe em sala

de aula.

O indivíduo vai para a escola em busca de ascensão social‖. É

impressionante que se diga que ―não cabe em sala de aula‖ fornecer

elementos para o aluno "compreender [a língua] como [ela] é‖. É

como dizer que o darwinismo não cabe em sala de aula, devendo o

ensino da biologia ser orientado pelos princípios do criacionismo.

Acenando com a cenoura da ―ascensão social‖, Bechara quer limpar

o terreno do ensino para os normativistas legislarem arbitrariamente

sobre a língua, como têm feito até então. A visão científica da língua,

que reconhece a variação e a diversidade linguística como proprie-

dades essenciais de qualquer língua viva, deve ficar hermeticamente

confinada aos ambientes científicos. Na escola e na sociedade, deve

predominar a visão dogmática e obscurantista de que existe uma úni-

ca forma de falar e escrever, enquanto as demais devem ser vistas

como deteriorações produzidas por mentes inferiores.

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Os problemas dessa visão dogmática e discriminatória do en-

sino de língua portuguesa se agravam com a tensão que existe no pa-

ís em relação à norma de correção linguística. O linguista Marcos

Bagno tem demonstrado que estruturas como ―o jogador custou a

chutar‖ e outras que os gramáticos tardicionais e midiáticos, como

Pasquale Cipro Neto, afirmam não pertencer à norma culta são recor-

rentes nos textos de escritores consagrados, como Cecília Meirelles,

Carlos Drummond de Andrade e Clarice Lispector, ou mesmo de

clássicos, como Machado de Assis e José de Alencar. Isso demonstra

que, no Brasil, existe um desacordo flagrante entre a norma padrão –

modelo ideal de língua usado como critério para a correção linguísti-

ca – e a norma culta – forma da língua concretamente usada pelas

pessoas consideradas cultas, advogados, jornalistas, escritores etc.

Ao empregar as duas expressões como sinônimas, Pasquale e os

normativistas buscam dar às suas prescrições uma legitimidade que

elas não têm, porque se apoiam numa equivalência que está longe de

existir.

A tensão entre a norma padrão e a norma culta é normal em

qualquer sociedade letrada, na medida em que a norma padrão cons-

titui uma forma fixa e idealizada de língua a partir da tradição literá-

ria, enquanto a norma culta, constituída pelas formas linguísticas efe-

tivamente em uso está sempre se renovando. Porém, no Brasil o de-

sacordo entre as duas é grave desde as origens do estado brasileiro.

A independência política do Brasil, ocorrida em 1822, desencadeou

uma série de manifestações e movimentos nacionalistas, que tinham

no índio tupi o grande símbolo da nacionalidade. Contudo, escritores

que abraçaram a temática indigenista e nacionalista que tentaram

adequar a linguagem portuguesa à nova realidade cultural do Brasil,

como José de Alencar, foram alvo de virulentas críticas provenientes

do purismo gramatical.

Mais uma vez, a língua se descolou dos demais aspectos da

cultura. Se os elementos representativos da brasilidade deveriam ser

adotados, derrubando os símbolos da velha ordem colonial, a lingua-

gem brasileira era vista como imprópria e corrompida, devendo con-

tinuar a prevalecer a língua da antiga Metrópole portuguesa. A vitó-

ria dos puristas representou a vitória de um projeto elitista e exclu-

dente na formação do estado brasileiro. E a base racista desse projeto

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fica clara neste trecho do discurso de Joaquim Nabuco, na sessão de

instalação da Academia Brasileira de Letras, em 1897:

A raça portuguesa, entretanto, como raça pura, tem maior re-

sistência e guarda assim melhor o seu idioma; para essa uniformida-

de de língua escrita devemos tender. Devemos opor um embaraço à

deformação que é mais rápida entre nós; devemos reconhecer que

eles são os donos das fontes, que as nossas empobrecem mais de-

pressa e que é preciso renová-las indo a eles. (...) Nesse ponto tudo

devemos empenhar para secundar o esforço e acompanhar os traba-

lhos dos que se consagrarem em Portugal à pureza do nosso idioma,

a conservar as formas genuínas, características, lapidárias, da sua

grande época (...) Nesse sentido nunca virá o dia em que Herculano

ou Garrett e os seus sucessores deixem de ter toda a vassalagem bra-

sileira.

A vassalagem linguística à ex-metropole implicou a adoção

do modelo da língua de Portugal na normatização linguística no país,

com graves conseqüências, como o generalizado sentimento de inse-

gurança linguística que aflige todos segmentos da sociedade brasilei-

ra, mesmo os mais escolarizados. É comum ouvir afirmações do tipo

―o português é uma língua complexa‖, ou ―o brasileiro não sabe falar

português‖. E não poderia ser diferente porque a tradição gramatical

brasileira exige que os brasileiros escrevam, ou até mesmo falem,

com a sintaxe portuguesa, o que é impraticável, porque a língua não

parou de mudar, tanto em Portugal quanto no Brasil, em um processo

que, por vezes, assume direções distintas, ou mesmo contrárias, em

cada um dos lados do Oceano Atlântico.

Uma das mais notáveis dessas mudanças foi a violenta redu-

ção das vogais átonas da língua em Portugal, fazendo com que os

portugueses pronunciem telefone como tlefone, o que confere ao

português europeu contemporâneo uma sonoridade, que é menos

românica do que germânica, ou mesmo eslava. Já no Brasil pronun-

cia-se téléfoni ou têlêfoni (consoante a região), tendo ocorrido o in-

verso: o fortalecimento das vogais pretônicas. Essa mudança acabou

por repercutir em outros níveis da estrutura da língua, de modo que

em Portugal se generalizou o uso da ênclise, até nos casos em que,

na língua clássica, era obrigatório o uso da próclise (e.g., O João dis-

se que feriu-se; Não chegou-se a um acordo), enquanto no Brasil

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emprega-se normalmente a próclise até nos contextos vedados pela

tradição (e.g., Me parece que ela não veio).

Para além da insegurança linguística, a adoção de uma norma

adventícia no Brasil produz também verdadeiros absurdos pedagógi-

cos. Toda gramática normativa brasileira tem um capítulo dedicado à

colocação pronominal, que se inicia invariavelmente com a afirma-

ção ―a colocação normal do pronome átono é a ênclise‖; ao que se

seguem mais de vinte regras indicando onde se deve usar a próclise

(em orações subordinadas, depois de palavras negativas, após alguns

advérbios etc.). Tal gramática serve a um estudante português, que

usa normalmente a ênclise e pode aprender quais são os contextos

excepcionais onde a tradição recomenda o uso da próclise, mas não

tem a menor serventia para um estudante brasileiro, que já usa nor-

malmente a próclise. Para ter algum valor pedagógico, o texto da

gramática brasileira deveria ter a seguinte feição: ―a colocação nor-

mal do pronome átono no Brasil é a próclise; entretanto, para se ade-

quar à tradição, deve-se evitar essa colocação em início de período e

após uma pausa‖.

Esses equívocos se exacerbam dentro da visão tradicional que

restringe o ensino de língua portuguesa à prescrição do uso de for-

mas anacrônicas, quando o ensino da língua deve ser muito mais

amplo que isso, concentrando-se em práticas criativas que capacitem

o aluno a produzir e interpretar textos, dominar os diversos gêneros

textuais e identificar os mais variados sentidos e valores ideológicos

que as produções verbais assumem em cada situação específica; ao

que se deve somar uma informação propedêutica acerca da diversi-

dade da língua.

Pode-se entender, assim, porque uma entidade conservadora e

anacrônica, como a Academia Brasileira de Letras (ABL), se juntou

às vozes recalcitrantes, criticando o livro de português do MEC em

uma nota oficial, na qual afirma: ―Todas as feições sociais do nosso

idioma constituem objeto de disciplinas científicas, mas bem diferen-

te é a tarefa do professor de língua portuguesa, que espera encontrar

no livro didático o respaldo dos usos da língua padrão que ministra a

seus discípulos‖. Mais uma vez, a ladainha de que a escola e a socie-

dade devem ser privadas de uma visão científica (ou seja, realista) da

língua, ficando à mercê de toda a arbitrariedade normativista, inclu-

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sive aquela que impõe uma norma de correção adventícia e absolu-

tamente estranha à realidade linguística do país.

Fica evidente também que essa virulenta reação ao livro de

português do MEC não se justifica como defesa de um ensino mais

eficaz de língua portuguesa. Um modelo antiquado, que privilegia a

imposição de formas linguísticas adventícias e/ou anacrônicas, está

longe de ser o mais eficaz. Não é a correção de ―assistir o espetácu-

lo‖ por ―assistir ao espetáculo‖ que vai fazer o aluno escrever me-

lhor. Um ensino eficaz de língua materna incorpora a bagagem cultu-

ral do aluno, promovendo uma ampla prática de leitura e produção

de textos nas mais variadas situações de comunicação, desenvolven-

do também sua capacidade de reconhecer os diversos sentidos e va-

lores ideológicos que a língua veicula em cada situação. Nesse ensi-

no, é imprescindível promover a consciência acerca da diversidade

linguística como reflexo inexorável da variedade cultural. E esta

formação cidadã para o respeito à diferença não entra em contradição

com o ensino da norma culta, que deve permanecer. O que está em

jogo, na verdade, é a opção por um ensino discriminatório e arbitrá-

rio, baseado no preconceito e no dogma, ou por um ensino crítico e

pluralista, baseado no conhecimento científico acumulado até os dias

de hoje, como ocorre na física, na matemática, na geografia, etc. Por

que se deve privar os alunos do conhecimento científico da língua,

reduzindo a disciplina língua portuguesa a um mero curso de etiqueta

gramatical?

Se o projeto purista venceu no século XIX, com as nefastas

conseqüências que hoje se descortinam, resta saber se, no limiar do

século XXI, a sociedade brasileira perpetuará o velho projeto arbitrá-

rio e conservador, ou encampará um projeto democrático e pluralista

para o ensino de língua portuguesa, em consonância com que o corre

em outros planos da cultura. Será que mais uma vez a língua restará

isolada, como terreno do dogma e do preconceito?

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NO PAÍS EM QUE A MENTIRA

VIRA HISTÓRIA OFICIAL, O APEDEUTA

SE TORNA ESTILISTA DA LÍNGUA PORTUGUESA

OU: A GRAMÁTICA É O “DIRE T ” D Í GU

O doutor Honoris Causa de Coimbra também se tornou o Ba-

balorixá da Gramática Achada na Rua

É incrível como, nessa história do livro didático e do ensino

da língua, os mistificadores se revelam. A educação, sem dúvida, é a

área que mais padece com a ideologização das ciências humanas e

das teorias da comunicação. Tenta-se fazer da escola uma espécie de

plataforma da ―grande virada‖ do oprimido… ―Oh, o Reinaldo para-

nóico acha que os esquerdistas vão fazer revolução com as crianças!‖

Não! Eu não acho, não! Eu acho que essa gente está idiotizando as

crianças. Não fazem nem educação nem revolução. Investe-se na ig-

norância e, obviamente, na formação de estudantes amestrados e

adestrados aos valores de um partido. Isso está em curso e vitima

principalmente os mais pobres. Os alunos com mais recursos, ainda

que expostos às mesmas bobagens, dispõem de instrumentos para

vencer as barreiras do cretinismo.

Os mais patéticos de quantos me escrevem furiosos com as

críticas aos professores Heloísa Ramos e Marcos Bagno são aqueles

que falam em nome da ―sociolingüística‖. Trata-se uma súcia de ig-

norantes enfatuados que não têm noção do que estão falando. Não

me refiro a todos os especialistas dessa área, é evidente; só àqueles

que justificam a violência que está sendo cometida contra os alunos.

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Se os estudos da sociolingüística, que descrevem fenômenos

da linguagem nos vários grupamentos sociais, fossem justificativa

para convalidar o erro e a chamada ―língua do povo‖, como se essa

porcaria existisse, as faculdades de direito, em vez de ensinar aos fu-

turos advogados a legislação vigente e a Constituição, dedicar-se-

iam apenas a estudar os mecanismos que formam as desigualdades,

declarando a desnecessidade das leis e dos códigos.

―Mas não se poder estudar a sociologia das leis, Reinaldo?‖

Claro que sim! Mas imaginem qual seria o efeito se, em nome do que

sabemos sobre a desigualdade, convalidássemos todas as agressões

legais, de modo que cada indivíduo — ou grupo de indivíduos —

pudesse fazer a ―escolha‖ entre a norma e a transgressão. A gramáti-

ca é um código coletivo, como é a Constituição, o Código Civil e o

Código Penal. No dia-a-dia, é bem possível que todos nós, em vários

momentos, cometamos pequenas transgressões — e há aqueles que

cometem as grandes. Isso não quer dizer que possamos alegar igno-

rância da lei para fazer o que nos der na telha.

Um mundo sem leis, baseado apenas em noções abstratas de

justiça e na sua prática cotidiana, seria melhor? Não! Voltaríamos à

barbárie, ao estado da natureza. Assim como o desenvolvimento so-

cial e as necessidades vividas mudam, com o tempo, os códigos le-

gais, também a prática cotidiana da língua acaba, um dia, alterando a

norma, estabelecendo uma nova referência. A gramática é a ciência

do direito da linguagem. Sem ela…

A analogia é conceitual e episodicamente cabível. Marcos

Bagno fez da Universidade de Brasília o seu aparelho de luta. É a

mesma instituição que abriga a turma do ―Direito Achado na Rua‖.

Bagno é a ―Gramática Achada na Rua‖. Não por acaso, as duas cor-

rentes, de áreas diversas, pretendem jogar no lixo os códigos vigen-

tes, reconhecidos pela sociedade democrática, em benefício da ―ver-

dade verdadeira‖ do povo. Não por acaso, as duas correntes enten-

dem que a norma é resultado da luta de classes. Ora, se a ―luta‖ exis-

te e se o ―oprimido‖ ainda não está no poder, então é porque gramá-

tica e leis reproduziriam a vontade do opressor. É um raciocínio bu-

céfalo!

Não custa lembrar: o MEC que põe esse lixo nas mãos das

crianças — e que as incentivam a ser, mais do que ignorantes con-

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formadas, ignorantes propositivas — é o mesmo que compra e dis-

tribui livros de história em que o Apedeuta aparece como o salvador

da pátria, e seu antecessor, como o verdugo.

Faz sentido: no país em que a mentira vira história oficial, o

Apedeuta só poderia ser um estilista da língua portuguesa.

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A TROPA DE CHOQUE

D “GR MÁT C D FERE C D ”

PODE BOTAR O BURRO NA SOMBRA;

NÃO ME ASSUSTO COM A GRITARIA

DOS JIHADISTAS LINGÜÍSTICOS DESTE AIATOLÁ

Marcos Bagno: ele fez fama e fortuna afirmando que aquilo

que seus leitores ignoravam não tinha mesmo a menor importância e

era só autoritarismo...

Que burrice a tropa de choque dos amigos do professor Mar-

cos Bagno tentar me intimidar na base do ―sabe com quem está fa-

lando?‖ Desde quando eu dou bola pra isso? Fico ainda mais anima-

do. Eu adoro chutar o traseiro de especialistas arrogantes, especial-

mente quando convertem ideologia vagabunda em ciência não me-

nos. Marcos Bagno? Quem é esse há de se perguntar o leitor desavi-

sado.

Às 17h55 desta segunda, escrevi o texto que segue no pé des-

te post, apontando a responsabilidade intelectual de Bagno nessa his-

tória de vale-tudo da língua portuguesa. Eu sabia bem o que estava

fazendo. Seria mais grave do que chutar a santa. Bagno é um notório

depredador da norma culta da língua e da gramática e transformou

isso numa profissão rentável. Está para a lingüística como Gabriel

Chalita está para a filosofia. E é quase tão prolífico quanto, mas com

um agravante: Chalita é desprezado no mundo acadêmico; fazem

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chacota dele em qualquer circulo universitário com alguma serieda-

de. Seus livros, com aquela ignorância palavrosa cut-cut, dão moti-

vos de sobra pra isso.

Já o tal Bagno, o ―lingüista‖, é visto como um verdadeiro aia-

tolá da língua alternativa. É também autor de livros infanto-juvenis,

adorado pelos professores — em particular por aqueles que são inca-

pazes de entender um manual de gramática. Bagno lhes dá a sensa-

ção de que sua ignorância é irrelevante ou é uma inteligência alterna-

tiva, e eles acabam achando que não ensinam gramática aos alunos

ou porque não querem ou porque seria inútil. O fato é que não sa-

bem.

Bagno é aquele tipo perigoso que, dada a constatação de que

níveis de linguagem reproduzem, por óbvio, desigualdades sociais,

logo conclui que a língua é causa da desigualdade, não uma conse-

qüência dela. Então ele tenta mudar a sociedade mudando, ora ve-

jam!, a língua! Fez-se um teórico supostamente refinado do assunto e

convence os ignorantes e os incautos com as suas facilidades. Uma

coisa é constatar, e todos estamos de acordo, que, no geral, as aulas

de gramática têm um nível sofrível; outra é decretar a sua inutilidade.

Segundo os dados do Programa Internacional de Avaliação

dos Alunos 2009 (Pisa), da Organização para Cooperação e Desen-

volvimento Econômico (OCDE), o Brasil ainda ocupa o 53º lugar no

ranking geral, num total de 65 países que fizeram o exame. Uma

vergonha! Os alunos brasileiros ficaram em 53º em ciências e leitura

— superando Argentina, Panamá e Peru na América Latina, mas

atrás de Chile, Uruguai, México e Colômbia — e em 57º em mate-

mática. No ranking geral dos países avaliados na América Latina, o

Brasil fica à frente de Argentina e Colômbia, mas aparece 19 pontos

atrás do México (49º), 26 pontos do Uruguai (47º) e 38 do Chile

(45º). Foram avaliados os processos educativos em 65 países, 34 de-

les da OCDE. Vinte mil estudantes brasileiros nascidos em 1993 res-

ponderam às provas de leitura, matemática e ciências.

Ora, é vergonhoso que uma economia do porte da brasileira

— que, atenção!, investe, sim, relativamente bastante em educação

— apresente um resultado miserável como esse. Como se dará o sal-

to necessário? Com a professora Heloísa Ramos, ancorada nas teses

de Bagno, a fazer a apologia da ignorância em nome do fim do pre-

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conceito lingüístico? Que língua será cobrada desses alunos na vida

profissional?

Essa meninada não tem dificuldade nenhuma de se comuni-

car, por exemplo, na estranha língua das redes sociais, com seus có-

digos específicos. Ocorre que serão outros os textos que serão cha-

mados a interpretar. A norma, a língua padrão, há de ser o eixo em

torno do qual se organizam as demais experiências da linguagem. E

ela não pode ser um código para iniciados, a que só alguns poucos

têm acesso. É o padrão que nos unifica, já que a desejável diver-

sidade nos separa. Não entender isso é não compreender coisa ne-

nhuma e investir na bagunça. No caso de Bagno e desses professores

que têm livros adotados pelo MEC, trata-se de uma bagunça muito

rentável.

Pode-se ficar rico no Brasil fazendo profissão de fé na igno-

rância e ainda posar de democrata e libertador. Pra cima de mim? A

turminha bocuda dos ―especialistas bagnistas‖ pode pôr seu burro na

sombra; aqui não se cria. A escola existe para tratar da norma. A vi-

da se encarrega da diversidade, e ninguém precisa de professor para

ensinar o erro. Uma das qualidades da democracia é permitir que

cada um erre segundo a sua própria ignorância. Ninguém precisa

de um Marcos Bagno e de Heloísa Ramos como organizadores da

ignorância.

Segue o texto sobre Bagno que deixou a turma dele invocada.

É assim que eu gosto. Quanto mais bravos ficam esses valentes, mais

convicto estou de que foram pegos no pulo. Adoraria ver essa gente

toda submetida a uma prova de gramática para testar seu conheci-

mento da língua. Há muitos malandros ocupados em referendar os

erros dos alunos porque eles próprios não sabem o que é o acerto.

Se você já leu o que segue, vá para os comentários.

Este é o sacerdote do erro; é ele o burguês do socialismo

na língua portuguesa; é ele quem faz de Lula uma teoria de resis-

tência lingüística!

A professora Heloísa Ramos, a autora do tal livro que faz a

apologia do erro, é, do ponto de vista intelectual, apenas uma noviça

na área. O verdadeiro sacerdote dessa bobajada se chama Marcos

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Bagno, professor da Universidade de Brasília. É esse que vocês vê-

em acima.

O valente tem uma página na Internet. Ele é o propagador,

nas escolas brasileiras, do conceito do ―preconceito lingüístico‖.

Bagno denuncia o que não existe e propõe métodos profiláticos con-

tra o mal que ele mesmo inventou. Professores de língua portuguesa,

a maioria incapaz de entender e de ensinar gramática, apegam-se a

seus textos como o náufrago busca uma bóia: ―Ah, finalmente al-

guém diz que essa conversa de regra é bobagem!‖. É batata, queri-

dos! O sujeito radicalmente contrário a que se ensine o que é uma

oração subordinada substantiva completiva nominal reduzida de in-

finitivo costuma não saber o que é uma oração subordinada substan-

tiva completiva nominal reduzida de infinitivo. E ele sente, então, a

necessidade de combater aquilo que ignora.

Resultado: professores de português se tornam ―debatedores‖.

Essa praga está em todo lugar. Não pensem que floresce apenas em

escolas públicas, em que não há critérios para medir o desempenho

do professor. Textos do tal Bagno são debatidos também nas escolas

privadas. Alguns tarados, sob o pretexto de ―problematizar‖ o pre-

conceito lingüístico, brincam mesmo é de luta de classes. A única

função meritória de um professor de português é cuidar da harmonia

de classes — da classe das palavras.

Na página de Bagno, encontro essas pérolas:

―As pessoas que falam e escrevem sobre a língua na mídia em

geral são jornalistas, advogados ou professores de português que não

estão ligados à pesquisa, não participam do debate acadêmico, não

estão em dia com as novas tendências da Lingüística - são os que eu

chamo de gramatiqueiros‖, critica Bagno. Para ele, esses ―pseudo-

especialistas‖, ao tentar fazer as pessoas decorarem regras que nin-

guém mais usa, estariam vendendo ―fósseis gramaticais‖, fazendo da

suposta dificuldade da língua portuguesa um produto de boa saída

comercial.Outro ―mito‖ tratado no livro Preconceito lingüístico: o

que é, como se faz é a idéia, bastante difundida, de que a língua por-

tuguesa é difícil. Bagno afirma que a dificuldade de se lidar com a

língua é resultado de um ensino marcado pela obsessão normativa,

terminológica, classificatória, excessivamente apegado à nomencla-

tura. Um ensino que parece ter como objetivo a formação de profes-

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sores de português e não a de usuários competentes da língua. E que

ainda por cima só poderia formar maus professores, já que estaria

baseado numa gramática ultrapassada, que não daria conta da reali-

dade atual da língua portuguesa no Brasil.

Viram? É mais um que ataca a norma culta, alegando, para is-

so, a sua condição de especialista. E todos os que discordam dele se-

riam meros ―gramatiqueiros‖. Bagno se tornou a referência culta dos

militantes da ignorância. Bagno fez afama e, acho, fortuna afirmando

essas coisas. Seus livros sobre preconceito lingüístico são um suces-

so. Qualquer um que combata a gramática sem saber gramática é só

um vigarista. Bagno é uma espécie de autor de auto-ajuda dos des-

possuídos da norma. Convenham: o ignorante fica feliz ao ler que

aquilo que ignora não teria mesmo importância…

Não por acaso, quem apareceu ontem no jornal O Globo em

defesa do tal livro adotado pelo MEC? Ele próprio. E encontrou uma

saída típica dos petistas, acusando adivinhem quem… Sim, FHC!!!

Leiam:

―Não é coisa de petista. Já no governo Fernando Henrique,

sob a gestão do ministro Paulo Renato, os livros didáticos de portu-

guês avaliados pelo MEC começavam a abordar os fenômenos da va-

riação lingüística, o caráter inevitavelmente heterogêneo de qualquer

língua viva falada no mundo transforma qualquer idioma usado por

uma comunidade humana.‖

Oh, não me diga! Quem nega que a língua seja viva? Quem

nega a existência de diferenças entre a norma culta e a fala? Quem

nega a criatividade do falante no uso do próprio idioma? Uma coisa é

descrever esses fenômenos, tentar entender a sua gênese, ver como

podem servir ao ensino; outra, distinta, é negar as virtudes da norma.

É a sua compreensão que permitirá ao aluno, é bom deixar claro, en-

tender direito o que lê.

A ser como quer esse valentão todo cheio de si, muito cônscio

da sua especialidade, os brasileiros se dividirão em grupos com de-

terminado domínio da língua e viverão, como dizia aquela musiqui-

nha, presos ―a seu quadrado‖. O especialista Bagno, tão ―progressis-

ta‖, é um notável exemplo de reacionarismo. A seguir seu modelo,

em breve, a língua portuguesa será um arcano cujo domínio perten-

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cerá à elite dirigente. O ―povão‖, este de que os petistas dizem gostar

tanto, que se contente com o domínio precário do idioma. Por que ter

mais? Para as universidades vagabundas do ProUni, tá bom demais!

Professor que usa as aulas para debater ―preconceito lingüísti-

co‖ está enganando. Ou joga fora o dinheiro público, se escola públi-

ca, ou o dos pais dos estudantes, se escola privada. É como se um

professor de matemática ocupasse seu tempo provando a inutilidade

da matemática. Muitos se espantam: ―Mas por que os nossos alunos

são, na média, incapazes de interpretar um texto‖. Bagno diria que

isso é mentira. É que deram ao jovens o texto errado… Eles preci-

sam ler alguma coisa que seja própria de sua classe. ..

Bagno sai em defesa do petismo porque ele próprio floresce

junto com o PT. É o ―intelectual‖ símbolo da cultura disseminada pe-

los petistas, pouco importa se filiado ou não.

