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ISSN: 2596-2531 OS FRUTOS DE UM BAOBÁ: (RE) EDUCANDO PARA A DIVERSIDADE ÉTICO-RACIAL NA EDUCAÇÃO INFANTIL Miriam Nogueira Duque Villar Maria Rosana do Rêgo e Silva Patrícia Assis Vaz De Mello UNIVERSIDADE FEDERAL DE JUIZ DE FORA-UFJF RESUMO: Esse trabalho é um relato das ações desenvolvidas com crianças de quatro anos, em uma instituição pública do município de Juiz de Fora - MG, durante os meses de junho a dezembro, do ano de 2015. O projeto foi desenvolvido pela primeira autora, professora do primeiro período, em colaboração com pesquisadores do GRUPAI – Grupo de Pesquisas Ambientes e Infâncias, ao qual pertencemos e tecemos discussões referentes à infância. As experiências abordadas nesse trabalho são um exemplo significativo de como o professor pode trabalhar a temática étnico-racial considerando a brincadeira como a principal linguagem por meio da qual as crianças descobrem o mundo, se comunicam e se inserem em um contexto social. A discussão está pautada na perspectiva histórico-cultural, de Lev Vigotski, para a qual a linguagem é a ferramenta que permite ao homem tornar-se humano. De acordo com a abordagem teórica desse autor a brincadeira funciona como atividade-guia que impulsiona o desenvolvimento psíquico da criança. O trabalho foi desenvolvido por meio da Pedagogia de Projetos, considerando, portanto, os anseios e curiosidades dos meninos e meninas da turma. O projeto emergiu a partir da música “Menina Moleca” do grupo Palavra Cantada e se desdobrou em diferentes ações, como a confecção de uma boneca mascote da turma idealizada pelas crianças que contribuíram efetivamente para a confecção da mesma. Nesse projeto as crianças também conheceram brincadeiras infantis de alguns países do continente africano; conheceram e dramatizaram a história da Obax de André Neves e também realizaram uma releitura dessa obra literária. Além de contribuir para fortalecer a identidade étnico-racial das crianças, o projeto possibilitou outros aprendizados, como a pesquisa e a busca por respostas às questões levantadas, como propõe a Pedagogia de Projetos. PALAVRAS-CHAVE: Relações étnico-raciais; Educação Infantil; Pedagogia de Projetos. INTRODUÇÃO A educação infantil tem um papel extremamente importante no desenvolvimento integral das crianças, tendo em vista ser nessa etapa da vida que elas terão as primeiras experiências de socialização, internalizando conceitos, ideologias e valores pré- definidos no meio social do qual faz parte. “[...] interagindo com outros, a criança

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ISSN: 2596-2531

OS FRUTOS DE UM BAOBÁ: (RE) EDUCANDO PARA A DIVERSIDADE

ÉTICO-RACIAL NA EDUCAÇÃO INFANTIL

Miriam Nogueira Duque Villar

Maria Rosana do Rêgo e Silva

Patrícia Assis Vaz De Mello

UNIVERSIDADE FEDERAL DE JUIZ DE FORA-UFJF

RESUMO: Esse trabalho é um relato das ações desenvolvidas com crianças de quatro anos, em uma instituição pública do município de Juiz de Fora - MG, durante os meses de junho a dezembro, do ano de 2015. O projeto foi desenvolvido pela primeira autora, professora do primeiro período, em colaboração com pesquisadores do GRUPAI – Grupo de Pesquisas Ambientes e Infâncias, ao qual pertencemos e tecemos discussões referentes à infância. As experiências abordadas nesse trabalho são um exemplo significativo de como o professor pode trabalhar a temática étnico-racial considerando a brincadeira como a principal linguagem por meio da qual as crianças descobrem o mundo, se comunicam e se inserem em um contexto social. A discussão está pautada na perspectiva histórico-cultural, de Lev Vigotski, para a qual a linguagem é a ferramenta que permite ao homem tornar-se humano. De acordo com a abordagem teórica desse autor a brincadeira funciona como atividade-guia que impulsiona o desenvolvimento psíquico da criança. O trabalho foi desenvolvido por meio da Pedagogia de Projetos, considerando, portanto, os anseios e curiosidades dos meninos e meninas da turma. O projeto emergiu a partir da música “Menina Moleca” do grupo Palavra Cantada e se desdobrou em diferentes ações, como a confecção de uma boneca mascote da turma idealizada pelas crianças que contribuíram efetivamente para a confecção da mesma. Nesse projeto as crianças também conheceram brincadeiras infantis de alguns países do continente africano; conheceram e dramatizaram a história da Obax de André Neves e também realizaram uma releitura dessa obra literária. Além de contribuir para fortalecer a identidade étnico-racial das crianças, o projeto possibilitou outros aprendizados, como a pesquisa e a busca por respostas às questões levantadas, como propõe a Pedagogia de Projetos.

