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Versão On-line ISBN 978-85-8015-076-6 Cadernos PDE OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE NA PERSPECTIVA DO PROFESSOR PDE Artigos

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Versão On-line ISBN 978-85-8015-076-6Cadernos PDE

OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSENA PERSPECTIVA DO PROFESSOR PDE

Artigos

SECRETARIA DE ESTADO DA EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE DESENVOLVIMENTO EDUCACIONAL – PDE

NÚCLEO DE EDUCAÇÃO DA ÁREA METROPOLITANA NORTE

SUELI DO ROCIO GODOI

LEITURA E ANÁLISE DA MÚSICA POPULAR BRASILEIRA –

UMA ABORDAGEM DIALÓGICA

PINHAIS

2014

LEITURA E ANÁLISE DA MÚSICA POPULAR BRASILEIRA –

UMA ABORDAGEM DIALÓGICA

Sueli do Rocio Godoi¹

Dr. Bruno B. A Dallari²

RESUMO

Este trabalho surgiu com a necessidade cotidiana que se vive como

professor de Língua Portuguesa: a dificuldade de fazer nosso aluno ler. O

Programa de Desenvolvimento Educacional – PDE proporcionou a pesquisa

bibliográfica e a oportunidade para desenvolver uma opção com os alunos. Os

colegas, professores, participaram pelo Grupo de Trabalho em Rede (GTR)

oferecido pela Secretaria de Estado da Educação do Paraná - SEED, opinando

e contribuindo de diferentes formas para a conclusão do Projeto. A opção pelas

canções da MPB aconteceu pela exuberância poética apresentada. Outro

motivo foi que nesse ano ocorreu o cinquentenário do inicio da ditadura militar

em nosso país. Esse artigo propõe a leitura e análises das canções, em uma

época de grandes alterações sociais e culturais na sociedade brasileira. O uso

da MPB e o blog tornam-se motivadores do aluno para a participação e o

desenvolvimento desta criticidade. No blog ocorreram atividades de

participação ativa dos alunos e é onde os temas comuns transcenderam a

audição e a leitura, para propiciar um diálogo interativo com a comunidade

escolar. O blog foi o meio de oportunizar ao aluno condições de entender as

interlocuções que a mídia estabelece com a sociedade, proporcionando sua

inserção na coletividade como cidadão ativo.

Palavras-chave: Leitura e produção de textos; canções; interpretação; blog.

1 - Sueli do Rocio Godoi – Graduação em Letras, Universidade Católica do Paraná, Brasil. Especialização em Metodologia do Ensino de Língua Portuguesa, IBPEX, Brasil. 2 – Bruno B. A. Dallari – Graduação em Linguística, Unicamp, Brasil. Especialização em Artificial Inteligente Natural Laguage Processing, University Of Edinburgh. Mestrado em Linguística, Unicamp, Brasil. Doutorado em Linguística, Unicamp, Brasil.

1. INTRODUÇÃO

A leitura ocupa um lugar muito importante nas relações humanas. Auxilia

na aprendizagem e ultrapassa a mera decodificação dos sinais gráficos.

Envolve concentração, reflexão e visão crítica da realidade. O professor deve

estar consciente de que seu trabalho resultará na formação de pessoas aptas

para empregar a leitura muito além das palavras, como leitura do mundo (Paulo

Freire, 2000). Entende-se a necessidade primordial da leitura na atualidade e a

importância na vida dos jovens, envolvidos com tecnologias e facilidades de

comunicação. Assumiu-se que as canções associadas a alguma tecnologia

vinculada ao fenômeno da internet, seria uma combinação que pudesse

motivar sobremaneira a leitura e o exercício da oralidade de alunos do Ensino

Médio, estimulando e incentivando o uso de mídias sociais como, por exemplo,

o Blog.

