os fugitivos da esquadra

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OS FUGITIVOS DA ESQUADRA DE CABRAL Angelo Machado Ilustrações de Lor e Thalma Edição

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Page 1: Os Fugitivos da Esquadra

OS FUGITIVOSDA ESQUADRA DE CABRAL

Angelo Machado

Ilustrações de Lor e Thalma

3ª Edição

Page 2: Os Fugitivos da Esquadra

© 1999 by Angelo MachadoCapa e ilustrações © 1999 by Lor e Thalma

Direitos de edição desta obra em língua portuguesa adquiridos pelaEditora Nova Fronteira Participações S.A.Rua Nova Jerusálem, 345 — Bonsucesso — 21042-235Rio de Janeiro — RJ — Brasil Tel.: (21) 3882-8200 — Fax: (21) 3882-8212

A ilustração da página 32 é uma adaptação de A primeira missa no Brasil , de Vítor Meireles, acervo do MNBA.

A ilustração da página 128 é baseada num desenho anônimo do século XVI. Fonte: Amæricæ Præterita Eventa , Edusp, 1966, p.121.

CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA FON TE SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ

M129f Machado, Angelo3.ed. Os fugitivos da esquadra de Cabral / Angelo Machado; ilustrações de Lor e Thalma. — 3.ed. — Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2012. Inclui bibliografia ISBN 978-85-209-1033-7

1. Brasil – História – Descobrimento, 1500 – Literatura infantojuvenil. I. Lor (ilustrador). II. Thalma (ilustrador) III. Título.

CDD: 028.5CDU: 087.5

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Aos dois adolescentes portugueses queprimeiro viveram e provavelmente

morreram no Brasil, cujos nomes nemsequer são conhecidos.

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SUMÁRIO

Capítulo IA partida, 9

Capítulo IIA viagem, 17

Capítulo IIINa Terra de Vera Cruz, 27

Capítulo IVO plano secreto do sultão de Melinde, 35

Capítulo VA fuga, 43

Capítulo VIA onça-pintada, 49

Capítulo VIINa aldeia tupiniquim, 55

Capítulo VIIIItaberabaoçu, a montanha resplandecente, 69

Capítulo IXEm busca das esmeraldas, 81

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Capítulo XIjucá-pyrama, 91

Capítulo XIOs donos do trovão, 109

Capítulo XIIUma festa em Rouen, 123

Ficção e realidade em Os fugitivos da esquadra de Cabral, 135Bibliografia básica consultada, 139

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Capítulo I

A PARTIDA

Leonardo calçou suas botas, vestiu a rou-pa de marujo e arrumou sua bagagem. Aos 15 anos, estava pronto para a grande aventu-ra de viajar para as Índias. Leonardo era neto de Gil Eanes, conhecido como “o destemido”. Grande navegador português, ele foi o pri-meiro a ultrapassar o cabo Bojador, vencendo

assim o mar Tenebroso, que até então punha medo nos mais corajo-sos navegadores.

Seu pai, o fidalgo Fernão Martins, era um homem de imensa cul-tura, que sabia várias línguas, inclusive o árabe. Por isso frequente-mente era requisitado como intérprete pelo rei d. Manuel e, naquele momento, estava em Ceuta, no norte da África, a serviço da Coroa. Com ele Leonardo aprendeu a ler e escrever, o que era raro naquela época, e iniciou-se no estudo de línguas estrangeiras. Suas leituras preferidas eram os relatórios das viagens de Marco Polo e a Crônica dos feitos de Guiné, em que o famoso cronista Gomes Zurara falava das peripécias de seu avô Gil Eanes. A ideia de um dia chegar às Índias sempre o fascinara e agora com mais forte razão. Seu pai chegara há pouco tempo de lá, tendo sido intérprete na famosa expedição de

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Vasco da Gama. A ideia de um dia chegar a Calicute1 de que seu pai tanto falava tornou-se uma obsessão. Por isso ficou tão feliz quando conseguiu ser contratado como um dos grumetes2 da esquadra de Cabral. Carregando sua mala, Leonardo entrou na sala onde estava sua mãe.

