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OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE NA PERSPECTIVA DO PROFESSOR PDE Artigos Versão Online ISBN 978-85-8015-080-3 Cadernos PDE I

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OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSENA PERSPECTIVA DO PROFESSOR PDE

Artigos

Versão Online ISBN 978-85-8015-080-3Cadernos PDE

I

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VALORIZAÇÃO DA RELIGIÃO AFRO-BRASILEIRA: DIVERSIDADE,

RESPEITO E CIDADANIA

Sonia Maria Pelosi1

Luciana Regina Pomari 2

RESUMO: Este estudo detalha como o conhecimento da cosmologia africana torna inteligível a circularidade entre a vida terrena e a vida espiritual. A oportunidade de conhecer como certos povos africanos criaram explicações e simbologias para explicar a relação do homem com o cosmo na perspectiva sobrenatural dentro de uma visão complexa e rica, tornou muito instigante a relação teórico-metodológico que embasou este trabalho. Por meio de revisão bibliográfica, buscou-se a contribuição de diversos autores que tratam acerca da religiosidade afro-brasileira, para desenvolver os trabalhos com alunos do 1º Ano do Ensino Médio e como estratégia de ação foi proposto aos alunos que realizassem pesquisas, viabilizando a apresentação e discussão de vídeos acerca da temática, bem como, debates e atividades com jogos, confecção de cartazes e máscaras africanas, realizando-se ainda uma exposição para divulgação dos trabalhos. O maior objetivo desta pesquisa foi atingido pela valorização e visibilidade que a comunidade escolar envolvida, passou a atribuir a religiosidade afro–brasileira, após as discussões e estudos sobre a religiosidade afro-brasileira. Uma maior visibilidade das Comunidades de Terreiro foi possível, devido a apreensão dos significados dos rituais, doutrinas e cosmologia que dão base a Umbanda e ao Candomblé. Tal análise deu enquadramento aos mecanismos culturais e religiosos que regem a relação do homem com o cosmo na matriz afro–brasileira. Os principais resultados obtidos foram: maior interesse dos alunos diante dos conteúdos da cultura africana e afro-brasileira, reconhecimento da necessidade de conhecer e respeitar a diversidade religiosa e assim promover o exercício da cidadania.

Palavras-chave: Respeito. Cidadania. Religiosidade. Preconceito.

1 INTRODUÇÃO

Estudando a religiosidade afro-brasileira com o objetivo de dar visibilidade à

forte presença das matrizes culturais africanas na sociedade brasileira, esta

presença é extremamente significativa e demonstra a grande complexidade das

tradições e culturas dos diversos povos africanos que foram trazidos para o Brasil,

como os escravos. Os descendentes africanos mantiveram vivas suas práticas

religiosas e cosmológicas.

_______________

1. Professora do PDE da área de História, da Secretaria de Educação do Estado do Paraná.

[email protected]

2. Orientadora do PDE. Professora Doutora, da Universidade Estadual do Paraná – Campus de Paranavaí. [email protected]

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Em consonância com as Diretrizes Curriculares Estaduais para o Ensino de

História, que propõe “formar sujeitos que construam sentidos para o mundo, que

compreendam criticamente o contexto social e histórico de que são frutos e que,

pelo acesso ao conhecimento, sejam capazes de uma inserção cidadã e

transformadora na sociedade” (PARANÁ, 2007, p. 31) bem como propõe “analisar

os componentes mais complexos das heranças africanas”(idem, p. 74). Buscou-se

desta forma, com a implementação do projeto, contribuir para consolidar ações

relevantes para a educação das relações étnico raciais.

Nesta perspectiva, o desenvolvimento desta proposta de trabalho, pretendeu

levar os alunos a um resgate histórico das religiões africanas, afro-brasileiras,

possibilitando a compreensão do sincretismo religioso, buscou diminuir a

intolerância e a suposta superioridade de raças que levam à conflitos capazes de

gerar violência em nossa sociedade atual; buscou ainda, superar as formas de

preconceitos, desenvolvendo no dia a dia ações orientadas para o cumprimento da

lei da obrigatoriedade do ensino da história africana e afro brasileira nas escolas e

evidenciar a religiosidade de matriz africana.

