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Versão On-line ISBN 978-85-8015-076-6Cadernos PDE
OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSENA PERSPECTIVA DO PROFESSOR PDE
Artigos
ENCANTO DOS CANTOS: A LEITURA CRÍTICA COMO FORMAÇÃO DA CONSCIÊNCIA SOCIAL
Noeli da Paz Teixeira Zonzini1 Devalcir Leonardo2
RESUMO
Por meio desse artigo destacamos os resultados obtidos através da aplicação das atividades propostas no Caderno Pedagógico que envolveu os alunos do terceiro ano do Ensino Médio do Colégio Estadual Carlos Gomes de Ubiratã (PR), no contexto do Programa de Desenvolvimento Educacional (PDE), promovido pela Secretaria de Estado de Educação do Paraná- SEED. O trabalho teve como objetivo criar estratégias de leitura para a formação de leitores críticos e autônomos, capacitando-os para uma verdadeira transformação social, buscando melhorar a realidade em que vivem. A leitura deve fazer parte da vida das pessoas encantando-as e, ao mesmo tempo, servindo como ferramenta para a incorporação de posturas típicas de sujeitos atuantes, autoconfiantes, capazes. A dimensão cidadã e o aguçamento do espírito crítico foram aspectos focados durante todo o desenvolvimento das atividades, embasadas nas concepções teóricas de Bakhtin, Bordini & Aguiar, Paulo Freire, Regina Zilberman e as Diretrizes Curriculares do Estado do Paraná.
Palavras-chave: Leitura; Interpretação; Criticidade; Fruição
1 INTRODUÇÃO
O artigo em questão tem a intenção de apresentar uma reflexão sobre a
Proposta Didático-Pedagógica denominada “Encanto dos cantos: a leitura crítica
como formação da consciência social”, voltada aos jovens do Colégio Estadual
Carlos Gomes de Ubiratã que frequentam o terceiro ano do Ensino Médio a respeito
do processo de leitura e interpretação de textos, por meio do trabalho com as letras
das músicas brasileiras, durante a participação no Programa de Desenvolvimento
Educacional (PDE), promovido pela Secretaria de Educação do Estado do Paraná
(SEED) em 2013. Sua fundamentação teórica tem como base a concepção dialógica
e discursiva de linguagens ancoradas nos estudos de Bakhtin e nos trabalhos de
1 Graduada em Letras pela Faculdade de filosofia, Ciências e Letras de Adamantina, Especialista em
Didática Geral pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Jales, Especialista em Língua Portuguesa/Descrição e Ensino pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Jandaia do Sul, professora de Língua Portuguesa do Colégio Estadual Carlos Gomes - Ensino Fundamental, Médio e Profissional de Ubiratã-PR. 2 Possui graduação em Letras pela Universidade Estadual de Maringá, Especialização em Teoria
Literária e Mestrado em Letras: Estudos Literários pela UEM. Possui diversos artigos publicados em anais e periódicos na área de literatura. Tem experiência profissional nos níveis fundamental, médio e superior. É professor colaborador na UNESPAR/FECILCAM - Campo Mourão de Literatura Portuguesa.
Bordini & Aguiar, Paulo Freire, Geraldi, Zilberman, à luz das Diretrizes Curriculares
de Língua Portuguesa do Estado do Paraná.
Este estudo faz uma reflexão acerca de alguns aspectos relevantes na
relação que há entre a realidade escolar, a leitura e os alunos, aqui considerados
agentes de transformação social. Esses devem ser capazes de reconhecer o
percurso histórico das produções humanas, não somente no sentido de interpretá-
las, mas também, através de ações, na condição de leitores críticos, defenderem
suas convicções baseados em argumentos convincentes que propiciarão a
participação nas mudanças sociais. Assim, contribuirão para a construção de um
país melhor, onde ocorra a participação plena e a igualdades reais de oportunidades
para todos.
