os desafios da escola pÚblica paranaense na perspectiva do professor ... · novembro de 2011,...
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OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSENA PERSPECTIVA DO PROFESSOR PDE
Artigos
Versão Online ISBN 978-85-8015-080-3Cadernos PDE
I
O ENSINO DA MATEMÁTICA PARA PESSOAS COM DEFICIÊNCIA VISUAL
NA PERSPECTIVA HISTÓRICO CULTURAL
SEMIM, Ivanete da Costa1
TURECK, Lucia Terezinha Zanato2
Resumo
Este artigo resulta dos estudos e da intervenção pedagógica desenvolvida no Centro Estadual de Educação Básica para Jovens e Adultos – CEEBJA, de Cascavel, Paraná, como atividades integrantes do Programa de Desenvolvimento Educacional – PDE, contando com a participação de trabalhadores em educação nas mais diversas funções, sendo a maioria professores, contribuindo para a formação continuada na rede estadual de ensino. Com o objetivo de proporcionar reflexão sobre as metodologias e os recursos didático-pedagógicos a serem utilizados no ensino de Matemática para alunos cegos e com visão reduzida, diante do paradigma da inclusão escolar, formou-se um grupo de estudos. Teoricamente tem o suporte na Psicologia Histórico Cultural que, com uma forma dialética de expor as ideias, considerando a historicidade, abrange o ser humano em sua totalidade, reconhecendo a mediação como ação desencadeadora do processo de ensino-aprendizagem, do acesso ao conhecimento científico para emancipação humana plena, recuperando a função social da escola. Considerando a importância das metodologias adaptadas para o ensino de Matemática no atendimento educacional especializado aos alunos com deficiência visual matriculados nas escolas públicas, utiliza a linguagem adequada e mecanismos de acessibilidade, como o código Braille, especialmente os símbolos matemáticos, criando situações de aprendizagem de conteúdos matemáticos, explorando uso de materiais concretos, como pré-soroban, sorobam e multiplano. O projeto desenvolvido teve resultados satisfatórios sendo avaliado como relevante e atingir diretamente um bom número de trabalhadores e indiretamente de alunos da educação básica que muitas vezes não têm acesso a conteúdos de forma adaptada para aquisição do conhecimento.
PALAVRAS-CHAVE: Educação Matemática; Educação Inclusiva; Psicologia
Histórico Cultural; Alunos com deficiência visual.
1 Professora do Programa de Desenvolvimento Educacional – PDE, da Rede Pública Estadual/Núcleo Regional de Educação de Cascavel, PR/ Centro de Apoio Pedagógico para Pessoas com deficiência visual - CAP. Pós-graduada em Educação Especial, na Educação de Jovens e Interdisciplinariedade. E-mail: [email protected] 2 Professora orientadora do PDE, Doutora em Letras (UFBA) e Docente do Curso de Pedagogia da
Universidade Estadual do Oeste do Paraná – UNIOESTE, campus de Cascavel, PR, membro dos grupos de pesquisa HISTEDOPR E GPEE e do Programa de Educação Especial. E-mail: [email protected]
Introdução
O presente artigo destaca a educação como um fator de grande importância
para o desenvolvimento do ser humano, na sua formação e na sua interação para
alcançar autonomia na vida social, num contexto de sociedade onde a lógica de
funcionamento dá-se na exclusão, interferindo negativamente na prática
pedagógica, influenciando nas condições de ensino e de aprendizagem em todo o
processo de escolarização. Além de limitarem a ação pedagógica da escola, tais
contradições se constituem em desafios cotidianos que a escola precisa transpor,
principalmente no sentido de garantir uma aprendizagem significativa.
Quando se trata do aluno com deficiência visual, muitas concepções
equivocadas permeiam a educação, principalmente no que se refere aos conteúdos
curriculares. Por pensar em facilitar a aprendizagem, esses conteúdos são
suprimidos, minimizando assim o conhecimento, quando o que de fato se faz
necessário são metodologias que possibilitem ao aluno o acesso a todos os
conteúdos, como aos demais alunos. Assim, o ensino ainda é precário e pouco se
utiliza de materiais pedagógicos concretos e lúdicos, enquanto instrumentos de
aprendizagem, para desenvolver no aluno as funções psicológicas superiores, tais
como: a concentração, a memória, a percepção, a linguagem e o pensamento,
leitura e interpretação, abstração, atenção e imaginação e as demais áreas
cognitivas, fundamentais à apropriação de conhecimentos. É preciso buscar
suporte em teorias consistentes que de fato possam fundamentar o exercício
pedagógico, como a Psicologia Histórico Cultural, que vai além dos aspectos
biológicos e aponta as principais vias de aprendizagem do ser humano.
