os desafios da economia brasileira

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CN EM SÉRIE Brasília 2015 MARTINA CAVALCANTI [email protected] 18 Cidade Nova • Fevereiro 2015 • nº 2 Nova equipe econômica. E/D: o presidente do Banco Central, Alexandre Tombini e os novos ministros da Fazenda, Joaquim Levy e do Planejamento, Nelson Barbosa Os desafios da economia brasileira CRESCIMENTO ECONÔMICO Uma nova equipe econômica assume com a missão de retomar a confiança do empresariado, sem comprometer as políticas sociais. Mas os desafios são muitos rrumar a casa para de- pois crescer”: com esse mote, a nova equipe econômica do gover- no Dilma Rousseff tomou posse em janeiro de 2015, sob as bênçãos do mercado financeiro e certa descon- fiança dos próprios petistas e de ou- tras entidades trabalhistas. Encabeçada por Joaquim Levy, no Ministério da Fazenda, a tríade se completa com Nelson Barbosa, no Planejamento, e Alexandre Tom- bini, reconduzido ao Banco Cen- tral. A missão deles será resgatar a confiança do empresariado sem comprometer as políticas sociais, plataforma eleitoral de Dilma. “É uma aposta da Dilma para conseguir recuperar algo que o Lula tinha conseguido fazer muito bem: montar uma coalizão de interesses tão variados quanto os dos traba- lhadores e do empresariado”, afirma Alexandre Saes, professor de econo- mia da Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo (FEA-USP). Segundo o especialista, a presi- dente enfrentou um contexto me- nos favorável que seu antecessor, deixando de lado, nos primeiros quatro anos de governo, alguns gru- pos da economia, cujo apoio tenta retomar nessa segunda gestão, na qual pretende também imprimir sua marca pessoal. “O que passa pela cabeça da pre- sidente é fazer o mesmo que Getú- lio Vargas no seu segundo governo (1951-54). Pró-desenvolvimento e nacionalista, ele recebeu a economia “A Wilson Dias | Agência Brasil

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Crescimento econômico - Uma nova equipe econômica assume com a missão de retomar a confiança do empresariado, sem comprometer as políticas sociais. Mas os desafios são muitos

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cn em série Brasília 2015 martina [email protected]

18 Cidade Nova • Fevereiro 2015 • nº 2

nova equipe econômica. e/d: o presidente do Banco central, alexandre Tombini e os novos ministros da fazenda, Joaquim levy e do Planejamento, nelson Barbosa

os desafios da economia brasileiracReScimenTo econÔmico Uma nova equipe econômica assume com a missão de retomar a confiança do empresariado, sem comprometer as políticas sociais. Mas os desafios são muitos

rrumar a casa para de-pois crescer”: com esse mote, a nova equipe econômica do gover-

no Dilma Rousseff tomou posse em janeiro de 2015, sob as bênçãos do mercado financeiro e certa descon-fiança dos próprios petistas e de ou-tras entidades trabalhistas.

Encabeçada por Joaquim Levy, no Ministério da Fazenda, a tríade se completa com Nelson Barbosa, no Planejamento, e Alexandre Tom-bini, reconduzido ao Banco Cen-

tral. A missão deles será resgatar a confiança do empresariado sem comprometer as políticas sociais, plataforma eleitoral de Dilma.

“É uma aposta da Dilma para conseguir recuperar algo que o Lula tinha conseguido fazer muito bem: montar uma coalizão de interesses tão variados quanto os dos traba-lhadores e do empresariado”, afirma Alexandre Saes, professor de econo-mia da Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo (FEA-USP).

Segundo o especialista, a presi-dente enfrentou um contexto me-nos favorável que seu antecessor, deixando de lado, nos primeiros quatro anos de governo, alguns gru-pos da economia, cujo apoio tenta retomar nessa segunda gestão, na qual pretende também imprimir sua marca pessoal.

“O que passa pela cabeça da pre-sidente é fazer o mesmo que Getú-lio Vargas no seu segundo governo (1951-54). Pró-desenvolvimento e nacionalista, ele recebeu a economia

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com inflação alta e decidiu fazer um governo Campos Sales (1898-1902) – Rodrigues Alves (1902-1906). Ou seja, dois anos mais rígidos na ques-tão orçamentária e fiscal, para arru-mar casa, e mais dois anos de reto-mada de crescimento”, compara.

O preço a se pagar para colocar a economia de volta aos trilhos prome-te ser alto. São esperados para os pró-ximos dois anos mais impostos, cor-tes nos investimentos públicos, baixo crescimento e inflação elevada.

