os elfos de paranapiacaba - perse.com.br · perceber, os elfos de paranapiacaba foram para...

60
1 OS ELFOS DE PARANAPIACABA

Upload: vandan

Post on 30-Dec-2018

227 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: OS ELFOS DE PARANAPIACABA - perse.com.br · perceber, os Elfos de Paranapiacaba foram para Élfindória, o último reduto da Alta Magia naqueles dias. E lá foram recebidos por Sinamon

1

OS ELFOS

DE

PARANAPIACABA

Page 2: OS ELFOS DE PARANAPIACABA - perse.com.br · perceber, os Elfos de Paranapiacaba foram para Élfindória, o último reduto da Alta Magia naqueles dias. E lá foram recebidos por Sinamon

2

Page 3: OS ELFOS DE PARANAPIACABA - perse.com.br · perceber, os Elfos de Paranapiacaba foram para Élfindória, o último reduto da Alta Magia naqueles dias. E lá foram recebidos por Sinamon

3

JOSÉ ARAÚJO

OS ELFOS

DE

PARANAPIACABA

2ª Edição 2014

Page 4: OS ELFOS DE PARANAPIACABA - perse.com.br · perceber, os Elfos de Paranapiacaba foram para Élfindória, o último reduto da Alta Magia naqueles dias. E lá foram recebidos por Sinamon

4

Copyright© 2014 - José Araújo

Título Original:

Os Elfos de Paranapiacaba – Araújo José

Editor:

José Araújo

Revisão e diagramação:

José Araújo

Editoração Eletrônica:

José Araújo

Ilustrações:

José Araújo

Capa:

José Araújo

Texto revisado segundo o novo Acordo Ortográfico da

Língua Portuguesa.

1 – Literatura brasileira – 2 Romance – 3 Ficção

2ª Edição - 2014

São Paulo – Brasil

14x21 cm.

240 páginas

ISBN: 978-85-8196-850-6

Page 5: OS ELFOS DE PARANAPIACABA - perse.com.br · perceber, os Elfos de Paranapiacaba foram para Élfindória, o último reduto da Alta Magia naqueles dias. E lá foram recebidos por Sinamon

5

Page 6: OS ELFOS DE PARANAPIACABA - perse.com.br · perceber, os Elfos de Paranapiacaba foram para Élfindória, o último reduto da Alta Magia naqueles dias. E lá foram recebidos por Sinamon

6

Page 7: OS ELFOS DE PARANAPIACABA - perse.com.br · perceber, os Elfos de Paranapiacaba foram para Élfindória, o último reduto da Alta Magia naqueles dias. E lá foram recebidos por Sinamon

7

Introdução

Caro leitor,

A título de conhecimento dos fatos reais, antes

começar a ler este romance repleto de encantos, magia e

aventuras, um pouco da História da Vila de

Paranapiacaba, Santo André, São Paulo, um lugar cheio

de mistérios e lendas, que foi a principal fonte de

inspiração para a realização desta obra.

Paranapiacaba ou em tupi guarani “paranã

apiaca aba” cuja tradução é “Lugar de onde se vê o

mar”.

Em dias claros, esta era a visão que tinham os

povos indígenas que passavam por ali, depois de subir a

Serra do Mar rumo ao planalto, e que atualmente os

turistas da Vila de Paranapiacaba podem vislumbrar

Page 8: OS ELFOS DE PARANAPIACABA - perse.com.br · perceber, os Elfos de Paranapiacaba foram para Élfindória, o último reduto da Alta Magia naqueles dias. E lá foram recebidos por Sinamon

8

através do mirante ou de uma das várias janelas do

“Castelinho”, antiga moradia do engenheiro-chefe da

ferrovia.

No século XIX, naquele caminho íngreme

utilizado pelos índios, desde os tempos pré-coloniais,

seria construída uma estrada de ferro que mudaria a

paisagem do interior paulista e ocasionaria a fundação

da vila de Paranapiacaba.

O fator preponderante para a construção da

Ferrovia Santos-Jundiaí foi a expansão do café, que

chegou ao Rio de Janeiro no início do século XIX e logo

se espalhou pelo vale do Rio Paraíba.

A próxima região ocupada pela cultura cafeeira

seria o oeste paulista, já bem no interior do estado. A

partir daí, tornou-se urgente encontrar um meio de

escoar o café com maior facilidade para o Porto de

Santos.

O mercado no exterior era certo, mas o produto

levava dias de viagem em tropas de muares (mulas) até

o litoral.

A história de Paranapiacaba tem seu verdadeiro

início em 1835, quando os primeiros estudos para a

implantação da ferrovia começaram, mas foi apenas

depois de 1850 que a ideia começou a sair do papel,

graças ao espírito empreendedor do Barão de Mauá.

Ele encontrou nos ingleses os parceiros ideais

para executar o projeto.

Além de ter interesses em dinamizar o fluxo de

exportação e importação brasileiro, a Inglaterra detinha

Page 9: OS ELFOS DE PARANAPIACABA - perse.com.br · perceber, os Elfos de Paranapiacaba foram para Élfindória, o último reduto da Alta Magia naqueles dias. E lá foram recebidos por Sinamon

9

uma vasta experiência na construção de ferrovias,

utilizando a tecnologia da máquina a vapor - algo

imprescindível para vencer as dificuldades técnicas

impostas pelo desnível de 796 metros entre o topo da

serra e o litoral.

Em 26 de abril de 1856, a recém-criada empresa

inglesa São Paulo Railway Co. recebia por um decreto

imperial do então Imperador D. Pedro II, a concessão

para a construção e exploração da ferrovia por 90 anos.

As obras tiveram início em 1860, comandadas

pelo engenheiro inglês Daniel M. Fox.

Dadas às características extremamente íngremes

do trecho da serra, adotou-se o chamado sistema

funicular: o percurso foi dividido em quatro planos

inclinados, cada um com uma máquina fixa a vapor que

tracionava as composições através de cabos de aço.

A vila de Paranapiacaba era inicialmente apenas

um acampamento de operários. Depois da inauguração

da ferrovia, em 1867, houve a necessidade de se fixar

parte deles no local para cuidar da manutenção do

sistema. Assim, construiu-se a Estação Alto da Serra,

que também foi o primeiro nome dado ao lugarejo.

Por causa da sua localização, último ponto antes

da descida da serra, a vila começou a ganhar

importância. Também nesta época foi fundada, em

torno da estação São Bernardo, a futura cidade de Santo

André, à qual a vila de Paranapiacaba pertence hoje.

Enquanto isso, a ocupação no interior do estado

se consolidava graças à estrada de ferro. O comércio e a

Page 10: OS ELFOS DE PARANAPIACABA - perse.com.br · perceber, os Elfos de Paranapiacaba foram para Élfindória, o último reduto da Alta Magia naqueles dias. E lá foram recebidos por Sinamon

10

produção agrícola aumentaram significativamente. Em

pouco tempo já era preciso duplicar a ferrovia.

A partir de 1896, começaram as obras.

Paralelamente aos trabalhos de duplicação, a vila

também sofreria modificações. No alto de uma colina, os

ingleses construíram a casa do engenheiro-chefe,

chamada de Castelinho, de onde toda a movimentação

no pátio ferroviário poderia ser observada.

Na mesma época, foi erguida a Vila Martim

Smith, com casas em estilo inglês, de madeira e telhados

em ardósia, para servir de moradia aos funcionários da

empresa. Em 1900, o novo sistema de planos inclinados

é inaugurado, recebendo o nome de Serra Nova.

Em 1907 a vila recebe seu nome definitivo como é

conhecido até hoje por Vila de Paranapiacaba.

Do outro lado da estrada de ferro, a Parte Alta de

Paranapiacaba, que não pertencia à companhia, seguia

padrões arquitetônicos diversos daqueles da vila

inglesa. A área começou a ser ocupada por comerciantes

italianos e portugueses para atender os ferroviários já na

década de 1860. Ali também moravam os funcionários

aposentados, que não poderiam mais usar as casas

cedidas pela empresa.

Até meados da década de 40, os moradores

viviam ali como uma grande família. A vila era bem

cuidada, com ruas arborizadas e casas pintadas.

O clube União Lira Serrano era o centro de uma

intensa atividade sociocultural: bailes, jogos de salão,

Page 11: OS ELFOS DE PARANAPIACABA - perse.com.br · perceber, os Elfos de Paranapiacaba foram para Élfindória, o último reduto da Alta Magia naqueles dias. E lá foram recebidos por Sinamon

11

competições esportivas, encenações teatrais, exibições

de filmes e concertos da Banda Lira.

Outro importante ponto de encontro, para fechar

um negócio ou conversar sobre política e futebol, era a

Estação. Nas noites de sábados e domingos, moços e

moças bem alinhados, interessados em namorar,

caminhavam pelas plataformas largas, como relata João

Ferreira, antigo morador da vila.