A partir dessa compreensão, no Programa de Desenvolvimento Educacional
– PDE, a atividade realizada na intervenção pedagógica constitui num grupo de
estudos desenvolvido por meio de oficinas, nas quais foram trabalhados conteúdos
sobre a Educação Especial e o Ensino da Matemática, com base na Psicologia
Histórico Cultural, análise e demonstração da aplicação de materiais didáticos
manipuláveis que favorecem o ensino dos conteúdos da disciplina de Matemática
e a aprendizagem dos alunos com deficiência visual.
Nesse sentido, a implementação dessa proposta didático-pedagógica
tornou relevante de acordo com a política de inclusão escolar, considerando as
condições educacionais do aluno com deficiência visual e o acesso ao
conhecimento científico, conforme preconiza o currículo escolar da educação
básica.
Aspectos históricos, legais e de aprendizagem
Num breve relato sobre a história do tratamento das pessoas com
deficiência, pode-se dizer que passaram do extermínio para segregação, depois
para a integração social, onde precisavam adaptar-se, até a inclusão social, política
educacional atual, onde a sociedade precisa se adaptar às suas necessidades. Do
extermínio, o abandono e a exposição na idade antiga a um período em que podiam
continuar vivas, porém vistas como pessoas doentes, defeituosas e mentalmente
afetadas, marcou profundamente as concepções a respeito das pessoas com
deficiência, com signos de incapacidade e inferioridade.
Uma prática comum de eliminação em relação às pessoas com deficiência
foi exercida no período da antiguidade grega e romana. Muitos filósofos, dentre eles
Platão, Aristóteles, Cícero e Sêneca, manifestaram suas opiniões favoráveis ao
extermínio ou abandono das pessoas com deficiência, justificando-as pelo bem da
sociedade, isentando-a de problemas morais em relação à essa prática, conforme
estudos de Silva (1986) e Bianchetti (1998).
Na idade média, por influência do cristianismo, as pessoas com deficiência
não podiam mais ser exterminadas. Teve, então, início a institucionalização, e tais
pessoas eram geralmente mantidas pela igreja católica, levadas para hospitais,
asilos, hospícios ou circos, forma essa de tratamento predominante no feudalismo
com o modo de produção capitalista.
A partir do século XVIII, institutos foram criados na Europa com o objetivo de
propiciar a educação de surdos e cegos, como também, de prepará-los para o
trabalho. O Abade de L’Epée dedicou-se à educação de surdos e criou o Instituto
Nacional de Surdos, na França, em 1789, seguido por Valentin Hauy, com o
Instituto de Cegos de Paris, fundado em 1791, conforme expõe Silveira Bueno
(1993, p. 66 – 67). Todavia, para pessoas com deficiência mental e física, restava
a internação nos hospícios.
Silveira Bueno (1993) destaca a realidade enfrentada pela população com
deficiência:
Surdos e loucos, cegos e mendigos, todos faziam parte do movimento maior de segregação dos divergentes, dos que atrapalhavam o desenvolvimento do capitalismo e que necessitavam ser enquadrados às suas exigências, todos encaminhados para a internação e para o trabalho forçado, manual e tedioso, parcamente remunerado, quando não em troca de um lugar no “maravilhoso espaço do asilo-escola-oficina” (p. 69 – grifos do autor).
O paradigma da institucionalização perdurou até meados do século XX,
recebendo muitas críticas a partir do início daquele século, como uma situação que
violava os direitos humanos. As mudanças efetuadas no processo de educação e
reabilitação em espaços ainda segregados configuraram-se no paradigma da
integração, com o objetivo de conformar a pessoa com deficiência às exigências
sociais para, quando alcançado esse intento, inserí-la na sociedade.