As relações éticas e sociais são constantemente influenciadas por questões

religiosas e a discriminação e preconceito muitas vezes constituem-se grandes

desafios que culminam no ambiente educativo.

Observamos que muitos educadores buscam transformar suas práticas, com

propósito de dar uma formação plural aos seus alunos e alunas, para que estes e

estas sejam capazes de respeitar as diversas formas de manifestações religiosas,

por isso ressaltamos ser importante que, “ respeitar as opções é estar em sintonia

com o todo, é não transgredir o direito de outras pessoas ou de qualquer ser vivo,

inclusive de pensar e de fazer opções diferentes das nossas ”, e dos nossos

específicos valores culturais-religiosos (ALVES; ALVES, 2009, p.145).

Os debates sobre a diversidade religiosa devem fazer parte tanto dos

conteúdos programáticos escolares como da vida das pessoas no dia-a-dia,

especialmente em nosso mundo contemporâneo. O conhecimento e o respeito pela

diversidade religiosa podem contribuir para que a educação escolar pautada na

tolerância e respeito aos direitos humanos seja disseminadora de atitudes livres de

preconceitos.

Assim, o desenvolvimento deste estudo teve por objetivo analisar as formas

de violências resultantes da intolerância religiosa no Brasil contemporâneo,

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desenvolvendo estudos a respeito da realidade da educação para as relações

étnico-raciais no cotidiano escolar, procurando valorizar a cidadania religiosa dos

praticantes dos cultos afro-brasileiros.

2 CONHECENDO A LEGISLAÇÃO EM DEFESA DOS NEGROS E AFRO-

DESCENDENTES

A Lei 10.639/2003 veio para questionar e regular os conteúdos que vinham

sendo trabalhados inadequadamente ou simplesmente não eram trabalhados. A

publicação dessa Lei atendeu a uma demanda do movimento negro organizado que

reivindicava mudanças há muito tempo, na forma e no teor do ensino dos

conhecimentos da cultura afro nas escolas. Destaca-se ainda o Artigo 5º da

Constituição Federal que apregoa o direito de liberdade de crença religiosa.

O direito à cidadania é amparado pelo Estatuto da Igualdade Racial, (Lei

12.288/2010) no que tange à Educação, determinando que,

Os estabelecimentos de ensino fundamental e médio públicos e privados devem ministrar o estudo da história geral da África e da população negra no Brasil[...] estabelece assistência religiosa aos praticantes de matrizes africanas internados em hospitais e outras instituições (BRASIL,2010)

A intolerância religiosa ficou caracterizada como crime sujeito às

penalidades legais, por meio da lei 7716/89, conhecida como Lei Caó que

estabelece a igualdade racial e o crime de intolerância religiosa.

As Diretrizes Curriculares Estaduais (DCEs) para o Ensino de História,

propõem “formar sujeitos que construam sentidos para o mundo, que compreendam

criticamente o contexto social e histórico de que são frutos e que, pelo acesso ao

conhecimento, sejam capazes de uma inserção cidadã e transformadora na

sociedade” (PARANÁ, 2008, p. 31) bem como propõe “analisar os componentes

mais complexos das heranças africanas”(p. 74). Contribuiremos desta forma para

consolidar ações relevantes para a educação das relações étnico raciais.

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3 CULTOS AFRICANOS E AFRO-DESCENDENTES – PERCURSO HISTÓRICO

NO BRASIL

No Brasil os diferentes cultos e divindades locais de origem africana foram

agregados, formando uma espécie de religião única. Por exemplo, na religião dos

iorubás, cada templo era dedicado a uma divindade ou pelo menos a divindades

aparentadas. Em território brasileiro, elas estavam todas reunidas num único

espaço, o terreiro. Assim, um terreiro, hoje, celebra todas as divindades (PRANDI,

2007, p 5).

