os desafios da escola pÚblica paranaense na … · danielle audrey antunes * resumo a capoeira é...
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Versão On-line ISBN 978-85-8015-076-6Cadernos PDE
OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSENA PERSPECTIVA DO PROFESSOR PDE
Artigos
*Professora de Educação Física, licenciada pela UFPR, especialista em Ciência do Movimento
Humano, Administração Escolar, e Educação Especial e Inclusiva. Atua na rede estadual de
ensino há 17 anos.
E-mail: [email protected]
O JOGO DA CAPOEIRA PARA LIDAR COM O PRECONCEITO E
VIOLÊNCIA ESCOLAR
Danielle Audrey Antunes *
RESUMO
A capoeira é jogo, dança e luta e neste trabalho é utilizada na valorização da cultura
afro-brasileira e no reconhecimento da diferença das crianças brancas e negras no
contexto escolar. O objetivo foi contextualizar a cultura negra e ao mesmo trabalhar
a construção da alteridade. Para o desenvolvimento da experiência na escola foi
realizada pesquisa na internet, exibição de vídeos, entrevistas com familiares,
discussão e reflexão, e vivencias práticas de capoeira, incluindo músicas,
instrumentos, vestimentas, entre outros. Constatamos que a Capoeira pode ser
ensinada e apreendida, com base nas interações gestuais, configurando um tipo de
linguagem, inserida em determinado contexto social e histórico. O trabalho realizado
com a capoeira para valorizar a cultura afro-brasileira resultou em maior integração
de todos os estudantes ao grupo, melhorou a autoestima das crianças negras , e
consequentemente houve melhor rendimento escolar.
PALAVRAS-CHAVE: violência escolar, capoeira, cultura afro-brasileira, preconceito.
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1 INTRODUÇÃO
O projeto foi desenvolvido nos moldes de uma pesquisa ação no Colégio
Estadual Santo Agostinho, com uma turma do sétimo ano do Ensino Fundamental
após verificarmos a necessidade do resgate de elementos da cultura afro-brasileira,
um conteúdo que faz parte das Diretrizes Curriculares de Educação Física para
Educação Básica da Secretaria de Estado da Educação (2008), bem como o
trabalho sobre violência escolar focado na diminuição destas ações preconceituosas
para a formação de uma sociedade mais livre.
Sistematizo a experiência de intervenção realizada com a capoeira trabalhada
com alunos de sétimos anos da Escola Estadual Santo Agostinho com o propósito
de diminuir a violência escolar e a valorização das contribuições da cultura afro-
brasileira visando a melhoria da auto-estima de crianças afrodescendentes. Além de
contextualizar a história da capoeira foram desenvolvidas atividades práticas com a
capoeira com os elementos ginga, esquivas, golpes utilizando metodologia
cooperativa e pedagogicamente focando nos valores: assiduidade, ordem, respeito,
amizade.
Constamos situações violentas diárias tais como: desrespeito entre os alunos.
Deste modo, é fundamental que o ambiente escolar reflita sobre as diferentes
formas de violência, espaço no qual o educando possa aprender a conviver com o
outro de maneira solidária. Nas aulas de Educação Física reflitamos sobre as
relações com o outro, com atitudes de respeito, ajuda mútua, coleguismo, com a
noção de que juntos somos mais fortes.
Cabemos ressaltar que as Diretrizes Curriculares Nacionais para a educação
das relações étnico-raciais e para o ensino de Historia e cultura afro-brasileira e
africana estruturam o trabalho de articulação de programas de combate as
discriminações racial e sexual com projetos de valorização da diversidade étnica.
Porém é necessário um conjunto de medidas atuando sincronicamente para que as
políticas públicas de combate ao preconceito plasmem no cotidiano. No dia-a-dia
escolar surgem situações que precisam ser esclarecidas. O educador precisa
discutir com os alunos a relação com o outro, aquele que é diferente. Quando há
uma interferência planejada para tal finalidade, o preconceito racial aos poucos
poderá retroceder, pois o discriminado sente-se respeitado pelo professor. Quanto
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ao aluno que discriminou a sua aprendizagem se refere tanto ao nível de respeito
quanto à percepção de que o professor não é conivente com o racismo ( LOPES ,
2006, p.23-24).