A prática da integração se efetivou nas escolas, mas rapidamente foi
severamente criticada pela comunidade acadêmica e pelas próprias pessoas com
deficiência já organizadas em associações, constituindo movimentos sociais, face
aos seus resultados insignificantes.
No final do século XX, as pessoas com deficiência se organizam e,
juntamente com seus familiares, lutam para romper com tradicionais práticas
segregativas, tendo como objetivo garantir condições para sua participação como
sujeitos sociais, processo que ficou fortalecido com a Declaração de Salamanca
(1994), a qual afirma a necessidade de todos se comprometerem com a eliminação
de barreiras excludentes.
Uma ampla luta pela inclusão social e escolar das pessoas com deficiência
movimentou a sociedade, provocando os governos e impulsionando a modificação
das legislações e normas com esse objetivo. Várias Conferências Internacionais
discutiram os direitos humanos e condenaram todas as formas de discriminação e
preconceito em relação às pessoas com deficiência, impulsionando a adoção de
novas práticas de convivência humana e a promoção da acessibilidade
(CONFERÊNCIA DE MANÁGUA, 1993; MONTREAL, 2004; GUATEMALA, 2006).
O documento mais recente é a Convenção sobre os Direitos das Pessoas
com Deficiência, também conhecido como Convenção da ONU e incorporado na
legislação brasileira (BRASIL, 2009), onde se lê:
Artigo 1 - O propósito da presente Convenção é promover, proteger e assegurar o exercício pleno e eqüitativo de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais por todas as pessoas com deficiência e promover o respeito pela sua dignidade inerente. Pessoas com deficiência são aquelas que têm impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdades de condições com as demais pessoas (BRASIL, 2009).
No Brasil, após a Constituição de 1988, houve uma ampla produção de
legislação referente aos direitos das pessoas com deficiência, destacando-se na
educação a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, a Política Nacional de
Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (2008), que traça as
diretrizes e normas para esta modalidade de educação inclusiva. (BRASIL, 1988;
1996; 2008).
O progresso das ciências, fortalecido pelo desenvolvimento econômico,
político, social e cultural na sociedade atual nessa perspectiva inclusiva, baseada
em direitos humanos, propõe uma reflexão sobre a compreensão e o tratamento da
pessoa com deficiência. A superação das concepções mística e biológica, esta
última classificada por Vigotski (1997, p. 33) de "ingênua", ainda muito presente na
consciência social, é condição para avançar na direção atualmente posta.
Muitos equívocos em torno desse assunto têm sido esclarecidos mediante a
teoria exposta por Vigotski (1997), como no senso comum, a idéia de que o ouvido
e o tato dos cegos substituem a visão, que para os surdos a visão supera a audição.
A prática e a ciência faz tempo desmascararam a falta de fundamento desta teoria. Uma investigação baseada em fatos tem demonstrado que na criança cega não há aumento automático do tato ou da audição devido à visão que lhe falta [...]. Pelo contrário a visão por si mesma não se substitui, senão que as dificuldades que surgem devido à sua falta se solucionam mediante o desenvolvimento da superestrutura psíquica (VIGOTSKI, 1997, p. 34).
Com o conceito de Vigotski, a mística perde a força, dando lugar ao científico,
onde teorias infundadas dão lugar ao estudo e à experiência para a educação de
pessoas com deficiência.
Como resultado dessas muitas lutas, chegou-se ao final da primeira década
do século XXI com ampla legislação sobre a política de inclusão social e
educacional. Em 2008, o MEC apresenta a Política Nacional de Educação Especial
na Perspectiva da Educação Inclusiva, seguida da Resolução nº 04, de 02 de
outubro de 2009, do Conselho Nacional de Educação, que institui diretrizes
operacionais para o Atendimento Educacional Especializado – AEE, na Educação
Básica, na modalidade de Educação Especial; o decreto nº 7.611, de 17 de
novembro de 2011, normatiza a implantação do AEE e o MEC lança em seguida
várias Notas Técnicas de orientação à implantação das salas de recursos
multifuncionais (BRASIL, 2008; 2009; 2010; 2011).
Todavia, as mudanças legais e operacionais não alcançarão os objetivos de
uma educação inclusiva, com real aprendizagem e desenvolvimento dos alunos
com deficiência, se a concepção a respeito deles e de suas possibilidades continuar
focada na visão biológica da deficiência e, no caso da visual, com ênfase na
substituição dos sentidos.