3.1 A UMBANDA

Os estudos de Alves e Alves (2009) apontam que a Umbanda no Brasil,

nasceu em Niterói a partir dos contatos mediúnicos com o caboclo de sete

encruzilhadas. “Essa religião é resultado do sincretismo religioso entre cristianismo,

religiões africanas, espiritismo e religiões orientais, principalmente das indianas”.

Ainda segundo os autores acima, “do cristianismo, a umbanda herdou a

estrutura organizacional, o culto aos santos e alguns elementos ritualísticos” sendo

que das religiões africanas herdou o culto aos orixás (ALVES; ALVES, 2009, p. 60).

Os cultos são realizados em terreiros, casas ou tendas. Ervas, banhos,

massoterapias, aliado aos ensinamentos doutrinários, combina as forças da

natureza com a força espiritual. A mediunidade passa por um processo de iniciação,

por vezes muito longo, não sendo desenvolvido em todas as pessoas.

O terreiro, como local de representação coletiva, cultural e religiosa, apresenta nas sessões dos rituais e nas falas das entidades orientações para a conduta pessoal e familiar, o que cria nos frequentadores um sentimento de pertecerem a uma comunidade, como torna possível reordenarem sua conduta de vida (VICTORIANO, 2005, p. 66)

Alves e Alves (2009, p. 134) salientam que “os espíritos da Umbanda são os

pretos velhos - espíritos de antigos escravos, Cablocos, índios, crianças”.

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Neste contexto, Prandi (2007) define:

Umbanda é resultado do encontro do candomblé de origem africana, com o Kardecismo, de origem francesa, que adotou uma ideologia muita calçada em valores cristãos. Embora não seja uma religião cristã, seu quadro ético é calcado no cristianismo e muito sincretizado. Um sincretismo mais profundo do que aquilo que acontece no candomblé, muito mais de forma do que de conteúdo. A umbanda considera Exu como um diabo, influência católica; este

diabo passa a ter muitas variações (PRANDI, 2007, p.7).

Assim, torna-se relevante um trabalho educativo no sentido de levar aos

alunos o conhecimento acerca das religiões de matriz africana, contribuindo para a

superação do preconceito de cunho religioso e cultural.

3.2 O CANDOMBLÉ

Segundo Alves e Alves (2009, p. 59) o Candomblé no Brasil originou-se com

a chegada dos escravos africanos, obrigados a professar a fé católica, devido a um

acordo feito entre a Igreja Romana e o poder lusitano, conhecido como “acordo do

padroado”; não havendo evangelizadores com preparação suficiente para a função

de catequistas, facilitou-se o sincretismo religioso, ou seja, a história da vida dos

santos católicos foi associada às histórias dos orixás, dando origem ao Candomblé.

Dessa forma, o Candomblé então é considerado uma religião que contempla

não apenas adeptos africanos, contemplando a diversidade de povos.

Podemos pensar no campo de que a construção do Candomblé é uma religião presente apenas em solo brasileiro, mas que ao mesmo tempo é sinônimo da diversidade de povos africanos que se organizaram no Brasil com o intuito de manter vivos, traços culturais vivenciados na terra de origem. [...] o candomblé necessariamente deixou de ser exclusivamente uma religião étnica, tida há décadas atrás como uma instituição apenas de negros, mas que já se vêem brancos compondo esse cenário, mesmo que minoritariamente (RODRIGUES, 2014, p. 6)

Candomblé e Umbanda são religiões de pequenos grupos que se congregam

em torno de uma mãe ou pai de santo, denominando-se terreiro, a cada um desses

grupos (PRANDI, 2003, p. 24). Nas religiões dos orixás, cada terreiro tem plena

autonomia administrativa, ritual e doutrinária, e tudo depende das decisões pessoais

da mãe ou pai de santo (idem, p. 31).

