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OS DIREITOS HUMANOS DAS MULHERES E O “FENÔMENO DA FEMINIZAÇÃO DO ENVELHECIMENTO” EM UM CENTRO DE CONVIVÊNCIA DE IDOSOS DA CIDADE DE DOURADOS-MS Débora Martins Moreti Reis 1 RESUMO: O crescimento da população idosa é um processo caracterizado pelo aumento da longevidade humana e tem como característica marcante sua maior ocorrência entre as mulheres. Por isso, essa pesquisa buscou abordar o "fenômeno da feminização do envelhecimento" em um Centro de Convivência de Idosos localizado na cidade de Dourados-MS, a partir dos olhares de frequentadores do ambiente e considerando a perspectiva dos Direitos Humanos. As estratégias de pesquisa se basearam em material bibliográfico e documental, acompanhado de entrevistas com usuários e observação participante. O estudo sobre esse tema se manifesta significativo considerando-se que a população idosa tem crescimento acelerado no país e as mulheres são a maior parcela, bem como, embora sejam notados avanços nos debates sobre o assunto, as mulheres idosas ainda são invisíveis para as políticas públicas, razão pela qual faz-se necessário o esclarecimento da coletividade a fim de propiciar planejamento e implantação de ações/intervenções mais efetivas para alcance dessa parcela populacional na cidade e garantir seus direitos. Palavras-chave: Direitos Humanos, Mulheres, Centro de Convivência, Longevidade. 1. INTRODUÇÃO O crescimento da população idosa é um fato desafiador caracterizado pelo prolongamento da vida humana, em função de fatores diversos e geradores de discussões acadêmicas visando à melhor assimilação das consequências dessa ampliação da existência. Por isso, o envelhecimento foi escolhido para pesquisa, especialmente no que se refere às mulheres, em vista a percepção da maior ocorrência de longevidade para essa parcela populacional, bem como, das dificuldades de visibilidade feminina pelas políticas públicas voltadas ao tema do envelhecimento. O estudo buscou abordar o chamado “fenômeno da feminização do envelhecimento” em um Centro de Convivência de Idosos (CCI) localizado na cidade de Dourados – MS, a 1 Mestre em Sociologia pela Universidade Federal da Grande Dourados, Especialista em Direito Público pela Universidade do Sul de Santa Catarina, Bacharel em Direito pela Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul. Anais do XIV Congresso Internacional de Direitos Humanos. Disponível em http://cidh.sites.ufms.br/mais-sobre-nos/anais/

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OS DIREITOS HUMANOS DAS MULHERES E O “FENÔMENO DA FEMINIZAÇÃO DO ENVELHECIMENTO” EM UM CENTRO DE CONVIVÊNCIA

DE IDOSOS DA CIDADE DE DOURADOS-MS

Débora Martins Moreti Reis1

RESUMO: O crescimento da população idosa é um processo caracterizado pelo aumento da longevidade humana e tem como característica marcante sua maior ocorrência entre as mulheres. Por isso, essa pesquisa buscou abordar o "fenômeno da feminização do envelhecimento" em um Centro de Convivência de Idosos localizado na cidade de Dourados-MS, a partir dos olhares de frequentadores do ambiente e considerando a perspectiva dos Direitos Humanos. As estratégias de pesquisa se basearam em material bibliográfico e documental, acompanhado de entrevistas com usuários e observação participante. O estudo sobre esse tema se manifesta significativo considerando-se que a população idosa tem crescimento acelerado no país e as mulheres são a maior parcela, bem como, embora sejam notados avanços nos debates sobre o assunto, as mulheres idosas ainda são invisíveis para as políticas públicas, razão pela qual faz-se necessário o esclarecimento da coletividade a fim de propiciar planejamento e implantação de ações/intervenções mais efetivas para alcance dessa parcela populacional na cidade e garantir seus direitos. Palavras-chave: Direitos Humanos, Mulheres, Centro de Convivência, Longevidade.

1. INTRODUÇÃO

O crescimento da população idosa é um fato desafiador caracterizado pelo

prolongamento da vida humana, em função de fatores diversos e geradores de discussões

acadêmicas visando à melhor assimilação das consequências dessa ampliação da existência.

Por isso, o envelhecimento foi escolhido para pesquisa, especialmente no que se refere às

mulheres, em vista a percepção da maior ocorrência de longevidade para essa parcela

populacional, bem como, das dificuldades de visibilidade feminina pelas políticas públicas

voltadas ao tema do envelhecimento.

O estudo buscou abordar o chamado “fenômeno da feminização do envelhecimento”

em um Centro de Convivência de Idosos (CCI) localizado na cidade de Dourados – MS, a

1 Mestre em Sociologia pela Universidade Federal da Grande Dourados, Especialista em Direito Público pela Universidade do Sul de Santa Catarina, Bacharel em Direito pela Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul.

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partir dos olhares de seus frequentadores e também considerando os avanços dos Direitos

Humanos no Brasil.

As estratégias de pesquisa estão baseadas em material bibliográfico e documental,

tais como Declaração Universal dos Direitos Humanos, os Programas Nacionais de Direitos

Humanos, estatuto do Centro de Convivência escolhido para exploração, registros oficiais,

reportagens da mídia da região e projetos, bem como, entrevistas com usuários. Os dados da

pesquisa foram coletados também com a utilização de observação participante.