A Psicologia Histórico-Cultural, de Vigotski, Leontiev, Luria e seguidores,
afirma que os princípios da aprendizagem e do desenvolvimento da pessoa com
deficiência são os mesmos das demais pessoas, pois, "a criança não nasce com
órgãos aptos a realizar de repente as funções que são produto do desenvolvimento
histórico dos homens e se desenvolvem no decurso da vida pela aquisição da
experiência histórica" (LEONTIEV, 1978, p. 327).
Assim é importante que o professor compreenda o aluno não como indivíduo
isolado, mas alguém com desenvolvimento relativo a inúmeras determinações,
resultantes do seu contexto social, político, econômico e cultural do momento
histórico em que se encontra.
Para Vigotski (1997, p. 84), o ponto de partida para a busca do entendimento
sobre o aprendizado e desenvolvimento das pessoas com deficiência fundamenta-
se no pressuposto de que uma determinada função particular (ver, ouvir, falar, etc.)
pode representar um desvio considerável da norma e, não obstante, a
personalidade ou o organismo em geral pode ser totalmente normal. A partir desse
pressuposto, na concepção Histórico-Cultural "a criança com defeito não é
indispensavelmente uma criança deficiente" (VIGOTSKI, 1997, p. 84).
Assim, é importante compreender a diferença entre defeito e deficiência: o
defeito é orgânico, pode ser de ordem física, sensorial e mental, e a deficiência é
consequência dos impedimentos vivenciados socialmente. Nesse ponto
exatamente reside a superação da visão biológica da deficiência, centrada no
defeito orgânico.
Se algum órgão, devido à deficiência morfológica ou funcional, não consegue cumprir inteiramente seu trabalho, então o sistema nervoso central e o aparato psíquico assumem a tarefa de compensar o funcionamento insuficiente do órgão, criando sobre este ou sobre a função uma superestrutura psíquica que tende a garantir o organismo no ponto fraco ameaçado (VIGOTSKI, 1997, p. 77).
Os estudos da Psicologia Histórico-Cultural demonstram a modificação das
estruturas biológicas a partir das interações sociais, dos desafios que são postos à
pessoa com tal defeito, a função desempenhada pela aquisição da cultura humana,
mediada por instrumentos e signos, dentre os quais a linguagem tem destaque.
Dessa forma, na concepção Histórico-Cultural, a deficiência não é apenas o
defeito ou a limitação, mas uma fonte de energia motriz, capaz de desenvolver uma
superestrutura psíquica com possibilidade de reorganizar toda a vida da pessoa,
tornando-a capaz em suas relações sociais.
O defeito se converte, dessa maneira, no ponto de partida e na força motriz principal do desenvolvimento psíquico da personalidade. Se a luta conclui com a vitória para o organismo, então, não somente vencem as dificuldades originadas pelo defeito, se não se eleva em seu próprio desenvolvimento a um nível superior, criando do defeito uma capacidade; da debilidade, a força; da menosvalia, a supervalia (VIGOSTKI, 1997 p. 78).
Nessa perspectiva, a deficiência não é mais o fator de impedimento da
aprendizagem, mas torna-se uma força que o impulsiona à aprendizagem e às
demais tarefas do cotidiano.
Nessa linha vigostkiana, a manutenção de pessoas com deficiência em
ambientes educacionais segregativos, acentua o defeito, impedindo que a força
motriz se manifeste e, portanto, o processo de supercompensação não acontece.
É preciso educar em sociedade, com os mesmos métodos aplicados aos demais
alunos, apenas usando recursos diferenciados de acordo com as necessidades
educacionais especiais derivadas do defeito que o aluno apresenta, como indica
Vigotski (1997) no parágrafo a seguir:
[...] estruturar todo o processo educativo segundo as linhas das tendências naturais à supercompensação, significa não atenuar as dificuldades que surgem do defeito, senão que tencionar todas as forças para sua compensação, apresentar só as tarefas em uma ordem que respondam ao caráter gradual do processo de formação de toda a personalidade, diante de um novo ponto de vista (VIGOSTKI, 1997 p. 33).
