os diferentes níveis de regulação dos conflitos de ... · breve evolução histórica do regime...

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OS DIFERENTES NÍVEIS DE REGULAÇÃO LEGAL DOS CONFLITOS DE INTERESSES NO ÂMBITO DA GESTÃO DE FUNDOS DE INVESTIMENTO MOBILIÁRIO Dissertação de mestrado de Sofia Pestana Denis Orientação do Professor Doutor Pedro Caetano Nunes e coorientação do Mestre Amadeu José Ferreira outubro de 2013

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OS DIFERENTES NÍVEIS DE REGULAÇÃO LEGAL DOS CONFLITOS DE INTERESSES NO

ÂMBITO DA GESTÃO DE FUNDOS DE INVESTIMENTO MOBILIÁRIO

Dissertação de mestrado de Sofia Pestana Denis

Orientação do Professor Doutor Pedro Caetano Nunes e coorientação do Mestre Amadeu

José Ferreira

outubro de 2013

Os diferentes níveis de regulação legal dos conflitos de interesses no âmbito da gestão de

Fundos de Investimento Mobiliário

2

AGRADECIMENTOS: Agradeço ao Senhor Professor Doutor Pedro Caetano Nunes e ao

Senhor Professor Dr. Amadeu José Ferreira por terem aceitado orientar e coorientar,

respetivamente, a minha dissertação de mestrado, bem como a disponibilidade que sempre

demonstraram.

Agradeço igualmente ao Dr. Alexandre Brandão da Veiga, Diretor da Comissão do

Mercado de Valores Mobiliários, a paciência com que sempre ouviu as minhas dúvidas e

discutiu comigo todas as ideias que foram surgindo ao longo da elaboração da dissertação.

Os diferentes níveis de regulação legal dos conflitos de interesses no âmbito da gestão de

Fundos de Investimento Mobiliário

3

GRAFIA UTILIZADA E OUTRAS CONVENÇÕES: A presente dissertação está redigida de

acordo com o Acordo Ortográfico agora vigente1.

Todas as obras citadas encontram-se identificadas na Bibliografia. As obras

identificadas na Bibliografia são indicadas por ordem alfabética do último nome do

autor, pelo título completo, pela edição, sempre que a obra o refira, pelo editor, pelo

local de edição, sempre que conhecido e pelo ano de publicação.

As citações ao longo do texto são feitas pelo nome completo do autor, pelo nome

completo do título da obra, pelo editor, pelo local de edição, sempre que conhecido e

pelo ano de publicação e pelos números de página para que se remete. Os ajustes aos

trechos citados, necessários por razões de contexto ou de sintaxe, são introduzidos entre

parêntesis retos.

As abreviaturas estão identificadas por ordem alfabética na Lista de Abreviaturas que se

segue.

1 Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990.

Os diferentes níveis de regulação legal dos conflitos de interesses no âmbito da gestão de

Fundos de Investimento Mobiliário

4

SUMÁRIO ANALÍTICO

No âmbito da atividade dos fundos de investimento mobiliário (doravante

abreviadamente designados apenas por “FIM”) assiste-se ao facto de os titulares das

unidades de participação terem um poder de intervenção extremamente diminuto.

Consciente dos riscos que uma dissociação entre propriedade (“ownership”) e controlo

(“control”) pode comportar, o legislador consagrou um conjunto de imposições ou

limitações à atuação das entidades gestoras, desde logo para prevenir ou proibir

situações de conflitos de interesses.

Nessa medida, o propósito da dissertação subordinada ao tema - “Os diferentes níveis

de regulação legal dos conflitos de interesses no âmbito da gestão de FIM” – é

exatamente o de determinar qual o campo de aplicação dos diversos níveis de regulação

legal dos conflitos de interesses existentes no âmbito da gestão de FIM, quer ao nível do

Novo Regime Jurídico dos Organismos de Investimento Coletivo, quer ao nível do

regime dos conflitos de interesses constante do Código dos Valores Mobiliários e de

que forma estes diferentes níveis de regulação se articulam.

Os diferentes níveis de regulação legal dos conflitos de interesses no âmbito da gestão de

Fundos de Investimento Mobiliário

5

ABSTRACT

In the context of the activity developed by securities investment funds (hereinafter

referred to “SIF”) the holders of investment units have a very tiny power to intervene.

Aware of the risks that a decoupling between ownership and control may pose, the

legislator has foreseen a number of impositions and limitations to the activity of the

managing entities, namely to prevent or prohibit the performance of acts in situations of

potential conflicts of interests.

Accordingly, the purpose of the dissertation on – “Os diferentes níveis de regulação

legal dos conflitos de interesses no âmbito da gestão de FIM” – is exactly to determine

the field of application of the several levels of legal regulation of the conflicts of

interests that arise within the scope of the management of SIF, both at the level of the

new legal requirements governing collective investment undertakings, and at the level

of the legal requirements governing the conflicts of interests foreseen in the Portuguese

Securities Code, in order to clarify the articulation of these different levels of conflicts

of interests regulations.

Os diferentes níveis de regulação legal dos conflitos de interesses no âmbito da gestão de

Fundos de Investimento Mobiliário

6

Declaração de Honra

Declaro por minha honra que a dissertação de mestrado que apresento é original e que todas

as citações estão corretamente identificadas.

Tenho consciência de que a utilização de elementos alheios não identificados constitui

grave falta ética e disciplinar.

Os diferentes níveis de regulação legal dos conflitos de interesses no âmbito da gestão de

Fundos de Investimento Mobiliário

7

Lista de Abreviaturas ........................................................................................................ 8

Capítulo I - Enquadramento Geral.................................................................................... 9

1. Delimitação Negativa e Positiva da Dissertação ................................................... 9

2. Estrutura da Análise do Tema de Dissertação ..................................................... 13

3. Breve Evolução Histórica do Regime Jurídico dos Organismos de Investimento

Coletivo no Ordenamento Jurídico Nacional .............................................................. 22

Capítulo II – O Regime Específico dos Conflitos de Interesses no âmbito do Novo

Regime Jurídico dos Organismos de Investimento Coletivo.......................................... 28

Capítulo III – O Regime Geral dos Conflitos de Interesses no âmbito do Novo Regime

Jurídico dos Organismos de Investimento Coletivo ....................................................... 45

Capítulo IV – O Regime Geral dos Conflitos de Interesses no âmbito do Código dos

Valores Mobiliários e a sua aplicabilidade aos Fundos de Investimento Mobiliário ..... 61

1. Os princípios gerais de regulação dos conflitos de interesses no âmbito do

Código dos Valores Mobiliários ................................................................................. 61

2. Os princípios aplicáveis à gestão individual de carteiras versus à gestão coletiva

de ativos ...................................................................................................................... 71

3. Da aplicabilidade do regime jurídico dos conflitos de interesses do Código dos

Valores Mobiliários aos Fundos de Investimento Mobiliário .................................... 76

Capítulo V – Conclusões ................................................................................................ 83

Bibliografia ..................................................................................................................... 87

Nacional .......................................................................................................................... 87

Internacional ................................................................................................................... 93

Os diferentes níveis de regulação legal dos conflitos de interesses no âmbito da gestão de

Fundos de Investimento Mobiliário

8

LISTA DE ABREVIATURAS

art. – artigo

CC – Código Civil

CdVM – Código dos Valores Mobiliários

CMVM – Comissão do Mercado de Valores Mobiliários

CSC – Código das Sociedades Comerciais

DMIF - Diretiva 2004/39/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de Abril

de 2004, relativa aos mercados de instrumentos financeiros, que altera as

Diretivas 85/611/CEE e 93/6/CEE do Conselho e a Diretiva 2000/12/CE do Parlamento

Europeu e do Conselho e que revoga a Diretiva 93/22/CEE do Conselho, publicada no

Jornal Oficial das Comunidades Europeias L 145

FII – Fundos de Investimento Imobiliário

FIM – Fundos de Investimento Mobiliário

NRJOIC – Novo Regime Jurídico dos Organismos de Investimento Coletivo, aprovado

pelo Decreto-Lei n.º 63-A/2013, de 10 de maio

OIC – Organismo de Investimento Coletivo

OICVM – Organismos de Investimento Coletivo de Valores Mobiliários

pág. – Página

Reg. OIC – Regulamento da CMVM n.º 15/2003

RJOIC – Regime Jurídico dos Organismos de Investimento Coletivo, aprovado pelo

Decreto-Lei n.º 252/2003, de 13 de outubro, alterado pelos Decretos-Lei n.ºs 52/2006,

de 15 de março, 357-A/2007, de 31 de outubro, 211-A/2008, de 3 de novembro,

148/2009, de 25 de junho e 71/2010, de 18 de junho

SIM – Sociedades de Investimento Mobiliário

Os diferentes níveis de regulação legal dos conflitos de interesses no âmbito da gestão de

Fundos de Investimento Mobiliário

9

CAPÍTULO I - ENQUADRAMENTO GERAL

1. DELIMITAÇÃO NEGATIVA E POSITIVA DA DISSERTAÇÃO

Com o presente capítulo pretendemos delimitar positiva e negativamente o objeto da

presente dissertação.

No âmbito da delimitação positiva cumpre salientar que visamos determinar quantos

níveis de regulação legal de conflitos de interesses existem, ao nível da legislação

nacional, no âmbito da gestão de FIM, qual (ou quais) os campos de aplicação de cada

um desses níveis e, consequentemente, de que forma estes coexistem. Nesta medida, a

presente dissertação não tem como propósito efetuar uma análise transversal do tema

dos conflitos de interesses no ordenamento jurídico nacional e comunitário, nem

analisar o regime substantivo dos conflitos de interesses no âmbito da gestão de FIM.

Também não serão abordados os diferentes níveis de regulação legal dos conflitos de

interesses que surgem no âmbito do exercício das funções dos depositários, das

entidades comercializadoras e dos auditores dos FIM, nem os conflitos de interesses que

surgem no âmbito da/dos:

a) Gestão de OIC que assumam a forma de SIM;

b) Gestão de carteiras por conta de outrem (gestão individual de carteiras);

c) FII;

d) Fundos de sociedades de capital de risco;

e) Fundos de gestão de património imobiliário;

f) Fundos de titularização de créditos; e

g) Fundos de pensões.

Adverte-se igualmente que não serão analisadas pormenorizadamente as diversas

tipologias de fundos de investimento mobiliário, as respetivas características e o tipo de

ativos que os compõem. As aludidas tipologias serão analisadas apenas com vista a

determinar de que forma o legislador entendeu aplicar um regime mais ou menos

uniforme, ao nível da regulação dos conflitos de interesses, nos diversos tipos de fundos

de investimento mobiliário existentes em Portugal.

Os diferentes níveis de regulação legal dos conflitos de interesses no âmbito da gestão de

Fundos de Investimento Mobiliário

10

Também não serão analisadas detalhadamente as normas constantes de regulamentos da

CMVM, atento quer o seu carácter extremamente mutável, quer o facto de estas

regularem fundamentalmente procedimentos de natureza interna.

Efetuada esta delimitação e para efeitos da análise do tema que nos propomos abordar

consideraremos que estamos perante uma situação de conflito de interesses sempre que

exista uma efetiva ou potencial incompatibilidade entre os interesses das partes.2 3

Assim, no âmbito da gestão dos FIM foram identificados conflitos entre os interesses:

a) Dos participantes de um FIM e os interesses da entidade gestora;

b) Dos participantes de um FIM e os interesses de terceiros com quem a

entidade gestora se relaciona (tais como fornecedores, trabalhadores, credores

principais, etc.);

c) Dos diversos participantes dos FIM que uma entidade gestora gere; e

d) De participantes de FIM gerido(s) por uma entidade gestora e os interesses

dos demais clientes da entidade gestora4 a quem são prestadas outras atividades

de intermediação financeira.

2 Paulo Câmara, “Um Retrato Anatómico”, in Conflito de Interesses no Direito Societário e Financeiro,

Um Balanço a Partir da Crise Financeira, Almedina, Coimbra, 2010, pág. 25; Sofia Leite Borges, “O

Conflito de Interesses na Intermediação Financeira”, in Conflito de Interesses no Direito Societário e

Financeiro, Um Balanço a partir da Crise Financeira, Almedina, Coimbra, 2010, pág. 317; Inocêncio

Galvão Telles, “O § 3.º do Artigo 39.º da Lei de 11 de abril de 1901”, in o Direito, Sociedade

Internacional de Promoção de Ensino e Cultura, SA, Portela, ano 78 (1946); Luca Enriques, “Lo

svolgimento di attività di intermediazione mobiliare da parte delle banche: aspetti della disciplina

privatística”, in Banca, Borsa e Titoli di Credito I, 1996; Renzo Costi, Luca Enriques, “Il Mercato

Mobiliare”, in Trattato di Diritto Commerciale da Cottino, VIII, Padova, 2004.

3 Não acompanhamos de forma absoluta o referido por Paulo Câmara, “Um Retrato Anatómico”, in

Conflito de Interesses no Direito Societário e Financeiro, Um Balanço a Partir da Crise Financeira,

Almedina, Coimbra, 2010, pág. 56, quando refere que “[n]o âmbito da disciplina da intermediação

financeira adita-se um requisito suplementar: o da existência de dano para uma das partes provocado pela

situação de conflito.”. Atento o pendor infracional das normas do NRJOIC, entendemos que caso esteja

em causa o apuramento de responsabilidade contraordenacional há que concluir que a lesão do bem

jurídico não faz parte da norma, uma vez que as normas do NRJOIC são maioritariamente de perigo

abstrato.

Os diferentes níveis de regulação legal dos conflitos de interesses no âmbito da gestão de

Fundos de Investimento Mobiliário

11

Vamo-nos assim ocupar tanto de conflitos de interesses verticais (entre os interesses dos

participantes e os interesses das entidades gestoras ou entre os interesses dos

participantes e os interesses de entidades que se relacionam com as entidades gestoras),

como de conflitos de interesses horizontais (entre os interesses dos participantes de

diversos FIM ou entre os interesses destes últimos e os interesses de outros clientes das

entidades gestoras).5

Visando a presente dissertação determinar e analisar o campo de aplicação dos diversos

níveis de regulação legal dos conflitos de interesses existentes no âmbito da gestão de

FIM ir-se-á, antes de mais, determinar qual a articulação entre as normas específicas

(“regime específico”) de conflito de interesses constantes do NRJOIC, o princípio geral

de regulação dos conflitos de interesses igualmente constante do NRJOIC (“regime

geral”) e o regime dos conflitos de interesses constante do CdVM e, de que forma, estes

diferentes níveis de regulação referenciados se anulam reciprocamente.

Procuraremos, sobretudo, encontrar respostas para as seguintes perguntas:

a) As normas específicas de conflitos de interesses existentes no NRJOIC

esgotam a regulação de todas as situações de conflitos de interesses que existem

no âmbito da gestão de FIM?

b) Os artigos 14.º e 68.º, n.º 1 do NRJOIC têm efetivamente um campo de

aplicação próprio e poderão ser considerados mais um nível de regulação de

conflitos de interesses no âmbito da gestão de FIM?

4 Kruithof, Marc, Conflicts of Interest in Institutional Asset Management: Is the EU Regulatory Approach

Adequate?, Gent Financial Law Institute WP, 2005.

5 Para alguma doutrina, vide Gonçalo André Castilho dos Santos, “A Responsabilidade Civil do

Intermediário Financeiro perante o Cliente”, Almedina, Coimbra, 2008, pág. 130, o que apelidamos de

conflitos de interesses verticais é caraterizado como conflito de interesses intrínsecos, i.e., quando está

envolvido o intermediário financeiro e um seu cliente e conflito de interesses extrínseco, quando esteja

em causa um conflito entre diferentes clientes do mesmo intermediário.” O referido Autor segue de perto

a classificação dada por Alejando Gómez-Acebo, “Las normas de conducta en el derecho del mercado de

valores”, Madrid, 2000.

Os diferentes níveis de regulação legal dos conflitos de interesses no âmbito da gestão de

Fundos de Investimento Mobiliário

12

c) Os artigos 309.º e seguintes do CdVM são artigos sem qualquer aplicação

prática no âmbito dos FIM?

d) Instrumentalmente, a imposição de atuação de modo independente e no

exclusivo interesse dos participantes que é exigida às entidades gestoras pode

constituir uma justificação para a desproteção dos clientes aos quais presta

outras atividades de intermediação financeira?

Delimitado o âmbito da presente dissertação, vejamos, pois, qual a estrutura de análise

da presente dissertação.

Os diferentes níveis de regulação legal dos conflitos de interesses no âmbito da gestão de

Fundos de Investimento Mobiliário

13

2. ESTRUTURA DA ANÁLISE DO TEMA DE DISSERTAÇÃO

A regulamentação fundamental aplicável aos OIC encontra-se vertida no Decreto-Lei

n.º 63-A/2013, de 10 de maio, o qual aprovou o NRJOIC e revogou o Decreto-Lei

n.º 252/2003, de 17 de outubro, alterado pelos Decretos-Lei n.os

52/2006, de 15 de

março, 357-A/2007, de 31 de outubro, 211-A/2008, de 3 de novembro, 148/2009, de 25

de junho e 71/2010, de 18 de junho6 7.

Em conformidade com o disposto nos arts. 2.º, n.º 1, alínea a) e 4.º, n.º 2 do NRJOIC os

OIC são definidos como instituições, dotadas ou não de personalidade jurídica, que têm

como fim o investimento coletivo de capitais obtidos junto do público, cujo

funcionamento se encontra sujeito a um princípio de divisão de riscos e à prossecução

6 O referido diploma transpôs para a ordem jurídica interna (a) a Diretiva n.º 2009/65/CE, do Parlamento

Europeu e do Conselho, de 13 de julho de 2009, que coordena as disposições legislativas, regulamentares

e administrativas respeitantes a alguns organismos de investimento coletivo em valores mobiliários

(OICVM), na redação dada pela Diretiva n.º 2010/78/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho

(Diretiva OICVM), (b) a Diretiva n.º 2010/43/UE, da Comissão, de 1 de julho de 2010, que aplica a

Diretiva n.º 2009/65/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, no que diz respeito aos requisitos

organizativos, aos conflitos de interesses, ao exercício da atividade, à gestão de riscos e ao conteúdo do

acordo celebrado entre o depositário e a sociedade gestora, (c) a Diretiva n.º 2010/42/UE, da Comissão,

de 1 de julho de 2010, que aplica a Diretiva n.º 2009/65/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, no

que respeita a certas disposições relativas a fusões de fundos, estruturas de tipo principal e de tipo

alimentação (master/feeder) e procedimentos de notificação, e, (d) parcialmente, a Diretiva n.º

2010/78/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 24 de novembro de 2010, que altera as Diretivas

n.os

98/26/CE, 2002/87/CE, 2003/6/CE, 2003/41/CE, 2003/71/CE, 2004/39/CE, 2004/109/CE,

2005/60/CE, 2006/48/CE, 2006/49/CE e 2009/65/CE, no que diz respeito às competências da Autoridade

Europeia de Supervisão (Autoridade Bancária Europeia), da Autoridade Europeia de Supervisão

(Autoridade Europeia dos Seguros e Pensões Complementares de Reforma) e da Autoridade Europeia de

Supervisão (Autoridade Europeia dos Valores Mobiliários e dos Mercados), tal como retificada, na parte

em que altera a Diretiva n.º 2009/65/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, no que diz respeito às

competências da Autoridade Europeia dos Valores Mobiliários e dos Mercados.

7 A nível regulamentar são aplicáveis os Regulamentos da CMVM n.

os 1/2013, 2/2012, 7/2007, 16/2003,

8/2005 e 13/2000.

Os diferentes níveis de regulação legal dos conflitos de interesses no âmbito da gestão de

Fundos de Investimento Mobiliário

14

do exclusivo interesse dos participantes, podendo assumir a forma de SIM ou de fundos

de investimento, caso em que estamos perante instituições sem personalidade jurídica.

Conforme referido no Capítulo I, Ponto 1, a presente dissertação versará sobre os

diferentes níveis de regulação legal dos conflitos de interesses no âmbito da gestão de

fundos de investimento mobiliário, pelo que a subsequente análise será feita apenas aos

OIC que assumam esta forma.

De entre todos os princípios aplicáveis aos FIM e, mais concretamente à gestão dos

mesmos, destaca-se o princípio da divisão dos riscos, o qual assume uma vertente

objetiva, ao nível do tipo de ativos que podem fazer parte do património de um fundo, e

uma vertente subjetiva, ao nível da “tripartição” das funções exercidas no âmbito do

normal funcionamento da atividade dos fundos.8

De facto, no âmbito da atividade dos FIM a propriedade das unidades de participação, a

gestão e a guarda/fiscalização do seu funcionamento são conferidas a três entidades

distintas: a propriedade, pertencente aos titulares das unidades de participação, a gestão,

que é atribuída a uma entidade gestora e a guarda/fiscalização, que cabe ao depositário.9

Neste sentido, já Gabriela Figueiredo Dias referia que10

“[n]a estrutura jurídica

contratual subjacente aos fundos de investimento a mais marcante característica é, em

todo o caso, a cisão que se verifica entre propriedade e gestão do fundo, a primeira

atribuída aos participantes e a segunda às entidades gestoras, sem que aquela

propriedade seja acompanhada do direito de disposição que em abstracto o caracteriza:

aos participantes não é reconhecido o direito de emitir ordens ou instruções de

8 Neste sentido, Alexandre Brandão da Veiga, Fundos de Investimento Mobiliário e Imobiliário, Regime

Jurídico, Almedina, Coimbra, 1999, pág. 48.

9 Veja-se que, de acordo com o art. 94.º, n.º 1 do NRJOIC, o depositário e a entidade gestora têm de ser

entidades diferentes. Contudo, a preocupação do legislador fica enfraquecida quando se verifica que este

não proibiu que a entidade gestora e o depositário pertençam ao mesmo grupo societário.

10 Gabriela Figueiredo Dias, “Constituição de Fundos de Investimento Mobiliário (OICVM)”, in Separata

de Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Manuel Henrique Mesquita (Organização: Diogo Leite de

Campos), Vol. I, Boletim da Faculdade de Direito, Stvdia Ivridica 95, Ad Honorem – 4, Coimbra Editora,

Coimbra, 2010, pág. 682.

Os diferentes níveis de regulação legal dos conflitos de interesses no âmbito da gestão de

Fundos de Investimento Mobiliário

15

investimento dos activos do fundo, assim como não lhes é reconhecida legitimidade

para promover a dissolução e a liquidação dos fundos.”

Tal caraterística deve-se ao facto de estarmos perante uma gestão coletiva de ativos em

que impera a massificação, a qual, por um lado, tem como grande vantagem permitir

que um investidor comum tenha acesso a produtos e a condições de mercado que de

outra forma nunca teria acesso e, por outro, como principal desvantagem coartar aos

titulares do capital a possibilidade de interferirem na gestão do seu património,

restando-lhes assumir totalmente o risco decorrente da aquisição de ativos, pela entidade

gestora, para os fundos de que são titulares. 11

12

Do exposto, é possível extrair-se que, no âmbito da gestão de FIM, de entre as diversas

soluções que o legislador equacionou para a prevenção ou regulação de situações de

conflitos de interesses, não se encontra um poder de intervenção por parte dos

participantes dos FIM, nomeadamente ao nível da destituição da entidade gestora ou da

impugnação dos seus atos, como se vê suceder, por exemplo, no âmbito das sociedades

comerciais (vide, a título exemplificativo, o poder de designação e destituição dos

administradores pelos acionistas, consagrado nos arts. 391.º e 403.º do CSC, bem como

11

Conforme referido por Pedro Boullosa Gonzalez, “Gestão de Carteiras – Deveres de Informação,

anotação à sentença da 5.ª vara cível da comarca do Porto, 3.ª secção, Processo n.º 2261/05.0TVPRT”, in

Cadernos do Mercado de Valores Mobiliários, n.º 30, agosto, Comissão do Mercado de Valores

Mobiliários, 2008, pág. 159, a propósito da gestão de carteiras mas também aqui aplicável à gestão de

FIM “[p]or meio de um contrato (...) ocorre uma situação de dissociação subjectiva: por um lado, existe o

investidor que detém capital que pretende ver investido da melhor forma e que assume os riscos inerentes

ao investimento em instrumentos financeiros; de outro lado, existe o intermediário financeiro, que detém

know-how, conhecimentos específicos e que é quem pratica os actos inerentes à gestão do capital do

investidor.”.