PALAVRAS-CHAVE: Relações étnico-raciais; Educação Infantil; Pedagogia de

Projetos.

INTRODUÇÃO

A educação infantil tem um papel extremamente importante no desenvolvimento

integral das crianças, tendo em vista ser nessa etapa da vida que elas terão as primeiras

experiências de socialização, internalizando conceitos, ideologias e valores pré-

definidos no meio social do qual faz parte. “[...] interagindo com outros, a criança

ISSN: 2596-2531

aprenderá atitudes, opiniões, valores a respeito da sociedade ampla e, mais

especificamente, do espaço de inserção de seu grupo social” (CAVALLEIRO, 2000, p.

16). Desse modo, é fundamental que os profissionais que atuam nesse segmento possam

estar preparados para propor práticas educativas que consideram a diversidade humana

das crianças oriundas de diferentes configurações familiares, assim como culturas, raças

e etnias. É necessário que essas diferenças sejam reconhecidas e valorizadas no

cotidiano das instituições como forma de romper com o preconceito e o racismo que

ainda são muito fortes na sociedade e consequentemente no interior das instituições

educacionais.

Nessa direção, que ações podem ser propostas no intuito de construir uma

história de respeito e valorização da identidade do sujeito após tantos anos de

discriminação?

Uma das possibilidades é repensar as práticas docentes e de gestão na educação

infantil, rever os tempos, os espaços, os materiais, as imagens que circulam na escola, e

incluir como perspectiva de trabalho a valorização de toda forma e expressão cultural,

étnico e racial – o que certamente produzirá um movimento em que muitas ações e

atitudes serão reformuladas e ressignificadas. Um olhar atento ao que vem acontecendo

na educação em relação às questões referentes ao respeito à identidade contribui para

uma sociedade que respeita a individualidade de cada um.

Esse trabalho é um relato das ações desenvolvidas com crianças de quatro anos,

em uma instituição pública do município de Juiz de Fora - MG, durante os meses de

junho a dezembro, do ano de 2015. O projeto foi desenvolvido pela primeira autora,

professora do primeiro período, em colaboração com pesquisadores do GRUPAI –

Grupo de Pesquisas Ambientes e Infâncias, ao qual pertencemos e tecemos discussões

referentes à infância.

As experiências abordadas nesse trabalho são um exemplo significativo de como

o professor pode trabalhar essa temática considerando a brincadeira como a principal

linguagem por meio da qual as crianças descobrem o mundo, se comunicam e se

inserem em um contexto social. De acordo com perspectiva histórico-cultural a

brincadeira funciona como atividade-guia que impulsiona o desenvolvimento psíquico

da criança. “A atividade guia, segundo A.N. Leontiev, é a atividade que desempenha um

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papel fundamental nas mudanças psíquicas da criança em determinados estágios do

desenvolvimento” (PRESTES, 2012 p. 162).

Na escola, frequentemente encontrarmos crianças negras introvertidas,

cabisbaixas, devido a atitudes de desvalorização da identidade étnico-racial dos colegas

e até mesmo de educadores despreparados e preconceituosos. As tensões raciais

vivenciadas pelas crianças na escola, as ofensas imputadas ao seu grupo social e a falta

de representatividade, dificultam a formação da identidade negra.