Portanto, o artigo retrata a utilização da música como recurso motivacional
para os alunos do Ensino Médio explorarem aspectos relevantes da história política
recente de nosso país. Trabalhar a música, como nesse caso, é uma das formas de
interação entre os homens, pela discussão dos fenômenos políticos, econômicos e
sociais, suscitados pelas rimas e letras das melodias. Ao mesmo tempo também
possibilita explorar aspectos linguísticos que mantêm relação com o aprendizado da
língua portuguesa e permite explorar as condições do aprendizado com as
expressões que envolvem a afetividade e as condições emocionais que
desenvolvem o aluno nas suas bases de sentimentos. São características
extrínsecas e intrínsecas que fazem parte do mundo musical e pode auxiliar nas
vivências sociais.
2 DESENVOLVIMENTO
2.1 DA CONCEPÇÃO TEÓRICA DO TRABALHO
Discorrendo a respeito das ideias do filósofo Karl Marx, José Paulo Netto
(2011) afirma que o papel do sujeito é essencialmente ativo; precisamente para
apreender não a aparência ou a forma dada ao objeto, mas a sua essência, a sua
estrutura e a sua dinâmica (mais exatamente: para apreendê-lo como um processo),
o sujeito deve ser capaz de mobilizar um máximo de conhecimentos, criticá-los,
revisá-los e deve ser dotado de criatividade e imaginação. Para o filósofo, o sujeito
“tem de apoderar-se da matéria, em seus pormenores, de analisar suas diferentes
formas de desenvolvimento e de perquirir a conexão que há entre elas” (NETO,
2011, p. 16). Tanto no ato de ler quanto no ato de ouvir, de interpretar, não existe
uma aceitação passiva. Existe sim uma construção ativa e muito peculiar de cada
sujeito. Freire (1981) afirma que a interpretação de um texto só é alcançada por uma
leitura criticamente explorada e implica perceber todas as relações estabelecidas
entre o texto e o contexto. Um texto lido com atenção, suscitando memórias,
comparando épocas, preenchendo vazios, verificando entrelinhas, intencionalidade
do autor, contribuirá para um processo de compreensão dos textos e do mundo.
Segundo Bordini e Aguiar, todos os textos devem abalar as certezas e
costumes. A partir daí, diante da descoberta do novo, devem provocar no leitor
maior satisfação na realização de atividades, com a leitura, compreensão e
interpretação (1993, p. 89). Ainda em Bordini e Aguiar, as leituras devem ser críticas,
questionadoras e capazes de transformar ideias e comportamentos, não somente do
leitor, mas também do professor, da escola, da comunidade escolar e social. É
também importante que estabeleçam comparações com o novo, com o tempo, com
o espaço e se integrem com o universo de ideias que fazem parte do mundo,
buscando valores, coerências e verossimilhanças. A interação do leitor com o texto
ocorre quando o aluno dialoga de igual para igual com o mesmo, interage e interfere
de forma criadora, permitindo a comunicação entre esses dois parceiros sociais, que
muitas vezes estão situados em horizontes históricos diversos (JAUSS, 1971, p.74).
Geraldi (1991) afirma que a função da leitura é a busca de informações
(levada pela vontade de querer saber mais, a fim de que o leitor possa aderir ou
abandonar determinada ideia); é a interação com o texto (a busca pelo escutar o
texto com a intenção dele se retirar todas as informações possíveis; é confronto da
palavra do autor com a do leitor); é pretexto a leitura em que se usa o texto na
produção de outras obras); é a fruição (a leitura gratuita, por prazer). Na era
capitalista o homem está diretamente relacionado com o mundo das coisas.
Conforme Bakhtin (2002, p. 42), as relações de produção e a estrutura sociopolítica
que delas diretamente deriva determinam todos os contatos verbais possíveis entre
indivíduos, todas as formas e os meios de comunicação verbal: no trabalho, na vida
política, na criação ideológica. Bakhtin (1979, p. 124) argumenta que o centro
organizador de toda expressão é o exterior- o meio social que envolve o indivíduo. A
enunciação é de natureza social - sua estrutura, sua elaboração estilística, sua
cadeia verbal e a dinâmica de evolução são sociais. Desta forma, a língua vive e
evolui historicamente na comunicação verbal concreta. No livro “Marxismo e Filosofia
da Linguagem”, Bakhtin (2002, p.43) identifica que “cada época e cada grupo social
tem seu próprio repertório de formas de discurso na comunicação sócio-ideológica”.
