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Versão On-line ISBN 978-85-8015-076-6 Cadernos PDE OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE NA PERSPECTIVA DO PROFESSOR PDE Artigos

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Versão On-line ISBN 978-85-8015-076-6Cadernos PDE

OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSENA PERSPECTIVA DO PROFESSOR PDE

Artigos

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TRANSPOSIÇÃO DIDÁTICA DO GÊNERO CHARGE PARA O ENSINO DE

LEITURA E PRODUÇÃO EM LÍNGUA INGLESA

Fernando Pinheiro1

Michele Salles El Kadri2

RESUMO O presente artigo versa sobre o ensino de leitura e produção textual em Língua Inglesa no Ensino Médio e é resultado de uma intervenção por meio do Programa PDE. Para tanto, pauta-se nos pressupostos bakhtinianos (1998), com a teoria enunciativa, no Interacionismo sóciodiscursivo bronckartiano (2004), na metodologia de ensino denominada Sequência Didática de Dolz & Schneuwly (2004), no interacionismo vygotskyano (2003) e outros estudiosos que contribuem para o ensino de língua materna e estrangeira, bem como nos PCN (BRASIL, 1998) e DCO (PARANÁ, 2009). O leitor encontrará neste trabalho, uma referência às teorias mencionadas, à forma como se deu a organização do material implementado (Sequência Didática), uma descrição do corpus e análise dos resultados. Objetivamos assim, relatar a experiência de intervenção com o uso de charges devido a sua grande carga ideológico-argumentativa, bem como a crescente incidência nos vestibulares das Universidades circunvizinhas. Assim, pretendemos com esse trabalho, propiciar apropriação das características do gênero em questão, buscando uma melhor preparação para o vestibular e também apropriação de práticas sociais materializadas no gênero Editorial Cartoon. Para a análise da intervenção, utilizamos a Lista de Controle dos gêneros proposta por Dolz & Schneuwly (2004), e cada característica do gênero Editorial Cartoon servirá de base para averiguação do domínio por parte dos educandos, através das atividades sistematicamente desenvolvidas para cada uma delas. Os resultados apontam que os estudantes dominaram as características do gênero em questão e entenderam sua função social. PALAVRAS-CHAVE: Interacionismo Sociodiscursivo, Letramento, práticas sociais, Sequência Didática, LEM.

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INTRODUÇÃO

Propor um ensino de Língua Inglesa pautado no que preconizam os

documentos oficiais, exige do professor de Língua estrangeira Moderna (LEM), não

somente o domínio da língua, mas também, uma compreensão da concepção de

ensino vigente, de linguagem, de sociedade, dos sujeitos envolvidos no processo de

ensino, bem como, clareza no que se pretende atingir no que se refere à

aprendizagem do educando no final de um ciclo.

É, dessa forma, que propomos um trabalho de leitura e produção de texto que

visa, além da língua como objeto de ensino, promover apoderamento e condições de

desnudar cargas ideológicas, propiciando apropriação crítica e histórica do

conhecimento socialmente construído, bem como suas implicações presentes nos

discursos (PARANÁ, 2008), aqui, materializados no gênero textual Charge. A

escolha do gênero, dá-se então, devido a grande carga ideológica e crítica presente

na esfera de origem e circulação do mesmo, a Imprensa. Isso porque, esferas

como a jornalística e midiática/imprensa, proporcionam grande visibilidade do alvo

das críticas presentes nesse texto, que são, na maioria, os sujeitos da esfera

política. E, de acordo com Benite (2010) é através do humor, do riso, que esse texto

apresenta sua crítica em relação aos citados sujeitos sociais. Textos esses,

carregados de argumentação, cuja leitura polifônica só é possível na junção do

verbal e não verbal, já que se trata de um texto pictórico.

É por apresentar questões sociais e políticas com altas cargas ideológicas e

argumentativas sobre questões da atualidade e, principalmente, de forma implícita,

que escolhemos trabalhar com o gênero Charge na minha turma de 4o ano de

Técnico em Administração, do Colégio Cerávolo, escola onde apliquei a intervenção,

parte do processo proposto pelo PDE. Acreditamos atingir os objetivos delineados

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para o ensino de língua inglesa de proporcionar ao educando, além do

aprimoramento da língua, o saber posicionar-se de forma crítica frente ao texto e

conseguir, pelas marcas enunciativas, estratégias argumentativas enfim, pelas

características do gênero que serão trabalhadas, a perceber os discursos presentes

no mesmo – o uso do gênero charge pode oferecer contribuição significativa para um

ensino que almeje ir além das questões linguísticas.

Sendo assim, o cenário ao qual nos pautamos para desenvolver este artigo é

o do discurso que se tornou senso comum entre a maioria dos professores de LEM,

no que tange a falta de motivação dos estudantes da rede estadual de ensino, no

que se refere à a aprendizagem da Língua Inglesa cunhado na famosa frase de que

“não se aprende inglês na escola pública” (LIMA, 2011). Essa situação vai ao

encontro à baixa proficiência leitora e produtora de textos em língua estrangeira, em

avaliações como o ENEM e o próprio vestibular, principalmente, quando se trata de

textos argumentativos e que exigem grande capacidade de interpretação e

inferência..

Isso requer do educando, além do domínio necessário da língua em foco, um

posicionamento crítico frente ao texto para interpretar e/ou compreender as cargas

ideológicas, marcas enunciativas enfim, presentes em textos, como a charge, com

discurso argumentativo. É pensando nessa situação, marcado por um ensino de

língua estrangeira centrado na gramática, que propomos criar condições e

ferramentas para analisar textos argumentativos.

