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Os Debates Atômicos e o Papel Desempenhado pela Hipótese Atômica na Química do século XIX Tânia O. Camel (PQ); Carlos B. G. Koehler (PQ); Carlos A. L. Filgueiras (PQ) <[email protected]> História das Ciências e das Técnicas e Epistemologia IQ/UFRJ Rio de Janeiro RJ 2010 1

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Os Debates Atômicos e o Papel Desempenhado pela Hipótese

Atômica na Química do século XIX

Tânia O. Camel (PQ); Carlos B. G. Koehler (PQ); Carlos A. L. Filgueiras (PQ) <[email protected]>

História das Ciências e das Técnicas e Epistemologia – IQ/UFRJ – Rio de Janeiro – RJ

20101

• O presente trabalho tem por objetivodiscutir o papel desempenhado pelaHipótese Atômica nas teoriasquímicas do século XIX à luz dosdebates atômicos que ocorreram emLondres em 1869, em Paris em 1877e em Lübeck em 1895.

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Hipóteses Científicas

• Uma hipótese científica ou teoria podedesempenhar diferentes funções na mesmaocasião ou em ocasiões diferentes, e dependendoda função que a hipótese desempenha, elarepresenta um papel que pode ser real, heurísticoou ilustrativo.

• Hipótese realista quando se concebe que elatenha significado real ou existencial e quando sesupõe que seja possível sua verificaçãoexperimental direta ou indiretamente.

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• Hipótese heurística

É meramente uma ferramenta ouinstrumento, como foi o papel desempenhadopela hipótese atômica nas teorias da QuímicaOrgânica.

Não tem significação existencial, mas é apenassugestiva de experimentos futuros, de novasobservações.

Faz predições e o experimento é relevante.

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• Hipótese expositiva ou ilustrativa é umesquema pedagógico ou histórico, que nosajuda do ponto de vista didático. Nesse caso, oexperimento não é importante.

O uso da hipótese atômica para tornar o ensino dedutivo a

partir da hipótese de Avogadro no livro de Cannizzaro, Suntodi um Corso di Filosofia Chimica, publicado em 1858.

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O Debate de 1869 ou Uma Noite Memorável e Interessante na Vida da Sociedade Química de

Londres

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Em 1866, Brodie publicou a primeira parte do seuCalculus of Chemical Operations, no qual asentidades hipotéticas não apareciam.

Sua dívida era com Gerhardt pelo seu positivismo ecom Boole pela sua álgebra lógica.

Era uma investigação por meio de símbolos das leisde distribuição de peso na mudança química.

Seu objetivo era livrar a ciência Química deempecilhos impostos por hipóteses acumuladas edotá-la de [...] uma linguagem racional e exata.

Uma exposição da Química Ideal foi feita por Brodieem uma seção presidida por Williamson na Soc.Química, em junho de 1867.

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Em 1867, Brodie:

Criticou os professores que pensam como Dr.Frankland e Dr. Crum Brown, que os fatosfundamentais da combinação química podem sersimbolizados por bolas e fios.

Desprezou os modelos químicos e as fórmulasglípticas, pela sua confusão do heurístico com oontológico.

Afirmou que a Química havia tomado o caminhoerrado, além de todas as regras de filosofia parater produzido um ridículo como este.

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Maxwell e Stokes fizeram críticas à conferência de 1867.

Maxwell se referiu a sua própria dedução da hipótese de Avogadro a partir das suposições da teoria cinética dos Gases.

Stokes apontou que o Calculus tomou como referência o conhecimento existente e não fez nenhuma suposição, como, por exemplo, para os novos fatos da isomeria tão bem explicados por uma teoria atômica e que foram negligenciados no Calculus.

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Kekulé criticou severamente a teoria de Brodie em 1867, em On Some Points of Chemical Philosophy:

Os resultados publicados e especialmente asfórmulas dadas para os elementos e compostosnão possuem nenhuma vantagem, sobre a visãoaceita universalmente [...] é impossível nãoperceber que esses símbolos envolvem quase umnúmero ilimitado de hipóteses para as quais nãohá nenhuma prova [...].

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Em 3 de junho de 1869, Williamson fez sua conferência

On the Atomic Theory: [...] Se por um lado todos os

químicos usam a teoria atômica, por outro, um

considerável número a vê com desconfiança, alguns

com positivo menosprezo. Se a teoria realmente é tão

incerta e desnecessária como imaginam, permitam

que os seus defeitos sejam desnudados e examinados.

Se possível, permitam que seus defeitos sejam

remediados, ou se estes são realmente tão

irremediáveis e tão graves, como mencionados pela

ironia dos seus detratores, permitam que seja

rejeitada e outra seja usada em seu lugar.

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Williamson propôs examinar a hipótese em trêsníveis sucessivos: pesos equivalentes, moléculas evalores atômicos.

Exibiu uma série de exemplos independentes nosquais a suposição de átomos de peso característicopermitia inferir a fórmula, que por sua vez, deviaestar de acordo com o peso molecular do composto.