Em 1946, termina o período de concessão da São

Paulo Railway Co. e todo seu patrimônio é incorporado

ao da União. Este fato é apontado pelos antigos

moradores como o início da decadência da vila.

Com a desativação parcial do sistema funicular,

na década de 70, mais um golpe: parte dos funcionários

é dispensada ou aposentada e outros são contratados,

para cuidar do novo sistema de transposição da serra - a

cremalheira-aderência.

Nos anos 1980, depois de várias denúncias na

imprensa sobre a deterioração da vila, é criado o

Movimento Pró-Paranapiacaba. Em 1986, a Rede

Ferroviária entregou restaurado o sistema funicular

entre o 4° e o 5° patamares e o Castelinho.

No ano seguinte, o núcleo urbano, os

equipamentos ferroviários e a área natural de

Paranapiacaba foram tombados pelo CONDEPHAAT -

Page 12: OS ELFOS DE PARANAPIACABA - perse.com.br · perceber, os Elfos de Paranapiacaba foram para Élfindória, o último reduto da Alta Magia naqueles dias. E lá foram recebidos por Sinamon

12

Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Artístico,

Arqueológico e Turístico do Estado de São Paulo.

Atualmente sua porção de Mata Atlântica é

núcleo da Reserva da Biosfera do Cinturão Verde da

cidade de São Paulo e integra também a Reserva da

Biosfera da Mata Atlântica, reconhecida pela UNESCO

como uma importante área de conservação ambiental

para a humanidade.

Tombada pelo CONDEPHAAT (Conselho de

Defesa do Patrimônio Histórico, Artístico, Arqueológico

e Turístico do Estado de São Paulo) em 1987,

Paranapiacaba está entre os 100 maiores monumentos

históricos do mundo, figurando na lista da WMF (World

Monuments Fund).

Assim, para entretenimento, que este livro, misto

de realidade, fantasia e ficção seja prazeroso de se ler,

para que se de a ele crédito e, se acredite que o que nele

contém é tudo verdadeiro, deixo a critério da

imaginação do leitor.

Tudo que posso dizer, é que faço votos de que

sua viagem pelo mundo da Magia seja um universo de

fantasias, aventuras e descobertas, nesta estória,

inspirada na Vila de Paranapiacaba, situada no

município de Santo André em São Paulo, com seus

encantos e mistérios, onde muitos dos antigos

Page 13: OS ELFOS DE PARANAPIACABA - perse.com.br · perceber, os Elfos de Paranapiacaba foram para Élfindória, o último reduto da Alta Magia naqueles dias. E lá foram recebidos por Sinamon

13

habitantes ainda residentes no local juram que a Alta e

boa Magia ainda existe e está na velha vila em estilo

inglês.

Ao lado do antigo terminal ferroviário da antes

chamada São Paulo Railway Co., com suas casas de

madeira, com paredes pintadas de vermelho e telhados

de ardósia, rodeadas pela exuberante natureza da Serra

do Mar, a Vila de Paranapiacaba é ainda hoje ponto de

encontro do povo da Magia e, quem chega a ela, sente

no ar que há muito mais do que pontos turísticos

naquele lugar.

Page 14: OS ELFOS DE PARANAPIACABA - perse.com.br · perceber, os Elfos de Paranapiacaba foram para Élfindória, o último reduto da Alta Magia naqueles dias. E lá foram recebidos por Sinamon

14

Page 15: OS ELFOS DE PARANAPIACABA - perse.com.br · perceber, os Elfos de Paranapiacaba foram para Élfindória, o último reduto da Alta Magia naqueles dias. E lá foram recebidos por Sinamon

15

Page 16: OS ELFOS DE PARANAPIACABA - perse.com.br · perceber, os Elfos de Paranapiacaba foram para Élfindória, o último reduto da Alta Magia naqueles dias. E lá foram recebidos por Sinamon

16

Page 17: OS ELFOS DE PARANAPIACABA - perse.com.br · perceber, os Elfos de Paranapiacaba foram para Élfindória, o último reduto da Alta Magia naqueles dias. E lá foram recebidos por Sinamon

17

Nota do autor:

Conheço a Vila de Paranapiacaba desde a

minha infância e apaixonado pelo lugar, diante de

tantas coisas inexplicáveis aos olhos da ciência,

inúmeras vezes questionei-me ao longo dos anos, se na

História real daquela região, não haveria mais algo que

até hoje não foi divulgado.

Uma das perguntas que sempre estiveram em

minha mente e recuso-me a esquecer é a seguinte:

Teriam os ingleses trazido em suas bagagens

apenas projetos, ferramentas e tecnologia, ou trouxeram

algo mais que nunca se tornou publico?

Talvez, algo que pode estar oculto até hoje, quem

sabe mesmo, um mistério muito além da imaginação,

esperando para ser desvendado.

O fato é que, na Vila de Paranapiacaba, a Magia

se manifesta por toda parte e até mesmo no ar que

respiramos, quando do nada, surge uma forte neblina

que cobre a tudo e a todos naquele lugar.

Afinal, nada neste mundo é impossível, tudo

pode ser, basta a gente ter fé e acreditar.

José Araújo

Page 18: OS ELFOS DE PARANAPIACABA - perse.com.br · perceber, os Elfos de Paranapiacaba foram para Élfindória, o último reduto da Alta Magia naqueles dias. E lá foram recebidos por Sinamon

18

Page 19: OS ELFOS DE PARANAPIACABA - perse.com.br · perceber, os Elfos de Paranapiacaba foram para Élfindória, o último reduto da Alta Magia naqueles dias. E lá foram recebidos por Sinamon

19

Page 20: OS ELFOS DE PARANAPIACABA - perse.com.br · perceber, os Elfos de Paranapiacaba foram para Élfindória, o último reduto da Alta Magia naqueles dias. E lá foram recebidos por Sinamon

20

Page 21: OS ELFOS DE PARANAPIACABA - perse.com.br · perceber, os Elfos de Paranapiacaba foram para Élfindória, o último reduto da Alta Magia naqueles dias. E lá foram recebidos por Sinamon

21

Capítulo 1

Fazia frio e ventava muito na estrada que

levava ao alto da colina na parte baixa da Vila de

Paranapiacaba, onde em seu topo ficava a casa do chefe

da estação, chamada por todos de Castelinho.

Rodeada pela mata atlântica, a estrada era

obscura em noites sem luar e quem caminhava por ela,

tinha sempre a sensação de estar sendo observado por

olhos invisíveis. Naquela noite, as árvores eram

sacudidas de um lado para outro na escuridão. Se

alguém precisasse sair de casa numa noite dessas, tinha

de afundar bem a cabeça por baixo da gola, ficando com

o rosto todo enrugado, sem enxergar quase nada,

envolto por uma espessa neblina, e avançar contra o

vento. De qualquer forma, era bom mesmo que fosse

assim, porque o que estava acontecendo por entre as

árvores, não era para ser visto por olhos humanos.

Page 22: OS ELFOS DE PARANAPIACABA - perse.com.br · perceber, os Elfos de Paranapiacaba foram para Élfindória, o último reduto da Alta Magia naqueles dias. E lá foram recebidos por Sinamon

22

1.945. De uma fresta entre as arvores da floresta

escapava uma faixa de luz azul que cortava a escuridão.

Vinha de uma fenda estreita num rochedo alto que

parecia um enorme dente, e dentro dela havia um

portão duplo, de ferro, escancarado. Passando por ele,

chegava-se a um túnel. Sombras se mexiam por entre as

árvores, enquanto uma procissão ia pelo portão,

sumindo lentamente dentro da colina.

Eram pessoas pequenas, de pouco mais de um

metro. Tinham o peito robusto e a cintura fina, e seus

braços e pernas eram compridos e magros. Vestiam

túnicas verdes e curtas, com cinto e sem manga, e

estavam descalças. Alguns usavam mantos de penas de

ganso.

Na verdade, era um sinal de distinção, não um

agasalho. Seguravam arcos de curva acentuada. De um

lado do cinto, portavam sacas cheias de flechas brancas.

Do outro, espadas largas. Todos montavam pequenos

pôneis brancos. Alguns iam eretos e orgulhosos, mas a

maior parte deles, se curvava sobre a sela e alguns até

jaziam completamente imóveis sobre os pescoços de

suas montarias, enquanto as rédeas eram seguras pelos

companheiros.

Ao todo, deveriam ser aproximadamente uns mil.

Ao lado dos portões de ferro, estava parado um

velho. Era alto e magro, vestindo um manto novo. Suas

Page 23: OS ELFOS DE PARANAPIACABA - perse.com.br · perceber, os Elfos de Paranapiacaba foram para Élfindória, o último reduto da Alta Magia naqueles dias. E lá foram recebidos por Sinamon

23

vestes alvas, seus cabelos e barba brancos, compridos,

esvoaçavam com o vento e ele se apoiava sobre um

cajado.