Dessa forma, para um ensino de Língua Inglesa mais coerente, que garanta o

letramento do educando, os documentos oficiais - Orientações Curriculares para o

Ensino Médio (BRASIL, 2006) e Diretrizes Curriculares Estaduais (PARANÁ, 2008),

prescrevem sobre a necessidade do ensino através de gêneros, contudo, é certo

que trabalhar gêneros, não significa tão somente trabalhar textos, mas, entender

estes enquanto prática social (BAKHTIN, 1997), ou seja, compreender o aspecto

sócio-cultural a que este estão inseridos.

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Para o desenvolvimento desse trabalho, pautamo-nos nos documentos

oficiais que respaldam o trabalho docente, Parâmetros Curriculares Nacionais

(BRASIL, 1998) e Diretrizes Curriculares do Estado do Paraná (PARANÁ, 2008); nos

pressupostos bakthinianos (1997) sobre a Enunciação; no Interacionismo

Sociodiscursivo bronckartiano (2003); Dolz e Schneuwly (2004); Vygotsky (2003) e

outros autores que apresentam um desdobramento das teorias em pauta.

Logo, se os textos são a materialização dos discursos enunciados nas mais

divergentes esferas sociais, e daí a diversidade de tipos de textos, e estes

formatam-se em gêneros, logo, estudar a língua pelo enfoque de gêneros, significa

levar o educando a compreender as regras sociais que formatam esses textos.

Assim, ter o gênero como objeto de ensino, significa compreender o seu

contexto sócio-histórico de produção, a esfera de atividade humana na qual se

insere, as temáticas que ele contempla, os aspectos culturais expressos na escrita,

os discursos e ideologias nele veiculados e outros aspectos pertinentes ao trabalho

com o mesmo.

É dessa forma que acreditamos que trabalhar leitura e produção do gênero

Charge, garantirá continuidade no processo de construção do letramento crítico dos

educandos.

Por fim, ao pensarmos sobre um ensino de língua Inglesa que seja eficiente

aos educandos, propomo-nos alcançar algumas metas a fim de guiar o percurso

desse pesquisador ao longo da trajetória de implementação. Então, pensamos em

proporcionar ao aprendiz de Língua Inglesa, o domínio das capacidades de

linguagem necessárias para a leitura e produção eficientes do gênero Editorial

Cartoon, através da didatização do gênero pela metodologia da Sequência Didática,

bem como propiciar ao aluno, contato com textos argumentativos, no gênero em

questão, com temas variados e contemporâneos e, propor estratégias para leitura e

produção coerentes do gênero Charge, que deem condições ao educando de

perceber diferentes posicionamentos presentes nesse gênero e, assim, poder

posicionar-se de forma consciente.

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Neste trabalho, o leitor encontrará o corpus da pesquisa (sujeitos - docente e

discentes), o colégio, o programa PDE; o referencia teórico que envolve algumas

teorias do texto e didatização do mesmo, advindos da linha discursiva; uma

descrição do processo de intervenção, a Lista de Controle do gênero que servirá de

base para a avaliação da aprendizagem dos educandos, a análise da intervenção

contendo os resultados e as considerações finais.

DESCRIÇÃO DO CORPUS: LUGAR SOCIAL DA IMPLEMENTAÇÃO E OS

SUJEITOS DA PESQUISA

Para a implementação que aqui se delineia, façamos a descrição dos sujeitos

da pesquisa e da escola de aplicação, sendo: primeiramente, o professor-

pesquisador, funcionário QPM do Estado do Paraná há 11 anos, formado em Letras

Português-Inglês, pela Faculdade Estadual de Ciências e Letras de Campo Mourão,

no ano de 2003, portador do título de mestre em Estudos da Linguagem pela

Universidade Estadual de Londrina e professor PDE da turma 2013, programa de

formação continuada proposto pelas políticas educacionais do Estado do Paraná.

A escola escolhida, Colégio Estadual Professor Izidoro Luiz Cerávolo,

localiza-se em região central da cidade de Apucarana. A escolha da cidade e escola

deu-se pelo fato de ser a localidade onde resido e atuo enquanto professor regente.

Trata-se de uma escola bastante conceituada na cidade, pelos bons índices de

aprovação em vestibulares, nas avaliações do MEC, e pela rigorosidade na

disciplina, reconhecida pela comunidade como tradicional.

Em relação à turma e alunos, trata-se de um 4º ano técnico em Administração,

matutino e, embora o trabalho tenha sido pensado em uma turma de terceiro ano do

Ensino Médio, pois, pensávamos, entre outras coisas já mencionadas, na

preparação para o vestibular. Contudo, das turmas do Ensino Médio que me

restaram, nessa, era mais coerente a intervenção, até porque também preparam-se

para o exame vestibular.

Trata-se assim, de uma turma de 23 alunos, sendo 14 do sexo feminino e 09

masculino, estando numa faixa-etária entre os 17 a 19 anos, em que a maioria

trabalha ou faz estágio no período da tarde. É uma turma boa, contudo, bastante

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desigual. Há alunos frequentando cursinhos, apresentando uma boa habilidade de

leitura na língua alvo, e alunos com bastantes dificuldades.

REFERENCIAL TEÓRICO

Ao propor esse trabalho de intervenção, embasamos essa pesquisa em

autores da corrente discursiva que apontam o Interacionismo como concepção

norteadora para o ensino de Línguas e, embora o material didático (Sequência

Didática) que servirá de intervenção seja mais voltado para o ensino de língua

materna, Cristóvão (2005) afirma ser também possível ensinar LEM utilizando-se

dessa teoria, uma vez que se trata de uma ferramenta metodológica que visa propor

ao educando, o conhecimento e apropriação de características ensináveis dos

gêneros, que por sua vez, são, de acordo com Bakhtin (1997), a materialização dos

discursos.

