os juros no novo cc e a ilegalidade da taxa...

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(*) O autor é advogado em São Paulo, mestrando em Direito Civil pela USP, Professor de Direito Civil e Direito Processual Civil, cursou Economia na Faculdade Cândido Mendes - RJ, atuou no mercado financeiro e de capitais por 10 anos no Rio de Janeiro e 2 anos em São Paulo. Para contato, acessar: [email protected] OS JUROS NO NOVO CÓDIGO CIVIL E A ILEGALIDADE DA TAXA SELIC Por Sérgio Niemeyer ( * ) Sumário: 1. Introdução – 2. Conceito – 3. Classificação – 4. O império da autonomia da vontade e a liberdade plena de contratar juros no Código Civil de 1916 – 5. O período de proibição estabelecido pelo Decreto n. 22.626, de 07/04/1933: a Lei de Usura – 6. A liberdade restaurada na Lei n. 4.595, de 31/12/1964 – 7. A Constituição Federal de 1988 e os limites impostos à taxa de juros – 8. Os juros no novo Código Civil – 9. A taxa Selic: sua formação e o mercado financeiro – 10. Razões da ilegalidade e inaplicabilidade da taxa Selic sob o regime jurídico do novo Código Civil – 11. Conclusão – 12. Bibliografia. 1. Introdução O tema que nos ocupa é daqueles palpitantes, vívido pelas repercussões práticas que implica no quotidiano do comércio jurídico. A história dos juros apresenta-se assaz interessante porquanto a frugividade do dinheiro experimenta uma alternância de momentos de licença e de proibição consoante o grau de aflição dos agentes em virtude da realidade econômica. O controle da economia moderna, exercido pela Administração Pública, conta com diversos instrumentos, dentre os quais a política monetária e a política cambial são, na atualidade, os mais importantes e têm nas taxas de juros sua principal variável. Aliás, segundo os monetaristas o nível da taxa de juros praticada pelo mercado pode ser tanto a causa quanto a solução de inúmeros, se não de todos os problemas macroeconômicos. Isto é, administrada corretamente, a taxa de juros pode tornar-se uma arma poderosa e eficaz a garantir o desenvolvimento econômico. Nada obstante, quando esse remédio é desastradamente manejado transforma-se em veneno, fonte de agruras com repercussões ciclópicas para a economia e as finanças públicas. No presente trabalho não se pretende aprofundar a historicidade dos juros e sua apreensão jurídica além do Código Civil de 1916 (CC/16), mas o advento do novel estatuto de direito privado, que contém disposições inéditas a respeito do tema, impõe rápido exame da história mais recente como necessidade basilar para a correta compreensão do fenômeno sub exame e seus efeitos jurídicos. Por isso perlustraremos a matéria a partir da análise do Código de Beviláqua, passando pelo Decreto n. 22.626/33 (Lei de Usura – LU), a Lei 4.595/64 (Lei do Sistema Financeiro Nacional – LSFN), a Constituição Federal de 1988 (CF ou CR) para, então, procedermos ao exame das disposições que se contêm no Código Civil de 2002, que no texto poderá ser referido abreviadamente por Código de Reale ou simplesmente nCC ou ainda CC/02.

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(*) O autor é advogado em São Paulo, mestrando em Direito Civil pela USP, Professor de Direito Civil e

Direito Processual Civil, cursou Economia na Faculdade Cândido Mendes - RJ, atuou no mercadofinanceiro e de capitais por 10 anos no Rio de Janeiro e 2 anos em São Paulo. Para contato, acessar:[email protected]

OS JUROS NO NOVO CÓDIGO CIVIL E A ILEGALIDADE DA TAXA SELIC

Por Sérgio Niemeyer (*)

Sumário: 1. Introdução – 2. Conceito – 3. Classificação – 4. O império da autonomia da vontade e a liberdadeplena de contratar juros no Código Civil de 1916 – 5. O período de proibição estabelecido pelo Decreto n.22.626, de 07/04/1933: a Lei de Usura – 6. A liberdade restaurada na Lei n. 4.595, de 31/12/1964 – 7. AConstituição Federal de 1988 e os limites impostos à taxa de juros – 8. Os juros no novo Código Civil – 9. A taxaSelic: sua formação e o mercado financeiro – 10. Razões da ilegalidade e inaplicabilidade da taxa Selic sob oregime jurídico do novo Código Civil – 11. Conclusão – 12. Bibliografia.

1. Introdução

O tema que nos ocupa é daqueles palpitantes, vívido pelas repercussões práticas queimplica no quotidiano do comércio jurídico.

A história dos juros apresenta-se assaz interessante porquanto a frugividade dodinheiro experimenta uma alternância de momentos de licença e de proibição consoante o graude aflição dos agentes em virtude da realidade econômica.

O controle da economia moderna, exercido pela Administração Pública, conta comdiversos instrumentos, dentre os quais a política monetária e a política cambial são, naatualidade, os mais importantes e têm nas taxas de juros sua principal variável.

Aliás, segundo os monetaristas o nível da taxa de juros praticada pelo mercado podeser tanto a causa quanto a solução de inúmeros, se não de todos os problemasmacroeconômicos. Isto é, administrada corretamente, a taxa de juros pode tornar-se uma armapoderosa e eficaz a garantir o desenvolvimento econômico. Nada obstante, quando esseremédio é desastradamente manejado transforma-se em veneno, fonte de agruras comrepercussões ciclópicas para a economia e as finanças públicas.

No presente trabalho não se pretende aprofundar a historicidade dos juros e suaapreensão jurídica além do Código Civil de 1916 (CC/16), mas o advento do novel estatuto dedireito privado, que contém disposições inéditas a respeito do tema, impõe rápido exame dahistória mais recente como necessidade basilar para a correta compreensão do fenômeno subexame e seus efeitos jurídicos.

Por isso perlustraremos a matéria a partir da análise do Código de Beviláqua,passando pelo Decreto n. 22.626/33 (Lei de Usura – LU), a Lei 4.595/64 (Lei do SistemaFinanceiro Nacional – LSFN), a Constituição Federal de 1988 (CF ou CR) para, então,procedermos ao exame das disposições que se contêm no Código Civil de 2002, que no textopoderá ser referido abreviadamente por Código de Reale ou simplesmente nCC ou aindaCC/02.

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2. Conceito

Antes de tudo é preciso saber com o que se está a lidar. De um lado tem-se que ausura — assim entendida como a produção autônoma de dinheiro, desvinculada de qualqueratividade produtiva de bens e serviços subjacente — sempre repugnou à consciência moral,máxime quando obtida a partir da aflição ou premência alheia e segundo níveis que, de tãoinsuportáveis e prejudiciais, beiram à tortura econômico-financeira.

De outro lado, a acumulação de capital proporcionada pelo mercantilismo dos ss.XVI a XVIII facilitou o desenvolvimento do capitalismo já embrionário, para o qual odinheiro passou rapidamente à condição de fator de produção, bem produtivo, tanto quanto amão-de-obra, os insumos materiais e os demais bens de capital.

Disso resultou que a mobilidade e a realocação do capital monetário (rectius: odinheiro) tornou-se uma necessidade que vem de se fortalecer a cada dia. Ademais, decorre docapitalismo e do liberalismo econômico a desmistificação daquela primitiva rejeição ao lucro.Nesse novo contexto as aludidas mobilidade e realocação do dinheiro devem ser encaradassegundo a perspectiva dos fins sociais de todo investimento e, principalmente, ao cotejo dorendimento potencial que pode proporcionar quando aplicado nessa ou naquela atividadeprodutiva ou meramente especulativa.

Nos albores do capitalismo os juros não representavam precipuamente umrendimento alternativo caracterizado pela só especulação, mas sim o prêmio pela renúncia àliquidez ou pela privação do capital monetário que supõe a impossibilidade de o dono dessemesmo capital (rectius: o credor) desfrutá-lo ou utilizá-lo de modo diverso. Prêmio porquecompreensivo da paga pelo risco inerente ao reembolso acrescido do ganho ou lucro quetraduz a remuneração devida à prestação do serviço de realocação, mobilidade e gestão dosrecursos emprestados, tudo somado para perfazer os interesses a serem auferidos mediante ainversão (= mudança de mãos do capital monetário, empregado pelo detentor para ser usadopor outrem que não o possui).

A evolução da economia mundial, aliada ao comércio internacional, fomentou oamadurecimento da idéia de se encarar o dinheiro como fator de produção e os juros comocusto alternativo no confronto das demais modalidades de investimento. Ganha corpo aaplicação do dinheiro a juros como meio alternativo ou simplesmente especulativo deinvestimento desse bem “produtivo”.

Não resta dúvida que o dinheiro, a despeito do envilecimento da moeda decorrentede processos inflacionários, passou a constituir patrimônio ou reserva portável de riqueza quepode ser posta a produzir frutos: os juros.

Daí ter-se afirmado que os juros são os frutos civis do capital empregado, aremuneração pelo uso do capital, o preço do tempo e do risco de reembolso.(1) Pontes deMiranda preleciona tratar-se da “prestação que enche o lugar ao que se tirou do patrimônio docredor.”(2)

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Em que pese o esforço de notáveis doutrinadores e tratadistas para conceituarjuridicamente os juros ou cometer-lhes uma definição jurídica capaz de exprimir com clareza aentidade, percebe-se não terem sido exitosos.

Investigar e obter um conceito para os juros é tarefa imprescindível à medida que ainteligência só compreende efetivamente uma entidade quando for capaz de expressá-lasucinta e claramente de modo que seja possível apreender toda a sua essência e tudo quantodela deflua. Antes disso haverá apenas uma arrevesada intuição pois o espírito não estaráseguro e apascentado na tranqüilidade de conhecer a verdade.

Porque nada acresce à inteligência do que sejam os juros, é completamente despidade valor a tentativa empreendida por juristas de estofo em conceituá-lo no planoexclusivamente jurídico. Dizer simplesmente que “os juros são os frutos civis do capitalempregado” não esclarece a identidade do objeto de cognição.(3)(4)

Entanto, para a fortuna da questão jurídica, o Direito se contenta com conceitos edefinições hauridos de outras ciências. Assim acontece com o juro, para o qual não hádefinição legal (no sentido de não haver norma jurídica positivada que o conceitue, descrevaou defina), mas apenas mera referência como obrigação assessória, emprestando oordenamento jurídico seu sentido prático-semântico à ciência econômica. Adite-se, todadefinição ou conceito de juro encontradiço na doutrina do Direito somente permite uma exatacompreensão dessa entidade quando arremete para socorrer-se do conteúdo conceitual oudefinicional econômico do juro.

Equivocam-se, portanto, os que preconizam indevida essa transposição conceitual aoargumento de que o plano fatual econômico distingue-se do da normatividade jurídica e que anoção econômica dos juros é ociosa para o fenômeno jurídico que deles emerge porquantonaquele não se encontra a tipificação de todas as hipóteses normativas (suportes fáticos), cadaqual dotada de operosidade e efeitos específicos.

Confundem a essência dos juros, consistente no objeto do conceito que se pretendeencontrar e do qual tudo o mais derivará, inclusive os vários tipos normativos, já que estessomente poderão ser compreendidos a partir daquele, com as causas e fundamentoscaracterísticos de cada espécie normatizada.

Ao invés, é possível incorporar ao Direito o conceito de juros construído pela ciênciaeconômica: os juros são o rendimento ou a remuneração em dinheiro que se deve pagar aodono de certo capital monetário segundo uma dada proporção, chamada taxa, incidente sobreeste mesmo capital, dito principal, num determinado período de tempo e subordinado a umregime de capitalização preestabelecido.

Embora singela, a definição acima oferecida permite extrair todas as conseqüências edesdobramentos, sejam os de natureza econômica, sejam os de índole jurídica, concernentesaos juros. Traduz bem a sua essência (ontológica). É exatamente segundo esta concepção quese compreendem os diversos tipos de juros previstos tanto pela ciência econômica quanto peloordenamento jurídico. As distinções que se fazem apenas confirmam o conceito dado como omais consentâneo, obtidas a partir da técnica definicional que utiliza o gênero próximo

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(conceito econômico dos juros) e a diferença específica (que pode variar segundo a causa finalou fundamento jurídico dos juros, momento de pagamento, período de produção, modo decapitalização, amplitude de abrangência enquanto rendimento bruto ou real etc.) à moda deestabelecer a multiplicidade de hipóteses percebidas no mundo dos fatos ou contidas noordenamento jurídico.

Porém, em todos os casos os juros operam segundo o conceito econômico, têm umaúnica funcionalidade prática, conquanto atendam a diferentes funções jurídicas.(5) Quer istodizer, independentemente da hipótese normativa a mecânica dos juros será sempre a mesma: aprodução de um plus correspondente a uma dada proporção, num certo lapso temporal e deacordo com um regime de capitalização previamente estabelecido, tendo por base um capitalprincipal.

Conquanto o Direito empreste das ciências econômicas o conceito do juro originadodas obrigações pecuniárias, impende anotar tê-lo estendido para qualquer obrigação cujoobjeto consista de coisa fungível, consoante se depreende do disposto nos artigos 586 e 591 donovo Código Civil, segundo os quais presumem-se devidos os juros nos contratos de mútuodestinado a fins econômicos, sendo que o objeto do contrato de mútuo pode ser qualquer coisafungível e não apenas o dinheiro. Essa exegese deflui diretamente da letra dos precitadosdispositivos legais e não representa nenhuma inovação, porquanto o artigo 1.262 do Código deBeviláqua já prescrevia a possibilidade de, por cláusula expressa, fixarem-se juros aoempréstimo de dinheiro ou de outras coisas fungíveis.

Nessa toada acrescenta Caio Mário da Silva Pereira, “chamam-se juros as coisasfungíveis que o devedor paga ao credor, pela utilização de coisas da mesma espécie a estedevidas. Pode, portanto, consistir em qualquer coisa fungível, embora freqüentemente apalavra juro venha mais ligada ao débito de dinheiro, como acessório de uma obrigaçãoprincipal pecuniária.”(6)

O conceito jurídico dos juros não padece, em verdade, de nenhuma alteraçãoprofunda capaz de arrebatar-lhe a essência por se ter estendido a todas as coisas fungíveis,admitindo também a estas a possibilidade de, representando o capital objeto de empréstimocom conteúdo ou finalidade econômica, produzirem juros. Estes serão, como muito bemassinalou Caio Mário, um plus consubstanciado em coisa da mesma espécie daquela mutuada,que o mutuário deverá entregar e não apenas pagar, porque aqui a obrigação já não é mais depagar (assim qualificando-se somente as obrigações pecuniárias ou aquelas que nestas seconvertem), mas de dar ou entregar, rectius: restituir a coisa principal à qual acrescerá emquantidade o equivalente aos juros contratados ou presumidos.

Isto em nada desqualifica o conceito do juro emprestado da ciência econômica, anteso corrobora, posto que o modus operandi dos juros de coisas fungíveis outras, distintas dodinheiro, é exatamente o mesmo do observado quando a coisa fungível é representada por umcapital monetário. Não importa a espécie da coisa fungível, se dinheiro ou outra qualquer, aprodução de juros, independentemente da modalidade jurídica (convencionais, legais,presumidos, remuneratórios, compensatórios ou moratórios), dar-se-á seguindo os mesmoscritérios, ou seja, incrementando a quantidade principal de acordo com certa proporção,

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apurada num determinado espaço de tempo, segundo um regime de acumulação (=capitalização) previamente estabelecido, e que deverá ser pago ou entregue pelo devedor aocredor num momento estipulado de antemão.

O fato de a análise que ora desenvolvemos dizer respeito especificamente àsobrigações pecuniárias não implica óbice a que seus resultados e efeitos sejam estendidos atoda sorte de obrigação que tenha por objeto coisa fungível, pois no que tange à produção dejuros é indiferente que o objeto seja dinheiro ou outra coisa fungível qualquer.

Assim, partimos da premissa de que os juros ingressam no mundo jurídico segundosua definição na ciência econômica: juro é o rendimento ou a remuneração em dinheiro que sedeve pagar ao dono de certo capital monetário segundo uma dada proporção (rectius: taxa)incidente sobre este mesmo capital, dito principal, num determinado período de tempo esubordinado a um regime de capitalização preestabelecido. A taxa, o período de produção ouvencimento e o regime de capitalização (simples ou composto) dos juros afiguram-seelementos essenciais da obrigação de pagá-los.

A taxa de juros, por sua vez, só será plenamente conhecida e, portanto, apenas teráeficácia plena para produzir o que dela se espera, quando dotada de todos os elementos que acaracterizam, de molde que confira certeza e segurança do acréscimo que advém da suaaplicação. Deve informar o percentual (x%, que pode representar uma fração ou ser ummúltiplo do capital principal) qualificado por uma referência temporal (ao mês, ao ano, aosemestre etc.). Pode ocorrer que o período de capitalização ou lapso necessário à produção dosjuros (mensal, bimensal, trimestral, anual etc.) seja distinto da referência temporal expressa nataxa de juros, hipótese em que será de mister informá-lo, pena de prevalecer a referênciatemporal da taxa. À guisa de exemplo, um capital de R$ 100.000,00 produzirá, à taxa de 1%ao mês, sem nenhuma outra informação, juros de R$ 1.000,00 ao final de cada mês, posto queo prazo de produção confunde-se com a referência temporal da taxa de juros; se esta for de12% ao ano para rendimento mensal sob o regime de juros simples, significa que o mesmocapital de R$ 100.000,00 originará, a título de juros, a idêntica importância de R$ 1.000,00mensalmente.(7) Nesta segunda hipótese, não fora a especificação da discrepância entre areferência temporal da taxa e o período de produção dos juros, e não se teria um resultadomensal de R$ 1.000,00, mas sim anual de R$ 12.000,00. Deflui, a ausência de qualquerelemento compositivo da taxa de juros implica não apenas a iliquidez da obrigação de pagá-los, senão a impossibilidade de serem apurados devido ao desconhecimento de elementoessencial para se descobrir o quantum debeatur,(8) salvo, obviamente, aquelas hipóteses emque a lacuna deixada pela referida omissão seja suprida por norma jurídica que, presumindo aobrigação de juros, preordena seu pagamento segundo critérios estabelecidos na lei (e.g., CC,arts. 407 e 591 combinados com o art. 406).

3. Classificação

Os juros podem ser classificados segundo diversos critérios: 1) o momento dopagamento; 2) espécie de rendimento ou risco; 3) regime de capitalização; 4) origem;

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5) fundamento ou causa final. Embora todos os critérios apontados repercutam no mundojurídico, pois representam o modo por que os juros produzir-se-ão e o motivo dessa produção,apenas alguns deles encontram-se previstos expressamente no ordenamento positivo, o quenão significa deixarem os demais de ter guarida jurídica.

Quanto ao momento do pagamento, os juros podem ser iniciais ou finais. Iniciais sãoos que o devedor deve pagar ao credor antecipadamente, no momento em que recebe deste ocapital principal. Muita vez ocorre que ao entregar o capital principal ao devedor, o credor jádesconta o equivalente aos juros referentes ou ao período total por que a obrigação foracontratada, ou à primeira parcela, caso se trate de produção periódica de juros. Finais são osjuros que vencem ao cobro do período de produção, de regra surgindo aí a obrigação de odevedor solvê-los. Podem se dar no término do prazo total da obrigação ou em temposmenores nas obrigações de trato sucessivo. O traço distintivo é o momento do pagamento, queno caso dos juros iniciais se dá antes de vencido o período de produção e na hipótese dos jurosfinais coincide com o transcurso desse espaço temporal.

