os credores, o estado e os interesses privados … · aprofundamento do estudo da reorganização...

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO PARANÁ CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS E SOCIAIS - CCJS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO - PPGD ANDRÉ ZACARIAS TALLAREK DE QUEIROZ OS CREDORES, O ESTADO E OS INTERESSES PRIVADOS DIANTE DA EMPRESA EM RECUPERAÇÃO JUDICIAL CURITIBA 2008

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO PARANÁ

CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS E SOCIAIS - CCJS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO - PPGD

ANDRÉ ZACARIAS TALLAREK DE QUEIROZ

OS CREDORES, O ESTADO E OS INTERESSES PRIVADOS

DIANTE DA EMPRESA EM RECUPERAÇÃO JUDICIAL

CURITIBA

2008

ANDRÉ ZACARIAS TALLAREK DE QUEIROZ

OS CREDORES, O ESTADO E OS INTERESSES PRIVADOS

DIANTE DA EMPRESA EM RECUPERAÇÃO JUDICIAL

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Direito da Pontifícia Universidade Católica do Paraná, como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Direito.

Orientadora: Prof. a Dr.a Marcia Carla Pereira Ribeiro

CURITIBA

2008

ANDRÉ ZACARIAS TALLAREK DE QUEIROZ

OS CREDORES, O ESTADO E OS INTERESSES PRIVADOS

DIANTE DA EMPRESA EM RECUPERAÇÃO JUDICIAL

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Direito da Pontifícia Universidade Católica do Paraná, como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Direito.

COMISSÃO EXAMINADORA

Prof.a Dr.a Marcia Carla Pereira Ribeiro

Orientadora - Pontifícia Universidade Católica do Paraná

Prof. Dr. Fábio Leandro Tokars

Convidado-UNICURITIBA

Prof.a Dr.a Fabiane Lopes Bueno Netto Bessa

Membro-PPGD

Curitiba, 15 de fevereiro de 2008.

Para minha esposa Halline e para Júlia, minha filha,

Com amor

AGRADECIMENTOS

A Deus, por dar-me forças e luz em todos os momentos.

À minha orientadora, professora doutora Marcia Carla Pereira Ribeiro, que, com sua sabedoria,

paciência e rigor, soube auxiliar-me no trabalho de forjar esta pesquisa.

À PUCPR, pelo ambiente acadêmico privilegiado, onde me sinto sempre bastante acolhido

para os estudos desde o ano de 1996, e onde tenho o privilégio de atingir mais uma

conquista no meu trajeto acadêmico.

À Secretaria do PPGD, na pessoa de Eva e Isabel, pelos serviços prestados aos mestrandos.

Ao PPGD, na pessoa de todos os professores com quem cursei os créditos do mestrado,

bem como aos amigos e colegas do programa, pelo companheirismo.

À prima e advogada Olga Maria de Queiroz Krieger, pela leitura atenta dos manuscritos.

Aos meus pais, Luiz Fernando de Queiroz e Elin Tallarek de Queiroz, e à minha irmã Luise

Tallarek de Queiroz, pelo incentivo e estímulo à coragem de seguir em frente.

À minha esposa, Halline Digner de Queiroz, pela sua paciência e amor.

RESUMO

Exame das pretensões dos agentes afetados pela crise da empresa, entre eles as instituições financeiras, os fornecedores, os trabalhadores, a comunidade, o Estado e o devedor. Para tanto, analisam-se elementos específicos da Lei de Recuperação de Empresas, Lei n.o 11.101/05 (LRE), verificando sua adequação à principiologia de recuperar a atividade econômica em crise, protegendo empregados e a fonte produtora de riquezas, que é benéfica à sociedade e ao Estado, sem prejuízo do resguardo aos credores. Estuda-se a intervenção estatal no âmbito econômico, empresarial e da recuperação judicial. Reflete-se sobre a relação entre os agentes privados entre si e com a economia. Identificam-se conflitos provenientes da insolvência, pontuando indicativos de tensão de interesses. Investigam-se as melhorias de eficácia e bem-estar social do sistema, mediante enfoque de direito econômico. Revisa-se a bibliografia nacional, com pontuais incursões em direito comparado canadense e norte-americano. Consolida-se o entendimento do progresso do sistema legal vigente, atestando, porém, críticas às exigências judiciárias, legais e à manutenção de certos privilégios creditícios. Contribui-se na discussão do papel do Judiciário e do mercado na proteção e resgate de empresas em dificuldades e seus impactos econômicos e sociais. Palavras-chave : Crise econômico-financeira da empresa; recuperação judicial; conflito

de interesses; Estado; agentes privados; comunidade.

ABSTRACT

This dissertation examines the diverse interests of the economic agents faced with the economical and financial crisis of the company, which include, among others, banks, suppliers, workers, the debtor, the community and the State. Specific elements of the Brazilian Law of Reorganization and Bankruptcy - Federal Law 11.101/2005 – (LRE) are analyzed, verifying its adequacy to its primordial objective of reorganizing the viable company in crisis, as well as protecting the productive source of wealth that is beneficial to the society, without inflicting damage to the interest of creditors. It studies the intervention of the State in the economy, in the business and in reorganization. Some reflections are made on the relationship between the diverse private agents and the economy. The conflicts of interests of the company in difficulty are identified and some devices of the LRE are analyzed. The existence of efficiency and welfare improvements are analyzed LRE, from law and economics point of view. The method used is national bibliographical revision, with studies in comparative Canadian and American law. The dissertation consolidates the view that the Brazilian legal system has undergone major improvements. One must certify, however, that the legal judiciary requirements to reorganize the company and the maintenance of certain credit privileges still make it difficult for the majority of companies in distress to recover. The work also contributes to the controversy concerning the role of the State and Judiciary in the protection and the rescue of companies in difficulties. The thesis contributes in the interpretation of the LRE in the Brazilian legal system, concerning the diverse interests involved. Keywords : Economical and financial crisis of the corporation; judicial reorganization;

conflict of interests; State; private agents; community.

LISTA DE ABREVIATURAS

BCB/BACEN - Banco Central do Brasil

BIA - Canadian Bankruptcy and Insolvency Act

CADE - Conselho Administrativo de Defesa da Concorrência

CC - Código Civil

CCAA - Companies Creditor´s Arrangement Act

CLT - Consolidação das Leis Trabalhistas

CR, CF - Constituição da República Federativa do Brasil

GATT - General Agreement on Tariffs and Trade

LRE - Lei de Recuperação de Empresas e Falências - Lei Federal n.o 11.101/2005

RDPE - Revista de Direito Público da Economia

RT - Revista dos Tribunais

STJ - Superior Tribunal de Justiça

STF - Supremo Tribunal Federal

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ................................................................................................. 11

2 O ESTADO COMO INTERVENTOR NA ORDEM ECONÔMICA .................. 17

2.1 ESBOÇO DOS MODELOS DE ESTADO E SUA RELAÇÃO COM A

LIVRE INICIATIVA ....................................................................................... 21

2.1.1 Estado liberal ........................................................................................... 23

2.1.2 Estado socialista ..................................................................................... 26

2.1.3 Estado providência ou estado social .................................................... 27

2.1.4 Mais relações entre estado e livre iniciativa ........................................ 30

2.2 INTERVENÇÃO DO ESTADO NA ORDEM ECONÔMICA E RECUPE-

RAÇÃO DA EMPRESA ............................................................................... 32

2.2.1 Na Constituição Federal ......................................................................... 34

2.2.1.1 No artigo 170 da Constituição Federal .................................................. 34

2.2.1.2 Demais dispositivos constitucionais ...................................................... 36

2.2.1.3 Exemplos de julgados sobre intervenção estatal na economia ............ 37

3 CARACTERÍSTICAS DO DIREITO E ECONOMIA E OS AGENTE S

PRIVADOS ...................................................................................................... 40

3.1 ESBOÇO GERAL ........................................................................................ 40

3.2 LIMITES DA INFLUÊNCIA DOS PARTICULARES NA ECONOMIA ......... 46

3.3 EXTERNALIDADES .................................................................................... 47

3.4 O TEOREMA DE COASE ........................................................................... 48

4 PRESSUPOSTOS CONCEITUAIS DO PRINCÍPIO DA RECUPERA ÇÃO

DA EMPRESA E OS INTERESSES DOS PARTÍCIPES ................................ 52

4.1 ESBOÇO DAS TEORIAS – CONTRATUALISMO E INSTITUCIONALISMO ... 53

4.1.1 Teoria contratualista ............................................................................... 53

4.1.2 Teoria institucionalista ........................................................................... 56

4.2 TEORIA DA EMPRESA OU TEORIA SUBJETIVA MODERNA ................. 58

4.3 VIABILIDADE DE RECUPERAÇÃO DA EMPRESA EM CRISE ................ 61

4.3.1 Crise econômica e financeira ................................................................ 64

4.3.2 Viabilidade financeira e crise econômica ............................................. 66

4.3.3 Viabilidade econômica e temporária crise financeira ......................... 66

4.3.4 Viabilidade econômica e financeira ...................................................... 68

4.4 FUNÇÃO SOCIAL DA EMPRESA .............................................................. 69

4.5 BREVES BASES FILOSÓFICAS SOBRE A RECUPERAÇÃO DA

EMPRESA EM CRISE ................................................................................. 70

4.6 INTERESSE GOVERNAMENTAL, COMUNITÁRIO E PRIVADO .............. 73

5 OS INTERESSES PRIVADOS E A RECUPERAÇÃO JUDICIAL .................. 76

5.1 O INTERESSE DOS CREDORES EM ESPÉCIE FRENTE À EMPRESA

EM RECUPERAÇÃO .................................................................................. 78

5.1.1 Fornecedores ........................................................................................... 80

5.1.2 Credores excluídos e/ou com privilégios em re lação ao plano de

recuperação - comentário e crítica ........................................................ 86

5.1.3 Acionistas e quotistas ............................................................................ 90

5.1.4 Os trabalhadores ..................................................................................... 92

5.1.5 A comunidade em geral e a comunidade diretamente af etada .......... 98

5.1.6 O Fisco ...................................................................................................... 104

5.2 OS INTERESSADOS NA RECUPERAÇÃO JUDICIAL – DIREITO

COMPARADO ............................................................................................. 108

5.2.1 Nos Estados Unidos - introdução ......................................................... 108

5.2.1.1 Verificação da legislação ....................................................................... 110

5.2.1.2 Estudo de caso ...................................................................................... 111

5.2.1.2.1 Caso de prevalência do interesse social - Carabetta Enterprises Inc ...... 111

5.2.2 No Canadá ................................................................................................ 113

5.2.2.1 Verificação da legislação ....................................................................... 114

5.2.2.2 Estudo de caso - Recuperação da Air Canada (AC) ............................. 116

6 O CONFLITO DE INTERESSES NA RECUPERAÇÃO DA EMPRES A ........ 126

6.1 ESBOÇO HISTÓRICO DO CONFLITO DE INTERESSES NA

INSOLVÊNCIA ............................................................................................. 126

6.2 AVALIAÇÃO DOS CONFLITOS DE INTERESSE NA LEI N.o 11.101/05 ...... 130

6.2.1 O plano de recuperação ......................................................................... 135

6.2.2 A possibilidade de obrigar os credores dissidentes à aceitação

do plano de recuperação ........................................................................ 139

6.2.3 Recuperação da empresa e créditos não abrangidos ......................... 143

7 AVALIAÇÃO DO MODELO BRASILEIRO DE RECUPERAÇÃO DA

EMPRESA ....................................................................................................... 147

7.1 PAPEL DO JUDICIÁRIO X PAPEL DO MERCADO ................................... 147

7.2 EFEITOS ECONÔMICOS E A LEI DE RECUPERAÇÃO ........................... 150

7.2.1 Aproximação do pleno emprego ........................................................... 153

7.2.2 Preservação da receita pública ............................................................. 155

7.2.3 Preservação da atividade econômica viável ........................................ 156

7.2.4 Busca da eficiência ................................................................................. 159

7.2.5 Redução de impactos sociais negativos .............................................. 161

CONCLUSÃO ........................................................................................................ 165

REFERÊNCIAS ...................................................................................................... 173

11

1 INTRODUÇÃO

A entrada em vigor da Lei Federal n.o 11.101/051 (LRE), que revogou o

Decreto-Lei n.o 7.661/452, possibilitou novos questionamentos3 sobre a relação entre

o Estado e os interesses privados perante a empresa em crise, justificando o

aprofundamento do estudo da reorganização da empresa viável e dos conflitos de

interesses dali decorrentes. A insolvência empresarial e o pedido de processamento

judicial da recuperação instauram conflitos de pretensões jurídicas, que serão

averiguadas neste trabalho.

Urge investigar, na LRE, na doutrina nacional e no direito comparado, as pretensões

de cada parte e o potencial conflito de interesses diante da sociedade empresária em

estado de dificuldades financeiras e/ou insolvente. Sob esse enfoque, indaga-se sobre

o grau de proteção conferido a cada um dos interesses pela LRE, bem como se a recupe-

ração da empresa deve ser uma questão de interesse preponderantemente público4

1 BRASIL. Lei n.o 11.101, de 9 de fevereiro de 2005. Regula a recuperação judicial, a extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária. Diário Oficial da União , Edição Extra, Brasília, DF, 09 fev. 2005.

2 O Decreto-Lei n.o 7.661/45 regulou a falência e a concordata no Brasil por aproximadamente 60 anos.

3 Estas dúvidas, naturais aos operadores do direito, costumam surgir na promulgação de um novo diploma legal, somado ao fato de que esse vinha sendo preparado desde 1993, e ansiado pelos doutrinadores há ainda mais tempo. Um outro motivo das dúvidas decorre das inovações trazidas pelo diploma (Lei n.o 11.101/2005), que serão analisadas sob o estrito enfoque do tema proposto.

4 A utilização do termo "preponderantemente" tem sua justificativa. A dicotomia "público-privado" vem sendo questionada através de tendências à publicização ou constitucionalização do direito privado. A despeito de se estar ciente do perigo da utilização desta dicotomia, bem como se estando a par da profunda crise em que se encontra esta divisão notadamente didática do direito, adota-se neste trabalho, em alguns momentos, essa separação, para contrastar mais facilmente os interesses, ou mesmo enfatizar como estão mesclados o público e o privado diante da empresa em recuperação. Sobre a dicotomia em si, ver, entre outros: NEGREIROS, Teresa. A dicotomia público-privado frente ao problema da colisão de princípios. In: TORRES, Ricardo Lobo (Org.). Teoria dos direitos fundamentais . 2.ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p.343 e segs. Entendendo que a tendência à publicização do direito privado seja "fato do passado": COELHO, Fábio Ulhoa. Reforma do estado e direito concorrencial. In: SUNDFELD, Carlos Ari (Coord.). Direito administrativo econômico . 2.ed. São Paulo: Malheiros, 2006. p.191.

12

ou de interesse privado.5 Ademais, perquire-se se o Estado deve ou não intervir

diretamente em questões que digam respeito à preservação das empresas em

dificuldades financeiras. Discute-se até que ponto os credores têm ou devem ter a

total prerrogativa sobre as decisões relativas à recuperação da empresa ou à sua

falência. Finalmente, examinam-se também quais os interesses públicos que influenciam

ou deveriam influenciar o processo de recuperação da empresa e se esses interesses

públicos se justificam ante o argumento da prevalência da eficiência do próprio mercado.

Estudam-se quais os limites que devem ser concedidos aos credores, ao Judiciário e

ao empresário, perante a empresa em dificuldades financeiras. Estas as linhas gerais

de questionamentos que embasarão o desenvolvimento deste estudo.

O capítulo 2 trata do Estado como interventor direto na economia. Sendo

vasto tema, a abordagem estará limitada ao estritamente necessário à introdução da

problemática sobre quais os limites da intervenção do Estado na economia e a livre

iniciativa, e de que forma o direito à recuperação das empresas viáveis pode ser

exercido com o auxílio do aparato da Administração Pública. Em suma, a introdução

ao tema da intervenção do Estado na economia embasará considerações posteriores,

em que se examinará o papel do Judiciário, do Poder Executivo e do Poder Judiciário

na concretização de certos princípios da LRE.

O capítulo 3 observa os efeitos que os particulares, sejam eles pessoas físicas

ou sociedades empresárias, exercem na economia. Adotando o instrumental de

análise do "direito e economia", tem-se por objetivo avaliar como os entes privados,

entendidos como em oposição ao aparato estatal, influenciam o setor econômico,

especialmente para estudo dos fatores externos à recuperação das empresas em crise.

O capítulo 4 repassa diversos pressupostos conceituais da recuperação

judicial das empresas em crise, tais como as teorias sobre o interesse societário

(contratualistas e institucionalistas); a teoria da empresa, ainda útil ao estabelecer

5 O Direito não tem de ser exclusivamente e exaustivamente público ou privado e dificilmente poderá sê-lo. Entre os dois pólos, público e privado, existe uma graduação, uma transição fluida de regulações predominantemente públicas ou predominantemente privadas, em que os interesses público e privado se entrelaçam e se compatibilizam – ou têm de ser compatibilizados – porque coexistem sem se excluírem (VASCONCELOS, Pedro Pais. Teoria geral do direito civil . 3.ed. Coimbra: Almedina, 2005. p.7).

13

critérios da sujeição à recuperação judicial; a função social da empresa; os princípios

de caráter filosófico que subjazem aos interesses perante a empresa em crise e uma

discussão concisa sobre o interesse público e suas possíveis divisões, bem como o

interesse da comunidade e dos particulares.

O capítulo 5, por sua vez, indica as motivações dos principais agentes perante a

empresa em recuperação. Entende-se por agentes interessados, especialmente:

fornecedores do devedor; os credores com garantias reais e os credores financeiros;

os sócios; os trabalhadores; a comunidade interessada e o Fisco.

O capítulo 6 investiga alguns casos de conflitos de interesses perante a

recuperação da empresa, bem como o histórico dos conflitos de interesses, que têm

invariavelmente pendido entre uma proteção direcionada à dualidade "devedor ou

credor". Procura-se avaliar os conflitos de interesses presentes na LRE, especialmente

perante a votação do plano de recuperação.

O capítulo 7 tem como meta a avaliação do modelo de recuperação judicial de

empresas da Lei n.o 11.101/05. Os principais aspectos delineados são: o papel do

Judiciário versus o papel do mercado, e os efeitos econômicos propostos pela LRE

perante a empresa em dificuldades; busca-se analisar sucintamente se estes objetivos

foram ou não alcançados. Por fim, a conclusão procura sintetizar as principais

considerações desenvolvidas ao longo da dissertação.

A temática da recuperação da empresa é tratada sob o enfoque da "atividade

econômica organizada para a produção ou circulação de bens ou serviços", e não sob

o prisma do empresário (diretores, na sociedade anônima, ou sócios, na sociedade

limitada), e nem sob o ponto de vista dos tipos de sociedades empresárias. Portanto,

fica claro que, independentemente das dificuldades que surjam na averiguação das

situações propostas a seguir, a LRE pretende recuperar a geração de riquezas, ou a

organização humana que gere riquezas na sociedade, e não necessariamente proteger

o empresário displicente, nem uma pessoa jurídica com constituição inviável.

Apesar do disposto acima, a LRE, em seu artigo primeiro,6 ao indicar os agentes

econômicos que serão disciplinados pela lei, não estabelece a "recuperação da

atividade econômica", mas apenas disciplina a recuperação do empresário e da

6 Art. 1.o Esta Lei disciplina a recuperação judicial, a recuperação extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária, doravante referidos simplesmente como devedor.

14

sociedade empresária. Todavia, como se verá no desenvolvimento deste trabalho,7 o

objetivo da norma é a proteção da atividade econômica viável.

Apesar de sujeito a controvérsias em tempos passados,8 hoje se aceita com

menores dificuldades que o direito falimentar brasileiro é um misto de direito material

e direito processual. Quanto ao direito material, este possui forte entrelaçamento de

matérias de direito comercial, civil9, trabalhista10, tributário11, entre outras. Já o aspecto

processual do direito falimentar tem regras específicas na própria lei falimentar,

sendo o Código de Processo Civil de aplicação subsidiária.12 Por relevantes que sejam

as disposições processuais falimentares, o corte epistemológico do trabalho será restrito

ao exame dos fundamentos e pressupostos existentes no direito da recuperação da

empresa e das pretensões dos credores e interessados, visando solucionar os questio-

namentos aqui apresentados. Deixa-se, portanto, de dissecar e repassar o procedimento

da recuperação judicial, da recuperação extrajudicial e da falência.

O método de verificação, utilizado no trabalho, não aborda isoladamente os

institutos jurídicos do sistema de recuperação de empresas. Esta é uma técnica

interpretativa bastante utilizada, consiste em isolar as diversas figuras jurídicas,

tratando-os estaticamente, de forma a acompanhar o sumário da legislação que se

comenta. Desta forma, poder-se-ia tratar do direito da recuperação da empresa a

partir de tópicos da LRE como: "verificação e habilitação de créditos"; "administrador

judicial"; "comitê de credores", "Assembléia Geral de Credores", e assim por diante.

7 Vide, por outro lado, o artigo 47 da Lei n.o 11.101/2005.

8 Vide resumo sobre a discussão da natureza jurídica da falência em: SIMIONATO, Frederico Augusto Monte. A reforma da lei de falências frente à reorganização econômica da empresa. Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro – RDM, n. 108, São Paulo, Malheiros, out-dez 1997. São Paulo: Malheiros Editores, p.34-37.

9 Especialmente quanto à remissão às matérias civis e societárias, o principal dispositivo da LRE que o faz é o art. 50 da lei.

10 Por exemplo: vide art. 6.o, § 2.o e 5.o; art. 10, § 1.o; art. 37, § 5.o; art. 41, I; art. 47; art. 51, IX; art. 54 e parágrafo único; art. 76; art. 83, I e VI, c, e § 4.o; art. 84, I; art. 141, II e § 2.o; art. 145, § 2.o; art. 151; 161, § 1.o; entre outros, todos da Lei n.o 11.101/2005.

11 Entre direito material e processual, a LRE trata em muitos pontos de questões tributárias: art. 6.o, § 7.o; art. 57; art. 60, parágrafo único; art. 68; art. 83, III e VII; 141, II; 161, § 1.o; entre outras.

12 Além de toda a matéria processual constante na própria Lei n.o 11.101/2005, a lei faz muitas referências ao Código de Processo Civil para aplicação subsidiária (art. 10, § 6.o; art 19; art. 59, § 1.o; art 82; art 134; art 142, § 3.o; art 161, § 6.o; art. 197 e especialmente o artigo 189.).

15

Apesar da forma sistemática desse método, a presente pesquisa adota diverso

enfoque, ao fornecer uma visão concentrada nas pretensões dos credores e dos

interessados, por ocasião da instauração de dificuldades financeiras da empresa,

sob o ponto de vista do direito nacional, com alguns comentários em direito comparado.

Procura-se examinar algumas tensões entre grupos de interessados, seja antes,

durante e depois da ocorrência de uma situação de dificuldades financeiras na

empresa. Relega-se, portanto, a explanação pormenorizada acerca dos órgãos da

recuperação e falência a outros estudos.

As razões da escolha do direito comparado – Estados Unidos e Canadá –

decorrem da constatação de que os Estados Unidos, mesmo sob diverso sistema

jurídico, denominado de common law, em que se destaca o papel do precedente

jurisprudencial, exerceram forte influência na confecção da legislação falimentar

brasileira.13 De igual modo, mesmo não compartilhando o sistema de civil law (de direito

civil) com o Brasil, inegável que os Estados Unidos continuam imprimindo considerável

influência em todas as questões de relevo14 no mundo15, inclusive na área jurídica,

com seu famoso Chapter 11.16 Examinar as práticas utilizadas nos Estados Unidos,

sem com isto menosprezar as idéias e vissicitudes nacionais, enriquece o estudo da

realidade social brasileira, por meio de eventuais sugestões de melhorias legislativas.

13 O substitutivo do senador Ramez Tebet, que substituiu o projeto em muitos pontos se inspirou no direito norte-americano, encabeçado pelo deputado Osvaldo Biolchi, que se baseara mais na legislação francesa. Com base em Tullio Ascarelli, nota supra, refuta-se a idéia de que seja um "colonialismo" ou "imitação" a utilização de idéias e soluções de direito comparado de países com nível de desenvolvimento superior, desde que guardadas as peculiaridades regionais. Vide: FARRACHA DE CASTRO, Carlos Alberto. Colonialismo jurídico e a reforma do direito falimentar. Revista de Direito Privado , São Paulo, n.12, p.92-105, out./dez. 2002.

14 Anote-se, inclusive, que a tendência de se procurar aumentar a força vinculante dos precedentes judiciais superiores, no direito brasileiro, é clara manifestação desta influência do common law (vide art. 103-A, da Constituição Federal, incluído pela Emenda Constitucional 45, de 2004).

15 Para uma visão crítica desta forte influência do direito norte-americano nos ordenamentos jurídicos de outros países, vide a obra coletiva L'americanization du droit . Archives de philosophie du droit, Paris: Dalloz, 2001. t.45.

16 United States Bankruptcy Code 11, United States Code (as amended through Nov. 30, 2004, Pub. L. 108-428), ou, em tradução livre, Código de Falências dos Estados Unidos, capítulo 11.

16

A escolha da legislação canadense se deve a motivações particulares do

autor, que residiu naquele país por um ano, e também pelo caráter peculiar do Canadá,

que, com o Brasil, se assemelha na dimensão e riqueza do território. Embora

colonizado inicialmente por franceses, de tradição legislativa românica, o Canadá,

com exceção do estado do Québec, consolidou-se no common law. Sua legislação de

insolvências possui similitudes com o sistema americano. Examinar, sem quaisquer

pretensões de completude, elementos pontuais de seu sistema de recuperação de

empresas, poderá interessar ao jurista brasileiro, especialmente na ilustração do

caso da recuperação da Air Canada, pela aproximação que possui com a primeira

relevante utilização da LRE no Brasil, a recuperação judicial da Varig. Tanto no

sistema norte-americano, como no sistema canadense, optou-se trazer a exposição

de um caso de destaque para o tema, de forma a ilustrar mais concretamente a

conjugação dos interesses em ação, diante da empresa em recuperação. Além dos

casos apresentados, não se pretendeu repassar todo o arcabouço de recuperação de

empresas de cada país, mas apenas destacar os principais elementos da legislação

destes países.

A dissertação, ao concentrar-se no estudo das pretensões dos credores, dos

demais interessados e do Estado diante da empresa em crise e em recuperação

judicial, busca trazer novos ângulos para reflexões acerca do tema da recuperação

empresarial.

17

2 O ESTADO COMO INTERVENTOR NA ORDEM ECONÔMICA

A importância de se manter a atividade econômica produtiva decorre da

importância ímpar da empresa para a sociedade. Comparato chega a afirmar que:

Se se quiser indicar uma instituição social que, pela sua influência, dinamismo e poder de transformação, sirva de elemento explicativo e definidor da civilização contemporânea, a escolha é indubitável: essa instituição é a empresa. É dela que depende, diretamente, a subsistência da maior parte da população ativa deste país, pela organização do trabalho assalariado. A massa salarial já equivale, no Brasil, a 60% da renda nacional. É da empresa que provém a grande maioria dos bens e serviços consumidos pelo povo, e é delas que o Estado retira a parcela maior de suas receitas fiscais. É em torno da empresa, ademais, que gravitam vários agentes econômicos não assalariados, como os investidores de capital, os fornecedores, os prestadores de serviço. Mas a importância social dessa instituição não se limita a esses efeitos notórios. Decisiva é hoje, também, sua influência na fixação do comportamento de outras instituições e grupos sociais que, no passado ainda recente, viviam fora do alcance da vida empresarial.17

Continua Comparato, ao destacar ainda mais a importância social das empresas:

No direito positivo, o reconhecimento da função social de certas empresas é indubitável. Tradicionalmente, algumas atividades empresariais não podem ser encetadas sem que preceda uma autorização do Poder Público, tendo em vista a relevância do empreendimento no que tange ao interesse nacional – econômico, social ou político. É o caso das instituições financeiras, dos agentes do mercado de capitais e das sociedades seguradoras; das empresas de armamentos e das localizadas na faixa de fronteira, das empresas jornalísticas ou de rádio-telecomunicação. Ademais, mesmo quando inexistente a imposição de autorização administrativa prévia, outras muitas empresas desenvolvem atividade considerada socialmente relevante, sujeitando-se ou não à fiscalização do Poder Público, como os estabelecimentos privados de ensino, os hospitais, as indústrias alimentares.18

Constituindo-se a empresa ímpar para a economia, revela-se vital que seja

relacionada ao estudo da intervenção do Estado no domínio econômico, preparando

o entendimento dos itens e capítulos seguintes.

17 COMPARATO, Fábio Konder. A reforma da empresa. Direito empresarial : estudos e pareceres. São Paulo: Saraiva, 1995. p.37. Publicado primeiramente em Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro, Ano XXII, n. 50, abr/jun. 1983.

18 COMPARATO, A reforma ..., p.8.

18

A intervenção do Estado na economia pode ser conceituada como "todo ato

ou medida legal que restringe, condiciona ou suprime a iniciativa privada em dada área

econômica, em benefício do desenvolvimento nacional e da justiça social, assegurados

os direitos e garantias individuais".19 O fato de que o Estado exerce considerável

influência na economia parece bastante evidente para o homem contemporâneo,

sendo difícil conceber-se um Estado ausente, meramente político ou mínimo, que

se preocupasse somente com sua estrutura, defesa externa e outras atividades

não diretamente relacionadas com a economia. Mesmo numa concepção de Estado

mínimo, exerce o Estado sua influência na economia, mas predominantemente na

forma indireta.20

Segundo Fonseca,

o fenômeno da concentração do poder econômico nas mãos de uns poucos veio trazer a necessidade de o Estado intervir para sanar a crise do liberalismo econômico, salvando a liberdade de iniciativa. Assinale-se que o Estado não interveio para coibir a liberdade econômica das empresas, mas para garanti-la mais concreta e efetivamente.21

Continua Fonseca em sua análise:

[...] há que assinalar-se também a (influência) que provém da situação de crise do Estado moderno, no que tange ao desempenho no domínio econômico. A uma situação de entusiasmo com o chamado Estado empreendedor sucede uma posição de desconfiança e descrédito principalmente pela baixa eficiência comprovada. Surge assim nos países ocidentais um movimento de reprivatização da atividade econômica, bem como a pergunta sobre qual deva ser o novo papel do Estado numa economia de mercado. Surge então a árdua tarefa de redefinir o papel do Estado de forma a ajustá-lo às exigências dos novos tempos. Essa mudança da forma de desempenho no âmbito da economia deverá provir de uma substancial alteração da concepção filosófica do Estado. Será preciso compreender que o Estado não tem mais uma postura de dirigente ou impulsionador da economia, mas incumbe-lhe assumir o papel de facilitador da atuação da empresa. Incumbe-lhe, antes de mais nada, estar ao serviço da sociedade, em vez de procurar assumir a direção de seus rumos.22

19 GASPARINI, Diógenes. Direito administrativo . São Paulo: Saraiva, 2001. p.614.

20 O fato de o Estado se retirar de exercer diretamente uma atividade não significa a redução do intervencionismo estatal. Intervenção indireta significa a atuação do Estado no fomento, regulamentação, monitoramente, mediação, fiscalização, planejamento e ordenação da atividade econômica. Vide MARQUES NETO, Floriano Azevedo. A nova regulação estatal e as agências independentes. In: SUNDFELD, Carlos Ari (Coord.). Direito administrativo econômico . São Paulo: Malheiros, 2006. p.74.

21 FONSECA, João Bosco Leopoldino. Direito econômico . Rio de Janeiro: Forense, 1996. p.179.

22 FONSECA, op. cit., p.185-186.

19

Barroso23, discorrendo acerca da intervenção do Estado no domínio econômico,

vislumbra-a como uma atividade que pode ser regulatória24, concorrencial25,

monopolista26 ou sancionatória. Esquematizando o pensamento de Barroso,27 tem-se a

seguinte classificação da intervenção do Estado nas relações econômicas privadas:

Pelo poder disciplinar :

- Edição de leis

- Poder de polícia

- Competências normativas de cunho administrativo

Pelo fomento :

� Incentivos à iniciativa privada

- Incentivos fiscais

Pela intervenção direta :

� Exploração de atividade econômica

� Prestação de serviços públicos

- Por delegação

• Concessão e permissão

• Terceirização

- Franquia e contrato de gestão

- "Diretamente"

23 BARROSO, Luís Roberto. Temas de direito constitucional . Rio de Janeiro: Renovar, 2003. Tomo II, artigo: Agências reguladoras. Constituição, transformação do Estado e legitimidade democrática, p.279.

24 A atividade regulatória estatal aumenta à medida que diminui a atuação direta do Estado sobre a economia. Isto se explica porque ao deixar o Estado de prover o bem ou serviço de relevância social, deverá ter que exercer algum controle sobre esta atividade, sob pena de negligenciar o controle de uma atividade essencial e relevante ao interesse coletivo. Conf.: MARQUES NETO, op. cit., p.75. Vide art. 174 da Constituição Federal: Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado.

25 Vide art. 173 da Constituição Federal.

26 Vide art. 177 da Constituição Federal.

27 BARROSO, Temas de direito ..., p.279 e sgs.

20

• Pelos órgãos da Administração

- "Indiretamente"

• Entidades com personalidade jurídica própria

- Pessoas jurídicas públicas – autarquias e fundações públicas

- Pessoas jurídicas privadas – sociedades de economia mista e

empresas públicas

O quadro esquemático acima, bem como outras28 classificações possíveis,29

sem pretensão de completude, procura fornecer uma visualização geral da ação do

Estado no domínio privado, facilitando o exame da conjugação da livre iniciativa na

persecução dos interesses dos particulares, de um lado, e a intervenção do Estado

nas questões econômicas relativas à crise do empresário, de outro. Igualmente, a

importância de se esboçar a interferência do Estado na economia evidencia a relevância

do Estado como interessado na consecução de determinadas atividades. E estas

atividades denominadas estatais interventoras na economia deverão ter, muitas vezes,

reflexos nos interesses de outros agentes, os particulares, especialmente frente a

uma empresa em crise e em recuperação.

Importa que se compreendam as razões ideológicas para a maior ou menor

interferência do Estado na economia. Fábio Ulhoa Coelho30 parte dos sistemas

marxistas e liberais como principais elementos ideológicos de análise. Pela ótica

marxista, o Estado serve como instrumento de luta de classes. Diante disso

[...] quando o capitalismo está em perigo, a burguesia, para o salvar, lança mão dos instrumentos de lutas de classes. O principal deles é o Estado. Assim, o Estado não é mais ou menos intervencionista em função de critérios científicos, econômicos ou em função de opções livres que pessoas

28 Vide desenvolvimento do tema, com muitas referências bibliográficas, em: VENÂNCIO FILHO, Alberto. A intervenção do estado no domínio econômico . Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1968. p.5-20. Embora sob a Constituição anterior, seus estudos introdutórios e históricos acerca da intervenção do Estado no domínio econômico continuam de grande validade.

29 Outras classificações: MARIA SOBRINHO, Ricardo Kleine. Perfil constitucional das contribuições de intervenção no domínio econômico . 2006. Dissertação (Mestrado) - UFPR, Curitiba, 2006. p.95, para quem as intervenções do Estado na economia podem ser assim divididas: "(i) o artigo 173 refere-se à intervenção direta por participação, (ii) o 177, à intervenção direta por absorção, (iii) o 174, às intervenções indiretas por indução e por direção e (iv) o 175, ao serviço público que, pertencendo à esfera mais ampla de atividades econômicas efetuadas pelo Estado, aparta-se da intervenção stricto sensu". Vide também FONSECA, op. cit., p.198-204, dividindo em intervenção direta e indireta, VENÂNCIO FILHO, op. cit., p.69.

30 COELHO, Reforma do estado..., p.191 e segs.

21

tomam reunidas em assembléias constituintes. O Estado é mais ou menos intervencionista em função das necessidades de preservação do sistema econômico dominante.31

Esta intervenção estatal na economia, ainda sob a análise marxista, seria

uma forma de o sistema capitalista fornecer à sociedade algumas das promessas do

socialismo, sem que a sociedade necessite sucumbir àquele sistema. Uma vez

cessado o perigo de se implantar perenemente os sistemas socialistas pelo mundo,

não mais é necessário um Estado provedor; ocorre então o fenômeno da retração do

Estado, inclusive desincumbindo-se de diversos custos sociais.

Sob a análise da ideologia liberal, Coelho assim expõe a questão da alteração

do tamanho do Estado:

O economista liberal diria, portanto, que o Estado está reduzindo porque, caso não o fizesse, as empresas brasileiras não iriam encarar a competição com as empresas internacionais, que vivem num cenário liberal. Num mundo globalizado, estas empresas são as nossas concorrentes. Se o empresário brasileiro deve pagar mais contribuições sociais para a Previdência, ele não pode praticar preço competitivo com os dos seus concorrentes globais. A globalização força a reliberalização do Estado, na visão dos teóricos liberais.32

Independentemente da análise, seja ela marxista ou liberal, acrescenta-se

que a intervenção do Estado na economia depende também destes fatores ideológicos,

que subjazem às necessidades e interesses econômicos mais evidentes.

2.1 ESBOÇO DOS MODELOS DE ESTADO E SUA RELAÇÃO COM A LIVRE

INICIATIVA

Sem se adentrar propriamente na história das constituições brasileiras, pode-se

afirmar que a Constituição de 1988 tem cunho eminentemente econômico.33 Por ser

31 COELHO, Reforma do estado..., p.192.

32 COELHO, Reforma do estado..., p.193.

33 Vide GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na constituição federal de 1988 . 11.ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2006. p.85-87, em que tece críticas ao conceito de Constituição Econômica; ou ainda, sobre o tema: MOREIRA, Vital. Economia e constituição : para um conceito de constituição económica. 2.ed. Coimbra: Coimbra Editora, 1979.

22

uma constituição econômica,34 a influência do Estado nos setores da atividade

produtiva e empresarial se faz sentir em diversos modos; pode-se entrever que influi

especialmente através de atos legislativos, de atos do Poder Executivo e através do

Poder Judiciário (reflexos econômicos das decisões judiciais).

Os rudimentos apresentados acerca da intervenção do Estado na economia,

neste estudo, não pretendem traçar uma linha cronológica, mas cotejar o exame das

formas econômicas essenciais adotadas pelo Estado, com a livre iniciativa. Dependendo

da configuração que o Estado assuma, torna-se maior ou menor sua influência na

economia e, conseqüentemente, na liberdade dos particulares na busca de seus

objetivos concretos (por exemplo, quando o Estado intervém, por meio de leis, decisões

judiciais ou atos do Poder Executivo, na forma como os credores poderão pleitear

seus direitos em face de uma empresa em dificuldades financeiras).

Sob um prisma econômico, pode-se dizer que o princípio da livre iniciativa

advém do modo de produção capitalista.

Historicamente,35 a primeira forma explícita de regulação da ordem econômica,

disposta numa Constituição, foi na Constituição Alemã de Weimar, de 1919.36

Tendo-se em conta que a livre iniciativa é, em grande parte, correlata ao papel que o

Estado desempenha na economia, importa responder à indagação de como o

Estado se desenvolve no domínio econômico. Nicz37 resume as três respostas

34 Expressão que utilizam, entre outros, LEOPOLDINO DA FONSECA, João Bosco. Direito econômico . 5.ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2004. p.51; SCAFF, Fernando Facury. A constituição econômica brasileira em seus 15 anos. In: _____ (Org.) Constitucionalizando direitos : 15 anos da constituição brasileira de 1988. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. p.280-281; DANTAS, Ivo. O econômico e o constitucional. Revista de Direito Administrativo , Rio de Janeiro, v.200, p.57, 1995; SILVA FILHO, Walter Rodrigues da. Constituição econômica. Cadernos de Direito Constitucional e Ciência Política , São Paulo, n.11, p.209, 1995.

35 A história do Estado pode ser vista pelo grau de sua intervenção na economia; os lados antagônicos desta intervenção, para fins didáticos, são o intervencionismo, de um lado, e o abstencionismo, de outro. O individualismo do século XVIII, oriundo da Revolução Francesa, alimentou o Estado liberal, que se baseava na idéia de auto-regulação da ordem econômica, sem necessidade de intervenção do Estado. Baluarte desta geração foi Adam Smith. Vide BONAVIDES, Paulo. Do estado liberal ao estado social . Belo Horizonte: Livraria Del Rey, 1993. p.27-44.

36 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Direito constitucional econômico . São Paulo: Saraiva, 1990. p.3.

37 NICZ, Alvacir Alfredo. A liberdade de iniciativa na constituição . São Paulo: Revista dos Tribunais, 1981. p.1.

23

principais38 que se formularam a estas indagações: por meio do modelo de Estado

Liberal, Estado Socialista e Estado Providência.

2.1.1 Estado liberal

O Estado Liberal39 caracteriza-se por prever na Constituição raros dispositivos

relacionados à ordem econômica; embasa-se em valores exaltados da propriedade

privada e da livre iniciativa. Preocupava-se preponderantemente com a questão da

segurança interna e externa. As idéias de pensadores como Immanuel Kant e Hans

Kelsen influíram na sua formação, o primeiro ao excluir das finalidades do Estado a

procura pelo bem-estar dos homens, limitando-se a garantir o Direito e a custódia da

ordem jurídica, e o segundo ao entender o Estado como um "mal-necessário".40

Surge41 o Estado liberal no século XVIII, fundando-se na conhecida premissa de

que a "mão invisível" do mercado conduziria corretamente os interesses da economia.

O pensamento de François Quesnay, ao defender a ordem natural e providencial

das coisas como a melhor solução ao bem das nações, fundamenta ideologicamente o

Estado liberal. Adam Smith,42 com sua obra A Riqueza das Nações (1776) corroborou

38 Diz-se principais, pois é possível vislumbrar outras formas de Estados interventores, através dos regimes políticos históricos adotados, tais como o intervencionismo totalitário nazista e fascista. Via de regra, porém, terão estes regimes um caráter antiliberal.

39 NICZ, op. cit., p.2-7.

40 SOUZA, Neomésio José de. Intervencionismo e direito : uma abordagem das repercussões. Rio de Janeiro: AIDE, 1984. p.28-30.

41 Embora o objetivo deste capítulo seja bastante modesto, no tocante à exposição do desenvolvimento histórico de cada modelo de Estado, importante mencionar a influência da Revolução Francesa e seus ideais individualistas, para o desenvolvimento posterior do modelo liberal de Estado.

42 O abstencionismo estatal, que no âmbito econômico teve como seu grande teórico o inglês Adam Smith, gerou um grande desenvolvimento industrial e econômico, inédito até então. Tal pensador, porém, não soube prever as potencialidades socialmente desagregadoras que tal fenômeno possuiu, mais especificamente com o surgimento de um poder econômico altamente concentrado. A "mão invisível" do mercado deparou-se com enormes conglomerados monopolísticos e não soube e nem pôde enfrentá-los (MENDES, Conrado Hübner. Reforma do estado e agências reguladoras: estabelecendo os parâmetros de discussão. In: SUNDFELD, Carlos Ari (Coord.). Direito administrativo econômico . São Paulo: Malheiros, 2006. p.112).

24

as idéias liberais, mas centraliza a atenção no papel do trabalho e na livre concor-

rência. Heilbroner assim se manifesta sobre Adam Smith:

Dois grandes problemas absorvem a atenção de Adam Smith. Primeiro, ele está interessado em pôr a nu o mecanismo pelo qual a sociedade se mantém unida. Como é possível para uma comunidade na qual todos estão ocupadíssimos atendendo aos seus próprios interesses não escapar da força centrífuga? O que é que guia o negócio particular de cada indivíduo para que ele esteja em conformidade com as necessidades do grupo? Sem uma autoridade central planejadora e sem a influência constante das antigas tradições, como uma sociedade pode conseguir realizar as tarefas que são indispensáveis para a sobrevivência? Estas indagações levaram Smith à formulação das leis do mercado. O que ele pretendia determinar era a "mão invisível", como a chamava, por meio da qual "os interesses e paixões particulares dos homens" são orientados na direção "mais benéfica para o interesse da sociedade inteira".43

A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789 consagra o

pensamento liberal. A Lei Le Chapelier44 extingue as corporações de ofícios, suprimindo

os entraves à liberdade de trabalho, mas o advento da mecanização cria dificuldades

aos trabalhadores, levando à redução de seus salários, e ainda consagrando a primazia

dos que detinham o capital.

Sobre o Estado liberal e sua relação com o mercado, Natalino Irti45 ressalta que

"o mercado não é uma instituição espontânea, natural – não é um locus naturalis –

mas uma instituição que nasce graças a determinadas reformas institucionais, operando

com fundamento em normas jurídicas que o regulam, o limitam, o conformam; é um

locus artificialis. O fato é que, ao deixarmos a economia de mercado desenvolver-se

de acordo com as suas próprias leis, ela criaria grandes e permanentes males".

43 HEILBRONER, Robert. A história do pensamento econômico . São Paulo: Nova Cultural, 1992. p.53-54.

44 Vide MOREIRA, Vital. Auto-regulação profissional e administração pública . Coimbra: Almedina, 1997. p.11.

45 IRTI, Natalino. L'ordine giuridico del mercato. 3a ed., Roma, Laterza, 1998, p.5, apud GRAU, Eros Roberto, ADIN 3.512-6, Supremo Tribunal Federal, p.7. No original: "L'ordine giuridico del mercato, venuto fuori nel 1998, gravita intorno a tre principi: a) che l'economia di mercato, al pari di altri e diversi assetti (collettivistico, misto ecc.), è locus artificialis, e non locus naturalis; b) che codesta artificialità deriva da una tecnica del diritto, la quale, in dipendenza di decisioni politiche, conferisce forma all'economia, e la fa, di tempo in tempo, mercantile o collettivistica o mista, e via seguitando; c) che quelle decisioni politiche sono di per sé mutevoli, sicché i vari regimi dell'economia vengono segnati dalla storicità, e nessuno può dirsi assoluto e definitivo." p.1. Disponível em: <http://www.mi.camcom.it/upload/file/1335/667535/FILENAME/Irti.pdf>. Acesso em: mar. 2007.

25

Da mesma forma, Karl Polanyi, em sua crítica aos exageros46 do liberalismo e do

mercado, aduz que "não eram apenas os seres humanos e os recursos naturais que

tinham que ser protegidos contra os efeitos devastadores de um mercado auto-

regulável, mas também a própria organização da produção capitalista".47 Ainda

Polanyi, dissertando sobre o nascimento do credo liberal e sua relação com a

intervenção do Estado, assim se expressa:

Por último, el comportamiento de los propios liberales ha probado que el mantenimiento del librecambio – de un mercado autorregulador –, lejos de excluir la intervención, la ha exigido de hecho, y los liberales, ellos mismos, han invocado regularmente la acción coactiva del Estado, como ponen de manifiesto los casos de la ley sindical y las leyes anti-trusts. De este modo, el testimonio de la historia es, a nuestro juicio, de una importancia decisiva para dilucidar cuál de las dos interpretaciones opuestas del doble movimiento es la correcta: la que sostiene el liberalismo económico, según la cual su política nunca ha podido ser aplicada puesto que ha sido sofocada por los sindicalistas de miras estrechas, los intelectuales marxistas, los manufactureros codiciosos y los propietarios de tierras reaccionarios; o la de sus críticos, que pueden aportar la universal reacción "colectivista" contra la expansión de la economía del mercado durante la segunda mitad del siglo XIX como una prueba concluyente del peligro al que expone la sociedad el principio utópico de un mercado autoregulador.48

Nessa síntese do Estado sob influxo da doutrina do liberalismo econômico,

resta asseverar que sua atual crítica decorre, dentre outros motivos, de que o regime

liberal tinha como pressuposto a igualdade e uma competição equilibrada,49 que não

ocorreram conforme previsto na teoria.

