os desafios da relaÇÃo regional-global no ensino de geografia : uma reflexÃo a partir do oriente...

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OS DESAFIOS DA RELAÇÃO REGIONAL-GLOBAL NO ENSINO DE GEOGRAFIA : UMA REFLEXÃO A PARTIR DO ORIENTE MÉDIO Jorge Luiz Raposo Braga – UERJ-FFP – [email protected] Eduardo Karol – UERJ-FFP – [email protected] Marcio Ornelas Vieira- FFP- [email protected] Por muito tempo, as imagens do Oriente Médio estiveram vinculadas ao atraso, ao imobilismo e ao exótico. Tais concepções foram constituídas historicamente pelo colonizador europeu que procurou consolidar um conhecimento sistemático regional, referenciado como Orientalismo. Essa prática inventada objetivou silenciar a Geografia das diversas sociedades submetidas por séculos ao expansionismo Ocidental, afastando-as de qualquer referência à modernidade. Se a modernização esteve sempre associada ao eurocentrismo/Ocidente, percebemos que a lógica capitalista global em suas estratégias de acumulação, evidencia cada vez mais um desenvolvimento geográfico desigual. Dessa forma, percebe-se que muitos governos do Oriente Médio vêm implementando os seus “ajustes espaciais” através de um conjunto de empreendimentos imobiliários. Esses investimentos estão sustentados em um discurso de singularidade, pautado no turismo contemporâneo que procura exaltar determinadas práticas ambientais específicas, como se as pessoas de alto

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Por muito tempo, as imagens do Oriente Médio estiveram vinculadas ao atraso, ao imobilismo e ao exótico. Tais concepções foram constituídas historicamente pelo colonizador europeu que procurou consolidar um conhecimento sistemático regional, referenciado como Orientalismo. Essa prática inventada objetivou silenciar a Geografia das diversas sociedades submetidas por séculos ao expansionismo Ocidental, afastando-as de qualquer referência à modernidade.

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Page 1: OS DESAFIOS DA RELAÇÃO REGIONAL-GLOBAL NO ENSINO DE GEOGRAFIA : UMA REFLEXÃO A PARTIR DO ORIENTE MÉDIO

OS DESAFIOS DA RELAÇÃO REGIONAL-GLOBAL NO ENSINO DE GEOGRAFIA : UMA REFLEXÃO A PARTIR DO ORIENTE MÉDIO

Jorge Luiz Raposo Braga – UERJ-FFP – [email protected]

Eduardo Karol – UERJ-FFP – [email protected]

Marcio Ornelas Vieira- FFP- [email protected]

Por muito tempo, as imagens do Oriente Médio estiveram vinculadas ao atraso, ao

imobilismo e ao exótico. Tais concepções foram constituídas historicamente pelo

colonizador europeu que procurou consolidar um conhecimento sistemático regional,

referenciado como Orientalismo. Essa prática inventada objetivou silenciar a Geografia das

diversas sociedades submetidas por séculos ao expansionismo Ocidental, afastando-as de

qualquer referência à modernidade.

Se a modernização esteve sempre associada ao eurocentrismo/Ocidente, percebemos

que a lógica capitalista global em suas estratégias de acumulação, evidencia cada vez mais

um desenvolvimento geográfico desigual. Dessa forma, percebe-se que muitos governos do

Oriente Médio vêm implementando os seus “ajustes espaciais” através de um conjunto de

empreendimentos imobiliários. Esses investimentos estão sustentados em um discurso de

singularidade, pautado no turismo contemporâneo que procura exaltar determinadas

práticas ambientais específicas, como se as pessoas de alto padrão financeiro pudessem

vivenciar um retorno ao “Oriente Médio das mil e uma noites”.

O processo de modernização e de cidades “futuristas” ganha cada vez mais

aceitação no Oriente Médio. Um efeito em cadeia de urbanização peculiar, que esbanja

luxo, onde bairros são construídos sobre o deserto, onde a paisagem natural se confunde

constantemente com as magníficas construções. O ápice da Modernidade está no Oriente

Médio que se apresenta como algo em constante movimento, e por isso se contrapõe ao

espaço-tempo “estático”, legitimado pelos discursos orientalistas.

