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Versão On-line ISBN 978-85-8015-075-9 Cadernos PDE OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE NA PERSPECTIVA DO PROFESSOR PDE Produções Didático-Pedagógicas

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Versão On-line ISBN 978-85-8015-075-9Cadernos PDE

OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSENA PERSPECTIVA DO PROFESSOR PDE

Produções Didático-Pedagógicas

Ficha para identificação da Produção Didático-pedagógica – Turma 2013

Título: CONGADAS, CONGADOS, CONGO-UMA PROPOSTA INTERDISCIPLINAR PARA O ENSINO MÉDIO A PARTIR DOS ESCRITOS DE LUÍS DA CÂMARA CASCUDO

Autor: Jane Cadamuro Nunes

Disciplina/Área: História

Escola de Implementação do Projeto e sua localização:

Colégio Estadual Parigot de Souza- Ensino Fundamental, Médio e Profissional de Mandaguaçu-PR.

Município da escola: Mandaguaçu-PR.

Núcleo Regional de Educação: Maringá-PR

Professor Orientador: Vanda Fortuna Serafim

Instituição de Ensino Superior: Universidade Estadual de Maringá-UEM

Relação Interdisciplinar:

História, arte Sociologia e geografia.

Resumo:

A temática desse projeto consiste nos estudos das Congadas, enquanto uma manifestação cultural afro-brasileira a ser trabalhada nos conteúdos escolares de forma interdisciplinar no ensino médio. A proposta é oferecer aos professores da Rede Estadual do Município de Mandaguaçu-PR, atividades interdisciplinares acerca das Congadas, nas disciplinas de História, Arte e Sociologia. As fontes bibliográfica utilizadas serão as obras de Luís da Câmara Cascudo: Antologia do Folclore Brasileiro, volume 1 e 2 e Dicionário do Folclore Brasileiro. Para isso tomará como aporte o livro de Peter Burke Hibridismo Cultural.

Palavras-chave:

Congada, interdisciplinaridade

Formato do Material Didático: Unidade Didática

Público:

Professores

SECRETARIA DE ESTADO DA EDUCAÇÃO SUPERINTENDÊNCIA DA EDUCAÇÃO

DEPARTAMENTO DE POLÍTICAS E PROGRAMAS EDUCACIONAIS COORDENAÇÃO ESTADUAL DO PDE

UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ

Jane Cadamuro Nunes Orientadora: Profª Dra. Vanda Fortuna Serafim

CONGADAS, CONGADOS, CONGOS – UMA PROPOSTA INTERDISC IPLINAR PARA O ENSINO MÉDIO A PARTIR DOS ESCRITOS DE LUÍS D A CAMARA

CASCUDO. MARINGÁ 2013

Apresentação A elaboração deste material tem como objetivo inserir o tema Congadas nos

conteúdos escolares, propondo atividades interdisciplinares nas disciplinas de

História, Geografia, Arte e Sociologia. A proposta é apresentar aos professores da

Rede Pública de Ensino do Estado do Paraná um elemento importante da cultura

afro-brasileira, buscando contribuir para a superação da superficialidade e do

isolamento dos conteúdos no que diz respeito à História e Cultura Afro-brasileira.

Houve a escolha do tema Congadas, como objeto de estudo, por ser uma

manifestação cultural com origem no Brasil Colônia e presente até hoje em várias

regiões do Brasil. Mas, infelizmente, desconhecida de grande parte dos alunos e

professores do Estado do Paraná.

A proposta de inserção do tema nos conteúdos escolares pretende contribuir

para o não esquecimento da contribuição de negros e mestiços no processo de

formação da cultura brasileira, evitando a manutenção da ideia de que existe uma

única herança branca e eurocêntrica.

O hibridismo cultural das Congadas, com elementos ibéricos e africanos,

ajuda a desmistificar, sobretudo no currículo de História, a ideia de que não haveria

nada no mundo antes da Europa.

A Congada, como cultura híbrida que resistiu desde o período colonial até os

dias de hoje, mantendo a tradição africana, possibilita o conhecimento mais

aprofundado de alguns aspectos da vida de africanos vindos ao Brasil durante o

período da escravidão.

Numa proposta interdisciplinar, baseada no folclorista Luís da Câmara

Cascudo, o tema Congada oferece um grande leque para o estudo da história,

cultura africana e afro-brasileira nos conteúdos escolares, iniciando um diálogo entre

História, Geografia, Arte e Sociologia.

Para implementar a unidade didática, será realizado um curso de extensão

para professores do PDE com duração de trinta e duas horas. O curso de extensão

será desenvolvido no Colégio Estadual Parigot de Souza – Ensino Fundamental,

Médio e Profissional, de Mandaguaçu – Paraná. E será dividido em oito encontros

de quatro horas cada um, visando dar conta das três grandes temáticas

apresentadas a seguir.

1. Luís da Câmara Cascudo e a cultura brasileira.

— Já consultou o Cascudo? O Cascudo é quem sabe. Me traga aqui o Cascudo. O Cascudo aparece, e decide a parada. Todos o respeitam e vão por êle. Não é pròpriamente uma pessoa, ou antes, é uma pessoa em dois grossos volumes, em forma de dicionário que convém ter sempre à mão, para quando surgir uma dúvida sôbre costumes, festas, artes do nosso povo. Êle diz tintim-por-tintim a alma do Brasil em suas heranças mágicas, suas manifestações rituais, seu comportamento em face do mistério e da realidade comezinha. Em vez de falar Dicionário Brasileiro poupa-se tempo falando “o Cascudo”, seu autor, mas o autor não é só dicionário, é muito mais, e sua bibliografia de estudos folclóricos e históricos marca uma bela vida de trabalho inserido na preocupação de “viver” o Brasi1.

