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GUILHERME FORMA KLAFKE USP 4331125 Os limites da interpretação conforme a Constituição na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal sob uma perspectiva dogmática Orientador: Prof. Titular Elival da Silva Ramos São Paulo 2011

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Tese de Conclusão de Curso apresentada na Graduação da Faculdade de Direito da Universidade de São PauloAutor: Guilherme Forma KlafkeGanhadora do Prêmio Jovem Jurista Santander de 2012, como uma das três melhores teses apresentadasResumo: Um exame perfunctório da jurisprudência recente do Supremo Tribunal Federal evidencia a importância da chamada “interpretação conforme a constituição” para uma defesa mais adequada da supremacia da Carta Fundamental. Os estudiosos do Direito devem, todavia, se preocupar em delinear os exatos contornos do espaço dentro do qual os ministros podem usar a técnica sem agir de modo ativista. Daí a importância da existência de limites dogmáticos que restrinjam a atuação da Corte ou permitam ao menos um controle dela. Na presente monografia, pesquisamos 92 acórdãos do STF que mencionaram a técnica entre 1987 e 2006 e utilizamos fichas de mais 48 casos entre 2006 e 2010. Identificamos quatro categorias de limites: (a) lógicos, sobre os pressupostos da técnica; (b) substanciais, sobre a vinculação ao direito posto; (c) funcionais, sobre as funções atribuídas à corte constitucional; (d) de conveniência e necessidade. Ao final, chegamos à conclusão de que nos últimos anos são valorizados cada vez mais os juízos de conveniência e necessidade da interpretação conforme a constituição, enquanto perdem importância limites como a função de legislador negativo do STF ou a vinculação do Tribunal à vontade do legislador.

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Page 1: Os limites da interpretação conforme a Constituição na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal sob uma perspectiva dogmática

GUILHERME FORMA KLAFKE

Nº USP 4331125

Os limites da interpretação conforme a Constituição na jurisprudência do

Supremo Tribunal Federal sob uma perspectiva dogmática

Orientador: Prof. Titular Elival da Silva Ramos

São Paulo

2011

Page 2: Os limites da interpretação conforme a Constituição na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal sob uma perspectiva dogmática

GUILHERME FORMA KLAFKE

Nº USP 4331125

Os limites da interpretação conforme a Constituição na jurisprudência do

Supremo Tribunal Federal sob uma perspectiva dogmática

Trabalho de Conclusão de Curso

apresentado à Faculdade de Direito da

Universidade de São Paulo do Largo de

São Francisco para obtenção do título de

Bacharel em Direito

Orientador: Prof. Titular Elival da Silva

Ramos

São Paulo

2011

Page 3: Os limites da interpretação conforme a Constituição na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal sob uma perspectiva dogmática

Dedico esta monografia a todos aqueles que

me acompanharam nesta caminhada que

chega agora ao seu final – meus pais, em

especial minha mãe; minha irmã; meus avós,

sem os quais não seria metade do que sou

hoje; meus professores do colégio e da

faculdade, que me deram o conteúdo e o

gosto pelos estudos; e todos os amigos que

passaram pela minha vida, tornando-a mais

feliz. Estou certo de que o caminho árduo e

longo não findou, apenas começou.

Page 4: Os limites da interpretação conforme a Constituição na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal sob uma perspectiva dogmática

SUMÁRIO

Lista de abreviaturas e siglas p. 01

Resumo p. 02

Abstract p. 03

A. Introdução

I. Objeto da pesquisa e sua importância p. 04

II. Objetivos e hipóteses p. 08

III. Metodologia empregada p. 09

B. Premissas teóricas

I. O modelo de Hermenêutica Constitucional p. 12

II. Um conceito de “interpretação conforme a Constituição” p. 15

III. Delimitação da ideia de “limites jurídicos” da interpretação conforme p. 20

C. Análise da Jurisprudência

I. Apresentação dos resultados gerais p. 23

II. Limites jurídicos da interpretação conforme a Constituição p. 32

1. Limites lógicos

a) quanto ao parâmetro de aferição da validade da norma p. 33

b) quanto à categoria do vício de inconstitucionalidade p. 36

c) quanto à polissemia de sentidos no texto p. 41

2. Limites substanciais

a) quanto à literalidade e ao sentido inequívoco do texto p. 46

b) quanto à vontade do legislador p. 50

3. Limites funcionais

a) quanto à função de legislador negativo da Corte p. 54

b) quanto ao impedimento de consultas interpretativas à Corte p. 61

4. Limites em razão de princípios ou juízos de conveniência e necessidade p. 62

5. Outros limites p. 66

III. Apreciação crítica p. 69

D. Conclusões

I. Síntese conclusiva p. 73

II. Perspectivas do tema p. 76

E. Referências Bibliográficas p. 78

Anexo - Formulário de casos p. 87

Page 5: Os limites da interpretação conforme a Constituição na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal sob uma perspectiva dogmática

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ADC - Ação Declaratória de Constitucionalidade

ADCT - Ato das Disposições Constitucionais Transitórias

ADI - Ação Direta de Inconstitucionalidade

ADO - Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão

ADPF - Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental

Cf. - confronte / confira

CF - Constituição Federal

CIDE - Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico

CNJ - Conselho Nacional de Justiça

EC - Emenda Constitucional

ICMS - Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços

IPVA - Imposto sobre Propriedade de Veículos Automotores

LOMAN - Lei Orgânica da Magistratura Nacional

MC - Medida Cautelar

QO - Questão de Ordem

RE - Recurso Extraordinário

RISTF - Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal

Rp - Representação

STF - Supremo Tribunal Federal

STJ - Superior Tribunal de Justiça

Page 6: Os limites da interpretação conforme a Constituição na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal sob uma perspectiva dogmática

2 | P á g i n a

RESUMO

KLAFKE, Guilherme Forma. Os limites da interpretação conforme a Constituição na

jurisprudência do Supremo Tribunal Federal sob uma perspectiva dogmática. Tese de

Conclusão de Curso. São Paulo: Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo. 2011. 94p.

Um exame perfunctório da jurisprudência recente do Supremo Tribunal Federal evidencia

a importância da chamada “interpretação conforme a constituição” para uma defesa mais

adequada da supremacia da Carta Fundamental. Os estudiosos do Direito devem, todavia, se

preocupar em delinear os exatos contornos do espaço dentro do qual os ministros podem usar a

técnica sem agir de modo ativista. Daí a importância da existência de limites dogmáticos que

restrinjam a atuação da Corte ou permitam ao menos um controle dela. Na presente monografia,

pesquisamos 92 acórdãos do STF que mencionaram a técnica entre 1987 e 2006 e utilizamos

fichas de mais 48 casos entre 2006 e 2010. Identificamos quatro categorias de limites: (a)

lógicos, sobre os pressupostos da técnica; (b) substanciais, sobre a vinculação ao direito posto;

(c) funcionais, sobre as funções atribuídas à corte constitucional; (d) de conveniência e

necessidade. Ao final, chegamos à conclusão de que nos últimos anos são valorizados cada vez

mais os juízos de conveniência e necessidade da interpretação conforme a constituição, enquanto

perdem importância limites como a função de legislador negativo do STF ou a vinculação do

Tribunal à vontade do legislador.

Palavras-chave: interpretação conforme a Constituição; limites jurídicos; hermenêutica

constitucional; ativismo judicial; Supremo Tribunal Federal.

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ABSTRACT

KLAFKE, Guilherme Forma. Limits of the “interpretation in conformity with the constitution” in

brazilian Supreme Federal Court’s case-law under a dogmatic perspective. Final Paper. São

Paulo: Faculty of Law, University of São Paulo. 2011. 94p.

An initial exam of the more recent Supreme Federal Court’s case-law indicates the big

importance of the so-called “interpretation in conformity with the constitution” to a more

adequate defense of constitutional supremacy. Law researchers shall nonetheless define clear

limits to guarantee a non-activist use of this technique. This is the reason to the existence of

dogmatic limits, which may restrain the Court’s activity or at least allow a control over it. In this

paper, we have read 92 decisions between 1987 and 2006 and used notes about 48 cases between

2006 and 2010, which mentioned an interpretation of law in conformity with the constitution.

We have identified four limits’ types: (a) logical limits, over the premises of the technique; (b)

substantial limits, over the binding to the Law; (c) functional limits, over the Court’s functions;

(d) convenience and necessity limits. In the end, we came to conclusion (came up with???) that

convenience and necessity judgments have appeared more times in recent case-law; on the other

hand, the binding to Parlament’s will and the “negative legislator” function of the Court seemed

to lose gradually their importance as a limit to the judges.

Palavras-chave: “interpretation in conformity with the constitution”; judicial limits;

constitutional hermeneutics; judicial activism; brazilian Supreme Federal Court.

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A. INTRODUÇÃO

I. Objeto da pesquisa e sua importância

O Supremo Tribunal Federal tornou-se um ator de destaque na sociedade brasileira nos

últimos anos. A Constituição Federal de 1988 criou as condições para que a Corte pudesse ter

enorme relevo na promoção dos direitos fundamentais e na estruturação do próprio Estado ao

incumbir-lhe a tarefa de “guarda da Constituição” (art. 102, caput). Esse cenário decorre,

principalmente, do controle sobre a interpretação e a aplicação de um documento extenso e

minucioso em muitos aspectos (constituição analítica), capaz de permitir a discussão de um

amplo espectro de questões no âmbito da jurisdição constitucional.1

Entretanto, a Carta não se deteve apenas nessa atribuição, concedendo instrumentos para

que o Tribunal desempenhasse esse papel. Dentre eles, o fortalecimento do controle objetivo de

constitucionalidade talvez seja o mais destacado. O rol de legitimados mais extenso (art. 103,

incisos) e a criação de novos tipos de ação, como a ADC, a ADO e a ADPF (art. 102, I e § 1º;

art. 103, § 2º), possibilitaram mais formas de controle de leis e atos normativos, permitindo, por

exemplo, que entidades da sociedade civil possam impugnar leis criadas anteriormente à própria

Constituição.2 Verifica-se, portanto, um inequívoco movimento de aproximação do STF ao

sistema europeu de tribunais constitucionais.3

1 Sobre essa transformação do STF em importante agente político do país, cf. Oscar Vilhena Vieira, “Supremocracia”, Revista Direito GV, 4(2), São Paulo, jul./dez. 2008, pp. 441-464. O autor demonstra com precisão no intróito do artigo a tese de que a separação de poderes no Brasil se caracteriza atualmente por uma “supremocracia”, com amplo destaque conferido ao trabalho da Corte. Dentre os motivos para tanto, aponta: “Este processo de expansão da autoridade judicial, contudo, torna-se mais agudo com a adoção de constituições cada vez mais ambiciosas. Diferentemente das constituições liberais, que estabeleciam poucos direitos e privilegiavam o desenho de instituições políticas voltadas a permitir que cada geração pudesse fazer suas próprias escolhas substantivas, por intermédio da lei e das políticas públicas, muitas constituições contemporâneas são desconfiadas do legislador, optando por sobre tudo decidir e deixando ao legislador e ao executivo apenas a função de implementação da vontade constituinte, enquanto ao judiciário fica entregue a função última de guardião da constituição” (idem, p. 443). De fato, a Constituição Federal de 1988 tem 250 artigos, que se somam a 97 artigos do ADCT. Algumas matérias são esmiuçadas, como é o caso da disciplina dos precatórios, cujo novo art. 100 possui, somente ele, 16 parágrafos. 2 Outros mecanismos e instrumentos também podem ser apontados como responsáveis por essa valorização do controle objetivo de constitucionalidade. É o caso da previsão dos efeitos vinculantes das decisões proferidas nas ações do controle abstrato (art. 102, § 2º, CF/88) e da repercussão geral (art. 102, § 3º, CF/88), que, somada ao instituto da súmula vinculante (art. 103-A, CF/88), possibilitou um alargamento dos efeitos das decisões proferidas pelo tribunal em sede de controle incidental por via do recurso extraordinário. 3 Sobre essa tendência, cf. Elival da Silva Ramos, Controle de Constitucionalidade no Brasil - perspectivas e evolução, São Paulo, Saraiva, 2010, em especial as pp. 362-392. O autor afirma: “Se a inequívoca opção pela social-

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O constante aprimoramento do modelo europeu de controle conduziu à criação, pela

práxis jurisprudencial, de novas técnicas da jurisdição constitucional e também dialogou com

novos modelos de hermenêutica jurídica.4 À medida que o sistema pátrio se aproxima do

europeu, tais técnicas e formas de atuação também são incorporadas à prática dos tribunais.

democracia, assumida pelo Constituinte de 1988, deve ser preservada na evolução de nosso constitucionalismo, como nos parece ser o caso, já que, malgrado o avanço do chamado neoliberalismo, registra-se um autêntico consenso quanto às linhas gerais de nosso sistema político, não se trata apenas de uma tendência do controle de constitucionalidade brasileiro, mas da evidência de que as suas inúmeras e graves disfunções estão a demandar o passo seguinte: o abandono da matriz estadunidense e o completo alinhamento à fiscalização de padrão europeu” (idem, p. 385). O atual modelo europeu se caracterizaria por alguns traços fundamentais: controle de natureza jurisdicional, posterior à elaboração da lei (caráter repressivo), concentrado nas mãos de um único órgão, com sanção de anulabilidade e modo de exercício principal (ações de impugnação da lei) associado com incidental (incidente de inconstitucionalidade no bojo de um processo). Idem, pp. 151-166. 4 Em contraposição às instituições, “técnicas” seriam procedimentos adequados desenvolvidos por uma estrutura organizada para o desempenho de suas funções (Cf. Karl Loewenstein, Teoria de la constitución, trad. espanhol de Alfredo Gallego Anabitarte, Barcelona, Ariel, 1964, p. 52). No controle de constitucionalidade, a função de proteção da supremacia constitucional é exercida por meio de técnicas de decisão, sendo as mais tradicionais a declaração de inconstitucionalidade da norma impugnada, com aplicação da sanção prevista no sistema, e a declaração de constitucionalidade (ou de rejeição de inconstitucionalidade). Ao longo do séc. XX, porém, esse binômio foi flexibilizado por meio da criação de “técnicas intermediárias de decisão”. Elas também conduzem à procedência, procedência parcial ou improcedência da ação, mas poderão condicionar a decisão a uma determinada interpretação ou alterar o modo como será aplicada a sanção prevista. Diferenciam-se, assim, por basicamente três elementos: (i) teleológico, por mitigarem os efeitos radicais da inconstitucionalidade; (ii) topográfico, por se situarem entre as decisões “puras” de constitucionalidade e inconstitucionalidade, flexibilizando alguma de suas características; (iii) transformador, por operarem uma modificação no conteúdo do dispositivo ou nos efeitos da decisão. Por fim, é possível apontar uma tipologia dessas “sentenças intermediárias”, embora as nomenclaturas variem de autor para autor. De maneira bem simplificada, elas podem ser: (i) interpretativas em sentido estrito, quando atuam sobre uma norma dentre várias que podem ser alternativamente construídas a partir do dispositivo, declarando-a inconstitucional (interpretativa de procedência, “declaração de inconstitucionalidade parcial sem redução de texto em sentido próprio) ou constitucional (interpretativa de improcedência, “interpretação conforme a constituição); (ii) interpretativas manipulativas, quando atuam sobre uma única norma ou, o que varia segundo a concepção de norma adotada, sobre normas conjuntamente derivadas do texto, para reduzir seu âmbito (manipulativas redutoras), alargá-lo (manipulativas aditivas) ou substitui-lo por outros critérios (manipulativa substitutiva); (iii) restritivas, quando atuam sobre a sanção imposta para flexibilizá-la quanto aos efeitos temporais (efeitos ex tunc, ex tunc restritos, ex nunc ou pro futuro) ou quanto à própria invalidade (apelo ao legislador, declaração de inconstitucionalidade sem pronúncia de nulidade). Para uma visão completa sobre tudo o que se afirmou, cf. Carlos Blanco de Morais, Justiça Constitucional: o contencioso constitucional português entre o modelo misto e a tentação do sistema de reenvio, t. 2, Coimbra, Coimbra, 2005, pp. 238-441; Francisco Javier Díaz Revorio, Las sentencias interpretativas del Tribunal Constitucional: significado, tipología, efectos y legitimidad. Análisis especial de las sentencias aditivas, Madrid, Lex Nova, pp. 21-69; Roberto Romboli, “La tipología de las decisiones de la Corte Constitucional en el proceso sobre la constitucionalidad de las leyes planteado en via incidental”, Revista Española de Derecho Constitucional, ano 16, n. 48, pp. 35-80; José Adércio Leite Sampaio, “As sentenças intermediárias de constitucionalidade e o mito do legislador negativo” in Sampaio, José Adércio Leite e Cruz, Álvaro Ricardo de Souza (coord.), Hermenêutica e jurisdição constitucional, Belo Horizonte, Del Rey, 2001, pp. 159-194; José Manuel M. Cardoso Costa, “A Justiça Constitucional no quadro das funções do Estado vista à luz das espécies, conteúdo e efeito das decisões sobre a constitucionalidade de normas jurídicas - Relatório Geral” in VII Conferência dos Tribunais Constitucionais Europeus, Justiça Constitucional e espécies, conteúdo e efeitos das decisões sobre a constitucionalidade de normas, Lisboa, Tribunal Constitucional, 1987, pp. 39-76.

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Uma delas é a chamada “interpretação conforme a Constituição”, que também pode ser

vista como princípio de hermenêutica constitucional, como será visto adiante. Como técnica,

trata-se de um instrumento apto a mitigar a excessiva rigidez do clássico binômio declaração de

inconstitucionalidade-declaração de constitucionalidade. As leis e os demais atos deixam de ser

considerados apenas hígidos ou viciados e passam a ser interpretados segundo alguns

condicionamentos, de acordo com os preceitos constitucionais. Assim, a lei será constitucional

“enquanto interpretada da maneira X” ou “enquanto não interpretada da maneira Y”.

A presença constante da interpretação conforme a Constituição em julgados de grande

repercussão social atrai a atenção do jovem pesquisador para sua complexidade. Basta uma

rápida passagem pelos julgamentos mais polêmicos do STF dos últimos anos para que se tenha a

exata ideia da importância que esse instrumento ganhou na nossa jurisdição constitucional.5

Entretanto, a existência de um meio que possibilita aos julgadores, no limite, a correção

de eventuais desvios nas normas não pode cegá-los para os limites inerentes à sua utilização. A

certeza de que limitações devem ser impostas à atividade jurisdicional é a pedra fundamental do

presente estudo, mesmo que não se saiba defini-los a priori. A menos que seja aceita a confusão

entre os papeis de legisladores e juízes, o jurista deve procurar sempre delimitar precisamente os

espaços de atuação, o grau de vinculação de cada um ao direito, embora a divisão de uma linha

nítida seja tarefa das mais ingratas, se não impossível.6

5 É o caso dos julgamentos sobre a liberação da “marcha da maconha” (ADPF 187), o reconhecimento da união estável homoafetiva (ADI 4277 e ADPF 132), o monopólio da Empresa de Correios e Telégrafos sobre o serviço postal (ADPF 46), a permissão de pesquisa com células-tronco embrionárias humanas (ADI 3510), a concessão de anistia aos torturadores do período militar (ADPF 153), a descriminalização do aborto de feto anencéfalo (ADPF 54), a aplicação do Código de Defesa do Consumidor às instituições financeiras (ADI 2591), e vários outros. 6 O jurista italiano Mauro Cappelletti faz uma análise respeitada sobre a posição do juiz no esquema das funções do Estado (cf. Juízes Legisladores?, trad. port. de Carlos Alberto Alvaro de Oliveira, Porto Alegre, Sérgio Antonio Fabris, 1999). Segundo o eminente autor, há uma série de fatores que tornam os julgadores inexoravelmente criativos, como o combate ao “formalismo”, o advento do constitucionalismo social, o agigantamento dos Poderes Executivo e Legislativo, a proteção dos direitos difusos e coletivos numa sociedade de massas e de consumo e as declarações de direitos fundamentais do homem (nacionais e internacionais). Contudo, “o reconhecimento de que é intrínseco em todo ato de interpretação certo grau de criatividade - ou, o que vem a dar no mesmo, de um elemento de discricionariedade e assim de escolha -, não deve ser confundido com a afirmação de total liberdade do intérprete” (idem, p. 23, grifos no original). A atividade jurisdicional estaria, então, sujeita a limites substanciais e processuais. Os primeiros, consistentes na ideia de vinculação ao direito, à lei, aos precedentes, etc., não teriam o condão de definir a atividade jurisdicional, uma vez que também “o legislador se depara com limites substanciais usualmente menos freqüentes e menos precisos que aqueles com os quais, em regra, se depara o juiz”, de tal sorte que “do ponto de vista substancial, ora em exame, a criatividade do legislador pode ser, em suma, quantitativamente mas não qualitativamente diversa da do juiz” (idem, p. 27). Por outro lado, os limites processuais seriam as

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A interpretação conforme a Constituição é apenas um dos inúmeros focos de tensão

existentes nessa “zona cinzenta”. Afirmar que a função do julgador é interpretar o Direito diz

muito pouco sobre os reais limites a que ele está sujeito. Permitir que ele possa “interpretar” o

Direito “de acordo com a Constituição” torna-se, então, um “cheque em branco” se não houver a

preocupação com a forma como isso deverá acontecer. Por isso, o objeto da pesquisa é

naturalmente atraente para todos aqueles que refletem sobre a tormentosa questão do ativismo

judicial e suas consequências.7

A discussão sobre os limites da “interpretação conforme a Constituição” possui

indiscutível importância na medida em que o STF começa a utilizá-la com maior freqüência e

com maiores repercussões na sociedade – veja-se, por exemplo, a discussão em torno do

reconhecimento da união estável homoafetiva. Questões fundamentais surgem no horizonte da

pesquisa: é possível limitar o uso dessa técnica? Os limites, acaso existentes, seriam jurídicos ou

não? Há uma preocupação com isso ou o enfoque deve ser outro? As respostas a essas perguntas

verdadeiras “virtudes” da atividade jurisdicional e, devido ao seu caráter formal e procedimental, não estariam tão suscetíveis a variações como os limites substanciais. Eles consistiriam em três regras básicas: (i) “que o juiz seja super partes e, portanto, que não decida sobre qualquer relação ou ‘status’ do qual seja ele mesmo partícipe, livre das pressões das partes”; (ii) “que todas as partes da relação ou estado objeto do juízo, pessoalmente ou por meio de seus representantes, tenham efetiva oportunidade de se defender”; e (iii) “que o judicial process, diversamente do que ocorre nos procedimentos legislativo e administrativo, impõe atitude passiva, no sentido de que não pode ser iniciado ex officio pelo tribunal” (idem, pp. 75-76, grifos no original). Acreditamos que essa visão procedimental dos limites não impede, porém, que o estudioso procure limites substanciais à atividade do juiz, definindo o seu grau de vinculação ao Direito. Veja-se, por exemplo, a abalizada lição de Elival da Silva Ramos: “O positivismo pós-kelseniano, renovado pela incorporação das conquistas da moderna Teoria da Interpretação, por um lado aceita a criatividade inerente ao processo de concretização normativa, porém, por outro, impõe ao juiz que se atenha à natureza predominantemente executória de sua função, o que importa no dever de observar a moldura jurídica que baliza seus movimentos. Não se trata aqui das limitações de ordem formal, decorrentes do peculiar modo pelo qual os magistrados aplicam o direito, exercendo a função jurisdicional, e que poderiam ser expressas no princípio do devido processo legal (em sua acepção formal). Se as decisões judiciais não são elaboradas livremente e se, tampouco, a discricionariedade do juiz é tão ampla quanto a do legislador, é nos limites substanciais que o próprio direito a aplicar lhe impõe que se há de buscar os critérios para a aferição do ativismo judiciário” (Cf. Ativismo Judicial - parâmetros dogmáticos, São Paulo, Saraiva, 2010, p. 134). 7 Elival da Silva Ramos afirma: “é inquestionável que o grau de criatividade de juízes e tribunais no desempenho da jurisdição constitucional em sentido estrito (controle) é consideravelmente mais amplo do que aquele de que desfrutam ao aplicar a Constituição a situações fáticas de caráter não normativo ou, em sede de jurisdição comum, ao aplicarem o direito infraconstitucional. Justifica-se, pois, ao menos um exame perfunctório de alguns dos instrumentos que dão vazão à criatividade dos órgãos incumbidos do controle jurisdicional de constitucionalidade das leis e atos normativos, quanto mais não seja para constatar se podem eles se prestar a exercício ativistas” (Cf. Ativismo..., cit., pp. 198-199). Um desses instrumentos é justamente as sentenças interpretativas e manipulativas em sentido estrito (idem, pp. 209-225).

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atingem um ponto essencial da configuração do Estado Democrático de Direito – a separação de

poderes – e devem ser buscadas pelos pesquisadores da área.8

II. Objetivos e hipóteses

O estudo empreendido ao longo dos próximos tópicos tem um objetivo bem definido:

verificar se o Supremo Tribunal Federal discute, estabelece e utiliza limites jurídicos ao decidir

por meio da interpretação conforme a Constituição. Procuramos saber se o STF aponta possíveis

restrições à técnica e se a prática do Tribunal condiz com o discurso que faz sobre esse tema.

A persecução desse objetivo permite que outras perguntas possam ser respondidas,

apresentando um espectro de possíveis desdobramentos da pesquisa. Assim, a análise pode ser

capaz de mostrar como a Corte aproveita a técnica da interpretação conforme a constituição;

quais as matérias que mais suscitam sua utilização; como ela é tratada pelos atores do processo;

quais seus fundamentos jurídicos e extrajurídicos; qual a influência das mudanças na jurisdição

constitucional sobre a técnica, principalmente após o advento dos efeitos vinculantes (Leis

9.868/99 e 9.882/99 e Emenda Constitucional 45/04); e se o Tribunal é coerente nas

interpretações dadas, evitando um cenário de insegurança jurídica.

Sobre as nossas hipóteses, o trabalho procura esmiuçar algumas perguntas levantadas a

partir dos resultados da iniciação científica por mim elaborada ao longo de 2010, junto à

Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), também sob orientação do

Professor Elival da Silva Ramos, com o título “O STF e as novas técnicas de decisão do controle

abstrato de constitucionalidade: tipologia e admissibilidade no sistema brasileiro”. A pesquisa

enfocou a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal na composição mais próxima da atual

8 Sobre a relação entre ativismo judicial e separação de poderes, cf. Elival da Silva Ramos, Ativismo..., cit., pp. 111-120. O autor leciona: “Ao se fazer menção ao ativismo judicial, o que se está a referir é à ultrapassagem das linhas democráticas da função jurisdicional, em detrimento principalmente da função legislativa, mas, também, da função administrativa e, até mesmo, da função de governo. Não se trata do exercício desabrido da legiferação (ou de outra função não jurisdicional), que, aliás, em circunstâncias bem delimitadas, pode vir a ser deferido pela própria Constituição aos órgãos superiores do aparelho judiciário, e sim da descaracterização da função típica do Poder Judiciário, com incursão insidiosa sobre o núcleo essencial de funções constitucionalmente atribuídas a outros Poderes” (idem, pp. 116-117).

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(após 2006) em busca de técnicas que não se limitavam à pura inconstitucionalidade ou à mera

constitucionalidade.

Verificamos que, especificamente no que toca à interpretação conforme a Constituição,

os ministros parecem aceitar com naturalidade o uso da técnica. Afirmam que seu problema não

é mais a discussão sobre a sua admissibilidade ou não no ordenamento brasileiro, mas sim a

definição dos limites da sua utilização.9 De maneira geral, todavia, não houve uma clara

constatação de que se preocupem com os limites da técnica, uma vez que poucas vezes algum foi

mencionado.

Em vista dessas conclusões, formulamos algumas hipóteses. Em primeiro lugar, se a

Corte não se preocupou com a definição da técnica e de seus limites, isso decorreria de uma

pacificação do tema no período anterior a 2006. Em segundo lugar, o advento das Leis 9.868 e

9.882, em 1999, e da Emenda Constitucional 45, em 2004, poderiam ser marcos divisórios,

momentos nos quais o fortalecimento dos efeitos das decisões no controle de constitucionalidade

ensejaria uma reação igualmente intensa no sentido da autocontenção do STF no uso da

interpretação conforme a Constituição. Uma terceira hipótese seria a de que os limites jurídicos

comumente apontados pela doutrina (sentido inequívoco da lei e vontade do legislador) não

seriam efetivamente empregados pelos julgadores ao longo de todo o período em que a técnica

foi utilizada. Por fim, uma última ideia seria a de que a divergência quanto ao enfoque dado à

questão jurídica debatida no julgamento seria mais importante do que os limites para a rejeição

da técnica num dado julgamento.

III. Metodologia empregada

Inicialmente, cabe-nos explicitar o raciocínio que perpassa toda a monografia. Parte-se da

premissa de que deve haver limites para atividade jurisdicional, especialmente quando se admite

9 Essa é a opinião do Min. Gilmar Mendes, que afirmou: “Uma breve análise retrospectiva da prática dos Tribunais Constitucionais e do nosso Supremo Tribunal Federal bem demonstra que a ampla utilização dessas decisões, comumente denominadas ‘atípicas’, as converteram em modalidades ‘típicas’ de decisão no controle de constitucionalidade, de forma que o debate atual não deve mais estar centrado na admissibilidade de tais decisões, mas nos limites que elas devem respeitar” (ADI 1351-3/DF, Rel. Min. Marco Aurélio, j. 07.12.2006, p. 158 do acórdão; p. 143 do arquivo eletrônico; grifos nossos).

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que ela também tem um papel criador, e da ideia de que a jurisprudência é fator essencial para o

estudo das novas técnicas de controle de constitucionalidade, originadas na prática dos tribunais.

Nossa atenção, portanto, recai sobre os limites criados pelo Supremo Tribunal Federal. Trata-se

de um raciocínio indutivo que parte dos julgados para a teoria, buscando questionar ambos – nos

julgados, sua coerência; na doutrina, sua correspondência à realidade. Não abandonamos, porém,

o caminho inverso, que parte de aspectos teóricos para a realidade.10

Buscamos os limites jurídico-dogmáticos da interpretação conforme a constituição na

jurisprudência do STF, não seus limites sociológicos ou filosóficos. O recorte, portanto, é de

dogmática jurídica, de análise do ordenamento posto e da interação entre as normas para que se

controle a atuação da Corte.11 Estão afastadas, desde logo, discussões a respeito da pressão que a

sociedade e seus valores culturais exercem sobre os ministros ou a valores e à justeza das

decisões. Restrito a um enfoque dogmático, o texto se estrutura com base nos dados extraídos do

conjunto de acórdãos pesquisados, embora o uso de estatísticas seja apenas acessório para os fins

propostos.

O universo material foi definido em função da importância do tema, das hipóteses e dos

objetivos apresentados. Delimitou-se a pesquisa ao Supremo Tribunal Federal, devido à grande

repercussão de seus julgamentos nos meios jurídico, acadêmico, econômico, social e político.

Nele, selecionamos apenas a função de controle abstrato de constitucionalidade (ADI, ADO,

ADC e ADPF), em razão do fortalecimento desse modo de controle com o advento da

Constituição de 1988 e do uso da interpretação conforme a constituição sobre a lei abstratamente

considerada em um sistema que confere efeitos vinculantes para as decisões de

constitucionalidade e de inconstitucionalidade.

10 Miguel Reale assevera em seus preciosos ensinamentos: “Hoje em dia, não tem sentido o debate entre indutivistas e dedutivistas, pois a nossa época se caracteriza pelo pluralismo metodológico, não só porque indução e dedução se completam, na tarefa científica, como também por se reconhecer que cada setor ou camada do real exige o seu próprio e adequado instrumento de pesquisa. No que se refere à experiência do Direito o mesmo acontece” (Cf. Lições Preliminares de Direito, 27ª Ed., São Paulo, Saraiva, 2006, p. 84). 11 Novamente, leciona o mestre Miguel Reale: “A Ciência do Direito é, portanto, uma ciência complexa, que estuda o fato jurídico desde as suas manifestações iniciais até aquelas em que a forma se aperfeiçoa. Há, porém, possibilidade de se circunscrever o âmbito da Ciência do Direito no sentido de serem estudadas as regras ou normas já postas ou vigentes. A Ciência do Direito, enquanto se destina ao estudo sistemático das normas, ordenando-as segundo princípio, e tendo em vista a sua aplicação, toma o nome de Dogmática Jurídica, conforme clássica denominação” (Cf. Lições..., cit., p. 321).

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O levantamento dos acórdãos foi feito a partir da utilização do sítio eletrônico do

Tribunal (www.stf.jus.br), na Seção “Jurisprudência > Pesquisa”, acessado pela última vez em

24 de março de 2011.12 Os parâmetros também serviram como filtro para a escolha dos julgados.

Utilizei as expressões interpretação adj conforme na parte de pesquisa livre e fixei a data de

09.12.1987 como termo inicial da busca.13 O resultado foi um total de 175 acórdãos, dentre os

quais 2 representações e 139 ações de controle abstrato (ADI, ADC e ADPF), que foram

considerados para a presente pesquisa.

Todavia, a leitura de todos os documentos no período de um ano se mostrou uma tarefa

hercúlea. Buscamos, então, uma alternativa que nem comprometesse metodologicamente todo o

trabalho nem impedisse conclusões sobre as nossas hipóteses. A solução encontrada foi a

delimitação temporal do universo de acórdãos: foram lidas as decisões de dezembro de 1987 até

8 de junho de 2006, num total de 94 acórdãos – 92 dos quais foram utilizados.