Para todos os efeitos, ele seria o amigo do ―povão‖, não os

seus críticos. Questionado, imediatamente evoca a sua condição de

―especialista‖, o que não seria o caso dos adversários intelectuais.

Propagando a ignorância, tornou-se um nababo da sua própria espe-

cialidade: depredar a norma culta da língua. Se alguém tem ainda al-

guma dúvida sobre qual é a dele, leiam este outro trecho de uma en-

trevista:

―Outro grande perpetuador da discriminação linguística são

os meio de comunicação. Infelizmente, pois eles poderiam ser ins-

trumentos maravilhosos para a democratização das relações linguís-

ticas da sociedade. No Brasil, por serem estreitamente vinculados às

classes dominantes e às oligarquias, assumiram o papel de defenso-

res dessa língua portuguesa que supostamente estaria ameaçada. Não

interessa se 190 milhões de brasileiros usam uma determinada forma

linguística, eles estão todos errados e o que apregoam como certo é

aquela forma que está consolidada há séculos. Isso ficou muito evi-

dente durante todas as campanhas presidenciais de que Lula partici-

pou. Uma das principais acusações que seus adversários faziam era

essa: como um operário sem curso superior, que não sabe falar, vai

saber dirigir o país? Mesmo depois de eleito, não cessaram as acusa-

ções de que falava errado. A mídia se portava como a preservadora

de um padrão linguístico ameaçado inclusive pelo presidente da Re-

pública. Nessas sociedades e nessas culturas muito centradas na es-

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crita, o padrão sempre se inspira na escrita literária. Falar como os

grandes escritores escreveram é o objetivo místico que as culturas le-

tradas propõem. Como ninguém fala como os grandes escritores es-

crevem, a população inteira em teoria fala errado, porque esse ideal é

praticamente inalcançável.‖

A pergunta que não quer calar: por que ele próprio se expres-

sa segundo a norma culta? Mais: nessa entrevista, Bagno, agarrado à

demagogia, diz que podemos, sim, cultivar e gostar da nossa língua,

mas sem esquecer quantas pessoas sofreram para que ela se impuses-

se. Entendeu, leitor? A cada vez que você ler, sei lá, um verso de

Camões, acenda uma vela para o grande cacique Touro Sentado…

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Falar errado para não ficar com fama de bicha!

Há pouco, doutora Vera Masagão Ribeiro, coordenadora da

ONG Educa Ativa, organização que é responsável pedagógica pelo

livro ―Por Uma Vida Melhor‖ — que não é de aconselhamento ma-

trimonial, mas de língua portuguesa — concedia uma entrevista à rá-

dio CBN. Tio Rei é ligadão, hehe… Sempre com um olho no peixe e

outro no gato. Disse coisas espantosas, assustadoras mesmo. Tentan-

do justificar as barbaridades contidas em seu livro — entre elas,

afirma que o estudante deve dominar as normas culta e inculta da

língua e escolher a mais adequada; logo, o erro pode ser melhor do

que o acerto a depender do caso —, disse que, muitas vezes, existe

um preconceito sexista contra a norma. E citou caso de estudantes

que lhe teriam confessado que, caso falem corretamente nas comuni-

dades onde moram, ficarão com fama de ―homoafetivos‖ — ou ―ve-

ados‖, como se diria nessas áreas preconceituosas…

Ah, bom! Então agora entendo melhor o propósito do livro.

Eu até havia escrito, com alguma ironia, que o combate de seu livro

à norma culta era o correspondente lingüístico ao combate à hetero-

normatividade. Mas vejo agora que é o contrário! O livro ―Por Uma

vida Melhor‖, na verdade, busca deixar mais confortáveis os jovens

heterossexuais. Assim, a heterodoxia gramatical de Heloísa Ramos

daria um suporte acadêmico para a heteronormatividade, e a gramá-

tica é que estaria, assim, mais próxima da coisa homoafetiva, pelo

menos nas tais comunidades populares, né?

No Globo Online, Heloísa teve um chilique. Reclamou que

todo mundo dá pitaco em educação. Afirmou que isso é coisa para

especialistas… Ah, bom! A autora fica macaqueando a suposta lín-

gua do povo para demonstrar o respeito que teria pela cultura e pela

verdade populares, mas, quando contestada, sobe na torre de marfim

e grita: ―Não me toquem! Eu sou especialista!‖.

Conhece, professora Heloísa, a expressão bem popular ―Uma

Ova!‖? Então… Uma ova! Vai ter de se explicar, sim! Eu continuo

esperando que a valente me diga em que situação o erro é mais ade-

quado do que o acerto. Seu livro sustenta essa possibilidade. Segun-

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do a outra defensora do livro, na entrevista concedida à CBN, só há

uma: cumpre falar errado para não ficar com fama de bicha!

Não é impressionante que a gente tenha de debater uma ques-

tão como essa no Brasil?

Por Reinaldo Azevedo

461 Comentários

1. antonio vinicius 28/05/2011 às 3:39

Bagno socialista? É só isso que vocês têm a dizer pra tentar

desmerecer o cara? Logo Bagno que diz que os americanos e ingle-

ses estão a anos luz na frente do Brasil a respeito de língua? Como

vocês são ignorantes. O que me impressiona é usar os argumentos

que atestam a burrice de vocês como se fosse o contrário. É mais ou

menos como se um fanático religioso, ao ler a teoria da evolução,

saisse com essa: ―Na página de Darwin, ele saiu com essa pérola: o

homem e o macaco têm um ancestral em comum‖. É bem insano.

Chega a ser ridículo.

2. André 26/05/2011 às 17:52

Caro Reinaldo, seu texto levantou uma grande celeuma aqui

na empresa em que trabalho: pra que diabos é preciso saber ―o que é

uma oração subordinada substantiva completiva nominal reduzida de

infinitivo‖??? Todos aqui são profissionais competentes, letrados e

versados no uso do nosso idioma, se comunicam bem e de maneira

clara, e NINGUEM tem a menor ideia do que seja esse tipo de ora-

ção. Abs

3. Eddie 25/05/2011 às 17:59

Caro extrema direita,

respondendo à sua mensagem direcionada a mim, digo que fi-

co abismado em não entender como uma pessoa tão letrada e da su-

per elite afirma que ―sem norma culta ninguém passa no vestibular‖,

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como se eu tivesse negado o ensino da norma culta. Se você olhar

minha mensagem anterior vai perceber que defendo o ensino de Lín-

gua Portuguesa, isso inclui a gramática tradicional e a norma culta,

esta última é uma variante de nossa Língua. Talvez o motivo de você

não ter entendido pode ter sido porque você deve ter estudado tanto a

gramática tradicional que esqueceu de estudar questões de interpre-

tação textual. E pela sua mensagem me pareceu que estudar apenas

gramática tradicional faz perder um pouco de educação, pois todas as

vezes que você escreve é pra xingar alguém. Parabéns e boa educa-

ção para teus filhos. Talvez educados por você eles passem no vesti-

bular.

25/05/2011 às 11:52

Senhor Reinaldo e prezados interagentes,

Penso que o tema variação linguística deve ser discutido na

sociedade, mas de forma científica e com respeito a pesquisadores e

professores que estão na batalha para que as pessoas tenham um me-

lhor nível de letramento no Brasil. A variação linguística está presen-

te o tempo todo na fala das pessoas, inclusive na fala dos que domi-

nam a norma ―culta‖. Como professora, sei da importância dos co-

nhecimentos da sociolinguística para o ensino de língua materna,

principalmente para contextos pedagógicos onde a maioria dos alu-

nos vem da classe popular. Sugiro que a revista Veja pesquise mais

sobre o assunto e dialogue com sociolinguístas que estão em sala de

aula do ensino básico e na formação inicial e continuada de professo-

res. Ainda, como uma revista que se considera séria e que, talvez, as-

suma a ―imparcialidade‖ e ―neutralidade‖ se revela por meio do dis-

curso posições ideológicas descabidas. Estou pensando muito se vou

continuar assinando uma revista que não tem posicionamento sério

sobre temas tão relevantes.

24/05/2011 às 19:25

Reinaldo Azevedo,

Ao chamar a ciência Linguística de vagabunda você ofende

uma série de profissionais sérios, compromissados com a educação

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de qualidade. Já que você está tão revoltado com Marcos Bagno, que

não fez ―fama e fortuna‖, como você assevera, e sim ciência da lin-

guagem, pela qual você demonstra o mais profundo despre-

zo,conscientize-se de que esse uso correto do vernáculo do qual você

tanto se jacta, já foi um dia alvo de crítica, pois a norma urbana de

prestígio - tão estimada por você - procede do uso ―estropiado‖ do

latim ―puro‖. Você, sim, tenta os seus cinco minutinhos de fama com

notas que atestam o dito ―fala demais por não ter nada a dizer‖. In-

clua também no rol dos ideólogos vagabundos Chomsky, William

Labov, Jean-Paul Bronckart, José Luiz Fiorin, Rodolfo Ilari, Maria

Helena de Moura Neves… ops, para o leitor que não é desavisado,

certamente onde você não se enquadra,não é preciso explicar quem

são esses.

4. Caio 22/05/2011 às 13:44

Nossa, que canseira… Quanto blablablá de uma pessoa que

nem especialista é. A conscientização dos alunos a respeito das vari-

antes linguísticas DE LONGE não é querer forçá-los à estagnação e

ao ócio na aprendizagem da norma culta. De qualquer forma, basta

um parágrafo para ver que seu texto é viesado e de um cunho políti-

co nauseante, caro Reinaldo. Recomendo que inicie leituras no cam-

po dos estudos da linguagem para sair desse estado de pseudo-

entendimento sobre a questão, uma vez que no campo da manipula-

ção de opinião alheia e construção de textos tendenciosos suas habi-

lidades já estão ótimas!

5. Eddie 21/05/2011 às 21:11

Vale salientar que Língua Portuguesa não se limita à gramáti-

ca tradicional. A Língua Portuguesa, que na verdade é brasileira, vai

muito mais além da gramática tradicional e da norma culta. Não po-

demos privar nossos alunos de conhecer as várias formas de uso da

Língua ―Portuguesa‖. Ensinar apenas a norma culta é não ensinar

língua portuguesa, além de fazer de conta que se ensina. E só para

informar aos desinformados, ensinar gramática tradicional e suas

nomeclaturas dá muito menos trabalho do que ensinar a Língua ―Por-

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tuguesa‖ e suas especificidades. Portanto, a expressão ―comodismo‖

só cabe aos tradicionalistas.

Os que defendem o uso apenas da gramática tradicional só

demonstram o comodismo em que se encontram, a preguiça de estu-

dar a Língua e a falta de informação sobre os avançados estudos so-

bre a mesma e o ensino de Língua ―Portuguesa‖ na escola.

E quanto ao senhor Reinaldo, antes de desrespeitar toda uma

classe de estudiosos cientistas é mais sensato pesquisar muito antes

de escrever algo do que escrever besteiras fundamentadas em achis-

mos da tua parte.

6. Renato 19/05/2011 às 23:08

Em nenhum meio acadêmico, e nem Bagno e o tal livro,

apregoa que não se ensine a norma culta - pede-se, democraticamen-

te, o respeito às variedades (respeite, observe, entenda como se

dá…); a norma existe, é exigida, e a escola deve ensiná-la. 2. Capítu-

los sobre ‗Variação Linguística‘ estão mesmo nos livros didáticos,

sim, já no Mec do FHC. 3. Se não confia em nossos pesquisadores

[todos petistas! rsrs], procure os estudos… europeus, norte-

amercianos, para ver que essa discussão e esse respeito e observação

à variedade nada, nada!, tem a ver com… PT!

7. nena -18/05/2011 às 13:11

Que prazer temos ao ler Drummond, Bandeira, Quintana,

Pessoa, Machado de Assis, Cora e tantos outros que são referências,

quando brincam com o domínio das palavras e suas combinações,

dentro das normas cultas, e nos trazem textos com conteúdo que des-

lizam suavemente alimentando nossa alma. E é por sua consistência

que se fizeram imortais.

Digam-me, quem se sobressaiu na literatura sem saber escre-

ver de modo correto?! Seus originais logo de entrada passam pelo

crivo da gramática ao chegarem a uma editora. Parabéns a elas!

Esse tal de Marcos Bagno não estaria sendo sequer ouvido se

não tivesse ele mesmo estudado as referências.

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Por que não tomar como modelo tais referências e brigar, sim,

mas para que os meninos os estudem e aprendam com eles?

Essa coisa de ‗elite dominante‘ foi exaustivamente citada por

décadas neste país. Era a marca registrada de Roberto Freire, mas

mesmo ele, acompanhando o processo de evolução, mudou seu dis-

curso. Parabéns a ele!

Enquanto isso, na rabeira, ficaram esses monstrinhos vulgo

politizados, robotizados, repetindo a mesma lenga, parados no tem-

po. Que discurso infame!

A Caneta e a Enxada

.

Zico e Zeca

.

.

Certa vez uma caneta foi passear lá no sertão

Encontrou-se com uma enxada, fazendo a plantação.

A enxada muito humilde, foi lhe fazer saudação,

Mas a caneta soberba não quis pegar sua mão.

E ainda por desaforo lhe passou uma repreensão.‖

.

Disse a caneta pra enxada não vem perto de mim, não

Você está suja de terra, de terra suja do chão

Sabe com quem está falando, veja sua posição

E não se esqueça à distância da nossa separação.

.

Eu sou a caneta soberba que escreve nos tabelião

Eu escrevo pros governos as leis da constituição

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Escrevi em papel de linho, pros ricaços e barão

Só ando na mão dos mestres, dos homens de posição.

.

A enxada respondeu: que bateu vivo no chão,

Pra poder dar o que comer e vestir o seu patrão

Eu vim no mundo primeiro quase no tempo de adão

Se não fosse o meu sustento não tinha instrução.

.

Vai-te caneta orgulhosa, vergonha da geração

A tua alta nobreza não passa de pretensão

Você diz que escreve tudo, tem uma coisa que não

É a palavra bonita que se chama…. educação!

8. TÕ VENDO TUDO !

-

18/05/2011 às 11:33

O meu país

Flávio José

Refrão:

Tô vendo tudo, tô vendo tudo

Mas, bico calado, faz de conta que sou mudo

Um país que crianças elimina

Que não ouve o clamor dos esquecidos

Onde nunca os humildes são ouvidos

E uma elite sem Deus é quem domina

Que permite um estupro em cada esquina

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E a certeza da dúvida infeliz

Onde quem tem razão baixa a cerviz

E massacram-se o negro e a mulher

Pode ser o país de quem quiser

Mas não é, com certeza, o meu país.

Refrão

Um país onde as leis são descartáveis

Por ausência de códigos corretos

Com quarenta milhões de analfabetos

E maior multidão de miseráveis

Um país onde os homens confiáveis

Não têm voz, não têm vez, nem diretriz

Mas corruptos têm voz e vez e bis

E o respaldo de estímulo incomum

Pode ser o país de qualquer um

Mas não é, com certeza, o meu país.

Refrão

Um país que perdeu a identidade

Sepultou o idioma português

E aprendeu a falar pornofonês

Aderindo à total vulgaridade

Um país que não tem capacidade

De saber o que pensa e o que diz

Que não pode esconder a cicatriz

De um povo de bem que vive mal

Pode ser o país do Carnaval

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Mas não é, com certeza, o meu país.

Refrão

Um país que seus índios discrimina

E a ciência e as artes não respeita

Um país que ainda morre de maleita

Por atraso geral da medicina

Um país onde escola não ensina

E hospital não dispõe de raio-x

Onde a gente dos morros é feliz

Se tem água de chuva e luz do sol

Pode ser o país do futebol

Mas não é, com certeza, o meu país.

Refrão

Um país que dizima a sua flora

Festejando o avanço do deserto

Pois não salva o riacho descoberto

Que no leito precário se estertora

Um país que cantou e hoje chora

Pelo bico do último concriz

Que florestas destrói pela raiz

E a grileiros de fora entrega o chão

Pode ser que ainda seja uma nação

Mas não é com certeza o meu país

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TEXTO DE PASQUALE CIPRO NETO SOBRE O LIVRO

"POR UMA VIDA MELHOR"

"A linguística não discute como deve ser; discute como é,

como funciona. O

que parece cabível discutir é se princípios de linguística de-

vem ser

abordados num livro que não se destina a alunos de letras, em

que a

linguística é disciplina essencial."

Isso significa que a escola não deve ensinar ciência? Aos alu-

nos,

principalmente aos do EJA, não é dado conhecer minimamen-

te como a língua

funciona; isso seria uma heresia, tal qual o foi um dia afirmar

que a Terra

gira em torno do Sol. A escola tem de ensinar dogmas. Com-

preender que o que

confere prestígio a determinada variedade linguística é o sta-

tus social dos

falantes pode ser perigoso? Por quê? O que podemos esperar

de uma escola que

tenta impedir que os alunos pensem, sonegando-lhes informa-

ções?

Em 26 de maio de 2011 09:14, Ana Poltronieri

<anapoltronieri@...>escreveu:

>

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>

> São Paulo, quinta-feira, 26 de maio de 2011.

>

> PASQUALE CIPRO NETO

>

> O que discutir sobre o polêmico livro?

>

> Definitivamente, não se pode dizer que esse livro "ensina

errado". O cerne

> da questão é outro

>

> Em 1988, eleita prefeita de São Paulo, a professora Luiza

Erundina nomeou

> Paulo Freire secretário da Educação do município. Antes de

assumir, o

> consagrado educador disse mais ou menos isto: "A criança

terá uma escola na

> qual a sua linguagem seja respeitada (...) Uma escola em

que a criança

> aprenda a sintaxe dominante, mas sem desprezo pela sua

(...) Precisamos

> respeitar a sua sintaxe mostrando que sua linguagem é boni-

ta e gostosa, às

> vezes é mais bonita que a minha. E, mostrando tudo isso,

dizer a ele: "Mas

> para tua própria vida tu precisas dizer a gente chegou em

vez de dizer a

> gente cheguemos". Isto é diferente, a abordagem é diferen-

te. É assim que

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> queremos trabalhar, com abertura, mas dizendo a verdade".

> A declaração de Freire causou barulho semelhante ao que

causou (e ainda

> causa) o livro "Por uma Vida Melhor", em que se mostram

fatos relativos às

> variações linguísticas. Nele, dá-se como exemplo de norma

popular a frase

> "Os livro ilustrado mais interessante estão emprestado".

Dado o exemplo,

> explica-se isto: "O fato de haver a palavra os (plural) indica

que se trata

> de mais de um livro. Na variedade popular, basta que esse

primeiro termo

> esteja no plural para indicar mais de um referente". O livro

prossegue:

> "Reescrevendo a frase no padrão culto da língua, teremos:

"Os livros

> ilustrados mais interessantes estão emprestados". Você po-

de estar se

> perguntando: "Mas eu posso falar 'os livro'?" Claro que po-

de. Mas fique

> atento porque, dependendo da situação, você corre o risco

de ser vítima de

> preconceito linguístico".

> Há uma certa contradição na explicação, já que na frase po-

pular a forma

> verbal ("estão") está no plural. Nessa variedade, o que se

usa é "tá".

> O caso aborda no livro é tecnicamente chamado de "plural

redundante".

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> Tradução: na forma culta ("Os livros ilustrados mais inte-

ressantes estão

> emprestados"), todos os elementos que se referem a "livros"

(núcleo do

> sujeito) estão no plural (os, ilustrados, interessantes, estão,

> emprestados). É assim que funciona a norma culta do espa-

nhol, do português,

> do italiano e do francês, por exemplo. Em francês, o plural

redundante se dá

> essencialmente na escrita; na fala, singular e plural muitas

vezes se

> igualam.

> Em inglês, pluraliza-se o substantivo; o artigo, o possessivo

e o adjetivo

> são fixos (na escrita e na fala). Quanto ao verbo, a terceira

do singular do

> presente é diferente das demais pessoas em 99,99% dos ca-

sos; no pretérito e

> no futuro, há apenas uma forma para todas as pessoas.

> O fato é que a ausência do plural redundante não se restrin-

ge à variedade

> popular do português do Brasil. Também é fato que, apesar

de algumas

> afirmações pueris (""Mas eu posso falar "os livro'?" Claro

que pode. Mas

> fique atento porque, dependendo da situação, você corre o

risco de ser

> vítima de preconceito linguístico"), em nenhum momento o

livro nega a

> existência da norma culta, como também não se nega a

mostrá-la e ensiná-la.

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> Há vários exercícios em que se pede a passagem da norma

popular para a

> culta.

> Definitivamente, não se pode dizer que o livro "ensina erra-

do". O cerne da

> questão é outro. O que expliquei sobre o exemplo do livro é

assunto da

> linguística, que, grosso modo, pode ser definida como "es-

tudo da linguagem e

> dos princípios gerais de funcionamento e evolução das lín-

guas" ("Aulete"). A

> linguística não discute como deve ser; discute como é, co-

mo funciona. O que

> parece cabível discutir é se princípios de linguística devem

ser abordados

> num livro que não se destina a alunos de letras, em que a

linguística é

> disciplina essencial. Esse é o verdadeiro debate. Não faltam

opiniões fortes

> dos dois lados. É isso.

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Desenho de Jorge Arbach

―NÓS PEGA O PEIXE‖

Lucia Furtado de Mendonça Cyranka (UFJF)3

A sociedade brasileira tem participado, nos últimos dias, de

um debate incomum: Será mesmo escandaloso tratar os fatos da lín-

gua a partir de metodologia científica? Dizer que ―os livro‖ e ―nós

pega o peixe‖ são estruturas existentes no português do Brasil é pro-

ibido? E ainda: Deve ser também proibido que a escola reconheça

essa variedade linguística utilizada pelos alunos como legítima e os

leve a aprender a correspondente da variedade culta, prestigiada?

O mais estarrecedor de toda essa questão é que, enquanto se

condena o dialeto de milhões de brasileiros a ponto de se recomendar

que ele continue excluído da reflexão na escola, o que está sendo di-

to é que essa significativa porção da sociedade brasileira não tem

linguagem, porque ela, simplesmente, não existe. Claro! Se nem po-

3 Profa. Dra Lucia Furtado de Mendonça Cyranka Coordenadora do Grupo de Pesqui-

sa FALE – Formação de professores, Alfabetização, Linguagem e Ensino NUPEL –

FACED – UFJF www.ufjf.br/fale

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de ser reconhecida na escola! Mas o homem não se constitui pela

linguagem? Se sua linguagem não é reconhecida, a que fica ele redu-

zido? Não será isso uma violência? Por que o preconceito linguísti-

co, de efeito tão avassalador da autoestima dos alunos de nossas es-

colas e mesmo dos que estão fora dela, não é condenado pela Consti-

tuição Brasileira? Repetimos o que, felizmente, já tem sido dito am-

plamente, nesse debate: essa variedade linguística não reconhecida

tradicionalmente pela escola tem uma gramática, com estruturas re-

gulares. São variações que acontecem em toda língua. O nosso por-

tuguês culto, todos sabemos, veio do latim vulgar, assim como as

demais línguas românicas. E esse português culto, todos também

percebemos, continua mudando.

No fundo, o que a atual polêmica revela é o incômodo causa-

do pelo reconhecimento desta verdade: a variedade culta da língua

sempre esteve ligada à dimensão de poder. Tentar aproximá-la da va-

riedade popular, mesmo que para uma análise comparativa, como

propõem as autoras do livro didático em questão, constitui uma au-

dácia imperdoável!

Felizmente, temos constituída, no Brasil, uma competente

comunidade científica para tratar das prementes questões relativas ao

tratamento adequado da linguagem na escola. Esse debate em pauta

mostra que estamos avançando em direção à implementação de uma

visão sociolinguística no trabalho escolar com a linguagem. Pensa-

mos que essa proposta não tem mais volta...

Como participante deste importante debate nacional, o Grupo

de Pesquisa FALE, do NUPEL/Faculdade de Educação da UFJF,

manifesta seu apoio a todas as instituições brasileiras – entre elas a

ABRALIN e a ALAB – e colegas de trabalho que têm se manifesta-

do a favor do ponto de vista adotado pelas autoras do livro didático

―Por uma vida melhor‖.

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POLÊMICA COM O LIVRO DIDÁTICO DE PORTUGUÊS

Mário A. Perini (UFMG)

De vez em quando, alguém diz que lingüistas ―aceitam‖ tudo

(isto é, que acham certa qualquer construção). Um comentário seme-

lhante foi postado na semana passada. Achei que seria uma boa opor-

tunidade para tentar esclarecer de novo o que fazem os linguistas.

Mas a razão para tentar ser claro não tem mais a ver apenas

com aquele comentário. Surgiu uma celeuma causada por notas, co-

mentários, entrevistas etc. a propósito de um livro de português que

o MEC aprovou e que ensinaria que é certo dizer Os livro. Pergunta-

do no espaço dos comentários, quando fiquei sabendo da questão,

disse que não acreditava na matéria do IG, primeira fonte do debate.

Depois tive acesso à indigitada página, no mesmo IG, e constatei que

todos os que a leram a leram errado. Mas aposto que muitos a co-

mentaram sem ler.

Vou tratar do tal ―aceitam tudo‖, que vale também para o caso

do livro.

Primeiro: duvido que alguém encontre esta afirmação em

qualquer texto de lingüística. É uma avaliação simplificada, na ver-

dade, um simulacro, da posição dos lingüistas em relação a um dos

tópicos de seus estudos - a questão da variação ou da diversidade in-

terna de qualquer língua. Vale a pena insistir: de qualquer língua.

Segundo: ―aceitar‖ é um termo completamente sem sentido

quando se trata de pesquisa. Imaginem o ridículo que seria perguntar

a um químico se ele aceita que o oxigênio queime, a um físico se

aceita a gravitação ou a fissão, a um ornitólogo se ele aceita que um

tucano tenha bico tão desproporcional, a um botânico se ele aceita o

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cheiro da jaca, ou mesmo a um lingüista se ele aceita que o inglês

não tenha gênero nem subjuntivo e que o latim não tivesse artigo de-

finido.