Os juros podem ser ditos pré-fixados ou pós-fixados. Antes do advento da correçãomonetária, que não foi inventada pelos brasileiros, mas dela se tem notícias já na Inglaterra dos. XVI,(9) os juros pré-fixados continham uma parcela representativa da expectativa deinflação, ou melhor, da corrosão do poder de compra da moeda, que podia ou não se confirmarao final, correndo por conta das partes o risco da coincidência. Havendo inflação superior àprevista, perdia o credor; verificada abaixo do que previram as partes, o credor experimentavaum ganho extra. De qualquer modo a noção de que o envilecimento da moeda deve sempre serconsiderado existe desde antes da idéia de atualizar o poder aquisitivo do capital segundo asfórmulas hoje conhecidas, tanto que os manuais de economia e matemática financeira jáabordavam a questão da equivalência de capitais nominais em datas focais diversas sob aperspectiva da taxa de juros vigente entre as respectivas datas, seja deflacionando o capitalmais novo até o momento do mais antigo, ou capitalizando este até a data daquele. Eramcomuns os juros, mais exatamente as taxas de juros pré-fixadas. Esse o conceito de taxa pré-fixada que se mantém nos dias atuais.

Pós-fixados eram os juros ou as taxas de juros flutuantes, ou seja, aquelas que se nãoconhecem a priori, mas somente no momento de calcular o montante de juros devidos porquevariáveis no tempo. Entanto, em nosso país, a introdução do sistema de correção monetáriacalculada segundo determinados critérios, fez com que a nomenclatura “pós-fixado” ganhassenovo sentido semântico para refletir o rendimento de um capital monetário depois de ter sidoele atualizado monetariamente. Isto significa que os juros, mais precisamente, a taxa de jurosenquanto representativa daquele rendimento é, ela própria, previamente conhecida, mas ovalor do rendimento que produzirá mantém-se incógnito até que se conheça a correçãomonetária e esta, segundo a sistemática dos juros pós-fixados, não decorre de uma meraexpectativa senão da aplicação de algum índice de atualização monetária, cuja magnitude édada de acordo com critérios preestabelecidos de apuração da evolução dos preços naeconomia, gerais ou setoriais, normalmente calculado e divulgado pelo governo ou algum entedistinto das partes, ex post facto. Destarte é possível afirmar que a taxa de juros pós-fixada éna verdade pré-fixada (no sentido de ser conhecida com antecedência), enquanto que os juros

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em si mesmos são pós-fixados porque sua aferição depende do conhecimento de outroelemento: a correção monetária, cuja cognição é a posteriori.

Ainda quanto ao risco os juros classificam-se como nominais ou reais. Dizem-senominais quando referem ao total de juros produzidos, podendo corresponder ou não àatualização necessária para neutralizar os efeitos degenerativos da inflação mais uma parcelade rendimento que será o ganho efetivo do dono do capital. Real é a parcela dos juroscorrespondente a este ganho, tudo que sobeja à perda de poder aquisitivo da moeda, ou seja, orendimento do capital que já tenha sido devidamente corrigido para recuperar seu poder decompra.

Os juros reais guardam certa relação de semelhança com os juros pós-fixados,embora, de rigor, com estes não se confunda. Isto ocorre em virtude da natureza relativa dainflação, sempre medida em relação à evolução dos preços praticados para os diversos bens eserviços postos à disposição na economia. Como essa variação de preços apenasacidentalmente será a mesma para dois ou mais bens e serviços diferentes, na verdade éimpossível medi-la com precisão absoluta. O que se tem é mera aproximação, obtida segundocritérios de pesquisa previamente estabelecidos e métodos estáticos (no sentido de seremestanques no tempo, como uma fotografia que compara preços em dois momentos históricosdistintos) que consideram alguns, mas não todos os produtos encontradiços no mercado. Cadacritério de pesquisa aliado a um modelo estatístico dá origem a um índice de correçãomonetária, os quais podem apresentar resultados completamente díspares consoante tomemem conta as variações de preços gerais (dos diversos segmentos econômicos) ou setoriais (dealgum segmento econômico específico), e ainda assim não representarão mais que simplesestimativa, uma medida central do desgaste do poder de compra do capital monetário, o qualpode apresentar grau de deterioração mais elevado relativamente a alguns bens e serviços, emenor grau em relação a outros, tanto para aqueles que entram na composição do índicequanto para os que dela ficam de fora.

Sendo assim, somente por fina coincidência os juros pós-fixados refletirão os jurosreais. A impossibilidade de se medir com exatidão a inflação dá azo à existência dumaprofusão de índices com pretensões de servirem como medida da inflação, levando aconsiderar os juros pós-fixados como boa aproximação dos juros reais, mais que isso, comoequivalência destes para todos os efeitos jurídicos e econômicos, sem embargo dapossibilidade de revisão sempre que se verificar grandes discrepâncias entre os diversosíndices de correção monetária amplamente divulgados e aceitos pelos agentes econômicosrelativamente a algum outro específico, que tenha sido eleito pelas partes ou imposto,potestativamente (v.g. nos contratos de adesão), por uma delas.

Impossível mensurar a inflação efetiva, juridicamente juros reais e juros pós-fixadosse equivalem, devendo aquele ser reputado como o rendimento produzido de acordo com ataxa pós-fixada estipulada, incidente depois de aplicada ao capital principal a correçãomonetária, determinada segundo um índice de atualização previamente escolhido pelossujeitos ou fixado em lei ou pelo juiz. Quando a taxa de juros for do tipo pré-fixada, deverá serdecomposta ex post, quando for conhecida a inflação, em duas parcelas, uma referente àatualização monetária e outra indicativa dos juros reais, existentes sempre que o rendimento

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sobejar a atualização. Isto acontece desse modo porque também a correção monetária resultainvariavelmente do rendimento obtido com a aplicação do capital, que deixado inerte, perdeseu poder de compra.

Juros flutuantes, como já mencionado alhures, são aqueles cujo valor descortina-seno instante em que vem a lume a taxa de juros que os produzirá — de que são exemplos asfamigeradas taxas Selic, Cetip, Ambid etc. — a qual se diz pós-fixada, no sentido primitivodessa expressão porque só se torna conhecida no momento em que deve ser aplicada, o que lheconfere o mesmo caráter flutuante dos juros que produz, mas é outrossim pré-fixada, postotrazer implícita a expectativa de inflação, não sendo ipso facto cumulável com qualquer índicede correção monetária, pois nisso incorre em bis in idem.

As taxas de juros podem também ser classificadas segundo haja ou não coincidênciaentre a unidade referencial de seu tempo e a unidade de tempo dos períodos de capitalização.Diz-se nominal a taxa em que se não verifica tal correspondência. Diversamente, havendocoincidência entre a periodicidade da taxa e a de capitalização é ela designada efetiva.Seguindo essa orientação, uma taxa de 12% ao ano com capitalização mensal (leia-se,produção mensal de juros) é taxa nominal; já uma taxa de 2% ao mês com capitalizaçãomensal é do tipo taxa efetiva. A taxa efetiva relaciona-se com a taxa nominal segundo oregime de capitalização, podendo ambas produzir o mesmo montante de juros ao final domesmo período. Nos exemplos oferecidos, a taxa efetiva de 1% ao mês é equivalente ànominal de 12% a.a. quando ambas se submetem ao regime de capitalização mensal a jurossimples; igualmente, a taxa efetiva de 2% a.m. equivale às taxas nominais de 6% a.t., ou de12% a.s., ou ainda a 24% a.a., se consideradas no regime de capitalização a juros simples paraprodução mensal.

Dois são os regimes de capitalização possíveis: a) a juros simples ou b) a juroscompostos. Pelo primeiro os juros não se incorporam ao capital principal para produziremnovos juros. Ou seja, não há produção de juros sobre juros, que em linguagem jurídicacostuma-se designar por anatocismo. No regime de juros compostos é notável o anatocismo,porquanto os juros produzidos num período acrescem o capital principal formando um sómonte mor sobre o qual incide a taxa de juros no período subseqüente: há acumulação de jurossobre juros. O ordenamento jurídico pátrio apenas excepcionalmente admite o regime decapitalização a juros compostos (v.g., DL 1.506/76, art. 3º; CC, art. 206, § 3º, n. III; MP 2.160-25,(10) art. 3º, § 1º, n. I), sendo a regra geral a vedação do anatocismo, salvo quando o períodofor anual (CC, art. 591).

Aqui pode-se apontar uma diferença entre o regime jurídico estabelecido peloCódigo de Reale e aquele que vigorou sob os auspícios do Código precedente. Esteinicialmente permitia a capitalização para qualquer período, indiscriminadamente, conformeos ditames do artigo 1.262 (cf. adiante). Posteriormente, essa disposição legal restouemasculada pelo Decreto n. 22.626, de 07/04/1933, cujo artigo 4º, vedava a contagem de jurossobre juros, permitindo, no entanto, a acumulação dos juros vencidos aos saldos líquidos emconta corrente. Confundiu-se esse permissivo legal do direito anterior com o que se designacapitalização anual. Mas são fenômenos que, rigorosamente, não se confundem.

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A acumulação de juros vencidos aos saldos líquidos em conta corrente importa emadicionar ao saldo da dívida o montante dos juros vencidos e impagos. Acrescendo o capitalprincipal deste modo, aqueles juros vencidos e não quitados incrementam a dívida e por issopassam também a render juros. Se apenas parte dos juros que se venceram ao longo do ano foipaga, o restante é incorporado ao saldo da dívida formando um todo a gerar novos juros.Numa palavra, os juros vencidos incorporados ao saldo de dívida líquida perdem a qualidadede acessório desta para se tornar obrigação principal que a incrementa.

Capitalização anual é outra coisa (CC, art. 591, in fine). Não há vencimento de jurosem período inferior ao ânuo. Ao revés, o período de produção será sempre anual ou múltiplode doze meses. Os juros incorporam-se automaticamente ao capital principal para produzirnovos juros no período subseqüente. Se houver pagamento anual dos juros, pagando-os odevedor, jamais produzirão eles novos juros, porque quitados, extingue-se a obrigação depagá-los e inexistente a obrigação não podem ser incorporados ao capital principal paraproduzir novos juros. Por isso, só tem sentido falar em capitalização anual quando a obrigaçãode pagar os juros vencer ao final do termo negocial, ou prever prestações a prazos superioresao anual.

Deflui, os juros vencidos em períodos inferiores ao anual e não pagos pelo devedornão podem ser incorporados ao capital principal para renderem novos juros após o transcursode um ano. Uma vez vencidos, líquidos e exigíveis, desde o vencimento sofrem a incidênciade juros de mora, pois consubstanciam obrigação inadimplida, ensejando a aplicação dosartigos 389 e 394 do nCC.

Conhecido o regime de capitalização, é possível encontrar a taxa de juros efetivaequivalente a uma dada taxa de juros nominal e vice-versa por meio da operação matemáticaadequada, que envolverá simples operação aritmética (divisão ou multiplicação) ou funçãoalgébrica mais complexa, como a exponenciação e a radiciação (potência fracionária) oufunção logarítmica, consoante seja o regime de capitalização a juros simples ou compostos,respectivamente.

Quanto à origem, os juros classificam-se em convencionais ou legais. Os primeirosdefluem da manifestação de vontade das partes, as quais se acertam quanto a todos oselementos compositivos dos juros, ou seja, a taxa (aqui referida como a proporção do capitalprincipal que deverá acrescê-lo) e seu respectivo referencial de tempo, o período decapitalização ou produção dos juros (permitindo com isto distinguir se se trata de taxa nominalou taxa efetiva), o regime dessa capitalização, a modalidade dos juros, i.e., se pré ou pós-fixados e o prazo do negócio jurídico, impondo-se observar as limitações prescritas noordenamento jurídico que somente admite a capitalização anual e ainda limita a magnitude dataxa de juros àquela praticada pela Fazenda Nacional para a mora dos impostos devidos àUnião (CC, arts. 591 e 406). Constitui obrigação acessória que pode ser contraídaconcomitante ou subseqüentemente à principal.

Releva notar, bastante que as partes acordem quanto à incidência dos juros,porquanto havendo tal previsão no negócio entre elas celebrado, ainda que não tenham

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estabelecido os critérios dessa incidência, tais aqueles acima aludidos, os juros se produzemsegundo a taxa legal, conforme prevista no ordenamento jurídico.

Legais são os juros que o devedor paga ao credor por força da lei. A obrigação depagá-los deflui diretamente dum mandamento contido em norma jurídica do ordenamentopositivo. Nesta hipótese a margem de discrição deixada às partes cinge-se, muita vez, aestabelecer os elementos por meio dos quais os juros devem ser calculados, novamenterespeitadas as limitações legais. São exemplos de juros legais os moratórios ou aquelesdevidos ex vi do ressarcimento por perdas e danos nas obrigações pecuniárias (CC, arts. 389,395, 404); os juros que o mandatário deve a seu constituinte pelas somas que a ele deviaentregar ou dele recebeu para despesa, mas empregou em proveito próprio com abuso dospoderes que lhe foram conferidos (CC, art. 670); ou aqueles presumidos nos contratos demútuo com fins econômicos quando as partes não os tenham ajustado CC, art. 591).

Finalmente, os juros classificam-se quanto ao fundamento ou à causa final que lheconfere suporte obrigacional. Nessa acepção podem ser remuneratórios, compensatórios oumoratórios, havendo na doutrina quem designe os primeiros de compensatórios, atribuindo-lhes uma relação de sinonímia, data venia indevida. Divergimos desse entendimento à medidaque hodiernamente não tem mais sentido afirmar que os juros representam uma compensaçãopela privação do capital monetário. Ao revés, o dinheiro, porque mercadoria universal detroca, é das mais cobiçadas. Aplicá-lo a juros há muito deixou de representar uma renúncia àliquidez ou privação do próprio capital, para se tornar objetivo principal do detentor do capitalmonetário à guisa de aumentá-lo. Sob tal perspectiva os juros não têm mais a função decompensar o dono do dinheiro, senão de remunerá-lo segundo seus interesses ou asalternativas que se lhe apresentam na economia. São, portanto, remuneratórios e nãocompensatórios. Não compensam coisa nenhuma, remuneram; o detentor do capital monetárionão se encontra nalguma situação cuja formação lhe seja contrária aos interesses de modo quejustifique receber uma compensação: escolhe aplicá-lo a juros. Podem os juros remuneratóriosser convencionais ou legais, conforme já assinalado linhas atrás. Exemplo destes últimos onovo Código Civil os prevê, independentemente de ajuste, v.g., no art. 591

Compensar significa estabelecer ou restabelecer o equilíbrio, contrabalançar.(11) Juroscompensatórios são, portanto, aqueles cujo escopo é estabelecer ou restabelecer o equilíbriopatrimonial da relação jurídica de direito material havida entre o credor e o devedor, que hajasido corrompido. Correm sem o elemento da mora e são determinados pela lei, designando umdever jurídico. De acordo com a definição ora apresentada, são compensatórios os jurosprevistos nos artigos 297, 670, 677, 706, 833, 869, 1.404, 1.405, 1.454, 1.753, § 3º e 1.762 doCódigo de Reale, visto como não decorrem da manifestação de vontade das partes, mas deimposição legal visando preservar o equilíbrio patrimonial dos sujeitos envolvidos nasrelações jurídicas que especificam. Vale dizer, os juros compensatórios não representam uminteresse direto do credor do capital monetário, senão por via oblíqua uma forma de preservarou resgatar o equilíbrio patrimonial da relação jurídica que mantém com o devedor, cujoobjeto principal distingue-se do capital sujeito à produção dos juros. Há aí todos osingredientes necessários para caracterização dos juros como compensatórios. Ora o capital saido patrimônio do dono para o de outrem com o objetivo de realizar determinado fim e nelenão é empregado, mas em benefício próprio da interposta pessoa, ora passa pelas mãos de

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terceiro, que procrastina entregá-lo a seu legítimo titular. Observe-se, o dono do capitalmonetário não o aplicou para render juros, senão deu-lhe destino diverso, ficando privado desua utilização em outras atividades ou investimentos. Nessas circunstâncias ocorre omencionado desequilíbrio patrimonial em virtude da verdadeira aplicação dos recursos queentregou ao terceiro ou deste deveria receber, posto que desviados da finalidade almejada.Destarte, salvante a hipótese do artigo 706, segunda parte, não há propriamente violação deobrigação contraída, donde não se pode falar em mora. Tampouco em mútuo com finseconômicos que autorize a remuneração do capital. Todavia, verifica-se ultraje de deverjurídico estabelecido na lei, justificando-se a incidência de juros como meio de compensar ocredor que dele ficou privado.

Moratórios são os juros que se originam da demora do devedor em cumprir suaobrigação de pagar, restituir ou até mesmo entregar ao credor o que lhe é devido, no tempo,lugar e forma que a lei ou a convenção estabelecer (CC, arts. 394 e 395). Visam a indenizar ocredor dos prejuízos que sofre em virtude do descumprimento da obrigação pelo devedor (CC,art. 404, parágrafo único). Pode-se asserir, num certo sentido e por equiparação, os jurosmoratórios seriam também compensatórios, considerada a acepção do termo aqui perfilhada,pois o objetivo dos juros moratórios é restabelecer o equilíbrio da relação obrigacionalofendida de inadimplemento pelo devedor e nisto há um quid tanto de compensação quanto deremuneração. Entrementes, tal assimilação não tem sentido de ser. A compensação é sempreplena, posto que o devedor pagando os juros a que está obrigado por lei libera-se dessaobrigação e não é compelido a nenhuma outra. Já no caso dos juros moratórios, afigurando-seinsuficientes para reparar a plenitude dos prejuízos incorridos pelo credor devido à demoraatribuída ao devedor, e inexistente estipulação de cláusula penal, poderá aquele pleitearjudicialmente indenização suplementar, nos termos do que prescreve o parágrafo único doartigo 404 do novo Código Civil. Portanto, nem sempre os juros de mora são bastantes paracompensar o credor dos danos causados pelo inadimplemento do devedor, fazendo-senecessária a complementação, seja por meio da cláusula penal, seja pela via da demandajudicial, distinguindo-se assim os juros moratórios dos compensatórios.

Essas categorias de juros relacionam-se umas com as outras. Deste modo, os jurosremuneratórios hão de ser convencionais ou legais, consoante sua produção decorra daaplicação de taxa determinada pelas partes ou não. Havendo convenção para o pagamento dosjuros sem especificação do quantum, ou não havendo disposição a respeito mas tratando-se demútuo com fins econômicos, presumem-se devidos os juros à taxa legal prevista no artigo 406do Código Civil. Quanto aos juros moratórios, estes podem ser convencionais, quandocontratados pelas partes, ou legais, na hipótese de não terem sido estipulados e haverinadimplemento da obrigação pecuniária ou conversível em dinheiro, e ainda no caso de haverprevisão convencional quanto a sua incidência, sem, contudo, hajam as partes fixado uma taxadeterminada, incidindo as disposições do já aludido artigo 406. Outrossim, os juroscompensatórios equivalem à remuneração do capital que os produz, assumindo, indiretamente,uma natureza remuneratória, posto que ausente o fator da demora; devem ser pagos na mesmamedida dos juros legais (CC, art. 406) porque decorre seu pagamento de comando inscrito emnorma jurídica.

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4. O império da autonomia da vontade e a liberdade plena de contratar juros no CódigoCivil de 1916

Como se disse no início deste trabalho, a matéria referente aos juros sempreexperimentou uma alternância entre momentos de licença e outros de proibição.

A Bíblia já condenava a usura, ali entendida como a simples cobrança de juros,conforme se divisa no Deuteronômio XXIII, 19-20: “Não exigirás do teu irmão juro nenhum,nem por dinheiro nem por víveres, nem por coisa nenhuma que se preste ao pagamento dejuros.” Introduzindo a idéia de que os juros se podem contar sobre as coisas fungíveis, e nãoapenas do dinheiro.

Esta a passagem, dentre outras contidas no livro sagrado dos católicos que refletemmomentos de proibição, cuja influência projeta-se para os nossos dias interferindo naconsciência moral quanto à cobrança de juros.

Nada obstante, o Código Civil de 1916, inspirado no liberalismo econômico e nojuspositivismo, inaugurou um período de plena liberdade,(12) em que as pessoas, sujeitos dedireitos e obrigações, eram deixadas livres para ajustarem, como bem lhes aprouvesse, os jurosincidentes nas obrigações que contratassem.