O motivo para tal corte foi a tentativa de aproveitar os resultados da iniciação científica,

cuja análise se inicia em 22 de junho de 2006 e segue até 2010, de forma a conseguir abranger o

maior período possível, mesmo que os questionários utilizados tenham sido diferentes nas duas

monografias.14 Acreditamos que não tenha havido um comprometimento da seriedade e da

validade das conclusões apresentadas no presente trabalho. De qualquer forma, sempre que os

dados forem obtidos por meio da análise do período anterior a 2006, essa observação estará

explícita no texto, acompanhada sempre de uma correspondente ponderação em relação ao

período posterior.

12 Qualquer acórdão que não esteja contemplado pela ferramenta de busca, seja por não ter sido publicado, seja por não ter sido acrescentado ao banco de dados, não foi analisado. 13 Houve a fixação de um termo inicial por ser da data em que foi julgada a Rp 1417-7/DF, Rel. Min. Moreira Alves, precedente comumente citado pela doutrina como primeira menção à interpretação conforme a Constituição como técnica de julgamento de possível utilização pelo Supremo Tribunal Federal. Cf. Geovany Cardoso Jeveaux, “As decisões interpretativas tomadas pelo Supremo Tribunal Federal em sede de controle concentrado de constitucionalidade e seu efeito constitucionalizador do direito ordinário”, Revista de Direito das Faculdades de Vitória – FDV, n. 9, jan./dez. 2005, p. 200. 14 Apenas a título de esclarecimento, o método de seleção dos acórdãos se baseou basicamente em quatro filtros: (i) restrição ao STF; (ii) restrição às ações de controle abstrato (ADI, ADO, ADC e ADPF); (iii) restrição temporal para o período entre 21.06.2006 e 12.10.2010; (iv) busca através dos parâmetros “Ação direta de inconstitucionalidade”, “Ação declaratória de constitucionalidade” e “Arguição de descumprimento de preceito fundamental”. A última atualização do material ocorreu em 25.11.2010, e as decisões pertinentes para a pesquisa foram selecionadas a partir da leitura das ementas e dos dispositivos decisórios.

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Após a definição do universo de julgados, utilizei um formulário pré-definido (anexo I)

para extrair as informações mais relevantes dos votos lidos, bem como uma síntese da

fundamentação de cada um. Os dados foram, então, transpostos para planilhas que serviram para

comparações e análises, cujos resultados conduziram às conclusões apresentadas.

Formalmente, a monografia é dividida em duas partes. Na primeira, tratamos das

premissas teóricas, principalmente sobre o conceito de “interpretação conforme a Constituição” e

o que entendemos por limites jurídico-dogmáticos. Na segunda, analisamos os julgados

propriamente ditos de acordo com as hipóteses apresentadas anteriormente. Mostramos os

resultados gerais sobre os limites utilizados e o modo como são empregados para, depois,

enfocá-los individualmente. Por fim, apresentamos algumas críticas tanto ao modo como eles são

tratados na jurisprudência como na doutrina.

B. PREMISSAS TEÓRICAS

I. O modelo de Hermenêutica Constitucional

Antes de adentrarmos no tema dos limites da interpretação conforme a Constituição

propriamente dito, impõe-se o esclarecimento de algumas premissas do trabalho, até mesmo por

uma questão de honestidade intelectual do pesquisador para com seu público-alvo. Iniciamos

pela concepção de “interpretação”. Esse passo prévio é especialmente importante para os

objetivos da pesquisa, uma vez que a compreensão sobre os limites da interpretação variam

radicalmente de uma concepção para outra.15

15 Sintetizando o tema, Hèctor López Bofill apresenta de forma bastante didática os principais paradigmas teóricos da Hermenêutica Jurídica: o analítico, o hermenêutico e o desconstrutivista. O primeiro se caracteriza pelo emprego de um raciocínio eminentemente lógico, baseado em deduções feitas a partir de normas pré-existentes que devem ser descobertas pelo intérprete. O segundo se afasta da lógica formal e das ciências exatas para se aproximar das ciências humanas, enfocando a linguagem e o papel do intérprete na construção da norma, não mais havendo uma “descoberta” de sentido. Interpretar passa a ser a atribuição de um significado a um texto, e o intérprete o faz sem abandonar suas pré-concepções. Por fim, o modelo desconstrutivista critica os anteriores ao enfocar a diferença de discursos sobre um mesmo texto, embora, para o autor, não seja uma alternativa teórica muito consistente (Cf. Formas interpretativas de decisión en el juicio de constitucionalidad de las leyes, Tese de doutorado – Universitat Pompeu Fabra (1996-1998), 2002, pp. 34-75). Os limites à atividade interpretativa variam conforme se adote um ou outro paradigma.

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É necessário afastar, antes de tudo, qualquer raciocínio que remonte ao positivismo

legalista que ganhou forma e se consolidou ao longo dos séculos XIX e XX. Esse modo de

pensar o Direito parte de diversas premissas e formulações que comprometem o nosso próprio

objeto de pesquisa. Em outras palavras, a interpretação conforme a Constituição só subsiste

como elemento autônomo se a ideia do “juiz boca-da-lei”, mero reprodutor do texto legal, for

superada. A distinção entre texto jurídico e norma jurídica e a noção de que a atividade do juiz

não se resume a realizar subsunções mecânicas são passos fundamentais para que se conceba a

possibilidade de o julgador fazer a interpretação ou controlar a validade de documentos

infraconstitucionais à luz dos preceitos constitucionais.16

Essas considerações formam a base sobre a qual se estrutura esta monografia. A

“interpretação” é uma atividade mental do intérprete, que formula enunciados (discurso do

intérprete) que traduzam, segundo o seu entendimento, os enunciados de documentos jurídicos

(discurso das fontes).17 Inicialmente, então, a norma é um enunciado construído por uma pessoa

para atribuir um significado a um texto, segundo a forma “D exprime N” (disposição exprime

uma norma).18 É importante ressaltar que essa relação não é unívoca, de tal sorte que uma

16 Sobre as características dessa específica modalidade de positivismo, as críticas a ela feitas e as tentativas de superação desse modelo, cf. Elival da Silva Ramos, Ativismo..., cit., pp. 35-64. No tocante à subsunção, o autor explica: “A subsunção em si constitui uma operação lógica inerente a todo e qualquer procedimento de aplicação de normas jurídicas, com a nota de que pressupõe a fixação inicial de um sentido provisório para a proposição prescritiva que serve como premissa maior, já tendo em vista as aplicações concretas que a partir dela se anteveem [...]. Verifica-se na operação de subsunção outra aplicação da dialética de implicação-polaridade: a interpretação do texto normativo que serve de premissa maior se faz com a necessária consideração de sua aplicação, do mesmo modo que esta exige a prévia exegese do dispositivo a ser aplicado; dois momentos inconfundíveis (polaridade), que, entretanto, mutuamente se implicam” (idem, pp. 65-66). O problema é um determinado entendimento da subsunção, tal como entendida pela Escola da Exegese, que “defendeu ardorosamente o subjetivismo interpretativo, sustentando que o exegeta deveria sempre buscar a intenção do legislador e a ela se ater com disciplina férrea. A consequência desse modo de interpretar os textos normativos era o predomínio do método gramatical, complementado pelo histórico, pois a letra da lei é o indicativo mais seguro da vontade do legislador. A liberdade do julgador ficava, destarte, extremamente reduzida, limitando-se, o mais das vezes, à mera aplicação dos enunciados normativos, literalmente considerados, à situação fática a ele submetida, o que veio a consubstanciar a chamada subsunção mecânica ou automática. Recusava-se ao Poder Judiciário a possibilidade de contribuir para a criação do direito” (idem, p. 69). 17 Cf. Riccardo Guastini, “Disposizione vs. Norma”, Giurisprudenza Costituzionale - Parte Seconda I, Milão, Giuffré, ano XXXIV, 1989, pp. 3-4. Segundo Friedrich Müller, “‘interpretação’ [‘Interpretation’ ou ‘Auslegung’] diz respeito às possibilidades do tratamento jurídico-filiológico do texto, i. e., da interpretação de textos de normas.” (Cf. Metodologia do Direito Constitucional, 4ª Ed., São Paulo, Revista dos Tribunais, 2010, p. 28). 18 Cf. Riccardo Guastini, “Disposizione...”, cit., pp. 4-5. O autor diferencia: “1) chiamo ‘disposizione’ ogni enunciato che sia parte di un documento normativo, ossia ogni enunciato del discorso delle fonti; 2) chiamo

‘norma’ ogni enunciato che costituisca il senso o significato ascritto (da qualcuno) ad una disposizione (o ad um

frammento di disposizione, o ad una combinazione di disposizioni, o ad una combinazione di frammenti di

disposizioni)” (em tradução livre: “1) chamo ‘disposição’ qualquer enunciado que seja parte de um documento

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14 | P á g i n a

disposição pode dar origem a mais de uma norma, e uma única norma pode ser construída a

partir de várias disposições.19

Entretanto, essa concepção de norma enfoca apenas uma parte do fenômeno.20 A norma

se diferencia do texto por ser o complexo formado não apenas pelo significado atribuído a ele

(programa normativo), mas também pelos dados materiais considerados relevantes para a

elaboração de uma norma de decisão para o caso concreto (âmbito normativo).21 Nesse processo

de concretização com vistas à solução de um caso, a Constituição também é um elemento a ser

considerado. Entende-se, assim, a importância de interpretar o ordenamento de acordo com as

normas fundamentais.

Não é o caso de fazermos uma discussão sobre os limites da atividade interpretativa em

si. Cabe ressaltar que os limites serão mais amplos ou mais restritos conforme se adote um ou

outro paradigma hermenêutico. Uma proposta que pode ser apontada é aquela formulada por

Friedrich MÜLLER e seguida por Elival da Silva RAMOS. Buscando uma forma controlável e

defensável de concretização da norma, o autor apresenta uma hierarquização dos elementos de

interpretação segundo sejam referidos a normas ou não, em que os últimos cedem diante dos

primeiros.22 Especificamente sobre os elementos referidos a normas, os elementos metodológicos

normativo, isto é, qualquer enunciado do discurso das fontes; 2) chamo ‘norma’ qualquer enunciado que constitua o sentido ou o significado atribuído (por alguém) a uma disposição (ou a um fragmento de disposição, ou a uma combinação de disposições, ou a uma combinação de fragmentos de disposições)”; idem, p. 4). 19 Cf. Riccardo Guastini, “Disposizione...”, cit., pp. 9-13. 20 Essa é a inovação trazida por Friedrich Müller em sua proposta por uma “metódica” do Direito Constitucional. Segundo o autor: “Ocorre que uma norma jurídica é mais do que o seu texto de norma. A concretização prática da norma é mais do que a interpretação do texto. Assim, a ‘metódica’ no sentido aqui apresentado abrange, em princípio, todas as modalidades de trabalho da concretização da norma e da realização do direito, mesmo à medida que elas transcendam – como a análise dos âmbitos das normas, como o papel dos argumentos da teoria do estado, teoria do direito e teoria constitucional, como conteúdos dogmáticos, elementos de técnica de solução e elementos de política jurídica bem como constitucional – os métodos de interpretação [Auslegung] ou interpretação [Interpretation] no sentido tradicionalmente restringido” (Cf. Metodologia..., cit., p. 28). 21 Segundo Friedrich Müller, “devemos distinguir dois grupos de elementos de concretização. O primeiro abrange os recursos do tratamento da norma no sentido tradicional, i. é, o tratamento do texto da norma. Esses recursos não se referem apenas aos textos das normas, mas também à formulação de não normas em linguagem. Um segundo grupo não diz primacialmente respeito à interpretação de textos normativos ou não normativos. Ele abrange os passos de concretização, por meio dos quais são aproveitados os pontos de vista com teores materiais, que resultam da análise do âmbito da norma da prescrição implementada e da análise dos elementos do conjunto de fatos destacados como relevantes no processo de concretização por via de detalhamentos recíprocos” (Cf. Metodologia..., cit., p. 70). 22 Leciona o professor alemão da Universidade de Heidelberg: “Em caso de contradição, os elementos da concretização diretamente referidos a normas (elementos metodológicos strictiore sensu, determinados elementos dogmáticos e os elementos do âmbito da norma) precedem os elementos não diretamente referidos a normas (uma parte dos elementos dogmáticos, além disso uma parte dos elementos de técnica da solução, de política constitucional e de teoria). Essa regra de preferência é normativa. Ela segue do fato, instituído pelo ordenamento

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(regras tradicionais de interpretação e princípios de interpretação constitucional) e do âmbito da

norma possuem precedência sobre outros. Entre eles, de acordo com as bases do Estado de

Direito (inviolabilidade da constituição, vinculação à lei, rigidez do direito constitucional,

segurança jurídica, etc.), os elementos metodológicos diretamente referidos a textos

(interpretação gramatical e sistemática) funcionam como limites negativos para aferição do

resultado final do processo de concretização. A interpretação conforme a Constituição, por outro

lado, aparece como um princípio autônomo, mas rivaliza em condições de igualdade com os

métodos tradicionais de interpretação.23

II. Um conceito de “interpretação conforme a Constituição”

Acreditamos que a interpretação conforme a Constituição pode ser vista de duas formas

diferentes – como princípio da interpretação constitucional e como técnica de decisão no

controle de constitucionalidade. Essa dupla perspectiva sobre o fenômeno é fundamental para

que se compreenda a diferença entre posições doutrinárias e jurisprudenciais sobre o assunto.

No primeiro caso, a interpretação conforme a Constituição aparece como um princípio

autônomo a ser considerado pelo intérprete ao concretizar a norma de decisão ou como

concretização do método de interpretação sistemático-teleológico.24 Decorre da exigência de que

jurídico (constitucional) vigente, do exercício da função estatal estar vinculado à constituição e ao direito” (Cf. Metodologia..., cit., p. 96). 23 Cf. Friedrich Müller, Metodologia..., cit., pp. 94-103; Elival da Silva Ramos, Ativismo..., cit., pp. 100-103. 24 Segundo Friedrich Müller, “o imperativo da interpretação conforme a constituição foi caracterizado como argumentativamente defensável – com reservas diante de determinadas tendências da jurisprudência e com a restrição de tratá-lo em princípio somente como um elemento da interpretação, ao lado de outros” (Cf. Metodologia..., cit., p. 80). Para o autor alemão, a interpretação conforme a constituição é um princípio autônomo (idem, pp. 79-80). A existência desse sentido mais amplo também é sustentada por Rui Medeiros: “A interpretação conforme à Constituição em sentido amplo também não significa apenas que «entre duas interpretações possíveis da mesma norma se há-de necessariamente optar por aquela que a torna compatível com a Constituição». Esta modalidade de interpretação conforme à Constituição é, aliás, aquela que mais propicia a subversão dos cânones gerais de interpretação e que maiores críticas tem merecido de parte da doutrina. [...] Fala-se, por vezes, a este propósito, em interpretação orientada para a Constituição. O apelo à Constituição serve aqui para escolher aquela interpretação que melhor corresponde às decisões do legislador constitucional e traduz-se «num argumento sistemático referido à totalidade do sistema jurídico, ou à própria unidade da ordem jurídica, através de uma certa combinação da intencionalidade normativa daqueles dois níveis» [...]. A interpretação da lei em conformidade com a Constituição, mais do que um princípio especial conexo com a fiscalização da constitucionalidade das normas legais, constitui, portanto, um princípio regra de aplicação da lei em geral” (Cf. A decisão de inconstitucionalidade - os autores, o conteúdo e os efeitos da decisão de inconstitucionalidade da lei, Lisboa, Universidade Católica, 1999,

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o ordenamento seja lido em conformidade com as normas constitucionais. O texto fundamental

não é um elemento alheio ao processo de concretização, mas parte integrante dele, responsável

por orientar o trabalho do intérprete e influenciar o resultado final.

No entanto, como bem explica Friedrich MÜLLER, nenhum elemento de concretização

pode ser visto isoladamente nem pode ser alçado a um patamar superior aos demais. Mesmo o

princípio da interpretação conforme a Constituição não pode ser visto de modo absoluto. Por um

lado, ele cofundamenta a norma de decisão com outros métodos de interpretação em sentido

estrito (gramaticais, sistemáticos, históricos e genéticos), com o âmbito material da norma, com

elementos dogmáticos (doutrina, jurisprudência, etc.), com técnicas de solução dos casos e com

elementos de política constitucional. Por outro lado, ele não pode conduzir ao absurdo de exigir

que todos os textos jurídicos sejam lidos em conformidade com as normas constitucionais, não

importando os outros elementos interpretativos.25 Entendimento semelhante possui Rui

MEDEIROS.26

Essa ideia é fundamental para que se compreenda a interpretação conforme a

Constituição como técnica de decisão no controle de constitucionalidade. De fato, leis e demais

atos normativos possibilitam a concretização de várias normas jurídicas diferentes. Elas podem

não estar orientadas segundo os preceitos constitucionais, porque, por exemplo, outros elementos

se impuseram e os afastaram. Ademais, a interpretação dos textos jurídicos não é uma tarefa

p. 290). Para o autor português, porém, a interpretação conforme a constituição é uma concretização da interpretação sistemático-teleológica (idem, pp. 295-298). 25 Leciona o autor alemão: “Em correspondência ao seu procedimento estruturante, essa metódica não fala de ‘graus’ ou ‘estágios’ da interpretação, mas de ‘elementos’ do processo de concretização. Savigny esclarece com a denominação ‘elementos’ que os aspectos de método não constituem ‘espécies da interpretação’ separáveis umas das outras, mas momentos de um processo unitário de interpretação, e que a sua relação somente pode ser determinada com vistas à estrutura material do caso jurídico individual. [...] Em virtude da sua não normatividade, nunca se poderá estabelecer uma ordem hierárquica vinculante entre os elementos metódicos. Tentativas nessa direção, empreendidas por Savigny e autores posteriores, fracassaram não por razões de uma deficiente intensidade da pesquisa, mas devido a uma necessidade inerente ao objeto” (Cf. Metodologia..., cit., p. 69). 26 O autor português assevera: “«[...] A interpretação é única: os diversos meios empregados ajudam-se uns aos outros, combinanm-se e controlam-se reciprocamente, e assim todos contribuem para a averiguação do sentido legislativo». O processo de interpretação só fica, por isso, concluído quando nele se inclui também a Constituição e, assim sendo, à semelhança do que sucede com a provisoriedade do resultado apontado pela impropriamente chamada interpretação gramatical, também não se pode considerar definitivo o sentido resultante de uma interpretação situada ao nível da lei”, e mais adiante, “A admissibilidade de um princípio de interpretação das leis em conformidade com a Constituição não legitima qualquer monismo metodológico traduzido numa absoluta primazia do aspecto da conformidade à Constituição. O princípio da interpretação conforme à Constituição deve antes ser utilizado «em conformidade com o método»” (Cf. A decisão..., cit., pp. 307-308).

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atribuída apenas à jurisdição constitucional, de modo que outros intérpretes também podem

participar previamente dessa atividade.27

Como resultado, o órgão de fiscalização pode ser provocado a se manifestar sobre as

diversas interpretações elaboradas a respeito de um mesmo texto normativo. Algumas delas

podem ser constitucionais, uma vez que a constituição tenha sido o elemento mais importante no

processo de concretização, enquanto outras podem ser inconstitucionais, uma vez que outros

fatores tenham sido mais importantes no processo. Tradicionalmente, então, as decisões

interpretativas (dentre as quais a interpretação conforme a constituição como técnica) consistem

na escolha, dentre várias possibilidades, de uma leitura constitucional, com exclusão (ou não) de

leituras incompatíveis com o texto fundamental.28

A diferença fica clara quando verificamos a relevância das suas implicações no controle

de constitucionalidade. A noção de interpretação conforme a Constituição como princípio

hermenêutico serve, principalmente, para evitar essa fiscalização. Isso é mais facilmente

percebido em sistemas nos quais ela é exercida incidentalmente. Nesses sistemas, o juiz é

estimulado a fazer uma exegese que concretize o texto infraconstitucional com as normas

fundamentais, evitando a criação de um incidente processual ou de uma questão levantada para a

27 Essa concepção se amolda à ideia de “sociedade aberta dos intérpretes da constituição”, sustentada por Peter Häberle, e pode ser construída a partir de sua obra. O autor alemão afirma: “O conceito de interpretação reclama um esclarecimento que pode ser assim formulado: quem vive a norma acaba por interpretá-la ou pelo menos co-interpretá-la (Wer di Norm ‘lebt’, interpretiert sie auch (mit). Toda atualização da Constituição, por meio da atuação de qualquer indivíduo, constitui, ainda que parcialmente, uma interpretação constitucional antecipada. Originariamente, indica-se como interpretação apenas a atividade que, de forma consciente e intencional, dirige-se à compreensão e à explicitação de sentido de uma norma (de um texto). [...] Para uma pesquisa ou investigação realista do desenvolvimento da interpretação constitucional, pode ser exigível um conceito mais amplo de hermenêutica: cidadãos e grupos, órgãos estatais, o sistema público e a opinião pública (...) representam forças produtivas de interpretação (interpretatorische Produktivkräfte); eles são intérpretes constitucionais em sentido lato, atuando nitidamente, pelo menos, como pré-intérpretes (Vorinterpreten). Subsiste sempre a responsabilidade da jurisdição constitucional, que fornece, em geral, a última palavra sobre a interpretação (com a ressalva da força normatizadora do voto minoritário). Se se quiser, tem-se aqui uma democratização da interpretação constitucional” (Cf. Hermenêutica Constitucional - a sociedade aberta dos intérpretes da constituição: contribuição para a interpretação pluralista e ‘procedimental’ da constituição, trad. port. Gilmar Ferreira Mendes, Porto Alegre, Sérgio Antonio Fabris, 2002, pp. 13-14). Friedrich Müller, por sua vez, afirma que “em nível hierárquico igual ao da jurisprudência e da ciência jurídica, a legislação, a administração e o governo trabalham na concretização da constituição. Tal trabalho sobre a constituição orienta-se integralmente segundo normas: também a observância da norma, em virtude da qual deixa de ocorrer um conflito constitucional ou um litígio, é concretização da norma” (Cf. Metodologia..., cit., p. 52). 28 Cf. Cláudio de Oliveira Santos Colnago, Interpretação conforme a Constituição: decisões interpretativas do STF em sede de controle de constitucionalidade, São Paulo, Método, 2007, p. 65; Elival da Silva Ramos, Ativismo..., cit., p. 211; Gilmar Ferreira Mendes, Jurisdição Constitucional - o controle abstrato de normas no Brasil e na Alemanha, 5ª Ed., São Paulo, Saraiva, 2005, p. 346.

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Corte Constitucional.29 Por outro lado, a técnica da interpretação conforme a Constituição

pressupõe justamente o contrário, a instauração do controle de constitucionalidade. Nesse caso,

não é mais possível evitá-lo por meio de uma leitura que incorpore elementos das normas

fundamentais. O resultado é a operação supramencionada de seleção entre as possíveis normas

de decisão provenientes do texto legal.30

Assim, acreditamos que uma perspectiva não invalida a outra. É possível dizer que

ambas coexistem no sistema jurídico e, num passo adiante, que essa coexistência é inerente a um

ordenamento jurídico sujeito a diversos intérpretes. Se uma autoridade competente interpreta a

lei segundo os preceitos constitucionais, outra autoridade pode considerar que os demais

elementos interpretativos impedem essa leitura. Diante dessa divergência, a única alternativa

passa a ser a declaração de inconstitucionalidade da interpretação que não considera o texto

fundamental em seu programa normativo. A distinção é relevante, ademais, porque a discussão

29 Já na década de 1960, C. A. Lúcio Bittencourt sustentava que “se uma lei pode ser interpretada em dois sentidos, um que a torna incompatível com a Lei Suprema, outro que permite a sua eficácia, a última interpretação é a que deve prevalecer. Assim o tem decidido reiteradamente a Corte Suprema americana, sustentando que, na hipótese aventada, é deve precípuo do juiz it is our plain duty – adotar a exegese que salve a lei da inconstitucionalidade” (Cf. O Controle Jurisdicional da Constitucionalidade das Leis, 2ª ed., São Paulo, Forense, 1968, p. 94). Em suas regras de bom aviso para um exercício do controle judiciário harmônico com os outros Poderes, o autor brasileiro assentou que “na dúvida, decidir-se-á pela constitucionalidade” e “sempre que possível, adotar-se-á a exegese que torne a lei compatível com a Constituição”. Assim, só poderia haver controle de constitucionalidade propriamente dito quando a inconstitucionalidade fosse manifesta e os juízes não pudessem compatibilizar a norma com a constituição (idem, pp. 115-116; 118-120). Situação semelhante existe na Itália, onde o princípio da interpretação conforme a constituição serve para que os juízes ordinários leiam as normas em concordância com o texto fundamental e, só em caso de impossibilidade total, suscitem um incidente de inconstitucionalidade e invoquem a manifestação da Corte Constitucional. Também nesse caso, como princípio hermenêutico, ele previne o controle de constitucionalidade dos atos normativos (Cf. Augusto Martín de la Vega, La sentencia constitucional en Italia - Tipología y efectos de las sentencias em la jurisdicción constitucional italiana: médio siglo de debate doctrinal, Madrid, Centro de Estudios Políticos y Constitucionales, 2003, pp. 206-212). 30 Por ocasião do julgamento da ADPF-QO 54-8/DF, Rel. Min. Marco Aurélio, o Min. Carlos Britto teceu talvez as considerações mais completas sobre a distinção entre o princípio e a técnica da interpretação conforme a constituição em todo o período analisado: “Quero dizer: o saque desse modo especial de interpretação conforme não é feito para conformar um dispositivo subconstitucional aos termos da Constituição Positiva. Absolutamente! Ele é feito para descartar aquela particularizada interpretação que, incidindo sobre um dado texto normativo de menor hierarquia normativa, torna esse texto desconforme a Constituição. Logo, trata-se de uma técnica de controle de constitucionalidade que só pode começar ali onde a interpretação do texto normativo inferior termina. Primeiro, a interpretação do texto segundo os seus próprios elementos de compreensibilidade e por imersão no diploma com que nasceu para o Direito Positivo. Pronto! Depois é que se faz, não a reinterpretação desse texto para aperfeiçoá-lo à normatividade constitucional, mas tão-somente uma comparação entre o que já foi interpretado como um dos sentidos dele (texto normativo) e qualquer dos dispositivos da Constituição. Donde o nome interpretação conforme a Constituição significar, em rigor, um imediato cotejo entre duas pré-compreensões ou dois antecipados entendimentos jurídicos: o entendimento que já se tem de qualquer dos dispositivos constitucionais versus aquele específico entendimento a que também previamente se chegou de um dispositivo infraconstitucional” (STF, Pleno, ADPF-QO 54-8/DF, Rel. Min. Marco Aurélio, j. 27.04.2005, pp. 136-137 do acórdão; pp. 116-117 do arquivo eletrônico; grifos no original).

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sobre os limites jurídicos da interpretação conforme a Constituição pode assumir feições

diferentes conforme o objeto seja uma ou outra acepção do fenômeno, como será visto no

próximo tópico.

Especificamente em relação à técnica de controle de constitucionalidade, cabe fazer uma

última ressalva. A abrangência da interpretação conforme a Constituição não é pacífica. Em

geral, entende-se que ela conduz à improcedência da ação (sentido formal), declarando que uma

das possíveis normas é constitucional (sentido material). Diferencia-se, portanto, da declaração

de inconstitucionalidade sem redução de texto, que conduz à procedência parcial da ação

(sentido formal), declarando que uma ou mais normas são inconstitucionais, embora o texto legal

se mantenha intacto (sentido material).31

Contudo, o que a análise jurisprudencial revelou, pelo menos na práxis do STF, é o uso

indistinto da técnica. Sob o nome de “interpretação conforme a Constituição” identificaram-se

decisões que poderiam ser caracterizadas dessa forma, mas também se verificaram acórdãos que

conduziam a resultados semelhantes aos da declaração de inconstitucionalidade parcial sem

redução de texto. Além disso, é possível apontar julgamentos que terminam com decisões

interpretativas atípicas, ou seja, decisões que não selecionam normas alternativamente

decorrentes de um texto, mas normas construídas conjuntamente a partir dele.32

Destarte, sob uma única nomenclatura verificam-se as seguintes possibilidades:

a) interpretação conforme a constituição (decisão interpretativa de improcedência):

declara apenas a constitucionalidade de uma ou mais normas alternativamente construídas a

partir da disposição textual;

31 Sobre a diferença entre a interpretação conforme a constituição e a declaração de inconstitucionalidade parcial sem redução de texto, cf. Cláudio de Oliveira Santos Colnago, Interpretação conforme..., cit., pp. 132-139; Francisco Javier Díaz Revorio, Las sentencias..., cit., pp. 68-69; Carlos Blanco de Morais, Justiça Constitucional..., cit., pp. 324-325; Geovany Cardoso Jeveaux, “As decisões...”, cit., pp. 183 e 197. 32 Segundo Riccardo Guastini, toda disposição é mais ou menos vaga e ambígua, passível de múltiplas atribuições de significados, de tal maneira que um só texto pode exprimir mais de uma norma que dele decorra disjuntamente (D � N1? N2? N3?). Fala-se em normas construídas alternativamente. Por outro lado, as disposições podem possuir um conteúdo significativo complexo, que expressa não apenas uma norma, mas uma multiplicidade de normas conjuntas (D � N1 + N2 + N3). De acordo com a concepção do que seja a norma, é possível se falar em apenas uma norma complexa ou várias normas simultaneamente construídas. Fala-se, então, em construção conjunta. Cf. “Disposizione...”, cit., p. 9.

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20 | P á g i n a

b) declaração de inconstitucionalidade parcial sem redução de texto própria (decisão

interpretativa de procedência): declara apenas a inconstitucionalidade de uma ou mais normas

alternativamente construídas a partir da disposição textual;

c) combinação de decisões interpretativas de procedência e improcedência: não apenas

declara a constitucionalidade de uma ou mais normas, como também exclui as demais. É uma

forma de fixar uma única interpretação válida;

d) declaração de inconstitucionalidade parcial sem redução de texto imprópria (decisão

manipulativa redutiva): declara a inconstitucionalidade de uma norma conjuntamente construída

com outras a partir da disposição textual, ou, o que é o mesmo, elimina um segmento ideal de

uma única norma complexa, atuando, por exemplo, em sua hipótese (critério material, espacial,

temporal) ou em sua consequência (relação jurídica estabelecida).

Para o desenvolvimento da monografia, portanto, importam duas ideias essenciais: (i) a

interpretação conforme a Constituição pode ser vista como princípio interpretativo e como

técnica de controle de constitucionalidade; (ii) como técnica de controle de constitucionalidade, a

“interpretação conforme a Constituição”, pelo menos no Brasil, abrange mais do que o conceito

tradicional de decisão interpretativa de rejeição da inconstitucionalidade.

III. Delimitação da ideia de “limites jurídicos” da interpretação conforme

No Estado Democrático de Direito, a questão dos limites à interpretação não se atém à

definição da solução correta a ser escolhida pelo julgador diante de sentidos previamente

existentes na lei. Trata-se, ao contrário, da discussão sobre se a interpretação é juridicamente

defensável num quadro de funções repartidas pela lei maior e de controle por seus destinatários.

Em outras palavras, é de responsabilidade do intérprete concretizar as normas constitucionais (e

demais normas) a partir de um método jurídico controlável e de acordo com o papel institucional

que lhe é atribuído pelo ordenamento.33

33 Segundo Friedrich Müller, a norma que determina a publicidade das decisões é importante porque “a representação e publicação da fundamentação devem, por um lado, convencer os atingidos, por outro, tornar a decisão controlável para um possível reexame por tribunais de instância superior, para outras chances da tutela

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Inicialmente, a técnica da interpretação conforme a constituição teve sua admissibilidade

fortemente questionada por argumentos que defendiam a ilegitimidade dos tribunais para utilizá-

la. Dois problemas foram apontados: de um lado, a invasão de competências do legislador e da

jurisdição ordinária; de outro, a própria possibilidade de que os tribunais desempenhem uma

função corretiva.34 No entanto, essas discussões parecem superadas na doutrina mais recente.