1.1 As Canções

A história musical brasileira é rica, pois temos em sua origem a

influência dos povos: Indígenas, Africanos e Europeus que interagindo,

formaram a base musical do Brasil. Na década de 50, os compositores

brasileiros digeriam com facilidade as formas de blues e jazz que vinham dos

Estados Unidos e transformaram os ritmos da nação brasileira. Esse processo

no final desta década deu origem à “bossa nova”. Seus principais

representantes são: Tom Jobim, João Gilberto e o poeta modernista Vinícius de

Moraes. A seguir, uma geração de talentos confirma a música como uma das

expressões artísticas mais criativas do século XX. Starling destaca que:

(...) o exercício da hegemonia parece constituir-se em uma marca permanente

da MPB, que não deixa de dialogar com as novas tendências da música

popular nem perde de vista a comunicação direta com o “grande número”,

como testemunha, a cada Carnaval, a participação dos seus intérpretes nas

escolas de samba e nas festas de Rua na Bahia.

Deve ser verdade, como dizem tantos, que a MPB não é um fenômeno capaz

de reprodução, um gênero condenado a desaparecer com a complexa biografia

dos seus praticantes, o que estaria comprovando pelo fato de que nenhum

novo compositor tenha merecido ser posto no seu panteão. Pode ser, mas o

que importa é que a sua descoberta capital – a de estabelecer uma

comunicação entre os “simples” e as classes cultas, sem significar

descontinuidade quanto à forma dominante entre os primeiros e acrescentando

uma intervenção reflexiva em favor da afirmação da experiência do brasileiro -,

esta aí, já presente no modo como valorizamos a vida popular, pensamos o

país e a nossa identidade, que não temos como entender sem considerar o

aporte da MPB. (STARLING (Org.), 2004, p. 77/78).

Starling enfatiza que a MPB, ganha proporção a partir da década de 1960:

É quando surge Chico Buarque, Caetano, Gil, Capinam, todos expostos à

experiência dos CPCs (Centro Popular de Cultura) no pré-1964, que

emprestam ao sentido do movimento nacional-popular o caráter de resistência

cultural. (...) uma das manifestações mais significativas, ainda em 1964, de

oposição à ditadura veio de um show – Opinião – e a recepção entusiasta por

parte do público dos compositores assinalavam a configuração de um campo

novo, reafirmado a cada Festival de Música Popular, em que a linguagem e o

mundo conceitual dos intelectuais tomavam forma no molde da experiência

acumulada da arte popular sobre a arbitragem direta do público nos festivais,

shows e programas de TV. A MPB se constitui, então em um lugar onde se

pratica uma interpretação culta do país, acessível pela sua forma, ao grande

público. (...). É dessa procura por reflexividade - em que, por vezes a dialética

é mobilizada como conceito central, que resulta o compósito MPB. (STARLING

(Org.), 2004, p. 76/77).

Além dos artistas citados, há ainda como destaques Tom Zé, Torquato

Neto e outros que investiram no sincretismo e misturam pop e folclore, rock,

bossa nova, samba e baião. Abalando os alicerces da MPB e, na atualidade

influencia novos compositores. No turbilhão político que segue, a partir de

então, a MPB, notadamente se configurava como uma bandeira, que lavava a

alma dos brasileiros que se calavam e se omitiam para, simplesmente,

continuarem vivos. As músicas censuradas eram divulgadas clandestinamente.

Seus intérpretes e compositores sofreram perseguições políticas, sendo

obrigados a viverem exilados, retornando após muita luta e desafios dos que

aqui permaneceram. Ainda de acordo com Starling, são os vínculos da música

popular que permitiram o “discurso dos intelectuais da MPB”.

A Revista MPB Compositores (1996) ressalta:

Em 1967, as ruas brasileiras começavam a sentir melhor o estremecimento

provocado pelos tanques e pelas botinas dos militares no poder. Por outro lado,

a oposição amordaçada se dividia. A esquerda começava a se fragmentar em

posições radicais e em posições que ainda acreditavam numa negociação.

Assim acontecia também com a música. Caetano Veloso e Gilberto Gil

encabeçavam o Tropicalismo que, segundo o próprio Caetano, queria fazer

uma exploração estética também do que é feio, enquanto o Chico preferiu ficar

com o que é bonito. Num país que ainda não havia entrado de vez na era da

TV, a música mostrava-se o catalisador do pensamento nacional. (REVISTA

MPB COMPOSITORES, 1996, p. 10).

