os grandes atores do cenário energético global em mãos das empresas petroleiras internacionais...

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50.475 Capítulo 4 Os grandes atores do cenário energético global 4.1 A centralidade do Estado no campo da energia A garantia do abastecimento de energia é uma responsabilidade essencial de qualquer Estado. Por isso, o estudo da dimensão energética das relações internacionais atribui uma importância decisiva aos atores estatais. Dotados de poderes soberanos para decidir sobre o uso dos recursos energéticos existentes em cada país e para impor as políticas de energia, os Estados dispõem de diversos instrumentos para cumprir suas responsabilidades nesse setor. Em muitos casos, eles constituem empresas estatais de hidrocarbonetos, como a Aramco (Arábia Saudita), a Gazprom (Rússia) e a brasileira Petrobras (com participação também de capital privado a partir da década de 1990). Na lista das empresas com as maiores reservas de hidrocarbonetos do mundo, os dez primeiros lugares são ocupados por estatais. Em 2011, essas empresas controlavam 85% das reservas provadas em escala global 1 . Em contraste, o volume das reservas de 1 ESTADOS UNIDOS. International Energy Outlook 2011. Department of Energy (DoE), Information Energy Agency (IEA). De acordo com a base de dados do governo estadunidense, 47% dessas reservas estavam em mãos de empresas de capital 100% estatal, enquanto 38% eram controladas por companhias estatais abertas à participação de investidores privados, como é o caso da Petrobras.

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Page 1: Os grandes atores do cenário energético global em mãos das empresas petroleiras internacionais – ExxonMobil, BP, Chevron, Shell, e dezenas de outras, menores – correspondia

50.475

Capítulo 4

Os grandes atores do cenário energético global

4.1 A centralidade do Estado no campo da energia

A garantia do abastecimento de energia é uma responsabilidade

essencial de qualquer Estado. Por isso, o estudo da dimensão

energética das relações internacionais atribui uma importância

decisiva aos atores estatais. Dotados de poderes soberanos para

decidir sobre o uso dos recursos energéticos existentes em cada país

e para impor as políticas de energia, os Estados dispõem de diversos

instrumentos para cumprir suas responsabilidades nesse setor. Em

muitos casos, eles constituem empresas estatais de hidrocarbonetos,

como a Aramco (Arábia Saudita), a Gazprom (Rússia) e a brasileira

Petrobras (com participação também de capital privado a partir da

década de 1990).

Na lista das empresas com as maiores reservas de

hidrocarbonetos do mundo, os dez primeiros lugares são ocupados

por estatais. Em 2011, essas empresas controlavam 85% das reservas

provadas em escala global1. Em contraste, o volume das reservas de

1 ESTADOS UNIDOS. International Energy Outlook 2011. Department of Energy (DoE), Information

Energy Agency (IEA). De acordo com a base de dados do governo estadunidense, 47% dessas reservas

estavam em mãos de empresas de capital 100% estatal, enquanto 38% eram controladas por companhias

estatais abertas à participação de investidores privados, como é o caso da Petrobras.

Page 2: Os grandes atores do cenário energético global em mãos das empresas petroleiras internacionais – ExxonMobil, BP, Chevron, Shell, e dezenas de outras, menores – correspondia

hidrocarbonetos em mãos das empresas petroleiras internacionais –

ExxonMobil, BP, Chevron, Shell, e dezenas de outras, menores –

correspondia a 15% do total. Essa tendência se manteve ao longo da

primeira década do século 21. Em fevereiro de 2012, a renomada

publicação PetroStrategies apurou que 13 das 20 maiores empresas

proprietárias de reservas de petróleo e gás natural eram estatais ou

companhias de economia mista2.

O Estado também exerce seu poder no campo da energia por meio

dos investimentos em pesquisa e no financiamento dos atores

privados de acordo com prioridades estabelecidas a partir de

critérios públicos. Outro mecanismo decisivo de influência estatal é

a cobrança de impostos, taxas e outras formas de arrecadação fiscal

sobre os atores privados na produção e comércio de bens

energéticos. A cobrança de tributos constitui, em muitos países, uma

das principais fontes de receita dos Estados, que também utilizam as

normas fiscais, conforme a política adotada, como um meio de

regular a participação do capital privado no setor e de também de

estimular (ou não) a adoção de determinados hábitos de consumo

de energia entre os seus cidadãos.

Por fim, os Estados – especialmente, as grandes potências –

podem recorrer à ameaça de guerra ou até mesmo à força das armas

para garantir o seu acesso a recursos energéticos existentes em

2 http://www.petrostrategies.org/Links/worlds_largest_oil_and_gas_companies.html

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países estrangeiros ou para condicionar o comportamento de outros

Estados em questões ligadas ao abastecimento de combustíveis.

Os principais atores da energia global podem ser agrupados em

três grandes categorias: os países produtores, os países

consumidores e as empresas transnacionais de energia. Mas o

contexto energético global também envolve um conjunto de

organizações internacionais, com destaque para a Organização dos

Países Exportadores de Petróleo (Opep) e Agência Internacional de

Energia (AIE).

4.2 Os principais países exportadores de energia

Ao contrário do carvão, presente em todos os continentes em

grandes quantidades, o petróleo se distribui pelo planeta de um

modo muito desigual. De acordo com o BP Statistical Review of World

Energy, os países do Oriente Médio detém cerca de 54,4% das

reservas comprovadas de petróleo (BP, 2011, p.7), conforme a tabela.

DISTRIBUIÇÃO MUNDIAL DAS RESERVAS POR REGIÃO

REGIÃO RESERVAS %

(em bilhões de barris)

Oriente Médio........................... 752,5 54,4

América do Sul e Central............ 239,4 17,3

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Europa e Eurásia3........................ 139,7 10,1

África..........................................132,1 9,5

América do Norte........................ 74,3 5,4

Ásia e Pacífico............................. 45,2 3,9

(fonte: BP Statistical Review of World Energy June 2011)

Na lista dos países com as maiores reservas provadas, cinco dos

seis primeiros lugares pertencem àquela parte do mundo: pela

ordem, Arábia Saudita, Irã, Iraque, Emirados Árabes Unidos e

Kuwait. A Venezuela aparece em 2º lugar, a Rússia em 7º, a Líbia em

8º, o Cazaquistão em 9º e a Nigéria em 10º. O Brasil, que atualmente

ocupa a 15ª posição, deverá pular para a 12ª, assim forem

contabilizadas pela primeira vez as reservas do pré-sal, estimadas,

em uma avaliação conservadora, como um pouco mais de 30 bilhões

de barris de petróleo. No total, as reservas provadas no Oriente

Médio atingiam em 2011, de acordo com o anuário estatístico da BP,

752,5 bilhões de barris de petróleo.

Tabela: OS PAISES COM MAIORES RESERVAS PROVADAS

DE PETRÓLEO

País Reservas ( em bilhões de barris)

3 A denominação “Eurásia” significa, aqui, a Rússia e as demais ex-repúblicas soviéticas da Ásia Central,

com destaque para o Cazaquistão e o Azerbaijão.