Esse Oriente Médio dinâmico e complexo reforça a concepção de que a Geografia

Regional longe de ser uma realidade contemplativa e relativamente uniforme, vem impondo

desafios aos profissionais de ensino da disciplina, pois em um mundo cada vez mais

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conduzido pela des-ordem espacial é problemático reduzir a análise regional as esferas da

estabilidade, continuidade e homogeneidade, o que seria um contrassenso diante das

práticas sociais diferenciadoras.

Quanto à diferenciação espacial ou à “produção da diferença”, por mais que a globalização tenha unificado mercados e imposto um capitalismo mundializado, não se trata, em hipótese alguma, de uma simples homogeneização, seja ela econômica, política ou cultural. Embora economicamente seja mais visível a amplitude (“global”) da economia de mercado, com o valor contábil-mercantil atingindo as mais recônditas esferas da vida humana, mesmo aí convivem a desigualdade, inerente aos processos de reprodução capitalista, e a diferenciação em seu sentido mais estrito (Haesbaert, 2010b, p.42-43).

Este é um desafio que é posto à Geografia escolar, ou seja, ensinar implica propor

alternativas possíveis para a construção do conhecimento geográfico, procurando despertar

na relação professor-aluno uma abordagem mais dinâmica, entender que as transformações

espaciais são históricas, fundamentadas em processos de ocupação de várias gerações e,

portanto, de relações conflituosas. Tais complexidades foram silenciadas pela imposição de

uma geografia escolar que consolidou determinadas imagens/concepções como

preponderantes na representação do Oriente Médio, enquanto “região geográfica”. Assim,

ao reduzir as regionalizações apenas à construção intelectual, a análise regional corre o

perigo de limitar as suas interpretações aos critérios utilizados pelos autores que elaboram

os materiais didáticos.

Desta forma, pode-se produzir uma representação regional parcelada e direcionada,

caso não sejam considerados tantos os sujeitos sociais quanto os interesses que estão em

jogo na produção desse espaço. Tal problema acaba materializado em muitos livros

didáticos que apresentam o Oriente Médio finalizado, ou seja, como uma delimitação

regional estável e coerente, embora haja imprecisões, dúvidas e incertezas sobre a sua

extensão territorial. Mesmo assim acostumou-se a representá-lo na confluência entre a

África, a Europa e a Ásia.

Haesbaert (2010a, p.123), se contrapôs a essas simplificações ao conceber que o

regional possui múltiplas manifestações dentro da globalização capitalista, por isso não

pode ser compreendido apenas na lógica zonal.

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O caráter regional integrador – que preferimos denominar “articulador”, que percebe a região, muito mais do que a partir de critérios de homogeneidade e continuidade, por critérios de coesão ou, “articulação” e des-continuidade promovida por dinâmicas/sujeitos sociais na imbricação diferenciada de múltiplas dimensões do espaço geográfico.

Neste contexto, cabe a Geografia propor uma nova abordagem dos processos de

regionalização e de análise regional, para que algumas considerações já formuladas e

consagradas do Oriente Médio sejam revistas, não só nos seus métodos, mas também no

conteúdo que é ensinado, propondo outras leituras que referenciem as relações combinadas

entre a globalização e a fragmentação. Portanto, torna-se relevante trabalhar as diferentes

dimensões de atuação das redes de coesão, ou seja, a articulação regional, como Haesbaert

(2010a, p.110) prefere chamar, “o que implica identificar também, por outro lado o nível de

desarticulação e/ou fragmentação de espaços dentro do espaço regional em sentido mais

amplo”. É o que abordaremos mais adiante no caso dos países que compõe o Conselho de

Cooperação do Golfo (CCG).

O objetivo do nosso trabalho, então é refletir sobre essas imagens que mostram o

Oriente Médio como o centro da modernidade, do luxo e da riqueza, bem distante do

imaginário orientalista que apenas concebia o Oriente Médio como o lugar do caos e do

atraso. Um Oriente Médio produzido por uma elite regional ambiciosa que possui um

projeto para tornar a região como o maior polo de turismo do mundo, que se ajusta aos

padrões globais para se inserir ao jogo do poder do capital simbólico coletivo e, assim, se

tornar um ponto de referência para os interesses internacionais. Mas, essas ações

desenvolvidas pelos Estados e/ou pelo grande capital deixam de fora determinadas áreas e

sociedades, evidenciando que as políticas ali introduzidas são desvinculadas das

necessidades regionais.