Conforme documento de implementação da Lei 10.639/2003

O papel da educação infantil é significativo para o desenvolvimento humano, a formação da personalidade, a construção da inteligência e a aprendizagem. Os espaços coletivos educacionais, nos primeiros anos de vida, são espaços privilegiados para promover a eliminação de qualquer forma de preconceito, racismo e discriminação, fazendo com que as crianças, desde muito pequenas, compreendam e se envolvam conscientemente em ações que conheçam, reconheçam e valorizem a importância dos diferentes grupos étnico-raciais para a história e a cultura brasileira. (BRASIL, MEC, 2009, p. 48-49).

Considerando as dificuldades de pertencimento das crianças negras e os

princípios explicitados na Lei 10.639/2003, as crianças foram ouvidas sobre seus

anseios e curiosidades, construindo assim o projeto “A Influência das brincadeiras

africanas nas brincadeiras das crianças brasileiras”.

O trabalho foi desenvolvido através da pedagogia de projetos com atividades

voltadas para uma perspectiva lúdica do conhecimento, que considera os espaços da

invenção, da autoria e da autonomia essenciais para o aprendizado das crianças. Nesse

sentido, uma das funções da escola seria, então, a de auxiliar a criança a compreender o

mundo por meio da pesquisa, do debate e da solução de problemas, devendo ocorrer

uma constante inter-relação entre as atividades escolares e as necessidades e os

interesses das crianças e das comunidades. Citando Dewey (1959) explicitamos a ideia

central da pedagogia de projetos:

A existência humana envolve impulsos dispersos para um projeto crescentemente unificado ou integrado; ou melhor, para uma série de projetos coordenados ou ligados entre si por interesses, aspirações e ideais de significados permanentes. Preparar para a vida será pôr a criança em condições de projetar, de procurar meios de realização para seus próprios empreendimentos e de realizá-los verificando pela própria experiência o valor das concepções que esteja utilizando (p. 47).

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Para Barbosa e Horn (2008), essa visão de organização do trabalho pedagógico

considera as crianças como co-autoras do seu processo de aprendizagem, tirando-as do

lugar de passividade que a escola as tem colocado para um papel ativo e participativo.

As autoras defendem que quando trabalhamos com projetos, construímos na verdade

uma comunidade de aprendizagem, na qual o professor, as crianças e suas famílias são

protagonistas. Nessa perspectiva de trabalho, a criança é tomada como cidadã, autora do

seu desenvolvimento, agente de pesquisa, sujeito e criadora da sua própria existência,

capaz de uma vida solidária e responsável com os outros.

Assim, o projeto desenvolvido teve por objetivo contribuir com a construção da

identidade étnico-racial das crianças pertencentes à turma onde aconteceu o trabalho,

incluindo o conhecimento e valorização das diferentes formas de expressões culturais.

As atividades possibilitaram ainda o desenvolvimento das diversas linguagens das

crianças, além de ampliar o repertório de brincadeiras.

COMO TUDO COMEÇOU

No ano de 2015 foi iniciado o projeto com as crianças. Para a maioria delas,

estava sendo a primeira vez na escola. Depois do período de adaptação percebemos um

enorme interesse pela turma em cantar e dançar. Uma de suas músicas preferidas era

“Menina Moleca” do grupo Palavra Cantada1. Em uma de nossas rodas de conversa foi

apresentada para as crianças a história a “Menina e o Tambor” que é um livro animado

que faz parte do material “A cor da cultura”, que é um projeto educativo de valorização

da cultura afro brasileira que produz audiovisuais, ações culturais e coletivas, que visam

práticas positivas de valorização da história e cultura africana e afro brasileira sob um

ponto de vista afirmativo. Elas ficaram encantadas com o som do instrumento usado

pela menina para conquistar as pessoas e perceberam que o som era semelhante aos sons

da música “Menina Moleca” que estava sendo trabalhada naquele momento. Essa

música tem um ritmo do Maracatu e como estávamos escolhendo uma música para

apresentar na festa cultural da escola as crianças decidiram por ela, e juntos construímos

a coreografia. As crianças apresentaram a dança na festa da escola e foi o maior

1 É uma dupla musical que produz canções infantis que prezam pela elaboração das letras, arranjos e gravações, com uma poética sensível e respeito à inteligência das crianças.