Para Bakhtin (2002, p. 36 e 37) a palavra é o fenômeno ideológico por excelência. A
realidade toda da palavra é absorvida por sua função de signo. A palavra é o modo
mais puro e sensível da relação social. Ela é o indicador mais sensível das
transformações sociais, mesmo daquelas que apenas despontam que ainda não
tomaram forma, que ainda não abriram caminho para sistemas ideológicos
estruturados e bem formados.
Nesse sentido, Bakhtin (2002, p.43) argumenta que classe social e
comunidade semiótica não se confundem. Pelo segundo termo entendemos a
comunidade que utiliza um único e mesmo código ideológico de comunicação.
Classes sociais diferentes servem-se de uma só e mesma língua.
Consequentemente, em todo signo ideológico confrontam-se índices de valor
contraditório. O signo se torna a arena onde se desenvolve a luta de classes. Os
significados são constituídos por meio de uma representação social, ou seja, são
socialmente construídos. A palavra está sempre carregada de um conteúdo, ou de
um sentido ideológico ou vivencial. Segundo Bordini, ao citar Barthes:
...parece cada vez mais difícil conceber um sistema de imagens ou objetos cujos significados possam existir fora da linguagem: perceber o que significa uma substância é, fatalmente recorrer ao recorte da língua: sentido só existe quando denominado e o mundo dos significados não é outro senão o da linguagem”. (BARTHES, apud BORDINI e AGUIAR, 1993, p.09).
Paulo Freire fundamenta a leitura do mundo como antecedente da leitura da
palavra com base nesse conceito amplo de texto. O educador argumenta:
[...] na compreensão crítica do ato de ler, que não se esgota na descodificação pura da palavra escrita ou de linguagem escrita, mas que se antecipa e se alonga na inteligência do mundo... A compreensão do texto a ser alcançada por sua leitura crítica implica a percepção das relações entre o texto e o contexto” (FREIRE, 1982, p. 1-2).
Kleiman (2000) destaca a importância, na leitura, das experiências, dos
conhecimentos prévios do leitor, que lhe permitem fazer previsões e inferências
sobre o texto. O leitor constrói e não apenas recebe um significado global para o
texto: ele procura pistas formais, formula e reformula hipóteses, aceita ou rejeita
conclusões, usa estratégias baseadas no seu conhecimento linguístico e na sua
vivência sociocultural, seu conhecimento de mundo. Ao compreender a leitura como
um processo em que o leitor vai tomando consciência do momento histórico em que
se encontra e percebendo que a formação escolar tem como princípio básico a
transmissão dos valores ideológicos do capitalismo, nosso limite de produção de
sentido e formação de leitores críticos encontra-se no ato de interpretar o mundo
capitalista. Portanto, nesse trabalho são considerados alguns conceitos do
materialismo histórico e dialético de Marx, a concepção de interação da linguagem
de Bakhtin e o método recepcional de Bordini e Aguiar.
2.2 DO MOMENTO HISTÓRICO EXPLORADO NO TRABALHO
A história política brasileira, no período marcado de 1964 a 1985, ficou
registrada pela falta de democracia, supressão de direitos constitucionais, censura
perseguição política e repressão a todos que se opunham ao regime estabelecido.
Em 1964 os militares derrubaram o presidente João Goulart e ocuparam o poder.