O artigo 1.262 daquele diploma legal refletia a filosofia subjacente. Continha normapermissiva da contratação de juros, mediante cláusula expressa, para os contratos de mútuofeneratício, segundo a disposição das partes, podendo a taxa ser livremente fixada, acima ouabaixo da taxa legal, com ou sem capitalização.

Sob o primado da autonomia da vontade, não havia peias para a contratação de juros.O anatocismo era permitido tanto quanto inexistente qualquer limite para a magnitude da taxade juros, que podia oscilar ao sabor dos ventos da oferta e da procura do capital monetário.Exaltava o nosso vetusto estatuto civil o império da livre concorrência, ressonando osensinamentos de Adam Smith a render ensanchas à atuosidade da “mão invisível” capaz deregular os vetores do mercado sopesando os interesses egoístas dos agentes econômicos numjogo interativo em torno dum ponto de equilíbrio estável, alcançável exatamente por meio daliberdade conferida e desprendida de quaisquer balizamentos entre os diversos interessesantagônicos que deviam conviver para se conciliar.

Contudo, essa liberdade, enquanto faculdade cometida aos sujeitos de direito, deviaser exercida de modo expresso, por cláusula escrita. É o que prescrevia o artigo 1.262. Suaausência implicava a incidência dos juros legais, limitados em 6% ao ano, quer se tratasse dejuros de mora, quer de juros remuneratórios contratados sem especificar qual a taxa (CC/1916,arts. 1.062 e 1.063). Ademais, essa a taxa prefixada pela norma sempre que a obrigação depagar juros fosse ordenada ex vi legis.

Interessante notar, não havendo na convenção cláusula estipulativa de juros estes nãoseriam devidos e, portanto, não estaria o devedor obrigado a pagá-los. Os juros não sepresumiam sob o regime do Código anterior.

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Assim, segundo os cânones do Código de Beviláqua, às partes era livre a contrataçãode juros desde que o fizessem de modo expresso, por escrito. Do contrário sujeitavam-se àtaxa legal desde que prevista a incidência de juros, embora pudesse carecer a avença dedeterminação da taxa que os produzisse. Ante a ausência de qualquer estipulação de juros,destes não se cogitava. Essa ampla liberdade referia, outrossim, ao regime de capitalização,que tanto poderia ser a juros simples como a juros compostos, qualquer que fosse o período deformação dos juros.

5. O período de proibição estabelecido pelo Decreto n. 22.626, de 07/04/1933: a Lei deUsura

À liberdade experimentada com o advento do Código Civil de 1916 sucedeu períodode restrição dos juros e do anatocismo.

A eclosão, em 1929, do desarranjo da economia brasileira, eminentemente cafeeira,cujo auge ocorreu em 1933, consumiu praticamente todas as reservas cambiais do País,resultando numa acentuada crise de crédito em que os recursos para o financiamento dapolítica de manutenção dos preços, armazenagem e até mesmo destruição da produção de café,praticamente evaporaram-se, conduzindo a inomináveis abusos por parte de quem dispunha derecursos líquidos.(13) Tais circunstâncias motivaram a edição do Decreto n. 22.626/33, querestringiu a liberdade dos agentes em contratar juros, proibindo sua fixação acima de uma taxamáxima legalmente estabelecida, como fórmula jurídica para coibir os abusos.

O artigo 1º, caput, preordena, sob pena de punição nos termos da mesma lei, avedação de se estipular juros a taxas superiores ao dobro da taxa legal. A leitura do § 3º dessemesmo dispositivo legal informa a taxa, prefixada em 6% ao ano, a ser observada quando naavença tiver sido omitida. Quem cobrar juros à proporção superior ao dobro da taxa legalincorre no delito de usura, punível com prisão de seis meses a um ano, mais multa (art. 13),sem prejuízo da decretação de nulidade do negócio, assegurado o direito de repetição do quehouver pagado a mais (art. 11).

Destarte, a dicção do caput do artigo 1º combinada com as disposições do § 3º,estabelecem o limite da liberdade conferida aos sujeitos na contratação de juros, que não podejamais exceder a 12% ao ano.

O artigo 4º desse Decreto proíbe, outrossim, a contagem de juros sobre juros, excetoa acumulação de juros vencidos aos saldos líquidos em conta corrente de ano a ano. Valedizer, veda o anatocismo embora permita a incorporação dos juros vencidos em períodosinferiores ao ânuo ao saldo da dívida existente em conta corrente no fim de cada ano.

As restrições impostas pelo Decreto n. 22.626/33 tinham o objetivo de inibir a práticausurária no sentido mais pejorativo dessa palavra: o empréstimo de dinheiro a jurosexorbitantes. Porém, nem todos foram alcançados pelo mandamento legal. O artigo 17 doDecreto n. 22.626/33 exclui do âmbito de sua incidência as Casas de Empréstimo sobpenhores e congêneres, a versão dos bancos modernos naquela época.

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Essa odiosa discriminação ocasionou forte alarido popular que, aliado à constataçãodos freqüentes abusos, tais como os percebidos hodiernamente, perpetrados pelas então Casasde Empréstimos sob penhores e congêneres, em 22/02/1939 promulgou-se o Decreto-Lei n.1.113, fixando o limite dos juros em 12% ao ano a ser observado também por aquelasentidades. Com essa providência, os juros praticados por quaisquer agentes econômicoscingiam-se ao teto de 12% ao ano, pré-fixados, pois não havia sido ainda introduzido omecanismo da correção monetária obrigatória, que só mais tarde, na década de 60, viria aintegrar, permanentemente e em todos os segmentos, as relações jurídicas de conteúdoeconômico com a criação das ORTN’s - obrigações Reajustáveis do Tesouro Nacional (cf. asLeis ns. 4.357/1964 e 4.380/1964).

A limitação imposta na lei firmava-se na idéia calvinista de que a estipulação e apercepção de juros não representavam um atentado à moral, nem vilipêndio ao direito justo eequânime. “Todavia, são contra a moral e depõem contra a própria organização social os jurosexcessivos,”(14) o que importa deslocar o debate para a magnitude da taxa de juro e não maisem relação a este em si mesmo considerado.

6. A liberdade restaurada na Lei n. 4.595, de 31/12/1964

O período compreendido entre o advento do Decreto n. 22.626/1933 e a Lein. 4.595/1964, traduz, como visto, um momento de proibição relativa quanto à cobrança dejuros.

Superada a crise cafeeira, alterado os contornos da economia brasileira, que deixoude ser uma economia calcada exclusivamente no setor primário da agricultura cafeeira parasaborear as primícias do setor secundário, tornando-se uma economia industrial, novas foramas exigências de crédito. Mais que isso, devido às dimensões continentais do País eranecessário criar mecanismos capazes de fomentar o desenvolvimento uniforme por todo oterritório nacional, impondo-se ao capital monetário uma mobilidade e uma velocidade decirculação jamais experimentada antes.

Com tais objetivos sanciona-se a Lei n. 4.595, em 31/12/1964. Originada do Projetode Lei n. 207/1964, apresentado às casas legiferantes pelo então Presidente da República, tevepor justificativa a exaltação dos fins sociais consubstanciados no fomento ao desenvolvimentoharmônico do País em suas diversas regiões e na distribuição eqüitativa dos recursosmonetários necessários à facilitação desse desenvolvimento, uma das mais radicadasaspirações do povo brasileiro. Assim foi que, dirigindo-se ao Congresso Nacional, o Chefe deEstado e Governo da época, expressou-se, verbis:

“O anteprojeto visa a dois objetivos fundamentais:

a) o estabelecimento de uma administração monetária federal eficiente e flexível,capaz de formular e executar uma política monetária e creditícia de controlequantitativo global e de caráter seletivo, em moldes nacionais, de forma a conter oprocesso inflacionário sem afetar o ritmo do desenvolvimento;

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b) promover as modificações que se impõem no regime jurídico das instituiçõesfinanceiras privadas, de forma a que a sua atuação contribua para utilização maiseficiente dos recursos financeiros nacionais , promova distribuição maiseqüitativa desses recursos e facilite o desenvolvimento harmônico das diferentesregiões do País .”(15)(16)

A intenção é clara: com a Lei 4.595/64 pretende-se tornar o capital monetário maisfluido, de modo que se possa realocar a poupança interna destinando recursos de ondesobejam para onde faltam, à guisa de estimular o desenvolvimento econômico. E isto só semostra possível mediante um bem estruturado sistema financeiro. A interligação do direito,atento aos fins sociais da norma (LICC, art. 5º), com a economia entremostra-se inexpugnável,embora, salvo raras exceções, não se vislumbre nas decisões acerca dos juros praticados pelasinstituições financeiras, públicas e privadas, proferidas pelas cortes superiores do País,qualquer referência aos fins sociais dos recursos monetários. Com relativa freqüência, eapontamos isto adiante, cedem a argumentos ad terrorem e ad verecundiam, via de regraacenados pelo próprio governo, o maior devedor da Nação.

No que tange aos juros, a edição da Lei n. 4.595/64 instaura acirrado debate. O artigo4º, n. IX atribui ao Conselho Monetário Nacional (CMN), órgão responsável peloestabelecimento das diretrizes da política monetária, criado pela mesma lei, a competênciapara limitar, quando necessário, a taxa de juros.(17)

Diante do enunciado nesse dispositivo legal surgiram três correntes, cada qualadvogando uma tese diferente acerca dos juros, mais precisamente da taxa de juros, posto quetoda a discussão gira agora em torno desta.

A corrente mais liberal, ou radicalmente liberal, propugnava que a Lei n. 4.595/64teria derrogado o Decreto n. 22.626/33 no que diz respeito ao limite da taxa de juros, cujadeterminação e magnitude passaram à competência do CMN. Enquanto este órgão a nãofixasse, estaria ela absolutamente livre, ou seja, poderiam os agentes pactuá-la semobservância de nenhum limite.

Tal é o entendimento que se torna impossível tipificar o delito de usura, previsto noDecreto n. 22.626/33, transformado em norma penal em branco até que o CMN determinasseum limite para a taxa de juros.

Outrossim, para esses liberais, a liberdade estende-se para todos, à medida que nãohá na lei nenhuma indicação de que os limites a serem impostos pelo CMN devam serobedecidos exclusivamente por este ou aquele sujeito de direito. Pretende-se o retorno de umperíodo de licença “vigiada”.

No pólo oposto exsurge a corrente antípoda, considerada conservadora, combaldrame no argumento de que a taxa máxima fixada pelo Decreto n. 22.626/33 tinha porescopo coibir a usura pecuniária, evitando com isso a coerção do homem pelo homem e aexploração da premência alheia. Daí por que não poderia a Lei n. 4.595/64 derrogar o limiteimposto no art. 1º do Decreto n. 22.626/33 sem que em seu lugar fosse estabelecida outralimitação legal, garantindo-se a convenção de prestar juros a líbito das partes contraentes do

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negócio jurídico até o limite máximo permitido. Por esta razão a limitação aludida no incisoIX do artigo 4º da Lei n. 4.595/64 atribuía ao CMN competência para limitar a taxa de juros,caso houvesse necessidade, respeitado o limite previsto no Decreto n. 22.626/33. Ou seja, àguisa de fixar patamar inferior àquele estabelecido na lei, ao qual ficariam cingidos todos osmanifestantes interessados na contratação de juros, inclusive e principalmente as instituiçõesfinanceiras. Do contrário estar-se-ia admitindo que órgão da Administração Pública pudesserevogar norma legal de hierarquia superior mediante mero ato resolutivo.

A par disso, sustentavam inadmissível outra interpretação porquanto a ConstituiçãoFederal de 1946, em seu artigo 36, § 2º,(18) vedava a delegação de poderes, resultando naimpossibilidade de a Lei n. 4.595/64 atribuir a órgão do Poder Executivo competência paradeterminar a taxa de juros em limites superiores ao previsto em lei, pois a matéria estava acoberto da reserva constitucional outorgada ao Poder Legislativo, nos termos do comandoinscrito no artigo 5º, inciso XV, alínea ‘m’ daquela Carta Magna.(19)

Não faltaram os ecléticos, os quais advogavam uma interpretação intermediáriaàquelas defendidas pelas duas correntes mais radicais e opostas. Dentre esses (= os ecléticos)uns perfilhavam a tese de que a Lei n. 4.595/64 teria revogado a aplicação do Decreto n.22.626/33 somente em relação às operações realizadas pelas instituições integrantes doSistema Financeiro Nacional (SFN); outros admitiam tal revogação desde que o CMN, por atoresolutivo, fixasse a taxa de juros. Enquanto não o fizesse prevaleceria aquela estatuída noDecreto n. 22.626/33.

Em que pesem os judiciosos argumentos manejados pela corrente conservadora, paraa qual o limite referido na Lei n. 4.595/64 jamais poderia exceder a taxa fixada pelo Decreto n.22.626/33, prevaleceu o entendimento moderado, tendo o Supremo Tribunal Federal firmadosua posição editando a Súmula n. 596,(20) para esposar a tese de que ambos os diplomasconviviam em harmonia: a Lei n. 4.595/64 era aplicável às instituições financeiras, públicas eprivadas, as quais, então, deixavam de se sujeitar à limitação imposta pelo Decreto n.22.626/33, para se submeterem às determinações do CMN, se e quando houvesse; os demaisparticulares mantinham-se subordinados às prescrições da Lei de Usura (Dec. 22.626/33).

Posicionamo-nos com os conservadores, cujos argumentos jurídicos decorremdiretamente duma interpretação sistemática e não descuram, como parece ter feito a excelsaCorte, dos fins sociais visados pela norma. Ademais, não é preciso muito esforço paraperceber que a outorga de qualquer privilégio às instituições financeiras representa ofensafrontal ao princípio basilar da isonomia. Uma vez que a lei deve ser aplicada a todos semquaisquer distinções, inconcebível e odiosa a mercê deferida à seleta casta integrada pelasinstituições financeiras, pois a Lei n. 4.595/64 não contém um só elemento que autorizereconhecer a existência de discrímen sério e verdadeiro a favorecê-las quanto à liberdade decobrar juros sem qualquer limite. Pensamos ainda que a decisão do STF, concretizada naSúmula n. 596, a par de equivocada contribuiu em larga medida para o recrudescimento doprocesso inflacionário experimentado pela Nação, culminando com a hiperinflação vivenciadano final da década de 80 e início dos anos 90, e explicamos o porquê dessa nossa crença.

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Sendo o governo federal o maior devedor do País, deflui ser ele o grande sorvedouroda poupança interna, cuja captação ocorre por meio das instituições financeiras, mormentedepois da reforma empreendida com a Lei n. 4.595/64.

De outro lado, o déficit público é financiado mediante a emissão de títulos da dívidapública, os quais oferecem juros que devem ser atrativos para que os particulares, notadamenteas instituições integrantes do Sistema Financeiro Nacional, sintam-se estimulados em adquiri-los, neles aplicando seus recursos disponíveis.

Para facilitar a captação da poupança interna mediante a venda de títulos da dívidapública criou-se e desenvolveu-se o mercado aberto, cujo modelo permite às instituiçõesfinanceiras aplicarem seus recursos naqueles títulos em montante muito superior ao seupatrimônio líquido. Em 9 de abril de 1976, o Banco Central editou a Resolução n. 366,segundo a qual cada entidade integrante do SFN poderia aplicar em títulos da dívida públicafederal um volume de recursos até quinze vezes maior que seu patrimônio líquido ajustado(PLA), o qual afigura-se sempre maior ou igual ao próprio patrimônio líquido contábil (PL).Isto significa, para cada 1% de rentabilidade no portfolio formado desses títulos a instituiçãofinanceira aufere 15% de rendimento sobre seu PLA, logo uma rentabilidade extremamenteatrativa em face do patrimônio líquido contábil. Curiosamente, a Súmula n. 596, que refletedecisões reiteradas em julgados que lhe antecederam e embasaram, foi editada em 15/12/1976.

Evidentemente, para as instituições financeiras emprestarem dinheiro ao governofederal, por meio da aquisição de títulos com o aval do Erário Nacional, afigura-se muitomenos arriscado do que fazê-lo ao particular. A par disso, o spread bancário, seja nosfinanciamentos para a aquisição de bens de capital, ampliação de planta produtiva, capital degiro e até mesmo o crédito direto ao consumidor, deveria refletir a rentabilidade alternativa daaplicação em títulos da dívida pública federal. Isto é, o ganho marginal das operações ativasdas instituições financeiras ao financiarem o particular haveria de suplantar aquele que podiaser obtido a partir do financiamento concedido ao governo federal, o que explica oengessamento e a pouca, senão nenhuma elasticidade na taxa de juros e no spread bancáriorelativamente às operações financeiras realizadas com particulares, contra os quais lobriga-seuma desvantagem inicial consistente na alavancagem dos rendimentos de que dispunha oprestamista por contratar com o governo em vez de fazê-lo com o particular. Tudo conspiraem desfavor deste.

Como não há atividade produtiva autofinanciada, ou seja, a produção de bens eserviços numa economia está irremediavelmente vinculada e dependente dos recursos deterceiros, a ausência de limite nas taxas de juros, como decidida pelos tribunais e chanceladapela Súmula n. 596 do STF, concedeu às instituições financeiras o alvará de que necessitavampara praticarem oficialmente a usura, gerando com isso uma espiral inflacionária que tem nabase uma inflação de custos (= os juros que entram na planilha com fator de produção nosdiversos segmentos econômicos), num processo que se auto-alimenta e é difícil de debelar,porquanto suscita uma intermitência de inflação de custos e inflação de demanda, num ciclovicioso.

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Figurando o governo federal como grande devedor e as instituições financeiras comoos grandes credores, pois quem quer deseje comprar títulos da dívida pública federal deveráfazê-lo por intermédio duma instituição financeira, seguindo as diretrizes por esta traçadas,seja no mercado secundário, para títulos já emitidos, seja no leilão de emissão primária,submetendo-se aos lanços ofertados pela instituição intermediária, essas entidades, ocupam edesempenham um papel antagônico aos interesses gerais. Enquanto visam maximizar seuslucros, consistentes na diferença do que pagam para captar a poupança interna e o querecebem do governo à maneira de rendimento dos títulos da dívida pública federal, a esteúltimo interessa obter financiamentos às taxas mais baixas possíveis. Forma-se uma tensãointransponível, figurando numa das pontas o governo, personificando indiretamente asociedade, posto que representa o interesse coletivo e a dívida pública onera a todos; na outraponta aparecem as instituições financeiras, cujos olhos enxergam nitidamente, imediatamenteo lucro e apenas de modo obnubilado, secundariamente, o interesse geral de crescimento edesenvolvimento econômico da Nação.

Ademais, dadas as características do mercado aberto, pode-se afirmar sem risco deerro, tratar-se de um mecanismo altamente eficiente a obstruir o sucesso de qualquer políticade redistribuição da renda e de desconcentração da riqueza nacional, à medida que os recursoscarreados aos cofres públicos oriundos da política fiscal (rectius: da cobrança de tributos e daprestação direta dos serviços públicos), os quais devido ao enorme poder de penetração doEstado, provêm de todos os agentes econômicos, qualquer que seja o segmento a que pertença,serão inexoravelmente utilizados para o serviço ou resgate da dívida pública, quase toda elaconcentrada nas mãos das instituições integrantes do SFN, fazendo assim afluir grande parteda receita nacional para os cofres particulares de uns poucos sujeitos, integrantes duma seletae diminuta casta. Não é por outra razão que o setor tem experimentado crescimentos cada vezmais espetaculares dentre todos os demais segmentos da economia nos últimos 25 anos.