Apresentam-se nesse trabalho algumas reflexões sobre a temática, especialmente em

relação ao público feminino, com o intuito de fornecer uma contribuição para subsidiar o

planejamento e a implantação de ações mais efetivas para as mulheres idosas na cidade de

Dourados, uma vez que se reconhece a complexidade do tema e sua repercussão para o

enfrentamento de desigualdades e concretização de cidadania.

2. EVOLUÇÃO HISTÓRICA DOS DIREITOS HUMANOS

Os Direitos Humanos têm seu surgimento na fase entre a pré-história e a história, nos

séculos XI e X a.C., quando apareceram os primeiros objetos de metal e a escrita. O ponto

inicial da consciência histórica dos Direitos Humanos decorreu do reconhecimento de que as

instituições governamentais devem ser utilizadas a serviço dos governados, de modo que se

admitiu a existência de direitos que são inerentes à própria condição humana (COMPARATO,

2010).

A ideia de igualdade entre as pessoas nasceu vinculada ao surgimento da lei escrita e

aplicada numa sociedade organizada, na qual se compreendesse a dignidade da pessoa e seus

direitos. Assim, o entendimento de Direitos Humanos atravessou a Democracia Ateniense e

seus princípios de supremacia da lei e participação do cidadão nas funções de governo; a

República Romana, com suas limitações ao poder político; o Imperialismo, na Baixa Idade

Média. Já na Idade Média constituiu-se uma nova civilização que reconheceu direitos comuns

a todos os indivíduos e, posteriormente, o Feudalismo – na Alta Idade Média (séculos XI a

XIII) – revelou os Direitos Humanos como um valor a ser observado, embora em favor de

clero e nobreza, com poucas concessões ao povo e, na sequência, a Monarquia Absolutista

(século XVII) direcionou as liberdades individuais para a burguesia.

Com a Independência Americana (1776), foi reconhecida solenemente a igualdade

entre os seres humanos e, com a Revolução Francesa (1789), essa ideia foi reforçada com a

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afirmação de que os homens nascem e permanecem livres e iguais em direitos (conforme a

Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, em seu art. 1º).

Na primeira metade do século XIX, os Direitos Humanos de caráter econômico e

social foram identificados e, na segunda metade desse mesmo século, com o fim da Segunda

Guerra Mundial, teve início a internacionalização desses direitos. A Convenção de Genebra,

elaborada em 1864, pretendeu reduzir o sofrimento de pessoas atingidas por conflitos bélicos

e, a partir dela, fundou-se – em 1880 – a Comissão Internacional da Cruz Vermelha. Já em

1907, surgiu a Convenção de Haia, que estendeu os princípios da Convenção de Genebra aos

conflitos marítimos, mesma aplicação estendida aos prisioneiros de guerra, em 1929.

A partir de 1945, os Direitos Humanos evoluíram visando proteger a dignidade

humana de massacres ocasionados pelo totalitarismo estatal e, em 1948, foi aprovada pela

Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), a Declaração Universal dos

Direitos Humanos – marco mundial dos Direitos Humanos – determinante da liberdade e

igualdade de todos os seres humanos em dignidade e direitos, desde o nascimento, bem como,

do dever de agirem com fraternidade.

De acordo com a autora Flávia Teixeira, essa Declaração garantiu proteção aos

direitos e previu a criação de instrumentos efetivos para esse fim: [...] a partir da Declaração dos Direitos Humanos há uma maior participação dos Estados na proteção de direitos. [...] há uma necessidade constante de criação e implementação de mecanismos efetivos e necessários para a garantia dos direitos inerentes aos indivíduos, bem como maior atuação dos Estados consagrando em suas Constituições o respeito à dignidade da pessoa humana e a garantia do seu pleno desenvolvimento (TEIXEIRA, 2012).

A partir de meados dos anos 70 e início dos anos 80, a noção de direitos foi

substancialmente ampliada no Brasil, dando-se ênfase aos direitos políticos em conjunto com

os direitos humanos (CALDEIRA, 1991).

Nesse sentido, em 1988 foi promulgada a Constituição Federal Brasileira,

caracterizada como um instrumento de efetivação de garantias para os cidadãos, prevendo o

pleno exercício de direitos. E, em seu texto, apresentou conteúdo relacionado aos Direitos

Humanos e mecanismos de elaboração e implantação de políticas públicas – necessários para

a efetivação de benefícios às pessoas. Por exemplo, em seu art. 5º estabelece a igualdade entre

todos e prevê a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à propriedade e à segurança.

Há autores com entendimento de que a Constituição tem um texto rígido, porém,

aberto para inovações advindas dos direitos humanos. Na opinião deles, há uma evolução

acelerada da humanidade e, por isso, a elaboração de leis deve incorporar os direitos

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humanos, para afastar as injustiças sociais e promover o avanço sociotecnológico

(MAGALHÃES e LIMA, 2012).