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Alves e Alves (2009, p. 134) afirmam que “no candomblé não há incorporação

de espíritos de mortos, sendo que o filho de santo manifesta a vibração dos orixás,

forças da natureza”.

Em se tratando de religiosidade afro-brasileira, um dos elementos mais

marcantes é o culto ou devoção aos orixás. São considerados entidades protetoras,

ligadas fortemente às energias da natureza, especialmente ao ar, fogo, terra e água.

O orixá é como as divindades antigas da Grécia e de Roma, eles têm diferentes qualidades e as invocações. Um Deus pode ser invocado na sua figura de menino, num jovem guerreiro, num velho, como acontece também no catolicismo com Jesus Cristo, onde se cultua o Redentor, o Crucificado, o Jesus Menino etc.. A mesma coisa acontece com Nossa Senhora, há milhares de imagens que dizem respeito a algum aspecto a sua vida biográfica ou dizem respeito a algum local de culto. Em relação aos orixás, algumas dessas especificações, variantes podem ter dado origem a um orixá (PRANDI, 2007, p.6)

O culto aos orixás teve origem na África e foi trazida para o Brasil pelos

negros iorubas. Seus deuses são os Orixás, apenas alguns são cultuados no nosso

país: Essú, Ògun, Osossì, Osanyin, Obalúaye, Òsúmàré, Nàná Buruku, Sàngó, Oya,

Oba, Ewa, Osun, Yemanjá, Logun Ede, Oságuian e Osàlufan.

4 AS MANIFESTAÇÕES RELIGIOSAS DIANTE DO DESAFIOS ADVINDOS DO

PRECONCEITO

Uma das mais belas manifestações religiosas e também artísticas dos

africanos é o uso das máscaras em seus cerimoniais. “Constituem síntese de

elementos simbólicos mais variados se convertendo em expressões da vontade

criadora do africano” (PORTAL DA CULTURA AFRO, 2014).

Segundo alguns pesquisadores, como Prandi (2007) e Velho (1975), a

religiosidade configura-se como uma das mais expressivas influências na cultura

brasileira. Observamos a tendência para o trabalho de resgate no sentido de

derrubar o preconceito em relação às práticas de religiosidade ligadas ao

Candomblé, aos Terreiros, aos Rituais que fazem parte do universo religioso de

origem africana e afro-brasileira.

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Durante o período do Império brasileiro, o escravo era proibido de praticar

cultos africanos, sendo obrigado a seguir a religião católica, muitos praticavam seus

cultos de forma clandestina, se fossem descobertos, sofreriam severos castigos pois

estes não eram vistos com religião mas sim, confundidos como uma prática

destinada a fazer o mal.

Uma das maiores dificuldades pode ser originária da cristianização imposta

pelos colonizadores e dos mecanismos adotados pelos escravos para ocultar suas

crenças e não serem castigados.

O catolicismo trazido ao Brasil, trouxe resquícios medievais, mas mesmo

assim mesclou-se no decorrer do tempo, à mentalidade africana, produzindo uma

religiosidade popular, como se costuma dizer.

Ao abordar a temática sobre religiosidade africana e afro-brasileira, em

entrevista, o estudioso Reginaldo Prandi que desenvolve estudos acerca de

religiosidades, aponta que:

No Brasil os diferentes cultos e divindades locais de origem africana foram agregados, formando uma espécie de religião única. Por exemplo, na religião dos iorubás, cada templo era dedicado a uma divindade ou pelo menos a divindades aparentadas. Em território brasileiro, elas estavam todas reunidas num único espaço, o terreiro. Um terreiro, hoje, celebra todas as divindades (PRANDI, 2007, p. 5).

Muitas comunidades de quilombolas remanescentes que ainda existem no

Brasil, guardam um patrimônio cultural afro, mas também, revelam o sincretismo

religioso que se solidificou historicamente.