O folclorista Luís da Câmara Cascudo (1898-1986) contribui imensamente

para o mapeamento do folclore, das lendas e manifestações culturais brasileiras.

Importante figura do pensamento intelectual brasileiro, é sempre difícil apresentá-lo

sem cair em reducionismos. No centenário de seu nascimento, o site biográfico

“Memória Viva”2 destacou importantes aspectos da vida de Cascudo que o permitem

pensar como um sujeito histórico complexo e de atuação diversa. A trajetória de

cascudo perpassaria assim de “um brasileiro feliz” a “um provinciano incurável”.

Segundo o jornalista, professor universitário e membro da Academia Norte-

Riograndense de Letras, Vicente Serejo3 (1998), Luís da Câmara Cascudo era filho

único do comerciante e coronel da Guarda Nacional Francisco Justino de Oliveira

Cascudo e da dona-de-casa Anna Maria da Câmara Cascudo. Nasceu em Natal, a

30 de dezembro de 1898, onde viveu 88 anos até seu coração parar na tarde do dia

de 30 de julho de 1986.Sua trajetória de vida explicaria o interesse pelo Brasil.

Vivendo no verão, os dias na beira do mar, entre barcos e pescadores, e no inverno

1 ANDRADE, Carlos Drummond de. Imagem de Cascudo (Adaptação). 1998. Disponível em: http://www.memoriaviva.com.br/cascudo/vida4.htm Acesso: 12/11/2013.

2Disponível em: http://www.memoriaviva.com.br/ . Acesso em: 12//11/2013.

3 SEREJO, Vicente Serejo. Centenário do nascimento de Luís da Câmara Cascudo. 1998. Disponível em: http://www.memoriaviva.com.br/cascudo/vida1.htm Acesso: 12/11/2013.

passando os dias no sertão ouvindo vaqueiros e cantadores, Cascudo teria

sedimentado a cultura descobridora de homem brasileiro.

Cascudo chegou a cursar os primeiros anos de Medicina na Bahia e no Rio

de Janeiro, mas formou-se Bacharel em Direito na faculdade de Direito do Recife,

onde teve contato com os discursos de Joaquim Nabuco, Tobias Monteiro e Castro

Alves. Foi também jornalista, tendo atuado no jornal A Imprensa, organizado por seu

pai. Seu primeiro livro, Alma Patrícia, foi publicado em 1921, reunindo pequenos

estudos sobre poetas e prosadores na Natal de seu tempo(SEREJO, 1998).

Em sintonia com os modernistas do Recife e de São Paulo, Luís da Câmara

Cascudo se interessa pelo homem comum nas suas crenças e costumes, seus

cantos e suas danças, suas músicas e suas técnicas, sua vida e sua morte.Em 1939

lança Vaqueiros e Cantadores e seu nome se coloca, a partir de então, como uma

referência no estudo do saber do povo. A partir disto funda a Sociedade Brasileira de

Folclore. Propõe uma teoria para a Cultura popular. Ergue com erudição um conceito

brasileiro para a Literatura Oral. Viaja para beber nas fontes africanas o vinho

arcaico de nossas raízes (SEREJO, 1998).

Com mais de uma centena de títulos entre livros, traduções, opúsculos e

artigos publicados no Brasil e em vários países, podemos destacar Dicionário do

Folclore Brasileiro, Civilização e cultura, História da alimentação no Brasil, Jangada

e Rede de dormir. Nesse sentido é relevante as definições de Serejo (1998) como o

antropólogo das superstições; etnólogo dos costumes; sociólogo do açúcar e

historiador dos gestos; comparando a obra de Cascudo, ao mesmo tempo, a um

continente e uma ilha.

Descrito ainda pelo autor de Câmara Cascudo, um brasileiro feliz4,como um

homem de bom humor, simpático e de extraordinárias virtudes humanas (LIMA,

1998). Em concordância, Sanderson Negreiros (1998) jornalista, poeta e membro

da Academia Norte-Riograndense de Letras, destacou três aspectos que pouco se

enfatizou na obra de Cascudo e que poderiam render temas de estudo. São eles: o

poder de sugestão lírica, presente em grande parte do que escreveu; o

epistológrafo, pois, foi o diuturno escrevente de cartas, mais de 40 cartas de Mário

de Andrade, além de Monteiro Lobato, mas o maior número de cartas, que seria a

história de uma bela e humana amizade, foi com Nilo Pereira, o barão do Guaporé,

4 LIMA, Diógenes da Cunha. Câmara Cascudo, um brasileiro feliz.22/10/ 1998. Disponível em: http://www.memoriaviva.com.br/cascudo/vida2.htm Acesso: 12/11/2013.

que deve cobrir quase cinquenta anos de confidências e anotações à margem de

duas vidas riquíssimas (NEGREIROS, 1988).

Definidor de si mesmo como um “provinciano incurável”, Câmara Cascudo,

em um texto publicado pela primeira vez no livro Província, editado pela Fundação

José Augusto, em 1969, se auto explica:

“Queria saber a história de todas as cousas do campo e da cidade. Convivências dos humildes, sábios, analfabetos, sabedores dos segredos do Mar das Estrelas, dos morros silenciosos. Assombrações. Mistérios. Jamais abandonei o caminho que leva ao encantamento do passado. Pesquisas. Indagações. Confidências que hoje não têm preço. Percepção medular da contemporaneidade. Nossa casa no Tirol hospedou a Família Imperial e Fabião das Queimadas, cantador que fora escravo. Intimidade com a velha Silvana, Cebola quente, alforriada na Abolição. Filho único de chefe político, ninguém acreditava no meu desinteresse eleitoral. Impossível para mim dividir conterrâneos em cores, gestos de dedos, quando a terra é uma unidade com sua gente. Foram os motivos de minha vida expostos em todos os livros. Em outubro de 1968 terei meio século nessa obstinação sentimental. Devoção aos mesmos santos tradicionais”5.