Nessa direção deve seguir a formação de professores, superando
paradigmas históricos e compreendendo que o processo de aprendizagem e
desenvolvimento de pessoas com deficiência é o mesmo processo de todo ser
humano.
A história e o ensino da Matemática
O ensino da Matemática, inserido num contexto de escola que ensina para
todos, requer ações que levam o aluno a pensar, deixando de ser mero espectador
para tornar-se agente ativo no processo de aprendizagem que permite
experimentar, interpretar, vizualizar, induzir, conjecturar, abstrair, generalizar, e
demonstrar. Numa aula formal e discursiva, onde os alunos não se engajam, a
aprendizagem não ocorre e suas capacidades cognitivas pouco se desenvolvem,
sendo exigido o máximo de repetições e memorizações, quando o processo de
aprendizagem deveria sempre culminar para o conhecimento cientifico de forma
sistematizada partindo das produções e pesquisas do aluno como agente ativo na
construção do saber.
Para melhor compreender as transformações que lentamente vêm
acontecendo, faz-se necessário conhecer a história dessa disciplina.
Na idade antiga foram desenvolvidos os primeiros conhecimentos
matemáticos, há registros dos babilônios que datam de 2000 a.C., sobre
comparação, formas, tamanhos e quantidades, classificados como álgebra
elementar. Para Ribnikov (1987), foi o período que demarcou o nascimento da
Matemática.
Somente nos séculos VI e V a.C. a Matemática emergiu na Grécia, com
regras e princípios lógicos, surgiram lá as primeiras discussões sobre a importância
do ensino da Matemática na formação das pessoas pelos pitagóricos.
Com os platônicos, buscava-se, pela Matemática, um instrumento que, para eles, instigaria o pensamento do homem. Essa concepção arquitetou as interpretações e o pensamento matemático de tal forma que influencia o ensino de Matemática até os dias de hoje (PARANÀ, 2008, p. 38).
No Século VI a.C., a educação grega preocupa-se em valorizar o ensino da
leitura e da escrita para os filhos da nobreza; um século mais tarde, o ensino da
Matemática começa a fazer parte da educação dos gregos, em busca de respostas
para explicar a origem do mundo, por uma ordem universal e imutável na natureza
e na sociedade. Essa concepção perdurou até o século XVII d.C.
O início das práticas pedagógicas aconteceram no século V a.C., pelos
sofistas, com o objetivo de formar homens políticos capazes de persuader; com
esses profissionais da educação foi popularizado o ensino da Matemática.
A educação era clássica, acontecia por meio de enciclopédias, e a
Matemática ensinada limitava-se na contagem dos números, na repetição e na
memorização. Entre os séculos IV e II a.C. foi criada a Biblioteca de Alexandria,
frequentada por grandes sábios, onde o professor grego Euclides sistematizou os
conhecimentos matemáticos, com a obra Elementos, os quais influenciaram o
ensino da disciplina até os dias atuais.
Na Idade Média, entre os séculos V e VII, o ensino teve caráter religioso, a
Matemática era voltada para os cálculos do calendário litúrgico e datas religiosas.
No final desse período, o ensino da geometria, aritmética, astronomia e música
eram considerados fundamentais para uma pessoa ser educada.
Entre os séculos VIII e XV houve importantes mudanças no ensino de
Matemática com o surgimento de escolas, universidades e com o ensino do latim.
A Matemática era ensinada com base em constatações empíricas. Nesse período,
a Matemática contribuiu para o desenvolvimento científico com a produção de
máquinas e equipamentos, armas de fogo, imprensa, moinhos de vento, relógios e
embarcações.
No Brasil, na metade do século XVI, os jesuítas instalaram colégios católicos com uma educação de caráter clássico-humanista. A educação
jesuítica contribuiu para o processo pelo qual a Matemática viria a ser introduzida como disciplina nos currículos da escola brasileira. Entretanto, o ensino de conteúdos matemáticos como disciplina escolar, nos colégios jesuítas, não alcançou destaque nas práticas pedagógicas (VALENTE, 1999, p. 40 apud PARANÀ, 2008).