Admitindo tanto não haver invasão de competência como ser legítima a atividade corretiva do

ordenamento, os autores e juízes se preocupam mais com os limites dentro dos quais a utilização

da técnica será secundum constitutionem.35

Destarte, algumas limitações são tradicionalmente apontadas pelos juristas na tentativa de

controlar o uso da técnica. As principais são: (i) existência de múltiplas interpretações

construídas a partir do texto normativo; (ii) respeito ao sentido inequivocamente construído a

partir do texto; (iii) deferência à finalidade buscada pelo legislador com o ato. Além dessas,

outras podem ser apontadas, como a prevalência da declaração de inconstitucionalidade por

imperativo de segurança jurídica ou a impossibilidade de se inutilizar um preceito legal por meio

jurídica e com vistas à questão da sua conformidade à constituição. Um outro efeito consiste na introdução da decisão publicada e fundamentada na discussão da práxis e da ciência jurídicas e da política jurídica e constitucional” (Cf. Metodologia..., cit., p. 54). Também na práxis jurídica se discute a correição da decisão, porque ela “não está obrigada à reflexão hermenêutica e metódica explícita, mas seguramente à busca de uma metódica que permite representar e verificar racionalmente a relevância de critérios normativos de aferição para a decisão, a relevância dos elementos do caso afetados por esses critérios de aferição e a sustentabilidade da decisão [...]. A metódica deve poder decompor os processos da elaboração da decisão e da fundamentação expositiva em passos de raciocínio suficientemente pequenos para abrir o caminho ao feed-back controlador por parte dos destinatários da norma, dos afetados por ela, dos titulares de funções estatais (tribunais revisores, jurisdição constitucional etc.) e

da ciência jurídica” (idem, ibidem, grifos no original). 34 Cf. José Manuel M. Cardoso Costa, “A Justiça...”, cit., pp. 73-75; Hèctor López Bofill, Formas interpretativas…, cit., p. 135. 35 No tocante ao conflito com o legislador, mesmo que a Corte conserve o texto da lei, numa evidente autocontenção, ela pode distorcer completamente o significado pretendido por quem elaborou o diploma legal. Não haveria problemas em se admitir essa modalidade decisória, porém, desde que a fronteira entre a atividade do legislador e a atividade da jurisdição constitucional ficasse claramente delimitada. Nesse enfoque, ganha força a procura por limites ao uso da técnica (Cf. Rui Medeiros, A decisão..., cit., pp. 304-307). Por sua vez, no que tange ao conflito com a jurisdição ordinária, essa situação é típica daqueles sistemas de controle que atribuem o monopólio da fiscalização de constitucionalidade a um único órgão, com exclusão de todos os juízes comuns. Nesse caso, autores busquem delimitar o âmbito de atribuições de cada jurisdição. Hèctor López Bofill cita cinco regras criadas por A. Voβkuhle para garantir uma atuação restritiva da jurisdição ordinária e também delinear a relação entre as duas jurisdições: a) um judicial self-restraint dos juízes, em deferência ao legislador e à competência do Tribunal para o controle de constitucionalidade; b) a vinculação do TC à interpretação dos juízes em matéria de legalidade; c) a vedação da técnica como forma de aprimorar uma interpretação legal; d) obrigação do TC para explicitar as opções inconstitucionais, dando preferência por decisões que depurem o ordenamento delas; e) maior flexibilidade para admitir a questão de constitucionalidade, especialmente diante do esforço da jurisdição ordinária em conferir uma interpretação conforme (Cf. Formas interpretativas..., cit., pp. 140-141).

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de uma interpretação conforme a constituição que, mesmo possível, torne inviável a sua

aplicação.36

Em relação à pluralidade de normas (i), o preceito deve ser materialmente divisível, ou

seja, deve gerar uma pluralidade de significados, alguns constitucionais e outros

inconstitucionais.37 Diz-se mesmo que essa técnica surge com força quanto mais intensa for a

divergência acerca dos significados possíveis construídos a partir do texto, pois é uma forma de

fixar um entendimento.38 No que toca ao respeito ao texto legal (ii), o intérprete não deve se ater

exclusivamente ao texto da lei, mas deve se abster de utilizar a interpretação conforme sempre

que a conjugação dos diversos métodos de interpretação demonstrarem haver um sentido

inequívoco diferente.39 Por fim, em relação à vontade do legislador (iii), há uma grande

dificuldade em se definir essa voluntas – se subjetiva ou objetiva – e como a Corte lhe está

vinculada. Por isso mesmo, critica-se esse limite por ser pouco observado e por trazer

desvantagens aparentemente irremediáveis.40 Isso não significa, porém, que o juiz constitucional

está totalmente desvinculado do legislador, principalmente num regime de governo que se

caracteriza como democrático de direito.41

Cabe uma última ressalva neste tópico. Diante da realidade jurisprudencial brasileira,

importa salientar que a chamada declaração de nulidade parcial qualitativa imprópria (decisão

redutora) está sujeita a limites diferentes daqueles a que se sujeitam as decisões interpretativas

stricto sensu. Uma vez que as duas técnicas são muitas vezes utilizadas sob a mesma alcunha

36 Para um panorama dos limites normalmente mencionados na doutrina, cf. Cláudio de Oliveira Santos Colnago, Interpretação conforme..., cit., pp. 140-143; Gilmar Ferreira Mendes, Jurisdição Constitucional..., cit., pp. 290-293 e 349-350; Rui Medeiros, A decisão..., cit., pp. 301-318. 37 Cf. Carlos Blanco de Morais, Justiça Constitucional..., cit., pp. 335. 38 Cf. Lenio Luiz Streck, Jurisdição Constitucional e Hermenêutica - uma nova crítica do Direito, 2ª Ed., Rio de Janeiro, Forense, 2004, p. 578. 39 Cf. Carlos Blanco de Morais, Justiça Constitucional..., cit., pp. 335-336; Rui Medeiros, A decisão..., cit., pp. 316-317. 40 O grande problema diz respeito à definição dessa vontade. Se se opta por uma vontade subjetiva, surgem problemas sobre quem é o legislador e por que meios se pode inferir a sua posição; se se opta por uma vontade objetiva, pouco se limita, pois é o Tribunal o responsável por extrair a intenção objetivada na lei (Cf. Hèctor López Bofill, Formas interpretativas..., pp. 136-137). O Supremo Tribunal Federal não parece respeitar a vontade do legislador como limite. O problema seria mais grave no caso de interpretação conforme em emendas constitucionais, pois envolveria a vontade do próprio poder constituinte derivado (Cf. Gilmar Mendes, Jurisdição Constitucional..., cit., p. 292). Por outro lado, não há como impedir que a decisão interpretativa altere em alguma medida a finalidade ou o espírito da lei. 41 Cf. Carlos Blanco de Morais, Justiça Constitucional..., cit., pp. 336-337.

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(“interpretação conforme a constituição, sem redução de texto”), importa salientar que essa

atecnia pode tornar o cenário dos limites mais nebuloso.

De fato, em termos de admissibilidade, as decisões redutoras estão mais adequadas à

ideia de função de legislador negativo das cortes constitucionais, pois traduzem uma mera

atividade de precisão do conteúdo normativo do texto impugnado. Novamente impõem-se limites

à possibilidade de que o sentido inequívoco da lei seja alterado pelo julgador. O enfoque,

todavia, é diverso daquele que é dado às decisões interpretativas stricto sensu. Trata-se de

verificar o grau de separabilidade do preceito. Assim, se é possível declarar a

inconstitucionalidade sem redução de texto do segmento “A”, numa norma “A + B”, não é

possível fazer o mesmo se a divisão dos segmentos implicar uma norma completamente diferente

e contrária à original (“AB”). Contra esses limites, Rui MEDEIROS afirma que a distinção é

meramente formal e que a adoção pela técnica deve ser ponderada de acordo com a necessidade

do caso concreto, à luz da ideia da mínima inconstitucionalidade possível.42

C. ANÁLISE DA JURISPRUDÊNCIA

I. Apresentação dos resultados gerais

No início do estudo, apresentamos hipóteses específicas que seriam testadas ao longo da

pesquisa. Apenas para retomá-las, perguntávamos: (i) se teria havido uma pacificação de

entendimento sobre a técnica e seus limites antes de 2006; (ii) se teria havido mudanças

comportamentais depois dos marcos legislativos de 1999 e 2004; (iii) se os limites apontados

pela doutrina não encontrariam respaldo na prática da Corte; (iv) se a divergência sobre a forma

como julgar o caso é mais importante do que os limites para a rejeição da interpretação conforme

a constituição.

Foram analisados 92 casos, 143 dispositivos impugnados e 1244 votos para o período de

1987 a 2006, e aproveitadas as informações obtidas no estudo anterior para um conjunto de 48

42 Cf. A decisão..., cit., pp. 436-438.

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casos, no período entre 2006 e 2010.43 Os dados reunidos serviram para que obtivéssemos

algumas respostas para as nossas hipóteses, mas sem pretensão de se fazer uma pesquisa

quantitativa.

Em relação à primeira questão, de maneira geral não se verificou, no período entre 1987 e

2006, uma preocupação do Supremo Tribunal Federal em delinear a técnica da interpretação

conforme a constituição. Na maioria das vezes, os ministros expuseram o raciocínio e

concluíram pela utilização da técnica sem tecerem maiores considerações sobre seus

fundamentos e seus limites ou sobre a forma assumida pelo dispositivo decisório.44 Embora

vários acórdãos, entre 2006 e 2010, contenham discussões interessantes sobre a interpretação ou

não de um ato normativo em conformidade com a lei superior, continuam poucos os votos que

tratam detidamente da questão.45

Poder-se-ia questionar essa conclusão com a afirmação de não ser necessário que a Corte

trate da técnica sempre que for utilizá-la para julgar uma ação. Todavia, essa crítica não procede

enquanto não houver uma consolidação do entendimento sobre ela na jurisprudência do tribunal.

De outra sorte, mesmo as manifestações encontradas são breves e não esgotam o tema, o que

indica que ele ainda está aberto e deve ser definido.

A ausência de tratamento da matéria se reflete numa segunda observação importante: a

“interpretação conforme a constituição” se tornou, no Brasil, uma técnica “multifacetada”. As

distinções que são comuns na doutrina, como a que se faz entre a técnica e a declaração de

43 É necessária uma observação acerca do universo de acórdãos selecionados para a pesquisa. Um levantamento parecido foi feito por Geovany Cardoso Jeveaux, para o período entre 1993 e 2004, de modo que foi possível comparar o material de ambas as pesquisas (Cf. “As decisões...”, pp. 205-209). Constatou-se que nosso universo tinha alguns acórdãos que não constavam no artigo de Jeveaux (ADI-MC 1416, ADI 1521, ADI 1552, ADI 1695, ADI 1664, ADI 1758, ADI 1377, ADI 1862, ADI-MC 2405, ADI 2797) e que a recíproca também era válida (ADI 939, ADI 1599, ADI 1797, ADI 1170). A própria leitura dos votos revelou a existência de outras decisões que tratavam da técnica, mas não foram abarcadas pelos parâmetros de pesquisa (ex.: ADI 1098/SP). Portanto, em que pese o grande número de julgados analisados, eles não esgotam todas as manifestações no período considerado. 44 Entre 1987 e 2006, em apenas 13 dos 92 casos houve alguma manifestação específica sobre seus contornos processuais. Em apenas um caso mais de dois ministros discorreram sobre a técnica em si durante todo o julgamento. Trata-se da ADPF-QO 54-8/DF, Rel. Min. Marco Aurélio, na qual a discussão sobre a interpretação conforme a constituição foi trazida para a preliminar do julgamento como uma questão de admissibilidade da ação. Ao todo, em apenas 18 votos (num universo de 1255 votos) houve o tratamento da técnica. 45 Na ADI 1351-3/DF, Rel. Min. Marco Aurélio, j. 07.12.2006, o Min. Gilmar Mendes trata exaustivamente da interpretação conforme a constituição e das sentenças aditivas (pp. 139 e ss. do arquivo eletrônico). O voto é reproduzido na ADI 3510/DF, Rel. Min. Carlos Britto, j. 29.05.2008 (pp. 490 e ss. do arquivo eletrônico), julgamento no qual houve um grande debate sobre a própria interpretação conforme a constituição ao final (pp. 508-509 do arquivo eletrônico).

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inconstitucionalidade parcial sem redução de texto, pouco servem para a análise da

jurisprudência da Corte. No período entre 1987 e 2006, verificaram-se que decisões chamadas de

“interpretação conforme a constituição” levaram à procedência ou à procedência em parte da

ação, ou que decisões mencionando apenas a inconstitucionalidade sem redução de texto levaram

à improcedência.46

Uma possível crítica poderia ser feita a esse modo de análise: importaria a forma tomada

pelo dispositivo decisório (aspecto formal) ou a operação efetivamente realizada na norma

(aspecto material)? Não obstante a pertinência da indagação, também sob um ponto de vista

material não houve uma uniformização do tratamento da questão pelo STF. Assim, a

“interpretação conforme a constituição” foi utilizada para excluir uma interpretação, dar uma

determinada leitura para um preceito e, ainda, promover uma “decisão aditiva”, tal como

caracterizada pela Corte.47

O entendimento de que começou a haver a diferenciação na práxis da Corte nos últimos

anos não pode ser verificado na prática.48 Entre 1987 e 2006, é visível que o dispositivo decisório

46 Em números, verificou-se o seguinte: (i) dos resultados classificados por nós como de interpretação conforme a constituição (não excluíam explicitamente interpretações), 4 levaram à improcedência, 11 à procedência parcial e 7 à procedência total da ação. Em 16 casos foi mencionado no dispositivo decisório o uso da “interpretação conforme a constituição”, enquanto em 6 casos não houve qualquer menção; (ii) dos resultados classificados por nós como de combinação da interpretação conforme a constituição com a declaração de inconstitucionalidade parcial sem redução de texto própria (adotavam uma interpretação e excluíam as demais explicitamente), todas as 18 ações foram julgadas procedentes em parte. Contudo, em 10 casos houve menção ao uso da “interpretação conforme a constituição” e nos 8 restantes não houve; (iii) dos resultados classificados por nós como de declaração de inconstitucionalidade parcial sem redução de texto própria (excluíam uma interpretação), 5 casos foram de procedência parcial e 2 de procedência total. Em 3 deles houve menção à “interpretação conforme a constituição” no dispositivo decisório; (iv) dos resultados classificados por nós como de declaração de inconstitucionalidade parcial sem redução de texto imprópria (excluíam um segmento ideal da norma ou, o que é o mesmo, alguma norma derivada conjuntamente da disposição), 18 casos foram de procedência em parte e 11 acórdãos terminaram com a procedência total da ação. Em 16 deles houve menção ao uso da “interpretação conforme a constituição”; e (v) em 25 casos houve rejeição da técnica. Mesmo que se critique a possível subjetividade da nossa classificação, esse contraponto pode ser facilmente neutralizado com um dado objetivo: em 42 casos houve menção ao uso da “interpretação conforme a constituição” no dispositivo decisório do acórdão. Destes, apenas um levava à improcedência da ação, 11 levavam à procedência total e todos os demais levavam à procedência parcial da ação. 47 O próprio Min. Gilmar Mendes, em seu voto na ADI 3510/DF, afirma que o STF proferiu decisões aditivas ou corretivas da lei em diversos casos: ADI 3324, 3046, 2652, 1946, 2209, 2596, 2332, 2084, 1797 (não analisada), 2087, 1668, 1344, 2405, 1105 (não analisada), 1127. 48 De acordo com Gilmar Ferreira Mendes, “a decisão proferida na ADIn 491 parece indicar que o Supremo Tribunal Federal está disposto a afastar-se da orientação anterior, que equiparava a interpretação conforme à Constituição à declaração de nulidade parcial sem redução de texto, passando a deixar explícito, no caso de declaração de nulidade sem redução de texto, que determinadas hipóteses de aplicação, constantes de programa normativo da lei, são inconstitucionais e, por isso, nulas” (Cf. Jurisdição Constitucional..., cit., p. 355). Em que pese

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tende a seguir a enunciação do voto do ministro que, tendo utilizado a técnica, foi designado para

a redação do acórdão. Mesmo a leitura dos dispositivos decisórios que mencionam a técnica

entre 2006 e 2010 não permite a identificação de um critério uniformizador das decisões.

Novamente, há exclusões de exegeses sob o nome de “interpretação conforme a constituição” e

fixação de interpretações com procedência da ação. Diferentemente do período anterior, contudo,

é possível notar uma padronização na declaração do resultado: atualmente, o uso da técnica leva

à procedência parcial da ação.

Como mencionado no tópico A.III, isso causa um grande desconforto para o estudioso

que pretende analisar a técnica na jurisprudência da Corte. Especificamente na questão dos

limites, também é discutível a utilização das mesmas limitações para fenômenos diferentes,

simplesmente porque todos são tratados da mesma maneira. Um exemplo disso é a afirmação de

que não é possível a interpretação conforme a constituição por falta de pluralidade de sentidos,

tendo-se no caso, porém, a declaração de inconstitucionalidade de um segmento ideal de uma

única norma.

Ainda sobre a pacificação do tema, verificou-se, no período de 1987 a 2006, que os atos

normativos foram interpretados em conformidade com a lei suprema na maioria dos casos nos

quais essa possibilidade foi suscitada, sendo que pouco mais da metade das vezes por decisões

unânimes.49 Esse cenário demonstra uma grande aceitação da técnica pelos ministros sempre que

a sua utilização foi proposta nos julgamentos. Não parece ter havido, portanto, um ambiente

propício para que seus contornos fossem delineados. Todavia, os números se alteram

a abalizada lição do eminente Ministro e doutrinador, a Corte parece ter apenas uniformizado a forma tomada pelo dispositivo decisório, considerando haver procedência parcial, não fazendo uma diferenciação efetiva tal como feita, por exemplo, por Cláudio de Oliveira Santos Colnago (Cf. Interpretação Conforme..., cit., p. 192) ou por Geovany Cardoso Jeveaux (Cf. “As decisões...”, cit., pp. 205 e 209). Consoante os resultados obtidos, Cláudio de Oliveira Santos Colnago conclui: “Esta prática acaba tornando inócua a distinção entre tais modalidades como vem sendo feita pela doutrina brasileira, ainda que inspirada na literalidade do parágrafo único do art. 28 da Lei Federal 9.868/99. Como a disposição legal mencionada não estabelece os requisitos mínimos para verificar quando ocorre uma ‘interpretação conforme à Constituição’ e quando se dá a ‘inconstitucionalidade parcial sem redução de texto’, o Supremo Tribunal Federal acabou desfrutando de enorme liberdade para estabelecer os contornos materiais de tais institutos, inclusive para negar uma efetiva diferença prática entre eles, ao menos no âmbito do controle de constitucionalidade em abstrato” (Cf. Interpretação Conforme..., cit., pp. 189-190). 49 Dos 143 dispositivos impugnados nos 92 casos analisados, para 42 deles houve rejeição do uso da técnica. Em um deles chegou-se à prejudicialidade da ação (ADI-MC 221) e em outro caso a Corte decidiu apenas pela admissibilidade do pedido de “interpretação conforme a constituição” com relação aos três dispositivos impugnados (ADPF-QO 54). Para os outros 97 dispositivos adotou-se a interpretação conforme a constituição, sendo que para 51 deles a decisão foi tomada pela unanimidade dos ministros julgadores.

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ligeiramente nos últimos anos, com rejeição em cerca de metade dos casos analisados no

período.50

Essa última informação serve para que reformulemos nossa segunda hipótese. Não foi

possível constatar qualquer mudança de comportamento da Corte logo depois da entrada em

vigor das Leis 9.868/99 e 9.882/99 ou da Emenda Constitucional n. 45/04. Por trazerem os

efeitos vinculantes das decisões de mérito no controle abstrato para os níveis constitucional e

infraconstitucional, esperávamos que esses marcos legislativos pudessem ter reflexos facilmente

perceptíveis nos julgamentos do STF.

No entanto, se houve uma alteração comportamental ela parece ter ocorrido mais em

função da mudança de composição da Corte do que propriamente em razão dos diplomas

normativos mencionados.51 Até novembro de 1999, houve rejeição do uso da técnica para 19 dos

68 dispositivos analisados; de dezembro de 1999 até dezembro de 2004, houve rejeição para 11

dos 48 dispositivos analisados; por fim, nos anos de 2005 e 2006, houve rejeição para 12 dos 24

dispositivos analisados.52 Essa “taxa de rejeição” se mantém nos anos posteriores até 2010.

A conclusão anterior parece ser corroborada pelo número de casos em que foram citados

limites à interpretação conforme a constituição. Entre 1987 e novembro de 1999, foram 11 casos;

entre dezembro de 1999 e dezembro de 2004, foram 6 casos; entre 2005 e junho de 2006 foram 6

casos. Verifica-se que em apenas um ano e meio houve tantas citações de limites quanto nos

anos anteriores.

Esses dados poderiam sustentar, por outro lado, a tese de que o advento da Emenda

Constitucional n. 45, de dezembro de 2004, teria gerado uma postura de maior autocontenção da

Corte, tal como formulado por nós na hipótese inicial. Contudo, a infirmar esse entendimento há

os números do período entre a edição das leis que regulam o controle abstrato no STF e o

50 Dos 48 casos analisados, houve rejeição da técnica em 25. Em 16 ocasiões, a técnica foi proposta por apenas um ministro e rechaçada pelos demais ou nem chegou a ser adotada por qualquer um deles. 51 A maior mudança na composição da Corte ocorreu em 25 de junho de 2003, com a posse de três novos ministros (Ministros Carlos Britto, Cezar Peluso e Joaquim Barbosa). Antes disso, em 2002, o Min. Gilmar Mendes tomou posse da vaga do Min. Néri da Silveira. Em 30 de junho de 2004 tomou posse o Min. Eros Grau. Em 2006, tomaram posse os ministros Ricardo Lewandowski e Cármen Lúcia. 52 Desconsideram-se os dispositivos da ADPF-QO 54-8/DF, cujo julgamento não tratou efetivamente da rejeição ou da utilização da interpretação conforme a constituição, mas sim da admissibilidade da ação e da manutenção da medida cautelar.

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advento da emenda. Não parece haver mudança significativa de comportamento da Corte após

2004, em relação ao período anterior, o que demonstraria que a existência de efeitos vinculantes,

já em 1999, não levou a uma postura restritiva.

Diante desse contexto, é possível adentrar no tema dos limites à “interpretação conforme

a constituição”, entendida como praticada pelo STF, e dar respostas às duas outras hipóteses

específicas da pesquisa.

No período entre 1987 e 2006, houve menção de possíveis limites à técnica em 23 casos.

Entre 2006 e 2010, foram pelo menos 16 casos.53 Desses 39 acórdãos, em 20 deles essas

limitações desempenharam papel essencial para que a interpretação conforme a constituição

fosse rejeitada. Nos outros 19, essas considerações não foram suficientes para levar à rejeição.

Em relação aos dois limites comumente apontados pela doutrina (sentido inequívoco do

texto e vontade do legislador), a hipótese de que eles não encontram respaldo na Corte parece ter

sido parcialmente confirmada pelo universo de acórdãos analisado. O sentido inequívoco do

texto normativo foi apontado como limite em pelo menos 15 casos, tendo sido fundamental para

o resultado em 10 deles. Por outro lado, a vontade do legislador foi citada em 8 acórdãos, tendo

sido fundamental para o resultado em apenas 3 deles.

Esses dados mostram que, dentre todos os limites citados, o sentido inequívoco (15 de

39) e a vontade do legislador (8 de 39) são bastante mencionados. Entretanto, a efetividade de

ambos para a rejeição da técnica não é a mesma: se o primeiro conseguiu afastá-la em 2 de cada

3 casos nos quais foi usado, o segundo só fundamentou o afastamento da interpretação em cerca

de um terço dos casos, e mesmo assim combinado com outros limites, como o próprio sentido

inequívoco da lei, a falta de polissemia de sentidos e a função de legislador negativo da Corte.

A última hipótese específica proposta e testada diz respeito à própria importância dos

limites em si. Em outras palavras, eles desempenham um papel importante na jurisprudência da

Corte ou possuem valor marginal na fundamentação dos ministros?

53 Não foi possível obter um número preciso quanto a esse aspecto devido à diferença entre os formulários utilizados. Embora tenham sido levantados os motivos para que os ministros rejeitassem o uso da interpretação conforme a constituição no período entre junho de 2006 e 2010, inclusive no tocante aos limites, não foi feito um levantamento sobre a quantidade de vezes em que um ministro citou alguma limitação, mas votou pelo uso da técnica.

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Entre 1987 e 2006, quase não houve caso no qual a metade ou mais do tribunal tenha se

manifestado sobre a questão dos limites da interpretação conforme. Os ministros que utilizaram a

técnica raramente citaram algum. Assim, aqueles que condicionaram a constitucionalidade do

preceito não se preocuparam em demonstrar que isso era viável no caso sob judice, e os limites

não desempenharam um papel importante para eles.

Por outro lado, os dados demonstram que quem os cita geralmente vota pela rejeição, mas

quem vota pela rejeição não menciona necessariamente essas limitações.54 Isso parece confirmar

a hipótese inicial de que as divergências de julgamento são mais importantes para a rejeição do

que a menção aos limites. Em geral, os ministros afastam a técnica porque consideram a norma

totalmente constitucional ou totalmente inconstitucional ou apontam outra questão jurídica como

necessária para o deslinde do julgamento como, por exemplo, a inconstitucionalidade formal do

dispositivo. Assim, o que exigiria o condicionamento da validade do ato normativo para um dos

ministros não é visto necessariamente da mesma maneira pelos seus pares. Os limites, então,

assumiriam o papel de mais um fundamento para a rejeição da constitucionalidade sob reserva de

interpretação.

Por fim, as informações gerais ainda permitem a discussão sobre a hipótese geral do

presente estudo – quais os limites e como eles são usados. O primeiro aspecto será tratado no

próximo tópico. Quanto ao modo de utilização, não foi possível extrair qualquer critério que, de

maneira geral, indicasse os casos nos quais o STF tende a adotar uma postura de autocontenção

no uso da interpretação conforme a constituição.

Uma primeira hipótese considerada foi a de que os ministros poderiam tratar do tema

com mais freqüência quando a interpretação fosse proposta pelo autor, pelos órgãos defensores

do ato ou pela Procuradoria-Geral da República. Nessa situação, a existência de um pedido por

determinada leitura do dispositivo ou a manifestação de algum dos órgãos pela existência de

limites poderia criar uma questão sobre a qual os julgadores tivessem que se manifestar.

54 Em números, 42 dispositivos impugnados não foram interpretados de acordo com a constituição, mas em apenas 15 deles isso se deu com a menção a limites da técnica. Essa realidade não parece se alterar no período entre junho de 2006 e 2010. Foram 25 acórdãos nos quais houve alguma rejeição, mas somente 11 tiveram como motivação a existência de limites para a interpretação conforme a constituição.

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Contudo, os dados não permitem qualquer conclusão nesse sentido. É certo que alguns

dos limites que serão apresentados a seguir mantêm intrínseca relação com a existência de

pedido do autor por determinada interpretação, mas não é possível avançar mais nas conclusões.

Ao contrário, na maioria das vezes, limitações foram mencionadas em casos nos quais o ministro

relator ou outro ministro votante suscitou a aplicação da técnica, sem que qualquer dos atores

processuais tenha se manifestado nesse sentido. A afirmação se confirma mesmo no período

entre 2006 e 2010.55

Uma segunda possibilidade seria a de que a natureza do caso e o assunto do julgamento

pudessem exercer algum tipo de influência. Nesse sentido, duas observações podem ser feitas.

Em primeiro lugar, a análise fica evidentemente enviesada diante do maior número de ações

envolvendo determinadas matérias, como servidores públicos e organização institucional.56

Mesmo assim, foi possível verificar a existência de determinados casos nos quais a Corte já

consolidou o uso da interpretação conforme a constituição – disciplina dos precatórios57,

nomeação de conselheiros para os tribunais de contas estaduais58, disciplina das prerrogativas

dos membros do Ministério Público59, atribuição de competências para certos tributos (ICMS e

55 Em números, ao todo os limites foram citados em 23 acórdãos entre 1987 e 2006 (39 dispositivos). Nesse universo de decisões, a interpretação conforme a constituição foi suscitada pelo autor para 13 dispositivos, pelo Procurador-Geral da República para 4 dispositivos, pelo defensor do ato impugnado (Congresso e Presidência) para 1 dispositivo, pelo ministro relator para 14 dispositivos e por outro ministro para 6 dispositivos. No período entre 2006 e 2010, dos 16 casos nos quais houve menção aos limites, apenas em um a interpretação foi suscitada pelas partes (requerente). 56 Os temas foram atribuídos de acordo com a classificação proposta na pesquisa elabora pela Sociedade Brasileira de Direito Público (SBDP) para o Ministério da Justiça, aprimorada com novas classes (Cf. Controle de constitucionalidade dos atos do Poder Executivo, Série Pensando o Direito, n. 30, Brasília, Ministério da Justiça, 2010, pp. 19-20). A pesquisa demonstra empiricamente algo que a doutrina já aponta no tocante ao controle abstrato de constitucionalidade: a maior parte das ações versa sobre temas ligados à Administração Pública, como servidores públicos e organização das instituições. 57 São as ações: ADI-MC 565-1/SP, Rel. Min. Néri da Silveira, j. 24.11.1994; ADI-MC 1662-7/SP, Rel. Min. Maurício Corrêa, j. 11.09.1997; ADI 1662-7/SP, Rel. Min. Maurício Corrêa, j. 30.08.2001; ADI 2924-0/SP, Rel. Min. Carlos Velloso, j. 30.11.2005. Cite-se também a ADI 1098/SP, Rel. Min. Marco Aurélio, j. 11.09.1996. 58 São as ações: ADI-MC 2596-1/PA, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, j. 15.08.2002; ADI 2209-1/PI, Rel. Min. Maurício Corrêa, 19.03.2003; ADI 2596-1/PA, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, j. 19.03.2003; ADI 3255-1/PA, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, j. 22.06.2006; ADI 3688-2/PE, Rel. Min. Joaquim Barbosa, j. 11.06.2007. Cite-se como exceção a ADI-MC 2502-3, Rel. Min. Sydney Sanches, j. 03.10.2001, na qual a Corte rejeitou a interpretação em conformidade com a constituição por conta dos limites literais do texto. 59 São as ações: ADI-MC 1371-8/DF, Rel. Min. Néri da Silveira, j. 03.06.1998; ADI 1377-7/DF, Rel. Min. Octavio Gallotti, j. 03.06.1998; ADI-MC 2084-6/SP, Rel. Min. Ilmar Galvão, j. 16.02.2000; ADI 2084-6/SP, Rel. Min. Ilmar Galvão, j. 02.08.2001; ADI-MC 2534-1/MG, Rel. Min. Maurício Corrêa, j. 15.08.2002.

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IPVA, por exemplo)60 e vantagens remuneratórias dos servidores públicos61. Nesses temas, a

existência de precedentes e de uma jurisprudência pacificada contribui para que a discussão

sobre as restrições da técnica seja afastada. A maioria dos acórdãos, aliás, é composta apenas

pelo voto do ministro relator.

Uma segunda observação diz respeito ao fato de que a importância do julgamento parece

contribuir diretamente para a discussão sobre os limites da interpretação conforme a constituição.

Casos de grande repercussão – como o da aplicação do Código de Defesa do Consumidor às

instituições financeiras (ADI 2591), das prerrogativas dos advogados (ADI 1127), da

possibilidade de aborto do feto anencéfalo (ADPF-QO 54), das pesquisas com células-tronco de

embriões humanos (ADI 3510), do piso de remuneração do magistério público (ADI-MC 4167) e

da anistia aos acusados de tortura na época do regime militar (ADPF 153) – suscitaram mais

menções aos limites e, por vezes, discussões mais intensas sobre quais as fronteiras para a

atividade da Corte no controle de constitucionalidade.

Outro dado que poderia mostrar uma possível coerência na menção de obstáculos à

interpretação conforme a constituição seria a indicação dos ministros responsáveis por citá-los.

Contudo, a análise dos votos proferidos demonstra que não há um ministro mais preocupado com

as limitações da técnica, havendo resultados bastante variados. Embora algum destaque possa ser

dado para os Ministros Sepúlveda Pertence, Moreira Alves, Marco Aurélio e Gilmar Mendes, é

certo que mesmo eles não apresentam um padrão de conduta claramente identificável.

Finalmente, a operação realizada também não é um fato determinante para a menção ou

não aos limites. Não é possível afirmar que quando a Corte lida com uma decisão interpretativa

em sentido estrito (interpretação conforme a constituição ou declaração de inconstitucionalidade

parcial qualitativa própria) ela trata mais dos limites do que quando está diante de uma decisão

redutora. Porém, na comparação entre a interpretação conforme a constituição pura (tentativa de

atribuição de uma interpretação ao texto) e as declarações de inconstitucionalidade sem redução

60 São as ações: ADI-MC 1600-8, Rel. Min. Sydney Sanches, j. 27.08.1997; ADI 1600-8, Rel. Sydney Sanches, j. 26.11.2001; ADI 3246-1/PA, Rel. Min. Carlos Britto, j. 19.04.2006; ADI 2866/RN, Rel. Min. Gilmar Mendes, j. 12.05.2010. 61 São as ações: ADI-MC 1344-1/ES, Rel. Min. Moreira Alves, 18.12.1995; ADI-MC 1586-9/PA, Rel. Min. Sydney Sanches, j. 07.05.1997; ADI 1586-9/PA, Rel. Min. Sydney Sanches, j. 27.02.03.

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de texto (próprias e impróprias), a maior resistência dos ministros em relação à primeira técnica

apresenta-se perceptível.62

II. Limites jurídicos da interpretação conforme a Constituição

A verificação de todo o universo de pesquisa permitiu o levantamento de oito possíveis

limites, os quais foram agrupados da seguinte maneira:

(1) limites lógicos: dizem respeito aos próprios pressupostos da técnica e à

admissibilidade de sua utilização. Eles existem quanto: (a) ao parâmetro de aferição da validade

da norma; (b) à categoria do vício de inconstitucionalidade; e (c) à polissemia de sentidos no

texto;

(2) limites substanciais: dizem respeito às constrições que o intérprete sofre ao escolher

um sentido corretivo da disposição impugnada. São eles: (a) a literalidade e o sentido inequívoco

do texto; (b) a vontade do legislador;

(3) limites funcionais: dizem respeito ao papel da corte constitucional no sistema e aos

impedimentos que ela encontra em razão das funções que lhe são atribuídas. São eles: (a) a

função de legislador negativo da Corte; (b) a inexistência de função consultiva.

(4) limites em razão de princípios ou juízos de conveniência e necessidade: dizem

respeito aos juízos que o tribunal faz em relação à valia que a interpretação conforme a

constituição terá para a clareza da decisão e para a eficácia do dispositivo salvo, segundo

critérios de conveniência e necessidade ou de sopesamento de princípios, tais como a segurança

jurídica e a supremacia constitucional.

Cada um dos limites será analisado individualmente nos tópicos seguintes, além de outros

que, porventura, não tenham sido tão relevantes.