12 Conforme referido por António Pereira de Almeida, “O governo dos fundos de investimento”, in

Direito dos Valores Mobiliários, Vol. VIII, Instituto dos Valores Mobiliários, Lisboa, 2008, pág. 9, “[o]s

fundos de investimento são instrumentos financeiros (…) que permitem uma dispersão do risco associada

à vantagem da economia de escala com gestão profissionalizada.”.

Os diferentes níveis de regulação legal dos conflitos de interesses no âmbito da gestão de

Fundos de Investimento Mobiliário

16

o procedimento cautelar de suspensão de deliberações sociais previsto nos arts. 380.º a

383.º do Código de Processo Civil).13

14

Consideramos contudo que a gestão de OIC é semelhante à gestão de sociedades

anónimas num aspeto: os participantes não têm o poder de dar instruções. O que

diferencia a sua posição jurídica da de um mandatário civil, pois estes têm que acatar

instruções.

A única exceção prevista no NRJOIC ao poder (limitado) dos participantes na

intervenção da gestão dos FIM ocorre no âmbito dos FIM fechados, nos quais é

admissível, nos exatos termos previstos no art. 56.º, n.º 1 do NRJOIC, que a assembleia

de participantes se pronuncie sobre determinadas questões, nomeadamente sobre a

alteração significativa da política de investimento, da política de distribuição de

rendimentos e do prazo de cálculo ou divulgação do valor das unidades de participação,

nos termos definidos em regulamento da CMVM.

De todo o modo, mesmo o art. 56.º, n.º 2 do NRJOIC refere que a assembleia de

participantes não é competente para se pronunciar sobre decisões concretas de

investimento ou aprovar orientações ou recomendações sobre esta matéria, além das

acabadas de referidas no parágrafo anterior.

Como resposta à ampla margem de atuação da entidade gestora e ao eventual

descontentamento dos participantes com a gestão que por esta é desenvolvida, restar-

lhes-á solicitar o resgate das unidades de participação, de acordo com o estipulado nos

documentos constitutivos e em regulamento da CMVM (no caso dos FIM abertos) ou o

reembolso ou produto da liquidação das mesmas (no caso dos FIM fechados), conforme

resulta do disposto no art. 9.º do NRJOIC.

13

Neste sentido António Pereira de Almeida, “O governo dos fundos de investimento”, in Direito dos

Valores Mobiliários, Vol. VIII, Instituto dos Valores Mobiliários, Lisboa, 2008, pág. 34 – “[o]ra, como

nos OICVMs os participantes são como que accionistas de segundo ou terceiro grau relativamente às

sociedades participadas, o que entrou pela porta no CSC para protecção dos accionistas das sociedades

abertas, saiu pela janela através dos fundos de investimento.”.

14 Neste sentido, Gonçalo Castilho dos Santos, “A Responsabilidade Civil do Intermediário Financeiro

perante o Cliente”, Almedina, Coimbra, 2008, pág. 83.

Os diferentes níveis de regulação legal dos conflitos de interesses no âmbito da gestão de

Fundos de Investimento Mobiliário

17

Estamos naturalmente a referir-nos aos casos em que a atuação da entidade gestora não

comporta responsabilidade civil da mesma. Para esse efeito é de salutar importância a

caracterização da natureza do contrato celebrado entre os participantes e a entidade

gestora, a qual não revela posições consensuais entre a Doutrina. 15

Partilhamos assim a preocupação assumida por Alexandre Brandão da Veiga16

quando

refere que “[o]s fundos são, neste sentido, e salvo alguns casos regulados na lei,

15

No entender de Catarina Romão Pinho, “Os Fundos de Investimento Mobiliário no Direito Português:

natureza jurídica e exercício do direito de voto pela entidade gestora”, in Revista de Direito das

Sociedades, Almedina, Coimbra, 2012, pág. 129, a natureza jurídica do contrato que é celebrado entre a

entidade gestora e os participantes é a “[d]e um mandato de gestão ou administração colectiva, fixado ex

lege e ex regulamento, em que cada um dos participantes confere à autoridade gestora os poderes

representativos, sendo estes necessários para cumprir o contrato de investimento coletivo mediante a

realização com autonomia e independência dos actos de administração.” Maria João Romão Carreiro Vaz

Tomé, Fundos de Investimento Mobiliário Abertos, Almedina, Coimbra, 1997, pág. 50, por sua vez,

considera que como a entidade gestora se encontra, em primeira linha, a desenvolver atividades de

administração, está em causa um contrato de administração que consubstancia uma prestação de serviços;

Para Rui Pinto Duarte, Duarte, Rui Pinto, “Contratos de Intermediação Financeira no Código dos Valores

Mobiliários”, in Caderno do Mercado de Valores Mobiliários, n.º 7, abril, Comissão do Mercado de

Valores Mobiliários, 2000, a aplicabilidade do regime da prestação de serviços estabelecido no art. 1156.º

do CC e consequentemente de todas as normas sobre mandato deverá ser feito com a maior cautela; Maria

Vaz de Mascarenhas, a qual considera aplicável a teoria da relação de confiança ao contrato de gestão de

carteiras poderá igualmente considerar ser aplicável semelhante raciocínio à gestão coletiva de ativos –

Veja-se que para Maria Vaz de Mascarenhas, O contrato de gestão de carteiras: natureza, conteúdo e

deveres, anotação a acórdão do supremo tribunal de justiça”, in Cadernos do Mercado de Valores

Mobiliários, n.º 13, abril, Comissão do Mercado de Valores Mobiliários, 2002, pág. 126, “[e]stá

subjacente no contrato de gestão de carteiras uma relação de confiança entre o cliente e o gestor, que lhe

serve de suporte, e que justifica a protecção legal conferida aos interesses daquele. Esta relação de

confiança não é de natureza contratual, não constitui um negócio jurídico, sendo prévia à perfeição da

primeira relação contratual.”. Também neste sentido, Raffaele Lener, “Il conflitto di interessi nelle

gestioni di patrimoni individuali e collettive”, in Banca borsa titoli di credito, Rivista Bimestrale Di

Doutrina e Guirisprudenza, Vol. LX – Nuova Serie – luglio – agosto, 2007, pág. 447.

16 Alexandre Brandão da Veiga, Fundos de Investimento Mobiliário e Imobiliário – Regime Jurídico –

Almedina, Coimbra, 1999, pág. 22.

Os diferentes níveis de regulação legal dos conflitos de interesses no âmbito da gestão de

Fundos de Investimento Mobiliário

18

investimentos em que o investidor tem um espaço de manobra da sua vontade quase

nulo.”

Note-se que é exatamente pelo quadro fáctico ora descrito que Raffaele Lener refere que

“(...) nella gestione in monte, ove non si ha “dialogo” fra gestore e gestito. Como ben

noto, nella gestione colletiva sono adottati meccanismi alternativi di eterotutela,

consistendo le uniche misure di autotutela del cliente nella verifica dei reidiconti di

gestione e nel diritto di recesso ad nutum dal contrato.”

Concomitantemente com o facto de ser exigido às entidades gestoras uma gestão de

interesses alheios no exclusivo interesse de outrem – o que por si só já parece denunciar

uma tendência natural destes casos para a existência de situações de conflitos de

interesses –, são ainda identificáveis outras situações que potenciam a proliferação de

situações que promovem a existência de conflitos de interesses no âmbito da gestão de

FIM, como é o caso da polifuncionalidade admitida aos intermediários financeiros17

.

Veja-se que conforme resulta do art. 293.º, n.º 1, alínea b) do CdVM as entidades

gestoras são intermediários financeiros, pelo que lhes é possível a prestação de outras

atividades de intermediação financeira além da gestão coletiva de ativos.18

17

Maria Cristina Merani, Il problema del conflitto di interessi nella Intermediazione mobiliare, agrupa os

conflitos de interesses tendo em consideração o tipo de atividades prosseguidas.

18 Nos termos do art. 59.º do NRJOIC “[p]odem ser entidades gestoras de OIC:

a) As sociedades gestoras de fundos de investimento mobiliário, igualmente designadas neste

diploma por «sociedades gestoras;

b) Se o OIC for fechado, as instituições de crédito referidas nas alíneas a) a d) do artigo 3.º do

Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras que disponham de fundos próprios

não inferiores a 7 500 000,00 EUR.”

Nos termos do art. 293.º, n.º 1, do CdVM: “[s]ão intermediários financeiros em instrumentos financeiros:

a) As instituições de crédito e as empresas de investimento que estejam autorizadas a exercer

actividades de intermediação financeira em Portugal;

b) As entidades gestoras de instituições de investimento colectivo autorizadas a exercer essa

actividade em Portugal;

c) As instituições com funções correspondentes às referidas nas alíneas anteriores que estejam

autorizadas a exercer em Portugal qualquer actividade de intermediação financeira;

d) As sociedades de investimento mobiliário e as sociedades de investimento imobiliário.”

Os diferentes níveis de regulação legal dos conflitos de interesses no âmbito da gestão de

Fundos de Investimento Mobiliário

19

Acresce ainda ter-se assistido, ao longo dos anos, a um aumento significativo de casos

de integração das entidades gestoras em grandes grupos financeiros que visam a

prossecução de interesses próprios, o que contribui, exponencialmente, para potenciar

atuações em conflitos de interesses conduzindo a que estas façam prevalecer os

“interesses do grupo” sobre os interesses dos participantes dos FIM e/ou dos seus

clientes.

Consciente dos riscos a que um regime jurídico com estas caraterísticas conduz,

designadamente ao nível dos conflitos de interesses, e sendo as entidades gestoras

intermediários financeiros, o legislador consagrou um conjunto de imposições ou

limitações à atuação das mesmas, que se verificam existir, quer ao nível do NRJOIC – o

qual é constituído por um conjunto de regras (específicas) de atuação – a que daremos o

nome de regime específico constante do NRJOIC – e um regime geral – a que daremos

o nome de regime geral constante do NRJOIC, – quer ao nível do CdVM.19

Perante um quadro jurídico de regulação de conflitos de interesses tão disperso como o

referenciado, a presente dissertação – repita-se – tem como finalidade a determinação de

quais os diversos níveis de regulação legal dos conflitos de interesses no âmbito da

gestão de FIM e qual o campo de aplicação de cada um dos diferentes níveis

identificados.

A abordagem ao tema, atento o princípio da especialidade das normas jurídicas, terá

como ponto de partida o campo de aplicação do regime específico de conflitos de

interesses no NRJOIC (Capítulo II). A análise do regime específico dos conflitos de

interesses e das respetivas normas que o constituem é indissociável da análise da

estrutura organizativa do regime específico em si mesmo considerado, pelo que adotar-

se-á como metodologia a análise do regime específico em função: (i) das tipologias de

OIC, (ii) das fontes de perigo e (iii) do tipo de condutas/comportamentos que a lei

identifica como de atuação em conflito de interesses.20

19

Já referimos no ponto 1 do presente Capítulo que, pelos motivos ali expostos, não analisaremos com

detalhe as normas constantes de regulamentos.

20 Apesar de sabermos que as normas constantes do NRJOIC ou do CdVM não são normas penais, a

verdade é que é inegável que as mesmas têm uma propensão infracional, pelo que a presente dissertação

Os diferentes níveis de regulação legal dos conflitos de interesses no âmbito da gestão de

Fundos de Investimento Mobiliário

20

Subsequentemente, e entendendo-se que o regime específico poderá não esgotar a

regulação de todas as situações de conflitos de interesses que surgem no âmbito da

gestão de FIM, a presente dissertação terá como segundo plano de análise a

determinação do campo de aplicação do regime geral dos conflitos de interesses no

âmbito do NRJOIC (Capítulo III).

A abordagem a desenvolver no Capítulo III seguirá a mesma metodologia que foi

seguida no Capítulo II e visa permitir concluir, antes de mais, se o regime geral se

encontra organizado da mesma forma que o regime específico e se os artigos 14.º e 68.º,

n.º 1 do NRJOIC contêm um campo de aplicação próprio e uma regulação específica

para atuações em conflito de interesses no âmbito da gestão de FIM.

No âmbito do Capítulo IV serão primeiramente analisados os princípios gerais da

intermediação financeira ligados à regulação das atuações em conflito de interesses e,

seguidamente, a análise focar-se-á nas diferenças assinaladas entre o regime aplicável à

gestão coletiva de ativos e à gestão de carteiras por conta de outrem e como esta última

pode funcionar como um auxílio na regulação dos conflitos de interesses aplicáveis à

gestão de FIM.

Posteriormente, considerando o facto de as entidades gestoras de FIM serem

intermediários financeiros, conforme decorre do art. 293.º, n.º 1, alínea b) do CdVM, e

em consequência, sendo-lhes aplicável o regime constante do CdVM, visar-se-á

determinar qual o âmbito de aplicação do CdVM à gestão de FIM e de que forma o

mesmo regula os conflitos de interesses que daí podem advir, designadamente quando a

entidade gestora preste outras atividades de intermediação financeira e tenha de gerir os

interesses dos “participantes dos fundos que gere” e os interesses dos “clientes a quem

presta atividades de intermediação financeira”.

As conclusões a alcançar em cada um dos capítulos pressuporão desde logo, como

resulta do supra exposto, a análise do direito positivo, tendendo-se a incluir a

abordagem que foi feita, sempre que isso se revele existente e/ou pertinente, quer pela

tenderá a analisar o regime dos conflitos de interesses no âmbito da gestão de FIM (também) desse ponto

de vista.

Os diferentes níveis de regulação legal dos conflitos de interesses no âmbito da gestão de

Fundos de Investimento Mobiliário

21

doutrina, quer pela jurisprudência, dos diversos níveis de regulação legal dos conflitos

de interesses no âmbito da gestão de FIM e de que forma cada um desses níveis é

organizado e coexiste com os demais.

O objetivo principal do plano de análise descrito visa, por um lado, apurar a existência

efetiva de diferentes níveis de regulação dos conflitos de interesses no âmbito da gestão

de FIM e, por outro, apurar se algum ou alguns dos níveis se encontra exaurido pelo

anterior.

No nosso entender, o alcance de uma conclusão no âmbito da problemática sob análise

revela-se deste logo de salutar importância, quer do ponto de vista dogmático, quer do

ponto de vista prático.

Atente-se que caso se chegue à conclusão de que existem diferentes níveis de regulação

dos conflitos de interesses no âmbito da gestão de FIM, tal significa que existe uma

grelha legislativa estável em que são definíveis campos de aplicação e de regulação dos

conflitos de interesses com especificidades próprias, não se estando perante uma mera

questão de semântica ou um mero jogo de normas.

A questão em causa reveste-se de salutar relevância prática atenta a existência de um

pré-entendimento muito tenaz entre os práticos desta área do Direito, no âmbito do qual

se assume que os conflitos de interesses que surgem no âmbito da gestão de FIM são

totalmente resolvidos pela legislação específica aplicável aos OIC, o NRJOIC.

Antecipamos, desde já, que não concordamos com tal pré-entendimento. Veremos infra

porquê.

Os diferentes níveis de regulação legal dos conflitos de interesses no âmbito da gestão de

Fundos de Investimento Mobiliário

22

3. BREVE EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO REGIME JURÍDICO DOS ORGANISMOS DE

INVESTIMENTO COLETIVO NO ORDENAMENTO JURÍDICO NACIONAL

A regulação dos FIM surgiu pela primeira vez em Portugal em 1965 com o Decreto 46

302, de 27 de abril, o qual fixava um conjunto de regras que regiam as instituições

parabancárias. O referido diploma criou a figura das sociedades gestoras de fundos de

investimento mobiliário e imobiliário como instituições com funções de crédito e/ou

com atividade capaz de afetar de forma especial o funcionamento do mercado monetário

ou financeiro.

Contudo, apenas um mês depois, com o Decreto 46 342, de 20 de maio, são, pela

primeira vez, definidas regras para a constituição e funcionamento dos fundos abertos

de investimento mobiliário.

Neste diploma eram já identificadas as principais “características base” que, hoje em

dia, se encontram no NRJOIC, a saber, (i) a definição de fundos de investimento através

da gestão coletiva de patrimónios (art. 2.º), (ii) a existência de uma separação formal

entre a entidade gestora da carteira de títulos do fundo e o depositário (art. 2.º parágrafo

único e art. 9.º) - entidade cujo principal papel era e é o da fiscalização do cumprimento

do regulamento de gestão do fundo, (iii) a existência de um elenco de operações

vedadas (art. 7.º)21

e (iv) a existência de responsabilidade solidária entre a entidade

gestora e o depositário pelos compromissos assumidos no âmbito do regulamento de

gestão do fundo (art. 20.º). Aspeto a salientar é ainda o facto de, em conformidade com

o art. 4.º do Decreto n.º 46 342, de 20 de maio, as sociedades gestoras terem por objeto

exclusivo a administração, gestão e representação de um fundo ou mais fundos.

O conceito de polifuncionalidade – no âmbito do qual é permitido às sociedades

gestoras prestarem simultaneamente diversas atividades de intermediação financeira –

não era assim uma realidade semelhante à que hoje se verifica existir, o que implicava

21

Esse elenco de operações era bem mais reduzido do que o que existe atualmente mas já a denunciar

uma preocupação com políticas de gestão de risco ou que visassem fazer da gestão dos fundos um meio

mediato de gestão de participações sociais noutras sociedades.

Os diferentes níveis de regulação legal dos conflitos de interesses no âmbito da gestão de

Fundos de Investimento Mobiliário

23

que, à data, contrariamente ao que hoje sucede, não se verificassem todas as situações

de conflitos de interesses horizontais que hoje em dia podem ocorrer, i.e., situações de

conflitos entre os interesses dos participantes e os interesses dos demais clientes das

sociedades gestoras que prestam outras atividades de intermediação financeira.

O registo do primeiro fundo de investimento em Portugal data de junho de 1964 e, em

conformidade com o Estudo sobre a Indústria de Fundos de Investimento em Portugal22

,

em 1966 já existiam dois fundos – o Fundo de Investimentos Atlântico (FIA) e o Fundo

de Investimentos para o Desenvolvimento Económico e Social (FIDES) – cujo total de

ativos e outras formas de poupança ascendia a 2,3 milhões de euros.

Efetivamente, atenta a nacionalização da banca em 1975, a atividade da indústria de

fundos de investimento em Portugal apenas recomeçou em 1986 com o fundo Invest.

Durante os 20 anos que se seguiram a 1965 o regime jurídico dos FIM abertos23

não

sofreu alterações, tendo sido apenas em 1985, com o Decreto-Lei n.º 134/85, de 2 de

maio, que surgiu uma nova regulamentação, onde se verifica um desenvolvimento e

uma sistematização maiores do que as constantes do regime do Decreto 46 342, de 20

de maio de 1965.

O referido desenvolvimento verificou-se principalmente no alargamento do elenco das

operações vedadas (art. 10.º) que visavam reforçar o princípio da diversificação dos

riscos na gestão dos OIC, na obrigatoriedade de elaboração de um prospeto informativo

(art. 31.º) e na introdução de uma cláusula que vedava que fossem adquiridos para os

fundos títulos detidos ou emitidos por entidades relacionadas com a sociedade gestora,

conforme decorria do art. 14.º.

Destaca-se que, com o Decreto-Lei n.º 134/85, de 2 de maio, as sociedades gestoras

passaram, ao contrário do que era permitido pelo regime anterior, a ter por objeto

exclusivo a administração, gestão e representação de um fundo24

(art. 5.º, n.º 1), o que

22

in http://www.cmvm.pt/CMVM/Estudos/Pages/20020919_ifip_I2.aspx

23 Os FII são regulados pela primeira vez pelo Decreto-Lei n.º 246/85, de 12 de julho.

24 Independentemente dos entendimentos que esta norma possa ter gerado à data e que têm interesse

meramente histórico.

Os diferentes níveis de regulação legal dos conflitos de interesses no âmbito da gestão de

Fundos de Investimento Mobiliário

24

terá tido como consequência a não verificação de situações de conflitos de interesses

horizontais.

Este diploma foi posteriormente revogado pelo Decreto-Lei n.º 229-C/88, de 4 de julho,

o qual passou a estabelecer o regime jurídico dos fundos de investimento, mobiliários e

imobiliários e dos fundos abertos ou fechados, o qual revogou também o Decreto-Lei

n.º 246/85, de 12 de julho. Além de passar a regular os fundos de investimento

mobiliários e imobiliários num só diploma, destaca-se ainda que o Decreto-Lei n.º 229-

C/88, de 4 de julho, passou nova e expressamente a permitir à entidade gestora a

possibilidade de, quando devidamente autorizada, gerir mais de um fundo (art. 5.º, n.º

1). Aspeto a destacar é o de que no seu art. 13.º passaram, mediante comunicação

prévia, ou até três dias após a comunicação da aquisição ao Banco de Portugal, a ser

permitidas algumas aquisições, salvo se representarem mais de 5% do valor nominal do

conjunto em circulação emitido pela mesma entidade, ou globalmente, mais de 5% da

carteira do fundo.

O Decreto-Lei n.º 229-C/88, de 4 de julho, por sua vez, também foi alterado pelo

Decreto-Lei n.º 417/91, de 26 de outubro, o qual veio harmonizar as normas constantes

do título V do Código do Mercado dos Valores Mobiliários, aprovado pelo Decreto-Lei

n.º 142-A/91, de 10 de abril, mas sem aspetos significativos a apontar.

Posteriormente, o Decreto-Lei n.º 276/94, de 2 de novembro transpôs para a ordem

jurídica nacional a Diretiva do Conselho n.º 85/611/CEE, de 20 de dezembro de 1985, e

reformulou o regime jurídico dos fundos de investimento mobiliário, tendo

posteriormente o Decreto-Lei n.º 294/95, de 17 de novembro, dado início à separação

formal da regulamentação dos FIM e dos FII. Cumpre salientar que com o Decreto-Lei

n.º 276/94, de 2 de novembro não foi acolhida a forma societária de OICVM, que os

fundos de investimento imobiliário passaram a ser regulados em diploma autónomo dos

fundos de investimento mobiliário e que se verificou um reconhecimento normativo da

multiplicidade de fundos, atento os ativos que os compõem. Note-se ainda que é com o

referido diploma que se assiste, pela primeira vez, à introdução de um critério de gestão

que impõe às sociedades gestoras que atuem no interesse exclusivo dos participantes.

Nos termos do art. 8.º e 14.º do citado diploma é referido que as entidades gestoras

Os diferentes níveis de regulação legal dos conflitos de interesses no âmbito da gestão de

Fundos de Investimento Mobiliário

25

atuam por conta dos participantes e no interesse exclusivo destes, competindo-lhes, em

geral, a prática de todos os atos e operações necessários ou convenientes à boa

administração do fundo, de acordo com critérios de elevada diligência e competência

profissional.

Também se verifica, no nosso entender, pela primeira vez a densificação do que se

poderá apelidar de regime específico dos conflitos de interesses. Para este efeito,

destaca-se o art. 7.º, n.º 2 que dispõe que “[é] vedado aos membros dos órgãos de

administração das sociedades gestoras e às pessoas que com as mesmas mantiverem

contrato de trabalho exercer quaisquer funções noutras sociedades gestoras”, bem como

o art. 21.º que pormenoriza um elenco vasto de aquisições proibidas. 25

O referido diploma foi ainda sendo alterado pelo Decreto-Lei n.º 308/95, de 20 de

novembro, pelo Decreto-Lei n.º 323/97, de 26 de novembro, e pelo Decreto-Lei n.º

323/99, de 13 de agosto,26

passando então a figurar no seu art. 21.º uma referência

expressa a operações que são vedadas às entidades gestoras por se poderem entender

implicar atuações em conflito de interesses.