O ensino de Geografia pode reforçar a concepção orientalista?

A expressão Oriente que se internalizou nos povos locais e no meio midiático em geral,

traz uma construção eurocêntrica, fruto do momento em que a Europa se “descobre” como

Ocidente e passa a determinar os lugares das demais sociedades no cenário internacional.

Segundo Souza Santos(1994), a partir do Renascimento, a Europa se coloca como centro da

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história universal, relegando as outras sociedades ao passado, no caso da Ásia, ou

submetendo-as a natureza, no caso da África e América Latina, como se as mesmas não

tivessem histórias ou fossem incapazes de acompanharem as mudanças do seu tempo,

perdendo portanto, as oportunidades da modernização. Neste contexto, ao se reconhecer

como Ocidente, a Europa designa o não-ocidente, isto é, o Oriente, cuja representação

espacial se estenderia pelos territórios das diversas civilizações milenares. Assim, o

Ocidente se vê como exultante, dinâmico, moderno e classifica o Oriente de estático,

aberrante, exótico, incapaz de se auto-representar.

Said(1990,p.56), ressalta que esses valores ocidentais utilizam meios para distinguir

suas sociedades das que eles denominam orientais:

“Quando se usam categorias como oriental e ocidental como pontos de partida e finais da análise, das pesquisas ou políticas públicas, o resultado costuma ser a polarização da distinção – o oriental fica mais oriental e o ocidental, mais ocidental – e a limitação do encontro humano entre culturas, tradições e sociedades diferentes”.

Os Estados imperialistas europeus teriam como “missão civilizadora” reabilitar

essas sociedades do atraso e do próprio declínio, sendo posteriormente transformadas em

colônias produtivas. “Há ocidentais e há orientais. Os primeiros dominam; os segundos

devem ser dominados, o que costuma querer dizer que suas terras devem ser ocupadas, seus

assuntos internos rigidamente controlados” (Said, 1990p.46).

De acordo com Souza Santos(1994), a relação da “descoberta” estabelece o

“descobridor” como aquele que tem mais poder e saber do que o “descoberto”, portanto,

quando a Europa definiu o seu papel ao se identificar com o primeiro, legitimou o seu lugar

como “centro” e dos demais como “periferia”, instituindo binômios como superioridade-

inferioridade, moderno-tradicional, civilizado-primitivo, entre outros.

Said (1990,) ressaltou que o orientalismo é esse conhecimento sistemático das

representações que os intelectuais europeus faziam das sociedades referenciadas como

orientais. Concretizado a ideia, o conceito ou a imagem sobre essas sociedades,

estabeleceu-se um campo de estudo que internalizou-se através do tempo e acabou

produzindo uma espécie de consenso entre os autores de diferentes áreas de estudos. Tais

fatos ganharam outras conotações a partir da metade do último século, seja no âmbito

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econômico, cuja imagem regional baseou-se na produção de petróleo, seja no cultural, que

identificou os árabes como terroristas fundamentalistas, seja no político, que levaram os

Estados Unidos a práticas intervencionistas.

Tais representações acabaram tendo na Geografia uma de suas formas de difusão,

como afirma Said (2007,p.292):

“A geografia era essencialmente o material que sustentava o conhecimento sobre o Oriente. Todas as características latentes e imutáveis do Oriente repousavam sobre a sua geografia, estavam nela enraizadas. Assim, por um lado, o Oriente geográfico nutria seus habitantes, garantia suas características e definia a especificidade desses traços: por outro lado, o Oriente geográfico solicitava a atenção do Ocidente, mesmo quando – por um desses paradoxos revelados tão freqüentemente pelo conhecimento organizado – o Leste era Leste e o Oeste era Oeste. O cosmopolitismo da geografia constituía, na mente de Curzon, a sua importância universal para todo o Ocidente, cuja relação com o resto do mundo era de franca cobiça. Mas o apetite geográfico podia também assumir a neutralidade moral de um impulso epistemológico para descobrir, assentar, revelar (...)”.