Dessa forma, o leitor verificará nesse tópico, que faremos uma breve

descrição decrescente no sentido de que partiremos de um conceito de texto

bastante teórico, a Teoria Enunciativa Bakhtiniana, para um desdobramento dessa

teoria, apontados por integrantes do grupo de genebra, aqui representados por

Bronckart (2003), Dolz e Schneuwly (2004).

Assim, partiremos da concepção de gêneros discursivos, passando pelo

Interacionsimo Sócio-discursivo, com a didatização desses gêneros, ou seja,

apresentação de características ensináveis. Depois, seguiremos apresentando o

conceito de Sequência Didática, proposto por Dolz e Scheneuwly, bem como,

amparados em exemplos de aplicação por pesquisadores em LEM como Cristóvão

(2009); Lima (2011); Abreu-Tardelli (2007) e norteados pelas Diretrizes Curriculares

Estaduais (PARANÁ, 2008).

Teoria Enunciativa

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No que se refere à teoria enunciativa proposta por Bakhtin/Voloshinov (1997),

conceitos como polifonia, dialogismo, gêneros discursivos, enunciação e outros,

fazem-se presentes em todo o trabalho. Nele, o conceito de dialogismo é o

articulador de seu pensamento, pois, é na interação entre os sujeitos falantes que a

língua se torna viva, aspecto trabalhado na dicotomia língua e fala, buscando

apresentar assim, um entrelaçamento entre sujeito e objeto.

De acordo com o teórico russo, a palavra, dessa forma, representa um

território comum entre locutor e interlocutor, pois, ela procede de alguém e se dirige

a alguém. Assim, é nela e por ela que se estabelece a interação entre o eu e o outro,

entre o indivíduo e a coletividade. É aqui que o teórico apresenta o conceito de

polissemia, heterogeneidade, “discurso de outrem”, pois, sendo o sujeito constituído

socialmente, sua voz reflete e reproduz ressonâncias sociais, e esse processo se dá

no que denomina responsividade ativa e muda, sendo o resignificar imediato, ou

tardio, mas, sempre havendo uma resposta, o que faz do receptor/destinatário,

sempre um enunciador que resignifica e escolhe vocabulário para enunciar.

Para esse teórico, o conceito de linguagem encontra-se, então, atrelado ao

que chama de enunciação, utilização da língua efetuada em forma de enunciados

(orais e escritos) que emanam das diferentes esferas de atividades humanas,

refletindo as condições específicas e finalidades da esfera social a que origina e

circula determinado gênero. É o contexto sócio-político-cultural etc, que definirá o(s)

sentido(s) que determinado enunciado terá, pois, as diferentes esferas da atividade

humana, compreendidas como domínios ideológicos, dialogam entre si e produzem,

em cada esfera, formas “relativamente estáveis” de enunciados, as quais denomina

gêneros discursivos e, como estão atrelados às esferas de origem e circulação,

sofrem influências oriundas das transformações das sociedades.

Gêneros Discursivos e o Ensino de Língua Presentes nos Documentos

Oficiais.

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É a partir dessa concepção de texto bastante ampliada que os documentos

oficiais que norteiam o ensino de Língua prescrevem que os textos/discursos devem

ser o eixo curricular, e não mais a gramática descontextualizada, com atividades que

tratem “das regras gramaticais, tradução, versão e ditados (...)”, (PARANÁ, 2008,

p.39), pois, toda a relação do sujeito com a sociedade é mediada pela linguagem

Bakhtin (1998), e esta por sua vez, é carregada de significações e implicações

sócio-históricas. Nesse sentido, tais Diretrizes propõem que, a aula de Língua

Estrangeira Moderna constitua um espaço para que o aluno reconheça e

compreenda a diversidade linguística e cultural, de modo que se envolva

discursivamente e perceba possibilidades de construção de significados em relação

ao mundo em que vive. Espera-se que o aluno compreenda que os significados são

sociais e historicamente construídos e, portanto, passíveis de transformação na

prática social. (PARANÁ, 2008, p. 53).

E Complementa afirmando-se que o ensino deve ser pautado na corrente

sociológica de Bakhtin que concebe a língua como discurso, ou seja, em textos que

são materialização dos discursos, formatados em gêneros.

O Interacionismo Sóciodiscursivo e suas Contribuições para o Ensino de

Língua

É nessa perspectiva que o Interacionismo Sócio-discursivo, de Bronckart

(2003) contribui para as reflexões sobre o processo de transposição didática de

gêneros textuais para o ensino de língua. (CRISTÓVÃO; NASCIMENTO, 2005).

Assim, essa teoria está veiculada a outras teorias como a de Vygotsky (2003), no

Interacionismo Social, que tematiza o desenvolvimento, a de linguagem apresentada

por Bakhtin – teoria enunciativa e o agir comunicativo criado por Habermas, vincula-

se à corrente da filosofia e das ciências sociais, em que as propriedades de conduta

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humanas são resultados de um processo histórico de socialização, atribuindo à

linguagem um papel central no desenvolvimento humano.

No que se refere ao nível sociológico, a teoria de Bronckart apresenta

operações de contextualização que incidem sobre os parâmetros contextuais, físicos

e sociais. Eles podem influir na produção textual exercendo representações sociais.

Segundo Bronckart (2003), para produzir um texto, o agente deve então mobilizar

algumas de suas representações sobre os mundos, efetuando essa mobilização em

duas direções distintas. A primeira refere-se às representações ligadas ao contexto

de produção, ou seja, a situação de comunicação que o sujeito se encontra e, a

segunda, é a representação dos três mundos.

O contexto de produção é o conjunto de parâmetros que organiza o texto nos

três mundos. Há, portanto, quatro parâmetros no contexto físico, sendo eles: o lugar

de produção, o momento de produção, o emissor e o receptor.