Para Antonio Evaristo Lanzana, professor da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe), é pre-ciso acreditar na máxima “não se faz omelete sem quebrar ovos”. “É necessário fazer ajuste fiscal e isso é sinônimo de sacrifício. É o preço que se tem de pagar pelo desequilí-brio do [mandato] passado”, afirma.

cortesA escolha de Levy, ex-braço di-

reito do ex-ministro Antonio Paloc-ci foi recebida com entusiasmo por empresários e economistas, como Lanzana. Segundo ele, o setor vê no doutor em economia pela liberal Universidade de Chicago (EUA) uma gestão mais técnica e austera, o que é positivo para retomar a confiança do sistema financeiro, abalada no pri-meiro mandato com o rebaixamento da nota do Brasil pelas agências in-ternacionais de classificação de ris - co – a Standard & Poor’s rebaixou o Brasil para BBB –, o mais baixo pata-mar da faixa de grau de investimento.

O grande temor é que a ortodoxia prejudique os avanços sociais do go-verno petista. Mas o novo chefe da Economia faz questão de frisar que a manutenção de programas sociais e o baixo nível de desemprego depen-dem diretamente da estabilidade da economia, que só pode ser alcança-da arrumando as contas públicas e melhorando o resultado fiscal.

Tendo em vista poupar R$ 18 bilhões em gastos federais, o go-verno anunciou regras mais rígidas para a concessão de benefícios da Previdência Social, como o auxílio--doença e a pensão por morte, e de benefícios trabalhistas, tais quais o seguro-desemprego e o abono sa-larial. A medida foi recebida com muitas críticas e a promessa eleito-ral de Dilma de não alterar benefí-cios sociais “nem que a vaca tussa” virou piada nas redes sociais.

Salário mínimoOutra atitude que espantou as

entidades trabalhistas partiu de Nel-son Barbosa. O ministro anunciou a alteração do modo como é feito o reajuste do salário mínimo – mas logo depois levou uma bronca de Dilma e recuou. Enquanto a atitude da petista foi celebrada pelas cen-trais sindicais, para o empresariado o episódio colocou em cheque a au-tonomia da nova equipe econômica perante a presidente, conhecida por uma personalidade controladora.

Os dois especialistas ouvidos por Cidade Nova, no entanto, diminuem o impacto do caso. “É um fato iso-lado, uma questão de aprendizado: Barbosa deve ser mais cuidadoso nos próximos pronunciamentos. O ministro do Planejamento não vai se sentir desautorizado de tomar ou-tras atitudes daqui para a frente e a própria Dilma vai ter mais cuidado ao fazer qualquer desautorização como essa. Não a vejo entrando em confronto com Levy, por exemplo”, afirma Saes.

Ainda que a nova proposta de reajuste não tenha vingado, a regra atual de reposição salarial deve resul-tar em um mínimo menor no segun-do mandato. Isso porque o reajuste é calculado em cima do crescimento da economia, que promete ser nulo ou próximo de zero neste ano.

Lanzana argumenta que, com a intervenção, a presidente conseguiu mandar o recado que a ajudou a se reeleger: “Vamos fazer ajuste fiscal, mas não vamos mexer no lado so-cial”. O economista qualifica como infeliz a antecipação de Barbosa, mas mesmo assim aposta na impor-tância do ministro como contrapon-to à eventual ortodoxia excessiva de Levy. “O papel do Barbosa será evi-tar que o ajuste seja alto e forte e que comprometa o programa social.”

Com Nelson Barbosa, ex-secre-tário Executivo da Fazenda, a pasta do Planejamento vive uma ressurei-ção após perder influência e poder sob o comando de Miriam Belchior. Na gestão atual, o ministério terá o controle dos principais progra-mas de investimentos do governo, como o Minha Casa, Minha Vida e o Programa de Aceleração do Cres-cimento (PAC). Além disso, o gestor também terá a incumbência de des-travar as concessões em infraestru-tura e logística, especialmente em ferrovias e portos, e de avançar com as Parcerias Público-Privadas.

Já Tombini, mantido como pre-sidente do Banco Central, deve ter em Levy um grande aliado na defe-sa da autonomia e da independên-cia do BC. “No primeiro mandato Tombini acreditou nas promessas dos ministérios da Fazenda e do Pla-nejamento de ampliar o superávit primário, esperando que o governo reduzisse seu papel, mas aconteceu exatamente o contrário. Agora, ele vai ter como aliado o ajuste fiscal, então não adianta pedirem para baixar a Selic, porque vai ter que ter juros altos. Há cheiro de maior in-dependência”, acredita Lazana.

impostosComo o corte de gastos será li-

mitado para não atingir os progra-mas sociais, os impostos terão que c

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subir para cumprir as metas estabe-lecidas pela nova política econômi-ca, explica Lanzana. Segundo ele, só assim o governo poderá poupar recursos suficientes para o superávit primário (a economia do governo para pagar os juros da dívida) e re-duzir a dívida pública – atualmen-te em 63% – a 50% do PIB. Além disso, o aumento dos tributos passa credibilidade ao Congresso, onde o governo terá que aprovar os cortes definitivos no Orçamento.