Cumpre observar, mesmo após o relativo sucesso de estabilização da moeda(21)

verifica-se a inelasticidade do spread bancário e das taxas de juros encaradas ao cotejo docusto de captação das instituições financeiras. À guisa de exemplo, em novembro de 2003,enquanto o custo de captação das instituições financeiras girava em torno de 17,50% ao ano (=1,46% a.m., a juros simples), os juros cobrados no cheque especial apresentavam média de146,50% a.a. (= 12,21% a.m., a juros simples). O que bem dá a medida da usura oficialmentepraticada (os empréstimos são concedidos aos particulares a taxas quase 10 vezes superioresàs que são pagas pelas instituições financeiras para remunerar a poupança interna).(22)

Não é preciso aprofundar em mais detalhes a análise econômica para se ter certeza deque todo esse cenário seria outro, mais favorável ao País, fora diverso o rumo da decisão dosnossos tribunais quanto aos juros, caso tivessem optado pela tese mais coerente e acertada,preconizada pela corrente conservadora, vinculando inclusive o próprio governo em suasemissões para captar a poupança interna e financiar o déficit público, se ao aplicarem a Lei n.4.595/64, tivessem considerado que o limite de 12% ao ano para os juros deveria serobservado por todos, indistintamente. Os argumentos ad verecundiam, ad terrorem e dealternativa forçada, que soem ser agitados pelos que têm interesse direto na prática das altastaxas de juros não convencem, além de não se sustentarem a um exame acurado das

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circunstâncias, embora se não possa negar-lhes o forte poder de persuasão psicológica que falaà emoção, característico desses sofismas.(23)

Concluímos essa parte da análise ora exposta para repudiar o privilégio outorgadopelo STF às instituições financeiras, como que numa reedição da falta de pejo do legislador de1933 quando deixou as entidades congêneres daquele tempo fora do âmbito de incidência doDecreto n. 22.626/33. A diferença está em que naquela época o clamor popular se fez sentir eressoou nos ouvidos do legislador para promover a devida corrigenda, consubstanciada noDecreto-Lei n. 1.113/39. Nos dias de hoje, infelizmente, os homens da Justiça possuemouvidos moucos, e não se pode dizer enxergarem a realidade porquanto a Justiça é cega, masnão deveria ser surda... E os fins sociais da Lei n. 4.595/64 jamais foram seriamente cogitadosna maioria das decisões judiciais sobre o tema que ora esquadrinhamos.

7. A Constituição Federal de 1988 e os limites impostos à taxa de juros

Sobreveio a Constituição Federal, e com ela uma nova tentativa do legislador, agoraconstituinte, em limitar os juros. A fórmula encontrada foi influenciada, sem dúvida, pelasagruras vivenciadas numa economia inflacionária. Optou-se pela limitação da taxa de jurosreais, nela incluídas as comissões e quaisquer outras remunerações direta ou indiretamentereferidas à concessão do crédito, que não poderiam ultrapassar o patamar de 12% ao ano,punindo-se a cobrança acima desse limite como crime de usura, nos termos da lei (CF, art.192, § 3º, antes da alteração promovida pela EC n. 40/2003).

Estabeleceu-se, então, nova celeuma. Estaria a limitação prevista no § 3º, do artigo192 da Magna Lex sujeita à edição da lei complementar mencionada no caput do mesmoartigo? O Supremo Tribunal Federal respondeu afirmativamente ao julgar a Ação Direta deInconstitucionalidade n. 4, por maioria de votos, vencidos os Ministros Nery da Silveira,Marco Aurélio, Carlos Velloso e Paulo Brossard, impedido o Ministro Sepúlveda Pertence.Ulteriormente, o STF ratificou tal entendimento com a edição da Súmula n. 648: “A norma do§ 3º do art. 192 da Constituição, revogada pela EC 40/2003, que limitava a taxa de juros reaisa 12% ao ano, tinha sua aplicabilidade condicionada à edição de lei complementar.”

Nada obstante, a decisão da excelsa Corte não teve o condão de convencer a todos, epulularam julgados por todos os tribunais do País em que se deu eficácia a regraconstitucional, a maioria deles esposando os ponderosos argumentos expendidos nos votosvencidos daquela ADIn n. 4.

Com efeito, toda norma constitucional, segundo a moderna hermenêutica, possuieficácia jurídica imediata. Quando menos vincula a atividade legiferante. O legisladorordinário jamais poderia conceituar os juros reais em desarmonia com o que preceitua aConstituição Federal.

A par disso, assim como os juros, gênero a que pertence a espécie qualificada dosjuros reais, estes não contam com uma definição ou conceituação no ordenamento jurídico,mas antes emprestam seu conceito da ciência econômica. Mais ainda, as noções de juros e de

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juros reais são mesmo cediças, e bem se podem dizer emanam dos costumes de uma Naçãocuja economia experimenta crônico processo inflacionário. O reconhecimento do que seja,então, juro real assenta num conhecimento empírico, o que o autoriza ex vi consuetudiniscomo fonte de direito a teor do artigo 4º da Lei de Introdução ao Código Civil.

Ainda que não houvesse onde buscar, no ordenamento jurídico pátrio, um preceitoque permitisse a aplicação analógica para esclarecer a idéia de juros reais, ainda assim, oargumento do STF não convence. Juro real é juro qualificado pelo adjetivo “real”, de modoque não se pode pretender uma definição jurídica de juro real sem antes saber qual o conceitojurídico do que seja juro. Isto porque não existe em nossa ordem jurídica tal definição.Entrementes, como já se aludiu neste trabalho, o Direito apreende o conceito de juro daEconomia. Empresta desta o conceito formulado para a compreensão do juro. Pode haverdistinção jurídica quanto ao fundamento causal (causa final) do juro, que tanto pode serremuneratório, compensatório ou moratório; quanto à natureza jurídica, constituindo o juroobrigação acessória; mas não há discrepância em relação ao que seja o juro em si, no sentidoontológico, e como opera modificações no mundo fenomênico acrescendo o capital de capitalnovo.

De acordo com a LICC, arts. 4º (fontes do direito) e 5º (fins sociais a que a norma sedestina), a idéia de juro real exsurge hialina, estreme de quaisquer dúvidas como sendo todorendimento monetário decorrente da incidência de determinado percentual sobre um capitalmonetário principal que supere a mera atualização monetária, entendida esta como a correçãocapaz de preservar o poder aquisitivo da moeda, tal como já fora demonstrado linhas atrás.Assim, ajuntado o predicativo “real” à palavra juro, qualifica-se este para expressar orendimento produzido por um capital atualizado monetariamente; é o rendimento verdadeiro,puro, escoimado da degeneração causada pela inflação ou pela deflação.

Da impossibilidade de se aferir com exatidão o envilecimento da moeda advém arelatividade do juro real, que será sempre medido em relação a algum índice de correçãomonetária, sujeitando-se aos critérios de composição e cálculo deste. Isto significa quedependendo dos diferentes critérios utilizados para medir a inflação, os juros reais podemresultar positivos, ineficazes e até negativos conforme seja o índice escolhido para aatualização monetária. Daí por que esta estará sempre sujeita à revisão judicial consoante asregras da eqüidade.

Mesmo em se considerando que a norma jurídica contida no § 3º, do artigo 192 daCarta da República contém conceito jurídico indeterminado, tal o de juros reais, e que não sepode transpor para o âmbito do Direito a conceituação haurida na ciência econômica, a fortioriconstitui norma em que estão presentes todos os elementos a cometer-lhe eficácia plena,porquanto em nosso sistema jurídico incumbe ao juiz concretizar o conceito faltante, posto queexatamente nisto consiste a função jurisdicional. Essa a lição de Barbosa Moreira, citado peloeminente Ministro Carlos Velloso em seu voto: “todo conceito jurídico indeterminado ésuscetível de concretização pelo juiz, como é o conceito de boa fé, como é o conceito de bonscostumes, como é o conceito de ordem pública, e tantos outros com os quais estamoshabituados a lidar em nossa tarefa cotidiana,”(24) a que aduzimos, a Constituição Federal e onovo Código Civil prestigiam, a eles somando-se os conceitos de função social da

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propriedade, função social do contrato e o princípio da onerosidade excessiva, os quaisencontram campo fértil de aplicação em matéria de juros por extensão do que sói ocorrer noscontratos de mútuo, que laboram com a noção de propriedade resolúvel, transferindo-se apropriedade de um bem fungível, in casu o dinheiro, que deve ser restituído em igualquantidade e qualidade preenchida a condição resolutória ou termo do negócio.

Bastante incisivo e concludente foi o Ministro Paulo Brossard em seu voto quando,na linha de pensamento ora perfilada neste trabalho, assim se expressou, ad litteram: “Comose vê, não é preciso ser prêmio Nobel para saber o que seja juro real e para que se aplique anorma constitucional, que é taxativa e imperativa. Mas mesmo quando a exegese tivesse de serlaboriosa, nem por isso o juiz estaria exonerado de fazê-la. Por maior que seja a obscuridade,(embora entenda eu que na espécie exista claridade matinal no § 3º do art. 192), o juiz nãopode eximir-se de sentenciar. É princípio legal expresso. Sob pena de proceder-se àmumificação da Lei Suprema. Boa ou má ela deve ser aplicada com lealdade, até sermodificada, se for o caso, à luz da experiência” (sic).

Partindo das premissas de que: a) toda norma constitucional é cogente; b) juros reaissão o rendimento do capital cujo poder de compra se mantém estável; c) é impossível obteruma medida absoluta para a inflação de modo a precisar a perda de poder aquisitivo da moeda,pode-se afirmar que nos contratos em que as partes, por livre manifestação de suas vontades,ou ainda nos contratos de adesão, tenham inserido cláusula de correção monetária segundoalgum índice eleito para tal fim, os juros que porventura convencionarem não podem serfixados em patamar superior a 12% ao ano, aí incluídas as comissões ou quaisquer outroselementos direta ou indiretamente relacionados à concessão do crédito, pena de arrostar aConstituição Federal. Agindo desse modo, e respeitado o limite constitucional, terão as partesintegrado seu conteúdo dando máxima eficácia e aplicabilidade ao preceptivo inscrito no § 3ºdo artigo 192. Evidentemente que o corretor monetário adotado poderá ser revistojudicialmente a qualquer tempo, imperativo dos princípios hoje consagrados em nossosistema, quais sejam os da função social da propriedade e do contrato, da lesão enorme, daonerosidade excessiva entre outros, que exaltam a eqüidade.

Substancioso ainda o argumento coligido pelo Ministro Nery da Silveira, segundo oqual tamanho é o poder revisional do juiz que, houvesse o legislador ordinário editado a leicomplementar dando maior concretitude jurídica ao conceito de juros reais, mesmo assim opreceito infraconstitucional submeter-se-ia ao controle jurisdicional da constitucionalidade,porquanto poderia estar a restringir o comando da Lei Maior, o que seria inadmissível. Ouseja, o conceito de juro real que porventura viesse a ser editado pelo legislador ordinário, emlei complementar, para disciplinar o artigo 192 da Carta Superior, submetido ao crivo críticodo juiz, poderia ser revisto e até declarado inconstitucional. Este o golpe final contra oargumento em prol da necessidade de lei complementar para cometer eficácia ao § 3º, doartigo 192 da Constituição Federal.

Diante destes fundamentos, parece-nos que para os contratos celebradosanteriormente à Emenda Constitucional n. 40/2003, persiste válido o preceito limitativo dosjuros reais estabelecido na Norma Ápice, a despeito da Súmula n. 648 — que por sorte aindanão é vinculante —, desde que haja, na avença, cláusula estipulativa de correção monetária.

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Sendo esse o contexto, afigura-se-nos inadmissível a convenção de juros superiores a 12% aoano, sob o regime de capitalização linear (rectius: a juros simples), neles inclusas todas asremunerações e comissões direta ou indiretamente relacionadas à concessão do crédito,atendendo-se assim à exigência constitucional do respeito ao ato jurídico perfeito secundadopela aplicação do princípio da ultratividade da norma.

Equivocado o argumento ad verecundiam que apregoa a impossibilidade em setabelarem os juros (rectius: a taxa de juros), os quais devem ser deixados livres para flutuar aosabor dos interesses egoístas que interferem no jogo do “mercado,” como se o mercado fosseuma autoridade deificada, um mito, ente transcendental e por isso mesmo inatingível eincontrolável.

Obviamente que a função do direito é interferir na ação do homem, seja ela qual for.Seus desideratos não estão imunes à atuação da lei. Serve esta para balizar os lindes docomportamento das pessoas, do contrário seria o direito instrumento da dominação, dodespotismo, do jugo e não da liberdade.

Tanto é assim que o princípio da autonomia da vontade, inicialmente respaldado naforça do aforismo pacta sunt servanda sofreu seu primeiro abalo com a operosidade dacláusula rebus sic stantibus, e o segundo com o reconhecimento da inafastabilidade decláusulas gerais tais como a função social da propriedade e a função social do contrato, aonerosidade excessiva, dentre outras. Assim combalido, apenas não foi totalmente solapadoporque ainda possui lugar de proeminência no comércio jurídico, devendo, enquanto princípioinformativo, conviver com estoutros que lhe impõem certos limites. Numa só palavra, aautonomia da vontade verga-se diante desses princípios superiores sempre que disso dependera paz e a justiça social almejadas pelo Direito. E o tema sobre a magnitude da taxa de jurosneles subsume-se com igual reverência.

8. Os juros no novo Código Civil

Refletindo a experiência de quase um século, o novo Código Civil disciplinou osjuros de modo peculiar.

O artigo 591 admite às partes liberdade para convencionarem os juros, limitados àtaxa prevista no artigo 406, que reza: “quando os juros moratórios não forem convencionados,ou o forem sem taxa estipulada, ou quando provierem de determinação da lei, serão fixadossegundo a taxa que estiver em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos à FazendaNacional.”

A primeira vista pode parecer que os juros moratórios quando convencionados não sesujeitam a nenhum limite, o qual somente ocorrerá ante a ausência de ajuste pelas partes,hipótese em que serão aferidos segundo a taxa vigente para a mora do pagamento de impostosdevidos à Fazenda Nacional.

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Parece-nos que não é assim. O artigo 406 não pode ser lido isoladamente, pena de sepromover grave distorção de seu conteúdo legal ao lume dos demais dispositivos regulatóriosda mora, das perdas e danos e dos juros remuneratórios.

Em primeiro lugar, juros de mora têm natureza indenizatória. E como se viu nestetrabalho, equivocam-se os que pretendem atribuir-lhe uma natureza punitiva. Não têm nada depena. Quando muito assimilam-se ora aos juros remuneratórios, ora aos compensatórios. Masnão representam uma sanção pelo descumprimento da obrigação, função reservada à penaconvencional (= cláusula penal).

Contra a exegese que atribui aos juros moratórios natureza penal milita ainda ainexistência de dispositivo legal que autorize pensar possam os juros moratórios exercer afunção de pena. Ao invés disso, provado que os juros moratórios são insuficientes para reparartodo o prejuízo incorrido pelo credor em conseqüência da inexecução da obrigação pelodevedor, é a pena convencional que se convola em indenização, experimentando umatransmutação em sua natureza jurídica (CC, art. 404, parágrafo único), que de cláusula penalpassa a compensação por perdas e danos. Toda pena representa um elemento de punição edesestímulo ao devedor desidioso, um plus que a lei concede ao credor acrescendo-lhe opatrimônio mediante o correspondente desfalque no do devedor, sem que nisto haja qualquercompensação para restaurar o equilíbrio da relação jurídica perturbado com a mora.

Em síntese, a pena convencional gera um dano para o devedor e um ganho extra parao credor, diferentemente dos juros moratórios que se destinam a restaurar o equilíbrio violadoda relação jurídica, reparando os prejuízos, inda que presumidos, experimentados pelo credordurante o tempo em que perdura o atraso ou o cumprimento ruim da prestação pelo devedor.Contudo, a pena convencional, estabelecida em cláusula penal, perde o caráter punitivo nahipótese de o credor demonstrar que os prejuízos padecidos superam a só produção dos jurosmoratórios. Neste caso o novo Código considera a pena convencional como suplementoindenizatório, porquanto só admite ao credor postular reparação adicional se não houver sidoconvencionada nenhuma sanção.

Os juros de mora cumprem uma finalidade e se guarnecem de presunção juris et dejure (CC, art. 407), sendo devidos em qualquer hipótese de inexecução: 1) nas obrigaçõesexclusivamente pecuniárias, visam a ressarcir o credor dos prejuízos que sofre com a mora,hipótese em que os juros moratórios assimilam-se aos remuneratórios por força do que dispõeo artigo 403, pois nesta espécie obrigacional os prejuízos efetivos e os lucros cessantes porefeito direto e imediato do inadimplemento consistem precisamente nos juros por que o capitalmonetário poderia ser aplicado durante o período do atraso, sem embargo das custas ehonorários advocatícios, caso o credor tenha neles incorrido; 2) para as demais obrigaçõeseconomicamente apreciáveis, os juros moratórios apresentam-se com as vestes dacompensação para restabelecer o equilíbrio dos patrimônios envolvidos, presumindocorretamente a lei a necessidade da incidência de juros para repor os prejuízos decorrentes daprestação corrompida, porquanto esta renderia ao credor, no mínimo, os juros de mora paraperíodo que medeia o momento em que deveria ter sido paga e aquele em que ocorre o efetivopagamento.

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Essa a ilação advinda da leitura conjunta dos artigos 389, 394, 395, 403, 404, 406 e407 do novel estatuto de direito privado.

Como os juros remuneratórios cingem-se aos juros moratórios legais, não podendoultrapassá-los sob pena de redução ou repetição do indébito no caso de terem sido pagos amais, e sendo os juros moratórios vocacionados a ressarcir os prejuízos que da mora sobrevêmpara o credor, é razoável inferir que tais prejuízos, na extensão do comando inscrito no artigo403 do Código Civil, não podem superar os juros remuneratórios, que por sua vez sãolimitados pela magnitude dos juros moratórios legais, havendo aí um momento deequivalência entre uns e outros. Vale dizer, os juros moratórios mesmo convencionados, nãopodem ser superiores aos juros remuneratórios, pena de redução, posto que qualqueracréscimo representará um excesso de remuneração coibido na lei (CC, art. 591), já que ocapital monetário não pode render juros superiores aos juros moratórios legais. E isto ésuficiente para impor um limite também aos juros moratórios convencionais, tal a inteligênciacom que os dispositivos do Código se harmonizam.

Destarte, aquela primeira impressão que deflui duma leitura escoteira do artigo 406,segundo a qual haveria liberdade plena para se contratar a taxa de juros moratórios, nãoencontra supedâneo na sistemática do novo Código.

Avulta, os artigos 389, 395 e 404, caput permitem concluir serem os juros de morado tipo pós-fixados, incidindo sobre o capital atualizado monetariamente. Segundo já restouevidenciado aqui, juros pós-fixados equivalem a juros reais, deslocando-se a questão dessaefetividade (ou realidade) para a pertinência ou legitimidade do índice de correção monetáriaaplicado. Nele reside a tônica da efetividade do rendimento proporcionado pela incidência dosjuros moratórios enquanto elemento ressarcitório das perdas diretas e imediatas sofridas pelocredor. Quanto mais próximo estiver da inflação real, maior será a eficácia dos jurosmoratórios em refletir a reparação ideal pelos danos que a mora lhe houver infligido.

Do fato de os juros moratórios serem do tipo pós-fixados — ou reais — não decorrenenhuma incompatibilidade com a possível convenção que fixe os juros remuneratóriossegundo uma taxa pré-fixada. Nestas hipóteses a taxa estará inexoravelmente sujeita a revisão,judicial ou amigável, para ser ajustada à medida legal, dado que a corrosão do poder decompra do capital monetário não se mede a priori, mas invariavelmente ex post facto. Destemodo, verificada a inflação no período de abrangência dos juros convencionados, será eladescontada para revelar o quantum de juros é efetivamente devido. Superando estes a medidalegal, surgirá em benefício do devedor o direito de redução ou repetição se já os houverpagado. Na hipótese contrária, suportará o credor o ônus da estimativa a menor, recebendomenos do que poderia receber em outras circunstâncias, pois a lei estabelece limite máximo,não mínimo, sendo ele quem deve suportar o risco da taxa pré-fixada.