62 Em números, entre 1987 e 2006, houve menção de limites em 10 casos que envolviam interpretação conforme a constituição; 5 casos que envolviam a combinação das decisões interpretativas; 5 casos que envolviam a declaração de inconstitucionalidade parcial sem redução de texto própria; e 6 casos que envolviam a declaração de inconstitucionalidade parcial sem redução de texto imprópria. O número total de 26 casos, ao invés dos 23 anteriormente citados, ocorre devido a casos nos quais duas formas de decisão diferentes são pretendidas para dispositivos diferentes.

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1. Limites lógicos

a) quanto ao parâmetro de aferição da validade da norma

Em 4 casos, a Corte apontou a necessidade de que a interpretação fosse feita com base

num parâmetro constitucional. Esse fundamento contribuiu para a decisão final em apenas um

deles.63 Parece despiciendo afirmar que a “interpretação conforme a constituição” deve ser feita à

luz da constituição. Nos casos apontados, porém, houve manifestações realçando a importância

de que não fosse feita uma “interpretação conforme a lei”, mas sim uma leitura adequada à lei

maior.

Por que, então, a exigência do parâmetro constitucional deve ser considerada um limite?

Além de termos identificado uma preocupação dos ministros em ressaltarem que não estão

condicionando a validade do ato impugnado a partir de outros atos infraconstitucionais, também

verificamos manifestações no sentido de que a solução deve decorrer diretamente da

constituição. Parece-nos essencial, portanto, que os julgadores apresentem explicitamente os

dispositivos ou princípios fundamentais que embasem a decisão sob reserva de interpretação.

Essa falha não aparece frequentemente no STF – os ministros costumam fundamentar

constitucionalmente seus votos.64

Nessa seara, são dois os possíveis problemas que ensejam a restrição do uso da

interpretação conforme a constituição: (i) não há confronto entre a validade da norma e o

parâmetro constitucional, mas apenas interpretação do próprio dispositivo impugnado; (ii) a

constituição não oferece critérios mínimos que permitem construir a condição imposta pela Corte

para manter o texto intacto.

63 Cf. ADI 3324-7/DF, Rel. Min. Marco Aurélio, j. 16.12.2004; ADPF-QO 54-8/DF, Rel. Min. Marco Aurélio, j. 27.04.2005; ADI 3026-4/DF, Rel. Min. Eros Grau, j. 08.06.2006 (relevante); ADI 3510/DF, Rel. Min. Carlos Britto, j. 29.05.2008. 64 De 1244 votos analisados houve adoção de interpretação conforme a constituição em 838 deles, inclusive naqueles que constam meramente no extrato da ata de julgamento e que, portanto, seguem a fundamentação do voto condutor da corrente de julgamento. Em 527, houve menção a um dispositivo constitucional (por exemplo, art. 5º e seus incisos, art. 37, art. 98, etc.); em 41, houve menção a algum princípio ou ao sistema constitucional, sem referência ao dispositivo constitucional; em 242, não foi explicitado o dispositivo ou o princípio que embasava a decisão, mas ele era aferível pelo contexto do voto ou do julgamento; por fim, em 28 não houve qualquer fundamento constitucional apresentado.

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No tocante ao primeiro problema, tem-se novamente a questão da distinção entre

interpretação conforme a constituição como princípio hermenêutico e como técnica de controle

de constitucionalidade. Se o caso em juízo não envolve um confronto entre a norma e a

constituição, mas apenas uma interpretação do próprio dispositivo, não se pode utilizar a técnica.

Essa afirmação ganha relevo diante da estruturação das competências do Judiciário: cabe ao STF

interpretar as normas constitucionais, enquanto ao STJ cabe dar a última palavra sobre a

interpretação do direito federal. Assim, os ministros não podem discutir a melhor norma, senão a

norma válida à luz da Constituição. Ademais, se o tribunal fosse se manifestar sobre cada um dos

dispositivos existentes, não seria capaz de lidar com a grande carga de trabalho.65

Em relação ao segundo problema, a Corte parece admitir que o conteúdo da constituição

seja definido com a ajuda de outros atos normativos que também concretizem seus princípios.

Leis, decretos e tratados internacionais podem ser utilizados como vetores para a interpretação

dos preceitos constitucionais, conduzindo a soluções para o vício de inconstitucionalidade do ato

impugnado. Segundo os ministros, não se trata de uma atecnia, mas de definição do parâmetro de

controle.66 O problema evidente, em nossa opinião, diz respeito à fronteira entre a interpretação

65 Essa fundamentação embasou o voto do Min. Cezar Peluso na ADPF-QO 54-8/DF, sobre a descriminalização do aborto de feto anencéfalo. Em resposta ao voto do Min. Carlos Britto, que levantou três possíveis normas construídas a partir do bloco normativo formado pelos arts. 124, 126, caput, e 128, I e II, o Ministro asseverou: “É que, para interpretar o Código Penal e chegar à interpretação sustentada pela autora, não é preciso invocar a Constituição. Estamos no terreno da pura exegese sistemática, que nada tem a ver com interpretação conforme a Constituição; trata-se, apenas de resolver teses a respeito da interpretação de normas de caráter penal. Não seria preciso recorrer a esta ação, para preconizar interpretação que dê outro alcance a normas de caráter penal. Quer dizer, faltaria aquilo que é um dos pressupostos desta ação de caráter objetivo: o interesse jurídico. Qual o interesse que há em usar esta ferramenta, vamos dizer, de salvaguarda indireta da Constituição, quando pode ser resolvido o conflito mediante interpretação sistemática de normas do Código Penal?” (STF, Pleno, ADPF-QO 54-8/DF, Rel. Min. Marco Aurélio, j. 27.04.2005, pp. 152-153 do acórdão; pp. 132-133 do arquivo eletrônico). Contra essa manifestação, o Min. Sepúlveda Pertence afirmou que não havia dúvidas de que se tratava de interpretação sistemática da lei, mas o problema ocorria quando algumas dessas interpretações não eram compatíveis com a Constituição. O Min. Cezar Peluso rebateu essa ponderação afirmando que não seria possível imaginar que a dignidade da pessoa humana pudesse ser usada para controlar a interpretação de qualquer norma. Isso poderia, inclusive, paralisar os trabalhos da Corte com a grande carga de trabalho. 66 Sobre o tema, citam-se duas interessantes passagens. A primeira é um trecho do voto do Min. Gilmar Mendes na ADI 3324-7/DF, na qual se impugnava o art. 1º da Lei Federal 9.536/97, que previa a transferência ex officio de servidor federal estudante ou seus dependentes, no caso de serem transferidos de um local a outro do país. No voto, o Ministro propõe que, nessas situações, a transferência ex officio entre estabelecimentos de ensino deve ocorrer com respeito ao princípio da congeneridade das instituições – ou seja, se antes estudavam em estabelecimento público, devem ser transferidos para escola pública, e se em estabelecimento privado, para escola privada. Essa construção seria feita a partir de previsão semelhante constante no art. 99 da Lei Federal 8.112/90. O Min. Gilmar Mendes afirma: “No entanto, como conformar a interpretação constitucional do preceito normativo impugnado sem comprometer a satisfação dos princípios e interesses relacionados à questão? Creio ter pertinência, nesse específico, a regra inscrita no art. 99 da Lei nº 8.112/1990 (e, obviamente, não estou a propor qualquer interpretação da

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em conformidade com a constituição (à luz de critérios de concretização infraconstitucionais) e

uma deturpada “interpretação conforme a lei”.67

Uma última observação diz respeito ao parâmetro utilizado. A norma deve ser lida em

conformidade com o bloco de constitucionalidade, entendido como “conjunto de normas e

princípios, extraídos da constituição, que serve de paradigma para o Poder Judiciário averiguar a

constitucionalidade das leis”.68 De acordo com a largueza desse bloco, o tribunal terá maiores ou

menores possibilidades para utilizar a técnica. Assim, por exemplo, para quem acredita que

normas de direito suprapositivo ou o preâmbulo servem de parâmetro de controle de validade das

leis, as oportunidades para salvar o dispositivo impugnado serão maiores em relação àqueles que

não consideram esses parâmetros.69

constituição conforme a lei)” (STF, Pleno, ADI 3324-7/DF, Rel. Min. Marco Aurélio, j. 16.12.2004, p. 189 do acórdão; p. 50 do arquivo eletrônico). 67 Cf. J. J. Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 7ª Ed., Coimbra, Almedina, 2003, pp. 1233-1234. Na ADI 3510/DF julgou-se a constitucionalidade da Lei de Biossegurança (Lei Federal 11.105/05), especificamente quanto ao seu art. 5º, que permitia as pesquisas com células-tronco extraídas de embriões humanos. A corrente minoritária, capitaneada pelo Min. Menezes Direito e composta pelos votos dos Ministros Ricardo Lewandowski, Eros Grau, Cezar Peluso e Gilmar Mendes, defendeu a adoção de uma série de condicionantes para que os preceitos fossem considerados constitucionais, dentre eles a necessidade de que as clínicas de fertilização in vitro só implantassem um determinado número de embriões, a exigência de que somente embriões inutilizáveis fossem aproveitados para as pesquisas e a necessidade da criação de um órgão de fiscalização dos cientistas (ou de extensão da competência dos órgãos já existentes). A argumentação dos ministros deixa claro que essas soluções foram buscadas na legislação comparada sobre o assunto, referência citada várias vezes em seus votos. A maior rigidez de determinadas leis estrangeiras deveria ser um exemplo para a legislação brasileira, que, no entanto, havia sido lacônica demais. O conteúdo de decretos regulamentares e resoluções do Conselho Federal de Medicina também foram utilizados como vetores de interpretação da Constituição. Sobre isso, o Min. Ricardo Lewandowski afirmou: “Não se trata, evidentemente, de interpretar a norma impugnada com base no direito estrangeiro, ou com outra de hierarquia inferior, isto é, de confrontar uma lei em face de uma resolução, o que seria de flagrante atecnia. Cuida-se, ao contrário, de extrair, a partir da disciplina que o mundo civilizado e a corporação médica brasileira emprestam ao tema, o conteúdo ético-normativo dos comandos constitucionais que regem a espécie, em particular o constante do art. 226, § 6º, da Carta Magna, o qual estabelece que o planejamento familiar, arrima-se ‘nos princípios da dignidade humana e da paternidade responsável” (STF, Pleno, ADI 3510/DF, Rel. Min. Carlos Britto, j. 29.05.2008, pp. 429-430 do acórdão; pp. 296-297 do arquivo eletrônico; grifos no original). Com as escusas de praxe, parece-nos que não é possível extrair do princípio da dignidade da pessoa humana ou do princípio da paternidade responsável restrições como o uso exclusivo de embriões cuja clivagem tenha se interrompido após 24 horas da fertilização; o uso de apenas quatro óvulos por ciclo e a transferência de um número máximo de quatro óvulos fecundados para o útero da paciente; ou a necessidade de submissão prévia das pesquisas especificamente ao Ministério da Saúde. Afirmar o contrário seria levar a interpretação conforme a constituição aos limites de uma concretização do texto fundamental com base em leis e outros atos normativos. 68 Cf. Uadi Lammêgo Bulos, Curso de Direito Constitucional, 3ª Ed., São Paulo, Saraiva, 2009, p. 100. 69 Uadi Lammêgo Bulos exclui do bloco de constitucionalidade: (i) o preâmbulo constitucional; (ii) as normas constitucionais revogadas; (iii) a práxis constitucional; (iv) as normas de direito suprapositivo; (v) as normas interpostas; e (vi) a Lei Complementar n. 95/98, sobre processo legislativo (Cf. Curso..., cit., pp. 102-104). Por outro lado, abrange no bloco de constitucionalidade não apenas as normas e os princípios constantes na constituição formal, como também “os princípios implícitos, que defluem da lógica do sistema, do espírito da constituição, dos

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b) quanto à categoria do vício de inconstitucionalidade70

A questão do uso da interpretação em conformidade com a constituição para sanar a

inconstitucionalidade formal da lei é mencionada em apenas um caso, no qual não foi decisiva,

mas aparece também em outros cinco.71 Consiste na tradicional afirmação de que não cabe o uso

da interpretação conforme a constituição para salvar a norma de inconstitucionalidade formal.72

Essa limitação no uso da técnica parte da premissa de que a inconstitucionalidade formal

precede a análise do conteúdo do ato normativo e, como a interpretação conforme a constituição

pressupõe a identificação do conteúdo do ato (normas decorrentes do texto), é incompatível com

qualquer leitura que salve o texto impugnado. A inconstitucionalidade formal, ademais,

envolveria a verificação da conformidade entre o procedimento realizado para a elaboração do

ato e o procedimento previsto constitucionalmente para ele, não sendo possível interpretar ações

valores que informam a ordem constitucional como um todo” (idem, p. 104). Esses princípios explícitos e implícitos serviriam para o controle de constitucionalidade das leis (idem, pp. 105-106). 70 Sobre as categorias de vícios, adota-se a classificação exposta por Luís Roberto Barroso, O Controle de Constitucionalidade no Direito Brasileiro, 4ª Ed., São Paulo, Saraiva, 2009, pp. 26-31, com as alterações propostas por Elival da Silva Ramos, O Controle..., cit., pp. 49-50. Assim, há quatro tipos de inconstitucionalidade: (i) formal, quando há violação do processo legislativo, por exemplo, por afronta à iniciativa do procedimento, à esfera reservada a cada ato normativo ou ao retorno para a casa legislativa de onde o projeto, alterado na sua redação, se originou; (ii) orgânica, quando há violação das regras de competência, por exemplo, na distribuição de matérias dentre os entes federativos; (iii) material, quando o conteúdo da norma afronta o conteúdo do parâmetro constitucional; (iv) finalística, quando o ato se caracteriza pelo desvio da finalidade e pela irrazoabilidade para atingir os objetivos propostos. 71 Ela é mencionada na ADI-MC 2405-1/RS, Rel. Min. Carlos Britto, j. 06.11.2002, mas também há discussões acerca da inconstitucionalidade formal, embora sem menção como limite, nas seguintes ações: Rp 1417-7/DF, Rel. Moreira Alves, j. 09.12.1987; ADC 3-0, Rel. Min. Nelson Jobim, j. 01.12.1999; ADI 2580-5/CE, Rel. Min. Carlos Velloso, j. 26.09.2002; ADI-MC 3395-6/DF, Rel. Min. Cezar Peluso, j. 05.04.2006; ADI 2591-1/DF, Rel. Min. Eros Grau, j. 07.06.2006. Também há discussão sobre inconstitucionalidade orgânica em outros casos, como: ADI-MC 927-3/RS, Rel. Min. Carlos Velloso, j. 03.11.1993; ADI-MC 1862-6/RJ, Rel. Min. Néri da Silveira, j. 18.03.1999; ADI 2816-2/SC, Rel. Min. Eros Grau, j. 09.03.2005; ADI 442/SP, Rel. Min. Eros Grau, j. 14.04.2010. 72 Na ADI 2405-MC, julgava-se a constitucionalidade da Lei Estadual 11.475/00, que introduziu alterações no tocante ao procedimento fiscal administrativo do Estado do Rio Grande do Sul e criou nova modalidade de extinção de crédito tributário (dação em pagamento). Especificamente no art. 117, havia a previsão de que “a aceitação da proposta de dação em pagamento, de transação ou de compensação compete, conforme o caso, ao Secretário de Estado da Fazenda ou ao Procurador-Geral do Estado”. Assim como diversos outros artigos da lei, ele padeceria de inconstitucionalidade formal por violação da iniciativa reservada ao Governador para dispor sobre as atribuições dos órgãos da Administração (art. 61, § 1º, II, “a” e “e”, da CF/88). O Min. Gilmar Mendes assim se manifestou: “O art. 117 é citado como um desses artigos decorrente do vício de iniciativa - disposição sobre o funcionamento da máquina estadual nesse aspecto. Parece-me que, aí, não há falar sequer em interpretação conforme, pois se trata mesmo de inconstitucionalidade formal” (STF, Pleno, ADI-MC 2405-1/RS, Rel. Min. Carlos Britto, j. 06.11.2002, p. 122 do acórdão; p. 52 do arquivo eletrônico). Rejeitando de plano a interpretação conforme a constituição, votou pela inconstitucionalidade formal do artigo.

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concretas em conformidade com a constituição. Assim, ao votar uma lei, o Parlamento observa

ou não o procedimento, não se abrindo qualquer espaço para uma solução intermediária.

A doutrina não parece explorar muito o tema.73 A jurisprudência do STF, no entanto, não

conduz a uma afirmação tão peremptória no sentido exposto acima. No universo de acórdãos

analisado, em pelo menos duas vezes houve menção expressa ao uso da interpretação conforme a

constituição para salvar a lei impugnada da declaração de inconstitucionalidade por defeito na

sua elaboração: na ADC 3-0 por conta do não envio do projeto de lei para a Casa de origem, após

modificação da redação;74 na ADI 3508-8, em razão da existência de provimento da

73 A única referência à relação entre decisões interpretativas e categorias de vício de inconstitucionalidade foi encontrada na obra de Regina Maria Macedo Nery Ferrari, que afirma: “A interpretação conforme a Constituição, segundo ensinamento de Canotilho, ‘só é legítima quando existe um espaço de decisão (= espaço de interpretação) aberto a várias propostas interpretativas, uma em conformidade com a Constituição e que devem ser preferidas, e outras em desconformidade com ela’. [...] Desta forma, é possível reconhecer que essa técnica só tem cabimento quando se enfrenta um tipo de inconstitucionalidade material e não formal”, e continua: “Quando se fala em declaração de inconstitucionalidade parcial sem redução de texto, antes de qualquer coisa, deve-se reconhecer que tal técnica, também, só tem possibilidade de acento quando se está frente a uma inconstitucionalidade do tipo material, onde é possível a subsistência de parte da norma, ou seja, da que está isenta de vício, e isto desde que ela possa existir de forma autônoma e não distorça a vontade do legislador nela objetivada” (Cf. Efeitos da Declaração de Inconstitucionalidade, 5ª Ed., São Paulo, Revista dos Tribunais, 2004, pp. 246-247). 74 A ADC 3-0 versava sobre o art. 15 da Lei Federal 9.424/96, que criava o Fundo de Desenvolvimento e Manutenção do Ensino Fundamental. O dispositivo, que tratava especificamente do “salário-educação”, foi aprovado na Câmara dos Deputados com a seguinte redação: “O Salário-Educação, previsto no § 5º do art. 212 da Constituição Federal, devido pelas empresas, na forma em que vier a ser disposto em regulamento, é calculado com base na alíquota de 2,5% sobre a folha de salários” (grifos nossos). O Senado recebeu a proposta e alterou o artigo, que ficou com a seguinte redação: “O Salário-Educação, previsto no § 5º do art. 212, da Constituição Federal é devido pelas empresas, na forma em que vier a ser disposto em regulamento, é calculado com base na alíquota de dois e meio por cento sobre o total de remunerações pagas ou creditadas, a qualquer título, aos segurados empregados, assim definidos no art. 12, I, da Lei n.º 8.212, de 24 de julho de 1991” (grifos nossos). À luz do art. 65, par. único, da CF/88, o projeto emendado deve voltar à Casa de origem, o que não foi observado no caso. A Corte, porém, fixou o entendimento de que esse procedimento só deveria ser observado se a alteração fosse substancial e não meramente redacional. A questão que se impôs aos ministros, então, era a seguinte: teria havido alteração de norma a ensejar nova votação na Câmara dos Deputados ou a alteração teria sido apenas na redação? O Min. Nelson Jobim, relator, analisou a diferença entre “folha de salários” e “total de remunerações pagas ou creditadas” e constatou que a primeira expressão se referia ao instrumento que continha o total de remunerações referido na segunda expressão. Não teria havido, portanto, qualquer emenda substancial. Essa conclusão, todavia, foi intensamente criticada pelo Min. Marco Aurélio, para quem “salários” e “remunerações” não poderiam ser confundidos, sendo o segundo termo mais largo que o primeiro. Para responder a essa crítica, o Min. Sepúlveda Pertence propõe interpretação conforme que salve a disposição da inconstitucionalidade formal. Vale a transcrição do curto voto: “Sr. Presidente, ouvi, com a maior atenção e profundo ‘wishfull thinking’, o voto primoroso do Ministro Nelson Jobim. Mas não consigo fugir a um complicador trazido pelo Ministro Marco Aurélio: a existência, na remuneração eventual do empregado, de parcelas não salariais. Para tranquilizar a minha consciência, acompanho o eminente Relator, em parte, com interpretação conforme, de modo a excluir da norma, como ficou redigida, ‘total das remunerações’, as parcelas não salariais acaso percebidas pelo empregado” (STF, Pleno, ADC 3-0, Rel. Min. Nelson Jobim, j. 01.12.1999, p. 102 do acórdão; p. 102 do arquivo eletrônico). A opção, porém, não foi adotada pelos ministros, e a decisão final foi pela pura constitucionalidade da norma, tal como assentado no voto do Relator.

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Corregedoria do Tribunal de Justiça em matéria reservada a lei complementar, no caso, à Lei

Orgânica da Magistratura.75

De fato, a relação entre a categoria de vício e o uso de uma decisão condicionada da

constitucionalidade da lei parece mais complexa. Exemplificativamente, a violação do

procedimento de reenvio à casa de origem, previsto no art. 65, par. único, da Constituição, pode

ser elidida se o tribunal interpretar que a alteração promovida no texto do projeto de lei não teve

o condão de alterar a norma que dele derivava. É possível até mesmo imaginar uma situação em

que, diante de duas normas, uma igual à original e outra decorrente do novo texto, a Corte possa

optar por uma interpretação conforme a constituição para fixar a primeira leitura como única

possível.76

Raciocínios análogos podem ser feitos para outros vícios formais comuns, como a

violação à reserva de lei complementar e, para aqueles que não englobam o vício em categoria

autônoma, à distribuição de competências federativas. No primeiro caso, é evidente que saber se

o ato normativo invade esfera reservada a outro tipo passa pela análise do seu conteúdo. Assim,

75 A ADI 3508-8/MS versava sobre o Provimento 04/05 da Corregedoria Geral de Justiça do Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul, que dispunha sobre o horário em que os magistrados poderiam exercer o magistério. Em seu art. 2º, dispunha o diploma: “É vedado ao magistrado da Justiça Estadual, o exercício da docência em horário coincidente com o expediente do foro, excepcionando-se o exercício em cursos especializados pela Escola Superior da Magistratura - ESMAGIS”. A autora alegava que o provimento trazia restrição indevida não tratada pela Constituição e seria formalmente inconstitucional por invadir matéria reservada à lei complementar ao dispor sobre compatibilidade de horário no exercício da magistratura (art. 93 da CF/88, regulado pelo art. 26, § 1º, da LOMAN). O Min. Cezar Peluso suscitou a proposta de interpretação conforme a constituição do art. 2º do Provimento, para salvar o dispositivo prevendo que haveria incompatibilidade com o expediente a que o magistrado estava obrigado no fórum. O Min. Sepúlveda Pertence respondeu que seria possível essa leitura, mas não reajustou o voto, sustentando, no que foi acompanhado pelo Min. Ricardo Lewandowski, que seria necessário sinalizar que a matéria era reservada à lei complementar. Ao final, os Ministros Cezar Peluso e Joaquim Barbosa restaram vencidos no julgamento. 76 Na ADI-MC 3395-6/DF, a Corte se deparou com a possível inconstitucionalidade formal do art. 114, I, da CF/88, com a redação dada pela EC 45/04. Durante o trâmite legislativo, a Câmara aprovou o artigo com a seguinte redação: “Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar: I - as ações oriundas da relação de trabalho, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios”. O Senado acrescentou ao inciso I uma ressalva: “exceto os servidores ocupantes de cargos criados por lei, de provimento efetivo ou em comissão, incluídas as autarquias e fundações públicas dos referidos entes da federação”. O objetivo era deixar claro que a competência da Justiça do Trabalho não abrangia causas referentes à relação estatutária, posição pacificada na jurisprudência do STF. O artigo, porém, foi promulgado sem a alteração, conforme a redação original, mesmo que o Senado tenha feito a alteração. Não teria havido, portanto, a aprovação pelas duas Casas, mesmo que a promulgação tenha ocorrido por um equívoco. Com exceção do Min. Marco Aurélio, contudo, os ministros foram unânimes em afastar a inconstitucionalidade formal sob o entendimento de que a única interpretação validamente possível seria aquela que excluísse as relações estatutárias. Qualquer mudança redacional não alteraria substancialmente a norma, porque qualquer outra leitura seria inconstitucional.

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não é difícil se imaginar que a Corte possa escolher uma leitura que não viole essa delimitação

de espaços normativos em detrimento de outra, inconstitucional.77

Em relação à inconstitucionalidade orgânica (formal para alguns), o vício só se configura

a partir de uma operação de subsunção bem definida: (i) identificação do conteúdo e do tema das

normas; (ii) verificação de quem é o ente competente para legislar sobre aquele conteúdo e se a

competência é exclusiva ou concorrente;78 (iii) análise da compatibilidade entre a disposição

impugnada e o esquema de competências da Constituição, de acordo com o tipo de competência

atribuída – se a competência for exclusiva, qualquer ente que não seja o competente deverá se

abster de legislar sobre o tema; se for concorrente, caberá à União editar normas gerais e aos

Estados editarem normas específicas.79

Nessa hipótese, os exemplos de cabimento da interpretação conforme a constituição são

até mais claros, tanto para a competência exclusiva quanto para a competência concorrente. No

primeiro caso, a Corte pode se deparar com duas normas construídas a partir do texto, uma que

afronte a competência exclusiva de outro ente para legislar sobre a matéria e outra que se

enquadre num esquema de compartilhamento dessa capacidade legislativa. Ela poderá, então,

77 Além da ADI 3508-8/MS, mencionada na nota 75, cite-se a ADI 2591-1/DF como outro exemplo de atuação sobre espaço reservado à lei complementar. De modo bastante breve, a controvérsia estava circunscrita à aplicação do Código de Defesa de Consumidor (CDC) para as instituições financeiras, mais especificamente às operações tipicamente bancárias de depósito e mútuo e às taxas de juros cobradas pelos bancos. A autora sustentava que o art. 192 da Constituição exigia lei complementar para tratar do Sistema Financeiro Nacional. Haveria, portanto, inconstitucionalidade formal do CDC nesse ponto. O voto do Min. Nelson Jobim, único que desperta o interesse para o que se deseja argumentar, teve como conclusão a interpretação conforme a constituição para excluir do âmbito de incidência do CDC as operações tipicamente bancárias, salvando, assim, a norma da inconstitucionalidade e evitando a invasão à esfera da lei complementar do art. 192. 78 Competência exclusiva é aquela que “apenas pode ser exercida pelo ente federado que a Constituição especificou, e mais ninguém” (Cf. Uadi Lammêgo Bulos, Curso..., cit., p. 766). Contrapõe-se à competência concorrente, que é aquela “em que mais de um ente federativo exerce o poder de legislar sobre certa matéria, ficando para a União a tarefa de fixar normas gerais. Daí ser adjetivada de concorrente, pois as entidades político-administrativas juntam-se para exercer ação comum, no intuito de contribuir e cooperar no trabalho legislativo” (idem, pp. 767-768). 79 De acordo com Uadi Lammêgo Bulos, “enquanto a União, no âmbito da competência concorrente, limita-se à estabelecer normas gerais (CF, art. 24, § 1º), os Estados e o Distrito elaboram leis específicas, voltadas para satisfazer os seus interesses regionais. Enfatize-se que a competência da União para editar normas gerais deve circunscrever-se a essa tarefa, sob pena de malsinar a Carta de 1988. O mesmo se diga quanto aos Estados e ao Distrito Federal; ambos devem, apenas, particularizar os comandos oriundos das normas gerais, amoldando-se à realidade regional, mas sem subverter a ordem taxativa do art. 24 do Texto de 1988” (Cf. Curso..., cit., p. 782).

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declarar que o dispositivo é constitucional se interpretado da segunda forma, excluindo ou não a

primeira exegese.80

Na hipótese de competência concorrente, também é possível salvar a norma à luz do

esquema constitucionalmente delineado. Nesse caso, ao invés de declarar a inconstitucionalidade

formal de uma lei geral que se mostre específica demais, o STF pode proceder a uma

“interpretação conforme a constituição” (rectius: modalidade de decisão redutiva) para excluir a

aplicação do preceito aos Estados, mantendo o texto íntegro, porém, para aplicá-lo ao âmbito da

União.81 Por outro lado, é possível condicionar a constitucionalidade da lei estadual ao respeito à

norma geral federal.82 Verifica-se, portanto, que as técnicas intermediárias, especialmente na sua

vertente das decisões redutoras, podem ser muito benéficas para conciliar de maneira adequada a

repartição de competências.

80 Citem-se como exemplos a ADI 1862-6/RJ, a ADI 2816-2/SC e a ADI 2501-5/MG. A ADI 2816-2/SC ilustra com bastante didatismo a nossa hipótese. Versava sobre a constitucionalidade do art. 1º da Lei Estadual 11.373/00 de Santa Catarina, in verbis: “Fica determinado que o Departamento Estadual de Trânsito de Santa Catarina - DETRAN/SC e o Departamento de Estradas de Rodagem de Santa Catarina - DER/SC enviem juntamente com a multa ao contribuinte, foto do momento em que ocorreu a infração, sendo ela registrada pelo Sistema de Foto-Sensor”. Basicamente duas normas foram construídas a partir da disposição, que restou ambíguo por causa do uso do gerúndio “sendo”: (i) o gerúndio importava na obrigação imposta ao Estado para estruturar o Sistema de Foto-Sensor no seu território, o que consubstanciaria matéria de trânsito afeta exclusivamente à União, por força do art. 22, XI, da CF/88; (ii) o gerúndio importava na obrigação imposta ao Estado de enviar para o infrator as fotos tiradas pelo sistema já instalado, o que consubstanciaria matéria de procedimento administrativo estadual, perfeitamente legislável pela Assembleia estadual. Se o primeiro sentido era inconstitucional por violação da competência constitucional, o segundo era constitucional. A Corte, então, proferiu uma decisão de interpretação conforme que salvou a lei da inconstitucionalidade. 81 Na ADI-MC 927, foram impugnados dispositivos da Lei de Licitações (Lei Federal 8.666/93) que, segundo a autora, seriam normas específicas editadas pela União em matéria de competência concorrente, em afronta ao princípio do federalismo e à repartição constitucional das competências. Como sabido, caberia à União legislar por meio de normas gerais (além das específicas apenas para o seu âmbito), enquanto os Estados editariam normas específicas. Os ministros consideraram que determinadas disposições realmente não deixavam margem de atuação para as Assembleias estaduais, cobrindo a matéria com grandes detalhamentos. Em consequência, foi utilizada uma verdadeira decisão redutora para excluir os Estados do âmbito de aplicação desses preceitos, que ficariam restritos ao âmbito da União. Ao final, a Corte decidiu “suspender, até a decisão final da ação, quanto aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, a eficácia” de determinadas expressões constantes no art. 17, I, b e 17, II, b, salvando as alíneas da inconstitucionalidade orgânica. 82 Cita-se como exemplo o julgado na ADI 442/SP. O Procurador Geral da República entrou com ADI contra o art. 113 da Lei Estadual paulista 6.374/89, que criava a Unidade Fiscal do Estado de São Paulo em substituição à Obrigação do Tesouro Nacional (OTN). Alegava violação da competência da União em matéria de moeda. O Min. Eros Grau considerou, porém, que a matéria seria de Direito Financeiro, atribuída concorrentemente aos entes federativos. Era importante, apenas, conciliar a norma estadual com a norma geral federal, de modo que a primeira não invadisse o campo reservado à segunda. Por isso, o Ministro deu uma decisão de interpretação conforme a constituição no sentido de que a UFESP seria constitucional desde que não excedesse o valor do índice de correção dos tributos federais. Com exceção do Min. Marco Aurélio, que considerava a norma simplesmente constitucional por já observar os índices federais em sua composição, todos os outros ministros acompanharam a proposta do relator.

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É evidente, por outro lado, que em alguns casos de inconstitucionalidade formal o

salvamento da lei impugnada é impossível. Não se conseguiria salvar uma lei aprovada por uma

quantidade de votos inferior à necessária, como no caso de uma lei complementar aprovada por

maioria relativa, quando o exigido é a maioria absoluta (art. 69 da Constituição). Também não

seria possível salvar um ato normativo aprovado em absoluta desconformidade com o

procedimento previsto, como no caso de uma emenda constitucional aprovada pelas duas Casas

em apenas um turno de votação, quando se exigem dois turnos em cada uma delas (art. 60, § 2º

da Constituição). Nesses casos, e em outros, o tribunal só pode decidir pela constitucionalidade

(ausência de vício) ou inconstitucionalidade (existência de vício formal) do ato impugnado.

Portanto, a categoria da inconstitucionalidade não constitui um limite absoluto ao uso da

interpretação conforme a constituição. A rejeição da técnica só poderá ser feita após uma

verificação do caso para que se apure a necessidade ou não da análise do conteúdo do dispositivo

e a possibilidade ou não de uma constitucionalidade condicionada do ato normativo.

c) quanto à polissemia de sentidos no texto

A ausência de polissemia de sentidos no texto aparece como limite em 9 casos, tendo

contribuído para o deslinde do julgamento em 5 deles.83 Segundo a jurisprudência do STF,

consiste na necessidade de haver uma ambiguidade, e não uma mera dúvida subjetiva, no

dispositivo impugnado. A possibilidade de que se possam construir múltiplas normas a partir de

um único preceito, então, é considerada pressuposto de admissibilidade para o uso da técnica da

interpretação conforme a constituição, considerada como decisão interpretativa stricto sensu.