A capoeira que se caracteriza por ser tanto uma luta quanto uma dança
contribui significativamente no aspecto do desenvolvimento social da criança. O jogo
propicia momentos de interação entre os jogadores, de troca, de afetividade, de
toque. Fica evidente o cuidado com o outro, pois não há vencedores e o importante
é o jogar. é necessário expor-se para jogar, e para isso é imprescindível a auto
aceitação. No jogo de capoeira os movimentos são livres, sem coreografias, dentro
das possibilidades de cada um. Há o respeito aos limites do outro.
Na Escola Estadual Santo Agostinho durante o recreio, entradas e saídas
alguns estudantes apresentavam atitudes violentas, preconceituosas e grosseiras
para com os colegas negros.
De acordo com Cruz (2010) para pensarmos a violência na sociedade
contemporânea é importante o estabelecimento da relação entre os atuais modos de
produção capitalista, de flexibilização de emprego, de internacionalização da
economia e a expansão da violência na sociedade brasileira: suas raízes sociais
estão no aumento do desemprego, na economia, no enfraquecimento das
instituições socializadoras e na banalização da violência pelos meios de
comunicação de massa. Como consequência, ocorreu o enfraquecimento dos laços
sociais, o dilaceramento da cidadania, o aumento das violações de direitos humanos
e, por fim, a expansão da violência, tanto por agentes do Estado como a violência
disseminada nos espaços sociais. (CRUZ, 2010: p.3)
A mesma autora argumenta que a violência escolar não é um problema fácil
de ser resolvido, é uma condição histórica e de grande complexidade, a escola,
enquanto espaço social é percorrido por um movimento ambíguo: de um lado, pelas
ações que apontam à execução das leis e das normas determinadas pelos órgãos
centrais, e, de outro, pela dinâmica de seus grupos internos que constituem
interações, rupturas e permitem a troca de ideias, palavras e sentimentos. (CRUZ,
2010, p.3)
Durante as aulas de Educação Física as crianças afrodescendentes estavam
parcialmente integradas ao grupo. Embora fizessem as atividades propostas eram
realizadas em conjunto as crianças negras eram retraídas, pouco participativas e,
consequentemente, com desempenho escolar baixo.
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Diante desta realidade o projeto de valorização da cultura afro-brasileira e de
respeito ás diferenças individuais foi desenvolvido na escola. A capoeira, exemplo
desta cultura, mostrou-se motivante e despertou nos alunos a curiosidade e foi um
meio de resgate de valores, da disciplina e do aumento da auto-estima melhorando
a interação e integração dentro do ambiente da escola.
(...) Para viver democraticamente em uma sociedade plural é preciso respeitar e valorizar a diversidade étnica e cultural que constitui. Por sua formação histórica a sociedade brasileira é marcada pela presença de diferentes etnias, grupos culturais, descendentes de imigrantes de diversas nacionalidades, religiões e línguas (...). (MEC/SEC, 1998, p. 21).
2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
Em nossa sociedade muitas pessoas ainda ponderam que o lugar do negro é
na favela, na escola de samba e/ou no futebol. A complexidade das relações raciais
na sociedade brasileira foi edificada com base no processo de escravização de
africanos. Isto foi o que originou, ao longo de séculos de história, tanto no
escravizado quando no escravocrata, representações sociais e experiências de
subalternidade que são o ponto de vista individual, de uma profundidade simbólica
gigantesca, e que produzem, do ponto de vista social, um engessamento de lugares
e de hegemonia.