Controvertida também é a questão de se saber desde quando começam a fluir os jurosmoratórios. Parte da doutrina preconiza ser o dies a quo da fluência aquele em que ocorre acitação inicial, forte na dicção do artigo 405 do Código Civil, em qualquer caso.(25)

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Nada obstante os respeitáveis argumentos em prol desse entendimento, delesdissentimos. Considera-se em mora o devedor que não efetuar o pagamento e o credor que nãoquiser recebê-lo no tempo, lugar e forma que a lei ou a convenção estabelecer (CC, art. 394), eo devedor responde pelos prejuízos que sua mora der causa, mais juros, atualização monetária,segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, e honorários de advogado (CC, art. 395).A par disso, nas obrigações positivas e líquidas constitui-se pleno jure em mora o devedordesde o advento de seu termo (CC, art. 397, caput). Não havendo termo prefixo, será eleconstituído em mora mediante interpelação judicial ou extrajudicial (CC, art. 397, parág.único).

Logo, os efeitos da mora se produzem e fazem sentir desde o vencimento ou a partirda interpelação, judicial ou extrajudicial, quando não houver termo estabelecido para ocumprimento da obrigação, no caso das obrigações positivas e líquidas. Apenas na segundahipótese, tratando-se de interpelação judicial, incide a regra do artigo 405. Do contráriorestariam emasculadas as normas referentes aos juros moratórios cujo escopo é assegurar seucaráter indenizatório, as quais restariam sem nenhuma serventia. Numa palavra, seriam letramorta.

Acentua Pontes de Miranda, os juros “contam-se sobre o capital… a partir da citaçãoinicial, se não houve mora anterior. Os juros moratórios correm da mora.”(26)

Rememore-se, os juros de mora cumprem uma finalidade: visam a indenizar osprejuízos sofridos pelo credor e decorrentes do descumprimento ou mau adimplemento daobrigação pelo devedor. Este responde pelas perdas e danos oriundos da inexecução daobrigação que lhe incumbia (CC, art. 389). Assim, os artigos 394 e 395 reforçam o conteúdodo artigo 389, pois nas obrigações positivas devedor em mora é, na dicção do artigo 394,aquele que deixou de cumpri-la no tempo, lugar e forma convencionados. Por essa razãoresponde pelos prejuízos originados do descumprimento. Nas obrigações negativas o devedorincorre em mora desde o dia em que praticou o ato a que se devia abster (CC, art. 390),porquanto exatamente daí reputa-se inadimplente.

Assim, partindo-se da premissa de que se trata de obrigação positiva e líquida, váriassão as hipóteses: 1) deve ser prestada em termo certo e há estipulação de incidência de jurosmoratórios, prevendo-se, outrossim, como devem ser calculados; 2) possui vencimentodeterminado e há previsão de incidência de juros de mora, sem no entanto fixar-lhes a taxa porque se produzirão; 3) conquanto haja termo certo para efetuar-se o pagamento, não contém aobrigação qualquer alusão aos juros de mora; 4) inexistente termo certo para o devedor efetuarsua prestação, há previsão de incidência dos juros moratórios segundo determinada taxa; 5) aobrigação não possui data de vencimento, mas está prevista a incidência de juros de mora,sendo silente quanto à taxa; 6) não há termo certo preestabelecido para o pagamento daprestação, nem qualquer referência aos juros de mora.

Na primeira hipótese incide a regra do artigo 397, caput, combinado com o artigo395, caput, observando-se o limite previsto na segunda parte do artigo 406. Os juros corremdesde o vencimento da obrigação impaga, segundo a taxa convencionada. Nas segunda eterceira hipóteses, atua, outrossim, o artigo 397, caput, em conjunto com o artigo 395, caput e

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a segunda parte do artigo 406. Fluem os juros desde o termo da obrigação descumprida, deacordo com a taxa legal, qual seja aquela que estiver em vigor para a mora do pagamento dosimpostos devidos à Fazenda Nacional.

A quarta possibilidade indica uma obrigação para a qual não foi convencionado odies ad quem da própria obrigação. Nesse caso aplica-se o artigo 331, podendo o credor exigira prestação do devedor em qualquer tempo e imediatamente, salvo disposição legal emcontrário. A interpelação do devedor para que efetue o pagamento fixa o termo da obrigação eo constitui em mora caso não a cumpra (CC, art. 397, parág. único), podendo o credorproceder à interpelação judicial ou extrajudicialmente. Como a premissa é de que no bojo daobrigação existe cláusula estipulativa de juros moratórios e da respectiva taxa, estes correrão apartir do inadimplemento, considerando-se como dies a quo o termo fixado pelo credor aoexigir o pagamento. Aqui têm operosidade o parágrafo único do artigo 397 e o artigo 395,caput, sem descurar o limite legal previsto no artigo 406 para a taxa convencionada.

Nas duas últimas hipóteses ventiladas, fixa-se o termo inicial da fluência dos jurosmoratórios de modo idêntico ao da anterior, ou seja, por meio da interpelação do devedor parapagar (CC, art. 397, parág. único). Os juros de mora (CC, art. 395, caput), no entanto, serãoaqueles previstos na segunda parte do artigo 406.

Dois pontos importa ressaltar: primeiro, não tendo a obrigação termo certo, ainterpelação do devedor exigindo-lhe o pagamento é a mesma que o constitui em mora,porquanto reflete ato inequívoco do credor em exigir a satisfação de seu crédito. Não tendoeste estabelecido na interpelação uma data certa para que o devedor cumpra sua prestação,deve considerar-se que o pagamento seja imediato (CC, art. 331), tão logo recebida ainterpelação, correndo daí os juros moratórios, desnecessária outra interpelação para o fimexclusivo de constituí-lo em mora; segundo, a ausência de cláusula estipulando a incidência dejuros moratórios não infirma a obrigação de pagá-los. Os juros moratórios são devidos mesmoquando não tenham sido convencionados pelas partes (CC, art. 406, 1ª parte) e ainda que ocredor não alegue prejuízo (CC, art. 407), ex vi legis.

Quando se tratar de dívida ilíquida, é razoável dizer-se que in iliquidis non fiat mora,do que resulta o devedor somente será considerado inadimplente depois de ter conhecimentodo montante de sua prestação. Nessa hipótese os juros moratórios apenas correrão a partir daliquidação. Destarte, “a) se houve estipulação de juros e do início da fluência, o art. 405 doCódigo Civil não incide, porque é ius dispositivum; b) se houve estipulação de juros sem iníciode fluência, entendem-se moratórios e somente fluem da citação inicial; c) se não houveestipulação de juros, os juros moratórios somente fluem da citação inicial”(27) (sic).

Conclui-se que a citação inicial somente será considerada como marco da fluênciados juros moratórios nas hipóteses em que seja o processo utilizado para constituir o devedorem mora, ou em se tratando de dívida ilíquida a qual requeira liquidação judicial. Ressalve-se,como muito bem alvitrado por Caio Mário da Silva Pereira, conquanto seja ponderável afirmarque o devedor que ignora o quantum debeatur não pode ser obrigado a pagar juros de mora,pois estes se contam sobre algo ainda desconhecido, não se pode negligenciar a hipótese deque o desconhecimento da dívida fora adrede manipulado para protelar injustamente seu

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pagamento, oferecendo iníqua resistência à pretensão do credor. Evidentemente, neste caso odevedor ultraja a boa fé objetiva e, movido por um espírito emulativo, constitui-se emimprobus litigator, não sendo admissível aproveitar-se da dilação do processo para pagar osjuros moratórios somente depois da sentença de liquidação.(28)

Examinadas todas essas questões, os operadores do direito vêm-se atormentadosainda por uma outra, decorrente da inovação introduzida pelo artigo 406, segunda parte, asaber: qual a taxa legal de juros?

Apregoam uns, tal taxa deve ser aquela prevista no artigo 161, § 1º, do CódigoTributário Nacional (Lei 5.172, de 25/10/1966), ou seja, 1% ao mês, ou 12% ao ano. Outros,entendem que a taxa em vigor para a mora do pagamento dos impostos devidos à FazendaNacional é a famigerada taxa Selic, por força das disposições das Leis 8.981/95, 9.065/95 e9.250/95.

A discussão se não cinge apenas em saber qual a taxa aplicável, porquanto apóssaber-se qual a taxa legal dos juros de mora, emerge outra questão: no caso de a taxa legal seruma no momento em que o devedor é constituído em mora, e outra no momento em que saldarsua dívida, por qual delas deverão ser calculados os juros moratórios? E se durante a moraocorrer uma pluralidade de taxas legais diversas?

Quanto a primeira questão, saber qual a taxa de juros moratórios reputar-se-á legal,duas são as ordens de idéias a serem analisadas: a primeira, à luz do direito tributário, épreciso esquadrinhar a taxa instituída à moda de verificar sua legalidade formal e material; asegunda, determinado que a taxa instituída é válida para a mora do pagamento dos impostosdevidos à Fazenda Nacional, impende cotejá-la com as demais prescrições do Código Civil afim de saber se se harmoniza com seus preceitos ou se ao invés, com eles enceta testilha, o quetorna sua aplicação inviável porquanto se não pode admitir abale os princípios informadoresdo estatuto de direito privado. Examinamos estes aspectos com maior detenção nos itensseguintes.

Relativamente à segunda quaestio juris, não nos parece realmente tormentosa asolução. Defender que seja a taxa em vigor no momento em que o devedor se constitui emmora pode significar uma exasperação dos prejuízos infligidos ao credor caso essa taxa seja,ulteriormente, majorada, bem como excruciar o devedor na hipótese contrária. Raciocínioanálogo pode ser acenado para o caso de se advogar a prevalência da taxa em vigor nomomento em que o devedor quitar sua dívida. Conseguintemente e por imperativo daeqüidade, advém da razão que os juros moratórios se contem sobre o capital principal segundoa taxa em vigor nos sucessivos momentos por que perdure a mora, respectivamente. Assim, seno dies a quo a taxa legal era x% e algum tempo depois, persistindo a mora, passou a y%, quese manteve até a data do efetivo adimplemento, os juros moratórios calcular-se-ão segundo aincidência de x% no período em que estava em vigor, e por y% ao depois. Cremos com issoestar oferecendo a solução eqüitativa que a hipótese reclama.

Por derradeiro, o novo Código proíbe o anatocismo (art. 591, in fine), a contagem dejuros sobre juros, salvo a capitalização anual. Esta deve ser entendida como a incorporação ao

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capital principal dos juros vencidos após o transcurso de um ano. O ano civil é aquele queexpira no dia de igual número do de início, ou no imediato, se faltar exata correspondência,segundo a regra do § 3º, do artigo 132 do mesmo codex.

Nada obstante a vedação contida no artigo 591, pode ocorrer de a capitalização serpermitida em casos específicos por lei extravagante, em períodos inferiores ao anual. Opróprio Código acena para essa possibilidade quando, no artigo 206, § 3º, n. III, prevê o prazoprescricional de três anos para a pretensão de haver juros, dividendos ou quaisquer prestaçõesacessórias, pagáveis, em períodos não maiores de um ano, com capitalização ou sem ela. Bemse vê, abre a possibilidade de os juros serem capitalizados, isto é incorporados ao capitalprincipal para contarem juros no período seguinte, em prazos inferiores ao anual. A disposiçãosob comento é expressa ao considerar e autorizar a pretensão de haver juros capitalizadospagáveis em períodos inferiores ao ânuo, valendo dizer, juros que se vencem em períodoequivalente a uma fração do ano. Portanto o anatocismo não está proscrito do ordenamentojurídico de forma absoluta. Desde que instituído por norma legal será válido e eficaz, sendolegítima a pretensão do credor em recebê-los. Inadmissível, contudo, que seja convencionadopelas partes sem respaldo em lei especial.

A omissão do novo Código aliada à revogação do § 3º, do artigo 192, daConstituição Federal, leva-nos a crer que os juros devam ser considerados em sua pureza,líquidos. Por outro falar, as comissões, impostos e demais encargos que oneram a concessãodo crédito, ou mesmo o contrato de mútuo — máxime depois do acórdão, data veniaequivocado, que julgou o REsp n. 522294/RS, da lavra da emérita Ministra Eliana Calmon,proferido à unanimidade pela Segunda Turma do STJ, em que se entendeu incidir IOF noscontratos de mútuo entre empresas do mesmo grupo, inda que não se tratem de instituiçõesfinanceiras integrantes do Sistema Financeiro Nacional —, podem ser cumulados com a taxade juros. Esta, expurgada de todos os encargos é que não poderá exceder o limite legal fixadono artigo 406. Destarte, juros, na acepção que lhe empresta o novo Código Civil, são juroslíquidos, o rendimento puro do capital, segundo o que já se estabeleceu acima. Sem dúvida aomissão do Código abre largo espaço para se burlar o limite legal da taxa de juros queestabelece, sob o pálio da cobrança de encargos e comissões de natureza vária. Isso implicaque deverá ser combatido com rigor, a fim de desestimular a cobrança disfarçada de jurosacima do limite legal. Assim, só se devem permitir os encargos vinculados a obrigaçõesderivadas da própria obrigação de pagar juros (v.g., impostos ou taxas devidas ao Fisco),jamais aqueles que aproveitem diretamente ao credor, como e.g., quando assumem a forma dedesmembramento da receita para estabelecer uma correlação mais estreita com as despesas, oua qualquer outro título.

Outrossim, pode incidir juros de mora sobre os juros remuneratórios oucompensatórios vencidos e impagos. Não há nisso anatocismo, nem cumulação, comoequivocadamente pretendem alguns. Os juros vencidos revestem-se de exigibilidade e,manifestando o credor interesse em recebê-los, despregam-se da obrigação principal ou nela sesomam caso o inadimplemento se verifique também em relação a esta última. Assim, os jurosvencidos e não quitados pelo devedor, passam então a render juros de mora e nisso não há nemanatocismo nem cumulação. Não rendem juros remuneratórios ou compensatórios maismoratórios, senão apenas acrescem pela mora de seu pagamento. É o montante dos juros

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remuneratórios ou compensatórios vencidos que se sujeita à atualização monetária eincidência de juros de mora. Pensar diversamente seria premiar o devedor faltoso permitindo-lhe que deixe de pagar a obrigação de juros enquanto aplica seu capital a fim de aproveitar orendimento, locupletando-se à custa do credor, que receberia seu crédito depois de decorridoalgum tempo, portanto deteriorado em seu poder aquisitivo, a par de sofrer as perdasreferentes aos lucros cessantes atinentes aos juros vencidos a que faz jus.

Portanto, segundo as definições aqui estabelecidas, é possível contar juros de morados juros remuneratórios ou compensatórios vencidos e impagos, sem que isto signifiquehaver anatocismo ou cumulação.

9. A taxa Selic: sua formação e o mercado financeiro

A taxa Selic foi formalmente referida pela primeira vez na Resolução n. 1.124, de15/05/1986, do Conselho Monetário Nacional, conquanto somente tenha sido formalmente“batizada” com a denominação por que hoje é conhecida, por meio da Circular n. 2.868, de04/03/1999.

Exteriorizou sua definição a Resolução n. 1.124/1986, art. 2º, § 1º como “a taxamédia ajustada dos financiamentos apurados no Sistema Especial de Liquidação e de Custódia(Selic) para títulos federais, divulgada pelo Banco Central do Brasil, calculada sobre o valornominal pago no resgate do título.” As Circulares ns. 2868, de 04/03/1999, e 2.900, de24/06/1999, batizando-a, definiram-na formalmente: “define-se taxa Selic como a taxaajustada dos financiamentos diários apurados no Sistema Especial de Liquidação e deCustódia (Selic) para títulos federais.”

Em virtude da ligeira discrepância nas definições oferecidas pela Resolução n. 1.124e pelas Circulares ns. 2.868 e 2.900, poder-se-ia argumentar coube a estes últimosregulamentos definirem efetivamente o que seja a taxa Selic como é conhecida nos dias atuais,ou que a alteração da definição por eles promovida é ineficaz porque uma Circular não podealterar o conteúdo de uma Resolução, haja vista a hierarquia existente entre esses doisespécimes de regulamento administrativo da autoridade monetária, subordinando-se a primeiraà segunda. Todavia essa discussão afigura-se-nos estéril, porque não nos conduzirá a nenhumlugar ao sol.

O fato é que a taxa Selic existe, foi instituída pela autoridade e define-se de formainteligível como sendo “a taxa apurada no Selic, obtida mediante o cálculo da taxa médiaponderada e ajustada das operações de financiamento por um dia, lastreadas em títulospúblicos federais e cursadas no referido Sistema na forma de operações compromissadas.”(29)

Esclarece ainda o Banco Central do Brasil (Bacen), por operações compromissadas entendem-se aquelas de venda e compra de títulos públicos federais, com compromisso de recompraassumido pelo vendedor, conjugadamente ao compromisso de revenda assumido pelocomprador, para liquidação no dia útil subseqüente.(30)

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Dada a definição da taxa Selic, o Bacen divulga a fórmula por que deve ser calculadasob a forma de taxa efetiva, a saber:

diaaoV

VL

n

jj

n

jjj

oo

×

=

= 1001

1

1 (31)

Onde, ∑ = função somatória; Lj = fator diário correspondente à taxa da j-ésimaoperação; Vj = valor financeiro correspondente à taxa da j-ésima operação; n = número deoperações que compõem a amostra. Elucida ainda que a amostra constitui-se do universo dasoperações de financiamento dos títulos públicos federais realizadas por um dia, excluídasaquelas consideradas atípicas, assim entendidas: a) no caso de distribuição simétrica, 2,5% dasoperações com os maiores fatores diários e 2,5% das operações com os menores fatoresdiários; b) no caso de distribuição assimétrica positiva (para a direita), 5% das operações comos maiores fatores diários; c) no caso de distribuição assimétrica negativa (para a esquerda),5% das operações com os menores fatores diários.(32)

A par desses esclarecimentos, o Bacen fornece ainda, com louvável didática, osseguintes comentários acerca da taxa Selic, verbis:

“Do exposto podemos concluir que a Taxa Selic se origina de taxas de jurosefetivamente observadas no mercado.

As taxas de juros relativas às operações em questão refletem, basicamente, ascondições instantâneas de liquidez no mercado monetário (oferta versus demandade recursos). Estas taxas de juros não sofrem influência do risco do tomador derecursos financeiros nas operações compromissadas, uma vez que o lastro oferecidoé homogêneo.

Como todas as taxas de juros nominais, por outro lado, a Taxa Selic pode serdecomposta ‘ex post’, em duas parcelas: taxa de juros reais e taxa de inflação noperíodo considerado.

A Taxa Selic, acumulada para determinados períodos de tempo, correlaciona-sepositivamente com a taxa de inflação apurada ‘ex post’.”(33)(34)

A partir desses elementos é possível empreender uma análise da taxa Selic para bemcompreendê-la.

Examinando a fórmula em seu conteúdo matemático e as explicações oferecidas pelaautoridade monetária percebe-se que se trata de uma medida central de análise da liquidez dosistema bancário.

Definida como a média ajustada das operações de financiamento por um dia para ostítulos públicos federais, expressa na verdade a média dessas taxas ponderadas pelosrespectivos volumes, para as operações de financiamento lastreadas em títulos públicosfederais, sendo o ajuste a que se refere a definição aquele que expurga do cômputo da taxamédia 2,5% das operações com os maiores fatores (taxas) diárias e 2,5% das operações com os

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menores fatores, quando se tratar de distribuição simétrica; ou, 5% das operações com osmaiores fatores, ou das operações com os menores, quando a distribuição for assimétricapositiva ou negativa, respectivamente. O ajuste a que alude a nota explicativa do Bacen visa aescoimar o espaço amostral de onde são extraídas as diversas taxas praticadas e compositivasda taxa média, das anomalias porventura ocorrentes durante o dia de negociações no mercadoaberto, e o percentual utilizado, 2,5% nas duas pontas quando a distribuição se apresentarsimétrica e 5% numa das pontas quando for assimétrica com deslocamento para a esquerda oupara a direita, é determinado empiricamente, por meio da observação do que sói ocorrer naprática. Com isso abranda-se eventuais distorções para se obter uma medida mais próxima darealidade. Não passa de técnica da Estatística.(35)

Embora seja possível realizar operação de financiamento de título público federaldiretamente com clientes, essas operações não se incluem no cálculo da taxa Selic, restrito àsoperações realizadas no mercado interbancário, isto é, às operações de troca de reservabancária, que na verdade não passam de operações para financiar a aquisição de títulospúblicos federais por um dia útil.