No Paraná, uma pesquisa realizada pelo Grupo de Trabalho Clóvis Moura

(GTCM) que emergiu durante o I Encontro de Educadores(as) Negros(as) do

Paraná, em Novembro de 2004, documentou o mapeamento das comunidades

quilombolas no Estado, tendo catalogado cerca de 40 comunidades, quatorze delas

com o reconhecimento da Fundação Palmares e vinte em processo de

reconhecimento.(COMUNIDADES NEGRAS RURAIS DE CASTRO

(http://ancestralidadeafricana.org.br/?page_id=138).

Nessas comunidades se encontram exemplos bastante expressivos da

herança cultural religiosa, afro e do sincretismo, como o Terço Cantado, tradição na

Comunidade Quilombo João Surá, Município de Adrianópolis, no qual “o modo de

cantar e de rezar é adaptado à pronúncia dos quilombolas” (JUNIOR; SILVA;

BRACARENSE, 2008).

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Um dos maiores desafios e possivelmente a maior falta de tolerância e

respeito à religiosidade afro, e acima de tudo ao ser humano, é a violência que se

verifica em relação aos terreiros de Candomblé e Umbanda, evidenciando a

intolerância e as raízes do racismo no Brasil.

Na concepção de Prandi (2007),

As religiões afro-brasileiras, embora hoje em dia sejam praticadas por muitos brancos, têm, evidentemente, origem na África, a origem é negra. No Brasil tudo que é negro é marginalizado. Basta ver o mundo do trabalho, por exemplo, onde os negros recebem a metade do que um trabalhador branco recebe, fazendo o mesmo trabalho. Basta ver as mulheres negras que recebem um quarto do que recebe um homem branco fazendo o mesmo trabalho. É um processo de marginalização que vem desde a escravidão e considera o negro como inferior. É pago como se fosse um trabalhador de qualidade inferior, acredita-se que mereça um salário menor. Se isso acontece até no mundo do trabalho, na vida objetiva da economia, imagine o que se passa num mundo cheio de simbolismo, como o mundo da cultura e da religião. Tudo que é ruim é atribuído ao negro e à sua religião (PRANDI, 2007, p. 09).

Uma das razões para esse tipo de intolerância e desrespeito pode ser

atribuído à ignorância e ao preconceito historicamente acumulado.

5 METODOLOGIA O presente artigo é resultado das ações propostas no Projeto de intervenção

didático pedagógico que se efetivaram na implementação em uma turma do 1º ano

do Ensino Médio, tendo como Linha de Estudo, “Ensino Religioso e História: cultura

e a história das religiões com aporte nas tradições religiosas que são expressões

populares, gestadas por vários séculos, de fé, devoções, festas e ritos, do povo

brasileiro”. O estudo destas manifestações de matriz africana e afro-brasileira,

através de bibliografia especializada, proporciona conhecer as estruturas simbólicas,

ritualísticas, teológicas e antropológicas, sendo o foco norteador do projeto PDE

desenvolvido com alunos do Ensino Médio em escola pública.

A primeira etapa se constituiu em pesquisas bibliográficas a fim de oferecer

subsídios de conhecimento sobre: a legislação em defesa dos negros e afro

descendentes cultos africanos e afro-descendentes – percurso histórico no Brasil.

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Na segunda etapa, foi elaborado o material didático-pedagógico com

atividades referentes ao estudo sobre diversidade religiosa, que permitiriam ao

educando construir seu conhecimento de cultos de matriz africana, tais como o

Candomblé e a Umbanda. A elaboração deste material a ser utilizado na fase da

implementação permitiu também ao educando identificar o percentual de religiões

apontado pelo IBGE entre as décadas de 1990, 2000 e 2010, bem como, estudar a

Lei 7.716 de 05/01/1989 – (Lei Caó), estudar o Estatuto da Igualdade Racial, bem

como, pesquisar a biografia das personalidades negras, sobre o movimento

diaspórico. A elaboração deste material ainda contemplou atividades acerca do

sincretismo religioso, da relação entre os orixás e os santos católicos.