46 Exemplo de crítica ao exagero do liberalismo: "O Consenso {neoliberal} de Washington é um conjunto de princípios orientados para o mercado, traçados pelo governo dos Estados Unidos e pelas instituições financeiras internacionais que ele controla e por eles mesmos implementados de forma diversas – geralmente, nas sociedades mais vulneráveis, como rígidos programas de ajuste cultural. Resumidamente, as suas regras básicas são: liberalização do mercado e do sistema financeiro, fixação dos preços pelo mercado ('ajuste de preços'), fim da inflação ('estabilidade macroeconômica') e privatização. [...] Os 'grandes arquitetos' do Consenso {neoliberal} de Washington são os senhores da economia privada, em geral empresas gigantescas que controlam a maior parte da economia internacional e têm meios de ditar a formulação de políticas e a estruturação do pensamento e da opinião." (CHOMSKY, Noam. O lucro ou as pessoas? : neoliberalismo e ordem global. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2002. p.21-22).

47 POLANYI, Karl. A grande transformação: as origens da nossa época. Rio de Janeiro: Campus, 1980, apud GRAU, ADIN 3.512-6, p.7.

48 POLANYI, Karl. La Gran Tranformación : crítica del liberalismo econômico. Madrid: Ediciones de La Piqueta, 1989. p.245.

49 VENÂNCIO FILHO, op. cit., p.9.

26

2.1.2 Estado socialista

O Estado socialista50 detém o capital, os bens de produção e assume o

controle e o comando econômico da vida social. A iniciativa privada está relegada a

uma frágil exceção. As principais correntes de Estado socialista são as seguintes:

- A de Pierre Joseph Proudhon,51 para o qual toda a propriedade é um

roubo, pois a força de trabalho é apropriada pelos que detêm o capital,

lesando assim os trabalhadores individualmente.

- A de Piotr Kropotkin,52 que advogava meios pacíficos de se chegar ao

anarquismo; mas não admitia tolerância com as instituições burguesas.

George Sorel,53 desta linha, defende a união dos trabalhadores em sindicatos

visando à eliminação da autoridade. Postula a utilização da greve geral

e da sabotagem para se atingir seus fins. Estas duas correntes foram

mais doutrinárias.

- A do socialismo de cátedra ou socialismo estatal, de Ferdinand Lassalle,54

para o qual o Estado é, por excelência, o elemento transformador da

sociedade, devendo, portanto, ter a primazia do domínio econômico. Utiliza

os tributos como fatores de repartição e redistribuição da riqueza.

50 NICZ, op. cit., p.17-22.

51 Proudhon era filho de um tanoeiro francês, um brilhante socialista autodidata que balançou a intelectualidade francesa com um livro intitulado What Is Property? ("O Que É Propriedade?"). Proudhon mesmo respondia: "Propriedade é Roubo", e clamava pelo fim das grandes riquezas privadas, embora não de todas as propriedades privadas. Marx e ele encontraram-se, conversaram, corresponderam-se e, então, Marx pediu-lhe que juntasse sua força às dele e às de Engels. HEILBRONER, op. cit., p.147.

52 KROPOTKIN, Piotr Alekseievitch (1842-1921). Príncipe e geógrafo russo, destacado líder e teórico do anarquismo. In: SANDRONI, Paulo. Novíssimo dicionário de economia . São Paulo: Best Seller, 1999. p.327.

53 SOREL, Georges (1847-1922). Pensador francês, teórico do sindicalismo revolucionário ou anarco-sindicalismo. In: SANDRONI, Paulo. Novíssimo dicionário de economia . São Paulo: Best Seller, 1999. p.573.

54 LASSALLE, Ferdinand (1825-1864). Filósofo político alemão, socialista, discípulo de Fichte e de Hegel. Fundou, em 1863, a Associação Geral dos Trabalhadores Alemães, o primeiro partido operário da Alemanha, transformado depois no Partido Social Democrata. Defendeu a transformação progressiva da sociedade por meio de reformas sociais conduzidas pelo Estado (SANDRONI, Paulo. Novíssimo dicionário de economia . São Paulo: Best Seller, 1999. p.330).

27

- A corrente marxista, de Karl Marx55 e Friedrich Engels, contando também

com Lênin. Heilbroner traz interessante citação sobre Lênin:

Diz-se que Lênin declarou que o melhor modo de destruir o Sistema Capitalista era criar excesso de dinheiro. Por um contínuo processo de inflação, os governos podem confiscar, secreta e inobservadamente, uma parte importante das riquezas dos cidadãos. Por este método eles não apenas confiscam, mas confiscam arbitrariamente... Lênin estava certo. Não há meio mais sutil, ou mais seguro, de destruir as bases existentes da sociedade do que o excesso de dinheiro. O processo empenha todas as forças ocultas da lei econômica do lado da destruição e o faz de um modo que nem sequer um homem em um milhão é capaz de diagnosticá-lo.56

O Estado socialista fundamenta-se nos princípios do ateísmo e materialismo;

assim como na filosofia materialista de Feuerbach e no idealismo de Hegel,57

aplicando-as à realidade econômica e histórica do mundo. O sentido da história é o

conflito existente nos modos de produção, entre burguesia e proletariado. A dominação

do Estado pelo proletariado faria com que os meios de produção fossem propriedade

de todos, criando-se uma sociedade sem classes. Na prática, ocorreu a ditadura do

Partido Bolchevista, que eliminava opositores da estatização da economia e

concentrou enormemente poderes nas mãos de poucos.

2.1.3 Estado providência ou estado social

O Estado providência,58 por sua vez, procura resguardar o interesse geral,

coordenando a atividade econômica,59 tanto individual quanto coletiva.60 Fortalece-se o

55 No comunismo, o Estado controla toda a atividade, seja política ou econômica, não havendo que se falar em liberdade de iniciativa. Aliás, a inspiração de incluir o econômico nas constituições tem inspiração marxista (FERREIRA FILHO, Direito ..., p.5).

56 HEILBRONER, Robert. A História do pensamento econômico. São Paulo: Nova Cultural, 1992. p.262.

57 Vide também o pensamento político de Hegel em: BONAVIDES, Do estado liberal ..., p.111-132.

58 NICZ, op. cit., p.7-17. Os sinônimos de Estado providência, comumente usados, são: Estado social, Estado do bem-estar, etc.

59 Aponte-se as vicissitudes da 2.a Guerra Mundial igualmente como fato histórico a conduzir à maior intervenção estatal na economia.

28

Poder Executivo sobre o Poder Legislativo, sendo esta uma conseqüência da busca

do desenvolvimento e bem-estar, justificada pelo fato de que a descentralização e

autonomia seriam óbices ao crescimento econômico e às transformações necessárias.61

Como fatores ideológicos formadores do Estado providência, não se pode

olvidar três grandes influências: o socialismo, o cristianismo e o neoliberalismo.

- O socialismo , com Karl Marx e sua obra,62 especialmente ao preconizar a

socialização da economia e a limitação ou supressão da propriedade

privada, além da igualdade material entre todos.

- O cristianismo , com o ensino social da Igreja, que começa a reconhecer o

objetivo social caracterizado pelo bem comum, definindo este como a

razão de ser do Estado e dos governantes. Igualmente, sua doutrina social

procura corrigir o capitalismo do seu abusivo caráter liberal, admitindo-se

uma intervenção, mesmo que tímida, do Estado na economia.

- O neoliberalismo , que critica o Estado liberal, ao dizer que o abuso da

livre concorrência,63 sem freios, leva à formação de cartéis e monopólios,

60 Paulo Bonavides ressalta que o Estado Providência não se confunde com o estado socialista; o primeiro conserva sua plena adesão à ordem capitalista, princípio cardeal que não renuncia. Daí concluir que o Estado social pode compaginar-se com os mais variados sistemas de organização política, pois seus programas não importarão em modificação fundamental dos postulados econômicos e sociais. Vide também BONAVIDES, Do estado liberal ..., p.180.

61 SOUZA, N. J. de, op. cit., p.87.

62 Numa síntese brutal: Justiça social – ênfase advinda do socialismo. Livre Iniciativa (empresarial): ênfase advinda do liberalismo e capitalismo.

63 A doutrina econômica admite duas espécies de concorrência: perfeita e imperfeita. A concorrência perfeita, de acordo com os economistas clássicos, se faz presente desde que atendidas as seguintes condições, sob a perspectiva da atividade empresarial: "[…] 1) existência de grande número de vendedores, cada um dos quais incapaz de forçar a baixa nos preços por não poder fornecer uma quantidade maior de produtos do que os demais; 2) todos os compradores e vendedores com o mais completo conhecimento dos preços e disponibilidades do mercado local e de outras praças; 3) inexistência de significativas economias de escala, de modo a nenhum vendedor poder crescer a ponto de dominar o mercado; 4) inexistência de barreiras à livre movimentação dos fatores de produção e dos empresários, ao passo que, tal modelo pressupõe a existência, do lado da demanda, das seguintes condições: "[…] 1) existência de muitos compradores, nenhum deles capaz de variar o volume de suas compras a ponto de influir nos preços; 2) informação completa sobre preços, locais de venda, etc., 3) nenhum problema de locomoção; 4) homogeneidade do produto, ou seja, é indiferente comprar de um ou de outro vendedor. [...] Por outro lado, encontramos a concorrência imperfeita, caracterizada por uma "situação de mercado entre a concorrência perfeita e o monopólio absoluto – e que, na prática, corresponde à grande maioria das situações reais SILVA NETO, Manoel Jorge e. Direito constitucional econômico . São Paulo: LTR, 2001. p.175-76, fazendo referência a SANDRONI, op. cit., p.119).

29

ameaçando a própria liberdade de concorrência e dominando mercados.

Defende, portanto, a intervenção restrita do Estado na economia, de forma

a evitar estes abusos.64

Como expoente do liberalismo, que foi passível de críticas por ter dado

margens a interpretações que ultrapassariam os limites saudáveis do capitalismo,

pode-se mencionar Friedrich Hayek,65 sobre quem Heilbroner assim se expressa:

Durante a Segunda Guerra Mundial, o professor Hayek escreveu um livro, The Road of Serfdom, que apesar de todos os seus exageros, continha um sentimento profundo e uma condenação irrefutável da economia ultraplanejada. Keynes simpatizou com o livro e gostou dele. Mas enquanto o elogiava, escrevia para Hayek: "Eu concluiria... de forma diferente. Diria que o que queremos não é que deixe de haver planejamento, nem mesmo que haja menos planejamento, apesar de ser meu dever dizer que quase certamente nós queremos mais. No entanto, o planejamento moderado para ocorrer com segurança deve contar com o maior número de participantes possível, tanto líderes quanto liderados. O planejamento moderado seria bastante seguro se aqueles que o fizessem fossem corretamente orientados seus corações e mentes quanto a questões morais. Isto de fato já é verdade quanto a alguns deles. Mas o problema é que há também uma boa parte de pessoas que se pode considerar que querem o planejamento não para aproveitar seus frutos, mas porque moralmente têm idéias exatamente opostas às suas, por não querer servir a Deus nenhum, mas ao diabo".66

O Estado liberal, como se depreende da influência recebida do pensamento

de Hayek, não prescinde do planejamento e da intervenção estatal. Paulo Bonavides

faz a seguinte e necessária distinção acerca do papel do capitalismo:

Distinguimos em nosso estudo duas modalidades e principais de estado social: o Estado social do marxismo, onde o dirigismo é imposto e se forma de cima para baixo, com a supressão da infra-estrutura capitalista, e a conseqüente apropriação social dos meios de produção – doravante pertencentes à coletividade, eliminando-se dessa forma, a contradição, apontada por Engels no Anti-Duehring entre a produção social e a apropriação

64 O princípio da livre iniciativa é sopesado com o princípio da repressão ao abuso do poder econômico. Isto tem um motivo bem claro. A Constituição não propugna e nem defende o capitalismo nem o liberalismo desvairado, tendencioso à monopolização e cartelização, prejudiciais à sociedade e aos consumidores. Não é este o sentido querido, na Constituição, para a livre iniciativa. O princípio da liberdade de iniciativa está sempre adstrito às limitações dos outros princípios constitucionais, corporificados sempre que houver interesse social ou outro motivo relevante.

65 Importante a observação de Friedrich Hayek quando escreveu que é uma condição essencial do estado de direito que o governo, em todas suas ações, estabeleça clara e previamente as regras pelas quais exercerá seu poder nas mais determinadas circunstâncias, de modo que os indivíduos possam planejar seus negócios baseados neste conhecimento prévio (HAYEK, Friedrich A. The Road to Serfdom . London: Routledge, 1971. p.54).

66 HEILBRONER, op. cit., p.258-259.

30

privada, típica da economia lucrativa do capitalismo – e o Estado social das democracias, que admite a mesma idéia de dirigismo, com a diferença apenas de que aqui se trata de um dirigismo consentido, de baixo para cima, que conserva intactas as bases do capitalismo.67

O Estado do Bem-estar, em última análise, busca prestigiar os direitos

sociais, com a conseqüente diminuição de desníveis socioeconômicos, parecendo

claro que o Estado pode intervir mais fortemente na economia.68

2.1.4 Mais relações entre estado e livre iniciativa

No tema de Estado e livre iniciativa, Ferreira Filho69 entende que a Constituição

do Brasil pode ser caracterizada como uma constituição econômica formal, por

incluir uma ordenação mais ou menos completa e sistemática da economia. No que

diz respeito à livre iniciativa e intervenção do Estado:

Hoje, tolera-se como compatível com a economia descentralizada o planejamento (indicativo) por parte do Estado, sua intervenção freqüente e multifária, bem como a sua atuação direta, como empresário, nos campos da produção e consumo.70

Planejamento, Eros Grau71 conceitua como "a forma de ação estatal, caracte-

rizada pela previsão de comportamentos econômicos e sociais futuros, pela formulação

explícita de objetivos e pela definição de meios de ação coordenadamente dispostos,

mediante a qual se procura ordenar, sob o ângulo macroeconômico, o processo

econômico, para melhor funcionamento da ordem social, em condições de mercado".

Barroso entende ainda, finalizando, o seguinte:

67 BONAVIDES, Do estado liberal ..., p.13.

68 Vide SILVA NETO, op. cit., p.135.

69 FERREIRA FILHO, Direito ..., p.7.

70 FERREIRA FILHO, Direito ..., p.11.

71 GRAU, Eros Roberto. Planejamento econômico e regra jurídica . São Paulo: Revista dos Tribunais, 1978. p.45.

31

O que o Estado não pode pretender, sob pena de subverter os papéis, é que a empresa privada, em lugar de buscar o lucro, oriente sua atividade para a consecução dos princípios-fins da ordem econômica como um todo, com sacrifício da livre-iniciativa. Isto seria dirigismo, uma opção por um modelo historicamente superado. O Poder Público não pode supor, e.g., que uma empresa esteja obrigada a admitir um número x de empregados, independentemente de suas necessidades, apenas para promover o pleno emprego. Ou, ainda, que o setor privado deva compulsoriamente doar produtos para aqueles que não têm condições de adquiri-los, ou que se instalem fábricas obrigatoriamente em determinadas regiões do País, de modo a impulsionar seu desenvolvimento.72

O exposto não pressupõe que a livre iniciativa venha a ser de tal forma

relativizada que, na Constituição, não prevaleça o princípio da subsidiariedade73 em

relação à intervenção do Estado na ordem econômica privada. Pelo contrário, Marcia

Carla Pereira Ribeiro, escudada em Ferreira Filho74 e em Baracho, dispõe sobre o

assunto que:

A subsidiariedade da atuação estatal no domínio econômico confirma a posição ao mesmo tempo secundária e importante do Estado, na órbita econômica. Secundária, porque o agente econômico por excelência é o privado; importante, porque cabe ao Estado intervir no amparo ou na substituição deste agente, quando sua atuação for inexistente ou insatisfatória. A subsidiariedade pode ser compreendida de duas formas, pela idéia de secundária e pela idéia de supletividade (complementariedade e suplementariedade). Compreendê-la como secundária significa atribuir à iniciativa privada um papel predominante na prática econômica, já a supletividade consagra a possibilidade de o Estado atuar economicamente para assegurar condições de desenvolvimento e de melhoria de qualidade de vida. O princípio da subsidiariedade, na ordem econômica, ao mesmo tempo em que indica uma função de suplência, limita a intervenção do Estado: todas as competências que não são imperativamente detidas pelo Estado, devem ser transferidas às coletividades.75

72 BARROSO, Luís Roberto. A ordem econômica constitucional e os limites à atuação estatal no controle de preços. Revista de Direito Administrativo , Rio de Janeiro, n.226, p.201, out./dez. 2001.

73 Princípio através do qual só incumbe ao ente superior certa atribuição após esgotadas as possi-bilidades do ente inferior. Concretamente, o princípio da subsidiariedade estabelece, nas relações econômicas, que o Estado deva intervir apenas quando ultrapassado o âmbito de possibilidade, interesse ou dever dos particulares. Assim, o Estado só deve atuar nos segmentos da economia em que a iniciativa privada não atua ou, atuando, não possui interesse ou condições de concretizar os objetivos de políticas públicas. Para o assunto, vide: BARACHO, José Alfredo de Oliveira. O princípio de subsidiariedade : conceito e evolução. Rio de Janeiro: Forense, 2000. p.20 e segs.

74 FERREIRA FILHO, Manuel Gonçalves. Comentários à constituição brasileira . São Paulo: Saraiva, 1983. p.698.

75 PEREIRA RIBEIRO, Marcia Carla. Sociedade de economia mista e empresa privada . Curitiba: Juruá, 1999. p.113.

32

A ponderação da livre iniciativa com outros princípios não lhe retira a primazia

sobre a intervenção estatal na ordem econômica. Canotilho, todavia, apresenta

limites mais concretos ao princípio da subsidiariedade, traçando o que Ribeiro

denominara de caráter supletivo da subsidiariedade:

O princípio da democracia económica e social justifica e legitima a intervenção económica constitutiva e concretizadora do Estado nos domínios económico, cultural e social ("realização e concretização de direitos sociais"). Não se exclui o princípio da subsidiariedade como princípio constitucional, mas este não pode ser invocado para impor a excepcionalidade das intervenções públicas. O princípio da subsidiariedade, tradicionalmente erigido em princípio constitucional, significava que o Estado tinha uma função apenas acessória ou complementar na conformação da vida económica e social. Era uma ideia do capitalismo liberal. Todavia, como sugestivamente foi salientado o Estado, ao converter-se em Estado socialmente vinculado, colocou-se em «oposição à ideia de subsidiariedade.76

A livre iniciativa, sob qualquer enfoque, pode ser instrumento de justiça social

e desenvolvimento nacional, desde que conjugada com os demais princípios

constitucionais; condiciona-se e limita-se à força do interesse social. A síntese das

formas de Estado foi exposta para facilitar a compreensão da influência que tais

modalidades de intervenção exercem sobre os interesses em jogo na empresa em

dificuldades financeiras. Em última apreciação, identificar o papel do Estado na

economia é pressuposto para a análise crítica do jogo de interesses na recuperação

da empresa em crise.

2.2 INTERVENÇÃO DO ESTADO NA ORDEM ECONÔMICA E RECUPERAÇÃO

DA EMPRESA

Tendo sido realizada esta síntese panorâmica da história da intervenção do

Estado na economia, sob o prisma de como o Estado limita a livre iniciativa dos

particulares, há que se verificar agora, sob um ponto de vista mais restrito da

recuperação da empresa, como a intervenção do Estado na economia se relaciona

com o princípio da recuperação da empresa.

76 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional . Coimbra: Almedina, 1993. p.470-471.

33

Genericamente falando, boa parte dos atos jurídicos tende a ter um reflexo

econômico, e, ao gerar reflexos econômicos, interfere na economia, seja em

pequeníssima ou maior escala. Deste modo, poderíamos tomar como fato notório e

pacífico que o Estado brasileiro, especialmente por seus entes federados (União,

Estados-membros e Municípios) interfere e é presente no domínio econômico.

Carlos Cleto e Lucas Dezordi expõem a respeito:

Os governos federais, estaduais e municipais têm importante papel na economia de uma nação. As principais funções do setor público são destacadas em quatro áreas de grande abrangência:

- reguladora: o Estado deve regular a atividade econômica mediante leis e disposições administrativas. Com isso, torna-se possível o controle de alguns preços, monopólios e ações danosas ao direito do consumidor;

- provedora de bens e serviços: o governo, também, deve prover ou facilitar o acesso a bens e serviços essenciais, principalmente àqueles que não são de interesse do setor privado, tais como, educação, saúde, defesa, segurança, transporte e justiça;

- redistributiva: as políticas econômicas devem atingir e vir a beneficiar os mais necessitados da sociedade. Com isso, modificam a distribuição de renda e riqueza entre pessoas e/ou regiões. A igualdade social deve ser uma prioridade a ser buscada pelos órgãos públicos;

- estabilizadora: os formuladores de políticas econômicas devem estar preocupados em estabilizar/controlar os grandes agregados macroeco-nômicos, tais como, taxa de inflação, taxa de desemprego e nível de produção, com o intuito de beneficiar a população.77

Conhecer a empresa, o mercado, as políticas econômicas governamentais e

possuir uma estratégia são requisitos inevitáveis para se evitar, do ponto de vista da

administração, a mortalidade das empresas, buscando-se sua recuperação. Da

mesma forma que o Estado interfere na economia por suas várias modalidades, as

empresas devem estar preparadas para sofrer a influência estatal.

77 CLETO, Carlos Ilton; DEZORDI, Lucas. Políticas econômicas. In: GRASSI MENDES, Judas Tadeu (Org.). Economia empresarial . Fae Business School. Curitiba: Associação Franciscana de Ensino Senhor Bom Jesus, 2002. p.17.

34

2.2.1 Na Constituição Federal

2.2.1.1 No artigo 170 da Constituição Federal78

O exame constitucional do Estado como interventor na economia e sua conju-

gação com a recuperação da empresa em crise deve ser feito, sobretudo, pelos princípios

constantes no artigo 170 da Constituição. Os citados fundamentos constitucionais

ordenam e exigem a apreciação eficaz79 de toda a ordem econômica infraconstitucional,

além de limitarem a presença do Estado no campo de atuação dos interesses

privados, destacando-se, neste fito, especialmente os princípios basilares da livre

iniciativa, da propriedade privada e o da razoabilidade. A razoabilidade controla a

discricionariedade legislativa e administrativa80 do Estado. Tendo o dever de intervir

78 Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: I - soberania nacional; II - propriedade privada; III - função social da proprie-dade; IV - livre concorrência; V - defesa do consumidor; VI - defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação; (Redação dada pela Emenda Constitucional n.o 42, de 19.12.2003); VII - redução das desigualdades regionais e sociais; VIII - busca do pleno emprego; IX - tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País. (Redação dada pela Emenda Constitucional n.o 6, de 1995); Parágrafo único. É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei.

79 "Aquilo que é identificado como vontade da Constituição 'deve ser honestamente preservado, mesmo que, para isso, tenhamos que renunciar a alguns benefícios, ou até a algumas vantagens justas. Quem se mostra disposto a sacrificar um interesse em favor da preservação de um princípio constitucional, fortalece o respeito à Constituição e garante um bem da vida indispensável à essência do Estado, mormente do Estado democrático'. Aquele que, ao contrário, não se dispõe a esse sacrifício, 'maltrata, pouco a pouco, um capital que significa muito mais do que todas as vantagens angariadas, e que, desperdiçado, não mais será recuperado'." (HESSE, Konrad. A força normativa da constituição . Trad. Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Sergio Fabris, 1991. p.17-18).

80 BARROSO, Luís Roberto, obra citada, 2001, página 73, assim dispõe: O princípio da razoabilidade é um mecanismo para controlar a discricionariedade legislativa e administrativa. Ele permite ao Judiciário invalidar atos legislativos ou administrativos quando: (a) não haja adequação entre o fim perseguido e o meio empregado; (b) a medida não seja exigível ou necessária, havendo caminho alternativo para chegar ao mesmo resultado com menor ônus a um direito individual; (c) não haja proporcionalidade em sentido estrito, ou seja, o que se perde com a medida tem maior relevo do que aquilo que se ganha.

35

apenas subsidiariamente nas relações econômicas privadas, e na medida em que

servir à regularização (em caso de desarmonia) da livre iniciativa e da livre concorrência,

a atuação do Estado ganha legitimidade apenas quando consonante e harmônica

com os princípios do artigo 170 da Constituição Federal.

Entende-se que o sistema constitucional vigente consagra uma "espécie

mitigada"81 de liberalismo econômico; disso se depreende que a liberdade de atuação

dos interesses dos credores também deve ser limitada pelos valores sociais da

Constituição. O sistema capitalista do artigo 170 em comento, que consagra a proprie-

dade privada, a livre iniciativa e a livre concorrência, deve ser arrazoado conjuntamente

com os princípios constitucionais de caráter social, pois a liberdade do credor ao seu

crédito82 não é, de forma alguma, absoluta.

Acerca do princípio da busca do "pleno emprego", constante no art. 170, VIII,

da Constituição Federal, este embasa o próprio princípio da preservação da empresa,

devendo-se destacar que

corresponde ao da preservação ou da manutenção da empresa (de que é corolário o da recuperação da empresa), segundo o qual, diante das opções legais que conduzam a dúvida entre aplicar regra que implique a paralisação da atividade empresarial e outra que possa também prestar-se à solução da mesma questão ou situação jurídica sem tal conseqüência, deve ser aplicada essa última, ainda que implique sacrifício de outros direitos também dignos de tutela jurídica.83

81 Vide a seguinte citação de Daniel Sarmento, em tema correlato: "Se é verdade que o constituinte rejeitou o modelo econômico socialista, de economia planificada, com apropriação coletiva dos meios de produção, também é certo que ele não aderiu ao laissez-faire, preferindo um regime intermediário, mas consentâneo com as demandas da sociedade contemporânea, que aposta na força criativa e empreendedora da iniciativa privada, mas que não foge a sua responsabilidade de discipliná-la e corrigi-la, sempre que isto se faça necessário para promoção da dignidade da pessoa e da justiça social. Esta solução compromissária vê a intervenção direta do Estado nas atividades empresariais como medida excepcional e subsidiária (art. 173, CF), mas reconhece o seu papel como instância reguladora da economia (art. 174, CF), que deve não apenas zelar pelo bom funcionamento dos mercados, mas também corrigir seus rumos no sentido preconizado pelos valores entronizados na Carta Magna." (SARMENTO, Daniel. Direitos fundamentais e relações privadas . Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2004. p.213-214).

82 Este item, bem como os seguintes, enfoca o tema sob o ponto de vista estritamente constitucional e faz abstração do sistema falimentar enquanto tal, que já prevê a criação de uma situação jurídica nova (vis atrativa da falência), a qual sujeita todos os credores a ela sujeitos.

83 GONÇALVES NETO, Alfredo de Assis. Apontamentos de direito comercial . Curitiba: Juruá, 1998. p.99.

36

Igualmente, mencione-se que a recuperação da empresa decorre da proteção

à função social da propriedade (art. 170, III) e mesmo à propriedade privada

(art. 170, II). A relação dos referidos dispositivos com o processo de recuperação

judicial assenta-se na influência econômica que seus dispositivos exercem nos

empresários em dificuldades.

2.2.1.2 Demais dispositivos constitucionais

Os princípios fundamentais da Constituição adiante expostos são de vital

importância ao trabalho: valores sociais do trabalho e da livre iniciativa (art. 1.o, IV, 6.o

a 11); da busca pela construção de uma sociedade livre, justa e solidária (art. 3.o, I);

objetivando garantir o desenvolvimento nacional (art. 3.o, II); e buscando a erradicação da

pobreza, marginalização e redução das desigualdades sociais e regionais (art. 3.o, III).

Considere-se também o princípio fundamental da liberdade (art. 5.o, II, CF), que é

delimitada pela legalidade; igualmente credores e devedores estão adstritos aos

ditames legais. Portanto, não há absoluta liberdade das partes ou do "mercado", em

suas pretensões.

Pela leitura do caput do artigo 173 da Constituição, percebe-se que o sistema

constitucional vigente não impede a atuação direta do Estado nas relações econômicas

de cunho estritamente privado. Di Pietro,84 interpretando o artigo 173, percebe que

houve, na atual Constituição, uma efetiva ampliação da possibilidade de atuação

direta do Estado no domínio econômico, visto que a Constituição anterior só permitia a

atuação subsidiária à iniciativa privada.85 Seguindo a norma constitucional vigente,

84 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo . 19.ed. São Paulo: Atlas, 2006. p.436.

85 Veja-se que na Constituição de 1967 e na Emenda Constitucional n.o 1/69 a preferência para a exploração da atividade econômica era expressa às empresas privadas, sendo que ao Estado cabia a exploração em caráter suplementar, movido pelos motivos de segurança nacional ou para organizar setor que não possa ser desenvolvido com eficácia no regime de competição e de liberdade de iniciativa, assegurados os direitos e garantias individuais.

37

os princípios que permitiriam a intervenção direta do Estado na empresa em crise

seriam os decorrentes de:

- imperativos de segurança nacional86

- relevante interesse coletivo87

Note-se que os conceitos de segurança nacional e relevante interesse coletivo

são extremamente amplos e indeterminados; seu alcance e significado somente são

preenchidos com a promulgação da norma específica regulamentadora88 e na

averiguação do caso concreto. A seqüência do trabalho destacará como o relevante

interesse coletivo pode fundamentar julgados sobre a recuperação da empresa em

crise.

2.2.1.3 Exemplos de julgados sobre intervenção estatal na economia

Importa relatar, mesmo que de forma sintética, a posição dos tribunais superiores

brasileiros ao interpretar, no caso concreto, questões envolvendo o princípio da livre

iniciativa e a intervenção do Estado na economia. Em ação direta de inconsti-

tucionalidade89 movida pelo Estado do Espírito Santo contra Lei Estadual que

concedia, entre outras disposições, o direito a meio-ingresso em instituições públicas

86 "A definição legal dos imperativos da segurança nacional deverá ater-se à consideração dos meios necessários à promoção da defesa externa do País e à garantia das suas instituições democráticas, tal como delineadas na Constituição da República" (defesa interna)." (PEREIRA, Tadeu Pereira. Regime(s) jurídico(s) das empresas estatais que expl oram atividade econômica . Porto Alegre: Síntese, 2001. p.53-54.

87 Que é o item que neste trabalho mais importa destacar.

88 Primeiramente, caberá à lei complementar genérica dispor sobre os critérios que deverão nortear o reconhecimento dessas situações, até mesmo com vistas a delimitar as áreas de atuação do Estado empresário. Em momento posterior, incumbirá à lei ordinária específica autorizar a criação de empresa estatal, enunciando então as circunstâncias fáticas que, casuisticamente, enquadram-se em um dos pressupostos constitucionais que legitimam a atuação empresarial do Poder Público (SOCORRO ALVES, Rosângela do. Produção de mercado : os contornos da atuação empresarial dos agentes econômicos público e privado e as privatizações. 2004. Dissertação (Mestrado) - UFPR, Curitiba, 2004. p.163.

89 ADI 3512 / ES - ESPÍRITO SANTO AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE Relator(a): Min. EROS GRAU Julgamento: 15/02/2006 Órgão Julgador: Tribunal Pleno Publicação: DJ 23-06-2006 PP-00003 EMENT VOL-02238-01 PP-00091.

38

a doadores de sangue regularmente inscritos, o STF (Supremo Tribunal Federal)

entendeu que referida lei é constitucional, julgando improcedente a ação direta de

inconstitucionalidade. O fundamento dado foi o seguinte:

1. É certo que a ordem econômica na Constituição de 1988 define opção por um sistema no qual joga um papel primordial a livre iniciativa. Essa circunstância não legitima, no entanto, a assertiva de que o Estado só intervirá na economia em situações excepcionais. Muito ao contrário. 2. Mais do que simples instrumento de governo, a nossa Constituição enuncia diretrizes, programas e fins a serem realizados pelo Estado e pela sociedade. Postula um plano de ação global normativo para o Estado e para a sociedade, informado pelos preceitos veiculados pelos seus artigos 1.o, 3.o e 170. 3. A livre iniciativa é expressão de liberdade titulada não apenas pela empresa, mas também pelo trabalho. Por isso a Constituição, ao contemplá-la, cogita também da "iniciativa do Estado"; não a privilegia, portanto, como bem pertinente apenas à empresa. 4. A Constituição do Brasil em seu artigo 199, § 4.o, veda todo tipo de comercialização de sangue, entretanto estabelece que a lei infraconstitucional disporá sobre as condições e requisitos que facilitem a coleta de sangue. 5. O ato normativo estadual não determina recompensa financeira à doação ou estimula a comercialização de sangue. 6. Na composição entre o princípio da livre iniciativa e o direito à vida há de ser preservado o interesse da coletividade, interesse público primário. 7. Ação direta de inconstitucionalidade julgada improcedente.

A posição do Supremo, acima, coaduna-se claramente com o Estado providência

e garantidor da ordem social. Alterar preços efetivamente atinge a livre iniciativa.

Porém, estas medidas são legítimas quando necessárias para proteger um valor

maior, a saber, a vida humana. Nesse caso, não se pode considerar que tenha

havido efetiva infração a o princípio da livre iniciativa, mas sua efetiva adequação a

outros valores constitucionais.

A fundamentação do julgado não entendeu pela primazia da intervenção do

Estado diretamente na economia. Não foi este o sentido da decisão. Em essência,

porém, estavam em aparente conflito dois efetivos princípios constitucionais, mormente

o da proteção e promoção da saúde90 (visando políticas que beneficiassem e ampliassem

o número de pessoas que doam sangue, ao lhes garantir certos benefícios) e de

outro lado o princípio da livre iniciativa (corporificado, no caso, na desnecessidade

ou mesmo descabimento de haver lei regulamentadora de uma relação de caráter

eminentemente privado). Pode-se, portanto, desde já concluir, nesta situação específica,

que o princípio da livre iniciativa não estava em conflito com a possibilidade de

90 Artigo 196 da Constituição: A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.

39

intervenção do Estado na economia, mas em aparente conflito com o princípio

constitucional da promoção da saúde, anteriormente mencionado. Ocorreu mera

ponderação91 dos princípios em comento. A intervenção do Estado no domínio

econômico deve ser feita com respeito à própria ordem constitucional:

A possibilidade de intervenção do Estado no domínio econômico não exonera o Poder Público do dever jurídico de respeitar os postulados que emergem do ordenamento constitucional brasileiro. Razões de Estado – que muitas vezes configuram fundamentos políticos destinados a justificar, pragmaticamente, ex parte principis, a inaceitável adoção de medidas de caráter normativo – não podem ser invocadas para viabilizar o descumprimento da própria Constituição. As normas de ordem pública – que também se sujeitam à cláusula inscrita no art. 5.o, XXXVI, da Carta Política (RTJ 143/724) – não podem frustrar a plena eficácia da ordem constitucional, comprometendo-a em sua integridade e desrespeitando-a em sua autoridade.92

Igualmente, em recurso extraordinário,93 entendeu-se que a intervenção

estatal na economia se faz com respeito aos princípios e fundamentos da Ordem

Econômica, e que a fixação de preços em valores abaixo da realidade e em

desconformidade com a legislação aplicável ao setor é empecilho ao livre exercício

da atividade econômica, com desrespeito à concorrência e à livre iniciativa.

91 "A ponderação é a técnica utilizada para a neutralização ou atenuação da colisão de normas constitucionais. Destina-se a assegurar a convivência de princípios que, caso levados às últimas consequências, acabariam por se chocar. [...] Como não existe um critério abstrato que imponha a supremacia de um sobre outro, deve-se, à vista do caso concreto, fazer-se concessões recíprocas, de modo a produzir-se um resultado socialmente desejável, sacrificando o mínimo de cada um dos princípios ou direitos fundamentais em oposição." (BARROSO, Temas de direito ..., p.. 65-68. Veja também: ALEXY, Robert. Teoria de los derechos fundamentales . Madrid: Centro de Estudos Constitucionales, 1997. p.83; SARMENTO, Daniel. A ponderação de interesses na constituição federal . Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2002. p.66 entre outros.

92 RE 205.193, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 06/06/97.

93 RE 422941 / DF - DISTRITO FEDERAL RECURSO EXTRAORDINÁRIO Relator(a): Min. CARLOS VELLOSO Julgamento: 06/12/2005 Órgão Julgador: Segunda Turma Publicação: DJ 24-03-2006 PP-00055 EMENT VOL-02226-04 PP-00654 LEXSTF v.28, n.328, 2006, p.273-302.

40

3 CARACTERÍSTICAS DO DIREITO E ECONOMIA E OS AGENTE S PRIVADOS

3.1 ESBOÇO GERAL

Este capítulo focaliza-se no direito econômico94 e na análise econômica do

direito,95 e em como os entes privados96 influem na economia, de modo a serem

também atores transformadores da realidade97 em que se encontra uma empresa

em situação de dificuldades ou mesmo de insolvência. Parte-se da visão positiva da

Law And Economics, que busca explicar o efeito das normas jurídicas sobre os

94 A expressão 'direito econômico' está prevista literalmente no art. 24, I, da Constituição Federal. Seu conceito não é unânime e já movimentou bastante a doutrina. Para Washington Peluso o direito Econômico é o ramo do Direito que tem por objeto a "juridicização", ou seja, o tratamento jurídico da política econômica e, por sujeito, o agente que dela participe. Como tal, é o conjunto de normas de conteúdo econômico que assegura a defesa e harmonia dos interesses individuais e coletivos, de acordo com a ideologia adotada na ordem jurídica. Para tanto, utiliza-se do princípio da economicidade (SOUZA, Washington Peluso Albino de. Primeiras linhas de direito econômico . 5.ed. São Paulo: LTR, 2003. p.23). O mesmo autor, em outra obra, assim define direito econômico: "[...] o ramo do direito composto por um conjunto de normas de conteúdo econômico e que tem por objeto regulamentar as medidas de política econômica referentes às relações e interesses individuais e coletivos, harmonizando-as – pelo princípio da economicidade – com a ideologia adotada na ordem jurídica" (SOUZA, Washington Peluso Albino de. Direito econômico . São Paulo: Saraiva, 1980. p.3). Fábio Konder Comparato conceitua o direito econômico como "o conjunto das técnicas jurídicas de que lança mão o Estado contemporâneo na realização de sua política econômica" (COMPARATO, Fábio Konder. O indispensável direito econômico. In: _____. Ensaios e pareceres de direito empresarial . Rio de Janeiro: Forense, 1978. p.465).

95 Não se deveria confundir o direito econômico com a interpretação econômica do direito. Enquanto esta busca usar, como dito, métodos próprios e aplicáveis da economia à análise do direito, o direito econômico é um dos ramos do direito destinado a normatizar os instrumentos de política econômica do Estado. Neste sentido, o estudo do que neste trabalho se adota como "law and economics" pode estar abrangido pelo direito econômico.

96 Para os fins deste capítulo, entes privados serão as empresas e os consumidores.

97 Vide PORTER, M. E. Estratégia competitiva: técnicas para análise de indústrias e da concorrência. Rio de Janeiro: Campus, 1990, apud GRASSI MENDES, Judas Tadeu (Org.). Economia empresarial . Fae Business School. Curitiba: Associação Franciscana de Ensino Senhor Bom Jesus, 2002. p.57-69. Michael Porter tornou-se um clássico bastante conhecido na administração estratégica. Sua relevância se estende ao estudioso do direito econômico e comercial, pois delineou as seguintes idéias que interessam ao trabalho: que todo competidor (empresa), no mercado, está sujeito às forças dos concorrentes atuais, dos novos concorrentes, da inovação (produtos ou serviços substitutos), bem como sujeito ao poder de negociação dos clientes e ao poder de negociação dos fornecedores. Todas estas forças exercem forte pressão na sustentabilidade e viabilidade das empresas. Uma visão do fenômeno da recuperação judicial da empresa viável que desconsiderasse estes elementos seria parcial ou deficitária.

41

distintos mercados e em certas circunstâncias gera teorias que buscam encontrar as

causas econômicas na adoção de certas normas por parte de distintas sociedades.

Faça-se a ressalva que este capítulo não pretende expor as orientações

ideológicas dos autores da Law and Economics. Pretende-se apenas estabelecer

alguns aportes do pragmatismo norte-americano ao direito brasileiro.Fábio Nusdeo

esclarece as distinções existentes no tema:

Dentro dessa visão, é imprescindível tecer a distinção entre a norma de Direito Econômico e o mero conteúdo econômico da norma jurídica. Como sabido, tal conteúdo encontra-se na esmagadora maioria delas, mas o caráter de Direto Econômico lhes é imprimido pelo sentido de vetorialização que assumem quando voltadas à colimação de objetivos de política econômica.98

Estudar o conteúdo econômico das normas e dos atos de política do Estado é

necessário para se constatar como eles influenciam as empresas em dificuldades.

Averiguar os efeitos econômicos das normas corrobora a presunção de que a

recuperação da empresa viável não depende apenas do Judiciário, do mercado e da

solicitude de credores e devedor, mas também dos efeitos -positivos ou negativos-

advindos de medidas legais voltadas a proteger terceiros. A análise econômica do

direito possibilita visualizar estes impactos do Estado na recuperação da empresa,

quer pela legislação, quer pelas decisões judiciais ou mediante os atos próprios da

Administração Pública. Embora abordado sucintamente no capítulo anterior em

termos da interferência do Estado na economia, ressalta-se neste ponto o papel dos

agentes econômicos privados; como recebem e assimilam essas forças.

O direito constitucional da concorrência99 e a legislação infraconstitucional a

respeito100 são uma clara evidência de que não é apenas a Administração Pública

98 NUSDEO, Fábio. Curso de economia : introdução ao direito econômico. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p.206-207.

99 Vide art. 170, IV; art. 173, § 4.o e 5.o; igualmente art. 153, § 4.o, I, art. 146-A; entre outros, da Constituição.

100 Vide especialmente as seguintes fontes normativas que tratam da prevenção e repressão às infrações contra a ordem econômica: BRASIL. Lei n.o 8.884, de 11 de junho de 1994 (Lei Antitruste). Disponível em: www.presidencia.gov.br. Acesso em: mai. 2007; BRASIL, Lei n.o 8.137 de 27 de dezembro de 1990 (Crimes contra a ordem econômica), disponível online no site www.presidencia.gov.br. Acesso em mai. 2007; BRASIL. Documento Público apresentando a exposição de motivos referente ao Projeto de Lei que cria a Agência Nacional de Defesa da Concorrência. Disponível em: www.cade.gov.br. Acesso em: mai. 2007; BRASIL. Documento Público apresentando a exposição de motivos referente ao Projeto de Lei que altera a Lei n.o 8.884/94. Disponível em: www.cade.gov.br. Acesso em: mai. 2007. Ainda as principais fontes na

42

que detém poder para alterar as circunstâncias em que as empresas nascem, se

desenvolvem, atuam e eventualmente sucumbem. Na defesa da concorrência, o Estado

age para garantir a livre iniciativa e evitar a concentração econômica abusiva.

Compreende-se que a atividade empresarial, por si só, tem estreita relação com a

economia, vez que seus fins de produção de riquezas (bens ou serviços) estão

diretamente inseridos num determinado mercado e concorrendo com outros parti-

cipantes, elementos típicos da economia.

A ciência que tradicionalmente estuda o referido assunto é a microeconomia.

Pode ser conceituada como o ramo da economia que se ocupa da análise das

decisões feitas por indivíduos, famílias, empresas e indústrias e como os reflexos

econômicos dessas decisões vêm a interagir, por exemplo, na formação de preços,

produção e distribuição de bens e serviços no mercado, assim como na oferta e na

demanda. Esses elementos são essenciais e comuns a praticamente todas as

sociedades empresárias; seu interesse reside justamente na característica de serem

pressuposto econômico de todos os agentes econômicos viáveis.

Para os fins desta dissertação, importa pontuar alguns aspectos da

microeconomia por meio do estudo do "law and economics"101 (L&E), ou "direito e

economia". Trata-se de uma teoria do direito que incorpora e empresta métodos da

economia à análise jurídica, especialmente nas questões que envolvam reflexos

econômicos. Historicamente, pode-se vislumbrar já em Adam Smith102 algum

tratamento sobre os efeitos econômicos da legislação mercantil. Todavia, não se

poderia atribuir a ele a origem do L&E. Entre os principais inspiradores modernos do

internet para consulta são as seguintes: CONSELHO ADMINISTRATIVO DE DEFESA ECONÔMICA – CADE. Brasília (DF), Brasil. Disponível em: http://www.cade.gov.br. Acesso: nov. 2006. SECRETARIA DE ACOMPANHAMENTO ECONÔMICO – SEAE. Brasília-DF, Brasil. Disponível em: http://www.fazenda.gov.br/seae/. Acesso: nov. 2006. SECRETARIA DE DIREITO ECONÔMICO – SDE. Brasília (DF), Brasil. Disponível em: http://www.mj.gov.br/sde/. Acesso: nov. 2006.

101 Tem-se a data de março de 1993 que o Journal of Economic Literature of the American Economics Association incluiu o "Law and Economics" como uma disciplina formalmente separada de pesquisa.

102 SMITH, Adam. A riqueza das nações : investigação sobre sua natureza e suas causas. São Paulo: Abril Cultural, 1983. 2v. (Coleção Os economistas). Vide especialmente volume 1, livro 4, tratando dos sistemas de política econômica, p.415-453.

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L&E, pode-se tomar os seguintes autores: Ronald Coase103 e Guido Calabresi104.

Atualmente, costuma-se vincular a escola de direito e economia majoritariamente à

produção advinda da "Escola de Chicago", por possuir influentes autores como

Richard Posner105, o já citado Ronald Coase, Gary Becker106, Frank Easterbrook e

William Landes, entre outros. Todavia, esta linha de verificação do direito tem-se

estendido aos mais diversos programas universitários norte-americanos e europeus.

Para se entender o entrelaçamento do direito e da economia, basta verificar

que grande parte das normas jurídicas produz efeitos, os quais são, na grande maioria

das vezes, geradores de reflexos econômicos. Fábio Nusdeo afirma a respeito:

[...] começando por lembrar aos que se iniciam não existir propriamente uma relação entre as duas matérias – o Direito e a Economia. Elas, na realidade, se imbricam e se integram para formar um único campo de estudo, bastando lembrar que aproximadamente 90% do conteúdo do Código Civil é constituído por dispositivos de cunho econômico: contratos, regime de bens no matrimônio e nas sucessões, a propriedade, as obrigações, todos têm subjacente a si uma realidade econômica, por implicarem situações ou operações onde se cogita de bens escassos. Se isto vale para o Direito Civil, aparentemente mais desinteressado da vida econômica, o que não dizer do Direito Comercial, do Tributário, do Administrativo, do Econômico, do Urbanístico, do Ambiental e até do Penal? As sanções, reparações e indenizações, mesmo quando originadas de ofensas não econômicas, são convertidas e liquidadas em valores.107

Não apenas as normas, mas também as decisões judiciais estão repletas de

capacidade de produzir efeitos que podem extrapolar as partes a que foram

103 COASE, Ronald. The Problem of Social Cost. Journal of Law & Economics , v.3, p.1-44, Oct. 1960. Também COASE, Ronald. The Firm, The Market and The Law . Chicago: University of Chicago Press, 1988. p.95-156 e 174-179.