Não foi uma observação espontânea de um certo gradiente de cor de pele que deu origem às denominações “branco” e “negro” no nosso país. A nossa experiência de classificação está vinculada à subalternidade da escravidão, que foi utilizada como nomeação demarcação de lugares sociais. (Educação e Africanidades, 2003 p.17)
Assim, podemos compreender que a classificação por cor da tez tem um
vínculo discriminatório, e vêm opiniões, carregados de preconceitos e certezas, que
no decurso da história do país, o lugar de negros e brancos - no imaginário social.
(...) Para viver democraticamente em uma sociedade plural é preciso respeitar e valorizar a diversidade étnica e cultural que constitui. Por sua formação histórica a sociedade brasileira é marcada pela presença de diferentes etnias, grupos culturais, descendentes de imigrantes de diversas nacionalidades, religiões e línguas (...). (MEC/SEC, 1998, p. 21)
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Para diminuir as desigualdades surge nesse cenário à lei 10.639, sancionada
em 9 ( nove) de janeiro de 2003 pelo Presidente Luís Inácio Lula da Silva, alterou a
Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional e incluiu a obrigatoriedade do
ensino da História e Cultura Afro Brasileira em todos os currículos escolares. Sendo,
portanto, o reconhecimento da influência das muitas culturas africanas na formação
da cultura nacional.
Esta legislação de autoria - da deputada Esther Grossi (PT-RS), altera a
anterior, de 20 de dezembro de 1996, que estabelecia as diretrizes e bases da
educação nacional.
Entretanto, o conteúdo programático, conforme a lei inclui o estudo da História
da África e dos africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o
negro na formação da sociedade nacional, resgatando a contribuição do povo negro
nas áreas social, econômica e políticas pertinentes à História do Brasil.
A lei especifica ainda que o assunto referente à temática "História e Cultura
Afro-Brasileira" será ministrado, em especial, nas áreas de Educação Artística,
Literatura e História brasileira. A lei determina também que o calendário escolar
inclua o dia 20 de novembro como "Dia Nacional da Consciência Negra".
A memória, ao lado da identificação com certos valores culturais, aponta
fortes sinais dos elementos que compõem a parte da população negra na cultura
brasileira. Desde a modernidade tal movimento pode ser percebido, mas têm se
intensificado sobremodo na contemporaneidade com a pronunciada proliferação e
diversidade de instituições, práticas, ideários, profissões, modalidades, públicos e
mercados culturais.
Há muitas formas de se perceber práticas de um passado que ainda permanecem. O trabalho é um dos nexos fundamentais para entender uma sociedade que, renovadamente, revela-se excludente e produtora de profundas desigualdades Ainda nos dias de hoje, entre os sujeitos de várias práticas culturais e artísticas afro-brasileiras, encontramos pessoas que trabalham como lavradores, cozinheiras, babás, pedreiros, garis, e que são pouco reconhecidas como produtores de arte e cultura. (MEC, 2006, p.171)
No entanto, a população africana e negra (nascida no Brasil) deve ser vista
não exclusivamente como a condição de mão-de-obra compulsória que labutou nos
canaviais, nas plantações de algodão, arroz, café, canaviais e no serviço doméstico.
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Na relação entre o a cidade e o campo, quilombolas escravizados e libertos forjaram
formas de cultura próprias ou recriadas de uma bagagem cultural.
Segundo Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações
Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana:
(...) para emancipação dos grupos discriminados, ao proporcionar acesso aos conhecimentos específico. A escola tem papel preponderante para eliminação das discriminações e s, a registros culturais diferenciados, à conquista de racionalidade que rege as relações sociais e raciais, a conhecimentos avançados, indispensáveis para consolidação e concerto das nações como espaços democráticos e igualitários. (Brasil: 2004, p.15)
Na cotidianidade escolar que surgem situações que precisam ser
esclarecidas. Fechar os olhos e recusar-se a discutir as diferenças não resolve o
problema, apenas adia, encobre. Cabe ao educador trazer essas questões para
discussão e, tornar o “diferente” como um ganho, um acréscimo, somente assim.