Nos séculos anteriores também se manifestaram fatos semelhantes, o que deixa
claro a tradição intervencionista dos governos brasileiros. Os militares tiveram
participação ativa, por exemplo, ainda antes da Proclamação da República e durante
a época escravista, na repressão contra lutas populares. Durante a Ditadura Militar
iniciada em 1964, as prisões eram cercadas de um clima de terror, do qual não se
poupavam pessoas isentas de qualquer suspeita. Seviciava-se antes, para perguntar
depois; o clima psicológico era aterrorizante, favorável à obtenção de confissões que
enredassem na malha repressiva o maior número de pessoas. O golpe militar de
1964 foi o resultado de manobras políticas que antecederam o fato. Em 1961 o
presidente do Brasil era Jânio Quadros, que renunciou no início de seu mandato,
provocando uma crise política. Seu vice, João Goulart, assumiu a presidência com o
país mergulhado em uma situação política complicada. Durante o governo de João
Goulart (1961-1964) aconteceu a abertura às organizações sociais.
Organizações populares, estudantes e trabalhadores começaram a ganhar
prestígio, preocupando os setores conservadores como as classes dos empresários,
banqueiros, Igreja Católica, militares e classe média. Havia uma expectativa de que
o Brasil passaria a integrar o movimento socialista.No cenário internacional, o
mundo conhecia o auge da chamada “Guerra Fria”, com a bipolarização de forças
entre os Estados Unidos da América (EUA) e a então chamada União das
Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS).O estilo populista e de esquerda de Jango
gerava preocupação aos EUA que, junto com as classes conservadoras brasileiras,
imaginavam um possível golpe comunista. Jango era acusado pelos partidos
oposicionistas, União Democrática Nacional (UDN) e Partido Social Democrático
(PSD), de se envolver com setores da esquerda, de provocar a carestia e o
desabastecimento do Brasil. Com a promessa de mudanças radicais, conhecidas
como Reformas de Base, feitas durante a realização de um comício no Rio de
Janeiro, mais especificamente na Central do Brasil, no dia 13 de março de 1964, os
ânimos ficaram ainda mais exaltados entre governo e oposição. Jango queria
mudanças nas estruturas agrária, econômica e educacional do país. Logo em
seguida, no dia 19 do mesmo mês, setores conservadores promovem o que ficou
conhecido como “Marcha da Família com Deus pela Liberdade”, que reuniu milhares
de pessoas nas ruas do centro da cidade de São Paulo, contra as ideias
governistas. A tensão aumentou ainda mais e o clima de crise política era evidente e
ficava cada vez mais forte na medida em que passavam os dias. Até que, em 31 de
março de 1964, tropas de Minas Gerais e São Paulo invadem as ruas. Jango, no
sentido de evitar uma guerra civil, abandona o país refugiando-se no Uruguai. O
poder passa então para as mãos dos militares que, em nove de abril, decretam o Ato
Institucional Número 1 (AI-1). O reflexo disso foi a cassação dos mandatos políticos
de opositores ao regime militar e a perda de estabilidade de funcionários públicos.
2.3 DA UTILIZAÇÃO DA ARTE MUSICAL COMO INSTRUMENTO PARA A
CONSECUÇÃO DOS OBJETIVOS.
A música, como sabemos, é uma das manifestações mais antigas da cultura
humana, assim como a dança. Ela é, acima de tudo, uma das formas de expressão
bastante utilizada em ocasiões as mais diversas, para enfatizar, realçar, reafirmar as
propostas embutidas em manifestações de caráter político-ideológicas, por exemplo.
A par disso ela também encanta, sensibiliza e atrai grande parte da população,
particularmente os jovens, que dela se valem para se divertir, principalmente. Com
esse trabalho, utilizamos essas duas vertentes no sentido de atingir os objetivos
propostos no trabalho, qual seja o de estimular mais a leitura interpretativa, crítica,
visando à conscientização plena da juventude a respeito dos fatos da realidade em
que estão imersos.