104 CALABRESI, Guido. Some Thoughts on Risk Distribution and the Law of Torts. Yale Law Journal , v.70, n. 4, p.499-553, (1961).

105 Vide especialmente: POSNER, Richard A. Economic analysis of law . Boston-Toronto-Londres: Little Brown & Co, 1992.

106 Becker é um autor que aplica a análise econômica a diversos elementos de mercado que não necessariamente a lei, tais como o crime, a política, a educação, a família, saúde e a caridade (BECKER, G. S. The Economics of Discrimination . Chicago: University of Chicago Press, 1957. p.126).

107 NUSDEO, op. cit., p.19.

44

dirigidas.108 Toda uma gama de exemplos poderia ser dada, como a oposição entre

as leis mais brandas e as mais rígidas em matéria tributária, até ao direito falimentar.

Neste último, a mudança legislativa ocorrida em 2005 no Brasil, com o advento da

Lei n.o 11.101/05 (Lei de Recuperação), tem toda a matéria-prima para receber a

análise sob enfoque do direito e economia.

Antes que se chegue a este ponto, deve-se notar que o principal e fulcral

conceito advindo da escola de direito e economia, e que interessará ao trabalho no

que tange à recuperação da empresa, é o de eficiência.109 Sobre o tema, esclarece

José Afonso da Silva o conteúdo geral da eficiência:

Eficiência não é um conceito jurídico, mas econômico; não qualifica normas; qualifica atividades. Numa idéia muito geral, eficiência significa fazer acontecer com racionalidade, o que implica medir os custos que a satisfação das necessidades públicas importam em relação ao grau de utilidade alcançado. [...] Rege-se, pois, pela regra da consecução do maior benefício com o menor custo possível. [...] A dificuldade está em transpor para a atividade administrativa uma noção típica da atividade econômica, que leva em conta a relação input/output (insumo/produto), o que, no mais das vezes, não é possível aferir na prestação do serviço público, onde nem sempre há um output (produto) identificável, nem existe input no sentido econômico. Por outro lado, na economia, a eficiência tem por objeto a alocação de recursos de modo a aumentar o bem-estar de pelo menos um consumidor sem diminuir, simultaneamente, o de outros.110 [grifos no original]

Já confirmada a dificuldade da transposição de conceitos econômicos à análise

jurídica, pode-se afirmar que, na teoria normativa do direito e economia, a eficiência

108 Bem se sabe quão relativizada é a assertiva de que a sentença de que a sentença faz coisa julgada somente entre as partes, não beneficiando nem prejudicando terceiros. Confira o artigo 472 do Código de Processo Civil Brasileiro. BRASIL, Lei n.o 5.869/73: Art. 472. A sentença faz coisa julgada às partes entre as quais é dada, não beneficiando, nem prejudicando terceiros. Nas causas relativas ao estado de pessoa, se houverem sido citados no processo, em litisconsórcio necessário, todos os interessados, a sentença produz coisa julgada em relação a terceiros.

109 Vide, a título exemplificativo, o princípio da eficiência incorporado à Administração Pública expressamente desde Emenda Constitucional 19, de 1998, expresso no art. 37 da Constituição Federal. Em nível infraconstitucional, os questionamentos sobre se a nova LRE é ou não eficiente e eficaz, para garantir a recuperação das empresas em crise, estão perpassados neste estudo em diversos momentos, especialmente na parte final. No Brasil, tem-se adotado o conceito de eficiência para se referir mais à forma de realizar determinado objetivo, enquanto eficácia se refere a atingir determinado resultado.

110 SILVA, José Afonso da. Direito constitucional positivo . 19.ed. São Paulo: Malheiros, 2001. p.655.

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pode ser divida em duas classes principais. A primeira é a eficiência de Pareto,111

segundo a qual uma regra jurídica será eficiente se ela não puder ser mudada sem

que uma pessoa (ou interesse) tenha ganhos em direto detrimento à outra parte, que

ficará em prejuízo (no caso da mudança da norma). O conceito de eficiência de Pareto

é uma forma possível de explicar a realidade jurídica, em que mudanças legislativas

dificilmente poderão privilegiar determinados interesses sem reduzir ou ofuscar

interesses de terceiros. Seguindo-se a regra de Pareto, as mudanças legislativas

somente poderiam ser adotadas para melhorar determinada situação individual caso

não piorassem a situação de outrem. Já a eficiência denominada de Kaldor-Hicks112

tem como premissa que uma norma será eficiente se os produtos dos benefícios de

um grupo forem superiores aos prejuízos de outro grupo, desde que haja certa

compensação à parte prejudicada.113

Resta lembrar que o assunto é vastíssimo e muito superior aos limites desta

seção. Basta concluir nesta parte que, para a visão econômica, facilitado se tornaria

trabalhar unicamente com a noção de eficiência e isolar a questão da justiça, pois

esta seria subjetiva e sucetível de diversas interpretações, enquanto aquela seria

objetiva e de caráter universal.114

111 ÓTIMO DE PARETO. Situação em que os recursos de uma economia são alocados de tal maneira que nenhuma reordenação diferente possa melhorar a situação de qualquer pessoa (ou agente econômico) sem piorar a situação de qualquer outra. O conceito foi introduzido por Vilfredo Pareto (1848-1923), e a Economia do Bem-Estar em grande medida estuda as condições Condições nas quais um Ótimo de Pareto possa ser alcançado (SANDRONI, op. cit., p.437).

112 Este desenvolvimento pode ser encontrado, entre outras, na obra de ZERBE JR, Richard O. Economic efficiency in Law and economics . Cheltenham, UK: Edward Elgar Publishing Limited, 2001. p.4-11 e 34-64.

113 Vide também a seguinte definição do teste de Kaldor-Hicks: TESTE DE KALDOR-HICKS. Teste proposto pelos economistas Nicholas Kaldor e John Hicks em artigos publicados no Economic Journal em 1939, estabelecendo que a situação A é melhor do que a situação B se aqueles que ganham ao transferir-se para a situação A podem compensar aqueles que perdem e ainda assim sair ganhando. Trata-se de uma situação hipotética e, segundo Kaldor-Hicks, a situação A é preferível à situação B, mesmo se não existir a compensação (SANDRONI, op. cit., p.602).

114 Vide a seguinte citação: "Justice is a 'subjective' value, while efficiency is 'objective'. Indeed, there are only a couple of notions of efficiency accepted by the established economic paradigm (Pareto and Kaldor Hicks) and there are as many notions of justice as judging individuals." (MATTEI, Ugo A.; ANTONIOLLI, Luisa; ROSSATO, Andréa. Comparative Law and Economics . Disponível em: <http://encyclo.findlaw.com>. Acesso em: 10 out. 2007).

46

3.2 LIMITES DA INFLUÊNCIA DOS PARTICULARES NA ECONOMIA

Para se perquirir a influência dos particulares na economia pelo viés da

análise econômica do direito, mais do que tentar averiguar economicamente como

os consumidores, empresas e indústrias, além de constituírem o fundamento do

mercado, também estariam mais ou menos aptos a influir na economia, o que é

matéria vastíssima e objeto da microeconomia pura, deve-se verificar criticamente os

pressupostos teóricos adotados.

O exame, portanto, deve ser realizado especialmente quanto aos pressupostos

do movimento do "direito e economia" e se dirigirá à sua fundamentação teórica.

Tendo cunho marcadamente neoclássico, todas as indagações à escola econômica

neoclássica aplicar-se-iam à interpretação econômica do direito já apresentada.

O principal questionamento que se levanta deriva da própria visão e análise econômica

das realidades jurídicas, as quais relegariam a segundo plano os valores sociais

(como os direitos humanos e a justiça distributiva115), dando primazia ao enfoque

dos valores econômicos. Entre os filósofos que criticaram a análise econômica do

direito destaca-se Ronald Dworkin,116 que buscou enfatizar que o destinatário da

norma será sempre o indivíduo e não as instituições econômicas; e que a riqueza

social não é um valor defensável; em suma, trata-se, como seu título sugere, de

uma questão de princípio (justiça, equidade, prudência) e não meramente de uma

questão econômica.

115 KENNEDY, Duncan. The Role of Law in Economic Thought: Essays on the Fetishism of Commodities, 34 AM.L.REV. 939, 955 (1955), citado em: BOWERS, James W. Whither what hits the fan? Murphy's law, bankruptcy theory, and the elementary economics. Ga. L. Rev. , v.26, n.27, p.46-51, Fall 1991.

116 DWORKIN, Ronald. A visão econômica do direito; a discriminação inversa. In: _____. Uma questão de princípio . São Paulo: Martins Fontes, 2001. p.351-471.

47

Algumas respostas às críticas à análise econômica do direito foram oferecidas

por Jon D. Hanson,117 ao dispor que o sistema legal, econômico, político e social não

pode ser encarado por um modelo que presuma preferências meramente axiológicas

e ideológicas. Pelo contrário, advoga que os sistemas jurídicos devem ser vistos

pela sua situação econômica, tanto individualmente quanto no seu contexto social

(família, comunidade, normas sociais, e outros fatores ambientais), tendo mais

impacto em nossas ações que a mera escolha particular. Sob este ponto de vista,

defende Hanson que a utilização do instrumental da economia na análise do direito

continua e se faz sempre mais necessária.

3.3 EXTERNALIDADES

O estudo das externalidades tem relevância no direito falimentar e da

recuperação judicial das empresas. Tal assertiva se deve ao fato de que a própria

crise econômico-financeira das empresas pode decorrer da eficácia de atos de

terceiros agentes econômicos, não diretamente relacionados com o complexo

obrigacional da empresa. Note-se que as externalidades podem ser positivas ou

negativas. Na economia, elas podem ser assim sintetizadas:

ECONOMIAS EXTERNAS (Externalidades). Benefícios obtidos por empresas que se formam (ou já existentes) em decorrência da implantação de um serviço público (por exemplo, energia elétrica) ou de uma indústria, proporcionando à primeira vantagens antes inexistentes. Por exemplo, a construção de uma rodovia pode permitir aos produtores agrícolas próximos custos de transporte mais baixos e acesso mais rápido aos mercados consumidores. A existência de economias externas permite em geral uma redução de custos para as empresas e significa uma importante alavanca do desenvolvimento econômico. Muitas empresas, antes de tomar a decisão de se instalar em determinados locais, avaliam seu potencial presente e futuro de economias externas. O contrário acontece quando a instalação de certas atividades traz aumentos de custos para as empresas ou afugenta clientes ou, ainda, desestimula a demanda de certos produtos. Nesse caso, ocorrem as "deseconomias

117 DAINES, Robert M.; HANSON, Jon D. The Corporate Law Paradox: The Case For Restructuring Corporate Law. Yale Law Journal , v.102, n.2, p. 577-637, (1992). (artigo que analisa a estrutura econômica do direito commercial), citado em ADLER, Barry E. A dilution mechanism for valuing corporations in bankruptcy. Yale L. J. , v.111, n.83, (2001). Também online de Duncan Kennedy: Law-and-Economics from the Perspective of Critical Legal Studies (from The New Palgrave Dictionary of Economics and the Law (1998)). Disponível em: <http://www.duncankennedy. net/documents>. Acesso em: 12 maio 2007.

48

externas", como, por exemplo, quando indústrias contaminam com chumbo as pastagens e águas adjacentes: o leite produzido na região pode ter sua demanda em queda não apenas por constatar-se que o produto contém aquele metal, como pelo simples fato de que os consumidores, sabendo da origem do leite, se recusam a comprá-lo, por precaução.118

Inclusive, pode-se apontar a necessidade de compreensão adequada das exter-

nalidades para se poder fundamentar com propriedade em Juízo as causas concretas

da situação patrimonial do devedor e as razões da sua crise econômico-financeira.119 O

exemplo mais concreto seria o devedor que apontasse as causas econômicas

negativas que uma medida provisória ocasionou em seu faturamente.

3.4 O TEOREMA DE COASE

Em síntese,120 o teorema de Coase121 dispõe que, em várias circunstâncias,

os atos decisórios do Poder Judiciário terão pouca influência nos que realmente

detêm os direitos. Vale dizer que a concessão de direitos (especialmente os de

propriedade) a determinadas pessoas não tem, segundo o referido teorema, muita

relevância na questão da eficiência econômica, desde que os direitos estejam bem

118 SANDRONI, op. cit., p.193.

119 Art. 51, I, Lei. n.o 11.101/2005: Art. 51. A petição inicial de recuperação judicial será instruída com: I – a exposição das causas concretas da situação patrimonial do devedor e das razões da crise econômico-financeira.

120 HARRISON, Jeffrey L. Law and Economics in a Nutshell . St. Paul, MN: West Publishing Co., 2003. p.66-92.

121 TEOREMA DE COASE. Esse teorema sustenta que as externalidades não provocam a alocação imperfeita de recursos, desde que os custos de transação (para a elaboração de contratos e negociações de acordos) sejam nulos, e os direitos de propriedade bem definidos e respeitados. Nesse caso, as partes – o produtor e o consumidor da externalidade – teriam um incentivo de mercado para negociar um acordo em benefício mútuo, de tal forma que a externalidade (economias externas) fosse "internalizada". O teorema estabelece que o resultado desse processo de troca seria o mesmo, qualquer que fosse aquele – o produtor ou o consumidor de externalidade – que possuísse poder de veto ou direito de propriedade de usar ou não o recurso (SANDRONI, op. cit., p.596).

49

definidos e uma vez que o mercado já esteja intermediando livremente os direitos

entre os agentes econômicos (entre os que têm e os que não têm certos direitos).

Um exemplo concreto da aplicação do teorema de Coase:

Assinalar direitos de propriedade tem pouco a ver com a posse de tais direitos. Apesar da teoria de Coase ter implicações para uma grande variedade de áreas do direito substantivo, ele pode ser explicado e compreendido de um contexto de competição pelo uso de recursos. Este é o caso que empresta a análise ao Hotel Fointainbleau, em Miami, versus Forty-Five, twenty Five, Inc. (proprietária do Hotel Éden Roc), Florida, Court of Appeals, 1959. A disputa referia-se ao direito do Fointainbleau, na praia de Miami, de construir um anexo de 14 andares; o problema é que a sombra iria cobrir a piscina e as áreas de sol de um hotel vizinho, o Éden Rock. Este ajuíza uma ação visando impedir a construção e pede perdas e danos já que ficará sem hóspedes: a sombra seria uma externalidade negativa, um custo imposto pela construção do Fointainbleau que o Éden Rock deve ser obrigado suportar sem qualquer benefício (alías, só teria prejuízos). A Corte decidiu que o Fointainbleau não seria obrigado a indenizar o Eden Rock com base na noção de que o direito de construção não pode ser prescindido apenas pelos prejuízos do Éden Rock, mas também pelo que o Anexo irá gerar.122

Do ponto de vista econômico, tem-se então que, uma vez existentes e bem

regulares os direitos de propriedade, e pressuposta a ausência de custos de transação,

ter-se-ia que as relações privadas seriam eficientes por si sós (desnecessidade do

Judiciário), o que equivale a dizer que não haveria externalidades123 negativas. Não

havendo custos de transação entre as partes, quando o Governo alocasse direitos

de propriedade (genericamente falando, através da lei) aos particulares, essas

determinações seriam igualmente eficientes, porque os particulares poderiam

barganhar privadamente para corrigir as possíveis externalidades que ocorressem.

A idéia central do teorema de Coase pode ser conjugada à análise econômica

do direito falimentar brasileiro. Artigos da Lei n.o 11.101/05 prevêm direitos de proprie-

dade que são resguardados aos seus titulares na recuperação judicial e na falência,

122 PINHEIRO, Armando Castelar; SADDI, Jairo. Curso de Law & Economics . São Paulo: Campus, s.d. p.151. Disponível em: <http://www.iadb.org/res/laresnetwork/projects/ pr251finaldraft.pdf>. Acesso em: 15 nov. 2007.

123 Externalidades são, pois, numa definição sucinta, os efeitos de uma ação de um agente econômico sobre um terceiro agente econômico não diretamente relacionado ao objetivo desejado pela ação.

50

como as proteções concedidas a créditos específicos.124 Segundo o teorema de Coase,

aplicado ao direito falimentar brasileiro, ter-se-ia que a proteção dos tribunais

(concedida a preexistêncida da proteção legislativa) a referidos créditos específicos

seria desnecessária caso as forças econômicas de distribuição dos direitos de

propriedade (dos credores) fossem as mais eficazes na solução tomada, seja esta a

falência do empreendimento, seja a recuperação do empreendimento pela via de

mercado. Uma vez concedida a existência de uma recuperação judicial da empresa em

crise, admite-se que o exercício de diversos direitos de crédito possa ser restringido

Seguindo-se a interpretação do teorema de Coase125 à recuperação da

empresa, tem-se que também a empresa que pleiteia a recuperação judicial deveria

ter minimizado os custos para garantir que se resguardassem126 certas restrições ao

exercício dos direitos patrimoniais específicos dos credores durante os períodos e

casos de exceção (ao exercício dos direitos patrimoniais creditórios). O pleito judicial,

concretizado por meio do plano de recuperação, de se submeter à aprovação dos

credores uma proposta de viabilidade do empreendimento representa a tentativa de

minimizar as ineficiências encontradas no mercado, e reduzir desta forma os custos

de transação.

124 BRASIL, Lei n.o 11.101/2005, art. 49. Estão sujeitos à recuperação judicial todos os créditos existentes na data do pedido, ainda que não vencidos. E seu § 3.o: Tratando-se de credor titular da posição de proprietário fiduciário de bens móveis ou imóveis, de arrendador mercantil, de proprietário ou promitente vendedor de imóvel cujos respectivos contratos contenham cláusula de irrevogabilidade ou irretratabilidade, inclusive em incorporações imobiliárias, ou de proprietário em contrato de venda com reserva de domínio, seu crédito não se submeterá aos efeitos da recuperação judicial e prevalecerão os direitos de propriedade sobre a coisa e as condições contratuais, observada a legislação respectiva, não se permitindo, contudo, durante o prazo de suspensão a que se refere o § 4.o do art. 6.o desta Lei, a venda ou a retirada do estabelecimento do devedor dos bens de capital essenciais a sua atividade empresarial.

125 "Costuma-se apontar o trabalho seminal de Ronald H. Coase sobre os custos sociais como o marco teórico inicial da análise econômica do direito, intitulado The Problem of Social Cost e publicado originariamente em outubro de 1960. [...] A popularização desse estudo levou à formulação do teorema de Coase, segundo o qual, a ausência de custos de transação no mercado permitiria uma alocação eficiente de direitos, pois os respectivos titulares, racionais e bem informados, teriam a oportunidade de negociá-los e, assim, melhorar suas condições de bem-estar." (CAVALI, Rodrigo Costenaro. Análise econômica do direito e justiça distributiva. In: CURI, Ivan Guérios (Coord.). Estudos de teoria geral do direito . Curitiba: Juruá, 2005. p.88).

126 O exemplo dado pode ser de quando os bens sujeitos às relações jurídicas do § 3.o do art. 49 da Lei de Recuperação Brasileira venham a ser inerentes e essenciais à atividade da empresa, devendo ser mantidos na atividade. Ou mesmo ao resguardo do período de suspensão de todas as ações em face da empresa em recuperação.

51

Como se presume que a maior parte das relações de mercado não serão

totalmente eficientes, o Poder Judiciário, sob o ponto de vista econômico, invariavelmente

não estará isento da prerrogativa de intervir127 nas questões envolvendo credores,

insolvência e direitos de propriedade, mas deverá considerar atentamente a relevância

dos efeitos econômicos de suas decisões, sob pena de não solucionar satisfato-

riamente as questões econômicas apresentadas em juízo.

127 Até por conta de outras garantias constitucionais do direito brasileiro, como, por exemplo, o expresso no art. 5.o, XXXV da Constituição Federal: XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito.

52

4 PRESSUPOSTOS CONCEITUAIS DO PRINCÍPIO DA RECUPERA ÇÃO DA

EMPRESA E OS INTERESSES DOS PARTÍCIPES

Após se ter verificado a influência do Estado na economia128 e da relação dos

particulares com a economia,129 sob a visão econômico-jurídica, passa-se à análise

dos pressupostos e objetivos130 da recuperação da empresa ante os diversos interesses

atingidos pela crise na empresa,131 bem como a tensão entre eles,132 especialmente

no que se refere aos particulares, governo e interesses comunitários. Este capítulo,

sem caráter histórico, busca trazer à luz algumas raízes da recuperação da empresa.

O ingresso, no sistema jurídico, de um novo diploma legal, não enseja neces-

sariamente uma revolução, ou mesmo rápida mudança no status quo. As alterações

nos premissas teóricas, históricas e concretas, da realidade em si, são muito mais

eficazes do que a mudança normativa quanto ao efeito que produzem. Igualmente,

128 Vide o capítulo 2 supra.

129 Vide o capítulo 3 supra.

130 "The overall economic objective of rehabilitation procedures is to enable a financially distressed enterprise to become a competitive and productive participant in the economy, thereby benefiting not only the stakeholders of the enterprise (owners, creditors, and employees) but also the economy more generally. For a rehabilitation procedure to achieve this objective, it must create incentives for all stakeholders to participate in the proceedings, or – when necessary – prevent some stakeholders from undermining it. Thus, for example, the features of the procedures must be sufficiently attractive to encourage debtors to commence proceedings sufficiently early on in their financial difficulties, thereby increasing the chance of rehabilitation. On the other hand, the rehabilitation procedure must provide sufficient protection to creditors to gain their confidence that it will not be used merely as a device by a nonviable enterprise to delay liquidation, during which time the value of their claims will deteriorate. To ensure that the rehabilitation achieved under the procedure will provide for long-term competitiveness rather than merely a temporary respite, the insolvency law (and other relevant laws) must avoid placing undue constraints on the type of restructuring that can take place. Thus, for example, a rehabilitation plan should be able to provide for debt-for-equity conversions, as well as for the restructuring or forgiveness of debt." (FMI. Fundo Monetário Internacional. Legal Department - International Monetary Fund. Orderly and Effective Insolvency Procedures. Key Issues, 1999. p.43-44).

131 Vide item 4.6 infra.

132 Capítulo 5.

53

no plano das idéias, são as mudanças nos diferentes paradigmas interpretativos133

e axiológicos que determinam e mesmo condicionam as reformas legislativas.

De outro lado, a mudança dos fatos geralmente é causa das mudanças legislativas.

O direito, antes de ser um fator condicionante da mudança social, é elemento que

reflete ou que procura refletir e disciplinar a realidade social. Mesmo após a alteração

da norma, pode ocorrer que o direito não esteja totalmente adaptado aos fatos que

procurou disciplinar; especialmente quando os pressupostos teóricos e filosóficos da

norma sejam ultrapassados. Por este motivo, importante examinar as premissas

teóricas da recuperação judicial na LRE diante dos vários interessados.

4.1 ESBOÇO DAS TEORIAS – CONTRATUALISMO E INSTITUCIONALISMO

A importância do estudo destas teorias reside na delimitação do âmbito de

interesse e atuação da sociedade empresária. Adotando-se quer o contratualismo

quer o institucionalismo como linha preponderante, alteram-se as linhas

interpretativas da LRE.

4.1.1 Teoria contratualista

A teoria contratualista134 tem como característica essencial a supremacia da

autonomia da vontade, centrada no valor da vontade como elemento formador de

133 A jurisprudência que se construiu com base no antigo Decreto-Lei 7.661/45, por exemplo, possuía pressupostos que ultrapassavam em muito a literalidade do que dispunha do Decreto-Lei n.o 7.661/45. Tome-se o seguinte extrato de julgado, entre os mais célebres: FALÊNCIA E COBRANÇA. O Juiz deve indeferir o pedido de falência que visa, unicamente, forçar o devedor impontual ao pagamento. A ameaça de quebra não substitui o processo de execução ou a ação de cobrança. Cumpre ao Judiciário coibir tais abusos. Precedentes citados - do STF: RE 87.405-4-RJ - do STJ: REsp 157.637-SC, DJ 13/10/1998, e REsp 1.712-RJ, DJ 9/4/1990. REsp 136.565-RS, Rel. Min. Ruy Rosado, julgado em 23/2/1999.

134 No contratualismo, o interesse da sociedade coincide com o interesse dos seus sócios. Para os seus adeptos, a natureza contratual da sociedade não permitiria que envolvesse quaisquer interesses diversos daqueles das partes contratantes. Entre as concepções contratualistas, algumas concebem o interesse social como resultado dos interesses individuais dos sócios; outras

54

direitos. A função das leis seria meramente a de proteger a vontade criadora das

obrigações e a realização dos efeitos queridos pelos contraentes.135 Sob outro

enfoque, a teoria contratualista presume que o interesse individual seja superior ou

ao menos prevalente ao interesse social. Nas palavras de Calixto Salomão Filho:

O fato histórico que faz do contratualismo a tese inicial é bastante simples. A Revolução Industrial marca o momento em que se torna desnecessária para o processo de acumulação capitalista a presença do Estado na atividade econômica (como vinha ocorrendo no mercantilismo). A evolução tecnológica industrial permite à burguesia acredita que ela, sozinha e com liberdade, seja capaz de levar adiante o processo de acumulação. Não espanta, portanto, que a Revolução Industrial traga consigo princípios societários bastante individualistas.136

A concepção histórica no contratualismo137 faz referência que o falido não

recebia proteção legal frente à pretensão do credor; pelo contrário, era penalizado

pessoalmente, com sua liberdade, em caso de insolvência e impossibilidade de honrar

seus compromissos como comerciante. Em sentido análogo, pode-se vislumbrar que

o credor possuía grande autonomia privada (entendida esta como ausência de

proibitivos legais) na persecução de seus objetivos creditícios.

o depuram de elementos externos e o definem como interesse comum dos sócios. Na primeira concepção, o interesse social corresponde àquele decidido pela maioria nas deliberações sociais. Na segunda, o interesse social é definido como interesse comum dos sócios enquanto sócios (uti socii), não identificado com outros interesses comuns dos sócios, nem representado pela somatória dos seus interesses individuais (uti singuli). Trata-se de um interesse ex causa societatis, que decorre do status socii extraído do contrato social. Todos os demais interesses dos sócios são considerados estranhos à sociedade. Essa segunda concepção pode ainda ser dividida em duas vertentes, segundo seja o interesse social concebido como interesse comum apenas dos sócios atuais ou também dos sócios futuros (CAVALI, Rodrigo Costenaro. A função da empresa no direito societário . 2006. Dissertação (Mestrado em Direito) - UFPR, Curitiba, 2006. p.58).

135 Vide MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no código de defesa do consumidor : o novo regime das relações contratuais. 4.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p.39 e 40.

136 SALOMÃO FILHO, Calixto. Recuperação de empresas e interesse social. In: SOUZA JUNIOR, Francisco Satiro de; PITOMBO, Antônio Sérgio A. Moraes (Coords.). Comentários à lei de recuperação de empresas e falência . São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. v.1. p. 42.

137 Especialmente no período do direito romano e durante a Idade Média, sendo que teve iniciado seu abrandamento no rigor infringido aos devedores no período do Código Napoleônico de 1807. Vale ressaltar desde já que este movimento não é necessariamente um movimento linear e "evolutivo", rumo a uma total proteção dos devedores falidos. Não se trata necessariamente de moderno ou evoluído o pensamento de que se deva "toda proteção ao devedor". A história tem-se caracterizado mais por um movimento pendular, em que ora a legislação privilegia a proteção dos interesses dos credores, ora protege os interesses dos devedores. É este o fato que se avalia neste trabalho.

55

No Brasil, a vigente LRE busca viabilizar a superação da situação de crise

econômico-financeira do devedor a fim de permitir a manutenção da fonte produtora

e do emprego dos trabalhadores,138 mas não poderia, e nem seria correto, negar o

interesse dos credores, ali também mencionado. A hipótese, pouco provável, de

extirpação deste objetivo da recuperação judicial – promoção dos interesses dos

credores- representaria o extremo oposto ao ideário contratualista "puro", em que a

vontade dos credores deveria ser alçada à soberania e, por este motivo,

extremamente respeitada. Evidenciado ficou que o substrato da teoria contratualista

subsiste no direito139 vigente, mesmo com a entrada em vigor de um diploma legal

de caráter institucionalista (Lei n.o 11.101/05). Vários exemplos poderiam ser dados,

bastando, porém, dois de linhas bem gerais.

No primeiro exemplo da manutenção do caráter contratualista no novo diploma,

interessa reparar que, assim como na lei não deve haver palavras ociosas, também

se deve atentar à própria ordem delas numa norma de ordem principiológica, como

o art. 47 da Lei n.o 11.101/05.140 Desta forma, embora mencionado, o interesse

dos credores aparece em terceiro lugar, após a manutenção da fonte produtora e

do emprego.

O segundo exemplo de manutenção do caráter contratualista se percebe ao

se terem instaurado na LRE diversas estruturas de caráter volitivo (p. ex. comitês de

credores, e assembléia geral de credores) com grande poder de decisão para selar, em

última análise, o destino da empresa: falência ou aceitação de plano de recuperação.

Nota-se, assim, como a diretiva principiológica de preservação da empresa – foco

institucional – está condicionada, em grande parte, pela aceitação dos referidos órgãos.

138 BRASIL, Lei n.o 11.101 de 9 de fevereiro de 2005, art. 47.

139 "As origens históricas do contratualismo têm profunda influência sobre sua construção doutrinária. Essa construção, por outro lado, continua a influenciar a aplicação das leis societárias, em particular a brasileira. Daí a necessidade do seu estudo". SALOMÃO FILHO, ob. cit. p.42.

140 Art. 47. A recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica.

56

4.1.2 Teoria institucionalista

A teoria institucionalista141 procura sobrepor o interesse social ao interesse

particular. Resta a difícil verificação, que se fará em item próprio, das fronteiras e

demarcações de cada conceito de interesse. Para fins de análise, pode-se dizer que

a teoria institucionalista está em direta oposição à teoria contratualista. Nas palavras

de Salomão Filho:

A nova concepção do interesse social tem suas conseqüências também quanto à dialética social interna. Ao contrário da concepção contratualista, no institucionalismo o conflito de interesses, ainda que existente na prática, não é requisito teórico para a explicação do funcionamento social. Com isso, quer-se dizer que a diferença entre um sistema integracionista (como é o institucionalismo), que pressupõe a colaboração na persecução de um interesse social pré-determinado, e um sistema autônomo (como o contratualismo), que pressupõe a existência de contraposição interna de interesses, está na limitação do objeto do conflito.142

141 No institucionalismo, em sentido oposto, o interesse social não se limita aos interesses dos sócios. No direito societário, a gênese da teoria institucionalista costuma ser atribuída a Walther Rathenau, economista alemão que equiparou o interesse social ao interesse público. Para ele, a grande empresa não significava uma simples organização de direito privado, mas um importante fator de desenvolvimento da economia nacional. Walther Rathenau identificava em cada grande empresa um instrumento a serviço do interesse público, voltada para o desenvolvimento econômico nacional. Por essa razão, propugnava o fortalecimento dos poderes dos órgãos da administração, em detrimento dos interesses dos acionistas minoritários. Essas idéias influenciaram fortemente a doutrina alemã, propiciando o surgimento das concepções institucionalistas da Unternehmen an sich (empresa em si) e da Person an sich (pessoa em si), que tiveram repercussão em diversos países. Essas duas formulações institucionalistas têm como característica fundamental a não redução do interesse da sociedade ao interesse coletivo do grupo de sócios. A teoria da Unternehmen an sich sustenta a existência de um interesse próprio da empresa, superior aos interesses dos sócios, à sua melhor eficiência produtiva. Trata-se de uma concepção institucionalista que acarreta a superação da própria personalidade jurídica da sociedade para enfocar o interesse da empresa, de ordem superior e natureza autônoma. A principal característica da teoria da Unternehmen an sich é uma acentuada visão publicista dos problemas da sociedade por ações, vista como a forma jurídica da grande empresa, na qual confluem os interesses mais diversos, não apenas dos acionistas, mas também dos consumidores e dos trabalhadores, bem como o interesse coletivo ao desenvolvimento da economia nacional. A teoria da Person an sich, menos radical que a teoria da Unternehmen an sich, funda-se na concepção organicista da pessoa jurídica. Procura-se demonstrar que a pessoa jurídica, ente real cuja personalidade é reconhecida pelo sistema jurídico, possui um interesse próprio, diverso e superior ao interesse dos sócios (CAVALI, A função da empresa ..., p.58).

142 Vide SALOMÃO FILHO, Recuperação de empresas..., p.47.

57

Na teoria institucional, busca-se o que se pode chamar de "bem comum".

Walter Rathenau influenciou o atual art. 116, parágrafo único, da Lei das Sociedades

Anônimas Brasileira,143 pois já a Lei de Ações alemã de 1937 dispunha em termos

parecidos.144 Estudos alemães têm recentemente proposto o que se chama de

"neoinstitucionalismo",145 que advoga a redução da influência do econômico,

devendo haver maior sensibilidade quanto os fatores políticos, culturais e sociais.

No Brasil, o legislador, no art. 47 da Lei n.o 11.101/05, ressalta o bem comum

como fim último, quando estabelece que se deva preservar a atividade econômica

empresarial, cerne que se transplanta inclusive para a falência (artigo 75 da Lei

n.o 11.101/05146), dispositivo que busca a preservação e otimização na utilização dos

bens, ativos e recursos produtivos da empresa.

143 Parágrafo único. O acionista controlador deve usar o poder com o fim de fazer a companhia realizar o seu objeto e cumprir sua função social, e tem deveres e responsabilidades para com os demais acionistas da empresa, os que nela trabalham e para com a comunidade em que atua, cujos direitos e interesses deve lealmente respeitar e atender.

144 "[…] institutionalist school, which identifies the corporate interest with the superior interest of the enterprise-in-itself (so called Unternehmen an sich doctrine). The institutionalist school is associated with the name of Walter Rathenau, a manager and politician of Weimar Germany, who influenced the drafting of the 1937 Aktiengesetz, which at § 70 included the so called Gemeinwohlklausel: 'the Management Board is required to direct the company in accordance with the requirements of the enterprise and its working force and the common welfare of the people and the empire' (quoted in Teubner, 1986: 154)." (DANESE, Giuseppe. Responsible governance : the fiduciary perspective. 2007. Tese (Doutorado) - Universidade de Trento, Itália, 2007. p.52).

145 "Der Neo-Institutionalismus erweist sich damit als ein Ansatz, der Gesellschaft nicht auf die Ökonomie reduziert, sondern ebenso eine ausgeprägte Sensibilität gegenüber der Politik, Kultur und Gemeinschaft besitzt. „Cum grano salis" läßt sich der Neo-Institutionalismus damit als implizite Anwort auf eine organisationswissenschaft ohne Gesellschaft interpretieren." (SENGE, Konstanze. Der Neo-Institutionalismus als Kritik der ökonomistischen Perspektive . 2005. Tese (Doutorado) - Universidade de Darmstadt, Alemanha, 2005. p.201).

146 Art. 75. A falência, ao promover o afastamento do devedor de suas atividades, visa a preservar e otimizar a utilização produtiva dos bens, ativos e recursos produtivos, inclusive os intangíveis, da empresa.

58

4.2 TEORIA DA EMPRESA OU TEORIA SUBJETIVA MODERNA147

A teoria da empresa representa a preponderância do aspecto subjetivo na

caracterização da atividade empresarial, enquanto a teoria dos atos de comércio

caracteriza a atividade comercial (empresarial) por aspectos objetivos (determinados

atos devidamente previstos legalmente como de atividade comercial, a que se deu o

nome de atos de comércio).

Newton De Lucca sintetiza o histórico desta teoria no direito comparado:

O primitivo conceito de empresa, de caráter restrito e subordinado à noção de "ato de comércio", é mais antigo do que normalmente se supõe, pois ingressa no mundo das categorias jurídicas no princípio da centúria passada, antes, portanto, de que a ciência econômica tivesse elaborado o seu próprio conceito, conforme nos relata Francesco Galgano148. Com efeito, basta verificar-se a disposição constante do art. 632, do Código Napoleônico de 1807, para que se conclua no sentido da retro aludida anterioridade. Essa é a razão pela qual terão os comercialistas franceses, em primeiro lugar, caminhado na formulação da Teoria da Empresa. Michel Despax149, com sua premiada obra, ter-se-á se sobressaído inquestionavelmente em França; Wieland e Endemann150, na Alemanha; Vivante151, Ferri152, Asquini153, entre

147 Vide, por todos: ASQUINI, Alberto. Perfis da empresa. Trad. Fábio Konder Comparato. Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financei ro , São Paulo, v.35, n.104, p.109-26, out./dez. 1996, em que, através de trabalho clássico, divide a empresa em quatro perfis: subjetivo, funcional, patrimonial (ou objetivo) e corporativo. Em suma, o perfil subjetivo assemelharia empresa a empresário. Pelo perfil patrimonial, empresa é a azienda ou estabelecimento. Pelo perfil corporativo, empresa é a instituição (pessoas, empregados, com propósitos comuns). E pelo perfil funcional, empresa é a atividade (econômica). É este perfil que acabou prevalecendo no direito brasileiro.

148 GALGANO, Francesco. Trattato di Diritto Commerciale e di Diritto Pubblico Dell'Economia . Padova: Cedam, 1978. v.2. p.1 e segs.

149 DESPAX, Michel. L'Entreprise et le Droit . Paris, 1957.

150 Citados por Manuel Broseta Pont, Studi in Memoria de Tullio Ascarelli. Milão, 1969, v.5, p.2.701 e segs. e no Manual de Derecho Mercantil, Madri, 1972, p.49.

151 Trattato di Diritto Commerciale, Milão, 1912.

152 Manuale di Diritto Commerciale, Turim, 1956.

153 "Profili Dell'Impresa", famoso artigo publicado na Rivista del Diritto Commerciale, Milão, p.1-20, 1943, e que se tornou um verdadeiro marco na história da teoria jurídica da empresa.

59

outros, na Itália; todos deram contribuições científicas das mais expressivas na formulação daquilo a que poderíamos designar, talvez, de "concepção clássica da empresa".154

A importância da teoria da empresa como fundamento teórico ao estudo da

recuperação da empresa está essencialmente na verificação da possibilidade de se

aplicar a LRE a certos beneficiários.155

A teoria da empresa, ou teoria subjetiva moderna, consagrada pelo Código

Civil italiano de 1942,156 não divide os atos em civis ou mercantis. Para a teoria da

empresa, o que importa é o modo pelo qual a atividade econômica é exercida; não

estuda o ato econômico em si, mas o modo como a atividade econômica é efetivada,

ou seja, estuda a empresa em si. Deve-se, portanto, para se verificar o âmbito de

aplicação do direito comercial, buscar a noção de empresa.157 Segundo o mesmo

Código Civil italiano, define-se empresa como o complexo de bens organizados pelo

empreendedor para o exercício da atividade econômica. A empresa seria a organização

econômica destinada à produção ou venda de mercadorias ou serviços, tendo como

objetivo o lucro.158 Ou seja, para a teoria da empresa, todo empreendimento organizado

154 LUCCA, Newton. A reforma do direito falimentar no Brasil . Texto proferido no "Seminário sobre a Lei de Falências", em 23 de agosto de 1999, no Salão Nobre da Ordem dos Advogados do Brasil - Seção de São Paulo. p.9. Disponível em: <http://www.juspodivm.com.br/ novodireitocivil/ARTIGOS/convidados/artigo_newton_de_lucca_reforma_falimentar.pdf>. Acesso em: maio 2006.

155 BRASIL. Lei n.o 11.101/2005, art. 1.o: Esta Lei disciplina a recuperação judicial, a recuperação extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária, doravante referidos simplesmente como devedor.

156 O Código Civil Italiano passou por constantes e extensas modificações, não só internamente, mas sobretudo externamente, com a edição de leis especiais, estando atualmente muito distante do original texto de 1942, especialmente em direito de família, propriedade e direito do trabalho. Tantas edições de leis modificando o próprio código civil italiano levou vários juristas a pensarem se tal procedimento não estaria levando a um enfraquecimento da posição central que o código ocupava. Vide texto atualmente vigente do Código Civil Italiano de 1942 "Il Codice Civile Italiano" Disponível em: <http://www.jus.unitn.it/cardozo/Obiter_Dictum/codciv/Codciv.htm>. Acesso em: jul. 2007.

157 ITÁLIA - Il Codice Civile Italiano - Art. 2555 Nozione - L'azienda è il complesso dei beni organizzati dall'imprenditore (2082) per l'esercizio dell'impresa.

158 Embora o lucro não esteja expressamente em sua definição, ele é unanimemente aceito como integrante do conceito.

60

economicamente para a produção ou circulação de bens ou serviços está submetido

ao direito especial,159 salvo as exceções expressamente previstas na legislação.

O histórico legislativo da adoção da teoria da empresa, no Brasil, remete ao

artigo 2.o da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT)160 e também à Lei das SAs.,

n.o 6.404/76, que já adotara a teoria da empresa muito antes do Código Civil de 2002

e da LRE de 2005.

A teoria da empresa refuta a noção objetiva de distinção entre sociedades civis e

sociedades comerciais.161 Tendo o Brasil adotado a teoria da empresa, aproxima-se

do modelo italiano e afasta-se do modelo francês, e torna sem sentido a utilização da

nomenclatura de sociedades civis e sociedades comerciais e, portanto, superada a

discussão sobre a possibilidade de declaração de falência das antigas sociedades civis.

Se o revogado Decreto-Lei n.o 7.661/45 adotava a teoria dos atos de comércio,

não se poderá falar o mesmo da vigente LRE, que "regula a recuperação judicial, a

extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária" (art. 1.o), adotando

a teoria da empresa quanto à incidência de seu regime de recuperação e falência.

Considera-se empresário quem tem o caráter de profissionalidade

(habitualidade) na consecução de atividade econômica organizada para a produção

ou circulação de bens ou serviços (Código Civil, art. 966, caput). Via de regra, o

Código Civil não considera empresário, por sua vez, aquele que exerce profissão

intelectual, mesmo que com o auxílio de empregados (auxiliares ou colaboradores).

Acerca da controvérsia doutrinal na interpretação do artigo 966, parágrafo único, do

159 Para LEÃES, Luiz Gastão Paes de Barros. A disciplina do direito de empresa no novo Código Civil. Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro , São Paulo, n.128, p.7-14, 1992, a atividade negocial, locução melhor do que empresa, teria como características: ser "prática, reiterada, de negócios jurídicos, organizada e estável, por um mesmo sujeito, na busca de uma finalidade unitária e permanente e tendo relações interdependentes". Nem toda atividade negocial habitual se enquadra no conceito de empresária. "Regra de exceção" seria a natureza "artesanal" da atividade.

160 BRASIL. Decreto-Lei n.o 5.452, de 1.o de maio de 1943, art. 2.o - Considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviço.

161 FOLENA DE OLIVEIRA, Jorge Rubem. A possibilidade jurídica da declaração de falência das sociedades civis com a adoção da teoria da empresa no direito positivo brasileiro. Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro , n.113, p.137, jan./mar. 1999.

61

Código Civil,162 sobre se as atividades intelectuais estão sujeitas ao regime

falimentar, resume-se o polêmica ao se esposar a fundamentação de Gonçalves

Neto, para quem:

De toda maneira, ser "elemento de atividade organizada de empresa" ou, simplesmente, "elemento de empresa" significa ser parcela dessa atividade e n'ao a atividade em si, isoladamente considerada. Penso, por isso, que "a única possibilidade de enquadrar a atividade intelectual no regime jurídico empresarial será considerando-a como parte de um todo mais amplo apto a se identificar como empresa – ou, mais precisamente, como um dos vários 'elementos' em que se decompõe determinada empresa". [...] Sujeita-se às disposições do direito de empresa e, portanto, considera-se empresário o intelectual que contribui com seu trabalho profissional para um produto ou serviço diverso e mais completo em relação àquele de sua habilitação, como seriam, dentre outros, (i) o contabilista em uma atividade de consultoria, cujos contornos exigem auditoria, marketing etc., (ii) o médico que agrega à prática da medicina um spa, onde ao seu paciente oferece repouso e refeições, (iii) o veterinário que, além do seu ofício, hospeda animais na viagem de seus donos, (iv) o engenheiro calculista que mantém um empreendimento de construção civil, (v) um técnico em informática que agrega à sua atividade intelectual a exploração comercial de softwares e assim por diante.163

Desta forma, acerca da possibilidade da aplicação do regime integral do direito

comercial (especialmente os regimes de recuperação da empresa) aos prestadores de

serviços intelectuais, corrobora-se o entendimento que enquadra os serviços intelectuais

naquele regime, desde que efetivamente constituídos em elemento de empresa.

4.3 VIABILIDADE DE RECUPERAÇÃO DA EMPRESA EM CRISE

Como parece evidente, nem toda164 empresa em dificuldades merece uma

chance, dada pelo Judiciário, de tentar se recuperar.165 A boa lógica e a lei devem

162 Art. 966. Considera-se empresário quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços. Parágrafo único. Não se considera empresário quem exerce profissão intelectual, de natureza científica, literária ou artística, ainda com o concurso de auxiliares ou colaboradores, salvo se o exercício da profissão constituir elemento de empresa.

163 GONÇALVES NETO, Alfredo de Assis. Direito de empresa : comentários aos artigos 966 a 1.195 do código civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p.70.

164 Marcelo Guedes Nunes e Marco Aurélio Freire Barreto assim aduzem: "os mecanismos legais de falência empresarial desempenham uma importante função social, que é retirar do mercado o mau empresário e permitir que os recursos sob sua administração sejam alocados de maneira

62

efetivar a proteção somente aos entes produtivos que possuam efetivas possibilidades de

recuperação, desde que o custo social de se suportar a recuperação da empresa não

seja superior ao custo do processamento da falência e alienação do ativo entre os

credores.166 Deve-se notar, todavia, que nem todos os sistemas jurídicos exigem o

requisito da viabilidade do negócio.167 Em princípio, contudo, a viabilidade da empresa

confunde-se com sua competitividade; o sistema de livre concorrência tende a eliminar

aquelas não competitivas, independentemente do que dispõem os sistemas jurídicos.

A LRE não é indiferente à "crise econômico-financeira".168 São dois universos

reunidos na mesma expressão. A viabilidade do plano de recuperação, independen-

temente de sua complexidade ou extensão, pressupõe a empresa em crise financeira.

A crise econômica, por sua vez, tem natureza profunda, atingindo o âmago do insucesso

mais eficiente. Por isso, nem toda empresa que apresenta dificuldades financeiras deve ser beneficiada com a recuperação judicial. Há de se distinguir entre as empresas que tenham dificuldades conjunturais momentâneas (viáveis no longo prazo) daquelas que apresentam dificuldades estruturais e insanáveis (inviáveis no longo prazo)" (NUNES, Marcelo Guedes; BARRETO, Marco Aurélio Freire. Alguns apontamentos sobre comunhão de credores e viabilidade econômica. In: MONTEIRO, Rodrigo R.; ARAGÃO, Leandro Santos de (Coords.). Direito societário e a nova lei de falências e recupe ração de empresas . São Paulo: Quartier Latin, 2006. p.311).

165 Vide COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial : direito de empresa. 7.ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Saraiva, 2007. v.3. p.382.