Devagar, os cavaleiros foram passando pelos

portões e entrando no túnel luminoso. Quando todos já

estavam lá dentro, o velho se virou e os seguiu. Os

portões de ferro rangeram e se fecharam após sua

passagem. Ficou apenas um rochedo nu, sob o vento.

Dessa maneira, em silêncio, sem ninguém

perceber, os Elfos de Paranapiacaba foram para

Élfindória, o último reduto da Alta Magia naqueles dias.

E lá foram recebidos por Sinamon Laatholan, um grande

mago, guardião dos lugares secretos da Serra do Mar.

Page 24: OS ELFOS DE PARANAPIACABA - perse.com.br · perceber, os Elfos de Paranapiacaba foram para Élfindória, o último reduto da Alta Magia naqueles dias. E lá foram recebidos por Sinamon

24

Page 25: OS ELFOS DE PARANAPIACABA - perse.com.br · perceber, os Elfos de Paranapiacaba foram para Élfindória, o último reduto da Alta Magia naqueles dias. E lá foram recebidos por Sinamon

25

Page 26: OS ELFOS DE PARANAPIACABA - perse.com.br · perceber, os Elfos de Paranapiacaba foram para Élfindória, o último reduto da Alta Magia naqueles dias. E lá foram recebidos por Sinamon

26

Page 27: OS ELFOS DE PARANAPIACABA - perse.com.br · perceber, os Elfos de Paranapiacaba foram para Élfindória, o último reduto da Alta Magia naqueles dias. E lá foram recebidos por Sinamon

27

Capítulo 2

Vila de Paranapiacaba, parte baixa, 1981.

—Opa! Disse Rosemary Smith, filha de

descendentes dos ingleses que vieram ao Brasil para

construir a primeira ferrovia em território paulistano.

— O que é isto?

— O quê? — perguntou Edu.

— A manchete no jornal.

Edu e Dorinha chegaram mais perto, para ver o

que o dedo de Rosemary estava apontando. No meio da

página principal estava escrito em letras garrafais:

MISTÉRIO NO CASTELINHO

Despertou muita curiosidade a descoberta do que

parece ser um poço de quinze metros de profundidade,

Page 28: OS ELFOS DE PARANAPIACABA - perse.com.br · perceber, os Elfos de Paranapiacaba foram para Élfindória, o último reduto da Alta Magia naqueles dias. E lá foram recebidos por Sinamon

28

durante escavações realizadas em frente ao Castelinho,

na Colina de Paranapiacaba.

Trabalhadores contratados pela prefeitura

estavam cavando a terra em busca de um vazamento

que estava causando infiltrações na base da construção,

quando deslocaram uma laje de pedra e descobriram

uma cavidade. Ao baixarem uma corda com um peso na

ponta, constataram que a profundidade aproximada

tinha cerca de quinze metros, dos quais cinco ficavam

debaixo d'água. O poço não tinha nenhuma ligação com

o vazamento e, embora não se tenha removido toda a

cobertura, estima-se uma área de aproximadamente

dois metros quadrados para largura da cavidade, que

tem paredes forradas de lajotas de pedra com formas

estranhas e inscrições em uma língua desconhecida.

Foi aventada a hipótese de que antigamente teria

existido uma bomba d'água em frente à casa. As

escavações podem ter revelado o poço do qual a água

era bombeada.

Outra teoria provável é a de que se trate de um

respiradouro, ligado a possíveis galerias antigas, que se

estendem por uma distância considerável em direção à

Vila na parte baixa.

Engraçado! — disse Ana quando as crianças

acabaram de ler — é que, desde que eu me entendo por

gente, nunca ouvi dizer que existe um túnel embaixo do

Castelinho. E agora ele aparece. Fico imaginando o que

pode ser isso, finalmente.

Page 29: OS ELFOS DE PARANAPIACABA - perse.com.br · perceber, os Elfos de Paranapiacaba foram para Élfindória, o último reduto da Alta Magia naqueles dias. E lá foram recebidos por Sinamon

29

— Não sei por que tanto interesse — disse Ana.

— É só um buraco molhado, seja o que for. E por mim,

pode ficar por lá o tempo que quiser.

Dorinha riu e disse;

— Ei, cadê a sua curiosidade tia Ana?

— Na minha idade, ando com outras coisas na

cabeça, se quiser saber. Não dá para ficar metendo

buracos dentro dela.

— Todo mundo tem outras coisas pra pensar. Eu

tenho de fazer minhas compras, e vocês ainda não

acabaram. Disse Ana.

— Será que a gente não podia ir só dar uma

olhadinha? — propôs Dorinha.

— Era o que eu ia sugerir — disse Rosemary. — É

logo ali, depois da esquina. Não leva mais que alguns

minutos.

— Pois então, podem ir. — disse Ana. — Espero

que se divirtam. Mas não fiquem o dia todo por lá,

hein...

Saíram do mercadinho e foram para a rua

principal da Vila. No meio dos carros estacionados, a

carroça verde da família Smith, com seu cavalo branco,

Cheiroso, era uns trinta anos mais velha do que tudo o

que estava em volta. Mas os Smith também eram. Ana,

com seu casaco comprido e um lenço amarrado na

cabeça sobre seus longos cabelos negros, presos por

grampos, usando colete por baixo do casaco por causa

do frio, não via razão para mudar a vida de sempre.

Todos estavam acostumados a viver assim, na

Page 30: OS ELFOS DE PARANAPIACABA - perse.com.br · perceber, os Elfos de Paranapiacaba foram para Élfindória, o último reduto da Alta Magia naqueles dias. E lá foram recebidos por Sinamon

30

simplicidade, sem maiores preocupações. Uma vez por

semana saíam do Recanto Amigo, a fazenda que tinham

na encosta sul da Colina, e vinham de carroça até a parte

baixa da Vila de Paranapiacaba, fazer a entrega de ovos,

frangos e verduras aos fregueses. Logo depois de serem

adotados pela família Smith, quando Edu e Dorinha

chegaram para morar na fazenda Recanto Amigo, no

começo, tudo tinha parecido meio estranho. Mas eles

logo se adaptaram aos costumes dos Smith.

Rosemary e as crianças foram a pé, deixando a

carroça para trás, e seguiram pela distância curta que

subia a rua até o Castelinho, uma casa construída em

estilo inglês, meio gótico, mostrando a estrutura de

peças de madeira aparente e pintadas de um vermelho

escuro, quase marrom.

Na frente do prédio, tinham cavado uma espécie

de vala, de um metro de profundidade, bem junto à

parede. Rosemary subiu no monte de terra e barro, ao

lado, e olhou lá para baixo.

— Aí está.

Edu e Dorinha subiram também.

O canto de uma lajota de pedra brotava da

escavação, pouco acima do chão. Um pedaço da lajota

estava quebrado, deixando um buraco de menos de

meio palmo. Era tudo. Dorinha pegou uma pedrinha e a

jogou pelo buraco. Passou um segundo até se ouvir um

ploft, ressoando, quando ela bateu na água.

— Não dá para saber muita coisa, não é mesmo?

Page 31: OS ELFOS DE PARANAPIACABA - perse.com.br · perceber, os Elfos de Paranapiacaba foram para Élfindória, o último reduto da Alta Magia naqueles dias. E lá foram recebidos por Sinamon

31

— disse Rosemary. — Você está conseguindo

ver?

Dorinha tinha pulado para dentro da escavação e

estava abaixada, espiando pelo buraco.

— É redondo... Parece até um túnel em pé. Tem

alguma coisa espetada na parede, uma espécie de cano...

Não dá pra ver mais nada.

— Vai ver que é mesmo só um poço — disse

Rosemary. — Pena... eu bem que ia gostar se algo

diferente acontecesse para quebrar a monotonia deste

lugar.

Voltaram para a carroça. Quando Ana acabou de

fazer as compras, continuaram fazendo sua ronda de

entregas. Só terminaram no fim da tarde.

— Imagino que vocês vão querer voltar pra casa a

pé pelo bosque, como das outras vezes. Disse Ana.

—Isso mesmo, por favor... Podemos Tia? Falou

Dorinha.

— Por mim, achava melhor desistir dessa ideia —

disse Ana. — Mas se estão mesmo querendo tanto,

podem ir... Só que duvido que achem muita coisa. E

tratem de ir direto pra casa. Daqui a uma hora já vai

escurecer, e esses bosques podem ser muito perigosos

de noite, eles são traiçoeiros... Vocês podem cair num

buraco de algum poço abandonado de uma hora para

outra.