Atualmente, há ações afirmativas que apontam a valorização da comunidade
negra contribuindo para a elevação de sua autoestima como também como cidadão
que ajudaram a construir a nação brasileira. A lei 10. 639/06 é uma delas, que altera
a Lei 9.394/96, que estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional, obriga
a incluir no currículo da Rede de Ensino a temática História e Cultura Afro-Brasileira.
Em complementação, há ainda, a Resolução nº. 1/2004 do Conselho Nacional de
Educação (CNE) que aprova o parecer CNE/CP3/2004 o qual “institui Diretrizes
Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o
Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana”.
A multiplicidade de raízes da nossa formação cultural não pode ser
desconsiderada sob pena de se priorizar apenas a visão hegemônica e unilateral de
mundo. Cabe à escola rever seus objetivos de garantir a preservação e transmissão
das tradições culturais dos diferentes grupos étnicos que compõem a nacionalidade.
Sob o enfoque da pluralidade, compete à escola difundir esses conhecimentos
acumulados socialmente entre todos os estudantes, como meio de compreensão e
afirmação de nossa identidade multiétnica e pluricultural em que se fundamenta a
defesa consciente dos valores da cidadania.
A capoeira traz consigo a valorização da cultura afro. Segundo Silva (1995,
p.10) no livro do Padre José de Anchieta editado em 1595 há uma citação, de que os
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índios tupis-guaranis divertiam-se jogando capoeira.
Segundo Capoeira (1998, p. 16) o jogo de capoeira, ao que se sabia, não
existia nem era praticado em terras africanas. Com base nestes dados, vamos
propor que a capoeira é uma mistura de diversas lutas, danças, ritmos e
instrumentos musicais – de diferentes etnias africanas - sintetizadas aqui no Brasil
após o ano de 1830, em oposição à idéia corrente de ser uma única forma de “luta
negra que se disfarçou em dança”. (CAPOEIRA, 1998, p.25).
Esta arte marcial camuflada pela dança (ginga) e instrumentos musicais
tornou a prática da dança justificada e despercebida pelos alunos. Sem deixar o
caráter marcial que já era conhecido desde o Brasil imperial, chegou ao Governo
Republicano, onde houve a criação de uma lei específica para a proibição da
mesma, tipificando sua prática como crime em 11 de outubro de 1890, com o título
de “Vadios e Capoeiras”, onde continha o seguinte texto:
Art. 402 – Fazer nas ruas ou praças públicas exercícios de destreza corporal conhecidos pela denominação capoeiragem: Pena de dois anos a seis meses de reclusão. Parágrafo único: é considerado circunstância agravante pertencer o capoeira a alguma banda ou malta. Aos chefes ou cabeças, impõem-se pena em dobro. Se for estrangeiro, além das penas será deportado. Caberá à autoridade decidir sobre seu desterramento para Fernando de Noronha e os trabalhos forçados. Após longas décadas de repressão, a descriminalização da capoeira e outras manifestações culturais, veio por decreto no governo provisório do Presidente Getúlio Vargas (1934-1937), manobra que visava conquistar a simpatia do povo, onde o mesmo se refere à capoeira como sendo o único esporte verdadeiramente nacional. Hoje a capoeira é praticada em todos os Estados da Federação. Segundo o presidente da Confederação Brasileira Sérgio Luiz Vieira, em exercício até 2003 cerca de 2.5 milhões de brasileiros praticam capoeira e o número de academias já somam 25 mil. Além disso, essa dança-luta desperta o interesse de outros povos e já é praticada em mais de 164 países e no futuro será esporte olímpico nacional. (SERGIPE, 2006, p.17).
“A capoeira conseguiu provar que, através de profissionais comprometidos,
pode ser articulada à relação ensino-aprendizagem e contribuir muito para aquisição
do saber construído, na formação de cidadãos críticos e responsáveis”.