2.4 DA IMPORTÂNCIA DA LEITURA PARA A FORMAÇÃO DA CONSCIÊNCIA
CRÍTICA
A leitura deve ser um ato dialógico, interlocutivo, que envolve demandas
sociais, históricas, políticas, econômicas, pedagógicas e ideológicas de
determinado, conforme as Diretrizes Curriculares de Língua Portuguesa do Estado
do Paraná. Isso significa que o leitor, a partir de conhecimentos adquiridos, ao
interagir com o texto, constrói significados, que buscam as várias vozes que os
constituem. A leitura se efetiva no ato da recepção, segundo Perfeito (2005, p. 54-
55) “[...] depende de fatores linguísticos e não-linguísticos: o texto é uma
potencialidade significativa, mas necessita de mobilização do universo de
conhecimentos do outro para ser atualizado.” Quando lemos, estamos diante de
palavras escritas por um autor que não está presente para completar as
informações. Para isso, é natural que a leitura forneça informações enquanto lemos.
Mas o texto também interfere nos esquemas cognitivos do leitor. Ao ler cada pessoa
utiliza um determinado esquema. Dessa forma ao ler o mesmo texto, duas pessoas
podem entender mensagens diferentes uma vez que suas capacidades já
internalizadas e considerando também o conhecimento de mundo de cada uma são
diferentes, assim como os próprios sujeitos históricos e sociais leitores são
diferentes.
Para Bakhtin (1992), há diferentes vozes sociais e ideologias presentes no
discurso. Compreender isso ajuda na construção do sentido de um texto e na
compreensão das relações de poder a ele inerentes, pois segundo Suassuna: Se o
aluno lê sem prazer, sem o exercício da crítica, sem imaginação; se ele lê e não faz
disso uma descoberta ou um ato de conhecimento; se ele só reproduz, nos
exercícios, a palavra lida do outro, não há nisso nada que lhe possibilite uma
intervenção sobre aquilo que historicamente está posto (SUASSUNA, 1995, p.52).
Diante disso, este trabalho pretende fazer com que os alunos , enquanto lêem,
reflitam sobre a realidade material que os cercam, .posionando-se a respeito das
ideologias nela impregnadas..Somente uma leitura aprofundada, em que o aluno é
capaz de enxergar os implícitos, permite que ele produza sentidos na leitura. Neste
estágio estaremos formando leitores plenos, pessoas capazes de ler além das
entrelinhas, ou seja, leitores críticos.
A leitura propicia condições de mudanças sociais, contribuindo para a
perspectiva de um país melhor, de participação plena e igualdades reais de
oportunidades. Essa proposta de trabalho tem como um dos objetivos incentivar o
uso da leitura para que ela faça parte da vida das pessoas, encantando-as e ao
mesmo tempo servindo como ferramenta através da qual as mesmas incorporem
posturas típicas de sujeitos atuante, autoconfiantes, capazes. E o professor, na
condição de mediador, deve ser um leitor que goste de ler, que “transpire” leitura,
que externalize os sentimentos que estão contidos nas palavras escritas,
personificando-as de modo que causem impressões as mais diversas nos ouvintes,
encantando-os.
3 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
Em fevereiro do ano de dois mil e catorze, na sala de aula do terceiro ano C
do Colégio Estadual Carlos Gomes de Ubiratã iniciamos a implementação do projeto
“Encanto dos Cantos: A leitura crítica como formação da consciência social”. Nessa
oportunidade, esclarecemos aos alunos sobre o Programa de Desenvolvimento
Educacional (PDE) e sua importância tanto para a formação continuada dos
professores quanto para os alunos. Ao mesmo tempo, foram informadas as etapas
do projeto e os objetivos de nosso trabalho. As primeiras atividades tiveram como
base os comentários iniciais a respeito da Ditadura Militar que se instalou no Brasil
na década de sessenta, suas repercussões nos meios artísticos, culturais, em toda
sociedade. A partir dessa exposição oral pudemos perceber que os jovens ficaram
bastante interessados pelo projeto e nossa expectativa era a de que esse
entusiasmo pelo assunto fosse mantido durante todo o desenvolvimento dos
trabalhos.