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1º Arábia Saudita............................................264,5

2º Venezuela...................................................211,2

3º Irã..............................................................137,0

4º Iraque......................................................... 115,0

5º Kuwait.........................................................101,5

6º Emirados Árabes Unidos.............................. 97,8

7º Rússia.......................................................... 77,4

8º Líbia............................................................ 46,4

9º Cazaquistão.................................................. 39,8

10º Nigéria........................................................ 37,2

11º Canadá......................................................... 32,1

12º Estados Unidos .............................................30,9

13º Catar............................................................. 25,9

14º China............................................................ 14,8

15º Brasil............................................................. 14,2

16º Angola........................................................... 13,5

17º Argélia............................................................12,2

18º México............................................................11,4

19º Índia............................................................... 9,0

20º Azerbaijão...................................................... 7,0

(fonte: BP Statistical Review of World Energy June 2011)

Dois fatores reforçam dramaticamente a importância do petróleo

do Oriente Médio – especificamente, do Golfo Pérsico, pois a

produção em outros lugares da região, como a Síria e o Egito, é

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relativamente pequena, e exportadores importantes, como a Líbia e

a Argélia, costumam ser classificados no contexto africano. Em

primeiro lugar, a região exerce uma posição única no mercado

internacional, por sua capacidade de ampliar significativamente a

produção em curtíssimo prazo. Entre todos os países do mundo, a

Arábia Saudita é o único a manter uma reserva significativa de

capacidade ociosa pronta para ser acionada, o que lhe confere a

posição privilegiada de swing producer, ou seja, aquele que é capaz,

sozinho, de alterar as condições da oferta petroleira. Ainda mais

importante é o fato de que somente no Oriente Médio e no Norte da

África4, os países exportadores são considerados capazes de

aumentar sua produção, de modo sustentável, ao longo dos

próximos vinte ou trinta anos. Esse potencial se reforça ainda mais

com o fato de que, historicamente, os países do Golfo Pérsico têm

consumido uma parcela relativamente pequena do petróleo que

produzem5.

.........................................................

SAIBA MAIS

Reservas provadas, prováveis e possíveis

4 Recentemente, agregou-se a esse argumento o Brasil, que deverá, segundo estimativas da Petrobras,

duplicar sua produção de petróleo, com 5 milhões de barris diários em 2020, graças à exploração das

reservas da camada submarina do pré-sal. 5 Com a elevação gradual dos padrões de vida nos países exportadores de petróleo do Oriente Médio,

essas condições estão se modificando, o que introduz um novo elemento de preocupação no cenário

energético global.

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As reservas de petróleo podem ser classificadas em vários tipos, de

acordo com o grau de certeza de sua existência. As reservas

provadas correspondem ao volume de óleo que pode ser extraído de

uma determinada jazida, em condições economicamente viáveis,

com um grau de certeza estimado em 90% ou mais. Em geral, são

reservas já comprovadas por meio da perfuração de poços. Já as

reservas prováveis são aquelas cujas possibilidades de extração

economicamente viável são estimadas entre 50% e 90%. Por fim,

denominam-se reservas possíveis aquelas que se acredita existirem

em condições de serem extraídas naqueles campos onde os

trabalhos de prospecção ainda não terminaram – portanto, com um

nível de certeza muito pequeno. Conforme explica Helder Queiroz

Pinto Jr., professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro

(UFRJ), as reservas possíveis estão situadas em “campos onde foram

feitos estudos sísmicos e correlações com campos próximos já

estudados, mas ainda não houve perfuração de poços6”.

...........................................................

Além do Oriente Médio, vale a pena destacar alguns países e

regiões mais importantes entre os exportadores mundiais de

petróleo.

6 PINTO JUNIOR, Helder Queiroz (org.). Economia da Energia – Fundamentos Econômicos, Evolução Histórica

e Organização Industrial. Rio de Janeiro: Elsevier, 2007, p.51.

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Rússia – O país desfruta de uma posição privilegiada no cenário

energético. Embora seu território abrigue a 7ª maior reserva provada

de petróleo do mundo, a Rússia lidera o ranking dos maiores

produtores (10,2 milhões de barris diários em 2011), superando por

pouco a Arábia Saudita (10 milhões de barris diários) e muito à

frente dos demais fornecedores globais7. Destaca-se também no

cenário do gás natural, como dona das maiores reservas do mundo e

principal fornecedora de gás para a Europa Ocidental, à qual está

ligada por uma rede de gasodutos. Em 2011, a Rússia produziu 21%

de todo o gás consumido no mundo e 12% do petróleo. Suas jazidas

petrolíferas, de 77,4 bilhões de barris em reservas provadas,

espalham-se por seis regiões, com destaque para o litoral do Mar

Cáspio, os montes Urais e as ilhas Sakhalinas, no Pacífico. Somando-

se os volumes da comercialização de petróleo e de gás natural, a

Rússia exporta mais hidrocarbonetos do que a Arábia Saudita.

Alguns países europeus são especialmente dependentes das

remessas da Rússia, como a Alemanha, que recebe da Rússia 40% do

gás e 20% do petróleo necessários para o seu abastecimento. O Leste

Europeu e os países bálticos (Lituânia, Estônia e Letônia), assim

como Ucrânia, Moldova e Belarus, são ainda mais dependentes dos

suprimentos russos de energia – um legado da era soviética.

A indústria russa do petróleo passou por duas fases bem distintas

após a dissolução da URSS, em 1991. No primeiro período, as

empresas estatais foram desmanteladas e o fabuloso patrimônio do

7 BP. BP Statistical Review of World Energy 2011, London, 2011, p.8.

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país em recursos energéticos foi transferido para grandes empresas

privadas, ao mesmo tempo em que, incentivadas pelo governo,

transnacionais como a BP, a ExxonMobil e a Shell se instalaram no

país. No período seguinte, iniciado em 2000 com a posse de

Vladimir Putin como presidente, o Estado retomou as rédeas do

setor de energia, com a ampliação do controle estatal sobre a gestão

das gigantescas empresas mistas de petróleo e gás – com destaque, a

Rosneft e a Gazprom – e a adoção de restrições à presença do capital

estrangeiro. Tudo indica que o modelo atual, em que o Estado

detém o controle do setor da energia, deva se consolidar8.

Ásia Central – Embora as reservas petrolíferas das antigas

repúblicas soviéticas ao redor do Mar Cáspio não sejam tão

volumosas quanto as do Oriente Médio, ainda assim se tornaram, a

partir da década de 1990, o foco de uma corrida entre as principais

empresas petroleiras internacionais, ávidas pelo acesso a uma

riqueza que permaneceu sub-explorada durante a existência da

URSS. A região do Mar Cáspio abriga 48 milhões de barris de

petróleo e 499 trilhões de pés cúbicos de gás natural, concentrados

em quatro países: Azerbeijão, Cazaquistão, Uzbequistão e

Turcomenistão. De acordo com as projeções do governo

estadunidense, a produção de petróleo e gás do Mar Cáspio deverá

888

COLIN, Roberto. Rússia – O ressurgimento da grande potência. Florianópolis: Letras Brasileiras, 2007,

p.94-96..

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aumentar 171% no período de 2005 a 2030, o que torna essa região

uma das mais promissoras do mundo no setor energético.

O principal entre os produtores de petróleo do Mar Cáspio é o

Cazaquistão, que abriga o campo on shore de Tenguiz, o sexto maior

do mundo. Explorado desde 1993, quando entrou em operação, por

um consórcio entre a Chevron (50%), Shell (25%), KazMunaiGaz (a

estatal de hidrocarbonetos cazaque, com 20%) e a Rosneft (russa,

com 5%), esse campo petrolífero gera uma produção diária de 450

mil barris diários. Outra importante riqueza energética do

Cazaquistão é o campo petrolífero off shore de Kashagan, no Mar

Cáspio, cuja descoberta, em 2000, foi a maior dos últimos 30 anos –

antes das reservas brasileiras do pré-sal. Com reservas estimadas

entre 7 bilhões e 9 bilhões de barris de petróleo recuperáveis,

Kashagan está sendo explorado por uma sociedade que reúne a

Shell, ExxonMobil, ConocoPhillips, Eni, Total, Inpex (japonesa) e

KazMunaiGaz. Devido às difíceis condições climáticas, com

temperadoras de até 30º negativos no inverno e até 40º positivos no

verão, o início das operações foi adiado sucessivas vezes desde 2005.