Não só não se pergunta se eles ―aceitam‖, como também não

se pergunta se isso tudo está certo. Como se sabe, houve época em

que dizer que a Terra gira ao redor do sol dava fogueira. Sem-

melweis foi escorraçado pelos médicos que mandavam em Viena

porque disse que todos deveriam lavar as mãos antes de certos pro-

cedimentos (por exemplo, quem viesse de uma autópsia e fosse veri-

ficar o grau de dilatação de uma parturiente). Não faltou quem dis-

sesse ―quem é ele para mandar a gente lavar as mãos?‖

Ou seja: não se trata de aceitar ou de não aceitar nem de achar

ou de não achar correto que as pessoas digam os livro. Acabo de sair

de uma fila de supermercado e ouvi duas lata, dez real, três quilo a

dar com pau. Eu deveria mandar esses consumidores calar a boca?

Ora! Estávamos num caixa de supermercado, todos de bermuda e

chinelo! Não era um congresso científico, nem um julgamento do

Supremo!

Um lingüista simplesmente ―anota‖ os dados e tenta encontrar

uma regra, isto é, uma regularidade, uma lei (não uma ordem, um

mandato).

O caso é manjado: nesta variedade do português, só há marca

de plural no elemento que precede o nome – artigo ou numeral (os

livro, duas lata, dez real, três quilo). Se houver mais de dois elemen-

tos, a complexidade pode ser maior (meus dez livro, os meus livro

verde etc.). O nome permanece invariável. O lingüista vê isso, cons-

tata isso. Não só na fila do supermercado, mas também em documen-

tos da Torre do Tombo anteriores a Camões. Portanto, mesmo na

língua escrita dos sábios de antanho.

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O lingüista também constata the books no inglês, isto é, que

não há marca de plural no artigo, só no nome, como se o inglês fosse

uma espécie de avesso do português informal ou popular. O lingüista

aceita isso? Ora, ele não tem alternativa! É um dado, é um fato, co-

mo a combustão, a gravitação, o bico do tucano ou as marés. O lin-

güista diz que a escola deve ensinar formas como os livro? Esse é

outro departamento, ao qual volto logo.

Faço uma digressão para dar um exemplo de regra, porque sei

que é um conceito problemático. Se dizemos ―as cargas‖, a primeira

sílaba desta sequência é ―as‖. O ―s‖ final é surdo (as cordas vocais

não vibram para produzir o ―s‖). Se dizemos ‗as gatas‖, a primeira

sílaba é a ―mesma‖, mas nós pronunciamos ―az‖ – com as cordas vo-

cais vibrando para produzir o ―z‖. Por que dizemos um ―z‖ neste ca-

so? Porque a primeira consoante de ―gatas‖ é sonora, e, por isso, a

consoante que a antecede também se sonoriza. Não acredita? Vá a

um laboratório e faça um teste. Ou, o que é mais barato, ponha os

dedos na sua garganta, diga ―as gatas‖ e perceberá a vibração. Tem

mais: se dizemos ―as asas‖, não só dizemos um ―z‖ no final de ―as‖,

como também reordenamos as sílabas: dizemos as.ga.tas e as.ca.sas,

mas dizemos a.sa.sas (―as‖ se dividiu, porque o ―a‖ da palavra se-

guinte puxou o ―s/z‖ para si). Dividimos ―asas‖ em ―a.sas‖, mas di-

vidimos ―as asas‖ em a.sa.sas.

Volto ao tema do lingüista que aceitaria tudo! Para quem só

teve aula de certo / errado e acha que isso é tudo, especialmente se

não tiver nenhuma formação histórica que lhe permitiria saber que o

certo de agora pode ter sido o errado de antes, pode ser difícil enten-

der que o trabalho do lingüista é completamente diferente do traba-

lho do professor de português.

Não ―aceitar‖ construções como as acima mencionadas ou

mesmo algumas mais ―chocantes‖ é, para um lingüista, o que seria

para um botânico não ―aceitar‖ uma gramínea. O que não significa

que o botânico paste.

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Proponho o seguinte experimento mental: suponha que um

descendente seu nasça no ano 2500. Suponha que o português culto

de então inclua formas como ―A casa que eu moro nela mais os dois

armário vale 300 cabral‖ (acho que não será o caso, mas é só um ex-

perimento). Seu descendente nunca saberá que fala uma língua erra-

da. Saberá, talvez (se estudar mais do que você), que um ancestral

dele falava formas arcaicas do português, como 300 cabrais.

Outro tema: o linguista diz que a escola deve ensinar a dizer

Os livro? Não. Nenhum lingüista propõe isso em lugar nenhum (de-

safio os que têm opinião contrária a fornecer uma referência). Aliás,

isso não foi dito no tal livro, embora todos os comentaristas digam

que leram isso.

O lingüista não propõe isso por duas razões: a) as pessoas já

sabem falar os livro, não precisam ser ensinadas (observe-se que

ninguém fala o livros, o que não é banal); b) ele acha – e nisso tem

razão – que é mais fácil que alguém aprenda os livros se lhe dizem

que há duas formas de falar do que se lhe dizem que ele é burro e

não sabe nem falar, que fala tudo errado. Há muitos relatos de expe-

riências bem sucedidas porque adotaram uma postura diferente em

relação à fala dos alunos.

Enfim, cada campo tem seus Bolsonaros. Merecidos ou não.

PS 1 – todos os comentaristas (colunistas de jornais, de blogs

e de TVs) que eu ouvi leram errado uma página (sim, era só UMA

página!) do livro que deu origem à celeuma na semana passada. Mi-

nha pergunta é: se eles defendem a língua culta como meio de comu-

nicação, como explicam que leram tão mal um texto escrito em lín-

gua culta? É no teste PISA que o Brasil, sempre tem fracassado, não

é? Pois é, este foi um teste de leitura. Nosso jornalismo seria repro-

vado.

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PS 2 - Alexandre Garcia começou um comentário irado sobre

o livro em questão assim, no Bom Dia, Brasil de terça-feira: ―quando

eu TAVA na escola...‖. Uma carta de leitor que criticava a forma ―os

livro‖ dizia ―ensinam os alunos DE que se pode falar errado‖. Uma

professora entrevistada que criticou a doutrina do livro disse "a lín-

gua é ONDE nos une" e Monforte perguntou "Onde FICA as leis de

concordância?". Ou seja: eles abonaram a tese do livro que estavam

criticando. Só que, provavelmente, acham que falam certinho! Não

se dão conta do que acontece com a língua DELES mesmos!!

Comentário: Como esta polêmica envolve minha área de es-

tudos científicos, a linguística, aproveito para aqui publicar este texto

que acabo de receber por e-mail, escrito por Mário A. Perini, um

grande linguista brasileiro.

Novamente a mídia corporativa gastou enorme tempo com

uma questão já tão batida. Não há linguísta sério que defenda o ensi-

no de dialetos populares no lugar do português padrão. A gramática

não será abolida pelos linguistas, a maioria dos quais defende seu en-

sino nas escolas. O que os linguistas fazem é estudar cientificamente

a linguagem, não legislar sobre ela, afirmando o que é ou não cor-

reto. A língua varia sistematicamente, se assim não fosse ela não se

fragmentaria em dialetos. Se não variasse/mudasse, ainda falaríamos

latim, e não português, qui latinae linguae filius est, que é filho da

língua latina. A língua muda no tempo, de acordo com o nível de es-

colaridade e a faixa etária.

As pessoas não sabem geralmente que uma coisa é o ensino

de gramática, que é o ensino na norma culta. Outra coisa bem dife-

rente é o estudo científico da linguagem, tema discutido por Perini

em seu artigo. Sabemos de pessoas que falam "nós sabe", mas não se

deve dizer que se escreva assim no vestibular, ou na faculdade. Mas

de um fato os linguistas tem certeza: o português do futuro não será

o mesmo de hoje. Certamente muitas regras de concordância não

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mais existirão. Já aconteceu isso na passagem do latim ao português

arcaico. O latim tem muito mais flexões que o português, e no futuro

teremos menos ainda. ―Cês podi esperá‖ porque, como já dizia o di-

tado, "quem viver verá."

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SOBRE A "POLÊMICA" GERADA A RESPEITO

DO LIVRO DIDÁTICO DE LÍNGUA PORTUGUESA

"POR UMA VIDA MELHOR"

Luciane Lira

Não há polêmica, há ignorância exacerbada.

Tenho acompanhado um pouco distante essas discussões na

mídia. Na realidade, tenho acompanhado a opinião de gente inteli-

gente e de especialistas da área.

Por que é tão difícil para um jornalista investigar a opinião

dos cientistas da linguagem antes de tecer suas considerações pre-

conceituosas?

Por que é tão difícil para os políticos ler um livro assim só pa-

ra inteirar-se de um assunto antes de falar bobagem?

Como alguém pode ser tão ignorante ao adotar a postura de

simples reprodução do que a mídia medíocre veicula?

O fato é que a língua, senhoras e senhores, é um fenômeno

maravilhosamente heterogêneo e cheio de possibilidades.

E é essa heterogeneidade, essa diversidade que constrói, se-

nhor Cristovam Buarque, a identidade de um povo. Negar e comba-

ter essa diversidade é sim, usando as palavras do senador, provocar

"o apartheid brasileiro", é "quebrar o que há de mais substancial na

unidade de um povo": a riqueza da diversidade. E eu que lhe tinha

tanto respeito, senhor senador, estou perplexa diante de sua opinião

preconceituosa.

O livro didático em questão não ensina "a falar errado", mi-

nha gente!

Antes de criticá-lo, leia o livro, não tome trechos isolados!

Não seja estúpido!

O que o livro reconhece é a diversidade linguística (óbvia!) e

aborda algumas das inúmeras possibilidades de uso da língua, consi-

derando a adequação dos usos aos contextos comunicativos.

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Será que é preciso desenhar? Onde está a polêmica? Sim-

plesmente não existe!

Sabe o que é pior diante de tudo isso? É que ao adotar uma

postura preconceituosa, a mídia (e os políticos afetados) simples-

mente ignora e estigmatiza o trabalho de pesquisa de inúmeros estu-

diosos da linguagem e da educação. Existe maior ignorância que es-

ta? Desconsiderar o trabalho científico e embasar-se em achismos do

senso comum numa crítica superficial em torno de um evento des-

contextualizado?

Bem, sabemos que é assim que boa parte da mídia no Brasil

sobrevive, de gerar polêmicas desnecessárias, disseminar preconcei-

tos e prestar o seu conhecido "desserviço à comunidade".

Vale lembrar, meus queridos, que o livro em questão acata a

orientação dos PCNs de "englobar a discussão da variação linguística

para ressaltar o papel e a importância da norma culta no mundo le-

trado".

Eu o convido, querido leitor, a ler opiniões de gente que sabe

o que diz e que tem legitimidade para expressar sua opinião sobre o

assunto. Veja:

Nota da Associação Brasileira de Linguística - Abralin

Consideração do respeitado sociolinguista brasileiro Mar-

cos Bagno

Texto do professor e linguista Sírio Possenti

Opinião da sociolinguista Stella Maris Bortoni-Ricardo

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POLÊMICA OU IGNORÂNCIA

ESTA DISCUSSÃO SOBRE LIVRO DIDÁTICO

QUE SÓ REVELA O PRECONCEITO E A IGNORÂNCIA

DO PIG?

Moisés Bolsacar

Para surpresa de ninguém, a coisa se repetiu. A grande im-

prensa brasileira mais uma vez exibiu sua ampla e larga ignorância a

respeito do que se faz hoje no mundo acadêmico e no universo da

educação no campo do ensino de língua.

Jornalistas desinformados abrem um livro didático, leem me-

tade de meia página e saem falando coisas que depõem sempre muito

mais contra eles mesmos do que eles mesmos pensam (se é que pen-

sam nisso, prepotentemente convencidos que são, quase todos, de

que detêm o absoluto poder da informação).

Polêmica? Por que polêmica, meus senhores e minhas senho-

ras? Já faz mais de quinze anos que os livros didáticos de língua por-

tuguesa disponíveis no mercado e avaliados e aprovados pelo Minis-

tério da Educação abordam o tema da variação linguística e do seu

tratamento em sala de aula. Não é coisa de petista, fiquem tranquilas

senhoras comentaristas políticas da televisão brasileira e seus colegas

explanadores do óbvio.

Já no governo FHC, sob a gestão do ministro Paulo Renato,

os livros didáticos de português avaliados pelo MEC começavam a

abordar os fenômenos da variação linguística, o caráter inevitavel-

mente heterogêneo de qualquer língua viva falada no mundo, a mu-

dança irreprimível que transformou, tem transformado, transforma e

transformará qualquer idioma usado por uma comunidade humana.

Somente com uma abordagem assim as alunas e os alunos proveni-

entes das chamadas ―classes populares‖ poderão se reconhecer no

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material didático e não se sentir alvo de zombaria e preconceito. E, é

claro, com a chegada ao magistério de docentes provenientes cada

vez mais dessas mesmas ―classes populares‖, esses mesmos profissi-

onais entenderão que seu modo de falar, e o de seus aprendizes, não

é feio, nem errado, nem tosco, é apenas uma língua diferente daquela

– devidamente fossilizada e conservada em formol – que a tradição

normativa tenta preservar a ferro e fogo, principalmente nos últimos

tempos, com a chegada aos novos meios de comunicação de pseudo-

especialistas que, amparados em tecnologias inovadoras, tentam

vender um peixe gramatiqueiro para lá de podre.

Enquanto não se reconhecer a especificidade do português

brasileiro dentro do conjunto de línguas derivadas do português qui-

nhentista transplantados para as colônias, enquanto não se reconhe-

cer que o português brasileiro é uma língua em si, com gramática

própria, diferente da do português europeu, teremos de conviver com

essas situações no mínimo patéticas.

A principal característica dos discursos marcadamente ideo-

logizados (sejam eles da direita ou da esquerda) é a impossibilidade

de ver as coisas em perspectiva contínua, em redes complexas de

elementos que se cruzam e entrecruzam, em ciclos constantes.

Nesses discursos só existe o preto e o branco, o masculino e o

feminino, o mocinho e o bandido, o certo e o errado e por aí vai.

Darwin nunca disse em nenhum lugar de seus escritos que ―o

homem vem do macaco‖. Ele disse, sim, que humanos e demais pri-

matas deviam ter se originado de um ancestral comum. Mas essa vi-

são mais sofisticada não interessava ao fundamentalismo religioso

que precisava de um lema distorcido como ―o homem vem do maca-

co‖ para empreender sua campanha obscurantista, que permanece em

voga até hoje (inclusive no discurso da candidata azul disfarçada de

verde à presidência da República no ano passado).

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Da mesma forma, nenhum linguista sério, brasileiro ou es-

trangeiro, jamais disse ou escreveu que os estudantes usuários de va-

riedades linguísticas mais distantes das normas urbanas de prestígio

deveriam permanecer ali, fechados em sua comunidade, em sua cul-

tura e em sua língua. O que esses profissionais vêm tentando fazer as

pessoas entenderem é que defender uma coisa não significa automa-

ticamente combater a outra. Defender o respeito à variedade linguís-

tica dos estudantes não significa que não cabe à escola introduzi-los

ao mundo da cultura letrada e aos discursos que ela aciona. Cabe à

escola ensinar aos alunos o que eles não sabem! Parece óbvio, mas é

preciso repetir isso a todo momento.

O mais divertido (para mim, pelo menos, talvez por um pouco

de masoquismo) é ver os mesmos defensores da suposta ―língua cer-

ta‖, no exato momento em que defendem, empregar regras linguísti-

cas que a tradição normativa que eles acham que defendem rejeitaria

imediatamente. Pois ontem, vendo o Jornal das Dez, da GloboNews,

ouvi da boca do sr. Carlos Monforte essa deliciosa pergunta: ―Como

é que fica então as concordâncias?‖. Ora, sr. Monforte, eu lhe devol-

vo a pergunta: ―E as concordâncias, como é que ficam então?

MELHOR RESPOSTA

ESCOLHIDA PELO AUTOR DA PERGUNTA

Santa Ignorância, dai-me paciência ao ler o que tucanalhas

ignorantes vomitam e jornalistas burros polemizam!

O livro não é DO MEC, os PROFESSORES que escolhem os

livros didáticos. Vão reclamar com as pessoas GABARITADAS no

assunto e com os AUTORES do livro em questão. Ou melhor, reco-

lham-se à vossa insignificância.

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NINGUÉM está tomando o ensino das variantes linguísticas

como critério político a algo com exceção dos tucanalhas e a camba-

da ignorante que insiste em falar do que não domina e fazer politica-

gem barata.

NINGUÉM está trazendo discussões teóricas conceituais ao

ensino fundamental. Trata-se de UM livro didático, entre muitos ou-

tros. E mais: de UM TRECHO desse livro. A norma culta e a gramá-

tica CONTINUAM sendo ensinadas o ano inteiro e em todas as sé-

ries. Pra quê tanto chilique?

É por isso que no nosso país tanta gente continua a fa-

lar/escrever "errado" à luz da norma culta, por causa desse ensino

engessado herdado pelo período da ditadura militar, enquanto na

França, Itália, EUA, há ensino da língua padrão e não padrão e,

COMPROVADAMENTE, esse método FACILITA o aprendizado

da norma culta.

Experiências assim com o Ebonics nos EUA deram excelen-

tes resultados. Faz mais sentido ensinar o aluno a "traduzir" a lin-

guagem dele pra norma culta quando PRECISAR do que ensinar que

"todo mundo fala errado". Isso sim gera confusão mental, esquizo-

frenia e "hipocrisia".

Quando eu digo: "O Botafogo vai rebaixar", a sintaxe norma-

tiva está errado, mas na sintaxe falada está correto - o sentido é co-

municado. É só isso que o TRECHO do livro didático em questão

aborda.

O que o livro didático quer dizer não é que o "é nóis" é gra-

maticalmente correto, mas que atende a função social de ser a comu-

nicação. O "Tu" acompanhado pelo terceira pessoa do singular é

mais usado e aceito do que o "tu" usando com a segunda do singular.

Para o papel comunicação, a linguagem cotidiana é a mais eficiente.

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No entanto, para uma função de avaliação, ou em qualquer espaço

formal, é completamente inadequado.

Marcos Bagno é um linguista que SEMPRE teve essa posição

(e mais: ele não é o único. 99,9% dos linguistas compartilham da

mesma visão) e nesse texto ele fala do preconceito linguístico que

muito ocorre em nossa sociedade classista e da hipocrisia. Os que

negam a existência do dialeto brasileiro, ou que pretendem reduzi-lo

a uma fala "informal", os que pensam falar a norma culta, negam a

própria realidade. São loucos perigosos.

Eu não me surpreendo mais com a burrice dos jornalistas pi-

guistas. Veja a pérola desde colunista da Folha de São Paulo:

"Amamentação é masturbação".

http://www1.folha.uol.com.br/colunas/joa…

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O DEBATE SEM FUNDAMENTO DO LIVRO DIDÁTICO

Enviado por luisnassif, ter, 24/05/2011 - 15:26

Becker Soares: debate está sem fundamento

Por Bruno de Pierro, do Brasilianas.org

A falsa polêmica que tem envolvido o livro Por uma Vida Melhor,

da Coleção Viver, e o Ministério da Educação (MEC), há quase duas

semanas, repercute na mídia de forma a reduzir um debate antigo, no

campo da ciência lingüística, ao jogo ambivalente do ―certo‖ e do

―errado‖. Ainda assim, especialistas se esforçam para explicar, nas

aspas que a eles são reservadas, que a intenção do MEC não é pro-

mover o ensino do português ―errado‖ nas salas de aula, mas qualifi-

car o processo de aprendizagem da norma culta – uma das formas de

linguagens possíveis.

Em entrevista ao Brasilianas.org, a pesquisadora da Universidade

Federal de Minas Gerais (UFMG), Magda Becker Soares, afirma

que, por trás de tudo isso, há uma discussão de caráter político. ―O

mais importante é a questão ideológica, que leva as pessoas a avaliar

e a acusar, sem ter conhecimento de causa, conduzidas apenas por

uma determinada ideologia‖, argumenta.

Para Becker, deveriam ser os próprios professores os responsáveis

pela divulgação dos saberes da lingüística aos alunos. Contudo, a

própria formação dos professores não os prepara adequadamente pa-

ra lidar com conceitos da sociolingüística. ―Os próprios professores

se deixam levar por esses equívocos‖.

A educadora diz acreditar que o caminho é a definição de políticas

lingüísticas claras no Brasil. Isso significa aprofundar o debate sobre

o letramento digital e também sobre as variações de dialetos. E para

ela, o pensamento sobre a língua deve passar não apenas pela educa-

ção, mas também pela política cultural e de entretenimento.

―Uma coisa que se vê na televisão, que exigiria uma política pública

de orientação para uso da linguagem, é quando se põe uma novela

que se passa na região nordestina do país. E aí os atores cariocas e

paulistas são ensinados a falar o dialeto de lá, como se isso fosse

possível. Fazem, na verdade, uma caricatura. Uma política lingüísti-

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ca definiria que a televisão não tem que falsear o problema da lin-

guagem usada‖.

Brasilianas.org - Qual a relação que devemos fazer entre os con-

ceitos da lingüística e a formulação de políticas públicas nessa

área do conhecimento?

Magda Becker Soares - Talvez o mais importante seja que quem se

responsabiliza pela política pública tome conhecimento dos funda-

mentos científicos que essas políticas precisam ter. Esse é um aspec-

to que está faltando dentro da discussão; não só agora, mas toda vez

que se levanta essa questão de variedades lingüísticas, a discussão é

feita sem fundamento no que a ciências lingüísticas já avançaram

nesta questão.

Você tem de um lado a questão política, embora, no nosso caso, as

políticas educacionais já tenham reconhecido, desde o governo FHC,

nos parâmetros curriculares, essa questão da variedade lingüística. É

reconhecido, explicitamente, e recomendado o seu uso na escola.

Qual o fator que a senhora identifica como responsável por esse

atraso?

A responsabilidade maior acaba sendo, primeiro, dos leigos – os pais

e as pessoas que se envolvem na educação, que, não tendo funda-

mentação, conhecimento, e tendo sido educados num período prova-

velmente anterior a esses novos conceitos sociolingüísticos, ficam

levantando questões que não tem sentido. Por outro lado, os jornalis-

tas embarcam com muita facilidade numa denúncia. A cada hora, é

um preconceito que entra na berlinda. Estão sempre procurando que

há intenções ocultas atrás. Eu teria medo de dizer que essa é a moti-

vação maior.

Mas há também um embate entre o livro didático e as chamadas

“apostilas”, não?

No fundo, está uma questão ideológica de grupos. Mais ideológica

do que comercial, como seria o caso das apostilas – de afastar o livro

didático para que as pessoas caiam mais nas apostilas dos sistemas.

O mais importante é a questão ideológica, que leva as pessoas a ava-

liar e a acusar, sem ter conhecimento de causa, conduzidas apenas

por uma determinada ideologia.

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A senhora poderia identificar, historicamente, quando se come-

çou a pensar nas variações de linguagem e no conceito de “língua

viva”?

Em termos históricos, pode-se dizer que essa discussão é recente. A

lingüística, ainda sem pensarmos nos ramos que surgiram dela de-

pois, é das primeiras décadas do século 20. Isso historicamente é

muito pouco. E essa questão especifica das variedades lingüísticas

surge com a sociolingüística, que ainda é um ramo bem posterior ao

desenvolvimento inicial da lingüística.

De meados do século passado, as pesquisas se desenvolveram, a res-

peito dessa questão de que a língua é falada e escrita de diferentes

maneiras, dependendo de quem fala, com quem fala, em que condi-

ções fala, em que contexto fala. Mas esses conceitos são dos últimos

30 ou 40 anos. E não entrou muito fortemente, logo de início, e até

hoje acho que ainda não entrou, na formação dos próprios professo-

res. Os próprios professores se deixam levar por esses equívocos.

O que a senhora quer dizer quando afirma que agora é o mo-

mento para se pensar as especificidades do letramento gráfico e

do letramento digital? Isso pode ser relacionado ao pensamento

sobre linguagem e poder e, também, ao enfraquecimento da ora-

lidade diante do registro escrito e considerado o mais verdadei-

ro? A oralidade pode voltar a ter o status que teve em séculos

passados?

O movimento foi esse mesmo. Do movimento da oralidade como

atestado da verdade para a escrita como atestado de verdade. É uma

questão cultural e histórica. Mas agora estamos tendo uma retomada

da oralidade, sobretudo por conta dos meios de comunicação eletrô-

nica. O celular virou forma básica de comunicação entre as pessoas.

O letramento digital tem algo interessante. As pessoas não estão gri-

tando contra a nova variedade de língua que está surgindo no letra-

mento digital. Veja como as pessoas escrevem e-mails, inclusive as

pessoas que defendem e usam, na maior parte da sua comunicação, a

norma culta. Na hora de escrever um e-mail, fica até esquisito escre-

vê-lo na norma culta. E ninguém grita contra isso, mas sim contra o

livro que diz que a língua oral é diferente da escrita. É uma incon-

gruência, e vem muito da falta de reflexão sobre a questão da língua.

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Está muito estruturado, nas pessoas, há séculos, a idéia de que há um

português certo e que todo o resto é erro. E vai demorar para mu-

darmos isso.

A senhora acredita que o Brasil precisa definir uma política lin-

güística nacional?

Eu entendo que seria isso nos instrumentos políticos, e aí são basi-

camente da política educacional, que orienta as escolas, e também

outros setores que trabalham basicamente com a linguagem. É preci-

so definir mais claramente essa questão de diferentes dialetos. Por

exemplo, uma coisa que se vê na televisão, que exigiria uma política

pública de orientação para uso da linguagem, é quando se põe uma

novela que se passa na região nordestina do país. E aí os atores cari-

ocas e paulistas são ensinados a falar o dialeto de lá, como se isso

fosse possível. Fazem, na verdade, uma caricatura. Uma política lin-

güística definiria que a televisão não tem que falsear o problema da

linguagem usada.