Importante destacar que os Direitos Humanos são classificados em três gerações. A

primeira delas é a dos direitos civis ou das liberdades individuais, concernentes à vida,

locomoção, propriedade, segurança, acesso à justiça, opinião, crença religiosa e integridade

física. A segunda, é a dos direitos sociais, alusivos ao mundo do trabalho, como direito ao

salário, à seguridade social, férias, fixação de jornada de trabalho, entre outros, mas também

abrange direitos não vinculados ao mundo do trabalho e que se destinam a todos, como o

direito à educação, à saúde, à habitação. Já a terceira geração se refere aos direitos coletivos

da humanidade também conhecidos como de solidariedade planetária, como a defesa do meio

ambiente, paz, desenvolvimento, autodeterminação dos povos, partilha do patrimônio

científico, cultural e tecnológico (BENEVIDES, 2012).

Além dessas gerações também desponta uma quarta geração, relativa aos direitos que

poderão surgir a partir de novas descobertas científicas, novas abordagens em função do

reconhecimento da diversidade cultural e das mudanças políticas.

3. OS DIREITOS DAS MULHERES COMO DIREITOS HUMANOS

Os direitos das mulheres nem sempre tiveram reconhecimento ou foram assegurados

pelas legislações, por isso, a Revolução Francesa revelou-se como um acontecimento

significativo para a luta das mulheres no tocante ao seu reconhecimento como seres humanos

iguais aos homens e, nesse período, abriu-se caminho para o primeiro movimento de mulheres

em prol de igualdade e libertação.

Em 1830, na Grã-Bretanha, as mulheres começaram a exigir o direito ao voto, luta

que durou mais de 80 anos até sua conquista, alcançada em 1918. Frise-se que a fundação do

Conselho Internacional das Mulheres, com sede em Paris-França (em 1888) contribuiu para

esse êxito, mediante promoção de diversos encontros, seminários e workshops para discussão

do tema dos direitos das mulheres.

O primeiro órgão a tratar dos Direitos Humanos das Mulheres foi a Comissão

Interamericana sobre as Mulheres, criada em 1928. Após, percebe-se que desde o início da

ONU, as mulheres empenharam-se para participar e atuar na implantação de mecanismos dos

Direitos Humanos, de modo que, em 1946, foi criada a Comissão para o Estatuto da Mulher

com o objetivo de promover os direitos das mulheres em todo o mundo e incluir

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explicitamente esses direitos na Declaração Universal dos Direitos Humanos, datada de 1948.

Em seguida, já em 1953, surgiu a Convenção sobre os Direitos Políticos da Mulher, a qual

estabeleceu igualdade no gozo e exercício de direitos políticos.

Entretanto, apenas nos anos 70 foram adotados instrumentos mais efetivos para a

garantia dos Direitos Humanos das Mulheres pela ONU, mediante elaboração da chamada

Década para as Mulheres das Nações Unidas: Igualdade, Desenvolvimento e Paz, que

englobou o período de 1976 a 1985.

Ainda nessa linha, em 1979, foi adotada a Convenção sobre a Eliminação de Todas

as Formas de Discriminação contra as Mulheres, o mais importante mecanismo para a

proteção e promoção dos Direitos Humanos das Mulheres e o primeiro a reconhecê-las como

seres humanos plenos.

Destaca-se que o Brasil subscreveu essa Convenção apenas no ano de 1984 e, ainda

assim, com reservas em relação à parte do direito de família. Todavia, essas reservas deixaram

de existir e, dez anos depois, a Convenção foi aprovada pelo Congresso Nacional Brasileiro,

conforme o Decreto Legislativo nº 26/1994, promulgado pelo Decreto nº 4377/2002.

Em 1993, a ONU aprovou a Declaração sobre a Eliminação da Violência contra a

Mulher, admitindo a necessidade de se aplicar – de forma universal – os direitos de igualdade,

integridade, dignidade humana, liberdade e segurança para as mulheres.

A Organização dos Estados Americanos (OEA), por sua vez, aprovou – em 1994 – a

Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher,

concernente à proteção dos direitos da mulher tanto na esfera pública quanto na privada.

No tocante ao combate à violência contra as mulheres, no Brasil foi publicada a Lei

Maria da Penha, que prevê punição à violência praticada contra as mulheres (Lei nº

11.340/2006). Essa legislação foi indicada pela ONU, em 2008, como uma das melhores

legislações sobre o assunto no mundo.

Convém destacar que antes da criação dessa lei, o Brasil firmou compromissos

internacionais com o objetivo de eliminar a discriminação das mulheres e, em decorrência de

movimentos feministas, em 2015, o Código Penal Brasileiro foi alterado através da Lei nº

13.104/2015, a qual incluiu a modalidade de homicídio qualificado quando as agressões são

motivadas por questões de gênero (feminicídio), porém até o momento nota-se um sentimento

de ineficiência no cotidiano de vítimas, embora tenha havido avanços relevantes contra os

vários tipos de violência contra as mulheres.

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A violência não é um elemento novo na sociedade e é um tema complexo e, por isso

mesmo, há grande dificuldade na criação e implantação de políticas públicas e sociais

relativas a ele. Contudo, a existência de instrumentos internacionais voltados à proteção dos

direitos das mulheres traduz progresso para afastar a discriminação e a violência contra essas

e, ao mesmo tempo, alavanca a igualdade de gêneros. E, esse consenso ultrapassa a

diversidade cultural dos povos e legitima a ideia de que essa diversidade deve ser vista como

equivalência, não como disparidade.