Edu e Dorinha foram andando pelo sopé da

Colina. Faziam isso toda semana, enquanto Rosemary

voltava para casa na carroça com a mãe. E toda vez que

Page 32: OS ELFOS DE PARANAPIACABA - perse.com.br · perceber, os Elfos de Paranapiacaba foram para Élfindória, o último reduto da Alta Magia naqueles dias. E lá foram recebidos por Sinamon

32

arranjavam um tempinho livre, iam também até a

estação, andar à toa pelos trilhos, procurando...

Nos primeiros quinhentos metros, a estrada era

margeada por jardins suburbanos, seguros. Depois,

começavam a aparecer umas plantações e num instante

a Vila ficava para trás. À direita, erguia-se a encosta

norte da Colina, vertical, saindo diretamente do

caminho de pedestres, com algumas arvores se

curvando sobre a estrada e a crista íngreme, cheia de

pinheiros e pedras.

Os dois saíram da estrada e tomaram a picada

estreita por entre as árvores. Durante algum tempo

foram subindo em silêncio, embrenhando-se pelo

bosque. De repente, Dorinha falou:

— Mas, em sua opinião, qual é o problema? Por

que não encontramos Sinamon?

— Pelo amor de Deus, não me venha com essa

história de novo... — disse Edu. — A gente nunca soube

como é que se pode abrir os portões de ferro, ou a

entrada da Caverna Sagrada de Sinamon, só os vimos

em nossos sonhos então, não temos muita chance de

encontrá-lo.

— Sei disso, mas não entendo! Porque ele não

está querendo aparecer? Antes, eu podia entender que

ele sabia que não era seguro aparecer para nós. Mas

agora não. Do que é que tem medo já que Nefhasta foi

só um sonho ruim?

—Aí é que está... — disse Edu. — Será que foi

mesmo?

Page 33: OS ELFOS DE PARANAPIACABA - perse.com.br · perceber, os Elfos de Paranapiacaba foram para Élfindória, o último reduto da Alta Magia naqueles dias. E lá foram recebidos por Sinamon

33

— Só pode ter sido — disse Dorinha. — Ana

disse que a lenda diz que a casa em que ela viveu está

vazia, e todo mundo na Vila confirma.

— Mas pode muito bem estar viva e não estar em

casa — disse Edu. — Andei pensando muito: Será que

além de Nefhasta, há algo mais que não sabemos? Então

agora, das três uma: ou ele só existiu em nossos sonhos,

ou nunca esteve aqui, ou está havendo algum problema.

Só pode ser. Senão, por que ia ser sempre assim?

Tinham chegado ao lugar que viram em seus

sonhos, a Caverna Sagrada. Ficava no sopé de um

penhasco, em um dos numerosos vales próximos à

colina. Era um buraco raso e longo na pedreira, no qual

pingava água da rocha. Ao lado, havia outra bacia,

menor, em forma de leque, e em cima dela uma fresta na

face do rochedo — era o segundo portão para

Élfindória, elas lembravam em detalhes de sua

localização.

Bem, na verdade, não faz parte desta história

contar como Edu e Dorinha se interessaram pela

primeira vez pelo mundo da Magia, que está tão perto

de nós e nos passa tão despercebido, como o que está

escondido por trás das sombras. As crianças quase

desejavam nunca ter sonhado que havia muito mais

coisas do que a gente pode enxergar a olho nu. Estavam

decepcionadas por não encontrar nada real mesmo

depois de muito procurar. Não podiam suportar a ideia

de que o bosque para eles fosse vazio de tudo, a não ser

Page 34: OS ELFOS DE PARANAPIACABA - perse.com.br · perceber, os Elfos de Paranapiacaba foram para Élfindória, o último reduto da Alta Magia naqueles dias. E lá foram recebidos por Sinamon

34

de beleza; ou que o buraco encontrado, não passasse de

um buraco e nada mais.

— Vamos — chamou Edu. — Ficar olhando não

vai fazer mágica e fazer acontecer o que sempre

esperamos. E se a gente não se apressar, não vamos

chegar em casa antes de escurecer. E você sabe como

Ana gosta de reclamar.

Foram saindo do vale para o alto da colina. No

crepúsculo, os galhos se erguiam contra o céu e a

penumbra corria pela grama, virava um breu nas fendas

e nas bocas das cavernas que cortavam o bosque com

seus montinhos de areia e pedregulho em seu interior.

Ouvia-se o assobio do vento, embora as arvores não se

mexessem.

— Eu tinha quase certeza, desde aquela noite em

que sonhamos o mesmo sonho, que Sinamon daria um

jeito de entrar em contato conosco...

— O que é aquilo? Disse Edu. —Você está

vendo?

Estavam andando pelo lado de uma pedreira,

desativada havia muitos anos. O chão já estava coberto

de capim e mato, e por isso só o paredão nu fazia com

que aquele vale fosse diferente dos outros que havia na

colina. Mas esse despojamento dava ao lugar uma

atmosfera primitiva, uma sensação de isolamento que,

ao mesmo tempo, era inquietante e tranquila. Parecia

que nesse lugar a noite chegava mais depressa.

—Onde? — perguntou Dorinha.

Page 35: OS ELFOS DE PARANAPIACABA - perse.com.br · perceber, os Elfos de Paranapiacaba foram para Élfindória, o último reduto da Alta Magia naqueles dias. E lá foram recebidos por Sinamon

35

—Na outra ponta da pedreira, um pouquinho à

esquerda daquela árvore.

— Não...

— Lá vai de novo Dorinha! O que é aquilo?

O vazio do vale estava sombrio, mas uma

mancha de escuridão se mexia, mais assombrosa do que

o resto. Flutuava por cima do capim, sem forma,

achatada, mudando de tamanho, e subia a superfície do

penhasco. Em algum ponto no meio da mancha, se é que

aquilo tinha um meio, havia dois pontos de luz

vermelha. Deslizou pela beirada da pedreira e foi

absorvida pelo mato.

—Você viu? — perguntou Edu.

—Vi. Quer dizer, se havia alguma coisa, eu vi.

Pode ter sido só... Um efeito de luz.

— E você acha que era só isso?

— Não.

Page 36: OS ELFOS DE PARANAPIACABA - perse.com.br · perceber, os Elfos de Paranapiacaba foram para Élfindória, o último reduto da Alta Magia naqueles dias. E lá foram recebidos por Sinamon

36

Capítulo 3

Agora estavam com pressa. A diferença

podia estar neles mesmos ou no bosque, mas Edu e

Dorinha sentiam que alguma coisa tinha mudado.

De repente, a colina se tornara não exatamente

maléfica, mas estranha, insegura. E eles estavam loucos

para chegar a um lugar aberto, sair do meio das árvores.

Talvez fosse só efeito da luz ou dos nervos, ou dos dois

ao mesmo tempo, mas alguma coisa ainda parecia estar

brincando de assustá-los. A toda hora imaginavam que

havia um movimento de algo branco por entre o alto

das árvores — nada muito definido, mas insinuado e

fugidio.

— Você acha mesmo que havia alguma coisa lá

na pedreira? — perguntou Dorinha.

— Sei lá... E se houvesse, o que seria? Acho que

deve ter sido mesmo só um efeito de luz. Não acha?

Page 37: OS ELFOS DE PARANAPIACABA - perse.com.br · perceber, os Elfos de Paranapiacaba foram para Élfindória, o último reduto da Alta Magia naqueles dias. E lá foram recebidos por Sinamon

37

Mas antes que Dorinha pudesse responder,

ouviu-se um assobio no ar. As crianças deram um pulo

para o lado, enquanto um pouco de areia jorrou a seus

pés, bem entre elas. Olharam e viram uma flecha,

pequenina e branca, fincada bem no meio do caminho. E

enquanto olhavam, espantados, uma voz firme falou,

vinda da escuridão, acima de suas cabeças.

— Não movam um único músculo de seus

músculos, uma única veia de suas veias, um único fio de

cabelo de suas cabeças, senão eu hei de lhes lançar

tantos dardos, do mais fino carvalho, que vocês ficarão

furados como uma peneira.

Instintivamente, Edu e Dorinha olharam para

cima. Diante deles, uma figura muito velha lançava seu

tronco em arco por cima do caminho. Entre os galhos da

árvore, estava de pé uma figura miúda, parecida com

um homem, mas de pouco mais de um metro. Usava

uma túnica branca e tinha a pele morena, enrugada pelo

vento. Os cachos de seu cabelo, colados à cabeça,

pareciam labaredas de prata. E os olhos... Bem, eram

olhos de gato. Emitiam uma luz que não se refletia em

nada no bosque. Nas mãos, a criatura segurava um arco

muito curvado.

No primeiro momento, Edu e Dorinha ficaram

parados, incapazes de dizer qualquer coisa. Depois, a

tensão dos últimos minutos fez Edu estourar.