Isso não ocorre apenas na ficção. Os apresentadores e repórteres

de telejornais também tem à disposição o trabalho de fonoaudió-

logos, que tentam “corrigir” os sotaques regionais.

Houve um momento que se tentou definir no Brasil uma pronúncia

padrão. E assumiram a carioca como sendo a pronúncia padrão. Co-

mo, nós, paulistas e mineiros, podemos aprender a falar carioca?

Falta, então, um trabalho de divulgação científica da lingüística

mais intenso.

Não sei se é o viés da minha área de especialidade, pois eu sou, fun-

damentalmente, formadora de professores de português, mas o que

está faltando é renovar a formação de professores. Os próprios pro-

fessores de português, que seriam os grandes divulgadores funda-

mentais, para os alunos e as famílias deles, de uma política lingüísti-

ca, não são formados para isso. A formação de professores é que é o

nosso ponto crítico. E não só nos cursos de professores, mas também

nos cursos de vocês, jornalistas. Todas as áreas trabalham com lin-

guagem, oral e escrita. Mas isso não acontecerá para os meus dias,

talvez para os seus.

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CHARLES CARMO: Ó PAÍ, Ó

Olhe para isso, olhe.

Negar o dinamismo da língua é mais fácil que aplaudir o

MEC. Este PIGuinho…

Pronominais

Dê-me um cigarro

Diz a gramática

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Do professor e do aluno

E do mulato sabido

Mas o bom negro e o bom branco

Da Nação Brasileira

Dizem todos os dias

Deixa disso camarada

Me dá um cigarro

Oswald de Andrade

O PIG e o PIGuinho baiano estão buscando crises. Fabricando

crises, para ser mais exato.

A onda agora é negar o dinamismo da língua e querer trans-

formar o ―ó paí, ó‖ num ―olhe para isso, olhe‖, gramaticalmente per-

feito, mas que não expressa o sentido real do que se pretendia falar,

como num filme mal legendado.

O PIGuinho quer acabar com o ―ó paí, ó‖ para atingir o MEC.

Para o PIGuinho, devemo ensinar nossas crianças que o cida-

dão que fala assim é uma besta. Provavelmente uma besta cuja famí-

lia recebe o Bolsa Família para ―escolhê se qué trabaiá ou não‖.

Para o PIGuinho, o Manuel Bandeira é uma besta e o Oswald

de Andrade, uma anta.

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LIVRO DIDÁTICO ADMITE ERRO

E LEVANTA POLÊMICA

Educadores criticam concordância errada em material para o EJA

Professor de Campinas aproveita a discussão sobre norma culta

e uso popular da língua para ensinar a forma aceita aos estudan-

tes

(Foto: Leandro Ferreira/AAN)

Lançado recentemente e adotado pelo Ministério da Educação

(MEC) como ferramenta pedagógica na rede pública de ensino, o li-

vro didático de língua portuguesa Por uma Vida Melhor - Volume 6,

dos professores Heloísa Cerri Ramos, Cláudio Bazzoni e Mirella

Cleto, da editora Global, provocou uma polêmica nacional ao consi-

derar aceitável a utilização pelos alunos de frases com erros de con-

cordância.

O material, voltado para o programa de Educação para Jovens

e Adultos (EJA), valoriza o uso ―popular‖ da língua falada e a utiliza

em um dos capítulos para auxiliar no aprendizado da chamada norma

―culta‖ de escrever. A ideia foi considerada perigosa e provocou rea-

ções entre os educadores de Campinas.

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A professora Susy Mary Nunes de Oliveira Pregnolatto, da

Faculdade de Educação da Pontifícia Universidade Católica (PUC-

Campinas), condenou a publicação de frases escritas de forma incor-

reta em um livro que servirá de base para milhares de pessoas que te-

rão um contato inicial com a língua. ―Acho bastante complicado vo-

cê colocar isso (os erros do português falado) em um livro didático.

Se fosse uma obra literária, não teria problema a utilização de

outras formas de linguagem‖, disse. ―Publicar erros acaba sendo

comprometedor, uma abordagem arriscada, porque o livro didático é

um modelo que as pessoas seguem e o resultado dessa iniciativa po-

de não ser o esperado‖, acrescentou.

A professora disse que, em nossa cultura, o documento escrito

tem grande relevância e passa a ser referência. ―Considero importan-

te a iniciativa de valorizar a linguagem falada, mas tornar isso um

modelo em um registro escrito e publicado é preocupante‖, reforçou.

O coordenador de Ensino Fundamental da Escola Estadual

Professor Aníbal de Freitas, no Guanabara, Luís Fernando Ferreira

Pinto, também tem críticas a fazer. ―Acho péssimo quando há algo

errado em um livro didático porque isso representa um enorme preju-

ízo para quem aprende. A importância desses livros é enorme, já que

eles determinam o direcionamento pedagógico do aluno‖, disse. ―As

escolas públicas, que já têm poucos instrumentos de ensino para tra-

balhar, só perdem com isso. Nossa educação está fragilizada. Isso é

um passo para trás‖, lamentou.

Para a professora da Faculdade de Educação da Universidade

Estadual de Campinas (Unicamp) e coordenadora associada do curso

de pedagogia da instituição, Norma Sandra de Almeida Ferreira, o

livro traz uma discussão importante para dentro das salas de aula,

mas torna-se um recurso delicado, já que o sucesso de seu uso de-

penderá muito da sensibilidade de cada professor. ―A proposta do li-

vro é mostrar que a língua tem variedades, usos distintos. Isso não há

como negar. Eu falo de um jeito e escrevo de outro. São linguagens

possíveis, mas socialmente apenas uma forma é valorizada. Quem

não fala corretamente pode ser discriminado. É uma discussão que

precisa ser feita porque a variedade linguística existe. Quando mos-

tro o diferente, eu obrigo a discussão‖, analisou.

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Segundo Norma, porém, é importante deixar claro que existe

uma norma aceita, correta. ―O fato de falarmos de uma forma não

significa que isso possa caber na língua escrita. Ao escrever, você

deve usar a língua culta. Isso serve para manter a unidade da escrita.

Se cada um falar ou escrever do jeito que quiser, a língua se perde.

Cabe à escola ensinar a modalidade correta. Não acredito que as pes-

soas confundam. O que me preocupa é como os professores vão lidar

com esse assunto.‖

Procurados, os representantes das diretorias de Ensino Leste e

Oeste de Campinas afirmaram que ainda não receberam cópias do li-

vro. A Secretaria do Estado da Educação informou, pela assessoria

de imprensa, que o livro não terá o aval oficial para ser utilizado na

rede. Em Campinas, a determinação é que o livro também não seja

utilizado nas escolas municipais. A assessoria do MEC não soube in-

formar se alguma escola da cidade ou da região recebeu exemplares.

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VIRGÍLIO P. DE ALMEIDA FAZ UMA SÍNTESE

DA POLÊMICA SOBRE O LIVRO DIDÁTICO

O LIVRO DIDÁTICO DE LÍNGUA PORTUGUESA

Virgilio Pereira de Almeida

quinta, 19 de maio de 2011 às 22:10

Foram tantas as discussões de que participei nos últimos dias,

e como parece que o debate ainda vai se prolongar, decidi tentar jun-

tar aqui neste espaço o que já foi falado sobre o assunto e o que eu

penso a respeito.

Acho que todos acompanharam toda a celeuma em torno do

tema. Na sexta-feira, dia 13/05, rádios, jornais escritos e telejornais

começaram a bombardear quem eles viam pela frente - autores, pro-

fessores, linguistas, órgãos ministeriais - por conta de um livro de

língua portuguesa para os alunos do EJA - Educação de Jovens e

Adultos - que dizia que o aluno podia falar algo como "Os livro ilus-

trado mais interessante estão emprestado."

Quem quiser recapitular, pode ver a notícia no Jornal Nacio-

nal (http://ow.ly/4XoUa), no Jornal da Band (http://ow.ly/4Xp12),

ler no site da Record (http://ow.ly/4Xpgn), no IG

(http://ow.ly/4Xpks), na Folha de São Paulo (http://ow.ly/4Xpty), no

Estado de São Paulo (http://ow.ly/4XpBA)...

É possível ainda ouvir a opinião do cientísta político Merval

Pereira, que conversou duas vezes com Carlos Alberto Sardenberg

na CBN (http://ow.ly/4XpWh e http://ow.ly/4YED0), ou do cinegra-

fista Arnaldo Jabor (http://ow.ly/4XFSs), e ainda o programa Liber-

dade de Expressão, ancorado pelo jornalista Milton Jung, com Artur

Xexéu, Carlos Heitor Cony e Viviane Mosé (http://ow.ly/4XLLs), a

opinião da Professora Maria Alice Setúbal, entrevistada por Carlos

Monforte (é a mesma reportagem do Jornal Nacional, mas com uma

entrevista no final - http://ow.ly/4XLSS); ler o que pensa o senador e

professor Cristovam Buarque (http://ow.ly/4XpG6) ou o que pensam

dois blogueiros da Veja, o Reinaldo Azevedo (http://ow.ly/4XFZ7) e

o Augusto Nunes (http://ow.ly/4XG7G) (Esses dois últimos, se for

ler, recomendo deixar um Engov preparado). Finalmente, uma entre-

vista de Alexandre Garcia com Cristovam Buarque e a Professora

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Maria do Pilar Lacerda. (http://ow.ly/4YL2D). Entre os não-

especialistas, opinião divergente expressou o Hélio Schwartsman

(http://ow.ly/4XGFC).

O outro lado?

Estou chamando isso de outro lado, pois após o momento de

caça às bruxas inicial, alguns meios de comunicação começaram a

divulgar a palavra de linguistas. O que me parece, no mínimo, sensa-

to. É uma questão linguística, e devemos ouvir os especialistas da

área. Pessoas que passaram anos e mais anos de suas vidas acadêmi-

cas estudando o assunto. Pessoas que publicam a respeito, que apre-

sentam pesquisas, no Brasil e no exterior, pessoas que dedicam anos

e anos aos estudos de fenômenos linguísticos. Eles acabam apare-

cendo, apesar de não conseguirem o estardalhaço dos polemistas de

plantão. Na verdade, esse lado deveria ser o 'um' lado, e não o outro

lado. Penso que se a polêmica envolvesse questão jurídica, convida-

riam imediatamente juristas e advogados; fosse a questão sobre física

quântica, convidariam físicos; etc... Mas se a questão é linguística,

parece-me que todos se tornam especialistas. Jornalistas, cientistas

políticos, esportistas, economistas, todos falam com uma propriedade

e uma prepotência que salve-se quem puder.

Você pode ouvir a doutora em educação Professora Vera Ma-

sagão em entrevista na CBN (http://ow.ly/4Xq4e), ou ler o que pen-

sam os doutores Professores Marcos Bagno (http://ow.ly/4Xsfe) e Sí-

rio Possenti (http://ow.ly/4YKUk). Também há a nota oficial da

ONG Ação Educativa (http://ow.ly/4YDT8). (Tenho certeza que ou-

tros aparecerão/já apareceram. Incluam aí nas notas abaixo do texto,

por favor.)

Como o assunto rendeu, não? A Mônica Waldvogel convidou

dois escritores para debater o assunto (http://ow.ly/4Xswj). Descon-

fio que ela desconhecia que um deles, Cristóvão Tezza, é ex-

professor de linguística. Acho que ela não ouviu o que gostaria... E

podemos também ouvir a entrevista do Ministro da Educação, Fer-

nando Hadad, que deu explicações mais técnicas sobre a escolha de

livros a serem indicados pelo MEC (http://ow.ly/4XGnD).

Mas o melhor mesmo - especialmente se você não teve a cu-

riosidade ou a paciência de ver todos os links acima, é poder analisar

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todo o capítulo do livro que causou tanta cizânia: ele está integral-

mente disponível em http://ow.ly/4XrYl. Qualquer um que ler o ca-

pítulo... corrijo-me: qualquer um com o mínimo de capacidade

cognitiva que ler o capítulo, verá claramente que nenhum dos jorna-

listas, blogueiros, cientísticas políticos, economistas, médicos sanita-

ristas, advogados, ... nenhum deles se deu ao trabalho.

O livro em questão - e todos os demais livros indicados pelo

MEC - não se furta a ensinar a língua culta. Não se furta a mos-

trar para o aluno que a norma culta é exigida em um ambiente

acadêmico, e que a norma culta é necessária para que os cida-

dãos assumam a plena cidadania. O livro não ensina a dizer "Nós

pega o peixe", como afirmaram muitos. O livro ensina a versão culta,

com a concordância prescrita pela gramática normativa. E explicita

isso:

Como a linguagem possibilita acesso a muitas situações soci-

ais, a escola deve se preocupar em apresentar a norma culta aos

estudantes, para que eles tenham mais uma variedade à sua disposi-

ção, a fim de empregá-la quando for necessário (p. 12, grifo meu).

O capítulo prossegue discorrendo sobre a língua escrita e a

língua falada. Pelos comentários dos que atacaram o livro, parece

que eles não reconhecem que falam de forma diferente do que escre-

vem... O livro ensina:

A norma culta existe tanto na linguagem escrita como na lin-

guagem oral, ou seja, quando escrevemos um bilhete a um amigo,

podemos ser informais, porém, quando escrevemos um requerimen-

to, por exemplo, devemos ser formais, utilizando a norma culta. Algo

semelhante ocorre quando falamos: conversar com uma autoridade

exige uma fala formal, enquanto é natural conversarmos com as

pessoas de nossa família de maneira espontânea, informal (p. 12).

Aqui começa a chiadeira... Pois muitos leigos se sentem ultra-

jados quando o livro admite que podemos falar diferente do modo de

escrever, e especialmente quando o livro atesta que podemos falar de

maneira diferente - uma mais formal e culta, e outra mais relaxada e

popular.

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A autora usa como exemplo a frase: "Os livro ilustrado mais

interessante estão emprestado". Essa é a frase da discórdia. É esse o

ultraje. Os críticos transcrevem também a seguinte parte do livro:

Você pode estar se perguntando: "Mas eu posso falar 'os li-

vro?'".

Claro que pode. Mas fique atento porque, dependendo da si-

tuação, você corre o risco de ser vítima de preconceito linguístico

(p. 15, grifo da autora).

Aí param a reprodução. E também interrompem a leitura nes-

te ponto. Fazem uma leitura tacanha e superficial, e dizem que a au-

tora está querendo dizer que falar a norma culta é preconceito.

Ora... se os eminentes especialistas em tudo lessem adiante,

veriam o seguinte:

Muita gente diz o que se deve e o que não se deve falar e es-

crever, tomando as regras estabelecidas para a norma culta como

padrão de correção de todas as formas linguísticas. O falante, por-

tanto, tem de ser capaz de usar a variante adequada da língua para

cada ocasião (p. 15).

O falante - ensina o livro - tem de ser capaz de usar a variante

adequada da língua para cada ocasião. Se acima a autora afirma que

é preciso usar o registro formal para escrever um requerimento, ou se

dirigir a uma autoridade, é óbvio que defende a necessidade de se

aprender esse registro.

Daí o livro prossegue descrevendo e ensinando a norma culta,

traçando um paralelo entre a norma culta, e a fala do estudante, para

que ele perceba as diferenças, e se aproprie da norma culta. Os exer-

cícios propostos no capítulo - todos eles - exigem o uso da norma

culta e a avaliação tem sempre como parâmetro a norma culta.

Fico imaginando quem deve ter começado essa falsa polêmi-

ca... Ou foi uma pessoa que não sabe interpretar o que lê - portanto

uma pessoa que não passaria no teste do PISA, como alertou com lu-

cidez o Professor Sírio Possenti - ou alguém que procura motivos

falsos para injuriar quem quer que seja (linguistas, o governo, o

MEC, o Lula, os professores,... como quem vai paciência para ler es-

se texto deve ser só quem me conhece um pouco, saberão então que

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eu não sou de defender o Lula; então deixo o nome dele aí mesmo).

Em relação a quem comprou a ideia e a repassou sem averiguar os

fatos, pode ter sido, além dos mesmos motivos anteriores, devido à

preguiça intelectual.

Ao refletir sobre a maneira como a mídia tratou do assunto, e

também em relação aos tons raivosos e indignados com os quais os

críticos se posicionaram, sugiro uma reflexão: será que o problema

não foi a opção do exemplo de língua oral escolhido pela autora?

Frases como 'Nós pega o peixe' ou 'Os livro ilustrado mais interes-

sante estão emprestado' são características do público alvo para

quem o livro foi escrito, mas são tão estigmatizadas que os pseudo-

defensores da língua portuguesa ficam irados e com sentimentos de

repulsa tão grandes que precisavam canalizar de alguma maneira.

Talvez a reação fosse diferente se a autora tivesse utilizado

exemplos menos 'gritantes' de 'erros' gramaticais.

Para ilustrar o que quero dizer, dei-me ao trabalho de recolher

alguns exemplos que poderiam ilustrar o livro didático, fosse ele pa-

ra um público diferente. Minhas fontes estão todas indicadas com os

links acima. Vejam alguns exemplos que poderiam ter sido utiliza-

dos:

Sardenberg - [o livro] distribuído pelo PNLD para 485 mil

alunos, 4200 escola, e diz que... (0'40")

Merval Pereira - Não é possível que você, numa escola que

tá ensinando português pros alunos, você diga a eles que falar errado

é aceitável (2'12")

Sardenberg - A tese dos partidários da tese que está expres-

sa lá naquele livro... (3'33")

Milton Jung - O livro (...) traz uma discussão polêmica a me-

dida que aceita os erros na língua portuguesa... (0'15")

Xexéu - Me parece que você... (1'27")

Xexéu - Você vai ter muita oportunidade [com] o passar do

tempo em aprender a falar errado (1'56")

Viviane Mosé - É uma discussão que eu concordo com o Xe-

xéu e que... (2'30")

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Milton Jung - ... do qual faz parte essa obra 'Por uma vida me-

lhor' que é assinado pela autora Heloísa Ramos (5'53")

Milton Jung - ... está se matando a língua quando se promove

estes erros? (6'09"),

Carlos Heitor Cony - [o professor] transformou ela... (7'35")

Carlos Monforte - Onde fica as leis de concordância (3'53")

Maria Alice Setúbal - A função social da escola é fazer com

que o aluno aprende (4'40")

Maria Alice Setúbal - A escola tem que fazer com que cada

vez mais os seus alunos, seus estudantes eles possam se expressar de

uma maneira correta, porque é isso que vai ser exigido dele na soci-

edade (5'20")

Maria Alice Setúbal - Nós vivemo num mundo globalizado

(5'45")

Adalberto Piotto - Professora, me permita voltar... (4'02")

(3x ao longo da entrevista)

Aldaberto Piotto - Professora, lhe incomoda a crítica...

(13'17")

Adalberto Piotto - Aliás, me surpreende (13'23")

Mônica Waldvogel - Vários dos comentadores no meio dessa

controvérsia disseram... (9'16")

Mônica Waldvogel - A variedade não se constitui como um

sistema redondo, né? Ele é... tem expressões... (12'26")

Cristovam Buarque - Eu estou de acordo com a professora de

que o nosso programa... (5'09")

Cristovam Buarque - Um estado um dia desses faltou profes-

sor de Física... (12'37")

Alexandre Garcia – A escola não é um lugar que ensina pen-

sar? (13'55")

Algumas considerações finais

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Pra quem defende que uma coisa é uma coisa e outra coisa é

outra coisa, alegando que não se pode comparar "Nós pega o peixe"

com os exemplos acima, cito Orwell: Todos os bichos são iguais,

mas alguns são mais iguais do que outros. Quer dizer que tudo bem

quando eu e minha patota quebramos algumas regras da gramática

tradicional, mas quando é outra patota que as quebra (a patota da fa-

vela...) num pode?

Eu só retirei exemplos da fala daqueles que considerariam

os exemplos 'erros'. É claro que também poderia retirar exemplos das

falas do Cristóvão Tezza ou da Vera Masagão, mas como eles admi-

tem que usam variantes da língua, não tem graça.

Os exemplos citados não diminuem em nada minha admira-

ção em relação a vários profissionais acima listados.

Tampoco aumentam o meu desprezo por outros tantos.

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LIVRO ADOTADO PELO MEC DEFENDE FALAR ERRADO

A obra foi distribuída pelo Programa Nacional do Livro Didático pa-

ra 4484.195 alunos

"Nós pega o peixe" ou "os menino pega o peixe". Para os au-

tores do livro de língua portuguesa 'Por uma vida melhor', da coleção

Viver, aprender, adotado pelo MEC (Ministério da Educação), o uso

da língua popular - ainda que com seus erros gramaticais - é válido.

Em um trecho do livro os autores lembram que, caso deixem

a norma culta de lado na comunicação oral, os alunos podem sofrer

"preconceito linguístico".

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- Você pode estar se perguntando: `Mas eu posso falar 'os li-

vro'?. Claro que pode. Mas fique atento porque, dependendo da situ-

ação, você corre o risco de ser vítima de preconceito linguístico.

Muita gente diz o que se deve e o que não se deve falar e escrever,

tomando as regras estabelecidas para a norma culta como padrão de

correção de todas as formas linguísticas.

O livro foi distribuído pelo Programa Nacional do Livro Di-

dático para a Educação de Jovens e Adultos a 484.195 alunos de

4.236 escolas, informou o MEC. Em nota enviada pelo ministério, a

autora Heloisa Ramos diz que é preciso deixar de lado a conotação

de certo e errado na língua e adotar os termos adequado ou inade-

quado.

- O importante é chamar a atenção para o fato de que a ideia

de correto e incorreto no uso da língua deve ser substituída pela ideia

de uso da língua adequado e inadequado, dependendo da situação

comunicativa.Como se aprende isso? Observando, analisando, refle-

tindo e praticando a língua em diferentes situações de comunicação.

Heloisa afirma que o livro tem como fundamento os "docu-

mentos do MEC para o ensino fundamental regular e EJA (Educação

de Jovens e Adultos)" e leva em consideração as matrizes que estru-

turam o Encceja (Exame Nacional de Certificação de Jovens e Adul-

tos).

A editora Global se defendeu das "acusações" e disse que é

responsável pela comercialização e produção do livro, e não pelo

conteúdo.

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LIVRO USADO PELO MEC ENSINA ALUNO

A FALAR ERRADO

Livro didático de língua portuguesa adotado pelo MEC (Mi-

nistério da Educação) ensina aluno do ensino fundamental a usar a

―norma popular da língua portuguesa‖.

O volume Por uma vida melhor, da coleção Viver, aprender,

mostra ao aluno que não há necessidade de se seguir a norma culta

para a regra da concordância. Os autores usam a frase ―os livro ilus-

trado mais interessante estão emprestado‖ para exemplificar que, na

variedade popular, só ―o fato de haver a palavra os (plural) já indica

que se trata de mais de um livro‖. Em um outro exemplo, os autores

mostram que não há nenhum problema em se falar ―nós pega o pei-

xe‖ ou ―os menino pega o peixe‖.

Ao defender o uso da língua popular, os autores afirmam que

as regras da norma culta não levam em consideração a chamada lín-

gua viva. E destacam em um dos trechos do livro: ―Muita gente diz o

que se deve e o que não se deve falar e escrever, tomando as regras

estabelecidas para norma culta como padrão de correção de todas as

formas lingüísticas‖.

E mais: segundo os autores, o estudante pode correr o risco

―de ser vítima de preconceito linguístico‖ caso não use a norma cul-

ta. O livro da editora Global foi aprovado pelo MEC por meio do

Programa Nacional do Livro Didático.

Atualizado às 16h20: Em entrevista ao iG, uma das autoras

do livro, a professora Heloísa Ramos, declarou que a intenção era

deixar aluno à vontade por conhecer apenas a linguagem popular e

não ensinar errado.

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"NÃO SOMOS IRRESPONSÁVEIS", DIZ AUTORA DE LI-

VRO COM "NÓS PEGA"

Educadora afirma que intenção da obra é deixar o aluno

acostumado com linguagem popular à vontade e não "ensinar

errado"

Uma das autoras do livro didático de língua portuguesa Por

uma vida melhor, da coleção Viver, aprender, adotado pelo Ministé-

rio da Educação (MEC) para a Educação de Jovens e Adultos (EJA),

nega que a obra ensine o aluno a usar a norma popular da língua. No-

ta da coluna Poder Online publicada na manhã desta quinta-feira

mostra que o livro ensina aos alunos que é válido usar expressões,

como ―nós pega o peixe‖ ou ―os menino pega o peixe‖.

Para a autora Heloisa Ramos, apesar de ter um capítulo dedicado ao

uso da norma popular, o livro não está promovendo o ensino dessa

maneira de falar e escrever. ―Esse capítulo é mais de introdução do

que de ensino. Para que ensinar o que todo mundo já sabe?‖.

Segundo Heloisa, que é professora aposentada da rede pública

de São Paulo e dá cursos de formação para professores, a proposta da

obra é que se aceite dentro da sala de aula todo tipo de linguagem, ao

invés de reprimir aqueles que usam a linguagem popular.

―Não queremos ensinar errado, mas deixar claro que cada lin-

guagem é adequada para uma situação. Por exemplo, na hora de estar

com os colegas, o estudante fala como prefere, mas quando vai fazer

uma apresentação, ele precisa falar com mais formalidade. Só que

esse domínio não se dá do dia para a noite, então a escola tem que ter

currículo que ensine de forma gradual‖, diz.

Livro usado na Educação de Jovens Adultos tem capítulo

sobre a norma popular da língua

De acordo com a professora, o livro didático adotado pelo

MEC para turmas do Ensino de Jovens e Adultos (EJA) foi elabora-

do por ela e por outros especialistas em língua portuguesa com base

nas experiências que tiveram em sala de aula após décadas de ensino.