Atente-se que apesar de, pelo menos desde o Decreto 46 342, de 20 de maio de 1965,

estar já previsto um elenco de operações vedadas, é apenas com o art. 21.º do já

25

Veja-se a este respeito o referido por Gabriela Branco, Sónia Teixeira da Mota, José Manuel Faria,

“Revisão do Regime Jurídico dos Fundos de Investimento Mobiliário, Decreto-Lei n.º 276/94, de 2 de

novembro”, in Cadernos do Mercado de Valores Mobiliários, n.º 8, agosto, Comissão do Mercado de

Valores Mobiliários, 2000, págs. 6 e 7, a propósito das alterações provocadas pelo Decreto-Lei n.º

276/94, de 2 de novembro em matéria de conflito de interesses “[c]om a reformulação do artigo 21.º

enuncia-se, no corpo do preceito, o princípio geral da prevenção de conflitos de interesses adaptado às

circunstâncias específicas dos fundos de investimento, passando a enumeração constante das alíneas a

assumir uma natureza exemplificativa das transacções, por esse motivo, vedadas aos fundos. (…) Ainda

em relação à matéria de conflitos de interesses, o n.º 3 do artigo 23.º vem estabelecer uma regra nova para

o caso específico das transacções de valores cotados realizadas fora de bolsa, quando sejam efectuadas

entre fundos administrados pela mesma sociedade. Esta norma constitui um desenvolvimento do princípio

geral consagrado no Código dos Valores Mobiliários e no n.º 2 do artigo 8.º que esclarece que os vários

fundos são considerados como diferentes clientes para este efeito.”.

26 Este diploma veio consagrar alterações significativas em matéria de informação aos investidores.

Os diferentes níveis de regulação legal dos conflitos de interesses no âmbito da gestão de

Fundos de Investimento Mobiliário

26

Decreto-Lei n.º 276/94, de 2 de novembro que passam a ser proibidas quaisquer

transações expressamente suscetíveis de gerarem conflitos de interesses – verificando-se

que passam a integrar o regime específico dos conflitos de interesses no âmbito da

legislação específica aplicável à gestão de OIC, não só normas de perigo abstrato, como

também normas de perigo abstrato-concreto. A última alteração a que foi sujeito o

Decreto-Lei n.º 294/95, de 17 de novembro foi efetuada pelo Decreto-Lei n.º 62/2002,

de 20 de março.

Em 2003, com o Decreto-Lei n.º 252/2003, de 17 de outubro, que transpôs para a ordem

jurídica interna as Diretivas n.os

2001/107/CE e 2001/108/CE, foi aprovado um novo

regime jurídico dos OIC.

Deste novo regime destaca-se o facto de os OIC passarem assim a poder assumir quer a

forma contratual, quer a forma de SIM. Com relevo para a matéria dos conflitos de

interesses não foi introduzida nenhuma alteração que se entenda significativa,

cumprindo salientar que apenas ao nível da concentração de risco foram impostas regras

mais restritivas, consequência decorrente de um maior alargamento ao nível da tipologia

de OICVM que foi admitida. O referido diploma foi posteriormente alterado pelo

Decreto-Lei n.º 52/2006, de 15 de março, pelo Decreto-Lei n.º 357-A/2007, pelo

Decreto-Lei n.º 148/2009, de 25 de junho e republicado em 2010 pelo Decreto-Lei n.º

71/2010.

Em 2013 o Decreto-Lei n.º 63-A/2013, de 10 de maio, aprovou o NRJOIC do qual se

destaca como principais caraterísticas: (i) a nova classificação de OIC; (ii) a introdução

de novas estruturas (master and feeder) (iii) a importação de regras de corporate

governance para a área dos OIC, verificando-se um aumento de normas ligadas à

componente organizacional, (iv) a existência de uma regulamentação ao nível dos OIC

que assumem a forma de SIM e (v) o aumento significativo das normas específicas do

regime dos conflitos de interesses (as que compõem o regime específico).27

A conclusão a retirar da evolução histórica da regulamentação dos conflitos de

interesses no âmbito da gestão de FIM é a de que o regime específico tem vindo a ser

27

Comparação que será feita de forma mais desenvolvida ao longo da presente dissertação.

Os diferentes níveis de regulação legal dos conflitos de interesses no âmbito da gestão de

Fundos de Investimento Mobiliário

27

cada vez mais objeto de maiores desenvolvimentos, o que é sinónimo de maturação,

pelo legislador, do regime em causa.

Veja-se neste sentido o referido por Sofia Leite Borges a propósito dos conflitos de

interesses no âmbito da Diretiva do Mercado de Instrumentos Financeiras mas com

aplicação à evolução do regime jurídico dos conflitos de interesses no âmbito da gestão

de FIM28

: “[a] primeira das fases indicadas caracteriza-se, em traços gerais, pela

proibição da polifuncionalidade e pela imposição de restrições à atuação dos

intermediários financeiros (corretores), o que redundava na quase eliminação das

hipóteses de conflitos de interesses. Na segunda fase regista-se uma evolução no sentido

da admissibilidade da polifuncionalidade, embora sejam mantidas restrições de natureza

institucional no que respeita à veiculação, pelos intermediários financeiros, de interesses

estranhos à sua actividade. A terceira fase singulariza-se pelo aligeirar das limitações

institucionais e pela opção clara por uma regulamentação de comportamentos.”

Esta afirmação de Sofia Leite Borges a propósito do regime anteriormente em vigor e da

DMIF continua atual nos dias de hoje relativamente à regulação dos conflitos de

interesses no âmbito da gestão de FIM. Apesar de a tendência ser, de facto, ainda hoje

caracterizada por uma “regulação de comportamentos” e de a mesma ter sido operada

ao nível da ampliação do regime específico, a verdade é que se verifica que continuam a

existir diferentes níveis de regulação dos conflitos de interesses no âmbito da gestão de

FIM.

Deste modo, a célebre frase de Von Kirchman de que “três palavras do legislador e

bibliotecas inteiras ficam reduzidas a um monte de papéis inúteis”, não encontra aqui

qualquer eco.

28

Sofia Leite Borges, “O Conflito de Interesses na Intermediação Financeira”, in Conflito de Interesses

no Direito Societário e Financeiro, Um Balanço a partir da Crise Financeira, Almedina, Coimbra, 2010,

pág. 337.

Os diferentes níveis de regulação legal dos conflitos de interesses no âmbito da gestão de

Fundos de Investimento Mobiliário

28

CAPÍTULO II – O REGIME ESPECÍFICO DOS CONFLITOS DE INTERESSES NO ÂMBITO DO

NOVO REGIME JURÍDICO DOS ORGANISMOS DE INVESTIMENTO COLETIVO

Os conflitos de interesses, apesar de transversais à atividade dos intermediários

financeiros, verificam-se particularmente ao nível dos FIM.

Tal facto deve-se, conforme já abordado no capítulo anterior, por, no âmbito da gestão

coletiva de ativos, contrariamente ao que se passa em geral nas atividades de

intermediação financeira, maxime na gestão de carteiras por conta de outrem, os

participantes dos FIM terem uma diminuta possibilidade de intervenção na gestão do

património de que são titulares29

, restando-lhes assumir totalmente o risco dos ativos

que são adquiridos pela entidade gestora.

Efetivamente, nos FIM assiste-se a uma dissociação entre propriedade (ownership) e

controlo (control).30

29

Para Paulo Câmara, “Os Fundos de Investimento”, in Estudos em Homenagem ao Professor Doutor

Carlos Ferreira de Almeida, Vol. I, Almedina, Coimbra, 2011, pág. 639, “[a]s unidades de participação

em fundos de investimento mobiliário são valores mobiliários que representam quotas ideais detidas por

cada participante sobre um património reunido para o investimento em valores mobiliários.” Para António

Pereira de Almeida, “O Governo dos Fundos de Investimento”, in Direito dos Valores Mobiliários, Vol.

VIII, Instituo dos Valores Mobiliários, Lisboa, 2008, pág. 17 “[a]s Ups representam uma propriedade

colectiva constituída pelo património do OIC e não apenas um direito social.” Para Catarina Romão

Pinho, “Os Fundos de Investimento Mobiliário no Direito Português: natureza jurídica e exercício do

direito de voto pela entidade gestora”, in Revista de Direito das Sociedades, Almedina, Coimbra, 2012,

pág. 130, “[o]s direitos dos participantes exprimem-se em unidades de participação que configuram

frações do fundo. Cada participante goza de um direito de “compropriedade” sobre os activos do fundo,

proporcional ao número de unidades de participação da sua titularidade.”

30 Recorde-se, conforme salientado por Pedro Caetano Nunes, “Dever de Gestão dos Administradores de

Sociedades Anónimas”, Almedina, Coimbra, 2012, págs. 219, a “teorização da separação entre

“propriedade” e “controlo” (ownership and control) nas sociedades abertas foi realizada por Adolf A.

Berle e Gardiner C. Means no início da década de 30 do século passado.” No âmbito da doutrina nacional,

vide Jorge Coutinho de Abreu, Da Empresarialidade, As Empresas no Direito, Almedina, Coimbra, 1999,

pág. 236 a 240; Rui Pinto Duarte, Escritos sobre Direito das Sociedades, Coimbra Editora, Coimbra,

2008, pág. 71 a 77.

Os diferentes níveis de regulação legal dos conflitos de interesses no âmbito da gestão de

Fundos de Investimento Mobiliário

29

Esta caraterística, apesar de ser reconhecida como sendo um aspeto menos positivo do

regime dos FIM não tem, contudo, solução fácil. Veja-se que, no âmbito de uma gestão

coletiva e massificada de ativos, com as vantagens e desvantagens já amplamente

conhecidas, seria inexequível exigir às entidades gestoras que, perante cada operação

potenciadora de uma situação de conflito de interesses, estas informassem e

dependessem da apreciação dos participantes dos FIM para a realização das referidas

operações.

É nessa estrita medida que as especificidades do regime dos FIM justificam as soluções

legislativas constantes da ordem jurídica nacional, constituindo o regime específico do

NRJOIC o primeiro nível de regulação dos conflitos de interesses que surge no âmbito

da gestão de FIM.

Sendo o tema dos conflitos de interesses transversal no desenvolvimento da atividade

dos intermediários financeiros, o elenco das normas infra mencionadas teve como

critério orientador a identificação de normas que têm por objeto expresso a regulação de

situações de conflitos de interesses no âmbito da gestão de FIM. Ficam,

consequentemente, de fora da presente análise as normas que estruturalmente não visam

regular expressamente situações de conflitos de interesses, ainda que as mesmas tenham

no seu âmbito de aplicação a proteção dos participantes.

Em última análise, e na medida em que o Direito dos Valores Mobiliários visa proteger

os interesses dos investidores, conforme decorre do art. 358.º, alínea a) do CdVM,

assumir uma noção mais abrangente de conflitos de interesses implicaria considerar que

uma grande parte do regime dos valores mobiliários mais não é do que de regulação de

potenciais conflitos de interesses, o que extravasaria o âmbito da presente dissertação.

Assim, no âmbito deste regime, assiste-se à consagração de diversas regras que

regulamentam a atividade e a ocorrência de conflitos de interesses no âmbito da gestão

de FIM, todas elas com a finalidade de garantir que no âmbito dessa gestão é assegurada

a proteção dos participantes e mitigados os potenciais efeitos da falta de intervenção dos

participantes.

Os diferentes níveis de regulação legal dos conflitos de interesses no âmbito da gestão de

Fundos de Investimento Mobiliário

30

Atento o exposto, consideramos que constituem o regime específico dos conflitos de

interesses no âmbito do NRJOIC os seguintes arts.31

32

33

:

62.º n.ºs 1, 2, 4 e 5– art. relativo à independência e impedimentos dos membros

do órgão de administração e conselho fiscal da sociedade gestora e de demais

colaboradores que exerçam funções de decisão e execução de investimento na

mesma34

35

;

31

O regime específico dos conflitos de interesses constante do regime anterior era mais reduzido do que o

atual. Daquele faziam apenas parte os arts. 33.º, n.º 3, alíneas a) e c), 34.º, n.º 1, 34.º n.os

3, 4 e 5, 38.º, n.º

5, 52.º, 59., n.os

1, 2, 3 e 6 e 60.º, n.os

1, 3 e 6 do RJOIC.

32 Não consideramos os arts. 64, n.º 1, 68, n.º 4, alínea c), 73.º, n.º 1, alínea b), 80.º, 82.º, 109.º, n.º 2,

113.º e 115.º do NRJOIC como normas “puramente” de conflito de interesses, uma vez que consideramos

que estas visam, em primeiro lugar, evitar a instrumentalização dos FIM e não a gestão de conflitos de

interesses. As referidas normas poderão, assim, ser consideradas normas de conflitos de interesses

indiretos. Note-se que o art. 81º do NRJOIC também não é uma norma pura de conflitos de interesses

atuais ou potenciais como as outras, mas mostra que a tutela do conflito de interesses modela outros

regimes. Em boa verdade, é uma norma indireta de perigo abstrato de conflitos de interesses. Quem gere

OIC não pode ter unidades de participação de OIC, salvo OIC de mercado monetário ou de tesouraria e

mesmo assim devendo passar o pelo crivo do conflito de interesses.

33 Tendemos a afirmar que as normas que visam regular situações de conflitos de interesses no âmbito da

gestão de FIM são normas tendencialmente de regulação comportamental. No âmbito das sociedades

comerciais, a vastidão do que pode ser a sua atividade comercial não permite que o legislador consiga

definir que determinados comportamentos constituem situações específicas de conflitos de interesses.

Pelo contrário, no âmbito da gestão de FIM é possível definir comportamentos e delimitá-los como

situações de atuação em conflito de interesses desde logo pela sua natureza. Também neste sentido, Sofia

Leite Borges, “O Conflito de Interesses na Intermediação Financeira”, in O Conflito de Interesses no

Direito Societário e Financeiro, Um Balanço a Partir da Crise Financeira, Almedina, Coimbra, 2010, pág

352, “[n]a senda do Cód. MVM, o Cód. VM disciplina o conflito de interesses com base numa

regulamentação de comportamentos, ou seja, mediante a imposição de deveres de conduta e de

organização.”

34 O art. 62.º, n.

º 3 e o art. 74.º, n.º 2 do NRJOIC são normas concretizadoras dos números anteriores.

35 É curioso notar que as entidades gestoras sendo sociedades anónimas não têm necessariamente de ter

um conselho fiscal.

Os diferentes níveis de regulação legal dos conflitos de interesses no âmbito da gestão de

Fundos de Investimento Mobiliário

31

63.º, n.º 1, alínea d) – art. relativo à subcontratação de funções de gestão ao

depositário ou outras entidades cujos interesses possam colidir com os da

entidade gestora ou dos participantes;

68.º, n.º 2 – art. relativo ao tratamento equitativo dos participantes dos diversos

OIC geridos por uma entidade gestora e à forma de dar cumprimento ao dever de

atuação no interesse dos participantes;

74.º, n.os

1, 3 e 4 – art. relativo à agregação e afetação de ordens de um OIC a

uma ordem de outro OIC, ou de outro cliente ou a uma ordem realizada por

conta própria;

79.º, n.os

1 e 2 – art. relativo ao registo de atividades que originam situações de

conflito de interesses e comunicação das respetivas decisões tomadas pelos

órgãos de administração e fiscalização;

94.º, n.º 1 – art. relativo à independência entre as funções de depositário e da

entidade gestora;

103.º, n.os

1 e 2 – art. relativo à pluralidade e rotatividade dos auditores dos OIC;

114.º, n.º 1 – art. relativo a operações vedadas das entidades gestoras; e

116.º, n.º 1 do NRJOIC – art. relativo a comunicações sobre transações.36

37

36

Não é nosso objetivo tratar de forma exaustiva a perspetiva regulamentar dos conflitos de interesses no

âmbito da gestão de OIC sob a forma de fundos de investimento, atento o carácter variável e periférico da

mesma. Chamamos, contudo, a atenção para o facto de o Título III, Capítulo III do Regulamento da

CMVM n.º 15/2003, de 18 de dezembro, prever deveres de informação a prestar à CMVM em situações

de conflitos de interesses.

37 No acórdão do Tribunal do Tribunal de Pequena Instância Criminal de Lisboa de 14 de fevereiro de

2002, 1.º Juízo, 2.ª Secção, Processo 632/01, foi considerado que o art. 21.º, n.º 1, alínea e), conjugado

com o art. 52.º ambos do Decreto-Lei n.º 276/94, de 2 de novembro, era uma norma de conflito de

interesses. Nos termos do referido artigo, “[n]ão podem ser adquiridas para os fundos: valores mobiliários

emitidos ou detidos por entidades cujo capital social seja pertencente, em percentagem igual ou superior a

20% à entidade gestora ou a sociedade que, direta ou indiretamente, domine a mesma entidade, ou por

entidades dominadas, direta ou indiretamente, pela sociedade gestora.”.

Atualmente, o art. 114.º, n.º 1 do NRJOIC dispõe que “[a] entidade responsável pela gestão não pode

realizar por conta dos OIC que gere quaisquer operações suscetíveis de gerarem conflitos de interesses

Os diferentes níveis de regulação legal dos conflitos de interesses no âmbito da gestão de

Fundos de Investimento Mobiliário

32

Do elenco supra descrito identificam-se normas relativas:

i. Ao funcionamento interno da entidade gestora no que respeita: (i) à constituição

dos seus órgãos sociais, (ii) ao elenco de funções vedadas aos seus colaboradores

e trabalhadores, (iii) à imposição de regras relativas à subcontratação de funções

de gestão, (iv) ao registo de atividades que originam conflitos de interesses e (v)

à execução cumulativa de funções de entidade gestora e depositário;

ii. Ao tratamento equitativo dos participantes dos diversos fundos que podem ser

geridos pela entidade gestora – está aqui em causa a resolução de conflitos de

interesses horizontais em que são intervenientes os diversos participantes de

FIM geridos por uma mesma entidade gestora;

iii. À agregação e afetação de ordens de um OIC a ordens de (i) outro OIC, (ii)

outro cliente, (iii) ou a uma ordem realizada por conta própria pela entidade

gestora – está aqui em causa a resolução de conflitos de interesses horizontais e

verticais. Contudo atente-se que a norma é apenas aplicável a casos de conflitos

de interesses horizontais entre participantes e demais clientes do intermediário

financeiro quando está em causa a agregação e afetação de ordens;

iv. À pluralidade e rotatividade dos auditores que deve ser assegurada pela entidade

gestora;

com as entidades constantes do art. 114.º do NRJOIC.” Assim, o comentário feito por Célia Reis a um

processo de 2002, permanece ainda hoje atual: Célia Reis, “Comentário à Sentença do Tribunal de

Pequena Instância Criminal de Lisboa de 14 de fevereiro de 2002, 1.º Juízo, 2.ª Secção, Processo 632/01,

– Fundos de Investimento Mobiliário”, in Cadernos do Mercado de Valores Mobiliários, n.º 14, agosto,

Comissão do Mercado de Valores Mobiliários, 2002, pág. 163, “[a]o adquirir para os fundos de

investimento que gere valores mobiliários emitidos por uma entidade com que se encontra em relação de

grupo, a entidade gestora não só não está a defender o exclusivo interesse dos participantes – o que a lei

lhe impõe, como está a defender o interesse de um determinado grupo financeiro, de que faz parte – o que

a lei lhe proíbe, e utilizando, para o efeito, as poupanças dos pequenos investidores, que assumem

totalmente o risco do investimento.”.

Os diferentes níveis de regulação legal dos conflitos de interesses no âmbito da gestão de

Fundos de Investimento Mobiliário

33

v. As operações proibidas atenta a qualidade subjetiva das entidades que

contratualizam com a entidade gestora;38

e

vi. As comunicações sobre transações.

Em abstrato, é nosso entendimento que existem três análises possíveis ao regime

específico identificado, em função:

a) Da tipologia de OIC;

b) Da previsão normativa (ou, do ponto de vista dogmático, das fontes de perigo); e

c) Da sua estatuição (ou, do ponto de vista dogmático, do tipo de condutas

previstas).

A análise da (eventual) influência que a tipologia de OIC exerce no regime específico

dos conflitos de interesses constante do NRJOIC implica, antes de mais, a identificação

da integração sistemática dos artigos que supra considerámos como constituintes do

regime específico.

Os referidos artigos encontram-se maioritariamente no título II, cuja epígrafe é “das

entidades relacionadas com os OIC”, encontrando-se os demais dispersos pelo capítulo I

(“entidades gestoras”), capítulo II (“depositários”), capítulo IV (“auditores”) e no título

III, cuja epígrafe é “da actividade dos OIC”, mais concretamente no capítulo I

(“disposições gerais”).

A integração sistemática dos artigos que constituem o regime específico e o facto de a

tipologia de OIC encontrar-se maioritariamente regulada no Reg. OIC conduz à

conclusão de que, apesar da diversidade de tipologias de OIC existente no ordenamento

jurídico português, a regulação dos conflitos de interesses encontra-se alheada dessa

mesma multiplicidade de tipologias39

, salvo no caso de OIC fechados que não sejam

constituídos mediante oferta pública, os quais, no que diz respeito nomeadamente a

38

No regime das sociedades comerciais também são tipificados alguns conflitos de interesses, como

impedimentos, proibições de concorrência, negócio consigo próprio. No regime da intermediação

financeira são tipificados, por vezes, conflitos semelhantes (impedimentos, negócio consigo próprio e

atuação como contraparte) e outras vezes, conflitos de interesses diferentes (proibição de concorrência

limitada).

39 Conclusão idêntica era alcançada no regime anterior.

Os diferentes níveis de regulação legal dos conflitos de interesses no âmbito da gestão de

Fundos de Investimento Mobiliário

34

operações vedadas estão sujeitos a regras específicas (cf. art. 1.º n.os

4 e 6 do

NRJOIC).40

No nosso entender, é significativo que o legislador não tenha feito depender o regime

específico dos conflitos de interesses da tipologia de OIC. Efetivamente, os traços

distintivos de cada tipologia de OIC são estabelecidos consoante os ativos e as regras de

composição das carteiras, as modalidades de gestão e a forma ou variabilidade das

unidades de participação. Tal sucede desde logo porque, apesar de se verificar um

crescendo ao nível da produção legislativa nesta área, não se tem assistido a uma

maturação suficiente ao nível das diversas tipologias de OIC.

De facto, o elemento comum a todos os tipos de OIC é o carácter restritivo da

intervenção dos participantes.

Deste modo, caraterizamos como expectável que a resposta para os diferentes níveis de

regulação dos conflitos de interesses no âmbito da gestão de FIM não seja encontrada ao

nível da diversidade de OIC.

Concluindo-se que a tipologia de OIC não constitui um significativo critério de aferição

da regulação legal dos conflitos de interesses no âmbito da gestão de FIM41

impõe-se,

40

Nos termos do art. 3.º do NRJOIC “[s]ó podem ser constituídos os OIC previstos no presente Regime

ou em regulamento da CMVM, desde que, neste caso, sejam asseguradas adequadas condições de

transparência e prestação de informação relativas, designadamente, aos mercados de transacção dos

activos subjacentes, à sua valorização e ao conteúdo e valorização dos valores mobiliários representativos

do património dos OIC a distribuir junto do público.”. As tipologias de OIC variam consoante os ativos e

as regras de composição das carteiras, as modalidades de gestão, a forma ou variabilidade das unidades de

participação. Para mais desenvolvimento ver Catarina Romão Pinho, “Os Fundos de Investimento

Mobiliário no Direito Português: natureza jurídica e exercício do direito de voto pela entidade gestora”, in

Revista de Direito das Sociedades, Almedina, Coimbra, 2012, pág. 123. 41

Consideramos que como, em teoria, as diversas tipologias de OIC não afetam o poder dos participantes

é natural que a tipologia de fundos não constitua uma resposta para a problemática dos diversos níveis de

regulação legal dos conflitos de interesses no âmbito da gestão de FIM.

Os diferentes níveis de regulação legal dos conflitos de interesses no âmbito da gestão de

Fundos de Investimento Mobiliário

35

subsequentemente, a análise do regime específico dos conflitos de interesses em função

das fontes de perigo existentes no âmbito do NRJOIC.42

Neste âmbito, ao nível do regime específico dos conflitos de interesses identificam-se

dois tipos de fontes de perigo: primárias – fontes diretamente formuladas pelo

legislador, independentemente de outros perigos – e as secundárias – as fontes

associadas a fontes de perigo já existentes.

Como fontes primárias de perigo são identificáveis:43

a) Relações de administração (no âmbito da entidade gestora) (art. 62.º, n.os

1, 5 e

6);44

b) Relações de fiscalização (no âmbito do conselho fiscal da entidade gestora) (art.

62.º, n.º 2);

c) Relações laborais (no âmbito da sociedade gestora) (art. 62.º, n.º 5); 45

d) A gestão subcontratada de OIC, tendo todavia em conta que, apesar do exposto,

a responsabilidade pela gestão nunca pode ser totalmente esvaziada pelo que o

42

O legislador optou nos fundos harmonizados por um grau de limitação mais exigente do que nos fundos

especiais de investimento admitindo nestes últimos que as limitações impostas por lei sejam afastadas

desde que expressamente referidas nos regulamentos de gestão. Contudo, a derrogação destas regras

através do regulamento de gestão não significa que a entidade gestora não continue adstrita às obrigações

de gestão de conflitos de interesses.