Com as revoluções industrial e francesa no séc XVIII, predominava a
economia capitalista, o ensino e a pesquisa da Matemática eram voltados para o
processo de industrialização e para a formação de engenheiros, geógrafos e
topógrafos. No final do século XX, matemáticos pesquisadores tornam-se também
professores, passando a buscar formação em estudos filosóficos psicológicos e
sociológicos.
Concepções com origens em congressos internacionais chegam ao Brasil
num contexto de mudanças, com o movimento da Escola Nova em meados do séc
XX, onde estudantes eram pesquisadores envolvidos em jogos e atividades lúdicas.
Nesse período, surgem outras tendências pedagógicas: formalista clássica,
formalista moderna, tecnicista, construtivista, socioetnocultural e histórico-crítica.
Quanto a esta última, tem-se que:
A tendência histórico-crítica surgiu, no Brasil, em meados de 1984 e, através de sua metodologia fundamentada no materialismo histórico, buscava a construção do conhecimento a partir da prática social, superando a crença na autonomia e na “dependência absolutas da educação em face das condições sociais vigentes” (SAVIANI, 1997, p. 76).
Essa tendência é compreendida como saber dinâmico, capaz de atender às
necessidades sociais e teóricas em um determinado período da história, onde o
ensino e a aprendizagem da Matemática consistem em desenvolver metodologias,
estratégias que possibilitem ao aluno estabelecer relações, justificar, analisar,
discutir e criar, não apenas um ensino baseado em calcular e resolver problemas
ou fixar conceitos pela memorização ou listas de exercícios. Nesse contexto de
transformação no período de abertura política pós-ditadura, os professores das
escolas públicas do Estado do Paraná constroem coletivamente o Currículo Básico
do Estado do Paraná, de 1990, que teve sua fundamentação teórica baseada na
pedagogia histórico-crítica (PARANÁ, 2008).
Mais tarde, em 2003, a Secretaria de Estado da Educação abre um processo
de discussão coletiva com todos os professores e profissionais dos Núcleos
Regionais de Educação da rede estadual de ensino, para a construção das
Diretrizes Curriculares Estaduais, publicadas em 2008 e que norteiam a educação
estadual atualmente. Pautado nesses documentos, reconhece-se os materiais
concretos como facilitares do ensino e da aprendizagem por outras vias de acesso
aos conteúdos dos alunos, especialmente alunos com deficiência visual.
Soroban
O soroban é um calculador mecânico usado há muitos anos em escolas, pois
é de simples manejo, o que torna o ato de calcular algo concreto, rápido e ágil
(http://intervox.nce.ufrj.br/~brailu/soroban.html).
A história não registra a origem do Soroban, havendo somente indícios de
seu surgimento e, segundo alguns autores, teria sido introduzido na Grécia por
Pitágoras. O seu uso espalhou-se tanto no Ocidente quanto no Oriente. Seu uso foi
introduzido na China e daí foi levado ao Japão. Nestes dois países o seu uso é
corrente até os nossos dias (BRASIL, 2006).
No Brasil, o soroban foi introduzido no ano de 1908 pelos imigrantes
japoneses que o consideravam como indispensável na resolução de cálculos
matemáticos. Sua divulgação, entretanto, só ocorreu em 1956, com a chegada do
professor Fukutaro Kato.
No final da década de 40 do século XX, usavam chapas numéricas e as
pranchas de Taylor para ensinar Matemática as pessoas com deficiência visual. E
em 1949, o brasileiro Joaquim de Lima Moraes, com seu discípulo José Valesin,
possibilitou o uso do soroban por pessoas com deficiência visual em todo mundo.
A grande contribuição foi a inserção da borracha compressora no soroban, a qual
permitiu as pessoas com deficiência visual manejar as contas de forma segura, pois
antes qualquer movimento tátil modificava os registros.
O sorobã é composto por quatro partes, sendo contas, eixo, pontos e régua
de numeração. Com vinte e um eixos que formam sete classes, da direita para a
esquerda, cada uma com três ordens: U (unidade), D (dezena) e C (centena).
Figura 1 – Esquema da constituição do soroban.
Fonte: croquis elaborado pela autora.
O manuseio do sorobã deverá ser: mão direita opera o lado direito e mão
esquerda o lado esquerdo, usando o dedo indicador e o polegar para movimentar
as contas.