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sucesso. Nesse projeto, assim como em todos que trabalhamos, preocupamo-nos

também em pensar que o espaço não se restringe às dependências da escola, mas

ultrapassa seus muros. Sendo assim, as crianças fizeram uma apresentação da dança em

outra escola municipal do bairro. Elas se sentiram valorizadas, importantes e felizes em

mostrar seu trabalho para outras crianças.

Boneca Mascote

Depois de todo movimento em torno das apresentações, as crianças não paravam

mais de dançar e cantar a música. Foi aí que percebemos que a personagem “Menina

Moleca” estava ganhando vida na imaginação da turma, e nesse momento surgiu a ideia

de construir uma “Menina Moleca” da turma.

As crianças participaram de todo o processo de construção da boneca foi

elaborado um croqui da boneca, de acordo com o desejo das crianças. Em seguida, uma

costureira foi convidada para ir até a escola e ajudar na construção da boneca. As

crianças acompanharam o processo de costura e ajudaram na confecção das trancinhas,

da roupa, do sapato e dos acessórios2. Precisávamos dar um nome para a boneca, a

votação foi feita através de um gráfico, ela recebeu o nome de Chiquita.

Imagem 1: Croqui da boneca

Fonte: E. M. Prof. Carlos Alberto Marques

2 As imagens das crianças que aparecem neste trabalho foram autorizadas pelas famílias.

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Imagem 2: Construção da boneca

Fonte: E. M. Prof. Carlos Alberto Marques

Imagem 3: Chiquita

Fonte: E. M. Prof. Carlos Alberto Marques

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Imagem 4: Gráfico escolha do nome da boneca

Fonte: E.M. Prof. Carlos Alberto Marques

Diário da Chiquita

Foi elaborado um diário para a Chiquita e todos os dias ela ia para casa de alguma

criança. As famílias registravam no diário a rotina da criança com a boneca. Aqui

alguns relatos das crianças3:

“O meu dia com a Chiquita foi muito especial. Levei ela para passear comigo,

apresentei ela para meus irmãos e eles gostaram muito. Jantamos juntos e assistimos

televisão. Quando fui dormir coloquei ela na minha cama. Quando acordamos

tomamos café e voltamos a brincar. Meu pai gostou muito da Chiquita e disse que seria

ótimo se ela morasse com a gente”. (Ana Clara – 4 anos)

“Gostei muito de levar a menina Chiquita para a casa, brincamos bastante e ela tomou

café comigo e minha prima. Adorei passar esse dia com ela. Toda a minha família

gostou dela. Obrigado professora por eu ter sido sorteado e trazer a menina moleca

para casa. Estou muito feliz!” (Antônio – 5 anos)

3 Os nomes das crianças são verdadeiros e foram autorizados pelas famílias.

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PESQUISANDO

Dando continuidade ao projeto, com uma visão voltada para o conhecimento da

cultura africana, foi apresentada aos alunos a história “Bruna e a galinha d’angola”.

Com base nessa obra as crianças descobriram a brincadeira preferida da personagem. A

partir daí foi construído um cartaz coletivo sobre quais eram as brincadeiras das quais

mais gostavam. Nesse momento, surgiu a idéia de aprender sobre as brincadeiras das

crianças de alguns países do continente africano. Livros informativos, literários, globo

terrestre, revistas, cartões postais, multimídia (Internet), artigos, recortes de jornais e

pesquisa com as famílias, todos esses materiais, foram suporte para muitos

questionamentos e encaminhamentos ao longo do projeto. As crianças também

aprenderem sobre outros aspectos da cultura africana, como músicas, danças, vestuário

e modo de vida. Todos os questionamentos que surgiam eram registrados em cartazes,

coletivamente.

Em uma das rodas de discussão Eloá ficou curiosa, e levantou a seguinte

questão: “Será que lá na África as crianças brincam na escola?” E as perguntas não

pararam por aí. “Quais os brinquedos que as crianças da África brincam?” Perguntou

Isadora. “As brincadeiras das crianças da África são iguais das crianças brasileiras?”