Apontou as suposições envolvidas na Lei dasMúltiplas Proporções e admitiu que esta lei nãoprovava a existência dos átomos, entretanto, ahipótese devia ser analisada também a partir doconceito de molécula e da teoria da valência.

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Evocou a o sucesso explicativo da hipótese nasteorias da Química Orgânica, porém, nãohavia nenhum consenso em reconhecer osdesenvolvimentos da Química Orgânica comoprova para a existência dos átomos:Configurações hipotéticas de átomos noespaço não tinham nenhum valor, exceto seconfirmadas por fatos correspondentes, taiscomo aqueles que as propriedades ópticas oucristalinas dos corpos podem, talvez um dia,fornecer. (WHEWELL, 1847 a, p. 166).

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Considerou a distinção entre uma combinação direta

ou indireta entre os átomos uma importante evidência

química dos átomos. Os isômeros fornecem produtos

distintos em função do arranjo dos átomos:

O que nos interessa nestas reações é ver aevidência que elas fornecem, isto é, que o elementode ligação é um átomo.

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Com relação aos pesos equivalentes, Williamson observou que:

O equivalente do ferro é Fe/2 no FeCℓ2, oequivalente do carbono é C/4 no CH4 e oequivalente do nitrogênio é N/5 no NH4Cℓ.

Se um equivalente de potássio substitui umequivalente de cloro, as fórmulas esperadasseriam KCℓ e KO1/2, porém a fórmula do óxidodesafia o conhecimento obtido pelas reaçõesquímicas e analogias que, sem dúvida alguma,indicam K2O.

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Os químicos não usam estas expressõesfracionárias para representar os equivalentes, masusam os próprios símbolos atômicos. Estesdescrevem, de fato, átomos, como se imagina,combinados um com outro nas proporções demúltiplos inteiros de seu peso.

Concluiu que o vasto leque de evidências dosmais variados tipos e das mais diversas fontes,todas apontam para a idéia central de átomos.

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Em relação aos átomos tomou uma atitude pragmática:

Se nossos átomos elementares são na sua naturezaindivisíveis ou se são formados por partículasmenores, é uma questão que eu, como químico,nada tenho a dizer. Eu posso dizer que na Química,nenhuma evidência sugeriu tal questão. Os átomospodem ser vórtices, tais como Thomson falou,podem ser partículas duras e indivisíveis de formaregular ou irregular. Nada sei sobre isto e tenhocerteza de que é melhor estender e consolidar nossoconhecimento sobre os átomos através de suasreações.

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Em 04/11/1869, a discussão sobre a teoria atômica, iniciada por Williamson, continuou com a conferência presidida e proferida pelo seu opositor Brodie.

Esta reunião foi descrita como uma noite memorável e interessante na vida da Sociedade de Química

Chemical News relata expressões de Brodie, Williamson, E. Frankland, W. Odling, J. Tyndall, W. Allen Miller, E. Mills, G. C. Foster.

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Frankland insistiu sobre o valor e a necessidade dehipóteses em ciência, mas não se devia afirmar queuma hipótese é uma descrição da realidade.Reforçou sua posição ao declarar-se contrário àaceitação da teoria como uma verdade absoluta, istoé, de modo realista, entretanto, ele reconhecia aimportância do uso pleno da teoria como um tipode escada a assistir o químico para progredir deuma posição para outra em sua ciência.

Odling continuava céptico em relação aos átomos econcordava com Frankland que a continuidade ou adescontinuidade da matéria era uma questãometafísica.

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Oldling defendeu o argumento de que a hipóteseatômica foi induzida em demasia, a partir das leisdas combinações químicas. Com esta intenção,citou Davy, para quem estas eram simplesmentegeneralizações de fatos observados, semelhantesàs leis de Kepler do movimento planetário.

Os físicos Miller e Tyndall forneceramargumentos a favor de Williamson.

Nesta conferência a palavra final coube a Brodieque se referiu à teoria como desnecessária eperniciosa .

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Os debates de 1877 na Academia das Ciências de Paris

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Wurtz foi o principal defensor da hipóteseatômica na França. Em 1859, ele trocou a notaçãodos pesos equivalentes pela notação dos pesosatômicos. A partir de 1863, ele optou peloatomismo químico nas suas Leçons de ChimieProfessées, publicadas em 1864.

Na reunião de 1877, Wurtz afirmou que o usodos equivalentes não era nem mais empírico,nem mais consistente, que o uso dos pesosatômicos.

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Berthelot argumentou: Em minha opinião, estaquestão não tem a extrema importância que Wurtzparece lhe dar. O progresso da ciência Química nãoestá subordinado a uma mudança na notação quenão toca qualquer questão fundamental. [...] Quemviu realmente uma molécula ou um átomo?

Berthelot se opôs a reforma da notaçãorecomendada no congresso de Karlsruhe, epermaneceu firmemente comprometido, durante amaior parte da sua carreira, com o sistema defórmulas de um volume (água - HO, e H=1 e O=8),notação esta baseada nos pesos equivalentes.