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―Nossa coleção é seria, temos formação sólida e não estamos brin-

cando. Não há irresponsabilidade da nossa parte‖, afirma.

Ela acredita que, ao deixar claro que é tolerado todo tipo de

linguagem, a escola contribui para a socialização e melhor aprendi-

zado do estudante. ―Quem está fora da escola há muito tempo é quie-

to, calado e tem medo de falar errado. Então colocamos essa passa-

gem para que ele possa sair da escola com competência ampliada‖,

diz.

Em nota enviada ao iG, o MEC defendeu o uso do livro e

afirmou que o papel da escola não só o de ensinar a forma culta da

língua, mas também o de combater o preconceito contra os alunos

que falam linguagem popular.

Apesar de defender que o livro continue sendo adotado, a au-

tora admite que é preciso que o professores entendam a proposta pa-

ra não desvirtuar o que ele propõe. O material vai acompanhado de

um livro guia ao professor e os parâmetros curriculares do MEC ex-

plicam a abordagem variada da língua, mas como os livros são dis-

tribuídos para escolas de todo o país, é difícil ter esse controle.

Linguagem popular divide especialistas

A doutora em linguística e professora da Universidade de

Brasília (UnB), Viviane Ramalho, vai além da opinião da autora do

livro e defende que a linguagem popular seja ensinada abertamente

nas escolas. ―O ideal seria aprender todas as possibilidades diferentes

até mesmo para respeitar o interlocutor que usa outra variedade lin-

guística‖, diz.

Para ela, essa seria uma forma da escola se aproximar da rea-

lidade dos estudantes. ―Há uma exigência da própria sociedade de

que o individuo saiba usar a as diversas variedades da língua‖.

A linguista Juliana Dias acredita que a escola deva ensinar

exclusivamente a norma culta e usar a linguagem popular apenas

como exemplo durante as explicações. ―O popular não cabe para o

ensino. Cabe somente para reflexão, discussão, e até para o combate

ao preconceito com as formas mais simples de se falar‖.

Veja reprodução de trecho do livro "Por uma vida melhor":

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HADDAD EXPLICA LIVRO QUE ENSINA A FALAR ERRA-

DO NO SENADO

Obra polêmica defende erros gramaticais como "nós pega o pei-

xe" como válidas

Do R7 - 31/05/2011 - 08:09 (AGÊNCIA BRASIL)

Haddad: 'estamos adotando postura fascista, que é criticar um

livro sem ler'

O ministro da Educação, Fernando Haddad, confirmou parti-

cipação em uma audiência pública no Senado nesta terça-feira (31).

O encontro vai debater o conteúdo do livro Por Uma Vida Melhor,

da coleção Viver, Aprender.

A obra causou polêmica ao defender erros gramaticais e cons-

truções como "nós pega o peixe" como válidas. É a segunda audiên-

cia para a qual o ministro é convidado a falar sobre o tema dos livros

didáticos. A participação acontece a partir de 10h.

Na última, em 17 de maio, Haddad enviou representantes, que

foram impedidos de participar pelo presidente da comissão, o sena-

dor Roberto Requiâo (PMDB-PR).

A senadora Marisa Serrano (PSDB-MS) afirmou, na última

reunião, que a falta de um idioma correto ajuda a tornar o Brasil uma

"casa da mãe Joana".

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"A língua serve para preparar a pessoa para a cidadania, para

que ela tenha uma vida profissional ativa. [...] Se nos não tivermos

uma língua correta, vamos virar aqui a casa da mãe Joana. Nunca

mais saberemos o que é correto e o que não é correto".

Em um trecho do livro os autores lembram que, caso deixem

a norma culta de lado na comunicação oral, os alunos podem sofrer

"preconceito linguístico".

Veja o trecho abaixo:

"Você pode estar se perguntando: "Mas eu posso falar 'os li-

vro?'. Claro que pode. Mas fique atento porque, dependendo da situ-

ação, você corre o risco de ser vítima de preconceito linguístico.

Muita gente diz o que se deve e o que não se deve falar e escrever,

tomando as regras estabelecidas para a norma culta como padrão de

correção de todas as formas linguísticas".

Defensoria da União pede que livro do MEC saia de circulação

A Defensoria Pública da União no Distrito Federal (DPU-DF)

ajuizou ação civil pública na qual pede que seja retirada de circula-

ção cerca de 485 mil exemplares do livro de língua portuguesa Por

uma Vida Melhor, destinado a alunos de educação de jovens e adul-

tos (EJA) pelo Ministério da Educação (MEC). Segundo a defenso-

ria, a obra considera "válido o uso da língua popular, mesmo que

com erros gramaticais". Segundo o órgão, o defensor público federal

Ricardo Salviano, autor da ação, afirma que as "incorreções" e "in-

formações confusas" do livro podem dificultar o pleno desenvolvi-

mento dos estudantes e impediriam a inclusão social. "Não se pode

partir da premissa de que se deve permitir que o aluno fale errado pa-

ra ensiná-lo a escrever de forma correta. A retórica da argumentação

é ilógica", diz o defensor, que afirma ainda que o uso da "norma cul-

ta" deve sempre prevalecer. Haddad defende livro didático - O mi-

nistro da Educação, Fernando Haddad, defendeu o livro. Para o mi-

nistro, acusação de que o livro "ensina a falar errado" é um equívoco.

"O livro parte da situação da fala, mas induz o jovem a se apropriar

da norma culta. Os críticos infelizmente não leram o livro, fizeram

juízo de valor com base em uma frase pinçada do contexto", disse

Haddad durante entrevista ao programa de rádio Bom Dia, Ministro.

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"Quando um jovem manda mensagens no seu Twitter, no seu

e-mail ou Orkut, ele faz uso da linguagem habitualmente utilizada

naquele ambiente, até de maneira lúdica, ele modifica a língua e cria

sinais próprios. Ali também tem norma e para você entender tem que

se familiarizar com determinados padrões. Mas ele sabe que se mi-

grar para um ambiente formal, seja uma entrevista de emprego ou

uma prova da escola, a linguagem não será apropriada", afirmou.

Confira abaixo trechos do livro criticado: "É importante saber o se-

guinte: as duas variantes (norma culta e popular) são eficientes como

meios de comunicação. A classe dominante utiliza a norma culta

principalmente por ter maior acesso à escolaridade e por seu uso ser

um sinal de prestígio. Nesse sentido, é comum que se atribua um

preconceito social em relação à variante popular, usada pela maioria

dos brasileiros".

"'Os livro ilustrado mais interessante estão emprestado'. Você

pode estar se perguntando: 'Mas eu posso falar 'os livro?'.' Claro que

pode. Mas fique atento porque, dependendo da situação, você corre o

risco de ser vítima de preconceito linguístico. Muita gente diz o que

se deve e o que não se deve falar e escrever, tomando as regras esta-

belecidas para a norma culta como padrão de correção de todas as

formas linguísticas. O falante, portanto, tem de ser capaz de usar a

variante adequada da língua para cada ocasião". "Na variedade popu-

lar, contudo, é comum a concordância funcionar de outra forma. Há

ocorrências como: Nós pega o peixe. - nós (1ª pessoa, plural); pega

(3ª pessoa, singular). Os menino pega o peixe. - menino (3ª pessoa,

ideia de plural - por causa do "os"); pega (3ª pessoa, singular).

Nos dois exemplos, apesar de o verbo estar no singular, quem

ouve a frase sabe que há mais de uma pessoa envolvida na ação de

pegar o peixe. Mais uma vez, é importante que o falante de portu-

guês domine as duas variedades e escolha a que julgar adequada à

sua situação de fala". "É comum que se atribua um preconceito soci-

al em relação à variante popular, usada pela maioria dos brasileiros.

Esse preconceito não é de razão linguística, mas social. Por isso, um

falante deve dominar as diversas variantes porque cada uma tem seu

lugar na comunicação cotidiana". "A norma culta existe tanto na lin-

guagem escrita como na linguagem oral, ou seja, quando escrevemos

um bilhete a um amigo, podemos ser informais, porém, quando es-

crevemos um requerimento, por exemplo, devemos ser formais, uti-

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lizando a norma culta. Algo semelhante ocorre quando falamos: con-

versar com uma autoridade exige uma fala formal, enquanto é natu-

ral conversarmos com as pessoas de nossa família de maneira espon-

tânea, informal".

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Ação na justiça federal

Colegas,

Nossa preocupação, agora, deve ultrapassar em muito o que

temos discutido aqui sobre os livros didáticos e o ensino de tópicos

ligados à variação linguística.

Há um projeto de lei na Ass. Legislativa do Rio querendo pro-

ibir a distribuição de livros "com erros de português". Mando abaixo

o desdobramento disso: o processo foi parar na Justiça Federal. Ou

seja, divergências à parte, o importante, agora, é nos posicionarmos

com relação a isso! Outros Estados podem estar com projetos de lei

semelhantes...

Não sei se esta msg será divulgada a tempo, mas, neste exato

momento (11h, dia 31/05), o Haddah está sendo sabatinado sobre li-

vros didáticos na Comissão de Educação do Senado:

http://portal.mec.gov.br Os senadores presentes estão falando verda-

deiros absurdos e, obviamente, desmerecendo o trabalho dos linguis-

tas.

Não seria a hora de, à semelhança do que ocorreu na época do

Projeto de lei do Aldo Rebelo, as Associações de Linguística pedi-

rem uma audiência em Brasília, pressionarem de alguma forma?

Abs,

Leonor.

Ação coletiva contra livros didáticos irá para a Justiça Federal

Notícia publicada em 30/05/2011 15:59

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O juiz Luiz Roberto Ayoub, da 1ª Vara Empresarial da Capi-

tal, determinou a remessa para uma vara da Justiça Federal da ação

civil coletiva contra a edição de livros didáticos com erros de gramá-

tica. A ação foi proposta pela Comissão de Defesa do Consumidor da

Assembléia Legislativa do Rio (Alerj) contra a Global Editora e Dis-

tribuidora Ltda. A decisão será publicada amanhã, dia 31.

Segundo o magistrado, a leitura dos autos revela que a edição

de diversos livros didáticos pretendeu demonstrar a diversidade da

linguagem num país de dimensões continentais, mas lembrou que,

antes de ser examinada, é preciso analisar de quem é a competência

para decidir, uma vez que a adoção do material decorreu de um ato

da União Federal.

"A adoção do livro em questão decorreu de um ato governa-

mental, dentro de uma política pública que pretendeu respeitar a in-

tegração da cultura diversificada em nosso país, evitando-se a inde-

sejável discriminação lingüística. Assim é que a União, através do

Conselho Nacional de Educação e do Ministério da Educação e Cul-

tura, reconheceu correta a utilização do material impugnado, sendo

inquestionável, portanto, seu interesse em participar da relação jurí-

dico-processual", afirmou o juiz.

Para ele, no entanto, o que é certo ou errado não está em

questão, mas sim a adequação do texto à realidade nacional. "Preser-

var as diferenças ou perpetuar a desigualdade na educação. Qual o

caminho a seguir" A questão é de extrema relevância; muito sensível

e delicada", destacou o magistrado.

Processo nº 01507927.2011.8.19.0001

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A RÉPLICA DE BECHARA A BAGNO: A TAREFA DE EN-

SINAR A NORMA CULTA

―O livro do professor Marcos Bagno faz sucesso porque se

trata de um linguista passando a mão na cabeça de professores que

não sabem a língua. Então, os professores pensam: "eu não preciso

ensinar isso...". Tudo o que os linguistas brasileiros dizem não é pro-

duto do seu pensamento linguístico, sua bibliografia é totalmente es-

trangeira."

*A propósito, o que dizem os professores de português? Eles

se manifestaram a respeito?

Fátima Santos

Folha Dirigida, 31/05/2011 - Rio de Janeiro RJ *A tarefa de

ensinar a norma culta* Alessandra Bizoni E a polêmica em torno do

livro "Por uma vida melhor", da Coleção Viver, Aprender, está longe

de chegar ao fim. Titular da cadeira 33 da ABL (Academia Brasileira

de Letras), o professor e gramático Evanildo Cavalcante Bechara re-

conhece alguns méritos na obra, mas critica a postura adotada pelos

autores do livro. Autor da "Moderna Gramática Portuguesa", uma

das mais utilizadas em nosso país, Bechara é taxativo ao afirmar que

o "linguista assumiu o lugar do professor de língua portuguesa" ao

defender a utilização da linguagem popular no livro didático. Na se-

mana passada, na edição de nº 1.953, a FOLHA DIRIGIDA publicou

uma entrevista com Marcos Bagno, docente da Universidade de Bra-

sília (UnB), que saiu em defesa dos autores do livro "Por uma vida

melhor". Dentre as críticas que fez, Marcos Bagno, ao comentar a

nota oficial da ABL condenando o livro didático, disse: "Não con-

cordo com nada que venha da Academia Brasileira de Letras (ABL)

porque, na minha opinião, essa entidade simplesmente nem deveria

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existir. Ela não serve para absolutamente nada, não tem nenhum im-

pacto em nossa vida social e cultural e só serve para gastar dinheiro

público. Esses 40 senhores e senhoras não têm nada a dizer sobre en-

sino porque não atuam na área. A única exceção é o professor Eva-

nildo Bechara, gramático respeitável, mas que, infelizmente, é fran-

camente reacionário quando a questão é ensino de língua."

A questão do financiamento público já foi explicada pelo

acadêmico Murilo Melo Filho, segundo secretário da ABL, na edição

de nº 1.954 da FOLHA DIRIGIDA, que fica nas bancas até esta

quarta, dia 1º de junho. Segundo Murilo Melo Filho, a ABL não re-

cebe quaisquer recursos públicos e obtém seu financiamento a partir

do aluguel do prédio de 33 andares, que fica ao lado da sede histórica

da instituição, em um quarteirão valorizado no Centro do Rio de Ja-

neiro. Mantendo sua postura democrática e o interesse em esclarecer

nossos leitores em torno da polêmica criada do livro didático, a FO-

LHA DIRIGIDA abriu seu espaço ao conhecido gramático, que dá,

aos leitores, uma verdadeira aula de ensino de língua portuguesa. In-

do além da análise feita pelos principais órgãos de imprensa, Becha-

ra condena a escolha do texto de interpretação, presente no capítulo

da obra disponível na internet.

"O texto apresentado, no mesmo capítulo, como texto de lín-

gua escrita para interpretação ‗Migna terra‘, de Juó Bananére*, é es-

crito em um dialeto ítalo-português oral do início do século passado.

O texto tem expressões como ‗Migna terra tê parmeras,/Che ganta

inzima o sabiá‘. Nós não damos para um aluno que está aprendendo

a ler um texto de Guimarães Rosa, porque ninguém fala como Gui-

marães Rosa escreve. E língua portuguesa de Guimarães Rosa é uma

estilização, como Juó Bananére faz uma estilização do italiano. E,

nesse momento, percebemos que entrou o linguista no lugar do pro-

fessor de Português", afirmou o educador.

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Membro correspondente da Academia das Ciências de Lis-

boa, doutor honoris causa pela Universidade de Coimbra, professor

titular e emérito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj)

e da Universidade Federal Fluminense (UFF), além de titular da ca-

deira nº 16 da Academia Brasileira de Filologia (ABF), Evanildo Be-

chara, aos 83 anos, ainda leciona no curso de pós-graduação de En-

sino de Língua Portuguesa oferecido gratuitamente no Liceu Literá-

rio Português. Defensor da língua portuguesa, ele argumenta, nesta

entrevista, que o linguista não pode ocupar o lugar do professor de

língua portuguesa na educação básica. *Em entrevista publicada re-

centemente na FOLHA DIRIGIDA, o professor Marcos Bagno, da

UnB, o classificou como "gramático respeitável, mas francamente

reacionário quando a questão é ensino de língua". Como o senhor re-

bate estas críticas?* *Evanildo Bechara - *Os filósofos gregos foram

os iniciadores dos estudos de língua, geralmente, com preocupações

filosóficas. Eles queriam saber, por exemplo, se a língua funcionava

por criação ou por analogia. A linha do Marcos Bagno é a da socio-

linguística, que estuda a participação do homem na vida da lingua-

gem. Mas a participação do homem em todas as suas manifestações

culturais é coisa de sempre. Os autores latinos traziam para a sua

obra fatos da língua coloquial, da língua popular. Há autores como

Petronio, que escreveu Satíricon. Existem os epigramas de Marcial.

Cícero em uma carta familiar para um amigo escreveu: "você deve

estar observando que eu não estou usando, aqui, o Latim que uso em

meus discursos no Senado. Aqui estou usando uma linguagem mais

coloquial ...". O professor Marcos Bagno pensa que tudo isso come-

çou no quintal da casa dele. Na realidade, essa questão é antiga. O

primeiro gramático da língua portuguesa, que foi Fernando de Oli-

veira, em 1536, já dizia que a língua varia com o tempo, com as re-

giões, de acordo com a idade das pessoas, com as profissões. De

modo que essa preocupação da presença da língua popular e colo-

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quial não começou com o livro dele, em 1999. Tenho um livro publi-

cado na década de 80, já com 12 edições e várias reimpressões, sobre

a questão da pertinência do ensino de gramática, que na época já es-

tava sendo ventilada. Publiquei, pela Ática, o livro "Ensino de gra-

mática. Opressão? Liberdade?" (1985).

*E é possível ensinar uma língua sem ensinar a sua gramáti-

ca?* O problema é como ensinar a gramática. É claro que a Abralin,

que é a Associação Brasileira de Linguística, tem que aplaudir a po-

sição de Marcos Bagno, um linguista. Mas a ABL, que tem por prin-

cípio estatutário o cultivo da língua, não pode aplaudir o que os lin-

guistas aplaudem. Alguém está errado aí? Não. Cada um está certo

no seu campo. O erro está em um linguista condenar a ABL ou a

ABL condenar um linguista. A ABL disse apenas que o livro, naque-

le momento, inseriu a Linguística onde deveria estar tratando da lín-

gua padrão. Os linguistas não gostam nem dos textos literários, por-

que consideram que o texto literário é uma artificialização da língua

natural e eles querem analisar a língua natural. É como examinar o

rosto de uma pessoa produzida, maquiada, penteada, no qual nem

sempre se pode perceber alguns defeitos que são revelados quando

essa mesma pessoa sai de um banho. A língua literária é a "língua

produzida" e a língua popular é o "rosto lavado".

*Que avaliação o senhor faz do livro didático "Por uma vida

Melhor", da Coleção Viver, Aprender, no qual formas usuais da lin-

guagem popular como "os menino pega o peixe" são apontadas como

alternativas de uso da língua portuguesa? O senhor chegou a ler o li-

vro?* Ao analisar o livro "Por um vida melhor", da Coleção Viver,

Aprender não tive acesso a ele por completo. Entrei em contato com

a editora, mas não consegui um exemplar do livro. Encontrei, ape-

nas, pela internet, o primeiro capítulo, feito pela professora Heloísa

Ramos. E esse é um capítulo muito bom. Seu único defeito, e a nota

Page 204: OS LIVRO ILUSTRADO MAIS INTERESSANTE ESTÃO …linguagemnaciencia.weebly.com/uploads/3/0/9/3/30933555/os_livro... · Tudo isso é gramática pura, em funcionamento. E tudo tem nome,

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da ABL explicita esse aspecto, o único momento infeliz foi quando a

autora colocou em discussão o problema da língua popular.

*Como o senhor classifica a língua popular?* A língua popu-

lar é aquela utilizada pelas pessoas de pouca cultura, que não tiveram

a oportunidade de frequentar escolas, que são vítimas dessa dificul-

dade de não terem uma cultura sistematizada. Mas são pessoas que

vivem, crescem, se casam, têm emprego, educam seus filhos. Uma

língua (Português, Inglês, Francês), na realidade, é uma abstração. A

língua é aquela parte falada em cada região, em cada situação discur-

siva, em cada momento. O que é a língua portuguesa? É a língua que

estamos falando; a língua que as pessoas cultas falam e escrevem no

Brasil; é a língua que se fala em Portugal, é a língua de alguns países

africanos. Não temos uma realidade concreta da língua que está poli-

facetada, em diversas variedades. Cada uma dessas variedades se

chama "língua funcional".

*O que é a "língua funcional"?* É a língua que funciona para

o analfabeto, para o semialfabetizado, para o indivíduo erudito, para

o escritor. Uma língua histórica, como o Português, o Francês ou o

Espanhol, é um conjunto de línguas funcionais. E dessas línguas fun-

cionais há a eleição de determinados fatos comuns na linguagem da-

queles que mais leem, mais têm cultura geral, mais têm cultura de

uso de língua e que leem os bons autores... Esta língua se chama a

"língua padrão", que antigamente se chamava língua culta. Mas o

termo culta tinha um peso pejorativo em relação a quem não a usas-

se, que, então, adotaria uma língua "inculta". Hoje, nós, os linguistas,

gramáticos e filólogos, preferimos o termo "língua padrão".

*E com relação ao livro didático "Por uma vida Melhor", da

Coleção Viver, Aprender, qual é o seu parecer?* A autora do livro

pecou quando diz que, para se aprender uma língua, a língua culta, é

preciso que haja um local, um momento e um material próprios. Ora,

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o livro didático não é nem o local, nem o momento e nem o material

próprio para se falar de língua popular. Se o objetivo é a língua pa-

drão, é a língua culta, a professora deve abrir o espaço para falar da

língua culta. A presença da língua popular surge quando o professor

estiver ensinando algo ou lendo um texto em língua culta e aparecer

um problema sobre um uso popular. Até a presença do popular é vis-

ta com surpresa pela própria autora do livro, que diz: "Você pode es-

tar se perguntando: ‗Mas eu posso falar ‗os livro?‘". E ela responde:

"Claro que pode.". Essa frase indica surpresa da autora. Esse é o

momento em que desapareceu o professor de língua portuguesa e

apareceu o linguista. A própria professora toma a iniciativa de colo-

car a dúvida no aluno. Ela só pode fazer esse comentário se tiver na

sala um aluno que diga "os livro". Mas se o aluno diz "os livros"...

*Qual é a diferença entre a postura do professor de língua

portuguesa e a do linguista?* O professor de língua portuguesa ensi-

na a norma culta. O aluno vem para escola aprender uma variedade

de língua que, teoricamente, não conhece. E o linguista é um técnico,

aquele que estuda a língua sem preocupações normativas, que estuda

o funcionamento da língua nas classes cultas, nas classes incultas. O

linguista estuda como funciona a língua portuguesa em São Paulo,

sob o influxo do Italiano; a língua portuguesa no Rio Grande do Sul,

sob o influxo do Espanhol; a língua portuguesa no Nordeste, sob o

influxo da língua que os portugueses trouxeram no século XVI para

o Brasil na época do descobrimento.

*Diante da posição adotada pela autora do livro, pode-se dizer

que acabou o conceito de "certo" e "errado" em língua portuguesa?*

Não é que acabou; é que o "certo" e o "errado" dependem da adequa-

ção e da inadequação do momento em que a língua é usada — diz o

linguista e diz muito bem, já que uma língua é um conjunto de lín-

guas funcionais. Mas a pessoa vai à escola para ascender socialmen-

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te, para aprender e ser alguém na vida. A função da escola é promo-

ver um processo de aprendizagem para cima - e não para baixo. É

por isso que cito o linguista italiano Raffaele Simone: "A educação

popular deixa o aprendiz na mesma condição em que está. E só a boa

educação linguística é que o fará ascender socialmente".

*Corrigir o "falar errado" é uma manifestação do "preconceito

linguístico"?* Essa questão do "preconceito linguístico" foi algo que

os sociolinguistas trouxeram à discussão para estabelecer, na socie-

dade, quem pode mais e quem pode menos. No entanto, esse precon-

ceito não tem mão única. Ele surge tanto da pessoa que fala a norma

culta em relação à norma popular, como aquele que fala a norma po-

pular em relação à norma culta. Porque o preconceito resulta da dife-

rença e a diferença não é só do mais para o menos, mas também do

menos para o mais. Hoje, de acordo com o "politicamente correto",

não se pode dizer o preto ou o negro. Porém, o negro diz do branco:

"o branco azedo". Então, o preconceito tem duas mãos.

*E como ficam professores e alunos diante dessa polêmica

em torno do "preconceito linguístico"?* Hoje não faltam empregos

no país. Faltam pessoas qualificadas, preparadas para ocupar as va-

gas de trabalho. Aprender exige um esforço. Essa história de dizer

que a escola deve ser risonha e franca é apenas um convite para o es-

tudo. Mas o estudo exige suor e lágrimas. Todos nós para chegarmos

aonde estamos, trabalhamos. Não ficamos apenas em uma fila para

ver o Paul McCartney; estudamos e trabalhamos para conseguir o di-

nheiro para comprar o convite. O estudo requer seriedade. E essa si-

tuação de "preconceito linguístico" é tão incômoda quanto o "politi-

camente correto". Todo mundo está reclamando do "politicamente

correto", tudo o que dizemos cai na queixa ou na crítica do "politi-

camente correto".

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*Na sua avaliação, qual é a consequência de adoção de méto-

dos como o do livro "Por uma vida melhor" no ensino de língua por-

tuguesa?* Esse tipo de método ocasiona o que chamamos de "mes-

mice idiomática". O estudante vai para a escola e esta não o enrique-

ce em seu padrão de instrução.