Quando usamos, portanto, os recortes espaciais para exemplificar questões, objetos,

qualidades e regiões consideradas orientais, corremos o risco de reafirmar o senso comum,

tornando uma percepção regional como a realidade.

Said (1990,p.118), afirma que devemos ter esse cuidado quando inadvertidamente

trabalhamos com a categoria Oriente, pois, se não percebermos as “armadilhas” que ela nos

põe, caímos na tentação de concebê-la numa representação elástica e imutável.

“As limitações do orientalismo são aquelas decorrentes de se desconsiderar, essencializar e desnudar a humanidade de outra cultura, outro povo ou região geográfica. Mas o orientalismo foi além disso: considera o Oriente como algo cuja existência não apenas está à vista, mas permaneceu fixa no tempo e no espaço para o Ocidente. O sucesso descritivo e textual do orientalismo foi tão impressionante que períodos inteiros da história cultural, política e social do Oriente são considerados como meras respostas ao Ocidente. Este é o agente e o Oriente é o reagente passivo. O Ocidente é espectador, juiz e júri de cada faceta do comportamento oriental”.

Assim, em uma primeira aproximação com o material didático, constatamos que o

item Oriente Médio é abordado a partir da lógica do conflito, seja ele bélico ou étnico-

religioso. É exatamente essa abordagem que queremos analisar e problematizar. Ao

apresentar o Oriente Médio como a região que possui o maior número de ingredientes para

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gerar um grande foco de tensões geopolíticas no mundo contemporâneo, não há uma

preocupação com outras articulações regionais, pois a atenção está voltada para os conflitos

que têm na relação entre “Árabes e Israelenses” a principal fundamentação da realidade

regional. Desta forma, consideramos que esta análise é insuficiente para fundamentar a

ideia de totalidade das relações estabelecidas nessa parte do mundo.

A região, então, adquire uma conotação mais ampla e complexa, como afirma

Haesbaert(1999,p.31):

“se antes a região podia ser vista de forma contínua, como unidade espacial não fragmentada, hoje o caráter altamente seletivo e muitas vezes ‘pontual’ da globalização faz com que tenhamos um mosaico tão fragmentado de unidades espaciais que ou a região muda de escala(focalizada muito mais sobre o nível local, onde ainda parece dotada de continuidade) ou se dissolve entre áreas descontínuas e redes globalmente articuladas”.

Neste contexto, Haesbaert enfatiza a importância dos processos sociais como

norteadores da fragmentação dos espaços, onde as escalas local, regional e global são

redefinidas frente à reestruturação do capitalismo. Portanto, as diferenças emergem e se

contrapõem aos processos que procuraram homogeneizá-las. “Daí a análise regional que,

voltada para as particularidades, pode revelar aspectos da realidade que seriam mais difíceis

de serem percebidos e analisados se considerados apenas do ponto de vista global”

(Lencioni,1999,p.192).

Os níveis de análise no ensino de Geografia

No ensino de geografia é muito comum encontrarmos materiais didáticos que

reforçam e cristalizam a região como um conjunto político, econômico, cultural homogêneo

não articulado em níveis. Para a superação do olhar sobre a região (clássica) homogênea, a

utilização do método dos níveis de análise proposto por Lacoste (1988) pode se constituir

em uma ferramenta fundamental. Cabe lembrar que Lacoste criticava uma geografia dos

professores que não revelava a região como um lugar de relações de agentes e

consequentemente de conflitos. Para seguir o caminho traçado deve-se considerar o Oriente

Médio como um conjunto particular a ser analisado. Nesse conjunto, definiu-se um

subconjunto já denominado como Conselho Consultivo do Golfo (CCG) formado por

Bahrain, Koweit, Qatar, Emirado Árabe Unidos, Omã e Arábia Saudita.

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Para Lacoste (1988, p.81) não há no plano do conhecimento nível de análise

privilegiado. No trabalho com o conjunto Oriente Médio é importante considerar essa

região em suas múltiplas complexidades, ou o que foi considerado como espaço de

conceituação diferente. Assim, “o fato de se considerar o espaço como campo de

observação irá permitir apreender certos fenômenos e certas estruturas, mas vai acarretar a

deformação ou a ocultação de outros fenômenos e de outras estruturas”.