4. ENVELHECIMENTO E LONGEVIDADE

O envelhecimento é um processo universal, influenciado por formas de vivência

particulares motivadas por diferentes contextos culturais e que, além do indivíduo, pode afetar

a família e a sociedade. É parte do curso da existência de cada indivíduo e se caracteriza por

experiências peculiares e próprias de cada um, como resultado da trajetória de vida. Trata-se

de um processo natural, do ponto de vista orgânico ou biológico, pelo qual há prolongamento

de vida (MENDES et al, 2005).

A autora Sara Nigri Goldman entende que o envelhecimento é um processo

complexo que ocorre em cada pessoa, individualmente, mas condicionado a fatores sociais,

culturais e históricos, envolvendo as pessoas idosas e as várias gerações. Em vista disso, a

autora, destaca que: A velhice enquanto fenômeno social há que ser compreendida como resultante de um conjunto de determinantes econômicos, sociais, políticos e ideológicos que ocorrem na correlação de forças e contradições engendradas pelo modo de produção capitalista (GOLDMAN, 2000).

Logo, é conveniente afirmar que mulheres e homens passam por processos bem

diferentes no que se refere ao envelhecimento, uma vez que a sociedade ainda manifesta

desigualdades no tratamento de gênero, colocando as mulheres em lugar inferior,

submetendo-as a situações de desvalorização.

No aspecto social, o envelhecimento modifica o status da pessoa idosa e de seu

relacionamento com outras pessoas, por vezes, como consequência de uma crise de identidade

provocada pela mudança ou ausência do papel social que, de outro lado, gera perda da

autoestima e mudanças no âmbito familiar e comunitário, especialmente para as mulheres, as

quais – culturalmente no Brasil – têm grandes dificuldades relativas ao ingresso e egresso no

mercado de trabalho do sistema capitalista de produção.

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Ademais, se pode argumentar que esse mesmo sistema capitalista de produção do

país e os aspectos decorrentes dele impõem forte influência sobre a conduta humana e,

consequentemente, é necessário considerar todos os elementos para discussão e compreensão

do fenômeno na sociedade brasileira.

A longevidade, por sua vez, refere-se à ampliação do tempo de vida e possibilidade

de maior convivência familiar e intergeracional. E, diante disso, a característica de prolongar-

se a vida aponta para um fenômeno demográfico mundial, determinante de grandes mudanças

nas áreas social, econômica e política com a revolução do sistema de valores éticos e dos

novos arranjos familiares no Brasil, nos quais as mulheres, cada vez mais, tem assumido o

papel de chefes de família.

Esse aumento da longevidade resultou de políticas e incentivos promovidos pela

sociedade e pelo Estado e suas consequências têm sido vistas com preocupações com a

transferência de recursos na sociedade, colocando desafios para o Estado, as famílias e os

setores produtivos (CAMARANO, 2004).

Além do mais, a peculiaridade de a longevidade feminina ser mais corrente do que a

masculina no Brasil, demanda uma abordagem mais apurada em relação a essa característica

do processo de envelhecimento.

5. O FENÔMENO DA “FEMINIZAÇÃO DO ENVELHECIMENTO”

Esse “fenômeno” é um aspecto da estrutura etária do Brasil e se refere ao elevado

número de mulheres idosas em comparação ao quantitativo de homens. Tal situação se deve,

possivelmente, ao alto índice de óbitos entre os homens em função da relutância desse público

em buscar os serviços assistenciais e de saúde, por serem mais propensos a riscos de acidentes

em geral, consumirem mais cigarro e álcool, conhecerem pouco o próprio organismo o que os

atrapalha na identificação de possíveis doenças (SANT’ANA, 2014).

Há autores que entendem essa maior ocorrência de longevidade entre as mulheres

como efeito do cuidado que estas têm com a própria saúde e a menor exposição a fatores de

risco durante toda a vida (PAPALÉO NETTO, YUASO e KITADAI, 2005). O

prolongamento da vida ocorre com maior frequência entre pessoas de sexo feminino do que

de sexo masculino, particularmente no que se refere à ideia de maiores cuidados com a saúde

pelas mulheres.

Nessa linha, a autora Guita Grin Debert, articula que:

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[...] por enfrentar mudanças drásticas no seu organismo, como gravidez, lactância, menstruação e outros, a mulher se adapta melhor às mudanças na velhice. Muitos acreditam que a maior preocupação com a prevenção médica por parte das mulheres e os maiores riscos aos quais os homens estão sujeitos, como assassinatos, brigas, trabalhos perigosos e outros, fazem com que a mulher tenha uma longevidade superior à do homem (DEBERT, 2004).

Sob esse aspecto, entende-se que a longevidade feminina se relaciona não apenas

com a capacidade que as mulheres geralmente possuem para controlar o ambiente no qual

estão inseridas (com domínio sobre as situações que se manifestam durante todo o curso da

vida), mas também com a herança oriunda da história das relações evolutivas.

Nessa perspectiva, gestação longa, prole pouco numerosa, longos intervalos entre

nascimentos e a sociabilidade são determinantes da extensão da longevidade feminina, de

forma que o apoio familiar e a integração social passam a ser políticas importantes para

aumento da esperança da vida das mulheres (CAMARANO; KANSO e MELLO apud

CAMARANO, 2004).