— Que ideia é essa? — gritou. — Quase nos

acertou com essa coisa!

Page 38: OS ELFOS DE PARANAPIACABA - perse.com.br · perceber, os Elfos de Paranapiacaba foram para Élfindória, o último reduto da Alta Magia naqueles dias. E lá foram recebidos por Sinamon

38

— Ah, pelos deuses! Ah, por santa Hera! É ele

mesmo, o que fala com os Elfos!

Edu e Dorinha levaram um susto com a voz

cheia, que dava gargalhadas. Viraram-se e viram outra

figura pequena, porém mais troncuda, parada no

caminho atrás deles, com os cabelos vermelhos

brilhando sob as últimas luzes do dia. Poucas vezes

tinham visto uma cara tão feia. Tinha uns lábios

enormes, dentes separados, verrugas na cara, nariz de

batata, barba e cabelo embaraçados e uma pele

ressecada como as cascas das árvores no auge do

inverno. O olho esquerdo era coberto por um tapa-olho,

mas o direito valia por dois.

Sem dúvida, era um anão. Adiantou-se e deu

uma palmadinha no ombro de Edu, com tanta força que

o corpo do menino balançou:

— E este sou eu, Gabriel, o Batedor, que amo

vocês por causa disso! Salve! E agora, será que Sua

Alteza não quer descer da árvore e falar com os amigos,

Rafhael?

O vulto branco no alto da árvore não se mexeu.

Parecia não ter ouvido nada. Gabriel continuou:

— Estou achando que há outros lugares neste

bosque esta noite que estão muito mais necessitados das

flechadas dos Elfos do que aqui! Vejo que Benelordh se

aproxima e ele não parece nada tranquilo!

O anão estava olhando para o caminho lá na

frente, mais adiante de Edu e Dorinha. Eles não

conseguiam ver tão longe no escuro, mas ouviram o

Page 39: OS ELFOS DE PARANAPIACABA - perse.com.br · perceber, os Elfos de Paranapiacaba foram para Élfindória, o último reduto da Alta Magia naqueles dias. E lá foram recebidos por Sinamon

39

som distante de cascos de cavalo se aproximando. Cada

vez mais alto, cada vez mais perto, até que do meio da

noite surgiu um cavalo negro, com olhos selvagens e

molhado de suor. Esparramando areia, parou de

repente junto a eles. O cavaleiro, um homem alto,

também vestido de preto, chamou em direção ao alto da

árvore:

— Rafhael, meu Senhor! Encontramos o que

procurávamos, mas está fora do bosque, para o sul, e se

move depressa demais para mim. Heremid, filho de

Hermim, Thiolan, filho de Noran, e Osan, o gavião, com

metade dos cavaleiros de seu grupo, estão vigiando,

sem tirar o olho. Mas não bastam. Depressa!

Seu cabelo liso e negro chegava aos ombros, o

ouro brilhava em suas duas orelhas, e seus olhos

pareciam derreter qualquer geada. Na cabeça, tinha um

chapéu de copa alta, abas largas e os ombros estavam

envoltos por uma capa ampla, presa com uma fivela

enorme de puro ouro.

— Estou indo. Disse Rafhael a Gabriel. —

Benelordh ensinará a esta gente o que desejo.

Ligeiro, o Elfo correu pelo tronco do pinheiro

acima, e desapareceu no meio da copa da árvore. Houve

apenas uma brancura esvoaçando pelas árvores em

volta, como se fosse uma rajada de geada no inverno. E

por entre os galhos soou um barulho parecido com o do

vento. Durante algum tempo, ninguém falou. O anão

dava a impressão de estar se divertindo muito com a

situação, contente em deixar que os outros fizessem o

Page 40: OS ELFOS DE PARANAPIACABA - perse.com.br · perceber, os Elfos de Paranapiacaba foram para Élfindória, o último reduto da Alta Magia naqueles dias. E lá foram recebidos por Sinamon

40

movimento seguinte. O homem chamado Benelordh

olhava as crianças. Edu e Dorinha ainda estavam se

recuperando da surpresa e se acostumando com o fato

de que estavam finalmente envoltos pelo mundo da

Magia na vida real — ao que parecia, por acaso. E agora

que estavam lá, perceberam que não era apenas um

mundo de encantamento, mas também de sombras

profundas.

Estavam caminhando para dentro daquele

mundo desde que tinham chegado à pedreira. Se

tivessem reconhecido essa atmosfera antes, os choques

sucessivos dos encontros com o Elfo, o anão e o

cavaleiro não teriam sido tão fortes nem os teriam

deixado sem fôlego.

— Acho que agora — disse Benelordh — a

questão não está mais nas mãos de Sinamon.

— O que você quer dizer com isso? — disse Edu.

— E o que está acontecendo?

— Ia levar algum tempo para explicar o que

quero dizer. Ou o que está acontecendo, aliás. E o lugar

para essas explicações é Élfindória, então é melhor

irmos juntos.

— Não há nada mais urgente para você resolver

no bosque esta noite? — perguntou Gabriel.

—Nada que a gente possa fazer — disse

Benelordh. — A velocidade e os olhos dos Elfos são

nossa única esperança, e tenho medo de que mesmo eles

não sejam o suficiente.

Page 41: OS ELFOS DE PARANAPIACABA - perse.com.br · perceber, os Elfos de Paranapiacaba foram para Élfindória, o último reduto da Alta Magia naqueles dias. E lá foram recebidos por Sinamon

41

Apeou do cavalo e seguiu a pé, com as crianças e

o anão, pela picada aberta na mata. Não seria mais

rápido se fôssemos por ali? — Dorinha perguntou,

apontando para a esquerda.

— Seria — confirmou Benelordh. —Mas por aqui

o caminho é mais largo, e isso representa uma grande

vantagem esta noite.

Chegaram a uma espécie de clareira, de pedra e

areia, que se estendia até a beirada da colina. Era a

Ponta das Torturas, um lugar de onde dava para se

apreciar a paisagem durante o dia, mas que agora não

parecia muito amistoso.

De lá, cruzaram por cima das pedras até a Pedra

Escura, que era uma ponta do morro que avançava para

dentro da planície.

Bem no meio dela erguia-se um rochedo alto e

arredondado.

— Pode fazer o favor de abrir os portões,

Dorinha? — pediu Benelordh.

— Não consigo. Já tentei uma porção de vezes em

meus sonhos; mas não sei como fazer.

— Edu — disse Benelordh —, por favor, encoste a

mão direita na pedra e diga a palavra Orathtorah.

— Assim?

— É.

— Orathtorah!

— De novo.

— Orathtorah! Orathtorah!

Não aconteceu nada.

Page 42: OS ELFOS DE PARANAPIACABA - perse.com.br · perceber, os Elfos de Paranapiacaba foram para Élfindória, o último reduto da Alta Magia naqueles dias. E lá foram recebidos por Sinamon

42

Edu recuou, com cara de bobo.

— Agora Dorinha — insistiu Benelordh.

Dorinha deu um passo até junto da pedra, e

encostou nela a mão direita.

— Orathtorah! Viu? Não adianta. Já tentei muitas

vezes e não...

Apareceu uma fresta na pedra.

Foi crescendo e revelando um par de portões de

ferro. E atrás deles, um túnel iluminado por uma luz

azul.

Page 43: OS ELFOS DE PARANAPIACABA - perse.com.br · perceber, os Elfos de Paranapiacaba foram para Élfindória, o último reduto da Alta Magia naqueles dias. E lá foram recebidos por Sinamon

43

Capítulo 4

Não vai abrir os portões? — perguntou

Benelordh. Dorinha esticou a mão e tocou os portões de

ferro.

Eles se abriram sozinhos.

— Depressa! — disse Benelordh. — A noite é

muito mais saudável lá dentro do que aqui fora.

Apressou as crianças a passarem logo pelo

portão. A pedra se fechou de novo assim que todos

acabaram de entrar.

— Por que eles se abriram? Antes nem se mexiam

— disse Dorinha.

— Porque você disse a palavra. E também por

outra razão que depois vamos discutir.

Foram descendo com Benelordh pelos caminhos

de Élfindória. Um túnel levava a uma caverna, a

caverna dava passagem a um túnel, e assim seguiram,

Page 44: OS ELFOS DE PARANAPIACABA - perse.com.br · perceber, os Elfos de Paranapiacaba foram para Élfindória, o último reduto da Alta Magia naqueles dias. E lá foram recebidos por Sinamon

44

de túnel em túnel e de caverna em caverna, todos

diferentes e todos iguais. Parecia não haver fim.