A previsão, no início de 2012, era de que entrasse em funcionamento

no final desse mesmo ano9.

O Azerbaijão já foi um dos líderes da produção mundial de

petróleo. Atualmente, seus campos petrolíferos on shore estão em

declínio, mas descobertas recentes, off shore, estimadas em até 6,5

9 “Kashagan costs surge”, Robert M. Cutler, Asia Times, Bangkok, 21 de janeiro de 2012. Acesso em

7/4/2012 em http://www.atimes.com/atimes/Central_Asia/NA21Ag01.html

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bilhões de barris, devem garantir ao país um lugar entre os maiores

produtores. Outro importante campo off shore no Azerbaijão, o de

Shah Deniz, contém imensos volumes de gás. Já no Turcomenistão e

no Uzbequistão as reservas de petróleo são muito modestas, até

aonde se sabe, estimadas em apenas 600 milhões de barris em cada

um deles. Em compensação, esses dois países abrigam riquíssimas

reservas de gás. Em 2011, descobriu-se, no Turcomenistão, o campo

gasífero de Yolatan Sul, o segundo maior do mundo.

A grande dificuldade política na Ásia Central é o transporte dos

seus valiosos recursos energéticos até os mercados consumidores,

uma vez que o Mar Cáspio é um grande lago, cercado de terra por

todos os lados, e os países produtores de hidrocarbonetos, sem

acesso direto às águas marítimas, precisam fazer acordos

internacionais para obter a passagem dos recursos exportados, por

meio de oleodutos e gasodutos. A Rússia, potência dominante na

região, está empenhada em garantir o controle dessas rotas de

transporte, enquanto o EUA e seus aliados europeus estimulam,

com apoio político e financiamentos de bilhões de dólares, uma rede

de dutos alternativos para levar o petróleo e o gás da Ásia Central

até a Europa sem passar pela Rússia nem pelo Irã.

África – O continente africano está adquirindo importância

crescente na geopolítica energética global. Segundo o BP Statistical of

World Energy 2011, o continente africano é responsável por 12,4% da

produção mundial de petróleo e 7% de gás natural. Seu subsolo

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abriga 132 bilhões de barris em reservas de petróleo provadas, o que

representa cerca de 9,5% do total existente no mundo. A maior parte

desse volume está concentrado em um punhado de países – Argélia,

Angola, Líbia, Nigéria e Sudão – que possuem no conjunto 115

bilhões de barris. Há ainda um grupo de países com reservas

menores, porém sugnificativas ao ponto de atrair o interesses das

empresas estrangeiras. Entre eles, se incluem o Chade, Gabão, Egito,

Guiné Equatorial e República do Congo (Congo-Brazzaville).

Mesmo sem possuir estoques de hidrocarbonetos da mesma

magnitude do Golfo Pérsico, a África apresenta certas

particularidades que realçam o seu interesse aos olhos dos

investidores estrangeiros. A maior parte das suas reservas só

começou a ser intensamente explorada nas duas últimas décadas, o

que traz a promessa de maiores volumes de extração no futuro,

quando muitos campos petrolíferos em outras partes do mundo já

estarão em declínio. A previsão do Departamento de Energia dos

EUA é que a produção petrolífera africana deverá saltar de 10

milhões de barris diários em 2005 para 18 milhões em 2020 – um

aumento espetacular, de 80%. Outro atrativo é que boa parte do

continente ainda não foi devidamente pesquisada, o que significa

uma alta probabilidade de que ainda existam grandes reservas a

serem descobertas. Além disso, devido às condições de pobreza em

todo o continente africano, o consumo interno desses recursos é

ínfimo, liberando a quase totalidade da produção para as

exportações.

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Por esses e outros motivos, a África se tornou foco do interesse dos

principais países importadores de petróleo, especialmente os EUA, a

China, a França e a Itália. A África fornece atualmente 20% do

petróleo importado pelos EUA e essa parcela deverá atingir 25% em

2015, quando os novos campos petrolíferos off shore em Angola e na

Nigéria já estiveram em pleno funcionamento. O documento oficial

estadunidense de política energética, National Energy Policy, de 2001,

assinala a África, e em especial a região do Golfo da Guiné, como “a

fonte petrolífera e de gás para o mercado dos EUA que terá o

crescimento mais rápido10”.

O interesse estadunidense pelo petróleo do Golfo da Guiné é

movido por fatores que vão além do imenso volume das suas

reservas, estimadas em 24 bilhões de barris. Trata-se de um petróleo

do tipo “leve” (isto é, altamente fluido e com baixa presença de

enxofre), muito valorizado pelas refinarias dos EUA. O risco político

da exploração é baixo, uma vez que as principais reservas se situam

off shore. A exploração, em plataformas a quilômetros de distância

da costa, está imune aos conflitos étnicos, frequentes na região, e aos

protestos de populações descontentes por serem excluídas dos

benefícios da exploração das riquezas situadas nos territórios onde

vivem11. Por fim, a localização das reservas do Golfo da Guiné é

perfeita, tanto do ponto de vista logístico quanto do estratégico. As

10

THE WHITE HOUSE. Reliable, Affordable, and Environmentally Sound Energy for America’s Future – Report

of the National Energy Policy Development Group, 16 de maio de 2001. 11

KLARE, Michael T. Rising Powers, Shrinking Planet – The New Geopolitics of Energy. New York:

Metropolitan Books, 2008, p.158.

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rotas marítimas entre o litoral oeste africano e a costa leste dos EUA

estão completamente desimpedidas, sem a necessidade de que os

navios-petroleiros atravessem estreitos como o de Ormuz, no Golfo

Pérsico, ou o do Bósforo, entre o Mediterrâneo e o Mar Negro –

gargalos geopolíticos sempre sob o risco de bloqueio em função de

conflitos internacionais. Ao contrário, a navegação ocorre em águas

do Atlântico sob total controle da frota naval estadunidense.

Venezuela – Com uma produção diária de 2,4 milhões de barris

diários de petróleo, na maior parte extraída do Lago de Maracaibo, a

Venezuela é o maior produtor de petróleo das Américas12. Suas

reservas começaram a ser exploradas intensamente na década de

1910 pela Royal Dutch Shell e pela Standard Oil of New Jersey. No

final da década seguinte, o país já tinha se tornado o segundo

produtor mundial, atrás apenas dos EUA. Esse tesouro enriquecia as

transnacionais petroleiras, que se beneficiavam de contratos de

concessão firmados com governantes corruptos, submissos aos

interesses estrangeiros. Até quase a metade do século, as regras

desiguais para a partilha dos lucros com a exploração das reservas

do país garantiam aos investidores externos até 85% da receita

petroleira, cabendo ao Estado venezuelano apenas 15%, na forma de

royalties e de impostos13.

12

BP. BP Statistical Review of World Energy 2011. 13

MARINGONI, Gilberto. A Venezuela que se inventa – Poder, petróleo e intriga nos tempos de Chávez. São

Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2004, p.87.

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A situação começou a mudar em 1948, quando a Venezuela

liderou uma mobilização dos países produtores para estabelecer a

partilha dos ganhos entre o Estado proprietário dos recursos e as

empresas concessionárias na base de 50%/50%, com sucesso. Em

1960, tornou-se o primeiro país do hemisfério ocidental a participar

da Opep e, mais tarde, em 1974, incorporou-se à maré

nacionalizante mundial ao estatizar as petroleiras transnacionais,

com a criação da empresa estatal Petroleos de Venezuela S.A.