Quis saber Thalysson. Estes questionamentos eram registrados nos cartazes, bem como

as sugestões das próprias crianças de como aprender o que ainda não sabiam.

A partir desses questionamentos surgiram os aprendizados das brincadeiras.

Buscamos aproveitar todos os espaços da escola, principalmente os externos, onde

foram desenvolvidas a maioria das brincadeiras, como é possível ver nas imagens

abaixo:

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Figura 5: Bate palminha

Fonte: E.M. Prof. Carlos Alberto Marques Imagem 6: Gutera Uriziga

Fonte: E.M. Prof. Carlos Alberto Marques

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Imagem 7: Registro matemático da brincadeira Gutera Uriziga

Fonte: E.M. Prof. Carlos Alberto Marques

Imagem 8: Pengo-pengo

Fonte: E. M. Prof. Carlos Alberto Marques

No livro “Crianças como você”, foi apresentada a personagem Aseye, uma

menina que mora em Gana e a sua brincadeira preferida é Bate-palminha. Sobre isso

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Eloá fez o seguinte comentário: “Mas essa brincadeira eu já conheço e brinco muito!”

O que demonstra que as crianças perceberam que algumas brincadeiras já eram até

conhecidas. Com base nas descobertas realizadas pela exploração e leitura do livro

fizemos um grande mural contando sobre as brincadeiras preferidas das crianças de

vários países africanos. As crianças participaram de todas as etapas de elaboração do

mural.

Imagem 9: Registro do livro “Crianças como você

Fonte: E. M. Prof. Carlos Alberto Marques

DOS REGISTROS À DRAMATIZAÇÃO

Como sistematização e socialização de tudo que aprenderam, foi proposto os

registros das brincadeiras aprendidas. Foram várias formas de registro como: desenhos

das brincadeiras, escritas coletivas ensinando como brincar e contagens matemáticas.

Ainda nesse projeto, as crianças conheceram a história de “Obax’ que era uma

menina muito solitária e a sua melhor brincadeira era inventar histórias. Essa obra é

muito rica, a essência da história, seus significados, as roupas coloridas, os turbantes, os

animais, e o cenário exerceram um fascínio muito grande sobre as crianças, tanto que

foi feita uma releitura dessa obra.

Depois de explorar as diversas formas de linguagem como: brincadeiras,

desenhos e cartazes coletivos, ficou decidido que experimentariam a dramatização.

Dessa maneira, foram escolhidos os materiais que seriam utilizados e cada criança

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escolheu o momento da sua participação na história. O envolvimento com a releitura era

intenso, as crianças aguardavam ansiosas para integrarem-se às cenas da história. Maria

Eduarda que viveu a personagem Obax ficou graciosa, com birotes na cabeça. E as

demais meninas maravilhadas, com os turbantes coloridos e as estampas dos tecidos. Os

meninos admirados com a chuva de flocos de algodão e com o elefante Nafisa, não se

cansavam de subir e descer da árvore que reproduzia o Baobá. Um dos momentos mais

marcantes da história foi a chuva de flores. Os olhinhos das crianças brilhavam, a

alegria era visível em cada rostinho que contagiava a todos.

A releitura sobre a obra Obax culminou em um livro produzido pelas crianças

com imagens (fotografias) da dramatização e texto da história. O texto foi produzido

junto com as crianças, e nesse momento a professora era escriba, ou seja, as crianças

recontavam cada cena da história oralmente e a professora escrevia.

A releitura foi apresentada para as famílias e para as outras crianças da escola.

Além de o projeto ter contribuído para estabelecer valores éticos e estéticos,

desenvolvendo a sensibilidade para a diversidade étnica, elas exercitaram a imaginação,

a expressão musical, corporal e gráfica das crianças.