A taxa Selic é calculada diariamente. O resultado da fórmula acima apresentadafornece a taxa por dia útil. A taxa mensal, que é a que nos interessa, porquanto é ela utilizadaex vi das disposições contidas nas Leis ns. 8.981/95, 9.065/95 e 9.250/95, sobre a qual recainossa análise devido à sua transposição para o âmbito do novo Código Civil (art. 406), obtém-se a partir da multiplicação dos fatores equivalentes às diversas taxas diárias, estas calculadassegundo a fórmula acima. Representam portanto um juro capitalizado em que o anatocismo édiário!!!

Calcula-se, pois, a taxa Selic mensal mediante a seguinte fórmula:

mêsaoV

VLz

w

w

n

jj

n

jjj

oo

×

∏∑

∑=

=

= 10011

1

1

Onde, Π = função produtória; z = número de dias úteis no mês;(36) os demaiselementos são aqueles já explanados linhas atrás e que entram na composição da taxa médiadiária, ou taxa Selic diária.

Cumpre aqui fazer uma breve digressão a respeito do funcionamento do mercadoaberto, a fim de esclarecer a inteligência sobre o fenômeno consistente nas operações queoriginam a taxa Selic e assim avaliar melhor suas repercussões no mundo jurídico.

As instituições financeiras integrantes do SFN, ex vi do que dispõem as Resoluçõesn. 2.099, de 17/08/1994 e n. 2.837, de 30/05/2001, podem aplicar recursos num volume até 30vezes superior a seus patrimônios reajustados (PR) — que sói ser maior do que o respectivopatrimônio líquido contábil (PL) — em operações compromissadas com lastro em títulos

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públicos federais. Isto significa, cada instituição financeira pode aplicar seus recursos livres naaquisição de títulos públicos em volume até 30 vezes seu PR.(37)

Há aquelas que montam um portfolio sem ter recursos suficientes para pagar acompra dos títulos adquiridos. Suprem essa falta de recursos financiando esses mesmo títulosno mercado interbancário e rolando diariamente a dívida, de modo que tudo se passa como senão tivessem os títulos, já que as operações são realizadas sob a modalidade de venda ecompra com compromisso de recompra e revenda. O lucro dessas instituições será a diferençaentre o custo de aquisição, nele incluído o custo de financiamento, e o valor de resgate dotítulo na data do seu vencimento, a ser pago pelo governo federal. Logrando ter financiado acarteira do modo que o rendimento dos títulos lhe seja superior, lucrará. Caso contrário, se ofinanciamento, ao final apresentar-se superior ao rendimento dos títulos, terá prejuízo.

Este raciocínio aplica-se inclusive para os títulos públicos federais que pagam, comorendimento a própria taxa Selic (e.g. LFT). Neste caso o risco da instituição está em conseguirfinanciar sua carteira abaixo da taxa Selic, a qual, como se viu, representa a taxa média dastaxas de financiamentos por um dia útil.

Na prática as instituições financeiras adotam uma política de otimização derendimento de seus recursos disponíveis ou reservas livres, de modo que não mantêm encaixetécnico de um dia para outro além das necessidades estritas para os pagamentos que devamefetuar. Assim, aquelas que verificam haver sobra de recursos livres, buscam aplicá-losfinanciando outras por meio de operações compromissadas lastreadas em títulos públicosfederais. Outras, detentoras de carteiras compostas desses títulos, quando precisam de recursosporque lhes faltam para cumprirem seus pagamentos do dia, obtêm-nos financiando seustítulos ou parte deles, ou seja, tomam dinheiro no mercado interbancário valendo-se dasoperações compromissadas de venda e compra dos títulos que possuem. Essa a dinâmica domercado aberto interbancário, que aqui expomos à maneira bem simplificada para permitir oentendimento de como é formada a taxa Selic.

10. Razões da ilegalidade e inaplicabilidade da taxa Selic sob o regime jurídico do novoCódigo Civil

A aplicabilidade da taxa Selic como limite máximo a ser observado nas convençõessobre juros remuneratórios e moratórios nos contratos privados, bem como nos casos de juroscompensatórios e moratórios legais, impõe proceder à análise quanto a sua legalidade formal ematerial, primeiro para se saber de sua pertinência como taxa de juros de mora para opagamento dos impostos devidos à Fazenda Nacional(38) e impagos na data do respectivovencimento; segundo, se é compatível com as regras estatuídas pelo novo Código Civil, àguisa de determinar a extensão da transposição que se opera por força do artigo 406.

Imposto é espécie de tributo. Desse modo, a taxa legal prevista no artigo 406 do novoCódigo será aquela em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos à FazendaNacional. Não servirão outras, a não ser as que se pratiquem para os impostos. Assim,

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imprestáveis as taxas de juros utilizadas para a mora do pagamento das taxas ou contribuiçõesporque espécies tributárias diversas daquela a que se refere expressamente o artigo 406.

Como cada imposto é instituído por lei específica, surge a primeira dificuldade:havendo uma pluralidade de taxas de juros moratórios para os distintos impostos cobradospela Fazenda Nacional, qual delas será aplicável para os efeitos do artigo 406 do novoCódigo?

A resposta parece ser a taxa de juros mais elevada. Havendo várias taxas de jurosmoratórios, uma para cada imposto cobrado, todas são igualmente válidas. A lógica impõeentão que se considere como taxa legal a mais elevada. A razão é mesmo singela e direta. Oartigo 591 estabelece um limite máximo, determinado pela taxa cobrada pela mora dopagamento dos impostos devidos à Fazenda Nacional. Ora, ante a existência de umapluralidade de taxas, todas válidas e eficazes, não tem sentido pretender que o limite a que serefere o artigo 591 seja inferior à maior taxa em vigor que pode ser cobrada pela FazendaNacional para um ou alguns dos impostos a ela devidos.

Destarte, o fato de poderem coexistir diversos impostos, sendo válida para cada qualuma taxa de juros moratórios distinta, não representa óbice a que seja a maior delas reputada olimite máximo referido no artigo 591, e portanto, a taxa a ser transposta para o âmbito doCódigo Civil ex vi do artigo 406.

Entanto, a taxa de juros moratórios a serem cobrados pela Fazenda Nacional deve serplenamente instituída por lei à guisa de atender ao princípio da legalidade, garantiaconstitucional insculpida no artigo 5º, inciso II, da Carta da República.

O § 1º do artigo 161 do Código Tributário Nacional (CTN - Lei 5.172/66), dispõeque “se a lei não dispuser de modo diverso, os juros de mora são calculados à taxa de um porcento ao mês.” A dicção deste preceito legal harmoniza-se com o que dissemos acima,possível a convivência entre duas ou mais taxas de juros moratórios distintas, cada qual comsupedâneo legal no diploma específico relativamente a determinado imposto, sendo a maiordelas aquela que se reputará a taxa legal para os efeitos do novo Código Civil. Portanto,havendo multiplicidade de taxas de juros moratórios para a diversidade dos impostos cobradospela Fazenda Nacional, em relação a estes não terá aplicabilidade o § 1º do artigo 161 do CTNporque prevalecem as disposições especiais referentes a cada um dos impostos em vigor.Quando mais não fora, na hipótese de o § 1º do artigo 161 do CTN conviver com outrosdispositivos legais que disciplinem taxas de juros moratórios várias, próprias de impostosdistintos, continuará válido o raciocínio retrodesenvolvido, prevalecendo a maior delas para osefeitos de transposição para o âmbito do Código Civil.

Alvitre-se, no entanto, qualquer que seja a taxa, deve estar respaldada na lei.Impende seja criada e estabelecida por lei. Mas isto não acontece com a taxa Selic. Não foi alei que a criou, nem mesmo se pode dizer que há lei definindo-a. Aliás, sua definição foraengendrada pelo Banco Central do Brasil e para fins de instituir um indicador meramenteinstrumental de análise da liquidez (do volume de meios de pagamento, notadamente de

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reserva bancária, em circulação) do sistema, como se depreende das explicações oferecidaspela própria autoridade monetária.

Demais disso, a taxa Selic, como já ficou demonstrado neste trabalho, é do tipoflutuante e pré-fixada. Sendo pré-fixada pode ser decomposta, ex post, em duas parcelas: umarelativa ao rendimento necessário à atualização monetária, recuperando o poder de compra damoeda envilecida, e outra que exprime o rendimento real, no sentido daquele que sobeja amera corrosão do capital. De outro lado, posto que é flutuante só pode ser conhecida aposteriori, malferindo com isso a certeza que emerge da aplicação do princípio da legalidade.

Daí resulta incompatibilizar-se com a sistemática do novo Código Civil, para o qualos juros de mora hão de ser estabelecidos sob a forma de juros pós-fixados, uma vez que osartigos 389, 395 e 404 aludem expressamente à atualização monetária da dívida impagasegundo índices oficiais que medem a inflação, mais os juros de mora, que incidirão depois decorrigido o valor do débito.

Em virtude de sua natureza flutuante e pré-fixada, a aplicação da taxa Selic podepromover graves distorções. Para não incorrer em bis in idem jamais poderá ser aplicadajuntamente com qualquer índice de atualização monetária, já que nela se contém este fator.Nesse diapasão o acórdão no REsp 215881/PR, da lavra do eminente Ministro FranciulliNetto, da Segunda Turma do STJ, reconhecendo a “incidência de bis in idem na aplicação daTaxa SELIC concomitantemente com o índice de correção monetária.” E ainda, devido a seucaráter pré-fixado, pode ocorrer que ao final afigure-se aquém da inflação ou a supere emlarga medida, num e noutro casos impondo deturpações indesejáveis.

Acede, os juros moratórios constituem obrigação acessória, seja no âmbito do DireitoCivil, seja no do Direito Tributário. Não se perca de vista o Direito é uno, e a divisão que sefaz entre seus diversos ramos não tem outra finalidade senão a didática, facilitando o estudo ea aplicação da norma jurídica. O fato de o Direito compor-se de microssistemas não afeta suaunicidade. Daí, a natureza acessória dos juros de mora é a mesma, qualquer que seja o ramo doDireito.

A obrigação acessória, de regra segue o destino da principal, mas este não é o pontonodal da questão, posto que embora acessórios, os juros podem convolar-se em obrigaçãoprincipal, desprendendo-se da obrigação que lhe deu causa para serem cobrados autônoma eseparadamente. Sua natureza de acessoriedade deflui do fato de que acessório é a coisa cujaexistência subordina-se à de outra que existe per se. E neste sentido não há como negar: osjuros moratórios são acessórios da obrigação principal sobre a qual devam contar-se,independente de se tratar de obrigação civil ou tributária. Só incidirão juros moratórios quandoa obrigação tributária tenha sido inadimplida. Ou seja, é pressuposto para a incidência esurgimento da obrigação de pagar juros de mora no Direito Tributário, haja uma obrigaçãodessa natureza que tenha sido descumprida no seu termo. Está aí, com clareza solar, o caráteracessório dos juros de mora.

Para reforçar o quanto se acaba de afirmar, por força dos princípios do terceiroexcluído e da não contradição, inadmissível reputar os juros moratórios a um só tempo como

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obrigação acessória e não acessória, considerado o sistema jurídico como um só, sem embargoda possibilidade de se convolarem em obrigação autônoma, uma vez vencidos e exigíveis.Mas surgem apenas quando existir obrigação tributária cujo não pagamento lhes rende oensejo de produção.

Decorre do princípio da legalidade que não há imposto sem que seja estabelecidocom precisão o fato gerador, a base de cálculo e a alíquota. Faltante um desses elementos,impossível surgir a obrigação tributária. Vale dizer, como a atividade de instituir imposto évinculada, cinge-se ao quanto preordena a Constituição Federal, e nesta está disposto que nãose pode exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça (CF, art. 150, inc. I), é imperativoda certeza do direito que o contribuinte possa conhecer sem embuços as regras legaisdeterminadoras da exigência de qualquer imposto que se lhe pretenda cobrar, tornandopossível prever, antecipadamente, o quantum debeatur sobre o fato gerador.

Destarte a clareza da norma tributária impõe-se pela necessidade de o contribuinte terciência a priori dos encargos em que incorrerá e como serão calculados na hipótese de nãocumprir a obrigação tributária no tempo devido. Em matéria tributária, é imperioso que oscritérios sejam definidos com nitidez e precisão pela lei, inadmissível a insegurança decorrentede encargos flutuantes, obnubilados ou que só se conheçam ex post.

Afinado com essa exegese, o Superior Tribunal de Justiça sustenta que “em matériade tributação, nesta incluídas as contribuições previdenciárias, os critérios para aferição dacorreção monetária e dos juros devem ser definidos com clareza pela lei.”(39)

Não se olvide, a atividade legiferante criadora de impostos ou para majorá-los, estáindisputavelmente adstrita a adelgaçada observância dos preceitos constitucionais. Não pode,por exemplo, ao criar imposto ou modificar sua alíquota, deixá-la a cargo da AdministraçãoPública ou de terceiro, particular ou não. Haveria nisso odiosa inconstitucionalidade, faltante oelemento da alíquota certa para determinar a quantidade de imposto a pagar. Do mesmo modo,não pode haver alíquota flutuante. A esse respeito a Constituição da República é peremptória eimpõe ainda maior rigorosidade: a par de exigir lei para este mister, impõe seja editada noexercício financeiro anterior àquele em que o imposto passará a ser devido (CF, art. 150, inc.III, alínea ‘b’).

Não se pode admitir tenha o legislador maior grau de liberdade para legislar sobrematéria referente à obrigação acessória (dependente da principal), que se não plasma nacategoria dos deveres jurídicos stricto sensu, como é o caso de certos deveres em sede deDireito Tributário, do que o que possui para legislar a respeito da obrigação tributáriapropriamente dita (obrigação principal). Do contrário ter-se-á a seguinte situação: enquanto otributo, rectius: o imposto, que constitui a obrigação principal, não pode carecer dos elementosque lhe cometem certeza, devendo ter sua alíquota expressamente determinada na lei, os jurosmoratórios, que consubstanciam obrigação acessória, poderão não apenas ser flutuantes(conhecidos ex post), gerando grande incerteza quanto ao seu valor relativamente à obrigaçãoprincipal de que deve originar, com também poderão ser determinados por terceiros adlibitum.

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A esse respeito, adite-se, não bastasse ser a taxa Selic descrita e calculada pelaautoridade monetária, uma autarquia sem competência para legislar sobre matéria tributária,sua composição é determinada por fato de terceiro, a saber, as instituições financeiras.

Neste passo, impende esclarecer, à medida que representa a taxa média ponderadapelos volumes, o valor (= percentual que resulta da aplicação da fórmula de cálculo) da taxaSelic é determinado a partir das taxas praticadas pelas instituições financeiras nas operaçõesdiárias de troca de reserva bancária lastreadas em títulos públicos federais, realizadas no openmarket . O Bacen apenas descreveu-a e elaborou a fórmula para sua aferição, mas o que contanesse cálculo são as taxas praticadas pelas instituições financeiras, públicas e privadas, queintervêm no mercado aberto, conquanto o Bacen possua instrumentos que sói utilizar paraexercer um certo controle sobre a taxa Selic, manipulando as variáveis de que depende, taiscomo o volume de títulos em circulação ou de reservas bancárias livres, influindo deste mododiretamente na magnitude da taxa.

Equivocam-se os que pensam que a taxa Selic é preestabelecida pelo Bacen, ou peloCOPOM (Comitê de Política Monetária). Este não passa de um órgão daquele, em cujasatividades inscreve-se a de estipular metas a serem perseguidas pela autoridade monetária, oque é bem diferente de fixar uma taxa; meta é objetivo, o fim pretendido, que pode ou não seralcançado.

E nem poderia ser diferente. O COPOM, enquanto órgão do Bacen, jamais poderiaestabelecer de modo impositivo qual a taxa de juros a ser praticada pelas instituiçõesfinanceiras, porquanto nisso estaria usurpando a competência do Conselho MonetárioNacional (CMN) ex vi do artigo 4º, n. IX, da Lei n. 4.595/64, ainda em vigor. Sendo órgão doBacen, o COPOM subordina-se a ele, que por sua vez está subordinado ao CMN.

Nessa alheta, pode-se afirmar, falta ainda outro elemento da transparência da taxaSelic. Enquanto ao instituir um imposto ou aumentar sua alíquota, a lei põe em evidência oselementos que caracterizam a obrigação tributária, o sigilo bancário de que se guarnecem asoperações bancárias impede tenha o contribuinte qualquer acesso às operações realizadas nomercado interbancário ensejadoras da taxa Selic, ficando, assim, privado de conferir-lhe ocálculo que, força convir, pode, eventualmente, apresentar erros. Essa obscuridade queenvolve a taxa Selic pode, ainda, dar margem a manipulações escusas e arbitrariedades detodos os matizes, sob motivo vário, com as quais o Direito não se compadece, e a nossahistória mais recente bem admite tal suspeita.

A clareza e a transparência em matéria de direito tributário são corolários dosprincípios da legalidade, anterioridade e segurança jurídica, com assento na ConstituiçãoFederal. Oportuna a lição de Diogo Leite Campos, para quem “o imposto também será certo,não arbitrário. O prazo e o modo de cumprimento do imposto e o respectivo montante devemaparecer ao contribuinte claros e simples. Nos Estados contemporâneos, este princípio traduz-se na legalidade do imposto, na exclusão de conceitos indeterminados e na discricionariedadeda Administração. Adam Smith acentua que, se tal norma não for respeitada, os contribuintesficarão nas mãos da Administração fiscal ou dos seus agentes que os poderão sujeitar aagravamentos injustificados ou extorsões.”(40)

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Discute-se, em sede de Direito Tributário, se o limite traçado no § 1º do artigo 161do CTN, recepcionado pela Constituição Federal com status de lei complementar, poderia serrevogado por lei ordinária.

O debate é em si pertinente, embora estejamos que ocioso pensar nisso a respeito dosjuros moratórios porque o CTN não traz nenhuma indicação de que a taxa de juros de mora aliprevista configure o máximo que poderá cobrar a Fazenda Nacional. Admitir o contráriosignifica cometer ao § 1º do artigo 161 do CTN dilatada força, que parece não ter. Aí apenasse estabelece uma taxa que vigora na hipótese de outra não ter sido estabelecida pelo diplomacriador da obrigação tributária.

Em verdade, ao instituir um imposto, a lei específica, que não necessita ser leicomplementar a teor do que prescreve a Constituição da República, pode estabelecer qualqueroutra taxa de juros moratórios, maior ou menor do que a prescrita no CTN, sem que istosignifique vergastá-lo. Importante seja determinada em lei tanto seu percentual quanto suareferência temporal, nada obstando indique, outrossim, o regime de capitalização, pois não háóbice a que seja pelo de juros simples ou compostos.

Na hipótese de serem estabelecidos pelo regime de juros compostos, para os efeitosdo que dispõe o novo Código Civil, os juros legais serão aqueles fixados na lei tributáriasomente no que concerne ao percentual e a respectiva referência temporal, não se aplicando oregime de capitalização ali previsto por estar ele em testilha com a sistemática do CódigoCivil. Isto é, o anatocismo é admissível a respeito das obrigações tributárias em virtude daespecialidade da lei. Mas o que dela se transpõe para o âmbito do Direito Civil, por força dadeterminação do artigo 406, segunda parte, do novo Código, será tão somente o percentual dejuros e a respectiva referência temporal, já que a contagem de juros sobre juros está vedada noartigo 591 para períodos inferiores ao anual.