Foram muitos os talentos que surgiram nessa trajetória de nossa História

musical. Elegeu-se a música como veículo para comunicar sentimentos,

angústias, medos, paixões, enfim, aos eventos mais importantes de

comemorações. Como destaca Starling (2004):

Chico, com o domínio mais puro e perfeito da poesia que nos parecia perdido.

(...) nos vingou com suas provocações sutis e inteligentíssimas ao regime

militar que a todos nós oprimia. Não tínhamos voz nem talento para o

enfrentamento, Chico tinha. Estávamos todos ali, com ele, por meio dele,

também repetindo que o pior ia passar e que amanhã seria outro dia. E parece

que Chico nos ouvia. Pois a cada dia compunha mais, duelava mais, nos

enchia de brios e esperança. (STARLING (Org.), 2004, p. 54).

Evidencia-se Chico Buarque, como o músico que conseguiu expressar esses

sentimentos.

1.2 O blog

Ao optar pela mídia blog, pensou-se que por se tratar de uma mídia

pública e gratuita bastante comum, seria possível um diálogo para discutir e

analisar pontos de vista da canção popular e os assuntos nelas inseridos. Dos

gêneros do discurso provenientes da internet, o blog é o gênero do discurso

midiático que se aproxima da oralidade de origem dialógica. Solicitar aos

alunos, especificamente do 2° Ano do Ensino Médio do Colégio Arnaldo Faivro

Busato – localizado no município de Pinhais – Pr, a trabalharem com esta

mídia desenvolvem-se, como agentes interativos, tanto para a leitura, como

para a escrita. Nas reflexões do Círculo de Bakhtin fica explícito que “A

interação verbal constitui assim a realidade fundamental da língua”

(Bakhtin/Volochinov, 1999, apud DCEs, 2008, p. 49), e assim busca-se no blog,

um apoio para a abordagem dialógica. Pedagogicamente muitas mídias

apareceram e não foram usadas ou exploradas de maneiras significativas para

o ensino e aprendizagem, o que se espera acontecer com esse projeto.

O blog surge como uma opção de baixo custo, motivadora e

incentivadora da leitura. Neste contexto, vale lembrar, como escreve Bakhtin:

“(...) Toda palavra comporta duas faces. Ela é determinada tanto pelo fato de

que procede de alguém, como pelo fato de que se dirige a alguém. Ela constitui

justamente o produto da interação do locutor e do ouvinte. Toda palavra serve

de expressão a um em relação ao outro (...) a palavra é território comum do

locutor e do interlocutor” (BAKHTIN/VOLOCHINOV, 2010, p. 113).

Acredita-se que a motivação dá-se pelo uso de aparatos tecnológicos,

ferramenta pela qual os alunos demonstram interesse, sendo assim, poderá ajudá-los

a romper as barreiras impostas na superação da oralidade, leitura e escrita, e assim

desenvolver a capacidade cognitiva de cada um.

2. JUSTIFICATIVA

Adquirir o hábito de leitura é de suma importância para que os indivíduos

desenvolvam a capacidade de argumentar e defender seus pontos de vista e

seus interesses, tornando-os cidadãos e críticos, pois exercitar habilidades da

leitura auxilia o desenvolvimento de competências comunicativas essenciais ao

exercício da cidadania. É necessário ressaltar que a maioria dos alunos do

Ensino Médio não demonstra interesse em ler e interpretar textos. Priorizam

atividades como: ouvir música, dançar, dialogar com os colegas, deixando de

lado a leitura.

Pressupõe-se que a leitura é um processo no qual o leitor realiza um

trabalho ativo de construção de significado de texto. Averbuck escreve que:

(...) a leitura outrora considerada simplesmente meio de receber mensagem

importante, realiza-se como um ato em que se desenvolve um processo de

vários níveis e que contribui decisivamente para o desenvolvimento do

intelecto, de vez que trabalha o nível de Cognição e da Linguagem. Por esta

razão ela é uma forma – das melhores – de aprendizagem; um dos meios mais

eficazes de desenvolvimento da linguagem e da personalidade. (AVERBUCK,

1984, p. 102,103).