Quanto mais fundo iam, mais forte ficava a

pálida luz azul. Assim, as crianças souberam que

estavam se aproximando da Caverna dos Adormecidos,

cuja consideração tinha feito com que a velha caverna

dos anões de Élfindória recebesse a maior carga de

Magia de uma época. E seu guardião era Sinamon

Laatholan. Ali, naquela caverna, durante séculos

esperando o dia em que Sinamon iria despertá-lo de seu

sono encantado para travar a última batalha do mundo,

jazia um rei, cercado por seus cavaleiros, cada um com

seu cavalo branco como o leite.

As crianças olharam em volta, contemplando as

chamas frias, agora brancas no coração da Magia,

cintilando na armadura de prata. Viram os cavalos e os

homens. Ouviram o murmúrio abafado de sua

respiração ecoando, a batida do coração de Élfindória.

Depois da Caverna dos Adormecidos, o caminho

começava a subir, passando por mais túneis, por pontes

estreitas e de arcos altos, sobre abismos desconhecidos,

ao longo de passagens apertadas no teto de cavidades,

atravessando planícies de areia debaixo de abóbadas de

pedra, até as cavernas mais remotas. Finalmente,

chegaram a uma pequena gruta, bem nos fundos da

Caverna Sagrada, o lugar que o mago usava como seus

aposentos. Lá estavam umas poucas cadeiras, uma mesa

comprida e uma cama de pele de animais.

— Onde está Sinamon? — indagou Dorinha.

Page 45: OS ELFOS DE PARANAPIACABA - perse.com.br · perceber, os Elfos de Paranapiacaba foram para Élfindória, o último reduto da Alta Magia naqueles dias. E lá foram recebidos por Sinamon

45

— Deve estar com os Rhios-rhor, os Elfos — disse

Benelordh. — Muitos estão passando mal, com a

doença-da-poluição. Mas enquanto ele não chega vocês

podem descansar aqui. Na certa há muita coisa que

estão desejando saber.

— Claro que há! — exclamou Edu. — Quem

estava atirando flechas contra nós?

— O senhor dos Elfos, Rafhael, filho de Zhef. Ele

precisa da ajuda de vocês.

— Da nossa ajuda? — repetiu Edu. — Pois tem

uma maneira muito esquisita de pedir.

— Nunca pensei que os Elfos fossem assim... —

disse Dorinha.

— Vocês estão se precipitando — disse

Benelordh. — Lembrem-se de que ele está com medo,

numa situação de perigo. Está cansado, sozinho... E é

um Rei. É bom lembrar, também, que os Elfos não têm

um amor natural pelos homens, porque os Rhios-rhor

foram expulsos para os lugares ermos justamente por

causa da sujeira, da feiura e do ar impuro que os

homens estão adorando nestes últimos dois séculos.

Vocês precisam ver o que a doença-da-poluição está

fazendo com os Elfos de Mauá, Cubatão e São Caetano.

Precisam ouvir a chiadeira dela nos pulmões deles.

Tudo culpa dos homens.

— Mas como é que nós podemos ajudar?

— Vou lhes mostrar — disse Benelordh. —

Sinamon está ha muitos dias falando sobre isso, e tem

suas razões, mas já que vocês estão aqui, acho que o

Page 46: OS ELFOS DE PARANAPIACABA - perse.com.br · perceber, os Elfos de Paranapiacaba foram para Élfindória, o último reduto da Alta Magia naqueles dias. E lá foram recebidos por Sinamon

46

melhor é contar-lhes o que está errado. Em resumo, é o

seguinte: há alguma coisa escondida nos ermos das

Terras do Sul, lá longe no vale de São Vicente, onde os

Elfos tinham erguido seu último reino. Durante muito

tempo, o número de Rhios-rhor já vinha diminuindo —

não por causa da doença-da-poluição, como está

acontecendo no ocidente, mas por alguma razão que

não conseguimos descobrir. Os Elfos simplesmente

estão desaparecendo. Somem sem deixar vestígios. No

começo, era de um em um, ou aos pares. Mas não faz

muito tempo, perdeu-se uma infinidade deles, o grupo

de Gholen, com tudo, até mesmo cavalos e armas. Não

sobrou nem uma flecha. Isso é obra de algum poderoso

ser do Mal. Para descobri-lo e destruí-lo, Rafhael está

conclamando todo o seu povo, do norte, do sul, do leste

e do oeste, e reunindo todo o povo da magia que

conseguir. Dorinha, será que você podia dar a ele a

Marca de Pena?

—O que é isso? — perguntou Dorinha.

—É o bracelete que Luanna Cabelos de Luar lhe

deu naquele dia em que vocês a encontraram na

floresta.

— Esta pulseira? Eu nem sabia que ela tinha

nome... Em que ela pode ajudar Rafhael?

— Não sei — disse Benelordh. — Mas tudo que

for mágico pode ajudar, e você tem magia nesse

bracelete. Não abriu os portões?

Dorinha olhou a pulseira de prata antiga que

usava em volta do pulso. Era tudo o que havia trazido

Page 47: OS ELFOS DE PARANAPIACABA - perse.com.br · perceber, os Elfos de Paranapiacaba foram para Élfindória, o último reduto da Alta Magia naqueles dias. E lá foram recebidos por Sinamon

47

como lembrança de momentos de perigo e

encantamento, quando foram salvos de uma onça

pintada por Luanna Cabelos de Luar, que havia lhes

dito ser a Dama da Serra do Mar. Dorinha não sabia o

que significavam as letras pesadas que estavam inscritas

em negro, numa língua esquecida, sobre a superfície da

prata. Mas sabia que não se tratava de uma pulseirinha

comum, e não a usava sem respeito.

—Por que tem esse nome? — perguntou.

— Há muitas histórias sobre essas coisas, que só

conheço vagamente — respondeu Benelordh —, mas sei

que as Marcas de Pena fazem parte da Magia mais

antiga do mundo. Esta é a primeira que vejo, e não sei

para que serve. Mas de qualquer modo, você pode dá-la

a Rafhael?

— Não! — disse Dorinha.

Mas os Elfos podem ser totalmente destruídos,

quem sabe se justamente por precisarem de uma Marca!

— disse Benelordh. — Você se nega a ajudá-los bem na

hora em que eles mais precisam?

— É claro que vou ajudar — disse Dorinha. — Só

que Luanna recomendou muito que eu cuidasse sempre

de meu bracelete, mas não disse por quê. Então, se

Rafhael está precisando, eu tenho de ir com ele.

Ouvindo isso Benelordh desandou a rir, mas

ficou preocupado e disse:

— Agora você me pegou. Rafhael não vai gostar

nada disso. Mas esperem: será que ele precisa saber?

Não quero levar-lhe mais problemas, se puder evitar.

Page 48: OS ELFOS DE PARANAPIACABA - perse.com.br · perceber, os Elfos de Paranapiacaba foram para Élfindória, o último reduto da Alta Magia naqueles dias. E lá foram recebidos por Sinamon

48

Pode ser que a Marca não sirva para Rafhael, que não

possa usá-la, que só funcione com você. Mas você podia

me emprestar o bracelete, Dorinha, e o levo para que ele

tente, experimente seus poderes. Se não der certo, é

mais fácil ele aceitar sua oferta.

— Ah, é? E quem garante que, no momento em

que tiver a Marca nas mãos, ele não some, para lá de São

Caetano, mais depressa do que um coelho fugindo do

caçador se metendo pelo meio do bosque? E leva o

bracelete mágico embora...

— Você não conhece os Rhios-rhor, Dorinha —

disse Benelordh. — Dou minha palavra de que ele não

vai fazer trapaça.

— Então é preciso que os ouvidos de Sinamon

saibam disso — disse Rafhael. — Para que Rafhael não

fique achando que um perigo atroz merece ações

atrozes. Jamais um Rhios-rhor sairia de Élfindória se

Sinamon os mandasse ficar.

— Não precisa — disse Dorinha. — Confio em

você. E confio em Rafhael. Aqui está a pulseira. Ele pode

tentar ver o que consegue fazer. Mas, por favor, não

fiquem com ela mais tempo do que o necessário.

— Obrigado — disse Benelordh. — Você não vai

se arrepender.

— Tomara que não! — disse ela, com uma cara

que não parecia nada feliz. — Mas pelo que ouvi sobre

vocês, acho que andam muito sem juízo por não estarem

vestindo uma armadura. Disse Benelordh com um ar

reprovador. —A Nefhasta não esquece, nem perdoa.

Page 49: OS ELFOS DE PARANAPIACABA - perse.com.br · perceber, os Elfos de Paranapiacaba foram para Élfindória, o último reduto da Alta Magia naqueles dias. E lá foram recebidos por Sinamon

49

— A Nefhasta? — repetiu Edu. — Onde? Ela está

atrás da gente outra vez?