43 No âmbito do anterior RJOIC eram apenas identificadas como fontes primárias de perigo (i) a gestão de

um OIC, as relações laborais e de administração (sem o desenvolvimento que hoje lhe é conferido), (ii) a

gestão de vários OIC e (iii) a gestão de um OIC conjuntamente com o exercício da atividade de gestão

discricionária e individualizada de carteiras. Por maioria de razão, as fontes secundárias de perigo, ao

abrigo do regime anterior, eram também em número substancialmente inferior. O centro unificador era

igualmente a gestão de OIC.

44 A propósito da definição de administrador independente ver Rui de Oliveira Neves, “O Administrador

Independente”, in Código das Sociedades Comerciais e Governo das Sociedades, Almedina, Coimbra,

2008, bem como, do ponto de vista regulamentar, o Regulamento da CMVM n.º 10/2005.

45 Desde logo por existirem cada vez mais situações de insider trading consideramos que, no futuro, estas

restrições serão abrangidas também a trabalhadores que tenham acesso a informação, independentemente

do exercício de funções de decisão ou de execução.

Os diferentes níveis de regulação legal dos conflitos de interesses no âmbito da gestão de

Fundos de Investimento Mobiliário

36

único risco a identificar é um risco primário, que é o da subcontratação (art.

63.º, n.º 1, alínea d));

e) A gestão de vários OIC (art. 68.º, n.o

2, 74.º, n.os

1, 3 e 446

e 114.º, n.º 1 alínea

j);

f) A gestão de um OIC (art. 79.º, n.os

1 e 2, art. 114.º, n.º 1, alíneas a) a i), art.

116.º, n.º 1);

g) O exercício de outras atividades de intermediação financeira (pela entidade

gestora) (art. 74.º, n.os

1, 3 e 4);

h) A acumulação de funções de gestão e de depositário47

(art. 94.º, n.º 1);

i) A auditoria interna (art. 103.º, n.os

1 e 2); e

j) As aquisições e alienações às entidades constantes do art. 116.º, n.º 1 do

NRJOIC.

Ao nível das fontes secundárias de perigo no âmbito da gestão de FIM encontramos as

seguintes:

a) A associação a quaisquer grupos de interesses específicos na entidade gestora

ou a circunstâncias suscetíveis de afetar a isenção de análise (art. 62.º, n.º 3);

b) Relações comerciais significativas – art. 62.º, n.º 4;

46

É curioso notar que o legislador pretendeu que a entidade gestora desse prioridade aos interesses dos

participantes sobre os seus interesses e que em ambas as situações previstas pelo art. 74.º, n.º 3 estão em

causa conflitos de interesse verticais. Repare-se quer no âmbito do art. 74.º, n.º 3, alínea a) do NRJOIC

estamos perante um conflito de interesses vertical, quer no art. 74.º, n.º 3, alínea b) do NRJOIC, ao

contrário do que uma primeira leitura parecer querer denunciar, estamos igualmente perante uma situação

de conflito de interesses vertical, na medida em que o legislador pretendeu que a entidade gestora não só

desse prioridade aos interesses dos participantes e dos clientes em casos de execução parcial de agregação

de ordens, como, nos casos de execução parcial, afetasse às carteiras dos participantes ou dos clientes o

que para eles for menos prejudicial, o que se pode verificar amiúde em casos de execução de ordens

alternativas.

47 É de notar que o legislador não proibiu contudo que a entidade responsável pela gestão e o depositário

estejam em relação de domínio ou de grupo. O art. 94.º, n.º 3 do NRJOIC exige apenas que se assegure,

através de determinadas condutas, o exercício independente das funções do depositário.

Os diferentes níveis de regulação legal dos conflitos de interesses no âmbito da gestão de

Fundos de Investimento Mobiliário

37

c) Relações societárias de domínio ou de grupo – art. 62.º, n.ºs 1, 2, 3 (e 4), 103.º,

n.º 2, 114.º, alíneas d) a i) e art. 116.º, n.º 1;

d) Exercício de funções de decisão e execução de investimentos ou de quaisquer

funções noutras entidades responsáveis pela gestão de OIC que exerçam uma

atividade concorrente – 62.º, n.º 5; e

e) Relações familiares e de dependência económica – art. 116.º.

A dimensão do elenco descrito dá-nos nota de que a fonte principal de perigo prevista

no âmbito do NRJOIC está necessariamente relacionada com a gestão de FIM, a qual se

desenvolve em dois níveis paralelos: (i) ao nível interno, relacionado com a componente

organizacional da entidade gestora e em que se verifica uma importação dos princípios

de corporate governance e (ii) ao nível externo, relacionado com a própria atuação da

entidade gestora e com o desenvolvimento da sua gestão dos FIM.48

Ao nível das fontes

de perigo secundárias, é possível concluir que, com exceção da constante da alínea d),

todas elas são fontes de perigo relacionais, i.e., derivam de uma relação

aprioristicamente identificada.

O elenco descrito permite ainda a conclusão de que as fontes de perigo que constituem o

regime específico do NRJOIC são fontes de perigo fechadas, em que o legislador se

socorreu de situações tipificadas em que considerou que existiria atuação em conflito de

interesses para impor determinada conduta (ativa ou omissiva) à entidade gestora.

Atenta a análise descrita, é nos já possível referir que, no âmbito do regime específico

constante do NRJOIC estão, salvo a regulação do art. 68.º, n.º 2 e 74.º, exclusivamente

previstas normas de conduta para a regulação de situações de conflitos de interesses

verticais, no âmbito das quais estão em causa exclusivamente interesses dos

participantes de um FIM e interesses da entidade gestora tout court.

48

Veja-se que em acréscimo às identificadas situações de conflitos de interesses há que somar os

conflitos de interesses típicos do mandato sem representação (comissão). O regime dos conflitos de

interesses da intermediação financeira tem origem no regime dos conflitos de interesses do comissário (no

Código Comercial), contudo, uma vez que a finalidade da presente dissertação é a definição de quantos

níveis de regulação dos conflitos de interesses existem no âmbito da gestão de FIM, e de que forma estes

coexistem, entendemos que o desenvolvimento deste tema não deverá ter aqui lugar.

Os diferentes níveis de regulação legal dos conflitos de interesses no âmbito da gestão de

Fundos de Investimento Mobiliário

38

Efetivamente, do elenco descrito, e mesmo ao nível da análise das situações de conflitos

de interesses verticais, não existe qualquer norma em que sejam reguladas situações de

conflitos entre os interesses dos participantes de um FIM e de um terceiro que se

relacione com a entidade gestora (ex. fornecedor, trabalhador, etc.).

No âmbito do regime específico apenas os arts. 68.º, n.º 2 e 74.º revelam alguma

preocupação do legislador com os conflitos de interesses horizontais.49

No entanto, a

preocupação revelada pelo legislador no âmbito dos conflitos de interesses horizontais

regulados pelo regime específico ocorre entre os interesses dos participantes de diversos

FIM geridos por uma mesma entidade gestora e os interesses dos demais clientes da

entidade gestora mas apenas no âmbito da agregação e afetação de ordens, deixando por

regular todas as demais situações de conflitos de interesses que decorrem da regular

gestão de FIM.

A análise do regime específico dos conflitos de interesses no âmbito da gestão de FIM

não está contudo concluída se, após a análise da previsão normativa do regime

identificado, não fossem por fim identificados os tipos de condutas previstas e os meios

de defesa criados pelo legislador para fazer face às situações de conflito de interesses

assinaladas.

Para esse efeito, entendemos ser útil atentar na redação das normas que considerámos

constituírem o regime específico:50

a) Art. 62.º, n.º 1 – “O órgão de administração da entidade gestora integra um

número mínimo adequado de membros independentes”;

b) Art. 62.º, n.º 2 – “O conselho fiscal da entidade gestora é composto por uma

maioria de membros independentes;”

49

Ainda que não sejam artigos exclusivamente dirigidos a situações de conflitos de interesses horizontais.

Como exemplos de conflitos de interesses horizontais destacamos os previstos nos arts. 68.º, n.º 2, 74.º,

n.ºs 1 (o qual prevê simultaneamente situações de conflitos de interesses verticais e horizontais), 2 e 3. O

n.º 4 do art. 74.º contém igualmente uma situação de conflito de interesse vertical e horizontal.

50 Ao abrigo do regime anterior as normas constantes do regime específico eram igualmente

caracterizáveis como condutas de ação que impunham proibições, sendo igualmente o regime composto

maioritariamente por normas de perigo abstrato.

Os diferentes níveis de regulação legal dos conflitos de interesses no âmbito da gestão de

Fundos de Investimento Mobiliário

39

c) Art. 62.º, n.º 4 – “Não podem ser designados como administradores

independentes (...)”;

d) Art. 62.º, n.º 5 – “É vedado aos trabalhadores e aos membros do órgão de

administração da entidade gestora (...)”;

e) Art. 62.º, n.º 6 – “As entidades gestoras comunicam ao Banco de Portugal (...)”;

f) Art. 63.º, n.º 1, alínea d) – “A atividade de gestão de investimentos não pode ser

subcontratada (...)”;

g) Art. 68.º, n.º 2 – “A entidade gestora deve garantir (...), abstendo-se de colocar

os interesses (...)”;

h) Art. 74.º, n.º 1 - “Não é permitida a agregação da execução de uma ordem de

um OIC (...)”;

i) Art. 74.º, n.º 3 – “Sempre que proceda à agregação da ordem de um OIC (...) a

entidade gestora (...) deve afetar/não pode afectar (...)”;

j) Art. 74.º, n.º 4 – “(...), se a entidade gestora puder demonstrar ao OIC ou ao seu

outro cliente (...) a transação pode (...)”

k) Art. 79.º, n.º 1 – “Sempre que qualquer pessoa referida no n.º 5 do artigo 304.º

do Código dos Valores Mobiliários detecte deve informar imediatamente (...)”;

l) Art. 79.º, n.º 2 – “(…) A entidade gestora comunica aos participantes (…) as

decisões tomadas pelos órgãos de administração e fiscalização e respetiva

fundamentação.”

m) Art. 94.º, n.º 1 – “As funções de gestão e de depositário não podem ser

exercidas (...)”;

n) Art. 103.º, n.º 1 – “(...) a entidade responsável pela gestão deve garantir a

rotatividade (...)”

o) Art. 103.º, n.º 2 – “O auditor do OIC não pode ser auditor (...)”

p) Art. 114.º, n.º 1 – “ (..) A entidade responsável pela gestão não pode realizar por

conta dos OIC que gere quaisquer operações suscetíveis de gerarem conflitos de

interesses (...)”;

q) Art. 116.º, n.º 1 – “Os membros dos órgãos de administração e demais

responsáveis (…) informam a respetiva entidade responsável pela gestão (...).”

Os diferentes níveis de regulação legal dos conflitos de interesses no âmbito da gestão de

Fundos de Investimento Mobiliário

40

Do elenco exposto conclui-se que o tipo de condutas criadas pelo legislador no âmbito

do regime específico do NRJOIC é transversalmente identificável através de normas

injuntivas, i.e, através de normas de dever ou de proibição, as quais são agrupáveis nos

seguintes meios de defesa:

a) Informativos, no âmbito dos quais verificamos que estão primordialmente em

causa deveres de comunicação de determinados factos à entidade gestora ou a

entidades terceiras. São exemplos de meios de defesa informativos os que

figuram nos arts. 62.º, n.º 6, 79.º, n.º 1 e 116.º;

b) Operacionais, no âmbito dos quais verificamos que estão essencialmente em

causa deveres de execução ou de realização de operações. São exemplos de

meios de defesa operacionais os constantes do art. 68.º, n.º 2, art. 74.º, n.º 1, 3 e

4, art. 114.º, n.º 1; e

c) Organizacionais, no âmbito dos quais verificamos que estão em causa deveres

procedimentais e de adoção de políticas organizacionais, ligados ao

funcionamento interno da entidade gestora. São exemplos de meios de defesa

organizacionais os que figuram no art. 62.º, n.os

2, 4, 5 e 6, art. 63.º, n.º 1, alínea

art. 94.º, n.º 1 e art. 103.º, n.º 1 e 2.

Concomitantemente com esta separação, do referido elenco de condutas é possível

elencar: (i) situações preventivas – em que se visa evitar a ocorrência de situações

geradoras de conflitos de interesses, e das quais são exemplo os arts. 79.º e 114.º

(registo de atividades) ou em que se impõe, por exemplo, à entidade gestora que não

pratique, em absoluto, determinada ação, independentemente da verificação efetiva de

uma atuação em conflito de interesses e (ii) situações reativas, em que, perante a

identificação de uma atuação em conflito de interesses, o legislador aceita a situação de

conflito de interesses mas impõe um critério de conduta, do qual é exemplo o art. 74.º.

Os diferentes níveis de regulação legal dos conflitos de interesses no âmbito da gestão de

Fundos de Investimento Mobiliário

41

Complementarmente, através da análise da estatuição das normas que compõem o

regime específico, é ainda possível verificar qual a sua relação com o bem jurídico, i.e.,

se estamos perante normas de perigo ou dano.51

Nos crimes de perigo a descrição típica não exige a lesão efetiva dos bens jurídicos

tutelados pela incriminação, mas tão só a colocação em perigo, tão só a ameaça de lesão

desse bem ou bens jurídicos tutelados pela norma.

Pelo contrário, nos crimes de dano, exige-se um dano ou uma lesão efetiva no bem ou

bens jurídicos tutelados pela norma.

No elenco das normas que constituem o regime específico dos conflitos de interesses no

âmbito gestão dos FIM verificamos que estamos perante normas de perigo.

Conforme definido por Jorge de Figueiredo Dias52

“[n]os crimes de perigo concreto o

perigo faz parte do tipo, isto é, o tipo só é preenchido quando o bem jurídico tenha

efetivamente sido posto em perigo. (…) Nos crimes de perigo abstracto o perigo não é

elemento do tipo, mas simplesmente motivo da proibição. Quer dizer, neste tipo de

crimes são tipificados certos comportamentos em nome da sua perigosidade típica para

um bem jurídico, mas sem que ela necessite de ser comprovado no caso concreto: há

como que uma presunção inelidível de perigo e, por isso, a conduta do agente é punida

independentemente de ter criado ou não um perigo efectivo para o bem jurídico. Nos

crimes de perigo abstracto-concreto o perigo abstracto não é só critério interpretativo e

51

Apesar de sabermos que as normas que analisamos não são puramente normas penais, a verdade é que,

o Direito dos Valores é um ramo do Direito que sofre influência dos vários ramos do Direito Clássico.

Assim, toda a interpretação deve tender a evitar esta disparidade. Como se vê pelos arts. 389.º a 400.º do

CdVM existe uma pretensão de componente infracional de todos os deveres consagrados no CdVM. E

por isso, embora seja legítimo a interpretação que dê um significado privatístico diferente do que seria

alcançado do ponto de vista infracional, este quebra a unidade almejada pelo legislador. É por esse

motivo que conceitos e categorias vindos de áreas diferentes do Direito (infracional, administrativo,

societário, etc.) têm de intervir por forma a que melhor se compreenda o âmbito da proteção de cada um

dos regimes. Daí que o recurso a conceitos penais não seja algo de atípico no caso do Direito dos Valores

Mobiliários, já que este é um dos tipos de categorias que intervém na conformação do regime.

52 Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal, Parte Geral, Questões Fundamentais, A Doutrina do Crime,

Tomo I, 2.ª Edição, Coimbra Editora, Coimbra, 2007, pág. 309 a 311.

Os diferentes níveis de regulação legal dos conflitos de interesses no âmbito da gestão de

Fundos de Investimento Mobiliário

42

de aplicação, mas deve também ser momento referencial da culpa e, por isso, admitem a

“possibilidade de a perigosidade ser objecto de um juízo negativo. De um ponto de vista

formal esta categoria cabe ainda na dos crimes de perigo abstracto, porque a verificação

do perigo não é essencial ao preenchimento do tipo; de um ponto de vista substancial,

porém, do que verdadeiramente se trata é de crimes de aptidão, ou, na terminologia

proposta por Bockelmann, de “conduta concretamente perigosa”, no sentido de que só

devem revelar tipicamente as condutas apropriadas ou aptas a desencadear o perigo

proibido no caso de espécie. Assim, pois, nos crimes de aptidão o perigo converte-se em

parte integrante do tipo e não num mero motivo da incriminação, como sucede nos

autênticos crimes de perigo abstracto. Por outro lado, porém, a realização típica destes

crimes não exige a efectiva produção de um resultado de perigo concreto.”

No âmbito do regime específico todas as normas são de perigo abstrato, salvo o art.

114.º, n.º 1 do NRJOIC que é uma norma de perigo abstrato-concreto.

Deste modo, tal assumção permite a conclusão de que para efeitos do preenchimento do

tipo objetivo não é necessária a alegação e prova de uma atuação em que concretamente

os interesses dos participantes tenham sido preteridos em detrimento de outros

interesses.

A especificidade da própria natureza jurídica dos FIM, no âmbito da qual verificamos

que os participantes não têm o poder de intervir na gestão do património dos fundos, e

os efeitos demasiados perniciosos que uma atuação em conflito de interesses pode

acarretar, levaram o legislador a pretender mitigar essa desproteção dos participantes

através de normas de perigo abstrato. Nessa medida, as condutas que constituem o

regime específico dos conflitos de interesses, com exceção do artigo 114.º, n.º 1 do

NRJOC, são consideradas de modo inilidível condutas perigosas e, nessa medida,

proibidas independentemente da verificação da efetiva lesão dos interesses dos

participantes.

Os diferentes níveis de regulação legal dos conflitos de interesses no âmbito da gestão de

Fundos de Investimento Mobiliário

43

Como referido por Sofia Leite Borges53

a propósito da regulação geral dos conflitos de

interesses na DMIF, mas também aqui aplicável na caracterização das normas de

conflitos de interesses que compõem o regime específico, “[a] oposição de interesses

fácticos apurada objectivamente pode determinar a intervenção do Direito, através de

técnicas preventivas, que se antecipam a um eventual incumprimento do dever e evitam

a sua ocorrência. Nestes casos, sobre o agente recai a suspeição de que, podendo

escolher, aquele actuará para satisfazer o seu interesse em detrimento do interesse de

outrem, pelo que o Direito presume o sentido da escolha e previne a tentação,

eliminando a oportunidade, ou seja, eliminando a oportunidade a própria emergência do

conflito ou a possibilidade de abuso. Quando o Direito intervém a este título, não

será necessário verificar da existência de um incumprimento do dever de actuar no

interesse de outrem, bastará a constatação de que foi violada a norma que, em

concreto, proibia a actuação em presença de um conflito de interesses.” (destacado

nosso).

Já se tendo verificado que o regime específico rege quase exclusivamente conflitos de

interesses verticais e mesmo dentro destes, nem todo o tipo de conflito de interesses

verticais, por se considerarem excluídos os relativos a relações com terceiros que se

relacionam com a entidade gestora, tais lacunas são tão mais significativas quanto já

salientámos mais do que uma vez que um dos fenómenos mais verificados na

intermediação financeira é o da polifuncionalidade. Queremos com isto dizer que,

considerar que o regime específico do NRJOIC esgotaria toda a regulação dos conflitos

de interesses que surgem no âmbito da gestão de FIM implicaria defender uma

desproteção dos investidores em relação a todos os conflitos de interesses verticais e

alguns conflitos de interesses horizontais que são genericamente tutelados. Deste modo,

a resposta à questão – as normas específicas de conflitos de interesses existentes no

NRJOIC esgotam a regulação de todas as situações de conflitos de interesses que

existem no âmbito da gestão de FIM? – só pode ser negativa.

53

Sofia Leite Borges, “A Regulação Geral do Conflito de Interesses na DMIF”, in Cadernos do Mercado

de Valores Mobiliários, n.º 27, agosto, Comissão do Mercado de Valores Mobiliários, 2007, pág. 71.

Os diferentes níveis de regulação legal dos conflitos de interesses no âmbito da gestão de

Fundos de Investimento Mobiliário

44

Com efeito, também salientámos desde o início que a capacidade de exercício dos

participantes é quase nula, ou seja, a sua capacidade de reagir à violação dos seus

interesses é muito diminuta no âmbito das demais relações de investimento. Com efeito,

o regime específico do NRJOIC apenas poderá querer significar um acréscimo de

proteção e não uma sua diminuição ou substituição.

Atento o descrito no presente capítulo, somos forçados a concluir que o regime

específico dos conflitos de interesses constitui apenas o primeiro (e não único) nível de

regulação dos conflitos de interesses no âmbito da gestão de FIM.

Os diferentes níveis de regulação legal dos conflitos de interesses no âmbito da gestão de

Fundos de Investimento Mobiliário

45

CAPÍTULO III – O REGIME GERAL DOS CONFLITOS DE INTERESSES NO ÂMBITO DO

NOVO REGIME JURÍDICO DOS ORGANISMOS DE INVESTIMENTO COLETIVO

No âmbito da análise ao regime específico do NRJOIC concluiu-se que este não esgota

a regulação de todas as situações de conflitos de interesses verticais e horizontais.

Consciente de tal facto, e de que um regime específico, como é o regime específico do

NRJOIC, não consegue acompanhar a multiplicidade de situações de atuação em

conflito de interesses que podem surgir no dia-a-dia da gestão de um FIM, o legislador

optou por criar um segundo nível de regulação.

Além do exposto, a regulação de conflitos de interesses no âmbito da gestão de FIM

torna-se tanto mais urgente de análise quanto se verifica que as entidades gestoras estão

cada vez mais integradas em grupos de sociedades com interesses conflituantes “com

uma sã política de investimento do fundo e do exercício do direito de voto”, conforme

referido por António Pereira de Almeida.54

Efetivamente, conforme referido por Bruno Ferreira,55

56

a propósito da administração

de sociedades comerciais mas com aplicação à gestão de FIM e, mais concretamente, ao

54

António Pereira de Almeida, “O governo dos fundos de investimento”, in Direito dos Valores

Mobiliários, Vol. VIII, Instituto dos Valores Mobiliários, Lisboa, 2008, pág. 34.

55 Bruno Ferreira, “A Responsabilidade dos Administradores e os Deveres de Cuidado enquanto

Estratégias de Corporate Governance”, in Cadernos do Mercado de Valores mobiliários, n.º 30, agosto,

Comissão do Mercado de Valores Mobiliários, 2008, pág. 10.

56 Como bem faz notar Carlos Francisco Alves, Os Investidores Institucionais e o Governo das

Sociedades: disponibilidade, condicionantes e implicações, Almedina, Coimbra, 2005, “[o]s gestores de

fundos de pensões de empresas privadas, agem em nome de sociedades que têm interesses comerciais. Os

bancos têm outros interesses além da gestão de carteiras, uma vez que as empresas são, por exemplo,

fontes de depósitos e de crédito. As companhias de seguros também têm relações comerciais com as

empresas em cujas acções aplicam as suas carteiras. Os fundos de investimento são geridos por empresas

integradas em grupos que têm outros interesses. Existe, pois, a suspeição de que os investidores, por força

dos seus interesses comerciais (mesmo indirectos) possam optar por não confrontar as administrações, ou

por usar a sua influência para extrair benefícios privados em termos análogos aos grandes investidores

particulares.”

Os diferentes níveis de regulação legal dos conflitos de interesses no âmbito da gestão de

Fundos de Investimento Mobiliário

46

regime geral do NRJOIC “[a] utilização de padrões gerais de conduta (como os deveres

de cuidado e outros deveres fiduciários) torna-se necessária em situações em que não é

possível estabelecer à partida regras detalhadas sobre todas e quaisquer situações com

que se deparará a actuação dos administradores [das entidades gestoras]. Na medida em

que é impossível determinar o que é uma gestão com qualidade, estabelece-se esse

padrão geral de actuação qualitativa, de esforço.”.

Nessa medida, cumpre de seguida verificar de que forma o regime geral constante do

NRJOIC dá resposta (exaustiva) aos casos omissos de regulação pelo regime específico

do NRJOIC.57

O regime geral de regulação dos conflitos de interesses no âmbito da gestão de FIM é

constituído pelos arts. 14.º e 68.º, n.º 1 do NRJOIC58

, os quais dispõem que as entidades

gestoras agem de modo independente e no exclusivo interesse dos participantes.