Em suma, a taxa Selic não deriva de norma legal. Ainda que houvesse lei instituindo-a, esclarecendo a fórmula e os elementos que devam configurar no seu cômputo, ainda assimnão poderia ser utilizada porque seu caráter flutuante comete-lhe tamanha incerteza ao mesmotempo em que outorga ao Banco Central uma competência que lhe não fora atribuída nem pelaConstituição Federal, nem pela lei que o instituiu — a qual tem status de lei complementar esó por diploma dessa natureza pode ser alterada —, com flagrante infração dos princípios dalegalidade, da indelegabilidade de competência tributária, da certeza do direito e da segurançajurídica.

Eivada de tantos vícios formais, a taxa Selic é imprestável para ser aplicada naspróprias obrigações tributárias, equivocadas todas as decisões que a entendem legítima,(41)

pois fundadas em argumento especioso que reputa legal a taxa Selic pelo só fato de ser objetode referência nas Leis 8.981/95, 9.065/95 e 9.250/95, relegando aprofundar a análise sobre ospontos nodais da questão, como fazemos aqui. E se não serve para aferição dos juros de moradas dívidas com o Fisco, sequer é possível cogitar de sua aplicabilidade por transplante para onovo Código Civil ex vi do artigo 406.

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Considerando, entretanto, que a aplicação da taxa Selic nas obrigações tributáriastem-se reputado legal e constitucional, impende verificar se não arrosta a sistemática do novoCódigo Civil.

Encarando-se as operações financeiras que suscitam a taxa Selic sob a perspectivaestritamente formal, ou seja, como negócios jurídicos de cessão de crédito que se realizamediante a venda e compra de títulos da dívida pública federal com cláusula de recompra erevenda concomitantes, então, é possível sustentar que o plus no valor econômico dessesnegócios não representa taxa de juros, mas sim sobrepreço.

Formalmente, reitere-se, não há contrato de financiamento, mas de compra e vendacom cláusula adjeta de revenda e recompra pelas partes contraentes. Isto significa que noacordo das partes há um negócio atual e outro futuro. Uma vende à outra, que compra, títulosda dívida pública federal pertencentes à primeira. No ato da concretização do negócio ainstituição compradora promete revendê-los à vendedora, enquanto que esta prometerecomprá-los da compradora, no dia seguinte por preço certo e ajustado, equivalente ao preçodo negócio primitivo acrescido de um plus. A diferença entre o preço de venda e o derecompra representa um ganho para comprador primevo e um custo para o vendedor.

Não traduzindo taxa de financiamento e sim sobrepreço — mark-up — é umequívoco utilizar a taxa Selic como juros de mora, pois assim agindo confere-se-lhe umanatureza que não possui. Preço não se confunde com juros.

Dessume-se, imprestável sua utilização tanto nas obrigações tributárias quanto noâmbito do Código Civil como taxa legal dos juros representativa do limite máximo dos jurosque podem ser praticados no País.

Malgrado a lógica desse raciocínio, pode-se argumentar que as operações nomercado aberto se dão sob a forma de compra e venda compromissada única e exclusivamenteem virtude da alta dinâmica desse mercado, sendo necessário desenhar um modelo de contratoque viabilize tais operações sem muitos entraves burocráticos.

Regulado pela autoridade monetária, esta bosquejou o modo pelo qual a troca dereserva bancária consubstanciada nos financiamentos por um dia útil ou overnight devem-seformalizar entre as instituições contratantes. Nessa senda, a operação de compra e vendacompromissada pode ser enxergada como um financiamento em que há garantia pignoratíciaimprópria, consistente na tradição dos títulos que a lastreiam, para os quais a instituiçãocompradora não adquire a propriedade, porquanto deles não pode dispor já que está obrigada arestituí-los no dia seguinte, mediante a revenda, a seu primitivo dono, servindo a transferênciade titularidade apenas para concretizar a garantia de que o vendedor honrará o compromissode reembolso do financiamento obtido, no dia subseqüente, por meio da recompra. A operaçãoé toda ela registrada no Sistema Especial de Liquidação e de Custódia do Banco Central, deonde aliás os títulos não saem, mas ficam custodiados, procedendo-se apenas aos respectivosregistros.

Consideradas as operações como legítimos financiamentos, pode-se falar em taxa dejuros praticada pelas instituições nelas intervenientes.

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A taxa Selic mensal encerra um anatocismo diário resultante da capitalização dastaxas praticadas pelas instituições financeiras, representando para umas o custo decarregamento das posições em títulos da dívida pública federal, e para outras o rendimentobásico de suas operações ativas.

Forte nas disposições das Leis ns. 8.981/95, 9.065/95 e 9.250/95, que a impõem paraa mora dos débitos de tributos federais, inclusive para os impostos, até o mês anterior ao doefetivo pagamento, vigorando a taxa mensal de 1% no mês da quitação, é a taxa Selic mensalque deve ser transposta para o âmbito do Código Civil. Há, portanto, para a mora dos impostosfederais duas taxas, a saber, a taxa Selic mensal, que se aplica aos meses anteriores ao doefetivo pagamento, e a de 1% no mês em que este ocorrer.

Todavia, o malsinado anatocismo diário é proibido no regime do novo Código, quesó o admite quando for anual. Tampouco a capitalização diária da taxa Selic foi determinadapor disposição expressa em alguma norma jurídica positiva, não havendo possibilidade de serconsiderada legítima. E isto impõe sua inaplicabilidade nas relações jurídicas que sesubordinam à disciplina dos juros segundo o novel estatuto de direito privado.

Contudo, partindo-se da premissa de que a taxa Selic seja aquela a que alude o artigo406, pode-se demonstrar por redução ao absurdo sua imprestabilidade para os efeitos do novoCódigo Civil. Isto é possível porque há uma ilegalidade intrínseca que se afigura gritante eintransponível na taxa Selic, firmada sobre a exatidão da análise matemática da taxa e suasconseqüências jurídicas.

Sendo ela uma medida central, a média ponderada das taxas praticadas pelasinstituições financeiras nas operações de financiamento por um dia, lastreadas em títulosfederais, em seu universo de composição existem taxas que lhe são superiores e inferiores.

A teor do que dispõe o artigo 591, as taxas superiores à taxa legal — aqui porpremissa a taxa Selic, que é taxa média — não têm validade, e recebem a cominação da penade redução, podendo ainda o devedor repetir o que houver pagado a mais.

Logo, todas as taxas que entram no cômputo da taxa Selic mas lhe são superiores sãonulas pleno jure (CC, art. 591), pelo que devem ser reduzidas ao patamar da taxa legal,consistente no limite máximo permitido.

Ao se reduzir essas taxas para o mesmo nível da taxa Selic, esta não espelhará mais amédia, porquanto aquelas taxas acima dela e que foram reduzidas porque ilegais, não maisparticipam da sua formação. Demais disso não se pode admitir a legalidade de uma taxa emcuja composição figuram taxas ilegais. A teoria dos frutos da árvore de raiz podre informaessa impossibilidade. A jaça da ilegalidade daquelas taxas componentes projeta-se paracontaminar a própria taxa Selic.

Donde, após a redução, tendo mudado a conformação do universo amostral de taxas,e não representando mais a taxa Selic a média desse novo universo, deve-se proceder a novocálculo para encontrar outra média, que será inferior à primeira.

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Nada obstante, o vício se repete. Haverá taxas acima e outras abaixo da média,impondo-se, nova redução e recálculo, e assim sucessivamente num processo iterativo erecorrente ad infinitum que, no limite,(42) terá como resultado a menor taxa praticada nomercado.

A adoção da taxa Selic conduz, pois, à absurda situação de a taxa máxima,legalmente permitida, expressar um resultado obtido a partir de taxas maiores do que o própriolimite máximo juridicamente permitido. Desvela-se uma contradição interna a impedir oconhecimento da verdadeira taxa legal, à medida que em sua conformação não se pode admitira presença de taxas ilegais por lhe serem superiores. Mas isto não sucede apenas com a taxaSelic. Decorre de suas características, ou seja, da sua natureza. Qualquer taxa média, ouderivada de uma medida central incorrerá nos mesmos vícios.

Poder-se-ia opor que a taxa Selic só se torna limite máximo quando efetivamenteconhecida, isto é, depois de encontrada sua magnitude pelo cálculo da média queconsubstancia. Antes disso não traduz limite nenhum. Vale dizer, não pode ser reputada limitemáximo a coartar as próprias taxas de que deriva. Como as taxas praticadas pelas instituiçõesfinanceiras no mercado interbancário de troca de reserva bancária ou financiamento de títulospúblicos federais, representam um fato anterior à própria taxa Selic, ou seja, um prius emrelação a esta, a taxa Selic não pode ser manejada como um limite a que se sujeitam estasmesmas taxas que a conformam.

Esse argumento é tão sedutor quanto especioso. Se aparentemente contém algumalógica, isto não passa de mera aparência, sem o condão de afastar a absurdidade e acontradição dantes apontadas.

Em verdade, embora não se conheça a taxa Selic, dado seu caráter flutuante que sópermite dela saber a posteriori, até que se tenha transcorrido o lapso de um mês, período emque se cumulam as taxas praticadas diariamente no mercado interbancário, uma vezdeterminada ela projeta seus efeitos para o passado, sobre o próprio período em que seformou, daí por que possível afirmar, enquanto limite para a taxa de juros, submete as taxasque lhe conformam a magnitude. Quando mais não fora, e para se não acoimar de forçado oraciocínio retro, insta reconhecer, no mês de formação da taxa Selic vigora, como taxa de jurospara a mora dos impostos devidos à Fazenda Nacional, a taxa de 1% ao mês, seja porqueassim está previsto nas Leis ns. 8.981/95, 9.065/95 e 9.250/95, seja porque não houvera talprevisão impor-se-ia aplicação do § 1º do artigo 161 do CTN. Então, as taxas praticadas pelasinstituições financeiras nas operações de mercado aberto, antes mesmo de se lograr encontraro resultado final da média consistente na taxa Selic, devem cingir-se ao limite consistentenessa taxa de juros moratórios de 1% a.m. Mas tais operações têm por prazo a unidadetemporal de um dia útil, o que implica não podem ser superiores a 1% a.m. por um dia útil(pro rata die). Por outro falar, o limite conformativo das taxas praticadas no mercadointerbancário é a taxa efetiva diária (= por dia útil) equivalente a 1% a.m., para usar asdefinições aqui apresentadas. E nesta hipótese a taxa Selic será, ela mesma, enquanto medidacentral, inferior a 1% a.m.

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Três são as ordens de absurdos aí encontrados: a) depois de aferida, a taxa Selic deveser aplicada sobre o próprio período de sua formação como limite de juros, afetando a simesma, porquanto terá o condão de tornar nulas as taxas de seu domínio que a superem,acarretando a necessidade de uma automutação na própria taxa Selic, num processo recorrentea convergir para a menor taxa praticada no mercado interbancário; b) a coexistência de doislimites de taxa de juros com violação do princípio do terceiro excluído: 1% ao mês enquantonão for conhecida a taxa Selic, e esta, depois de ser encontrada, ambas, porém, aplicáveissobre o mesmo lapso de tempo; c) via de regra a taxa Selic é superior a 1% ao mês, o quesignifica as taxas de que se origina são, em boa medida, maiores do que 1% ao mês, havendonisso ultraje do limite de 1% a.m. que deve ser respeitado antes de se conhecer a própria taxaSelic. O absurdo e a contradição a que se chega são palmares.

Conclui-se, pela imprestabilidade da taxa Selic como taxa legal de juros tantomoratórios, como compensatórios e remuneratórios, a ser utilizada nas relações jurídicassubmetidas ao regime do novo Código, comunicada ex vi do que dispõe o artigo 406combinado com o artigo 591 desse codex, restando, então, como única solução a não deixarum hiato jurídico no ordenamento, a única taxa válida cuja aplicação não conduz a nenhumabsurdo ou contradição é aquela estabelecida no § 1º, do artigo 161, do CTN: 1% ao mês.

11. Conclusão

O conceito jurídico de juro é o mesmo da Economia. Nada obstante o Direito estendea possibilidade de incidirem nas relações jurídicas cujo objeto seja coisa fungível diversa dodinheiro. A essência dos juros, porém, como eles modificam o mundo dos fatos, é aquelahaurida da ciência econômica. O Direito, ao emprestar o conceito econômico dos juros comofato jurígeno, gerador de obrigação, disciplina seus efeitos e dá azo a que se reconheça umacategorização segundo a causa final ou fundamento da incidência dos juros. Podem serremuneratórios, compensatórios ou moratórios, correlacionando-se essas categorias umas comas outras dependendo do caso.

Depois de ter passado por um período de total liberdade, os juros passaram a serlimitados em nosso ordenamento jurídico. Mesmo com o advento da Lei n. 4.595/64 e adesastrada Súmula n. 596 do STF — a qual despejadamente rompeu os grilhões dos limitesestabelecidos e permitiu a prática institucional da usura por uma seleta classe de pessoas, quaissejam, as instituições financeiras, notadamente os bancos, contribuindo assim, em grandemedida, para a formação e recrudescimento do processo inflacionário degenerativo daeconomia brasileira dos últimos 25 anos —, a liberdade de contratar juros não foi total. Emprimeiro lugar, somente as instituições financeiras dela beneficiaram. Em segundo, talliberdade não se afigurava absoluta, porquanto o Conselho Monetário Nacional poderia, naesteira do que prescreve o referido diploma legal, fixar limites sempre que entendessenecessário.

O novo Código Civil trouxe nova disciplina à matéria e manteve a linha da liberdaderelativa. Por um lado proíbe o anatocismo para períodos inferiores a um ano, sem, no entanto,

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fazê-lo de modo absoluto, possível que lei especial o autorize, desde que o façaexpressamente. Por outro lado, limita a cobrança dos juros à taxa legal, estabelecendo umarelação de identidade entre esta e aquela praticada para a mora do pagamento dos impostosdevidos à Fazenda Nacional, restando com isso afastada aquela liberdade cometida àsinstituições financeiras cujos lindes dependiam de ato resolutivo do CMN. A partir da vigênciado CC/02 a competência do CMN para fixar limites às taxas de juros cinge-se,irretorquivelmente, ao que prescreve o Código Civil, vale dizer, não pode ultrapassar a maiortaxa de juros moratórios cobrados pela Fazenda Nacional relativamente aos impostos que lhesão devidos.

Esses juros cobrados pela Fazenda Nacional, por força dos princípios informativosdo direito tributário e, primacialmente, ex vi do artigo 5º, inciso II, da Constituição Federal,devem ser estabelecidos por lei. Na sua determinação impõe-se que a lei os preveja comclareza, fixando a taxa (rectius: o percentual), a respectiva referência temporal e o regime decapitalização. Sendo omissa quanto a este último elemento, presume-se o regime a jurossimples. Estabelecendo o regime de juros compostos, será este impraticável nas relaçõesjurídicas cuja natureza não seja tributária, por arrostar à sistemática do Código Civil, o qualnega validade à contagem de juros sobre juros (em períodos inferiores a um ano), admissível,contudo, quando expressamente prevista em lei e exclusivamente para a relação jurídica neladisciplinada. Donde, caso a lei admita o anatocismo nas relações tributárias, nem por issopoderá ser transplantado para o regime do novo Código Civil dada a especificidade daquelasrelações, reguladas por lei própria. Nessa hipótese, transpõe-se apenas a taxa e a respectivareferência temporal.

O novo Código disciplina os juros de mora como pós-fixados, ou seja, devem incidirsobre o capital depois da atualização monetária deste segundo o índice oficial regularmenteestabelecido, e nisto equiparam-se a juros reais. Vale dizer, os juros reais estão limitados àtaxa legal. Mas isso não implica a impossibilidade de se pactuarem juros segundo uma taxaprefixada — juros nominais —, apenas abre a possibilidade de serem revistos ex post factoquando assim tenham sido contratados e se verifique, depois de conhecida a desvalorização docapital monetário, terem os juros reais alcançado níveis superiores ao limite legal, ensejando aredução ou a repetição do que fora pago a mais.

Como a corrosão do poder de compra da moeda jamais admite uma medida absoluta,por índice de atualização monetária oficial deve-se entender aquele cuja utilização decorra deimposição da lei. Inexistente norma jurídica determinativa do índice a ser aplicado, o caráterrelativo e multifário da inflação autoriza a aplicação de qualquer índice de atualizaçãomonetária divulgado, seja por órgãos estatais ou particulares, segundo a vontade das partescontratantes, sem embargo da possibilidade de revisão com fundamento na eqüidade e nascláusulas gerais contidas no novo Código Civil (arts. 317 e 478).

A taxa Selic não atende aos requisitos necessários, sejam de índole formal oumaterial, para que possa ser praticada como juros moratórios devidos à Fazenda Nacional.

Não emana da lei, no sentido de que não existe norma jurídica válida que a tenhadefinido ou descrito, precisando sua composição, os elementos que devam figurar no seu

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cômputo, a fórmula por que deva ser aferida, enfim, tudo que seja necessário ao perfeitobalizamento que lhe dê os contornos de verdadeira taxa de juros. O haver lei fazendo-lhereferência, ou melhor, determinando sua utilização e aplicação, não implica sua legalidade.Esta somente ocorre quando o diploma legal, construído com observância do princípio dodevido processo legal substantivo, estabelecer de modo expresso os elementos compositivos ede aferição da taxa. Todavia, mesmo que a taxa Selic encontrasse sua definição, descrição efórmula de cálculo prescritas em lei, ainda assim não poderia ser utilizada como juros de moranas obrigações tributárias, muito menos transposta para o âmbito do novo Código Civil ex vido artigo 406.

Essa imprestabilidade da taxa Selic, máxime no que tange sua aplicabilidade àsrelações jurídicas regidas pelo novel estatuto civil, deflui do fato de serem os juros de moranesse codex do tipo pós-fixado, isto é, contam-se depois de aplicar sobre o capital, à guisa deatualizá-lo, o índice de correção monetária oficial regularmente estabelecido, o que os torna,para os efeitos jurídicos, juros reais. A taxa Selic, por sua natureza, sendo do tipo pré-fixada,compõe-se de uma parcela representativa da expectativa da inflação, resultando inadmissívelsua aplicação em adição com qualquer índice de atualização monetária, pena de incorrer emnefando bis in idem, gerando enriquecimento sem causa para o credor.

Avulta, o fato de ser uma taxa flutuante, cujo conhecimento só se possui ex post,inquina a taxa Selic para os fins que se lhe têm pretendido outorgar. Esse desconhecimento éincompatível com a natureza da obrigação tributária, sendo de todo inadmissível exigir-seclareza e transparência no estabelecimento desta e, ao mesmo tempo, conceder-se à obrigaçãoacessória que dela emerge obscuridade novilunar.

Não bastara isso, a par de transgredir o princípio da legalidade — mesmo quehouvesse lei estabelecendo o modo por que é atualmente calculada —, por ser criação doBanco Central do Brasil, autarquia responsável pela condução da política monetária, não dafiscal, a taxa Selic é aferida por essa entidade a partir da manifestação de vontade de terceiros,quais as instituições integrantes do SFN, sem olvidar os poderes de interferência emanipulação exercidos pela autoridade monetária. Força convir, sua utilização para a mora dosimpostos devidos à Fazenda Nacional representa flagrante ofensa ao princípio daindelegabilidade em matéria tributária, porquanto inadmissível se deixe a cargo dos sujeitosmencionados a determinação de elemento essencial em obrigação tributária, inda queacessória, quando deveria emanar única e exclusivamente da lei.