(PdVSA). Essa gigantesca empresa responde, até hoje, por cerca de

90% das exportações venezuelanas e cerca de 50% da arrecadação

fiscal. Na década de 1980, a crise econômica e a ofensiva ideológica

do neoliberalismo criaram condições para a chamada “abertura

petroleira”, com o ingresso de capital estrangeiro no setor e o início

de um processo gradual de privatização da PdVSA14. Essa

tendência se reverteu a partir da posse, em 1999, do presidente

Hugo Chávez, eleito com o compromisso de interromper a pilhagem

do petróleo venezuelano pelas empresas transnacionais e pelas elites

locais associadas a elas – e a utilizar a renda das exportações para

melhorar as condições de vida da maioria da população,

historicamente submetida a todos os tipos de carências. Chávez

passou a destinar grande parte dos lucros da PdVSA para financiar

programas sociais de saúde, moradia, alimentação e ensino, em

14

MOMMER, Bernard. Subversive Oil. In: ELLNER, Steve; HELLINGER, Daniel

(eds.), Venezuelan Politics in the Chávez Era, pp. 131-146. Boulder (EUA), London:

Lynne Rienner Publishers, 2003.

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favor das camadas mais pobres. Ao mesmo tempo, obrigou as

transnacionais a renegociar os contratos, com o aumento da

participação estatal sobre a receita, e determinou que a estatal

venezuelana tivesse a maioria das ações em todos os projetos com

empresas estrangeiras para a exploração de hidrocarbonetos.

Por sua política nacionalista e opção pelo uso social das riquezas

petrolíferas, Chávez sofre forte oposição das transnacionais da

energia e seus aliados na mídia e nos governos. Ainda assim, muitas

empresas estrangeiras continuam a operar na Venezuela, como

sócias minoritárias do Estado, atraídas pelo petróleo extra-pesado

das margens do Rio Orenoco. O reconhecimento oficial desses

estoques de hidrocarbonetos, em 2010, elevou as reservas provadas

da Venezuela de cerca de 77 bilhões de barris para 211 bilhões

situando o país em segundo lugar no ranking mundial dos donos de

reservas petrolíferas, com 15% do total no planeta, atrás apenas da

Arábia Saudita15.

4.3 Os principais países importadores de energia

Dois fenômenos paralelos deverão impulsionar a demanda

mundial por petróleo nas próximas décadas: 1) os EUA e demais

países desenvolvidos deverão manter sua dependência das

importações de hidrocarbonetos – petróleo e gás natural – e, no caso

da Europa, também do etanol; 2) prosseguirá o aumento vertiginoso

15

BP, BP Statistical Review of World Energy 2011.

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do consumo de energia – inclusive de petróleo – nos países em

desenvolvimento, principalmente na China e na Índia.

Estados Unidos – Com apenas 5% da população mundial, os EUA

consumiram, em 2010, cerca de 21% de todo o petróleo produzido

no planeta16. Desse consumo, de 18,7 milhões de barris diários, cerca

da metade (49,7%) corresponde às importações de petróleo do

exterior17. Esse resultado foi comemorado pelo governo de Barack

Obama como uma proeza, uma vez que inverte a tendência de

aumento constante do percentual de importações no volume total de

petróleo consumido nos EUA. Pela primeira vez desde 1997, o país

produziu internamente mais petróleo do que o volume recebido de

fornecedores estrangeiros. No entanto, esse resultado positivo pode

ser atribuído, em grande medida, à recessão econômica iniciada em

2008.

A dependência das importações de petróleo é apontada por

muitos analistas como o “calcanhar-de-aquiles” do império

estadunidense, pois, na hipótese de um conflito global, colocará em

risco o funcionamento de sua economia e até mesmo suas

capacidades militares. Desde o Choque do Petróleo, de 1973, todos 16

BP, BP Statistical Review of World Energy 2011. 17

“U.S. relies less on oil imports to meet fuel demand: government”, Tom Doggett, Reuters, Washington,

25 de maio de 2011. Acesso em 7/4/2012: http://www.reuters.com/article/2011/05/25/us-usa-oil-imports-

idUSTRE74O78R20110525

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os presidentes dos EUA têm defendido a adoção de medidas para

conquistar a “independência energética”, ou seja, a auto-suficiência

na produção de energia. Na prática, as importações de petróleo

pelos EUA cresceram de 3,2 milhões de barris diários em 1973 para

5,3 milhões em 1980 e continuaram até atingir a proporção de 60,3%

em 200518. Desde então, as importações vem diminuindo, em um

fenômeno atribuído a conjunto de fatores que inclui o aumento da

produção de petróleo offshore (no Golfo do México), a mistura de

etanol com a gasolina, a fabricação de carros e caminhões mais

eficientes e, a partir de 2008, a redução do ritmo de crescimento

econômico devido à crise mundial do capitalismo. Ainda assim, o

Departamento de Energia dos EUA prevê que, mesmo no cenário

mais favorável, o país chegará a 2035 – ano em que perderá para a

China a posição de maior consumidor de petróleo do mundo – com

uma dependência de 40% em relação ao petróleo importado. Em

caso de uma redução da oferta petroleira global, a maior potência

militar do mundo terá de competir no mercado internacional para

obter os suprimentos indispensáveis, tal como qualquer outro país.

Outro fator a ser considerado é a crescente dependência

estadunidense em relação à importação de produtos

manufaturados, em consequência da relativa desindustrialização de

sua economia e dos custos mais baixos de produção na China e em

outros países asiáticos. Na medida em que essas importações

18

CORDESMAN, Anthony H. US Oil and Gas Import Dependence: Department of Energy Projections in 2011.

Center for Strategic and International Studies (CSIS), Washington, 29 de abril de 2011.

Page 19: Os grandes atores do cenário energético global em mãos das empresas petroleiras internacionais – ExxonMobil, BP, Chevron, Shell, e dezenas de outras, menores – correspondia

absorvem petróleo em seu processo produtivo, pode-se afirmar que

a dependência energética dos EUA é, na realidade, bem maior do

que sugerem as estatísticas oficiais.

Nas duas últimas décadas, os EUA têm procurado diversificar os

fornecedores externos a fim de reduzir sua vulnerabilidade a

rupturas no suprimento de petróleo. Os dirigentes estadunidenses

se preocupam, em especial, com o risco de o país se tornar

dependente dos exportadores do Golfo Pérsico, uma região marcada

por intensos conflitos. Entre os dez países que mais exportaram

petróleo para os EUA em 2010, três estão situados no contexto

geopolítico do Oriente Médio e Norte da África: Arábia Saudita,

Iraque e Argélia. Os outros quatro são Canadá, México, Venezuela,

Nigéria, Rússia, Angola e Colômbia19.

O grande problema do abastecimento de energia nos EUA é que o

consumo de petróleo está cada vez mais concentrado no setor de

transportes, que se tornou o principal causador do crescimento da

demanda desse combustível. Os transportes respondem por 85% do

aumento do consumo de petróleo naquele país entre 1985 e 2000.

Outra maneira de medir esse fenômeno é olhar para a parcela do

transporte no consumo de petróleo nos EUA20, que cresce sem parar,

passando de 54% em 1978 para 67% em 2000 (DoE 2005). Quase um

19

ESTADOS UNIDOS, Department of Energy (DoE), Information Energy Agency (IEA), International

Energy Outlook 2011. 20

(A indústria é estável na sua participação no consumo total de energia: 25%. E é responsável

por uma parte decrescente do aumento da demanda: 26% no período 1949-2000, e 15% em 1980-

2000. Os outros setores (residencial, comercial e produção de eletricidade) têm tendência a

permanecer marginais: 22% da demanda em 1949. (DoE 2005).