Ao nível da estatuição ambas as normas são idênticas, i.e, em ambas as normas é

imposta uma atuação (i) de modo independente e (ii) no exclusivo interesse dos

participantes.

Contudo o art. 68.º, n.º 1 do NRJOIC é uma norma específica, aplicável às entidades

gestoras de OIC que assumem a forma de FIM, enquanto o art. 14.º é aplicável aos

casos de OIC que assumam a forma de SIM autogeridas. Deste modo, a nossa análise

terá por pressuposto a referenciação única ao art. 68.º, n.º 1 do NRJOIC.

A inserção sistemática do art 68.º, n.º 1 do NRJOIC no Título II, Capítulo I, Secção III

(das entidades relacionadas com os OIC, organização e exercício, disposições gerais)

permite concluir que o regime geral da regulação dos conflitos de interesses no âmbito

da gestão de FIM é alheio à diversidade de tipologias de fundos prevista pelo legislador.

Tal característica encontra-se naturalmente justificada atento o carácter geral (e, em

consequência, transversal) do regime sob análise.

57

Do ponto de vista metodológico, o ponto de partida para a análise do regime geral dos conflitos de

interesses no âmbito da gestão dos FIM é indissociável das conclusões alcançadas no capítulo precedente

(o regime específico da regulação dos conflitos de interesses no âmbito do NRJOIC) e pressupõe que a

metodologia traçada siga os critérios já delineados.

Os diferentes níveis de regulação legal dos conflitos de interesses no âmbito da gestão de

Fundos de Investimento Mobiliário

47

Concluindo-se que a tipologia de fundos não só não opera qualquer traço distintivo na

análise da regulação dos conflitos de interesses que ocorrem no âmbito da gestão de

FIM, como não nos dá qualquer resposta à forma como os mesmos devem ser

dirimidos, impõe-se como necessário verificar qual/quais a(s) fonte(s) de perigo que

constituem o regime geral e de que forma as mesmas contribuem para a determinação

dos diferentes níveis de regulação dos conflitos de interesses no âmbito da gestão de

FIM.

A este respeito e considerando a redação deste regime – que impõe às entidades gestoras

que atuem de modo independente e no exclusivo interesse dos participantes – é possível

concluir que o regime geral não se encontra estruturado em função de diversas fontes de

perigo, como sucedia no âmbito do regime específico.

Por esse mesmo motivo não conseguimos diferenciar, no âmbito da análise do regime

específico, fontes de perigo primárias e secundárias.

De facto, constata-se que no âmbito do regime geral do NRJOIC é indiferente se

estamos perante relações internas ou externas, se estas ocorrem no âmbito do

desempenho de funções societárias ou de fiscalização e/ou se a concretização das

condutas é executada por colaboradores com funções de decisão ou por membros do

órgão de administração da entidade gestora. Concluímos assim que, contrariamente ao

que se apurou no âmbito do regime específico, no âmbito do regime geral dos conflitos

de interesses constante do NRJOIC existe apenas uma fonte de perigo única – a gestão

de FIM59

– e que o critério de conduta imposto é indiferente à verificação de uma

situação de carácter interno ou externo à entidade gestora.

Nessa medida, é possível afirmar que a fonte de perigo do regime geral do NRJOIC é

uma fonte aberta em que é indiferente se estão em causa razões societárias, de clientela,

de administração, ou quaisquer outras e que, em consequência, é admissível equacionar

59

Conforme referido no âmbito da delimitação positiva e negativa da dissertação não serão abordados os

conflitos de interesses no âmbito da prestação de serviços pelo depositário, pelas entidades

comercializadoras e pelos auditores. Contudo não nos esquecemos que também sobre estes é imposto um

dever de atuação no exclusivo interesse dos participantes.

Os diferentes níveis de regulação legal dos conflitos de interesses no âmbito da gestão de

Fundos de Investimento Mobiliário

48

a sua aplicação no âmbito da regulação de situações de conflitos de interesses

preventivas ou reativas.

Do ponto de vista metodológico, a análise do regime geral do NRJOIC não está

concluída sem a identificação do tipo de condutas previstas.

No que respeita ao tipo de condutas que caracterizam o regime geral da regulação dos

conflitos de interesses no âmbito do NRJOIC e atenta a sua redação – “deve agir” –

conclui-se que o mesmo é identificado através de uma regulação injuntiva.

Verifica-se igualmente que estamos perante condutas de tipologia aberta – na medida

em que estas estão apenas definidas pelo bem jurídico “interesse dos participantes”

impondo-se às entidades gestoras que “ajam” de modo independente e no exclusivo

interesse dos participantes, sem existir, contudo, qualquer concretização pelo legislador

desse “dever agir” em função de condutas informativas, operacionais, organizacionais

ou patrimoniais. Efetivamente, conforme referido por Célia Reis60

“[a] primeira linha da

defesa do interesse dos participantes consiste no cumprimento das normas que o

legislador consagrou como reduto inviolável no exercício da actividade de gestão.”

De facto, de uma leitura mais pormenorizada do art. 68.º, n.º 1 do NRJOIC retira-se que

às entidades gestoras são impostas dois tipos de condutas cumulativas: a primeira é a de

que as mesmas devem agir de modo independente. A segunda, cumulativa com a

primeira, é a de que as entidades gestoras têm de atuar no exclusivo interesse dos

participantes.

No que diz respeito ao primeiro critério de atuação imposto às entidades gestoras – a

independência – este pode ser definido, nas palavras de Rui de Oliveira Neves61

, a

propósito dos administradores independentes das sociedades cotadas mas no nosso

entender com aplicação possível às entidades gestoras – mediante a verificação de dois

60

Célia Reis, “Comentário à Sentença do Tribunal de Pequena Instância Criminal de Lisboa de 14 de

fevereiro de 2002, 1.º Juízo, 2.ª Secção, Processo 632/01, – Fundos de Investimento Mobiliário”, in

Cadernos do Mercado de Valores Mobiliários, n.º 14, agosto, Comissão do Mercado de Valores

Mobiliários, 2002, pág. 161.

61 Rui de Oliveira Neves, “O Administrador Independente”, in Código das Sociedades Comerciais e

Governo das Sociedades, Almedina, Coimbra, 2008, pág. 169.

Os diferentes níveis de regulação legal dos conflitos de interesses no âmbito da gestão de

Fundos de Investimento Mobiliário

49

critérios cumulativos: “um requisito reveste uma dimensão subjetivo-relacional, que se

traduz na existência de uma relação que associe um administrador [entidade gestora] a

determinadas entidades, e uma dimensão subjectivo-qualificativa, que consiste no facto

de essas entidades a que o administrador [entidade gestora] surge associado deterem um

interesse específico na sociedade; o outro constitui um requisito de autonomia

subjectiva que respeita à existência de circunstâncias susceptíveis de afectar a isenção

de análise ou decisão.”62

No entanto, não se pretende com o exposto considerar que todas e quaisquer relações

com sociedades relacionadas com a entidade gestora determinam a caraterização da sua

atuação como não independente. Estão apenas aqui em causa as relações com

sociedades que, por estarem em relação de grupo com a entidade gestora, têm ou podem

ter influência nas suas decisões de gestão e, em decorrência, conseguem fazer

prevalecer interesses próprios em detrimento do exclusivo interesse dos participantes

dos fundos que as entidades gestoras têm sob a sua gestão.

Com efeito, embora o art. 68.º, n.º 1 do NRJOIC não contenha a cláusula de estilo típica

(“suscetível de”, “idóneo para”) apenas se pode acolher o entendimento de que estamos

perante uma norma de perigo abstrato-concreto. Não é possível considerar que estamos

perante uma norma de perigo abstrato puro na medida em que não são enunciadas as

condutas concretamente impostas/proibidas às entidades gestoras, nem mesmo de

perigo concreto atento o legislador não impor que num determinado caso concreto, para

se considerar que existe uma atuação em conflito de interesses, o bem jurídico tenha

sido posto em perigo. A conduta é assim definida por referência aos bens jurídicos

tutelados, no caso a independência e o exclusivo interesse dos participantes.

62

Também neste sentido Paula Costa e Silva, “O Administrador Independente”, in Direito dos Valores

Mobiliários, Vol.VI, Instituto dos Valores Mobiliários, Lisboa, 2006, pág. 420, “[a]dministrador

independente é o que não está associado a nenhum grupo de interesses específicos, sendo este tipo de

associação funcionalmente delimitado: está associado a um grupo de interesses específicos, não sendo

independente, o administrador que, em função daquela associação, não pode concorrer para a

maximização da prossecução do interesse da sociedade.”.

Os diferentes níveis de regulação legal dos conflitos de interesses no âmbito da gestão de

Fundos de Investimento Mobiliário

50

Atento o conteúdo da norma para que se considere que determinada atuação da entidade

gestora viola o disposto no art. 68.º, n.º 1 do NRJOIC bastará demonstrar que

determinada conduta pertence a um elenco implícito de atos que são definidos em

função dos bens jurídicos que se visam proteger, i.e, independência e o interesse

exclusivo dos participantes.

Assim, para que se possa afirmar que uma determinada entidade gestora não atuou de

modo independente nos termos do art. 68.º do NRJOIC bastará nomeadamente

demonstrar que esta, por se encontrar inserida num grupo societário, tem uma relação de

dependência executória ou de sujeição concreta a uma determinada sociedade do grupo.

Atente-se que se for possível verificar que a entidade gestora está a atuar no exclusivo

interesse dos participantes mas seguindo, por exemplo, ordens ou conselhos da

sociedade dominante – fenómeno aliás cada vez mais presente atenta a existência dos

grandes grupos societários e a problemática da imputação de direitos de voto à

sociedade dominante - tal é o bastante para se considerar violado o regime imposto pelo

art. 68.º, n.º 1 do NRJOIC.63

Consideramos assim que o legislador não facultou às entidades gestoras qualquer

possibilidade de estas, mediante critérios de oportunidade, poderem contornar o dever

de gestão independente imposto pelo art. 68.º, n.º 1 do NRJOIC.

Repare-se que o critério de um e outro princípio consagrados no art. 68.º, n.º 1 do

NRJOIC decorre do modo de exercício de poder (independência) e com a relação com

os interesses (exclusividade).

No que respeita ao segundo dever de atuação imposto pelo regime geral dos conflitos de

interesses no âmbito do NRJOIC – o dever de atuação no exclusivo interesse dos

participantes – entendemos, como já defendido por Maria João Romão Carreiro Vaz

63

Existem outros exemplos que podem preencher o âmbito de aplicação do art. 68.º, n.º 1 do NRJOIC:

Imagine-se o caso de uma entidade gestora que por pressão de um colaborador externo contrata os seus

serviços, mesmo no caso de estes não virem a revelar-se prejudiciais para o funcionamento da atividade

do fundo.

Os diferentes níveis de regulação legal dos conflitos de interesses no âmbito da gestão de

Fundos de Investimento Mobiliário

51

Tomé64

que o interesse dos participantes “(…) desempenha, fundamentalmente, duas

funções: ele constitui o critério de valoração da actividade de gestão (a qual apenas pode

ser considerada como correctamente desenvolvida quando se revele idónea para o

realizar) e, por outro lado, identifica o conteúdo da posição dos participantes

directamente tutelada pelo ordenamento jurídico. Este interesse é juridicamente

relevante quer numa perspectiva funcional, quer numa perspectiva substancial. De

acordo com a primeira, o interesse dos participantes constitui o critério de determinação

da conduta devida, existindo cumprimento apenas quando a actividade prestada pelo

devedor (sociedade gestora) se manifeste idónea para a manifestação do mesmo

interesse. Em conformidade com a segunda, o interesse dos participantes torna-se

objecto de tutela por parte do ordenamento jurídico. De facto, a eliminação de todos os

riscos estranhos àqueles que, segundo a lógica económica, devem ser os únicos a recair

sobre os aforradores-investidores, exige que a sociedade gestora aja de acordo com

critérios de experiência e competência técnica e que os serviços por ela prestados não

visem, nas circunstâncias concretas, interesses diversos daqueles dos participantes.”

Contudo, subsiste no nosso entender a dúvida do que se entenderá por “interesse” e se

as entidades gestoras deverão gerir no exclusivo interesse dos participantes,

individualmente considerados ou no interesse do FIM pertença dos participantes.

Conforme referido por António Menezes Cordeiro65

não deverá ser dissociada uma

realidade de outra, i.e., a entidade gestora servirá os participantes mas não enquanto

pessoas singulares, antes “enquanto partes que puseram a gestão dos seus valores num

modo colectivo de tutela e protecção”. De facto, conforme salientado pelo referido

Autor “[n]ão há nenhuma definição constitucional ou legal de “interesse. (…) Em

sentido subjectivo, o interesse traduz uma relação de apetência entre o sujeito

considerado e as realidades que ele entenda aptas para satisfazer as suas necessidades ou

os seus desejos. Em sentido objectivo, o interesse traduz a relação entre o sujeito com

64

Maria João Romão Carreiro Vaz Tomé, Os Fundos de Investimento Mobiliário Abertos, Almedina,

Coimbra, 1997, págs. 59 e 60.

65 António Menezes Cordeiro, “Os deveres fundamentais dos administradores das sociedades”, in Revista

da Ordem dos Advogados, Ano 2006, 66, Vol. II, setembro, pág. 7.

Os diferentes níveis de regulação legal dos conflitos de interesses no âmbito da gestão de

Fundos de Investimento Mobiliário

52

necessidades e os bens aptos a satisfazê-las. Eis o problema: se revela o interesse

subjectivo, caberá ao próprio “interessado” defini-lo; o Direito apenas fixará limites às

actuações resultantes das opções que ele faça. Se predominar o interesse objectivo, terá

de haver alguém exterior que o defina. Tal definição não poderá ser arbitrária — ou

saímos do Direito. Quer isso dizer que a explicitação do interesse objectivo deverá ser

feita por normas de conduta, dirigidas ao sujeito. (…) e o administrador serve a

sociedade ou os sócios? O administrador servirá, pois, os sócios. Mas não enquanto

pessoas singulares: antes enquanto partes que puseram a gestão dos seus valores num

modo colectivo de tutela e protecção.”

Deste modo, conclui-se que a imposição de um critério de atuação que dispõe que as

entidades gestoras devem agir no exclusivo interesse dos participantes vai muito além

da imposição de uma mera execução diligente da prestação gestória.

É indubitável que, ao abrigo do disposto na cláusula geral do NRJOIC, os participantes

têm direito a uma gestão do fundo em que seja adotado um elevado grau de diligência e

que tal atuação seja conforme à Lei e ao regulamento de gestão, sendo o

desenvolvimento da atividade de gestão dos FIM desenvolvido com referência à atuação

de um gestor criterioso e ordenado. Como referido por Pedro Caetano Nunes66

,

“[v]oltando à bitola civilística do bom pai de família, temos que a diligência imposta ao

devedor não se afere pelas suas capacidades e conhecimentos pessoais, mas sim pelas

exigências do tráfico. Releva o cuidado exigível para a atividade em causa. Tratar-se-á,

frequentemente, do cuidado exigível em determinada atividade profissional.”67

68

66

Pedro Caetano Nunes, Dever de Gestão dos Administradores de Sociedades Anónimas, Almedina,

Coimbra, 2012, pág. 480. Neste sentido também Adriano Vaz Serra, “Culpa do devedor ou do agente”, in

BMJ, n.º 68, 1957, 1-149 e Manuel Carneiro da Frada, Teoria da Confiança e Responsabilidade Civil,

Coimbra, Almedina, 2004.

67 No entender de Maria João Romão Carreiro Vaz Tomé, Fundos de Investimento Mobiliário Abertos,

Almedina, Coimbra, 1997, pág. 58 “[a] obrigação de gestão assumida pela sociedade gestora considera-se

cumprida quando esta tenha actuado diligentemente de modo a alcançar o resultado, quando tenha

empregado um certo esforço com vista ao interesse dos credores, e não quando haja efectivamente obtido

tal resultado. Ao mesmo tempo que realiza o cumprimento devido, o cumprimento pode ou não assegurar

a satisfação do interesse do credor.”

Os diferentes níveis de regulação legal dos conflitos de interesses no âmbito da gestão de

Fundos de Investimento Mobiliário

53

Neste sentido, pronunciou-se igualmente o Tribunal de Pequena Instância Criminal de

Lisboa, em sentença de 14 de fevereiro de 2002,69

na qual é referido que “o padrão de

diligência exigido não é o do bonus pater familias, mas o previsto no novo CVM e no

DL dos fundos de investimento mobiliário que fornecem o seu próprio padrão de

diligência, sintetizando, que as entidades gestoras de fundos de investimento mobiliário,

como a recorrente, devem actuar no interesse exclusivo dos participantes, competindo-

lhes em geral a prática de todos os actos e operações necessárias ou convenientes à boa

administração do fundo, de acordo com critérios de elevada diligência e competência

profissional. Este é seguramente um parâmetro mais elevado do que o que resultaria das

regras gerais do Código Civil.” (no mesmo sentido, Gonçalo Castilho dos Santos70

).

Neste sentido parecem também apontar os arts. 68.º, n.º 4 e 69.º do NRJOIC. No âmbito

do art. 69.º é nomeadamente exigido à entidade gestora que adote um elevado grau de

diligência na seleção e no acompanhamento contínuo dos investimentos, no interesse

dos participantes dos OIC que gere e da integridade do mercado.

Não pretendemos com o exposto afirmar que no âmbito do regime geral dos conflitos de

interesses constante do NRJOIC a gestão de FIM implica uma obrigação de resultado.

Todavia, a obrigação de meios que é imposta às entidades gestoras só se encontra

cumprida no âmbito da gestão coletiva de ativos se os interesses dos participantes forem

exclusivamente cumpridos. É nesta medida que é possível afirmar que a gestão de FIM

não é um poder livre – a sua atuação está limitada pelo disposto no NRJOIC, nos

68

Não nos parece correto importar tout court para a gestão de FIM as regras do CSC aplicáveis aos

administradores das sociedades comerciais. Como referido por “[o]s fundos não constituem sociedades,

porquanto estão permanentemente abertos à subscrição de novos participantes, podendo qualquer pessoa,

a todo o tempo, investir neles os seus capitais. Salvo as cooperativas, as sociedades devem constituir-se

com um número limitado de sócios. Acresce que, em princípio, ressalvada a hipótese de aumento de

capital social ter lugar mediante a alteração dos respectivos estatutos, não é possível o acesso de novos

sócios sem a saída de outros, ou sem a correspondente limitação das participações de todos ou de alguns

dos sócios fundadores.”

69 1.º Juízo, 2.ª Seção, Processo n.º 632/01.

70 Gonçalo André Castilho dos Santos, “A Responsabilidade Civil do Intermediário Financeiro perante o

Cliente”, Almedina, Coimbra, 2008, pág. 81

Os diferentes níveis de regulação legal dos conflitos de interesses no âmbito da gestão de

Fundos de Investimento Mobiliário

54

regulamentos da CMVM aplicáveis aos OIC, no regulamento de gestão71

e pela

celebração do contrato de administração com os participantes. Conforme referido por

Maria João Romão Carreiro Vaz Tomé,72

“[a] sociedade não pode exercer ou não

exercer o referido poder segundo um juízo próprio e arbitrário, sendo antes obrigada a

exercê-lo de molde a cumprir a função gestória que lhe é confiada. Estamos, pois, na

presença de um poder-dever73

, ou seja, de uma função e não de um verdadeiro e próprio

direito subjectivo.”.

Assiste-se, assim, neste regime à imposição de uma política de conduta diferente da que

atravessa toda a área da intermediação financeira. Dito isto, para que às entidades

gestoras não possa ser assacada responsabilidade civil e contraordenacional não é

necessária a demonstração da prevalência dos interesses dos participantes. Terá sempre

de se verificar que a atuação da entidade gestora foi desenvolvida no exclusivo interesse

dos participantes. Ambos os princípios são de cotejo de interesses, contudo, no caso da

prevalência de interesses admite-se um sacrifício do interesse do cliente desde que

manifestamente compensado pelos seus benefícios, enquanto que no caso da atuação no

exclusivo interesse dos participantes não é admitida sequer a verificação de qualquer

sacrifício ao nível dos interesses dos participantes.

Ora, é exatamente por se estar perante um regime com as especificidades que elencámos

que é possível afirmar que, no âmbito do art. 68.º, n.º 1 do NRJOIC, estamos perante

uma norma de perigo abstrato-concreto, ou, noutra terminologia, uma norma de aptidão.

71

Conforme referido por Paulo Câmara, “Os Fundos de Investimento”, in Estudos em Homenagem ao

Professor Doutor Carlos Ferreira de Almeida, Vol. I, Almedina, Coimbra, 2011, pág. 637, o regulamento

de gestão “(…) representa o instrumento contratual que conforma adicionalmente o âmbito de actuação

devida pela sociedade gestora e que delimita a política de investimentos a ser prosseguida, na margem

permitida pela lei.”.

72 Maria João Romão Carreiro Vaz Tomé, Os Fundos de Investimento Mobiliário Abertos, Almedina,

Coimbra, 1997, pág. 64.

73 Para mais desenvolvimentos sobre a caraterização do que se entende por um poder-dever, vide, Pedro

Caetano Nunes, Dever de Gestão dos Administradores de Sociedades Anónimas, Almedina, Coimbra,

2012, pág. 113 a 115.

Os diferentes níveis de regulação legal dos conflitos de interesses no âmbito da gestão de

Fundos de Investimento Mobiliário

55

Atento o regime descrito e o tipo de deveres a que as entidades gestoras se encontram

adstritas a doutrina tende a considerar que a relação que se estabelece entre a sociedade

gestora e os participantes é uma relação fiduciária.74

Consideramos, juntamente com

Pedro Caetano Nunes, que a figura da fidúcia está relacionada com o dever de diligência

e a delimitação deste relativamente ao dever de lealdade. Nas palavras do já referido

Autor75

, a propósito dos administradores das sociedades comerciais mas no nosso

entender aplicável às entidades gestoras de FIM, “[o] contrato de administração convoca

a ideia de desproproção entre meios e fins, envolvendo problemas de abuso de poder.

Integra-se na categoria dogmática dos negócios jurídicos fiduciários em sentido amplo

(treuhänderisches Rechtsgeschäften im weiteren Sinne, fiduciary relations). Insere-se

na tradição românica do mandato. Creio que a apontada desproporção entre meios e fins

e a possibilidade de abusos de poder apenas reclamam um dever de lealdade (ou de

fidelidade) particularmente intenso, que sancione precisamente tais abusos de poder.

(...) Defendo a autonomia entre o dever de gestão e o dever de lealdade. Afasto-me da

perspetiva de que o fundamento do dever de lealdade dos administradores reside

necessariamente na existência de uma relação de confiança. Não apenas por duvidar da

frequente ocorrência de relações pessoais de confiança no âmbito das sociedades

74

Paulo Câmara, “Os Fundos de Investimento”, in Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Carlos

Ferreira de Almeida, Vol. I, Almedina, Coimbra, 2011, pág. 636, para autores como Paulo Câmara, esses

deveres fiduciários que caracterizam a relação entidade gestora/participantes dividem-se em deveres de

cuidado na gestão dos fundos e em deveres de lealdade na defesa impostergável dos interesses dos

participantes.; Gabriela Figueiredo Dias, “Constituição de Fundos de Investimento Mobiliário (OICVM)”,

in Separata de Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Manuel Henrique Mesquita (Organização: Diogo

Leite de Campos), Vol. I, Boletim da Faculdade de Direito, Stvdia Ivridica 95, Ad Honorem – 4, Coimbra

Editora, Coimbra, 2010, pág. 682; Fernando Nunes Silva, “Governação de Organismos de Investimento

Colectivo, Análise Crítica do Modelo Vigente em Portugal, in Cadernos do Mercado de Valores

Mobiliários, n.º 30, agosto, Comissão do Mercado de Valores Mobiliários, 2008, pág. 72; Paula Costa e

Silva, Organismos de Investimento Colectivo e Imputação de Direitos de Voto, Cadernos do Mercado de

Valores Mobiliários, n.º 26, abril, Comissão do Mercado de Valores Mobiliários, 2007, pág. 73.

75 Pedro Caetano Nunes, Dever de Gestão dos Administradores de Sociedades Anónimas, Almedina,

Coimbra, 2012, pág. 523 a 529.