166 Vide comentário correspondente, no direito português: "Virão os mais cépticos argumentar que por questões sociais se deveria garantir que empresas economicamente viáveis deveriam ser recuperadas. Não estamos completamente de acordo pelas razões que passamos a explicar. Não basta que uma empresa seja economicamente viável. Ela tem de remunerar devidamente o capital investido. Neste caso, o capital investido pelos credores será o custo de oportunidade, ou seja, o valor de liquidação. Se a empresa não consegue gerar valor de continuidade superior ao valor de liquidação, significa que os negócios resultantes dos activos liquidados são melhores do que os negócios actuais da empresa. Note-se que quem adquire os activos em liquidação pretenderá obter deles uma determinada rendibilidade e se ofereceu aquele preço foi porque entendeu que pode dessa forma rendibilizar o seu investimento." (CARVALHO DAS NEVES, João. Diagnóstico e plano de ação para a recuperação : uma visão de mercado e de crítica ao CPEREF. p.12. Disponível em: <pascal.iseg.utl.pt/~jcneves/paper_recuperacao_perspectiva_ mercado.PDF>. Acesso em: dez 2007).

167 Only Belgium, Finland, Ireland, Italy, Luxembourg, Portugal and to a certain extent, the United Kingdom (Administration), formally require that an enterprise be viable or present a strong potential to recover from its distress. Spanish law, even though not strictly requiring the viability of the enterprise, states that the enterprise must face temporary financial difficulties to benefit for the regime. We may thus conclude from this condition that the situation of the enterprise cannot be irreversible and that a prospect of survival exists. In the United States, there is no such specific requirement for the introduction of the chapter 11 proceeding except that the debtor must be in the 'zone of insolvency'. (WHITE & Case LLP. Bankruptcy and a Fresh Start : Stigma on Failure and Legal Consequences of Bankruptcy. United States Report, 2002. p.49).

168 Vide art. 47; 51; 53, III; 105; 122, II; e 129, da Lei n.o 11.101/2005.

63

da empresa; e por ser um elemento externo às forças do devedor e mesmo dos

credores, apenas raros planos de recuperação, que envolvam substanciais alterações

na estrutura da atividade econômica em comento, poderão remover a referida crise.

Para fundamentar esta posição, faz-se uma necessária distinção classificatória das

dificuldades empresariais no seu aspecto econômico e financeiro.

Para introduzir a noção de crise econômica, colhe-se a lição de Fábio Ulhoa

Coelho, que entende crise econômica como:

[...] retração considerável nos negócios desenvolvidos pela sociedade empresária. Se os consumidores não mais adquirem igual quantidade dos produtos ou serviços oferecidos, o empresário varejista pode sofrer queda no faturamento (não sofre, a rigor, só no caso de majorar os preços)`. Em igual situação está o atacadista, o industrial ou o fornecedor de insumos que vêem reduzidos os pedidos dos outros empresários. A crise econômica pode ser generalizada, segmentada ou atingir especificamente uma empresa; o diagnóstico preciso do alcance do problema é indispensável para a definição das medidas de superação do estado crítico. Se o empreendedor avalia estar ocorrendo retração geral na economia, quando, na verdade, o motivo da queda das vendas está no atraso tecnológico ou do seu estabelecimento, na incapacidade de sua empresa competir, as providências que adotar (ou que deixar de adotar) pode ter o efeito de ampliar a crise em vez de combatê-la.169

Igualmente, o mesmo autor prossegue ao discorrer sobre a crise financeira:

A crise financeira revela-se quando a sociedade empresária não tem caixa para honrar seus compromissos. É a crise de liquidez. As vendas podem estar crescendo e o faturamento satisfatório e, portanto, não existir crise econômica –, mas a sociedade empresária ter dificuldades de pagar suas obrigações, porque ainda não amortizou o capital investido nos produtos mais novos, está endividada em moeda estrangeira e foi surpreendida por uma crise cambial ou o nível de inadimplência na economia está acima das expectativas. A exteriorização jurídica da crise financeira é a impontualidade. Em geral, se a sociedade empresária não está também em crise econômica e patrimonial, ela pode superar as dificuldades financeiras por meio de operações de desconto em bancos das duplicatas ou outro título representativo dos créditos derivados das vendas ou contraindo mútuo bancário mediante a outorga de garantia real sobre bens do ativo. Se estiver elevado o custo do dinheiro, contudo, essas medidas podem acentuar a crise financeira, vindo a comprometer todos os esforços de ampliação de venda e sacrificar reservas imobilizadas.170

169 COELHO, Curso de direito comercial , 7.ed., p.231.

170 COELHO, Curso de direito comercial , 7.ed., p.231-232.

64

Há uma gama de outros motivos geradores da situação de crise econômico-

financeira. Jorge Lobo171 menciona, entre outros: desentendimentos entre sócios e

com administradores, oriundos basicamente de excesso de poder, má gestão, fraude,

erros estratégicos, enfermidade grave ou falecimento do principal sócio, falência de

fornecedores ou clientes importantes, concorrência172 etc.

4.3.1 Crise econômica e financeira

A empresa economicamente inviável não pode continuar no mercado por

inadequação grave a um ou mais dos seguintes fatores:173 ao próprio mercado em

si; em razão do grande número de concorrentes; baixa ou insuficiente demanda;

obsolescência de seus produtos ou serviços; insuficiência de planejamento estraté-

gico e erro de localização; em razão de mudanças econômicas globais que resultem

na mudança de cenário econômico; e mesmo decorrentes de políticas econômicas que

visem à melhoria global da economia de determinado país. As perdas (temporárias)

de empregos no mercado ou mesmo a extinção da referida atividade econômica

(e impostos gerados) serão absorvidas rapidamente, pois a própria existência da

empresa não pode representar, a rigor, um benefício social.

171 LOBO, Jorge. In: TOLEDO, Paulo F. C. Salles de; ABRÃO, Carlos Henrique (Coord.). Comentários à lei de recuperação de empresas e falência . São Paulo: Saraiva, 2005. p.104 e segs.

172 Pode-se dizer que a concorrência seria um desencadeador para evidenciar no mercado as empresas fragilizadas. Newton de Luca, ob. cit, p.14, ao comentar a situação da recuperação de empresas no contexto alemão, expõe o seguinte: "De toda sorte, fossem quais fossem os motivos, o fato é que a doutrina, de um lado, e a jurisprudência, de outro – contrariando, até certo ponto, aquelas teses neoliberais de antanho que, em nome do desenvolvimento econômico, preconizavam que a eliminação do mercado das empresas que se revelavam incapazes de sobreviver à custa de suas próprias forças era o preço necessário a ser pago a fim de que se mantivesse saudável o jogo da livre concorrência – cuidaram de deixar consagrado o princípio da preservação da empresa, idéia que parece ter logrado permanecer sempre que se cogitou uma reforma dos procedimentos concursais daquele país".

173 Confira COHEN, Marleine. Guia pequenas empresas & grandes negócios : como manter viva sua empresa. São Paulo: Globo, 2004. p.12.

65

A crise que advém do grande número de concorrentes não conflita com o

princípio da livre concorrência. Trata-se, pelo contrário, de crise econômica pela

instauração de uma sociedade empresária num mercado já saturado, sem que

possua um diferencial e forte apelo aos consumidores ou clientes. Em economia,

normalmente serão mercados com poucas barreiras à entrada, mas igualmente

poucos entraves à saída, de forma que muitíssimas empresas acabam fechando e

quebrando: a pequena padaria, a lojinha de roupas, ou qualquer pequeno comércio,

de modo geral, são exemplos. Neste sentido, quanto menor o empreendimento,

maior a chance de seu insucesso nos primeiros anos de atividade.174

A crise econômica por baixa ou insuficiente demanda exemplifica-se na

instauração de empresa a oferecer produto ou serviço em mercado em que o consumo

seja negligenciável ou inexistente dos bens, como a produção e venda, para o público

local, de roupas pesadas de inverno para consumidores de regiões tropicais.

Freqüentemente, o colapso econômico empresarial resulta de políticas macroeco-

nômicas que atingirão determinadas indústrias, como a valorização ou desvalorização

do câmbio, que pode ser prejudicial às empresas exportadoras. Tais cenários macro-

econômicos tenderão, em certos casos, a confirmar a crise econômica de certos

setores empresariais, sendo causas essencialmente econômicas de crise das empresas.

Nesses e noutros exemplos possíveis, fica claro que o devedor poderá procurar

a proteção da recuperação judicial; mas, caso os fatores econômicos sejam prepon-

derantes, a reorganização não será apropriada porque o plano, mesmo aprovado,

não atacará as causas do problema. Caso lhe seja requerida a falência, a inclinação

do Juízo deverá ser, após a verificação destas circunstâncias, pela sua decretação.

Em última análise, o direito falimentar está aparelhado para lidar com eficácia

apenas com a crise financeira.

174 COHEN, op. cit., p.11.

66

4.3.2 Viabilidade financeira e crise econômica

Exemplifica-se a empresa que possui viabilidade financeira e crise econômica

como um negócio que recebe contínuos aportes de capital dos sócios, mas não possui

faturamento próprio apto a sustentar a atividade a médio e longo prazo.

Em termos concretos, pode-se ilustrar com o empregado que, após trabalhar

anos numa grande empresa, recebe vultosa indenização trabalhista e inicia, com o

capital recebido, empreendimento próprio (sob a forma de uma sociedade limitada,

tendo um parente como sócio minoritário). Se o empreendedor não possui suficiente

conhecimento do mercado, de administração e não realiza um planejamento eficiente,

sua ventura redundará em consecutivos aportes financeiros de capital próprio em

negócio visceralmente desestruturado, o qual, após operar meses deficitariamente,

nunca ultrapassando o ponto de equilíbrio, terá esgotado a integralidade do capital

inicialmente destinado ao empreendimento. Neste caso, ou o empresário conseguirá

novas fontes de financiamento, de planejamento e um interessado em assumir o

negócio, ou a extinção da empresa estará próxima. Durante o eventualmente curto

período de sua duração, esta empresa pode ter tido todos seus credores pagos (na

melhor das hipóteses). Mas se o negócio nasceu viciado, o mercado terá punido o

empreendimento muito mais rapidamente do que a legislação ou o Judiciário seriam

capazes de protegê-lo.

4.3.3 Viabilidade econômica e temporária crise fina nceira 175

Qualquer empresa vigorosa pode vivenciar períodos em que, embora econo-

micamente viável, passe por temporária crise financeira, mesmo que não ocorra a

decretação de falência ou o pedido de processamento da recuperação judicial.

175 Pode-se sintetizar uma classificação do caminho da crise das empresas no seguinte esquema: "[...] caracterizamos a evolução da crise nas empresas nas seguintes fases: 1. Acontecimento económico desfavorável; 2. Tesouraria líquida negativa; 3. Falta de liquidez; 4. Insuficiência de fundo de maneio; 5. Insolvência parcial; 6. Insolvência total ou Falência técnica; 7. Falência" (CARVALHO DAS NEVES, op. cit., p.6).

67

A crise financeira pode, eventualmente, ser um indício de que há também uma crise

econômica na empresa, mas aquela não é conseqüência exclusiva desta. Se assim não

fosse, justificar-se-ia tentar-se a recuperação de qualquer empresa, pelos argumentos

expostos no item 4.3.1 acima, critério que é inadmissível. Na visão contábil, a crise

financeira da empresa geralmente decorre da existência de ativos imobilizados do que

com liquidez imediata, dificultando sua solvabilidade; de outro lado as obrigações

para o curto prazo são desproporcionadamente maiores do que os recebíveis no

mesmo período. Em suma, a crise financeira decorre do colapso no fluxo de caixa176

da empresa.177

A empresa economicamente viável que esteja passando por uma temporária

dificuldade financeira é o ícone da empresa a receber a proteção legal da Lei de

Recuperação. Esta é a empresa que, dentro de certas condições,178 está apta a se

beneficiar do objetivo de que o interesse social pela sua preservação deva ser

superior ao interesse imediato dos credores.

A probabilidade de uma empresa se reorganizar aumenta com o valor dos

créditos sem garantias; com o valor de bens livres na empresa; a redução percentual

de dívidas sem garantias; incerteza de rendimentos futuros; e o tamanho da empresa; e

176 "Os índices financeiros têm sido supervalorizados como instrumentos eficientes de previsão de falências de empresas, sendo que ultimamente o fluxo de caixa tem sido considerado como um melhor indicador de futuras dificuldades financeiras das empresas." (DALBELLO, Liliane. A relevância do uso do fluxo de caixa como ferramenta de gestão financeira para avaliação de liquidez e capacidade de financiamento de empresa s. 1999. Dissertação (Mestrado em Engenharia de Produção) - UFSC, Florianópolis, 1999. p.7).

177 A LRE requer apenas a presunção de insolvência, e não a insolvência real. Ao contrário da insolvência civil, do artigo 748 CPC, que exige a insolvência real ou econômica, tanto o Decreto-Lei n.o 7.661/45 como a LRE demandam apenas a insolvência jurídica ou presumida. O devedor não precisa estar economicamente insolvente (com o seu passivo superior ao ativo) para ter instruído o seu pedido falimentar. Atesta-se esta presunção pela impontualidade, ou pelos outros requisitos do artigo 94 da LRE.

178 Como adiante se explanará com mais detalhes, estas condições, além dos requisitos da Lei de Recuperação, incluem a expressão econômica (tamanho) da empresa, número de funcionários, número de clientes, número de fornecedores, sua antiguidade, existência de concorrentes com tecnologia superior, bem como outras características que tornem mais relevante sua permanência como uma unidade produtiva.

68

reduz-se com a diferença entre os custos de transação da reorganização e os custos

de transação da falência.179

4.3.4 Viabilidade econômica e financeira

A viabilidade da empresa depende de o valor de sua atividade ser maior do

que desagregadamente, mesmo no caso de suas diversas atividades unitárias

continuarem a produzir, sob a administração de terceiros.

Considera-se empresa viável econômica e financeiramente aquela respecti-

vamente ajustada à concorrência do mercado e pontualmente solvente em suas

obrigações. Do ponto de vista legal, uma empresa estará distante da possibilidade

de decretação da falência ou mesmo distante da tutela do Judiciário desde que seja

pontual em suas obrigações com seus credores, seja solvente e não pratique atos

falimentares. Não é impossível, contudo, que uma sociedade empresária cesse,

por algum motivo inusitado, os pagamentos a seus credores nos vencimentos

das obrigações180 ou pratique qualquer outro ato que a lei considera como ato de

falência.181 Mesmo sendo uma hipótese menos comum, o encerramento da falência,

sem má-fé do devedor,182 possibilita ao falido continuar seu negócio e receber o

179 FISHER, Timothy C. G.; MARTEL, Jocelyn. The Firm's Reorganization Decision : Empirical Evidence from Canada. THEMA, Université de Cergy-Pontoise, May 2003. p.4: "Specifically, the probability of reorganization: 1. decreases with the value of unsecured debt (especially tax claims); 2. increases with the value of free assets at the firm; 3. increases with the percentage reduction in unsecured debt claims; 4. decreases with the difference between the transactions costs of reorganization and the transactions costs of liquidation; 5. increases with uncertainty in future earnings; 6. increases with firm size."

180 Art. 94. Será decretada a falência do devedor que: I - sem relevante razão de direito, não paga, no vencimento, obrigação líquida materializada em

título ou títulos executivos protestados cuja soma ultrapasse o equivalente a 40 (quarenta) salários-mínimos na data do pedido de falência;

181 Vide art. 94, III, e alíneas, da Lei n.o 11.101/2005.

182 Esta questão da má-fé ou apenas "esperteza" do empresário que, mesmo sendo solvente, aproveita-se da proteção legal da recuperação judicial para obter algum privilégio, foi tratada diretamente na seguinte obra: DELANEY, Kevin J. Strategic Bankruptcy : How corporations and Creditors Use Chapter 11 to their advantage. Berkeley: University of California Press, 1992. Este livro inclusive previu no estudo de seus casos o que seria feito mais tarde na recuperação da Varig. Vide especialmente, na obra acima, páginas 164 e seguintes. O autor analisa diversos

69

saldo da falência.183 Se a falência obrigatoriamente contemplasse situações em que

o ativo fosse sempre menor do que o passivo da empresa, não haveria sentido

cogitar-se em saldo residual ao devedor.

4.4 FUNÇÃO SOCIAL DA EMPRESA

O estudo da função social da empresa184 como pressuposto conceitual da

recuperação da empresa e da conjugação dos interesses na recuperação advém da

própria leitura do art. 47 da Lei de Recuperação:

Art. 47. A recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica.

A natureza jurídica da empresa não de sujeito de direito, nem de objeto de direito.

Sendo essencialmente uma atividade, um fato jurídico em sentido amplo. Tendo a

empresa, essência econômica, a alocação de recursos materiais, capital e trabalho tem

por objetivo o lucro, verificar a função social da propriedade,185 que é um dos elementos

casos em que as empresas norte-americanas valeram-se da proteção do Chapter 11 para fugir de grandes massas de ações de indenizações, tendo maior poder de barganha na negociação com os credores, uma vez dentro da recuperação.

183 BRASIL, Lei n.o 11.101/2005. Art. 153. Pagos todos os credores, o saldo, se houver, será entregue ao falido.

184 Vide, entre outros: TOKARS, Fábio Leandro. Função social da empresa. In: RAMOS, Carmem Lucia Silveira. Direito civil constitucional : situações patrimoniais. Curitiba: Juruá, 2002. p.86, onde defende a inexistência de função social da empresa; ARNOLDI, Paulo Roberto Colombo; MICHELAN, Taís Cristina de Camargo. Novos enfoques da função social da empresa numa economia globalizada. Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro , São Paulo, n.117, p.160-161, jan./mar. 2000. Vide também artigo 154 da Lei das S.A: Art. 154. O administrador deve exercer as atribuições que a lei e o estatuto lhe conferem para lograr os fins e no interesse da companhia, satisfeitas as exigências do bem público e da função social da empresa.

185 Fábio Konder Comparato afirma o seguinte acerca da função social da propriedade: "A função social da propriedade não se confunde com as restrições legais ao uso e gozo dos bens próprios; em se tratando de bens de produção, o pode-dever do proprietário de dar à coisa uma destinação compatível com o interesse da coletividade transmuda-se, quando tais bens são incorporados a uma exploração empresarial, em poder-dever do titular do controle de dirigir a empresa para a realização dos interesses coletivos." (COMPARATO, Fábio Konder. Direito empresarial, estudos e pareceres . São Paulo: Saraiva, 1995. p.34).

70

da empresa, torna-se pressuposto fundamental para se compreender a função social

da empresa. Embora não conste "função social da empresa" na Constituição, a

"função social da propriedade" aparece em diversos pontos.186 A propriedade é

elemento constitutivo e intrínseco da empresa; sem bens materiais, mesmo que para

uso indireto, não há empresa. No sentido da explanação da função social da

empresa e a recuperação judicial, Fonseca assevera:

A recuperação judicial, como medida extrema de sobrevivência da empresa devedora, torna relativo o pacta sunt servanda, permitindo a modificação de condições contratuais até mesmo contra a vontade da parte interessada, desde que haja uma maioria de credores em situação semelhante que concorde com os termos propostos pelo devedor. O fundamento dessa flexibilização é que a falta de um plano de recuperação pode acarretar a falência da empresa, o que não interessa a ninguém. Nem aos credores, que podem não receber o que lhes é devido, nem à sociedade, que pode perder uma unidade de produção de riqueza, renda e empregos. Ressalte-se, porém, que também essa flexibilidade tem base constitucional, pois realiza objetivos como a busca do desenvolvimento nacional (art. 3.o, II) e do pleno emprego (art. 170, VIII), além de ser consentânea com a função social da empresa, derivada da função social da propriedade (art. 170, III).187

Quanto à função social da empresa, destaque-se a responsabilidade do

controlador das sociedades empresárias no uso do poder, direcionando a companhia a

realizar seu objeto e sua função coletiva (art. 116, parágrafo único, Lei n.o 6.404/76),

comando normativo este, porém, que não tem sido devidamente utilizado e nem

concretizado em regras de aplicação mais minuciosa.

4.5 BREVES BASES FILOSÓFICAS SOBRE A RECUPERAÇÃO DA EMPRESA

EM CRISE

Ao tangenciar alguns fundamentos axiológicos da recuperação da empresa

viável, não se pretende destacar a obra de nenhum filósofo em especial, a quem se

186 Vide art. 5.o, XXIII; art. 170, III; art. 173, § 1.o, I; 182, § 2.o; 184; 185, parágrafo único; 186; todos

da Constituição da República Federativa do Brasil.

187 FONSECA, Humberto Lucena Pereira; KÖHLER, Marcos Antônio. A nova lei de falências e o instituto da recuperação extrajudicial . Brasília: Senado Federal, Consultoria Legislativa, 2005. (Texto para Discussão 22) p.18.

71

pudesse atribuir a idealização de certos princípios da "recuperação judicial"; antes,

destacam-se singelamente alguns elementos filosóficos que prevaleceram na opção

legislativa vigente, especialmente no artigo 47 da LRE.188

Acerca do papel dos valores como fonte normativa, Paulo Bonavides afirma que:

A importância jurídico-constitucional do valor assume na época contemporânea uma latitude de normatividade sem precedentes desde que os princípios foram colocados no topo da hierarquia constitucional. E os princípios são valores. E, sendo valores, são também normas, com uma dimensão de juridicidade máxima. A equiparação valor-norma representa de certo modo um dos avanços mais arrojados e significativos da ciência constitucional de nosso tempo; uma vez estabelecida, proclamada ou reconhecida, ocasiona a ruína programática das Constituições, porquanto se sabe que as chamadas normas programáticas foram sempre uma espécie de salvo-conduto para as omissões do constitucionalismo liberal no campo da positividade social do direito.189

Sob o prisma de normatividade dos princípios, portanto, os itens constitu-

cionais acerca da ordem econômica e da ordem social possuem "juridicidade máxima".

O valor "recuperação da empresa viável", se assim reconhecido constitucionalmente, tem

eficácia que ultrapassa a mera existência de normas reguladoras infraconstitucionais.

O utilitarismo é doutrina filosófica que influencia o direito falimentar ao postular a

existência de uma sociedade cujas instituições procuram maximizar ganhos e seus

indivíduos buscam sempre a maximização de seus objetivos. Esse critério transforma-se

numa "medida de todas as coisas", transplantado-se ao direito empresarial quando,

no plano de reorganização, se almeja o máximo valor possível dos recursos

escassos,190 tanto sociais quanto individuais. Esta teoria, porém, não explica o

critério para coordenar e adaptar conflitos existentes entre indivíduos.191

188 Anote-se que se cada valor (recuperação da empresa viável, manutenção da fonte produtora, do emprego, garantia dos credores, estímulo à atividade econômica) constante tão-somente no artigo 47 da LRE fosse objeto de uma análise filosófica efetivamente rigorosa, cada qual mereceria um estudo único. Ciente das limitações deste trabalho, faz-se aqui apenas uma breve notícia do utilitarismo, ou seja, de um pressuposto filosófico da recuperação das empresas viáveis.

189 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional . 19.ed. São Paulo: Malheiros, 2006. p.630.

190 Aqui o utilitarismo se assemelha ao fundamento econômico, posteriormente sistematizado, da escassez, que procura maximizar os recursos disponíveis (limitados) para atender necessidades cada vez maiores (ilimitadas).

191 SENSI, Vicenzo. L'etica del fallimento, Libera Università Internazion ale degli Studi Sociali Guido Carli . Centro di ricerca per il diritto d'impresa, 2002. p.6-7: "Una prima chiave di lettura etica della concorsualità informata alla par condicio viene offerta attraverso il richiamo alla teoria dell'utilitarismo classico che postula la presenza di una società giusta laddove le istituzioni di essa

72

A origem histórica do utilitarismo pode ser identificada na Inglaterra do século

XVIII, em que havia muito interesse pela ética em autores como Shaftesbury (1671-

1713), Hutcheson (1694-1746), e Adam Smith (1723-90). Contrários à idéia de que o

homem seria naturalmente egoísta, insistiram na natureza social do homem, possuidor

de um sentido nato pelo qual discerniria os valores morais. David Hume contribuiu

para a construção da teoria utilitarista, assim como Claude Helvetius (1715-71),

Jeremy Bentham, e John Stuart Mill no século XIX.192 O princípio fundamental do

utilitarismo, tal como visto acima, é que uma ação é correta (boa) se produz

felicidade, e é errada (má) se tende a produzir o contrário de felicidade, não apenas

de quem fez, mas de todos.193 Nusdeo assim sintetiza o utilitarismo:

Do outro lado do canal da Mancha, desenvolve-se na Inglaterra a doutrina utilitarista, com base nas contribuições, entre outros, de David Hume, James Mill, e Jeremy Bentham. Em síntese extremamente apertada, o utilitarismo – ligado ao hedonismo – sustenta que os atos humanos não devem ser julgados e justificados moralmente apenas pelas suas intenções, mas também por seus resultados e conseqüências práticas, desde que não nocivos em si. Em outras palavras, certas tendências da natureza humana, como a ambição, o desejo de desfrutar dos bens do mundo, a procura por ascensão social, devidamente canalizadas poderiam levar a resultados úteis a todos. Acreditavam os utilitaristas – e Smith desenvolveu bastante este tema – na possibilidade de harmonia de interesses, desde que elaboradas as instituições próprias ao seu adequado equacionamento.194

Transplantando-se este princípio acima para a realidade das empresas em

crise, verifica-se quanto ele é eficaz: a recuperação é boa se produz bem-estar,

sono in grado di massimizzare l'utilità complessiva, data dalla somma di quella individuale dei singoli componenti la società stessa. La teoria utilitarista muove dalla constatazione che la persona è mossa dal desiderio di soddisfare nella massima misura possibile le proprie esigenze. Questo stesso criterio di comportamento può essere traslato sul piano della organizzazione sociale per individuare la sua giustizia nella realizzazione della massima utilità possibile. La teoria utilitarista, nell'elaborare il concetto di giustizia fondandolo sulla massimizzazione della utilità sociale, tuttavia, non spiega quale debba essere il criterio alla stregua del quale coordinare e contemperare il conflitto che può generarsi tra utilità individuale ed utilità sociale o collettiva".

192 Confira COPLESTON, Frederick. A History of Phylosophy : Descartes to Leibniz. New York: Image Books, 1957. v.4. p.33.

193 RIDLING, Zaine. Philosophy then and now : a look back at 26 centuries of thought. Access Foundation, 2001. p.534.

194 NUSDEO, op. cit., p.125.

73

tanto do devedor quanto da sociedade,195 e é má se não o produz. Representa-se o

bem-estar do devedor pela sua pela reorganização. Posteriormente, outras ciências

viriam a se apropriar e sistematizar muitos destas premissas do utilitarismo, consolidando

conceitos como eficiência e economicidade dos meios.

4.6 INTERESSE GOVERNAMENTAL, COMUNITÁRIO E PRIVADO

A classificação tripartite dos interesses, aqui proposta, é uma entre muitas

tentativas para simplificar, didaticamente, uma realidade que, por sua própria comple-

xidade, pode ser de difícil compreensão. A decomposição dos interesses, dos gerais

aos mais específicos, perante o fenômeno da empresa em crise e recupe-ração, tem

como objetivo evidenciar, separada e inequivocamente, cada interesse, procurando

assinalar seus traços marcantes de identidade.

Entre os interesses ditos públicos, deve-se distinguir entre interesse público

primário, interesse público secundário e interesses comunitários.196 Nesta divisão, o

interesse público primário é o do próprio Estado, pessoa jurídica de direito público

interno. Arrecadar impostos é, desta forma, interesse público primário, e não secundário.

O interesse público secundário, por sua vez, corresponde "à dimensão pública

dos interesses individuais, ou seja, que consistem no plexo dos interesses dos

indivíduos enquanto partícipes da Sociedade [...]".197 Por fim, interesse comunitário é

195 "Thus Bentham defined human happiness entirely in terms of the ability to obtain pleasure and avoid pain. Similarly, the best government was defined as one that brought the greatest amount of happiness to the greatest number of people. Although utilitarianism was implicit in the philosophies of a number of the earlier British empiricists, it was Bentham who applied hedonism to society as a whole." (HERGENHAHN, B. R. Introduction to the History of Psychology . Wadsworth Publishing Co., 2000. p.131).

196 A utilização da expressão interesse comunitário, ao invés de interesse social, se faz para evitar a confusão com a nomenclatura já consolidada no direito societário, que aproxima a expressão interesse social ao interesse da sociedade empresária.

197 MELLO, Celso Antônio Bandeira. Curso de direito administrativo . 17.ed. São Paulo: Malheiros, 2004. p.56.

74

o manifestado por um grupo relevante de indivíduos,198 representativos de certa

coletividade. Neste ponto, interesse comunitário é de difícil definição e não pode ser

equiparado com o interesse público secundário. Interesse comunitário deve ser

entendido como o que melhor representa certa coletividade (indivíduos, empresas

etc.) necessariamente atingida por alguma medida ou ação em concreto, dentro de

um campo de atuação definido.

Barroso,199 em classificação um pouco diversa, ao tratar da supremacia do

interesse público sobre o interesse privado, assim se expressa:

Em relação a este tema, deve-se fazer, em primeiro lugar, a distinção necessária entre interesse público (i) primário – isto é, o interesse da sociedade, sintetizado em valores como justiça, segurança e bem-estar social – e (ii) secundário, que é o interesse da pessoa jurídica de direito público (União, Estados e Municípios), identificando-se com o interesse da Fazenda Pública, isto é, do erário.200 Pois bem: o interesse público secundário jamais desfrutará de uma supremacia a priori e abstrata em face do interesse particular. Se ambos entrarem em rota de colisão, caberá ao intérprete proceder à ponderação desses interesses, à vista dos elementos normativos e fáticos relevantes para o caso concreto.201

198 Note-se, desde a introdução, que este trabalho prescinde de abordar os interesses dos consumidores. Embora conexo na temática a este trabalho, procurou-se abstrair do exame a extensa temática relativa à defesa do consumidor, tendo em vista o universo próprio de sua temática. Indiretamente, porém, os direitos dos consumidores são tratados no item acerca dos interesses da comunidade afetada. Para este fim, deve-se desde já fazer remissão aos importantes conceitos do artigo 81 do Código de Defesa do Consumidor: A defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas poderá ser exercida em juízo individualmente, ou a título coletivo. Parágrafo único. A defesa coletiva será exercida quando se tratar de: I - interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato; II - interesses ou direitos coletivos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base; III - interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes de origem comum.

199 BARROSO, Luís Roberto. Neoconstitucionalismo e constitucionalização do dir eito . Working paper, p.39.

200 BARROSO, op. cit. supra, assim refere: Esta classificação, de origem italiana, é pouco disseminada na doutrina e na jurisprudência brasileiras. V. Renato Alessi, Sistema Istituzionale del diritto administrativo italiano, 1960, p.197, apud Celso Antônio Bandeira de Mello, Curso de direito administrativo, 2003, p.57. Depois de Celso Antônio, outros autores utilizaram esta distinção. V. Diogo de Figueiredo Moreira Neto, Curso de direito administrativo, 1997, p.429 e segs.

201 Igualmente BARROSO, p.39: Para um aprofundamento dessa discussão, v. meu prefácio ao livro de Daniel Sarmento (Org.), Interesses públicos versus interesses privados: desconstruindo o princípio de supremacia do interesse público, 2005. V. tb., naturalmente, o próprio livro, do qual constam textos de grande valia sobre o tema, escritos por Humberto Ávila, Paulo Ricardo Schier, Gustavo Binenbojm, Daniel Sarmento e Alexandre Aragão. O texto de Humberto Ávila foi pioneiro

75

Por fim, urge admitir a dificuldade na delimitação do que seja público,

particular e estatal, bem como a utilização às vezes discricionária dos termos no

estudo. Bresser Pereira e Nuria Cunill consignam que "o que é estatal é, em

princípio, público. O que é público pode não ser estatal, se não faz parte do aparato

do Estado". E acrescentam:

Em outras palavras, estamos supondo a existência de quatro esferas ou formas de propriedade relevantes no capitalismo contemporâneo: a propriedade pública estatal, a pública não-estatal, a corporativa e a privada. A pública estatal detém o poder de Estado e/ou é subordinada ao aparato do Estado; a pública não-estatal está voltada para o interesse público, não tem fins lucrativos, ainda que regida pelo direito privado; a corporativa também não tem fins lucrativos, mas está orientada para defender os interesses de um grupo ou corporação; a privada, finalmente, está voltada para o lucro ou o consumo privado. [...] o Estado não monopoliza nem necessariamente realiza o interesse público, mas a sociedade em abstrato tampouco. Para viabilizar o desenvolvimento de círculos virtuosos entre Estado, mercado e sociedade é preciso hoje revisar os modos de definir e realizar os interesses públicos. Colocar-se em termos do público não-estatal vai nessa direção, insinuando que a sociedade "civil" não é equivalente ao público, assim como o Estado não o esgota, mas que é precisamente na ruptura dessa dicotomia que se pode encontrar uma das maiores potencialidades para a mudança social. [...] O público, entendido como o que é de todos e para todos, se opõe tanto ao privado, que está voltado para o lucro ou para o consumo, como ao corporativo, que está orientado para a defesa política de interesses setoriais ou grupais (sindicatos ou associações de classe ou de região) ou para o consumo coletivo (clubes). Por sua vez, dentro do público, pode-se distinguir entre estatal e público não-estatal.202

Feitas estas considerações, o próximo capítulo examinará a relevância dos

agentes privados na recuperação judicial.

na discussão da matéria. Sob outro enfoque, merece referência o trabalho de Fábio Medina Osório. Existe uma supremacia do interesse público sobre o privado no direito brasileiro?, Revista de Direito Administrativo , n.220, p.107, 2000.

202 PEREIRA, Luiz Carlos Bresser; GRAU, Nuria Cunill. Entre o estado e o mercado: o público não-estatal. In: _____. O público não-estatal na reforma do Estado. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1999. p.17-21, apud SOCORRO ALVES, op. cit., p.17.

76

5 OS INTERESSES PRIVADOS E A RECUPERAÇÃO JUDICIAL

Deve-se sanar de plano o errôneo entendimento de que os credores, diante

de uma sociedade empresária em crise, compõem uma massa homogênea e

convergente de interesses. Essa falsa idéia pode advir da compreensão distorcida

do conceito de credor. Em sentido estrito, credor é quem tem, frente ao devedor, um

direito a uma prestação ou ao cumprimento de uma obrigação de caráter geralmente

pecuniário. Este é o sentido jurídico de credor.203 Também nessa acepção, a

comunidade não poderia ser "credora" da sociedade empresária em crise, pelo

simples fato de que não lhe poderá, pecuniariamente, nada cobrar. Para se evitar a

utilização do termo credor em sentido não jurídico, relembre-se da utilização do

termo interessado aos demais sujeitos que tenham um interesse mediato na

empresa em recuperação, seja uma pretensão ou mesmo expectativa de direito,

mesmo que não pecuniária. Assim, pode-se analisar o grau de interesse de outros

agentes, além dos credores elencados na LRE.

Credores

Ressalte-se que o direito falimentar clássico procura estruturar os credores em

classes que possuem interesses semelhantes ou aproximados, visando tanto hierarquizar

as preferências de crédito como satisfazer organizadamente os pagamentos.

A classificação hierárquica dos credores possibilita visualizar a discrepância de

interesses, diante da insolvência do devedor, e da impossibilidade, geralmente certa,

de se satisfazerem todos os créditos. Neste sentido, parece evidente que, quanto maior

a certeza possuída por um credor de que recuperará integralmente seu crédito,

mesmo no caso da falência do devedor, menor será sua intenção de se sujeitar a um

plano de recuperação da empresa que represente preda de seus recebimentos.

203 Vide, na LRE, artigo, 9, I.

77

Tratando dos interesses dos credores e do devedor (na concordata, à época),

Fábio Konder Comparato leciona:

Não há, com efeito, na lide deduzida em juízo de concordata uma só relação bilateral entre credor e devedor, mas relações plurilaterais entre, de um lado, o devedor insolvente e cada um dos seus credores quirografários, e de outro, esses próprios credores entre si. A pluralidade ou concorrenciabilidade do processo concordatário é, afinal, fundada no mesmo pressuposto do processo falimentar: a insolvabilidade do devedor comum. Se o ativo deste não basta para pagar todos os credores com pontualidade, é mister estabelecer uma forma de pagamento relativamente igualitária, sem considerações de termo de vencimento das dívidas respectivas (par condicio creditorum). É preciso, pois, chamar todos os credores ao mesmo juízo, para que todos, ao mesmo tempo, deduzam suas pretensões de pagamento, recebendo, cada qual, um rateio do ativo executível, proporcionalmente ao montante de seus créditos. Nesse concurso (cum + cursus), ou concorrência, fundado no pressuposto básico da insolvabilidade do devedor comum, é óbvio que também os credores manifestem interesses antagônicos entre si, pois a eliminação de qualquer deles reduz o divisor do ativo executível, aumentando o cociente atribuível a cada qual.204

Comparato205 exemplifica que é por esse motivo (da existência de concorrência

entre credores) que se possibilita, em momentos distintos da fase da habilitação dos

créditos, que outros credores impugnem os créditos declarados de outros credores.

As referidas hipóteses também se mantiveram na atual Lei n.o 11.101/05,206 em que

qualquer credor poderá impugnar a relação de credores e apontar a ausência de

qualquer crédito ou manifestar-se contra sua legitimidade, importância ou classificação.

Pelo exposto, infere-se que o interesse dos credores tende a ser individualista e

não "coletivista". O interesse comum ou do conjunto dos credores (para a recuperação,

por exemplo) será menor do que o interesse de cada credor, individualmente

considerado, de salvaguardar a maior fatia possível de seu crédito, caso este seja de

204 Parecer publicado in Revista de Jurisprudência Brasileira, Ed. Juruá, Concordata, v.36, p.42 e segs., apud LOBO, Jorge. Direito concursal : direito concursal contemporâneo, acordo pré-concursal, concordata preventiva, concordata suspensiva, estudos de direito concursal. Rio de Janeiro: Forense, 1999. p.100-101.

205 COMPARATO, op. cit. supra, p.42 e segs.

206 Vide especialmente o art. 8.o e o processamento das impugnações aos créditos nos artigos 11 a 20 da LRE.

78

igual garantia de recebimento207 na falência.208 Importa agora verificar com maior

detalhe qual o interesse de cada espécie ou classe de credores.

5.1 O INTERESSE DOS CREDORES EM ESPÉCIE FRENTE À EMPRESA EM

RECUPERAÇÃO

Quando uma sociedade empresária descumpre suas obrigações de pagamentos

nos seus respectivos prazos, instaura-se uma situação fática que poderá vir a configurar,

posteriormente, o estado jurídico209 da falência. Por ocasião da decretação de falência

do devedor, constata-se que grande parte dos credores não recuperará totalmente

seu crédito. Isso ocorre porque, na maioria das vezes, o passivo da sociedade

empresária será efetivamente muito superior ao seu ativo. Assim, diversas classes

de credores, especialmente as que têm inferiores garantias no rol de prioridades,

serão especialmente preteridas com a decretação da falência, como ocorre com os

credores sem garantias especiais e os credores quirografários. Esses credores serão

os mais propensos à aceitação de um plano de recuperação da empresa em crise.

Destacando as novidades trazidas pela Lei n.o 11.101/05, Lídia Valério Marzagão

ressalta que "contrapondo-se à concordata, que estava restrita apenas aos credores

quirografários, o novo instituto da Recuperação Judicial abrange, a princípio, todos

207 No direito comparado americano, dá se o nome de "freerider" a este fenômeno de que cada credor terá maior interesse em buscar individualmente e "egoisticamente" a recuperação de seu crédito do que um interesse em compor com outros interesses, na hipótese de que seu risco seja menor no primeiro caso. Há interesse doutrinário em resolver este problema. Existe certa conclusão de que o princípio a ser seguido é o da busca por maior "monitoramento" das informações da sociedade empresária em crise pelos próprios credores com garantias reais, buscando-se ainda a redução significativa de custos deste procedimento (LEVMORE, Saul. Monitors and freeriders in Commercial and Corporate Settings. Yale Law Journal , v.92, n.49, p.50, 1982): "It demonstrates that the freeriding problem is solved if unique monitoring tasks can be assigned to secured creditors. The discussion suggests that the observed monitoring role of secured and unsecured creditors is consistent with a debtor's attempt to minimize its interest costs."

208 Na Lei n.o 11.101/2005, vide o princípio da proteção já expresso no § 2.o do artigo 58: A recuperação judicial somente poderá ser concedida com base no § 1.o deste artigo se o plano não implicar tratamento diferenciado entre os credores da classe que o houver rejeitado. Este dispositivo poderá vir a dificultar ainda mais a aprovação de um plano de recuperação judicial.

209 Vide art. 94, I, LRE.

79

os credores anteriores ao ajuizamento da ação, conforme a regra contida no artigo

49 da Lei".210

Todavia, são tantas as exceções211 à regra do artigo 49212 que vale perguntar

se o objetivo inicial do instituto da recuperação, que seria o de obrigar todos os

credores, não foi solapado por particularismos e clientelismos. Há uma conhecida

justificativa no sentido de que a maior garantia de se receber o crédito, imposta pela

lei a determinados credores, acarretaria a redução dos juros.213 Também se justificaria

que a proteção à propriedade privada e o respeito ao cumprimento dos contratos (de

alguns credores privilegiados) seriam formas de garantir o fornecimento abundante de

capital no país, essencial ao seu crescimento214.

O sistema215 criador de preferências a certos credores é passível de críticas,

mas há poucos216 exemplos, no direito comparado, de legislações falimentares que

não criem determinadas classes de credores com preferências.

Vencidas estas considerações prévias, passa-se à verificação mais detalhada

de quais são os interesses de cada um dos diversos grupos de credores da empresa

em crise.

210 MARZAGÃO, Lídia Valério. A Recuperação Judicial. In: MACHADO, Rubens Approbato (Coord.). Comentários à Nova Lei de Falências e Recuperação d e Empresas : doutrina e prática - Lei 11.101 de 9/2/2005 e LC 118 DE 9/2/2005. São Paulo: Quartier Latin, 2005. p.86.

211 Vide os §§ 3.o a 5.o do art. 49 da Lei n.o 11.101/2005, bem como as restrições dos créditos tributários se sujeitarem à recuperação judicial, tratados com mais vagar no item sobre os credores excepcionados.

212 Art. 49. Estão sujeitos à recuperação judicial todos os créditos existentes na data do pedido, ainda que não vencidos.

213 ARAÚJO, Aloísio; LUNDBERG, Eduardo. A nova lei de falências : uma avaliação. p.15. Disponível em: <www.bcb.gov.br>. Acesso em: nov. 2006.

214 Vide MARZAGÃO, op. cit., p.88.

215 No direito brasileiro vigente, vide art. 83 Lei n.o 11.101/2005.

216 Faça-se a menção à Lei Concursal Espanhola 22/2003, de 9 de julho de 2003, que adotou postura nesse sentido.

80

5.1.1 Fornecedores

Generalidades sobre seus interesses na recuperação da atividade empresarial

Entre as diversas classes de credores, são os fornecedores quem, via de

regra, mais buscarão217 a manutenção da existência e recuperação da atividade

produtiva da empresa em crise. Fornecedores, porém, podem compor um grupo

bastante heterogêneo de interesses. Os fornecedores mais interessados na recupe-

ração – sob o ponto de vista da continuidade do negócio – serão aqueles para

quem, no montante de seus negócios e créditos, o devedor em apuros represente

uma parcela ao menos significativa. Em caso contrário, não se deve pressupor que, no

mercado capitalista, exista muita fidelidade entre as parcerias comerciais.

Assim, entre os motivos que levam os fornecedores a ter interesse na manu-

tenção da atividade produtiva do devedor, destacam-se dois principais: a falência do

devedor em crise representará um contato comercial (comprador, vendedor) a

menos; e os créditos de relações comerciais estão mais raramente assegurados por

garantias reais, o que poderá representar créditos nunca mais recebidos pelo fornecedor.

Fornecedores e incentivo à continuidade dos investi mentos à empresa em

recuperação

Conforme o artigo 67 da LRE, durante o procedimento de recuperação judicial,

a lei procurou estimular que novos créditos fossem concedidos à empresa em

217 Um exemplo: o da sociedade empresária devedora cujo passivo fosse representado por apenas duas espécies de créditos: tributos e fornecedores, o primeiro no valor de 5.000 e o segundo no valor de 10.000, sendo que os ativos do devedor, totais, não ultrapassassem 5.000. No sistema hipotético apresentado no item supra (de total isonomia de pagamentos às diversas classes de credores), no caso de falência o credor tributário receberia 50% de seu crédito (2.500) e os fornecedores receberiam 25% de seu crédito (os demais 2.500). Pela regulamentação atual brasileira, neste pequeno exemplo o credor tributário receberia 100% de seu crédito e os fornecedores (os que efetivamente estão "alimentando" a capacidade contributiva empresarial), nada receberão. Resta bastante evidente o quanto os fornecedores procurarão a aprovação de um plano de recuperação, mesmo que este represente uma dilação expressiva na data do pagamento das obrigações. Em caso de possibilidade de aprovação do parcelamento tributário, o devedor conseguiria obstar a falência e prosseguir pela melhor alternativa da recuperação judicial.

81

recuperação, garantindo-lhes o caráter de créditos extraconcursais218 na eventua-

lidade da falência, com a prioridade de recebimento, obedecida a ordem do artigo 84

da LRE.219 Essa iniciativa, inexistente no Decreto anterior, busca incentivar que os

contratos comerciais do devedor se mantenham e aumentem as chances de

sobrevivência do negócio. Esses créditos são concedidos pela confiança depositada

por investidores na empresa em recuperação. Acredita-se que esse dispositivo legal

poderá aumentar as chances de recuperação das empresas viáveis em crise, pois o

que a sociedade empresária em recuperação menos precisa é que sejam minguadas

suas fontes de investimentos para sua atividade produtiva. Eduardo Munhoz, por sua

vez, adverte que

Se tal estímulo é fundamental para o êxito da recuperação, por outro lado, é preciso cuidar para que não se torne veículo para fraudes ou abusos por parte do devedor que, por meio da assunção de novas obrigações, pode modificar a ordem de preferência dos créditos. Veja-se que os créditos extraconcursais precedem a todos os demais créditos, inclusive os trabalhistas e os com garantia real (art. 84), o que torna imprescindível a rigorosa fiscalização dos atos assim praticados pelo devedor, especialmente por parte do administrador judicial e do comitê de credores, órgãos a quem incumbe este papel.220

218 Art. 67. Os créditos decorrentes de obrigações contraídas pelo devedor durante a recuperação judicial, inclusive aqueles relativos a despesas com fornecedores de bens ou serviços e contratos de mútuo, serão considerados extraconcursais, em caso de decretação de falência, respeitada, no que couber, a ordem estabelecida no art. 83 desta Lei.

219 Art. 84. Serão considerados créditos extraconcursais e serão pagos com precedência sobre os mencionados no art. 83 desta Lei, na ordem a seguir, os relativos a: I – remunerações devidas ao administrador judicial e seus auxiliares, e créditos derivados da legislação do trabalho ou decorrentes de acidentes de trabalho relativos a serviços prestados após a decretação da falência; II – quantias fornecidas à massa pelos credores; III – despesas com arrecadação, administração, realização do ativo e distribuição do seu produto, bem como custas do processo de falência; IV – custas judiciais relativas às ações e execuções em que a massa falida tenha sido vencida; V – obrigações resultantes de atos jurídicos válidos praticados durante a recuperação judicial, nos termos do art. 67 desta Lei, ou após a decretação da falência, e tributos relativos a fatos geradores ocorridos após a decretação da falência, respeitada a ordem estabelecida no art. 83 desta Lei.

220 MUNHOZ, Eduardo Secchi. In: SOUZA JUNIOR, Francisco Satiro de (Coord.). Comentários à lei de recuperação de empresas e falências : Lei 11.101/2005 - artigo por artigo. 2.ed. São Paulo: RT, 2007. p.317.