Nos acórdãos analisados, esse limite geralmente está associado à presença de um sentido

inequívoco. O intérprete deve, num primeiro momento, conseguir construir mais de uma norma a

partir da disposição textual (etapa de interpretação) para depois confrontar cada um desses

sentidos com o parâmetro constitucional (etapa de uso da técnica). Se não há dúvidas quanto à 83 Cf. ADI-MC 1344-1/ES, Rel. Min. Moreira Alves, j. 18.12.1995 (relevante), ADI-MC 1480-3/DF, Rel. Min. Celso de Mello, j. 04.09.1997; ADI 3046-9/SP, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, j. 15.04.2004 (relevante); ADI 3324-7/DF, Rel. Min. Marco Aurélio, j. 16.12.2004; ADI 2925-8/DF, Rel. Min. Ellen Gracie, j. 19.12.2004; ADPF-QO 54-8/DF, Rel. Min. Marco Aurélio, j. 27.04.2005; ADI 3026-4/DF, Rel. Min. Eros Grau, j. 08.06.2006 (relevante); ADI 2544-9/RS, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, j. 28.06.2006 (relevante); ADI 3510/DF, Rel. Min. Carlos Britto, j. 29.05.2008 (relevante).

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norma a ser construída a partir do texto, sustentam os ministros em seus votos, então não é

possível se falar em múltiplas normas e, a fortiori, no uso de uma técnica que seleciona uma

leitura em detrimento das demais.84

Também há uma associação com a função de legislador negativo da Corte. Os julgadores

não podem criar uma alternatividade de normas onde ela não existe, sob pena de adulterarem o

sentido inequívoco da norma e, assim, agirem como legisladores positivos. A falta de

ambiguidade, então, seria desdobramento da existência de um sentido inequívoco aferido na

etapa de interpretação ligado à restrição imposta ao tribunal para agir como legislador.85

Verificou-se também que a ausência de pluralidade foi tratada como pressuposto de

admissibilidade da ação em alguns casos nos quais o pedido era pela interpretação conforme a

constituição.86 A ambiguidade foi apontada como uma condição de procedibilidade para o uso da

técnica, e, não havendo essa dúvida inerente ao texto, a conclusão inexorável seria pela

impossibilidade jurídica do pedido e, portanto, pelo não conhecimento da ação.

84 Na ADI 2925-8/DF, o Min. Sepúlveda Pertence assim se manifestou sobre o tema: “Todo controle de constitucionalidade de normas parte - perdoem-me o lugar comum - da interpretação da norma questionada. E, a partir daí, o Tribunal pode encontrar-se entre as duas hipóteses de uma alternativa: ou a interpretação é inequívoca - quanto uma interpretação pode ser inequívoca, mas ao Tribunal parecer inequívoca - e, aí, cabe-lhe dizer: essa interpretação inequívoca é constitucional ou inconstitucional; ou o Tribunal reconhece a equivocidade do texto ou da norma, melhor dizendo, sujeita ao seu controle. Não qualquer dúvida subjetiva, por mais eminente que seja o sujeito da dúvida, mas uma ambiguidade nascida do próprio texto da norma e aí, sim - e só aí -, é que cabe cogitar de uma ‘interpretação conforme’, na medida em que ela envolve também a declaração de inconstitucionalidade sem redução do texto, de todas as outras interpretações a que o preceito pudesse dar lugar” (STF, Pleno, ADI 2925-8/DF, Rel. Min. Ellen Gracie, j. 19.12.2004, pp. 183-184 do acórdão; pp. 72-73 do arquivo eletrônico). 85 Menções aos dois limites podem ser encontradas nas ADIs 3046-9/SP, 3324-7/DF, 2925-8/DF e 3026-4/DF, e também na ADPF-QO 54-8/DF. Em geral, a relação entre os dois é construída por meio da composição dos votos dos ministros que os citaram. Na ADI 3026-4/DF, todavia, o Min. Marco Aurélio faz uma expressa ligação entre ambas as restrições: “Foi colocada a matéria quanto à pertinência da ação proposta a partir da premissa de que só cabe interpretação conforme à Carta quando há preceito ambíguo que, em si mesmo, permita mais de um entendimento, sob pena de o Supremo transformar-se em legislador positivo” (STF, Pleno, ADI 3026-4/DF, Rel. Min. Eros Grau, j. 08.06.2006, pp. 579-580 do acórdão; pp. 102-103 do arquivo eletrônico). 86 Vejam-se, por exemplo, a ADI 3324-7/DF (parecer da AGU), a ADPF-QO 54-8/DF e a ADI 3026-4/DF. Na primeira, a Advocacia Geral da União se manifestou pela impossibilidade jurídica do pedido de interpretação conforme a constituição, porque o autor pretendia, segundo o órgão, alterar a lei, sem apontar qualquer polissemia de sentidos, em flagrante tentativa de chamar a Corte a ter uma atuação de legislador positivo. O argumento, porém, não teve qualquer repercussão na decisão, que foi unânime no que formulado pelo autor. Na ADPF-QO 54-8/DF, novamente houve discussão sobre a admissibilidade da ação, diante da virtual inexistência de normas alternativas. A questão de ordem, inclusive, diz respeito a essa matéria. Por fim, na ADI 3026-4/DF, embora a questão preliminar tenha sido sobre o cabimento de interpretação conforme a constituição em ADI (ver tópico 5, adiante), os ministros também ressaltaram a existência de pluralidade significativa a legitimar o controle.

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Tanto na doutrina como na jurisprudência, a existência de uma pluralidade de sentidos é

um pressuposto para a utilização da interpretação conforme a constituição.87 Por definição, a

técnica exige que se possa escolher por um significado constitucional entre outros

inconstitucionais. A mesma consideração se impõe para o caso de declaração de

inconstitucionalidade parcial sem redução de texto própria, na qual a Corte exclui normas

alternativas inconstitucionais. No entanto, se houver univocidade significativa, caberá ao tribunal

exercer o controle de constitucionalidade apenas sobre esta norma, sem aplicar uma decisão

interpretativa stricto sensu.

A ideia de que se trata de um pressuposto de admissibilidade da ação, então, é coerente

com a forma como as decisões interpretativas são definidas. Se o processo de interpretação do

dispositivo impugnado não permite a construção de mais de uma norma, não se pode passar para

a segunda etapa, de controle de validade de cada uma delas perante a constituição, porque falta

esse requisito. Também é coerente o entendimento de que os ministros não podem se basear em

uma mera dúvida subjetiva, porque bastaria a qualquer ator processual (autor, defensor do ato,

Procuradoria-Geral da República, qualquer um dos ministros, amici curiae, etc.) suscitar uma

leitura alternativa para que a interpretação conforme a constituição fosse possível. Poder-se-ia

mesmo dizer, na linha de algumas críticas doutrinárias, que toda declaração de

constitucionalidade das leis levaria a uma interpretação conforme a constituição, porque sempre

haveria a sustentação de inconstitucionalidade por um lado e a opção pela constitucionalidade

por outro.88 Assim, portanto, a dúvida deve ser objetiva e deve estar amparada numa

ambiguidade do próprio texto normativo.

Todavia, algumas considerações devem ser feitas sobre esse limite. Em primeiro lugar,

embora haja acórdãos nos quais há uma grande discussão sobre a existência ou não de polissemia

87 Cf. Elival da Silva Ramos, Ativismo..., cit., p. 211; Gilmar Ferreira Mendes, Jurisdição Constitucional..., cit., pp. 287-288; Regina Maria Macedo Nery Ferrari, Efeitos..., cit., pp. 245-246; J. J. Gomes Canotilho, Direito Constitucional..., cit., pp. 1226-1227. 88 Cf. Virgílio Afonso da Silva, “Interpretação Conforme a Constituição: entre a trivialidade e a centralização judicial”, Revista DireitoGV 3, v. 2, n. 1, jan./jun. 2006, p. 9. O autor sustenta, com base também nas lições de Jorge Miranda, que a interpretação conforme a constituição é uma operação trivial feita pelos juízes no controle de constitucionalidade. Contudo, se isso é verdade para o princípio hermenêutico, não funciona da mesma forma para as técnicas de decisão. Nesse caso, os julgadores devem demonstrar que há, objetivamente, uma pluralidade de sentidos construídos a partir do dispositivo impugnado e que eles devem ser confrontados com o parâmetro constitucional. Não fosse assim não existiriam decisões de pura constitucionalidade, mas apenas decisões de interpretação conforme a constituição.

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de sentidos, parece que o STF trata menos da questão do que deveria. A apresentação das

diversas normas construídas deveria ser condição sine qua non para a utilização da técnica, pois

somente assim os ministros poderiam saber sobre quais alternativas eles estariam fiscalizando.

No entanto, são vários os casos nos quais uma decisão sob reserva de interpretação é proferida

sem que haja a explicitação das possíveis leituras do dispositivo.89

Associada a essa falha, podemos apontar também a inconsistência no tratamento das

técnicas de decisão. Como mencionado anteriormente, o controle de normas alternativamente

derivadas da disposição é diferente do controle sobre um segmento ideal da norma ou, o que é o

mesmo, sobre normas conjuntamente derivadas do texto normativo. Se no primeiro caso se exige

a existência de pluralidade de sentidos, o mesmo não pode ser exigido na segunda hipótese.

Contudo, se a jurisprudência da Corte não faz uma distinção muito clara entre as técnicas, duas

podem ser as situações verificadas: (i) decisões redutivas proferidas sem a apresentação de

interpretações alternativas, no que o tribunal acertaria;90 (ii) decisões redutivas afastadas pela

ausência de pluralidade de sentidos, no que o tribunal se equivocaria, pois a existência de uma

única norma é o pressuposto desse tipo de sentença.91

Por fim, acreditamos ser possível desvincular a ideia da polissemia de significados da

existência de um sentido inequívoco para o texto normativo. Seria a hipótese, constatada na

doutrina e no direito comparado, do respeito ao “direito vivente”.92 A divergência entre os

tribunais da jurisdição ordinária também deve ser um elemento a ser considerado na análise do

dispositivo impugnado. De fato, verificou-se na jurisprudência do STF que em dois casos os

89 Dos 838 votos que usaram a interpretação conforme a constituição, em pouco menos de dois terços (560 votos) não houve a apresentação das normas alternativas que poderiam ser construídas a partir do dispositivo impugnado. 90 Veja-se, por exemplo, a distinção entre as duas técnicas feita pelo Min. Moreira Alves na ADI-MC 491-3/AM e na ADI 1344-1/ES. 91 Um possível exemplo para esse entendimento pode ser apontado na ADI 3510/DF, sobre o julgamento da constitucionalidade da previsão de pesquisas com células-tronco de embriões humanos. O Min. Carlos Britto votou pela total improcedência da ação, afirmando que não havia normas alternativas capazes de legitimar a interpretação conforme proposta pela minoria. No entanto, se bem analisada a questão, verifica-se que algumas condições procuram preencher um vazio na norma idealmente considerada, aproximando-se mais das decisões manipulativas aditivas (ver nota 4). Não seria um pressuposto delas, portanto, a existência de plurissignificação, o que contraria a citação do limite. 92 Cf. Augusto Martín de la Vega, La sentencia..., cit., pp. 184-206. Em linhas básicas, a essência da doutrina do “diritto vivente” pode ser resumida, nas precisas palavras do autor espanhol, da seguinte forma: “la constante interpretación de la legislación por parte de los jueces ordinarios, y en especial de la Casación, prevalecerá sobre la posible interpretación de la Corte Constitucional que, sin embargo, tomando como objeto de su decisión esta «norma vivente», puede declararla ilegítima, y expulsarla del ordenamiento” (idem, p. 196).

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ministros levaram em consideração as múltiplas leituras feitas pelo Judiciário, seja para afastar a

ameaça causada pela interpretação impugnada93, seja para corroborar a existência de uma

pluralidade de significados que era contestada por outros ministros94.

Portanto, a questão passa a ser tratada como a existência ou não de uma dúvida séria a ser

resolvida. Isso permite, inclusive, a discussão do uso da técnica a partir de juízos de

conveniência e oportunidade, como será analisado adiante. Ademais, à luz de uma concepção

que abre a interpretação constitucional para a sociedade (“sociedade dos intérpretes”), é possível

incluir nessas ponderações até mesmo a forma como a Administração e os aplicadores do Direito

em geral interpretam o dispositivo impugnado.95

Em síntese, é possível desvincular a pluralidade de significados da existência de um

sentido inequívoco a partir da ideia de que a Corte deve levar em consideração não apenas o seu

próprio entendimento do dispositivo impugnado, mas também as leituras feitas pelos tribunais e

pelos aplicadores do Direito como um todo. Assim, mesmo que os ministros considerem haver

uma única norma possível a partir do texto, a interpretação conforme a constituição não deverá

ser afastada sob o argumento de faltar-lhe seu pressuposto essencial, a alternatividade de normas,

porque essa polissemia de sentidos será dada pelo conjunto de intérpretes da constituição.

2. Limites substanciais

93 Na ADI-MC 1480-3/DF, sobre a constitucionalidade da Convenção 158 da Organização Internacional do Trabalho no ordenamento brasileiro, o Min. Celso de Mello se manifestou nos seguintes termos: “A circunstância de existirem algumas decisões judiciais que possam haver dado interpretação eventualmente inconstitucional à Convenção nº 158/OIT, que parece revestir-se de legitimidade jurídica à luz de nossa Carta Política, não pode justificar que se acolha o pedido de medida liminar formulado pelas Confederações patronais autoras. [...] Há, portanto, instrumentos processuais adequados, que, corretamente manejados, permitirão o controle das decisões emanadas das Juntas de Conciliação e Julgamento e dos próprios Tribunais Regionais do Trabalho. Desse modo, tendo presentes as razões expostas, indefiro o pedido de medida cautelar” (STF, Pleno, ADI-MC 1480-3/DF, Rel. Min. Celso de Mello, j. 04.09.1997, pp. 287-288 do acórdão; pp. 75-76 do arquivo eletrônico; grifos no original). Posteriormente, porém, o Ministro mudou seu posicionamento para acompanhar a proposta de interpretação conforme a constituição, tal como feita pelo Min. Moreira Alves, no sentido da não auto-aplicabilidade da Convenção até que fosse feita nova legislação sobre a matéria. A divergência jurisprudencial serviu, inclusive, para que o Min. Moreira Alves reforçasse o periculum in mora da ação e a necessidade de interpretação conforme a constituição. 94 Veja-se, por exemplo, o voto do Min. Carlos Britto na ADPF-QO 54-8/DF. O Ministro apresenta julgados do STJ e de tribunais da jurisdição ordinária que demonstrariam a divergência na interpretação do tipo penal do quando aplicado ao feto anencéfalo, apontando três correntes de entendimento (e, portanto, três normas) que poderiam ser identificadas a partir dos acórdãos. 95 Cf. Peter Häberle, Hermenêutica Constitucional..., cit., e Friedrich Müller, Metodologia..., cit.

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a) quanto à literalidade e ao sentido inequívoco do texto

A literalidade e o sentido inequívoco do texto normativo foram apontados como limites à

interpretação conforme a constituição em 15 casos, tendo contribuído para a decisão final em 10

deles.96 À luz da jurisprudência do STF, a literalidade pode ser apontada como a restrição

imposta pelo teor gramatical do texto normativo, enquanto o sentido inequívoco é a existência de

uma única norma que, sem dúvidas, deve ser construída a partir do dispositivo impugnado.

Em relação à literalidade, ela apareceu como um limite autônomo na ADI-MC 2502-

3/DF, Rel. Min. Sydney Sanches.97 A letra da lei também pode ser um dos elementos que

contribuem para a definição do sentido inequívoco do texto em associação com outros, como o

sistemático, o teleológico, o genético e o histórico.98

De acordo com a utilização do limite pelo STF, é possível identificar duas dimensões

dele: o sentido inequívoco (i) descaracteriza a pluralidade de interpretações exigida para o uso da

técnica, conforme exposto anteriormente, e (ii) impede que a Corte altere o conteúdo do ato

normativo, em substituição ao legislador, conforme será visto adiante. Assim, o objeto de

96 Cf. Rp 1417-7/DF, Rel. Moreira Alves, j. 09.12.1987; Rp 1389-8/RJ, Rel. Min. Oscar Corrêa, j. 23.06.1988; ADI-MC 1344-1/ES, Rel. Min. Moreira Alves, j. 18.12.1995; ADI-MC 1416-1/PI, Rel. Min. Néri da Silveira, 06.03.1996; ADI-MC 2502-3/DF, Rel. Min. Sydney Sanches, j. 03.10.2001; ADI-MC 2405-1/RS, Rel. Min. Carlos Britto, j. 06.11.2002; ADI 1557-5/DF, Rel. Min. Ellen Gracie, j. 31.03.2004; ADI 3046-9/SP, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, j. 15.04.2004; ADI 2925-8/DF, Rel. Min. Ellen Gracie, j. 19.12.2004; ADPF-QO 54-8/DF, Rel. Min. Marco Aurélio, j. 27.04.2005; ADI 2591-1/DF, Rel. Min. Eros Grau, j. 07.06.2006; ADI 2544-9/RS, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, j. 28.06.2006; ADI 3521-5/PR, Rel. Min. Eros Grau, j. 28.09.2006; ADI 191-4/RS, Rel. Min. Cármen Lúcia, 29.11.2007; ADPF 153/DF, Rel. Min. Eros Grau, j. 29.04.2010 97 No caso, impugnavam-se os arts. 82, § 2º, da Lei Orgânica do Distrito Federal e 8º do respectivo ADCT, porquanto não se permitia ao Ministério Público junto ao Tribunal de Contas ter um representante dentre os conselheiros nomeados. Foi um dos vários casos de diplomas normativos sobre nomeação de conselheiros de tribunais de contas, nos quais o STF aplica a interpretação conforme a constituição para adequar as vagas a serem preenchidas ao esquema constitucional, em nome do princípio da transição mais rápida para o regime constitucional (ver nota 58). No entanto, os precedentes não puderam servir de parâmetro à ação mencionada porque a letra da lei era diversa e impossibilitava uma interpretação que salvasse o dispositivo, salvo se houvesse uma alteração da redação legal, suprimindo o número de vagas que não correspondia à distribuição estabelecida no modelo constitucional. As duas normas dispunham que cabia ao Governador nomear 2 conselheiros e ao Legislativo nomear outros 5, em manifesta afronta ao art. 73, § 2º, da Constituição, aplicável também aos Estados, que prevê que o Chefe do Executivo deve indicar um terço (nos Estados, 3 conselheiros, sendo dois dentre auditores do tribunal e membros do Ministério Público) e o Legislativo deve indicar outros dois terços (4 conselheiros). Não seria possível, no entanto, aplicar a mesma solução utilizada nos precedentes porque a redação dos dispositivos não permitia ajustar as nomeações para que elas se amoldassem ao esquema constitucional. Mesmo que a Corte fixasse que a próxima vaga seria de um membro do Ministério Público, o Governador ficaria com uma vaga a menos, ou a correspondente aos auditores, ou a correspondente à sua livre escolha. A única solução possível, então, seria a declaração de inconstitucionalidade dos dispositivos. 98 Vejam-se, como exemplos, a ADI 1557-5/DF, a ADI 2925-8/DF e a ADPF 153/DF.

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controle é unicamente a norma construída dessa forma, que será constitucional ou

inconstitucional conforme esteja ou não de acordo com a lei maior, não se podendo fixar outra

norma a partir do dispositivo.99

Uma grande questão, também debatida amplamente em sede doutrinária, diz respeito ao

modo como esse sentido inequívoco é obtido: se ele é uma vontade inequívoca do legislador

(mens legislatoris) ou se é uma vontade inequívoca objetivada na lei (mens legis).100 Em geral, a

doutrina pende para o segundo entendimento, principalmente diante das desvantagens da

primeira alternativa, como a dificuldade em se identificar uma única e inequívoca vontade de

quem fez o diploma normativo ou a distância temporal entre a gênese do ato e o momento em

que é interpretado.101

Na jurisprudência do STF, verificou-se que os ministros tendem a buscar a mens legis,

não a vontade inequívoca do legislador. Frequentemente, elementos com referência ao texto –

como a análise da redação do dispositivo, das remissões que ele faz a outras normas, de outros

diplomas que tratam da matéria e também da finalidade atribuída ao ato impugnado –, permitem

a construção de um sentido inequívoco e objetivo para a norma.102 Para a Corte, esse limite é

coerente com a ideia de Estado Democrático de Direito e separação de poderes. O julgador não

pode “torcer” o significado da norma e criar um sentido que não seja aquele ao qual o dispositivo

conduz de forma inequívoca, mesmo que ele tenha sido criado a partir do texto e de outros

métodos de interpretação. Da mesma forma, ele não pode criar uma pluralidade de significados

para selecionar um deles, se o ato normativo não o permite.

99 Transcreve-se um trecho do voto da Min. Ellen Gracie, na ADI 2925-8/DF, no qual ela afirma: “Outrossim, a declaração parcial de inconstitucionalidade almejada pela autora, ao permitir, favoravelmente, a possibilidade de suplementação das dotações referentes à receita da CIDE ao mesmo tempo em que afasta o teto restritivo de 10% do valor a ser suplementado, modificaria o sentido e o alcance da autorização concedida pelo Legislativo por meio da presente lei formal. Em situações como a presente, esta Casa, em homenagem ao princípio basilar da separação de poderes, não tem vacilado em considerar juridicamente impossível tal pretensão” (STF, Pleno, ADI 2925-8/DF, Rel. Min. Ellen Gracie, j. 19.12.2004, p. 121 do acórdão; p. 10 do arquivo eletrônico). 100 Cf. Carlos Blanco de Morais, Justiça Constitucional..., cit., pp. 335-336; Rui Medeiros, A decisão..., pp. 316-317. 101 Cf. Hèctor López Bofill, Formas interpretativas..., cit., pp. 136-137. 102 Como exemplos de busca pela mens legis, vejam-se a ADI-MC 1344-1/ES e a ADI 1557-5/DF. No segundo caso, o Min. Marco Aurélio reforça sua posição vencida: “Creio que, ao divergir, apontei as razões pelas quais formei convencimento diametralmente oposto ao que consignado no voto da relatora, e formei-o tendo presentes a hermenêutica e os métodos mais saudáveis de interpretação como o são o teleológico e o sistemático, tanto que parti para o cotejo do que se contém no artigo 131 com o artigo 132 [da Constituição]” (STF, Pleno, ADI 1557-5/DF, Rel. Min. Ellen Gracie, j. 31.03.2004). Ao contrário, como exceções nas quais a mens legislatoris assumiu papel fundamental, vejam-se a Rp 1417-7/DF e a ADPF 153/DF. Elas serão tratadas no tópico seguinte.

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Algumas considerações podem ser feitas sobre a restrição. Em primeiro lugar, a

existência de um sentido inequívoco pode ou não ser vista como algo específico da técnica da

interpretação conforme a constituição, segundo a distinção que fizemos anteriormente. No caso

de uma decisão interpretativa em sentido estrito, é, antes de tudo, um limite apontado para o

trabalho do intérprete e só reflexamente uma restrição da técnica. Se a partir do dispositivo só é

possível obter uma única exegese, a interpretação conforme a constituição como técnica é

afastada pela ausência de pluralidade de sentidos. Por outro lado, no caso de uma decisão

manipulativa de uma única norma, é um limite da própria técnica e associa-se com a função de

legislador negativo da Corte, que não pode alterar o significado da lei, como será visto adiante.

Um exemplo pode ilustrar a primeira hipótese. Na Rp 1417-7/DF, apontada como o

leading case na abordagem específica do uso da interpretação conforme a constituição, a técnica

foi afastada porque haveria um sentido inequívoco da lei, segundo a intenção do legislador (mens

legislatoris). Não seria possível vislumbrar uma pluralidade de sentidos, de tal sorte que caberia

ao julgador verificar a constitucionalidade ou não da norma consubstanciada inequivocamente no

dispositivo impugnado. A etapa do controle de constitucionalidade como confronto entre o ato e

a lei maior, então, teria ocorrido quando já existia uma única norma sob análise.

Além disso, uma segunda crítica pode ser feita ao modo como esse sentido inequívoco é

obtido. Em que pese a existência de casos nos quais os ministros se esforçam para mostrar

racionalmente como obtiveram essa conclusão, há outros nos quais não se verifica nenhum

elemento (interpretativo ou não) que garante essa univocidade de sentido.

Nos primeiros, identificamos alguns métodos de interpretação utilizados pelos ministros

para afastar a dubiedade do dispositivo: interpretação lógico-sistemática103, teleológica104,

literal105 e genética106. Além disso, a inserção do dispositivo em disciplinas maiores, como a

103 A aplicação desse método hermenêutico pode ser identificada na ADI 1557-5/DF (interpretação sistemática dos artigos que tratam da Procuradoria dos Poderes estatais - arts. 131 e 132 da CF/88 e do art. 69 do ADCT), na ADPF 153/DF (interpretação sistemática sobre o que deve ser entendido como “crimes comuns conexos” a crimes políticos para fins de anistia) e na ADI 2591-1/DF (interpretação sistemática das normas do Código de Defesa de Consumidor e de como são aplicadas às instituições financeiras). 104 Na ADI 1557-5/DF, sobre a possibilidade de o Legislativo do Distrito Federal ter uma Procuradoria própria, o Min. Marco Aurélio interpreta o parâmetro constitucional sob uma perspectiva teleológica, no sentido de que a previsão de Procuradorias atuantes para todos os Poderes procura proteger em juízo o Estado como um todo. 105 A aplicação desse método hermenêutico pode ser identificada na ADI-MC 1344-1/ES (interpretação literal do artigo que se referia a “vantagens individuais” indevidamente, para tirá-las todas do teto de remuneração do serviço

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penal e a financeiro, também permitiu aos ministros afirmarem que qualquer outra interpretação

do dispositivo contrariaria a sua relação com os princípios e outros preceitos próprios de cada um

desses sistemas.107 Por fim, também foi possível verificar casos nos quais outras exegeses foram

afastadas por se mostrarem inúteis, à luz de uma determinada regulação normativa, como a

distribuição das competências federativas.108

Em outros casos, ao contrário, não há nada que permita afirmar que o sentido do

dispositivo é inequívoco ou os outros sentidos são incabíveis. A observação se torna mais

importante quando se verifica que, no próprio julgamento, outros ministros vislumbraram uma

pluralidade significativa no texto. Não é possível rebater essa segunda posição com a simples

menção a uma univocidade de sentidos, sem que se demonstre como ela é obtida. São acórdãos

nos quais o ministro que apontou a inexistência de dubiedade não a vincula a nada, exceto à sua

própria compreensão de que não pode haver outra norma.109

público) e na ADI 3521-5/PR (interpretação literal do artigo que dispunha que os contratos firmados “continuavam em vigor”). 106 A aplicação desse método hermenêutico pode ser identificada na Rp 1417-7/DF (interpretação das manifestações legislativas para se fixar como indubitável a norma que permitia indevidamente aos tribunais concederem por si mesmos as vantagens remuneratórias previstas) e ADPF 153/DF (interpretação das manifestações legislativas para se fixar como indubitável a norma que concedia anistia também aos agentes de Estado que cometeram crimes comuns conexos aos políticos). 107 Esses princípios podem ser verificados, por exemplo, na ADPF-QO 54-8/DF, (impossibilidade de se criar uma nova excludente de ilicitude sem previsão legal, para o caso do aborto de feto anencéfalo), na ADI 3510/DF (impossibilidade de se criar um novo tipo penal ou estender os existentes, por decisão judicial, para abranger os cientistas que manipulassem os embriões em contrariedade à lei) e na ADI 2925-8/DF (impossibilidade de se dar outra destinação à CIDE que não aquela já prevista na Constituição e proposta pelo autor, dadas as regras do sistema orçamentário, e possibilidade de se contingenciar o valor até que fosse requerida nova autorização para os gastos). 108 Na ADI 2544-9/RS, a norma que atribuía aos Municípios a competência para proteger os sítios arqueológicos só poderia ser interpretada no sentido de que essa competência era indevidamente exclusiva. Caso contrário, ou seja, se o dispositivo fosse interpretado no sentido de que se tratava de um reforço às competências já previstas na Constituição, ele não precisaria existir. 109 Na ADI-MC 1416-1/PI, impugnou-se o art. 151 do Estatuto da Polícia Civil do Piauí que dispunha: “São reconhecidas como entidades representativas da Polícia Civil do Estado do Piauí, dentro de suas respectivas categorias funcionais, a Associação dos Delegados de Polícia Civil do Estado do Piauí - ADEPOL e a Associação dos Policiais Civis do Estado do Piauí - APOCEPI”. Discutiu-se se esse dispositivo excluía ou não outras entidades, O Min. Maurício Corrêa afirmou que a exclusividade era o sentido inequívoco (e inconstitucional) da disposição, sem, no entanto, demonstrar o motivo desse entendimento. A mera leitura da redação não seria capaz de levar a essa conclusão. Hipótese semelhante ocorre na ADI 3046-9/SP, na qual a Corte julgou dispositivo da Lei Estadual Paulista 10.869/01, sobre diligências a serem realizadas pelos deputados estaduais para fiscalizar o Poder Executivo. O Procurador-Geral da República sugeriu a interpretação conforme a constituição para que a lei fosse lida como aplicável aos deputados no papel de representantes de comissões legislativas ou da Casa legislativa. O Min. Sepúlveda Pertence, Relator, afirmou que era evidente a intenção da lei de converter cada deputado em um fiscal independente, o que inviabilizaria qualquer interpretação conforme a constituição. Para tanto, porém, não apresentou nenhum motivo aparente que demonstrasse a inequivocidade da norma.

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Por fim, uma última crítica diz respeito à própria ideia de sentido inequívoco. Não é o

caso de aprofundarmos um tema que, por si só, já mereceria uma monografia. A questão é saber

se os métodos de interpretação são capazes de conduzir o julgado à única resposta possível ou se

esse raciocínio é inviável, tendo em vista o caráter inerentemente equívoco dos signos

linguísticos. Assim, se há o ajuizamento de ADI isso ocorre porque o sentido da norma não é

inequívoco, havendo dúvida a ser dirimida pela Corte. É evidente que esse entendimento não

pode ser levado às últimas consequências, caso em que só existiria uma forma de decisão no

controle de constitucionalidade (pela interpretação conforme a constituição ou não).

Essa afirmação conduz a uma certeza e a uma crítica. Por um lado, é certo que a

concepção de sentidos indubitáveis parte da premissa de só haver um intérprete/aplicador oficial

do direito, e que somente ele é capaz de produzir a norma de decisão para o caso. Não importa

que a dúvida exista para os destinatários da norma, desde que a Corte entenda não existir uma

dúvida objetiva a partir da leitura do preceito impugnado. Por outro lado, a afirmação expõe com

grande clareza a dificuldade em se afirmar a existência de um único sentido num ato impugnado,

principalmente quando os próprios ministros apontam a dubiedade na disposição. Nesse caso,

haverá sempre uma zona intermediária entre a certeza negativa e a certeza positiva que não

poderá ser desconsiderada pelo intérprete sob o fundamento de haver um sentido inequívoco, por

exemplo, se a jurisprudência dos tribunais ordinários demonstrar a existência de um grande risco

na manutenção da norma sem nenhum condicionamento.

b) quanto à vontade do legislador

A vontade do legislador foi apontada como óbice à utilização da técnica em 8 casos,

tendo sido relevante para a decisão final em 3 deles.110 Segundo a jurisprudência do STF, a

interpretação conforme a constituição não pode ser utilizada sempre que salvar a lei por meio de

uma interpretação que contraria a intenção inequivocamente manifestada pelo legislador.

110 Cf. Rp 1417-7/DF, Rel. Moreira Alves, j. 09.12.1987 (relevante); Rp 1389-8/RJ, Rel. Min. Oscar Corrêa, j. 23.06.1988; ADI-MC 1371-8/DF, Rel. Min. Néri da Silveira, j. 03.06.1998; ADI 1377-7/DF, Rel. Min. Octavio Gallotti, j. 03.06.1998; ADI-MC 3395-6/DF, Rel. Min. Cezar Peluso, j. 05.04.2006; ADI 3096/DF, Rel. Min. Cármen Lúcia, j. 16.06.2010; ADI 3510/DF, Rel. Min. Carlos Britto, j. 29.05.2008 (relevante), ADPF 153/DF, Rel. Min. Eros Grau, j. 29.04.2010 (relevante)

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Em geral, os ministros buscam a gênese do dispositivo impugnado, e até mesmo de

outros dispositivos, para demonstrar como o legislador não desejou criar uma norma no sentido

que a Corte tenta fixar por meio da interpretação conforme a constituição. Consideram que tal

opção foi democraticamente rechaçada, às vezes por amplas maiorias, sendo questionável que

eles mesmos possam ignorar essa escolha e declarar constitucional a norma já rejeitada, com

exclusão das outras.

Na doutrina, costuma-se invocar o elemento genético da norma como limite à

interpretação conforme a constituição, embora desvalorizado pela sua baixa efetividade e por

suas grandes desvantagens.111 Na jurisprudência, não obstante o papel fundamental

desempenhado pela gênese da norma em alguns casos, verificou-se que raramente a vontade do

legislador subsiste por si mesmo, estando vinculada ora à ideia de sentido inequívoco da lei, ora

à proibição de que a Corte altere o conteúdo normativo, em sua função jurisdicional.

Não surpreende que o fundamento da vontade inequívoca do legislador tenha

acompanhado, em todos os casos analisados, a ideia de função de legislador negativo do tribunal.

A demonstração de que a gênese da norma conduz a uma intenção claramente definida é uma

tentativa de se opor um obstáculo intransponível à opção de outra interpretação pela Corte.

