os escombros da educação

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Deborah Cattani T oca a sirene. É hora de entrar. Pisos quebrados, paredes des- cascando, fios saindo de dentro da estrutura. Grades por todos os lados. A descrição lembra uma prisão. Não é. Trata-se de um retrato comum das escolas públicas do Rio Grande do Sul. A falta de manutenção e de cuidado por parte da Secretaria Estadual de Educação (SEC), ao longo de sucessivos governos, se traduz nesse cenário, prejudicando a vida de milha- res de crianças e dificultando o papel do educador. Em 2000, foi criada uma comissão de ensino pelo Conselho Estadual de Educação a fim de melhorar a instrução no Estado. O parecer que legitima tal comissão estabelece, no artigo 4º, que todo aluno da rede pública tem direito a higiene, conforto, acústica de quali- dade, boas condições de temperatura e luminosidade. No entanto, 11 anos se passaram e a situação física das escolas públicas está cada vez pior. “A gente procurou a SEC, diversas vezes, mas é muita burocracia. Até para trocar uma lâmpada preci- sa ser aberto um processo, aguardar uma avaliação e esperar a licitação e a execução”, descreve a professora Sílvia Regina Pinheiro Neis, diretora da Escola Estadual Aparício Borges. Com 1.041 alunos e quase 80 anos de história, o colégio – que carrega o nome do coronel da Revolução Cons- titucionalista – se encontra em estado precário. As turmas lotadas frequentam as aulas em salas provisórias, tendo que enfrentar goteiras, frio e falta de lumi- nosidade. Preocupada com os educan- dos, a diretora diz: “O problema maior é que o provisório dura muito tempo. Essas salas estão aqui desde os anos 80 e ainda não conseguimos estabelecer uma solução permanente”. Sílvia entrou na escola em 2004. Foi então que começou a batalha para melhorar o local. “Nosso presidente do Conselho de Pais e Mestres (CPM) soube que o consulado japonês estava dando dinheiro para algumas escolas visando desenvolvimento e construção de quadras esportivas”, lembra. O plano era construir um segundo prédio que ampliaria a instituição. “Fomos atrás 56 Experiência educação Más condições físicas dos educandários dificultam a vida de alunos e professores, além de colocar em risco o processo de ensino no Rio Grande do Sul Os escombros da Colégios em todo o Estado sofrem com a falta de manutenção

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Matéria publicada na revista Experiência da Famecos (2011/1)

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Page 1: Os escombros da educação

Deborah Cattani

T oca a sirene. É hora de entrar. Pisos quebrados, paredes des-cascando, fios saindo de dentro da estrutura. Grades por todos

os lados. A descrição lembra uma prisão. Não é. Trata-se de um retrato comum das escolas públicas do Rio Grande do Sul. A falta de manutenção e de cuidado por parte da Secretaria Estadual de Educação (SEC), ao longo de sucessivos governos, se traduz nesse cenário, prejudicando a vida de milha-res de crianças e dificultando o papel do educador.

Em 2000, foi criada uma comissão de ensino pelo Conselho Estadual de Educação a fim de melhorar a instrução no Estado. O parecer que legitima tal comissão estabelece, no artigo 4º, que todo aluno da rede pública tem direito a higiene, conforto, acústica de quali-dade, boas condições de temperatura e luminosidade.

No entanto, 11 anos se passaram e a situação física das escolas públicas está cada vez pior. “A gente procurou a SEC, diversas vezes, mas é muita burocracia. Até para trocar uma lâmpada preci-sa ser aberto um processo, aguardar uma avaliação e esperar a licitação e a execução”, descreve a professora Sílvia Regina Pinheiro Neis, diretora da Escola Estadual Aparício Borges.

Com 1.041 alunos e quase 80 anos de história, o colégio – que carrega o nome do coronel da Revolução Cons-titucionalista – se encontra em estado precário. As turmas lotadas frequentam as aulas em salas provisórias, tendo que enfrentar goteiras, frio e falta de lumi-nosidade. Preocupada com os educan-dos, a diretora diz: “O problema maior é que o provisório dura muito tempo. Essas salas estão aqui desde os anos 80 e ainda não conseguimos estabelecer uma solução permanente”.