Os diferentes níveis de regulação legal dos conflitos de interesses no âmbito da gestão de

Fundos de Investimento Mobiliário

56

anónimas [no FIM], mas sobretudo por dificuldades gerais de fundamentação da

lealdade na confiança.”. 76

Também neste sentido propugna Fernando Nunes Silva77

, ao

referir que “[o] operador do OIC é mandatado pelos respectivos participantes, mediante

o acto de subscrição de participações do OIC, para assegurar a administração do mesmo

em representação dos participantes. A relação que assim se estabelece entre operador e

participantes, deve sujeitar o primeiro à observância de um dever fiduciário de

76

No âmbito do Direito norte-americano o conteúdo da obrigação fiduciária existente entre a sociedade

gestora e os participantes encontra-se ligado a deveres de lealdade. Para Ana Cristina Gómez Pérez,

Análisis Comparado sobre el Régimen de Gobierno de los Fondos de Inversión Colectiva en Estados

Unidos y España, Revista de Derecho Bancario y Bursátil, Ano 127, julio-septiembre, 2012, pág [x] “[e]n

Estados Unidos, el concepto se desarrolla primero por la doctrina del equity y, posteriormente, por el

derecho positivo con dos grandes grupos de deberes: cuidado y lealtad. Sobre el primero se destacan la

expresiones del Juez Cardozo, que exigen actuar con el más »puntilloso honor del mercado». Este

concepto definido como justicia fraternal es mucho más estricto que el hombre de negocios prudente y

razonable (…). El trustee está obligado a observar una conducta de lealtad absoluta sobre los intereses de

los beneficiarios, que excluye su actuación del ámbito de aplicación de defensas como la de juicio

comercial. En tanto al deber de lealtad, incluye la obligación de evitar el potencial conflicto de intereses

recogido en un código de conducta aplicable a los gestores con normas que exigen que nunca se ofrezca

un tratamiento preferencial de un cliente frente a otro; el deber de confidencialidad evitando prácticas

como la del insider trading; el deber de tomar posesión, preservar y proteger la propiedad del trust; y el

deber de no delegar las responsabilidades del trust, entre otros.”». Para um maior desenvolvimento sobre

a caraterização do dever de lealdade como um dever de fidúcia vide Pedro Caetano Nunes, Jurisprudência

Sobre o Dever de Lealdade dos Administradores”, in II Congresso do Direito das Sociedades em Revista,

Almedina, Coimbra, 2012 e Dever de Gestão dos Administradores de Sociedades Anónimas, Almedina,

Coimbra, 2012 e Manuel Carneiro da Frada, Teoria da Confiança e Responsabilidade Civil, Coimbra,

Almedina, 2004.

77 Para Fernando Nunes Silva, Governação de Organismos de Investimento Colectivo: análise crítica do

modelo vigente em Portugal, in Cadernos do Mercado de Valores Mobiliários, n.º 21, agosto, Comissão

do Mercado de Valores Mobiliários, 2005, pág. 72, “[o] operador do OIC é mandatado pelos respectivos

participantes, mediante o acto de subscrição de participações do OIC, para assegurar a administração do

mesmo em representação dos participantes. A relação que assim se estabelece entre operador e

participantes, deve sujeitar o primeiro à observância de um dever fiduciário de prossecução do exclusivo

e melhor interesse dos participantes, por contraposição aos interesses de terceiros e do próprio operador.”.

Os diferentes níveis de regulação legal dos conflitos de interesses no âmbito da gestão de

Fundos de Investimento Mobiliário

57

prossecução do exclusivo e melhor interesse dos participantes, por contraposição aos

interesses de terceiros e do próprio operador.”

O que poderá ainda ser suscitado é qual o fundamento para a caracterização da relação

fiduciária que se estabelece entre a entidade gestora e os participantes. Consideramos

que são também aqui aplicáveis as palavras de Pedro Caetano Nunes78

a propósito dos

administradores das sociedades comerciais, “(...) a confiança, a atribuição de poderes

jurídicos e o compromisso negocial de atuação no interesse de outrem constituem meros

tópicos de argumentação na tarefa de concretização normativa da cláusula-geral de

lealdade (isto é, na tarefa de receção de normas éticas pelos juízes) e, por outro lado,

que podem ser apontados outros tópicos de argumentação.”79

A regulação do regime geral dos conflitos de interesses no âmbito da gestão de FIM é,

porém, circunscrita aos conflitos de interesses verticais, i.e., aos conflitos de interesses

que se suscitam entre a entidade gestora e os participantes de um determinado FIM,

permitindo, contudo, diferentemente do que sucedia no âmbito do regime específico do

NRJOIC regular situações em que estejam em conflito interesses dos participantes, da

entidade gestora e de terceiros que se relacionam com esta.

O art. 68.º, n.º 1 do NRJOIC constitui consequentemente um avanço ao nível da

regulação dos conflitos de interesses, por se considerar que tem um campo de aplicação

próprio que não é ocupado pelo regime específico do NRJOIC. Tal constatação implica

necessariamente a conclusão de que o art. 68.º, n.º 1 do NRJOIC se aplica

78

Conforme referido por Pedro Caetano Nunes, “Jurisprudência Sobre o Dever de Lealdade dos

Administradores”, in II Congresso do Direito das Sociedades em Revista, Almedina, Coimbra, 2012, pág.

189.

79 No nosso entender não fará aqui sentido suscitar-se uma questão de tutela da confiança. Em sentido

contrário, Gonçalo Castilho dos Santos, “A Responsabilidade Civil do Intermediário Financeiro perante o

Cliente”, Almedina, Coimbra, 2008, pág 176.”(…) a doutrina e a jurisprudência nacionais têm acolhido a

via da tutela da confiança em termos consideravelmente amplos o que, em geral, cumpre aplaudir. A esse

propósito, a cláusula da culpa in contrahendo (artigo 227.º do CC) ou do abuso de direito (artigo 334.º do

CC) desempenham funções (quase) matriciais, suportadas na boa fé e nas suas múltiplas concretizações

valorativas.” Consideramos contudo que a densificação dogmática destes conceitos não estão incluídos no

âmbito da presente dissertação.

Os diferentes níveis de regulação legal dos conflitos de interesses no âmbito da gestão de

Fundos de Investimento Mobiliário

58

exclusivamente às entidades gestoras enquanto tal, i.e., às entidades gestoras que apenas

exercem a gestão coletiva de ativos e quando tal sucede apenas em relação a um FIM.

Um regime geral com estas características determina necessariamente que sejam em

absoluto desconsideradas as situações em que sejam colocados em confronto interesses

de terceiros, salvo quando está em causa o cumprimento de obrigações legais ou

contratuais legalmente estatuídas, como por exemplo o pagamento de dívidas.

Exemplos destes casos serão todos aqueles em que conflituam com os interesses dos

participantes, interesses de terceiros, como por exemplo interesses de fornecedores ou

de colaboradores.

Atento o carácter aberto da fonte de perigo e do tipo de conduta que caracteriza o

regime geral da regulação pelo regime geral do NRJOIC dos conflitos de interesses que

surgem no âmbito da gestão de FIM, suscita-se a questão de saber se com um regime

geral com estas características o legislador terá conseguido dar igualmente resposta a

todos os casos de conflitos de interesses horizontais que o regime específico não

conseguiu resolver. A resposta a esta questão só poderá ser em sentido negativo. Não

deverá ser esquecido que, conforme já referido, o regime geral do NRJOIC aplica-se

exclusivamente às entidades gestoras que exercem a gestão coletiva de ativos.

Note-se que o regime geral sob análise encontra-se numa regulação especial,

especificamente direcionada para a natureza dos OIC e tendencialmente alheia, no que

diz respeito à regulação dos conflitos de interesses, ao facto de as entidades gestoras

serem simultaneamente intermediários financeiros que prestam outras atividades de

intermediação financeira além da gestão coletiva de ativos e de, em consequência, ser

necessário acomodar a existência de interesses de “outros clientes” com interesses dos

participantes do FIM que gere.

Não consideramos assim excessiva a conclusão de que o NRJOIC impõe às entidades

gestoras uma gestão indiferente quanto a outros interesses que não os dos participantes

de um FIM.

Veja-se que apenas no âmbito do regime específico do NRJOIC estão equacionadas

soluções para a resolução de conflito de interesses horizontais, ainda que de forma não

exaustiva, como sucede nos casos de tratamento equitativo dos participantes dos

Os diferentes níveis de regulação legal dos conflitos de interesses no âmbito da gestão de

Fundos de Investimento Mobiliário

59

diversos OIC, previsto no art. 68.º, n.º 2 do NRJOIC e como os casos de agregação e

afetação de ordens, previsto no art. 74.º do NRJOIC.80

Nesses casos, o legislador

considerou que os interesses dos participantes de um determinado FIM não poderiam

ser sobrepostos cegamente aos interesses dos outros clientes da sociedade gestora. Tal

preocupação foi concretizada, ao nível do art. 68.º, n.º 2 do NRJOIC ao impor um

tratamento equitativo entre os diversos participantes e ao nível do art. 74.º do NRJOIC

ao determinar-se que, por regra, não é permitida a agregação da execução de uma ordem

de um OIC a uma ordem de outro OIC ou de outro cliente ou a uma ordem realizada por

conta própria pela entidade gestora, exceto quando: (i) seja pouco provável que a

agregação de ordens resulte, em termos globais, num prejuízo para qualquer OIC ou

cliente cuja ordem se pretenda agregar e (ii) seja adotada uma política de afetação das

ordens que proporcione uma afetação equitativa das ordens agregadas, incluindo o

modo como o volume e o preço das ordens determinam a afetação e o tratamento das

execuções parciais.

Em todas as restantes situações que possam surgir no âmbito do normal funcionamento

dos FIM – e que são bem mais extensas que a agregação e afetação de ordens – o

NRJOIC tem como característica não impor uma composição de interesses.

Concluindo, considerar que o NRJOIC, mais concretamente o regime geral da regulação

dos conflitos de interesses, esgota toda a problemática dos conflitos de interesses que

surgem no âmbito da gestão de FIM significaria considerar que o legislador não tutelava

os interesses dos outros clientes da entidade gestora, que é também um intermediário

financeiro e que presta outras as atividades de intermediação financeira.

Parece-nos assim necessário argumentar no sentido de considerar que existe um

caminho aberto à conclusão de que o NRJOIC e a existência de dois níveis de regulação

80

As referidas exceções não são incompatíveis com o facto de se considerar que o NRJOIC impõe às

entidades gestoras uma gestão indiferente quanto a outros interesses que não os dos participantes de um

FIM – veja-se que esta suposta indiferença tem dois fundamentos materiais. É natural que a preocupação

do legislador no NRJOIC seja ao nível dos interesses dos participantes dos FIM (esta suposta

inconsistência deixa de o ser exatamente porque existe o CdVM) e, além disso, está também aqui em

causa uma questão de regulação de norma especial versus norma geral.

Os diferentes níveis de regulação legal dos conflitos de interesses no âmbito da gestão de

Fundos de Investimento Mobiliário

60

dos conflitos de interesses que surgem no âmbito da gestão dos FIM – regime específico

e o regime geral – não excluem a necessidade de encontrar noutro diploma – o CdVM –

um terceiro nível de regulação dos conflitos de interesses que surgem no âmbito da

gestão de FIM.

Os diferentes níveis de regulação legal dos conflitos de interesses no âmbito da gestão de

Fundos de Investimento Mobiliário

61

CAPÍTULO IV – O REGIME GERAL DOS CONFLITOS DE INTERESSES NO ÂMBITO DO

CÓDIGO DOS VALORES MOBILIÁRIOS E A SUA APLICABILIDADE AOS FUNDOS DE

INVESTIMENTO MOBILIÁRIO

1. OS PRINCÍPIOS GERAIS DE REGULAÇÃO DOS CONFLITOS DE INTERESSES NO

ÂMBITO DO CÓDIGO DOS VALORES MOBILIÁRIOS

O regime jurídico dos conflitos de interesses constante do CdVM é constituído pelos

arts. 309.º a 309.º-G, 310.º, 312.º, n.º 1, alínea c), 312.º-C, n.º 1, alínea h), 313.º, 328.º-

A, 328.º-B, 346.º e 347.º, do CdVM e, ainda que de forma mais colateral, pelos arts.

12.º-D, n.º 2, 21.º-A, n.º 1, alínea b), 314.º-D, nº 1, alínea d) e 321.º, n.º 5 do CdVM.

Apesar de o art. 304.º do CdVM não se encontrar inserido no âmbito das disposições

diretamente aplicáveis à regulação de situações de conflitos de interesses81

consideramos que este funciona como critério orientador da concretização dos arts. que

constituem o núcleo duro dos conflitos de interesses no âmbito do CdVM, exigindo que

no âmbito da atividade dos intermediários financeiros sejam observados os ditames da

boa fé, de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência orientada

no sentido da proteção dos legítimos interesses dos seus clientes e da eficiência do

mercado.

Do elenco identificado de normas que constituem o regime jurídico dos conflitos de

interesses no âmbito do CdVM destacam-se: 82

81

O conceito de interesses do intermediário financeiro deve ser entendido de forma ampla, abrangendo,

nos termos do art. 309.º, n.º 3, quer os seus próprios interesses, quer os interesses de sociedades com as

quais se encontra em relação de domínio ou de grupo, quer os interesses dos titulares dos seus órgãos

sociais ou dos agentes vinculados e dos colaboradores de ambos.

82 Para Sofia Borges Leite, “O Conflito de Interesses na Intermediação Financeira, Um balanço a partir da

crise financeira”, in Conflito de Interesses no Direito Societário e Financeiro, Almedina, Coimbra, 2010,

pág. 353 “[o]s deveres que compõem a disciplina do conflito de interesses no Cód.VM (…) podem

subdividir-se em deveres de conduta e deveres de organização.”

Os diferentes níveis de regulação legal dos conflitos de interesses no âmbito da gestão de

Fundos de Investimento Mobiliário

62

i. Normas de carácter organizativo, as quais são exemplificativas de que a

estruturação e organização internas dos intermediários financeiros tem

influência, desde logo, como meio de evitar conflitos de interesses - arts. 309.º,

n.º 1, 1.ª parte, 309.º-A, 309.º-B, 309.º-C, 309.º-E e 309.º-G 83

;

ii. Normas de carácter operacional, demonstrativas de que o legislador, atenta a

dimensão do mercado financeiro e dos seus operadores, reconhece ser

impossível abolir por absoluto as situações de conflitos de interesses do âmbito

da atividade dos intermediários financeiros e da qual são exemplos os arts. 21.º-

A, n.º 1, alínea b), 309.º, n.º 1, 2.ª parte, 309.º, n.º 2, 309.º, n.º 3, 309.º, n.º 4,

309.º-D, 313.º, 314.º-D, n.º 1, alínea d), 321.º, n.º 5, 328.º-A, 328.º-B, 346.º,

347.º; e

iii. Normas de carácter informativo, que visam diminuir a assimetria de

conhecimento que existe entre investidores (especialmente os não qualificados)

e os intermediários financeiros. De facto, conforme referido por Ana Cristina

Reis Cerveira84

,“[a] extensão da informação à estrutura empresarial e

organizativa do intermediário financeiro está directamente relacionada com o

disposto no art. 309.º do Cod.VM (…).”. Esse dever de evitar os conflitos de

interesses é assim determinante da própria estrutura interna do intermediário

financeiro que presta nas atividades de investimento e da qual são exemplos os

arts. 12.º-D, n.º 2, 309.º-E, n.º 3, 312.º, n.º 1, alínea c), 312.º-C, n.º 1, alínea h).

Nos termos do art. 304.º, n.º 5 e 401.º, n.º 2 do CdVM, o referido regime, bem como os

deveres daí decorrentes são exigidos em primeira linha aos intermediários financeiros,

mas também, aos titulares do órgão de administração, às pessoas que dirigem

efetivamente a atividade do intermediário financeiro ou do agente vinculado e aos

colaboradores do intermediário financeiro, do agente vinculado ou de entidades

subcontratadas, envolvidos no exercício ou fiscalização de atividades de intermediação

84 Ana Cristina Reis Cerveira, Deveres e Responsabilidades dos Intermediários Financeiros, Edição do

Autor, Lisboa, trabalho candidato ao prémio CMVM, 2000, pág. 37.

Os diferentes níveis de regulação legal dos conflitos de interesses no âmbito da gestão de

Fundos de Investimento Mobiliário

63

financeira ou de funções operacionais que sejam essenciais à prestação de atividades de

forma contínua e em condições de qualidade e eficiência.

No âmbito da análise dos deveres de conduta mencionados verificamos que a primeira

regra constante do regime do CdVM impõe aos intermediários financeiros a atuação de

modo a evitar ou a reduzir ao mínimo o risco da ocorrência de conflitos de interesses

(art. 309.º, n.º 1, 1.ª parte). Da referida norma retira-se que o legislador quis desde logo

assegurar um carácter preventivo ao nível da verificação de situações de conflitos de

interesses, configurando, contudo, que apenas numa perspetiva utópica tal bastaria para

evitar a ocorrência dos mesmos e das consequências que os mesmos importam.

Para esse efeito, o legislador estabeleceu uma segunda etapa de atuação (309.º, n.º 1, 2.ª

parte), assumindo que, nos casos em que não seja possível evitar a ocorrência de

situações de conflitos de interesses, os intermediários financeiros devem atuar de modo

a reduzir ao mínimo a sua verificação.

Atente-se que tal opção legislativa implica um reconhecimento pelo legislador de que

num mercado com a dimensão do mercado financeiro seria impossível vedar, em

absoluto, a atuação dos intermediários financeiros sempre que se suscitasse a

possibilidade de se verificar uma situação de conflito de interesses entre os diversos

agentes atuantes no mercado.

Esta opção do legislador encontra semelhante tratamento a nível internacional. Veja-se a

título exemplificativo que na doutrina italiana a tendência vedativa do legislador

também foi abandonada. Neste sentido, Lener Raffaele, 85

“[l]a soluzione più drastica, se

si vuole più ovvia, sarebbe quella di vietare all Intermediario di agiri per conto del

cliente in simili ipotisi. (...) A partire dagli anni novanta, peró, il legislatore italiano ha

fatto una scelta, direi irreversibile, di segno opposto: non più divieti, ma controlli e

regole organizzative.”.

85

Raffaele Lener, Il conflitto di interessi nelle gestioni di patrimoni individuali e collettive, Banca borsa

titoli di credito, Rivista Bimestrale Di Doutrina e Guirisprudenza, Vol. LX – Nuova Serie – luglio –

agosto, 2007, pág. 431 e 432.

Os diferentes níveis de regulação legal dos conflitos de interesses no âmbito da gestão de

Fundos de Investimento Mobiliário

64

Consciente desta realidade, a restante regulação dos conflitos de interesses ao nível do

CdVM é feita no pressuposto de que é impossível assegurar que não são verificadas

quaisquer situações de existência de conflitos de interesses. Deste modo, as normas que

compõem o regime jurídico dos conflitos de interesses no âmbito do CdVM não são

normas absolutamente proibitivas, mas sim de regulação, de definição de critérios de

atuação. Nessa medida, o regime jurídico do CdVM prossegue a regulação dos conflitos

de interesses no art. 309.º, n.º 2 do CdVM, o qual impõe aos intermediários financeiros

que estes ajam por forma a assegurar aos seus clientes um tratamento transparente e

equitativo. Porém, o legislador deixou por concretizar tais conceitos.

Como contributo para tal concretização refira-se que uma atuação transparente por parte

de um intermediário financeiro está intrinsecamente ligada a um dever efetivo de

informação86

em todas as vertentes da prestação do serviço de intermediação financeira,

desde logo ao nível da identificação aos clientes de situações que possam ser geradoras

de potenciais conflitos de interesses. Contudo, essa informação a prestar ao cliente

deverá ser precisa e útil sob pena de não cumprir as finalidades que visa prosseguir.

Conforme referido pela doutrina italiana Lener Raffaele 87

“[è] infatti necessario, da un

lato, limitare i divieti al minimo (portuttavia mantenendo divieti e obblighi di

astensione, come vedremo, per le fattispecie di conflitti non gestibili), e, dall’ altro,

introdurre oneri di informazione selettiva e “intelligente”, che distinguano fra “conflitti”

autorizzabili ex ante e “conflitti” necessitanti di autorizzazione ad hoc, in una con regole

organizzative evitarli, che siano assicurate ai cliente trasparenza e un trattamento

equo.”.

86

Daí se considerar que os arts. 12.º-D, n.º 2, 21.º-A, n.º 1, alínea b), 314.º-D, nº 1, alínea d) e 321.º, n.º 5

312.º, n.º 1, alínea c), 312.º-C, n.º 1, alínea h) também integram o regime dos conflitos de interesses no

CdVM.

87 Raffaele Lener, Il conflitto di interessi nelle gestioni di patrimoni individuali e collettive, Banca borsa

titoli di credito, Rivista Bimestrale Di Doutrina e Guirisprudenza, Vol. LX – Nuova Serie – luglio –

agosto, 2007, pág. 433.

Os diferentes níveis de regulação legal dos conflitos de interesses no âmbito da gestão de

Fundos de Investimento Mobiliário

65

Também a jurisprudência nacional já se pronunciou a este propósito. O Tribunal de

Pequena Instância Criminal de Lisboa, em sentença de 14 de fevereiro de 200288

, refere

que “[u]m dos objectivos centrais do sistema de regulação existente no Código dos

Valores Mobiliários é o de fazer observar padrões elevados de integridade,

transparência, e competência pelos profissionais do mercado, o que significa que as

empresas cuja actividade é precisamente gerir fundos mobiliários (...) devem respeitar,

na relação profissional com o cliente, certas regras de conduta profissional, a saber, uma

actuação diligente, honesta, informando adequadamente o cliente, pondo os

interesses deste em primeiro lugar (...).” (destacado nosso).

Também a doutrina nacional fornece algumas pistas do que podemos considerar um

tratamento transparente e equitativo. Assim, Ana Cristina Reis Cerveira89

refere que

“[e]mbora a lei não defina, deve entender-se como (...) transparente o procedimento

visível e entendível, ou seja, não discriminatório.” Sofia Leite Borges90

considera que

“[o] dever de assegurar aos clientes um tratamento transparente deve ser entendido

como um dever geral de informação. (…) O sentido da imposição do dever de

transparência é o de assegurar a actuação esclarecida do cliente, garantindo que este

esteja na posse de todos os dados necessários para avaliar a situação de conflito

existente bem como o perigo que esta representa em termos de lesão dos seus

interesses.” 91

.

88

1.º Juízo, 2.ª Secção, Processo 632/01, pág. 30.

89 Ana Cristina Reis Cerveira, Deveres e Responsabilidades dos Intermediários Financeiros, Deveres e

Responsabilidade dos Intermediários Financeiros, Edição do autor, Trabalho candidato ao prémio

CMVM, 2001, pág. 43.

90 Sofia Leite Borges, “O Conflito de Interesses na Intermediação Financeira”, in O Conflito de

Interesses no Direito Societário e Financeiro, Um Balanço a Partir da Crise Financeira, Almedina,

Coimbra, 2010, págs. 355 e 356.

91 Daí que a Autora, “O Conflito de Interesses na Intermediação Financeira”, in O Conflito de Interesses

no Direito Societário e Financeiro, Um Balanço a Partir da Crise Financeira, Almedina, Coimbra, 2010,

pág 394, considere que “[n]os termos do artigo 304.º-A, n.º 2 do Cód. Vm, a actuação culposa do

intermediário presumem-se quando o dano seja causado no âmbito de relações contratuais ou pré-

contratuais e, em qualquer caso, quando seja originado pela violação de deveres de informação, o que

Os diferentes níveis de regulação legal dos conflitos de interesses no âmbito da gestão de

Fundos de Investimento Mobiliário

66

Relativamente ao dever de assegurar aos clientes um tratamento equitativo, nem o

CdVM, nem mesmo o CC definem tal conceito. Todavia depreende-se que um

tratamento equitativo não é seguramente sinónimo de um comportamento em que é

permitido ao intermediário financeiro um tratamento arbitrário. Exatamente como

sucede no âmbito do CC, o conceito de tratamento equitativo está de alguma forma

definido através do princípio da boa-fé constante dos arts. 304.º e 309.º, n.º 3 do

CdVM.92

Também a este propósito veja-se o referido por Sofia Leite Borges,93

“[o]

dever de assegurar aos clientes um tratamento equitativo significa, no contexto de um

conflito pessoal, que o intermediário financeiro deve agir de forma parcial,

privilegiando os interesses dos clientes acima dos seus. No que respeita aos conflitos

entre clientes, rege um princípio de imparcialidade e de não privilegiamento ou de não

discriminação, que só atendendo às circunstâncias concretas da operação realizada

poderá ser devidamente equacionado.”