Neste contexto, a Música Popular Brasileira (doravante MPB), parece

uma fonte de inspiração para que o processo de leitura se desenvolva de forma

adequada e prazerosa, conduzindo o aluno à reflexão sobre o texto,

provocando sua criticidade, aspectos essenciais ao leitor competente. Criando

um ambiente real de letramento por meio da interação dialógica entre leitor e

texto. Notam-se as semelhanças entre letra de música e poema: ambos

escritos em versos rimados ou não os quais se organizam em estrofes,

podendo ainda haver refrão. Entretanto não pertencem ao mesmo gênero de

texto. A música como qualquer outra arte, constitui-se como um meio pelo qual

se pode analisar e compreender as transformações sociais e políticas ocorridas

no país.

Ao despertar um interesse maior, mobilizando os alunos a lerem,

dialogarem e compreenderem os textos musicais habilita-os a não aceitar

alienadamente, qualquer informação que lhes impõem. Incita-os a filtrarem os

fatos que os cercam podendo melhorar sua disposição à participação em suas

comunidades. A música deve ser levada à sala de aula como uma

oportunidade de melhorar a competência linguística, reflexões e discussões

acerca da política, e dos movimentos de uma geração que alterou

significativamente a sociedade daquele momento. Na opinião de Bloom (2000,

p. 17) “uma das funções da leitura é nos preparar para uma transformação, e a

transformação final tem caráter universal”. Se melhorar o diálogo, melhora a

comunicação com o mundo que o envolve, e com isso as chances de galgar

novos espaços sociais aumentam. Tornando-os, agentes inseridos na

sociedade, críticos, com potencial ativo para alterar de modo positivo o

cotidiano.

As Diretrizes Curriculares da Educação Básica do Estado do Paraná,

afirmam que:

Numa atividade de leitura com o texto poético, é preciso observar o seu valor estético, o seu conteúdo temático, dialogar com os sentimentos revelados, as suas figuras de linguagem, as intenções. (DCEs, 2008, p. 72).

O sugestivo fato de “dialogar com os sentimentos revelados” acata a

MPB como instrumento motivador para a leitura. Este diálogo proposto com a

letra e a música amplia o despertar para um diálogo do texto com os leitores, e

destes com seus pares.

O diálogo, no sentido estrito do termo, não constitui, é claro, senão uma das

formas é verdade que das mais importantes da interação verbal. Mas pode-se

compreender a palavra “diálogo” num sentido mais amplo, isto é, não apenas

como comunicação em voz alta, de pessoas colocadas face a face, mas toda

comunicação verbal, de qualquer tipo que seja. (BAKHTIN, 2010, p. 127).

O uso da linguagem não só deve ser usada para a divulgação de informações,

mas para a interação consigo mesmo e com o outro. Saber quando e como

fazer uso da linguagem é, segundo Gnerre (2009) um ato de conhecimento

entre o falante e o ouvinte.

Buscando ampliar a variedade de textos, que estimulem a vontade de

ler, encontrou-se nas canções de Chico Buarque, Caetano Veloso, Gilberto Gil

e outros, uma fonte de possibilidades para o aluno desmotivado. A leitura e

análise da MPB por meio do dialogismo pretendeu associar o blog e algumas

canções como motivadores da leitura. Dallari (2010) comenta que:

Como todo gênero, o gênero midiático é inerentemente dialógico. Não se trata

de um processo unilateral de emissão e recepção, mas de uma interlocução,

na qual ambos fazem alternadamente, o papel de falante e ouvinte. (DALLARI,

2010, pag. 4).

Sendo um meio notadamente de interlocução o blog auxiliou o

desenvolvimento do Projeto, na busca do envolvimento dos alunos com a

música, a leitura e o diálogo com colegas. A música sempre fez parte dos

processos de comunicação, podendo também ser utilizada para possibilitar a

reflexão, diálogo, interação servindo também como pretexto para a análise

linguística.