Outra singularidade refere-se ao fato de que as mulheres, ao ficarem viúvas

apresentam menor interesse em novo casamento, em contraposição ao que ocorre com os

homens que tem maior taxa de segundo casamento após se tornarem viúvos. Essa

característica advém da circunstância de que grande número de mulheres apresenta condições

afetivas, emocionais, econômicas e sociais de manterem-se com qualidade de vida com o

avançar da idade, em contraste ao que ocorre com os homens que, em geral revelam menos

condições afetivas e emocionais.

É pertinente assinalar que a longevidade tem uma peculiaridade, conforme frisa a

autora Maria do Carmo Eulálio: [...] os homens experimentam um pico de mortalidade entre os 60 e 65 anos, mas depois de 70 anos, aqueles que permanecem vivos são mais saudáveis do que as mulheres, que sofrem de doenças crônicas mais debilitantes. [...] as mulheres são mais autônomas, elas muitas vezes sobrevivem trinta anos de viuvez. Enfim, elas se viram melhor do que os homens, talvez por estes serem mais ásperos/duros, menos ricos em termos de capacidades associativas (EULÁLIO, 2015).

Possivelmente, essa situação origine-se na combinação dos efeitos do

envelhecimento populacional, da desigualdade social e das mudanças nas práticas sociais

relativas ao convívio intergeracional que aumentam a probabilidade de mulheres idosas de

todos os níveis sociais viverem sozinhas (LIMA, 2011).

Similarmente é valoroso destacar que pesquisas da área de gerontologia apontam que

as mulheres estão mais expostas à solidão e à pobreza ao atingirem idade mais avançada, além

de deterem maiores taxas de institucionalização (permanência em asilos) do que os homens.

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Por conseguinte, os processos de distinção do modo de viver a velhice devem ser

analisados com auxílio de alguns critérios associados, como gênero e classe social, tendo em

vista que fatores sociodemográficos e demandas psicológicas influenciam esses indicadores

que tornam o envelhecimento feminino uma experiência com múltiplas facetas: mulheres das

classes baixa e média tendem a frequentar espaços específicos para atendimento das

demandas de idosos (clubes, centros de convivência e universidades abertas para a terceira

idade); se libertam de certos controles sociais relativos à reprodução e à vida familiar, em

decorrência da liberdade sexual; se utilizam dos novos espaços como símbolos de liberdade,

entre outras características (DEBERT, 1999).

Ainda, com relação ao assunto, Guita Grin Debert afirma que as mulheres

demonstram maior entusiasmo na realização de atividades propostas em grupos de

convivência, contrastando com a atitude de reserva e indiferença dos homens (DEBERT,

2004).

Nessa lógica, Ana Maria Marques afirma que: "Feminilidades e masculinidades são

culturalmente marcados por valorações desiguais, com padrões diferenciados e

diferentemente valorados de comportamentos e funções atribuídos como próprios de cada

gênero, nas diferentes culturas" (MARQUES, 2004).

Ademais, a mesma autora expõe que os homens têm dificuldades em admitir serem

idosos, provavelmente em decorrência dos estereótipos que lhes impõem a virilidade e a

produtividade econômica como características durante toda a vida e presentes na velhice.

Alguns autores consideram pontos positivos e negativos em relação à situação das

mulheres idosas. Um fato que pode ser ressaltado relaciona-se com o aumento da longevidade

e sua interferência na composição familiar – com a percepção de mais de uma geração de

idosos numa mesma família – o que ocasiona para a mulher a tarefa de cuidar de familiares

(papel social), razão pela qual, num futuro próximo, facilmente se notará um maior número de

mulheres idosas desempenhando papel de cuidar de outras mulheres com idade avançada,

como mães, tias e avós, por exemplo (SALGADO, 2002).

A libertação de controles sociais, manifesta-se como um fator de forte influência, que

faz com que as mulheres se desprendam de antigos costumes sexuais e da valorização do

corpo físico jovem, de maneira que as idosas passam a ter percepção diversa dos preconceitos

ainda vigentes em relação às pessoas com idade avançada e externam esse olhar sobre as

mudanças sentidas e vividas em espaços como os Centros de Convivência de Idosos, que são

tidos como símbolos de liberdade.

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Nesse sentido, Cláudia Lima destaca a diferença entre os locais frequentados pelas

mulheres idosas, conforme as classes sociais às quais pertencem, de maneira que as de classe

baixa tendem a frequentar grupos de convivência e lazer, nos quais são enfatizadas atividades

físicas e sociais e a troca de experiências enquanto as de classe média tendem a frequentar as

universidades que oportunizam atualização e aprendizagem sobre o mundo e sobre si próprias

(LIMA, 2011).

Por outro lado, convém destacar a ainda insistente invisibilidade das mulheres nas

políticas públicas voltadas para pessoas idosas, invisibilidade essa que ocorre em duas

dimensões: na ausência de dispositivos voltados para as especificidades femininas e na

linguagem utilizada na legislação relacionada às pessoas com idade avançada. Ressalte-se que

essa falta de percepção sobre as mulheres decorre de diferentes formas de opressão de gênero

vivenciada pelo grupo ao longo de suas vidas e que permanece com o avançar da idade.