A terceira etapa se constituiu no desenvolvimento das atividades na escola

em conjunto com os educandos, ou seja, a implementação do projeto. Para o

desenvolvimento do estudo sobre religiosidade afro-brasileira foram utilizados como

recursos didáticos: inicialmente um questionário para investigar o que os alunos já

sabiam. A seguir iniciaram-se atividades com pesquisas sobre a legislação (Estatuto

da Igualdade Racial e Lei Caó). Foi proposto ainda uma pesquisa para comparar as

informações veiculadas pela mídia televisiva e impressa, com as informações

produzidas pelos grupos e organizações de direitos humanos e de combate à

intolerância religiosa, em relação aos atos de violência contra as práticas religiosas

de matriz africanas. A fase de implementação oportunizou também a análise do

filme “atlântico negro - na rota dos orixás” que trata sobre a violência da escravidão

e provoca a reflexão sobre o direitos do povo de origem africana. Ainda nesta etapa

foram propostos textos sobre o culto aos orixás. Destaca-se nesta etapa de

implementação, as atividades realizadas por meio de jogos: caça palavras da cultura

negra; jogo do contraponto; brincando com os símbolos africanos e também o jogo

na trilha do preconceito. Ainda na fase de implementação foi realizada com os

alunos participantes do projeto, uma mesa redonda, para discussão sobre as

práticas dos povos iorubás no enterro dos mortos, produzindo um texto individual

sobre as partes que mais chamaram a atenção.

Há de se considerar também a etapa do GTR - Grupo de Trabalho em Rede –

que promove a socialização do Projeto e Produção Didático Pedagógica do

Professor PDE, por meio da interação com os Professores da Rede Estadual de

Ensino utilizando Ambiente Virtual de Aprendizagem.

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O GTR- Grupo de Trabalho em Rede é uma das grandes possibilidades dos professores conhecerem as produções dos professores PDE e utilizá-las em suas aulas, e neste sentido as produções dos professores adquirem novos significados. O GTR, é uma das atividades inseridas no Plano Integrado de Formação Continuada do Programa de Desenvolvimento Educacional – PDE,da Secretaria de Estado da Educação do Paraná – SEED/PR. Idealizado em 2007 com o objetivo principal de socializar o projeto de implementação pedagógica dos professores ingressos no Programa (SANTOS, 2013).

Por meio das participações no primeiro módulo verificou-se que os cursistas

do GTR realizaram o estudo e as interações adequadas. Foi evidenciada a

necessidade de oferecer aos alunos, em todos os níveis de ensino, a oportunidade

de refletir sobre a discriminação, o preconceito e necessidade de abordar

continuamente esta temática no processo educativo, para se alcançar uma

mudança de atitude para com a diversidade religiosa.

Na participação do segundo módulo do GTR os cursistas apontaram a

relevância de diversificação metodológica, afirmando que a utilização de recursos da

web são subsídios para a abordagem dos conteúdos sobre religiosidade e

cidadania.

No desenvolvimento do terceiro módulo, observou-se a socialização do relato

da implementação, em que se identificou-se o empenho dos cursistas em elaborar

planos de ação para superação da discriminação e do preconceito diante dos

diferentes cultos religiosos.

6 ANÁLISE DOS RESULTADOS

O trabalho de elaboração do Projeto de Intervenção possibilitou a organização

e o planejamento das atividades pretendidas, bem como os estudos para a

fundamentação teórica da pesquisa.

A elaboração da Produção Pedagógica (Unidade Didática) permitiu a

elaboração das atividades que foram desenvolvidas com o público alvo ( alunos do

1º ano do Ensino Médio) embasadas na linha de estudo e na temática da pesquisa.