Ao se considerar o desconhecimento dos alunos, em se tratando do uso

da língua padrão, como observado pela mídia e encontrado nas redações do

ENEM, depara-se com o problema de que a escola mantém e trabalha com

uma abordagem metodológica infrutífera em relação ao ensino da língua

materna. Starling (2004) salienta que:

O ensino da língua materna se justifica prioritariamente pelo objetivo de

desenvolver a competência comunicativa dos usuários da língua (falante,

escritor / ouvinte, leitor), isto é, a capacidade do usuário de empregar

adequadamente a língua nas diversas situações de comunicação. Portanto,

este desenvolvimento deve ser entendido como a progressiva capacidade de

realizar a adequação do ato verbal às situações de comunicação. (STARLING

(Org.), 2004 p. 17).

Para que seja realizada uma boa leitura, é necessária a compreensão e

para isso o leitor usa os seus conhecimentos. Visto que os alunos não cogitam

a ideia de aprofundamento de leitura de textos e na maioria das vezes ignoram

a leitura de um enunciado avaliativo, há então opções, que podem se tornar

propulsores de motivação para essa geração movida por interação tecnológica.

Trazer questões sobre a política e o momento social, que se encontrava

o país, nos anos da ditadura militar para a sala de aula, propiciou reflexões,

diálogos e interações interessantes, enfocando como um motivador para a

compreensão e conscientização das conquistas que hoje vivenciamos:

liberdade de expressão, democracia, liberdade da imprensa. Nas palavras de

Bakhtin (2010):

“(...) a consciência é uma ficção. Não é senão uma construção ideológica

incorreta, criada sem considerar os dados concretos da expressão social. Mas,

enquanto expressão material estruturada (através da palavra, do signo, do

desenho, da pintura, do som musical, etc.), a consciência constitui um fato

objetivo e uma força social imensa”. (BAKHTIN/VOLOCHINOV, 2010, p. 122).

A MPB propaga questões, sociais, políticas, culturais e apesar dessa

diversidade, que apresenta um valor pedagógico inquestionável, seu uso em

sala é mínimo. Para um processo dialógico da música com os interlocutores

em sala de aula é necessário fazer questionamentos, e aceitar a percepção

bakhtiniana de que a canção é um enunciado completo. A música tem no

espaço público um contexto particular, não só artístico, mas é um veículo

midiático de comentários sociais. Dallari atesta que:

“A mídia constitui identidades, reforça ou atenua estereótipos, propõe

modelos, associações, juízo de valor. A mídia pauta, incontornavelmente, o

exercício de cidadania, se não sua própria constituição”. (DALLARI, B. A.,

2010, p. 4).

O aluno se destaca por não ser um mero leitor, mas por produzir seu

texto com criticidade nos limites de sua criatividade, colocando-se como sujeito

que procura se desenvolver e se posicionar, superando suas limitações.

O Projeto inicialmente pensado na leitura e oralidade ultrapassou as

expectativas. Seu contorno anteriormente meramente didático para alcançar a

proficiência e motivação da leitura, descobre as desigualdades sociais

vivenciadas pelos alunos em seu cotidiano.

O trabalho iniciou-se com uma sondagem sobre o momento histórico de

nosso País no qual ocorreram diversos fatos que os livros didáticos de História

analisam e registram fatos que influenciaram os compositores que foram

estudados e suas canções. No segundo encontro, organizou-se uma palestra

com um professor da comunidade que vivenciou esta época como líder

estudantil. As reações a esta palestra junto aos alunos foram de muitos

extremos. A atenção despertada pelo palestrante foi impressionante. Durante

mais de duas horas a atenção dos alunos parecia hipnótica, mas o palestrante

apenas rememorou suas lembranças, descrevendo as angústias, as vivências

de um jovem de forma aberta, clara, sem pudores. Apresentou alguns vídeos

em que apareceram cenas de torturas leves e descreveu algumas outras mais

pesadas. Listou ainda algumas canções que marcaram sua vida e de seus

amigos, canções que no decorrer do Projeto iríamos trabalhar. Em alguns

alunos a comoção tomou conta durante um longo período, em outros despertou

a curiosidade com referência a filmes que registraram o período, livros e outros.