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em cada sete barris de petróleo do mundo é consumido nas auto-

estradas dos EUA. Segundo o Wall Street Journal, entre 1970 e 2000, a

população dos Estados Unidos aumentou 32%; os titulares de carta

de motorista, 63%; o numero de veículos, 90%; e a distância total

percorrida por ano 132%.21 Essas estatísticas mostram que nenhuma

política de controle da demanda pode dar certo nos EUA se o país

não modificar os padrões de consumo de combustível nos

transportes.

China – O ingresso da China no cenário energético acompanha o

ritmo vertiginoso do seu crescimento econômico. Para se ter uma

ideia, o percentual da energia global consumido pela China em 1990

era de apenas 8%, enquanto os EUA consumiam três vezes mais,

24%, e os países da Europa Ocidental, somados, 20%. Em 2006, uma

década e meia depois, a parcela da China no consumo mundial de

energia havia duplicado para 16%, com a expectativa de atingir 21%

em 2030, segundo as projeções do governo estadunidense. Assim

com os EUA, a China depende, cada vez mais, da importação de

recursos energéticos, principalmente petróleo. Apesar do esforço

chinês de desenvolver as fontes domésticas de energia (carvão,

hidreletricidade e energia nuclear), a previsão é de que a

dependência das importações seguirá aumentando sem parar.

21

“The Road More Traveled. Cars are essential to the American Dream”, The Wall Street Journal,

Editorial Page, August 10, 2001.

Page 21: Os grandes atores do cenário energético global em mãos das empresas petroleiras internacionais – ExxonMobil, BP, Chevron, Shell, e dezenas de outras, menores – correspondia

A China já foi autossuficiente em petróleo e até exportava a

produção excedente. Em 1993, a situação se inverteu e as

importações passaram a superar as exportações. Doze anos depois,

em 2005, o país se tornou o segundo maior consumidor mundial de

petróleo e, de acordo com as previsões da Agência Internacional de

Energia (AIE), deverá ser responsável por 47% no aumento de

consumo até 203022. A AIE estima que o consumo de petróleo da

China crescerá 3,4% ao ano no período que se estende até 2030 –

uma taxa extraordinária, equivalente ao dobro do índice mundial.

Apesar do aumento acelerado da participação do petróleo e do

gás natural, o principal item na matriz energética chinesa é o carvão,

recurso do qual o país é, ao mesmo tempo, o maior produtor, o

maior consumidor e o maior importador mundial. Cerca da metade

do consumo mundial de carvão ocorre na China. A emergência da

China em 2009 como importador de carvão em termos líquidos23

acarretou uma alta dos preços e a realização de novos investimentos

em países exportadores, incluindo a Austrália, Indonésia, Rússia e

Mongólia24.Um problema estrutural do modelo energético chinês é a

localização das principais jazidas de carvão, no nordeste, enquanto

os maiores centros de consumo se situam no sudoeste. Isso obriga as

autoridades chinesas a mobilizar 60% do sistema ferroviário do país

apenas para transportar o carvão. O recurso intensivo ao carvão

22

INTERNATIONAL ENERGY AGENCY (IEA). World Energy Outlook 2011, Paris. 23

O fato de um país ser importador líquido significa que o valor das suas importações ultrapassa o das

exportações. 24

INTERNATIONAL ENERGY AGENCY (IEA). World Energy Outlook 2011, Paris.

Page 22: Os grandes atores do cenário energético global em mãos das empresas petroleiras internacionais – ExxonMobil, BP, Chevron, Shell, e dezenas de outras, menores – correspondia

coloca a China no topo da lista dos maiores poluidores mundiais,

gerando fortes pressões internacionais para que o país modifique a

sua política energética.

A saída tem sido o reforço da produção de energia em

hidrelétricas e centrais nuclear. O potencial hidrelétrico chinês

aumentou espetacularmente com a entrada em operação do

complexo de represas de Três Gargantas, o maior do mundo. O

equipamento nuclear ainda é modesto (11 reatores), mas existem

planos ambiciosos de expansão. A China também está procurando

investir nas fontes energéticas renováveis, como a energia eólica e a

energia solar, que deverão ampliar sua participação na geração de

eletricidade dos atuais 3% para 15% em 2035, graças ao apoio de

fortes subsídios estatais25.

Japão – Terceira economia mundial, o Japão é muito pobre em

recursos energéticos e, portanto, altamente dependente das

importações, que respondem por 88% da sua energia primária. O

país é o primeiro importador mundial de carvão e o terceiro de

petróleo e de gás. Suas únicas fontes energéticas significativas são a

hidroeletricidade (9% da produção total de eletricidade) e,

sobretudo, a energia nuclear (26% da eletricidade), da qual é o

terceiro maior produtor mundial, atrás dos EUA e da França.

25

INTERNATIONAL ENERGY AGENCY (IEA). World Energy Outlook 2011, Paris.

Page 23: Os grandes atores do cenário energético global em mãos das empresas petroleiras internacionais – ExxonMobil, BP, Chevron, Shell, e dezenas de outras, menores – correspondia

Europa – O panorama energético da União Europeia (UE) se

caracteriza, em primeiro lugar, pelo elevado consumo de energia e,

em segundo, pela dependência de fornecedores de fora da

comunidade (Rússia, Oriente Médio, África). Isso ocorre devido à

inexistência de rios caudalosos, capazes de gerar hidroeletricidade

em escala significativa, e de jazidas expressivas de petróleo e gás,

com exceção das reservas petrolíferas do Mar Norte, exploradas

pelo Reino Unido e pela Noruega. Mesmo essas já atingiram o seu

pico de produção e apresentam um rendimento menor a cada ano.

O problema da dependência se agrava pela falta de consenso

quanto aos meios de obter suprimentos energéticos. A grande

diversidade de condições impede que os principais integrantes da

UE coordenem suas estratégias no campo da energia, conforme

análise do especialista francês Bertrand Barré26. A Alemanha

importa 71% da energia que consome (principalmente, petróleo e

gás procedentes da Rússia) e sua situação de dependência tende a

aumentar na medida em que os atuais reatores atômicos –

responsáveis por 31% da eletricidade – esgotem seu prazo de

funcionamento, sem serem substituídos, em cumprimento à decisão

adotada por pressão do poderoso movimento anti-nuclear. O

fechamento desses reatores, com a consequente queda da produção

interna de eletricidade, deverá aprofundar a dependência da

Alemanha em relação aos suprimentos russos.

26

BARRÉ, Bertrand. Atlas des Énergies – Quels choix pour quel développement? Paris: Autrement, 2007, p.66.

Page 24: Os grandes atores do cenário energético global em mãos das empresas petroleiras internacionais – ExxonMobil, BP, Chevron, Shell, e dezenas de outras, menores – correspondia

A França, em contraste, aposta fortemente na energia nuclear, que

responde por um terço de sua matriz energética. Outro terço vem do

gás natural, importado da Argélia por um gasoduto submarino, e a

parcela restante corresponde ao petróleo do norte da África e do

Oriente Médio. Já o Reino Unido desfrutou, entre a segunda metade

da década de 1970 e o início da de 2000, de uma situação confortável

como o único país da União Europeia a exportar energia. A partir de

2004, com o esgotamento das reservas petrolíferas do Mar do Norte,

retomou seu programa de instalação de usinas nucleares.