É de se notar que as mulheres idosas procuram visibilidade e ressignificação de seus

interesses em espaços associativos, participam mais do que os homens em atividades

extradomésticas – de organização de movimento de mulheres, cursos e viagens, por exemplo

– e, por isso, atuam de modo mais significativo em programas voltados para esse segmento

(PAPALÉO NETTO, 2003; CAMARANO, 2004). Essa peculiaridade favorece uma

ampliação da continuidade de uma vida social e afetiva que permite às mulheres obterem mais

qualidade de vida do que muitos homens da mesma faixa etária.

Para enfatizar a afirmação de que a longevidade feminina é sobremaneira maior do

que a masculina no Brasil, apresentam-se dados demográficos do Brasil, concernentes à

esperança de vida ao nascer, aos 60 anos e a idade média ao morrer – por sexo, divulgados

pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE):

Tabela 1- Esperança de vida ao nascer (e0), aos 60 anos (e60) e idade média ao morrer (por sexo)

Esperança de vida ao nascer (e0), aos 60 anos (e60) e idade média ao morrer (por sexo)

2000 2009 Homens (em anos)

e0 67,2 70,1 e60 18,0 21,0

Idade média ao morrer 68,7 70,5 Mulheres (em anos)

e0 74,8 78,9 e60 21,3 2,7

Idade média ao morrer 71,0 73,3 Fonte: IBGE/Censo Demográfico de 1980, 1991 e 2000; Ministério da Sáude (DATASUS/SIM)

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No comparativo entre os anos de 2000 e 2009, nota-se que a idade média ao morrer,

para os homens, subiu de 68,7 anos para 70,5 – o que sinaliza um aumento de pouco mais de

1 ano e meio na esperança de vida desses indivíduos. Entretanto, quando se avalia a idade

média ao morrer, para as mulheres, revela-se que a idade aumentou de 71 anos para 73,3,

perfazendo um acréscimo de mais de 2 anos na esperança de vida desse grupo.

O gráfico relativo à pirâmide etária brasileira, divulgado pelo IBGE e resultante do

Censo Demográfico de 2010, ratifica essa elevada longevidade feminina ao demonstrar que as

mulheres são o contingente populacional mais numeroso no Brasil, particularmente quando se

analisa a faixa de idade mais avançada em comparação à faixa de idade mais nova, cujo

indicativo é de mais nascimentos de homens do que de mulheres no país.

Gráfico 1 - Pirâmide Etária do Brasil (2010)

Nota-se que a pirâmide etária tem a base (que demonstra a faixa de 0 a 14 anos) um

pouco reduzida se comparada com a faixa dos 15 aos 39 anos, o que caracteriza a redução de

nascimentos e aumento de pessoas nas demais faixas etárias. Nessa lógica, é apropriado

destacar a faixa das idades mais avançadas, o que também fortalece o entendimento de que a

pirâmide etária está em processo de inversão.

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Idade Brasil

Homens Mulheres

55 a 59 anos 3.902.183 4.373.673

60 a 64 anos 3.040.897 3.467.956

65 a 69 anos 2.223.953 2.616.639

70 a 74 anos 1.667.289 2.074.165

75 a 79 anos 1.090.455 1.472.860

80 a 84 anos 668.589 998.311

85 a 89 anos 310.739 508.702

90 a 94 anos 114.961 211.589

95 a 99 anos 31.528 66.804

Mais de 100 anos 7.245 16.987

Tabela 2- Pirâmide Etária do Brasil (2010)

Proporcionalmente, pode-se afirmar que a redução do quantitativo de homens idosos

é patente, conforme se verifica na Tabela 2 (acima), principalmente na faixa de idade de 70

anos e mais, o que colabora para reforçar o “fenômeno da feminização do envelhecimento”.

6. CENTRO DE CONVIVÊNCIA DE IDOSOS

Essa é uma modalidade de Instituição de Longa Permanência, prevista no Decreto nº

1.498/1996, configurada como espaço voltado para a cultura, educação, lazer, saúde,

fortalecimento de vínculos afetivos, convívio social e relações intergeracionais e, em razão

disso, serve como veículo de controle e prevenção dos principais infortúnios associados ao

envelhecimento.

Trata-se de política pública implantada como alternativa de convívio para idosos e

que permite a continuidade destes no convívio familiar (desinstitucionalização), em

contraposição aos asilos e outras instituições que os retiram do contato doméstico e

Idade Brasil

Homens Mulheres

0 a 4 anos 7.016.614 6.778.795

5 a 9 anos 7.623.749 7.344.867

10 a 14 anos 8.724.960 8.440.940

15 a 19 anos 8.558.497 8.431.641

20 a 24 anos 8.629.807 8.614.581

25 a 29 anos 8.460.631 8.643.096

30 a 34 anos 7.717.365 8.026.554

35 a 39 anos 6.766.450 7.121.722

40 a 44 anos 6.320.374 6.688.585

45 a 49 anos 5.691.791 6.141.128

50 a 54 anos 4.834.828 5.305.231

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comunitário, pois é destinada à permanência diurna para realização de atividades diversas em

determinado período do dia e oportunizam o regresso para seus lares diariamente.

O Centro de Convivência de Idosos foi escolhido para pesquisa por permitir um

contato muito próximo a um grupo numeroso de idosos da cidade de Dourados-MS e,

consequentemente, facilitar a coleta de dados empíricos para demonstração do “fenômeno da

feminização do envelhecimento” no município.