Foram apresentados livros como Brasil: Nunca Mais, Veias abertas da América

Latina, e após comentários, algumas cópias distribuídas. Os filmes “Que é isso

companheiro?” De Bruno Barreto e “Anos Dourados”, de Roberto Talma, foram

apresentados posteriormente aos alunos.

Na sequência dos trabalhos o terceiro encontro foi marcado pela

discussão e análise da canção “Cálice” de Chico Buarque. O resultado foi muito

satisfatório. A objetividade da análise por parte dos alunos surpreendeu esta

parte dos trabalhos, todos estavam ainda estimulados pela palestra da semana

anterior. Houve alunos que queriam utilizar-se de seus celulares para fazerem

as postagens de comentários naquele instante. E nesse momento constatou-se

que a desigualdade social e econômica é forte, pois menos de 10% dos alunos

tinham um celular capaz de se interligarem com a internet em sala. Alguns

alunos, sequer sabiam como fazer a postagem dos comentários num blog.

Conseguimos marcar um horário no Laboratório de Informática da escola, onde

constatamos a falta de manutenção nos equipamentos, pois a grande maioria

dos computadores estava inoperante. Mas com muita paciência, o Técnico

ajudou a todos que tinham dificuldades e foi possível concluir a etapa a

contento. Em conversas com estes alunos, observou-se que o acesso à

internet, é ainda um sonho de consumo para muitos. Neste trabalho houve a

intervenção constante nos comentários escritos, pois havia a solicitação de

uma escrita formal para a divulgação no blog.

Alguns comentários retirados do blog – sulagodoi.blogspot.com.br:

Dentre vários artistas importantíssimos na época da ditadura, Chico Buarque

com seu talento para poesia escrevia muitas músicas com duplo sentido, para

poder abordar temas complexos e não ser reprimido pela censura. "Cálice" foi

uma dessas preciosidades, Chico escreveu essa música como forma de

desabafo à repressão sofrida pelos militares, um pedido sofrido pela liberdade

de expressão, e uma esperança por dias melhores. Sem perder sua leveza e

discrição, nos presenteou com uma obra fundamental na construção de uma

crítica, e uma música maravilhosa para ser guardada na memória.

Maria

Minha reflexão sobre a música Cálice, efetuada na época da ditadura militar

tem dois pontos principais. A censura imposta as obras dos autores ( como

músicas, jornais, peças de teatros, programas e filmes), e a metáfora baseada

na mesma que eram vetados devido ao fato dos ditadores torturam os

publicadores dessas obras que ofendiam o sistema ditatorial, e na realidade

apenas utilizavam desses meios como modo de expressar sua opinião das

brutalidades, injustiças impostas na época e as opressões da ditadura militar.

A letra baseada numa metáfora de duplo sentido, expressa um sentimento de

quem vivia sufocado pela opressão da ditadura no Brasil, onde havia uma

ausência de liberdade de expressão.

Analisando os versos como: "Afasta de mim esse cálice", ele utiliza muito bem

a metáfora que na realidade devido a essa censura na verdade é "afasta de

mim esse, cale-se";

" Quero cheirar fumaça de óleo diesel", referente à tortura e a morte do artista

Stuart Argel;

" De muito gorda a porca já não anda", censores julgaram como referente ao

ministério da Fazenda Delfin Neto;

" Vinho tinto", significa as mortes ocorridas no período da ditadura, que se

tornou absurda devido ao número de mortes.

A crueldade e a população sem voz trouxe revolta aos calados e marcas

dolorosas e profundas aqueles que tiveram a infelicidade de poder viver

naquela época ou que tiveram familiares que viveram. Complementando, esta

música do Chico Buarque que entre inúmeras que ele e outros artistas criaram

na época, como um modo de expressar suas opiniões sem serem oprimidos ou

censurados, hoje deixa como lembrança de uma letra bonita baseada na

tristeza.