Sílvia entrou na escola em 2004. Foi então que começou a batalha para melhorar o local. “Nosso presidente do Conselho de Pais e Mestres (CPM) soube que o consulado japonês estava dando dinheiro para algumas escolas visando desenvolvimento e construção de quadras esportivas”, lembra. O plano era construir um segundo prédio que ampliaria a instituição. “Fomos atrás

56 Experiência

educaçãoMás condições físicas dos educandários dificultam a vida de alunos e professores, além de colocar em risco o processo de ensino no Rio Grande do Sul

Os escombros da

Colégios em todo o Estado sofrem com a falta de manutenção

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57Julho 2011

“É muito sofrido. A burocracia é muito grande.

A gente queria que os governantes estivessem aqui no dia a dia, para

ver como é difícil.”Sílvia Regina Pinheiro Neis,

diretora da Escola Aparício Borges

desse benefício e, na época, conse-guimos 86 mil dólares para erguer a construção”, esclarece.

Porém, o dinheiro não seria su-ficiente para finalizar o serviço, e o Estado teria que arcar com a diferença. “Começamos a obra em março de 2008. Em junho, concluímos a primeira etapa com o dinheiro do Japão”, explica. A comunidade que cerca a escola ficou eufórica. Pais e alunos estavam ansio-sos, pois o novo estabelecimento teria laboratório de informática e de ciências, duas novidades fundamentais no enri-quecimento do aprendizado.

O trâmite com a SEC iniciou-se no mesmo ano. As plantas foram aprova-das rapidamente com a supervisão dos engenheiros e arquitetos do órgão. Síl-via conta que a licitação saiu em seguida e, no final de 2009, o dinheiro estaria liberado. Até aí, tudo parecia tranqui-lo. Os problemas vieram a seguir. “A diferença era de R$ 290 mil, mas esse dinheiro representava, certinho, o valor de cada coisa que seria feita. A empresa que ganhou a licitação veio fazer um inspeção e encontrou algumas irregu-laridades na obra. Eles não quiseram dar continuidade sem que essas coisas fossem sanadas”, diz.

São pequenas ocorrências que não comprometem a estrutura do prédio. Entretanto, há um ano e meio Sílvia entra em contato com a SEC quase que diariamente para resolver o dilema o quanto antes. “Faz quase três anos que o prédio está de pé. O madeiramento do teto está comprometido, por causa do desgaste do sol e da chuva, e terá de ser trocado”, lamenta.

A SEC, conforme narra a diretora da escola, tenta fazer com que a nova empresa resolva as irregularidades. A situação está longe de ter uma resolu-ção. Sílvia articula: “É muito sofrido. Em 2009, eu fui 17 vezes, entre janeiro e fevereiro, na SEC. A burocracia é muito grande e parece que não tem uma aten-ção especial para isso. A gente queria que os governantes estivessem aqui no dia a dia, para ver como é difícil”.

Para ela, a construção do novo espaço é mais do que uma simples am-pliação. É qualidade de ensino, motiva-ção para os professores, sem falar nas chances de atender novos alunos. “Nós deixamos de atender esse ano, uma mé-

Cenário reflete o abandono

Muitos consertos são feitos com os estudantes dentro das escolas

dia de 90 estudantes que procuraram a escola”, a diretora lamenta.

Em direção à zona sul, no bairro Vila Nova, a Escola Estadual Alberto Torres enfrenta dificuldades simila-res. Em 2007, chegou a ser liberado recurso para reforma do educandário, no valor de R$ 92.788, mas a ação não foi realizada. O excesso de chuvas e as más condições do telhado agravaram a situação da rede elétrica que, segundo a diretora Clereci Farina, não recebia atenção há mais de 40 anos.