Na mira da nova equipe está a cobrança do Cide (Contribuição de Intervenção do Domínio Econômi-co), mais conhecido como imposto da gasolina, que está zerado desde 2002. Também se fala em aumen-to da cobrança de PIS/Cofins sobre importados e na alta sobre a tribu-tação de cosméticos. Estima-se que a medida possa elevar a arrecadação do governo em quase R$ 9 bilhões.

Ainda pode haver aumento na tributação sobre os pequenas em-presas prestadoras de serviço, que pagam atualmente 4% de Impos-to de Renda, em vez dos 27,5% de Pessoa Física. A medida deve afetar trabalhadores que recebem seus rendimentos através de empresas in dividuais.

Isso tudo ainda são suposições, uma vez que a Fazenda não havia for-malizado nenhuma alteração tribu-tária até o fechamento desta edição.

Sem privilégiosO que já é tido como certo é o

acordo entre Dilma, Eduardo Braga, o novo ministro de Minas e Energia, e Levy, de que o Tesouro não fará mais injeções de recursos no setor elétrico em 2015. Como consequên-cia, a conta terá de ser paga pelo con-sumidor através de reajuste extra.

Para reduzir o valor que vai para a conta de luz, o governo tentará enxugar as despesas com a Con-

ta de Desenvolvimento Energético (CDE), um fundo que banca subsí-dios para o fornecimento de energia à população de baixa renda.

Segundo projeções da LCA Con-sultores, a conta de luz deve subir 31,2% em 2015 e a inflação pode atingir 7%, meio ponto porcentual acima do teto da meta. O cálculo já inclui o aumento do Cide e o reajus-te das tarifas de ônibus.

Nas entrelinhas de um discurso do novo ministro da Fazenda, ou-tra ação que se pode antever é o fim dos recursos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e So-cial (BNDES) a juros baixos para se-tores selecionados.

Lanzana aponta que o impac-to sobre a inflação deve vir ape-nas a curto prazo, mas já deve ser suficiente para pressionar a Selic. A taxa básica de juros, atualmente em 11,75%, deve subir para 12,5%, encurtando os prazos de finan-ciamento. O resultado esperado é uma contração do consumo e, consequentemente, do crescimento econômico.

Para não colocar em risco a ex-pansão da economia, Saes defende a importância de incentivos go-vernamentais. “O governo precisa identificar o gargalo para favorecer determinados setores. Não dá para deixar o crescimento econômico exclusivamente nas mãos da ini-ciativa privada, senão os ganhos sociais não acompanham esse cres-cimento”, sugere.

ProdutividadePara Lanzana, é inevitável que o

consumo diminua. As novas ações marcam o fim da estratégia econô-mica do governo petista iniciada com Lula, em uma gestão marca-da pela ascensão da classe C. Até o momento, a ampliação de oferta de empregos no país se deu pelo au-

mento de mão de obra, modelo que se esgotou com a proximidade do pleno emprego. “Esse modelo que incentivou o endividamento e deu crédito para todo mundo se esgo-tou. Mas isso não é nenhuma tragé-dia, só foi uma estratégia de política econômica concluída e que vai dar lugar a outra. A partir de agora, é crescimento via investimento e pro-dutividade”, diz o economista.

Para isso, será necessário flexibi-lizar o mercado de trabalho e am-pliar programas de qualificação do trabalhador. As normas anunciadas pela nova equipe econômica nes-se sentido são empreendedorismo, inovação e concorrência.

Saes aposta em novos setores, como o do petróleo, para puxar o crescimento. “A retomada de proje-tos longos de infraestrutura e logís-tica deve manter o emprego direto. Se a credibilidade permitir que es-ses investimentos sejam consuma-dos, há a possibilidade de se vol-tar a ter condições de crescimento ainda maiores.”

oposiçãoEm seu primeiro mandato, o

ex-presidente Lula escreveu Carta ao Povo Brasileiro para mostrar sua face moderada, acalmar os merca-dos e aumentar sua base eleitoral. Já Dilma, que passou a campanha de 2014 prometendo que nenhuma espécie de austeridade na política econômica interferiria nos investi-mentos sociais, elegeu nomes con-servadores para compor a equipe econômica após ser eleita.

Nesse contexto, Levy terá que transpor o fogo amigo, que vem de dentro do próprio governo, para im-plementar uma política econômica liberal e ortodoxa em uma gestão de esquerda, que criticou duramente o neoliberalismo dos adversários du-rante a campanha eleitoral.