Por todos os motivos já expostos anteriormente escolhemos a prática da
capoeira como esporte, visto que a mesma é uma arte-marcial, manifestação cultural
e patrimônio cultural brasileiro com meios de resgatar valores, desenvolver a
disciplina e reduzir os casos de violência, preconceito e intolerância, melhorando a
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interação e integração dentro do ambiente escolar.
3 METODOLOGIA
No primeiro contato apresentei-me como professora e aluna do PDE e
expliquei que trabalharíamos com a capoeira que seriam desenvolvidas atividades
duas vezes por semana.
Iniciamos com o vídeo “COMBATENDO A VIOLENCIA NA ESCOLA “, na
sequência abrimos uma roda de conversas com discussões, possibilitando deste
modo a palavra a quem quisesse.
Fizemos a divisão de grupos, distribui textos e recortes sobre a violência. Os
grupos leram o material para posteriormente discutir e dramatizassem o que haviam
lido. Alguns grupos fizeram tímidas apresentações enquanto outros envolveram-se
mais. Cabe ressaltar que todos participaram e transmitiram a mensagem dos textos.
Ao propor a confecção de cartazes para uma campanha contra a violência na escola
a palavra que mais se repetiu foi bullying. Percebi que tinham conhecimento prévio
sobre o assunto e pelas frases foi possível constatar que consideravam a violência
atitude errada e que deveriam se colocar no lugar do outro, sabiam da necessidade
de terem atitudes respeitosas com os colegas, professores e funcionários da escola.
Foi exibido um vídeo sobre a história da capoeira no Brasil ( TV LUIZÃO –A
HISTÓRIA DA CAPOEIRA ), em formato de desenho. Pensei que os alunos não
prestariam atenção, pois a turma contava com alunos mais velhos, repetentes. Mas
estava equivocada porque assistiram com atenção, após o vídeo os alunos fizeram
comentários e vários colocaram que era muito triste a situação dos escravos
naquela época, que era uma violência. Aproveitei o momento e perguntei sobre a
realidade dos negros hoje em dia. Conversamos sobre preconceito racial, perguntei
se os alunos acreditavam na existência do preconceito racial, se já tinham visto ou
presenciado ações preconceituosas. Neste momento uma aluna comentou sobre um
caso que estava na imprensa de um ator negro que foi confundido com um bandido
que foi preso e que o mesmo era inocente. O caso só foi elucidado após alguns dias
e que haviam confundido o ator com um bandido.
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Passamos para a leitura letra da música Navio Negreiro, que marcou os
questionamentos dos alunos foi como permitiram que seres humanos fossem
acorrentados e sequestrados de seus países e vendidos como mercadorias. Ficaram
chocados quando relatei sobre as condições desumanas em que era realizada a
viagem e também sobre a venda e separação das famílias de negros aqui no Brasil.
Um aluno comentou: Ainda bem que hoje não existe mais escravidão. Aproveitei a
oportunidade e conversei com a turma sobre os direitos humanos, direitos dos
trabalhadores e que ninguém deve sofrer violência.
Ao passar o vídeo Luta disfarçada de Arte, do Grupo Muzenza percebi
grande entusiasmo da turma, na sequência conversamos sobre a capoeira que pode
ser um jogo, uma dança , que não há objetivo de ganhar, que na capoeira deve
haver o respeito ao próximo, aos limites de cada um, frisei que todos poderiam jogar
a capoeira, que não há idade nem sexo para tal. Nesta hora alguns alunos
afirmaram que já faziam capoeira.
Coloquei música de capoeira num CD, convidei os alunos a formarem uma
roda, sentados no chão e acompanhar com palmas as batidas da música.
Após conhecerem o ritmo expliquei sobre a ginga, que é a base da capoeira
para qualquer golpe e movimentação. Fiz o triângulo riscado com giz no solo e
mostrei pedagogicamente como era o movimento. Todos os alunos participaram,
alguns com timidez. Fui ao lado de cada um e mostrei como era o movimento, fiz
junto com os alunos. Outros com mais desenvoltura já faziam a ginga.