Neste ano, os estudantes do colégio tiveram seu calendário escolar atrasado. Uma pane na rede elétrica na volta do feriado de Carnaval fechou a escola por um mês. “Nós temos um transfor-mador aqui dentro. Hoje em dia, isso é proibido. Para se ter noção, nem os en-genheiros da SEC podem mexer nesse transformador, somente a Companhia Estadual de Energia Elétrica (CEEE)”, explica a responsável financeira da es-cola, Angélica Pinto.

De qualquer forma, há três anos a diretora estuda um processo com a SEC para troca do telhado. “O colégio foi inundado inúmeras vezes. Até eclodiu uma samambaia no corredor. Quando chove, determinadas turmas não têm aula, por causa do excesso de goteiras”, exemplifica Clereci.

O conserto da rede elétrica foi rápido, pois havia risco de choque. A tesoureira da escola conta que, no dia

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58 Experiência

da pane, acionou a CEEE: “Eles vieram, arrumaram o poste e entraram para dentro da escola. Quando eles viram que estava em curto o cabo mais im-portante, que liga o transformador aqui de dentro ao poste, eles tiveram que desligar a luz”.

Os 1,4 mil alunos ficaram sem aulas. Nesse meio tempo, foi feito um processo emergencial com a SEC, para conserto do cabo. Assim que o dispositi-vo estava pronto, o engenheiro realizou uma inspeção e declarou que não pode-ria religar as luzes antes de trocar toda a fiação elétrica da escola. “Nós voltamos na SEC, para abrir uma licitação para renovar a parte elétrica”, fala.

O transtorno foi resolvido, e as atividades recomeçaram em abril. Para recuperar o tempo perdido, montaram um novo calendário com aulas aos sá-bados e um período de férias de inver-no reduzido. Mas tem outra coisa que ainda perturba Angélica: “Se o telhado não for trocado em breve, o problema elétrico vai voltar”.

A SEC alega que até maio a obra solicitada pelos funcionários do Alberto Torres será finalizada. “Um ambiente limpo e agradável melhoraria muito a qualidade do nosso ensino. É difícil para um estudante prestar atenção quando tem 20 goteiras entre ele e o professor”, afirma Angélica.

O que diz o novo governoResponsável pela coordenação dos projetos estratégicos

do Palácio Piratini, o secretário-geral de Governo, Estilac Xavier, afirma que o Estado já está executando reformas e melhorias na educação. “Existiam 65 obras em contratos que somam R$ 4,5 milhões. Além disso, ao iniciar a atual administração, encontramos demandas avulsas aguar-dando decisão. São reformas, ampliações, novos prédios e progressos em geral na rede física”, alega Xavier.

Uma pesquisa feita em conjunto com a SEC apontou 1.163 escolas em péssimas condições. Para agilizar o pro-cesso, a secretaria montou um esquema de classificação da seguinte maneira: prioridade 1, com execução até mar-ço de 2011; prioridade 2, até julho de 2011; prioridade 3, até dezembro de 2011; prioridade 4, até dezembro de 2012; e prioridade 5, até dezembro de 2014. Destas demandas, 45,5% delas já possuíam projeto e orçamento, totalizando R$ 85 milhões.

O secretário explica que colégios como o Instituto de Educação General Flores da Cunha receberão atenção es-pecial. “Por serem prédios históricos e com forte identifi-cação com a educação no Estado”, esclarece Xavier. Sobre as escolas provisórias de lata, ele declara que serão gra-dativamente extintas conforme ocorrer a construção de novos educandários.

“Nossa previsão é que no início do segundo semestre deste ano não teremos mais contêineres servindo de es-paço para abrigar alunos e professores”, projeta Xavier. Atualmente apenas três escolas mantêm estruturas tem-porárias: uma em Caxias do Sul, a Ismael Chaves Barce-los, e outras duas localizadas em Porto Alegre, a Rafaela Remião e a Coelho Neto.

Segundo Xavier, ainda não existe um levantamento sobre a situação de todas as escolas. Contudo, o gover-no está firmando uma parceria com o Fundo Nacional de Desenvolvimento na Educação (FNDE) visando executar uma classificação que permitirá visualizar a natureza dos 2.554 estabelecimentos de ensino do Estado.

A degradação das escolas oferece riscos ao bem-estar das crianças