Alessandra

No quarto encontro a canção a ser trabalhada foi “Alegria, Alegria” que

gerou bastantes controvérsias no entendimento da letra, pois a maioria não

tinha conhecimento das palavras que nela foram utilizadas como metáforas

pelo compositor. Nas atividades envolvidas foi necessário um tempo adicional,

pois cada metáfora causava uma discussão interessante sobre o cotidiano de

cada aluno, que a compreendiam com o conhecimento vivenciado muito tempo

depois que foram escritas, o que as tornava diferentes.

O trabalho com outra canção de Chico Buarque foi bem recebida, pois

os alunos gostaram da letra. Quando pesquisaram um pouco mais sobre a

canção e as artimanhas do compositor para conseguir gravá-la, gostaram mais

ainda e o trabalho transcorreu de maneira leve e rápida. Esta canção foi

comparada com outra mais atual, escrita quase 20 anos depois, “Abalando” de

Gabriel, o Pensador, a intertextualidade com esta canção mostrou-se positiva.

Neste ínterim, o GTR já estava em andamento e os colegas professores

estimularam com suas opiniões e comentários. Houve um bom aproveitamento

nas trocam de opiniões nos Fóruns e a ideia do dialogismo bakhtiniano pôde

ser divulgada a um grupo maior de colaboradores. Trazer o filósofo russo que a

cada ano se firma como um dos maiores pensadores sobre a linguística e o

uso da palavra, embora considere a linguística insuficiente para o estudo da

comunicação verbal (Faraco, 2010, pág. 105), acrescentou uma rica

contribuição ao conhecimento e aprimoramento de todos.

No sexto encontro com os alunos, trabalhou-se com a canção “É” de

Gonzaguinha, que estimulou muito o imaginário dos jovens, pois um dos

exercícios foi utilizar-se da paráfrase de uma estrofe da preferência de cada

aluno, o que motivou a participação. Como exemplo: “É! / Precisamos de

carinho, atenção e amor./ Queremos liberdade, dignidade e respeito. / Assim

viveremos em paz rumo à felicidade.” O ritmo musical também estimulou uma

participação coletiva, resultou numa descontração e melhor aproveitamento do

desenvolvimento dos trabalhos.

O encontro seguinte foi mais tenso, pois a canção escolhida foi “Prá Não

Dizer Que Não Falei Das Flores (Caminhando)” de Geraldo Vandré, que foi

exaltada como um hino da resistência do movimento civil e estudantil. As

imagens da ditadura militar associada às execuções e práticas de torturas

foram lembradas. O refrão da canção foi repetido inúmeras vezes, pois muitos

disseram que representava um pedido de participação do povo, um alerta para

que lutassem com todas as forças para evitar o que viria a seguir. Isto causou

surpresa, não era esperado esse entendimento. Mas despertou um sentimento

patriótico e emocional que motivou ainda mais a atividade prevista para o

encontro seguinte.

Neste encontro os alunos tinham recebido uma tarefa para fazer em

casa e trouxeram um rico material que foi utilizado para confeccionar um painel

com fotos, charges, notícias e manchetes da época da ditadura militar. Esta

atividade gerou muita movimentação e contradições sobre como utilizar o

material coletado. Optou-se pela distribuição de acordo com as canções

trabalhadas. O resultado agradou a todos na Escola, pois ficou em exibição por

alguns dias no saguão para apreciação de todos da comunidade. O trabalho

final foi a elaboração de uma paródia de uma canção de protesto escolhida

pelos alunos e posteriormente a postagem no blog

sulagodoi.blogspot.com.br e a apresentação para a turma. Houve dificuldade

na escolha das palavras para as rimas nas estrofes e manter o ritmo das

canções, que evidenciou uma deficiência no vocabulário dos jovens.

Orientados, com o auxílio de colegas e intervenção da professora resultaram

num ótimo trabalho. Algumas estrofes das paródias apresentadas:

“Apesar do PT/ Amanhã há de ser/ Outro dia/ Eu pergunto a você / Onde vai

esconder/ Esta enorme quantia/ Como vai subtrair/ Quando a cueca ruir/ ou

rasgar/ Desvio novo brotando/ Sem parar.” (Canção “Apesar de você”).