Já no segundo plano, Bronckart (2003, p.94) afirma que,

a produção de todo texto inscreve-se no quadro das atividades de

uma formação social e, mais precisamente, no quadro de uma forma

de interação comunicativa que implica o mundo social ( normas,

valores, regras, etc) e o mundo subjetivo ( imagem que o agente da de si ao agir).

Assim, o contexto sócio-subjetivo também apresenta quatro parâmetros: o

lugar social, o enunciador, o destinatário e o objetivo. Do mesmo modo que o

contexto físico, é o contexto sócio-subjetivo que influencia na produção do texto.

No que se refere ao nível psicológico, Bronckart (2003) apresenta a

Arquitetura Interna dos Textos. A primeira parte dos três estratos do folhado textual,

segundo o teórico, são responsáveis pela organização textual e é composto por:

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infra-estrutura geral do texto, mecanismos de textualização e mecanismos

enunciativos

O Plano Geral do Texto apresenta a organização do conteúdo temático,

também conhecido como estrutura física ou espacial do texto, sendo que cada

gênero possui suas características estruturais “relativamente estáveis” (BAKHTIN,

1997).

Já o segundo folhado da camada textual denominado Tipo de Discurso indica

os diferentes segmentos que um texto compõe. Refere-se a um conjunto de

procedimentos que justificam a dependência de um elemento ao outro e são

analisados a partir de uma concepção sociocognitivista. A diferenciação dos tipos de

discurso é baseada na descrição de dois mundos, sendo, o mundo ordinário que

agrupa mais três instâncias (objetivo, social e subjetivo), e os mundos discursivos,

que são criados pela atividade de linguagem, referentes à ficção.

O primeiro mundo estabelece a estruturação do conteúdo temático com as

ordenadas do mundo ordinário, onde a ação de linguagem acontece. Ele se refere

às relações de espaço e tempo no texto, e com as ações dos parâmetros físicos da

ação de linguagem. Com isso, podemos entender a relação dos tipos de discursos

com seus mundos de representação: mundo da ordem do narrar ( são discursos

realizados à distancia da situação de interação) e, mundo da ordem do expor (

discursos com ações conjuntas com a situação de interação).

Os tipos de discursos e da infraestrutura textual do gênero dão espaço para o

que o ISD apresenta como os tipos de sequências. Dessa forma, Bronckart (2003)

afirma que os gêneros podem ter, em maior ou menor frequência, as sequências:

argumentativa, narrativa, descritiva, injuntiva e prescritiva.

Ainda na segunda camada do folhado textual constituem-se os mecanismos

de textualização que auxiliam na coerência. Estes mecanismos de conexão são

marcas que auxiliam na progressão temática, através de organizadores textuais

aplicados ao plano geral do texto, nas transposições de tipos de discurso, nas

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transposições de uma sequência e outra ou até entre um período ou em uma

oração. Os organizadores textuais são as conjunções, os advérbios ou as locuções

adverbiais, os grupos preposicionais e nominais, denominados, organizadores

lógico-argumentativos e organizadores espaço-temporais, dependendo do tipo de

discurso e sequência predominantes no texto/gênero.

A coesão nominal são os elementos responsáveis em introduzir temas ou

personagens, podendo fazer retomadas ou ligação na sequência do texto. Segundo

KAIIMEYER (apud KOCH 2004), “a relação de referência (ou remissão) não se

estabelece apenas entre formas”.

Na coesão verbal, Bronckart (2003, p.127), afirma que,

os mecanismos de coesão verbal asseguram a organização temporal

e/ou hierárquica dos processos (estados, acontecimentos ou ações)

verbalizados no texto e são essencialmente realizados no texto e são

essencialmente realizados pelos tempos verbais.

Contudo, essas marcas morfológicas estão em interação com outras marcas

morfológicas com valores temporais, que podem ser advérbios e organizadores

textuais, mas, essas marcas morfológicas variam dependendo do tipo de discurso

que está sendo utilizado.

No que se refere aos mecanismos enunciativos, estes fazem parte da terceira

camada do folhado textual, apresentando os mecanismos de gerenciamento de

vozes e modalizações, dos quais desenvolvem no texto a ocorrência pragmática e

interativa.

A primeira impressão ou opinião deixada no texto é de responsabilidade do

autor ou do enunciador, o qual se compromete com o que foi enunciado, ou, às

vezes, deixa por responsabilidade de outros, por exemplo “ segundo o autor X”.

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Diferentes são as vozes que existem em um texto, podendo ser a voz do

autor, vozes sociais ou de instituições humanas ou ainda, de pessoas e, as vozes de

personagens implicados ao conteúdo temático. O autor exposto a várias vozes se

encontra em uma polifonia, ou seja, vozes atribuídas a outras vozes ou a opinião

pública.

Outra parte dos mecanismos enunciativos são os modalizadores que,

conforme Bronckart (2003, p.330) têm a finalidade geral de traduzir, a partir de

qualquer voz enunciativa, os diversos comentários ou avaliações formulados a

respeito de alguns elementos do conteúdo temático. Ou seja, são operadores que

funcionam com organizadores de comentários ou avaliações feitas sobre o conteúdo

temático.

Sequência Didática e as Capacidades de Linguagem

A partir da modalização do gênero e do apontamento das características

ensináveis, Joaquim Dols e Bernard Schneuwly (2004) apresentam a Sequência

Didática como “ um conjunto de atividades escolares organizadas de maneira

sistemática em torno de um texto oral ou escrito” (2004, p.97). Com o objetivo de

ensinar um gênero, ainda não dominado pelos estudantes, onde apresentam

dificuldades durante sua produção, assim a SD de Dols e Schneuwly tem a

finalidade de “melhorar uma determinada prática de linguagem” (2004, p. 51).