Exposta a importância de Câmara Cascuda para o estudo da cultura

brasileira, nossa proposta consiste no estudo das Congadas, enquanto uma

manifestação cultural, a partir das descrições presentes nas obras Antologia do

folclore brasileiro (2003) e Dicionário do folclore brasileiro (1999).

5 CASCUDO, Câmara. Um provinciano incurável. Disponível em: http://www.memoriaviva.com.br/cascudo/vida5.htm Acesso: 12/11/2013.

2. Congadas, Congados, Congos.

Autos populares brasileiros de motivação africana, representados no Norte, Centro e Sul do país. Os elementos de formação foram: A) Coroação dos Reis de Congo; B) préstitos e embaixadas; C) reminiscências de bailados guerreiros, documentativos de lutas, e a reminiscência da Rainha Njinga Nbandi, Rainha de Angola, falecida a 17 de dezembro de 1663, famosa Rainha Ginga, defensora da autonomia do seu reinado contra os portugueses, batendo-se constantemente com os sobados vizinhos, inclusive o de Cariongo, circunscrição de Luanda. No Congos do Rio Grande do Norte, o rei local é Henrique, rei cariongo, transformado em rei de Congo, noutras paragens. Especificamente, como vemos e lemos no Brasil, nunca esses autos existiram no território africano. É trabalho da escravaria já nacional com material negro, tal qual ocorre com o fandango, dança em Espanha e Portugal e auto no Brasil, ao derredor da xácara da “Nau Catarineta”. (CASCUDO, 1999, p. 298).

A citação acima trata-se da transcrição literal que Câmara Cascudo traz em

ser Dicionário do Folclore Brasileiro para definir a manifestação cultural aqui

trabalhada. Presente na África e recriada no Rio Grande do Norte, Cascudo nos

indica de início os processos de apropriação e ressignificações sofridos pelas

manifestações culturais no Brasil. Mais que isto, como se espalha, se adapta e se

modifica pelas diferentes regiões do país: Rio Grande do Norte, Recife, Rio Grande

do Sul, São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Amazonas, Ceará e Pernambuco.

Sendo que em cada um destes estados assume diferentes feições e significações.

Mudam-se os reis a serem coroados, os santos, as irmandades, a presença da

Rainha. Inserem-se elementos culturais: o negro, o caboclo, o português, o mouro, o

cristão, etc.

Já de início percebemos em sua descrição a presença de diferentes etnias

africanas: bantos e sudaneses; além da interpretação de a coroação do Rei Congo

era uma forma de controlar os levantes escravos e manter a disciplina e ordem

colonial.

“A) a coroação dos reis de congo, denominação comum que abrangia sudaneses e bantos, já era realizada na igreja de N.Sª do Rosário no Recife, em 1674, N.Sª do Rosário dos Homens Pretos, aparecendo Antonio Carvalho e Ângela Ribeira, sendo rei e rainha de congo (Arquivos, 1º e 2º, 55-56, Diretoria de Documentação e Cultura. Prefeitura de Recife, 1949-1950). As autoridades prestigiavam as solenidades para quietação e disciplina da escravaria, que se rejubilava vendo o seu rei coroado. (CASCUDO, 1999, p. 298).

Além disso, identificamos a importância da festa e dos adereços. Como a fé

dos escravos hibridizava-se com a instituição da Igreja Católica, tornando-se assim

uma prática social e uma festividade à parte. A presença dos santos, tão própria do

catolicismo português, associadas a crença e devoção dos africanos, marcavam

toda a festividade.

Em certas ocasiões, a festa alcançava esplendor pelo empréstimo de jóias, adereços e trajes riquíssimos, cedidos pelos amos. Reunidos os escravos e mesmo mestiços e forros, iam buscar o régio casal, processionalmente, levando-o à igreja, onde eram coroados pelo vigário. De ida e de volta o cortejo executava bailados, jogos de agilidade e simulação guerreira, cheque de armas brancas, dança de espadas, a danse dês Matassins, tão vulgarizada no mundo, especialmente nos sécs. XVI e XVII e já velha na Roma Imperial. N.Sª do Rosário, padroeira dos Pretos, sofreu a concorrência de S. Benedito e Santa Ifigênia, também pretos, e também Santo Antônio Preto (ver). A imagem de N. Sª do Rosário era, às vezes, pintada de negro, num solidarismo racial instintivo. Johann Emanuel Pohl assistiu à festa de S. Ifigênia, em Traíras, Goiás, 1819, com espetacular magnificência (ver Ifigênia). As Irmandades de Nossa Senhora do Rosário ajudavam, tenazmente, essas coroações, que as enalteciam. Regressando às sedes, casas alugadas ou cedidas, havia baile, comida farta, bebida, alegria estridente.(CASCUDO, 1999, p. 298-299).

A presença das irmandades também marca toda esta manifestação cultural,

associados principalmente a figura das embaixadas. Recria-se e retomam-se figuras

e características históricas: mouros, índios, negros, rei Congo, todos passam a fazer

parte de um mesmo e novo universal simbólico e cultural.