Apresentamos o contexto histórico relacionado à Ditadura Militar, com seus
desdobramentos no campo social. Na ocasião alguns alunos se posicionaram
dizendo, por exemplo: “Eu não me interesso tanto pelos aspectos históricos do país,
mas com a apresentação desses fatos confesso que vou pesquisar e ler mais sobre
o assunto”. Na primeira Unidade foram exploradas as histórias em quadrinhos sobre
a Ditadura Militar, a música “Canção de Exílio”, de Antonio Gonçalves Dias, a música
“Eu te amo, Meu Brasil” de Dom e Ravel (o governo brasileiro iniciou um período de
campanhas de caráter ufanista para conquistar a simpatia da população brasileira),
“Aquarela do Brasil”, de Ari Barroso e as respectivas biografias desses autores e
algumas questões. A seguir, também exploramos alguns “solgans”. Tudo para que
fosse feita relação com o contexto da Ditadura.
O filme “Batismo de Sangue” foi apresentado para os alunos e depois de
assistirem ao filme os alunos foram orientados a realizar um “Júri Simulado” cujo
tema foi: “O Brasil deve ou não abrir os arquivos secretos sobre a Ditadura Militar?”.
Foi logo em seguida realizado o evento “Cantos do Brasil”, quando os alunos
ouviram músicas selecionadas pela professora e outras que eles escolheram. Foi
um momento especial, pois apresentaram muitas coreografias. E opinaram sobre as
diversas apresentações musicais. Trabalhamos as músicas contemporâneas
“Camaro Amarelo” e “Show das Poderosas”, e eles perceberam que as letras dessas
canções fazem apologia ao consumismo. As questões propostas foram muito
pertinentes ao tema. Depois começamos a apresentação de “Cidadão de Papelão”
quando percebemos que sete alunos fizeram comentários que evidenciaram não
terem entendido o caráter crítico da obra. Segundo Bordini e Aguiar (1993, pg.89),
as leituras devem ser críticas, questionadoras e capazes de transformar ideias e
comportamentos, não somente do leitor, mas também do professor, da escola, da
comunidade escolar e social.
Os alunos ficaram sensibilizados com a apresentação da melodia, mas a
interpretação do significado da letra da música não foi consumada. Percebemos que
e sentem dificuldades na tradução e interpretação de letras com versos metafóricos,
reflexo talvez de uma sociedade onde prevalece o imediatismo, a banalidade. Em
seguida as questões sobre a música “Cidadão de Papelão” que apresentaram
maiores dificuldades para serem respondidas: “Cidadão é a pessoa que conhece
seus direitos e deveres. Ao fazer a leitura da letra dessa música, qual o significado
que podemos atribuir ao título da mesma? Ao ler o refrão “Cria a dor, cria e atura”
qual outra leitura que podemos fazer desses versos?” (ZONZINI, p. 2013)
A Ditadura Militar que o Brasil viveu entre os anos de 1964 e 1985, fez com
que as músicas se tornassem hinos e verdadeiros gritos de liberdade dos cidadãos
oprimidos e sem possibilidade de se expressar como desejavam. Através de letras
complexas e carregadas de metáforas, elas traduziam tudo o que o povo sentia.
Com a apresentação da composição “Cálice” atingimos o ápice de nosso
trabalho. Auxiliamos muito para que as atividades fossem concluídas; certas
respostas que alguns alunos colocaram não tinham relação alguma com o que a
mensagem da letra da música retratava. Apreciaram a melodia, a letra e a
interpretação do cantor. Foi um momento especial no projeto. Entretanto, quando
conclamados a redigir sobre a questão abaixo, encontraram novamente dificuldades:
A letra desta música é rica em metáforas. (Metáfora é a comparação de palavras em que um termo substitui outro. É uma comparação abreviada em que o verbo não está expresso, mas subentendido.) Faça a leitura das metáforas abaixo: a) “mesmo calado o peito resta a cuca” b) “tanta mentira, tanta força bruta” c) “como é difícil acordar calado, se na calada da noite eu me dano (ZONZINI, p. 2013).
Dialogamos com os estudantes no sentido de conscientizá-los mais uma vez
sobre a importância da leitura, da interpretação, da busca da interação com o autor
da obra e com o contexto sóciocultural da época em que a mesma foi produzida.