82

Prosseguindo-se no mesmo dispositivo, Caleffi221 entende ser insuficiente o

constante no art. 67, § 1.o222, da LRE para efetivar a proteção dos interesses dos

fornecedores com créditos já constituídos que venham a continuar a manter relações

com o devedor, porque não há sentido em elevar apenas um nível de preferência,

sendo que é sabido que apenas os primeiros credores privilegiados (como trabalhadores,

banco e Fisco) vêm a receber, em caso de falência.223

Caleffi explicita que

como se viu, desde o início, qualquer empresa em estado de "pré-insolvência" seguramente detém considerável passivo tributário e os bens que even-tualmente possua já estão onerados às instituições financeiras com garantias reais, dificultando, sobremodo, qualquer possibilidade de recuperação, segundo as novas regras.224

Diante da ênfase dada à proteção dos fornecedores, entende-se que a parte

final do artigo 67225 deve ser interpretada restritivamente, não se podendo concluir que

qualquer dos créditos constantes dos incisos I a V do art. 83 deva ser reclassificado

como extraconcursal, desde que contraídos durante a recuperação judicial. O sentido

da norma, no art. 67, deve ser o de proteger os créditos decorrentes de negociação,

em que se incluem os fornecedores e excluem-se os créditos que se constituem por

imposição legal, durante a recuperação.226 Entre os créditos que se constituem por

imposição legal estão os tributários, as multas administrativas etc.227

221 Vide CALEFFI, Antônio Marcelo. Uma visão crítica da recuperação judicial instituída pela lei 11.105/2005: nova lei de falências. p.6-7. Disponível em: <http://www.crcrs.org.br/ arquivos/ palestras/convencao/caleffi.pdf>. Aceso em: maio 2006.

222 Art. 67, Parágrafo único. Os créditos quirografários sujeitos à recuperação judicial pertencentes a fornecedores de bens ou serviços que continuarem a provê-los normalmente após o pedido de recuperação judicial terão privilégio geral de recebimento em caso de decretação de falência, no limite do valor dos bens ou serviços fornecidos durante o período da recuperação.

223 No mesmo sentido, Eduardo Munhoz assim dispõe: "Para conceder um estímulo mais efetivo, a lei deveria transformar os créditos iniciais de tais fornecedores em uma classe com maior prioridade na ordem de classificação, como por exemplo a categoria dos créditos extraconcursais." (MUNHOZ, op. cit., p.318).

224 CALEFFI, op. cit, p.13.

225 Art. 67, parte final: "respeitada, no que couber, a ordem estabelecida no art. 83 desta Lei".

226 Vide COELHO, Fábio Ulhoa. Comentários à nova lei de falências e de recuperação de empresas . São Paulo: Saraiva, 2005. p.180-182.

227 COELHO, Comentários ..., p.182.

83

Fornecedores e capacidade de influência no plano de recuperação

O fato de os fornecedores, credores quirografários, terem sido incluídos (art. 41),

para fins de deliberação na Assembléia Geral228 de credores, juntamente com os

credores com privilégio geral, não é necessariamente suficiente para fins de

salvaguarda de seus interesses. Fábio Ulhoa Coelho assim escreve sobre o assunto:

Ao distribuir os credores em classe, a lei incorreu num gravíssimo erro. Falo da inclusão, na mesma classe, dos credores quirografários e dos titulares de privilégio geral. Em tese, as classes deveriam agrupar os credores com interesses convergentes. O objetivo da divisão dos credores reunidos em Assembléia em classes é o de impedir distorções na formação da vontade da comunhão. Se os créditos de maior importância pertencem a credores de uma certa classificação, a indistinção em classes levaria à prevalência dos interesses deles, nem sempre conciliáveis com os das demais. Pois bem, a reunião numa mesma classe de credores com interesses divergentes representa a negativa deste objetivo.229

E continua Coelho:

Os credores quirografários têm interesses diversos dos titulares de privilégio, especial ou geral. Enquanto estes últimos, exatamente por gozarem de preferência na falência, tendem a ser menos receptivos às propostas de alteração, novação ou renegociação de seus créditos no âmbito da recuperação judicial, os quirografários em geral se abrem mais facilmente a tais propostas. Isso porque a falência do devedor certamente impedirá que os quirografários tenham os seus créditos atendidos. Em outros termos, é muito diferente o risco de não recebimento do crédito que enfrentam os quirografários, de um lado, e os titulares de privilégio, de outro. O mais correto seria classificar os titulares de privilégio geral junto com os credores com garantia real e privilégio especial. Há maior convergência de interesses entre esses credores do que entre qualquer um deles e os quirografários.230

Essa crítica demonstra o grau de importância de se procurar harmonizar231 os

interesses conflitantes buscando aumentar a eficácia da reorganização através da

diminuição dos atritos entre os partícipes.232

228 As atribuições da Assembléia Geral de credores estão elencadas no artigo 35 da Lei de Recuperação.

229 COELHO, Comentários ..., p.106.

230 COELHO, Comentários ..., p.107.

231 No entanto, alguns dos setores envolvidos na discussão do projeto de lei (de recuperação judicial) não ficaram plenamente convencidos de que a não-submissão da minoria em processos extrajudiciais fosse a solução adequada. Esses setores alegavam que a estrutura de incentivos seria tal que todos os potenciais credores dispostos a colaborar não o fariam por um problema de coordenação. Cada credor individual optaria por não cooperar, de modo a não arcar com os

84

Os fornecedores, assim como outras categorias, podem prevalecer na

aprovação do plano de recuperação, mesmo que parcela significativa de alguma

classe de credores (geralmente os credores com preferência) tenham votado pela

sua rejeição. É a hipótese especialíssima contida no art. 58 da Lei n.o 11.101/05,

§ 1.o233, combinada com o § 2.o234.

Jorge Lobo, comentando esse dispositivo, menciona que ele servirá para

"evitar o abuso da minoria".235 Este abuso pode ocorrer, por exemplo, se credores da

classe com créditos com garantia real, ainda que representando, no caso, uma

fração pequena do passivo do devedor, rejeitarem o plano de recuperação por

serem indiferentes à decretação da falência, visto que, pela ordem de preferência,

teriam seus créditos saldados.

Eduardo Munhoz,236 no exame do art. 58 sob o enfoque do interesse dos

fornecedores, reafirma que pode ocorrer de uma classe de credores não ter qualquer

interesse na aprovação do plano de recuperação, essencialmente porque considerou o

custos e se beneficiar de um plano de recuperação que eventualmente fosse suportado pelos demais credores. A lógica econômica desse raciocínio tem raízes no problema conhecido como "dilema do prisioneiro"

(Mas-Colell e Whinston, 1995), um dos mais conhecidos modelos de análise da Teoria dos Jogos (FONSECA; KÖHLER, op. cit., p.6-7).

232 Sobre o assunto: BAROSSI-FILHO, Milton. As assembléias de credores e plano de recuperação de empresas: uma visão em teoria dos jogos. Revista de Direito Mercantil , São Paulo, v.44, n.137, p.233-238, jan./mar. 2005, em que o autor procura verificar a validade da hipótese em que as preferências entre os credores seja homogênea. Ou também PINTO JÚNIOR, Mário Engler. A teoria dos jogos e o processo de recuperação de empresas. Revista de Direito Bancário , São Paulo, v.9, n.31, p.63-79, jan./mar. 2006; e SZTAJN, Rachel. Notas sobre as assembléias de credores na Lei de Recuperação de Empresas. Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro , v.138, p.53-70, abr./jun. 2005.

233 Art. 58. Cumpridas as exigências desta Lei, o juiz concederá a recuperação judicial do devedor cujo plano não tenha sofrido objeção de credor nos termos do art. 55 desta Lei ou tenha sido aprovado pela assembléia-geral de credores na forma do art. 45 desta Lei. § 1.o O juiz poderá conceder a recuperação judicial com base em plano que não obteve aprovação na forma do art. 45 desta Lei, desde que, na mesma assembléia, tenha obtido, de forma cumulativa: I – o voto favorável de credores que representem mais da metade do valor de todos os créditos presentes à assembléia, independentemente de classes; II – a aprovação de 2 (duas) das classes de credores nos termos do art. 45 desta Lei ou, caso haja somente 2 (duas) classes com credores votantes, a aprovação de pelo menos 1 (uma) delas; III – na classe que o houver rejeitado, o voto favorável de mais de 1/3 (um terço) dos credores, computados na forma dos §§ 1.o e 2.o do art. 45 desta Lei.

234 § 2.o A recuperação judicial somente poderá ser concedida com base no § 1.o deste artigo se o plano não implicar tratamento diferenciado entre os credores da classe que o houver rejeitado.

235 LOBO, Comentários ..., p.155.

236 MUNHOZ, op. cit., p.287-293.

85

recebimento de seus créditos, na falência, como garantidos. A preservação do

interesse social pela recuperação da empresa se dá, no caso, e desde que ocorram

as exigências do art. 58, § 1.o, com a aprovação do plano pelo Juiz atendidas as

condições de aprovação estabelecidas supletivamente no artigo e a imposição237 do

plano aos credores dissidentes, os quais, contudo, não poderão receber tratamento

diferenciado (§ 2.o). Significa, na prática, que os credores da classe dissidente, como

os credores hipotecários, não poderão receber tratamento diferenciado no plano de

recuperação do que receberiam na falência, sob pena de impossibilidade de

concessão do plano de recuperação pelo Juiz.

Comentando o art. 58, Munhoz assim se expressa, em consonância com o

acima exposto:

Nesse sentido, analogamente ao que dispõe o art. 115 da Lei de Sociedades Anônimas, poder-se-ia cogitar de atribuir à classe de credores o dever de votar, no processo de recuperação, segundo o interesse dos acionistas, dos demais credores e da coletividade em geral, configurando-se abuso no exercício desse direito sempre que o credor privilegiasse posições exces-sivamente individualistas, em detrimento dos demais interesses em jogo. É o que ocorreria no caso da rejeição do plano, ainda que este não submetesse o credor a situação pior do que a que ficaria com a sua aprovação e que sua implementação fosse favorável a todas as demais classes de credores e aos acionistas. No sistema da recuperação, em vez de construir-se a disciplina da matéria a partir do instituto do voto abusivo, desenvolveu-se o instituto do cram down, concebido justamente para permitir que o juiz possa interferir, superando o veto ao plano imposto por uma classe de credores, sempre que tal rejeição contrarie o interesse público na recuperação da empresa; em outras palavras, sempre que esse veto expresse uma posição individualista, incompatível com a proteção dos demais interesses em jogo.238

Por fim, Munhoz239 aduz que o artigo 58 da LRE, ao relativizar a necessidade

de aprovação unânime das classes de credores ao plano (art. 45), acaba por

fragilizar o "absolute priority rule", pelo qual deve ser mantida a preferência dos

credores, pois pelo artigo 45 as classes de credores acabam evitando, com seu

poder de barganha, desvios do princípio240 acima.

237 Chamado de cram down, no direito americano.

238 MUNHOZ, op. cit., p.292.

239 MUNHOZ, op. cit., p.292.

240 LOBO, Comentários ..., p.155, aduz que a vedação do art. 58, § 2.o, baseia-se no princípio da pars conditio creditorum, pelo qual veda-se que o plano aprovado dê tratamento diferenciado aos credores da classe que o houver rejeitado.

86

5.1.2 Credores excluídos e/ou com privilégios em re lação ao plano de

recuperação - comentário e crítica

No Brasil, há uma forte expectativa de satisfação dos credores com garantia

real na falência, logo após certos créditos trabalhistas241 e antes dos de natureza

tributária.242 Nota-se o grau de segurança bastante alto dessa classe de credores na

recuperação de seus créditos, muitos dos quais não estarão sequer sujeitos aos

efeitos da recuperação judicial.243

Com relação aos créditos com garantias reais, é bastante corrente a crítica de

que, quando das discussões para aprovação da LRE, seus poderosos interesses

privados conseguiram prevalecer.

O principal argumento a defender a manutenção dos privilégios de certos

credores com garantias estaria na redução do risco de crédito,244 essencial ao

desenvolvimento empresarial, como já comentado anteriormente. Com base neste

argumento, sejam repensados os frágeis limites da abrangência da recuperação

judicial em sujeitar 'todos' os débitos do devedor. Evidencie-se que os credores

fiduciários não foram abrangidos pela recuperação judicial, pois se entende que não

241 Contando-se as limitações do inciso I do art. 83 da Lei n.o 11.101/2005, bem como se levando em conta os créditos extraconcursais (art. 84).

242 Vide alteração ao art. 186 do Código Tributário Nacional, operada pela Lei Complementar (LC) 118/2005: Art. 186. O crédito tributário prefere a qualquer outro, seja qual for sua natureza ou o tempo de sua constituição, ressalvados os créditos decorrentes da legislação do trabalho ou do acidente de trabalho. (Redação dada pela Lcp n.o 118, de 2005) Parágrafo único. Na falência: (Incluído pela LC n.o 118, de 2005) I – o crédito tributário não prefere aos créditos extraconcursais ou às importâncias passíveis de restituição, nos termos da lei falimentar, nem aos créditos com garantia real, no limite do valor do bem gravado; (Incluído pela LC n.o 118, de 2005).

243 Vide art. 49, § 3.o da Lei n.o 11.101/2005.

244 ARAÚJO; LUNDBERG, op. cit., p.15, assim dispõe: A mudança mais importante para o sistema financeiro, entretanto, é a criação de um ambiente institucional mais favorável à realização de operações de crédito, devido à alteração da ordem de prioridades na falência, o que deve reduzir o risco de crédito. Protegidos pela garantia real, as instituições financeiras passarão a ter uma participação mais ativa no "salvamento" de empresas recuperáveis, como ocorre em outros países. Podendo exercer com mais segurança suas garantias reais, os bancos não devem mais retardar os pedidos de falência, passando a participar e fiscalizar mais ativamente dos processos falimentares, dando-lhes mais eficiência. Além disso, respeitada a natureza mais conservadora das instituições financeiras, essa mudança seria importantíssima para estimular o aumento da intermediação financeira e redução dos juros e spreads bancários.

87

chegaram sequer a ingressar no patrimônio do devedor, cabendo diretamente a

restituição do bem, pelo credor.

Bezerra Filho, em considerações sobre o caput do artigo 49 e sua dissonância

com o restante da realidade da lei, assim se manifesta:

1. Este artigo, se efetivamente encontrasse correspondência na Lei, talvez trouxesse possibilidade de permitir a recuperação judicial. No entanto, à semelhança do art. 47, acima – que permaneceu no texto como declaração de princípios, sem respaldo no conjunto da Lei –, o art. 49 é contraditado por inúmeros outros artigos, de tal forma que deixa de ficar sujeita à recuperação uma série de créditos, aliás, os mais importantes e determinantes em qualquer tentativa de recuperação. 2. Os créditos que foram mais diretamente ressal-vados são os de origem financeira, de tal forma que, quando da elaboração final da Lei, dizia-se que esta não seria a lei de "recuperação de empresas" e sim, a lei de "recuperação do crédito bancário". E, efetivamente, a Lei não propicia grande possibilidade de recuperação, principalmente por não corresponder à realidade o que vem estabelecido no art. 49.245

Continua o autor e faz a enumeração legal dos créditos que estarão fora da

recuperação judicial:246

- bens dados em garantia real (art. 50, § 1.o); - ações que demandem quantia ilíquida, ações trabalhistas e execuções

fiscais (art. 52, inciso III, c/c art. 6.o); - créditos com garantia fiduciária de móveis e imóveis, arrendamento

mercantil, imóvel compromissado à venda em incorporações imobiliárias, com reserva de domínio (art. 52, III, c/c art. 49);

- o adiamento a contrato de câmbio para exportação (art. 49, § 4.o) - débitos tributários (art. 57) - obrigações assumidas no âmbito das câmaras de compensação e liquidação

financeira (art. 193).

Quanto aos créditos excluídos da recuperação judicial, o fundamento para

tanto estaria, segundo Coelho, para que as instituições privilegiadas "possam praticar

juros menores (com spreads não impactados pelo risco associado à recuperação

judicial), contribuindo a lei, desse modo, com a criação do ambiente propício à

245 BEZERRA FILHO, Manoel Justino. Nova lei de recuperação e falência comentada . 3.ed. São Paulo: RT, 2005. p.134.

246 BEZERRA FILHO, op. cit., p.134. A citação do autor é praticamente direta, sendo apenas reformulado o modo de apresentação de alguns dos créditos não abrangidos pela recuperação judicial.

88

retomada do desenvolvimento econômico".247 Jorge Lobo embasa a referida exclusão

no princípio da obrigatoriedade dos contratos.248

Com relação aos credores com bens com garantia real, note-se que a lei

estabelece, no § 1.o do artigo 50 da LRE, que a alienação de bem objeto de garantia

real, sua supressão ou substituição somente serão admitidas mediante aprovação

expressa do credor titular da respectiva garantia. Rachel Sztajn249 critica este

dispositivo, pois questiona qual seria o credor que abriria mão de uma garantia sem

qualquer compensação. Igualmente quanto à substituição da garantia, nota que

seria contrario à lógica substituir uma garantia sólida por outra de execução mais

difícil, entendendo que planos fundados nesta necessidade de alteração das garantias

dos credores com garantia real tenderão a não ser por eles aceitos.250 A vinculação

destes credores com garantia estará condicionada à aprovação do plano nos moldes

do artigo 58 da LRE, em que pelo menos um terço destes credores aceitasse o

plano, na forma do inciso III do artigo 58.

Sob o ponto de vista internacional, acerca das garantias conferidas a certos

credores, a UNCITRAL251 (Comissão das Nações Unidas sobre Direito Comercial

Internacional), em seu guia legislativo sobre direito da insolvência, traz alguns

fundamentos a serem aplicados à melhoria ou implantação das legislações falimentares,

destacando os seguintes princípios de proteção aos interesses dos credores:

- proteção e maximização do valor da massa (falida), para distribuição equânime

entre os credores;

- dever de reconhecimento de direitos de propriedade existentes antes da

insolvência e estabelecimento de regras claras para a determinação das

prioridades dos créditos;

247 COELHO, Comentários ..., p.132.

248 LOBO, Comentários ..., p.118.

249 SZTAJN, Comentários ..., p.246.

250 SZTAJN, Comentários ..., p.247.

251 UNCITRAL. United Nations Commission on International Trade Law. Legislative Guide on Insolvency Law. United Nations Publication , New York, E.05, v.10, 2005.

89

- não-sujeição à suspensão obrigatória das ações se as garantias reais não

tiverem "proteção adequada" e caso ocorra a diminuição do valor de suas

garantias durante a tentativa de recuperação;

- concessão de prioridade de financiamento ao devedor em recuperação sobre

os credores sem garantias.252

A UNCITRAL, contudo, não fornece uma sugestão concreta de modelo de

insolvência; apenas repassa os diversos modelos de leis falimentares, no que

abordam o grau de participação do credor com garantias, durante a votação do plano

de recuperação.253

O Banco Mundial, por sua vez, apresenta, entre outros, o seguinte interes-

sante princípio:

- questões de interesse público não deveriam ter prioridade sobre os direitos

de crédito.254

Esta questão é central da problemática. Aparentemente, a LRE brasileira

procurou ter um fim claramente social (institucionalista), com o rol de princípios do

art. 47. Por outro lado, a crítica da doutrina nacional repele a excessiva proteção dada

aos credores com garantia. Mas, ainda em oposição, mecanismos internacionais

especializados na elaboração de modelos genéricos de leis falimentares procuram

conceder plena garantia ao direito creditício. Parece haver um descompasso entre

os princípios da lei brasileira e as diretivas internacionais do que venha a ser uma lei

falimentar eficiente.

Nota-se que há correlação entre os princípios dos referidos mecanismos

legislativos internacionais acima citados, e certas disposições da LRE que prevêem a

exclusão de determinados créditos da sujeição à recuperação judicial. Por este

motivo, pode-se argumentar, o que se fará em maiores detalhes adiante, que a LRE

252 Vide UNCITRAL, op. cit., p.119: "The insolvency law should establish the priority that may be accorded to post-commencement finance, ensuring at least the payment of the post-commencement finance provider ahead of ordinary unsecured creditors, including those unsecured creditors with administrative priority."

253 UNCITRAL, op. cit., p.207-221.

254 (WORLDBANK. World Bank Legal Vice Presidency, International Bank for Reconstruction and Development. Principles for Effective Insolvency and Creditor Rights Systems . 2005. Disponível em: <http://www.worldbank.org>. Acesso em: abr. 2006).

90

não concretizou, em muitos aspectos, os princípios institucionais do seu art. 47, ao

se sujeitar aos ditames contratualistas dos referidos órgãos internacionais.

5.1.3 Acionistas e quotistas

Por uma regra geral de direito societário, somente haverá apuração de haveres

dos sócios após o pagamento de todos os credores da sociedade empresária.255

Essa ordem de pagamentos, que não apresenta problemas durante a solvência da

sociedade, tornará bastante dificultosa a situação dos sócios no caso de decretação

judicial de recuperação judicial ou falência. Os sócios somente poderão reaver o

investimento colocado na sociedade na improvável hipótese de sucesso no

pagamento de todos os outros credores da sociedade empresária. Na falência, a

rigor, os valores decorrentes de direito de sócio ao recebimento de sua parcela do

capital social sequer são oponíveis à massa, ex. vi do art. 83, § 2.o da LRE. O

objetivo desta regra é evitar que os acionistas perturbem o caminhar das negociações

anteriores, ainda em fase de reorganização da empresa (não convolada em

falência), na esperança de obter este valor através de negociações e barganhas

com os credores. Com relação aos debenturistas, a regra seria a seguinte: na

classificação dos créditos, o credor da debênture com garantia real será enquadrado

na condição de titular de obrigação com garantia real. A debênture com garantia

flutuante levará o seu titular a ser classificado como titular de crédito com privilégio

geral no quadro de credores. A debênture com crédito subordinado fará o seu titular

ser catalogado como credor subordinado, segundo o art. 83, VIII, a ser satisfeito

após os quirografários, multas contratuais e penas pecuniárias.

255 Note-se que há uma detalhada ordem de preferência entre as diversas espécies de créditos não representados por ações. São todas outras emissões de valores para levantamento de capital pela sociedade, como, por exemplo, as debêntures (vide art. 52 e seguintes da Lei n.o 6.404/76, em que as debêntures podem inclusive ser constituídas com garantia real) e as "partes beneficiárias" (vide art. 46 e seguintes da Lei 6.406/76), entre outras. Neste tópico, busca-se apenas referir como os acionistas da sociedade terão seus interesses geridos, diante da sociedade empresária em recuperação.

91

Visando-se aumentar a segurança dos investidores, as sociedades de capital

aberto poderão estar sujeitas a controle externo mais rigoroso (governança corporativa

(que não é obrigatória),256 adequação às regras da Comissão de Valores Mobiliários,257

entre outros) de forma que se permita prever a tempo as situações indicativas de um

estado de crise ou insolvência, minimizando o risco dos investidores. Quando uma

empresa com ações negociadas em bolsa de valores eventualmente atinge uma

situação extrema (declaração judicial de falência, por exemplo), tem-se que o valor

negociável das ações será zero, ou muito próximo de zero, tendo em vista a remota

possibilidade de recuperação dos valores investidos na empresa pelos investidores.

Aqueles mais atentos poderão já ter vendido todas as suas ações daquela empresa

pela análise dos sinais indicativos de problemas graves, mas a grande maioria dos

seus acionistas muito provavelmente não terá feito a mesma coisa.

Estes investidores serão contemplados pela LRE na ordem de preferência como

credores com crédito subordinado,258 de dificílimo recebimento, eis que contemplados

depois, até mesmo, dos créditos quirografários.

Numa verificação dos interesses dos acionistas minoritários,259 esses são os

que mais sofrem com a transferência de riquezas, durante a reorganização, diante

256 Governança Corporativa pode ser definida como o esforço contínuo em alinhar os objetivos da administração das empresas aos interesses dos acionistas. Isso envolve as práticas e os relacionamentos entre os Acionistas/Cotistas, o Conselho de Administração, a Diretoria, uma Auditoria Independente e até mesmo um Conselho Fiscal. A boa governança corporativa permite uma administração ainda melhor e a monitoração da direção executiva da empresa. A empresa que opta pelas boas práticas de governança corporativa adota como linhas mestras transparência, prestação de contas (accountability) e eqüidade. (Valor Investimentos, Aprenda a Investir na Bolsa de Valores, sem outras referências, p.7).

257 Disciplinada pela Lei n.o 6.385, de 7 de dezembro de 1976.

258 Vide art. 83, VIII, Lei n.o 11.101/2005.

259 "Sobre a proteção dos acionistas minoritários, tratando do dever da sociedade empresária distribuir dividendos e a distinção entre o interesse da empresa, interesse da sociedade e interesse da maioria, Waldírio Bulgarelli esclarece: Em primeiro lugar, é necessário esclarecer que bem pesadas as coisas, a empresa não tem interesses, sob pena de se admitindo tal adotar-se a teoria de Despax de que a empresa se desgarrou da sociedade, constituindo uma nova pessoa, o que é inaceitável até para o próprio Paillusseau. O que se tem, sim, no caso das reservas facultativas, é o interesse do grupo majoritário, que pretende reforçar a empresa através da constituição de reservas não previstas nos estatutos. Esta posição, contudo, deve ser tomada com a aquiescência dos minoritários, pois se trata de um sacrifício que se lhes exige. Neste ponto, aliás, é que a jurisprudência francesa se refere ao interesse da empresa, como critério para apreciação da justeza da medida, ou seja, se efetivamente é indispensável tal constituição de reservas ou não, o que, afinal, não significa reconhecer um interesse da empresa, mas aferir do acerto da medida tomada pelos majoritários, isto é, se realmente a

92

de planos de reorganização imperfeitos e custos perdidos no processo. Para

acionistas minoritários, em especial, é mais conveniente que a empresa seja vendida

rapidamente a outra corporação, do que seja aprovado um plano de recuperação, e

mantido o antigo controlador acionário.260

5.1.4 Os trabalhadores

A busca pela proteção dos direitos e interesses dos trabalhadores tem

levantado e levanta amplas discussões, seja antes da tramitação final, seja ora com

a entrada em vigor da LRE. Já se tem escrito261 especificamente sobre as impli-

cações da Lei n.o 11.101/05 no direito do trabalho. Faz-se aqui uma análise sucinta

sobre o interesse dos trabalhadores na recuperação judicial da empresa.

Destacam-se alguns pontos da Lei relativos aos trabalhadores. Primeiramente,

assim como todas as outras ações (art. 6.o, § 1.o LRE), a decretação da recuperação

judicial não suspenderá as ações trabalhistas ilíquidas, que correrão na Justiça

Especializada (Trabalhista) até a apuração do respectivo crédito, quando serão inscritas

no quadro-geral de credores (art. 6.o, § 2.o LRE). Igualmente, os créditos trabalhistas

retardatários não deixam de ter direito a voto nas deliberações da assembléia-geral

de credores (como a regra do art. 10, § 1.o estabelece para os outros créditos).

empresa necessitava de maiores recursos. [...] Essa posição em favor da empresa atende aos seus interesses, dela, maioria. E sempre para lucrar; ou seja, como meio de consolidar seus investimentos, tornando-o rentável, de várias maneiras. E é neste ponto que se coloca uma outra questão; qual seria o interesse da maioria em não distribuir os lucros auferidos, consignando-os na sua inteireza ou quase totalidade ao desenvolvimento da empresa?". (BULGARELLI, Waldírio. Regime jurídico de proteção às minorias nas S/A . Rio de Janeiro: Renovar, 1998. p.73-74).

260 Vide JACKSON, Thomas. The Logic and Limits of Bankruptcy Law . Mass.: Harward University Press, 1996. p.209-224.

261 Vide, entre outros: SOUZA, Marcelo Papaléo. A nova lei de recuperação e falência e as suas conseqüências no direito e no processo do trabalho . São Paulo: LTR, 2005.

93

O Comitê de Credores (art. 26, I, LRE) terá um representante da classe trabalhista,

e a Assembléia Geral (art. 41, I, LRE) igualmente será composta por uma classe de

titulares de créditos derivados da legislação do trabalho. Os sindicados podem

representar seus associados na Assembléia (§ 5.o, art. 37). Note-se que os traba-

lhadores, na votação do plano de recuperação, ao ocuparem sua classe votarão

por cabeça,262 independentemente do valor de seu crédito (vide art. 38 c/c art. 45,

§ 2.o), enquanto as demais classes de credores votarão com base na proporção do

valor de seu crédito. O plano de recuperação judicial não poderá prever prazo

superior a um ano para pagamento dos créditos trabalhistas já vencidos e não

poderá prever prazo superior a 30 dias para pagamento de créditos de natureza

estritamente salarial, com o teto de 5 (cinco) salários, vencidos nos três meses

anteriores à recuperação.263 Ainda, a LRE permite expressamente264 ao empregado

ceder seus créditos trabalhistas, mas é improvável que exista qualquer interessado,

tendo em vista que os créditos trabalhistas cedidos a terceiros serão considerados

quirografários, por expressa disposição legal.265 Outra proteção conferida aos

trabalhadores, bem como a diversos outros credores, é o fato de não ter validade,

em face dos trabalhadores, proposta de negociação, pelo devedor, de plano de

recuperação extrajudicial.266

262 Os credores da classe referida no inc. I do art. 41 (titulares de créditos derivados da legislação do trabalho ou decorrentes de acidente do trabalho) têm regra própria. O quórum aqui é exclusivamente quantitativo: votam os credores por cabeça (one man, one vote), independentemente do valor dos seus créditos (FRANÇA, Erasmo Valladão. In: SOUZA JUNIOR, Francisco Satiro de (Coord.). Comentários à lei de recuperação de empresas e falência s: Lei 11.101/2005 - artigo por artigo. 2.ed. São Paulo: RT, 2007. p.217).

263 Vide textualmente: Art. 54. O plano de recuperação judicial não poderá prever prazo superior a 1 (um) ano para pagamento dos créditos derivados da legislação do trabalho ou decorrentes de acidentes de trabalho vencidos até a data do pedido de recuperação judicial. Parágrafo único. O plano não poderá, ainda, prever prazo superior a 30 (trinta) dias para o pagamento, até o limite de 5 (cinco) salários-mínimos por trabalhador, dos créditos de natureza estritamente salarial vencidos nos 3 (três) meses anteriores ao pedido de recuperação judicial.

264 Diversamente do Decreto anterior, que silenciava a respeito.

265 Art. 83, § 4.o, Lei n.o 11.101/2005.

266 Lei n.o 11.101/2005, Art. 161. O devedor que preencher os requisitos do art. 48 desta Lei poderá propor e negociar com credores plano de recuperação extrajudicial. § 1.o Não se aplica o disposto neste Capítulo a titulares de créditos de natureza tributária, derivados da legislação do trabalho ou decorrentes de acidente de trabalho, assim como àqueles previstos nos arts. 49, § 3.o, e 86, inciso II do caput, desta Lei.

94

Classificação dos créditos trabalhistas e interesse

Na classificação do art. 83 da LRE,267 os créditos derivados da legislação do

trabalho estão em primeiro na ordem de prioridade, mas limitados a 150 (cento

e cinqüenta) salários mínimos por credor (art. 83, I, LRE), sendo que o crédito

que exceder esse limite será considerado quirografário (art. 83, VI, alínea c).

Essa disposição limitadora gerou controvérsia268 na doutrina e provocou o

ADIN 3.424/DF,269 em tramitação.

Explanando sobre a limitação adotada em 150 salários, Carlos Roberto

Fonseca de Andrade assim dispôs:

Tem-se assistido que a restrição ao valor dos créditos trabalhistas revela-se uma prática internacional mais severa do que a ora adotada. A par disso, estatística divulgada pelo Tribunal Superior do Trabalho no Brasil em seu Relatório Geral da Justiça do Trabalho relativo ao ano de 2003 [...] revela dados que devem ser considerados para uma avaliação do limite imposto ao privilégio do crédito trabalhista. Assim é que os números informam que, no ano de 2003, foram encerrados no âmbito da Justiça do Trabalho, em todo o território

267 Francisco de Satiro de Souza Junior critica a menção expressa do art. 83 somente à falência, sendo que esta classificação é cabível também é recuperação judicial, ex vi arts. 51, III; art. 52, § 1.o, II; art. 54, parágrafo único; art. 58, § 1.o e 2.o (SOUZA, Francisco de Satiro. In: SOUZA JUNIOR, Francisco Satiro de (Coord.). Comentários à lei de recuperação de empresas e falências : Lei 11.101/2005 - artigo por artigo. 2.ed. São Paulo: RT, 2007. p.360).

268 "O direito comparado acena, ainda, para a potencial inconstitucionalidade da alteração 'in pejus' das regras atuais que privilegiam os créditos trabalhistas. No Uruguai, o notável jurista Américo Plá Rodriguez divisou a inconstitucionalidade da Ley 14.490, de 23.12.75 (que tratou da caducidade dos créditos trabalhistas), ao argumento de que 'vai contra a proteção constitucional do trabalho', pois 'o art. 53 [da Constituição uruguaia] diz sóbria, mas muito significativamente: 'O trabalho está sob a proteção especial da lei'. Nenhum outro direito tem uma consagração tão expressiva. À ausência de limitações incluídas nas referências a outros direitos, acrescenta-se o qualificativo 'especial' que dá à expressão particular ênfase. [...] Pois bem, este regime de decadência para os créditos trabalhistas é mais severo do que o existente para a reclamação de qualquer outra espécie de créditos. De modo que o trabalho não está protegido na fase mais necessária, que é a de enfrentar quem viola as disposições estabelecidas. Pelo contrário, está desprotegido em relação a outros possíveis credores' [...] Já por isso, far-se-ia possível argüir, do mesmo modo, a inconstitucionalidade das normas limitadoras, por ir contra a proteção constitucional do trabalho e dos salários correspondentes, nos termos dos artigos 1.o, III e IV ("valores sociais do trabalho"), 6.o, 7.o, VI e X ('proteção do salário na forma da lei') e 170, caput ('valorização do trabalho humano'), todos da Constituição Federal de 1988". (FELICIANO, Guilherme Guimarães. Os créditos trabalhistas e a nova lei de falências . Parecer 02/2003. p.5-6. Disponível em: <http://www.anamatra.org.br/downloads/parecer_sobre_lei_falencias.pdf>. Acesso em: mar. 2006.

269 Ação Direta de Inconstitucionalidade, n.o 3.424, tendo por objeto o art. 83, incs. I e VI, alínea 'c'; art. 83, § 4.o; art. 84, inc. V; e art. 86, inc. II, todos da Lei n.o 11.101, de 09 de Fevereiro de 2005, proposta pela Confederação Nacional das Profissões Liberais, sendo Relator o Ministro Ricardo Lewandowski. O andamento da ação pode ser visualizado no site do STF, podendo a petição inicial ser visualizada em: <www.stf.gov.br/portal/peticaoInicial/verPeticaoInicial.asp?base= ADIN&s1=3424&processo=3424>. Acesso em: nov. 2007.

95

nacional, 1.535.550 processos. Desses, 725.975 por acordo, 53.691 por desistência, 209.931 por arquivamento e 545.953 por execução finda. Informa, ainda, o relatório que foi pago aos reclamantes o valor total de R$ 5.038.809.649,29. Excluídas as desistências e os arquivamentos que não geraram pagamentos e somando-se os processos encerrados por acordo ou com execução concluída, atingem estes o número de 1.271.928 processos que justificam o total pago. A conta é simples: dividindo-se o valor pago aos reclamantes pelo número de processos em que houve pagamento, chega-se à conclusão de que, naquele caso, o valor médio dos processos foi de R$ 3.961,00 ou cerca de dezessete salários mínimos, considerando-se que, em abril do ano de 2003, o salário mínimo fixado em lei foi de R$ 240,00. A conclusão que se extrai é a de que é socialmente justo e razoável o limite fixado para o privilégio no valor igual a cento e cinqüenta salários mínimos. O limite reveste-se de princípios éticos, sociais e operacionais.270

A origem da limitação em 150 salários prevista no artigo em comento também

pode ser vislumbrada no artigo 11 da Convenção de Genebra n. 95, de 1949 –

ratificada pelo Brasil em 25.04.1957 –, que prevê:

em caso de falência ou de liquidação judicial de uma empresa, os trabalhadores empregados na mesma deverão ser considerados como credores preferenciais no que respeita a salários que lhes sejam devidos pelos serviços prestados durante um período anterior à quebra ou à liquidação judicial que será determinado pela legislação nacional, ou no que concerne aos salários que não excedam de uma soma fixada pela legislação nacional.271

Igualmente, a Convenção n.o 173, que versa sobre a proteção dos créditos

trabalhistas na insolvência do Empregador, aprovada na 79.a Reunião da Conferência

Internacional do Trabalho (Genebra, 1992), não ratificada pelo Brasil, dispõe

o seguinte:

Art. 6 - O privilégio deverá cobrir pelo menos os créditos trabalhistas correspondentes:

a) aos salários correspondentes a um período determinado, que não deverá ser inferior a três meses, precedente à insolvência ou ao término da relação de trabalho;

LIMITAÇÕES

Art. 7 - 1. A legislação nacional poderá limitar o alcance do privilégio dos créditos trabalhistas a um montante estabelecido, que não deverá ser inferior a um mínimo socialmente aceitável.

270 ANDRADE, Carlos Roberto Fonseca. O direito do trabalho e a lei de recuperação de empresas. In: SANTOS, Paulo Penalva (Coord.). A nova lei de falências e de recuperação de empresas : Lei 11.101/2005. Rio de Janeiro: Forense, 2007. p.98.

271 Convenção de Genebra, n. 95, de 1949. p.3. Disponível em: <http://www.ilo.org/public/portugue/ region/eurpro/lisbon/pdf/conv_95.pdf>. Acesso em: set. 2007.

96

2. Quando o privilégio dos créditos trabalhistas esteja limitado desta forma, aquele montante deverá ser reajustado quando efetuado, para manter seu valor.272

Em outras palavras, a limitação de valor para pagamento de créditos traba-

lhistas já é contemplada nas normativas dos organismos internacionais de proteção

do trabalho, e se pode entender que não tem caráter inconstitucional, apesar de ter

sido derrogado o art. 449, § 1.o, da CLT.273

Aparentemente, a Lei procurou proteger "a grande massa assalariada que

percebe a remuneração na faixa compreendida pelo teto disciplinado, de modo a

criar uma barreira na tentativa de banir os pleitos incomuns e lesivos à massa".274

Fábio Ulhoa Coelho comenta que

O objetivo da limitação é impedir que se consumam os recursos da massa com o atendimento a altos salários dos administradores da sociedade falida. A preferência da classe dos empregados e equiparados é estabelecida com vistas a atender os mais necessitados, e os credores por elevados salários não se consideram nessa situação.275

Manoel Justino critica a justificativa de que a limitação evitaria créditos trabalhistas

"maquiados", pois entende que

não se pode entender como justo castigar-se o trabalhador que efetivamente tem valores altos a receber em decorrência de dedicação à empresa por longo tempo, porque o cumprimento desta obrigação poderia vir a favorecer terceiros fraudadores. É claro que muito mais correto, intuitivo até, seria criar mecanismos para evitar a fraude, ao invés de punir indiscriminadamente todos os empregados.276

272 Convenção 173, de Genebra, de 1992. p.2-3. Disponível em: <http://www.ilo.org/public/portugue/ region/ampro/brasilia/info/download/convencao173.pdf>. Acesso em: set. 2007.

273 BRASIL, DECRETO-LEI N.o 5.452, DE 1.o DE MAIO DE 1943, Consolidação das Leis do Trabalho, art. 449 - Os direitos oriundos da existência do contrato de trabalho subsistirão em caso de falência, concordata ou dissolução da empresa. § 1.o - Na falência constituirão créditos privilegiados a totalidade dos salários devidos ao empregado e a totalidade das indenizações a que tiver direito. (Redação dada pela Lei n.o 6.449, de 14.10.1977) § 2.o - Havendo concordata na falência, será facultado aos contratantes tornar sem efeito a rescisão do contrato de trabalho e conseqüente indenização, desde que o empregador pague, no mínimo, a metade dos salários que seriam devidos ao empregado durante o interregno.

274 ABRÃO, Carlos Henrique. In: TOLEDO, Paulo F. C. Salles de; ABRÃO, Carlos Henrique (Coord.). Comentários à lei de recuperação de empresas e falênci a. São Paulo: Saraiva, 2005. p.212.

275 COELHO, Comentários ..., p.217.

276 BEZERRA FILHO, op. cit., p.203.

97

A despeito da crítica acima, parece que o fundamento que predominou na

instituição desta regra limitadora do artigo 83, inciso I, foi efetivamente a natureza

alimentar da obrigação277 e a tentativa de evitar as fraudes, em que empresários

dilapidavam os ativos da empresa a título de "salários", criando obstáculos tanto à

recuperação da empresa quanto à recuperação do crédito pelos demais trabalhadores.

Fundamentos da proteção dos trabalhadores na recupe ração judicial

O fundamento da proteção dos trabalhadores na LRE se encontra, novamente,

no art. 47, ao dispor que a recuperação judicial procurará, entre outros objetivos, a

manutenção do emprego dos trabalhadores. Trata-se de política pública com origem

constitucional.278 Neste sentido, a manutenção dos empregos se justificaria também

porque seria um "elemento de paz social".279

Os créditos dos trabalhadores que continuarem laborando na empresa em

recuperação judicial serão, dali em diante, considerados extraconcursais (art. 84, I,

LRE), garantindo-lhes, assim, maior certeza de recebimento.

Créditos trabalhistas e venda em bloco de ativos

Uma questão interessante que surge é a ausência de sucessão trabalhista na

alienação em bloco (conjunta) de ativos. Pela leitura do artigo 141, incisos I e II, da

LRE,280 pode-se concluir que em caso de venda, em hasta pública, do estabe-

lecimento do devedor, todos os créditos trabalhistas que ultrapassarem o limite de

277 Este caráter alimentar ficou limitado a 3 meses, pois o que ultrapassar este período se considera crédito trabalhista não alimentar. Vide o artigo sobre o tema, durante a falência do devedor: Art. 151. Os créditos trabalhistas de natureza estritamente salarial vencidos nos 3 (três) meses anteriores à decretação da falência, até o limite de 5 (cinco) salários-mínimos por trabalhador, serão pagos tão logo haja disponibilidade em caixa.

278 Vide item 2.2 supra.

279 BEZERRA FILHO, op. cit., p.130, comentando o art. 47 da Lei n.o 11.101/2005.

280 Art. 141. Na alienação conjunta ou separada de ativos, inclusive da empresa ou de suas filiais, promovida sob qualquer das modalidades de que trata este artigo: I – todos os credores, observada a ordem de preferência definida no art. 83 desta Lei, sub-rogam-se no produto da realização do ativo; II – o objeto da alienação estará livre de qualquer ônus e não haverá sucessão do arrematante nas obrigações do devedor, inclusive as de natureza tributária, as derivadas da legislação do trabalho e as decorrentes de acidentes de trabalho.

98

150 salários (do art. 83, I), pagos após inclusão no quadro geral de credores, que não

tenham sido satisfeitos, não poderão ser cobradas do arrematante,281 caso

ultrapassem o valor do preço da hasta. Por ultrapassar os limites deste trabalho, a

discussão sobre a justiça ou não deste dispositivo poderá gerar profícuos debates

aos especialistas do direito do trabalho.

5.1.5 A comunidade em geral e a comunidade diretame nte afetada

Introdução

Tratar dos interesses da comunidade diante da empresa em crise assemelha-

se, em certo sentido, a abordar a função social da empresa (vide item 4.4 supra).

A diferença entre as abordagens reside no fato de que o estudo da função social da

empresa e da recuperação da empresa) inicia-se na empresa e direciona-se ao

interesse da comunidade; o estudo dos interesses da comunidade, diametralmente

oposto, examina as pretensões da coletividade diante da empresa em crise e em

recuperação. Dessa forma, são enfoques complementares, mas sob pontos de vista

opostos, que podem ser cotejados.

A falência de uma boa e grande empresa afeta negativamente a economia da

comunidade ao seu redor. Conquanto essa proposição possa ser intuitivamente

verdadeira, é muito difícil a concreta e específica defesa judicial desses interesses

comunitários no direito falimentar positivado, seja nacional ou comparado. A relação

entre credores e a coletividade está na pressuposição de que a proteção exclusiva

aos credores pode constituir um prejuízo à coletividade, devendo ser evitado, com

base nos princípios de proteção do interesse público.

281 Art. 141, § 2.o Empregados do devedor contratados pelo arrematante serão admitidos mediante novos contratos de trabalho e o arrematante não responde por obrigações decorrentes do contrato anterior.

99

Citem-se Karen Gross282 e Janis Sarra283 como expoentes no desenvolvimento da

abordagem de proteção dos interesses da comunidade; Gross ao argüir a necessidade

de levar em consideração os interesses da comunidade na reorganização e falência da

empresa; e Sarra ao esmiuçar a questão do interesse público por trás da reorganização

ou falência das sociedades empresárias. O pensamento de Sarra284 pode ser

sintetizado na assertiva de que deve haver uma difícil busca por consistência entre o

direito "anterior" à insolvência e o direito que se aplica em situação de insolvência do

devedor. Gross285 sustenta que deve haver uma extensão do conceito de credores

na reorganização e falência. Defende a idéia de que todo agente que tiver uma

relação de "nexo", "injúria" e "reparabilidade" com o prejuízo decorrente da falência,

tem um interesse objetivo na questão. Isto significa que desde que a insolvência de

uma empresa afete uma comunidade, e se a comunidade puder ser compensada,

então os interesses dessa comunidade devem ser considerados durante o processo

de reorganização, aproximando-se ao conceito de crédito e credor.

O exame de Karen Gross relaciona-se com o questionamento de quais as

políticas públicas que embasaram a decisão de considerar esta ou aquela comunidade

como possuidora de interesse direto na reorganização. Deve-se responder que não há

um princípio geral, mas varia de acordo com as políticas governamentais, refletidas

especialmente nas decisões do legislativo de cada ordenamento. Naturalmente,

alguns interesses são mais bem protegidos do que outros, durante a elaboração das leis.

282 GROSS, Karen. Taking community interests into account in Bankruptcy: an essay. Washington University Law Quarterly , v.72, p.1, 1994.

283 SARRA, Janis. Creditor Rights and the Public Interest. Restructuring Insolvent Corporations. (UofT press, 2003).

284 "The conclusion by some legal scholars that there should be no accommodation of public laws, such as environmental or labour law, in the bankruptcy regime is also questionable. The entire scheme of a common law jurisdiction is a balancing of complex aspects of private and public law. Courts must deal with the realities of the situations in front of them and these fact situations are rarely purely 'commercial law' matters. In corporations law, this weighing of prejudice is frequently accomplished in terms of balancing private commercial activity with shareholder remedies or director liability for environmental harm. To suggest that bankruptcy law should always take priority and thus need not accommodate other substantive law ignores what currently occurs within the solvent corporation. Consistency within and without of insolvency requires balancing of these considerations in any restructuring scheme." (SARRA, Creditor Rights ..., p.37-38).