B) Os préstitos, reinos e embaixadas, desdobramento de trechos tornados autônomos da coroação, aglutinam danças e cantos independentes, aculturando-os ao enredo do folguedo cuja unção religiosa diluiu-se. Houve, em Janeiro de 1760, um “Reino do Congo” no Rio, numa festa oficial. Um modelo é o Maracatu (ver), constando de puro cortejo coreográfico, com Rainha, estandartes, músicos, cortes, bonecas, juntando-se posteriormente indígenas emplumados e saltadores. (Ver embaixada). Essas embaixadas deram grande impulso à ação dos autos, mensagem, intimação, resposta, duelo verbal em altiva declamação, ao sabor enfático da orgulhosa procedência da diplomacia africana. A embaixada anuncia-se com um bailado e é recebida com cerimonial ginástico. O Embaixador dá missão com aprumo incomparável e dança ao terminar o recado. Segue-se uma cena de luta do Enviado com os fiéis do monarca deprecado. Um bom exemplo da transformação do préstito em embaixada, e esta em auto guerreiro, é a Congada de S.Paulo, vale do Paraíba, zonas da Mogiana, Paulista, Sorocabana, Vale da Ribeira, Bragantina e sul do Estado, reunidas por Alceu Maynard Araújo (Documentário Folclórico Paulista, 47-49, S. Paulo, 1952), com documentação fotográfica de Piracaia, junho. Verifica-se o ataque dos Mouros ao Rei de Congo. Preso o filho do atacante. Embaixada moura. Troca de enviados. Discussão. Debates. Batalha entre mouros e cristãos (os Rei de Congo), com a vitória destes. Não temos pormenores do reinado dos Congos assim como das danças dos Congos, apresentadas no Paço do Conselho da cidade de Salvador em 6 de junho de 1760, festejando-se o casamento da Princesa Real (depois Rainha D.

Maria Primeira) com seu tio, depois El-Rei D.Pedro III. Guilherme de Melo ( A Música no Brasil, 52, Rio de Janeiro, 1947) informa que “o Reinado dos Congos se compunha de mais de oitenta máscaras, com fardas ao seu modo de trajar, riquíssimas pelo muito ouro e diamantes de que se ornavam”. Da Dança dos Congos adianta que “se apresentam os ourives em forma de embaixada”. A exibição dos bailados indígenas sempre ocorria em forma preliminar de visita, comitiva, chegada, embaixada ao Rei ou às pessoas protetoras que os recepcionavam. (CASCUDO, 1999, p. 299).

Detectamos ainda presença das danças guerreiras e a figura da Rainha

Ginga, presente apenas em algumas localidades. É visível a preocupação de

Cascudo em recorrer a arquivos, escritos de viajantes e naturalistas como Martius

que coletaram informações sobre a cultura brasileira. Percebe-se na citação abaixo,

como a Congada une elementos das mais diversas culturas.

C) Ciclo da rainha Ginga e dos autos guerreiros. Em junho de 1818, no Tijuco (Diamantina, Minhas Gerais), Von Martus presenciou a festa do Rei Congo e Rainha Ginga. Coroação préstito, visitando as pessoas gradas. O Reinado do Congos de 1760 na Bahia, a deduzir-se pelo título, devia ter sido préstito com alguns bailados. O Reinado democratizou-se em Reisado(ver). As danças guerreiras nasceram de reconstituições sintéticas, comemorativas de campanhas felizes. A dança era uma homenagem votiva, bailando-se aos deuses e aos soberanos. Todos os antigos autos e danças dramáticas tinham o sentido oblacional e, quando ocorria um préstito, iniciava-se diante das igrejas ou Catedrais, dançando-se nos adros ou mesmo no interior dos templos, como ainda bailam gravemente os Gigantones ante o altar-mor do Apóstolo de Espanha, em Santiago de Compostela, ou os seises na Capilla-Mayor de Sevilha ou as “Calendas” em Vila do Conde. Congadas, Congados, Congos e autos semelhantes vinham à porta da matriz, incluídos nas devoções populares do ciclo de Natal. No Brasil o elemento indígena convergiu, num ou noutro lugar, para os Congos (ver Cucumbi, Boi-Bumbá, Quilombos, Maracatu, Ticumbi). (CASCUDO, 1999, p. 300).

Justamente por conta da diversidade cultural, o próprio Câmara Cascudo já

percebia a dificuldade em tratar as Congadas como uma manifestação cultural

estanque e/ou congelada em tempo em espaço. Neste sentido, encontramos em seu

texto as indicações das variações que as Congadas sofreram nas diferentes regiões

do Brasil.

Da Bahia ao Amazonas, os autos e danças dramáticas não tem figuras femininas e nas áreas tradicionais de sua representação, da Bahia ao Ceará, a Rainha Ginga não comparece, e sim um seu Embaixador. Em Minas Gerais e Rio Grande do Sul, em préstitos, está a Rainha Ginga, silenciosa e desfilando, soberba, ao lado do Rei de Congo, seu impossível esposo, pois, historicamente, foi inimigo tenaz e tantas vezes derrotado. No Rio Grande do Norte, onde os Congos são vivos há quase século e meio, o embaixador, desatendido pelo Rei de Congo (Henrique Rei Cariongo), entra em peleja, mata o Príncipe Sueno e leva o próprio Rei prisioneiro. Não há ressureição e nenhum papel feminino, embora, à volta de 1956, apareça

uma muda Rainha Ginga que nada tem que dizer e limita-se a balancear o corpo nos bailados (cidade de Natal e fotos que ilustram o Danças no Brasil, de Felicitas). Na versão baiana de Melo Morais Filho é um caboclo(indígena) o matador do Príncipe, que volta a viver, e há luta entre os dois partidos. Na variante pernambucana de Pereira da Costa o auto finaliza em festas e pazes. Em Atibaia, S. Paulo, (informação do Sr. João Batista Candi) não há morte do Príncipe e intervenção do feiticeiro, e sim uma guerra entre o Rei e um General invasor, vencido e batizado, lembrando as cheganças ou Cristãos e Mouros (ver). Em Goiás, o Congado é uma embaixada da Princesa Miguela ao Rei seu primo que recebe belicosamente o emissário e, depois de breves escaramuças, o proclama Duque e Mirante-Mor (CASCUDO, 1999, p.300).