Uma produção textual deve desenvolver três capacidades de linguagem, as

quais estão ancoradas ao bom desempenho de escrita, são elas: capacidades de

ação (referente ao contexto socia ), capacidade discursiva ( a estrutura discursiva do

gênero ) e capacidades linguístico-discursivas (aos itens lexicais e as operações

linguísticas ), são nessas capacidades que a SD foi desenvolvida procurando auxiliar

os alunos na escrita. Na apresentação da situação, o professor deve propor aos

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educandos um “problema de comunicação”, ( DOLS, SCHNEUWLY, 2004, p.99) que

será solucionado através de uma produção oral ou escrita sobre o gênero

trabalhado. Os alunos devem ser orientados para construir uma representação do

gênero proposto pela situação comunicativa e da atividade de linguagem

desenvolvida. Deve ficar claro para os alunos o projeto comunicativo que irão

desenvolver, o professor tem, então, o papel de motivá-los nesta primeira etapa.

Na Produção inicial pretende-se que os alunos produzam o primeiro texto oral

ou escrito, colocando em ação as capacidades linguísticas que já conhece. É neste

momento que o professor perceberá o que o aluno já sabe sobre o gênero e o que

ainda precisa saber, e, dessa forma, o professor estará propondo uma zona de

desenvolvimento proximal, auxiliando o aluno a seguir neste processo.

Os Módulos possuem o objetivo de trabalhar todas as dificuldades

encontradas na produção inicial, oferecendo subsídios para superar as dificuldades

encontradas, nesta etapa, o professor organiza módulos ou oficinas para melhorar

as produções oral ou escrita dos alunos, mas, obedecendo uma sequência.

A Produção final é a última etapa da SD, quando os alunos vão mostrar tudo

o que aprenderam durante a aplicação da mesma, em forma de texto oral ou escrito.

O professor poderá fazer uma avaliação somativa de tudo que o aluno conseguiu

aprender.

Conforme já apresentado, é no quadro das Capacidades de Linguagem que a

SD se organiza, uma vez que, segundo Bronckart (2003), elas evocam aptidões

requeridas do aprendiz para a produção de um gênero numa situação de interação

determinada. Logo, organizadas em, capacidades de ação, discursiva, e linguístico-

discursiva, as capacidades de ação possibilitam ao enunciador adaptar sua

produção ao contexto de sua produção. Assim, essas representações do contexto

têm implicação com o gênero, uma vez que ele deve estar adaptado a um

destinatário, conteúdo, objetivos específicos, ou seja, dominar as capacidades de

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ação, significa saber acionar os elementos do contexto de produção. (ABREU-

TARDELLI, 2007).

As capacidades discursivas servem para selecionar os discursos

predominantes no gênero em questão, ou seja, se está ancorado no mundo do

narrar ou expor, bem como a(s) sequência(s) predominante(s), sejam elas, a

narrativa, argumentativa, descritiva, explicativa, injuntiva ou dialogal, pois, elas

apresentarão ao produtor, estratégias que auxiliarão na construção do texto e para

atingir o objetivo almejado na interação e foco.

Por fim, as capacidades linguístico-discursivas servem para as operações de

uso e construção do texto, ou seja, trata-se aqui da estrutura da língua, ortografia,

pontuação, escolha de itens lexicais, coesão e coerência, gerenciamento de voz,

construção de enunciados enfim, trata-se do conhecimento da língua e os recursos

para a construção de um bom texto.

O gênero Charge e as Aulas de Língua Inglesa

Ao pesquisar sobre o ensino de gêneros em Língua Inglesa, no Brasil,

utilizando-se da Sequência Didática como metodologia de ensino, encontrar-se-á

várias publicações de Cristóvão e seus grupos de pesquisa. Um dos fundamentos

que embasam as pesquisas dessa autora é o fato de o material didático (livro

didático) disponível para professores e alunos revelarem inadequação a um ensino

coerente de Língua Inglesa, limitando assim, a interpretação dos educandos. Logo,

afirma haver falha de compreensão subjacente aos materiais; as próprias

características dos materiais, em especial, o tipo de atividade e o tipo de pergunta; a

ausência de uma perspectiva crítica voltada para a construção do conhecimento; a

falta de objetivos na aula de leitura; o tipo de aula que se privilegia com o tipo de

material usado; o papel do professor e dos alunos em função do material; a questão

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do nível de conhecimento de vocabulário; a seleção de textos e o tipo de avaliação

proposta. (CRISTÓVÃO, 2009, p.6).

Essa situação representa um ensino de Língua descontextualizado,

tradicional, que tem o aluno como sujeito paciente e o professor, muitas vezes, com

metodologias ineficientes e incoerentes para tal ensino. Em contraposição, aponta

que aspectos como, trabalhos amparados em ações de linguagem, capacidades de

linguagem, uso de textos sociais, ensino espiralado, contexto de produção e outros

(p. 11) podem redirecionar o ensino de Língua Inglesa, quando se propõe um

trabalho que contemple a pluralidade de gêneros como instrumentos para o ensino e

didatizados pela Sequência Didática.

Em relação ao gênero Charge (Editorial Cartoon), entende-se um desenho de

natureza caricatural, de forma satírica e humorística, que busca representar pessoa,

fato ou ideia. Trata-se de uma representação de pessoas e ações através do humor.

Originada da Caricatura, a charge foca-se à sátira à política, retratando de modo

humorístico os fatos do cotidiano,criticando e zombando deles.