Embora as crianças tivessem cruzado com essa

mulher somente em seus sonhos sob sua forma humana,

logo ficaram sabendo que não era apenas com a feiura

dela que deviam se preocupar. Era a Nefhasta, a

senhora dos antros de bruxas chamados de Celeiros do

Mal. E acima de tudo, ela tinha o poder de despertar

poderes maléficos nas pedras e de fazer o ódio

fermentar no ar, além de ter uma força terrível. Mas seu

poder tinha sido quebrado por Sinamon Laatholan e os

Cavaleiros de Paranapiacaba há muito tempo atrás e

eles não sabiam se ela havia ou não sobrevivido à

destruição que aniquilara seus seguidores exatamente

na noite em que houve o terrível incêndio que destruiu

a antiga estação de trem.

— O celeiro do mal está disperso, mas ela foi

vista — disse Benelordh, apontando para Gabriel com

um gesto de cabeça. — O melhor é perguntar a ele, que

trouxe notícias dela. O anão com gênio de mel, vindo

das Terras do Norte, para lá de São Caetano.

— O que foi? Você a viu? — quis saber Edu.

— Eu vi? — disse o anão. — Vocês estão mesmo

querendo saber? Pois então, eu conto.

Respirou fundo e começou:

— Quando eu vinha para cá, passei pela Colina

da Samambaia Negra, em Mauá, e uma tremenda

tempestade estava se formando. Por isso, comecei a

procurar umas pedras e uns galhos de mato mais

Page 50: OS ELFOS DE PARANAPIACABA - perse.com.br · perceber, os Elfos de Paranapiacaba foram para Élfindória, o último reduto da Alta Magia naqueles dias. E lá foram recebidos por Sinamon

50

fechado, com intenção de fazer um abrigo para passar a

noite. E vi uma pedra redonda, castanha, meio separada

das outras. Pus os braços em volta dela para levantá-la,

e nesse momento, ai meu rei do sol e da lua, meu senhor

das estrelas brilhantes e perfumadas; a pedra criou

braços e me agarrou o pescoço, e já estava quase

expulsando a vida que mora em mim!

Fez uma pausa e continuou:

— Nem me perguntem como, porque eu mesmo

não sei dizer, mas consegui me soltar. E, de repente, a

pedra era a Nefhasta! Pulei pra cima dela com minha

espada. E mesmo ela me arrancando o olho, cortei sua

cabeça. O berro que deu foi repetido por todo lado, na

Colina da Samambaia Negra. Mas a cabeça deu um

pulo, direto, redondinho, e voltou para seu pescoço, e

num instante lá vinha ela de novo, xingando pra cima

de mim, e fiquei morrendo de medo. Três vezes nós

lutamos, três vezes tirei sua cabeça, mas três vezes ela

ficou inteirinha de novo, e eu já estava quase morrendo,

de tanta dor e cansaço. Então, quando mais uma vez

passei a espada pela altura de seus ombros, quando a

cabeça estava voltando para o tronco, consegui botar a

lâmina de ferro bem no lugar do pescoço. Então a

cabeça, "Toim!", quicou na lâmina, e pulou para o céu.

Quando estava começando a cair, e vi que vinha para

cima de mim, me desviei e ela entrou na terra uns dois

metros, com toda a força que vinha. Que cabeça! Depois

ouvi o barulho de pedras mordendo, mastigando,

mascando, moendo e triturando, achei que era hora de

Page 51: OS ELFOS DE PARANAPIACABA - perse.com.br · perceber, os Elfos de Paranapiacaba foram para Élfindória, o último reduto da Alta Magia naqueles dias. E lá foram recebidos por Sinamon

51

levar minhas pernas para longe dali, e lá me fui pela

noite afora, através do vento e da geada.

Ficaram todos esperando o mago chegar. E

enquanto esperavam, Gabriel se encarregou de não

deixar que a conversa se interrompesse nem um minuto.

Contou como Benelordh o encontrara um dia e

falara de um boato sobre alguma coisa que tinha saído

do chão perto de Élfindória e estava sendo caçada por

Sinamon Laatholan. Como já estava muito tempo sem

fazer nada, o próprio Gabriel resolveu fazer a viagem

para o sul, saindo de São Caetano, na esperança de que

Sinamon apreciasse seu auxílio. Não se decepcionou. O

assunto era muito mais importante do que ele

imaginava...

Havia muito, muito tempo, um dos antigos

malefícios do mundo tinha aterrorizado a planície, mas

tinha sido apanhado e aprisionado numa caverna, no

sopé da Colina. Muitos séculos mais tarde, por meio da

estupidez dos homens, esse mal escapara e exigira

muito trabalho e sacrifício para ser recapturado. Pois

agora Benelordh vinha com a notícia de que o homem

novamente soltara esse mal.

— E ninguém faz ideia do lugar deste mundo

duro e encolhido, onde se pode encontrar de novo o

Mestre do Mal — disse Gabriel.

Page 52: OS ELFOS DE PARANAPIACABA - perse.com.br · perceber, os Elfos de Paranapiacaba foram para Élfindória, o último reduto da Alta Magia naqueles dias. E lá foram recebidos por Sinamon

52

Capítulo 5

— Acontece que o Mestre do Mal, — disse

Benelordh — Tem olhos e boca, mas não tem fala e,

infelizmente, não tem forma.

Não dava para entender. Mas a sombra que se

ergueu na mente de Dorinha enquanto o anão falava

parecia escurecer toda a caverna.

Pouco depois, Sinamon chegou. Estava com os

ombros curvados, e apoiava o peso no cajado que tinha

na mão. Quando viu as crianças, franziu a testa,

acentuando as rugas em volta dos olhos.

— Edu? Dorinha? Fico contente em ver vocês,

mas por que estão aqui? Benelordh, por que passou por

cima de mim e fez uma coisa dessas?

— Não foi bem isso o que aconteceu, Sinamon —

disse Benelordh. — Mas antes de mais nada, como estão

os Rhios-rhor?

Page 53: OS ELFOS DE PARANAPIACABA - perse.com.br · perceber, os Elfos de Paranapiacaba foram para Élfindória, o último reduto da Alta Magia naqueles dias. E lá foram recebidos por Sinamon

53

— Os Elfos de Santo André e Mauá vão demorar

muito a sarar — disse Sinamon. — Os que vieram de

Jundiaí são mais fortes, mas estão tomados pela doença-

da-poluição, e tenho medo de que alguns estejam fora

de meu alcance.

Voltou-se para os meninos e acrescentou:

— Mas agora me contem como vieram parar

aqui. Fomos... Detidos... Por Rafhael, o Elfo. E depois

que Gabriel e Benelordh apareceram — respondeu

Dorinha.

—acabamos de saber o que está acontecendo com

os Elfos.

— Não julgue Rafhael mal! Ele está sob pressão.

— disse Benelordh. — Mas Dorinha nos deu esperanças.

Estou com a Marca de Pena aqui.

Sinamon olhou para Dorinha.

— Fico... Contente... — disse. — É muito

generoso de sua parte, Dorinha. Mas será uma decisão

sábia? Vocês sabem que estou preocupadíssimo com a

destruição dos Elfos. Mas a Nefhasta...

— Já falamos nela — apressou-se a esclarecer

Benelordh. — O bracelete não vai ficar muito tempo

comigo, e não acho que a rainha das bruxas venha tão

ao sul por enquanto. Ela vai ter que estar muito mais

forte antes de ousar aparecer tão abertamente, e ainda

não se sente segura nem para sair de São Caetano, se é

que a história de Gabriel é verdadeira. Por que estaria

mudando de forma para se disfarçar de pedra, se não

estivesse com medo de ser perseguida?

Page 54: OS ELFOS DE PARANAPIACABA - perse.com.br · perceber, os Elfos de Paranapiacaba foram para Élfindória, o último reduto da Alta Magia naqueles dias. E lá foram recebidos por Sinamon

54

— Tem razão — concordou Sinamon. — Talvez

eu esteja exagerando nos meus cuidados. Mas o fato é

que não gosto nada de ver estas crianças trazidas ao

limiar do perigo dessa maneira. Não, Dorinha, não fique

zangada comigo. Não é por causa de sua idade que eu

me preocupo, mas por causa de sua humanidade. É

contra minha vontade que vocês estão aqui agora.

— Mas por quê? — exclamou Dorinha.

— Por que acha que os homens só nos conhecem

nas lendas? Nós não temos que evitá-los para preservar

nossa segurança, como no caso dos Elfos. Mas pela de

vocês mesmos. Não foi sempre assim. Já houve um

tempo em que todos vivemos próximos. Mas pouco

antes que os Elfos fossem expulsos, vocês mudaram.

Acharam que o mundo era mais fácil de dominar se só

usassem as mãos. Assim, para vocês, as coisas passaram

a valer mais do que os pensamentos. E os homens ainda

chamaram isso de Idade da Razão. Só que, para nós, a

verdade é justamente o contrário. Por isso, nos nossos

assuntos, o ponto mais fraco de vocês é exatamente

onde deviam ser mais fortes. O perigo para vocês não

vem apenas do mal, mas de outras coisas com que

lidamos. Podem não ser maléficas em si, mas são forças

selvagens, descontroladas, que podem destruir quem

não estiver acostumado com elas.