Esse olhar que permite apreender, deformar e ocultar pode reforçar as concepções

orientalistas (SAID, 1990) no ensino de Geografia. A região homogênea não articulada está

enquadrada nesse tipo de pensamento. Desse modo é

“indispensável que nos coloquemos em outros níveis de análise, levando em consideração outros espaços. Em seguida é necessário, realizar a articulação dessas representações tão diferentes, pois elas são função daquilo que se poderia chamar espaço de conceituação diferente” (Lacoste, 1988, p.81).

O conteúdo aqui privilegiado — Oriente Médio — e o seu subconjunto, os países

participantes do CCG, ainda não figuram em muitos materiais didáticos de Geografia e é

elemento que, para nós, caracteriza uma nova articulação regional, que pode ser

considerada como um possível “retorno as mil e uma noites”. A realidade atual do Oriente

Médio nos traz desafios, pois o subconjunto escolhido vem se articulando tanto em relação

ao contexto regional quanto a dinâmica global. Tais relações transformam e complexificam

as imagens que se consolidaram no senso comum como a representação do Oriente Médio.

Definido o subconjunto CCG, formado por seis “países” localizados na planície

costeira do Golfo Pérsico, o que já revela uma geologia muito particular, deve-se analisar

cada “país” do subconjunto procurando revelar as diferenciações econômicas, políticas e

culturais. Há que se tratar ainda os conflitos ali existentes além de suas relações que

escapam do escopo regional. Desse modo configuram-se processos de conexão e

desconexão entre o local e o global. Conexão como a que se dá com o capital que é fixado

nesse espaço através dos empreendimentos imobiliários de dimensões futuristas, e a

desconexão com o modo de vida que vai se configurando nos enclaves da modernidade no

Oriente Médio. Esses processos de conexão e desconexão vão engendrando não só uma

lógica zonal, mas também acentuam a constituição de redes reticulares que dinamizam as

relações tanto local quanto global.

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“Nesse caso cabe sempre discutir a força espacial/regional , ao mesmo tempo articuladora e desarticuladora, a partir dos sujeitos e interesses políticos envolvidos. Uma das novas questões mais relevantes , hoje pela força de sua evidência , é que “articulações” regionais do espaço podem manifestar-se não apenas na tradicional forma zonal, geralmente contínua , mas também em redes, inseridas numa lógica descontínua de articulação reticular”. (Haesbaert, 2010a, 121)

Nesse momento cabe apresentar o subconjunto e a produção do espaço que vem se configurando o imaginário do “Oriente Médio das mil e uma noites”.

Oriente Médio: um campo complexo no ensino de Geografia Regional

Se vivemos em um mundo cada vez mais marcado pelos processos de fluidez e de

conectividade, de cooperação e de crises, de ordem e desordem, de guerra e paz, então

como pensar o espaço regional na ótica da estabilidade e da contiguidade? Esse é um

desafio colocado aos professores de Geografia quando muitas das regionalizações propostas

pelos materiais didáticos reforçam a uniformidade. Esse contexto ainda persiste na

abordagem dada ao Oriente Médio, cujas temáticas restringem-se ao petróleo, ao

Islamismo, aos conflitos árabe-israelenses e recentemente ao terrorismo.

Essa coerência dos espaços regionais está sendo solapada pela dinâmica do

capitalismo que impõe grande mobilidade tanto ao capital quanto a força de trabalho,

levando os territórios a se reconfigurarem nas esferas do econômico, do político, do social e

do militar. Tal realidade pode ser observada no Oriente Médio a partir da criação do

Conselho de Cooperação do Golfo (CCG) que tem como membros: a Arábia Saudita,

Oman, Kwait, Bahrein, Os Emirados Árabes Unidos e o Qatar, cujo objetivo é se

diferenciar dos demais países do entorno onde a instabilidade política e as crises

econômicas tornam a região ameaçadora para os investimentos. Para isso, determinadas

alianças de classes são formadas e revistas como as que ocorrem entre as elites regionais e

alguns grupos socais daqueles países, com a finalidade de preservar seus privilégios diante

do elevado número de imigrantes pobres originados principalmente do Subcontinente

Indiano. (Piolet, 2009).