Expostas as questões iniciais acerca de nosso objeto de estudos: as

Congadas enquanto uma manifestação cultural a partir dos escritos de Câmara

Cascudo, podemos, agora passar para a nossa proposta interdisciplinar de Ensino.

3. Uma proposta interdisciplinar

O principal vício que ameaça o conhecimento é a simplificação

determinista/redutora, para a qual o conhecimento é um produto trivial de uma

máquina social trivial. Toda a explicação que reduza o conhecimento ou ideia aos

determinismos de uma única disciplina torna o conhecimento inexplicável; sua

verdade é suicida, pois mata a ideia de verdade (MORIN, 2005). Compartilhar deste

entendimento proposto por Edgar Morin, não significa de modo algum, atentar contra

os determinismos sociais-culturais-históricos, ao contrário, significa dizer que a

sociedade não poderia, tampouco o indivíduo, ser considerada como uma máquina

trivial (mecanicamente determinista), embora imponha as suas limitações e

determinações aos indivíduos, e ainda que estes se submetam e obedeça na maior

parte dos casos. (MORIN, 2005).

3.1 Dialogando com a Geografia

É comum, no ambiente escolar, os alunos identificarem a África como um só

país, e com uma só cultura. Não tendo conhecimento de que o imenso continente

africano é considerado o berço da humanidade e por isso possui uma história longa

e diversificada. A falta de conhecimento sobre a África, por grande parte dos alunos

e professores, é um problema a ser resolvido, a fim de que possamos superar o

equivoco das generalizações e estereótipos quando o assunto é História da África.

Neste item do trabalho, é possível conhecer um pouco mais acerca das

principais etnias africanas que vieram para o Brasil como povos escravizados.

Segundo o artigo, “De africano a afro-brasileiro: etnia e identidade” (2000) de

Reginaldo Prandi,

Entre os anos de 1525 e 1851, mais de cinco milhões de africanos foram trazidos para o Brasil na condição de escravos, não estando incluídos neste número, que é uma aproximação, aqueles que morreram ainda em solo africano, vitimados pela violência da caça escravista, nem os que pereceram na travessia oceânica (p. 52).

Para investigar a origem dessa população, é necessário analisar as rotas de

tráfico de escravos, os estudos apontam para três regiões:

Costa Ocidental da África (Costa da Mina, sobretudo);

África Centro Ocidental (Angola-Congo);

Costa Oriental (Moçambique).

Nessa investigação é importante destacar o mapa abaixo:

Linhas de tráfico de escravos África - Brasil6.

Segundo Beatriz Gallotti Mamigonian (2005), no artigo “África no Brasil: Mapa

de uma área de extensão”:

“Segundo Mariza Soares, o universo semântico que recobre o conjunto das procedências ou nações é variado: ”Não existe qualquer homogeneidade nos nomes das procedências: vão desde os nomes de ilhas, portos de embarque, vilas e reinos a pequenos grupos étnicos”. Assim, no conjunto de registros de “nações” que um historiador vai manipular, existirão registros genéricos como “Angola”, que designa africanos que passaram pelo porto de Luanda. “Cassange”, para os que foram comercializados no mercado deste nome a oeste do Rio Coango, ou mais específicos como “Uamba”, grupo da região a leste do porto de Benguela. Mas, em geral, os registros tendem a reagrupar pequenos grupos étnicos sob identidades maiores, como “Mina” ou “Congo”, para identificar os escravos africanos como “de nação”. Isto é, em geral, os registros de nação denotam identidades construídas do lado de cá do Atlântico. (P. 41).

6Asduas Áfricas – Brasil Escola. Disponível em:http://1.bp.blogspot.com/_KMwqm4cU9hA/SCyrtj0AHhI/AAAAAAAAACs/8rHGszscPP0/s1600-h/Mapa+do+tr%C3%A1fico.jpg(acesso em 25/09/2013).

Em virtude disto, buscaremos situar duas etnias, tidas como principais na

constituição do povo brasileiro, a partir de Luís da Câmara Cascudo e do Dicionário

do Folclore Brasileiro, escrito nas décadas de 40 e 50, o dicionário nasceu do desejo

do autor em ter em mãos, até para consultas pessoais, um volume que falasse sobre

nossa cultura popular. Nele Cascudo traz suas pesquisas sobre lendas, mitos,

superstições, indumentária, bebidas e comidas tradicionais, santos e folcloristas.

BANTOS Grupo de cerca de cinqüenta milhões de homens na África central e SE, falando duzentas e setenta e quatro línguas e dialetos aparentados. Banto é família linguística e não etnográfica ou antropológica. O domínio de Portugal na Guiné, Angola e Moçambique facilitou a exportação escrava em grande massa para o Brasil, onde o negro de Angola era sinônimo de cativo e a popularidade dos bantos se afirmou, desde o séc. XVII, nas agremiações e irmandades de Nossa Senhora do Rosário, onde eles dirigiam e defenderam suas festas sob a égide católica. Guiné se tornou a fonte única da remessa negra mesmo para os documentos oficiais. Estudando esse vocábulo, Cândido Mendes de Almeida (ordenações do Reino, nota ao parágrafo 7, título XVII, Livro IV) informava: ”essa expressão compreendia todos os países da África que outrora abasteciam o mercado do Brasil de escravos.” Durante muitos anos os historiadores davam aos bantos quase a totalidade da influência religiosa, nos costumes e superstições do povo brasileiro. Quando foram enviados para América do Sul, os Bantos tinham elementos fortes da cultura Árabe e por esse intermédio lendas, mitos, tradições orientais vieram nas suas memórias.(CASCUDO, 1999,p.137) .