— Mãe, estou de saída. Até um dia, mãe — disse ele emocionado.— Até um dia, filho — exclamou ela, abraçando-o com carinho.

— Seu avô e seu pai iam ficar muito orgulhosos de você — disse ela, tentando esconder as lágrimas.

A seguir, olhou-o de cima a baixo.— Está ótimo. Vai fazer sucesso entre as índias das Índias. Você não

esqueceu nada? Está levando sua Bíblia?— Está tudo aí, mãe. Agora tenho que ir andando, pois já estou

atrasado. Adeus!— Adeus, filho! Que a Virgem Santíssima da Torre de Belém o

proteja!Leonardo saiu e começou a andar em direção à praça de

Belém. A rua estava cheia de gente. Parecia que toda a população de Lisboa saíra de casa. Era domingo e no rio Tejo, em frente ao cais, dez naus e três caravelas3 com cerca de 1.500 homens estavam prontas para zarpar. Era a maior esquadra já reunida em Portugal para uma viagem ultramarina. Leonardo estava muito feliz. Aquela viagem poderia ser o início da sua carreira de na-vegador. Seu ideal era um dia poder frequentar a famosa Escola de Sagres, criada pelo infante4 d. Henrique, onde se reuniam os maiores cartógrafos, astrônomos e especialistas em navegação de Portugal e da Europa.

1 Importante porto e centro comercial da Índia antiga, hoje a cidade de Kozhikode.2 Adolescentes que faziam os serviços mais simples nos navios.3 Grandes embarcações a vela usadas para navegações marítimas durante os séculos XV-XVIII,

sendo as naus bem maiores que as caravelas.4 Filho do rei de Portugal, porém não herdeiro do trono.

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Ao aproximar-se do cais, chamou-lhe a atenção um indivíduo alto, forte, de tez morena com uma grande cicatriz no braço. Ele discutia alguma coisa aparentemente importante com mais três in-divíduos e parecia muito agitado. Curioso, Leonardo parou mas não conseguiu entender o assunto da conversa. Mas deu para perceber que falavam em árabe.

No cais encontrou seu amigo Bartolomeu, um rapazinho de 14 anos, filho de um joalheiro de Lisboa. Leonardo o convencera a acom-panhá-lo na viagem. Os dois seriam grumetes na caravela comandada pelo famoso navegador Diogo Dias, que participara da expedição de Vasco da Gama, quando conhecera seu pai.

— E então, Bartô, tudo pronto para as Índias?— Tudo pronto, mas não foi fácil convencer meu pai a me deixar

fazer essa viagem. Tive de prometer trazer para ele uma esmeralda legítima. Vamos ver se consigo.

Nesse momento começou um grande tumulto de gente correndo em direção à entrada da praça.

— O que será que está acontecendo? — perguntou Bartolomeu.Antes que Leonardo dissesse qualquer coisa, alguém gritou:— São os assassinos! Os assassinos estão chegando!Nesse momento, uma fila com 30 presidiários fortemente vigia-

dos por soldados começou a atravessar a praça no meio da multidão, em direção aos navios.

— Será que eles vão com a gente? — perguntou Bartolomeu um pouco assustado.

— Vão — respondeu Leonardo. — Para diminuir o número de assassinos, ladrões ou às vezes de presos políticos que enchem as prisões, a corte manda uma parte deles a regiões distantes como degredados.

Os dois grumetes entraram no meio da multidão. Leonardo percebeu que o homem da cicatriz que vira falando árabe estava

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lá bem em frente, próximo à fila de degredados. Foi fácil perce-ber que alguns deles voltavam o rosto para vê-lo como se fossem velhos conhecidos. Um dos degredados chegou a fazer um gesto com o dedo, como se quisesse indicar que estava tudo indo bem. O homem da cicatriz respondeu com o mesmo gesto. Leonardo ficou intrigado com aquilo.