Tudo para que possamos nos apropriar do conhecimento que possibilita nossa
participação ativa na vida social, na condição de cidadãos que buscam um mundo
melhor para todos. Bakhtin (1979, pg. 124) argumenta que o centro organizador de
toda expressão é o exterior- o meio social que envolve o indivíduo. Ainda segundo
Bakhtin (1992), há diferentes vozes sociais e ideologias presentes no discurso.
Após as músicas chamadas de protestos, iniciou-se o trabalho com as
músicas da década de 1980 e a ideologia da geração “Coca-Cola” exigia mudanças
no campo social cultural. De caráter revolucionário, as músicas dessa época
denunciavam a falta de planejamento dos governos, o autoritarismo e o abuso de
poder.
A música “Alagados” sensibilizou os alunos quanto ao ritmo e a letra, além
disso, foram lidos os textos do poema “Estatuto do Homem”, de Thiago de Mello, e
o artigo quinto da Constituição Brasileira, os alunos perceberam o que realmente
acontece na sociedade: a contradição entre o que está escrito e os fatos reais. Não
houve dificuldade de interpretação da letra da música porque ela não apresenta
grandes metáforas.
4 ANÁLISE DOS RESULTADOS
Depois de todo o trabalho desenvolvido concluímos que é preciso melhorar o
aluno como leitor. E isso tem início na infância. As crianças, hoje menos
acostumadas à leitura, conduzirão nosso país. O interesse pela leitura deve ser
começar na família. A curiosidade da criança pode e deve ser explorada com o
manuseio de livros, que amplia o vocabulário e a imaginação. Na idade escolar,
quando a alfabetização acontece, essas experiências anteriores serão
fundamentais. Segundo Ferreira e Teberosky (1991, pág. 26) “as crianças, antes de
sua entrada para a escola, já tem construções mentais sobre a leitura e a escrita e
não se limitam a receber passivamente os conhecimentos”. A leitura enriquece o
vocabulário, possibilita expressão mais eloquente, desenvolvimento das ideias e do
senso crítico, entretenimento, ampliando o repertório cultural. Lajolo (1994, pág. 56)
diz que a leitura só se torna livre quando se respeita, ao menos em momentos
iniciais do aprendizado, o prazer ou a aversão de cada leitor em relação a cada livro.
Precisamos criar estratégias diversificadas, incluindo as prazerosas, que
estimulem o aluno a ler e pensar sobre o que leu. Esse projeto, ao partir de algo que
interessa de perto aos jovens, vai ao encontro do que acabamos de ressaltar nas
primeiras linhas desse parágrafo. Como atividade diferenciada, partimos da
exploração da arte musical para fazer os jovens refletirem e analisarem a realidade.
Criamos assim condições para a realização de um trabalho valioso. A valorização da
leitura e do livro deve ser explorada em todos os segmentos sociais, como forma de
mudar o conceito de nosso país, visto como constituído de pessoas não-leitoras. A
formação de leitores contribui para a emancipação do país. O senso crítico
desenvolvido com a ajuda da leitura interfere nas escolhas instrumentalizando o
sujeito em sua capacidade de pensar e agir. O que se propõe é que o aluno, além
de dominar o mecanismo da leitura, use-a como instrumento de crescimento
intelectual para seu ajustamento social.
O professor deve ser um parceiro na aprendizagem de seus alunos. E é
fundamental que ele crie um ambiente que facilite situações de diálogos onde os
alunos se sintam seguros, sem medo de errar. Com a realização desse projeto,
percebemos que nos tornamos cúmplices em sala de aula, com os alunos
interagindo entre si e com o professor de forma espontânea. Esse foi um dos pontos
positivos do trabalho. Podemos também frisar, neste aspecto, que os alunos
começaram um processo de conscientização sobre a responsabilidade de cada um
deles na construção de um país mais justo socialmente. Certas situações em sala de
aula exigem que tudo seja muito bem planejado, para que o trabalho com a música
não seja um fim, mas um meio para formação de leitores críticos.