Complementarmente aos princípios gerais constantes do art. 309.º do CdVM, conforme

já referido supra, toda a atuação dos intermediários financeiros deverá ser pautada pelos

deveres constantes do art 304.º do CdVM.

assume relevância em matéria de conflito de interesses.” Para a relação entre o disposto no art. 309.º, n.º 2

e o art. 312.º, n.º 1, alínea c) e qual o campo de aplicação de cada um, ver Sofia Leite Borges, “O Conflito

de Interesses na Intermediação Financeira”, in O Conflito de Interesses no Direito Societário e

Financeiro, Um Balanço a Partir da Crise Financeira, Almedina, Coimbra, 2010, págs. 358.

92 Nesta senda, António Menezes Cordeiro, “A decisão segundo a equidade”, in O Direito, ano 122, II

abril-junho, 1990, págs. 271 e 272, refere que “[a] decisão segundo a equidade é, pois, uma decisão

tomada à luz do Direito e de acordo com as directrizes jurídicas dimanadas pelas normas positivas

estritas. (…) O julgamento de equidade será assim, em última análise, sempre o produto de uma decisão

humana que visará ordenar determinado problema perante um conjunto articulado de proposições

objectivas.” 93

Sofia Leite Borges, “O Conflito de Interesses na Intermediação Financeira”, in O Conflito de Interesses

no Direito Societário e Financeiro, Um Balanço a Partir da Crise Financeira, Almedina, Coimbra, 2010,

pág. 360.

Os diferentes níveis de regulação legal dos conflitos de interesses no âmbito da gestão de

Fundos de Investimento Mobiliário

67

Conforme referido por Gonçalo Castilho dos Santos94

“[a] coloração do princípio da

boa fé através dos tradicionalmente denominados “deveres acessórios” parece assumir

um contorno qualitativamente específico no Direito dos Valores Mobiliários, mormente

enquanto ordenador da relação entre intermediário financeiro e cliente. A diligência95

, a

lealdade e a transparência conservam, com efeito, um papel bem superior ao de deveres

acessórios comuns. Diríamos que estão crivadas no próprio conteúdo da prestação

devida pelo intermediário financeiro, em cada dever considerado.”

94

, Gonçalo André Castilho dos Santos “A Responsabilidade Civil do Intermediário Financeiro perante o

Cliente”, Almedina, Coimbra, 2008, págs. 97 e 98.

95 Com vista à densificação do conceito de diligência referido pelo art. 304.º, do CdVM “Gonçalo André

Castilho dos Santos “A Responsabilidade Civil do Intermediário Financeiro perante o Cliente”,

Almedina, Coimbra, 2008, pág. 105 refere que “(…) a conduta diligente pressupõe, tal como configurada

na lei, uma prestação de facto positivo (…) e que enquanto “princípios” os vectores plasmados no artigo

304.º não permitem, é certo, acionar os mecanismos da imputação dos danos, mas também voltamos a

acentuar que com a demonstrada concretização desses princípios através de deveres não só

surpreendemos a oponibilidade da tutela que só os direitos subjectivos e os interesses particulares

protegidos pelas normas podem assegurar como, prospectivamente, noutro plano, recolhemos dados

diversificados sobre os contornos do que seja a diligência na conduta mobiliária.”

Com vista à densificação do conceito de lealdade referido pelo art. 304.º, do CdVM “Gonçalo André

Castilho dos Santos “A Responsabilidade Civil do Intermediário Financeiro perante o Cliente”,

Almedina, Coimbra, 2008, pág. 124 refere que “(…) o elevado padrão de lealdade presente na conduta

profissionalmente adequada do intermediário financeiro implica, na grande maioria dos casos, que este se

abstenha de realizar determinado comportamento. (…) Sempre se poderá dizer que este vector da conduta

profissional pressupõe, tendencialmente, a realização de prestações de facto negativo na modalidade de

prestações de non facere. Uma segunda nota, por seu turno, para realçar o tendencial cunho preventivo

que é conferido pela lei e regulamentação à atendibilidade da conduta leal.”

Com vista à densificação do conceito de lealdade referido pelo art. 304.º, do CdVM “Gonçalo André

Castilho dos Santos “A Responsabilidade Civil do Intermediário Financeiro perante o Cliente”,

Almedina, Coimbra, 2008, pág. 137 “ (…) a referência no artigo 304.º, n.º 2, à conduta transparente

traduz uma percepção legislativa de que também no exercício da actividade de intermediação financeira

importará acautelar, transversalmente a essa mesma actividade, que seja disponibilizada a informação

considerada relevante para a fundamentação das decisões jurídico-económicas do cliente-investidor.”

Os diferentes níveis de regulação legal dos conflitos de interesses no âmbito da gestão de

Fundos de Investimento Mobiliário

68

No âmbito dessa atuação os intermediários financeiros devem observar os ditames da

boa-fé, de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade96

e transparência.97

98

96

Conforme referido por Marisa Larguinho, “O Dever de Lealdade: concretizações e situações de conflito

resultantes da cumulação de funções de administração”, in Direito das Sociedades em Revista, março,

Ano 5, Vol. 9, Almedina, Coimbra, 2013, pág. 199, a propósito da administração de sociedades

comerciais, mas cujo raciocínio faz sentido aqui suscitar “[a]dite-se, noutra perspetiva, que o dever de

lealdade é encarado por muitos como uma regra de conduta de conteúdo essencialmente ético, cujo

escopo se destina primacialmente a evitar conflitos de interesses. De facto, concordamos com a natureza

ética deste dever, mas cremos que o dever de lealdade, tal como atualmente positivado, não se restringe a

evitar conflitos de interesses, impondo expressamente ao administrador uma atuação no interesse da

sociedade, à qual podem não estar associados quaisquer conflitos de interesses. (...) Parece defensável não

olhar para o dever de lealdade como mero mediador de situações de conflitos de interesses.”.

97 Também neste sentido já se pronunciou Sofia Borges Leite, “O Conflito de Interesses na Intermediação

Financeira”, in Conflito de Interesses no Direito Societário e Financeiro, Um balanço a partir da crise

financeira, Almedina, Coimbra, 2010, pág. 353 para a qual “[o]s deveres que compõem a disciplina do

conflito de interesses no Cód.Vm alicerçam-se no princípio geral, previsto no artigo 304.º, n.º 1, do

CdVM, de protecção dos interesses legítimos dos clientes.” E os seguintes autores: Maria Vaz de

Mascarenhas, “O contrato de gestão de carteiras: natureza, conteúdo e deveres, anotação a acórdão do

supremo tribunal de justiça”, in Cadernos do Mercado de Valores Mobiliários, n.º 13, abril, Comissão do

Mercado de Valores Mobiliários, 2002, págs. 125 e 126; José Fazenda Martins, “Deveres dos

Intermediários Financeiros, em especial, os deveres para com os clientes e o mercado”, in Cadernos do

Mercado de Valores Mobiliários, n.º 7, abril, Comissão do Mercado de Valores Mobiliários, 2000, pág.

337; Fátima Gomes, “Contratos de Intermediação Financeira, Sumário Alargado”, in Estudos Dedicados

ao Prof. Doutor Mário Júlio Almeida Costa, UCP Editora, Lisboa, 1ª Edição, 2002, pág. 572; Luís

Manuel Teles de Menezes Leitão, “Actividades de Intermediação e Responsabilidade dos Intermediários

Financeiros”, in Direito dos valores mobiliários, Vol. II., Instituto dos Valores Mobiliários, Lisboa, 2001,

pág. 143.

98 Conforme referido no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 3 de julho de 2008, Processo n.º

0832863, publicado em www.dgsi.pt, “[a]pesar de se não tratar de deveres, excepção feita ao segredo

profissional, que é, cumulativamente, um dever, na área dos valores mobiliários a sofisticada evolução

dos mercados ultrapassa a actualização das fontes legais e mesmo regulamentares, pelo que (…) o

princípio da protecção dos legítimos interesses destes (art. 304º, nº1) não deixará de estabelecer um dever

de conduta a adoptar.”.

Os diferentes níveis de regulação legal dos conflitos de interesses no âmbito da gestão de

Fundos de Investimento Mobiliário

69

Para autores como Sofia Leite Borges99

“[n]o conflito de interesses não é especialmente

reprovada a falta de perícia ou de empenho na prossecução do encargo que foi confiado

ao sujeito, mas antes o comportamento desleal, a violação da confiança depositada pela

pessoa sujo interesse deveria ter sido prosseguido, que inflige um prejuízo ao primeiro

com vista a obter uma vantagem pessoal ou de terceiro.”.

Aliás, conforme afirmado pelo Tribunal de Pequena Instância Criminal de Lisboa100

“(…) esses elevados padrões de diligência e de competência profissional (…) exigem,

desde logo e, num primeiro momento o cumprimento das normas legais que regulam a

sua actuação e que estabelecem limites dentro dos quais o gestor se há de mover, sob

pena de, ao desrespeitar as normas que regulam a sua actividade (…) prejudicar os

interesses dos participantes.”.

Suscita-se desde logo qual será o fundamento da lealdade que é exigida aos

intermediários financeiros. É nosso entender que podemos aqui socorrer-nos das

palavras de Pedro Caetano Nunes,101

quando refere que “(...) alguns autores aprofundam

este enfoque, sustentando que o fundamento da lealdade não reside apenas na atribuição

de poderes jurídicos, mas também no correspondente compromisso negocial de atuação

no interesse de outrem.”. Não obstante este autor estar a referir-se aos administradores

das sociedades comerciais consideramos que semelhante raciocínio é aqui aplicável.

Complementarmente, os arts. 309.º-A a 309.º-G do CdVM têm como intuito a

densificação dos princípios gerais que se encontram nos diversos números do art. 309.º

do CdVM. Note-se que os arts. 309.º-A, 309.º-B e 309.º-E do CdVM são relativos à

organização do intermediário financeiro, mais concretamente à sua política em matéria

de conflito de interesses (visando a prevenção de situações de conflitos de interesses) e

99

Sofia Leite Borges, “O Conflito de Interesses na Intermediação Financeira”, in Conflito de Interesses

no Direito Societário e Financeiro, Um Balanço a Partir da Crise, Almedina, Coimbra, 2010, pág. 319.

100 Sentença de 14 de fevereiro de 2002, 1.º Juízo, 2.ª Secção, Processo n.º 632/01.

101 Pedro Caetano Nunes, “Jurisprudência Sobre o Dever de Lealdade dos Administradores”, in II

Congresso, Direito das Sociedades em Revista, Almedina, Coimbra, 2012, pág. 188.

Os diferentes níveis de regulação legal dos conflitos de interesses no âmbito da gestão de

Fundos de Investimento Mobiliário

70

à sua estrutura e organização de interesses. 102

Concomitantemente o art. 309.º-C do

CdVM, ao exigir um registo de atividades que originam conflitos de interesses, visa

igualmente atuar ao nível da prevenção dos conflitos de interesses e ao nível

organizacional.

Do regime já descrito, é igualmente possível desde já salientar que a diferença que

ocorre entre a concretização do conceito de “interesse dos clientes” no âmbito da

intermediação financeira e o que ocorre no âmbito da gestão coletiva de ativos, ao nível

do “interesse dos participantes”, é significativamente substancial.

Com efeito, a ideia de conciliação de interesses que decorre do CdVM não tem qualquer

lugar paralelo no âmbito da gestão de FIM. Não nos olvidemos de que no âmbito do

regime geral do NRJOIC o que está em causa é uma atuação no exclusivo interesse dos

participantes. Efetivamente, o dever de prevalência dos interesses dos clientes sobre os

interesses dos intermediários financeiros afasta-se por um lado, da imposição que é feita

às entidades gestoras de que a sua atuação seja feita no exclusivo interesse dos

participantes, e, por outro, da possibilidade que é dada nos termos do art. 335.º do CC

da cedência recíproca de interesses, nos termos da qual, havendo colisão de direitos

iguais ou da mesma espécie, devem os titulares ceder na medida do necessário para que

todos produzam igualmente o seu efeito, sem maior detrimento para qualquer das

partes.103

102

Para autores como Paulo Câmara, “Um Retrato Anatómico”, in Conflito de Interesses no Direito

Societário e Financeiro, Um Balanço a Partir da Crise Financeira, Almedina, Coimbra, 2010, págs. 29 e

30 “[o] dever de fixar uma política de interesses parte da implícita premissa de que os conflitos de

interesses não são evitáveis.” No mesmo sentido, Carlo Comporti, “I conflitti di interessi nella disciplina

comunitaria dei servizi finanziari”, in Diritto della banca e del mercato finanziario nº4, CEDAM, outubro-

dezembro, 2005.

103 Por esse motivo, não se acompanha (de forma expressa) o referido por Célia Reis, “Comentário à

Sentença do Tribunal de Pequena Instância Criminal de Lisboa de 14 de fevereiro de 2002, 1.º Juízo, 2.ª

Secção, Processo 632/01, – Fundos de Investimento Mobiliário”, in Cadernos do Mercado de Valores

Mobiliários, n.º 14, agosto, Comissão do Mercado de Valores Mobiliários, 2002, pág. 160 quando refere

que, “[a]inda em situações de conflitos de interesses, rege o princípio da prevalência dos interesses dos

clientes, impendendo sobre as entidades gestoras o dever de dar prevalência aos interesses dos fundos de

Os diferentes níveis de regulação legal dos conflitos de interesses no âmbito da gestão de

Fundos de Investimento Mobiliário

71

2. OS PRINCÍPIOS APLICÁVEIS À GESTÃO INDIVIDUAL DE CARTEIRAS VERSUS À

GESTÃO COLETIVA DE ATIVOS

Poder-se-á questionar se o regime jurídico aplicável à gestão individualizada de ativos

poderia dar resposta às situações de conflito de interesses não regulados pelo NRJOIC.

Para este efeito, impõe-se a caraterização do contrato de gestão de carteiras, o qual se

encontra regulado nos arts. 335.º e 336.º do CdVM sendo definido como o contrato pelo

qual o intermediário financeiro se obriga a (i) realizar todos os atos tendentes à

valorização da carteira e (ii) a exercer os direitos inerentes aos instrumentos financeiros

que integram a carteira, cabendo aos investidores clientes, como contrapartida, o

pagamento de uma retribuição pela prestação de tais serviços.

Conforme referido por José Engrácia Antunes104

, “[e]conomicamente, tal contrato

representa – a par de outras figuras alternativas afins com as quais não se pode

confundir (v.g., contratos de consultoria, fundos de investimento, clubes de

investidores, depósitos em administração, etc.) – um mecanismo através do qual o

proprietário de uma “carteira” de activos financeiros, impossibilitado de a gerir

pessoalmente (por falta de preparação técnica, disponibilidade, ou outra razão), opta por

mandatar uma entidade profissional especialmente habilitada para a tarefa da respetiva

conservação e rentabilização.”.

Da celebração de um contrato de gestão de carteiras nasce um conjunto de direitos e

deveres, sendo de salientar os deveres de informação que impendem sobre os

intermediários financeiros.

investimento que gerem em relação tanto aos seus próprios interesses como aos interesses de empresas

com as quais se encontre em relação de domínio ou de grupo, dos membros dos seus órgãos sociais e dos

seus trabalhadores (artigo 309.º, n.º 3, do CódVM).”. Atente-se que, na nossa opinião, a Autora não

queria demonstrar quais os diferentes níveis de regulação dos conflitos de interesses no âmbito dos FIM

mas apenas a natureza cogente dos interesses dos participantes dos Fundos. 104

José Engrácia Antunes, “Os Contratos de Intermediação Financeira”, in Boletim da Faculdade de

Direito, Vol. LXXXV, Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Coimbra 2009.

Os diferentes níveis de regulação legal dos conflitos de interesses no âmbito da gestão de

Fundos de Investimento Mobiliário

72

Nos termos do art. 312, n.º 2 do CdVM, a extensão e a profundidade da informação

devem ser tanto maiores quanto menor for o grau de conhecimento e de experiência do

cliente.

De entre os deveres de informação que são exigidos aos intermediários financeiros que

prestam o serviço de gestão de carteiras destaca-se o art. 312.º-D, n.º 1, alíneas d) e e)

do CdVM, o qual dispõe que “[a]lém da informação exigida no artigo anterior, o

intermediário financeiro que ofereça ou efectivamente preste o serviço de gestão de

carteiras a um investidor não qualificado, deve informá-lo sobre: os tipos de

instrumentos financeiros susceptíveis de serem incluídos na carteira do cliente e os tipos

de operações susceptíveis de serem realizadas sobre esses instrumentos financeiros,

incluindo eventuais limites; e os objectivos de gestão, o nível de risco reflectido no

exercício de discricionariedade do gestor e quaisquer limitações específicas dessa

discricionariedade.”.

Da leitura do CdVM e da sua confrontação com o NRJOIC conclui-se que o elenco de

deveres informativos que são exigidos aos intermediários financeiros aquando da

prestação do serviço de gestão de carteiras por conta de outrem é muito mais

desenvolvido e complexo do que aquele que é encontrado no NRJOIC, no âmbito da

gestão coletiva de ativos.105

Tal ocorre porque no âmbito da gestão de carteiras os

clientes conseguem, intervir no âmbito da atividade que lhes está a ser prestada. Assim,

o tipo de informação que lhes é prestada e o conteúdo da mesma não é indiferente na

sua relação com os intermediários financeiros e com a gestão que está a ser feita do seu

105

Conforme referido por Maria João Romão Carreiro Vaz Tomé, Fundos de Investimento Mobiliário

Abertos, Almedina, Coimbra, 1997, pág 111, “[o] regulamento de gestão poderia, certamente, ampliar os

seus direitos informação ex post sobre a gestão, de um lado e, de outro, de controlo, prevendo eventuais

modalidades e instrumentos organizativos para o seu exercício, mas não pode atribuir-lhes poderes de

gestão sem desvirtuar a estrutura “autoritária” que caracteriza o modelo organizativo imposto por lei. A

reserva da administração à sociedade gestora e da guarda-execução-controlo ao banco depositário

constitui o ponto de referência da responsabilidade patrimonial, administrativa e também penal e não

pode ser eliminada pela autonomia das partes. Uma cláusula que atribua algum poder de gestão aos

participantes deve considerar-se em contradição com as normas imperativas que caracterizam a

organização do fundo e, deste modo, nula (art. 294.º do Código Civil).”.

Os diferentes níveis de regulação legal dos conflitos de interesses no âmbito da gestão de

Fundos de Investimento Mobiliário

73

património. Veja-se nomeadamente que no âmbito da gestão coletiva de ativos não é

dada aos participantes a faculdade que é conferida aos clientes da gestão de carteiras de

mitigar a discricionariedade do intermediário financeiro, conforme resulta do art. 336.º,

n.º 1 do CdVM. Nos termos do referido artigo, mesmo que tal não esteja previsto no

contrato, o cliente pode dar ordens vinculativas ao gestor quanto às operações a realizar,

exceto se o contrato garantir uma rendibilidade mínima da carteira.

De facto, conforme resulta do NRJOIC, os participantes, mesmo através da assembleia

de participantes, têm poderes muito limitados ao nível da interferência na gestão dos

FIM de que são participantes. Já neste sentido se pronunciava Paulo Câmara:106

“[d]ada

a concentração de poderes de gestão e representação na sociedade gestora, os

participantes não podem dirigir instruções específicas quanto à gestão do fundo – nisto

se demarcando a gestão de patrimónios colectivos da gestão individual de carteiras.”.107

106

Paulo Câmara, “Os Fundos de Investimento”, in Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Carlos

Ferreira de Almeida, Vol. I, Almedina, Coimbra, 2011, pág. 640.

107 A este respeito poder-se-á questionar qual a natureza jurídica dos deveres que decorrem da relação

entre a entidade gestora e os participantes. A este respeito, Catarina Romão Pinho, “Os Fundos de

Investimento Mobiliário no Direito Português: natureza jurídica e exercício do direito de voto pela

entidade gestora”, in Revista de Direito das Sociedades, Almedina, Coimbra, 2012, pág.141 entende que

poderão ser admitidas três soluções. “Como comunhão do património, no caso de considerarmos que o

património pertence aos participantes (art. 4.º, n.º 2 do RJOIC), (permitindo aplicar subsidiariamente com

as devidas adaptações as regras da compropriedade – art. 404.º do Código Civil); o modelo fiduciário no

caso de atribuirmos essa titularidade à sociedade gestora; e a solução análoga à do trust anglo-americano

na hipótese de a titularidade ser atribuída simultaneamente aos participantes e à entidade gestora.”. Para

Maria João Romão Carreiro Vaz Tomé, Fundos de Investimento Mobiliário Abertos, Almedina, Coimbra,

1997, pág. 38, a solução passa por considerar que estamos perante uma situação de fidúcia ou do trust

anglo-americano. Para Pinho, Catarina Romão (pág. 142), a titularidade do fundo é da sociedade gestora,

contudo, como essa titularidade é concedida no exclusivo interesse dos participantes, esta Autora conclui

igualmente pela caracterização da natureza jurídica dos FIM como de fidúcia. Para Paulo Câmara,“Los

Fondos de Inversión en el Derecho Português”, in RMV, n.º 5, 2009, pág. 225 a sociedade gestora, no

âmbito da sua atividade, está sujeita a deveres fiduciários. Ao nível da doutrina estrangeira encontramos a

defesa de que estamos perante um caso de compropriedade –Lener Raffaele, “Costituzione e Gestione del

Fondo Comune”, in Il Foro italiano, V, , c. 185, 1984; Jaeger, Prospettive e Problemi dei Fondi di

Os diferentes níveis de regulação legal dos conflitos de interesses no âmbito da gestão de

Fundos de Investimento Mobiliário

74

É pelo exposto que muitos autores consideram que a proteção dos investidores na gestão

coletiva de ativos é feita pela atuação no exclusivo interesse dos participantes, enquanto

na gestão de carteiras essa proteção é realizada ao nível do dever de informação aos

clientes.

Atendendo a tal facto, a gestão coletiva de ativos em Portugal parece assim aproximável

dos contratos de gestão “discricionária” (gestion discrecional, contrat de géstion

intégrale, managing agency, sujetosollmachtsverwaltung, etc.), em que o intermediário

financeiro goza de uma ampla margem de liberdade de atuação de tal maneira que

poderá realizar todas as operações que tenha por convenientes sem prévio aviso nem

consulta do titular da carteira.

A proteção dos investidores nos contratos de gestão de carteiras, conforme referido por

Pedro Boullosa Gonzalez108

“(…) é conseguida essencialmente através da imposição de

deveres de informação a prestar pelo intermediário financeiro, por forma a permitir um

controlo da sua actividade por parte do investidor.”.

Por seu lado, a (aparente) desproteção dos participantes dos FIM parece ficar, contudo,

solucionada através do facto de ser exigido às entidades gestoras que ajam de forma

independente e no exclusivo interesse dos participantes.

Considerando tal preocupação a propósito do regime anterior mas ainda hoje aplicável

já se pronunciou Alexandre Brandão da Veiga109

, referindo que “[c]omo em todos os

casos em que há padronização, a elasticidade é substituída pela rigidez. Como não é

possível aos clientes, a todos eles, apreciar da bondade de cada operação, o legislador

Investimento Mobiliare, in L´Instituzione dei Fondi Comuni di Investimento ou de que estamos perante

uma relação fiduciária –Lener Raffaele, Costituzione e Gestione del Fondi Comuni di Investimento, Brevi

Riflessioni Comparistiche su Alcuni Recenti Progetti, in Diritto della Banca e del Mercato Finanziario, n.º

1, 1994.

108 Pedro Boullosa Gonzalez, Gestão de Carteiras - Deveres de Informação, Anotação à sentença da 5.ª

Vara Cível da Comarca do Porto, 3.ª Secção, Processo n.º 2261/05.0 TVPRT, in Cadernos do Mercado de

Valores Mobiliários, n.º 30, agosto, Comissão do Mercado de Valores Mobiliários, 2008, pág. 160.