285 GROSS, Karen. Failure and Forgiveness : Rebalancing the Bankruptcy System. (Yale University Press, 1997). p.212-213.

100

Sugere-se o estabelecimento de um método/modelo (econômico-jurídico, com

chancela judicial) de estimativa do valor do "crédito social diretamente interessado",286

ante a empresa em recuperação. O resultado desse estudo econômico-jurídico

deveria instruir os processos judiciais, servindo de apoio para orientar as decisões a

favor ou contra a aprovação do plano de recuperação, pois levaria em consideração

não apenas os interesses dos credores tradicionais,287 mas também os de toda

comunidade. Qualquer interessado teria legitimidade para apresentá-lo no processo

de recuperação. O valor dos interesses atualmente "não computados"288 no processo

de reorganização deveria ser considerado na decisão final dos destinos da empresa.289

Karen Gross também argumenta que o conceito de credores quirografários ou

credores sem garantias290 deve ser entendido não apenas pelo valor de seus

286 Fábio Ulhoa Coelho elenca a "importância social" e o "porte econômico" como elementos integrantes do exame da viabilidade da empresa, juntamente com outros como a mão-de-obra e tecnologia empregadas, volume do ativo e do passivo e tempo da empresa. Acerca da importância social, refere que "não se pode ignorar nem as condições econômicas a partir das quais é possível programar-se o reerguimento do negócio, nem a relevância que a empresa tem para a economia local, regional ou nacional. Assim, para merecer a recuperação judicial o empresário individual ou a sociedade empresária devem reunir dois atributos: ter potencial econômico para reerguer-se e importância social". Acerca do porte econômico, manifesta-se dizendo que "quanto menor o porte da empresa, menos importância social terá, por ser mais fácil sua substituição" (COELHO, Comentários ..., p.129-130).

287 Entende-se por credores tradicionais, no caso, os trabalhadores, os titulares de créditos com garantia real e os titulares de créditos quirografários, e com privilégio especial, geral ou créditos subordinados.

288 Vide o seguinte exemplo em que os interesses da comunidade tiveram forte influência nos destinos da reorganização judicial de um hospital. No caso, foi levado em consideração o interesse da comunidade em recuperar o hospital, dada sua importância para a coletividade: "An example involving a small hospital reveals the ability of the bankruptcy system to act as a problem solver. Following an outpouring of support for the hospital from the community, a court could confirm the hospital's Chapter 11 case based on a community-focused approach to the Code provisions. Assume that the court permitted a bifurcation of the unsecured claims into separate classes so that the government, holding an enormous claim, could not delay the reorganization process. Such a court would be applying contextual decision-making by interpreting the claims-classification provisions of the Code with the concept of community in mind. This approach also adopts a hopeful approach to the question of whether the reorganization is feasible. But the outpouring of support for this local hospital, which services the poor, should not dry up the minute the case is closed. Success of a local hospital would demand an ongoing commitment postbankruptcy by all members of the community-doctors, nurses, patients, charities, and the government. This approach recognizes that people need communities and communities need people." (GROSS, Failure ..., p.223).

289 Pode-se referir ao exemplo da própria política norte-americana do início do século passado, de proteção das companhias férreas insolventes, levando-se em conta seu importante relevo social. Vide: Northern Pacific Railway Co. v. Boyd, 228 U.S. 482 (1913).

290 GROSS, Failure ..., p.158-176. No original "unsecured creditors".

101

créditos, mas considerar a subjetividade do próprio credor. Gross fundamenta sua

teoria na premissa de que deve haver uma possibilidade para que os interessados

não-credores (como a comunidade) requeiram tratamento igualitário, desde que

demonstrem dano irreparável291 a seus interesses, no caso de extinção da empresa,

podendo, então, em casos excepcionais, influir mais decisivamente nos destinos da

empresa em recuperação.

Interesses da comunidade na recuperação da empresa no Brasil

Fábio Ulhoa Coelho utiliza as seguintes palavras para concluir que o custo da

recuperação da empresa é suportado pela sociedade em geral:

Nem toda empresa merece ou deve ser recuperada. A reorganização da atividade econômica é custosa. Alguém há de pagar pela recuperação, seja na forma de investimentos no negócio em crise, seja na de perdas parciais ou totais de crédito. Em última análise, como os principais agentes econômicos acabam repassando aos seus respectivos preços as taxas de riscos associados à recuperação judicial ou extrajudicial do devedor, o ônus da reorganização das empresas no Brasil recai na sociedade brasileira como um todo. O crédito bancário e os produtos e serviços oferecidos e consumidos ficam mais caros porque parte dos juros e preços se destina a socializar os efeitos da recuperação das empresas.292

Por suportar boa parte da carga da recuperação da empresa, se questiona se

a coletividade terá recebido a devida proteção legal. Na LRE, o princípio de proteção

dos interesses da comunidade consta na parte final do seu artigo 47, no tocante ao

estímulo à atividade econômica. Parte da idéia de que, mantida a empresa viável,

melhor e mais rica será a produção de bens e serviços aos consumidores; maior

será a arrecadação de impostos (que devem refletir em serviços públicos aos cidadãos);

291 GROSS, Failure ..., p.165: "This approach could be implemented by creating an accelerated priority for creditors irreparably injured and deleting one of the other less justifiable priorities. Creditors claiming such priority status would bear the burden of proof at a hearing before the bank-ruptcy court. They would need to show, with reasonable certainty, that failure to receive different treatment would produce irreparable injury. If the court was satisfied that the creditor rebutted the presumption, the court would then determine the appropriate remedy. Full and immediate priority payment is one option, but a court could also provide the successful rebutting creditor with partial accelerated payment of some lower amount with the balance to be received at the time and in the manner proffered to the other unsecured creditors."

292 COELHO, Comentários ..., p.127.

102

e será reduzido o nível de desemprego, seja regional ou nacional. O legislador, no

artigo 47 da LRE, destacou a preponderância da opção institucionalista.293

Muito embora se reconheça, na teoria, o interesse da comunidade na recuperação

da empresa, este interesse não se reflete de modo concreto na sua participação no

âmbito processual da recuperação judicial da empresa.

Importa distinguir entre o interesse da comunidade em geral, representado

pelo Ministério Público294 e o interesse da comunidade "diretamente afetada". Pela

falência de uma empresa de médio porte, assume-se que o reflexo negativo à

sociedade brasileira seja apenas tênue. O mesmo não se diga, por outro lado, se

todas as operações dessa média empresa estiverem situadas numa pequena

cidade, constituindo sua única fonte de riquezas; segue-se que o interesse daquela

comunidade afetada, na manutenção daquela sociedade empresária, será bastante

aumentado, independentemente da análise de sua viabilidade ou não. Neste caso,

lembre-se que cabe ao Judiciário permitir a reorganização apenas das empresas

viáveis. A conclusão que se destaca é que a comunidade afetada (por associações

de moradores, sindicatos, representações do comércio ou mesmo da Prefeitura do

Município295 etc.) provavelmente não terá296 a racionalidade econômica para a escolha

mais eficaz dos destinos da empresa em crise. As pessoas mais diretamente

afetadas pelo inadimplemento e insolvência da empresa em crise serão as que se

293 SALOMÃO FILHO, Recuperação de empresas..., p.54. O mesmo autor, em trabalho anterior (O novo direito societário . 2.ed. São Paulo: Malheiros, 2002. p.36) mostrara a convivência não muito coerente entre o contratualismo e o institucionalismo, no sistema societário brasileiro da Lei n.o 6.404/76.

294 A rigor, o Ministério Público é o defensor dos interesses sociais e individuais indisponíveis (vide art. 127 CF). Não se pretende aqui, contudo, fazer o estudo das prerrogativas do Ministério Público durante a recuperação judicial da empresa e o grau de eficácia de sua atuação na defesa dos interesses da sociedade. Apenas, para fins de esclarecimento, pode-se notar que o Ministério Público, embora presume-se aja no interesse da coletividade, tem seu mais papel restrito na nova lei do que na anterior. Esta restrição deve-se à tentativa da LRE de acelerar o tempo de curso do processo, restringindo a atuação do MP a hipóteses específicas (p. ex. arts. 8; 52, V; 59, § 2.o; 99, XIII; 142, § 7.o; 154, § 3.o). Embora, como visto, a sociedade em geral tenha seu "representante" na LRE pelo MP, não se pode dizer o mesmo quanto aos interesses da comunidade diretamente afetada.

295 Excluindo-se qualquer representatividade dos trabalhadores, por terem estes uma representação bem definida na própria Lei.

296 Na própria Constituição Federal há menção aos interesses da comunidade na proteção de certos bens. Vide art. 26, § 1.o; 231, § 3.o.

103

presume que tomem as melhores decisões, acerca da sobrevivência a longo prazo

do negócio.297

Talvez seja sob este argumento que não se concede representatividade ou

direito a voto em planos de recuperação aos interesses que não sejam estritamente

de crédito (credor estritamente considerado), pois aqueles indiretamente interessados

terão muita propensão à reorganização a qualquer custo. E já se viu que a

reorganização não é um valor absoluto.298

Uma solução no Brasil para a falta de representatividade da coletividade, no

caso em que há relevante interesse, seria a lei possibilitar a flexibilização na criação

das classes de credores na assembléia-geral (art. 41 LRE). Desta forma, seria possível

a constituição de uma classe, com direito a voto na assembléia-geral, formada por

representantes dos interesses da coletividade. A constituição desta classe votante

adicional deveria ser embasada, perante o Magistrado, no critério de comprovação

de impacto econômico relevante aos referidos interesses, de acordo com os valores

sociais constitucionalmente protegidos.

O Ministério Público, a despeito do veto299 ao artigo 4.o da LRE, o qual previa

a intervenção do MP em todos os processos de falência e recuperação judicial, continuará

exercendo papel atuante na defesa dos interesses da comunidade (arts. 8.o; 19; 22,

§ 4.o; 30, § 2.o; 52, V; 99, XIII; 104, VI; 132; 142, § 7.o; 143; 154, § 3.o; 187, § 2.o e

189, todos da LRE), tendo em vista seu papel constitucional (art. 127 da

Constituição) e artigos 82 e 83 do Código de Processo Civil. Resta repetir a menção

de que a proteção disciplinada no artigo 81, parágrafo único, do Código de Defesa do

Consumidor, de defesa dos interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos, é

fundamento válido para a atuação do Ministério Público na defesa da comunidade

297 WARREN, Elizabeth. Bankruptcy Policymaking in an Imperfect World. Michigan Law Review , v.92, n.2, p.337, (Nov., 1993).

298 COELHO, Comentários ..., p.128: "Não se pode erigir a recuperação das empresas um valor absoluto".

299 Qualificado o artigo vetado de "supérfluo" por José da Silva Pacheco em: Das disposições preliminares e das disposições comunas à recuperação judicial e à falência. In: SANTOS, Paulo Penalva (Coord.). A nova lei de falências e de recuperação de empresas : lei 11.101/2005. Rio de Janeiro: Forense, 2007. p.16.

104

nas suas intervenções nos processos disciplinados pela LRE, eis que aqueles interesses

não estão adstritos apenas à defesa dos consumidores.300

5.1.6 O Fisco

De início, ressalte-se que os créditos tributários não são abrangidos pela

recuperação judicial.301 O Fisco continua, no Brasil, em posição bastante confortável302

para o recebimento de seus créditos diante da empresa em crise, a despeito das

insurgências na doutrina sobre o assunto. A maioria das críticas se deve ao artigo 57

da Lei de Recuperação que assim determina:

Art. 57. Após a juntada aos autos do plano303 aprovado pela assembléia-geral de credores ou decorrido o prazo previsto no art. 55 desta Lei sem objeção de credores, o devedor apresentará certidões negativas de débitos tributários nos termos dos arts. 151, 205, 206 da Lei n.o 5.172, de 25 de outubro de 1966 – Código Tributário Nacional.304

300 Lei Federal n.o 8.078/90, art 81 e parágrafo único: A defesa dos interesses e direitos dos

consumidores e das vítimas poderá ser exercida em juízo individualmente, ou a título coletivo. Parágrafo único. A defesa coletiva será exercida quando se tratar de: I - interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato; II - interesses ou direitos coletivos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base; III - interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes de origem comum. Vide, por todos: MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo . São Paulo: Saraiva, 2001 e MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Interesses difusos . São Paulo, RT, 2000 (BENJAMIN, Antônio Herman V. Comentário ao artigo 81. In: MARQUES, Cláudia Lima. Comentários ao código de defesa do consumidor . São Paulo: RT, 2006. p.975).

301 Artigo 187 do Código Tributário Nacional, com redação atualizada pela Lei Complementar 118, de 9 de fevereiro de 2005. "Art. 187. A cobrança judicial do crédito tributário não é sujeita a concurso de credores ou habilitação em falência, recuperação judicial, inventário ou arrolamento."

302 Vide Lei n.o 11.101/2005, art. 68. As Fazendas Públicas e o Instituto Nacional do Seguro Social – INSS poderão deferir, nos termos da legislação específica, parcelamento de seus créditos, em sede de recuperação judicial, de acordo com os parâmetros estabelecidos na Lei n.o 5.172, de 25 de outubro de 1966 - Código Tributário Nacional.

303 Jorge Lobo explana que "o que será juntado aos autos é a ata da assembléia geral, pois o plano já estará entranhado nos autos desde o prazo de 60 dias do art. 53" (LOBO, Comentários ..., p.151).

304 Código Tributário Nacional Art. 191-A. A concessão de recuperação judicial depende da apresentação da prova de quitação de todos os tributos, observado o disposto nos arts. 151, 205 e 206 desta Lei. (Incluído pela Lcp n.o 118, de 2005).

105

Note-se que o momento para a apresentação de certidões negativas de débitos

tributários será somente depois da aprovação do plano de recuperação, o que leva a

supor que a empresa conseguiu já uma parte árdua: convencer os credores de que

ela tem chances de se recuperar, ou ao menos conseguir a aprovação do plano de

recuperação. Mas a exigência do artigo 57 é anterior à disposição do artigo 58, que

estabelece que o juiz concederá305 a recuperação judicial quando cumpridas as

exigências desta lei.306 As ponderações de Manoel Justino Bezerra escusam a

extensão da citação:

Os artigs. 151, 205 e 206 do CTN, referidos, dizem respeito às hipóteses de suspensão do crédito tributário e o modo de comprovação de quitação ou suspensão de sua exigibilidade. Na realidade, verifica-se que o objetivo do legislador nesse dispositivo é o de obrigar o devedor a quitar suas dívidas fiscais antes do ajuizamento da recuperação judicial, ou, ao menos, provi-denciar o seu parcelamento, nos termos da legislação tributária aplicável. Note-se, no entanto, que isso pode inviabilizar a recuperação de inúmeras empresas em situação de crise econômico-financeira, na medida em que, na maioria das vezes, os encargos fiscais, ao lado das dívidas com financiamento bancário, são os maiores responsáveis pela própria crise em que a empresa se encontra. Ademais, a observação da realidade demonstra que qualquer pessoa, física ou jurídica, que adentre um estado de crise econômico-financeira, suspende, em primeiro lugar, o pagamento dos tributos em geral para, só por último, suspender o pagamento dos fornecedores. Este procedimento é normal, pois a conseqüência da suspensão do pagamento de fornecedores é causa de inviabilização imediata da atividade empresarial, ou mesmo do normal funcionamento de uma simples família.307

Embora a principal justificativa para a manutenção deste dispositivo na LRE

esteja no princípio da primazia do interesse público sobre o interesse particular, estes

institutos merecem algumas considerações críticas. Fundamentalmente, o princípio

da primazia do interesse público pressupõe a prevalência do Estado (no recolhimento

dos tributos) sobre os objetivos dos agentes particulares (mesmo que, especificamente,

305 Eduardo Secchi Munhoz entende que não há espaço para discricionariedade do juiz neste ato. Se cumpridas as exigências, o juiz deverá conceder a recuperação judicial (MUNHOZ, op. cit., p.287).

306 a) ter legitimidade ativa ad causam (Art. 1.o) b) preencher os requisitos do art. 48; c) ter instruído a petição inicial em obediência ao art. 51; d) ter apresentado, no prazo legal, plano de recuperação judicial em consonância com o art. 53; e) prever o plano de recuperação o pagamento aos credores trabalhistas nas condições do art. 54; f) não ter havido objeção ao plano de recuperação (art 55) ou ter sido rejeitada objeção pela assembléia geral e, em conseqüência, haver o plano de recuperação judicial sido aprovado pela assembléia geral com ou sem modificações (art. 58); e por fim g) ter juntado aos autos certidões negativas de débitos tributários (art. 57) [...] " (LOBO, Comentários ..., p.154).

307 BEZERRA FILHO, op. cit., p.167.

106

seja a recuperação do agente econômico viável). Referido princípio da primazia

pressupõe que o recolhimento de tributos constitui-se em imperativo que serve a

toda coletividade; a recuperação da empresa viável aproveitaria apenas ao devedor

e aos credores (e teoricamente não aproveita a toda sociedade, por esta mesma

linha de argumentação).

Porém, a recuperação da empresa viável também é benéfica a toda a

sociedade308 e também reveste-se de interesse público. A recuperação da empresa,

desde que o artigo 47 da LRE a erigiu em caráter de princípio, e com base em outras

premissas constitucionais, deve ser compreendido como princípio de interesse público.

A barreira conceitual entre a busca da recuperação da empresa viável e o

interesse público (secundário) do recolhimento de tributos estaria na previsibilidade

econômica; enquanto este a tem, o direito falimentar trabalha com uma variável

totalmente indeterminada, que é a "viabilidade da empresa em crise", não possuindo

previsibilidade. Entre as opções de política pública, prevalece a primeira, por seu grau

de segurança e certeza jurídica.

Ainda sobre a crítica ao artigo 57 da LRE, Bezerra Filho tece adicionais

ponderações:

Portanto, se a empresa precisou pedir recuperação porque não está conseguindo pagar seus fornecedores, credores quirografários, certamente estará com passivo fiscal avantajado. Sendo obrigada a regularizar sua situação fiscal, perdendo, após 180 dias, máquinas e veículos financiados (art. 49, § 3.o) e tendo que pagar os adiantamentos por contrato de câmbio (art. 49, § 4.o), haverá extremada dificuldade, se não certa impossibilidade, de se conseguir levar a empresa à recuperação pleiteada. Alias, neste ponto, a Lei não aproveitou o ensinamento que os 60 anos de vigência do Dec.-Lei 7.661/45 trouxeram, a partir do exame do art. 174 daquela lei.309 Este artigo exigia que, para que a concordata fosse julgada cumprida, o devedor apresentasse a comprovação de que havia pago todos os impostos, sob pena de falência. Tal disposição, de praticamente impossível cumprimento, redundou na criação jurisprudencial que admitia o pedido de desistência da concordata, embora sem expressa previsão legal. E a jurisprudência assim se firmou, porque exigir o cumprimento daquele art. 174 seria levar a empresa, certamente, à falência. Sem embargo de tudo

308 Vide item 5.1.5 supra.

309 Art. 174. Entregue o relatório do comissário (art. 169, n.o X), o escrivão, dentro de 24 (vinte e quatro) horas: I - se o devedor não tiver exibido, até então, prova do pagamento dos impostos relativos à profissão, federais, estaduais e municipais, e das contribuições devidas ao Instituto ou Caixa de Aposentadoria e Pensões do ramo de indústria ou comércio a que pertencer, fará os autos conclusos ao juiz para que este, com observância do § 1.o do art. 162, decrete a falência; II - se o devedor tiver cumprido aquela exigência, fará publicar, no órgão oficial, aviso aos credores de que durante 5 (cinco) dias poderão opor embargos à concordata (arts. 142 a 146).

107

isto, este art. 57, acoplado ao art. 49, repete o erro de trazer obrigações de impossível cumprimento para sociedades empresárias em crise. Uma possível solução será apresentar certidões na forma do art. 206 do CTN, ou pleitear parcelamento, na forma do art. 68 desta Lei.310

Sobre o assunto, Eduardo Secchi Munhoz complementa a crítica ao aduzir

que a "flexibilização pela jurisprudência talvez seja a única forma de evitar a total

inviabilização do sistema de recuperação que pode decorrer da aplicação isolada do

artigo 57, pelas razões anteriormente destacadas".311 Ressalta Munhoz312 que a

recente jurisprudência313 já tem se orientado no sentido de conceder a recuperação

judicial mesmo sem as certidões negativas, ou positivas com efeito de negativas.

Os fundamentos seriam a não-aprovação, até a presente data, da lei destinada a

prever os programas especiais de parcelamento para empresas em recuperação e

igualmente o interesse público na recuperação, que teria fundamento constitucional.

Note-se que o crédito tributário teve rebaixado o seu grau de prioridade na

falência, com a Lei de Recuperação de Empresas ora vigente (art. 83, III).314 Caso o

agente tributante venha a vetar a recuperação da empresa pela denegação do

parcelamento ou qualquer outro motivo que não conceda as certidões negativas, seu

crédito na falência será posterior aos com garantia real. Assim,

310 BEZERRA FILHO, oo. cit, p.168.

311 MUNHOZ, op. cit., p.285.

312 MUNHOZ, op. cit., p.285.

313 Refere-se Eduardo Munhoz à concessão da recuperação judicial da Varig e recuperação judicial da Parmalat Brasil S.A., em que foram concedidas as recuperações judiciais mesmo ante a ausência de certidões negativas.

314 Vide também o artigo 186 do Código Tributário Nacional, parágrafo único, com a alteração da Lei Complementar 118-2005. Art. 186. O crédito tributário prefere a qualquer outro, seja qual for sua natureza ou o tempo de sua constituição, ressalvados os créditos decorrentes da legislação do trabalho ou do acidente de trabalho. (Redação dada pela Lcp n.o 118, de 2005) Parágrafo único. Na falência: (Incluído pela Lcp n.o 118, de 2005) I – o crédito tributário não prefere aos créditos extraconcursais ou às importâncias passíveis de restituição, nos termos da lei falimentar, nem aos créditos com garantia real, no limite do valor do bem gravado; (Incluído pela Lei Complementar n.o 118, de 2005).

108

ao observar os critérios definidos na legislação em vigor e negar o parcelamento, o fisco poderá inviabilizar a recuperação judicial e, em conseqüência, atuar contra o seu próprio interesse, na medida em que a falência poderá significar a completa impossibilidade de recebimento de seu crédito, em virtude da posição privilegiada dos empregados e dos credores com garantia real.315

Mais uma vez, pode-se concluir que, enquanto não é aprovada a lei complementar

prevista no artigo 155-A do Código Tributário Nacional,316 caberá à jurisprudência317

resolver os problemas decorrentes da aplicação das regras gerais de parcelamento

do crédito tributário, diante da ausência de regramento mais específico a respeito.

5.2 OS INTERESSADOS NA RECUPERAÇÃO JUDICIAL – DIREITO

COMPARADO

5.2.1 Nos Estados Unidos - introdução

O direito da insolvência norte-americano revela-se bastante complexo; embora

seu sistema legal se baseie no sistema dos precedentes jurisprudenciais do

Common Law, ressalte-se que a própria lei falimentar norte-americana (Chapter 11)

315 MUNHOZ, op. cit., p.287.

316 Art. 155-A. O parcelamento será concedido na forma e condição estabelecidas em lei específica. § 3.o Lei específica disporá sobre as condições de parcelamento dos créditos tributários do devedor em recuperação judicial. (Incluído pela Lcp n.o 118, de 2005) § 4.o A inexistência da lei específica a que se refere o § 3.o deste artigo importa na aplicação das leis gerais de parce-lamento do ente da Federação ao devedor em recuperação judicial, não podendo, neste caso, ser o prazo de parcelamento inferior ao concedido pela lei federal específica. (Incluído pela Lcp n.o 118, de 2005).

317 Vide decisão interessante: TRIBUTÁRIO – MANDADO DE SEGURANÇA – PARCELAMENTO – LEI N.o 10.684/03 – CONTRIBUIÇÃO DOS SEGURADOS – POSSIBILIDADE – Possibilidade de parcelamento de toda contribuição para o INSS e não apenas da cota patronal. - O parcelamento da cota parte dos empregados atende não só os interesses da empresa como também do Poder Público, que, no caso, é manter a empresa viável, para que ela parcele o débito e possa honrá-lo. - Remessa improvida. (TRF 5.a R. – REOMS 2004.80.00.003717-4 – 4.a T. – AL – Rel. Des. Fed. Marcelo Navarro Ribeiro Dantas – DJU 06.03.2006 – p.714).

109

possui inúmeros parágrafos, cada qual com vários subitens,318 e pode ser considerada

uma legislação detalhista em seus regramentos.

Da minuciosa legislação, deve-se destacar que

a Reorganization obriga a todos os credores, mesmo aqueles que não aprovaram o "plano", apresentado pelo devedor ou por qualquer interessado, tenha sido o processo iniciado pela empresa (reorganização voluntária) ou tenha sido por terceiro (reorganização involuntária).319

A principal diretriz da lei concursal norte-americana reside em "encorajar e

facilitar, tanto quanto possível, a reabilitação dos negócios em desajuste financeiro,

evitando-se a alternativa da falência".320

Algumas das características de destaque da reorganização empresarial pelo

Chapter 11 podem ser assim sintetizadas:

- utilização da suspensão automática de todos os processos contra o devedor

(sem prazo de término). Para neutralizá-la o credor deve ter fundadas

razões, fundamentadas especialmente em perigo de dano irreparável, ou

se o bem garantido não estiver devidamente protegido; ou se o bem

executado não for necessário para uma reorganização efetiva;321

- a suspensão automática impede a corrida desenfreada de ações sobre o

patrimônio do devedor; este, por sua vez, terá que pagar mensalmente aos

credores com garantias, para que se configure a proteção adequada da

garantia, que é requisito para a manutenção da suspensão;

- o devedor poderá vir a rejeitar determinados contratos, e mesmo finan-

ciamentos prejudiciais.322 A principal desvantagem apontada ao empresário

encontra-se na devassa financeira necessária ao bom andamento da

318 Vide: ESTADOS UNIDOS. United States Bankruptcy Code & Rules Booklet. January 2005 Edition, Dahlstrom Legal Publishing, Inc, Harvard, Massachusetts. p.15-183. A mesma legislação contida no livro supra também pode ser consultada online no site <http://www4.law.cornell.edu/ uscode/11/ch11.html>. Acesso em: jun. 2007. Doravante citado como Chapter 11.

319 LOBO, Direito concursal ..., p.26.

320 LUCCA, op. cit., p.18.

321 Chapter 11, op. cit., parágrafo 362, (d)(2)(B), p.51.

322 Chapter 11, op. cit., parágrafo 361 (Adequade protection), (1) p.47; (Executory contracts and unexpired leases), p.56-63.

110

recuperação. Também podem ser apontados os altos custos da reorganização

em si.

Entre as sugestões legais oferecidas para a concretização do plano de

reorganização323 destacam-se:

I - retenção pelo devedor da propriedade de todo o acervo de bens ou de parte dele; II - transferência desses bens, integral ou parcialmente, para uma ou mais entidades, organizadas antes ou após a confirmação de tal plano; III - utilização do mecanismo da fusão ou incorporação do devedor a outras empresas; IV - venda integral ou parcial dos bens, gravados ou não, sob qualquer vínculo, ou distribuição desses mesmos bens ou de parte deles, com direito real sobre eles; V - satisfação ou alteração de algum gravame; VI - cancelamento ou alteração de escritura ou de documento semelhante; VII - supressão ou desistência de inadimplemento; VIII - prorrogação da data do vencimento ou modificação da taxa de juros dos títulos e valores mobiliários em circulação; IX - alteração dos estatutos; X - lançamento de valores mobiliários do devedor para a venda no mercado ou para o fim de troca das obrigações já existentes.324

Note-se, por fim, a semelhança destes dispositivos com alguns dos incisos do

artigo 50 da Lei n.o 11.101/05, que trata dos meios de recuperação judicial no Brasil.325

5.2.1.1 Verificação da legislação

Costuma-se dizer que o direito da recuperação da empresa, nos Estados

Unidos, surgiu com o julgado que decidiu pela necessidade de salvar e reorganizar

323 Na lei falimentar norte-americana, o Chapter 11, as regras sobre o plano de recuperação judicial estão nos parágrafos 1121 a 1146, op. cit., p.146-158.

324 Tradução livre do parágrafo 1123. (Contents of plan) (a)(5),(A)até (J), Chapter 11, op. cit., p.147-148, citada também por LUCCA, op. cit., p.18.

325 No Brasil, podem-se dividir os meios de recuperação da empresa conforme os perfis da teoria da empresa, vista em itens anteriores. Assim, "entre os meios sugeridos há os meramente dilatórios (inc. I), ou remissórios (inc. XII) e, ainda, os que agem direitamente sobre o perfil subjetivo da empresa (incs. II, III e X), sobre o perfil objetivo (incs. VI, VII, IX, XI, XIII, XV e XVI), sobre o perfil funcional (incs. IV, V e XIV) ou, ainda, sobre o perfil corporativo (inc. VIII)" (NOGUEIRA, Ricardo José Negrão. Recuperação judicial. In: SANTOS, Paulo Penalva (Coord.). A nova lei de falências e de recuperação de empresas : Lei 11.101/2005. Rio de Janeiro: Forense, 2007. p.140-41.

111

as companhias controladoras das estradas de ferro, então recém-construídas,

naquele país,326 as quais se mostraram deficitárias e que, sem intervenção estatal,

teriam sido "liquidadas" pelas dívidas contraídas com seus credores. A disciplina

iniciou-se em 1933, pela Seção 77 do "Railroad Reorganization Act", ou "Norma de

Reorganização de Ferrovias". Esta seção foi incorporada ao então vigente "National

Bankruptcy Act" de 1898 (Código Nacional de Falências). Em 1.o de agosto de 1978

os Estados Unidos promulgaram o "New Bankruptcy Code" que já foi reformado

algumas vezes (1984, 1985 e 1995), constituindo-se na legislação consagrada sobre

falências e reorganização de empresas, também chamada de "Chapter 11" ou "11

USC", a qual designa a matéria específica sobre reorganização de empresas.

5.2.1.2 Estudo de caso

No direito norte-americano, destacam-se os casos paradigmáticos (leading

case), que constituem o cerne da interpretação da common law. Neste item, o

trabalho utiliza, o método dedutivo com o objetivo de evidenciar a existência de

conflitos entre os interesses dos diversos credores, devedor e interessados, ante a

recuperação da empresa perante o Judiciário.

5.2.1.2.1 Caso de prevalência do interesse social - Carabetta Enterprises Inc327

O julgado traz o entendimento de que a busca pela reorganização da empresa

em crise, pelo devedor nem sempre está de concordo com os interesses da

coletividade. Pelo contrário, os objetivos da comunidade, na hipótese, eram

conflitantes com a preservação, pois estava em jogo o cumprimento de contratos.

326 Jurisprudência americana: Northern Pacific Railway Co. v. Boyd, 228 U.S. 482 (1913).

327 Jurisprudência Americana: in Carabetta Enterprises, Inc., 162 B.R. 399 (Bankr. D. Com, 1993).

112

Demonstra que os interesses coletivos são autônomos e não necessariamente

relacionados com as metas dos devedores.

Tratava-se de uma empreiteira norte-americana (Carabetta Enterprises) que

possuía aproximadamente 93% das quotas de outra construtora, Ocean Mile, que,

por sua vez, era a empreiteira encarregada de efetuar uma obra para remodelar a

orla marítima na cidade de Asbury Park. A Ocean Mile não iniciou e nem cumpriu

seus compromissos e o Município ingressou com procedimentos de arbitragem.

A decisão arbitral concluiu que a Ocean Mile deveria buscar fontes de financiamento

para completar a obra ou renunciar à sua execução, mediante pagamento de

pesadas multas contratuais.

Neste meio tempo, a Carabetta teve que pedir o processamento da Reorga-

nização Judicial (Chapter 11) e também tentou anular a sentença arbitral porque

esta reduziria muito o valor da massa falida.328 O Município de Asbury Park, por sua

vez, estava deteriorando (tendo em vista as obras nem sequer iniciadas) e a

empresa Ocean Mile devia ao Município uma grande quantia em tributos. Em razão

das obras nunca começarem, novos negócios deixaram de chegar à orla e velhos

negócios saíram ou fecharam. Prédios históricos e monumentos do passado notável

de Asbury Park foram perdidos ou mesmo vendidos. Como última "punição", o

imposto do cidadão era utilizado para defender a cidade na questão judicial.

Neste caso específico, os interesses da comunidade de Asbury Park não

eram consoantes com os interesses do devedor Carabetta pela sua recuperação.

O interesse da comunidade era a imediata rescisão do contrato, com culpa da

construtora, para que pudesse contratar com outra empreiteira, mesmo que isto

representasse a inviabilização de qualquer plano de recuperação da Carabetta.

O devedor Carabetta, por outro lado, tinha interesse em manter o contrato inicial,

mas anular o compromisso arbitral, de forma a não desvalorizar excessivamente

seus ativos, dos quais Ocean Mile representava uma fatia substancial.

O interesse do devedor em recuperar o direito ao desenvolvimento da orla

conflitava com a necessidade da cidade e de seus cidadãos de cortar qualquer laço,

328 A Ocean Mile, teria que começar, sem condições, a dificultosa obra, já que a previsão de pagamentos de multas a tornava inviável.

113

o mais rápido possível, com Ocean Mile e Carabetta, de forma a salvaguardar uma

comunidade moribunda.329

O Tribunal do Juízo Falimentar questionou se cabia à Carabetta subverter o

acordo arbitral fundamentado nos interesses da comunidade de Asbury Park com os

do devedor corporativo. Mesmo se o critério fosse aplicado, não ficou evidente que

os interesses do devedor deveriam prevalecer.

Neste caso específico, era de interesse da coletividade, representada pelo

Município, que se cancelasse o contrato com a Ocean Mile, de forma que o

Município pudesse procurar outra empresa para terminar a obra.

O Tribunal, determinou que a cidade contratasse outras empreiteiras com o

propósito de tecer contratos de desenvolvimento da orla. Os interesses da

comunidade foram levados em consideração, e estes não eram convergentes com

os interesses de recuperação do devedor.

5.2.2 No Canadá

Introdução

No Canadá, a legislação de falências e insolvência é um componente essencial

da estrutura legal que visa facilitar o bom funcionamento da economia de mercado.330

Entre seus objetivos estão: realocação dos bens ao seu uso produtivo; estímulo à

assunção de riscos; promoção da confiança dos investidores; incentivo à reorganização

de empresas viáveis e preservação de empregos existentes; facilitação de acordos

entre devedores e credores; permissão da reabilitação do devedor; desestímulo à

fraude; manutenção de arquivos públicos com dados do patrimônio do devedor; e

balanceamento dos interesses divergentes.331

329 Vide: GROSS, Taking community..., p.1034-1035.

330 WORLDBANK. Overview of the Bankruptcy and Insolvency System in Canada . Disponível em: <http://www4.worldbank.org/legal/legps/Papers/MayrandCanada.pdf>. Acesso em: out. 2007.

331 WORLDBANK, Overview ..., p.3.

114

5.2.2.1 Verificação da legislação

Assim como no Brasil, a competência da matéria de direito falimentar no

Canadá é federal. Três são as leis federais canadenses mais utilizadas para a

reorganização de empresas em crise: a Companies's Creditors Arrangement Act

(CCAA),332 a Bankruptcy and Insolvency Act (BIA)333 (Lei Falimentar e de Insol-

vências Canadense) e a Winding-up and Restructuring Act.334 Para fins deste

trabalho, será feito uma síntese apenas dos elementos mais importantes das duas

primeiras leis.

A CCAA, com cláusulas abertas e com texto relativamente sucinto, é usada

para a reorganização de grandes empresas335 no Canadá, inclusive em Québec.

Pela CCAA, se concede um alto grau de discricionariedade ao julgador na condução

do processo de reorganização da empresa e na conjugação de interesses dos

credores.336 Infere-se que a concessão de maior discricionariedade ao Poder

Judiciário sob essa lei seja um elemento de política pública canadense, em que se

pressupõe a prevalência do interesse público pela recuperação das atividades de

grandes empresas em crise, mesmo que com certo prejuízo dos direitos de propriedade

dos credores. Em itens abaixo, sobre a jurisprudência canadense, esta afirmativa

ficará mais bem ilustrada.

332 Companies's Creditors Arrangement Act (R.S. 1985, c. C-36). Disponível em: <http://laws.justice. gc.ca/en/C-36/text.html>. Acesso em: mar. 2006.

333 Bankruptcy and Insolvency Act (R.S. 1985, c. B-3).

334 Winding-up and Restructuring Act (R.S. 1985, c. W-11), que trata da liquidação de instituições financeiras. Disponível em: <http://laws.justice.gc.ca/en/W-11/text.html>.

335 WORLDBANK, Overview ..., p.6.

336 Textualmente: "The CCAA provides a relatively flexible framework that allows for reorganizations – rather than the relatively more specific rules under the BIA – and allows the Court a fairly high degree of discretion in determining how best to resolve the cases before it. The statute itself is short and relatively few guidelines are provided." (KROFT, Richard H. Debtors and Creditors Sharing the Burden : A Review of the Bankruptcy and Insolvency Act and the Companies' Creditors Arrangement Act. Report of the Standing Senate Committee on Banking, Trade and Commerce Chair. The Honourable Richard H. Kroft Deputy Chair. The Honourable David Tkachuk. November 2003. p.17. Disponível em: <http://www.parl.gc.ca/37/2/parlbus/commbus/ senate/com-e/bank-e/rep-e/bankruptcy-e.pdf>. Acesso em: mar. 2006.

115

Por outro lado, a lei BIA contém alto grau de detalhamento do processamento

da reorganização ou liquidação de empresas e concede baixa discricionariedade ao

julgador. A BIA não apenas trata da falência de empresas, mas também da falência

de consumidores. Entre seus objetivos estão os de investigar os negócios do

devedor; facilitar que a liquidação seja rápida e com reduzidos custos aos credores;

permitir a derrubada das preferências e acordos; e permitir a reabilitação do devedor

e a liberação de boa parte de seus débitos.337 Mas o objetivo principal do direito

falimentar canadense, tratado aqui pela BIA, é buscar a transparência dos negócios

do devedor (antes e depois de se ter recorrido ao Judiciário) para que o princípio da

confiança dos investidores seja mantido. Procura-se reverter o acesso demasiadamente

facilitado ao crédito, que pode contribuir para a criação de negócios sem susten-

tabilidade, propícios ao insucesso.338 A premissa para se reduzir o risco de prejuízos

derivados do insucesso empresarial tem sido a busca pela maximização do acesso

das informações sobre o devedor pela comunidade, credores e Governo.

Quanto aos interesses incidentes sobre a aprovação do plano de recuperação,

considera-se que o mecanismo de votação "por maioria" pode ser problemático

porque algumas partes, formando blocos e agindo em conluio, poderão abusar desta

regra. Reconhecendo este problema, a CCAA e a BIA concedem o poder discricionário à

Corte para recusar a aprovação de um plano de recuperação judicial mesmo que

este tenha recebido aprovação pela maioria dos credores.339 Por outro lado, enquanto a

BIA fornece as diretrizes de como o juiz deverá exercer essa discricionariedade para

recusar ou mesmo para garantir a aprovação do plano de recuperação, a CCAA não

oferece praticamente nenhuma orientação neste sentido.340

337 WORLDBANK, Overview ..., p.8.

338 WORLDBANK, Overview ..., p.41.

339 Trata-se de hipótese contrária à do art. 58 da LRE.

340 KROFT, op. cit., p.151.

116

5.2.2.2 Estudo de caso - Recuperação da Air Canada341 (AC)

O julgado da AC342 apresenta com bom grau de detalhes a intensa neces-

sidade de negociação do plano de recuperação judicial. Colocam-se em destaque os

interesses divergentes dos diversos participantes, dos credores que continuarão

fornecendo ou que investirão no devedor, e realça como esses conflitos devem ser

resolvidos rapidamente, além de explicitar o papel ativo do Magistrado, nesse sentido.

A análise deste caso exemplifica, no direito comparado, algumas modalidades de

recuperação da empresa em crise postas à disposição no direito brasileiro,343 e

possibilita que seja traçado um paralelo entre as soluções encontradas no caso

canadense e as que ocorreram na reorganização judicial da Varig, conforme exposto

a seguir.

Histórico dos fatos relevantes da recuperação da AC

Em abril de 2003, a Companhia Nacional do Canadá ingressou com o pedido

de proteção judicial com base na CCAA enquanto reestruturava suas finanças.

A seguir, relatam-se os principais fatores econômicos externos e internos que a

levaram à insolvência.

A maior parte das companhias aéreas se desenvolveu numa época de

protecionismo estatal, em que se privilegiavam as bandeiras nacionais. Assim como

na agricultura, o transporte aéreo havia escapado da onda de liberalização do

comércio internacional, que caracterizou o mundo desenvolvido desde a Segunda

Guerra Mundial, ao manter elementos de monopólio.

A restrição legal à entrada de novos concorrentes fazia com que as companhias

aéreas tivessem muita autonomia na fixação de preços, o que afastou exigências

341 RADYGIN, A.D. (Team Leader), GONTMAKHER, A.E.; KUZYK, M.G.; MEZHERAUPS, I.V.; SWAIN, H.; SIMACHIOV, Yu. V.; SHMELEVA, N.A.; ENTOV, R. M. Consortium for Economic Policy Research and Advice. The institution of bankru ptcy : development, problems, areas of reforming. Мoscou: IET, 2005. Disponível em: <http://www.iet.ru/files/text/cepra/bankrot_en.pdf>. caso este relatado nas páginas 216-237.

342 A fonte do julgado é a seguinte: Re Air Canada (April 1, 2003), Toronto 03-CL-4932 (Ont. Sup. Ct. [Commercial List]) ["Air Canada"].

343 Vide o art. 50 da Lei n.o 11.101/2005.

117

internas voltadas à eficiência, na maioria destas empresas. O resultado alcançado

foi a ineficiência do sistema de rotas, os altos custos trabalhistas, os altos custos em

geral e os preços elevados. Em 1979, ocorreu o rompimento dos bloqueios à

entrada de novas companhias no mercado. Foi a época da falência da PAN AM,

enquanto outras empresas surgiam no mercado e algumas delas sucumbiam. Entre

1979 e 2001, 137 companhias aéreas americanas pediram falência, enquanto a

Southwest Airlines soube reduzir custos com o uso de um único tipo de avião, o

Boeing 737, além de ter reduzido drasticamente o luxo e extras concedidos aos

passageiros, sublinhando-se a importante lição da redução de custos em qualquer

fase da vida empresarial.344

A AC surgiu em 1937, inicialmente como uma subsidiária de uma estatal

canadense, tendo-lhe sido assegurado o monopólio das rotas internacionais e

transcontinentais. Mas a desregulamentação da economia canadense chegou em

1984, com o partido conservador, e em 1985 a AC foi privatizada. Sua rentabilidade

dependia dos viajantes executivos dispostos a pagar altas tarifas por conforto e

conveniência. O problema maior da AC foi durante a década de 90, em que o

surgimento de novas companhias aéreas com baixos preços derrubou seus lucros.

No ano 2000, a AC comprou a Canadian Airlines, com todo seu passivo e traba-

lhadores acostumados a odiar seu ex-concorrente (AC). Teria sido melhor que a AC

tivesse comprado somente as rotas e escolhido trabalhadores selecionados na liquidação

da Canadian Airlines, ao invés de ter assumido a empresa em funcionamento, mas

houve pressão governamental no primeiro sentido.345

Assim que a compra ocorreu, os revezes começaram a surgir para a AC.

Houve abalos na freqüência de viagens aéreas ocasionadas pelos seguintes fatores:

crise da tecnologia de 2000-2001, colapso aéreo decorrente do ataque às torres de

Nova York em 2001,346 início da guerra ao Iraque em 2003, aumento de custos

344 RADYGIN et al., op. cit., p.216.

345 RADYGIN et al., op. cit., p.217 e 218.

346 Sobre a mesma realidade, sob o ponto de vista brasileiro, Ricardo José Negrão Nogueira assim se expressa: "O princípio moderno da globalização e a conseqüente interdependência de todas as atividades humanas implicam inferir que fatos tradicionalmente considerados de âmbito nacional ou local podem desencadear crises no fluxo de vendas de produtos ou de serviços em territórios muito diferentes e distantes. Exemplo dessa assertiva foi o que se observou nas empresas de serviços aéreos após o ataque terrorista de 11 de setembro de 2001, nos Estados

118

de seguros e da segurança, e convulsão da SARS347 em Toronto. Nesse meio

tempo, a AC já tinha usado todas suas reservas financeiras e de reestruturação

administrativa, forçando a redução de preços de fornecedores e mesmo dos salários

de seus empregados.

O plano de recuperação da Air Canada

O plano de recuperação da AC tinha que levar em conta as perspectivas de

sua permanência no mercado, bem como assegurar rentabilidade compatível com a

crescente competitividade, obrigando-a a reduzir substancialmente seus custos,

recuperar participação de mercado das "companhias ingressantes" e segurar a

competição internacional no mercado interno. A estratégia inicial incluía a redução

de custos laborais em 1,3 bilhão de dólares por ano, mediante redução de salários,

menores benefícios de pensão, menor nível de serviço aos passageiros, maior

automação, terceirização e mudança de perfil de empregados, priorizando-se os não

sindicalizados. Igualmente, o plano estratégico contemplava a redução do custo dos

fornecedores, por meio da renegociação dos financiamentos e a renovação da frota

aérea, menos custosa que a atual.348 Ademais, teria que cortar, de qualquer forma,

cerca de 6.300 empregos e transformar diversas unidades da AC em negócios

quase independentes.

O plano de reestruturação contemplava a necessidade de 1,1 bilhão de

dólares de capital novo, bem como a transformação agressiva de seus ativos, assim

como o comprometimento (parcial cancelamento) de dívidas no montante de 5

bilhões de dólares. A questão era saber quanto da empresa deveria ser cedido a

algum investidor estratégico para conseguir 60% daquele capital necessário. A AC

procurou um investidor que injetasse 650 milhões de dólares na empresa e, além

Unidos. O cenário da época era desolador para a viação em todo mundo, acarretando a redução em 20% de todos os vôos e a demissão de cerca de 130 mil funcionários. Decorrido um ano desse acontecimento, o governo brasileiro, em setembro de 2002, anunciou um pacote de ajuda às empresas aéreas nacionais, incluindo o perdão de dívida das empresas do setor decorrente de cobrança de PIS e Confins, além de isenções de impostos de renda e de IOF sobre seguros." (NOGUEIRA, op. cit., p.140-41).

347 Acrônimo em inglês para severe acute respiratory syndrome, uma doença respiratória contagiosa que correu o mundo durante aquele período, atingindo também o Canadá.

348 RADYGIN et al., op. cit., p.219 e 220.

119

disso, que fosse um parceiro de longo prazo, sem interesse na gestão e que não

tivesse intenção de vender sua participação assim que a companhia se valorizasse.349

Um investidor ofereceu 650 milhões por 31% da AC reorganizada, deixando

56% para os credores da companhia, que ingressariam com 450 milhões de dólares,

sendo que o Deutsche Bank compraria qualquer dos 56% não assumidos pelos credores,

por um ágio de 15%. Houve diversas outras ofertas (de leilão) da AC, incluindo o

pagamento de 850 milhões de dólares por 25% dos fundos da empresa. Após

intensas negociações, finalmente definiu-se a oferta de compra no valor de 954 milhões

de dólares por meio de financiamento ao devedor, e pacificou-se a questão das

transformações do capital social.350

A intervenção essencial do Governo para auxiliar o bom andamento da

recuperação mostrou-se na autorização de que até 49% do capital da empresa

pudesse ser estrangeiro, ao invés do limite anterior de 25%, além do Governo restringir

os valores locatícios das autoridades aeroportuárias, reduzindo o custo das companhias.