Os registros numéricos realizados no soroban são simples e rápidos
semelhantes a um teclado onde as duas mãos são usadas para registrar e fazer
qualquer operação, permitindo agilidade maior que com o uso de calculadoras.
Na figura 2, o sorobam apresenta sete classes numéricas, havendo outros
modelos com maior ou menor número de classes e numa só cor.
Figura 2 – Soroban de sete classes numéricas.
Fonte: fotografia tirada pela autora.
Os registros são realizados da direita para esquerda, Abaixo do eixo
horizontal as bolinhas indicam unidade, dezena e centena; as bolinhas acima do
eixo horizontal representam cinco, na ordem respectiva. As figuras 3 e 4
demonstram o registro do número um e sete, respectivamente.
Figura 3 – Representação do número 1.
Fonte: fotografia tirada pela autora.
Figura 4 – Representação do número 7.
Fonte: fotografia tirada pela autora.
Percebe-se que a bolinha de cima do eixo representa o número cinco e as
abaixo do eixo, uma unidade cada, assim a soma resulta em sete.
Algumas orientações de manuseio e as quatro operações com o soroban são
apresentadas em vídeos disponíveis nos links seguintes:
https://www.youtube.com/watch?v=644DVdpZgHM;
https://www.youtube.com/watch?v=n7G0Uv6r2QI;
https://www.youtube.com/watch?v=rSxk7v3E9LY;
https://www.youtube.com/watch?v=bze1-xZZFQY;
https://www.youtube.com/watch?v=ICm6rEFAQ0w.
Multiplano
O Mutiplano é uma rica ferramenta pedagógica, desenvolvida por um
professor cascavelense, Rubens Ferronato, ao sentir-se desafiado diante do tarefa
de ensinar Matemática para alunos cegos no ensino superior, no ano de 2000.
Inicialmente utilizou uma placa de eternit perfurada, rebites e barbantes, o
qual foi sendo aperfeiçoado, fazendo uso de borrachinhas e pinos com números em
Braille, hastes e parábolas que resultaram na produção de um kit, que pode ser
usado desde as séries iniciais do Ensino Fundamental, com inúmeras
possibilidades para o ensino de Matemática. A seguir, um software foi desenvolvido
para o uso virtual da ferramenta.
É possível conferir como surgiu o Multiplano e conhecê-lo melhor pelas
apresentações no vídeo disponível no seguinte link e no siítio abaixo:
https://www.youtube.com/watch?v=WLwOlCn6hB8
http://www.multiplano.com.br/index.html
O Multiplano apresenta diversas outras possibilidades de uso, e todas elas
podem ser trabalhadas por cegos e videntes, sem que haja necessidade de
adaptações, considerando que todo o conhecimento sistematicamente programado
na proposta curricular é um direito garantido ao aluno para o exercício de sua
cidadania, quando lhe for negado sérias consequências podem acarretar em sua
trajetória acadêmica.
Para melhor compreensão do multiplano, seguem algumas imagens e
exemplos práticos com o uso do multiplano.
Na figura 5 podemos perceber duas bases, sendo uma retangular e outra
circular, ambas com furos que permitem fixar os pinos. Nos compartimentos abaixo
há pinos enumerados de 0 a 9, símbolos das operações matemáticas como o de
adição, subtração, multiplicação e divisão, sinal de igualdade e as variáveis X, Y e
Z, utilizadas em gráficos, equações, geometrias e outros, todos com registros em
braille e em numerais indo arábicos, permitindo a aprendizagem de alunos com
deficiência visual e videntes.
No último comparimento encontramos os pinos que fixam as borrachas
permitindo a construção de gráficos, linhas poligonais, figuras geométricas e muitas
outras possibilidades que encontramos no manual que acompanha o kit multiplano.
Figura 5 – Kit do Multiplano: placas para base, pinos e demais acessórios.
Fonte: fotografia tirada pela autora.
A representação dos dados no gráfico de colunas, como ilustra a figura 6,
facilita o acesso dos alunos às várias informações que o mesmo pode conter, de
forma clara para os alunos cegos pelo fato de cada um dos pinos ter anotação em
braille.
Figura 6 – Gráfico de colunas representado no multiplano.
Fonte: fotografia tirada pela autora.
Figura 7 – Operação de divisão com algoritmo mais usado.