Isso posto, ao se verificar os registros documentais do Centro de Convivência de

Idosos escolhido para análise, foi possível apurar que de um total de 265 pessoas idosas

cadastradas, 181 são do sexo feminino e 84 do sexo masculino, de maneira que se robustece

que a frequência majoritária é de mulheres (68,68% do total de usuários) e, entre os cadastros

em que há informação sobre a renda e a escolaridade, averiguou-se que há maior quantidade

de pessoas de classe social e grau de escolaridade baixos. Portanto, pode-se aduzir que se trata

de um equipamento capaz de alcançar um público que se encontra – no mais das vezes – à

margem da sociedade.

De mais a mais, pode-se inferir que as mulheres abarcadas por essa política pública

na cidade de Dourados-MS tiveram, em geral, menos acesso à educação formal, assim como

possuem menor renda que os homens, conforme se nota em dois relatos transcritos a seguir: Eu, como eu morava só no sítio, né, eu nunca estudei fora [...] (Entrevista 1)

Nós estudava em casa, sabe, porque quando nós morava no sítio [...], as professora os pais da gente pagava prá nós estuda em casa, né, porque era longe prá ir prá escola. (Entrevista 3)

A pesquisa documental demonstrou ainda que, em relação à faixa etária dos usuários,

há maior participação de pessoas com idades entre 61 e 70 anos (predominantemente

mulheres – 30,19%), seguidas por aquelas com idades variando entre 71 e 80 anos

(prevalecendo mulheres – 17,74%). Também há pessoas com idade inferior a 60 anos

(imperando mulheres – 2,26%) e, da mesma forma, idosos com idade superior a 81 anos

(nesse caso, majoritariamente homens – 3,77%).

Outro dado interessante se refere ao quantitativo de mulheres pensionistas em

comparação aos homens (14,34% e 1,13%, respectivamente), o que demonstra que, embora o

Brasil tenha passado por mudanças em sua organização social, com maior inserção feminina

no mercado capitalista de produção, as mulheres dessa geração de idosas ainda aparecem fora

do mercado de trabalho durante a vida adulta, por vezes/talvez, para cuidar dos afazeres

domésticos e dos filhos.

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Em contraposição à noção de que as mulheres são maioria nas práticas desenvolvidas

no Centro de Convivência de Idosos, os homens também marcam presença, sendo esta notória

nas atividades físicas, ocasião em que aparentam maior integração entre si e com as mulheres.

Outrossim, no tocante à inclusão masculina, verificou-se que existe muito interesse nos jogos

de mesa, principalmente, sinuca ou bilhar, atividade com volume considerável de

participantes do sexo masculino, que exprimem muita descontração, alegria, interação e

receptividade entre si, características importantes para a criação e manutenção de

sociabilidades.

Infere-se que até o momento não há ações eficientes e concretas para maior

integração dos homens nas atividades propostas no Centro de Convivência estudado, tendo

em vista que estes são minoria populacional e, portanto, identicamente no acesso a esse

equipamento. No tocante a essa menor inserção dos homens é pertinente relatar que, em

certos casos, eles mesmos entendem que as ações ofertadas pelo Centro são mais voltadas ao

público feminino (como é o caso dos cursos de artesanato e de algumas oficinas), além de

manifestarem maior objeção a participarem de algumas das ações propostas, acreditarem que

as mulheres possuem maior disponibilidade de tempo, ou até mesmo pelo fato de eles (os

homens) ainda terem compromissos de trabalho (informal), conforme se afigura nos trechos

de algumas entrevistas: Esse caso de ter mais mulher de que homem aqui, não tem problema, não. Homem morre mais mesmo e tá mais escasso mesmo, e sempre o homem tem alguma coisa prá fazer e a mulher é sempre mais, fez a obrigação de casa, aí já vem fazê as atividade. (Entrevista 5)

Tem mais mulheres, sim. Acho que deveria de ter, né, mais um pouquinho de atividades pros homens [...]. (Entrevista 6)

Agora, os homens não vem porque eles trabalha, né? Não tem interesse também de vim, né? Não gosta, às vez, né? (Entrevista 7)

[...] Então, eu acho que é porque eles não tem vontade de vim, não se interessa. Apesar que, nós mulher, eu tenho essa impressão, parece que os homem, tem uns homem que são mais acomodado, né, fica em casa, numa boa. Já a mulher, a mulher faz um servicinho e já parte prá cá. (Entrevista 9)

[...] eu acho que o homem é assim, se acomoda, prefere ficar sentadinho lá, vendo o trem passar, como se diz, né. Então, não ligam muito. Eu acho que é assim porque aqui tem homem que até faz aquele trabalho manual, tinha um senhor fazendo... a coisa mais linda! Então, eu acho que tem muito preconceito também. (Entrevista 11)

Ah! Os homem são mais paradão, mais acomodados, é. Porque às vezes não tá nem trabalhando, mas não vem! Eu vejo cara que fica o dia inteiro embaixo de uma árvore, tomando tereré. Eu já chamei, tem pessoa que eu já chamei. Não vem! [...]. (Entrevista 12)

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Por isso, pode-se dizer que os elementos obtidos no estudo sobre o Centro de

Convivência fortalecem e corroboram com a caracterização da problemática de gênero, uma

vez que evidenciam que essa política pública é um equipamento acessado em grande parte por

mulheres idosas.