Uma aposta da Europa para reduzir a dependência da Rússia é a

diversificação dos seus fornecedores de gás. Em especial, os países

europeus podem se beneficiar da redução das mudanças

tecnológicas recentes que reduziram os preços do transporte do gás

natural liquefeito (GNL). A importação de maiores volumes de GNL

vai requerer investimentos substanciais em infra-estrutura de

terminas de gasificação, mas essa despesa deve ser vista como um

custo necessário para realçar a segurança energética e manter a

independência na formulação da política externa e econômica27.

4.3 As empresas transnacionais de energia

Conhecidas pela sigla de IOCs (International Oil Companies), as

transnacionais petroleiras dominaram o setor durante a maior parte

27

MYERS, Amy; SOLIGO, Ronald. Militarization of Energy: Geopolitical Threats to the Global Energy System,

Energy Forum – James A. Baker III Institute for Public Policy of Rice University, Houston (TX), 2008, p.34.

Page 25: Os grandes atores do cenário energético global em mãos das empresas petroleiras internacionais – ExxonMobil, BP, Chevron, Shell, e dezenas de outras, menores – correspondia

do século 20 e mantêm uma enorme influência ainda hoje. Na lista

das 500 maiores empresas do mundo pelo faturamento em 2011, seis

das doze maiores eram IOCs: RoyalDutch Shell (2º lugar28),

ExxonMobil (3º), BP (4º), Chevron (10º), Total (11º) e ConocoPhillips

(12º)29, conforme a tabela abaixo.

MAIORES EMPRESAS DE PETRÓLEO E GÁS (2011)

Posição na Empresa Faturamento País-sede

Propriedade

Fortune 500 (US$ bilhões,

em 2011)

2º Royal Dutch Shell 378 Reino Unido/Holanda Privada

3º Exxon/Mobil 484 EUA Privada

4º BP 308 Reino Unido Privada

5º Sinopec 273 China Mista

6º PetroChina 240 China Mista

10º Chevron 196 EUA Privada

11º Total 186 França Privada

12º ConocoPhillips 184 EUA Privada

28

O primeiro lugar na lista é ocupado pela rede de supermercados Wall-Mart, com um faturamente de

mais de US$ 421 em 2011.

29 Fortune Global 500, 2011. Disponível em www.money.cnn.com

Page 26: Os grandes atores do cenário energético global em mãos das empresas petroleiras internacionais – ExxonMobil, BP, Chevron, Shell, e dezenas de outras, menores – correspondia

23º ENI 131 Itália Privada

34º Petrobras 120 Brasil Mista

35º Gazprom 118 Rússia Mista

49º Pemex 101 México Estatal

66º PdVSA 88 Venezuela Estatal

(Fonte: Fortune Global 500, 2011)

Quase todas as IOCs compartilham a organização vertical que

caracteriza as grandes empresas petroleiras desde o seu surgimento,

ou seja, o controle de toda a cadeia produtiva, desde o poço de

petróleo até o posto de gasolina. Essas empresas gigantescas, em sua

trajetória de mais de um século, aprenderam a equilibrar a

cooperação e a disputa nas relações existentes entre si. Ao mesmo

tempo em que competem por mercados, avanços tecnológicos e

fontes de recursos energéticos, formam alianças entre si para

negociar com os governos na busca de regras mais vantajosas para o

negócio petroleiro, em geral, e para as grandes corporações do setor,

em especial. Embora privadas, as IOCs – também conhecidas,

coletivamente, como Big Oil ou “as principais” – desenvolveram

estreitos laços com os seus respectivos governos nacionais,

especialmente com o dos EUA, onde se situa a maioria delas30.

Essas empresas são principais fontes de financiamento das

campanhas eleitorais estadunidenses, o que lhes permite, após a

30Mesmo a Shell e a BP, sediadas respectivamente em Haia e em Londres, possuem subsidiárias poderosas

e influentes nos EUA, onde desenvolvem atividades de lobby e de financiamento de campanhas eleitorais.

Page 27: Os grandes atores do cenário energético global em mãos das empresas petroleiras internacionais – ExxonMobil, BP, Chevron, Shell, e dezenas de outras, menores – correspondia

vitória dos candidatos beneficiados pelo seu dinheiro, uma

capacidade especial de influir na elaboração de políticas públicas

favoráveis aos seus interesses, defendidos cotidianamente por meio

da atuação de lobistas contratados por elas. De acordo com a

pesquisadora Antonia Juhasz, entre 1998 e 2006, a ExxonMobil

sozinha gastou mais de US$ 80 milhões com lobby junto às

autoridades de Washington. Em conjunto, a ExxonMobil, a

Chevron, a BP, a Marathon e a ConocoPhillips gastaram nesse

período US$ 240 milhões com a contratação de escritórios de lobistas

para influenciar o governo estadunidense31.

Essa influência é exercida tanto em assuntos de política interna

dos EUA quanto nas questões mais importantes da política externa.

Por exemplo, no período entre o final da década de 1990 e o início

dos anos 2000, todas as companhias petroleiras participaram do

lobby para impedir o governo dos EUA e demais governos do

mundo de adotar medidas expressivas para interromper o

aquecimento global. “Suas motivações não são misteriosas”,

explicou Juhasz. “Conforme a oferta de petróleo convencional se

esgota, a oferta disponível de óleo cru vai ficando mais suja e está

sendo encontrada em regiões mais ambientalmente sensíveis32.”

As IOCs têm se empenhado, nas últimas décadas, em bloquear as

iniciativas de congressistas, funcionários governamentais e

organizações da sociedade civil estadunidense em favor da adoção

31 JUHASZ, Antonia. A Tirania do Petróleo – A mais poderosa indústria do mundo e o que pode ser feito para detê-

la. Rio de Janeiro: Ediouro, 2008, p.21. 32

JUHASZ, 2008, p.288.

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de normas mais rígidas para a eficiência energética dos veículos e

para a proteção ambiental. Na agenda internacional dos EUA,

destaca-se o apoio das grandes petroleiras às intervenções militares

em países do Oriente Médio que abrigam valiosas reservas

petrolíferas, como o Iraque e a Líbia, beneficiando-se, após a

derrubada de governos locais hostis, com a assinatura de contratos

para a exploração desses recursos em termos altamente favoráveis

às transnacionais.

O imenso poder das IOCs se reflete em lucros impressionantes,

muito superiores ao de qualquer outro ramo dos negócios. De

acordo com o Comitê de Recursos Naturais da Câmara de

Representantes dos EUA, as cinco maiores empresas petroleiras,

somadas, lucraram US$ 952 bilhões no período de 2000 a 2010 – ou

seja, quase US$ 1 trilhão, em uma década marcada pela alta

contínua dos preços dos combustíveis33.

Várias da IOCs da atualidade são gigantescas corporações

resultantes da fusão entre empresas que já eram enormes

isoladamente: ExxonMobil, Chevron (agora incluindo a Texaco),

Total (que incorporou a Fina e Elf), entre outras. Esse processo de

fusões, assim como o ingresso de novas companhias no grupo das

principais durante as últimas décadas, tornou sem sentido a

expressão “Sete Irmãs”, utilizada para designar as integrantes do

33

“Oil and Gas Industry Profit Reports Spark Latest Outcry Against Subsidies”, Kathie Howell, The New

York Times, 29 de julho de 2001. Acesso em 21/4/2012 em

http://www.nytimes.com/gwire/2011/07/29/29greenwire-oil-and-gas-industry-profit-reports-spark-late-

87276.html

Page 29: Os grandes atores do cenário energético global em mãos das empresas petroleiras internacionais – ExxonMobil, BP, Chevron, Shell, e dezenas de outras, menores – correspondia

cartel das transnacionais petrolíferas que teve seu apogeu entre as

décadas de 1930 e 1960. Três das “sete irmãs” tiveram sua origem na

Standard Oil, o monopólio privado estadunidense que estabeleceu o

modelo de megaempresa petrolífera ainda em vigor: a Exxon, a

Mobil e a Chevron, criadas depois que a Standard foi dissolvida, em

1911, por uma decisão judicial. O grupo das sete integrantes do

extinto cartel das transnacionais se completava com a Gulf, a

Texaco, a British Petroleum (atual BP) e a anglo-holandesa Royal

Dutch Shell.