Fonte: fotografia tirada pela autora.
O exemplo acima permite ao aluno cego compreender a operação de divisão
da mesma forma que o aluno vidente faz seus registros a tinta no caderno. Assim,
além do sorobam, o multiplano permite uma metodologia diferenciada oferecendo
outras possibilidades de aprendizagem aos alunos com deficiência visual.
O manual que acompanha o kit contempla variadas possibilidades e o
professor de Matemática tem condições pedagógicas de ampliar as representações
dos conteúdos, fazendo as adaptações de acordo com as necessidades do aluno
até que o mesmo se aproprie satisfatoriamente do mesmo. O multiplano pode ser
solicitado pelo e-mail: [email protected].
Considerações Finais
A intervenção na escola por meio de um grupo de estudos possibiblitou
socializar e discutir coletivamente o projeto e suas contribuições no exercício da
docência, de forma que pudesse contribuir com a escola, considerando o fato de
muitos alunos com deficiência visual fazerem parte do corpo discente da mesma.
O trabalho foi desenvolvido por meio de vinte encontros, com duração de
duas horas cada um, somando um total de quarenta horas-aula presenciais, no
período letivo de fevereiro a agosto de 2015, no Centro Estadual de Educação
Básica de Jovens e Adultos - CEEBJA de Cascavel, Paraná, com dezenove
participantes, dentre professores, agentes I e agente II.
As aulas foram expositivas e dialogadas, utilizando material teórico exposto
em multimídia, leitura e estudo de textos científicos, demonstração de materiais
pedagógicos com uso do laboratório de informática.
Os temas desenvolvidos foram a educação da pessoa com deficiência ao
longo da história, o embasamento teórico com suporte na Psicologia Histórico-
Cultural para escolarização das pessoas com deficiência e a aprendizagem de
conceitos matemáticos com uso de materiais adaptado para alunos com deficiência
visual.
Destacou-se a colaboração de duas professoras pedagogas cegas da rede
púbica estadual de ensino, que contribuíram com o estudo sobre a Psicologia
Histórico Cultural, o processo de supercompensação, os signos em Vigotski e suas
experiências acadêmicas e profissionais.
O encerramento do grupo de estudos deu-se com a intenção de manter e
melhorar na escola a proposta apresentada e discutida, tendo em vista que muitos
alunos com deficiência estudam nesse espaço.
Das atividades do PDE, destacou-se ainda o Grupo de Trabalho em Rede –
GTR, no qual vinte e um professores da rede pública estadual de ensino
participaram, entre eles cinco professores cegos, os quais partilharam suas
vivências e trajetórias acadêmicas, mencionanado a pertinência do projeto e a
contribuição do mesmo diante da necessidade de formação.
Apesar de toda legislação vigente sobre inclusão escolar e social, e muitos
programas sendo desenvolvidos nesse sentido, ainda assim, as ações são
insuficientes e precárias diante da demanda de alunos cegos e com baixa visão,
matriculados na rede pública de ensino, observando-se a necessidade de ampliar
as formações e os recursos utilizados, principalmente com relação aos conteúdos
das disciplinas da área de exatas.
Os materiais concretos e adaptados favorecem a mediação do ensino
aprendizagem e possibilitam o aluno ter acesso aos conceitos matemáticos e
desenvolver as funções psicológicas superiores, saindo da zona do
desenvolvimento proximal, para a zona de desenvolvimento real, como afirma o
próprio Vigotski, desenvolvendo ainda a concentração, memória, percepção,
linguagem, pensamento, leitura, interpretação, abstração, atenção, imaginação e
demais funções psicológicas superiores, as quais são fundamentais para a
apropriação de conhecimentos.
Referências BIANCHETTI, Lucídio. Aspectos históricos da apreensão e da educação dos considerados deficientes. In: BIANCHETTI, Lucídio; FREIRE, Ida Mara. Um olhar sobre a diferença: interação, trabalho e cidadania. Campinas, SP: Papirus, 1998. BRASIL. Constituição Brasileira, Brasília, 1988. _______. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. _______. MEC. SEESP. A construção do conceito de número e o pré-soroban / elaboração: Fernandes, Cleonice Terezinha... [et al.]. – Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Especial, 2006.
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