O educador deve criar suas próprias técnicas a fim de estimular os alunos,
deve ser criativo, ser um leitor assíduo e “transpirar” saber. Deve também treinar o
aluno na leitura, como prática diária, para que ele se sinta motivado a querer
aprender e questionar o assunto em discussão, no sentido de interação e crítica
para formar opiniões. Deve ainda aplicar ao texto a informação necessária, introduzir
aulas interativas, lúdicas e expor idéias e o sentido do texto com a maior
participação dos alunos. Para isso, é necessário que haja liberdade na sala de aula
para a opinião do aluno. A dificuldade em realizar a leitura é tida como um dos
maiores obstáculos enfrentados pelos professores e alunos. Nesses tempos
modernos, onde a televisão, o computador e a internet são valorizados, a leitura
parece que não é mais uma necessidade. Mas sua falta provoca problemas na
organização do pensamento.
Com esse projeto percebemos que os alunos passaram a ler mais as
entrelinhas, a interpretar melhor o texto lido, a refletir sobre os fatos que ocorrem na
sociedade. Em síntese, que desenvolveram a criticidade como um dos aspectos
importante da formação humana.
A utilização da música como pano de fundo para a realização desse projeto
pode ser repensada por outros professores, uma vez que existem outras formas de
abordar a questão da interpretação com o uso de diversas formas de leitura. Os
professores podem utilizar o desenho, nas aulas de artes, a poesia, a crônica, o
conto, nas aulas de língua portuguesa, os mapas, nas aulas de geografia, as
pesquisas de campo, na sociologia e tantas outras que possibilitam a exploração da
criatividade do professor e do aluno.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este artigo teve como finalidade a exposição do assunto trabalhado durante o
desenvolvimento do Programa de Desenvolvimento Educacional (PDE), com o
projeto “Encanto dos Cantos: A leitura crítica como formação da consciência social” ,
dando margem à discussão a respeito de algumas práticas envolvendo estratégias
de ação e intervenções que privilegiaram o enfoque no desenvolvimento da análise,
interpretação de texto e na proposta de reflexão em torno de idéias relacionadas a
fatos ocorridos, no sentido de estimular o espírito crítico dos alunos, visando sua
participação plena na vida social, na condição de cidadão.
O projeto Encanto dos cantos: a leitura como formação do leitor crítico foi
fundamental na utilização da música como forma de motivar o aluno que, através da
leitura e da reflexão em torno das letras das mesmas e da interação com os colegas,
pode sentir-se como sujeito atuante no espaço escolar, opinando, questionando e
buscando alcançar significado para os fatos de forma mais competente. As
atividades propostas, a partir da seleção das músicas, buscavam também ser
instrumentos através dos quais os alunos conseguissem domínio cada vez maior da
língua portuguesa, com a exploração de aspectos lingüísticos importante para essas
aquisição.
Considera-se que o projeto contribuiu em parte para a conscientização da
importância da leitura, compreensão do ambiente social, do sistema político e dos
valores éticos que toda a sociedade deve cultivar. Constatou-se que grande parte
dos alunos não apresentou resultado satisfatório no desenvolvimento das atividades,
permanecendo com suas convicções baseadas no senso-comum. Pode-se concluir
que a leitura não faz parte do cotidiano do aluno. Acreditamos que muito ainda
precisa ser realizado para que sejam superadas as dificuldades relacionadas à falta
de domínio da língua, de conhecimento de mundo, à resistência dos alunos em se
tornarem sujeitos autônomos, à formação deficitária de alguns profissionais da
Educação.
Como resultado final fica a experiência motivadora para a aceitação de novos
desafios que impliquem o repensar da prática pedagógica num movimento constante
de pesquisa e renovação que supõe a leitura sistemática de documentos que
norteiam a educação no processo de formação continuada do professor. Para os
alunos, uma forma de iniciar um processo reflexivo no sentido de fazê-los perceber a
realidade com um olhar crítico. Para a educação mais um trabalho de pesquisa que
serve de subsídio para o desencadeamento de novos processos educativos.
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