Novos investidores, entre eles a General Eletric Capital Corporation351 e o

Deutsche Bank, concordaram em fazer aportes vultosos na empresa. Estes ingressos

de capital ficaram condicionados à concessão de reduções das dívidas dos planos

de pensão dos funcionários, negociadas para pagamento em 10 anos, não sem

dificuldades que quase puseram fim às negociações do plano. O resultado do plano

foi uma redução anual drástica de todos os custos da empresa, especialmente os

laborais, que chegaram a 1,1 bilhões.352

Questões de políticas públicas relacionadas ao caso Air Canada

De acordo com a lei canadense, pessoas não-residentes não poderiam possuir

mais de 25% das ações da companhia. Mas como essa limitação era um dos maiores

349 RADYGIN et al., op. cit., p.221.

350 RADYGIN et al., op. cit., p.222 e 223.

351 Vide KENT, Andrew; McFARLANE, Alex; MAEROV, Adam. Who is in control : a commentary on Canadian DIP Lending Practices. p.11. Disponível em: <http://www.mcmillanbinch.com/ Upload/ Publication/DIP%20Financing%20Paper%20v10.pdf>. Acesso em: mar. 2006, visualizado em março de 2006, em que se relata o procedimento adotado pela GE de "cross-collateralization", ou seja, de permitir novo financiamento à empresa em crise enquanto insere nova garantia prioritária ao recebimento do credor que lhe financiou (DIP financing).

352 RADYGIN et al., op. cit., p.224 e 225.

120

entraves à negociação do plano de reorganização da AC, o entrave legal foi afastado

pelo governo canadense, por meio da alteração da legislação respectiva (Air Canada

Public Participation Act, RSC, 1985353).

Embora o Canadá tenha uma legislação moderadamente robusta sobre concor-

rência,354 diversas gestões públicas tentaram engendrar uma competição saudável

como forma de conseguir um serviço eficiente. Privatizando e desregulamentando os

setores, o Canadá dependia cada vez mais da habilidade da concorrência para

assegurar um mercado eficaz e ágil. Mas foi o próprio erro de política pública, ao

pressionar pela manutenção de duas organizações separadas no mercado (AC e

Canadian Airlines), que reforçou a grave crise da AC.

O Governo canadense também sucumbiu ao impulso de procurar proteger o

orgulho nacional, utilizando apenas capital interno, inclusive fornecendo financiamentos

baratos à companhia aérea durante seu período de abalos pré-judiciais, mas que

não a ajudaram substancialmente a recuperar a eficiência naquele período.

Em relação às externalidades da eventual falência da companhia, algumas

podem ser apontadas. Diversos custos seriam suportados, muito além do âmbito da

falência, pelos administradores, empregados e credores. Autoridades aeroportuárias

ficariam sem fluxo de caixa por um largo período, com subseqüente redução de seu

ranking de crédito e inclusive possível necessidade de recorrer ao Governo. O próprio

Governo canadense, com eleições próximas, quis aumentar suas chances de eleição

ao proteger uma marca nacional. Clientes perderiam seus cartões de milhagens e

todas as empresas prestadoras de serviços para a AC perderiam um mercado

substancial, podendo algumas delas sucumbir até que o mercado se reestruturasse.

Por outro lado, a falência, mesmo que mediante venda de unidades produtivas

autônomas, representa, na maioria dos casos, para a administração, sua destituição

e perda de prestígio.

Do ponto de vista positivo para o mercado, a lacuna causada traria enormes

oportunidades de negócios às companhias ingressantes. Outros efeitos incluem que

a administração (diretoria) da companhia aérea seria diretamente atingida. Via de regra,

a reorganização mantém a administração e ainda a recompensa financeiramente. Os

353 RADYGIN et al., op. cit., p.226.

354 CANADA, Legislação: Competition Act, R.S.C. 1985.

121

acionistas, em caso de dissolução da sociedade, nada recebem, enquanto na

reorganização suas ações podem voltar a valorizar-se.355

Outra consideração da empresa, no caso, foi quanto à duração da reor-

ganização. Ela considerou que o ingresso do pedido de reorganização "antes do tempo"

significaria ou o indeferimento da reorganização, ou a objeção de algum credor

prejudicado. O ingresso tardio significaria a exposição da companhia às execuções

individuais dos credores, podendo ocorrer perda de patrimônio fundamental à recupe-

ração da empresa. O momento oportuno, sempre difícil de definir, seria o intermediário.

Uma importante tática do juízo canadense para apressar as negociações foi a de,

descoberto o conflito de interesses, conceder prazos exíguos às partes para uma

composição, sob pena de a decisão da questão ser imposta pelo juízo, talvez menos

interessante às partes. O resultado atingiu indiretamente também o Governo, pois

este deixou de subsidiar ou nacionalizar a companhia e seus débitos, ganhando

inclusive a confiança do mercado de capitais externo.356

Quanto à definição das classes de credores,357 o plano de recuperação feito

sob a lei CCAA segue padrão semelhante à atual lei brasileira, em que cada classe de

credores deve aprovar o plano, e pelo menos metade dos credores, representando

dois terços do valor dos créditos da classe, devem votar a favor. Pelo CCAA, é a

administração (devedor), sob a tutela do Juiz, que organiza as classes de credores,

cujo objetivo é distribuir os credores equitativamente por interesses para evitar que

alguma classe possa representar um veto excessivo e de forma a não criar mais

classes do que o necessário.358

355 Vide RADYGIN et al., op. cit., p.228 e 229.

356 Vide RADYGIN et al., op. cit., p.230-234.

357 Note-se a importante distinção que, no Canadá pelo CCAA não há previsão expressa nem sequer pela constituição de comitê de credores, podendo, todavia, ser constituído pelo Juiz (ROGERS, Linc. Understanding the Amendments to the U.S. Bankruptcy C ode from a Canadian Perspective . Ontario Bar Association, Continuing Legal Education, Toronto, 2006. p.6). Assim no original: "In Canada, there is no statutory requirement for the appointment of a creditor committee although it is certainly within the discretion of the court to appoint one. Committees have been appointed in some large cases, including the Air Canada restructuring. Nonetheless, the practice remains rare in Canada and may well account for why the issue of exclusivity is not a material one in Canadian insolvencies: there is rarely a cohesive body of interested constituents with the resources and finances necessary to marshal broad support for a viable alternate plan."

358 Vide RADYGIN et al., op. cit., p.231.

122

O financiamento, durante a recuperação da AC, seguiu a regra, também

incorporada no direito brasileiro, de ser extraconcursal, chamada no direito canadense

de financiamento que possui superioridade extra, vale dizer, o estímulo ao crédito

privado mediante classificação prioritária na falência.359

Algumas lições (para políticas públicas) podem ser extraídas da recuperação

da AC. Se o sistema (lei e aplicação pelo Judiciário) não é equânime, rápido e

previsível360 em seus resultados, nem seguro contra comportamentos predatórios de

exploradores do sistema, o preço de capital para as empresas realmente sobe. No

caso canadense, constatou-se que a maturidade e preparo do seu Judiciário

puderam contrabalançar a grande flexibilidade da legislação, em que a Corte espe-

cializada sopesou suficientemente os riscos e o Governo não interveio com mudanças

legislativas durante o processo. Outros elementos incluíram, como referido, a presença

de um Judiciário extremamente competente e independente e, acima de tudo, pesadas

responsabilidades aos administradores judiciais, com sanções públicas, aumentando a

profissionalização do encargo.

A transparência, importante elemento nesse processo, foi possível por

intermédio da mídia que soube ser um instrumento fiel de informação pública do

processo. Os detalhes das propostas de reestruturação da AC eram publicados

instantaneamente na internet e a função principal dessa publicidade (transparência) foi

a busca pelo resguardo da probidade de todos os interessados diretamente no

processo. Em relação ao tempo de duração do processo, este foi crucial, pois se tem

que quanto maior a duração de um processo falimentar, menores serão os ativos

restantes e há sempre o problema de que, quanto maior o tempo de reestruturação

da empresa (com poucos incentivos aos fornecedores), mais estes se adaptarão a

outros contatos, clientes a companhias. Um ponto interessante foi a faculdade,

nessa reorganização, que o Tribunal tinha de "levantar a suspensão" das execuções

359 Brasil, Lei n.o 11.101/2005, art. 84.

360 "Predictability, transparency and accountability. Effective insolvency systems include rules that are reasonably predictable, transparent and hold all parties duly accountable throughout the process. There is no substitute for a clear law. A predictable law promotes stability in commercial transactions, fosters lending and investment at lower risk premiums, and promotes consensual resolutions of disputes between a debtor and its creditors by establishing a backdrop against which parties can assess their relative rights. In the same way, transparent rules and procedures promote fairness and integrity in the system and create an informed and communicative environment by which greater levels of cooperation can be achieved." (WORLDBANK, Principles ..., p.25).

123

individuais contra o devedor, visando forçar as negociações para a reorganização,361

exercendo uma enorme pressão pela rapidez às partes.

Ainda com relação à previsibilidade de resultados da reorganização,362 para

que os credores com mais garantias tivessem segurança e mesmo votassem

favoravelmente à reorganização, foi crucial que soubessem que o comprometimento

de parte de seus créditos seria feito com base no princípio da equidade de todos

os credores.

O caso da AC consolidou a aprovação da coexistência de dois estatutos (BIA

e CCAA), pois a BIA gere melhor os pequenos negócios, enquanto a CCAA permite

ao Judiciário uma considerável discricionariedade para moldar o procedimento,

desenhar o processo e aumentar as chances de sucesso. Em razão de alguns problemas

oriundos do episódio da AC, foram propostas algumas reformas legais, enfrentando

a hipótese de a diretoria permanecer no comando do negócio; indagou-se se não

deve haver regras mais claras para restringir a possibilidade de conflito de interesses

entre a direção e os empregados, tendo em vista a difícil negociação com os sindicatos

trabalhistas, que acabou sendo completada,363 não sem ter efetivamente descarregado

grande parte do ônus da recuperação sobre os trabalhadores.364 Reformas parciais

361 Vide RADYGIN et al., op. cit., p.235.

362 No original: "Predictability of outcomes.A good bankruptcy system must offer all concerned parties an ability to predict outcomes and thus to arrange their own affairs in the most advantageous way possible in the circumstances. This is as true with the myriad details of the process as it is with the overall case itself. If a creditor knows that there is an objective and Court-supervised process for compromising his rights equitably with those of others in his circumstances, if the priority of creditors is known and unchallengeable, if there is light at the end of the tunnel in terms of equity for compromised debt (or in the limit in terms of a dividend from the bankrupt estate), then market players will be content to let the process unfold in a rational manner. In the Air Canada case, the predictability of process and outcomes meant that collapse during restructuring was much less likely. From a public policy point of view, there is much value in a legal process that is allowed to accumulate precedents over a long period of time. Overly frequent or radical changes in the basic procedure may cause years of heightened uncertainty. It is in this sense that a government that can restrain itself from intervening even (or especially) in notorious and embarrassing cases is helping to improve long-term confidence and keep down the cost of credit generally." (RADYGIN et al., op. cit., p.236).

363 Vide RADYGIN et al., op. cit., p.236.

364 CANADIAN LABOUR CONGRESS. Submission by the Canadian Labour Congress to The Standing Committee on Industry, Natural Resources, Science and Technology (INDU) on Bill C-55, November 2005, p.8, assim se expressa: "There is another dimension to the Air Canada case, however, that went undiscussed in the mainstream press. Long before Judge Farley careened

124

into uncharted waters for bankruptcy law, Air Canada's unions had been in discussion with management around various measures available to address the firm's financial troubles. Air Canada's top officials, however, took these discussions less seriously when the CCAA process left management perks untouched while burdening workers with the costs of restructuring."

125

do modelo canadense buscaram uma forma de reduzir os riscos provenientes dos

maus resultados das intensas negociações entre os credores com forte conflito de

interesses, por um lado, e a alternativa menos desejada de que a solução tenha que

ser imposta pela autoridade judiciária.

126

6 O CONFLITO DE INTERESSES NA RECUPERAÇÃO DA EMPRES A

6.1 ESBOÇO HISTÓRICO DO CONFLITO DE INTERESSES NA INSOLVÊNCIA

Para se enunciar o conflito de interesses no direito falimentar brasileiro, importa

repassar rapidamente o próprio histórico do direito falimentar. Este item difere de um

escorço histórico na medida em que exibirá a tendência do direito a prestigiar certos

interesses em detrimento de outros, nas situações de insolvência, tendo em vista o

conflito de interesses.

Embora o direito romano seja sempre recordado na história do direito comercial,

tem-se que as ações de credores contra a insolvência do devedor já podem ser

divisadas muito antes, nas determinações do Código de Hamurabi, escrito pelo Rei

Hamurabi (1795-1750 AC), que contém algumas regras para resolver problemas

decorrentes de conflitos entre devedores e credores. De acordo com esse código, o

credor poderia apossar-se da mulher do devedor, de algum filho ou de algum escravo e

fazê-los trabalhar para si até que a dívida do devedor fosse paga. Se o débito ainda

assim não pudesse ser saldado, o próprio devedor seria apenado, pessoalmente.

O Código de Hamurabi já previa penalidades para credores que cobrassem uma

dívida inexistente,365 o que sinaliza o fato de, embora na antiguidade a proteção do

credor fosse claramente forte e eventualmente excessiva, já existir uma tendência,

mesmo que mínima, para regular os excessos e proteger o devedor.

Na Grécia366 e em Roma manteve-se a prática de garantir o pagamento de

dívidas pela restrição da liberdade do devedor, mas o desenvolvimento gradual se nota

365 ANÔNIMO. Bankruptcy and Insolvency: report of the Study Committ ee on Bankruptcy and Insolvency Legislation (Ottawa: Information Canada, June 1970) (also known as the "Tassé Committee Report"). p.1. Disponível em: <http://www.law.ualberta.ca/research/bankrptcy/bankrpt _history.htm>. Acesso em: jan. 2007.

366 Vale a citação de Alfredo Buzaid sobre os tempos primitivos bárbaros e romanos: "Confessada a dívida, ou julgada a ação, cabia a execução 30 dias depois, sendo concedido esse prazo a fim de o devedor poder pagar o débito. Se este não fosse solvido, o exeqüente lançava mãos sobre o devedor e o conduzia a juízo. Se o executado não satisfizesse o julgado e se ninguém comparecesse para afiançá-lo, o exeqüente o levava consigo, amarrando-o com uma corda, ou algemando-lhe os pés. A pessoa do devedor era adjudicada ao credor e reduzida a cárcere privado durante 60 dias. Se o devedor não se mantivesse a sua custa, o credor lhe daria diariamente algumas libras

127

quando o devedor pôde, em certa altura do direito Romano, alcançar sua libertação

com a entregar de bens seus em compensação à dívida (cessio bonorum).367

Inobstante, ainda era tênue a distinção entre o patrimônio e a própria pessoa do

devedor; pois ambos poderiam ser considerados eficazes para saldar dívidas.

Na Idade Média européia, destaque-se que o devedor falido sofria sanções

humilhantes caso fosse condenado. Naquela época, os fatos cessação de pagamentos

e insolvência do devedor eram considerados um atentado ao crédito público e, por

conseguinte, uma ofensa a toda coletividade. Por outro lado, o procedimento que

regulava a falência e a concordata (existente também à época) não diferia muito dos

sistemas atuais, seguindo os ditames da legalidade.368

Na França, as Ordenanças de 1673 instauraram o princípio da paridade ou

igualdade entre os credores e o Código de Comércio de 1807 também influenciou o

desenvolvimento da lei falimentar. Antes disso, em 1351, na Inglaterra, já se tentara

responsabilizar a Companhia Lombarda (companhia mercante) pelos débitos de seus

membros mercadores, notando-se a tendência ao caminho pela responsabilização

do patrimônio e liberação da responsabilidade pessoal pelo simples fato da insolvência.

A legislação inglesa mais amena do período que se estende de 1300 até 1800, só

abrangia os comerciantes, de forma que os devedores "civis" ainda eram submetidos

de pão. Durante a prisão era levado a três feiras sucessivas e aí apregoado a crédito. Se ninguém o solvesse, era aplicada ao devedor a pena capital, podendo o exeqüente matá-lo ou vendê-lo trans Tiberim. Havendo pluralidade de credores, podia o executado na terceira feira ser retalhado; se fosse cortado a mais ou a menos, nisso não seria considerado fraude." (BUZAID, Alfredo. Do concurso de credores no processo de execução . São Paulo: Saraiva, 1952. v.3. p.43).

367 Sobre o tema: "Em 428 AC, especialmente com a Lex Poetelia Papiria, houve no direito romano a mudança de vinculação do devedor, de pessoal para real, em que a execução não mais recaía sobre a pessoa do devedor, mas apenas sobre seu patrimônio, subsistindo, porém, alto grau de infâmia ao devedor." (LOBO, Direito concursal ..., p.3-4). Vide GROSS, Karen. Demonizing Debtors: a response to the Honsberger-Ziegel Debate. Osgoode Hall Law Journal , v.37, n.1-2, p.273, 2001.

368 "This humane attitude retreated somewhat during the resurrection of Roman Law in medieval Europe. Insolvency was considered a sin accompanied by severe shaming penalties". (GEORGAKOPOULOS, Nicholas. Bankruptcy law for productivity. Connecticut Law Review , v.37, p.56, abr. 2002). LOBO, Direito concursal ..., p.4.

128

à prisão caso não pagassem suas dívidas. O objetivo primordial dessa legislação era

a recuperação dos prejuízos dos credores e o exercício da "justiça retributiva" em

face dos devedores.

O advento das idéias humanistas do início do século XIX fez bifurcar o tratamento

do instituto da falência, separando-se o direito penal falimentar e aprimorando-se as

regras que tutelam os interesses dos credores.369

Nos Estados Unidos, o Chapter 11 indicava que os interesses protegidos não

deveriam ser apenas os dos credores e acionistas.370 A história legislativa norte-

americana atesta que o objetivo da reorganização da empresa era de reestruturar as

finanças do negócio para que continuasse a operar, provesse empregos, pagasse

credores e finalmente desse um retorno aos acionistas. Evitava-se a liquidação, que

representava, por via oblíqua, apenar o empresário. Seria melhor, economicamente,

reorganizar do que liquidar, com vistas à preservação dos bens e empregos.371

Contrariamente ao direito inglês, que o originou, o direito falimentar norte-americano

desenvolveu-se sob a premissa inicial de conceder o perdão e uma nova chance à

empresa honesta insolvente e viável.

No Brasil, o Código Comercial de 1850 era fortemente influenciado pela legislação

francesa. O critério para a caracterização da falência era a cessação de pagamentos.

Mesmo se o devedor possuísse superávit patrimonial, a proteção estava voltada à

redução do risco do meio empresarial e ao sistema público de crédito. Nesse sentido

de proteção de interesses, não há novidades na Lei n.o 11.101/05. Explica-se.

A garantia da manutenção da atividade econômica já dependia, no Código Comercial

de 1850 (vide art. 846), da aprovação dos credores (concordata). Enquanto no

Decreto-Lei n.o 7.661/45 (art. 177-185) os credores perderam esse poder, tornando-se

369 PENTEADO, Mauro Rodrigues. In: SOUZA JUNIOR, Francisco Satiro de (Coord.). Comentários à lei de recuperação de empresas e falências : Lei 11.101/2005 - artigo por artigo. 2.ed. São Paulo: RT, 2007. p.63.

370 LOPUCKI, Lynn M. A Team Production Theory of Bankruptcy Reorganization . p.31. Disponível em: <http://lawweb.usc.edu/faculty/workshops/documents/LoPucki.pdf>. Acesso em: jun. 2006.

371 Esta afirmação do Congresso Americano (encontrada em H.R. Rep. No. 595; 95th Cong., 1st Sess.; H.R. 8200 (1978) at 10.) tem sido contestada, mas serviu de base para a política legis-lativa americana de então. Vide: E.g., Richard V. Butler & Scott M. Gilpatric, A Re-Examination of the Purposes and Goals of Bankruptcy, 2 AM. BANKR. INST. L. REV. 269, 284 (1994) (Though Congress did not address the problem of preserving external going concern value as such, it was certainly concerned with ameliorating the impact of business failures on employees, the parties with whom a firm contracts, and the surrounding community.") (LOPUCKI, op. cit, p.31).

129

coadjuvantes no processo falimentar, recuperaram-no com a LRE (art. 55, 56 e 58).372

Percebe-se o movimento (não necessariamente retilíneo) que o desenvolvimento

histórico da falência efetua na proteção dos interesses, pois ora tende a privilegiar a

recuperação do crédito, ora desenvolve meios para a proteção da atividade empresária,

resguardando ou não o empresário.

Como dito anteriormente, a intenção deste item foi mostrar certa linha de

desenvolvimento do direito falimentar sob o ponto de vista dos interesses de credores e

do devedor, especialmente. Sob esse ângulo, ao contrário do ocorrido na antigüidade, o

devedor comerciante estava invariavelmente ligado aos seus bens; supõe-se que a

tendência do direito falimentar seja de total separação entre pessoa e patrimônio.

Como se verá nos itens seguintes, a LRE procura proteger a atividade econômica e

não necessariamente o empresário (controlador, administrador, diretoria). A LRE, na

recuperação judicial, porém, ainda mantém o devedor na condução do negócio como

sendo a regra e exceção a sua destituição.

Pode-se questionar a conveniência de se incrementarem as atribuições do

administrador judicial e se diminuírem as do devedor, durante a recuperação judicial.

A sugestão de desapossar373 o devedor desde o deferimento da recuperação da

empresa, substituindo-o por um gestor, desde que haja indícios de que uma mudança

de gestão será fator determinante para a reorganização, traz dificuldades práticas de

implementação. O objetivo seria cingir-se, nesse caso, o papel do devedor à

fiscalização e consulta, até que se termine o procedimento de recuperação.

372 Vide PENTEADO, op. cit., p.64.

373 A LRE, atualmente, prevê diversos casos de afastamento do devedor da condução da atividade empresarial, conforme o art. 64. O que se propõe, neste item, é a redução da dificuldade de configuração das hipóteses ali previstas, especialmente as contidas no item IV: IV – houver praticado qualquer das seguintes condutas: a) efetuar gastos pessoais manifestamente excessivos em relação a sua situação patrimonial; b) efetuar despesas injustificáveis por sua natureza ou vulto, em relação ao capital ou gênero do negócio, ao movimento das operações e a outras circunstâncias análogas; c) descapitalizar injustificadamente a empresa ou realizar operações prejudiciais ao seu funcionamento regular; d) simular ou omitir créditos ao apresentar a relação de que trata o inciso III do caput do art. 51 desta Lei, sem relevante razão de direito ou amparo de decisão judicial; V – negar-se a prestar informações solicitadas pelo administrador judicial ou pelos demais membros do Comitê; VI – tiver seu afastamento previsto no plano de recuperação judicial. Há ocasiões, não infreqüentes, em que a figura do administrador, ou do "devedor" à frente do negócio a ser recuperado judicialmente, é de essencial importância. Nestes casos, sua destituição somente se procederia nos casos já regulados em lei, que abrangem genericamente a apuração de fraude praticada.

130

6.2 AVALIAÇÃO DOS CONFLITOS DE INTERESSE NA LEI N.o 11.101/05

A busca por um juízo concreto sobre os acertos e erros de um novo diploma

legal revela-se uma tarefa difícil, em razão de seus riscos de generalizações apressadas,

julgamento não sistemático de certos dispositivos e ausência de maturação da norma

no sistema positivo nacional, por meio da interpretação jurisprudencial e doutrinária

consolidadas. Devido à amplitude do direito falimentar, essa empreitada seria ainda

mais penosa. Verificam-se, neste item, tão somente como os conflitos de interesses

foram abordados na Lei, observando-se os influxos de uma visão estatal socia-

lizante, de um lado, e, de outro, os interesses de caráter eminentemente privados

dos particulares, como já analisados individualmente.

A primeira avaliação da LRE refere-se ao confessado comprometimento

internacional do Executivo374 com o FMI (Fundo Monetário Internacional)375 para que

se criasse um "ambiente favorável de mercado para que transitem mais facilmente

as empresas que hoje dominam, segundo princípios da velha Lex Mercatoria376, a

374 A soberania econômica prevista no art. 170, I, CF representa a independência do Estado frente aos organismos internacionais, para direcionar sua política econômica de forma a realizar suas políticas públicas em prol dos objetivos do Estado. Os agentes econômicos internacionais pregam, a cada dia, a relativização desse princípio, na medida em que exercem forte influência nas questões político-econômicas do país, principalmente por meio dos acordos entre o Brasil e o Fundo Monetário Internacional – FMI (VINHA, Thiago Degelo. A contribuição de intervenção no domínio econômico incidente sobre combustíveis e derivados . 2006. Dissertação (Mestrado) - Universidade de Marília, Marília, 2006. p.46).

375 Por fim, o FMI, em que pese continuar existindo como instituição, é alvo de críticas vindas de todos os quadrantes do pensamento político e econômico. O leque dos que são contra o modelo tradicional de intervenção do FMI vai da direita republicana nos Estados Unidos até a elite dirigente dos principais países asiáticos, da esquerda tradicional aos representantes do que há de mais criativo no pensamento econômico não-ortodoxo, como, por exemplo, o Professor Joseph Stiglitz (TEBET, Ramez. Parecer 534/2004 do Senado Federal . Lei de Recuperação de Empresas. Brasília, 2005. p.18).

376 Sobre o desenvolvimento histórico da Lex Mercatoria, vide GALGANO, Francesco. Lex mercatoria : Storia del diritto commerciale. Bologna: Il Mulino, 2001. p.102 e segs. Vide também a seguinte citação: "Em outro plano, esse direito, feito por e para os mercadores – ius mercatorum ou lex mercatoria na linguagem culta dos juristas da época –, tinha duas características, uma interna e outra externa, que importa registrar. O elemento intrínseco é dado por seu caráter estamental. "Direito dos mercadores", ele repousa em um suposto particularista: seus dispositivos aplicam-se a todas as transações que tenham um comerciante, em sua qualidade de comerciante, como parte – suas relações extra-mercantis (relações de família, de sucessão, relações patrimoniais de caráter imobiliário etc.) continuavam sendo regidas pelo direito comum da terra. A qualificação não altera a essência do suposto. Com ele, a comunidade dos mercadores proclama a sua pretensão de regular seus próprios negócios, bem como suas relações com a sociedade circundante." (VELASCO E CRUZ, Sebastião. Estado e mercado: a OMC e a constituição (incerta) de uma ordem econômica global. Revista Brasileira de Ciências Sociais , v.20, n.57, p.101, fev. 2005).

131

economia mundial, mercê da tutela reforçada aos credores com maior poder

econômico, que soem forrar-se com garantias reais".377

O FMI, por sua vez, emitiu em 1999 um relatório entitulado "Procedimentos de

Insolvência ordenados e eficientes" em que identificava os elementos-chave de uma lei

falimentar e discutia as considerações de políticas públicas que fundamentam a

elaboração de uma lei falimentar moderna.378 Embora tenha sido alvo de críticas, como

apontado acima, os guidelines do FMI e outros guias legislativos para normas de

insolvência são elaborados com base em prática consagrada no mercado internacional.

Interessante questionar se a aplicação desses princípios, construídos certamente

por organismos de mercados desenvolvidos e com capitalismo maduro, poderiam

ser transladados a países com desenvolvimento mais tardio (entre os que o Brasil se

inclui) e com deformidades mais gritantes no mercado.

Sobre esse assunto, da teórica inaplicabilidade total de modelos de leis

(mesmo que modernos) a países em desenvolvimento, Mike Falke argumenta que a

situação peculiar dos países em desenvolvimento, e apenas enquanto durar esta

situação, justifica a adoção de soluções diferenciadas para o regime falimentar,

especialmente para a proteção de certos interesses que de outro modo não poderiam

ser adequadamente protegidos. Refere o autor ao exemplo dos interesses comunitários,

e se pode estender esta interpretação, no direito brasileiro, aos direitos sociais

previstos na Constituição, especialmente os relativos à função social da propriedade

e os que atinjam direitos fundamentais.379 Mike Falke também conclui que a regra da

maximização do patrimônio disponível do devedor para pagamento dos credores não

377 PENTEADO, op. cit., p.58.

378 No original, "Orderly and Effective Insolvency Procedures". Disponível em: <www.imf.org>. Semelhante a outros guidelines internacionais de elaboração de leis falimentares modernas, o elenco de princípios protetivos do crédito influenciaram na elaboração da Lei n.o 11.101/2005.

379 FALKE, Mike. Insolvency Law Reform in Transition Economies . 2003. Tese (Doutorado) - Universität Berlin, Berlin, 2003. p.273: "Firstly, the discussion has shown that the unique situation in transition economies influences the needs and demands of the prevailing insolvency regime and may require unique solutions. The determining circumstances in transition economies may differ considerably from those of highly developed market economies. Transition economies have frequently developed their own means and techniques to deal with these circumstances. (…) Secondly, these differing circumstances in transition economies form additional goals of the insolvency regime or, at least, do limit some and extend others. The objectives of communities, for example, affected by the insolvency of a market participant, are from great importance particularly in transition economies. Frequently, other means to protect those interests are not available in these countries and legislators referring to the insolvency law to buffer the impact of insolvency on those communities."

132

deve ser aplicada com todo o rigor nos países em transição (em desenvolvimento),

pois há circunstâncias (como as vistas acima) que requerem uma predisposição ou

tendência legislativa do direito material à recuperação da empresa.380

A LRE aparece claramente como dotada de caráter social, ao ter previsto um

elenco de princípios gerais de proteção aos interesses da sociedade (art. 47). Estes

princípios, contudo, possuem pouco grau de concreção. De outro lado, a LRE estabe-

leceu diversas regras e exceções bem palpáveis para a proteção de determinados

créditos, objetivando a proteção dos interesses creditórios. Assim, pode-se ponderar

que, sob o ponto de vista da influência da figura do Estado, a LRE tem o "espírito"

próprio do Estado social, mas seu "corpo" (sua grande base de normas de aplicação

imediata) está muito mais aproximado do Estado liberal. Aparentemente, não restam

dúvidas de que a configuração ideal de um regime falimentar deverá estar

estreitamente vinculada ao modelo de Estado que o país adotar ou tenha adotado.

Como esse modelo de Estado, no Brasil, tem sofrido variâncias significativas ao

longo de sua história recente, há de se esperar que a própria legislação falimentar

também sofra mudanças, tanto substanciais quanto de direcionamento interpretativo,

visando adequar-se a seus objetivos concretos.

Considera-se que o desafio é conjugar a necessidade que as empresas

brasileiras têm de se voltar cada vez mais para a economia de mercado, em que

poderão competir não apenas localmente, de um lado, com a proteção de interesses

coletivos, pelo Estado, de outro. Para que isto ocorra, entende-se que o desenvolvimento

e aprimoramento da legislação falimentar nacional, pela retirada de empresas

ineficientes do mercado e manutenção das viáveis e importantes é um passo essencial

ao país, pois a melhor aplicação da Lei n.o 11.101/05 poderá determinar a velocidade

com que o Brasil se inserirá cada vez melhor no cenário mundial competitivo.

380 "The law should avoid extensive interference with the asset maximization theory, according to which the procedure should be applied, promising the highest return for creditors. But it was also established that this may not be fully applicable to transition economies. There frequently exist circumstances which require a procedural or substantial bias of the law for reorganization proceedings." (FALKE, op. cit., p.274).

133

Lei de Recuperação de Empresas = Lei para as Socied ades Anônimas?

Outra constatação importante é a aproximação que a LRE teve com a Lei das

Sociedades Anônimas (Lei n.o 6.404/76), especialmente na previsão (efetivamente

facultativa) de Assembléias, órgãos colegiados (comitês de credores) e, essencialmente,

ao prever a LRE, em muitos de seus dispositivos, uma estrutura ou capacidade de

absorção de custo somente presente nas sociedades anônimas. Esta realidade,

porém, distancia-se do fato de que mais de 98% das sociedades empresárias no

Brasil são criadas na espécie limitada.381

Pelo exemplo trazido acerca do direito canadense, poderia ser uma boa idéia,

também no Brasil, da adoção de um regime legislativo dúplice, e não uma lei única

(que contém apenas um capítulo restritíssimo sobre a recuperação das pequenas

empresas). O sistema nacional deveria possuir um regime detalhado e com ampliada

supervisão estatal (na pessoa do magistrado), especialmente desenhado para as

pequenas e médias empresas sob a espécie de sociedade empresária limitada; e

outra norma (talvez a atual, com pequenos ajustes) para a recuperação de médias e

grandes empresas sob a forma de sociedade anônima.

No primeiro caso (das pequenas e médias empresas), como o interesse social

pela preservação será mais reduzido, igualmente não deve haver concessão

legislativa de grande margem de discricionariedade ao magistrado, devendo a lei

estabelecer os parâmetros concretos e detalhados para a recuperação ou falência.382

Esta assertiva é válida, mesmo em se concedendo que a grande maioria dos empregos

no Brasil é gerado por micro e pequenas empresas, uma vez que o custo de se

recuperar referidas empresas será maior do que o rápido remanejamento dos ativos,

especialmente empregos, no mercado. Na recuperação judicial, a ampla negociação

deverá reinar entre os interessados, sendo que o magistrado deverá intervir majori-

tariamente para ratificar as negociações ou para a proteção do interesse coletivo. No

segundo caso (das grandes empresas sob forma de SA.), a formulação legal poderia

381 Vide site: <www.dnrc.gov.br>.

382 Analisado sob este enfoque, a restrita escolha dada aos micro e pequenos empresários, constante da Seção V da Lei n.o 11.101/2005, artigos 70 a 72, bem reflete esta política legislativa. Sob este ângulo, não se deve criticar o instituto ali previsto. Ademais, não há previsão legal que obrigue as micro ou pequenas empresas a escolherem este procedimento, podendo escolher o dos artigos 51 a 59 ou a recuperação extrajudicial (arts. 161 a 167), sendo a primeira opção desaconselhável, em função de seu custo.

134

ser um pouco mais aberta, utilizando-se mais livremente dos conceitos jurídicos

indeterminados, desde que restritos à temática da possibilidade de concessão da

recuperação pelo magistrado. Por outro lado, deve haver regras mais claras383 para

efetivar a prevalência (parcial) dos fins sociais perante o fim creditório, constante

hoje no art. 47 da LRE. Deve-se aumentar a relevância dada à responsabilização da

atuação do acionista controlador, especialmente para conjugar o art. 116, parágrafo

único,384 da Lei das S.A385 às novas realidades do direito falimentar brasileiro. Por fim,

como visto, quanto às exigências da LRE que a aproximam ao regime das sociedades

anônimas, ressalta-se a exemplo do direito canadense, que possui regime legislativo

dúplice de recuperação, um para pequenas e outro para grandes corporações.

Função social da empresa e papel soberano dos credo res

Ainda outro tema de grande interesse é o antagonismo entre a importância da

função social da empresa em recuperação e a prevalência do poder dos credores

em decidir os rumos da empresa em crise.386

Fato inconteste que a empresa, no Brasil, exerce função social, como exposto

na Constituição Federal, artigo 170, caput e inciso III, bem como no já citado artigo 116,

parágrafo único, da Lei n.o 6.404/76. Não obstante esta assertiva, a opção política, na

Lei n.o 11.101/05, foi a de depositar apenas nas mãos dos credores a importante

função de decidir (através do voto) se a empresa está cumprindo adequadamente ou

não sua função social, entendida como a possibilidade de recuperar-se mediante a

383 Ora, essa clara afirmação da supremacia dos interesses comunitários e nacionais, quando em conflito com o escopo lucrativo da companhia, aparece em nosso direito despida do necessário aparelhamento de aplicação e eficácia. Cedemos aí, mais uma vez, à tradição jusnaturalista, de puras afirmações de princípio, sem o necessário complemento dos remédios jurídicos sancio-natórios. Pois, se o titular desses interesses comunitários e nacionais transborda largamente o círculo empresarial, quem tomará a iniciativa de defendê-los e com que tipo de ação? (COMPARATO, Fábio Konder. O poder de controle na sociedade anônima . 3.ed. rev. atual. e corrig. Rio de Janeiro: Forense, 1983. p.301).

384 Lei n.o 6.404/76: Art. 116, Parágrafo único. O acionista controlador deve usar o poder com o fim de fazer a companhia realizar o seu objeto e cumprir sua função social, e tem deveres e responsabilidades para com os demais acionistas da empresa, os que nela trabalham e para com a comunidade em que atua, cujos direitos e interesses deve lealmente respeitar e atender.

385 Vide também Lei n.o 6.404/76, art. 154. O administrador deve exercer as atribuições que a lei e o estatuto lhe conferem para lograr os fins e no interesse da companhia, satisfeitas as exigências do bem público e da função social da empresa.

386 Decorrente este da interpretação do art. 170, III, da Constituição Federal e do art. 47 da LRE.

135

execução do plano de reorganização.387 Embora a LRE apresente todos os valores

sociais, constantes no artigo 47, e coloque a recuperação do crédito como o último

valor na ordem apresentada, deve-se reparar que apenas aos credores foi permitida

a represen-tatividade efetiva na votação dos destinos da empresa em recuperação

judicial. Pendeu a Lei claramente à proteção dos interesses dos credores em

desfavor de outros interesses coletivos que obtiveram uma proteção apenas

abstrata, concretizada na hipótese de interpretação judicial extensiva.

6.2.1 O plano de recuperação

Este item tem por objetivo isolar a descrição dos fundamentos de existência do

plano de recuperação em si, de seu procedimento processual. Trata-se de averiguar

a racionalidade e justificativa da existência de um plano de recuperação da empresa,

proposto pelo devedor e sujeito a votação e alterações pelos credores. Questionam-

se quais são os interesses mais bem albergados pela utilização de um plano de

recuperação e discute-se brevemente se a elaboração de um "plano" tem condições

de gerenciar os diversos conflitos de interesses diante as empresas em crise.

Primeiramente a aprovação de um plano de recuperação judicial inconsistente

traz como conseqüência a manutenção, no mercado, de uma empresa ineficiente e

que, em última análise, prejudica a sociedade. Ademais, a empresa retornará em

pouco tempo à situação de crise que a levará, por fim, à falência. Assim, o primeiro

problema que a própria existência de um plano de recuperação traz é a constatação

de que um plano de recuperação tecnicamente perfeito e consistente não é, por si

só, suficiente para garantir a efetiva reabilitação da empresa em crise.388

Nos Estados Unidos, observações recentes têm verificado que as premissas

básicas para se buscar a reorganização da empresa não são facilmente encontradas:

ter substancial valor como um "todo" em funcionamento, incapacidade dos investidores

387 Vide PENTEADO, Mauro Rodrigues. In Comentários à Lei de recuperação de empresas e falências: Lei 11.101/2005 - artigo por artigo, coord. Francisco Satiro de Souza Junior. 2. Ed., São Paulo: Editora RT, 2007, p.73.

388 Vide COELHO, Comentários ..., p.162.

136

livrarem a empresa da crise por meio de negociações, ao invés de um procedimento

coletivo de reorganização e incapacidade do negócio ser vendido num único bloco.

Tendo em vista que as três condições para a existência de um processo de reorga-

nização da empresa raramente existem, pelo menos na maioria dos casos, os

pressupostos para a utilização de planos de reorganização estariam enfraquecidos.

Miller e Judith mostram que em 84% dos casos de sucesso de recuperação (Chapter 11)

de empresas em crise, a solução para a crise partiu dos investidores, que tomaram a

iniciativa com o acordo em mãos ou fizeram uma rápida negociação para vender

rapidamente as unidades da empresa.389

Contrariamente ao que se esperaria, nos Estados Unidos os credores não

mais temem que a venda fracionada dos ativos da empresa represente uma perda

do valor dos créditos em razão da desvalorização da empresa em funcionamento

(as a going-concern).390 Estas posições atingem os pressupostos do plano de

recuperação da empresa ao sugerir que não há sentido em tentar proteger a empresa

integralmente em funcionamento, pois esta pode efetivamente valer mais em blocos

isolados, sob outras administrações. Assim, o objetivo precípuo da recuperação

judicial não deveria sequer ser a aprovação de um plano de recuperação nos moldes

tradicionalmente esperados, mas a determinação judicial, mediante um plano de

reorganização, para vender e liquidar as unidades produtivas, de forma a maximizar

o valor aos credores.391 Ainda sob o ponto de vista do direito norte-americano, a

morte de empresas fracassadas não deve ser visto como um mal absoluto.392 Esses

insucessos representam apenas uma parte do capitalismo, que está sempre se

389 MILLER, Judith Greenstone; METH, Richard M. The plan of reorganization: a thing of the past? Journal of Bankruptcy Law and Practice , v.13, p.3, 2004.

390 MILLER; METH, op. cit., p.4.

391 Esta visão se encaixa no previsto no art. 140 da LRE, durante a falência: A alienação dos bens será realizada de uma das seguintes formas, observada a seguinte ordem de preferência: I – alienação da empresa, com a venda de seus estabelecimentos em bloco; II – alienação da empresa, com a venda de suas filiais ou unidades produtivas isoladamente; III – alienação em bloco dos bens que integram cada um dos estabelecimentos do devedor; IV – alienação dos bens individualmente considerados.

392 SPRAYREGEN, James H. M.; HIGGINS, Roger J.; FRIEDLAND, Jonathan. Chapter 11: not perfect, but better than the alternative. American Bankruptcy Institute Journal , v.1, p.6, October 2005. Isto não quer dizer que se deve ficar indiferente aos custos sociais deste dinamismo social. Os autores citados entendem que a necessidade de se lidar com os custos sociais da falência deve ser suprida através de leis externas ao foro da falência.

137

renovando e servindo de base para a melhoria da eficiência dos mercados; nesse

sentido as empresas que se dissolverem são uma parte natural do sistema

capitalista. Estas colocações podem, com o devido cuidado, ser transplantadas ao

direito brasileiro, ao se sopesar se o interesse social na proteção da atividade

econômica está sendo eficientemente resguardado ao se negligenciar as vantagens

da rápida venda da empresa em crise a terceiros investidores.

No Brasil, a doutrina conclui que a LRE acabou se filiando ao sistema norte-

americano, não apenas quanto à apresentação do plano, como também ao seu

conteúdo. Assim, as questões a serem consideradas para a elaboração do plano de

recuperação são as seguintes: valor do crédito, necessidade de satisfação dos

interesses dos credores, maximização do ativo da empresa insolvente, possibilidade

de a falência ser uma válvula de escape do sistema capitalista, ao retirar do mercado

as empresas não competitivas; e custo social de manter empresas inviáveis.

Interessante notar que

A finalidade da norma do artigo 53 é provar, aos credores e ao juízo, que o valor da empresa em funcionamento não só é superior ao que seria obtido caso se decidisse liquidá-la, como, por igual, que a sua continuidade melhor atende aos múltiplos interesses envolvidos, v.g., dos empregados, dos credores, dos consumidores e da coletividade.393

Caso esta evidenciação não se faça de forma clara e bastante convincente,

infere-se, pelo acima, que a solução pela rápida liquidação dos ativos (produtivos)

da sociedade empresária em crise será a que melhor atender aos interesses de

todos os envolvidos e inclusive também aos anseios da coletividade.

Seguindo-se o exame, deve-se questionar quais os interesses preponde-

rantemente amparados pela adoção, no ordenamento brasileiro, de um plano de

recuperação da empresa. Evidencia-se que são os credores os agentes que mais

claramente se destacam nas decisões sobre o futuro da empresa. Como dito, se no

Decreto-Lei n.o 7.661/45, revogado, os credores não passavam de coadjuvantes,

agora são considerados atores principais.

393 LOBO, Comentários ..., p.141.

138

Acerca dos outros interessados, e considerando a capacidade de influenciar

nos destinos do plano de recuperação, não existe na legislação falimentar

atualmente em vigor no Brasil qualquer elemento de efetiva proteção dos interesses

da comunidade local afetada. Para esta, há apenas previsão genérica de proteção.394

Para a proteção da sociedade, o Ministério Público (MP) milita como instituição que

tem por fim a fiscalização e defesa de seus interesses.395 O MP pode controlar a

condução do plano de recuperação ao rejeitar (art. 8.o LRE) a relação de credores e

impugnar futuros possíveis participantes das votações do plano. Igualmente, pode-se

pensar na hipótese de plano de recuperação aprovado que tenha excelente perspectiva

de proveito somente aos credores diretos, mas seja contrário ao interesse social.

Nesse caso, o MP, albergando o interesse daqueles não diretamente representados

nas votações, poderá ingressar com recurso sobre a decisão que tenha concedido a

recuperação judicial (art. 59, § 2.o LRE). Sobressai-se, ainda neste ponto, que não é

possível uma conclusão imediata acerca do acerto do legislador ao conferir aos

credores a preponderância de poder na condução do plano de recuperação. Pode-se

apenas verificar que o sistema brasileiro se aproximou do modelo norte-americano e

se afastou do modelo francês,396 pois no sistema brasileiro vigente o grau de

discricionariedade do magistrado foi restrito à observância dos parâmetros

estabelecidos na lei.

Discuta-se, ainda que brevemente, se a elaboração de um plano de reorga-

nização tem condições de gerenciar os diversos conflitos de interesses. Em

princípio, parece evidente que os interesses dos credores tiveram sua importância

bastante acrescida no processo judicial de recuperação, em face dos outros

interessados e envolvidos. Por outro lado, a previsão de divisão estanque entre as

classes de credores (artigo 41 LRE) não parece ser a melhor solução para gerenciar

os conflitos de interesses durante a votação de um plano de recuperação. Isto

porque tal rigidez não permite a flexibilidade necessária ao magistrado, ou mesmo

394 Por exemplo, o já citado art. 47 da LRE, bem como o art. 116, parágrafo único da Lei n.o 6.404/76.

395 Constituição Federal, art. 127: O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis.

396 MUNHOZ, op. cit., p.287.

139

ao devedor, para, em certos casos, entabular novas e diferentes classes de credores

segundo outras classificações que não as constantes no art. 41 e que, em hipótese

melhor, representariam um ideal de equilíbrio de interesses, individuais e coletivos,

diante do plano.

Assim como a aproximação dos credores a uma maior participação no processo

de recuperação judicial é reflexo do sistema de mercado capitalista, deve-se salientar

que a função social, prevista constitucionalmente, tem a faculdade de limitar estes

direitos individuais. Para que se opere o resguardo da função social perante a

preponderância do crédito, na votação do plano, é necessário que a participação dos

credores venha acompanhada do aperfeiçoamento da capacidade técnica do Judiciário

(necessária para a presidência de suas funções jurisdicionais de caráter adminis-

trativo),397 da profissionalização cada vez maior do administrador judicial e dos

órgãos técnicos requisitados a emitir documentações por meio do aumento da sua

responsabilização; e, por fim, de uma flexibilização nas negociações do plano, abrindo-

se a possibilidade de voto para outros interesses, conquistando-se assim um maior

equilíbrio no conflito de interesses em jogo.

6.2.2 A possibilidade de obrigar os credores dissid entes à aceitação do plano

de recuperação

O tema já apareceu no item 5.1.1 supra, acerca da possibilidade expressa na

LRE (art. 58) de se "obrigar" os credores dissidentes a se submeterem ao plano de

recuperação aprovado, desde que não lhes seja conferido tratamento diferenciado.