SUDANESES Compreende os iorubas da Nigéria (Nagô, ijexá, eubá, quêtu, ibadau, iobu etc.), os negros do Daoamé (jeje etc.), fanti-ashanti da Costa do ouro, chamados popularmente de minas, e os grupos de outras regiões da Gâmbia, Serra Leoa, Sibária, Costa do Marfim, da Malagueta, etc. Estende-se como influência sudanesa, às culturas guineano-sudanesas, que tiveram credo muçulmano, fulas, mandingas, haussás e elementos de menor porção, tapa, bornu, gurunsi, etc. Nina Rodrigues (Os Africanos no Brasil, pág. 58), aludindo à massa escrava vivendo no Brasil decide: “Dentre estes, se não a numérica, pelo menos a proeminência intelectual e social, coube, sem contestação, aos negros sudaneses (CASCUDO, 1999, p.835) .

Proposta de Atividade:

Trabalho com mapas históricos que permitam conhecer as rotas do tráfico, podendo

desta maneira, retomar as etnias dos povos africanos trazidos para o Brasil,

conhecendo os principais grupos étnicos que compuseram a cultura brasileira e

buscando perceber as características (IDH, População, Religião, etc) destas regiões

na atualidade.

3.2 Dialogando com as Artes

Em Antologia do Folclore Brasileiro (2003), Cascudo apresenta diferentes

momentos que compõem a manifestação cultural da Congada, em especial a eleição

e coroação do Rei Congo.

Atentando a eleição e coroação do Rei Congo, temos a seguinte descrição:

Cada um dos primeiros trazia na cabeça uma coroa de papel colorido e dourado. O Rei estava vestido com uma velha roupa de cores diversas, vermelho, verde a amarelo, manto, jaleco e calções. Trazia na mão um cetro de madeira, lindamente dourado. A rainha envergava-se com um vestido de seda azul, da moda antiga. (CASCUDO, 2003.p. 73).

Sobre a eleição de um Rei Congo em Sabará, Cascudo (2003) traz as

descrições do viajante Francis de la Porte de Castelnau, associando-a uma grande

festa de negros, realizada anualmente.

A cena era muito curiosa, misturando singularmente as reminiscências da costa africana com os costumes brasileiros e cerimônias religiosas. À principio, o rei de Congo, em companhia de sua metade, vem ocupar uma das cadeiras postas de antemão para uso dá corte. Ambos estão magnificamente vestidos, trazem coroas de prata maciça e cedros dourados. Um grande guarda-chuva os garante da influencia da lua, que vem nascendo. Coisa digna de reparo, o rei traz uma mascara preta, como se tivesse receio de que a permanência no país lhe tivesse desbotado a cor natural. A corte, em cujos trajes se misturam todas as cores e os enfeites mais extravagantes, senta-se de cada lado do casal de reis; vem depois de uma infinidade de outros personagens, os mais consideráveis dos quais erma sem dúvidas grande capitães, guerreiros, famosos ou embaixadores de potencias longínquas, todos paramentados a moda do selvagens do Brasil, com grandes topetes de penas, sabres de cavalaria ao lado, e escudo no braço. (CASCUDO, 2003, p. 110).

Por meio da descrição é possível identificar como as características de

diferentes nações se hibridizam criando uma manifestação cultural brasileira.

Nesta balbúrdia, confundem-se danças nacionais de diálogos entre pessoas, entre estas e o rei, ou entre o rei e a rainha, combates simulados e toda espécie de cambalhotas dignas dos macacos mais exercitados. A coisa mais divertida era porém um preto mascarado de branco, e vestido com farda vermelha do soldado inglês; trazia um violão e era acompanhado por uma orquestra, por assim dizer, nacional. (CASCUDO, 2003.p. 11o).

Percebemos nas descrições acima a importância estética dos ritos, por meio

das festas e teatralidade. A representação das cores, das danças, dos gestos e

posturas reatualizam um prática mítica antiga da origem das coisas,

Proposta de atividade:

Considerando o caráter de encenação e o jogo ritualístico e estético presente

nas Congadas, as atividades serão realizadas em dois momentos:

1. Reprodução da indumentária utilizada pelos reis, rainhas, guerreiros e

jogadores e também do cenário ritualístico;

2. Encenação das situações acima apresentadas, de modo a valorizar e melhor

compreender, por meio da visualização e vivência o ritual das congadas.

3.3 Dialogando com a Sociologia

A fim de familiarizar os professores/alunos do PDE, com as Congadas, será

feita uma apresentação do trabalho realizado por meio de um curso de extensão, por

meio da exibição do documentário de Martins Ramos, “Congada de Ilhabela” de

20057.

A fim de discutir o documentário e pensar os aspectos históricos, culturais e

religiosos da Congada, tomaremos como base a dissertação de mestrado

Festejando São Benedito: a congada em Ilhabela, recurso cultural brasileiro, da

autoria de Maria Cristina Caponero (2009).

A opção por esta manifestação em Ilhabelha objetiva mostrar como a

festividade se mantém presente, ainda, hoje, em diferentes lugares do país. Para

tanto, discutir-se-á a relação entre festas e identidade nacional, sociabilidade, tempo

e memória.

Serão apresentados, ainda, os diferentes momentos que compõem a

Congadas, ilustrando-os por meio das imagens presentes no trabalho de Caponero

(2009), que apresentam desde os espaços onde ocorrem as Congadas,

perpassando os percursos da procissão e os diferentes momentos que compõe o

ritual da Congada, até a Coroação.