São as seguintes as principais empresas transnacionais privadas

no setor do petróleo:

ExxonMobil – A maior entre as 42 empresas em que se

fragmentou a Standard original foi a Standard Oil of New Jersey

(ou, simplesmente, Jersey), que em 1972 mudou o nome para Exxon

Corporation. Fora dos EUA (inclusive no Brasil), a empresa já

operava muito antes dessa data com o nome de Esso34. Sem fontes

próprias de petróleo nos EUA, a Jersey/Exxon, assim como outras

das herdeiras do império de John D. Rockefeller, dedicou-se desde

as primeiras décadas do século XX à exploração de reservas no

exterior: inicialmente, na Venezuela e no México; mais tarde,

também no Oriente Médio. Já a Mobil se formou com o nome de

Standard Oil of New York, ou Socony, como era conhecida. Em

1931, fundiu-se com outra das empresas-filhotes da Standard, a

Vaccum Oil Company, formando a Socony-Vacuum, que em 1966

34

FALOLA; GENOVA, 2005, p.29-30.

Page 30: Os grandes atores do cenário energético global em mãos das empresas petroleiras internacionais – ExxonMobil, BP, Chevron, Shell, e dezenas de outras, menores – correspondia

passou a se chamar Mobil Oil Corporation. Em 1999, a Exxon e a

Mobil se fundiram, formando a ExxonMobil, que atualmente opera

em mais de 200 países.

Royal Dutch Shell – A gigante anglo-holandesa começou, no final

do século XIX, como duas empresas separadas: a Royal Dutch, de

Henri Deterding, que recebeu uma concessão da monarquia

holandesa para explorar petróleo na Ásia, e a Shell Transport and

Trading Company, de Marcus Samuel, um antigo funcionário da

família de banqueiros Rothschild. Por ocasião da fusão, em 1907, a

Shell era, de longe, a mais forte das duas, dona de uma enorme frota

de navios e com uma rede de distribuição espalhada por boa parte

do mundo35. Mas a Royal Dutch tinha o que mais fazia falta à Shell:

ricas reservas petrolíferas, concentradas na colônia holandesa que,

mais tarde conquistou a independência com o nome de Indonésia.

Na segunda metade do século XX, a Shell expandiu suas operações

com grandes descobertas de petróleo no Mar do Norte e na Nigéria,

entre outros lugares. Opera atualmente em 145 países.

BP – A empresa, com sede em Londres, tem sua origem na

descoberta de petróleo na Pérsia (atual Irã), em 1901, pelo

aventureiro britânico William d’Arcy. Em 1909, a companhia criada

por D’Arcy se tornou a Anglo-Persian Oil Company, e controlava

quase todos os poços de petróleo da Pérsia (na época, uma semi-

colônia britânica). Em 1914, o governo britânico adquiriu a metade

35

YEOMANS, Matthew. Oil – Anatomy of an Industry. New York: The New Press, 2004, p. 4-5.

Page 31: Os grandes atores do cenário energético global em mãos das empresas petroleiras internacionais – ExxonMobil, BP, Chevron, Shell, e dezenas de outras, menores – correspondia

das ações da companhia, com o objetivo de garantir os suprimentos

de petróleo para a Marinha Real e de assegurar a participação da

Grâ-Bretanha na partilha dos recursos petrolíferos do Oriente Médio

entre as potências imperialistas36. Em 1935, a empresa passou a se

chamar Anglo-Iranian Oil Company, acompanhando a mudança de

nome do país. Até o início da década de 1950, a Anglo-Iranian

concentrava toda a sua produção petrolífera no Irã, sem operar em

nenhum outro país. Essa posição ficou abalada com o conflito

político que a levou a ser expulsa do Irã, em 1951, retornando em

1953, depois que um golpe de Estado articulado pelos governos dos

EUA e da Grã-Bretanha derrubou o primeiro-ministro nacionalista

Mohammed Mossadegh e substitui a democracia parlamentar por

uma ditadura militar liderada pelo xá Reza Pahlevi. Num esforço

para melhorar sua imagem após esse episódio, a Anglo-Iranian

mudou seu nome para British Petroleum em 1954. Mais tarde,

durante a onda de privatizações liderada pela primeira-ministra

Margaret Thatcher, o governo britânico vendeu suas ações da British

Petroleum, que, por sua vez, comprou a Standard Oil of Ohio e a

companhia britânica Britoil. Uma nova onda de expansão teve como

marco o ano de 1998, com a incorporação da Standard Oil of Indiana

(Amoco), uma das principais herdeiras do monopólio de

Rockefeller. Em 2001, a empresa mudou de nome outra vez, ao se

tornar apenas BP, juntando as iniciais de British Petroleum, e

agregando o slogan em inglês “Beyond Petroleum” (“Além do

36

YERGIN; 1993, p. 127-134.

Page 32: Os grandes atores do cenário energético global em mãos das empresas petroleiras internacionais – ExxonMobil, BP, Chevron, Shell, e dezenas de outras, menores – correspondia

Petróleo”), que repete as mesmas letras37. A intenção era dissociar

sua imagem de uma fonte de energia antiga e poluidora,

enfatizando um novo perfil, adequado à “era pós-petróleo” e com

foco nas energias renováveis. Mas essa ofensiva de relações públicas

desmoronou em abril de 2010, com a gravíssima catástrofe ecológica

provocada pela explosão de uma plataforma submarina da BP no

Golfo do México, Deepwater Horizon, espalhando milhões de barris

de petróleo por uma vasta área marítima.

ChevronTexaco – É o resultado da fusão da Chevron e da Texaco,

ocorrida em 2001. A Chevron, denominada SoCal até 1977, nasceu

com a descoberta de petróleo no norte de Califórnia, em 1879, com o

nome de Pacific Coast Oil Company, mas logo foi incorporada a

Standard Oil Company. Após a fragmentação do império de

Rockefeller, em 1911, reconstituiu-se como Standard Oil of

California (SoCal), aproveitando a abertura do Canal do Panamá,

três anos depois, para conquistar mercados na costa leste dos EUA e

na Europa. Nas décadas seguintes, conquistou seu lugar entre as

“Sete Irmãs” com a exploração de concessões petrolíferas no México,

Filipinas, Bahrein e Arábia Saudita. Um fator importante para o seu

crescimento foi a compra de empresas concorrentes, como a

Standard Oil of Kentucky (outra herdeira da Standard original), em

1961, e, principalmente, em 1984, a Gulf Oil Corporation – sua

37

FALOLA; GENOVA; 2005, p. 31-32.

Page 33: Os grandes atores do cenário energético global em mãos das empresas petroleiras internacionais – ExxonMobil, BP, Chevron, Shell, e dezenas de outras, menores – correspondia

antiga parceira no cartel das “Sete Irmãs”38. Após essa operação, a

SoCal passou a se chamar Chevron. Em sua trajetória, a empresa –

assim como as demais integrantes do grupo seleto do “Big Oil” –

sempre manteve grande proximidade com os círculos elevados do

poder em Washingon. O sinal mais visível dessas relações

privilegiadas foi a nomeação de uma alta executiva da Chevron,

Condoleeza Rice, para o cargo de secretária de Estado, no governo

de George W. Bush (2000-2008).