O trabalho desenvolvido com os alunos buscou efetivamente: Identificar os

princípios religiosos e cosmologias que compõem os cultos afro-brasileiros para

gerar informação e formação, a respeito da temática junto à comunidade escolar;

Estudar o Estatuto da Igualdade Racial e leis sobre a cidadania cultural religiosa

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dos cultos afro brasileiros; Levantar informações nas mídias sociais, sobre a

intolerância religiosa e as formas de violências, que dela tem resultado, no contexto

do Brasil contemporâneo; Comparar as informações veiculadas pela grande mídia

com as informações produzidas pelos grupos e organizações de direitos humanos e

de combate à intolerância religiosa, em relação aos atos de violência contra as

práticas religiosas de matriz africanas; Reconhecer a dimensão religiosa e o

significado dos Pais e Mães de Santo (Babalorixás e Lalorixás).

Os resultados apontaram que houve interesse em conhecer melhor sobre

religião afro-brasileira e alguns alunos demonstraram desconhecimento diante da

diversidade religiosa.

Portanto, observou-se que os cultos afro-brasileiros ainda não são

adequadamente compreendidos pela sociedade, pois alguns alunos relataram que

não tinham conhecimento da existência do Estatuto da Igualdade Racial, da Lei Caó,

e dos cerimoniais religiosos do povo negro. Relataram ainda que os termos

“umbanda, macumba, terreiro”, provocavam certo medo e receio, devido ao

desconhecimento sobre o verdadeiro significado desses ritos e elementos que fazem

parte da religiosidade de matriz africana.

Ao findar as atividades da fase de implementação, os alunos demonstraram

ter sido proveitosa participação na fase de implementação, pois tiveram a

oportunidade de conhecer e refletir sobre a necessidade do respeito à diversidade

religiosa para a conquista do respeito e a efetivação da cidadania de todos os povos.

7 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este artigo é resultado de parte das pesquisas, reflexões e implementação do

Projeto de Intervenção na Escola, por meio da Unidade Didática produzida durante o

Programa de Desenvolvimento de Educação-PDE 2014, que possibilitou analisar as

formas de violências resultantes da intolerância religiosa no Brasil contemporâneo,

desenvolvendo estudos a respeito da realidade da educação para as relações

etnico-raciais no cotidiano escolar, e assim, valorizar a cidadania religiosa dos

praticantes dos cultos afro-brasileiros.

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As religiões afro-brasileiras merecem ser reconhecidas e valorizadas dentro

de qualquer proposta que vise a consolidação e pleno exercício dos direitos

culturais e religiosos de grupos e indivíduos afro brasileiros. Neste sentido, cabe à

escola, desenvolver esforços para mudar atitudes discriminatórias, promovendo

atitudes e valores pautados na ética do convívio democrático em relação a cidadania

multicultural.

Assim, considero que meu trabalho promoveu uma maior aceitação e

valorização dos cultos afro-brasileiros tendo como resultados a promoção de

tolerância religiosa em relação a tais cultos, bem como, propiciou maior interesse

dos alunos diante dos conteúdos da cultura africana e afro-brasileira,

reconhecimento da necessidade de conhecer e respeitar a diversidade religiosa e

assim promover o exercício da cidadania.

REFERÊNCIAS

ALVES, Luiz Alberto Souza; ALVES, Maria Helena Leviski. História das religiões. In: BRASIL. Lei nº 7.716, de 05 de janeiro de 1989.(Lei Caó). Define os crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l7716.htm. Acesso em: 08 mai 2014. ______. Lei 10.639 de 09 de janeiro de 2003. Altera a Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da temática "História e Cultura Afro-Brasileira", e dá outras providências. Disponível em < www2.camara.leg.br ›. Acesso em: 08 mai 2014. ______. Lei 11.645/08. Altera a Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, modificada pela Lei no 10.639, de 9 de janeiro de 2003, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena”. Disponível em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2008/lei/l11645.htm>. Acesso em 08 mai. 2014. ______. Estatuto da Igualdade Racial. Lei 12.288 de 20 de julho de 2010. Brasília: Câmara dos Deputados. Edições Câmara, 2010. Disponível em < www2.camara.leg.br ›. Acesso em: 08 mai.2014. ______. Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial. Plano Nacional de Implementação das Diretrizes Curriculares Nacionais para as

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