Em última análise, trata-se de uma questão de deferência ao legislador democrático. A

decisão de inconstitucionalidade da norma traduz um juízo de reprovação intensa, culminando na

total invalidade do dispositivo viciado. Nesse sentido, a interpretação conforme a constituição

pode se apresentar como uma forma de respeito à obra legislativa, uma vez que, através dela, os

juízes evitam uma censura expressa do Parlamento, salvando a lei.112 Entretanto, até que ponto

essa operação não pode manifestar um desrespeito à vontade do legislador quando, por exemplo,

o julgador fixa uma leitura que foi rechaçada durante a elaboração normativa? Essa é a pergunta

essencial que subjaz esse limite.113

111 Cf. Gilmar Ferreira Mendes, Jurisdição Constitucional..., cit., pp. 349-350. 112 Cf. Hèctor López Bofill, Formas interpretativas…, cit., pp. 511-514; Wolfgand Zeidler, “A Justiça Constitucional no quadro das funções do Estado: em especial tipos, conteúdo e efeitos das decisões sobre a constitucionalidade de normas jurídicas” in VII Conferência dos Tribunais Constitucionais Europeus, Justiça Constitucional e espécies, conteúdo e efeitos das decisões sobre a constitucionalidade de normas, Lisboa, Tribunal Constitucional, 1987, p. 59; 113 Cf. Rui Medeiros, A decisão..., cit., p. 316.

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Mesmo que se admita essa posição do tribunal frente ao parlamento, não se pode aceitar

acriticamente a vontade do legislador como um limite. A própria análise da jurisprudência

suscita reflexões importantes. A principal delas diz respeito ao modo como será obtida essa

intenção inequívoca do feitor da norma. O intérprete se defronta com problemas aparentemente

insuperáveis, desde a simples busca pelos arquivos e pelos debates, até questões sobre os efeitos

das mudanças legislativas realizadas.

Embora as exposições de motivos possam trazer indícios importantes, é evidente que os

debates parlamentares dificilmente apontam para uma única direção. Qual será a opinião

prevalecente? A da maioria? E se a maioria tiver se posicionado de modo contrário ao parecer de

uma comissão? E se o Plenário do Congresso tiver derrubado o parecer terminativo da Comissão

de Constituição e Justiça pela inconstitucionalidade do projeto de lei? Além disso, cabe uma

pergunta essencial: é a vontade de quem que se busca? Dos parlamentares individualmente

considerados, da Casa legislativa, do Congresso como um todo ou ainda do Chefe do Executivo,

que também pode participar do processo de elaboração das leis? Se for do Parlamento, como

proceder a esse exame se a lei for antiga, tendo vigorado por anos, às vezes por décadas, e

sofrendo até mesmo modificações ao longo desse tempo.

O exemplo mais elucidativo desses problemas talvez seja o célebre julgamento da Lei da

Anistia (ADPF 153). Ficou evidente a divergência sobre a intenção do legislador da época e

sobre se ele teria ou não estendido a anistia também aos agentes do Estado acusados de tortura e

crimes como sequestro, homicídio, estupro, etc.

De um lado, entendeu-se que teria havido um grande acordo político à época, realizado

entre governo e oposição, para conceder uma anistia ampla, irrestrita e geral a todos aqueles que

fossem acusados de crimes políticos ou conexos a eles, independentemente de ser agente de

Estado ou não. Como esse era o único meio de se promover a chamada “transição lenta e

gradual” da ditadura militar para um regime civil, os oposicionistas teriam concordado em

sacrificar a possibilidade de perseguirem juridicamente os torturadores em troca da estabilidade

política. Tal compreensão dos fatos resultava na constitucionalidade total da norma, conclusão

reforçada pelos próprios trabalhos preparatórios da Constituição de 1988, pela reafirmação da

anistia na EC 26/85, que convocava a Assembleia Constituinte e estendia a anistia conferida pela

lei. Adotaram esse raciocínio o Ministro Relator Eros Grau e a maioria do colegiado.

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A posição contrária, sustentada pelo autor da ação e pelos Ministros Ricardo

Lewandowski e Carlos Britto, atacava essa visão da história. Em primeiro lugar, não teria havido

qualquer espécie de acordo político, mas sim uma imposição feita pelo governo ditatorial da

época, o que deslegitimaria completamente a intenção do legislador. Mesmo que se aceitasse a

existência de um acordo político, ele teria tido como objeto apenas os exilados e combatentes do

regime, que seriam anistiados em troca do arrefecimento da luta contra a ditadura e de

concessões em outras áreas. Ainda que se admitisse que o acordo político abrangia também os

agentes de Estado, seria patente a situação de coação política exercida pelo governo, o que

descaracterizaria a validade da manifestação do legislador. Por fim, todas essas considerações

seriam trazidas para a interpretação do dispositivo constitucional de 1988 que estendia a anistia.

O resultado, segundo eles, não poderia ser outro que não a interpretação conforme a constituição

– utilizada impropriamente, deve-se dizer – para excluir da abrangência do artigo da Lei de

Anistia a interpretação que afastava a punibilidade dos agentes de Estado.

Contudo, a existência de diversas leituras para um mesmo fato e a dificuldade prática em

se obter uma vontade inequívoca do legislador por meio dos documentos originais não são as

únicas dificuldades identificáveis. É de se questionar, por exemplo, a influência da rejeição do

legislador a uma norma sobre a decisão presente do julgador. O juiz pode fundamentar sua

decisão, em 2011, no fato de o constituinte ter se negado a adotar uma norma quando da

elaboração da Constituição, em 1988? Há uma série de mudanças fáticas que devem ser

consideradas e que mitigam o elemento genético nesses casos. Ademais, até que ponto o

histórico legislativo de outros dispositivos permite o afastamento da interpretação conforme a

constituição no julgamento de um dispositivo diferente?114

114 No julgamento da ADI-MC 1371-8/DF e da ADI 1377-7/DF, sobre a possibilidade de filiação partidária de membro do Ministério Público, o Min. Octavio Gallotti rechaçou a possibilidade de interpretação conforme a constituição, no sentido de condicionar a filiação ao afastamento das funções, demonstrando que o Constituinte já havia abandonado essa alternativa. Segundo o Ministro: “Durante os trabalhos constituintes, foram rejeitadas proposições dos Deputados IBSEN PINHEIRO, ROBERTO BALESTRA e CARLOS VINAGRE, todas no ponto em que prescreviam, para o desempenho da atividade político-partidária pelos membros do Ministério Público, o afastamento de suas funções. Reintroduzir essa limitação a título de interpretação conforme, seria erigir-se o Tribunal, em legislador positivo, criando uma restrição que, a meu entender, não se pode reputar diretamente decorrente do mandamento constitucional” (STF, Pleno, ADI 1377-7/DF, Rel. Min. Octavio Gallotti, j. 03.06.1998, p. 159 do acórdão; p. 38 do arquivo eletrônico). Percebe-se claramente como o fundamento da vontade do legislador (constituinte) foi associado com o limite da função de legislador negativo do STF.

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Todos esses questionamentos demonstram como o limite da vontade do legislador,

embora coerente com determinados pressupostos do Estado democrático, possui uma difícil

operacionalidade. Trata-se indubitavelmente de um limite à atividade jurisdicional das Cortes

Constitucionais, mas não lhe pode ser atribuída uma força de restrição maior do que o seu

potencial lhe permite ter. Os próprios ministros parecem não conferir maior prestígio a essa

limitação.115 Seu melhor uso, portanto, ocorre pela conjugação com outros limites, o que

efetivamente se verificou na jurisprudência do tribunal.

3. Limites funcionais

a) quanto à função de legislador negativo da Corte

A função de legislador negativo da Corte aparece como limite ao salvamento do ato

normativo em 15 casos, tendo sido relevante em 5 deles.116 Consiste na ideia de que o STF não

pode agir em substituição ao legislador para criar normas que contrariem o sentido inequívoco do

texto (ou da intenção de quem fez o ato normativo) nem pode invadir o campo reservado à

liberdade do Parlamento.

Em geral, os ministros apontam essa limitação por meio de duas linhas de raciocínio: ora

afirmam que o histórico legislativo do preceito impugnado demonstra o anterior abandono da

interpretação a ser fixada, ora sustentam que dar outro sentido para o texto significa criar uma

norma. Por vezes, o fundamento é reforçado pela concepção de que existe uma esfera de atuação

115 Confira-se o seguinte trecho do voto Min. Ilmar Galvão na ADI-MC 2238: “Ainda, entretanto, que o Senado tenha agido com o fito de ensejar o veto, não poderia o novo texto ser declarado inconstitucional pelo STF, em ação da espécie, de natureza abstrata, em que o texto normativo que lhe serve de objeto é examinado, de forma objetiva, sem consideração à vontade ou à intenção do legislador” (STF, Pleno, ADI-MC 2238-5/DF, Rel. Min. Ilmar Galvão, pp. 48-49 do acórdão; pp. 25-26 do arquivo eletrônico). 116 Cf. Rp 1417-7/DF, Rel. Moreira Alves, j. 09.12.1987; ADI-MC 1117/SP, Rel. Min. Paulo Brossard, j. 16.09.1994; ADI-MC 1371-8/DF, Rel. Min. Néri da Silveira, j. 03.06.1998; ADI 1377-7/DF, Rel. Min. Octavio Gallotti, j. 03.06.1998; ADI 3046-9/SP, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, j. 15.04.2004 (relevante); ADI 3324-7/DF, Rel. Min. Marco Aurélio, j. 16.12.2004; ADI 2925-8/DF, Rel. Min. Ellen Gracie, j. 19.12.2004; ADPF-QO 54-8/DF, Rel. Min. Marco Aurélio, j. 27.04.2005; ADI-MC 3395-6/DF, Rel. Min. Cezar Peluso, j. 05.04.2006; ADI 1127-8/DF, Rel. Min. Paulo Brossard, j. 06.10.94; ADI 3026-4/DF, Rel. Min. Eros Grau, j. 08.06.2006 (relevante); ADI 3647-5/MA, Rel. Min. Joaquim Barbosa, j. 17.09.2007; ADI 3510/DF, Rel. Min. Carlos Britto, j. 29.05.2008 (relevante); ADPF 153/DF, Rel. Min. Eros Grau, j. 29.04.2010 (relevante), ADI 3096/DF, Rel. Min. Cármen Lúcia, j. 16.06.2010.

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própria do Parlamento, como nos casos de matéria penal (princípio da tipicidade, conhecido pelo

brocardo latino nulla poena sine lege) ou de criação de órgãos e competências.

Em relação ao primeiro enfoque, a fim de circunscrever os limites de sua atividade, os

ministros procuram fazer uma nítida contraposição entre a vontade expressada pelo legislador e a

vontade manifestada pela Corte. Assim, não se torna possível, por via da interpretação conforme

a constituição, fixar como válida uma determinada leitura que, embora discutida em sede

parlamentar, foi expressamente rechaçada na elaboração da norma. Caso contrário, ter-se-ia uma

manifesta substituição do desejo do legislador pela vontade do julgador, o que, em última

instância, significaria a substituição das escolhas do primeiro pelas escolhas do segundo. Isso

não implicaria, porém, na manutenção do preceito no ordenamento, uma vez que, constatada a

inconstitucionalidade da norma impugnada, evidentemente se impõe ao tribunal a tarefa de

declará-la inconstitucional.117

Em relação ao segundo raciocínio, a discussão aparece um pouco atenuada, pois não se

trata mais da vontade de um legislador existente manifestada de modo concreto. Os ministros

apontam a existência de um sentido inequívoco, que pode ou não resultar de considerações sobre

a gênese da norma. Discute-se a mens legis e até que ponto o tribunal pode alterá-la, fixando sua

própria interpretação. O limite da função de legislador negativo se mostra, então, como uma

proibição a que se substitua a norma indubitavelmente construída por outra, em agressão não

mais à vontade de um legislador concreto, mas à própria separação de funções num Estado de

Direito.118

117 Vejam-se, por exemplo, a ADI-MC 3395-6/DF e a ADI 1377-7/DF. Sobre a última, confira-se o excerto transcrito na nota 114. Em relação à primeira, sobre a competência da Justiça do Trabalho para julgar causas envolvendo relações de emprego com o Poder Público (art. 114, I, da CF/88, modificado pela EC 45/04), o Min. Marco Aurélio foi voto vencido ao afastar a aplicação da interpretação conforme a constituição para o dispositivo, não fazendo a ressalva para as relações estatutárias. Segundo o Ministro, o histórico legislativo indicava claramente que o Congresso pretendia alterar o entendimento consolidado de que a Justiça do Trabalho não poderia julgar causas relativas a relação estatutária, uma vez que o Senado havia acrescentado essa previsão no texto da Emenda. A Corte não poderia tomar como base a redação original, ancorada na jurisprudência do tribunal, para conferir uma interpretação não desejada pelo Legislativo. 118 Vejam-se, por exemplo, a ADI 3026-4/DF e a Rp 1417-7/DF. Na ADPF-QO 54-8/DF, o Min. Cezar Peluso afirma: “A pergunta que suscito é se, como contralegislador - para usar expressão de RUI MEDEIROS -, violando os princípios da separação dos poderes e da interdição do arbítrio, caríssimos ao Estado Democrático de Direito, este Tribunal tem competência para, sob pretexto de que certas normas já não seriam adequadas ao tempo e à evolução científica, ler outra coisa onde as normas não deixam nenhuma dúvida quanto ao seu sentido emergente, o que é mais do que mero sentido literal” (STF, Pleno, ADPF-QO 54-8/DF, Rel. Min. Marco Aurélio, j. 27.04.2005, p. 99 do acórdão; p. 79 do arquivo eletrônico).

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O terceiro raciocínio se estrutura a partir da ideia de que, se interpretação é uma

invariável atividade de criação normativa, também é verdade que a Constituição reservou

determinadas matérias a princípios específicos de tipicidade e reserva legal qualificada. Uma

questão importante, por exemplo, diz respeito à possibilidade de a Corte, por meio de uma

interpretação conforme a constituição, criar um tipo penal ou estender crimes já existentes a

outras hipóteses. Outra questão diria respeito à criação, por meio da técnica, de órgãos que

pudessem tornar a lei constitucional ou a uma redistribuição de funções e competências. Haveria,

nesses casos, uma burla ao sistema constitucional e à existência de reserva legal qualificada para

determinados assuntos.119

Doutrinariamente, muito se debate acerca da posição das cortes constitucionais como

legisladores negativos. As origens do tema remontam à pioneira obra de Hans Kelsen, La

garantie jurisdictionelle de La Constitution (La justice constitutionelle), na qual o mestre

austríaco defende que a atividade de controle de constitucionalidade também resulta em normas

com efeitos gerais, tal como a do legislador, mas voltadas à remoção de normas inconstitucionais

do ordenamento. Assim, também seria atividade de criação de Direito, mas nunca com o mesmo

grau de inventividade conferido ao Parlamento.120 Contrapontos a essa ideia surgiram na

doutrina constitucional, em especial nas últimas décadas, mas eles mereceriam um estudo mais

profundo do que o proposto nesta dissertação.

Para os limites do objeto de nossa pesquisa, então, importa verificar o entendimento do

STF acerca da sua própria função ao desempenhar o controle de constitucionalidade. E a análise

da jurisprudência numa perspectiva temporal demonstra com nitidez que o entendimento da

Corte se alterou entre 1987 e 2010. De uma postura inicialmente restritiva, de clara defesa da

função de legislador negativo, o tribunal se encaminhou para a posição de que esse tema não

119 Exemplos são a ADI 3647-5/MA, a ADI 3510/DF, e a ADPF-QO 54-8/DF. Para as duas últimas, veja-se a nota 107. Na ADI 3647-5/MA, a Corte julgou a constitucionalidade de lei que tratava de situações de impedimento e de ausência do Governador. O art. 62, par. único, dispunha que o Governador e o Vice-Governador não poderiam se ausentar do país ou do Estado sem autorização legislativa por mais de 15 dias. O Relator votou pela interpretação conforme a Constituição, aplicando o princípio da simetria para incluir no dispositivo a sanção prevista na legislação federal - pena de perda de cargo. O Min. Marco Aurélio, ao contrário, manifestou-se da seguinte forma sobre a possibilidade do Governador ou Vice-Governador se ausentar do Estado ou do país: “Admito que ele possa se ausentar do Estado. E não cogito, porque passaria até mesmo a atuar como legislador positivo, da inserção no preceito de uma pena, muito embora em sintonia com a Constituição Federal, que seria a de perda do cargo” (STF, Pleno, ADI 3647-5/MA, Rel. Min. Joaquim Barbosa, j. 17.09.2007, p. 432 do acórdão; p. 27 do arquivo eletrônico). 120 Cf. Hans Kelsen, Jurisdição Constitucional, 2ª Ed., São Paulo, Martins Fontes, 2007, pp. 151-155.

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deve adquirir tanta importância.121 Os ministros passaram a admitir até mesmo o papel de

legisladores positivos, prolatando decisões que eles próprios denominaram de “aditivas”.122

Trata-se de uma ideia coerente com a concepção de que o Judiciário não pode mais

assumir uma posição de neutralidade diante dos fins a que a ordem constitucional se propõe

realizar, especialmente em matéria de direitos fundamentais.123 Além disso, a própria práxis no

controle de constitucionalidade demonstrou, ao longo das últimas décadas, que a manutenção do

dogma do legislador negativo é praticamente inviável. Um exemplo esclarecedor é o próprio

advento das decisões aditivas na jurisprudência italiana, que surgem como um desdobramento

quase natural da possibilidade de declaração de inconstitucionalidade parcial de uma norma.124

Mesmo no desempenho de sua atividade normal, de redução do texto impugnado, o tribunal pode

inovar no regime jurídico analisado.125 É evidente, porém, que os julgadores estão adstritos à lei

e à Constituição em grau maior do que o Parlamento, e essa é a ideia essencial que deve subsistir

à desconstrução do mito do legislador negativo.

121 Na ADI 3510/DF, sobre a constitucionalidade da cláusula de barreira, o Min. Gilmar Mendes teceu considerações sobre a menor importância do dogma do legislador negativo: “Portanto, é possível antever que o Supremo Tribunal Federal acabe por se livrar do vetusto dogma do legislador negativo e se alie à mais progressiva linha jurisprudencial das decisões interpretativas com eficácia aditiva, já adotadas pelas principais Cortes Constitucionais europeias. A assunção de uma atuação criativa pelo Tribunal poderá ser determinante para a solução de antigos problemas relacionados à inconstitucionalidade por omissão, que muitas vezes causa entraves para a efetivação de direitos e garantias fundamentais assegurados pelo texto constitucional” (STF, Pleno, ADI 3510/DF, Rel. Min. Carlos Britto, j. 29.05.2008, p. 629 do acórdão; p. 496 do arquivo eletrônico). No mesmo julgamento, o Min. Ricardo Lewandowski fez o seguinte aparte: “Nós estamos numa nova fase do Supremo Tribunal Federal, em que esta Casa assume um novo protagonismo. Então, pareceu-me adequado, no caso das células-tronco, também estabelecer algumas condicionantes, para o exercício da atividade de pesquisa, realmente importantes para o avanço do conhecimento nesse campo, no Brasil, exatamente por entender que essa lei é extremamente vaga e foi formulada, data venia, de forma tecnicamente imprecisa” (idem, p. 533 do acórdão; p. 400 do arquivo eletrônico). 122 Uma lista dessas decisões, segundo apontamento do Min. Gilmar Mendes, foi apresentada na nota 47. Um exemplo é a decisão na ADI 1127-8/DF. A Corte tomou decisões caracterizadas pelos próprios ministros como aditivas sem qualquer divergência. Para pelo menos três dispositivos do Estatuto da OAB, proferiram decisões que explicitavam condições para a constitucionalidade das normas, sem invocar a técnica da interpretação conforme a constituição, mas acrescentando algo que não estava na redação legal. 123 Cf. Tercio Sampaio Ferraz Jr., “O Judiciário frente à divisão dos poderes: um princípio em decadência?”, Revista da USP, n. 21, 1994, pp. 18-21. 124 Cf. Augusto Martín de la Vega, Las sentencias..., cit., p. 221. 125 É o caso das chamadas “sentenças demolitórias”. A própria nomenclatura já possibilita uma noção aproximada de como ocorre a operação normativa: uma restrição é “demolida”, permitindo que a norma restringida desenvolva plenamente os seus efeitos. Ao caracterizar-se esse tipo de decisão, sustenta-se que ela seria uma sentença redutiva com efeitos aditivos, por ampliar os efeitos de uma norma por meio da redução do âmbito de aplicação de outra. Haveria a componente ablativa (com ou sem redução de texto), mas a componente aditiva resultaria automaticamente do próprio sistema, pois a queda de uma restrição indevida permitiria a plena incidência do regime jurídico limitado por ela. Cf. Carlos Blanco de Morais, “As sentenças com efeitos aditivos”, in Carlos Blanco de Morais (coord.), As sentenças intermédias da Justiça Constitucional – Estudos luso-brasileiros de direito público, Lisboa, AAFDL, 2009, pp. 41-43.

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Especificamente no que toca aos acórdãos analisados, cabe-nos tecer algumas

considerações. Ressalte-se, em primeiro lugar, que a função do legislador negativo não tem o

condão de excluir aprioristicamente a utilização da interpretação conforme a constituição. Trata-

se de uma técnica de controle de constitucionalidade que nada tem a ver, em princípio, com a

atividade legislativa. Ao contrário, trabalha sobre interpretações construídas a partir do

dispositivo impugnado através da comparação delas com o parâmetro constitucional, em nada

diferindo, nesses aspectos essenciais, das decisões de constitucionalidade ou

inconstitucionalidade pura.126

Por outro lado, parece ser relevante a crítica daqueles que excluem o uso da técnica para

determinadas matérias. Existe uma separação de funções constitucionalmente definida e um

espaço de atuação reservado para cada Poder. Assim, por exemplo, não cabe ao STF, mediante

decisão judicial, criar cargos públicos, estruturar órgãos, superar as restrições orçamentárias, etc.

Especificamente em matéria penal, o princípio da tipicidade se impõe ao julgador. A Corte não

pode criar tipos penais ou inovar no conteúdo de preceitos já existentes, abrangendo novas

condutas, alterando os parâmetros da pena, prevendo outras excludentes de ilicitude ou

punibilidade, etc.

Também parece pertinente a crítica que se faz ao uso da interpretação conforme a

constituição para fixar como obrigatória e vinculante uma interpretação que foi rechaçada pelo

legislador durante a elaboração da norma. Os problemas desse pensamento, porém, já foram

apontados anteriormente: quem é o legislador que rechaça? E se as discussões não contemplaram

aspectos da realidade atual subjacente à norma? Assumindo-se a posição de que essa vontade é

aferível e não pode ser substituída, torna-se imperiosa a declaração de inconstitucionalidade do

preceito, cabendo ao Parlamento discutir novamente a matéria e, se for o caso, adotar a opção

anteriormente descartada.

Mais polêmica é a hipótese em que a norma construída em juízo já seja objeto de projetos

legislativos ou esteja em processo de elaboração. Nesse caso, afirma-se que não caberia ao

126 A consideração é importante diante de manifestações como da Advocacia Geral da União, em seu parecer na ADI 3324-7/DF, no qual o órgão defendeu a impossibilidade jurídica do pedido por se tratar de atuação da Corte como legislador positivo.

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Tribunal se adiantar ao legislador, principalmente nos temas de maior repercussão social.127 A

discussão surge diante da função contramajoritária dos tribunais constitucionais e da dificuldade

que as minorias podem encontrar para defender seus interesses na arena política. Se uma norma

não é feita porque existe uma vontade política em não aprová-la, pergunta-se se é possível para

as minorias obtê-la pela via jurisdicional.

A resposta a esse problema não pode ser dada nestas notas tão breves. Contudo, é

plausível a posição favorável a uma postura mais ativa da Corte. Ela deverá demonstrar que as

normas com as quais se defronta podem ser construídas a partir do dispositivo impugnado.

Também precisará fundamentar a opção pela constitucionalidade de uma em detrimento das

demais, mostrando que não há um sentido inequívoco e que o parâmetro de constitucionalidade

permite essa operação, respeitados os limites da atividade jurisdicional.128 No STF, essa hipótese

pode ser vislumbrada, em que pesem as críticas em sentido contrário, na recente decisão unânime

sobre a admissão da união estável entre pessoas do mesmo sexo.129

Por fim, apartado da discussão sobre a posição de legislador negativo frente a um

legislador concreto, o debate sobre o poder de alteração do sentido inequívoco da lei parece estar

suscetível a variações. Há quem diga, por exemplo, que o dogma do legislador negativo possa ser

127 O Min. Cezar Peluso ressaltou, em seu voto na ADPF-QO 54-8/DF, a posição do Legislativo na configuração dos Poderes ao negar a possibilidade de a Corte criar uma nova excludente de ilicitude: “E neste ponto gostaria de fazer a seguinte observação: essa tarefa é própria de outra instância, não desta Corte, que já as tem outras e gravíssimas, porque o foro adequado da questão é do Legislativo, que deve ser o intérprete dos valores culturais da sociedade e decidir quais possam ser as diretrizes determinantes da edição de normas jurídicas. É no Congresso Nacional que se deve debater se a chamada ‘antecipação de parto’, neste caso, deve ser, ou não, considerada excludente de ilicitude. Digo isso, não apenas em função das dificuldades de admissibilidade da ação, mas pelo fato de que a aceitação dessa excludente não é tão simples. Há circunstâncias graves que devem ser objeto de regulamentação específica, e a Corte não tem competência para fazê-lo” (STF, Pleno, ADPF-QO 54-8/DF, Rel. Min. Marco Aurélio, j. 27.04.2005, pp. 154-155 do acórdão; pp. 134-135 do arquivo eletrônico). 128 Sobre as características da função jurisdicional, cf. Elival da Silva Ramos, Ativismo..., cit., pp. 117-119. O autor aponta ser “um instrumento para a atuação do direito objetivo”, com escopo de “resolução de conflitos intersubjetivos ou pendências jurídicas cuja persistência pode comprometer a paz e a ordem na sociedade”, exercido “por meio de um processo cujas notas tipificadoras (inércia, substitutividade, definitividade, contraditório, etc.) guardam estreita relação com a sua conformação material” e com uma liberdade de criação muito menor que a do Legislativo. 129 Trata-se do julgamento conjunto da APDF 132 e da ADI 4277, no qual os ministros reconheceram os mesmos direitos da união estável entre homem e mulher para a união estável homoafetiva. Na primeira ação, discutiu-se a constitucionalidade da interpretação que excluía as uniões homoafetivas da abrangência do Estatuto dos Servidores Civis do Estado do Rio de Janeiro; na segunda, impugnou-se o art. 1732 do Código Civil: “É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família”. O resultado foi a interpretação conforme a constituição para fixar que a união homoafetiva também seria união estável.

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flexibilizado no caso de leis pré-constitucionais.130 A ideia que subjaz a esse entendimento é a de

que a lei foi feita sob a égide de outra Constituição e, portanto, seguiu outros valores, outros

princípios e outras regras. Ao ser transposta para a nova ordem jurídica, seria possível afastá-la

ou modificá-la para manter o ordenamento harmônico. Se a primeira solução se adequa mais a

um modelo de legislador negativo da Corte, que deixa ao Parlamento a tarefa de fazer a lei sob a

nova Constituição, a segunda solução contraria essa lógica e compartilha essa função entre todos

os Poderes constituídos.131

Em relação a leis pós-constitucionais, a lógica do raciocínio se baseia na impossibilidade

de que o tribunal, ao analisar a constitucionalidade de uma lei, crie uma pluralidade de sentidos

onde ela não existe. Se há um sentido inequívoco, cabe a ele, como legislador negativo, se

manifestar apenas sobre a constitucionalidade ou inconstitucionalidade daquela norma, não

podendo discutir outras possibilidades hermenêuticas. Na existência dessa pluralidade, porém,

não parece haver problema na opção por uma interpretação mais extensa do que outra, uma vez

que se trate de exercício de atividade puramente jurisdicional de controle de constitucionalidade.

130 Essa foi a posição do Min. Sepúlveda na ADPF-QO 54-8/DF, quando ponderou: “O eminente Ministro Carlos Velloso, citando Moreira Alves, adverte que não pode a interpretação conforme alterar o sentido da lei; é certo. [...] De qualquer modo, essa asserção que o Ministro Carlos Velloso alicerça no mestre Moreira Alves há de ser acolhida cum grano salis, se se cuida, como aqui se trata, de texto legal pré-constitucional. [...] Por essa razão [inconstitucionalidade superveniente], a superveniência da Constituição pode, sim, levar, sobretudo quando se soma - e é o que se sustenta - à mudança dos conhecimentos médicos a respeito da questão, pode levar, sim, a uma inversão do que parecia um límpido, claro e indiscutível sentido da lei anterior, quando ao tempo de sua publicação” (STF, Pleno, ADPF-QO 54-8/DF, Rel. Min. Marco Aurélio, j. 27.04.2005, pp. 230-231 do acórdão; pp. 210-211 do arquivo eletrônico). 131 Para corroborar essa realidade, transcreve-se um trecho da obra de Augusto Martín de la Vega, sobre a atuação da Corte Constitucional italiana na formatação do ordenamento italiano após a queda do regime fascista de Benito Mussolini: “La inercia ‘cualificada’ del Parlamento provocará una primera fase de iniciativa por parte de la Corte, marcada por um ‘favor constitutionis’ que buscará la adecuación del viejo ordenamiento a la reciente Constitución. Es el ‘periodo áureo’ de la jurisprudencia del Tribunal Constitucional o la fase de ‘suplencia general’, donde se desmantelará buena parte de la legislación fascista y prefascista. La pasividad en este primer periodo de la Corte de Casación, y la de gran parte de la magistratura hasta la existencia del TC, fomentará el activismo y el papel preponderante de la Corte en la labor de ‘desautorización’ de los viejos usos jurisprudenciales, lo que acentuará a su vez la prevalencia del recurso al Tribunal como instrumento de actuación jurídica de la Constitución. La ‘alianza’ entre la Corte y el sector progresista de la judicatura conducirá a un reforzamiento del ‘monopolio’ interpretativo de la Constitución por parte de la primera; ‘monopolio’ que se plasmará en el enriquecimiento de los instrumentos de intervención de la Corte, fruto al fin y al cabo de una cada vez mayor labor ‘reconstructiva’, que en último término pretendía no poner al Parlamento ante la acuciante obligación de legislar en unos momentos especialmente difíciles para la operatividad del órgano representativo. Favorecida la Corte por una Constitución como la de 1948, y por un sistema político fragmentario y lento en el proceso de decisiones, la expansión del TC, primero a través de las sentencias interpretativas, y luego a través de las manipulativas, se presentaba por tanto como una ‘suplenza fisiológica’, primero de la judicatura ordinaria y posteriormente del órgano legislativo” (Cf. Las decisiones…, cit., pp. 230-231).

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b) quanto ao impedimento de consultas interpretativas à Corte

O fundamento de que o STF não exerce função consultiva foi apontado como limite para

a técnica em 3 casos, tendo contribuído para a decisão final em todos eles.132 Consiste na ideia de

que as ações do controle de constitucionalidade não podem servir para consultar a Corte sobre

determinada interpretação em tese da lei.

Não há uma explicação clara nos acórdãos sobre os critérios que norteiam a aplicação

desse limite, inclusive porque são poucos os votos e os ministros que tratam do tema. De

qualquer forma, parece ser um contraponto à competência excepcional estabelecida no art. 23,

XII, do Código Eleitoral para o Tribunal Superior Eleitoral: “responder, sobre matéria eleitoral,

às consultas que lhe forem feitas em tese por autoridade com jurisdição, federal ou órgão

nacional de partido politico”. Também parece ter uma origem mais remota na Representação de

Interpretação. Na Rp 1417-7/DF, o Min. Moreira Alves afirmou que o instituto serviria para que

a Corte escolhesse a interpretação mais adequada dentre várias leituras válidas, aproximando-se

de uma interpretação autêntica sobre as normas construídas em tese.133

A única afirmação que se pode fazer com base nos votos lidos é que o fundamento da

inexistência de função consultiva da Corte se associa com a univocidade de sentido da disposição

impugnada. Nos três casos em que foi mencionado, os ministros apontaram que faltava uma

ambiguidade no ato normativo que suscitasse alguma dúvida sobre a norma a ser aplicada, e que

o tribunal não poderia cogitar de possíveis interpretações em tese.134

132 Cf. ADI 2047-1/DF, Rel. Min. Ilmar Galvão, j. 03.11.1999 (relevante); ADI 2591-1/DF, Rel. Min. Eros Grau, j. 07.06.2006 (relevante); ADI 3026-4/DF, Rel. Min. Eros Grau, j. 08.06.2006 (relevante). 133 Nas palavras do Ministro: “Com efeito, a representação de inconstitucionalidade visa ao controle da constitucionalidade da lei e o princípio da interpretação conforme à constituição é meio para a efetivação desse controle; já a representação de interpretação tem por fim a determinação, dentre várias interpretações possíveis e válidas, daquela que melhor condiz com a norma em causa, e conduz a resultado análogo ao que chegaria a interpretação autêntica” (STF, Pleno, Rp 1417-7/DF, Rel. Moreira Alves, j. 09.12.1987, pp. 111-112 do acórdão; pp. 40-41 do arquivo eletrônico; grifos no original). 134 Veja-se, por exemplo, o diálogo entre os Ministros Marco Aurélio e Sepúlveda Pertence na ADI 3026-4/DF: “O Senhor Ministro Sepúlveda Pertence - Aproveitamos a oportunidade para dar o nosso palpite sobre algo de que a lei não cuidou. O Senhor Ministro Marco Aurélio - Sim. E isso é perigoso. Estarei mais atento no Plenário quanto à atuação do Supremo como legislador simplesmente negativo e no tocante ao fato de a interpretação conforme, que resulta na procedência do pedido inicial sem redução de texto, ser exceção e não a regra, sob pena, repito, de a Corte se transformar em órgão consultivo. O Senhor Ministro Sepúlveda Pertence - Está-se dando uma interpretação

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Esse limite não parece muito consistente, exceto se considerado como uma restrição a

que o STF escolha uma norma constitucional dentre outras normas igualmente válidas. De um

lado, porque as ações de controle abstrato já pressupõem o exame da lei em tese e conduzem a

decisões com efeitos vinculantes à Administração e ao Judiciário. Não se trata, portanto, de uma

mera consulta sem efeitos obrigatórios. De outro, porque é seriamente questionável a

possibilidade de o tribunal apontar uma interpretação como a mais adequada perante a

Constituição, afastando normas também constitucionais, principalmente quando essa decisão não

pode ser questionada pela jurisdição ordinária.135

4. Limites em razão de princípios ou juízos de conveniência e necessidade

Juízos sobre a necessidade e a conveniência da interpretação conforme a constituição

estiveram presentes em 17 casos, tendo sido importantes em 12 deles.136 Em geral, esse limite

consiste na consideração de que a declaração de inconstitucionalidade tout court é mais

adequada, de que a interpretação conforme a constituição não tem nada a acrescentar ou a

esclarecer, ou, ainda, que os resultados da operação podem ser indesejáveis.