Dessa forma é necessário compreender qual a dinâmica que está inserida no jogo do

poder regional, isto é, como os atores envolvidos direcionam suas atividades na

consolidação dos seus interesses e levam outros segmentos sociais a participarem desses

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empreendimentos. Essas concepções podem ser observadas nas considerações de Haesbaert

(2010a, p.119-120):

Não há hoje, como analisar a região sem considerar sua dupla filiação, no campo material das coesões – e redes funcionais, produzida fundamentalmente por sujeitos hegemônicos, com ação de longo alcance, como o Estado e as grandes corporações, e no campo ideal do que aqui propomos denominar coesões simbólicas, produzidas num jogo de tendências mais complexas, com participação também, em maior ou menor grau, dos grupos subalternos, em suas diversas formas de articulação, entre si e com os chamados poderes instituídos.

Segundo Harvey (2005), essa aliança regional de classes que se dá sobre o aparelho

do poder estatal, além de criar mecanismos locais para promover e defender às

possibilidades no território também procura reter benefícios diante da competição espacial,

vigente na escala global. Assim certas cidades procuram se tornar mais atraentes como

centros culturais e de consumo, desenvolvendo um conjunto de inovações e de

investimentos em infraestruturas básicas e em serviços de apoio. É o que percebemos

atualmente dentro do Oriente Médio.

Os países do CCG vivenciam um crescimento econômico expressivo, representando

um ponto de concentração de fluxos financeiros e de numerosos investimentos ocidentais,

fruto das atividades militares aplicadas no seu entorno, como na invasão no Iraque e na

intervenção no Afeganistão pelos Estados Unidos, a crise no Líbano, os bombardeios norte-

americanos e israelenses na Síria e o fim da União Soviética. Por ter a economia local

baseada na produção de hidrocarbonetos, esses países desenvolvem as infraestruturas para

os transportes e para a logística, intensificam suas atividades de negócios e de indústrias

fortes, expandem o setor de construção civil e do turismo.

De acordo com Piolet (2009), a atividade portuária possibilita que uma grande parte

das mercadorias provenientes do Subcontinente Indiano seja reexportadas pelo CCG, pois

países como a Índia, o Paquistão, o Sri Lanka ou o Bangladesh não possuem as

infraestruturas e organização para exportar maciçamente seus produtos para o mundo.

Portanto, o Golfo árabe-pérsico se tornou uma porta de entrada ideal para as empresas

ocidentais na região, o que leva os governos locais a aplicarem medidas contraditórias, ou

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seja, a liberalização para a circulação de capital e a restrição dos direitos para os

trabalhadores.

Essa interação das relações combinadas entre a globalização e a fragmentação é

visível no subconjunto dos países do CCG, pois no mesmo instante que instituem uma

coesão interna ao funcionar como porta de reexportação das atividades regionais, também

manifesta a sua descontinuidade com os espaços regionais através de seus interesses

voltados às relações globais. Dessa forma, as grandes empresas mundiais de projetos de

infraestruturas, de exploração de petróleo e também de negócios, consideram esses países

como um eldorado, verdadeiras aberturas para os mercados do Oriente, aproveitando a

ausência de limitações sociais. Então, não é difícil perceber que na relação entre as lógicas

zonal e reticular , “(...) muito mais do que a superação de uma lógica pela outra, trata-se do

convívio entre distintas formas de manifestação do fenômeno regional e,

consequentemente, de sua própria conceituação” (Haesbaert, 2010a, p.126).

Os países do Golfo árabe-pérsico, portanto, experimentam esse movimento de

urbanização acelerada e de inserção definitiva na dinâmica do capitalismo global. Dessa

forma são idealizados megaprojetos como centros de convenções, estádios de futebol,

autódromos, museus, shopping centers espetaculares, parques de entretenimentos como o

da Ferrari, zonas portuárias renovadas, aeroportos sofisticados, entre outros. Para exercer

um grande fascínio sobre os consumidores de alto padrão financeiro e transformar o

desenvolvimento espetaculoso do CCG em outras formas de investimentos, os

empreendedores, aí incluindo os governos e a mídia, implementam todo um mecanismo de

divulgação das cidades como locais diferenciados. Mas ao criar a imagem física e social

das cidades com a finalidade de torná-las mais competitivas, esses promotores acabam

produzindo graves problemas políticos e sociais internos.