*E o senhor teria outras críticas com relação ao polêmico li-

vro didático?* A maioria das pessoas ficou apenas nas duas frases

com a concordância errada. O texto apresentado, no mesmo capítulo,

como texto de língua escrita para interpretação "Migna terra", de Juó

Bananére*, é escrito em um dialeto ítalo-português oral do início do

século passado. O texto tem expressões como "Migna terra tê parme-

ras,/Che ganta inzima o sabiá". Nós não damos para um aluno que

está aprendendo a ler um texto de Guimarães Rosa, porque ninguém

fala como Guimarães Rosa escreve. E a língua portuguesa de Guima-

rães Rosa é uma estilização, como Juó Bananére faz uma estilização

do italiano. E, nesse momento, percebemos que entrou o linguista no

lugar do professor de Português. A autora compara esse texto de Juó

Bananére, do qual ela faz excelente elogio, com a "Canção do Exí-

lio", de Gonçalves Dias, ressaltando a "postura ‗patriota‘ extrema-

mente sentimental presente no poema de Gonçalves Dias". Acredito

que em um livro didático devemos apresentar textos de língua pa-

drão, de língua culta, e não textos em um dialeto regional. Cornélio

Pires, por exemplo, é um autor que imita o idioma italiano, mas seu

texto é totalmente diferente do dialeto apresentado na obra.

*E como o senhor analisa os exercícios presentes no livro?*

Em alguns momentos, a autora leva o aluno a construir frases como

"encontram-no", "fizeram-no", que são formas muito elevadas para

uma criança, um adolescente ou mesmo um adulto que está dando os

primeiros passos na língua culta. Ao mesmo tempo, apresenta exer-

cícios com frases como "Comecei a trabalhá em um lugar agradável"

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e "Passeei bastante antes de percebê que tava perdida", para que o

aluno as reescreva de forma correta.

*Acredita que o simples fato de formas populares como estas

estarem registradas em um livro didático pode confundir os alunos?*

Claro. Mesmo porque ortografia, para o grande público, é memória

visual. O público escreve a palavra como a vê escrita. No ensino da

língua culta não há um estímulo para que os alunos falem assim.

Queremos que o aluno aprenda não apenas a escrever, mas a falar a

língua culta.

*Como analisa a postura do MEC em manter a distribuição da

obra, que chegou a quase meio milhão de estudantes, mesmo diante

de tantas críticas?* O pobre do ministro Fernando Haddad delega

poderes. A culpa menor é do ministro. A culpa maior é das pessoas

que o acompanham e não tiveram o bom senso de evitar que Fernan-

do Haddad entrasse nessa enrascada. Esses livros foram seleciona-

dos, não pelo ministro Fernando Haddad, mas sim por uma comissão

de professores, que têm responsabilidades por isso. Aliás, o professor

Marcos Bagno disse uma coisa certa: esse enfoque sociolinguístico

começou na gestão do ministro Paulo Renato, do governo do PSDB.

Essa questão independe do fato de serem funcionários de Paulo Re-

nato ou de Fernando Haddad. A filosofia dos que escreveram os pa-

râmetros curriculares nacionais (PCNs) é a dos linguistas. Essa filo-

sofia ultrapassa governos; é muito válida no campo de trabalho dos

linguistas, mas nem muito válida, para não dizer pouco válida, no

ensino de língua portuguesa.

*O senhor conhece a proposta de reconhecimento de um "por-

tuguês brasileiro", defendida pelo professor Marcos Bagno? A argu-

mentação do professor da UnB procede? Por quê?* Monteiro Lobato

dizia: "Assim como o português nasceu dos erros do Latim, o ‗brasi-

leiro‘ nascerá dos erros do português". Ora, é degradante para um pa-

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ís nascer da miséria de outro. Certa vez, no Colégio Pedro II, o pro-

fessor Hermes Parente Fortes escreveu uma tese para ingresso na ins-

tituição defendendo a existência de um "português brasileiro". E o

professor Oiticica (José Oiticica), catedrático de língua portuguesa, o

examinou. O professor Oiticica disse a Hermes Parente Fortes: "eu

vou passar a acreditar nessa tal de ‗língua brasileira‘ quando o se-

nhor traduzir para ‗brasileiro‘ a oração do Pai Nosso. A característica

de uma língua é a sua traduzibilidade. Se mudamos uma palavra por

outra, isso não é tradução. O Espanhol é muito parecido com o Por-

tuguês. Mas é possível fazer a tradução tanto do Espanhol para o

Português como do Português para o Espanhol. E que "língua brasi-

leira" é essa, que quando se vai a Portugal se entende tudo o que se

fala — às vezes ocorrem dificuldades pelo sotaque, mas não pela es-

trutura da língua. Podemos ler os jornais de Portugal. Não traduzi-

mos Eça de Queiroz, nem José Saramago.

*Na sua avaliação, qual é a metodologia mais adequada para

o ensino de língua portuguesa?* Comecei a lecionar aos 18 anos e

tenho 83 anos de idade. E nunca saí de sala de aula. Hoje, dou aulas

no curso de pós-graduação de Ensino de Língua Portuguesa do Liceu

Literário Português. O professor Marcos Bagno diz que sou "fran-

camente reacionário" no ensino de língua portuguesa. Mas se fosse

reacionário, minha gramática - "Moderna Gramática Portuguesa" -

teria pernas curtas. O que eu não sou, dentro de sala de aula, é lin-

guista. Sou professor de língua portuguesa.

*A partir desse contato com os professores recém-formados

no curso de pós-graduação, qual é a sua impressão a respeito dos

cursos de formação de professores?* A formação dos professores é

cada vez pior. *O livro do professor Marcos Bagno, por exemplo, é

um sucesso nos cursos de Letras e de Pedagogia?* O livro do profes-

sor Marcos Bagno faz sucesso porque se trata de um linguista pas-

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sando a mão na cabeça de professores que não sabem a língua. En-

tão, os professores pensam: "eu não preciso ensinar isso...". Tudo o

que os linguistas brasileiros dizem não é produto do seu pensamento

linguístico, sua bibliografia é totalmente estrangeira. Tudo o que di-

zem veio de fora, dos Estados Unidos, da Inglaterra, da Itália, da

França. E, curiosamente, essas ideias defendidas aqui não são as de-

fendidas nos países de onde essas teorias vieram. Ao consultarmos as

gramáticas francesas, alemãs, inglesas, italianas, espanholas, verifi-

camos o contrário do que os linguistas brasileiros dizem. O que os

linguistas brasileiros pregam não representa um viés linguístico, re-

presenta um viés ideológico porque, se não fosse assim, isso estaria

sendo aplicado em outros países. Isso estaria sendo aplicado na Es-

panha, por exemplo, onde a Academia de Língua Espanhola acabou

de editar a Nova Gramática da Língua Espanhola — dois volumes

somando quase quatro mil páginas.

Juó Bananére é o pseudônimo literário de Alexandre Ribeiro

Marcondes Machado, que nasceu em Pindamonhangaba (SP) em

1892 e morreu em 1933. Machado passou a infância no interior pau-

lista e em 1917 formou-se engenheiro pela Faculdade Politécnica da

Universidade de São Paulo. Empregando uma linguagem toda espe-

cial, escrevia sátiras em algumas revistas e parodiava poetas conhe-

cidos, como Olavo Bilac e Camões, além de satirizar políticos da

época. Seus poemas foram reunidos no livro La divina increnca, pu-

blicado em 1924. (Nota do editor).

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A TAREFA DE ENSINAR A NORMA CULTA

31/05/2011

Alessandra Bizoni/[email protected]

E a polêmica em torno do livro "Por uma vida melhor", da

Coleção Viver, Aprender, está longe de chegar ao fim. Titular da

cadeira 33 da ABL (Academia Brasileira de Letras), o professor e

gramático Evanildo Cavalcante Bechara reconhece alguns méritos

na obra, mas critica a postura adotada pelos autores do livro. Autor

da "Moderna Gramática Portuguesa", uma das mais utilizadas em

nosso país, Bechara é taxativo ao afirmar que o "linguista assumiu o

lugar do professor de língua portuguesa" ao defender a utilização

da linguagem popular no livro didático.

Na semana passada, na edição de nº 1.953, a FOLHA DIRI-

GIDA publicou uma entrevista com Marcos Bagno, docente da Uni-

versidade de Brasília (UnB), que saiu em defesa dos autores do livro

"Por uma vida melhor". Dentre as críticas que fez, Marcos Bagno,

ao comentar a nota oficial da ABL condenando o livro didático, dis-

se: "Não concordo com nada que venha da Academia Brasileira de

Letras (ABL) porque, na minha opinião, essa entidade simplesmente

nem deveria existir. Ela não serve para absolutamente nada, não

tem nenhum impacto em nossa vida social e cultural e só serve para

gastar dinheiro público. Esses 40 senhores e senhoras não têm nada

a dizer sobre ensino porque não atuam na área. A única exceção é o

professor Evanildo Bechara, gramático respeitável, mas que, infe-

lizmente, é francamente reacionário quando a questão é ensino de

língua."

A questão do financiamento público já foi explicada pelo

acadêmico Murilo Melo Filho, segundo secretário da ABL, na edi-

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ção de nº 1.954 da FOLHA DIRIGIDA, que fica nas bancas até esta

quarta, dia 1º de junho. Segundo Murilo Melo Filho, a ABL não re-

cebe quaisquer recursos públicos e obtém seu financiamento a partir

do aluguel do prédio de 33 andares, que fica ao lado da sede histó-

rica da instituição, em um quarteirão valorizado no Centro do Rio

de Janeiro.

Mantendo sua postura democrática e o interesse em esclare-

cer nossos leitores em torno da polêmica criada do livro didático, a

FOLHA DIRIGIDA abriu seu espaço ao conhecido gramático, que

dá, aos leitores, uma verdadeira aula de ensino de língua portugue-

sa. Indo além da análise feita pelos principais órgãos de imprensa,

Bechara condena a escolha do texto de interpretação, presente no

capítulo da obra disponível na internet.

"O texto apresentado, no mesmo capítulo, como texto de lín-

gua escrita para interpretação „Migna terra‟, de Juó Bananére*, é

escrito em um dialeto ítalo-português oral do início do século pas-

sado. O texto tem expressões como „Migna terra tê parmeras,/Che

ganta inzima o sabiá‟. Nós não damos para um aluno que está

aprendendo a ler um texto de Guimarães Rosa, porque ninguém fala

como Guimarães Rosa escreve. E língua portuguesa de Guimarães

Rosa é uma estilização, como Juó Bananére faz uma estilização do

italiano. E, nesse momento, percebemos que entrou o linguista no

lugar do professor de Português", afirmou o educador.

Membro correspondente da Academia das Ciências de Lis-

boa, doutor honoris causa pela Universidade de Coimbra, professor

titular e emérito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro

(Uerj) e da Universidade Federal Fluminense (UFF), além de titular

da cadeira nº 16 da Academia Brasileira de Filologia (ABF), Eva-

nildo Bechara, aos 83 anos, ainda leciona no curso de pós-

graduação de Ensino de Língua Portuguesa oferecido gratuitamente

no Liceu Literário Português. Defensor da língua portuguesa, ele

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argumenta, nesta entrevista, que o linguista não pode ocupar o lugar

do professor de língua portuguesa na educação básica.

Em entrevista publicada recentemente na FOLHA DIRI-

GIDA, o professor Marcos Bagno, da UnB, o classificou como

"gramático respeitável, mas francamente reacionário quando a

questão é ensino de língua". Como o senhor rebate estas críticas?

Evanildo Bechara - Os filósofos gregos foram os iniciadores

dos estudos de língua, geralmente, com preocupações filosóficas.

Eles queriam saber, por exemplo, se a língua funcionava por criação

ou por analogia. A linha do Marcos Bagno é a da sociolinguística,

que estuda a participação do homem na vida da linguagem. Mas a

participação do homem em todas as suas manifestações culturais é

coisa de sempre. Os autores latinos traziam para a sua obra fatos da

língua coloquial, da língua popular. Há autores como Petronio, que

escreveu Satíricon. Existem os epigramas de Marcial. Cícero em

uma carta familiar para um amigo escreveu: "você deve estar obser-

vando que eu não estou usando, aqui, o Latim que uso em meus dis-

cursos no Senado. Aqui estou usando uma linguagem mais coloquial

...". O professor Marcos Bagno pensa que tudo isso começou no

quintal da casa dele. Na realidade, essa questão é antiga. O primeiro

gramático da língua portuguesa, que foi Fernando de Oliveira, em

1536, já dizia que a língua varia com o tempo, com as regiões, de

acordo com a idade das pessoas, com as profissões. De modo que es-

sa preocupação da presença da língua popular e coloquial não come-

çou com o livro dele, em 1999. Tenho um livro publicado na década

de 80, já com 12 edições e várias reimpressões, sobre a questão da

pertinência do ensino de gramática, que na época já estava sendo

ventilada. Publiquei, pela Ática, o livro "Ensino de gramática.

Opressão? Liberdade?" (1985).

E é possível ensinar uma língua sem ensinar a sua gramá-

tica?

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O problema é como ensinar a gramática. É claro que a Abra-

lin, que é a Associação Brasileira de Linguística, tem que aplaudir a

posição de Marcos Bagno, um linguista. Mas a ABL, que tem por

princípio estatutário o cultivo da língua, não pode aplaudir o que os

linguistas aplaudem. Alguém está errado aí? Não. Cada um está certo

no seu campo. O erro está em um linguista condenar a ABL ou a

ABL condenar um linguista. A ABL disse apenas que o livro, naque-

le momento, inseriu a Linguística onde deveria estar tratando da lín-

gua padrão. Os linguistas não gostam nem dos textos literários, por-

que consideram que o texto literário é uma artificialização da língua

natural e eles querem analisar a língua natural. É como examinar o

rosto de uma pessoa produzida, maquiada, penteada, no qual nem

sempre se pode perceber alguns defeitos que são revelados quando

essa mesma pessoa sai de um banho. A língua literária é a "língua

produzida" e a língua popular é o "rosto lavado".

Que avaliação o senhor faz do livro didático "Por uma vi-

da Melhor", da Coleção Viver, Aprender, no qual formas usuais

da linguagem popular como "os menino pega o peixe" são apon-

tadas como alternativas de uso da língua portuguesa? O senhor

chegou a ler o livro?

Ao analisar o livro "Por um vida melhor", da Coleção Viver,

Aprender não tive acesso a ele por completo. Entrei em contato com

a editora, mas não consegui um exemplar do livro. Encontrei, ape-

nas, pela internet, o primeiro capítulo, feito pela professora Heloísa

Ramos. E esse é um capítulo muito bom. Seu único defeito, e a nota

da ABL explicita esse aspecto, o único momento infeliz foi quando a

autora colocou em discussão o problema da língua popular.

Como o senhor classifica a língua popular?

A língua popular é aquela utilizada pelas pessoas de pouca

cultura, que não tiveram a oportunidade de frequentar escolas, que

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são vítimas dessa dificuldade de não terem uma cultura sistematiza-

da. Mas são pessoas que vivem, crescem, se casam, têm emprego,

educam seus filhos. Uma língua (Português, Inglês, Francês), na rea-

lidade, é uma abstração. A língua é aquela parte falada em cada regi-

ão, em cada situação discursiva, em cada momento. O que é a língua

portuguesa? É a língua que estamos falando; a língua que as pessoas

cultas falam e escrevem no Brasil; é a língua que se fala em Portugal,

é a língua de alguns países africanos. Não temos uma realidade con-

creta da língua que está polifacetada, em diversas variedades. Cada

uma dessas variedades se chama "língua funcional".

O que é a "língua funcional"?

É a língua que funciona para o analfabeto, para o semialfabe-

tizado, para o indivíduo erudito, para o escritor. Uma língua históri-

ca, como o Português, o Francês ou o Espanhol, é um conjunto de

línguas funcionais. E dessas línguas funcionais há a eleição de de-

terminados fatos comuns na linguagem daqueles que mais leem,

mais têm cultura geral, mais têm cultura de uso de língua e que leem

os bons autores... Esta língua se chama a "língua padrão", que anti-

gamente se chamava língua culta. Mas o termo culta tinha um peso

pejorativo em relação a quem não a usasse, que, então, adotaria uma

língua "inculta". Hoje, nós, os linguistas, gramáticos e filólogos, pre-

ferimos o termo "língua padrão".

E com relação ao livro didático "Por uma vida Melhor",

da Coleção Viver, Aprender, qual é o seu parecer?

A autora do livro pecou quando diz que, para se aprender uma

língua, a língua culta, é preciso que haja um local, um momento e

um material próprios. Ora, o livro didático não é nem o local, nem o

momento e nem o material próprio para se falar de língua popular.

Se o objetivo é a língua padrão, é a língua culta, a professora deve

abrir o espaço para falar da língua culta. A presença da língua popu-

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lar surge quando o professor estiver ensinando algo ou lendo um tex-

to em língua culta e aparecer um problema sobre um uso popular.

Até a presença do popular é vista com surpresa pela própria autora

do livro, que diz: "Você pode estar se perguntando: ‗Mas eu posso

falar ‗os livro?‘". E ela responde: "Claro que pode.". Essa frase indi-

ca surpresa da autora. Esse é o momento em que desapareceu o pro-

fessor de língua portuguesa e apareceu o linguista. A própria profes-

sora toma a iniciativa de colocar a dúvida no aluno. Ela só pode fazer

esse comentário se tiver na sala um aluno que diga "os livro". Mas se

o aluno diz "os livros"...

Qual é a diferença entre a postura do professor de língua

portuguesa e a do linguista?

O professor de língua portuguesa ensina a norma culta. O

aluno vem para escola aprender uma variedade de língua que, teori-

camente, não conhece. E o linguista é um técnico, aquele que estuda

a língua sem preocupações normativas, que estuda o funcionamento

da língua nas classes cultas, nas classes incultas. O linguista estuda

como funciona a língua portuguesa em São Paulo, sob o influxo do

Italiano; a língua portuguesa no Rio Grande do Sul, sob o influxo do

Espanhol; a língua portuguesa no Nordeste, sob o influxo da língua

que os portugueses trouxeram no século XVI para o Brasil na época

do descobrimento.

Diante da posição adotada pela autora do livro, pode-se

dizer que acabou o conceito de "certo" e "errado" em língua

portuguesa?

Não é que acabou; é que o "certo" e o "errado" dependem da

adequação e da inadequação do momento em que a língua é usada —

diz o linguista e diz muito bem, já que uma língua é um conjunto de

línguas funcionais. Mas a pessoa vai à escola para ascender social-

mente, para aprender e ser alguém na vida. A função da escola é

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promover um processo de aprendizagem para cima - e não para bai-

xo. É por isso que cito o linguista italiano Raffaele Simone: "A edu-

cação popular deixa o aprendiz na mesma condição em que está. E

só a boa educação linguística é que o fará ascender socialmente".

Corrigir o "falar errado" é uma manifestação do "pre-

conceito linguístico"?

Essa questão do "preconceito linguístico" foi algo que os so-

ciolinguistas trouxeram à discussão para estabelecer, na sociedade,

quem pode mais e quem pode menos. No entanto, esse preconceito

não tem mão única. Ele surge tanto da pessoa que fala a norma culta

em relação à norma popular, como aquele que fala a norma popular

em relação à norma culta. Porque o preconceito resulta da diferença

e a diferença não é só do mais para o menos, mas também do menos

para o mais. Hoje, de acordo com o "politicamente correto", não se

pode dizer o preto ou o negro. Porém, o negro diz do branco: "o

branco azedo". Então, o preconceito tem duas mãos.

E como ficam professores e alunos diante dessa polêmica

em torno do "preconceito linguístico"?

Hoje não faltam empregos no país. Faltam pessoas qualifica-

das, preparadas para ocupar as vagas de trabalho. Aprender exige um

esforço. Essa história de dizer que a escola deve ser risonha e franca

é apenas um convite para o estudo. Mas o estudo exige suor e lágri-

mas. Todos nós para chegarmos aonde estamos, trabalhamos. Não fi-

camos apenas em uma fila para ver o Paul McCartney; estudamos e

trabalhamos para conseguir o dinheiro para comprar o convite. O es-

tudo requer seriedade. E essa situação de "preconceito linguístico" é

tão incômoda quanto o "politicamente correto". Todo mundo está re-

clamando do "politicamente correto", tudo o que dizemos cai na

queixa ou na crítica do "politicamente correto".

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Na sua avaliação, qual é a consequência de adoção de mé-

todos como o do livro "Por uma vida melhor" no ensino de lín-

gua portuguesa?

Esse tipo de método ocasiona o que chamamos de "mesmice

idiomática". O estudante vai para a escola e esta não o enriquece em

seu padrão de instrução.

E o senhor teria outras críticas com relação ao polêmico

livro didático?

A maioria das pessoas ficou apenas nas duas frases com a

concordância errada. O texto apresentado, no mesmo capítulo, como

texto de língua escrita para interpretação "Migna terra", de Juó Ba-

nanére*, é escrito em um dialeto ítalo-português oral do início do sé-

culo passado. O texto tem expressões como "Migna terra tê parme-

ras,/Che ganta inzima o sabiá". Nós não damos para um aluno que

está aprendendo a ler um texto de Guimarães Rosa, porque ninguém

fala como Guimarães Rosa escreve. E a língua portuguesa de Guima-

rães Rosa é uma estilização, como Juó Bananére faz uma estilização

do italiano. E, nesse momento, percebemos que entrou o linguista no

lugar do professor de Português. A autora compara esse texto de Juó

Bananére, do qual ela faz excelente elogio, com a "Canção do Exí-

lio", de Gonçalves Dias, ressaltando a "postura ‗patriota‘ extrema-

mente sentimental presente no poema de Gonçalves Dias". Acredito

que em um livro didático devemos apresentar textos de língua pa-

drão, de língua culta, e não textos em um dialeto regional. Cornélio

Pires, por exemplo, é um autor que imita o idioma italiano, mas seu

texto é totalmente diferente do dialeto apresentado na obra.

E como o senhor analisa os exercícios presentes no livro?

Em alguns momentos, a autora leva o aluno a construir frases

como "encontram-no", "fizeram-no", que são formas muito elevadas

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para uma criança, um adolescente ou mesmo um adulto que está

dando os primeiros passos na língua culta. Ao mesmo tempo, apre-

senta exercícios com frases como "Comecei a trabalhá em um lugar

agradável" e "Passeei bastante antes de percebê que tava perdida",

para que o aluno as reescreva de forma correta.

Acredita que o simples fato de formas populares como es-

tas estarem registradas em um livro didático pode confundir os

alunos?

Claro. Mesmo porque ortografia, para o grande público, é

memória visual. O público escreve a palavra como a vê escrita. No

ensino da língua culta não há um estímulo para que os alunos falem

assim. Queremos que o aluno aprenda não apenas a escrever, mas a

falar a língua culta.

Como analisa a postura do MEC em manter a distribui-

ção da obra, que chegou a quase meio milhão de estudantes,

mesmo diante de tantas críticas?

O pobre do ministro Fernando Haddad delega poderes. A cul-

pa menor é do ministro. A culpa maior é das pessoas que o acompa-

nham e não tiveram o bom senso de evitar que Fernando Haddad en-

trasse nessa enrascada. Esses livros foram selecionados, não pelo

ministro Fernando Haddad, mas sim por uma comissão de professo-

res, que têm responsabilidades por isso. Aliás, o professor Marcos

Bagno disse uma coisa certa: esse enfoque sociolinguístico começou

na gestão do ministro Paulo Renato, do governo do PSDB. Essa

questão independe do fato de serem funcionários de Paulo Renato ou

de Fernando Haddad. A filosofia dos que escreveram os parâmetros

curriculares nacionais (PCNs) é a dos linguistas. Essa filosofia ultra-

passa governos; é muito válida no campo de trabalho dos linguistas,

mas nem muito válida, para não dizer pouco válida, no ensino de lín-

gua portuguesa.

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O senhor conhece a proposta de reconhecimento de um

"português brasileiro", defendida pelo professor Marcos Bagno?

A argumentação do professor da UnB procede? Por quê?

Monteiro Lobato dizia: "Assim como o português nasceu dos

erros do Latim, o ‗brasileiro‘ nascerá dos erros do português". Ora, é

degradante para um país nascer da miséria de outro. Certa vez, no

Colégio Pedro II, o professor Hermes Parente Fortes escreveu uma

tese para ingresso na instituição defendendo a existência de um "por-

tuguês brasileiro". E o professor Oiticica (José Oiticica), catedrático

de língua portuguesa, o examinou. O professor Oiticica disse a Her-

mes Parente Fortes: "eu vou passar a acreditar nessa tal de ‗língua

brasileira‘ quando o senhor traduzir para ‗brasileiro‘ a oração do Pai

Nosso. A característica de uma língua é a sua traduzibilidade. Se

mudamos uma palavra por outra, isso não é tradução. O Espanhol é

muito parecido com o Português. Mas é possível fazer a tradução

tanto do Espanhol para o Português como do Português para o Espa-

nhol. E que "língua brasileira" é essa, que quando se vai a Portugal

se entende tudo o que se fala — às vezes ocorrem dificuldades pelo

sotaque, mas não pela estrutura da língua. Podemos ler os jornais de

Portugal. Não traduzimos Eça de Queiroz, nem José Saramago.

Na sua avaliação, qual é a metodologia mais adequada pa-

ra o ensino de língua portuguesa?

Comecei a lecionar aos 18 anos e tenho 83 anos de idade. E

nunca saí de sala de aula. Hoje, dou aulas no curso de pós-graduação

de Ensino de Língua Portuguesa do Liceu Literário Português. O

professor Marcos Bagno diz que sou "francamente reacionário" no

ensino de língua portuguesa. Mas se fosse reacionário, minha gramá-

tica - "Moderna Gramática Portuguesa" - teria pernas curtas. O que

eu não sou, dentro de sala de aula, é linguista. Sou professor de lín-

gua portuguesa.

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A partir desse contato com os professores recém-formados

no curso de pós-graduação, qual é a sua impressão a respeito dos

cursos de formação de professores?

A formação dos professores é cada vez pior.

O livro do professor Marcos Bagno, por exemplo, é um

sucesso nos cursos de Letras e de Pedagogia?