Em geral, ao tratarem da desnecessidade da técnica, os ministros demonstram: (i) que a

própria constituição já traz a condição que se pretende impor para a validade da norma, de modo

conforme, com ampliação do texto, dispondo sobre algo que a lei não dispôs, de que não cuidou” (STF, Pleno, ADI 3026-4/DF, Rel. Min. Eros Grau, j. 08.06.2006, pp. 580-581 do acórdão; pp. 103-104 do arquivo eletrônico). 135 Por óbvio, não se trata de afastar o que Rui Medeiros denomina de “interpretação orientada para a Constituição” (Cf. A decisão..., cit., pp. 289-290). O STF pode adotar uma interpretação mais adequada à Constituição em relação a outras, igualmente constitucionais, desde que o faça na primeira etapa do processo, ou seja, na etapa interpretativa. Não poderá, contudo, fazê-lo no momento de confronto entre as normas construídas e a Constituição, sob pena de impor, com efeitos vinculantes, uma determinada leitura em detrimento de outras que também poderiam ser adotadas, violando a independência dos magistrados para interpretar o Direito. 136 Cf. ADI-MC 1668, Rel. Min. Marco Aurélio, j. 20.08.1998; ADI 1199-5/ES, Rel. Min. Joaquim Barbosa, j. 05.04.2006 (relevante); ADI 2591-1/DF, Rel. Min. Eros Grau, j. 07.06.2006 (relevante); ADI 2544-9/RS, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, j. 28.06.2006 (relevante); ADI 3521-5/PR, Rel. Min. Eros Grau, j. 28.09.2006 (relevante); ADI 3508-8/MS, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, j. 27.06.2007 (relevante); ADI 3647-5/MA, Rel. Min. Joaquim Barbosa, j. 17.09.2007 (relevante); ADI 3819-2/MG, Rel. Min. Eros Grau, j. 24.10.2007 (relevante); ADI 3378-6/DF, Rel. Min. Carlos Britto, j. 09.04.2008 (relevante); ADC 12/DF, Rel. Min. Carlos Britto, j. 20.08.2008; ADI 2501-5/MG, Rel. Min. Joaquim Barbosa, j. 04.09.2008; ADI-MC 4167-3/DF, Rel. Min. Joaquim Barbosa, j. 17.12.2008; ADI 3430-8/ES, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, j. 12.08.2009 (relevante); ADI 336, Rel. Min. Eros Grau, j. 10.02.2010 (relevante); ADI 442/SP, Rel. Min. Eros Grau, j. 14.04.2010; ADI-MC 1416-1/PI, Rel. Min. Néri da Silveira, 06.03.1996 (relevante); ADI 191-4/RS, Rel. Min. Cármen Lúcia, 29.11.2007 (relevante)

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que é desnecessário fazer alguma explicitação no ato impugnado;137 (ii) que o próprio ato

normativo já possui parâmetros que permitem entender a norma impugnada da maneira

adequada, sem necessidade de interpretação conforme a constituição;138 (iii) que a própria norma

pode ser interpretada de forma constitucional sem a interpretação conforme, em um

entendimento muito próximo do sentido inequívoco.139

137 Na ADI 1199-5/ES, o Governador do Estado do Espírito Santo impugnou o art. 64 e seu par. único da Lei Complementar Estadual 55/94, que determinava que os defensores já existentes na carreira poderiam contar com as mesmas vantagens dos defensores concursados, além de serem inscritos de ofício nos novos concursos. Alegou-se violação aos princípios da impessoalidade e da moralidade administrativa, bem como à regra do concurso público. Também alargaria o art. 22 do ADCT da CF/88, que fazia a transição de regimes para servidores contratados sem concurso público. O Min. Joaquim Barbosa, relator, considerou que a inconstitucionalidade era manifesta, uma vez que o dispositivo alargava a regra excepcional do ADCT também para defensores admitidos após a constituinte, sem concurso público. A interpretação conforme a constituição deveria ser afastada porque a própria Constituição já disciplinava o tema no art. 22, de forma que a mera inconstitucionalidade combinada com a aplicação do preceito constitucional seria suficiente para reestabelecer o cenário de equilíbrio no ordenamento. Os ministros seguiram a posição do Relator pela inconstitucionalidade da norma. Situação semelhante pode ser verificada na ADI 3819-2/MG, também referente à estruturação da Defensoria Pública e à possibilidade de opção por um regime ou outro, e na ADI 2544-9/RS, sobre repartição de competências constitucionais entre os entes federativos. 138 Como exemplos podem ser mencionadas a ADI 2591-1/DF, a ADI-MC 4167-3/DF e a ADI 442/SP. No primeiro caso, sobre a aplicação do Código de Defesa de Consumidor para as instituições financeiras, os ministros afirmaram que seria desnecessária a interpretação conforme a constituição proposta pelo Min. Nelson Jobim (e em menor medida pelo Min. Carlos Velloso), porquanto o diploma normativo não fazia nenhuma menção expressa a matérias relativas ao Sistema Financeiro Nacional. Se o próprio conjunto de normas não representava qualquer ameaça nesse sentido, qualquer necessidade de compatibilização deveria ser feita no caso concreto. É bastante elucidativo o voto do Ministro Joaquim Barbosa, cujos trechos transcrevemos: “É dizer, a técnica da interpretação conforme não me parece aplicável ao caso em exame, pois, numa análise em abstrato, inexiste inconstitucionalidade a ser pronunciada no art. 3º, § 2º, do CDC. A Lei 8.078/1990 será sempre aplicável às relações de consumo, como exatamente diz o texto legal [...] O direito dos consumidores de produtos financeiros e serviços bancários não encontra disciplina na lei que regula o Sistema Financeiro Nacional, porque outro é o objeto desta. O locus adequado a tal disciplina é o CDC, previsto no art. 48 do ADCT, com apoio no art. 5º, XXXII, da Constituição. [...] Isso não significa que o § 2º do art. 3º deva ser submetido a declaração de inconstitucionalidade sem redução de texto, porque, em verdade, o âmbito normativo do dispositivo atacado está perfeitamente delimitado, não havendo, em princípio, invasão do âmbito reservado à lei complementar” (STF, Pleno, ADI 2591-1/DF, Rel. Min. Eros Grau, j. 07.06.2006, pp. 352-354 do acórdão; pp. 211-213 do arquivo eletrônico). 139 Na ADI-MC 1668-5/DF, a Corte examinou a constitucionalidade da Lei Federal 9.472/97 (Lei Geral das Telecomunicações). A interpretação conforme a constituição foi suscitada para o art. 19, IV e X, in verbis: “À Agência compete adotar as medidas necessárias para o atendimento do interesse público e para o desenvolvimento das telecomunicações brasileiras, atuando com independência, imparcialidade, legalidade, impessoalidade e publicidade, e especialmente: IV - expedir normas quanto à outorga, prestação e fruição dos serviços de telecomunicações no regime público; X - expedir normas sobre prestação de serviços de telecomunicações no regime privado;”. A inconstitucionalidade apontada pela autora residia na possibilidade de que a Agência Nacional de Telecomunicações tivesse total independência para exercer essas atribuições. A corrente majoritária, baseada no voto do Min. Marco Aurélio, interpretou o dispositivo em conformidade com a Constituição para afirmar que não haveria total independência da entidade, mas vinculação ao âmbito legal e regulamentar que fundava a criação da agência. Sobre isso, o Min. Moreira Alves se manifestou no sentido da desnecessidade dessa decisão: “Sr. Presidente, a meu ver, não há necessidade de interpretação conforme à Constituição para se dizer o óbvio. O único problema que, em realidade, existe está no caput, que não foi atacado, no qual se alude, novamente, a ‘com independência’” (STF, Pleno, ADI-MC 1668-5/DF, Rel. Min. Marco Aurélio, j. 20.08.1998, p. 164 do acórdão; p. 38 do arquivo eletrônico). Então, a divergência foi embasada na desnecessidade de dar interpretação conforme a

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Também é possível que os ministros ressaltem não a desnecessidade da técnica, mas a

necessidade da declaração de inconstitucionalidade pura da norma. Ocasiões para isso existem

quando o tribunal tem que fazer um esforço hermenêutico muito grande para salvar a norma140

ou quando a inconstitucionalidade pura permite uma maior clareza141.

constituição para um dispositivo que só poderia ser interpretado de uma maneira à luz do sistema que disciplina a criação de entidades da Administração Indireta. Na ADC 12/DF, sobre a proibição do nepotismo, o Relator, Min. Carlos Britto, examinou a constitucionalidade da Resolução 07/05 do CNJ, e propôs interpretação conforme a constituição para que a lei não se restringisse apenas a “cargos de direção e assessoramento”, mas abrangesse também os cargos “de chefia”. O Min. Menezes Direito se opôs à proposta, afirmando: “Todavia, eu vou pedir vênia ao Ministro Carlos Ayres porque entendo que é desnecessário fazer qualquer complementação com a utilização da interpretação conforme. A resolução como está redigida tem um alcance sistemático extremamente ampliado e, ao meu sentir, alcança, até pela natureza mesma da expressão constitucional no que diz com os cargos em comissão, que se diferenciam até mesmo daquelas funções gratificadas, que são cargos de direção e assessoramento superior, portanto, inclui necessariamente os cargos de chefia. Daí eu não ver necessidade específica de recorrermos ao princípio da interpretação conforme de forma a fazer um acréscimo à disciplina incluída na Resolução nº 7. [...] não há necessidade específica do recurso à interpretação conforme, que deve ser utilizado quando, de fato, a ausência se faz necessária para o cumprimento da regra, de forma compatível com a Constituição.” (STF, Pleno, ADC 12/DF, Rel. Min. Carlos Britto, j. 20.08.2008, p. 16 do acórdão e do arquivo eletrônico). Após essa manifestação, o Min. Carlos Britto justificou sua proposta e foi acompanhado pela Min. Cármen Lúcia nos seguintes termos: “O Sr. Ministro Carlos Britto (Relator) - O Ministro Nelson Jobim falou exatamente nos termos em que hoje se pronunciou o eminente Ministro Menezes Direito. Agora, já que a Constituição, às expressas, no inciso V do artigo 37, diz que os cargos em comissão se destinam apenas às atribuições de direção, chefia e assessoramento - usando os três substantivos -, e a resolução não falou de ‘chefia’, mas de direção e assessoramento, achei por bem conciliar com a Constituição e deixarmos claro. A Senhora Ministra Cármen Lúcia - É porque a chefia pode ser intermediária, não diretiva. Pode ser uma chefia administrativa, quer dizer, não dirige. No entanto, a direção já inclui a chefia” (idem, p. 18 do acórdão e do arquivo eletrônico). Verifica-se novamente que a discussão sobre a necessidade tange questões como “obviedade” da norma construída a partir da disposição, extensão da norma e uso pedagógico da interpretação conforme a constituição, no sentido de conferir a maior clareza possível para a interpretação. 140 Na ADI 3430-8/ES, discutia-se a constitucionalidade da Lei Complementar 300/04 do Espírito Santo, que dispunha sobre contratação temporária de servidores da saúde, no contexto do combate à gripe suína. A lei permitia ao governo do Estado celebrar contratos administrativos temporários de prestação de serviço para atender excepcional interesse público. Em debates, a Min. Cármen Lúcia demonstrou preocupação na simples declaração de inconstitucionalidade das normas, uma vez que o Estado ficaria sem lei que regesse a contratação temporária de servidores. Afirmou em debates que o diploma normativo, em si, seria constitucional, e que o uso abusivo das contratações seria ilegal. Propôs, então, que se fizesse a leitura dos dispositivos impugnados em conformidade com o art. 37, IX, da Constituição. A interpretação conforme a constituição, porém, foi rejeitada porque seria muito difícil conciliá-la com o anexo da lei, que possibilitava a contratação para cargos sem o critério da urgência. Além disso, os ministros consideraram melhor modular os efeitos temporais da decisão, permitindo que o Poder Público editasse nova lei. Veja-se, por exemplo, a manifestação do Min. Ricardo Lewandowski na ADI 3430-8/ES: “Na verdade, não se pretende regrar, vamos dizer assim, as contratações temporárias da administração da Saúde do Estado capixaba, mas o que se tem aqui é um expediente para a contratação de servidores na área da Saúde, por prazo determinado, sem qualquer concurso, mediante sucessivas prorrogações, inclusive no setor burocrático desta área. A menos que façamos uma tentativa - e não me oponho - para dar uma interpretação conforme. Mas acho que isso exigirá do Plenário, (sic) um esforço hercúleo para adaptar o que está aqui à Constituição” (STF, Pleno, ADI 3430-8/ES, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, j. 12.08.2009, pp. 288-289 do acórdão; pp. 34-35 do arquivo eletrônico). 141 Veja-se como exemplos: ADI 3647-5/MA, Rel. Min. Joaquim Barbosa, j. 17.09.2007; ADI 3378-6/DF, Rel. Min. Carlos Britto, j. 09.04.2008; ADI 336, Rel. Min. Eros Grau, j. 10.02.2010; e ADI 3521-5/PR, Rel. Min. Eros Grau, j. 28.09.2006. Sobre o caso subjacente à ADI 3647-5/MA, veja-se a nota 119. Na ação, o Min. Joaquim Barbosa,

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A doutrina enfoca os limites da interpretação conforme a constituição sob o viés da maior

conveniência da declaração de inconstitucionalidade pura.142 Na jurisprudência do STF, a

questão do juízo de necessidade sobre a interpretação conforme a constituição ganhou maior

relevância após 2006. Contudo, não há a fixação de critérios claros que permitam afirmar quando

o princípio da segurança jurídica e a necessidade de clareza da norma recomendam a segunda

opção em detrimento da primeira, nem quando a decisão interpretativa será redundante e

desnecessária.

De qualquer modo, parece ser possível associar o uso da técnica com a existência de

dúvidas persistentes dentre os aplicadores do direito. O critério deve ser o da suficiência da

explicitação para que essas divergências sejam aplacadas – suficiência tanto da interpretação

conforme a constituição para estabelecer a leitura válida sem causar maiores dúvidas, como da

norma que já disciplina a situação e torna a técnica desnecessária.

Por fim, há situações em que a interpretação em conformidade com a lei maior parece

conduzir a resultados indesejáveis.143 É o exemplo da norma que perde sua razão de ser no caso

de ser declarada sua validade condicional, tornando-se supérflua ou ineficaz. Acreditamos que

não é possível ao tribunal estabelecer tantas condições para a constitucionalidade do dispositivo

impugnado que o torne de difícil, senão impossível operacionalização. Da mesma forma, não

pode chegar a conclusões que desequilibrem ou rompam com o sistema já estruturado. Nesses

aderiu às ponderações feitas pelo Min. Carlos Britto em debates, nos seguintes termos: “O Senhor Ministro Joaquim Barbosa (Relator) - Não eliminei. Eu disse que, tendo em vista o princípio da simetria, podemos entender que a norma federal se aplica diretamente ao Estado, não obstante a norma estadual. O Senhor Ministro Cezar Peluso - Quanto a isso não tenho dúvida, mas o risco de interpretação é muito grande. O Senhor Ministro Carlos Britto - Exato. Ministro Joaquim Barbosa, se Vossa Excelência considerasse totalmente procedente a ADI, ocorreria a repristinação, muito mais consentânea com a Constituição. O Senhor Ministro Joaquim Barbosa (Relator) - Prefiro adotar a interpretação conforme e salvar o dispositivo. O Senhor Ministro Carlos Britto - A redação anterior é consentânea com a Constituição, e tem sanção.” (STF, Pleno, ADI 3647-5/MA, Rel. Min. Joaquim Barbosa, j. 17.09.2007, pp. 424-425 do acórdão; pp. 19-20 do arquivo eletrônico). 142 Cf. Rui Medeiros, A decisão..., cit., pp. 387-394; Carlos Blanco de Morais, Justiça Constitucional..., cit., pp. 338-339. 143 Vejam-se a ADI-MC 1416-1/PI e a ADI 191-4/RS. Na primeira delas, a Corte julgou que a redação do art. 151 do Estatuto da Polícia Civil do Piauí não era inconstitucional se interpretada em conformidade com a Constituição. Dispunha o artigo: “São reconhecidas como entidades representativas da Polícia Civil do Estado do Piauí, dentro de suas respectivas categorias funcionais, a Associação dos Delegados de Polícia Civil do Estado do Piauí - ADEPOL e a Associação dos Policiais Civis do Estado do Piauí - ADOCEPI”. Pela interpretação dada, esse dispositivo não excluiria outras entidades representativas, não havendo exclusividade das duas mencionadas. Para o Min. Sepúlveda Pertence, porém, a disposição não faria sentido se não fosse para fixar uma “opção preferencial” - inconstitucional - pelas duas entidades (STF, Pleno, ADI-MC 1416-1/PI, Rel. Min. Néri da Silveira, j. 06.03.1996, p. 44 do acórdão; p. 14 do arquivo eletrônico).

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casos, é melhor a declaração de inconstitucionalidade pura da norma viciada em relação à sua

manutenção no ordenamento.144

5. Outros limites

Outros fatores citados para a rejeição da interpretação conforme a constituição foram a

irrazoabilidade (ADI-MC 1480-3/DF), a restrição do controle abstrato (ADI-MC 2502-3/DF) e a

impossibilidade do uso da técnica em ação direta de inconstitucionalidade (ADI 3026-4/DF).

No primeiro caso, o fundamento foi utilizado para afirmar que a declaração de

inconstitucionalidade de algumas normas construídas erroneamente pelos tribunais do país se

mostrava irrazoável aos olhos do ministro. É interessante a aplicação de um juízo de

razoabilidade para o uso desse tipo de decisão, numa aproximação dos juízos de conveniência

mencionados anteriormente, de modo a se constatar se a interpretação conforme a constituição é

adequada e consistente para alcançar os objetivos propostos.

Na segunda hipótese, mencionou-se a necessidade de que o tema fosse tratado na sede

própria, de controle incidental de constitucionalidade, e não de maneira abstrata, em tese. Em

outros casos também se verificam manifestações no sentido de que a solução do problema da

inconstitucionalidade deve ser deixada para os casos concretos.145 Entretanto, esse limite não

parece ser próprio da interpretação conforme a constituição, mas do controle principal como um

todo.

144 Um exemplo ilustrativo do que se pretende sustentar é a decisão tomada pela minoria na ADI 3510/DF. A corrente que votou pela interpretação conforme a constituição, capitaneada pelo Min. Menezes Direito, impôs restrições tão intensas à pesquisa com células-tronco de embriões humanos que seria bastante discutível a eficácia da norma se elas fossem acatadas no julgamento. É certo que os ministros que votaram por essa solução se preocuparam em mostrar a viabilidade das pesquisas com aqueles condicionamentos, mas não houve qualquer juízo sobre a posterior eficácia do dispositivo para fomentar avanços na área médica, principalmente depois da fixação de condições para a própria técnica de manipulação de embriões. 145 Vejam-se, por exemplo, a ADI 2591-1/DF e a ADI-MC 1236-3/DF. Na primeira, os ministros consideraram que eventuais conflitos entre o Código de Defesa do Consumidor e o espaço reservado à Lei Complementar do Sistema Financeiro Nacional poderiam ser resolvidos pelos juízes nos casos concretos. Na segunda, ao contrário, os ministros preferiram conferir interpretação conforme a constituição para afastar a aplicação de dispositivo que alterava o cálculo de mensalidades escolares para os contratos perfeitos e os direitos adquiridos (irretroatividade da lei). Um dos motivos que levaram a adoção no segundo caso, não levantado no primeiro, foi a possibilidade de ajuizamento de milhares demandas com seus consequentes prejuízos ao Judiciário.

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A terceira situação diz respeito à impossibilidade do pedido de interpretação conforme a

constituição em ADI. Quem suscitou essa hipótese foi o Min. Eros Grau ao relatar a ADI 3026.

Segundo o ministro, como se pedia a declaração de constitucionalidade de uma das normas, e a

ADI teria por objeto a declaração de inconstitucionalidade dos atos normativos, a ação seria

juridicamente inadmissível. No entanto, os outros ministros votaram pela existência de

controvérsia a ser resolvida pela Corte quanto à inconstitucionalidade das interpretações

construídas a partir do texto impugnado. Uma análise da questão demonstra que os problemas

surgem por causa do entendimento equivocado que se tem da interpretação conforme a

constituição. De fato, o raciocínio do Min. Eros Grau é coerente ao estabelecer que a ADI serve

para declarar a inconstitucionalidade do preceito e não comporta como objeto a sua declaração

de constitucionalidade, mas isso não exclui a possibilidade de combinação de decisões

interpretativas positivas e negativas no pedido, desde que conste expressamente na petição.

Outra questão diz respeito à formação da maioria nos julgamentos analisados, embora

esse problema não seja abordado nos acórdãos analisados. Trata-se da discussão sobre a

necessidade ou não de maioria absoluta dos votos para o uso da interpretação conforme a

constituição, à luz da exigência constitucional da reserva de plenário (art. 97 da Constituição),

reproduzida no art. 23 da Lei 9.868/99.146 Na maior parte das vezes, a interpretação conforme a

constituição foi adotada por um número expressivo dos julgadores. Todavia, em pelo menos

quatro ocasiões houve divergência tão significativa que a solução não foi tomada por seis ou

mais ministros.147

146 Dispõe o art. 23 da Lei 9.868/99: “Efetuado o julgamento, proclamar-se-á a constitucionalidade ou a inconstitucionalidade da disposição ou da norma impugnada se num ou noutro sentido se tiverem manifestado pelo menos seis Ministros, quer se trate de ação direta de inconstitucionalidade ou de ação declaratória de constitucionalidade. Parágrafo único. Se não for alcançada a maioria necessária à declaração de constitucionalidade ou de inconstitucionalidade, estando ausentes Ministros em número que possa influir no julgamento, este será suspenso a fim de aguardar-se o comparecimento dos Ministros ausentes, até que se atinja o número necessário para prolação da decisão num ou noutro sentido.” 147 Antes da Lei 9.868/99, mas já sob a regra da reserva de plenário, na ADI 1170-7/AM, a interpretação conforme a constituição foi adotada conforme o critério do voto médio, tendo havido 4 votos pelo deferimento, 4 votos pelo indeferimento e um voto pela constitucionalidade condicionada; na ADI 1597-4, ela foi adotada também pelo voto médio, pois 5 ministros votavam contrariamente e um ministro votava a favor, em menor extensão. Depois da lei da ação direta de inconstitucionalidade, na ADI 3772/DF, a interpretação conforme a constituição foi adotada por um placar de 5 votos a favor e 4 votos contrários; na ADI-MC 4167-3/DF, o art. 2º da lei impugnada foi interpretado em conformidade com a constituição por 5 votos a 4.

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O STF não parece ter firmado uma posição clara sobre o assunto.148 Acreditamos que, se

a lei exige a formação de maioria absoluta para a declaração de constitucionalidade ou

inconstitucionalidade de dispositivo e também de norma, os seis votos são necessários para a

adoção da técnica. Contudo, na hipótese de não haver uma maioria definida, e não havendo

ministros faltantes – por exemplo, porque algum deles se declarou impedido –, a solução poderia

ser a mesma utilizada pela Corte no julgamento do RE 631.102 (“Caso da Ficha-Limpa”). No

caso, em analogia ao art. 205, par. único, inciso II do RISTF, sobre empate em mandado de

segurança, os ministros decidiram que prevalece o ato questionado à luz da presunção de

validade dos atos normativos.149 Assim, prevaleceria a constitucionalidade pura em detrimento

da interpretação conforme a constituição, mas esta superaria a decisão interpretativa combinada,

a declaração de inconstitucionalidade parcial sem redução de texto e a decisão de

inconstitucionalidade pura.

Problema surgiria no caso de divergência entre duas propostas diferentes de interpretação

conforme a constituição. À luz do critério anterior, poder-se-ia sustentar que a interpretação com

restrições mais intensas cederia perante a interpretação com restrições menos intensas –

considerando-se, claro, que não há nenhuma declaração de inconstitucionalidade envolvida, mas

apenas a declaração de constitucionalidade de uma das normas. Outra solução poderia passar

pela identificação do voto médio, que só seria aferível caso a caso, mas levaria a um resultado

148 Por ocasião do julgamento da ADPF 46-7/DF a Corte teve a oportunidade de enfrentar o problema. Ao final do julgamento, chegou-se a um empate entre 5 votos que pareciam concluir pela constitucionalidade pura do dispositivo que conferia o privilégio do serviço postal à Empresa de Correios e Telégrafos (ECT) e 4 votos que pareciam excluir do âmbito de abrangência desse privilégio alguns elementos, somando-se ao voto do ministro relator pela total inconstitucionalidade do dispositivo. Nenhuma das correntes conseguiria formar a maioria de seis ministros necessária para o deslinde do julgamento. Discutiu-se se seria o caso de proceder à proclamação do resultado pelo voto médio, mas novamente houve impasse - a interpretação conforme a constituição se aproximaria dos 4 votos pela constitucionalidade total ou do único voto pela inconstitucionalidade total? O Min. Gilmar Mendes, presidente da Corte à época, suscitou que poderia ser declarada a constitucionalidade do dispositivo, mas sem os efeitos vinculantes previstos na Lei 9.868/99. De qualquer forma, os esclarecimentos prestados pelo Min. Carlos Britto, que pareceu ter alterado seu voto para acolher a constitucionalidade do dispositivo, acabaram prejudicando as discussões ao finalmente formar a maioria de seis votos necessários para a conclusão do julgamento. 149 Dispõe o art. 205, par. único, II do RISTF: “Recebidas as informações ou transcorrido o respectivo prazo, sem o seu oferecimento, o Relator, após a vista ao Procurador-Geral, pedirá dia para julgamento. Parágrafo único. O julgamento de mandado de segurança contra ato do Presidente do Supremo Tribunal Federal ou do Conselho Nacional da Magistratura será presidido pelo Vice-Presidente ou, no caso de ausência ou impedimento, pelo Ministro mais antigo dentre os presentes à sessão. Se lhe couber votar, nos termos do Art. 146, I a III e V, e seu voto produzir empate, observar-se-á o seguinte: II - havendo votado todos os Ministros, salvo os impedidos ou licenciados por período remanescente superior a três meses, prevalecerá o ato impugnado.”

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parecido ao anterior.150 Uma última alternativa poderia ser a aplicação analógica do antigo art.

185 do RISTF, que previa uma nova rodada de votação para as interpretações propostas no

julgamento de representação de interpretação (não prevista mais na Constituição de 1988),

principalmente nos casos em que houvesse decisões de constitucionalidade ou

inconstitucionalidade puras.151

III. Apreciação crítica

Uma primeira conclusão a que se chega após a longa exposição realizada é a de que o

STF esmiuça pouco e de maneira insuficiente os limites da interpretação conforme a

constituição. Poucos foram os limites tratados no grande número de casos, e a variedade de

ministros que o fizeram não foi grande o bastante para que se possa tratá-los à luz de uma

jurisprudência propriamente dita. São raros os acórdãos nos quais mais de um ministro trata das

mesmas restrições. São igualmente poucas – quase inexistentes – as decisões que exploram

detidamente cada um deles.

O resultado é a falta de material para que se possa conferir qualquer clareza para um tema

tão nebuloso quanto esse. Em quais circunstâncias se pode falar em sentido inequívoco do texto?

Quais os métodos que devem ser privilegiados? Como se afere a vontade do legislador? Em que

medida a Corte está vinculada a essa vontade? Até que ponto se pode falar em função de

legislador negativo do tribunal? Há alguma relação entre o vício de inconstitucionalidade e o uso

da técnica? Qual o parâmetro que deve ser utilizado para compatiblizar as normas? Atos

infraconstitucionais podem ser utilizados como critérios para a fixação de condicionantes à

150 Cf. Stras, David R. e Spriggs, James F., “Explaining Plurality Decisions (March 2, 2010)”, Georgetown Law Journal, Vol. 99, 2011, disponível em: http://ssrn.com/abstract=1562737. Acesso em: 03.06.2010. Segundo os autores, decisões nas quais não é possível encontrar um fundamental essencial (ratio decidendi) adotado pela maioria absoluta do tribunal são decisões “com opiniões plurais” (plurality opinions). No caso Marks v. United States (1977), a Suprema Corte assentou a regra interpretativa de que, nesse caso, a decisão seria tomada em consonância com os fundamentos mais básicos adotados por uma maioria de juízes (idem, p. 7). Para a interpretação conforme a constituição, então, buscar-se-ia a interpretação mais estrita aceita por uma maioria de juízes, se possível. 151 Dispõe o art. 185 do RISTF: “Efetuado o julgamento, com o ‘quorum’ do parágrafo único do Art. 143, proclamar-se-á a interpretação que tiver apoio de, pelo menos, seis Ministros. § 2º Na hipótese de os votos se dividirem entre mais de duas interpretações, proceder-se-á, em outra sessão designada pelo Presidente, à segunda votação restrita à escolha, pelo ‘quorum’ de seis Ministros, pelo menos, de uma dentre as duas interpretações anteriormente mais votadas.”

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constitucionalidade de outros atos normativos? Enfim, essas são apenas algumas perguntas que

não encontram respostas satisfatórias no universo de acórdãos pesquisados.

A análise dos limites à interpretação conforme a constituição na jurisprudência do STF

entre 1987 e 2010 também permite a identificação de um claro movimento de enfraquecimento

das restrições relacionadas com a vontade do legislador e a função de legislador negativo da

Corte. Por outro lado, há uma grande valorização de juízos de conveniência e necessidade do uso

da técnica ou do seu afastamento em detrimento de uma decisão de inconstitucionalidade pura.

Atualmente, os fundamentos mais sólidos para a rejeição da técnica parecem ser dados

pelo binômio sentido inequívoco da disposição e ausência de pluralidade de normas e pela maior

conveniência de se proferir uma decisão de pura constitucionalidade ou inconstitucionalidade.

Mesmo assim, não houve a definição de critérios que permitam ao estudioso do tribunal apontar

em quais casos os ministros tendem a identificar um sentido inequívoco no ato normativo, e,

portanto, a ausência de polissemia de sentidos, e em quais deles esse pressuposto da

interpretação conforme a constituição existe. Da mesma forma, não há nenhuma previsibilidade

em torno de questões de segurança jurídica nem elementos que permitam identificar quando a

Corte acredita não haver prejuízo na declaração de constitucionalidade sob interpretação.

Pensamos que, à luz de uma concepção mais elástica de intérpretes da constituição, as

situações de univocidade de significados do texto normativo devem ser mais restritas. Assim,

não bastaria para o intérprete último da constituição afirmar a inexistência de uma ambiguidade

inerente ao dispositivo impugnado, devendo ele ancorar esse entendimento na ausência de

divergências sérias nos tribunais ordinários, na Administração e na própria comunidade forense.

Caso essas dúvidas fossem persistentes e trouxessem dificuldades para a compreensão e a

aplicação do ato normativo, caberia ao STF realizar o controle por meio da interpretação

conforme a constituição, mesmo que os ministros considerassem haver um sentido inequívoco.

Nesse sentido, nota-se que, se antes a existência de um significado indubitável era apontada

como fator de pronta exclusão da interpretação conforme a constituição, nos últimos anos ela não

é suficiente para afastá-la, e a Corte parece aproveitar critérios de conveniência – como a

necessidade pedagógica – para fundamentar seu uso.

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Por outro lado, limites como a vontade do legislador, o mito do legislador negativo e a

inexistência de função consultiva da Corte devem ser considerados de menor importância.

Exceto em alguns raros casos de vontade manifesta do legislador num determinado sentido, é

muito difícil identificar uma única intenção num processo legislativo que, por sua própria

estrutura, envolve a manifestação de agentes diversos (Câmara, Senado, Presidência,

parlamentares, comissões, plenário, etc.). Essa crítica se acentua quando esse legislador não atua

sob a égide da constituição vigente, caso em que há o problema das leis pré-constitucionais e de

sua adequação ao novo ordenamento constitucional.