O primeiro elemento fundamental dessa urbanização é a mudança do padrão

administrativismo para o empreendedorismo. As cidades saem da passividade e ganham

atitude empreendedora, isso significa mais autonomia para a formação de uma coalizão

local (ou governança) e a realização de projetos que se adaptam a cada localidade. Essa

coalizão é formada por líderes locais que representam diversos grupos de atores, com

interesses diversos que vão ser disputados no decorrer do processo de urbanização. A opção

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pelo empreendedorismo faz com que a cidade deixe de ser receptáculo de investimentos e

passe a ser ativa para a própria produção do espaço, criando meios para a captação de

recursos a partir da consolidação de espetáculos temporários e permanentes (Harvey, 2005).

Portanto, é um tipo de urbanização baseado amplamente na especulação. O sucesso

dos empreendimentos e da parceria gera uma onda de investimentos circulares que atrai

novos investimentos num efeito em cadeia. Isso é evidenciado na peculiaridade e no

gigantismo dos empreendimentos que exploram ininterruptamente a visão do exótico e do

único, onde a urbanização procura misturar a paisagem natural à paisagem artificial (vide as

construções que surgem na Planície costeira do Golfo Pérsico). A parceria público-privada

passa pelo crivo dessas condições, e faz parte de um projeto em desenvolvimento para

tornar os países do CCG como polo de eventos internacionais, como podemos observar nos

grandes prêmios de Fórmula 1 no Bahrein e em Abu Dabhi, na escolha do Qatar como sede

da copa do mundo de 2022, no mundial interclubes em Abu Dabhi, nas discussões sobre a

realidade do comércio internacional em Doha e Dubai, entre outros.

A obtenção do lucro através da exploração da singularidade da região ou dos

empreendimentos é chamada de renda monopolista. Essa estratégia também não é uma

novidade no Oriente Médio, uma vez que tal prática procurou sempre conciliar as imagens

regionais às necessidades do capital. Assim, esse padrão de urbanização foi iniciado em

Dubai e logo ganhou grande aceitação (impacto visual causado) e se difundiu para outros

países. Com uma maior inserção da região nesse processo de urbanização, a própria lógica

capitalista se reproduz, pois as diferentes localidades vão disputar os investimentos

externos consequentemente acabam estimulando a competição. Esses Estados apesar de

formarem um conjunto relativamente homogêneo, são rivais na atração de capitais e

atividades econômicas.

Associado aos empreendimentos magníficos existe um conjunto de ações que

objetiva construir um imaginário coletivo a partir de práticas culturais historicamente

constituídas, e um discurso regionalista que referenda o Oriente Médio como um lugar de

experiências únicas, como se fosse possível retornar ao “Oriente Médio das mil e uma

noites”. Esse discurso que retoma a cultura local, antes subalternizada, possui uma

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intencionalidade, ou seja, relaciona a concepção do exótico à magnitude dos megaprojetos,

mesclando elementos que referenciam a identidade regional às obras futuristas.

O uso da renda monopolista como forma de impulsionar a produção do espaço,

privilegia a construção de um ambiente para receber as elites que estão para além do

Oriente Médio. Com isso acontece uma padronização perigosa dessas sociedades. A ação

sempre focada no desenvolvimento econômico e não no desenvolvimento social, aponta

para essa busca por uma sociedade elitizada que seja sempre itinerante.