O livro do professor Marcos Bagno faz sucesso porque se tra-

ta de um linguista passando a mão na cabeça de professores que não

sabem a língua. Então, os professores pensam: "eu não preciso ensi-

nar isso...". Tudo o que os linguistas brasileiros dizem não é produto

do seu pensamento linguístico, sua bibliografia é totalmente estran-

geira. Tudo o que dizem veio de fora, dos Estados Unidos, da Ingla-

terra, da Itália, da França. E, curiosamente, essas ideias defendidas

aqui não são as defendidas nos países de onde essas teorias vieram.

Ao consultarmos as gramáticas francesas, alemãs, inglesas, italianas,

espanholas, verificamos o contrário do que os linguistas brasileiros

dizem. O que os linguistas brasileiros pregam não representa um viés

linguístico, representa um viés ideológico porque, se não fosse as-

sim, isso estaria sendo aplicado em outros países. Isso estaria sendo

aplicado na Espanha, por exemplo, onde a Academia de Língua Es-

panhola acabou de editar a Nova Gramática da Língua Espanhola —

dois volumes somando quase quatro mil páginas.

* Juó Bananére é o pseudônimo literário de Alexandre Ribei-

ro Marcondes Machado, que nasceu em Pindamonhangaba (SP) em

1892 e morreu em 1933. Machado passou a infância no interior pau-

lista e em 1917 formou-se engenheiro pela Faculdade Politécnica da

Universidade de São Paulo. Empregando uma linguagem toda espe-

cial, escrevia sátiras em algumas revistas e parodiava poetas conhe-

cidos, como Olavo Bilac e Camões, além de satirizar políticos da

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época. Seus poemas foram reunidos no livro La divina increnca, pu-

blicado em 1924. (Nota do editor).

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POLÊMICA DO LIVRO DIDÁTICO

EM DEFESA DE UM PORTUGUÊS BRASILEIRO NAS ES-

COLAS

24/05/2011

Alessandra Bizoni/[email protected]

Escritor, tradutor, linguista e professor da Universidade de

Brasília (UnB), Marcos Bagno milita, há décadas, contra o "precon-

ceito linguístico" no Brasil e foi o primeiro especialista a sair em de-

fesa dos autores do livro "Por uma vida melhor", da Coleção Viver,

Aprender — o livro didático de Língua Portuguesa mais debatido no

país nos últimos tempos, cuja responsabilidade pedagógica é da or-

ganização não governamental Ação Educativa.

Se para diversos segmentos da sociedade, a atitude de regis-

trar em um livro didático a construção "nós pega o peixe" representa

um massacre à Língua Portuguesa ou revela um posicionamento de-

magógico e falacioso com relação à educação destinada às classes

populares, para Marcos Bagno tal orientação pedagógica simples-

mente reconhece as variantes populares da Língua Portuguesa fala-

das no Brasil há mais de 200 anos.

Para o escritor, o alarde em torno da abordagem presente na

obra, que conta com o aval do Ministério da Educação (MEC), de-

monstra o enorme "preconceito linguístico" de nossa sociedade. Au-

tor premiado na área acadêmica e também na Literatura, o professor

da UnB investiga há décadas os fenômenos da sociolinguística.

Em 1999, com a publicação de "Preconceito linguístico: o que

é, como se faz" (Ed. Loyola), Marcos Bagno se transformou em refe-

rência nos cursos de Letras e de Pedagogia de todo o Brasil, que ado-

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tam a obra como marco teórico na formação dos futuros professores

de Língua Portuguesa.

No ano seguinte, publicou "Dramática da Língua Portugue-

sa", fruto de sua tese de doutorado defendida na Universidade de São

Paulo (USP). Em sua pesquisa, apontou discrepâncias entre a língua

realmente utilizada pelos brasileiros e a norma-padrão veiculada pe-

las gramáticas tradicionais, pelos livros didáticos e pela mídia.

Seu posicionamento de vanguarda se consolidou em 2009,

com a publicação de "NÃO É ERRADO FALAR ASSIM! Em defe-

sa do português brasileiro" (Parábola), obra em que defende aberta-

mente o reconhecimento do "português brasileiro".

E Marcos Bagno não está sozinho em sua luta pelo reconhe-

cimento de formas alternativas do uso de língua portuguesa. No úl-

timo dia 20, a Associação Brasileira de Linguística (Abralin) e a As-

sociação de Linguística Aplicada do Brasil (Alab) publicaram nota

em que condenam a cobertura de veículos de imprensa sobre livro da

Coleção Viver, Aprender.

Passadas algumas semanas da divulgação de trechos como

"nós pega o peixe" ou "Os livro ilustrado mais interessante estão

emprestado", a polêmica ainda está longe de terminar. A centenária

Academia Brasileira de Letras (ABL), por exemplo, por meio de no-

ta oficial, condenou tanto a obra quanto a postura do Ministério da

Educação (MEC) ao distribuí-la para as redes públicas de todo o pa-

ís.

Para enriquecer o debate em torno da questão, a FOLHA DI-

RIGIDA procurou o professor Marcos Bagno, que fez a pioneira de-

fesa do livro "Por uma vida melhor" no artigo "Polêmica ou ignorân-

cia? Discussão sobre livro didático só revela ignorância da grande

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imprensa", artigo disponível na página eletrônica do educador

(www.marcosbagno.com.br).

Concedida por "e-mail" (ou seria mais adequado correio ele-

trônico?), o depoimento aqueceu ainda mais o debate sobre as dire-

trizes para o ensino de Língua Portuguesa no país. Além de propor a

legitimidade de um "português brasileiro", o escritor critica a ABL,

recomenda o engavetamento da Nomenclatura Gramatical Brasileira

(NGB), documento regulador do ensino programático da Língua Por-

tuguesa, e atribui o enfoque da cobertura em torno do caso a convic-

ções políticas contrárias àquelas adotadas pelo Governo Federal.

FOLHA DIRIGIDA - O senhor foi uma das poucas vozes,

com exceção de representantes do Ministério da Educação

(MEC), a sair em defesa do livro didático "Por uma vida Me-

lhor", da Coleção Viver, Aprender, no qual formas usuais da

linguagem popular como "os menino pega o peixe" são aponta-

das como alternativas de uso da Língua Portuguesa. O senhor

defende os autores do livro? Por quê?

Marcos Bagno - Eu não fui uma das poucas vozes, fui talvez

a primeira a me manifestar contra essa falsa polêmica que só revela a

desinformação total dos meios de comunicação no que diz respeito à

política de ensino de língua hoje no Brasil. Outras pessoas se mani-

festaram também, como a Associação Brasileira de Linguística

(Abralin), que reúne mais de quatro mil especialistas da área, a pro-

fessora Stella Maris Bortoni-Ricardo, pioneira nos estudos de socio-

linguística educacional entre nós, o professor Sirio Possenti da Uni-

versidade de Campinas (Unicamp), o antropólogo Maurício Érnica e

a professora Maria Alice Setúbal, do Cenpec, uma ONG que trabalha

há muito tempo com educação. Podemos dizer que os linguistas e

educadores em peso estão do lado dos autores do livro "Por uma vida

melhor", porque sabem que o que aparece nesse livro não é nenhuma

novidade. Ele só causa surpresa para os que ignoram o que se passa

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na educação brasileira. Há mais de 15 anos que todos os livros didá-

ticos de português abordam o fenômeno da variação linguística como

porta de entrada para a conscientização de que não existem formas

"erradas" de falar, mas tão somente formas diferentes, das quais se

selecionou um conjunto muito restrito para compor a norma-padrão.

A partir daí, todos esses livros mostram a importância de todos os

aprendizes dominarem ‗também‘ as formas de prestígio, para que

possam se integrar plenamente na cultura letrada. Parece que a difi-

culdade da mídia é entender o que significa a palavra ‗também‘.

O simples fato de frases como "os menino pega o peixe"

constarem em um livro didático foi suficiente para chocar pro-

fessores e diversos segmentos da sociedade. Para o senhor, o que

desencadeou tal reação?

Nenhuma professora ou professor bem formado se chocou

com essa situação porque sabem que o tratamento da variação lin-

guística não é novidade nos materiais de formação docente. Os seg-

mentos da sociedade que se escandalizaram com o fato só se escan-

dalizaram por causa do escândalo sem fundamento e, repito, ignoran-

te promovido pela mídia.

Na sua avaliação, em que contexto essas frases são apre-

sentadas na obra? Com que objetivo? A avaliação do ministro

Haddad, de que as críticas foram feitas por pessoas que não le-

ram o livro, procede?

Em todos os livros didáticos de português disponíveis hoje,

no mercado brasileiro, aparecem lições como a do livro "Por uma vi-

da melhor", como preparação para introduzir os aprendizes ao mun-

do letrado e às normas urbanas de prestígio. O ministro tem toda a

razão: 99,9% das pessoas que têm falado do assunto não viram nem

de longe a cor do livro e falam por ter ouvido falar, o que é uma le-

viandade, principalmente por parte da mídia.

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Por outro lado, o simples fato de a frase constar em um li-

vro didático não causa confusão entre os estudantes?

Não, de modo algum. A abordagem da variação linguística

tem se revelado extremamente frutífera em sala de aula para que as

pessoas entendam que seu modo de falar é lógico, coerente, tem uma

gramática própria. Com isso, cria-se um ambiente pedagógico mais

acolhedor que propicia o interesse dos estudantes pelo acesso às de-

mais maneiras de falar e de escrever.

A imprensa mostrou-se despreparada ao abordar o tema,

ou, propositalmente, optou por alimentar essa polêmica?

As duas coisas: a imprensa se revelou, como sempre, ignoran-

tíssima a respeito de questões linguísticas. E com base nessa igno-

rância criou a polêmica para tirar proveito político. Como a grande

mídia brasileira é comprometida até a medula com as classes domi-

nantes e odeia o PT, os jornalistas acharam que poderiam aproveitar

o tema para atacar o governo. No entanto, a abordagem da variação

linguística é proposta desde, pelo menos, 1997, quando o MEC sob a

gestão de Paulo Renato Souza, tucaníssimo, publicou os Parâmetros

Curriculares Nacionais, documentos que advogam por uma educação

mais democratizadora e menos autoritária.

A Academia Brasileira de Letras divulgou em nota oficial,

que foi publicada na imprensa, inclusive pela FOLHA DIRIGI-

DA: "todas as feições sociais do nosso idioma constituem objeto

de disciplinas científicas, mas bem diferente é a tarefa do profes-

sor de Língua Portuguesa, que espera encontrar no livro didático

o respaldo dos usos da língua padrão que ministra a seus discí-

pulos, variedade que eles deverão conhecer e praticar no exercí-

cio da efetiva ascensão social que a escola lhes proporciona". O

senhor concorda com o posicionamento dos acadêmicos diante

da questão? Por quê?

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Não concordo com nada que venha da Academia Brasileira de

Letras (ABL) porque, na minha opinião, essa entidade simplesmente

nem deveria existir. Ela não serve para absolutamente nada, não tem

nenhum impacto em nossa vida social e cultural e só serve para gas-

tar dinheiro público. Esses 40 senhores e senhoras não têm nada a

dizer sobre ensino porque não atuam na área. A única exceção é o

professor Evanildo Bechara, gramático respeitável, mas que, infe-

lizmente, é francamente reacionário quando a questão é ensino de

língua.

Como o senhor define o "preconceito linguístico" e de que

forma ele ocorre em nossa sociedade? O preconceito linguístico

está atrelado ao preconceito social? Por quê?

O preconceito linguístico é, na verdade, um disfarce para um

preconceito que é, no fundo, social. Hoje em dia não ‗pega bem‘ dis-

criminar uma pessoa por ser mulher, negra, pobre, deficiente físico e

até mesmo homossexual, mas nossa sociedade hierarquizada e tradi-

cionalmente autoritária precisa de uma arma para discriminar e ex-

cluir. Por isso, o preconceito linguístico é tão eficiente: ninguém se

escandaliza quando alguma pessoa repete os mitos de que "brasileiro

fala tudo errado", "a língua portuguesa está em ruínas" e outras bes-

teiras do tipo. Da extrema esquerda à extrema direita, todo mundo

acredita nessas superstições.

Quais metodologias de ensino de Língua Portuguesa o se-

nhor defende em seu livro "NÃO É ERRADO FALAR ASSIM!

Em defesa do português brasileiro"?

Uma metodologia muito simples: parar de lutar contra o por-

tuguês brasileiro, que é a nossa língua materna, e aceitar sem susto as

formas linguísticas que são características dele e que constituem a

nossa gramática intuitiva. Mostrar que ao lado das formas clássicas,

padronizadas, ‗também‘ existem formas novas que já estão em uso

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há pelo menos 200 anos. Que é certo dizer ‗os óculos‘ e também ‗o

óculos‘, ‗assisti ao filme‘ e também ‗assisti o filme‘. Não é nada de

radical. É simplesmente reconhecer que o que existe... existe!

Quais repercussões a obra teve no meio acadêmico e entre

os profissionais que atuam na Educação Básica?

Não sei dizer. Como ela foi lançada recentemente, ainda não

posso avaliar. Mas acredito que terá a mesma boa recepção que meus

outros livros têm merecido.

Recentemente, o Brasil assinou um acordo ortográfico

com a comunidade dos países de Língua Portuguesa. O senhor

acredita que deveria haver alguma iniciativa similar no que diz

respeito às regras gramaticais? De que forma esse processo de-

veria ser conduzido?

Não se pode confundir ortografia com gramática. A ortografia

não faz parte da língua, é um mero sistema representacional para re-

gistrar a língua falada. As regras gramaticais são múltiplas e variá-

veis, estão em constante mudança, não é possível submetê-las a uma

padronização semelhante à da ortografia. Por isso, uma atitude mais

sensata é abandonar a ideia de normatização e aceitar a ideia de vari-

abilidade gramatical.

Ainda hoje, o ensino programático da Língua Portuguesa

é baseado na Nomenclatura Gramatical Brasileira (NGB), apro-

vada em 1959. O senhor acredita que é preciso fazer uma revisão

da NGB? Por quê? E dentro de qual orientação?

A NGB já devia estar no museu há muito tempo. Ela foi pro-

duzida antes da introdução da ciência linguística nas universidades

brasileiras. Está repleta de equívocos que só atrapalham o ensino.

Não é preciso criar uma nomenclatura unificada porque cada escola

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de pensamento linguístico promove análises diferentes dos fenôme-

nos da linguagem e, por isso, cada escola precisa criar e definir seus

próprios termos. Como não é preciso ensinar nomenclatura gramati-

cal na escola, a NGB pode ser abandonada para sempre.

Como o senhor avalia o uso de manuais de estilo de gran-

des editoras como referência para escrita de estudantes e profes-

sores?

Um perfeito desastre. Esses manuais se mostram muitas vezes

mais conservadores e autoritários do que as boas gramáticas norma-

tivas. A prova de sua ineficácia é que, pesquisando a escrita jornalís-

tica, é possível ver que os redatores desobedecem alegremente as

prescrições rígidas desses manuais.

Alguns desses manuais, por exemplo, já indicam a mesó-

clise (dar-te-ei), por exemplo, como construção ultrapassada.

Eles estão no caminho certo? Por quê?

O caso da mesóclise é uma exceção que confirma a regra, e a

regra é a prescrição mais autoritária do que a das boas gramáticas

normativas. O que esses manuais dizem, por exemplo, sobre regência

verbal, voz passiva e outros aspectos da gramática é extremamente

conservador.

Participe!

Concorda com a análise feita pelo professor Marcos Bagno?

Envie sua opinião para o e-mail alessan-

[email protected]

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POLÊMICA DO LIVRO DIDÁTICO

MURILO MELO REBATE CRÍTICAS FEITAS À ABL

26/11/2011

Segundo-secretário da Academia Brasileira de Letras (ABL),

Murilo Melo Filho é categórico ao afirmar que a instituição se man-

tém sem o auxílio de quaisquer recursos públicos. A ABL, informa o

acadêmico, se mantém com os recursos do aluguel das salas do pré-

dio de 33 andares, localizado na Avenida Presidente Wilson, área

nobre no Centro financeiro da cidade do Rio de Janeiro.

"Felizmente, não recebemos um centavo de dinheiro público

nem municipal, nem estadual e nem federal, o que nos garante a li-

berdade de não depender do Governo para nada, ao contrário de ou-

tras academias, como a Academia Francesa ou a Academia Portu-

guesa, que precisam de ajuda dos governos para sobreviverem. Vi-

vemos com o dinheiro vindo do aluguel desse prédio de 33 andares,

localizado ao lado da nossa sede", informou o segundo-secretário da

ABL.

As críticas à Academia foram feitas pelo professor Marcos

Bagno, da Universidade de Brasília (UnB), e publicadas no Caderno

de Educação da edição de nº 1.953 da FOLHA DIRIGIDA, que fica

nas bancas até segunda, dia 30. Na entrevista "Em defesa de um por-

tuguês brasileiro nas escolas", o professor da UnB defendeu os auto-

res do livro "Por uma vida melhor", da Coleção Viver, Aprender —

foco de uma intensa polêmica acerca do uso de variantes populares

da Língua Portuguesa — e criticou fortemente a ABL, que pediu a

retirada do livro das escolas.

"Não concordo com nada que venha da Academia Brasileira

de Letras (ABL) porque, na minha opinião, essa entidade simples-

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mente nem deveria existir. Ela não serve para absolutamente nada,

não tem nenhum impacto em nossa vida social e cultural e só serve

para gastar dinheiro público. Esses 40 senhores e senhoras não têm

nada a dizer sobre ensino porque não atuam na área. A única exceção

é o professor Evanildo Bechara, gramático respeitável, mas que, in-

felizmente, é francamente reacionário quando a questão é o ensino

de língua", declarou Marcos Bagno.

Outro ponto contestado por Murilo Melo Filho - que garante

que a ABL conserva suas contas, inclusive encargos trabalhistas, ri-

gorosamente em dia - diz respeito à participação da ABL na vida so-

cial e cultural do Brasil que, segundo o acadêmico, é bastante intensa

até mesmo em função da diversificada programação de eventos da

instituição.

"Basta frequentar a nossa casa para ver como trabalhamos in-

tensamente, principalmente na última década. Não há um dia da se-

mana que não tenhamos algo em nossa programação. Temos o teatro

Arlindo Magalhães Júnior, onde apresentamos peças teatrais e confe-

rências. Realizamos duas palestras por semana. Também prestamos

outros serviços à sociedade, como elaboração do Vocabulário da

Língua Portuguesa, por exemplo, com 600 mil verbetes. Foi-se o

tempo em que a Academia era uma instituição fechada, não se abria

para a sociedade", argumentou o membro da ABL, ressaltando que

nesta quinta, 26, a ABL promove uma conferência sobre Cangaço e

Literatura, que contará com a presença de uma neta de Lampião.

Nesse sentido, o segundo-secretário assinalou que a ABL rea-

liza o programa de visitas-guiadas, que traz à casa, às segundas,

quartas e sextas-feiras, estudantes das redes públicas, muitos dos

quais, oriundos das classes populares. "Machado de Assis era gago,

epilético e morava em uma favela. E através da cultura e da leitura,

ele fundou nossa Academia há 113 anos", declarou o escritor.

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Murilo Melo Filho também saiu em defesa de seu colega

Evanildo Bechara que classificou como um "defensor fanático da

Língua Portuguesa". Dentro desse contexto, ressaltou que a principal

função da ABL é o cultivo da Língua Portuguesa e da literatura naci-

onal.

E, com relação à polêmica em torno do livro "Por uma vida

melhor", da Coleção Viver, Aprender, o acadêmico salientou que o

apoio à condenação pública do uso da obra e de sua distribuição pelo

Ministério da Educação (MEC) feita pela ABL, em nota oficial. Di-

versos segmentos da sociedade, esclareceu Murilo Melo Filho,

aplaudiram a atitude da ABL.

"Em todo o Brasil, o livro chegou a 4.236 escolas, atingindo

quase meio milhão de estudantes, através do Programa Nacional do

Livro Didático, Ele aconselha o uso da linguagem popular, com a

adoção de erros gramaticais grosseiros, como a expressão ‗nós pega

o peixe‘. E o MEC informou que continuará adotando esses livros, o

que confere uma chancela à publicação. O livro deixa dúvidas entre

os estudantes sobre o que é certo ou errado. Felizmente, a opinião

pública de todo o país apoiou a nossa posição. A população ficou in-

dignada", completou o acadêmico, ressaltando que a crítica do pro-

fessor da UnB é uma voz minoritária.

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MEC DISTRIBUI LIVRO

QUE ACEITA ERROS DE PORTUGUÊS

Plantão | Publicada em 14/05/2011 às 09h28m

O Globo

BRASÍLIA - O Programa Nacional do Livro Didático, do

Ministério da Educação (MEC), distribuiu a cerca de 485 mil estu-

dantes jovens e adultos do ensino fundamental e médio uma publica-

ção que faz uma defesa do uso da língua popular, ainda que com in-

correções. Para os autores do livro, deve ser alterado o conceito de se

falar certo ou errado para o que é adequado ou inadequado. Exem-

plo: "Posso falar 'os livro'?' Claro que pode, mas dependendo da situ-

ação, a pessoa pode ser vítima de preconceito linguístico" - diz um

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dos trechos da obra "Por uma vida melhor", da coleção "Viver,

aprender".

Outras frases citadas e consideradas válidas são "nós pega o

peixe" e "os menino pega o peixe". Uma das autoras do livro, Heloi-

sa Ramos afirmou, em entrevista ao "Jornal Nacional", da Rede Glo-

bo, que não se aprende a língua portuguesa decorando regras ou pro-

curando palavras corretas em dicionários.

- O ensino que a gente defende é um ensino bastante plural,

com diferentes gêneros textuais, com diferentes práticas de comuni-

cação para que a desenvoltura linguística aconteça - disse Heloisa

Ramos.

Em nota encaminhada ao "Jornal Nacional", o Ministério da

Educação informou que a norma culta da língua será sempre a exigi-

da nas provas e avaliações, mas que o livro estimula a formação de

cidadãos que usem a língua com flexibilidade. O propósito também,

segundo o MEC, é discutir o mito de que há apenas uma forma de se

falar corretamente. Ainda segundo o ministério, a escrita deve ser o

espelho da fala.

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IMORTAL DA ABL

TAMBÉM CRITICA A CARTILHA

Publicada em 16/05/2011 às 09h43m

O Globo

RIO - A escritora Ana Maria Machado, imortal da Academia Brasi-

leira de Letras (ABL), foi outra a desaprovar o livro:

- Custo a crer que seja exatamente isso que a notícia traz, descontex-

tualizado. Se for, é um absurdo total. Equivale a pretender aceitar

que dois mais dois possam ser cinco, com a "boa intenção" de derru-

bar preconceitos aritméticos. Para evitar a noção de "errado", prefe-

re-se, então, esse paternalismo condescendente de não corrigir.

PROFESSORES CONDENAM:MEC lava as mãos no caso dos li-

vros com erros

Para ela, pode haver "malabarismos linguísticos", mas dentro de um

contexto:

- Com isso, consolida-se outro conceito, o de "coitadinho", tão per-

nicioso e tão prejudicial ao pleno desenvolvimento dos cidadãos. É

claro que qualquer um pode cometer todos os barbarismos linguísti-

cos que quiser, mas deve saber que eles só se sustentam dentro de

um contexto (um autor que reproduza a fala popular, por exemplo) e

têm um preço social.

" É um absurdo. O ensino já está tão ruim. Trata-se de um in-

centivo ao desvio da norma "

Ela ressalta, porém, que a escola deve ajudar o cidadão a ser poliglo-

ta da própria língua:

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- A escola deve ajudar o cidadão a se tornar um poliglota em sua

própria língua, capacitando-o a utilizar registros diversos de lingua-

gem em circunstâncias diferentes.

O professor Sérgio Nogueira também não concorda com o tratamen-

to adotado nos livros distribuídos pelo MEC:

- É um absurdo. O ensino já está tão ruim. Trata-se de um incentivo

ao desvio da norma. Acham que o aluno é incapaz de aprender con-

cordância. Existem variantes na nossa língua. Só que todos terem de

aceitar é uma outra história.

Segundo o ministério, a escolha dos livros didáticos não passa pelo

crivo dos gestores públicos. A indicação é feita por universidades a

partir de ofertas das editoras em licitações públicas. As universidades

fazem a seleção com base na análise de livros sem capa e sem identi-

ficação de origem. Com a indicação, os livros vão para o catálogo do

ministério. Mas o livro só é comprado e distribuído se algum profes-

sor se interessar pelo texto e fizer o pedido ao Programa Nacional do

Livro Didático.

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MEC LAVA AS MÃOS

NO CASO DOS LIVROS COM ERROS

Publicada em 16/05/2011 às 09h43m

Cássio Bruno

RIO - O Ministério da Educação informou que não se envol-

verá na polêmica sobre o livro com erros gramaticais distribuído pelo

Programa Nacional do Livro Didático , do próprio MEC, a 485 mil

estudantes jovens e adultos. O livro "Por uma vida melhor", da pro-

fessora Heloísa Ramos, defende uma suposta supremacia da lingua-

gem oral sobre a linguagem escrita, admitindo a troca dos conceitos

"certo e errado" por "adequado ou inadequado". A partir daí, frases

com erros de português como "nós pega o peixe" poderiam ser con-

sideradas corretas em certos contextos.

LIVRO COM ERROS:Imortal da ABL também critica a

cartilha

- Não somos o Ministério da Verdade. O ministro não faz

análise dos livros didáticos, não interfere no conteúdo. Já pensou se

tivéssemos que dizer o que é certo ou errado? Aí, sim, o ministro se-

ria um tirano - afirmou ontem um auxiliar do ministro Fernando

Haddad, pedindo para não ser identificado.

" O ministro não faz análise dos livros didáticos, não interfere

no conteúdo "

Escritores e educadores criticaram ontem a decisão de distri-

buir o livro, tomada pelos responsáveis pelo Programa Nacional do

Livro Didático. Para Mírian Paura, professora do Programa de Pós-

graduação em Educação da Uerj, as obras distribuídas pelo MEC de-

veriam conter a norma culta:

- Não tem que se fazer livros com erros. O professor pode fa-

lar na sala de aula que temos outra linguagem, a popular, não erudita,

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como se fosse um dialeto. Os livros servem para os alunos aprende-

rem o conhecimento erudito.