7 Documentário de 17minutos e 6 segundos, dividido em duas partes e disponível em

http://www.youtube.com/watch?v=LQhy3A30TKs e http://www.youtube.com/watch?v=9sB_FXhicp4 . Acesso: 12/11/2013.

Para trazer a Congada, enquanto uma manifestação cultural, mais próxima a

realidade dos alunos, será utilizado ainda o documentário Congada da Lapa8,

dirigido para R. A. Gennaro, que é, também, uma das lembranças da coroação do

rei Congo. Mostra como os escravos que foram trazidos ao Brasil oriundos da região

do Congo, na África, coroavam simbolicamente seus reis buscando uma

aproximação com a realidade vivida. O documentário permite visualizar o cunho

religioso e popular, desta manifestação cultural. Importante destacar que, as

referências mais antigas sobre Congadas no Paraná são do século XIX nas cidades

de Curitiba, Paranaguá, Castro, Lapa e numa cidade perto de Tunas, no norte do

Estado. Todavia, só sobreviveram as congadas da Lapa, realizadas durante a festa

de São Benedito.

Ao atentar as especificidades de cada grupo e localidade o diálogo com a

Sociologia nos permite atentar as singularidades e particularidades de cada

manifestação sem perder de vista a historicidade do processo.

Proposta de atividade

Faça um organograma sobre a Congada segundo as informações trabalhadas no

decorrer do curso, considerando os seguintes itens:

a- Elementos formadores da Congada descritos por Câmara Cascudo.

b- Regiões do Brasil em que é representada a Manifestação cultural Congada.

c- Etnias de abrangência das Congadas.

d- Manutenção e ou alteração das características elencadas por Cascudo nos

Documentários apresentados.

8Documentário Congada da Lapa (Dir. R.A. Gennaro). Parte 1. Disponível em

http://www.youtube.com/watch?v=nXx0OgAIiGYAcesso 12/11/2013 e Documentário Congada da Lapa (Dir. R.A. Gennaro). Parte 2. Disponível em http://www.youtube.com/watch?v=IRZq8Gj3qKQAcesso 12/11/2013

3.4 Dialogando com a História

O diálogo interdisciplinar é sempre salutar a conhecimento científico que é

também um conhecimento humano. Enquanto historiadores que somos, todavia, é

necessário compreender que este diálogo deve ser utilizado de modo a

compreender a historicidade das manifestações culturais no Brasil. Atentando ao

caso das Congadas, Francisco Firmino Sales Neto (2009), em sua dissertação de

mestrado “Luís da Câmara Cascudo: o autor da cidade e o espaço como autoria”,

indica:

Como nos informam seus biógrafos, Luís da Câmara Cascudo nasceu na cidade de Natal, em 30 de dezembro de 1898, e faleceu na mesma cidade em 30 de julho de 1986. Na qualidade de escritor polígrafo, ele publicou incontáveis livros e artigos nas áreas de história, do folclore, da etnografia, da crítica literária, do jornalismo, da biografia etc.² Como folclorista alcançou reconhecimento internacional ou, nos termos do presidente do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte, Enélio Lima Petrovich, como folclorista Câmara Cascudo projetou Natal no mundo (p.14).

Cascudo, ao tratar das Congadas ou Congos, as descreve como “Autos

populares brasileiros”, e conforme seu Dicionário do folclore brasileiro(1999), o termo

“autos” é descrito por ele como:

Forma teatral de enredo popular, com bailados e cantos, tratando de assunto religioso ou profano, representada no ciclo das festas do Natal (dezembro-janeiro). Lapinhas, pastoris, fandango ou marujada, cheganças ou chegança de mouros, bumba-meu-boi, boi, boi de calenba, boi de Reis, congada ou congos, etc.etc. (p.115)

Afim de compreendermos os escritos de Cascudo (1999) é preciso considerar

como indica Carolina Carteli da Silva (2012), na obra Festa ou Devoção? Heranças

Imateriais da Congada em Várias Regiões do Brasil, que a Congada possui

características regionais próprias, adquiridas através de processos sociais

singulares de cada região, e que, apesar desta singularidade, percebemos muitas

características que permaneceram comuns.

É o caso da presença de uma corte real, que em geral possui nomes que denotam reinos africanos como Congo ou mesmo Moçambique, a estrutura do reino que possui sempre rei, rainha, príncipes e princesas, constituindo assim a família real. Quando as crianças saem para celebrar são sempre denominadas de conguinhos. São realizadas anualmente, geralmente nos dias de seus santos protetores, como Nossa Senhora do Rosário e São Benedito e no dia dos Reis, 06 de janeiro. A indumentária também está presente em todas as manifestações, variando apenas na cor e no luxo das

roupas, possuindo vital importância ao definir visualmente o lugar de cada participante na estrutura da manifestação” (p. 30).

Os documentários apresentados anteriormente são elucidativos, justamente,

por permitirem perceber as congadas como uma manifestação não apenas cultural,

mas também histórica, que se modifica em decorrência do tempo e do espaço nos

quais se insere.

Silva (2012, p.6), explica que no Brasil, originada no âmbito das irmandades,

as festas assumem formas europeia de organização para manifestar valores

culturais próprios permeados de valores africanos. Realizada anualmente, a

manifestação cultural Congada tem por objetivo principal louvar seus santos

protetores, os “santos dos pretos”, como São Benedito, Santa Ifigênia e Nossa

Senhora do Rosário”.