Assim, juízos sobre a função da Corte só podem auxiliar na rejeição da técnica. A ideia

do legislador negativo já se encontra superada, mas ainda pode fundamentar a exigência de que

qualquer interpretação conforme a constituição deva se basear diretamente na lei maior para ser

legítima. Os juízes constitucionais podem inovar o ordenamento – e de fato o faz mesmo quando

se limita a eliminar uma norma inconstitucional –, mas deverão fazê-lo com um grau maior de

vinculação às leis e à constituição em relação ao Parlamento. Isso também significa que não cabe

ao tribunal escolher, dentre normas igualmente válidas, aquela que mais se adequa à carta

magna, pois essa escolha sobre os meios a serem utilizados para atingirem os fins propostos cabe

ao Legislativo. Caso contrário, não apenas estaremos diante de uma revivida Representação de

Interpretação da lei como o tribunal correrá sérios riscos de substituir o papel do legislador.

Todas essas considerações não excluem a existência de limites processuais para o uso da

interpretação conforme a constituição. Em ADI, só é cabível a combinação das decisões

interpretativas ou o pedido de declaração de inconstitucionalidade parcial sem redução de texto

própria; em ADC, só é cabível o pedido de interpretação conforme a constituição; em ADPF, é

necessária a identificação de normas extraídas do texto que violem um preceito fundamental.

Tudo isso recomenda que a petição inicial contenha exatamente as várias interpretações possíveis

e a forma como se deve realizar o cotejo entre essas normas e o parâmetro constitucional.

A decisão só poderá ser tomada por maioria absoluta dos ministros. No caso de não ser

possível a formação de qualquer maioria no julgamento, aguarda-se o retorno dos ministros que

porventura estiverem faltando no julgamento. Se, por exemplo, algum ministro se declarar

impedido ou alguma cadeira estiver vaga, não será possível aguardar um novo ministro, devendo

a Corte resolver o empate em favor da decisão que mais favoreça a presunção de validade do ato

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contestado. Nesse sentido, parece ser muito relevante a diferença entre interpretação conforme a

constituição e declaração de inconstitucionalidade parcial sem redução de texto: apenas no

primeiro caso o objeto da ação seria simplesmente a declaração de constitucionalidade de uma

norma possível, enquanto no segundo (e na combinação dos dois) haveria a declaração de

inconstitucionalidade de algumas normas. A regra da manutenção da validade do ato poderia,

então, favorecer a interpretação conforme a constituição, mas não as outras técnicas.

Por fim, as hipóteses de desnecessidade da interpretação conforme a constituição e de

necessidade da declaração de inconstitucionalidade tout court demonstram que, mesmo que a

técnica pareça plenamente aplicável ao caso em discussão, ainda é possível rechaçá-la em nome

de outros princípios tão relevantes quanto a manutenção da validade do ato, o afastamento do

vácuo legislativo e a deferência ao legislador. Assim, podem ser feitas considerações sobre qual

opção trará maior clareza para os aplicadores do direito ou qual decisão exigirá um menor

esforço argumentativo da Corte.

Por fim, é importante ressaltar que os limites dificilmente são utilizados isoladamente. O

intérprete deve primeiro fixar o parâmetro de constitucionalidade que utilizará e depois analisar o

vício de inconstitucionalidade que pode contaminar a disposição impugnada. Se o exame do

conteúdo da lei for possível, deve verificar se não há um sentido inequívoco a afastar a

polissemia do texto e a existência de normas alternativas. A indicação de normas alternativas

“artificiais” consubstancia operação que facilmente pode levar a Corte a invadir a esfera do

legislador. O mesmo ocorre quando ela atua sobre cada norma individualmente considerada ou

sobre a única norma que pode ser construída a partir do dispositivo, subvertendo a hierarquia dos

elementos de interpretação das leis ou contrariando frontalmente a vontade do legislador, quando

ela estiver firmemente demonstrada pelos meios disponíveis ao intérprete. O Tribunal também

não pode se manifestar sobre a melhor interpretação para o dispositivo, dentre várias leituras

constitucionais. Por fim, superadas todas as restrições existentes, ainda devem os ministros

ponderar se a declaração de inconstitucionalidade pura não é mais adequada para a finalidade de

proteção da constituição.

A análise empreendida nos tópicos anteriores demonstra como a doutrina negligencia a

questão dos limites da interpretação conforme a constituição. Os autores se limitam a apontar o

teor literal do dispositivo e a vontade do legislador como únicas ou principais restrições, sem

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explorá-las detidamente ou alargar o horizonte desses obstáculos. Verificou-se, porém, que

mesmo aspectos aparentemente evidentes podem suscitar grandes questionamentos, como o

próprio parâmetro de constitucionalidade usado. Por outro lado, sem um delineamento claro dos

contornos de cada um, tanto o teor literal como a vontade do legislador são inócuos para

constranger de modo consistente e coerente os julgadores.

D. CONCLUSÕES

I. Síntese conclusiva

1. A Constituição Federal de 1988 valorizou sobremaneira o controle principal-abstrato de

constitucionalidade no ordenamento brasileiro. Dentre as consequências desse movimento de

aproximação do modelo europeu, verifica-se o maior destaque conferido às novas técnicas de

decisão na jurisdição constitucional. Um exame perfunctório da jurisprudência recente do

Supremo Tribunal Federal evidencia a importância da chamada “interpretação conforme a

constituição” para uma defesa mais adequada da supremacia da Carta Fundamental.

2. Essa realidade decorre, dentre outros fatores, de uma mudança na concepção sobre o que é

interpretar o Direito. Admite-se que o juiz não é meramente a “boca-da-lei” ou um

“desbravador” do significado pronto e acabado na lei, mas parte ativa na construção do

significado que decorre do texto legal, com suas pré-compreensões, seus métodos de

interpretação e a realidade subjacente à norma. Nesse sentido, a ideia de uma “metódica

estruturante” da norma (Friedrich Müller) aparece como uma alternativa válida e importante para

a moderna Hermenêutica Constitucional.

3. Na “metódica estruturante”, a interpretação conforme a constituição aparece como um

princípio hermenêutico autônomo e comparável aos métodos tradicionais de interpretação. Isso

não significa, porém, que deixa de ser uma técnica de decisão no controle de constitucionalidade.

Sob esse prisma, consiste na seleção de normas constitucionais ou inconstitucionais dentre as

várias normas possivelmente construídas a partir de um texto. A jurisprudência do STF revela,

todavia, um tratamento indistinto de várias técnicas sob a mesma alcunha de “interpretação

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conforme a constituição” (decisões interpretativas de procedência e improcedência e decisões

manipulativas redutoras e até mesmo aditivas).

4. Mesmo diante desse cenário aparentemente nebuloso, os estudiosos do Direito devem se

preocupar em delinear os exatos contornos do espaço dentro do qual os ministros podem usar a

técnica sem agir de modo ativista. Daí a importância da existência de limites dogmáticos que

restrinjam a atuação da Corte, ou pelo menos permitam um controle dela. Comumente, apontam-

se o teor literal do ato normativo e a intenção do legislador como limites jurídicos, mas mesmo

na doutrina eles são problematizados.

5. Em relação às perguntas específicas formuladas, verificou-se o seguinte: (i) houve pacificação

sobre o tema no período anterior a 2006? Não, porque os dados mostram que poucas vezes a

técnica foi tratada detidamente pelos ministros em seus votos, tendo sido aceita sem maiores

questionamentos na maioria dos casos; (ii) houve mudança de comportamento da Corte após a

edição das leis que cuidaram do controle abstrato de constitucionalidade (Leis 9.868/99 e

9.882/99) e da Reforma do Judiciário (EC 45/04)? Aparentemente não, embora não se possa

afirmar com certeza para o último marco apontado, porque os dados mostram que somente

depois de 2005 houve uma mudança no padrão comportamental, possivelmente em razão da

mudança da composição da Corte; (iii) os limites tradicionalmente apontados pela doutrina são

importantes? Sim, dentre as citações de limites, o sentido da lei e a intenção do legislador

aparecem com relativa frequência, embora o primeiro seja muito mais efetivo que o segundo

para a rejeição da técnica; (iv) os limites por si mesmos possuem um papel importante para a

rejeição? Não, seja para quem utiliza a técnica, seja para quem não utiliza a técnica, caso em que

geralmente outros aspectos do julgamento são realçados na escolha de outra decisão.

6. No tocante aos limites, objeto do estudo, não parece haver relação direta entre quem suscita a

proposta de interpretação conforme a constituição e a citação de restrições ao seu uso. Também

não parece haver relação com o tema, com os ministros individualmente considerados ou com a

operação realizada. Por outro lado, casos de maior repercussão parecem sensibilizar mais os

ministros para os limites da técnica.

7. Foram identificadas quatro categorias de limites: (a) lógicos, sobre os pressupostos da técnica;

(b) substanciais, sobre a vinculação ao direito posto; (c) funcionais, sobre as funções atribuídas à

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corte constitucional; (d) de conveniência e necessidade. Outros limites, alguns deles processuais

(objeto de ADI, maioria de julgamento, etc.), também foram apontados, mas sem maior

relevância.

8. Sobre os limites lógicos, são eles: (i) parâmetro de constitucionalidade: o parâmetro para a

operação deve ser a Constituição e não atos infraconstitucionais; (ii) vício de

inconstitucionalidade: a técnica pode ser usada para qualquer tipo de vício, embora seja

inviabilizada em alguns casos de inconstitucionalidade formal; (iii) pluralidade de normas: a

interpretação conforme a constituição pressupõe a existência de várias normas construídas a

partir do dispositivo impugnado, devendo haver uma dúvida séria e objetiva sobre a disposição

(posição do STF) ou, pelo menos, uma grave divergência dentre os aplicadores do Direito

(posição defendida no trabalho).

9. Sobre os limites substanciais, são eles: (i) sentido inequívoco: a existência de um sentido que,

à luz dos métodos de interpretação, deve ser o único sentido atribuído à disposição, pode excluir

tanto a alternatividade necessária para as decisões interpretativas em sentido estrito como

impedir que a Corte exclua parte de uma norma ideal em confronto com seu significado

inequívoco; (ii) vontade do legislador: as manifestações claras da intenção do legislador podem

afastar a técnica se evidenciarem o desejo de se fazer uma norma inconstitucional ou se a decisão

selecionar uma norma expressamente rechaçada pelo Parlamento.

10. Sobre os limites funcionais, são eles: (i) função de legislador negativo: a Corte não pode criar

uma pluralidade de significados artificial para o dispositivo impugnado nem se contrapor ao

sentido inequívoco da norma individualmente considerada, sob pena de usurpar as funções do

legislador; (ii) inexistência de função consultiva: o STF não pode reviver a representação de

interpretação e admitir argüições sobre qual a melhor interpretação para o preceito, dentre várias

leituras constitucionais.

11. Sobre os limites de conveniência e necessidade, são eles: (i) desnecessidade da interpretação

conforme a constituição por conta da ausência de repercussão da leitura inconstitucional na

jurisdição ordinária; (ii) necessidade da declaração de inconstitucionalidade em razão do

princípio da segurança jurídica ou de outros resultados indesejáveis.

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12. Outros limites podem ser apontados em relação aos aspectos processuais do controle de

constitucionalidade, como as limitações do controle abstrato de constitucionalidade, o objeto da

ADI (declaração de inconstitucionalidade, não a declaração de validade da norma) e a maioria

necessária para o julgamento. Quanto ao último aspecto, não identificamos um critério claro e

definido pelo STF para casos problemáticos de empate no resultado. Aparentemente, a solução a

ser dada é pela manutenção do ato impugnado (presunção de constitucionalidade das leis), mas é

possível pensar em alternativas, como a definição do voto médio segundo os fundamentos mais

estritos ou a realização de uma nova rodada de votação.

13. Analisando criticamente os limites expostos, verifica-se que o STF adota uma postura que

valoriza cada vez mais sua liberdade de atuação. Limites como a vontade do legislador e a

função de legislador negativo são abandonados, enquanto o sentido inequívoco da lei é

flexibilizado por juízos de conveniência e oportunidade na interpretação conforme a constituição.

Trata-se de um grande reflexo da “nova fase” da Corte, tal como definida por um de seus

ministros, que suscita maiores questionamentos sobre as fronteiras da atividade jurisdicional por

ela desempenhada.

II. Perspectivas do tema

Não se pretendeu exaurir o tema dos limites à interpretação conforme a constituição nas

páginas precedentes. Ao contrário, deve-se reconhecer a incipiência do debate e a grande

dimensão do problema. A intenção, portanto, foi de iniciar as discussões em torno do

delineamento da atividade do STF ao utilizar a técnica. Pode-se dizer que o objetivo da

monografia será plenamente atingido se as classificações apresentadas, os limites identificados e

as ideias apresentadas forem aproveitados ou criticados por outros pesquisadores e, talvez, por

juízes, advogados, procuradores e membros do Ministério Público.

O trabalho apresenta-se, assim, não apenas como uma contribuição teórica para o “estado

da arte” atual sobre o tema, mas também como uma possível base para a atuação prática dos

próprios aplicadores do Direito. Conhecer quando se deve ou não interpretar uma lei em

conformidade com a constituição pode servir para que as peças processuais fiquem mais

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consistentes e os julgadores possam ter mais fundamentos para apresentar em suas decisões,

facilitando o controle social sobre elas.

Assim como Norberto Bobbio, em seu O Futuro da Democracia, também achamos que a

tarefa de profeta é uma das mais difíceis. Contudo, parece visível na Academia um esforço cada

vez mais em torno do aprimoramento das categorias apresentadas na monografia. São cada vez

mais numerosas as teses que tratam da diferença entre as várias modalidades decisórias, dentre as

quais a interpretação conforme a constituição e a declaração de inconstitucionalidade parcial sem

redução de texto. Ademais, começa a existir uma reação mais intensa contra os avanços do

Judiciário no exercício de sua função. Critérios, limites e funções passam a ter presença marcante

no debate acadêmico. Não parece ser descabido, portanto, afirmar que o futuro parece reservar

um tratamento da matéria digno da sua importância.

Por outro lado, a tendência jurisprudencial verificada anteriormente parece indicar que

limites dogmáticos mais intensos perdem cada vez mais espaço perante ponderações de

princípios e juízos de conveniência e oportunidade. Talvez o grande problema nos próximos anos

seja não mais os limites da função do STF, a vinculação à vontade do legislador ou à vontade da

lei, mas sim os critérios que permitem afirmar a necessidade da interpretação conforme a

constituição no caso sob julgamento ou a inconveniência dos resultados obtidos pelos ministros.

Por isso, novas linhas de pesquisa devem enfocar um aprofundamento incessante sobre os

vários tópicos abordados aqui e que, devido aos limites cognitivos e temporais do pesquisador,

não puderam ser totalmente desnudados. Abre-se, assim, um amplo horizonte para quem estiver

disposto a enveredar-se por esse caminho.

E. Referências Bibliográficas

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Jurisprudência

Entre 1987 e junho de 2006

Rp 1417-7/DF, Rel. Min. Moreira Alves, j. 09.12.1987

Rp 1389-8/RJ, Rel. Min. Oscar Corrêa, j. 23.06.1988

ADI-MC 221-0/DF, Rel. Min. Moreira Alves, j. 28.03.1990

ADI-QO 319-4/DF, Rel. Min. Moreira Alves, j. 03.03.1993

ADI-MC 927-3/RS, Rel. Min. Carlos Velloso, j. 03.11.1993

ADI-MC 1117-1/DF, Rel. Min. Paulo Brossard, j. 16.09.1994

ADI-MC 1127- 8/DF, Rel. Min. Paulo Brossard, j. 06.10.1994

ADI-MC 565, Rel. Min. Néri da Silveira, j. 24.11.1994

ADI-MC 1170, Rel. Min. Néri da Silveira, j. 16.02.1995

ADI-MC 1236-3/DF, Rel. Min. Ilmar Galvão, j. 29.03.1995

ADI 234, Rel. Min. Néri da Silveira, j. 22.06.1995

ADI-MC 1348-3/RJ, Rel. Min. Octavio Gallotti, j. 04.10.1995

ADI-MC 1303-3/SC, Rel. Min. Maurício Corrêa, j. 14.12.1995

ADI-MC 1344-1/ES, Rel. Min. Moreira Alves, j. 18.12.1995

ADI-MC 1194-4/DF, Rel. Min. Maurício Corrêa, j. 14.02.1996

ADI-MC 1416/PI, Rel. Min. Néri da Silveira, j. 06.03.1996

ADI 120-5/AM, Rel. Min. Moreira Alves, j. 20.03.1996

ADI-MC 1443-9/CE, Rel. Min. Marco Aurélio, j. 06.11.1996

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ADI-MC 1510-9/SC, Rel. Min. Carlos Velloso, j. 13.02.1997

ADI-MC 1521-4/RS, Rel. Min. Marco Aurélio, j. 12.03.1997

ADI-MC 1552-4, Rel. Min. Carlos Velloso, j. 17.04.1997

ADI-MC 1556-7/PE, Rel. Min. Moreira Alves, j. 17.04.1997

ADI-MC 1586-9/PA, Rel. Min. Sydney Sanches, j. 07.05.1997

ADI-MC 1620-2, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, j. 19.06.1997

ADI-MC 1600-8, Rel. Min. Sydney Sanches, j. 27.08.1997

ADI-MC 1480-3/DF, Rel. Min. Celso de Mello, j. 04.09.1997

ADI-MC 1662-7/SP, Rel. Min. Maurício Corrêa, j. 11.09.1997

ADI-MC 1695-2/PR, Rel. Min. Maurício Corrêa, j. 30.10.1997

ADI-MC 1664-0, Rel. Min. Octavio Gallotti, j. 13.11.1997

ADI-MC 1597-4, Rel. Min. Néri da Silveira, j. 19.11.1997

ADI-MC 1719-9/DF, Rel. Min. Moreira Alves, j. 03.12.1997

ADI-MC 1758-4/DF, Rel. Min. Marco Aurélio, j. 16.04.1998

ADI-MC 1371-8/DF, Rel. Min. Néri da Silveira, j. 03.06.1998

ADI 1377-7/DF, Rel. Min. Octavio Gallotti, j. 03.06.1998

ADI-MC 1824-7/RS, Rel. Min. Néri da Silveira, j. 10.06.1998

ADI-MC 1668-5/DF, Rel. Min. Marco Aurélio, j. 20.08.1998

ADI 1232-1/DF, Rel. Min. Ilmar Galvão, j. 27.08.1998

ADI-MC 1642-3/MG, Rel. Min. Nelson Jobim, j. 16.12.1998

ADI-MC 1862-6/RJ, Rel. Min. Néri da Silveira, j. 18.03.1999

ADI-MC 1946-5/DF, Rel. Min. Sydney Sanches, j. 29.04.1999

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ADI-MC 1900-5/DF, Rel. Min. Moreira Alves, j. 05.05.1999

ADI-MC 1666-2/RS, Rel. Min. Carlos Velloso, j. 16.06.1999

ADI-MC 1531-1, Rel. Min. Sydney Sanches, j. 24.06.1999

ADI 2047-1/DF, Rel. Min. Ilmar Galvão, j. 03.11.1999

ADI-MC 2087-1/AM, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, j. 03.11.1999

ADC 3-0, Rel. Min. Nelson Jobim, j. 01.12.1999

ADI-MC 2084-6/SP, Rel. Min. Ilmar Galvão, j. 16.02.2000

ADI-MC 2116-8/AM, Rel. Min. Marco Aurélio, j. 16.02.2000

ADI-MC 2083-8/DF, Rel. Min. Moreira Alves, j. 03.08.2000

ADI-MC 2348-9/DF, Rel. Min. Marco Aurélio, j. 07.12.2000

ADI 2084-6, Rel. Min. Ilmar Galvão, j. 02.08.2001

ADI 1662-7, Rel. Min. Maurício Corrêa, j. 30.08.2001

ADI-MC 2332-2, Rel. Min. Moreira Alves, j. 05.09.2001

ADI-MC 2473-6, Rel. Min. Néri da Silveira, j. 13.09.2001

ADI-MC 2502-3, Rel. Min. Sydney Sanches, j. 03.10.2001

ADI 1600-8, Rel. Min. Sydney Sanches, j. 26.11.2001

ADI-MC 2534-1, Rel. Min. Maurício Corrêa, j. 15.08.2002

ADI-MC 2596, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, j. 15.08.2002

ADI 1141-3/GO, Rel. Min. Ellen Gracie, j. 29.08.2002

ADI 2580-5/CE, Rel. Min. Carlos Velloso, j. 26.09.2002

ADI-MC 2405-1/RS, Rel. Min. Ilmar Galvão, j. 06.11.2002

ADI 1586-9/PA, Rel. Min. Sydney Sanches, j. 27.02.2003

Page 87: Os limites da interpretação conforme a Constituição na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal sob uma perspectiva dogmática

83 | P á g i n a

ADI 2209-1/PI, Rel. Min. Maurício Corrêa, j. 19.03.2003

ADI 2596-1/PA, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, j. 19.03.2003

ADI 1946-5/DF, Rel. Min. Sydney Sanches, j. 03.04.2003

ADI-MC 2795-6/DF, Rel. Min. Maurício Corrêa, j. 08.05.2003

ADI 2652-6/DF, Rel. Min. Maurício Corrêa, j. 08.05.2003

ADI 2655-1/MT, Rel. Min. Ellen Gracie, j. 09.10.2003

ADI 2887-1/SP, Rel. Min. Marco Aurélio, j. 04.02.2004

ADI 1695-2/PR, Rel. Min. Maurício Corrêa, j. 03.03.2004

ADI 134-5/RS, Rel. Min. Maurício Corrêa, j. 25.03.2004

ADI 1557-5/DF, Rel. Min. Ellen Gracie, j. 31.03.2004

ADI 3046-9/SP, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, j. 15.04.2004

ADI 2979-7/ES, Rel. Min. Cezar Peluso, j. 15.04.2004

ADI-MC 2325-0/DF, Rel. Min. Marco Aurélio, j. 23.09.2004

ADI 2884-7/RJ, Rel. Min. Celso de Mello, j. 02.12.2004

ADI 3324-7/DF, Rel. Min. Marco Aurélio, j. 16.12.2004

ADI 2925-8/DF, Rel. Min. Ellen Gracie, j. 19.12.2004

ADI 2816-2/SC, Rel. Min. Eros Grau, j. 09.03.2005

ADPF-QO 54-8/DF, Rel. Min. Marco Aurélio, j. 27.04.2005

ADI 2938-0/MG, Rel. Min. Eros Grau, j. 09.06.2005

ADI 2797-2/DF, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, j. 15.09.2005

ADI 2924-0/SP, Rel. Min. Carlos Velloso, j. 30.11.2005

ADC-MC 12-6/DF, Rel. Min. Carlos Britto, j. 16.02.2006

Page 88: Os limites da interpretação conforme a Constituição na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal sob uma perspectiva dogmática

84 | P á g i n a

ADI 3685-8/DF, Rel. Min. Ellen Gracie, j. 22.03.2006

ADI-MC 3395-6/DF, Rel. Min. Cezar Peluso, j. 05.04.2006

ADI 1199-5/ES, Rel. Min. Joaquim Barbosa, j. 05.04.2006

ADI 3246-1/PA, Rel. Min. Carlos Britto, j. 19.04.2006

ADI 1127/DF, Rel. Min. Marco Aurélio, j. 17.05.2006

ADI 2591-1/DF, Rel. Min. Eros Grau, j. 07.06.2006

ADI 3168-6/DF, Rel. Min. Joaquim Barbosa, j. 08.06.2006

ADI 3026-4/DF, Rel. Min. Eros Grau, j. 08.06.2006

Entre junho de 2006 e 2010

ADI 3255-1/PA, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, j. 22.06.2006

ADI 2544-9/RS, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, j. 28.06.2006

ADPF-MC 95-5/DF, Rel. Min. Eros Grau, j. 31.08.2006

ADI 3694-7/AP, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, j. 20.09.2006

ADI 3521-5/PR, Rel. Min. Eros Grau, j. 28.09.2006

ADI-MC 3090-6/DF, Rel. Min. Gilmar Mendes, j. 11.10.2006

ADI 1351-3/DF, Rel. Min. Marco Aurélio, j. 07.12.2006

ADI 3652-1/RR, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, j. 19.12.2006

ADI 3684-0/DF, Rel. Min. Cezar Peluso, j. 01.02.2007

ADI 125-6/SC, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, j. 09.02.2007

ADI-MC 3854-1/DF, Rel. Min. Cezar Peluso, j. 28.02.2007

ADI 2969-0/AM, Rel. Min. Carlos Britto, j. 29.03.2007

ADI 1109-0/TO, Rel. Min. Cármen Lúcia, j. 16.05.2007

ADC 5-2/DF, Rel. Min. Nelson Jobim, j. 11.06.2007

Page 89: Os limites da interpretação conforme a Constituição na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal sob uma perspectiva dogmática

85 | P á g i n a

ADI 1800-1/DF, Rel. Min. Nelson Jobim, j. 11.06.2007

ADI 3688-2/PE, Rel. Min. Joaquim Barbosa, j. 11.06.2007

ADI 1719-9/DF, Rel. Min. Joaquim Barbosa, j. 18.06.2007

ADI 3.508-8/MS, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, j. 27.06.2007

ADI 1864-9/PR, Rel. Min. Maurício Corrêa, j. 08.08.2007

ADI-MC 2238-5/DF, Rel. Min. Ilmar Galvão, j. 09.08.2007

ADI 2581-3/SP, Rel. Min. Maurício Corrêa, j. 16.08.2007

ADI-MC 2527-9/DF, Rel. Min. Ellen Gracie, j. 16.08.2007

ADI 3647-5/MA, Rel. Min. Joaquim Barbosa, j. 17.09.2007

ADI 3768-4/DF, Rel. Min. Cármen Lúcia, j. 19.09.2007

ADI 3819-2/MG, Rel. Min. Eros Grau, j. 24.10.2007

ADI 191-4/RS, Rel. Min. Cármen Lúcia, j. 29.11.2007

ADI 1642-3/MG, Rel. Min. Eros Grau, j. 03.04.2008

ADI 3378-6/DF, Rel. Min. Carlos Britto, j. 09.04.2008

ADI 3510/DF, Rel. Min. Carlos Britto, j. 29.05.2008

ADC 12/DF, Rel. Min. Carlos Britto, j. 20.08.2008

ADI 2501-5/MG, Rel. Min. Joaquim Barbosa, j. 04.09.2008

ADI 173-6/DF, Rel. Min. Joaquim Barbosa, j. 25.09.2008

ADI 3772/DF, Rel. Min. Carlos Britto, j. 29.10.2008

ADI-MC 4140-1/GO, Rel. Min. Ellen Gracie, j. 27.11.2008

ADI-MC 4167-3/DF, Rel. Min. Joaquim Barbosa, j. 17.12.2008

ADI-MC 2139-7/DF, Rel. Octavio Gallotti, j. 13.05.2009

ADI-MC 2160-5/DF, Rel. Min. Octavio Gallotti, j. 13.05.2009

ADI 1194-4/DF, Rel. Min. Maurício Corrêa, j. 20.05.2009

ADI 3934-2/DF, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, j. 27.05.2009

ADPF 46-7/DF, Rel. Min. Marco Aurélio, j. 05.08.2009

Page 90: Os limites da interpretação conforme a Constituição na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal sob uma perspectiva dogmática

86 | P á g i n a

ADI 3430, Min. Ricardo Lewandowski, j. 12.08.2009

ADI-REF-MC 4178/GO, Rel. Min. Cezar Peluso, j. 04.02.2010

ADI 336/SE, Rel. Min. Eros Grau, j. 10.02.2010

ADI 442/SP, Rel. Min. Eros Grau, j. 14.04.2010

ADPF 153/DF, Rel. Min. Eros Grau, j. 29.04.2010

ADI 2855/MT, Rel. Min. Marco Aurélio, j. 12.05.2010

ADI 2866/RN, Rel. Min. Gilmar Mendes, j. 12.05.2010

ADI 3096/DF, Rel. Min. Cármen Lúcia, j. 16.06.2010

Page 91: Os limites da interpretação conforme a Constituição na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal sob uma perspectiva dogmática

87 | P á g i n a

ANEXO

Formulário dos casos 1. Dados da ação

1.1. Número da ação

1.2. Ministro Relator

1.3. Data de julgamento

1.4. Autor

1.5. Ato normativo impugnado

1.6. Ministros que participaram do julgamento

1.7. Tema da ação

1.8. Vício alegado

2. Resultado da ação

Page 92: Os limites da interpretação conforme a Constituição na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal sob uma perspectiva dogmática

88 | P á g i n a

2.1. A decisão foi julgada: Improcedente Procedente Parcialmente procedente Parcialmente improcedente

Outra: (especificar)

Decisão complexa (especificar)

2.1.1. No caso de decisão complexa, em quais desses pedidos, suscitou-se a interpretação conforme?

2.1.2. Ainda no caso de decisão complexa, qual o resultado específico da interpretação conforme? (colocar o número de vezes que a interpretação foi suscitada e o número de decisões)

Adotada em todos os casos

Adotada por mais vezes

Rejeitada por mais vezes

Rejeitada em todos os casos

Page 93: Os limites da interpretação conforme a Constituição na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal sob uma perspectiva dogmática

89 | P á g i n a

2.2. Em relação ao dispositivo (apenas relacionado com a interpretação

conforme): 2.2.1. Quem suscitou a interpretação conforme? Autor Defensor do ato impugnado Procurador-Geral Ministro Relator Outro Ministro Liminar 2.2.2. Em relação à decisão, ela foi: Unânime Por maioria

2.2.2.1. Por quantos votos foi formada a maioria?

2.2.2.2. Quais ministros ficaram vencidos?

2.2.3. Quantos ministros trataram explicitamente da interpretação conforme em seus votos?

a) total:

b) adotaram:

c) rejeitaram:

Page 94: Os limites da interpretação conforme a Constituição na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal sob uma perspectiva dogmática

90 | P á g i n a

d) não trataram:

2.2.4. Quais ministros trataram explicitamente da interpretação conforme em seus votos?

a) adotaram:

b) rejeitaram:

2.2.5. A decisão foi: de procedência total

de procedência parcial de improcedência parcial de improcedência total rejeição da interpretação conforme 3. Limites à interpretação conforme (global) 3.1. Houve a menção a limites da interpretação conforme no julgamento? Sim Não 3.2.1. Se sim, quantos ministros mencionaram?

a) total:

b) adotaram:

c) rejeitaram:

3.2.2. Quais os limites mencionados? Literalidade da lei / Sentido inequívoco da lei Vontade do legislador

Page 95: Os limites da interpretação conforme a Constituição na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal sob uma perspectiva dogmática

91 | P á g i n a

Ausência de interpretações alternativas Função de legislador negativo da Corte

Outro:

3.2. Os limites mencionados foram decisivos para que a interpretação conforme fosse rejeitada? Sim Não Ministros

1° Ministro:

Dispositivo:

4. O Ministro: 4.1. tratou explicitamente da interpretação conforme como técnica: 4.1.1. De que forma? Adotou Rejeitou 4.1.2. O Ministro foi da corrente vencedora? Sim Não

4.1.3. No caso de ter adotado: 4.1.3.1. Como ficou a norma?

a) texto da norma original:

b) norma após a decisão:

4.1.3.2. O Ministro apresentou explicitamente alternativas de interpretação?

Page 96: Os limites da interpretação conforme a Constituição na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal sob uma perspectiva dogmática

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Sim Não 4.1.3.3. A interpretação conforme a Constituição: Excluiu / escolheu uma interpretação alternativa Retirou algo da norma, deixando o resto intacto Acrescentou algo à norma, deixando o resto intacto Alterou por completo a norma

4.1.3.4. Qual foi o fundamento constitucional para a utilização da técnica?

4.1.3.5. O Ministro tratou explicitamente dos limites impostos à técnica?

Sim Não

4.1.4. No caso de ter rejeitado: 4.1.4.1. Qual o fundamento para ter rejeitado?

4.1.4.2. Quais limites o Ministro apresentou para não utilizar a técnica?

Literalidade da lei / Sentido inequívoco da lei Vontade do legislador Ausência de interpretações alternativas Função de legislador negativo da Corte

Outro:

Nenhum 4.2. não tratou explicitamente da interpretação conforme: 4.2.1. Apresentou voto (não foi voto em ata)? Sim Não 4.2.2. Votou pela interpretação conforme?

Sim.

Page 97: Os limites da interpretação conforme a Constituição na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal sob uma perspectiva dogmática

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4.2.2.1. Qual foi a interpretação?

4.2.2.2. Como ficou a norma?

a) texto da norma original:

b) norma após a decisão:

4.2.2.3. O Ministro apresentou explicitamente alternativas de interpretação?

Sim Não

4.2.2.4. A interpretação conforme a Constituição: Escolheu uma interpretação alternativa Retirou algo da norma Acrescentou algo à norma Alterou a norma

4.2.2.5. Qual foi o fundamento constitucional para a utilização da

técnica?

Não 4.2.2.6. Quais limites o Ministro apresentou para não utilizar a

técnica? Literalidade da lei / Sentido inequívoco da lei Vontade do legislador Ausência de interpretações alternativas Função de legislador negativo da Corte

Outro:

Nenhum 4.2.3. O Ministro apresentou uma nova linha argumentativa?

Page 98: Os limites da interpretação conforme a Constituição na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal sob uma perspectiva dogmática

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Sim. Qual?

Não 4.3.3.1. A linha argumentativa foi a mesma de quem adotou?

Sim. De quem?

Não 4.3.3.2. A linha argumentativa foi a mesma de quem rejeitou?

Sim. De quem?

Não Relator Não foi apresentada nenhuma argumentação

Resumo do voto:

(Repete-se para os dez outros ministros)

____________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

5. Referências de Citações

6. Comentários

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