109 Alexandre Brandão da Veiga, Fundos de Investimento Mobiliário e Imobiliário, Regime Jurídico,

Almedina, Coimbra, 1999, pág. 50.

Os diferentes níveis de regulação legal dos conflitos de interesses no âmbito da gestão de

Fundos de Investimento Mobiliário

75

substituiu ao regime mais livre do Cd.MVM o regime mais apertado das proibições,

mesmo que depois a venha a excepcionar em alguns casos.”.

Por tudo o exposto, depreende-se que o regime jurídico da gestão de carteiras não

constitui um contributo para a resolução dos diferentes níveis de regulação dos conflitos

de interesses no âmbito da gestão de FIM.

Os diferentes níveis de regulação legal dos conflitos de interesses no âmbito da gestão de

Fundos de Investimento Mobiliário

76

3. DA APLICABILIDADE DO REGIME JURÍDICO DOS CONFLITOS DE INTERESSES DO

CÓDIGO DOS VALORES MOBILIÁRIOS AOS FUNDOS DE INVESTIMENTO

MOBILIÁRIO

Já vimos que o regime específico dos conflitos de interesses constante do NRJOIC

resolve os conflitos de interesses:

i. Verticais em que são (exclusivamente) intervenientes entidades gestoras e

participantes de um FIM;

ii. Horizontais, quando estão em confronto os interesses dos diversos participantes

dos FIM geridos por uma mesma sociedade gestora e os conflitos de interesses

que ocorrem quando a entidade gestora presta outras atividades de intermediação

financeira e se verificam situações de agregação e afetação de ordens.

E vimos também que o regime geral do NRJOIC resolve os conflitos de interesses:

i. Verticais em que são (exclusivamente) intervenientes entidades gestoras e

participantes de um FIM, que não estejam especificamente regulados pelo

regime específico;

ii. Verticais entre a entidade gestora e os participantes de um FIM mas em que

intervêm terceiros que se relacionam com a entidade gestora (exemplo,

fornecedores, trabalhadores, etc.).

Tendo em consideração o exposto, subsiste a questão: existe campo de aplicação

próprio para o regime jurídico dos conflitos de interesses constante do CdVM, mais

concretamente para o regime constante do disposto nos arts. 309.º e seguintes do CdVM

ou toda a diversidade de conflitos de interesses verticais e horizontais foi já solucionada

pelos regimes específico e geral do NRJOIC?

Com vista a responder à questão enunciada é necessário, antes de mais, determinar de

que forma e em que medida o regime dos conflitos de interesses constante do CdVM é

aplicável a situações de conflitos de interesses que surjam no âmbito da gestão de FIM.

Efetivamente, dever-se-á ter em conta que o recurso à regulação do CdVM terá apenas

lugar nos casos em que as situações de conflitos de interesses não forem resolvidas pelo

regime (específico ou geral) constante do NRJOIC, o qual, por um lado, não tem em

Os diferentes níveis de regulação legal dos conflitos de interesses no âmbito da gestão de

Fundos de Investimento Mobiliário

77

verdadeira linha de conta o facto de as entidades gestoras poderem prestar outras

atividades de intermediação financeira e, por outro, parece desconsiderar que outras

entidades como as instituições de crédito referidas nas alíneas a) a d) do art. 3.º do

Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras podem ser entidades

gestoras de FIM.

Já anteriormente se considerou que os arts. 309.º a 309.º-G, 310.º, 312.º, n.º 1, alínea c),

312.º-C, n.º 1, alínea h), 313.º, 328.º-A, 328.º-B, 346.º e 347.º, e, ainda que de forma

mais colateral, os arts. 12.º-D, n.º 2, 21.º-A, n.º 1, alínea b), 314.º-D, nº 1, alínea d) e

321.º, n.º 5 constituem o regime jurídico dos conflitos de interesses no âmbito do

CdVM.

Porém, a aplicabilidade dos artigos que constituem o regime jurídico dos conflitos de

interesses no âmbito do CdVM às entidades gestoras não deverá ser feita de forma

arbitrária, uma vez que nem todos os artigos que integram o regime dos conflitos de

interesses constante do CdVM são aplicáveis à gestão de FIM.

Assim, se esse enquadramento for efetuado tendo em conta a aplicabilidade dos

referidos artigos à gestão de FIM, verificamos que existem dois tipos de situações em

que se verifica a inaplicabilidade dos referidos artigos.

O primeiro caso é aquele em que identificamos que algumas normas de conflitos de

interesses do CdVM não são aplicáveis à gestão de FIM, atento o facto de estas serem

exclusivamente relativas a outras atividades de intermediação financeira. O segundo

caso é aquele em que a regulação dos conflitos de interesses existente no CdVM se

encontra especificamente prevista no NRJOIC, situação em que, atento o princípio da

especialidade das normas, prevalecerá a regulação ali determinada.

São exemplos do primeiro conjunto de normas os arts. 12.º-D, n.º 2, 309.º-D, 309.º-F,

310.º, 312.º, n.º 1, alínea c), 312.º-C, n.º 1, alínea h), 314.º-D, n.º 1, alínea d), 321.º, n.º

5, 346.º, 347.º, e exemplo do segundo conjunto de normas os arts. 309, n.º 3110

, 309.º-C,

313.º, 328.º-A, 328.º-B.

110

Consideramos que o regime constante do art. 309.º, n.º 3 do CdVM não tem aplicação à regulação dos

conflitos de interesses no âmbito da gestão de FIM uma vez que a cláusula geral do NRJOIC (art. 68.º)

Os diferentes níveis de regulação legal dos conflitos de interesses no âmbito da gestão de

Fundos de Investimento Mobiliário

78

Com exceção dos arts. que referenciámos, a regulação dos conflitos de interesses

constante do CdVM – arts. 21.º-A, n.º 1, alínea b), 309.º, n.ºs 1 e 2, 309.º-A, 309.º-B,

309.º-E e 309.º-G – é aplicável às entidades gestoras de FIM atento o facto de estas

serem intermediários financeiros, conforme resulta do artigo 293.º do CdVM.111

À semelhança da metodologia seguida nos dois capítulos anteriores existem três

análises possíveis do regime jurídico dos conflitos de interesses constante do âmbito do

CdVM que consideramos aplicável à gestão de FIM, em função:

a) Do serviço/atividade de intermediação financeira que é prestada;

b) Da previsão normativa (ou, do ponto de vista dogmático, das fontes de perigo);

e

c) Da sua estatuição (ou, do ponto de vista dogmático, do tipo de condutas

previstas).

A análise da (eventual) influência que o tipo de serviço de intermediação financeira

exerce na regulação dos conflitos de interesses no âmbito do CdVM implica, antes de

impõe que as entidades gestoras atuem não com prevalência dos interesses dos seus clientes participantes

mas sim no seu exclusivo interesse.

111 No entender de Paulo Câmara, “Os Fundos de Investimento”, in Estudos em Homenagem ao Professor

Doutor Carlos Ferreira de Almeida, Vol. I, Almedina, Coimbra, 2011, pág. 635, “[o] legislador

comunitário optou desde sempre por tratar a gestão dos fundos de investimento de modo separado da

intermediação financeira: trata-se de uma opção que não é isenta de críticas, dado que resultam algumas

antinomias desta separação de tratamento comunitário. As Diretivas comunitárias em matéria de fundos

de investimento são tipicamente Directivas «de produtos» – sendo muito centradas num tipo de valor

mobiliário e no enquadramento que o envolve –, ao passo que a DMIF (à semelhança da Diretiva pré-

vigente, a DSI) representa uma Directiva que regula serviços e actividades de regulação financeira. (...) A

acrescer, a DMIF é muito mais desenvolvida no tocante aos deveres de conduta dos intermediários; em

contraste, a posição do custodiante é muito pouco tratada na Directiva OICVM. Por fim, a DMIF inclui

no seu âmbito a gestão de carteiras e a consultoria entre as atividades de intermediação financeira, que

estão ao alcance das sociedades gestoras de fundos de investimento mobiliário. Uma forma de mitigar

este quadro é ensaiada, entre nós, na nova redação do art. 289.º, n.º 4, CVM, resultante da transposição da

DMIF, que prescreve uma aplicação parcelar do regime de intermediação aos fundos de investimento.”.

Os diferentes níveis de regulação legal dos conflitos de interesses no âmbito da gestão de

Fundos de Investimento Mobiliário

79

mais, a identificação da integração sistemática dos artigos que supra considerámos

como constituintes do regime ora em análise.

Os supra referidos artigos encontram-se no Título VI, cuja epígrafe é “Intermediação”,

e, mais concretamente, na subsecção VI cuja epígrafe é “conflitos de interesses e

realização de operações pessoais”.

Mesmo os restantes artigos do CdVM relativos aos conflitos de interesses encontram-se

maioritariamente ao nível do Título VI, Capítulo I, o que permite concluir que o regime

jurídico dos conflitos de interesses no âmbito do CdVM é tendencialmente neutro

quanto ao serviço/atividade de intermediação financeira que está a ser prestado, visando

pautar qualquer situação de conflitos de interesses que ocorra, independentemente da

atividade desenvolvida pelos intermediários financeiros. Apenas em casos pontuais,

como sucede ao nível dos arts. 328.º, 328.º-A e 328.º-B e 346.º e 347.º do CdVM, é

associada uma regulação específica ao nível dos conflitos de interesses com o tipo de

atividade que é desenvolvida pelos intermediários financeiros.

A referida característica encontra, nomeadamente, justificação na polifuncionalidade

que é admitida por lei aos intermediários financeiros e que implica que estes tenham

simultaneamente que gerir interesses alheios (dos seus clientes investidores ou

emitentes) e interesses próprios (nos quais se incluem os interesses próprios stricto

sensu decorrentes da sua atividade lucrativa como também os interesses decorrentes de

atuação por conta própria), independentemente da atividade de intermediação financeira

que é concretamente desenvolvida.112

113

114

112

Neste sentido, Sofia Leite Borges, “A regulação geral do conflito de interesses na DMIF”, in Cadernos

do Mercado de Valores Mobiliários, n.º 27, agosto, Comissão do Mercado de Valores Mobiliários, 2007.

113 Também José Engrácia Antunes, “Os contratos de intermediação financeira”, Boletim da Faculdade de

Direito, Vol. LXXXX, Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Coimbra, 2009 “[c]omo é

sabido, as operações sobre instrumentos financeiros podem ser realizadas pelos intermediários financeiros

por conta alheia (dos clientes ou investidores: cf. art. 290.º, n.º 1, a) e b) do CVM) ou ainda por conta

própria (actuando aqueles como contraparte destes: cf. arts. 290.º, n.º 1, e) e 346.º do CVM).”

114 De acordo com Carlos Ferreira de Almeida, “As transações de conta alheia no âmbito da

intermediação no mercado de valores mobiliários”, in Direito dos valores mobiliários, Lex, Lisboa, 1997,

estas atividades de intermediação podem ser distinguidas entre operações por conta alheia, operações por

Os diferentes níveis de regulação legal dos conflitos de interesses no âmbito da gestão de

Fundos de Investimento Mobiliário

80

De facto, quanto maior for a diversidade de atividades de intermediação financeira

desenvolvida por um intermediário financeiro, maiores as hipóteses de se verificarem

situações de conflitos de interesses.

Verificando-se que o regime jurídico dos conflitos de interesses no âmbito do CdVM

não se encontra fundamentalmente organizado em função da tipologia de atividades de

intermediação financeira, entende-se relevante, do ponto de vista dogmático, atentar às

fontes de perigo definidas pelo legislador no CdVM.

Da análise dos artigos que constituem o regime jurídico dos conflitos de interesses

constante do CdVM constata-se que estamos perante um regime de conflitos de

interesses fortemente caraterizado por uma fonte de perigo primária - a prestação de

atividades de intermediação financeira –, sendo as fontes de perigo secundárias relativas

à organização e operacionalização da atividade dos intermediários financeiros e

naturalmente decorrentes da fonte de perigo primária.

Os artigos que considerámos constituírem o regime jurídico do CdVM aplicável à

gestão de FIM conduzem igualmente à conclusão de que estamos perante fontes de

perigo fechadas, em que o legislador se socorreu de situações tendencialmente

tipificadas em que considerou que existiria atuação em conflito de interesses para impor

determinada conduta (ativa ou omissiva) aos intermediários financeiros, deixando-se

apenas aos intermediários financeiros a possibilidade de concretização pontual de

alguns aspetos da sua organização interna. Constate-se a utilização de expressões como

“o intermediário financeiro deve organizar-se por forma a identificar possíveis conflitos

de interesses” ou “o intermediário financeiro deve adoptar uma política em matéria de

conta própria e prestações de atividades de assistência jurídico-financeira e de informação. Para Luís

Manuel Teles de Menezes Leitão, “Actividades de Intermediação e Responsabilidade dos Intermediários

Financeiros”, in Direito dos valores mobiliários, Vol. II., Instituto dos Valores Mobiliários, Lisboa, 2001,

deve ser adotada a mesma classificação, considerando, contudo, que a gestão de carteiras de valores

mobiliários pertencentes a outrem deve ser incluída entre as operações de conta alheia e as atividades de

assistência ou colocação em ofertas públicas devem ser autonomizadas de qualquer destes termos, uma

vez que tanto podem envolver operações de conta alheia, de conta própria ou de prestação de serviços.

Os diferentes níveis de regulação legal dos conflitos de interesses no âmbito da gestão de

Fundos de Investimento Mobiliário

81

conflitos de interesses (...) adequada às suas dimensões e organização e à natureza, à

dimensão e à complexidade das suas actividades”.

Atenta a análise descrita, é nos já possível referir que o elenco de normas que

considerámos constituírem o regime jurídico dos conflitos de interesses constante do

CdVM aplicável à gestão de FIM permite solucionar conflitos de interesses horizontais

em que sejam conflituantes interesses de participantes de FIM e clientes de entidades

gestoras a quem são prestadas outras atividades de intermediação financeira. Veja-se

desde logo a redação do art. 309.º, n.º 2 do CdVM, no âmbito da qual, “[e]m situações

de conflitos de interesses, o intermediário financeiro deve agir por forma a assegurar aos

seus clientes um tratamento transparente e equitativo.”

O referido artigo permite proteger os interesses dos clientes de uma entidade gestora

que também preste outras atividades intermediação financeira, uma vez que, de acordo

com o regime específico do NRJOIC, o tratamento equitativo imposto às entidades

gestoras que prestassem serviço de intermediação financeira era apenas exigido ao nível

da agregação e afetação de ordens e, de acordo com o regime geral do NRJOIC, os

interesses dos outros clientes deveriam ser desconsiderados por lhes ser imposto

atuarem no exclusivo interesse dos participantes.

A análise do regime dos conflitos de interesses constante do CdVM e com

aplicabilidade à gestão de FIM não está, no entanto, concluída se, após a análise da

previsão normativa do regime identificado, não fossem por fim identificados o tipo de

condutas previstas e os meios de defesa criados pelo legislador para fazer face às

situações de conflito de interesses assinaladas.

Para esse efeito, entendemos ser útil atentar na redação das condutas/comportamentos

do regime dos conflitos de interesses constante do CdVM aplicável à gestão de FIM.

Assim, o referido regime é composto por normas injuntivas, uma vez que estamos

perante normas de dever que impõem determinado tipo de atuação aos intermediários

financeiros.

Contudo, apesar de tal conclusão, no âmbito do regime dos conflitos de interesses do

CdVM verificamos que estamos perante normas de perigo abstrato, das quais são

exemplos os arts 309.º-A, 309.º-B, 309.º-E e 309.º-G e normas de perigo abstrato-

Os diferentes níveis de regulação legal dos conflitos de interesses no âmbito da gestão de

Fundos de Investimento Mobiliário

82

concreto, da qual é exemplo o art. 309.º, n.os

1 e 2 do CdVM. Repare-se que, apesar de a

redação do art. 309.º, n.ºs 1 e 2 referir que o intermediário financeiro “deve agir”, não se

verifica qualquer concretização ao nível das condutas concretas a adotar. Assim, não

estando as condutas definidas pelo legislador, ao aplicador do direito caberá determinar

se as mesmas pertencem ou não a um elenco implícito de condutas organizadas em

função do bem jurídico.

A conclusão alcançada ao nível do tipo de normas de perigo que constituem o regime

jurídico dos conflitos de interesses do CdVM aplicável aos FIM encontra a sua

justificação na massificação característica dos mercados financeiros. É exatamente

porque o legislador reconhece ser impossível prever minuciosamente todas e quaisquer

situações de atuação de conflito de interesses que recorre a normas cuja redação não

define minuciosamente o comportamento proibido.

Chegados a este ponto conclui-se que a aplicação do CdVM à regulação de conflitos de

interesses no âmbito da gestão de FIM se revela imprescindível. Concluir o contrário

implicaria deixar por regular os conflitos de interesses horizontais que ocorrem entre os

participantes de FIM e os demais clientes das restantes atividades de intermediação

financeira prestadas pela entidade gestora.

Os diferentes níveis de regulação legal dos conflitos de interesses no âmbito da gestão de

Fundos de Investimento Mobiliário

83

CAPÍTULO V – CONCLUSÕES

A presente dissertação, bem como o esquema metodológico que nos propusemos seguir,

permitem desde logo, alcançar uma primeira conclusão: a de que o tema que analisámos

tem efetivamente uma relevância prática e não se resume a uma mera questão de

semântica.

Tal conclusão decorre do facto de, após a análise do NRJOIC e do CdVM, ser possível

responder a todas as questões que foram suscitadas no âmbito do ponto 1 do Capítulo I.

Assim sendo, à pergunta “as normas específicas de conflitos de interesses existentes no

NRJOIC esgotam a regulação de todas as situações de conflitos de interesses que

existem no âmbito da gestão de FIM?” estamos, pois, agora em condições de responder

negativamente.

Veja-se que o regime específico dos conflitos de interesses constante do NRJOIC é

indiferente às diversas tipologias de OIC existentes no ordenamento jurídico nacional,

encontrando-se, antes, estruturado em função das fontes de perigo implicitamente

definidas pelo NRJOIC como primárias e secundárias. Ao nível das fontes de perigo

definidas no NRJOIC concluiu-se que a fonte principal de perigo é a gestão de OIC e

que todo o elenco de fontes que constituem o regime específico do NRJOIC são fontes

de perigo fechadas, através das quais o legislador tipificou atuações em conflito de

interesses e, sempre que as mesmas se verificam, é imposta determinada conduta (ativa

ou omissiva) à entidade gestora.

A resposta negativa à questão – as normas específicas de conflitos de interesses

existentes no NRJOIC esgotam a regulação de todas as situações de conflitos de

interesses que existem no âmbito da gestão de FIM? – decorre da conclusão de que, no

âmbito do regime específico constante do NRJOIC estão, salvo a regulação do art. 68.º,

n.º 2 e 74.º, apenas previstas normas de conduta para a regulação de situações de

conflitos de interesses verticais, no âmbito das quais estão em causa exclusivamente

interesses dos participantes de um FIM e interesses da entidade gestora.

Como se viu, o regime específico do NRJOIC não tem como finalidade a regulação de

conflitos de interesses horizontais que se suscitam no âmbito da gestão de FIM, atento

Os diferentes níveis de regulação legal dos conflitos de interesses no âmbito da gestão de

Fundos de Investimento Mobiliário

84

termos considerado que a regulação do art. 68.º, n.º 2 e 74.º deixa de fora todas as

restantes situações de conflitos de interesses horizontais que ocorrem no âmbito da

gestão de FIM. Mesmo ao nível da análise das situações de conflitos de interesses

verticais, concluímos que não existe qualquer norma em que sejam reguladas situações

de conflitos entre os interesses dos participantes de um FIM e de um terceiro que se

relacione com a entidade gestora (ex. fornecedor, trabalhador, etc.).

Perante tal conclusão impõe-se a resposta à questão seguinte – “os artigos 14.º e 68.º, n.º

1 do NRJOIC constituem um princípio meramente hermenêutico ou têm efetivamente

um campo de aplicação próprio?”

A este respeito e considerando a análise do regime geral do CdVM – que impõe às

entidades gestoras que atuem de modo independente e no exclusivo interesse dos

participantes – concluiu-se que o regime geral não se encontra estruturado em função de

diversas fontes de perigo, como sucedia no âmbito do regime específico.

De facto, constatou-se que no âmbito do regime geral do NRJOIC é indiferente se

estamos perante relações internas ou externas, se estas ocorrem no âmbito do

desempenho de funções societárias ou de fiscalização e/ou se a concretização das

condutas é executada por colaboradores com funções de decisão ou por membros do

órgão de administração da entidade gestora. Concluímos assim que, contrariamente ao

que se apurou no âmbito do regime específico, no âmbito do regime geral dos conflitos

de interesses constante do NRJOIC existe apenas uma fonte de perigo única – a gestão

de FIM – e que o critério de conduta imposto é indiferente à verificação de uma situação

de carácter interno ou externo à entidade gestora.

A regulação do regime geral dos conflitos de interesses constante do NRJOIC é, por

isso, circunscrita aos conflitos de interesses verticais, i.e, aos conflitos de interesses que

se suscitam entre a entidade gestora e os participantes de um determinado FIM,

permitindo contudo, diferentemente do que sucedia no âmbito do regime específico do

NRJOIC, regular situações em que estejam em conflito interesses dos participantes, da

entidade gestora e de terceiros que se relacionam com esta.

Assim sendo, os artigos 14.º e 68.º, n.º 1 do NRJOIC têm efetivamente um campo de

aplicação próprio. Veja-se que é o disposto no art. 68.º, n.º 1 do NRJOIC que permite

Os diferentes níveis de regulação legal dos conflitos de interesses no âmbito da gestão de

Fundos de Investimento Mobiliário

85

concluir que existe, pelo menos, um segundo nível de regulação dos conflitos de

interesses no âmbito da gestão de FIM.

Tal constatação implica necessariamente a conclusão de que o art. 68.º, n.º 1 do

NRJOIC se aplica exclusivamente às entidades gestoras enquanto tal, i.e., às entidades

gestoras que apenas exercem a gestão coletiva de ativos e quando tal sucede apenas em

relação a um FIM.

Em face do exposto, conclui-se: (a) que o regime específico dos conflitos de interesses

constante do NRJOIC resolve (i) conflitos de interesses verticais em que são

(exclusivamente) intervenientes entidades gestoras e participantes de um FIM, e (ii)

conflitos de interesses horizontais, quando estão em confronto interesses dos diversos

participantes dos FIM geridos por uma mesma entidade gestora e ainda quando a

entidade gestora presta outras atividades de intermediação financeira e se verificam

situações de agregação e afetação de ordens e (b) que o regime geral do NRJOIC

resolve os demais conflitos de interesses verticais entre a entidade gestora e os

participantes de um FIM, nomeadamente aqueles em intervêm terceiros que se

relacionam com a entidade gestora fornecedores, trabalhadores, etc.).

Deste modo, subsiste a questão: “os artigos 309.º e seguintes do CdVM são artigos sem

qualquer aplicação prática no âmbito dos FIM?”

Concluir por uma resposta negativa à questão alcançada implicaria assumir que o

legislador desconsideraria que as entidades gestoras também prestam outras atividades

de intermediação financeira e que desse facto se podem suscitar conflitos entre os

interesses dos participantes dos FIM e os interesses dos demais clientes da entidade

gestora que também presta atividades intermediação financeira. Pelo que, a imposição

de atuação de modo independente e no exclusivo interesse dos participantes que é

exigida às entidades gestoras não pode constituir uma justificação para a desproteção

dos clientes aos quais presta outras atividades de intermediação financeira. Por tudo

quanto explanado, não pode senão concluir-se no sentido de que o regime do CdVM

existirem três níveis de regulação legal dos conflitos de interesses verticais e horizontais

que surgem no âmbito da gestão de FIM e que apenas com o alcance de tal conclusão e

com a demonstração de quais os campos de aplicação de cada um dos diversos níveis de

Os diferentes níveis de regulação legal dos conflitos de interesses no âmbito da gestão de

Fundos de Investimento Mobiliário

86

regulação legal dos conflitos de interesses que surgem no âmbito da gestão de FIM,

quer os interesses dos participantes de um ou mais FIM, quer os interesses dos demais

clientes das entidades gestoras que prestam outras atividades de intermediação

financeira são assegurados e legalmente protegidos.

Os diferentes níveis de regulação legal dos conflitos de interesses no âmbito da gestão de

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