Os operários oriundos de vários países da região e atraídos pela promessa de uma

vida melhor estão à margem das magníficas edificações que marcam o espaço costeiro do

Golfo Pérsico. No topo da pirâmide social estão os governantes e seus familiares que

confundem suas propriedades com a do Estado, e organizam o território como bem

entendem. Tais grupos sociais desenvolvem projetos megalomaníacos como as ilhas

artificiais, Palm Islands e The World em Dubai ou The Pearl em Doha, ou o Burj Dubai ( o

maior prédio do mundo), enquanto os bairros dos trabalhadores (como Sonapur em Dubai)

não foram objeto de nenhuma planificação. Aquele tipo de urbanização mostra um impacto

visual muito grande, denotando riqueza, mas as condições de trabalho para os imigrantes da

construção civil são deploráveis, vivem em situação de insalubridade, e em 2006, na obra

do Burj Dubai, conforme afirma Piolet (2009), o pagamento oscilava entre 2,85 a 5,50

euros por dia, e viviam amontoados e trabalhavam cotidianamente em risco, sem a presença

de sindicatos.

De acordo com Piolet (2009), apesar dos imigrantes comporem de 70% a 80% a

estrutura populacional de países como os Emirados Árabes Unidos e o Qatar, os

governantes impedem que esses trabalhadores estrangeiros adquiram a nacionalidade do

país onde estão localizados ou mesmo compartilham de trocas culturais, já que ali a

sociedade é hierarquizada. Assim, os trabalhadores se reagrupam por nacionalidade e

reorganizam os bairros como nos seus países de origem, mas qualquer alteração depende da

autorização do Emir. Esses trabalhadores de baixa qualificação (operários da construção

civil, domésticas, trabalhadores de transportes e de manutenção, entre outros) são

provenientes principalmente do Subcontinente Indiano, e continuam reproduzindo as vidas

miseráveis que levavam em seus países de origem. No CCG, não podem se organizar

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politicamente em sindicatos, constituem para os países do Golfo arábico-pérsico um

paradoxo: eles são indispensáveis à economia, e sua proporção dentro da população ativa é

considerável, mas não são reconhecidos como cidadãos.

Essas práticas desenvolvidas pelos governos do Golfo árabe-pérsico de uma

inserção mais promissora na lógica global, produziram contrastes sociais alarmantes em

países que apresentam elevado Produto Interno Bruto. Tal abismo socioeconômico

intensificou os conflitos no CCG e ameaça ganhar proporções alarmantes. Os motins têm se

tornado mais frequentes e as autoridades locais procuram contê-los para não afugentar os

investimentos ocidentais. Diversas estratégias como invasões de Embaixadas, greves e

bloqueio de estradas são realizadas. Para o ministro do Trabalho de Bahrein, os riscos de

desestabilização são reais, pois existem cerca de 17 milhões de trabalhadores estrangeiros dentro do

Golfo, principalmente do Subcontiente Indiano, e em 10 anos esse número poderá chegar a 30

milhões. Isso se constitui um “perigo mais grave que uma bomba atômica ou um ataque israelense”,

disse o ministro (Piolet, 2009).

Ao tomarmos o Oriente Médio como exemplo da complexidade dos fenômenos

regionais, observamos que atualmente não há como analisar a região sem considerar suas

relações em diferentes níveis escalares. Se durante as leituras clássicas, a região foi

concebida como um espaço contínuo, estável e singular, tais concepções são reconfiguradas

a partir dos fluxos globais. Então, percebemos que existe um descompasso entre as

abordagens consagradas nos materiais didáticos e a dinâmica regional. Portanto, torna-se

um desafio aos professores de Geografia ir além da ideia de coesão e coerência que

estrutura as análises sobre o Oriente Médio e entender que as mesmas podem estar

articuladas a outros níveis de compreensão. É o que ressalta Haesbaert (2010a, p.154-155):

Dependendo das frações do espaço a serem abordadas, este se apresenta com um nível de articulação e complexidade de interações muito maior em determinados contextos do que em outros, o que faz com que determinados recortes regionais sejam propostos a partir de critérios semelhantes, mas em escalas diferentes, ou seja, simplificadamente, não é a escala que faz a região, mas a regionalização (enquanto ação ao mesmo tempo concreta e abstrata de criação de regiões) que define a escala a ser priorizada. Definir a priori uma escala cartográfica como escala “regional” seria uma temeridade.

Page 14: OS DESAFIOS DA RELAÇÃO REGIONAL-GLOBAL NO ENSINO DE GEOGRAFIA : UMA REFLEXÃO A PARTIR DO ORIENTE MÉDIO

REFERÊNCIAS

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BIBLIOGRAFIA

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