Nas aulas seguintes continuamos com a ginga, posições de defesa e
gradativamente iniciamos alguns golpes, sempre fazendo a roda e incentivando a
participação de todos. Como a turma era pequena, utilizamos o espaço da uma sala
de aula sem carteiras.
Ao trabalhar o GTR recebi a proposta de um professor capoeirista para fazer
uma visita até a escola para conversar com meus alunos. Os alunos ficaram
ansiosos com a visita do professor Antônio que começou contando que era
capoeirista há mais de vinte anos.
O professor respondeu as perguntas dos alunos, levou o berimbau, inclusive
desmontado, comentou sobre o instrumento, suas partes, como montar, convidou os
alunos a montarem o berimbau. Mostrou a moeda e a pedra que são utilizados para
tocar, passou o material para todos tocarem.
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Convidou os alunos para uma prática, um jogo de capoeira. Foi interessante a
visita porque isto fez com que os alunos se envolvessem com o fala do professor e
os instrumentos.
Em maio para comemorar a abolição da escravatura no Brasil a escola fez
uma tarde com apresentações, a turma apresentou uma roda de capoeira. Foi
importante porque houve respeito por parte dos colegas das outras turmas, que
acompanharam batendo palmas. Não obtive dificuldades para aplicação do projeto
na escola. Apenas a ideia de realizar as rodas de capoeira nos recreios que precisei
repensar e deixar para o próximo ano letivo quando trabalhar com todos os sétimos
anos, pois em 2014 trabalhei apenas com um sétimo ano. Os alunos foram
receptivos e motivados no desenvolvimento das atividades. Notei maior união entre
a turma, com respeito entre os colegas, ao outro, interação entre todos, nas
brincadeiras em grupos havia constante troca das duplas. Ao encerrar a
implementação encontrei com alunos no corredor que perguntaram quando teria
novamente o projeto de capoeira.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
O propósito do projeto de implementação pedagógica foi discutir
possibilidades de utilizar a capoeira para diminuir a violência escolar e melhoria da
autoestima através da valorização das contribuições da cultura afro-brasileira. Além
de contextualizar a história da capoeira foram desenvolvidas atividades práticas com
os elementos: ginga, esquivas, golpes utilizando metodologia cooperativa e
pedagogicamente focando nos valores: assiduidade, ordem, respeito e amizade.
Os alunos são afetados pela violência e pelos relatos em rodas de conversas
percebemos o quanto as atitudes violentas são prejudiciais ao aprendizado e
desenvolvimento das crianças que desejam aprender e necessitam da mediação
docente para valorizar e respeitar a diversidade e diferença presente no espaço
escolar.
É importante mencionarmos que tanto a professora como o capoeirista,
convidado, tiveram o cuidado de planejar aulas nas quais os alunos se sentissem
motivados a participar e adquirir gosto pela capoeira. Isso porque pensamos que se
as crianças e jovens tiverem a chance de praticá-la de forma prazerosa, poderão
divulgá-la, democratizando, assim, esta prática e suas formas de jogo. Sabemos que
se em um primeiro momento, essa manifestação cultural pode trazer inibição na
prática dos movimentos, devido às suas peculiaridades, esse sentimento pode ser
dissipado a partir de uma vivência que favoreça a produção de sentidos e
significados por parte de quem a estuda/pratica. Através das ações de
implementação do projeto os alunos conseguiram definir a diferença entre luta e
briga.
De acordo com o depoimento dos alunos este objetivo foi alcançado, pois
muitos avaliaram as aulas e o processo de ensino-aprendizado de forma positiva.
Com relação à musicalidade eles consideraram seu aprendizado de extrema
importância, seus depoimentos apontaram grande interesse e prazer no exercício do
canto e do toque dos instrumentos musicais.