Na obra "Por uma vida melhor", da coleção "Viver, apren-

der", a autora afirma num trecho: "Posso falar 'os livro?' Claro que

pode, mas dependendo da situação, a pessoa pode ser vítima de pre-

conceito linguístico." Em outro, cita como válidas as frases: "nós pe-

ga o peixe" e "os menino pega o peixe".

Autor de dezenas de livros infantis e sobre Machado de Assis,

o escritor Luiz Antônio Aguiar também é contra a novidade:

- Está valendo tudo. Mais uma vez, no lugar de ensinar, vão

rebaixar tudo à ignorância. Estão jogando a toalha. Isso demonstra

falta de competência para ensinar.

Segundo ele, o que estabelece as regras é a gramática.

- Imagina um jogo de futebol sem as linhas do campo. Como

vão jogar futebol sem saber se a bola vai sair ou não? O que deter-

mina as regras é a gramática. Faltam critérios. É um decréscimo da

capacidade de comunicação - observou Aguiar, também professor do

curso "Formação de leitores e jovens leitores", da Secretaria munici-

pal de Educação.

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O PROJETO 'POLITICAMENTE CORRETO' DE PAÍS

Publicada em 18/05/2011 às 16h30m

É por si só assustador que o ministério denominado de Edu-

cação aprove um livro didático que admita erros de português, e se

recuse a recolhê-lo. As entranhas desta história, porém, são até mais

graves. A autora do desatino, Heloísa Ramos, tem uma justificativa

articulada para admitir, em livro a ser usado em sala de aula, erros

toscos de concordância verbal. Em vez de "certo" e "errado", a auto-

ra usa os adjetivos "adequada" e "inadequada" para qualificar a gra-

mática utilizada, a depender do ambiente social de cada um.

A explicação enviesada serve de pista para a origem do ab-

surdo. Este atentado à educação pública brasileira, considerada por

unanimidade o maior empecilho a que o país atinja um estágio supe-

rior de desenvolvimento e se mantenha nele, se assenta numa visão

ideológica da sociedade alimentada pela "mitologia do excluído", li-

gada à "síndrome da tutela estatal". Todo aquele considerado "exclu-

ído" da sociedade precisa de um tratamento especial - de acordo -, a

lhe ser concedido por um Estado que tudo sabe e toma decisões su-

postamente corretas para resgatar pessoas da exclusão. Aqui estão os

problemas.

É por ser um projeto estruturado, de raízes bem fincadas em

Brasília nestes últimos oito anos, que o MEC se curva à escolha do

livro sob a alegação de que ele passou pelo crivo de professores uni-

versitários. Ora, que seja. O MEC não pode admitir qualquer materi-

al didático, em nome do que for, com erro. "Nós pega o peixe" está

tão errado quanto dizer que a soma de 2 + 2 é igual a 5. Deriva desta

mesma mitologia do excluído o projeto, também engendrado no

MEC, de fechar espaços de excelência há gerações a serviço do ensi-

no de crianças com deficiências auditivas e visuais. Por esta ideolo-

gia deformada, os alunos estão sendo "excluídos" da sociedade, ao

terem um adequado atendimento especial. Mas é o contrário: fecha-

dos esses espaços (no Instituto Nacional de Educação de Surdos/Ines

e no Instituto Benjamin Constant/IBC), estará, aí sim, decretada a

marginalização dos portadores de necessidades especiais. É caracte-

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rística desta cultura do politicamente correto produzir projetos com

sérios efeitos colaterais. Um aluno que imagina poder atropelar as

regras de concordância será condenado a empregos de baixa remune-

ração. Crianças com problemas físicos, sem professores e escolas

preparados para elas, estarão de fato excluídas da sociedade.

Outro fruto legítimo deste projeto politicamente correto de

país são as cotas raciais, em que o mérito fica em segundo plano, e

toda a população branca de baixa renda terá barrado o acesso ao en-

sino superior. Ou, no mínimo, bastante dificultado. Por trás de tudo

está o entendimento de que cabe a um Estado forte, onipresente, ze-

lar pela sociedade - mesmo que ela não queira. Decorre da síndrome

da tutela estatal, num exemplo recente, a lei que estabelece a bizarra

norma de roupas de baixo femininas e masculinas virem com etique-

tas de alertas para cuidados com a saúde. A mesma síndrome é res-

ponsável por tentativas ilegais da Anvisa de censurar peças publicitá-

rias (apenas lei aprovada no Congresso tem este poder). Até layout

de farmácia foi regulamentado para evitar a "automedicação" (?!). O

livro de português com erros não é portanto algo isolado. Apenas se

trata de um caso mais escabroso, decorrente da influência do politi-

camente correto em Brasília.

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CRÍTICOS ADOTAM 'VIÉS FASCISTA', DIZ HADDAD

Em audiência no Senado, ministro da Educação reclama que

críticas a livro foram feitas sem que ele tenha sido lido

01 de junho de 2011 | 10h 49

Rafael Moraes Moura

Os críticos do livro Por uma Vida Melhor – que defende que a

fala popular, dependendo do contexto, é mais adequada na tentativa

de estabelecer comunicação – adotam "postura fascista", disse na

manhã de ontem o ministro da Educação, Fernando Haddad.

"Há uma diferença entre o Hitler e o Stalin que precisa ser

devidamente registrada. Ambos fuzilavam seus inimigos, mas o Sta-

lin lia os livros antes de fuzilá-los. Ele lia os livros, essa é a grande

diferença. Estamos vivendo, portanto, uma pequena involução. Es-

tamos saindo de uma situação stalinista e agora adotando uma postu-

ra mais de viés fascista, que é criticar um livro sem lê-lo", disse

Haddad, em audiência da Comissão de Educação, Cultura e Esporte

do Senado.

Professores da Universidade Federal do Rio Grande do Norte

(UFRN) aprovaram a obra, distribuída pelo Programa Nacional do

Livro Didático para a Educação de Jovens e Adultos (PNLD-EJA)

do Ministério da Educação (mais informações nesta página).

No primeiro capítulo, Escrever É Diferente de Falar, a educa-

dora Heloísa Ramos lembra que, caso deixem de usar a norma culta,

os alunos podem sofrer "preconceito linguístico". "Muita gente diz o

que se deve e o que não se deve falar e escrever, tomando as regras

estabelecidas para a norma culta como padrão de correção de todas

as formas linguísticas." O texto afirma que "a língua é um instrumen-

to de poder", por isso a norma culta seria chamada dessa forma, "por

uma questão de prestígio".

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Em nota enviada pelo MEC, a autora diz que "importante é

chamar a atenção para o fato de que a ideia de correto e incorreto no

uso da língua deve ser substituída pela ideia de uso da língua ade-

quado e inadequado, dependendo da situação comunicativa".

Em revista, autora defende a norma culta da língua

Em sua coluna na edição de maio da revista Nova Escola

(Editora Abril), Heloísa Ramos, educadora e autora do capítulo Es-

crever É Diferente de Falar do livro Por uma Vida Melhor, defende

que os professores exibam o domínio da norma culta do português.

"É inadmissível um professor escrever errado, independentemente da

disciplina que leciona. O professor deve sempre ser um modelo para

seus alunos."

PARA ENTENDER

Livro distingue fala de escrita

Em meados de maio, a notícia de que um livro que "defende-

ria erros de português" foi distribuído pelo Ministério da Educação a

484.195 jovens e adultos que estudam em 4.236 escolas públicas do

País gerou discussão.

O capítulo considerado polêmico por leigos, mas aceito por

linguistas – ele foi aprovado por professores da Universidade Federal

do Rio Grande do Norte –, afirma que "a língua escrita não é o sim-

ples registro da fala" e explicita as diferenças no aprendizado de am-

bas, já que se aprende a falar de forma espontânea, mas escrever exi-

ge ensino formal.

O texto também chama atenção para diferenças regionais e

também de classe, fazendo distinção entre "norma culta" e "norma

popular". A autora defende "que o falante de português domine as

duas variedades e escolha a que julgar adequada à sua situação de fa-

la". Ela também cita artistas que registraram a norma popular em su-

as obras, como o escritor Juó Bananére e o compositor Adoniran

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Barbosa. Entretanto, a Defensoria Pública da União no Distrito Fede-

ral entrou com uma ação para que a obra seja recolhida.

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CASO DO LIVRO COM ERRO DE PORTUGUÊS

VAI PARAR NA JUSTIÇA FEDERAL

Jornal do Brasil Anna Ramalho

O juiz Luiz Roberto Ayoub, da 1ª Vara Empresarial da Capi-

tal, no Rio de Janeiro, determinou nesta quinta-feira, dia 26, a remes-

sa para uma vara da Justiça Federal da ação civil coletiva contra a

edição de livros didáticos com erros de português.

Segundo Ayoub, "a questão é de extrema relevância, sensível

e delicada" e, antes de ser examinada, é preciso analisar de quem é a

competência para decidir, uma vez que a adoção do material decor-

reu de um ato governamental da União, dentro de uma política públi-

ca que pretendeu respeitar a integração cultural diversificada do país.

A ação foi proposta pela Comissão de Defesa do Consumidor

da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj) contra

a Global Editora e Distribuidora Ltda.

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ALERJ ENTRA COM AÇÃO CONTRA EDITORA

DO PO ÊM C VR QUE „M TR T ‟ P RTUGUÊS

Jornal do Brasil

Por considerar nocivo aos alunos o livro didático ―Por uma

vida melhor: Educação de Jovens e Adultos‖, cuja proposta pedagó-

gica defende o uso da linguagem popular - casos como ‗nós pega o

peixe‘, ‗os menino pega o peixe‘, ‗os livro‘, ‗os livro mais interes-

sante‘, entre outros -, a Comissão de Defesa do Consumidor da Alerj

entrou com ação coletiva de consumo no fim da tarde desta sexta-

feira, 20 de maio, contra a Editora Global, responsável pela distri-

buição da publicação. A Comissão pede que seja proibida a comerci-

alização do livro e retirados do mercado os exemplares que, por ven-

tura, já foram vendidos. Foi requerida, também, indenização por da-

nos morais coletivos – ação ajuizada na 1ª Vara Empresarial do Tri-

bunal de Justiça do Estado do Rio.

O objetivo do livro, que motivou o Ministério da Educação a

adotá-lo nas escolas públicas, foi o de combater a discriminação lin-

guística. Mas, no entender da Defesa do Consumidor da Alerj, apesar

da aparente boa intenção da editora, a proposta pedagógica levará, no

futuro, a consequências danosas milhares de alunos em todo o País.

Como exemplos, podem ser citados os concursos públicos, em que se

exige regras oficiais da língua portuguesa; as entrevistas de emprego,

nas quais o português bem falado tem grande relevância; a prova do

Enem, que adota as normas do português oficial, os vestibulares...

―É inaceitável que um fornecedor de material ligado à educa-

ção, sob o pretexto de acabar com a discriminação linguística, impo-

nha, deliberadamente, sem a participação popular, a modificação da

língua oficial falada e escrita de um País. Como uma editora pode

classificar como didático um material que tão-somente representa o

entendimento pessoal de seus autores sobre uma questão social rele-

vante e que merece um debate profundo e longo?‖, questiona a pre-

sidente da Comissão de Defesa do Consumidor da Alerj, deputada

Cidinha Campos.

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A proposta pedagógica da editora, segundo Cidinha, está na

contramão das atuais transformações, pois o Brasil participa de um

processo de uniformização mundial da língua portuguesa.

―Esse livro, caso não seja retirado do mercado, vai acentuar

ainda mais as desigualdades sociais. O acesso às universidades e fa-

culdades, e aos empregos públicos e particulares, ficará mais longe

do alcance daqueles que a editora e os autores da obra pretendem de-

fender‖, ressaltou a deputada.

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NOTA PÚBLICA

30/05/2011

A Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em

Educação (ANPEd); a Associação Nacional de Política e Adminis-

tração da Educação (ANPAE); a Associação Nacional pela Forma-

ção dos Profissionais da Educação (ANFOPE), o Centro de Estudos

Educação e Sociedade (CEDES) e a Confederação Nacional dos

Trabalhadores em Educação (CNTE) vêm a público manifestarem-se

sobre a polêmica instaurada pela imprensa sobre a adoção do livro

―Por uma vida melhor‖, de autoria de Heloisa Ramos, pelo Ministé-

rio da Educação. Consideraram que as críticas que vêm sendo difun-

didas pelos meios de comunicação são infundadas, além de contribu-

írem para o preconceito e a discriminação social. Diante disso, as re-

feridas entidades assumem o depoimento da pesquisadora Marlene

Carvalho, como expressão de sua posição crítica.

Brasília, 27 de maio de 2011.

A fala dos pobres: muito barulho por nada

Trabalho há mais de 20 anos com formação inicial e continu-

ada de professores do ensino fundamental e tenho procurado discutir

com eles sobre a legitimidade dos falares populares, a necessidade de

reconhecer que a língua dos pobres tem regras próprias, expressivi-

dade e economia de recursos. Não é prestigiada socialmente, não tem

valor no mercado de empregos de colarinho branco, não é admitida

na Academia, mas, do ponto de vista linguístico, é tão boa quanto o

dialeto chamado padrão. A diferença maior é que os falantes do dia-

leto padrão têm o poder político, social e econômico que falta aos

pobres. Não cabe à escola ignorar, ou censurar as variantes popula-

res, mas sim respeitar a fala dos alunos e, ao mesmo tempo, ensinar a

todos a empregar também a norma culta em ocasiões sociais que

exigem um registro formal da língua e, principalmente, como usá-la

na escrita. Sobre isso é que interessa discutir agora, e não dar conti-

nuidade a esta polêmica estéril sobre um livro destinado a jovens e

adultos que reconhece a existência e a legitimidade de formas ver-

bais típicas dos dialetos populares. As pessoas que criticaram o livro

em questão – que provavelmente não leram - devem ler o capítulo

―Escrever é diferente de falar‖, para constatar que a autora assume

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uma posição equilibrada e academicamente justificada em relação às

variações dialetais. Além disso, o capítulo contém numerosos exercí-

cios de concordância nominal e verbal e pontuação, rigorosamente

de acordo com a gramática da norma culta. Uma ou duas frases, fora

do contexto do capítulo, estão sendo utilizadas para condenar um li-

vro e a posição da autora em favor da língua dos pobres.

Marlene Carvalho, professora aposentada da Universidade

Católica de Petrópolis (UCP) e pesquisadora do Laboratório de Es-

tudos de Linguagem, Leitura, Escrita e Educação (LEDUC) da Uni-

versidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

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Sexta-feira, Junho 10, 2011

ELOGIO DA IGNORÂNCIA

Ainda sobre o livro do MEC que ensina que falar e escrever

de acordo com a gramática é uma questão de escolha – dizer que

dois mais dois são quatro ou não também seria –, deparei com o se-

guinte texto, que achei num site esquerdista. (O dono do site, para

vocês verem, disse que resolveu espalhar o texto, recebido de um

amigo, para ―contextualizar‖ a questão... Sei.) A autora, uma tal

Marlene Carvalho, apresenta-se como professora aposentada de vá-

rias universidades etc. e tal.

O texto, como se tornou praxe nesses casos, está sendo divul-

gado em uma ―nota pública‖ por um conglomerado de sindicatos e

de associações de professores, certamente receosos de perderem a

boquinha que conseguiram no governo dos companheiros após a rea-

ção da parte da sociedade que pensa contra mais esse absurdo da era

lulopetista (nessas horas, eles se apoiam, assinam manifestos, tudo

em nome da "classe"). Tendo isso em mente, fica mais fácil explicar

o que segue. Vai em vermelho. Comento em seguida.

A fala dos pobres: muito barulho por nada

Trabalho há mais de 20 anos com formação inicial e continu-

ada de professores do ensino fundamental e tenho procurado discutir

com eles sobre a legitimidade dos falares populares, a necessidade de

reconhecer que a língua dos pobres tem regras próprias, expressivi-

dade e economia de recursos.

Notem que o texto começa com um argumento de autoridade

(―Trabalho há mais de 20 anos na área‖ etc.), como se a dizer ―eu

sou especialista, você não‖. A questão não é sobre a legitimidade dos

falares populares (seja lá o que isso venha a ser), mas sobre gramáti-

ca. Desconheço a existência de uma ―língua dos pobres‖ - conheço

apenas a língua portuguesa. Falar ―nóis pega os peixe‖ não é ―língua

de pobre‖ - é língua de quem nunca ouviu falar em regras gramati-

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cais. Pobre não é sinônimo de ignorante. Assim como rico não é o

mesmo que intelectual. Preciso explicar por quê?

Não é prestigiada socialmente, não tem valor no mercado de

empregos de colarinho branco, não é admitida na Academia, mas, do

ponto de vista linguístico, é tão boa quanto o dialeto chamado pa-

drão.

Essa é a base da teoria do ―nóis pega os peixe‖: a norma culta

e a língua chamada popular estariam no mesmo nivel, têm o mesmo

valor, e corrigir alguém por não concordar sujeito com verbo é ―pre-

conceito linguístico‖. Só tem um problema: ―tão boa‖ para quem? Só

se for para professores de sociolinguística acometidos de delírio po-

pulista, que acham que Camões e Tiririca estão no mesmo patamar

de igualdade.

A diferença maior é que os falantes do dialeto padrão têm o

poder político, social e econômico que falta aos pobres.

Ah bom! Agora entendi tudo. A gramática é uma forma de

dominação das elites... Só falta dizer que a Matemática e a Geome-

tria são instrumentos da exploração da burguesia.

Só não entendi uma coisa: se a língua é um instrumento da

dominação do homem pelo homem, como dizia Stálin, então qual o

sentido de se ensinar Português nas escolas? Se falar errado é certo,

para quê corrigir? Em vez de Machado de Assis, o modelo de bom

uso do idioma deveria ser o Lula.

Não cabe à escola ignorar, ou censurar as variantes populares,

mas sim respeitar a fala dos alunos e, ao mesmo tempo, ensinar a to-

dos a empregar também a norma culta em ocasiões sociais que exi-

gem um registro formal da língua e, principalmente, como usá-la na

escrita.

Cabe às escolas ensinar, mostrar a diferença entre o certo e o

errado, em primeiro lugar – coisa que as escolas brasileiras fazem

mal e porcamente, diga-se –, e não deixar de fazê-lo sob o pretexto

de que é ―preconceito linguístico‖. Respeitar a variedade linguistica

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é diferente de decretar a não-validade da gramática em certos casos.

A variedade linguística não deve se confundida com ausência de re-

gras. Se não, teremos um preconceito... contra a gramática!

Sobre isso é que interessa discutir agora, e não dar continui-

dade a esta polêmica estéril sobre um livro destinado a jovens e adul-

tos que reconhece a existência e a legitimidade de formas verbais tí-

picas dos dialetos populares.

Repito: reconhecer a existência e a legitimidade de uma for-

ma verbal ―popular‖ não tem nada a ver com abolir a gramática. Di-

zer que existe uma língua de pobre (ou proletária) contra outra de ri-

co (ou burguesa), então, não passa da mais pura demagogia. Isso não

é Português: é propaganda ideológica. Ponto.

As pessoas que criticaram o livro em questão – que prova-

velmente não leram – devem ler o capítulo ―Escrever é diferente de

falar‖, para constatar que a autora assume uma posição equilibrada e

academicamente justificada em relação às variações dialetais. Além

disso, o capítulo contém numerosos exercícios de concordância no-

minal e verbal e pontuação, rigorosamente de acordo com a gramáti-

ca da norma culta. Uma ou duas frases, fora do contexto do capítulo,

estão sendo utilizadas para condenar um livro e a posição da autora

em favor da língua dos pobres.

Eu li a parte do livro que ensina que não há qualquer diferen-

ça entre dizer "nós pegamos" e "nós pega" (detalhe: não na fazenda

ou na rua, mas na escola). Acredito também que muitos leram. Se

ainda não o fizeram, vejam por si mesmos e tirem suas proprias con-

clusões (cliquem para ampliar):

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Agora me digam, com toda franqueza: é ou não é apologia do

erro?

Não se trata, como está claríssimo aí em cima, de uma ou du-

as frases, retiradas do contexto (argumento típico de quem não assina

o que escreve). Isso aumenta ainda mais a estranheza: se o objetivo

do livro é mostrar que as diferentes formas dialetais têm todas o

mesmo valor, então por que fazer exercícios de concordância nomi-

nal e verbal e pontuação? Não faz o menor sentido.

Marlene Carvalho se diz professora. Professora de quê? Só se

for de sociolinguística. Quanto à disciplina Língua Portuguesa, me-

lhor não a deixar perto de crianças.

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LIVRO DIDÁTICO:

ENTIDADES LIGADAS À EDUCAÇÃO

MANIFESTAM-SE SOBRE POLÊMICA

| GLOBAL | MEC | PNLD | EJA | Portal MEC

Dirigentes de cinco entidades nacionais da educação subscre-

veram, esta semana, uma nota sobre o livro didático Por uma vida

melhor, de Heloisa Ramos, distribuído pelo Ministério da Educação

para uso em turmas de educação de jovens e adultos nas escolas pú-

blicas. No documento, as entidades consideram que as críticas são

―infundadas, além de contribuírem para o preconceito e a discrimi-

nação social‖.

De acordo com a presidente da Associação Nacional de Pós-

Graduação e Pesquisa em Educação (Anped), Dalila Andrade, que

assina a nota conjunta, o debate na mídia se ateve a um capítulo do

livro, desprezando o restante da obra.

No capítulo objeto do debate, explica Dalila, a autora parte da

língua falada pelas camadas populares de jovens e adultos que vêm

da periferia e da área rural, que é a realidade dos alunos da educação

de jovens e adultos, para, depois, dar um salto para a língua culta. ―O

livro é sábio porque parte do conhecimento real do aluno e o conduz

para patamares da norma culta‖, explica Dalila.

Para o diretor de assuntos educacionais da Confederação Na-

cional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), Heleno de Araújo

Filho, situar o debate a um capítulo do livro tem mais a ver com dis-

puta do mercado editorial do que para a verdadeira preocupação com

o ensino correto da língua portuguesa. A obra Por uma vida melhor,

diz ele, foi produzida por uma organização não governamental, ana-

lisada e aprovada por especialistas e adotada pelo MEC no Programa

Nacional do Livro Didático. Não foi produzida por uma grande em-

presa do ramo, explica.

O conteúdo da nota conjunta das entidades é o artigo A fala

dos pobres: muito barulho por nada, de autoria da pesquisadora da

Anped, Marlene Carvalho.

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Subscrevem a nota a Associação Nacional de Pós-Graduação

e Pesquisa em Educação (Anped), a Associação Nacional de Política

e Administração da Educação (Anpae), a Associação Nacional pela

Formação dos Profissionais da Educação (Anfope), o Centro de Es-

tudos Educação e Sociedade (Cedes) e a Confederação Nacional dos

Trabalhadores em Educação (CNTE).

A União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação

(Undime) também se manifestou sobre a polêmica envolvendo o li-

vro Por uma vida melhor. A obra, diz a entidade, foi escrita por pro-

fessores com experiência em educação de jovens e adultos; a seleção

para a o Programa Nacional do Livro Didático – educação de jovens

e adultos, foi realizada por professores de universidades públicas; a

escolha para uso nas escolas foi feita por professores.

Assessoria de Comunicação Social

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POSICIONAMENTO PÚBLICO

EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS

E PROGRAMA NACIONAL DO LIVRO DIDÁTICO/ EJA

A cada ano, nos meses de outubro, assistimos a campanhas

midiáticas sobre o dia dos professores. Sobre como a profissão deve

ser dignificada, valorizada, e que educação ainda não é prioridade.

Isso, a princípio, demonstra um reconhecimento, por parte da socie-

dade, acerca da importância do profissional de educação. Entretanto,

nessas últimas semanas, a sua capacidade discricionária vem sendo

posta em xeque. O livro ―Por uma vida melhor‖, pautado pela im-

prensa nessas últimas semanas, foi escrito por professores com expe-

riência em educação de jovens e adultos; sua seleção para o PNLD/

EJA (Programa Nacional do Livro Didático/ Educação de Jovens e

Adultos) foi feita por professores de universidades públicas; sua es-

colha, para ser utilizado em escolas públicas, feita por professores. E

a isso, em momento algum, foi atribuída a relevância devida nas no-

tícias veiculadas. O estudante de Eja enfrenta diversos obstáculos pa-

ra continuar seus estudos. Os principais são a baixa autoestima cau-

sada pela defasagem idade/ série e a necessidade de dividir seu tem-

po e sua dedicação com trabalho, escola e família. A escola tem por

obrigação ajudá-lo nesse processo. Reconhecer suas vivências, sua

cultura, seu conhecimento, sua linguagem é o primeiro passo. Acaso

o exemplo do livro, relativo à variante popular da norma culta, fosse

―tava‖ (estava) ou expressões de cacofonias comumente usadas ―lá

tinha‖ ou ―por cada‖, a polêmica seria tão grande assim? O controle

público deve ser exercido pela comunidade escolar e pela sociedade

em geral. É direito do cidadão. Mas é preciso garantir que os argu-

mentos sejam expostos, lidos, interpretados sem conceitos preestabe-

lecidos e que não haja manipulação por interesses políticos ou

econômicos o que, sabe-se, é difícil de acontecer em um programa

do porte do PNLD e que envolve o mercado editorial. Sobretudo é

preciso reconhecer e respeitar o protagonismo do professor no pro-

cesso de ensino-aprendizagem. É ele o profissional preparado para

essa mediação e esse debate.

Brasília, 27 de maio de 2011

CLEUZA RODRIGUES REPULHO Dirigente Municipal de

Educação de São Bernardo do Campo/ SP Presidenta da Undime