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Marignac, em setembro de 1877,sugeriu que o atomismo foi demovido, especialmente na França, devido à estrutura centralizada da educação francesa e a influencia de anti-atomistas no curriculum nacional, livros escolares e exames de seleção.

A réplica de Berthelot se deu na forma de carta em dezembro de 1877 e foi publicada com o título – Sobre Sistemas de Notação Química.

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Oito anos depois Berthelot comentou: Não queroque os químicos acreditem na existência dosátomos como os cristãos acreditam na presença deCristo na hóstia.

Naquet respondeu que os átomos eram apenas umaajuda mental, que ninguém acreditava na sua realexistência, ao que Berthelot respondeu: Wurtz os vê.

Naquet assumiu uma posição semelhante àquela deOdling e Frankland e, portanto, do uso da hipótesecomo uma ficção útil ao trabalho. Berthelot concebiao atomismo como um sistema de convenções eWurtz considerava a hipótese atômica como umateoria física ontológica.

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Os Debates naAssociação Científica Germânica de Cientistas e Médicos em

Lübeck em 1895.

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Estavam presentes: Boltzmann, Ostwald, Helm,Viktor Meyer, Nernst, Sommerfeld, entre outros.

O enfoque principal do debate foi a questãohistórica da realidade física de átomos discretoscontra uma descrição de natureza contínuafundamentada no conceito de energia.

Duas conferências sobre energética foramrealizadas no evento, uma por Ostwald, deLeipzig e outra por Helm do Instituto Politécnicode Dresden.

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Defenderam a idéia de que a energia deveriasubstituir a matéria (massa) como o conceitofundamental da física teórica e que toda teoria física,para ser considerada cientificamente consistente everdadeira, deveria ser fundamentada nesteconceito.

Para o energetismo, a energia é a única entidadereal, no sentido ontológico, de todos os fenômenosnaturais.

Ostwald, na sua palestra - Emancipação doMaterialismo Científico, manteve como eixo da suaapresentação a idéia de que a visão mecânica denatureza deveria ser abandonada.

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Helm, na sua explanação, também defendeu que a visão mecânica de natureza fosse substituída pela visão energética do fenômeno natural.

Se opuseram a Ostwald e a Helm, entre os quais podemos citar Boltzmann, Klein, Nernst, e Sommerfeld entre outros.

Boltzmann escreveu vários ensaios renovando seus argumentos a favor da teoria cinético-molecular e do atomismo, incluindo o artigo Sobre a Necessidade da teoria atômica na Física.

Boltzmann reviu as vantagens epistemológicas, metodológicas e experimentais em usar a hipótese atomista, apesar de alguns dos seus inconvenientes.

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Conclusão1- Para Williamson, os átomos tinham existência real e

propriedades que podiam ser investigadas, sendo,portanto, uma hipótese verificável e não um artifíciológico, visto que o raciocínio e o suporte empíricopodiam ser guiados por ela.

2- Em 17 de setembro de 1873, o próprio Williamsonfez sua réplica em um encontro da AssociaçãoBritânica, em Bradford. Por mais duas vezes,Williamson ainda retornaria para uma defesa públicada teoria atômica antes de se retirar em 1887.

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• 3- Em relação ao convencionalismo deFrankland, Brodie e Williamson concordavamque era sem sentido empregar uma teoria, naqual não se acredita e se está disposto anegar, enquanto se explora seu sucessoplenamente, ou se aceitava o atomismoporque se acreditava que os átomos existiamou se rejeitava os átomos definitivamente.

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4 - Em 1875, no prefácio de La Chimie dans l’espace,van’t Hoff se referiu à hipótese atômica como sesegue: A hipótese de uma constituição atômica nãofornece somente uma forma concisa e simples dosfatos observados, não é apenas uma notaçãoengenhosa, mas uma teoria: a hipótese generaliza eprediz, esta é a marca de sua exatidão.

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5- Em 1870, a notação por equivalentes tinhadesaparecido das revistas especializadas emQuímica, exceto na França. Atomistas francesesalgumas vezes usavam a tática do químico orgânicoda Sorbonne, Friedel, que escrevia o dicloro-acetileno como C2H2Cℓ2 para o Berichte da SociedadeQuímica de Berlim e C4H2Cℓ2 para o Comptes rendusda Academia de Ciências de Paris.

6- Em 1890, Berthelot ainda escrevia a fórmula da águacomo HO, o que só mudou em 1891. Em 1897,Berthelot começou a usar as modernas fórmulasestruturais. Todavia, ele continuou a escreverbenzeno como C2H2 (C2H2) (C2H2) até 1898.

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6- Como foi visto, a hipótese atômica, apesar de empregada por vários químicos do século XIX, não desempenhava a mesma função nas suas teorias. Este fato foi discutido por químicos e físicos reconhecidos que tomaram atitudes muitas vezes antagônicas sobre o papel que a hipótese deveria representar nas teorias.

7- Foi empregada pelos químicos do sec. XIX de modoheurístico e ilustrativo. Muitas vezes seu uso tinhacaráter pragmático e utilitário, sem qualquercomprometimento com uma realidade atômica.

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