No que diz respeito à apreensão da gestualidade, percebemos que foi difícil
este aprendizado para alguns que não estavam acostumados com atividades que
demandassem um aprimoramento rítmico. Já para outros, a dificuldade foi a
execução das acrobacias, como aquelas que englobavam as inversões corporais.
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Mas, o ponto principal refere-se à apreensão dos sentidos e significados dos gestos
da capoeira demonstrados pelos alunos e um maior respeito às diferenças
individuais.
O contato com um Capoeirista repercutiu de forma positiva, pois estes ficaram
entusiasmados com a visita ao trazer seus instrumentos o que permitiu maior
interação dos alunos com termos próprios da capoeira. Essa parceria foi muito bem-
vinda e pensamos que a escola deve procurar alternativas como esta, com atletas,
clubes, universidades entre outras.
Entendemos que são as condições sociais de produção na qual o professor
encontra-se inserido que vão impulsionar a escolha (ou não) da Capoeira para
compor o rol das manifestações da cultura corporal a serem estudadas em suas
aulas. Dentre tantos condicionantes, pode-se considerar a estrutura e organização
da escola, incluindo espaço físico, gestão, comunidade escolar, alunos, políticas
educacionais, etc.
Por fim, vemos que a Capoeira pode ser ensinada e apreendida, com base
nas interações gestuais, configurando um tipo de linguagem, inserida em
determinado contexto social e histórico. O trabalho realizado com a capoeira para
valorizar a cultura afro-brasileira resultou na integração de todos os estudantes ao
grupo, melhorou a autoestima das crianças negras, e consequentemente houve
melhor rendimento escolar.
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REFERÊNCIAS ALBUQUERQUE, W.R. de. Uma história do negro no Brasil. Salvador: Centro de Estudos Afro-Orientais; Brasília: Fundação Cultural Palmares, 2006. ARAUJO,B L.C. A capoeira na sociedade do capital: a docência como mercadoria-chave na transformação da capoeira no século XX. Florianópolis: UFSC, 2008 BRASIL. Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana. 1ª ed. Brasília / DF:MEC, 2004. CEPEUSP, 1995. Brasil, Senado Federal. Disponível em: <http://www6.senado.gov.br/sicon/ExecutaPesquisaLegislacao.action>. CIVITA, Fundação Victor. Revista Nova Escola: África de todos nós. ANO XX Educação Africanidades Brasil. 1ª ed. Brasília:CEAD/ UNB , 2006. – Edição 187. São Paulo: Ed. Abril, 2005. _______, Fundação Victor. Ofício de Professor: Aprender Mais para Ensinar Melhor .Sociedade e Cultura Brasileira. 1ª ed. São Paulo: Editora Abril, 2002. CAPOEIRA, Nestor. Capoeira – Os Fundamentos da Malícia. 4ºEd. São Paulo-Sp: Editora Record, 1998. SANTOS, L.S. Educação Africanidades Brasil. 1ª ed. Brasília:CEAD/ UNB , 2006. SANTOS, A.O, Capoeira – Uma expressão Antropológica da Cultura Brasileira. Maringá-Pr: Editora do Programa de Pós-Graduação em Geografia, Cascavel: Imprensa Oficial do Estado do Paraná, 1993. SERGIPE, Mestre. O Poder da Capoeira. Curitiba: Imprensa Oficial do Estado do PR, 2006. SILVA, G O. Capoeira do Engenho à Universidade. 2º Ed. São Paulo-Sp: Brasil. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais: terceiro e quarto ciclos do ensino fundamental: introdução aos parâmetros curriculares nacionais / Secretaria de Educação Fundamental. – Brasília : MEC/SEF, 1998. P. 174. 1.Vídeo TV LUIZÃO – A HISTÓRIA DA CAPOEIRA < http://www.youtube.com/watch? v=GcTQLKh-Oak>. 2.Vídeo Combatendo a Violência na Escola < http://www.youtube.com/watch? v=v-JioU9PkCE>.