Continuou explicando:

— Por todas essas razões, nós nos afastamos da

humanidade. Ficamos sendo apenas uma lembrança.

Com o passar do tempo, viramos uma superstição, um

Page 55: OS ELFOS DE PARANAPIACABA - perse.com.br · perceber, os Elfos de Paranapiacaba foram para Élfindória, o último reduto da Alta Magia naqueles dias. E lá foram recebidos por Sinamon

55

monte de espíritos e terrores em que se fala numa noite

de inverno. E, ultimamente, estamos sendo motivo de

zombaria e descrença. Por tudo isso é que tenho de ser

tão severo com vocês. Deu para entender?

— Acho que sim — respondeu Dorinha.

— Em linhas gerais, pelo menos.

—Mas se vocês cortaram qualquer contato

conosco, por completo, há tanto tempo, como é que

falam do mesmo jeito que a gente? — quis saber Edu.

— Mas não falamos — disse o mago. — Só

estamos usando a Língua Comum agora, porque vocês

estão aqui. Entre nós há muitas outras línguas. E não

repararam que, para alguns de nós, a Língua Comum é

mais difícil e mais estranha do que para outros? Os Elfos

são os que mais têm evitado os homens, quase

completamente. Falam a de vocês de um modo mais

parecido com o que ouviram pela última vez,

antigamente, e mesmo assim não falam bem. O resto de

nós — eu, os anões, e alguns outros — a temos ouvido

pelos anos afora, e a conhecemos mais do que os Elfos,

muito embora não consigamos dominar a rapidez com

que vocês falam agora nem seu jeito abreviado.

Benelordh é quem mais encontra os homens, e até ele de

vez em quando fica completamente perdido, mas como

acham que é maluco, não faz diferença.

Edu e Dorinha não demoraram muito na caverna.

A atmosfera daquela noite não os deixava muito à

vontade, e era evidente que Sinamon tinha muitas

outras coisas na cabeça, além do que tinha dito. Pouco

Page 56: OS ELFOS DE PARANAPIACABA - perse.com.br · perceber, os Elfos de Paranapiacaba foram para Élfindória, o último reduto da Alta Magia naqueles dias. E lá foram recebidos por Sinamon

56

depois das sete, subiram pelo túnel mais curto, que

levava à Caverna Sagrada. O mago tocou a rocha com

seu cajado e o penhasco se abriu.

A partir daí, Benelordh pessoalmente

acompanhou os meninos por todo o caminho, até a

fazenda, só os deixando quando chegaram ao portão.

Edu e Dorinha perceberam que os olhos dele não

paravam, vasculhando a escuridão, de um lado para

outro, para lá e para cá.

— O que é? — perguntou Dorinha. — O que está

procurando?

— Uma coisa que espero não encontrar — disse

Benelordh.

— Vocês devem ter notado que o bosque não

estava vazio esta noite. Estávamos perto do Mestre do

Mal, e tomara que agora já esteja bem longe daqui.

— Mas como é que você podia vê-lo, ou ver

qualquer outra coisa? — perguntou Edu. — Está escuro

feito breu.

— Vocês devem saber que os olhos de um anão

nasceram para enxergar no escuro — disse Benelordh.

— Mas até vocês veriam o Mestre do Mal se ele

aparecesse, mesmo que a noite estivesse mais negra do

que a goela de um lobo. É que, por mais negra que esteja

a noite, o Mestre do Mal ainda é mais negro.

Com isso, a conversa parou pelo resto da jornada.

Mas quando chegaram a Recanto Amigo, Dorinha

perguntou:

Page 57: OS ELFOS DE PARANAPIACABA - perse.com.br · perceber, os Elfos de Paranapiacaba foram para Élfindória, o último reduto da Alta Magia naqueles dias. E lá foram recebidos por Sinamon

57

— Benelordh, desculpe, mas qual é o problema

com os Elfos? Não quero parecer mal-educada, mas...

Bem, sempre achei que eram... Bem, os "melhores" do

povo de vocês.

— Ah! — exclamou Benelordh. — Na certa iam

concordar com você! E pouca gente discordaria deles.

Devem julgar por vocês mesmos. Mas uma coisa eu

posso dizer sobre os Rhios-rhor: São impiedosos, sem

nenhuma gentileza, e existem muitas coisas

incompreensíveis neles.

Page 58: OS ELFOS DE PARANAPIACABA - perse.com.br · perceber, os Elfos de Paranapiacaba foram para Élfindória, o último reduto da Alta Magia naqueles dias. E lá foram recebidos por Sinamon

58

Capítulo 6

Pouco menos de um quilômetro da fazenda

Recanto Amigo, depois da lombada da pedra marrom,

há uma antiga pedreira escavada no chão, que ficou sem

uso e foi inundada.

Quando as margens não são penhascos, são

barrancos abruptos, cobertos de árvores. Uma bomba de

ar, quebrada, range de vez em quando. Um caminho

esquecido se perde pelo meio dos espinhos sem levar a

lugar nenhum. À luz do sol, é um local desolado, tão

desolado quanto apenas uma maquinaria abandonada

consegue ser. Mas quando o sol vai baixando, o ar fica

carregado com uma atmosfera diferente. A água

escurece, fica malévola, no fundo das encostas dos

penhascos e as árvores se amontoam, inclinadas, para

beber água. A bomba geme. Um lugar solitário,

esverdeado, escuro.

Page 59: OS ELFOS DE PARANAPIACABA - perse.com.br · perceber, os Elfos de Paranapiacaba foram para Élfindória, o último reduto da Alta Magia naqueles dias. E lá foram recebidos por Sinamon

59

Mas tranquilo, pensava Dorinha. E isso não é

pouco. Não houvera muita paz na fazenda desde que os

dois tinham voltado. Já tinham passado dois dias, cheios

da conversa de Edu e dos silêncios pesados dos pais de

Rosemary. É que eles sabiam do envolvimento das

crianças com a Magia em seus sonhos, ocorridos no

passado, e ficavam tão preocupados com essa mistura

de mundos quanto Sinamon.

O tempo também não ajudava. O ar estava

parado, úmido, quente e pesado demais para o começo

do inverno.

Dorinha sentia que precisava dar uma volta e

relaxar um pouco. Por isso, nessa tarde, saíra sozinha,

sem Edu, e fora até a velha pedreira. Sentou-se na

beirada de uma laje que se projetava sobre a água e se

distraiu, vendo as sombras cinzentas dos peixes. Por

muito tempo, ficou ali sentada, desligando-se pouco a

pouco das tensões dos últimos dias. De repente, um

barulho fez com que levantasse a cabeça.

— Oi, quem é você?

Um pequeno pônei preto estava parado na

margem da água, do outro lado da pedreira.

— O que é que você está fazendo aqui? O pônei

sacudiu a crina e relinchou.

—Vem cá! Vem, rapaz!

O pônei olhou fixo para Dorinha, sacudiu a

cauda, depois se virou e desapareceu pelas árvores.

— Bem, deixa pra lá... Que horas serão?

Page 60: OS ELFOS DE PARANAPIACABA - perse.com.br · perceber, os Elfos de Paranapiacaba foram para Élfindória, o último reduto da Alta Magia naqueles dias. E lá foram recebidos por Sinamon

60

Dorinha subiu o barranco e se afastou da

pedreira, entrando no campo. Rodeou o bosque pelo

outro lado, e assobiou, mas não aconteceu nada:

— Oi, vem cá! Aqui, garoto, vem! Bom, se não

quiser vir, eu já... Epa!

O pônei estava bem ao seu lado.

— Você me assustou. Onde é que tinha se

metido?

Enquanto falava com o animal, a menina

acariciava as orelhas dele. Parecia que o pônei estava

gostando, porque encostou a cabeça no ombro dela e

fechou os olhos de veludo negro.

— Calma assim você me derruba... Durante

alguns minutos, ficou fazendo carinho no pescoço dele.

Depois, relutante, o empurrou.

— Agora tenho de ir embora. Mas amanhã volto

para te ver de novo.

O pônei saiu trotando atrás dela.

— Não, volte. Você não pode vir comigo.

Mas o pônei foi atrás de Dorinha por todo o

campo, empurrando-a de leve com o focinho e soprando

junto à sua orelha. E quando ela ia subir na cerca que

separava aquele campo do seguinte, ele se meteu entre

ela e a cerca, empurrando-a de lado com sua barriga

brilhante.

— O que quer?

— Um empurrão.

— Não tenho nada para lhe dar. Outro empurrão.

— O que é?