Apesar disso, há autores que ressaltam que “a mulher ainda encontra-se exposta a

vários riscos, que a colocam numa situação de grande vulnerabilidade, por questões culturais,

construções sociais e econômicas, que a relegam à discriminação, isolamento e exclusão”

(ESPÍNDOLA e CORTE 2016).

Por outro lado, a pesquisa alerta para a necessidade de que as políticas alusivas às

pessoas idosas se voltem para a articulação de atividades de estímulo à participação de idosos

em geral de forma mais efetiva.

Em tempo, várias das pessoas entrevistadas assinalaram que o acesso a instrumentos

modernos de comunicação (como a internet, por exemplo), bem como, cursos e oficinas

voltados para novas áreas de conhecimento – até então inacessíveis – propiciaram uma

mudança das representações de frequentadores sobre si mesmos e sobre pessoas próximas, o

que desperta novos olhares para o grupo, conforme se depreende de alguns relatos: Teve muita mudança. [...] Melhorou muito a vida da gente, como melhorou! Me trouxe novos aprendizados, novas amizades. (Entrevista 2)

[...] tô também na informática, mas é difícil, fia, aquilo ali. Hum... ela (a professora) põe umas coisa difícil prá gente fazê, né, mas é gostoso! Devagarzinho... Eu falo prá ela: Ninguém nasce aprendido, né? E ela é muito paciente com nós, ela vai lá e ensina, explica como é que é, né, ajuda a gente. É gostoso, sim. (Entrevista 3 – destaque e grifo nossos)

[...]faço curso de computação, informática... é.... informática. E agora acho que vou entrar na aula de violão, prá ficar mais tempo envolvido. (Entrevista 12)

Convém destacar que o empoderamento das pessoas idosas no Brasil emprega a

educação, enquanto prática social e instrumento propício à aprendizagem constante, tornando

possível uma transformação cultural e social, especialmente ao se considerar as diferenças

relacionadas à educação formal e o acesso de pessoas com idade avançada a ela,

especialmente dessa geração de idosos que teve, em grande medida, pouco ou nenhum acesso

à educação formal em sua juventude.

Assim, a instrução pode influenciar os debates acerca do envelhecimento, tornar o

movimento social mais forte e atuante, bem como, propiciar maior esclarecimento sobre essa

temática, de modo que as políticas públicas sejam formuladas e implantadas em conformidade

com as reais necessidades do segmento.

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Por esse motivo, entende-se ser importante a formulação de políticas públicas

relacionadas aos direitos humanos, ao envelhecimento humano e suas características,

fundamentalmente a observância e consideração às especificidades das mulheres idosas, pois

assim poderá haver maior alcance e efetividade das ações para essa parcela populacional.

7. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O crescimento da população idosa é um fenômeno mundial e um grande desafio.

Trata-se de um processo caracterizado pelo aumento da longevidade da população e que

ocorre de diferentes formas para mulheres e homens.

O envelhecimento humano propicia o debate de diversas áreas do conhecimento,

com intuito de proporcionar qualidade de vida para as pessoas idosas. Para as mulheres, o

processo de envelhecimento gera danos emocionais em consequência da discriminação que

elas sofrem durante toda a vida e, especialmente, em virtude do avançar da idade, que, para

muitos traz a ideia de que as mulheres estão decadentes por não terem mais capacidade

reprodutiva, desconsiderando-se as lutas e movimentos femininos em direção ao

reconhecimento de seus direitos enquanto direitos humanos.

Desse modo, a sobrevivência da mulher (longevidade) parece estar vinculada à

habilidade de corresponder aos padrões sociais impostos ou estabelecidos e que reforçam o

poder masculino, considerando as mulheres como pessoas submissas e, por isso, sem direito à

liberdade e igualdade, o que levou as próprias mulheres (até mesmo as feministas) a

incorporarem uma aversão ao envelhecimento, uma vez que – ao passarem parte de suas vidas

esforçando-se para ajustarem-se aos modelos impostos socialmente – entre eles, beleza – o

avanço da idade tornou-se uma condição ameaçadora e, por isso mesmo, muito temida.

É importante considerar que a longa duração da vida feminina não é sinônimo de

qualidade de vida, tendo em vista o acúmulo de desvantagens que as mulheres têm durante

sua existência – como discriminação, violência, dupla jornada de trabalho, entre outras – o

que induz à maior probabilidade de dependência de recursos externos. Ainda, convém

acrescentar que muitas mulheres idosas assumem papel de chefiar as famílias, sendo suporte

afetivo, emocional e até mesmo financeiro de outras gerações, o que ocasiona maiores

responsabilidades e papeis sociais nessa etapa da vida.

A pesquisa demonstrou que a elaboração e implantação de políticas públicas é

fundamental para melhoria da qualidade de vida dos idosos em geral e, especialmente, das

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mulheres. E, apesar de terem ocorrido avanços relevantes na inclusão das mulheres e

reconhecimento de seus direitos como direitos humanos e, mais, embora as mulheres tenham

mais acesso do que os homens à política pública denominada Centro de Convivência de

Idosos, ainda há muito a ser debatido, avaliado e executado para a efetividade dessa política

pública na cidade de Dourados-MS e no país.

8. REFERÊNCIAS

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