De acordo com a Carta da República, a lei tributária não pode deixar a cargo daFazenda Nacional — muito menos de terceiros — a fixação da alíquota de imposto, que éelemento essencial da obrigação tributária. A fortiori afigura-se inconstitucional conferir talgrau de liberdade para a determinação da taxa de juros moratórios, elemento da essência daobrigação acessória. Admitir o contrário implica escancarar a possibilidade do arbítrio, datruculência da exação por via oblíqua, posto que a Administração Pública poderia majorar osjuros de mora e sobreonerar o contribuinte faltoso além do que constitucional e moralmenteadmissível.

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Agredidas restam, outrossim, a segurança jurídica e a certeza do direito. A taxa Selic,tal como hoje é praticada, ou mesmo que assim estivesse prevista em lei, impede aocontribuinte conhecer e computar a obrigação fiscal em atraso com base direta e exclusiva nalei. Assim como não existe e não pode existir alíquota flutuante, parece-nos igualmente estarvedado na Constituição da República, ex vi dos princípios que encarta, a possibilidade de seestabelecer taxa de juros moratórios dessa natureza.

Portanto, chancelar a aplicação da taxa Selic como juros de mora para os impostosnão pagos à Fazenda Nacional a par de representar erro grosseiro, atenta contra os verdadeirosinteresses gerais da sociedade, abrindo perigosos precedentes para a arbitrariedade e o abuso àguisa de alcançar desideratos não muito claros, sobre favorecer o setor financeiro que, nasrelações decorrentes da aquisição em larga escala dos títulos da dívida pública federal, assumeuma posição francamente antagônica à do governo, aí representando os interesses gerais.

Nessa senda, a taxa Selic deriva de negócios em que só uma diminuta parcela dasociedade, embora detentora de grande fatia da riqueza nacional, o setor financeiro, atua. Esubmeter todos ao resultado das operações realizadas por um pequeno grupo, em que osdemais não podem intervir, de resto representa enorme iniqüidade. A taxa Selic não é o quepropriamente se pode chamar uma taxa de mercado, senão deve ser qualificada, pois apenasisto o que reflete: a taxa praticada pelo mercado interbancário.

Não foram suficientes esses argumentos, a taxa Selic, independentemente de suaprevisão legal, contém duas ilegalidades intrínsecas que a tornam incompatível com asistemática do novo Código Civil: 1) resulta de anatocismo diário ao longo do mês em que écalculada; 2) por ser uma taxa média (tal como qualquer outra medida central),incompatibiliza-se para os fins que se lhe pretendem cometer à medida que em suacomposição entram taxas inválidas, tais aquelas superiores à própria média em que seconsubstancia o limite máximo permitido na lei, cuja eficácia se projeta para o passado,exatamente sobre o período de sua própria formação. Quando menos, malfere o limite legalprefixado no memento em que exsurge, posto que as taxas que têm sido praticadas no mercadoaberto interbancário para as operações de compra e venda compromissadas com lastro emtítulos públicos federais, ultrapassam a taxa máxima permitida de 1% (considerada pro ratadie), fixada pelas disposições constantes das Leis ns. 8.981/95, 9.065/95 e 9.250/95, enquantonão for conhecida a taxa Selic.

Resulta desta análise, a única taxa de juros que se coaduna com o regime estatuídopelo novo Código Civil, é aquela prevista no § 1º do artigo 161 do Código TributárioNacional, qual seja, de 1% ao mês. Estão aí presentes todos os elementos conformadores dataxa de juros de mora cobrados pela Fazenda Nacional para o pagamento dos impostos que lhesão devidos pelos contribuintes faltosos, sem agressão aos princípios informadores daobrigação tributária, seja a principal, seja a acessória. É taxa límpida e clara, apresenta umpercentual (1%) qualificado pela respectiva referência temporal (ao mês); a omissão dadeterminação do período de capitalização ou produção dos juros, importa que seja idêntico aoda referência temporal, isto é, mensal. Outrossim, a omissão relativamente ao regime decapitalização dos juros impõe a regra geral do Código, de juros simples ou lineares no tempo,que não se agregam ao capital principal para produzirem novos juros. Assim devem ser

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cobrados nas obrigações tributárias e transplantados para as relações jurídicas submetidas aonovo Código Civil, por força do seu artigo 406.

Restam derrogados o Decreto 22.626/33 e o inciso IX do artigo 4º da Lei n. 4.595/64.O primeiro porque os juros passam a ser regulados inteiramente pelo novo Código Civil, equalquer que seja o contrato que os preveja, a estipulação somente poderá referir a jurosremuneratórios ou moratórios, ambos com disciplina específica no Código de Reale, e nisso asdisposições da Lei de Usura estão revogadas. Quanto ao segundo diploma, cumpre esclarecer,embora tenha sido recepcionado pela Constituição Federal com status de lei complementar, ofenômeno da recepção não se dá em bloco, mas apenas em relação à matéria específica tratadana norma jurídica e que deva ser objeto de lei complementar por determinação da Magna Lex.Como os juros não são objeto de regulamentação por lei complementar, máxime depois dapromulgação da Emenda Complementar n. 40/2003, as disposições do inciso IX, do artigo 4º,da Lei n. 4.595/64, estão revogadas pelo novel estatuto objetivo. Nada obstante, mesmo que sepretendesse não haver tal derrogação, admitir que o Conselho Monetário Nacional possa, porato resolutivo, estabelecer para as instituições financeiras taxas de juros superiores àquelafixada pelo legislador para mora dos impostos devidos à Fazenda Nacional, implica ultrajar oprincípio da indelegabilidade para permitir que ato da Administração Pública se superponha aoato do Poder Legislativo. Mais que isso, a permitir uma dualidade na limitação dos juros, demodo que tanto o particular quanto o Fisco se vejam adstritos à taxa fixada pela lei, enquantoas instituições integrantes do Sistema Financeiro Nacional possam praticar as taxas que bementenderem até que o CMN estabeleça algum limite, importa violar o princípio da isonomia,cuja garantia é mesmo um norte dos direitos fundamentais assegurados na Carta da República,dada a inexistência fática de discrímen a justificar a ruptura da igualdade perante a lei.

Por derradeiro, não se olvide que o moderno direito civil enaltece a observância aprincípios cuja densificação impõe a revisão dos contratos em que se constate a usura relativa,assim entendida aquela em que haja supremacia duma parte em relação à outra. Isto o que sepode quitar do princípio da função social da propriedade e do princípio da função social docontrato aplicados à matéria dos juros. O primeiro não se restringe à propriedade imóvel, masrefere a todo bem suscetível de apreensão dominical pelo homem, e nisso estende-se paraalcançar a propriedade do capital monetário.

Com efeito, de ser o dinheiro meio universal de troca decorre ter-se tornado umareserva de valor ou forma de riqueza portável. Todo investimento e todo bem seráeconomicamente apreciável quando se puder expressar por um preço, traduzível em umaquantidade de dinheiro. É este o bem mais cobiçado dada sua versatilidade de em tudo poder-se transformar. Daí sua função social, cuja execução, no nosso sistema, está intimamenterelacionada à atividade das instituições financeiras, que devem captá-lo onde sobeja,representando a poupança dos que o pretendem acumular, para carreá-lo a outras pessoas, emregiões diversas, onde falta.

Não se descure da mensagem justificadora do projeto legislativo culminante na Lei n.4.595/64, a qual permite inferir o legislador, ao disciplinar o Sistema Financeiro Nacional,teve por objetivo promover o controle da inflação sem prejudicar o ritmo de desenvolvimentoda economia. Ora, controlar a inflação nunca significou debelá-la, mas mantê-la dentro de

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níveis compatíveis com um desenvolvimento seguro e nada recessivo. Por outro lado, alocução “sem afetar o ritmo do desenvolvimento”, que se divisa na referida justificativa,significa a intenção irretorquível em não sacrificar o desenvolvimento econômico em prol docombate à inflação. Dessume-se, sempre que a Administração Pública implementar umapolítica monetária restritiva, pretextando deter o processo inflacionário por meio de altas taxasde juros e, com isso, houver desaceleração do desenvolvimento econômico, estará ela — aAdministração Pública — desatendendo o fim colimado pelo legislador e explicitado na normajurídica, pois é inconcusso, qualquer desaceleração traduz prejuízo ao ritmo dodesenvolvimento econômico, precisamente o oposto da mens legis enquanto síntese da menslegislatoris.

A par disso, não poderá haver distribuição eqüitativa dos recursos financeiros em quese consubstancia a poupança interna, à guisa de facilitar o desenvolvimento harmônico dasdiversas regiões do País, num cenário em que impera a discriminação e ofensa à isonomia,permitindo-se às instituições financeiras praticar oficialmente a usura, com a despejadachancela do Poder Judiciário, enquanto que aos demais membros da sociedade, sejam osparticulares, seja o Fisco, impõe-se o limite da taxa legal.

Destarte, sobreleva-se como fundamento para bem aplicar o novo Código Civil àmatéria pertinente aos juros, possibilitando elidir o desequilíbrio e estimular odesenvolvimento harmônico e responsável da economia do País, inclusive no que tange àformação e administração da dívida pública, sem desvios da ordem jurídica instalada, aafirmação e observância da função social do dinheiro a submeter seu dono quanto ao destinoque lhe pretende dar. Outrossim, os contratos nos quais haja cláusula estipulativa de juros, enão apenas os de mútuo feneratício, mas quaisquer que sejam, devem orientar-se à vista dafunção social que desempenham. Dentre tais funções destacam-se a de promover aredistribuição da renda, a de impedir a concentração da riqueza que, em certa medida assimila-se com fomentar a desconcentração ou a pulverização desta, a fim de evitar que a propriedadedo dinheiro e a contratação de juros possam ser manejadas como instrumentos a obstaculizar oatingimento desses fins, afigurando-se antípoda à função social da propriedade e do contrato aexorbitância com que os juros sejam cobrados, haja vista os malefícios que representam asaltas taxas de juros para a grande maioria da sociedade e os escolhos que antepõem aodesenvolvimento econômico do País, descaracterizando e desarticulando qualquer políticaredistributiva (= de renda e de riqueza) que se pretenda implementar.

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Notas:

(1) Clóvis Beviláqua, Código Civil dos Estados Unidos do Brasil, p. 364

(2) Pontes de Miranda, Tratado de direito privado, XXIV, § 2.887.

(3) A título de exemplo, prefigure-se a hipótese de uma pessoa estrangeira, que não domine, embora estejaaprendendo o idioma português, e encontre-se aqui desejosa por investir seus recursos monetários.Informá-la de que uma boa opção é investir na produção de juros não será de grande serventia, porquantoela indagará o que são “juros”. Explicar-lhe que “juros são os frutos civis do capital empregado”, poucoadiantará, pois também esta assertiva não trará maior clareza ao espírito atormentado de nosso investidorque, sem compreender bem a língua, necessita de algo mais “palatável”, duma explicação capaz deconduzi-lo à ilação de que juros, em português, significam o rendimento em dinheiro produzido a partirda aplicação de dinheiro segundo uma dada taxa num certo período.

(4) Há discussão em torno da questão de os juros serem ou não frutos do capital. Como mui bem assinalaPontes de Miranda, a resposta subordina-se à definição que se comete a frutos. Se por fruto entende-setudo que sai da própria coisa, então os juros não podem ser considerados frutos, porque não saem docapital. Entanto, se fruto é o que a coisa produz, independentemente da causa, aí sim, é possível afirmar

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serem os juros fruto do capital, desde que se não perca de vista que fruto nesta acepção mantém relaçãode equivalência com rédito ( reditus pecuniae) ou rendimento do capital monetário.[v. Pontes de Miranda,op. cit. , § 2.887, n. 3]

(5) Embora juridicamente se possa sustentar a distinção entre as funções remuneratória e indenizatória (jurosde mora) dos juros, em ambos os casos os efeitos produzidos são idênticos, posto que o modo como osjuros modificam o mundo fenomênico é eminentemente econômico: representa o incremento resultante daincidência da taxa sobre o capital no tempo, remunerando-o. Essa a sua inafastável essência.

(6) Instituições de direito civil. vol. II, 20ª ed., Forense, p. 123.

(7) (12% ÷ 12) incidente sobre R$ 100.000,00. Se o regime de capitalização fosse o de juros compostos, oresultado seria diverso, pois a produção mensal de juros não seria obtida por meio de uma operação linearpara se encontrar o percentual mensal de juros a partir da taxa dada, cuja referência temporal é anual eportanto diferente do período de vencimento dos juros, mas sim extraindo-se a raiz décima segunda dofator de capitalização (= 1,12) obtido a partir desta taxa, o que resultaria em um juros de R$ 948,88.

(8) Não foram normas jurídicas de nosso ordenamento, que estabelecem a presunção da obrigação de juros, ataxa legal e o regime de capitalização a juros simples, dado apenas um percentual desacompanhado darespectiva referência temporal, ou desta e da informação sobre o período de produção, ou ainda, como sóiacontecer nas faturas dos cartões de crédito, em que se informa o percentual com alusão a “próximoperíodo”, sem especificar qual este período (mensal, semestral, anual etc.), a obrigação de juros é ilíquidae inaferível ante a ausência de elemento essencial, tal a referência temporal da taxa. Do mesmo modo, danada adiante estabelecer a obrigação de juros mensais se não for especificada a taxa por que seproduzirão, ou quando se deixa de informar o regime de capitalização.

(9) cf. Pedro Frederico Caldas apud Luiz Antônio Scavone Júnior, Juros no direito brasileiro, p. 278.

(10) Essa Medida Provisória, editada em 23/08/2001, afigura-se-nos inconstitucional. Cuida de matéria dedireito privado cujo conteúdo demonstra carecer dos requisitos da urgência e da relevância, exigidos paraa validade do diploma legal consoante as disposições do art. 62 da Carta da República ao tempo em que aMP fora editada.

(11) Dicionário Houaiss da língua portuguesa.

(12) Para os fins deste trabalho estamos desconsiderando a alternância entre períodos de liberdade e outros derestrição verificados antes do advento do Código Civil de 1916, sem que isto signifique menoscabá-loscomo inexistentes. Apenas, ao que interessa neste momento a análise histórica não traz nenhumadminículo substantivo capaz de prejudicar o trabalho ora elaborado.

(13) V. por todos, Celso Furtado, Formação econômica do Brasil, 19ª ed., Cia Editora Nacional, p. 186 etpassim .

(14) Pontes de Miranda, ibd.

(15) Excerto obtido da mensagem n. 52 do Presidente da República, João Goulart, dirigida aos senhoresmembros do Congresso Nacional e datada de 22/03/1963, conforme os registros do Senado Federal.

(16) Os grifos e sublinhados são por nossa conta.

(17) Lei 4.595, art. 4º - Compete ao Conselho Monetário Nacional, segundo diretrizes estabelecidas peloPresidente da República: IX - Limitar, sempre que necessário, as taxas de juros, descontos, comissões equalquer outra forma de remuneração de operações e serviços bancários ou financeiros, inclusive osprestados pelo Banco Central do Brasil, assegurando taxas favorecidas aos financiamentos que sedestinem a promover: recuperação e fertilização do solo; reflorestamento; combate a epizootias e pragas,nas atividades rurais; eletrificação rural; mecanização; irrigação; investimentos indispensáveis àsatividades agropecuárias.

(18) CF/1946, art. 36 - São Poderes da União o Legislativo, o Executivo e o Judiciário, independentes eharmônicos entre si. § 2º - É vedado a qualquer dos Poderes delegar atribuições.

(19) CF/1946, art. 5º - Compete à União: inc. XV - legislar sobre: alínea ‘m’ - sistema monetário e demedidas; título e garantia dos metais.

(20) Súmula 596 do STF: “As disposições do Decreto n. 22.626/33 não se aplicam às taxas de juros e aosoutros encargos cobrados nas operações realizadas por instituições públicas ou privadas que integram osistema financeiro nacional.”

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(21) Relativo porque não estabilizou absolutamente nada. A inflação desde julho de 1994 até novembro de2003, se faz sentir no bolso de cada brasileiro, e medida pelo IPCA/IBGE, atinge a estonteante marca de158,72%, sem que se experimentasse sequer um reposição plena no nível dos salários gerais praticados noPaís. Portanto, a tão alardeada estabilidade monetária decorre da imolação do nível de vida do brasileiroe, é óbvio, do represamento dos investimentos capazes de gerar mais empregos, renda e riqueza,conseguintemente alargando a base tributável do PIB. Mas, como que entorpecidos num delirantedevaneio, parece que todos preferem não enfrentar essa realidade.

(22) Informações disponíveis na Internet, acessado em 07/01/2004 via WWW.URL:<http://www.bcb. gov.br/ftp/depep/nitj200312.xls>

(23) Para um estudo mais pormenorizado acerca do poder das falácias v. por todos Arthur Schopenhauer,Como vencer um debate sem precisar ter razão: em 38 estratagemas (dialética erística).

(24) José Carlos Barbosa Moreira, “ Mandado de Injunção” In: Estudos Jurídicos , p. 41 apud voto do MinistroCarlos Velloso na ADIn n. 4, p. 168.

(25) Rogério de Meneses Fialho Moreira, “A nova disciplina dos juros de mora: aspectos polêmicos” In: MárioLuiz Delgado e Jones Figueiredo Alves, Novo código civil questões controvertidas , p.272-273.

(26) Op. cit. § 2.888, p. 59-60.

(27) Pontes de Miranda, op. cit., § 2.888, p. 60-61.

(28) Caio Mário da Silva Pereira, op. cit., p. 129.

(29) Disponível na Internet, acessado em 07/01/2004 via WWW.URL:<http://www.bcb.gov.br/?SELICDESCRICAO>

(30) Ibd.

(31) Ibd., embora no local indicado a fórmula esteja ligeiramente diferente. O Bacen a divulga para apresentaro resultado como taxa nominal, capitalizada pelo regime de juros compostos, ao ano por dia útil (v.g. 19%a.a. por um dia útil), para tanto elevando o fator obtido na primeira parte da fórmula à 252ª potência, querepresenta o número de dias úteis do ano calendário.

(32) Ibd.

(33) Ibd.

(34) Os grifos e sublinhados são por nossa conta.

(35) Paul Newbold, Statistics for business and economics , p. 45-47.

(36) Por mês considera-se o mês calendário e não o mês civil. Ou seja, janeiro, fevereiro, março e assim pordiante.

(37) Neste caso, utilizado todo o limite de aplicação permitido, para cada 1% de rentabilidade obtido naaplicação assim realizada, a entidade estará contabilizando uma receita de 30%, no mínimo, sobre seupatrimônio líquido. Assim, uma taxa Selic de 1,9% ao mês, equivale a uma receita bruta média de 57% aomês para a instituição financeira. Projetado para o período anual este rendimento fornece a figuranumérica equivalente a 760,20% de rentabilidade mínima sobre o PL, por ano. Isto explica não só oslucros fantásticos apresentados anualmente pelos bancos em nosso País, como o poder de concentração derenda do setor financeiro em detrimento de qualquer política redistributiva, bem como o poder econômicoque o setor detém, cujos efeitos se projetam para o campo do poder político.

(38) Embora o nCC refira expressamente a impostos devidos à Fazenda Nacional, como imposto é espécie detributo, a análise ora desenvolvida aplica-se, outrossim, à pertinência da aplicação da taxa Selic para amora de todos os tributos, não só daqueles devidos à Fazenda Nacional como também para os que sãodevidos Fazenda Pública de qualquer outro ente político.

(39) REsp n. 215881/PR.

(40) Diogo José Paredes Leite de Campos, “Justiça e Certeza no Direito Tributário Português”, In: Direitotributário: estudos em homenagem ao Prof. Ruy Barbosa Nogueira, coordenado por Brandão Machado.

(41) V. REsp’s ns. 150345/RS, 193453/SC, 578395/MG e outros.

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(42) A palavra limite aqui é empregada na acepção técnica em que é utilizada no cálculo diferencial damatemática, para exprimir o ponto de convergência limítrofe da operação iterativa anunciada.