A charge apresenta, aparentemente, ser um texto de fácil leitura, e, apesar de

explorada na esfera escolar pelos professores e livros didáticos, acreditamos que

não é explorada em profundidade, pois, trata-se de um texto carregado de

argumentação cujos discursos, intenções, ironia etc, só são encontrados na junção

do verbal com o não verbal e, “querer dizer” geralmente está implícito, exigindo do

leitor, senso crítico, leitura interpretativa, conhecimento de mundo, da esfera, do

contexto enfim, de estratégias argumentativas.

O riso proporcionado pela ironia e pela sátira é um meio para levar o leitor a

entender a crítica feita à atuação de determinados sujeitos sociais, como por

exemplo, os governantes políticos e, na sociedade atual, o número de jornais que

estão utilizando a sátira enquanto aspecto crítico tem crescido demasiadamente,

uma vez que sua essência é a crítica jornalística à política nacional. (BENITES,

2010).

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Uma das principais características da Charge e que deve ser contemplada na

Sequência Didática, é a polifonia. Isto porque, trata-se de um texto imagético onde

nem sempre a linguagem verbal corresponde em sentido à não verbal. A isso, Benite

(2010) assegura que, também para a imagem não há um sentido a priori, nem se

pode pensar em um estatuto de neutralidade para os elementos visuais. Eles

refletem as condições próprias de um sujeito que procura significar/interpretar a si e

o mundo, a partir de um código diferente da escrita, mas igualmente sujeito a

deslizes e equívocos. (p. 153).

É por isso que a Charge apresenta questões sociais e políticas que são

exploradas observando os recursos linguísticos, discursivos e gráfico-visuais. Dessa

forma, o leitor é atraído devido a polifonia presente nesse tipo de texto, que por sua

vez, emprega diversas informações de maneira concisa, embora muitas vezes

subentendida, sobre a atualidade sócio-política e econômica do país.

No que se refere ao ensino desse gênero, trabalhos publicados na área de

ensino de língua apresentam que o professor deve, primeiramente, verificar o

conhecimento já existente do educando em relação ao gênero e, assim, colocá-lo

em contato com variados exemplares e instigar uma leitura prévia; estabelecer

semelhanças e diferenças entre outros gêneros semelhantes como o cartum;

apresentar aspectos estruturais; prováveis temas; estratégias argumentativas;

discursos etc. Contudo, há poucas publicações sobre Sequência Didática do gênero

Charge que apresentem ao professor, tanto características ensináveis do gênero,

como também, uma metodologia sistematizada, como a Sequência Didática.

ESTRATÉGIA DE AÇÃO

Para desenvolver uma pesquisa qualitativa de intervenção, o pesquisador

precisa refletir sobre o objeto de pesquisa, a sala de aula, e apontar situações-

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problema que necessitam de uma intervenção. Assim, ao fazer nossos

apontamentos e eleger a situação que pretendemos intervir, propomos,

primeiramente, um estudo do gênero Charge e apontar, segundo Bronckart (2003),

características que possam ser didatizadas, ou seja, ensinadas aos educandos.

Feita a didatização, passaremos à elaboração de uma Sequência Didática (DOZ;

SCHNEUWLY, 2004) contemplando as características do gênero que precisam ser

dominadas pelos educandos.

De posse desse material, proporemos uma produção inicial da charge e

passaremos, nas aulas sequentes, a trabalhar as características do gênero,

sistematizadas em módulos ou oficinas. Nelas, os educandos procederão à leitura

de variados textos do gênero visando, a cada etapa, o domínio das capacidades de

Linguagem expressas nas características do gênero.

Essas atividades serão abordadas de acordo com o expresso no Referencial

Teórico desse projeto que culminarão na produção final da charge. É nesse

momento que o educando terá condições de medir a própria aprendizagem, num

processo de avaliação formativa, ao constatar a aprendizagem efetiva.

A intervenção dar-se-á em uma turma de terceira série do EM, do Col. Est.

Heitor Furtado, localizado no bairro João Paulo, periferia de Apucarana. Trata-se de

alunos que frequentam a escola no período da manhã cuja maioria, não se encontra

ainda no mercado de trabalho. A maior parte deles possui internet em casa, bem

como celulares com acesso à mesma e estão, dessa forma, interligados e ativos na

esfera virtual.

A avaliação do trabalho, conforme dissemos, amparar-se-á no que Dolz e

Schneuwly (2004) propõem como Lista de Constatação (ou de controle) do Gênero.

Assim, a produção final será mediada por esse quadro, onde será possível verificar

todas as características estudas ao longo da Sequência Didática. Essa estratégia

permite ao educando medir o próprio avanço na aprendizagem, quando há uma

produção inicial e uma final. Para a nossa avaliação, essa lista ampara-se nas

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Capacidades de Linguagem (op. cit) e é por elas que avaliaremos a aprendizagem

dos educandos, ou seja, se eles terão dominado ou não tais capacidades. Esta lista

de controle já tem sido usada como uma importante ferramenta para a avaliação do

ensino de compreensão e produção escrita nas aulas de língua inglesa

(CRISTÓVÃO,2009).

DESCRIÇÃO DA INTERVENÇÃO

A implementação se deu entre os períodos de 04 de Março a 26 de Junho do

ano de 2004, totalizando 35 horas/aulas. Para tal, utilizamo-nos da metodologia de

Sequência Didática de Dolz e Schneuwly (2004) fundamentada nos pressupostos

bakthinianos e vygotskynianos. Assim, a aplicação iniciou-se com a apresentação

do projeto para a turma e, diferentemente do que se postula na Sequência Didática,

optamos por não propor produção inicial, pois, o foco era adquirir habilidades de

leitura do gênero em questão, embora não se possa dissociar leitura de produção

textual.