ConocoPhillips – Com sede em Houston, no Texas, é uma grande

corporação, formada em 2002 com a fusão de duas empresas com

raízes no início do negócio petroleiro nos EUA, a Continental Oil e a

Phillips Petroleum Company. A Continental surgiu em 1875, com o

foco no carvão e no querosene, e depois foi incorporada ao truste de

Rockefeller. Com a fragmentação da Standard, retomou seu nome

original e se dedicou, na maior parte do século, ao refino e

comercialização de combustíveis, com filiais em diversos países

europeus. A Phillips, fundada em 1917, também acumulou capital

no varejo, com uma grande rede de postos de gasolina, e na década

de 1950 se tornou uma das pioneiras na exploração de petróleo off

shore, no Golfo do México, expandindo depois suas atividades para

o Mar do Norte, o Mar do Timor e o Mar da China39.

38

FALOLA; GENOVA; 2005, p.33-34. 39

FALOLA; GENOVA; 2005, p. 35-36

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TotalFinaElf – Com o próprio nome sugere, a petrolífera francesa

é o resultado da fusão entre três empresas. A mais importante delas

é a antiga Compagnie Française des Pétroles (CFP), formado em

1924 e parcialmente estatizada três anos depois, quando o governo

se tornou o seu maior acionista. Desde então, atuou no Oriente

Médio (especialmente, no Iraque) e no Norte da África com o

objetivo de garantir à França suas próprias fontes de petróleo. A

aliança com as grandes companhias estadunidenses e inglesas fez

com a que a CPF ficasse conhecida como a “oitava irmã”. Na

década de 1980, passou a se chamar TotalCPF e, a partir de 1991,

apenas Total. No final daquela década, o governo francês vendeu a

maior parte de suas ações na empresa, mantendo apenas uma fração

de 10% do seu capital. Livre para buscar novos parceiros, a Total

comprou a companhia belga PetroFina, em 1999, passou a se chamar

TotalFina. No ano seguinte, fundiu-se com a francesa Elf Aquitaine,

formando a TotalFinaElf. A empresa opera atualmente em 130

países, com empreendimentos em petróleo e em gás natural40.

Ente Nazionale Idrocarburi (ENI) – A grande empresa italiana de

hidrocarbonetos foi criada como estatal, em 1953, incorporando

algumas refinarias, uma produtora de gás natural e os ativos da

Azienda Generale Italiana Petrole (Agip), a estatal fundada pelo

regime fascista em 1926. A ENI se tornou famosa na década de

1960, quando, sob o comando de Enrico Mattei, ajudou a quebrar o

40

FALOLA; GENOVA; 2005, p.36-37.

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oligopólio das “Sete Irmãs” ao firmar um acordo com a Líbia em

que a participação da empresa italiana era de apenas 25%, em

contraste com os termos contratuais vigentes na época, na base de

50%-50%. Na visão de Mattei, a empresa concessionária deveria

atuar como parceira dos países em desenvolvimento, e não como

um agente da pilhagem dos seus recursos. Ela também estabeleceu

acordos de energia entre a Itália e a União Soviética, o que

desagradou o governo estadunidense41. No auge do seu confronto

com as transnacionais, Mattei morreu em um misterioso acidente

aéreo, em 1962. A trajetória rebelde da ENI se encerrou em 1992,

quando a empresa foi incluída na lista das privatizações que

marcaram a adesão da Itália ao neoliberalismo. Hoje a ENI opera em

mais de 60 países, sem nada que a diferencie das outras grandes

transnacionais.

5.5 Opep e AIE, as principais organizações internacionais no

campo da energia

Os dois organismos internacionais mais importantes no campo da

economia internacional dos combustíveis são a Organização dos

Países Exportadores de Petróleo (Opep) e Agência Internacional de

Energia (AIE). Cada uma delas expressa a articulação dos interesses

de um dos dois grandes campos em que se dividem os Estados no

que diz respeito às questões energéticas: os países exportadores, cuja

41

YERGIN; 1993, p.519-522.

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parcela mais significativa é filiada à Opep, e os países desenvolvidos

consumidores de energia, que se fazem representar por meio da

AIE.

A Opep foi formada em 1960, como um instrumento dos

exportadores do Oriente Médio, juntamente com a Venezuela, para

se contrapor ao oligopólio das Sete Irmãs, que controlava o mercado

mundial de combustíveis desde a década de 1920. Os fundadores da

Opep compartilhavam a busca de uma estratégia coletiva para

adquirir maior controle sobre o petróleo que produziam e,

principalmente, ampliar a participação nos lucros obtidos com as

exportações petroleiras – um negócio milionário em que a parte do

leão ficava nas mãos das empresas tradicionais, quase todas

estadunidenses e britânicas.

A Opep, com sede em Viena, realiza duas conferências anuais e

uma grande quantidade de encontros periódicos, nos quais cada

país costuma ser representado pelo seu ministro da Energia ou do

Petróleo. Esses encontros são decisivos para a definição das cotações

do produto no mercado global. Entre os principais objetivos da

Opep se destacam o controle do preço do petróleo bruto e dos

volumes produzidos. A meta é criar um mercado estável tanto para

os produtores quanto para os consumidores, com a definição de

patamares de preços aceitáveis por ambos os lados. O principal

instrumento da Opep para controlar os preços do petróleo é o

estabelecimento de cotas de produção para os países-membros, de

modo a evitar que a tentativa de qualquer exportador individual em

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aumentar suas exportações acabe por causar a queda do preço por

conta da ampliação da oferta. A cota de cada país-membro é

proporcional ao volume que é capaz de produzir, assim como às

suas reservas recuperáveis.

PAÍSES QUE INTEGRAM A OPEP E ANO DO SEU INGRESSO

Arábia Saudita (1960, membro fundador)

Irã (1960, membro fundador)

Iraque (1960, membro fundador)

Kuwait (1960, membro fundador)

Arábia Saudita (1960, membro fundador)

Venezuela (1960, membro fundador)

Catar (1961)

Líbia (1962)

Indonésia (1962)

Emirados Árabes Unidos (1967)

Nigéria (1971)

Equador (1973)42

É importante assinalar a ausência de exportadores importantes,

como a Rússia, o México, o Canadá e o Cazaquistão. O Brasil, até

recentemente um importador de petróleo, jamais cogitou ingressar

42

O Equador se retirou da Opep em 1994, no contexto da adoção de políticas privatizantes pelo governo

equatoriano, mas regressou em 2008, no primeiro mandato do presidente Rafael Correa, quando o país

adotou uma política petroleira nacionalista.

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na Opep, mas agora, com as perspectivas de exportar uma parcela

significativa da produção a ser extraída nas reservas do pré-sal, essa

possibilidade já começa a ser discutida.

A AIE foi fundada em 1974, em reação ao primeiro choque do

petróleo. Instalada em Paris, é uma associação de países do

chamado mundo desenvolvido, com 27 integrantes em 2012, quase

todos eles importadores de recursos energéticos. Mantém vínculos

institucionais como a Organização para a Cooperação e

Desenvolvimento Econômico OCDE) e opera como uma entidade

inter-governamental voltada para o compartilhamento de

informações e para a coordenação de políticas com vistas a garantir

a segurança energética dos seus sócios. Desde 2005, a AIE tem

recomendado aos países consumidores que reduzam o seu consumo

de petróleo diante das evidências de que o mundo caminha para

uma situação de escassez na produção desse combustível.