Imagem 10: Obax contando histórias

Fonte: E. M. Prof. Carlos Alberto Marques

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Imagem 11: Obax e Nafisa

Fonte: E. M. Prof. Carlos Alberto Marques Imagem 12: Chuva de Flores

Fonte: E. M. Prof. Carlos Alberto Marques

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Considerando a importância do tema aqui exposto observamos que o trabalho

realizado com as crianças foi extremamente positivo. Percebemos um grande

envolvimento das crianças e de toda a comunidade escolar durante a realização deste

projeto. Faz-se necessário destacar quais impactos e contribuições o projeto trouxe para

todos. A família teve uma participação direta no sentido de incentivar as crianças na

participação dos trabalhos realizados. Na visita da Chiquita às casas, por exemplo, as

famílias estavam interessadas em participar e registrar o momento das crianças com a

boneca, não só as crianças ficavam ansiosas em levar a Chiquita para casa, mas também

seus pais. E perguntavam: - “Quando minha filha vai levar a Chiquita de novo para

casa?” Ou então “Meu filho não quer faltar à escola nem quando está doente, porque

não quer perder a sua vez de levar a Chiquita para casa”. As crianças demonstravam

muito carinho e cuidado com a boneca. Quando eram sorteadas não desgrudavam dela

nem um minuto e estavam sempre falando “Vou cuidar da Chiquita direitinho, ela vai

dormir bem juntinho de mim”.

Também não podemos deixar de relatar grandes transformações da turma. As

crianças ficaram mais unidas e confiantes. Maria Eduarda que interpretou a Obax na

releitura do livro era uma menina tímida e tinha poucas amizades, depois deste trabalho

sua autoestima aumentou muito, ficou mais solta, confiante e mais feliz. Ela se tornou

muito querida pela turma e todas as meninas faziam questão em tê-la como amiga.

A releitura da “Obax” fez tanto sucesso que também encantou o profissional que

encadernou o livro. Ele quis conhecer a turma pessoalmente. Foi até a escola e mostrou

as etapas de encadernação de um livro e sugeriu que as crianças participassem de um

projeto sobre sustentabilidade elaborado por ele, em que ensinaria a construírem livros

de histórias usando papéis recicláveis.

Terminamos o ano com um grupo de crianças fortalecido, detentor de grande

repertório de brincadeiras e que havia descoberto através de diferentes linguagens uma

forma de se relacionar com o outro, com as diferenças e com o mundo. Crianças

capazes de abordar questões étnico-raciais com naturalidade, valorizando sua identidade

e do outro, a história e sua herança cultural.

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Assim como propõe a ideia de projetos, esse também possibilitou outros

aprendizados que foram além dos objetivos iniciais. Como os caminhos da costura; a

pesquisa e a busca por respostas às questões levantadas; diferentes formas literárias; a

dramatização; as etapas da confecção de um livro; as etapas de uma reciclagem; entre

outros. A importância do trabalho com projetos é que esse abre um leque de

possibilidades de aprendizado para crianças, seus professores, familiares e a

comunidade escolar.

REFERÊNCIAS

ALMEIDA, Gercilda; SARAIVA, Valéria. Bruna e a Galinha D’Angola. Rio de Janeiro: Editora Pallas, 2003. BARBOSA, Maria Carmem Silveira; HORN, Maria da Graça Souza. Projetos Pedagógicos na Educação Infantil. Porto Alegre: Artmed, 2008. BRASIL. Plano Nacional de Implementação das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-raciais e Ensino de História e Cultura Afro-brasileira e Africana. MEC/SECAD, Brasília, 2009. CAVALLEIRO, Eliane dos S. Do silêncio do lar ao silêncio escolar: racismo, preconceito e discriminação na educação infantil. São Paulo: Contexto, 2000. DEWEY, John. Vida e educação. São Paulo: Melhoramentos, 1959. JUNQUEIRA, Sônia; HADDAD, Mariângela. A menina e o Tambor. Belo Horizonte: Autêntica, 2009. KINDERSLEY, Anabel. Crianças como você: uma emocionante celebração da infância no mundo. São Paulo: Ática/UNICEF, 1996. NEVES, André. Obax. São Paulo: Editora Brinque Book, 2010. PRESTES, Zoia. Quando não é quase a mesma coisa: traduções de Lev Semionovitch Vigotski no Brasil. Campinas: Autores Associados, 2012.