“Há preconceito contra o sem teto/ Há preconceito contra o homem gordo/ Há

preconceito contra o analfabeto/ Há preconceito contra o homem pobre.

Não tenho juízo, levo prejuízo/ Está acabando todo meu dinheiro/ Estou

magrinho quase invisível/ Amigo Chico, não como o dia inteiro.

Pai afasta de mim, o trabalho/ Pai, afasta de mim, a insônia/ Pai, afasta de

mim, as intrigas/ Minha vida está sumindo/ Pai afasta de mim!” (Canção

“Cálice”).

“Com ritmos na mente/ As dores se vão/ A esperança/ na frente/ Amor e razão/

Dançando e cantando/ E seguindo o coração/ Cantando e ensinando/ Uma

nova canção.

(Refrão) Vem, não vamos embora/ Pois cantar nos dá prazer/ Quem sabe

canta agora/ Não espera para ver.“ (Canção “Prá não dizer que não falei das

flores (Caminhando))”.

3. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A escolha das canções e o momento histórico vivido neste ano pela

Nação Brasileira emocionaram e motivaram os alunos do 2º Ano do Ensino

Médio – turma B, do Colégio Estadual Arnaldo Faivro Busato do município de

Pinhais – Pr. Considerando que se observava uma falta grande de motivação

para a leitura e escrita, os trabalhos reativaram um estímulo enfraquecido pela

monotonia e mesmice despertando no aluno uma vivacidade e vontade de

continuar a aprendizagem. Fiorin (2010, pág. 79) informa que Bakhtin disserta

que “a poesia é tão dialógica quanto o romance”, e como tal dialoga com os

interlocutores, descrevendo fatos e dados de um determinado intervalo de

tempo.

As interações com os colegas no GTR trouxeram discussões positivas

para uma mudança de atitudes por parte dos professores, que poderão utilizar-

se de uma ferramenta com livre acesso na internet. E o uso de canções

diversas que contextualizem o cotidiano social do aluno, buscando uma

motivação diversificada para a leitura, oralidade e escrita.

Observou-se que convidar pessoas com vivência reconhecida na

comunidade, proporciona aumento na motivação dos jovens e os aproxima da

necessidade de melhorarem sua forma de expressão e a utilizarem uma escrita

formal, que irá contribuir para o desejo da ascensão social possível. Entendeu-

se que a desigualdade econômica implica no afastamento de jovens das mídias

sociais aumentando o analfabetismo digital. A escola como centro de

excelência do conhecimento, deve proporcionar momentos dirigidos aos alunos

que não têm acesso a internet para a inclusão social e que oportunidades

sejam equitativas, podendo interagir e dialogar, nas mídias sociais contribuindo

para a aprendizagem de qualidade que a escola pública deve oportunizar a

todos.

4. REFERÊNCIAS

AVERBUCK, L. M. Ler para quê? Uma conversa entre professores. São Paulo:

Letras de Hoje, 1984.

BAKHTIN, Michael (Volochínov). Marxismo e Filosofia da Linguagem. 14ª

Edição, São Paulo: Hucitec, 2010.

BLOOM, H. Como e porque ler. Rio de Janeiro, Objetiva, 2000.

DALLARI, B. A. Mídia, Cidadania e as Novas práticas do letramento, 22 f.

Projeto Geral de Pesquisa. Curitiba: UFPR, 2010.

FIORIN, José L. Introdução ao pensamento de Bakhtin, São Paulo, Ática, 2008.

GNERRE, M. Linguagem, escrita e poder. 5ª Ed. São Paulo: Martins Fontes,

2009.

MPB COMPOSITORES, Revista. Editora Globo, V. 1, São Paulo, 1996.

PCN - Parâmetros Curriculares Nacionais – Língua Portuguesa, Secretaria de

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SEED, diretrizes Curriculares para o Ensino Fundamental. Paraná, 2008.

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