Levados por um batel,5 os dois amigos subiram ao convés da ca-ravela e ficaram conversando e observando o movimento na praça em frente. Enquanto isso, na ermida de São Jerônimo, que o infante d. Henrique mandara construir junto à praia do Restelo, começou a missa à qual compareceu el-rei d. Manuel I, tendo ao seu lado, em lugar de honra, o capitão-mor da armada, Pedro Álvares Cabral. Assistindo à missa, lá estavam também todos os capitães, pilotos e mestres da armada, bem como a alta nobreza de Lisboa.

Fazia um calor insuportável quando d. Diogo Ortiz, bispo de Ceuta, começou sua interminável pregação. Ele atribuiu todos os méritos das descobertas não aos conhecimentos adquiridos na Escola de Sagres, mas à inspiração do Divino Espírito Santo, “na luta ferrenha contra os infiéis e cruéis muçulmanos que tomaram Jerusalém, profanaram o Santo Sepulcro e hoje monopolizam o comércio das especiarias”. O bispo era um apreciador de boa co-mida, cada vez mais cara e difícil, pois os temperos vinham das Índias, trazidos por muçulmanos que cobravam preços extorsivos. Elogiou d. Manuel pela coragem de organizar a esquadra e o papa por abençoá-la. Depois passou a elogiar cada um dos capitães e pilotos, incentivando-os a lutar contra os infiéis e a tomar dos mu-çulmanos o monopólio das especiarias. O sol já estava alto quando o bispo concluiu o sermão com um apelo patético a Pedro Álvares Cabral e seus comandados para que “singrassem o mar Tenebroso

5 Pequena embarcação usada nas naus e caravelas.

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e voltassem o mais rapidamente possível à pátria, trazendo para Cristo novas almas e para Portugal mais gengibre, noz-moscada e principalmente pimenta”.

Depois da missa, el-rei confiou a Pedro Álvares Cabral a bandei-ra de Portugal e um barrete bento pelo papa. Do convés do navio, Leonardo e Bartolomeu viram quando o cortejo saiu em direção à praia. À frente ia o rei, tendo ao lado o capitão-mor Pedro Álvares Cabral, seguido de toda a corte e dos capitães e pilotos dos navios. Leonardo sabia o nome de quase todos.

— Aquele depois de Cabral é o famoso Bartolomeu Dias, que ul-trapassou o cabo da Boa Esperança. Logo atrás vêm seu irmão, Diogo Dias, e Nicolau Coelho, companheiros de Vasco da Gama na viagem às Índias. O de chapéu vermelho é Sancho de Tovar. Se acontecer alguma coisa com Cabral ele deverá assumir o comando. Depois vêm Gaspar de Lemos e Pero de Ataíde.

— E aqueles outros? — quis saber Bartolomeu.— Aqueles eu ainda não conheço — respondeu Leonardo.Depois dos capitães e pilotos, vinham o franciscano frei Henrique

de Coimbra e vários escrivães, entre eles Pero Vaz de Caminha, que mais tarde, em uma carta ao rei de Portugal, descreveria a viagem que estava começando.

Do convés da caravela os meninos viram quando os batéis começa-ram a trazer os tripulantes para os navios. Para surpresa de Leonardo, um deles era o homem da cicatriz que vira trocando sinais com os de-gredados. Leonardo achou aquilo muito estranho, mas nem de longe imaginava o que sua presença poderia significar.

Levantadas as âncoras e içadas as velas, foi dado o sinal de partida. No cais, o rei, toda a corte e uma enorme multidão agi-tava lenços em sinal de despedida. Mas os barcos não partiram. Na hora exata faltou vento, e a esquadra permaneceu parada no porto, enquanto o rei ia embora e a multidão se dispersava. No

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dia seguinte, 9 de março, a esquadra de Cabral deixou o porto de Belém, desceu o rio Tejo e ganhou o oceano a caminho das Índias na rota seguida um ano antes por Vasco da Gama. No mastro prin-cipal os navios levavam desfraldada a bandeira portuguesa e, nas velas, em vermelho, a Cruz da Ordem de Cristo.