Para Marina de Mello e Souza, “a Congada é em cada ano de sua

comemoração um mito fundador de uma comunidade negra, na qual a África

Ancestral é invocada em sua versão cristianizada, elaborado a partir de heranças

africanas, e também de apropriação do universo simbólico dos senhores” (2002,

p.20).Nesta definição, observa-se a perspectiva de encontros culturais, que produziu

uma cultura própria com elementos de religião e dominação social. Nesse sentido, é

necessário compreender mais detalhadamente o encontro cultural, a questão

religiosa e a dominação social que produziu uma manifestação própria no âmbito

das irmandades religiosas no Brasil Colônia.

Atentando a importância das irmandades, José Pereira de Souza Junior

(2009),em “Irmandades religiosas de espaço e disputas políticas na Paraíba

oitocentista” indica que,

Essas associações, além de atividades religiosas que se manifestavam na organização de procissões, festas, coroação de reis e rainhas, também exerciam atribuições de caráter social, como: ajuda aos necessitados, assistência aos doentes, visita aos prisioneiros, concessão de dotes, proteção contra os maus-tratos de seus senhores e ajuda para comprar ou negociar a carta de alforria. No entanto, uma das atribuições mais lembradas nos capítulos dos estatutos ou compromissos de irmandades refere-se à garantia de um enterro para os escravos, frequentemente abandonados por seus senhores nas portas das igrejas ou nas praias para que fossem levados pela maré da tarde. (p.3).

Compartilho da ideia de José Pereira de Souza Junior (2009, p. 4-5), quando

destaca que as festas promovidas pelas irmandades, além de ser uma manifestação

cultural, pode ser entendida como um momento de alegria, de transgressão à ordem

e a oportunidade para questionar a ordem vigente e afirmar seus valores culturais e

religiosos. A festa representava para os negros, instantes de esquecer ou contrariar

os conformismos sociais. Este caráter de ruptura que a festa apresentava em

relação a vida ordinária em que vivia, mostra como a festa rompe com a ordem

social estabelecida.

Além das irmandades, como já foi citado anteriormente por Caroline Carteli

(2012), a manifestação cultural Congada tem por objetivo principal louvar seus

santos protetores, os “Santos Pretos”, como São Benedito, Santa Ifigênia e Nossa

Senhora do Rosário. E para compreender porque esses santos se tornaram

protetores do povo africano na América portuguesa, é interessante a explicação de

Paulo Henrique Silva Pacheco, ao explicar sobre Nossa Senhora do Rosário

“Desde 1450, cerca de 800 escravos foram enviados anualmente a Portugal e, até 1500, cerca de 150 mil foram comercializados pelos portugueses através do Atlântico. A partir de então a Igreja passou a cumprir o papel de integrar esses escravos em uma nova sociedade católica e branca, utilizando as irmandades como principal instrumento para introduzi-los ao catolicismo. A devoção à Nossa Senhora do Rosário foi então utilizada pelos dominicanos para inserir os negros nesse novo universo cultural. Nesse novo universo cultural, um dos fatores que contribuíram para maior adesão dos negros foi o rosário, que segundo José Ramos Tinhorão, remetia a idéia do “rosário de Ifa”, associando-os aos antigos minkisi, objeto mágico da cultura africana que promovia cura aos necessitados, composto por pequenas peças irregulares que lembravam rosas, feitas de uma palmeira chamada Okpê-Lifa” (PACHECO, s/d, p.8)

Já São Benedito, segundo Câmara Cascudo (2003), foi

“Santo popular na Cecília, nascido em Sanfratello e falecido em Palermo a 4 de abril de 1589, com 65 anos de idade, preto e humilde, não aprendeu a ler e chegou a guardião de seu convento. Profeta e taumaturgo era venerado em toda a ilha e sua imagem foi divulgada antes da canonização regular. Sua cor popularizou-o entre os negros, e no Brasil teve prestigioso culto tradicional. “Tinham também os africanos a São Benedito por seu patrono, talvez pela particularidade de ser santo de cor preta, e em seu louvor celebravam festas religiosas, em que se exibiam diversões profanas, de uma reminiscência estima dos costumes pátrios, sendo a representação dos Congos, principalmente uma dessas diversões”. (CASCUSO, 2003, p.154- 155).

Ainda segundo Cascudo (2003), ao tratar de Santa Ifigênia, encontramos a seguinte explicação.

“Santa Ifigênia, virgem da Etiópia, é mártir, com festa votiva a 21 de setembro. Santa preta,foi uma das devoções dos escravos africanos, especialmente no sul do país. Várias Irmandades de Santa Ifigênia foram fundadas, e nelas havia a caixa social, destinada ao resgate dos escravos associados. O lendário Chico Rei, de Vila Rica (Ouro Preto), era devoto de

Santa Ifigênia, padroeira da respectiva irmandade, que o soberano negro auxiliava financeiramente” (CASCUDO, 2003, p.449).

Compreende-se, portanto, por meio das descrições realizadas até aqui, como

as Congadas não podem ser compreendidas para além de um hibridismo cultural

(BURKE, 2003). Mais que isto, percebe-se importância histórica dos textos de Luís

da Câmara Cascudo para o conhecimento histórico, artístico, antropológico e

geográfico desta manifestação cultural que perpassa a história do Brasil. Perceber-

se o que nela se modifica e o que se mantém consiste em perceber a historicidade

das práticas culturais enquanto produto e produtoras da realidade histórica e do

universo simbólico brasileiro, ignorar tais questões, como muito bem percebeu

Cascudo, seria abandonar o caminho que leva ao encantamento do passado.

Proposta de atividade

1. Pesquisar sobre a vida e obra de Luís da Câmara Cascudo buscando

perceber suas diversas contribuições como intelectual brasileiro.

2. Associar a importância de Luís da Câmara Cascudo aos estudos das

manifestações culturais brasileiras.

3. Mapear a presença das Congadas em outras regiões do Brasil na atualidade

e os estudos científicos e acadêmicos existentes sobre elas.

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