Na sequência, cada etapa da metodologia de Dolz e Schneuwly foi abordada

com charges na língua alvo seguidas de exercícios de interpretação e análise das

mesmas, buscando promover apropriação da prática social materializada no gênero

em questão (BAKHTIN, 1998) para cada característica contemplada, sendo elas:

Contexto de Produção, Plano Textual Global, Tipos de Discurso, Tipos de

Sequência, Mecanismos de Textualidade e Mecanismos Enunciativos.

As atividades eram propostas ora individualmente ora em grupo, pois, uma

vez que o nível da sala se mostrava bastante desigual em relação ao domínio da

língua alvo, conforme já mencionado, achamos viável o trabalho em grupo para

tentar diminuir tais diferenças e proporcionar maior interação.

Ao final da Sequência, fizemos um feedback do trabalho, o que os autores

nominam como Lista de Constatação (2004), seja um quadro com um resumo das

características ensináveis para cada característica do gênero em questão e, é esse

quadro que serviu de parâmetro para a avaliação que aqui se apresenta.

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LISTA DE CONSTATAÇÃO DO GÊNERO CHARGE

CONTEXTO DE PRODUÇÃO

Emissor Primeiramente o chargista contratado pelo

jornal, depois o cidadão comum pode

produzir e veicular em outras mídias.

Receptor Leitores de jornal.

Enunciador Chargista profissional contratado pelo

jornal.

Destinatário Público alvo: políticos, população em geral,

religiosos (depende da temática).

Veículo Jornal, primeiramente, depois, revistas,

blogs, sites etc.

Objetivo Criticar comportamentos, atitudes, decisões

relacionadas a temas do cotidiano da

sociedade local ou mundial.

PLANO TEXTUAL GLOBAL

Balões, personagens, tema polêmico, linguagem não verbal: cores, desenhos,

caricaturas.

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DISCURSO PREDOMINANTE

Discurso Interativo: texto expositivo-argumentativo: presença dos interactantes

(produtor e público alvo), dêiticos temporais e espaciais.

SEQUÊNCIA PREDOMINANTE

Sequência Argumentativa: fases – tese e argumentos

MECANISMOS DE TEXTUALIDADE

Conexão lógico-argumentativa e, assim, pois, porque, agora, então ...

Coesão nominal Pronomes, advérbios, adjetivos,

sinônimos...

Coesão verbal Tempo presente do indicativo, subjuntivo,

verbos no imperativo.

MECANISMOS ENUNCIATIVOS

Humor Fazer críticas através do riso.

Ironia Dizer o contrário do que se pensa.

Ambiguidade Palavras, expressões com duplo sentido.

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ANÁLISE DOS DADOS

Ao todo, foram produzidas 8 (oito) charges. Os educandos pediram-me para

realizar a produção em grupo, devendo considerar a dificuldade que teriam em

desenvolver a linguagem não verbal da charge, no que achei pertinente. Como o

foco do trabalho foi leitura, principalmente, considerando o vestibular, a produção

fez-se importante para se ter um parâmetro mais preciso para a constatação das

habilidades apropriadas, de acordo com a teoria, na produção final do gênero. Não

exigimos, portanto, rigorosidade na construção da linguagem não verbal do gênero,

permitindo inclusive, paráfrases, contudo, a linguagem verbal foi analisada de

acordo com os pressupostos da teoria em questão e, ensinada por meio da

Sequência Didática.

Em relação ao tema, a maioria das charges utilizadas no material de análise,

foram sobre política, meio ambiente e comportamentos. Para a Produção Final, o

tema foi livre e, a maioria dos educandos produziu sobre eleições e Copa do

Mundo, dois temas atuais.

Para uma melhor visualização por parte do leitor, as charges foram transcritas

na tabela que segue, presente na análise da terceira característica do gênero.

Primeiramente, no que se refere à primeira característica, o Contexto de

Produção, todas as charges demonstraram um domínio por parte de seus

produtores em relação às suas particularidades. Não somente na produção final,

mas, nos exercícios durante a intervenção os educandos demonstraram

compreender, sem dificuldades, todos os elementos que compõem o contexto de um

Editorial Cartoon. Sendo eles, a noção de emissor – enunicador (produtor

profissional – chargista; receptor – destinatário (leitores de jornal ou revista e público

alvo); veículo (jornal e revista), objetivo (crítica a assuntos polêmicos e atuais).

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Em relação à segunda característica, o Plano Textual Global, ou seja,

características estruturais, sendo elas balões, personagens, tema polêmico,

linguagem verbal e linguagem não verbal: cores, desenhos, caricaturas, todas as

charges contemplam tais características, com exceção de uma que não utilizou

personagens, e somente imagens, mas com ironia e criticidade bastante altos.

Na terceira característica, Tipos de Discurso, tendo o Discurso Interativo

como predominante, contemplando: texto expositivo-argumentativo, presença dos

interactantes (produtor e público alvo), dêiticos temporais e espaciais, tem-se o

seguinte quadro, para melhor compreensão do leitor, embora, a compreensão do

texto necessite da linguagem não verbal para o entendimento:

CHARGE ANÁLISE

CHARGE 1:

“Hey Brazil, Who pays the bills? Don´t

you know? It´s govern”

Texto argumentativo com presença dos

interactantes e dêiticos espaciais.

CHARGE 2:

“in Brazil, PT is above the justice…

I decided to retire myself... Meanwhile in

Brazil… SUS … waiting room…”

Texto argumentativo com presença dos

interactantes, dêiticos espaciais e

temporais (implícitos).

CHARGE 3:

“Brazil... Standard FIFA 2014.... Brazil,

satandard Brasil 2002 a 2014 (The End)”

Texto argumentativo com presença dos

interactantes, dêiticos espaciais e

temporais

CHARGE 4:

“The gossips say the world cup was

purchase!...

I guess I forgot to pay the last docket… Is

not it comrade! Merkel must be paid in

euro… Now we need another strategy to

turn the tide in three months”.

Texto argumentativo com presença dos

interactantes, dêiticos nominais,

espaciais e temporais.

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CHARGE 5:

“Brazilian oblivion...

On FIFA´s World cup… ‘we hate you

Dilma’ ‘we don´t need you’ ‘get out’…

On October 5… Dilma Roussef won her

reelection with more than 150% of the

votes!”

Texto argumentativo com presença dos

interactantes, dêiticos nominais,

espaciais e temporais.

CHARGE 6:

“GERMANY 7 X 1 BRAZIL

Neymar, what did you think abotu the

game?...

I was glad! Recognize that my colleagues

honored me if I don´t play neither them”

Texto argumentativo com presença dos

interactantes, dêiticos nominais,

espaciais e temporais.

CHARGE 7:

“I´ll create the ‘bolsa família’…

How to get ou of this misery? Of course,

you have ‘helped’ me a lot!...

Vote for me!”

Texto argumentativo com presença dos

interactantes, dêiticos nominais,

espaciais e temporais.

CHARGE 8:

“Reporter of the day: We have data from

its president in stage Itaquera

expenditures were more than 1 billion. In

a little while we return with more news. –

Seen the news the reelection is already

assured”.

Texto argumentativo com passagens

narrativas, presença dos interactantes,

dêiticos nominais, espaciais, e

temporais, embora alguns implícitos.

Ao analisar a quarta característica do gênero, sendo a Sequência

Argumentativa como predominante, deve-se verificar que, devido a concisão dos

textos, típicos do Editorial Cartoon, é possível encontrar somente as duas primeiras

fases da sequência argumentativa, sendo elas a tese e os argumentos. O leitor pode

verificar na tabela apresentada que, as características foram contemplas nos

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segmentos pois, a partir de um tema, os produtores desenvolveram uma tese, que

pode ser explícita ou implícita, seguida da argumentação, ou seja, a comprovação

que justifica, ironicamente, o posicionamento dos autores.

No que se refere à quinta característica, os Mecanismos de Textualidade,

pode-se encontrar elementos como, conexões lógico-argumentativas (conjunções), a

coesão nominal, a coesão verbal: tempo e aspecto e outros recursos como,

adjetivos, reticências, pontuação, aspas etc. Dessa forma, não foram contempladas

em grau acentuado, mas, crê esse pesquisador que o suficiente para definir uma

apropriação adequada dos referidos elementos, temos:

CHARGE 1: presença de pontuação, coesão nominal e verbal.

CHARGE 2: presença de pontuação, reticências, coesão nominal e verbal.

CHARGE 3: presença de reticências, parênteses e coesão nominal, pontuação.

CHARGE 4: presença de reticências, coesão nominal e verbal, conjunções,

pontuação.

CHARGE 5: presença de reticências, coesão nominal e verbal, aspas, pontuação.

CHARGE 6: presença de reticências, coesão nominal e verbal, conjunções,

pontuação.

CHARGE 7: presença de aspas, reticências, coesão nominal e verbal, pontuação,

conjunções.

CHARGE 8: presença aspas, reticências, coesão nominal e verbal, pontuação,

conjunções.

E enfim, em relação à última característica do gênero, os Mecanismos

Enunciativos, também é possível observar a presença dos mesmos nas produções.

Como o tema foi livre, cada recurso enunciativo está vinculado ao tema, tese e

argumentação de cada produção, contudo, pode-se facilmente constatar a presença

de humor, ironia, ambiguidades, conotações, duplo sentido e ideologias como

fracasso, corrupção, descaso político e fugas.

Em anexo, o leitor poderá constatar algumas das charges produzidas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

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Objetivamos com este artigo relatar a experiência de intervenção com o uso

de charges devido a sua grande carga ideológico-argumentativa, bem como a

crescente incidência nos vestibulares das Universidades circunvizinhas. Os

resultados, de modo geral, apontam que os estudantes dominaram as

características do gênero em questão e entenderam sua função social. Embora a

linguagem não verbal tenha sido, na maioria das produções, uma paráfrase de

charges já existentes, a linguagem verbal, foco dessa intervenção, foi elaborada de

forma satisfatória, contemplando todas as características do gênero Editorial

Cartoon, ensinadas sistematicamente durante o processo de intervenção.

Como limitação deste trabalho, podemos apontar que o processo de produção

das charges não passou por refacção por dois motivos: primeiro, porque o

tempo de implementação já havia se esgotado e depois, ao ler as produções,

constatamos que as características predominantes do gênero haviam sido

contempladas, com alguns pequenos erros, mas, o suficiente para constatar o

domínio da função social do gênero, materializada em cada característica do texto.

Assim, baseado nessa pesquisa e em vários trabalhos de pesquisadores

outros, acreditamos que as teorias em questão confirmaram ser coerentes quando o

assunto é prática de leitura e produção de textos, visando a apropriação de práticas

sociais materializadas nos mais diferentes gêneros textuais (BRONKCART, 2003).

Embora, como dissemos no início deste tópico, a linguagem não verbal, mesmo que

integrante e relevante na construção do gênero em questão, foi considerada em

segundo plano, sendo dada ênfase então, à linguagem verbal, pois, é nela que

recaem a maioria das características do gênero Editoral Cartoon. Sendo assim,

podemos constatar a presença de paráfrases criativas e reprodutivas na linguagem

não verbal e um número suficiente de elementos característicos do gênero na

linguagem verbal, o que propicia a constatação de uma produção eficiente do

gênero implementado de acordo com os pressupostos do Interacionismo

Sociodiscursivo de Bronckar (2003) e na metodologia (Sequência Didática) de Dolz

& Schneuwly (2004).

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ANEXOS

Charge 1

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Charge 2