397 Acerca da necessidade de melhorias na capacidade do Judiciário, há nos Estados Unidos propostas de reformas legislativas de seu "Chapter 11" tendentes a aumentar os poderes e atribuições do magistrado, o que supõe sua melhor capacidade técnica. Veja-se: The National Bankruptcy Conference's Code Review Project, Reforming the Bankruptcy Code, May 1997, p.256: "The Supreme Court resolved this conflict in United States v. Energy Resources Co., Inc. The court held that the bankruptcy court had inherent equitable power to order allocation of the initial payments to trust fund taxes where such designation is necessary for a successful reorganization. While the result in Energy Resources may well pave the way for enlightened use of the court's powers, unfortunately the decision gives bankruptcy judges little guidance as to the factors to be taken into account in any given case. Subsequent lower court decisions are opaque as to why the court chose to exercise or not exercise this new discretion."

140

Neste item, esta possibilidade será analisada com base na experiência do

sistema jurídico que a inspirou (o assim chamado "cram down" do direito americano),

objetivando-se apresentar elementos de reflexão para a interpretação da legislação

brasileira. O ponto de partida será a constatação de Munhoz (vide item 5.1.1, parte

final) de que o "cram down" relativiza a necessidade de aprovação unânime das

classes de credores ao plano (art. 45), fragilizando a regra da prioridade absoluta dos

credores ("absolute priority rule").398

O preceito denominado "absolute priority rule" (APR) significa, em termos bastante

sintéticos, que os credores com prioridade inferior somente poderão receber sua

parte após o pagamento integral dos credores com prioridade superior. Igualmente,

os credores devem receber antes que os proprietários da empresa recebam qualquer

coisa. Significa também que os credores têm prioridade sobre os sócios da empresa

no recebimento dos créditos.399 Douglas Baird lembra que a regra APR estabelece

que credores com preferência podem insistir em receber o valor total de seus

créditos antes que os outros credores recebam algo.400

Na prática, todavia, há muitas exceções à APR, as quais têm ocupado os

doutrinadores.401 Pela análise econômica do direito, desvios da APR acontecem quando

interessados bem posicionados conseguem tirar vantagem de procedimentos difíceis

e de juízes permissivos. Baird sustenta que os desvios da APR existirão sempre

que houver incerteza quanto à avaliação do valor da empresa em funcionamento.

Aplicando-se esse raciocínio ao "cram down" do artigo 58, § 2.o, da LRE, difícil se

398 MUNHOZ, op. cit., p.292.

399 LONGHOFER, Stanley; CARLSTROM, Charles. Absolute Priority Rule Violations in Bankruptcy . p.1. Disponível em: <http://webs.twsu.edu/longhofer/Vita/aprrev.pdf>. Acesso em: abr. 2006.

400 BAIRD, Douglas G.; BERNSTEIN, Donald. Absolute Priority, Valuation Uncertainty, and the reorganization bargain. The Yale Law Journal , v.115, p.1930, abstract, 2006..

401 A principal exceção é a da prioridade conferida aos novos aportes financeiros na empresa em recuperação, os créditos extraconcursais do art. 84 da LRE. No direito americano, já se entendeu, no julgado "In re Snyder, 967 F.2d 1126, 1131 (7th Cir. 1992)", que não é qualquer novo aporte financeiro que será extraconcursal, mas apenas os que forem substanciais, novos, equivalentes no mínimo aos juros retidos, na forma de dinheiro ou em valor de dinheiro, constituindo mais do que uma promessa aos credores de se fazer pagamentos futuros; e que o crédito seja necessário à reorganização (DUNAWAY, Baxter. The law of distressed real state. The Lender's Guide to Single Asset Real Estate Bankruptcy. Real Prob. & Tr. J. , v.31, p.79, (Fall 1996).

141

conhecer de fato a existência ou inexistência de tratamento diferenciado dos credores

da classe que houver rejeitado o plano de recuperação, pois o próprio plano supõe

modelos diferenciados de compensação dos credores que concordaram e que difi-

cilmente são equiparáveis a um valor monetário determinado (aos discordantes). O

tratamento diferenciado também é de difícil constatação, porque o plano de

recuperação se assenta no "valor futuro" da empresa e dos créditos, e partirá desse

valor para quantificar os créditos a serem pagos.

Entenda-se com isto que não há certeza matemática possível na equiparação

do valor dos créditos que os credores dissidentes virão a receber na falência com o

montante que concordarão em receber no plano de recuperação, para se saber ao

certo se está havendo discriminação ou não. Assim, a decisão judicial sobre a

possibilidade de concessão ou não do plano de recuperação judicial não conseguirá,

na prática, se embasar em mera fórmula matemática de igualdades, em que os

credores de determinada classe que rejeitara o plano (por exemplo, a dos com

garantia real) não podem receber menos do que outros credores com garantia real

que o aprovaram.402 Enquanto não se puder chegar a um valor mais próximo possível

do negócio reorganizado, minimizando-se a incerteza sobre seu valor futuro, essa

regra continuará sendo um comando que possui uma variável totalmente incerta

(valor futuro da empresa reorganizada), o que dificultará bastante sua aplicação

justa. O critério de decisão, embasado no tratamento não-discriminatório, de justiça

e equidade, dependerá cada vez mais de se alcançar estes dados concretos.

Por outro lado, a possibilidade de se impor aos dissidentes o plano de recupe-

ração tem o efeito indireto de incentivar certos credores (entre as classes de credores

votantes) a alcançar um acordo quanto ao plano. No direito americano, chega-se a

sugerir que os credores com preferência negociem com os credores quirografários o

402 "In theory, one dissenting creditor can effectively prevent confirmation of a plan if he shows that it does not grant him at least what he would get in a liquidation; in practice, however, this is very difficult to prove. Moreover, because the valuations are based on a going concern framework, and so higher than in a liquidation setting, it is unlikely that the creditor could get more otherwise. In this way a cram-down is very important as a threat to induce junior classes to accept a plan of reorganisation proposed by more senior creditors or the debtor-in-possession because of this risk of actually ending up getting less." (CARAPETO, Maria. Debtor-in-possession financing : Size does matter. PhD Programme of the London Business School, Nov. 1998. p.23). Vide: LOBO, Comentários ..., p.155.

142

recebimento de algum crédito (na falência) e assim evitem a possibilidade do "cram

down" do plano de recuperação.403

Para auxiliar na interpretação jurisprudencial desse dispositivo, pode ser útil

se destacar um estudo estatístico canadense em que, naquele sistema jurídico,

avaliadas mais de 300 empresas que ingressaram com pedido de recuperação,

concluiu-se que há quatro vezes mais chance de se aceitar um plano de recuperação

que será, em última análise, não-viável (chamado de erro tipo I) do que ocorrer a

rejeição de um plano de recuperação judicial de uma empresa que era viável (erro

tipo II).404 Fisher, no entanto, sugere que esse fato não deve levar a concluir que se

deve estabelecer um sistema apenas baseado na liquidação de empresas insolventes,

pois um sistema assim resultaria na dissolução de muitas grandes empresas viáveis.405

Como apontado acima, a doutrina norte-americana acaba ressaltando a dificuldade

de utilização mais freqüente do instituto do "cram down".

São essas acima algumas das principais dificuldades no estudo da doutrina

do "cram down" do nosso artigo 58 da LRE a serem enfrentadas pelo Judiciário

brasileiro, ao buscar harmonizá-lo com a regra da absoluta prioridade dos credores

(em nosso ordenamento, constante no art. 83 da LRE).

403 SCHWARCZ, Steven L. Sovereign Debt Restructuring: A Bankruptcy Reorganization Approach. Cornell Law Review , v.85, p.156, May 2000: "Cramdown indirectly provides creditors with an incentive to reach agreement on a plan. In order to confirm a cramdown plan, it is necessary to value the debtor as a going-concern to ensure that distributions are made in accordance with the absolute priority rule. That valuation, however, entails some cost and delay. Consequently, senior creditors may be willing to give something to [junior creditors], enough to gain [their] consent and avoid cramdown."

404 FISHER, Timothy C. G.; MARTEL, Jocelyn. Empirical Estimates of Filtering Failure in Court-Supervised Reorganization . THEMA, Université de Cergy-Pontoise, 1999. (Working Paper 2000-45). p.16. "Our results indicate that, conditional on reorganization, creditors are more likely to accept proposals from non-viable firms than reject proposals from viable firms. Why would this be the case? Martel (1994) estimates that the average payoff rate to unsecured creditors in the event of liquidation is 2.5 percent and in over three-quarters of the cases they receive nothing. Because the return in liquidation is low, the benefit of rejecting a proposal is low. Accepting a proposal, on the other hand, offers at least the possibility of a higher payoff. Acting in their own self interest, creditors may be expected, therefore, to err on the side of allowing firms to reorganize, which necessarily leads to more Type I errors and fewer Type II errors. Our empirical results are consistent with precisely this kind of behavior." (FISHER; MARTEL, Empirical ..., p.17).

405 FISHER; MARTEL, Empirical ..., p.18.

143

6.2.3 Recuperação da empresa e créditos não abrangi dos

A discussão específica de créditos, abrangidos ou não pela recuperação

judicial, foi desenvolvida no capítulo 5 e seus subitens, aos quais se faz remissão.

Este tópico sintetiza criticamente a criação, na LRE, de exceções ao objetivo precípuo

da lei, de obrigar, no plano de recuperação, todos os credores do devedor.

Em linhas genéricas, pode-se asseverar que o princípio da preservação da

empresa viável tem fundamento no interesse público à proteção dos valores

constantes no artigo 47 da LRE, além de outros valores constitucionais. Assim, a

recuperação judicial objetiva viabilizar a superação da crise do devedor, bem como a

manutenção da fonte produtora e do emprego, a proteção dos interesses dos credores

e o estímulo à atividade econômica. Por outro lado, qualquer exceção à abrangência

dos créditos do devedor na recuperação judicial fará com que a premissa se

enfraqueça, ou seja, debilita a efetividade do interesse público pela recuperação da

empresa viável.

Dado o problema, a questão de fundo que se aprecia é em que medida pode

o direito falimentar, e em especial a recuperação judicial, atingir os direitos de crédito

anteriores à constatação da situação jurídica de insolvência do devedor. Percebe-se

que a prerrogativa de reduzir os direitos creditórios "ex ante", sob a LRE, não foi

significativa. Pelo contrário: resguardaram-se essencialmente diversos direitos de crédito,

ao receberem exceção à abrangência da recuperação. Com relação aos credores

excluídos do plano de recuperação, a única saída ao devedor é a negociação

própria e manter os pagamentos em dia, circunstância em os credores excluídos da

recuperação judicial nada lhe poderão opor.

Considera-se que o regime de recuperação da empresa deve transformar o

mínimo possível o direito anterior ao estado de insolvência, e, em especial, quanto

aos direitos de propriedade e dos contratos. Nos Estados Unidos, essa premissa se

exprimiu no julgado Butner. O princípio que dele se extraiu406 é que as cortes

406 Vide Butner v. United States [440 US 48), citado por ZIEGEL, Jacob S. Canadian Bankruptcy and Insolvency Law : Cases, Text and Materials. Toronto: E. Montgomery, 2003. p.30-33. A justificativa, no original do caso acima, foi a seguinte: "Property interests are creates and defined by state law. Unless some federal interests requires a different result, there is no reason why such interests should be analyzed differently simply because an interested party is involved

144

federais de falência devem fazer o possível para garantir que as partes receberão a

mesma proteção que teriam sob a lei civil, caso não se houvesse iniciado o

procedimento falimentar. Butner previu que esta proteção "ex ante" e "ex post"

deveria ser o mais possível a mesma, a menos que algum interesse federal (público)

exigisse um resultado diverso.

Ademais, o foro falimentar não deve ser instaurado para criar uma "situação

de exceção" ao cumprimento da lei. Para ilustrar esse ponto, Baird dá o exemplo de

uma empresa poluente insolvente que, caso continue poluindo (sem instalar os

filtros), conseguirá se reerguer financeiramente.407 É do interesse dos credores e do

devedor a "manutenção da poluição", e seria mesmo do interesse público a preservação

da empresa viável. Todavia, a norma de ordem pública (contra a poluição) deve ter

prevalência sobre o interesse no âmbito falimentar e, de acordo com a mesma regra

extraída de Butner, caso a empresa não consiga se reorganizar com a colocação do

filtro, o sistema jurídico conduziria a menos companhias e por um ar mais limpo.

No Brasil, a doutrina não discrepa quanto à manutenção, como regra, dos direitos

estabelecidos anteriormente à insolvência. Fernando Boiteux assim se manifesta:

O caráter processual da Lei de Falências de 1945 influenciou a sua inter-pretação, e alguns autores ainda enxergam o direito da recuperação das empresas e da falência como um direito excepcional, que afasta a aplicação do direito das obrigações e da legislação especial. A Lei da Recuperação e da Falência apresenta alterações ao direito das obrigações em geral e mesmo em relação ao direito empresarial, porque o Código Civil, ao unificar parcialmente o direito das obrigações, não criou um conjunto de regras para a empresa insolvente, tarefa cumprida pela lei especial. Todavia, da mesma forma que o direito comercial não regulou, nunca, todo o comércio – pois sempre se valeu do direito civil para as normas mais gerais sobre obrigações e contratos, ainda que alteradas –, a legislação falimentar apenas altera alguns efeitos do direito das obrigações, especialmente as empresariais. Até mesmo ao examinar a possibilidade e recuperação da empresa insolvente, o legislador conduz o processo por meio dos institutos do direito das obrigações, ao invés de criar um sistema próprio. Em síntese, o direito falimentar apenas adapta o direito das obrigações, nos casos que menciona,

in a bankruptcy proceeding. Uniform treatment of property interests by both state and federal courts within a State serves to reduce uncertainty, to discourage forum shopping, and to prevent a party from receiving "a windfall merely by reason of the happenstance of bankruptcy."

407 BAIRD, Douglas G.; JACKSON, Thomas; ADLER, Barry. Bankruptcy : cases, problems and materials. New York: Foundation Press, 2000. p.110-111.

145

para os fins a que se destina: a recuperação da empresa insolvente e o pagamento dos credores. Não é um direito excepcional, apenas um direito especial, que modifica o direito das obrigações, não o afasta, a não ser nos casos que especifica.408

Um argumento adicional a favor do resguardo dos direitos patrimoniais "ex ante"

(concretizados nos interesses do crédito) estaria na constatação de que não haveria

justificativa plausível para a proteção e reorganização de pequenas empresas, sendo

mais proveitoso ao sistema econômico a preservação do crédito do que a manutenção

de pequenas empresas insolventes e inviáveis.409 Para as empresas de pequeno

porte, entende-se que não há muito a refutar a esse argumento, pois sua dissolução

não representa impacto social relevante; a proteção dos (poucos) empregos seria

muito relativizada; e o custo de transação da tentativa (frustrada) de reestruturação

seria superior ao da realocação dos recursos (trabalhadores, bens) em outras empresas.

A não-abrangência de certos créditos pelo regime de recuperação judicial, em

última análise, decorre da política pública de proteção ao setor financeiro, o interesse

público constante no artigo 47 estaria sendo resguardado ao sujeitar-se a economia,

no geral, à eficácia e saúde do setor creditício.410 Aldo Musacchio afirma que a

proteção aos credores já havia sido extinta no decreto-lei revogado de 1945 (7.661/45),

e que as leis falimentares no Brasil estão mais preocupadas em manter a empresa

viva do que em buscar incentivos para aumentar os financiamentos e empréstimos

na economia. Além do mais, Musacchio relata criticamente que os juízes no Brasil

408 BOITEUX, Fernando Netto. Contratos bilaterais na recuperação judicial e na falência. In: SANTOS, Paulo Penalva (Coord.). A nova lei de falências e de recuperação de empresas : Lei 11.101/2005. Rio de Janeiro: Forense, 2007. p.287.

409 Vide: BAIRD, Douglas G.; MORRISON, Edward R. Serial Entrepreneurs and Small Business Bankruptcies . Columbia Law School, jan. 2005. (Working Paper 265). p.1: "This empirical study suggests that, far from ensuring assets are put to their best use, Chapter 11 encourages entrepreneurs to remain too long with failed businesses before trying to start new ones. Small entrepreneurs open and close a number of businesses over the course of their careers as they search for the business (or employer) that offers the best match with their skills. Chapter 11 delays this matching process and, over this dimension, differs little from rent control and other government policies that encourage socially wasteful lockin of scarce resources. These costs may not be large, as bankruptcy judges are aware of and guard against them. At the same time, however, few benefits offset these costs. The typical Chapter 11 is a small business that has few, if any, specialized assets. It is organized around the owner�operator's human capital and can be (and usually is) reassembled by the owner at low cost. Other than delay, the outcome of a Chapter 11 case – reorganization or liquidation – has little bearing on a small entrepreneur's career."

410 CLAESSEN, Stijn; KLAPPER, Leonora F. Bankruptcy around the world : Explanations of its Relative Use. University of Amsterdam and World Bank, 2002. p.23. Disponível em: <http://www1.worldbank.org/publicsector/legal/Bankruptcy.pdf>. Acesso em: abr. 2006.

146

são mais preocupados em lutar contra a pobreza e praticar a justiça social (dentro de

seu alcance de atuação jurisdicional) do que em aplicar os direitos de propriedade.

Lembra que é difícil reverter esses fatores institucionais em curto prazo, porque é um

processo lento e complicado. Em suma, complementa que o regime falimentar está

nas mãos de decisões políticas de cada país, mas a melhor forma de melhorar o

bem-estar social, como um todo, seria através de melhorias no sistema falimentar,

dando confiança aos investidores e, conseqüentemente, fortalecendo o sistema

financeiro nacional. E o sistema financeiro será ajudado pela vontade política

quando vier a distribuir benefícios mais uniformemente a toda sociedade.411

Por fim, excepcionar certos créditos privilegiados também seria uma forma de

desencorajar o comportamento empresarial de alto risco e leviano, bem como uma

forma de compensar um sistema judicial fraco (ineficiente), conferindo maiores

proteções (e exceções) a alguns titulares.412

411 MUSACHIO, Aldo. Law and finance in Historical Perspective : Politics, bankruptcy law, and corporate governance in Brazil, 1850-2002. 2005. Phd Dissertation in Philosophy - Stanford University, May 2005. p.185. "Strong investor protections are important for financial development, but there is no simple way to insure that those protections will not be changed in the future. Nothing guarantees that a future government will not change bankruptcy and joint stock company laws in a way that hurts investors. The only way to make sure good investor protections and financial development last is by making sure it becomes costly for society to change them. If financial development benefits more people, it will be hard to create a coalition to overturn the institutional order and to constrain financial markets. Countries need to find ways to socialize the benefits of financial markets. This has been achieved in developed countries through pension and mutual funds (which give a wide group of individuals a stake in financial market development) and through the securitization of mortgages and non-performing loans. So, in a nutshell, credible commitments to financial market development will be established when financial market benefits are distributed more uniformly across society." (MUSACHIO, op. cit., p.186).

412 "These findings suggest that there are important incentive effects of insolvency systems combined with good judicial systems encouraging less risky behavior and more out-of court settlements. They also suggest that in countries with weak judicial proceedings, strong creditor rights are more necessary to compensate for weaknesses in legal enforcement." (CLAESSEN; KLAPPER, op. cit, p.23-24).

147

7 AVALIAÇÃO DO MODELO BRASILEIRO DE RECUPERAÇÃO DA EMPRESA

7.1 PAPEL DO JUDICIÁRIO X PAPEL DO MERCADO413

Cabe agora discorrer criticamente acerca do modelo brasileiro de recuperação

judicial. Questionam-se algumas premissas, como a relevância e o papel do Poder

Judiciário em relação às empresas em dificuldades, bem como levantam-se hipóteses,

como a de o mercado poder ser o foro mais rápido, eficiente e inclusive mais justo

para a recuperação de empresas viáveis em crise. Há que se argüir qual o limite de

atuação de cada um: mercado e Judiciário. Qualquer propensão exagerada a qualquer

dos extremos poderá levar a soluções viciosas. Excesso de atuação do Poder

Judiciário poderá levar à morosidade, custo e ineficiência. Total liberdade ao mercado

pode conduzir à insegurança jurídica e desprezo dos valores sociais, com atenção

exagerada ao ideário capitalista.

Acerca do exame do papel do Judiciário e do mercado na recuperação das

empresas em crise, considere-se que o Brasil acompanhou a experiência internacional

de transformar a recuperação "de um favor legal concedido pelo Poder Judiciário" a

um instrumento de renegociação de dívidas sob supervisão judicial.414

Nas palavras de Coelho, quanto ao funcionamento do mercado:

Se as estruturas do livre mercado estão, em termos gerais, funcionando de modo adequado, as empresas em crise tendem a recuperar-se por iniciativa de empreendedores ou investidores, que identificam nelas, apesar do estado crítico, uma alternativa de investimento atraente.415

413 Para uma introdução ao tema, vide COELHO, Comentários ..., p.116-123.

414 ARAÚJO; LUNDBERG, op. cit., p.8, assim continua: Sem uma adequada negociação com os credores, a recuperação judicial poderia ser desvirtuada enquanto instrumento de renegociação de dívidas, pelo estímulo a manipulações e fraudes contra os credores, para a obtenção dos benefícios financeiros abertos com o aumento do alcance e abrangência do novo instrumento. Por essa razão, a decisão judicial quanto à recuperação de empresa passa a ser precedida pela aprovação formal, em assembléia de credores, do plano apresentado.

415 COELHO, Comentários ..., p.117.

148

Continua Fábio Ulhoa Coelho:

Quando não há solução de mercado, aparentemente não se justificaria a intervenção do Estado (Poder Judiciário) na tentativa de recuperação da empresa. O próprio instituto da recuperação parece, prima facie, um despro-pósito no sistema econômico capitalista. Se ninguém quer a empresa, a falência é a solução do mercado, e não há por que se buscar à força sua recuperação. Não é bem assim, contudo. Quando as estruturas do sistema econômico não funcionam convenientemente, a solução de mercado simplesmente não ocorre. Nesse caso, o Estado deve intervir, por intermédio do Poder Judiciário, para zelar pelos vários interesses que gravitam em torno da empresa (dos empregados, consumidores, Fisco, comunidade etc.).416

Para Coelho, o Estado, representado pelo Poder Judiciário, diante da empresa

em crise, deve ter apenas o papel de corrigir as falhas do mercado e as disfunções

do sistema econômico, mas não substituir a iniciativa privada. A decisão sobre a

solução da crise não deve pertencer ao Poder Judiciário, mas apenas o papel de

afastar os obstáculos ao regular funcionamento do mercado. De fato, o Poder

Judiciário não deve ser um instrumento de alteração artificial das leis universais da

oferta e demanda do mercado e da livre iniciativa. Para ilustrar uma falha do mercado,

Coelho faz referência ao valor idiossincrático da empresa, que significa simplesmente

que a sociedade empresária vale mais para o empresário que a fundou com seu

esforço, do que para o eventual interessado mercado comprador.417 Esse empresário

(fundador) poderá preferir ver a empresa desaparecer a não receber o retorno de seu

investimento (recordando-se que as dívidas devem ser pagas sempre anteriormente

à partilha do patrimônio líquido). Como há valores sociais (trabalhadores, consumidores,

Fisco, etc.) que poderão ser prejudicados injustamente com o encerramento da empresa,

cumpre ao Estado corrigir esta disfunção, por meio da recuperação judicial. Divisa-se

nesse exemplo uma ulterior justificativa ao proposto em outras partes deste trabalho:

que a destituição do controlador/administrador da sociedade empresária em crise,

durante a reorganização, deve ocorrer mais facilmente, desde que evidenciados indícios

de que a mudança de gestão trará benefícios à empresa. A aplicação desta sugestão

aumentaria a demanda por profissionais de gestão, que seriam remunerados, durante o

processo, nos mesmos moldes que o devedor temporariamente destituído.

416 COELHO, Comentários ..., p.118.

417 COELHO, Comentários ..., p.118-120.

149

Sobre a decisão acerca da recuperação da empresa, Coelho assevera

que nem a solução do problema, nem a aprovação do plano devem ficar por conta

do Poder Judiciário, mas apenas o afastamento dos obstáculos ao regular funcio-

namento do mercado.

Na LRE, percebe-se que o grau de discricionariedade do juiz está bastante

limitado pelos ditames legais (vide os comentários ao artigo 58, supra), havendo

discordância doutrinária, como visto, acerca dos limites desta discricionariedade

para se conceder a recuperação judicial. Quanto ao assunto

a experiência de outros países relativa à aprovação de um plano de recupe-ração recomenda que essa decisão seja de uma assembléia de credores. Assim, a nossa nova legislação passa a adotar o padrão internacional de só reconhecer um plano apresentado pelo devedor e referendado pela maioria dos credores, cabendo ao juiz, após certificar-se da lisura dos aspectos legais e processuais, homologar a decisão e garantir legitimidade ao plano de recuperação e a sua implementação. Essa postura tem a vantagem de valorizar as práticas de mercado e propiciar um ambiente sadio de recuperação de empresas, antecipando, agilizando e dando previsibilidade às ações e decisões a serem adotadas. Para tanto, cabe ao juiz homologar a decisão negociada entre as partes, inclusive aquela eventualmente negociada fora do ambiente judicial, cabendo apenas o cuidado de certificar-se da legalidade dos acordos e de que os direitos dos credores minoritários não serão prejudicados em relação aos demais.418

No mesmo sentido, Mauro Penteado ressalta que, na recuperação judicial,

o magistrado teve atribuída uma função aparentemente secundária, pois não tem,

em princípio, o poder de julgar o mérito da recuperação, limitando-se a conceder a

recuperação desde que cumpridas as exigências legais. Ressalta, porém, que esta

limitação pode vir a ser reduzida, de acordo com a interpretação jurisprudencial que

se dê ao artigo 47, pedra angular do sistema.419

Como visto acima, quando o direito falimentar atinge os direitos de propriedade

anteriores à insolvência, seus efeitos objetivam recuperar os desvios de mercado

resultantes de informações imperfeitas entre os participantes ou de altos custos de

transação, que impedem que a negociação entre as partes (e eventual reorgani-

418 Vide ARAÚJO; LUNDBERG, op. cit., p.7.

419 PENTEADO, op. cit., p.71.

150

zação da empresa, fora do Judiciário), seja eficiente, justa e maximize resultados.420

O direito falimentar, desta forma, deve ter o objetivo de ajudar os participantes

do mercado a alcançar a eficiência, colocando os bens da empresa insolvente em

seu uso mais produtivo e o mais rapidamente possível. Ainda que estes objetivos

sejam louváveis, pode haver um lado negativo. Por exemplo: para encorajar uma

reorganização, a lei falimentar pode compelir a redução das prerrogativas dos credores

com garantias reais, reduzindo a eficiência dos empréstimos na economia.

A grande dificuldade, ao se verificar a atuação do Poder Judiciário, conjugada

com as livres forças de mercado, é que cada participante tende a resistir à redis-

tribuição de valor que lhes seja desfavorável, decorrendo daí a importância de se

examinar cada interesse isoladamente no direito falimentar.

Aloísio Araújo, menciona que algumas explicações para a baixa eficácia do

Judiciário no Brasil podem ser fornecidas pela baixa previsibilidade das decisões judiciais

brasileiras e pelo fato de grande parte delas refletir a visão política (particular) dos

magistrados. Quando perguntados como decidiriam no caso de conflito entre a

submissão aos contratos ou o interesse de segmentos menos privilegiados, apenas

19,7% dos magistrados escolheram a primeira opção.421

7.2 EFEITOS ECONÔMICOS E A LEI DE RECUPERAÇÃO

Introdução

A legislação de recuperação de empresas que almeje compactuar com

o sistema da economia de mercado deve ser eficiente e econômica, visando evitar

420 CORPORATE, op. cit., p.19: "Insolvency law constraints on contractual rights are also intended to promote fairness objectives. In particular, they are aimed at producing better returns to vulnerable and involuntary creditors in insolvencies than would be provided by market forces alone. This is done by shifting some of the risks associated with insolvency away from those creditors. However, in seeking to redistribute value in insolvencies, insolvency law faces a challenge in that market participants will act to offset any redistribution unfavourable to them. The impact of insolvency law constraints on the distribution of value and hence on fairness depends on the ability of participants to alter their behaviour in response to insolvency constraints."

421 ARAÚJO, Aloísio; FUNCHAL, Bruno. Past and Future of the Bankruptcy Law in Brazil and Latin America . Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 2005. (Ensaios Econômicos, 599). p.53.

151

a dilapidação do valor da empresa em funcionamento e a redução do valor dos

bens da massa falida. Partindo-se desta premissa, há certas críticas quanto à

reorganização das empresas que devem ser levadas em consideração.422

A doutrina estrangeira sintetiza os principais problemas da reorganização e

dos efeitos negativos que os procedimentos judiciais acarretam. A baixa probabi-

lidade de aprovação de um plano de recuperação e ainda menor expectativa de que

a empresa retorne viável, após o plano. As empresas pequenas acabam com bastante

freqüência sendo liquidadas e credores sem garantia (quirografários) têm pouco

poder de barganha. A reorganização tende a gastar muito tempo, ser muito litigiosa

e custosa. Ainda, a crítica chega ao ponto de afirmar que, no caso dos Estados

Unidos, o procedimento do "Chapter 11" não tem condições de distinguir entre

empresas economicamente inviáveis e empresas viáveis em crise financeira.

Estatisticamente, na reorganização judicial, haveria maiores níveis de confirmação

do plano apenas a empresas de grande porte, reforçando o entendimento de que a

tentativa de reorganização para pequenas empresas apenas seria uma procrastinação

do processo de quebra, com o agravante de sobrarem menos ativos, posteriormente,

para pagamento dos credores, significando conceder uma sobrevida artificial a uma

empresa que deveria ter sido destinada, desde o início, à liquidação.423

Repassados os principais problemas da reorganização, devem-se comparar

os benefícios das duas opções mais plausíveis para a empresa em crise: decidir

pela reorganização ou pela rápida alienação dos ativos pelo máximo valor possível

(p. exemplo, leilão da empresa, ou outro modelo).

Radygin, citando novamente a experiência norte-americana, menciona que

não são poucas as reorganizações que acabam convoladas em falências, e muitas

reorganizações darão apenas uma sobrevida à empresa, a qual em pouco tempo

necessitará de nova reorganização.424 Lopucki, de igual forma, considera errôneos

422 Vide FISHER, Timothy C.G.; MARTEL, Jocelyn. Should we abolish Chapter 11? Evidence from Canada. Centre interuniversitaire de recherché en analyse de organizations, 1996.

423 FISHER; MARTEL, Should we abolish ..., p.18-21. Vide também o item 4.3 supra.

424 RADYGIN et al., op. cit., p.30: "However, it follows that the choice between a bankrupt company's liquidation or reorganization by no means can always ensure an efficient solution: it may be made in favor of reorganization exactly at the moment when the prospects for such a 'reorganization' are rather far from beneficial. It is true that the decision concerning a company's reorganization may simply result from the fact that this company's very outdated (or highly specialized)

152

alguns conceitos diferenciadores de recuperação judicial e falência, dado que ambas

envolvem formas de liquidação dos ativos.425 Conclui que há muita variedade de

resultados nas recuperações judiciais e que, às vezes, a recuperação judicial pode

ser mais eficaz do que a falência para conseguir-se um maior valor para a venda

dos ativos da empresa, visto conferir mais tempo para a localização de investidores

interessados. Para ele, o leilão da totalidade da empresa, antes da averiguação dos

créditos, embora possa evitar reorganizações mal realizadas, pode impedir a remissão

das obrigações financeiras do devedor.

Ainda acerca da eficiência, em artigo que procurou avaliar empiricamente

diversas legislações falimentares, Brogi e Santella concluíram que a eficiência do

direito falimentar tem sido diretamente compreendida como o grau de proteção que o

sistema jurídico concede à recuperação do crédito, com a mínima perda possível e

com a máxima rapidez.426 Assim, o conceito de eficiência é entendido em relação

inversa à proteção de interesses sociais alheios ao crédito. Neste sentido, a LRE

brasileira não tem como objetivo único a eficiência e esta deve ser equilibrada com

os demais objetivos do art. 47. Em outro estudo norte-americano, percebeu-se que a

eficiência estaria vinculada à possibilidade de responsabilização dos diretores da

equipment cannot find any potential buyers on the market, and thus its market value becomes low. The low liquidation value of property (serving as the grounds for the court's decision to reorganize the company) as such may be an evidence of an unfavorable estimation, on the part of the majority of the participants in the economic process, of the prospects for this property's alternative utilization (in our example, the obsolete industrial equipment). Nevertheless, despite all the reservations, bankruptcy procedures are often constructed so as to ensure an adequate comparison between the potential benefits offered by a bankrupt company's reorganization and those incomes that may be generated by the sale of its property on the market. This comparison, in particular, constitutes 'the core' of US bankruptcy legislation. According to a number of experts (R. Posner, M. White), in the USA and France bankruptcy procedures are somewhat 'biased' toward preservation and/or subsequent reorganization of companies experiencing financial troubles. In the UK, as noted earlier, these procedures have a certain 'bias' in the opposite direction. Reorganization and liquidation of an insolvent company often represent two alternative opportunities in bankruptcy. However, in actual practice this opposition may become only temporary. The US experience has shown that quite a few plans end up in the liquidation of a 'reorganized' company, or in the necessity of a new reorganization (restructuring of financial liabilities)."

425 LOPUCKI, Lynn; WHITFORD, William. Patterns in the bankruptcy reorganization of large, publicly held companies. Cornell Law Review , v.78, p. 612-613, May 1993.

426 BROGI, Riccardo; SANTELLA, Paolo. Two new measures of bankruptcy efficiency . Annual Conference of the European Association of Law and Economics (EALE), Sep. 2003. p.29. No mesmo sentido: ARAÚJO; FUNCHAL, Past and Future ..., p.54: "Ex-post efficiency means that the procedure maximizes the total value of the firm's assets, providing higher return to creditor in insolvency states and consequently lower cost of capital and larger set of financed projects in the economy."

153

companhia insolvente. Todavia, não há consenso acerca do grau de rigidez que a

legislação deve possuir a respeito, pois, se as regras de responsabilização dos

empresários forem muito rígidas, pode haver um desincentivo ao empreendedorismo

e um retardamento até para o pedido de recuperação judicial. Se as regras forem

muito fracas, aumenta a chance de ocorrência de fraudes427 ou de ações muito

arriscadas, por parte dos administradores.

7.2.1 Aproximação do pleno emprego

A LRE, ao propiciar a recuperação da empresa viável em crise, persegue o

objetivo constitucional do art. 170, VIII: busca do pleno emprego. Gonçalves Neto

assim leciona:

[...] pode-se observar que ao princípio da busca do pleno emprego, por exemplo, corresponde o da preservação ou da manutenção da empresa (de que é corolário o da recuperação da empresa), segundo o qual, diante das opções legais que conduzam a dúvida entre aplicar regra que implique a paralisação da atividade empresarial e outra que possa também prestar-se à solução da mesma questão ou situação jurídica sem tal conseqüência, deve ser aplicada essa última, ainda que implique sacrifício de outros direitos também dignos de tutela jurídica.428

Por pleno emprego, entende-se a situação, existente em termos absolutos

apenas na teoria, de que toda a mão-de-obra nacional apta e que necessita de

trabalho assalariado ou autônomo esteja efetivamente empregada na sua atividade

produtiva-fim. Tem como pressuposto que a nação será mais rica e próspera se

conseguir que todos (ou quase todos) seus cidadãos sejam agentes econômicos

427 Vide Lei n.o 11.101/2005 Art. 22. Ao administrador judicial compete, sob a fiscalização do juiz e do Comitê, além de outros deveres que esta Lei lhe impõe: II – na recuperação judicial: e) apresentar, no prazo de 40 (quarenta) dias, contado da assinatura do termo de compromisso, prorrogável por igual período, relatório sobre as causas e circunstâncias que conduziram à situação de falência, no qual apontará a responsabilidade civil e penal dos envolvidos, observado o disposto no art. 186 desta Lei; também o Art. 82. A responsabilidade pessoal dos sócios de responsabilidade limitada, dos controladores e dos administradores da sociedade falida, estabelecida nas respectivas leis, será apurada no próprio juízo da falência, independentemente da realização do ativo e da prova da sua insuficiência para cobrir o passivo, observado o procedimento ordinário previsto no Código de Processo Civil.

428 GONÇALVES NETO, Apontamentos ..., p.99.

154

ativos, cada um em seu ramo de atuação, deixando de ser um peso social para o

Estado. Mesmo em países com altíssimo grau de desenvolvimento, seria muito difícil

alcançar o pleno emprego absoluto, pois mesmo diante de uma ótima fase econômica

e de crescimento, as taxas de desemprego raramente atingem patamares inferiores a 5%

da mão-de-obra profissionalmente ativa.

O histórico econômico do princípio do pleno emprego é destacado por Pereira

e Silva:

Após a Primeira Guerra Mundial, a crítica keynesiana se manifestou em dois distintos momentos históricos: 1.o período do chamado capitalismo dirigista, que se firma mais acentuadamente a partir da depressão dos anos 30 até a Segunda Guerra Mundial; e 2.o período do capitalismo contemporâneo, identificado com o "Estado do bem-estar social". O primeiro momento histórico é assinalado por uma crescente intervenção estatal na economia, com vistas a recuperar o nível dos negócios. É deste período a elaboração da concepção econômica desenvolvimentista e das políticas sociais do pleno emprego. O segundo momento histórico consiste em um capitalismo de mercado regulado pelo Estado, o chamado "Welfare State", no qual, inicialmente, se busca assegurar a todos os indivíduos rendimentos mínimos, e, em seguida, empenha-se na igualização de oportunidades (educação, saúde, moradia, segurança no emprego), de modo a proporcionar-lhes o efetivo exercício das liberdades liberais.429

O princípio do pleno emprego é também conseqüência da enorme valorização

que o direito positivo concedeu ao trabalho humano.430 Porém, a ordem econômica

capitalista vigente deve ser equilibrada na relação entre o capital e o trabalho, pois,

da harmonia entre ambos, deve resultar o bem comum e a justiça social, fins

supremos a serem alcançados. Igualmente, assim como a tecnologia e a inovação

constante podem ser fatores de supressão de postos de trabalho, essas não devem

sofrer bloqueios motivados pela proteção absoluta aos postos de trabalho. Note-se que

a proteção à manutenção de postos de trabalho não é um valor absoluto.

Neste caso de conflito entre inovação x trabalho, relembre-se que o princípio da

recuperação da empresa viável pressupõe a tecnologia e a inovação no próprio conceito

429 PEREIRA E SILVA, Reinaldo. A reforma do estado no Brasil. Revista da Faculdade de Direito da UFSC, v.1, p.167, 1998.

430 Vide art. 1, IV; 5.o XIII;. 6.o; 7.o; 170 caput e VIII e 193, da Constituição da República, além de outras tantas normas constitucionais e infraconstitucionais a respeito da proteção do trabalho. (Para normas infraconstitucionais que tratam da busca do pleno emprego, vide também Decreto n.o 4.134, de 15 de fevereiro de 2002, art. 18, recomendação 146, item Política Nacional); Decreto n.o 3.321 de 30 de dezembro de 1999, art. 6; Decreto n.o 2.682 de 21 de julho de 1998, que ratificou a Convenção 168 de Genebra, em seus arts. 2.o e 7.o. Na LRE, art. 47.

155

de viabilidade econômica e somente as empresas viáveis devem ser recuperadas.

Nas empresas inviáveis em recuperação judicial, a menos que se consiga a alienação

de unidades produtivas a terceiros, é inevitável a perda de postos de trabalho. Para

se manterem ou se criarem novos postos de trabalho ou para se recuperarem os

eventualmente perdidos, é preciso que o Estado promova, por meio de políticas

públicas concretas, o fomento à iniciativa privada e ao estímulo econômico.

Conforme verificado, a manutenção artificiosa de empresas economicamente

inviáveis no mercado causa dano à sociedade. Quando ocorre a falência da sociedade

empresária, os prejuízos imediatos na perda dos empregos e no custo de recolocação

profissional devem ser suportados pelos próprios trabalhadores em nome de um bem

superior, o interesse da coletividade em não sofrer um prejuízo injusto.

Por vias transversas, a recuperação judicial de empresas viáveis representará

um custo que a sociedade, por meio da LRE, em especial pelos princípios do art. 47,

está disposta a arcar para que, dentre outros vários objetivos, os postos de trabalho

da empresa viável em crise possam ser mantidos. A valorização do trabalho,

mediante a busca do pleno emprego, apresenta-se como um meio de se buscar a

concretização da função social da propriedade, em especial da empresa privada.

7.2.2 Preservação da receita pública

Configura-se discurso inócuo aquele que critica o inchaço do Estado e as

falhas de gestão e gasto do dinheiro público, sem que se busquem concretizar as

medidas legais431 já existentes para seu efetivo controle.432 Fato inconteste que o

431 Por exemplo, através da efetivação dos ditames da "Lei de Responsabilidade Fiscal", Lei Complementar 101, de 4 de maio de 2000. Vide também a necessidade de controle das leis de diretrizes orçamentárias, promulgadas anualmente pelo Congresso. As mais recentes são a Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2006, Lei n.o 11.178 de 20 de setembro de 2005. LDO de 2007, Lei n.o 11.439 de 29 de dezembro de 2006 e Lei n.o 11.514 de 13 de agosto de 2007, contendo as diretrizes da LDO de 2008. A base constitucional está especialmente nos arts. 48, II, e 165, da Constituição Federal.

432 O aumento da receita gerado pelo combate à elisão, de um lado, deve estar em sintonia com o controle de gastos públicos necessário ao crescimento econômico sustentável, do outro lado. A medida antielisiva vem ao encontro dessa proposta. No entanto, teremos que adotar novas técnicas de controle da despesa pública para se evitar um colapso nesse complexo sistema

156

crescimento dos gastos públicos nem sempre acompanha o aumento da circulação

de riquezas na sociedade. Isto explica por que a pressão tributária, no Brasil, atingiu

índices alarmantes. O Estado precisa cada vez mais de dinheiro. A sociedade, caso

não cresça o suficiente economicamente, sofrerá uma carga cada vez mais pesada.

Para desonerar os contribuintes e garantir a arrecadação do Fisco, interessa ao

Estado que a economia cresça constantemente, para que as receitas financeiras

mantenham e preferencialmente aumentem seu volume. Por isto, a LRE é benéfica

ao interesse público, ao pretender manter a capacidade produtiva dos agentes

econômicos viáveis na sociedade, reduzindo custos sociais decorrentes do fracasso

das empresas que poderiam não se ter extinguido, e especialmente ao assegurar

que a produção econômica se reflita no pagamento de tributos, por meio de dispositivos

concretos de proteção.433

7.2.3 Preservação da atividade econômica viável

O principal objetivo de política econômica presente na LRE é a preservação da

empresa viável em crise, observação que pode ser inferida em diversos momentos deste

trabalho. Acerca da preservação da atividade empresária viável em crise, destaque-se

que o antagonismo entre falência e recuperação vem se relativizando,434 com vantagem

para a sociedade. Explica-se o fato, pois, mais do que manter-se um antagonismo

econômico. O moderno gerenciamento da coisa pública passa necessariamente pelo implemento de diversos mecanismos de controle do gasto público. Uma medida legislativa, já adotada, foi a publicação da Lei de Responsabilidade Fiscal. Essa lei alcança este desiderato (ainda que sob críticas) e inflige várias sanções aos administradores públicos, que não se adequarem às suas regras. (ESTRELLA, André Luis Carvalho. A norma antielisão e seus efeitos. Art. 116, parágrafo único do CTN. Revista de Estudos Tributários , n. 21, p.11, set./out. 2001.

433 Como os analisados artigos 57 e outros. Vide especialmente item sobre o Fisco, supra.

434 Embora a falência não tenha sido objeto de análise neste trabalho, veja-se a política de preservação da empresa exposta de forma bastante clara no art. 75 da LRE: A falência, ao promover o afastamento do devedor de suas atividades, visa a preservar e otimizar a utilização produtiva dos bens, ativos e recursos produtivos, inclusive os intangíveis, da empresa.

157

entre recuperação judicial e falência, importa ao interesse público a efetiva promoção da

utilização produtiva dos bens, ativos e recursos da empresa. A crescente conscien-

tização da separação de empresa (atividade) e do empresário435 possibilitou que se

preserve a empresa, mesmo que ocorra a falência, como na desejável hipótese em

que unidades produtivas sejam vendidas a outro empresário ou sociedade,436 que

continuará a atividade econômica de forma mais eficiente. Destaque para o § 1.o do

artigo 192 da LRE, que permite a alienação dos bens da massa falida independen-

temente da formação do quadro de credores.

Fazendo uma análise da situação econômica global das empresas e sua

função, Arnaldo Wald argumenta que a preservação da atividade empresária viável

segue uma tendência mundial de fortalecimento de seu papel institucional, crucial

para se estimular a verdadeira criação de riquezas, cabendo ao Estado ser o

catalisador deste processo.437

No Direito Brasileiro, há tempos se busca a proteção de atividade produtiva.

A novidade do sistema de LRE reside na ampliação do rol de possibilidades (vide

art. 50 da LRE) de recuperação da atividade empresarial, permitindo-se ampla

criatividade empresarial e jurídica, não outorgados pelo diploma revogado.

435 TEBET, op. cit., p.29, dispõe: "Assim, é possível preservar uma empresa, ainda que haja a falência, desde que se logre aliená-la a outro empresário ou sociedade que continue sua atividade em bases eficientes."

436 Vide art. 140 da Lei n.o 11.101/2005.

437 WALD, Arnoldo. Novas perspectivas para a empresa. Revista Síntese de Direito Civil e Processual Civil , n.10, p.19, mar./abr. 2001: "Tanto na Europa, como nos Estados Unidos, advoga-se, hoje, uma evolução do capitalismo que dê a primazia à empresa, fazendo prevalecer os seus interesses a médio e longo prazos sobre os de cada um dos vários grupos nela interessados, que geralmente tendem a pensar no curto prazo e de modo mais egoístico e individualista. Inspirado, em parte, no capitalismo alemão, japonês e suíço, em oposição ao norte-americano, autores tão diferentes como o economista do M.I.T. de Boston LESTER THUROW (Head to head), o patriarca dos estudos de management PETER DRUCKER (The frontiers of management e mais crescentemente Post-capitalist society), o sociólogo MICHEL ALBERT (Capitalismo contre capitalisme) e o empresário JEAN PEYRELEVADE (Pour un capitalisme intelligent), defendem o fortalecimento institucional das empresas, que são as verdadeiras criadoras da riqueza naional, cabendo ao Estado, tão-somente, a função de catalisador de um ambiente propício ao desenvolvimento do espírito empresarial."

158

Uma crítica à LRE decorre da não inclusão de sugestões antigas da doutrina

acerca da importância de se destacar, na lei, o grau de interesse público como fator

relevante para a decisão de preservação da atividade empresária. Ao mesmo tempo

em que se verificaria como bastante benéfica a inserção de dispositivos legais que

pudessem, de forma objetiva,438 aduzir pelo interesse público de empresas privadas.

No entanto, deve-se contraditar o excesso da conclusão de Lobo, ao asseverar que

"porquanto nem a empresa privada de interesse público deve perecer, nem a empresa

pública"439, pois a empresa privada, mesmo que de interesse público, que seja

inviável, deve ser extinta. O interesse público, no entanto, não pode justificar a

manutenção de empresas que, em última análise, serão prejudiciais à sociedade.440

As hipóteses de intervenção do Ministério Público na LRE podem ser consideradas

manifestação evidente do interesse público. Porém, tanto o interesse público quanto

a atuação concreta do Ministério Público devem estar consoantes os imperativos da

viabilidade da recuperação da empresa.

438 Vide LOBO, Jorge. Direito da crise econômica da empresa. Revista de Direito Mercantil , São Paulo, n.109, p.66-69, jan./mar. 1998. Em essência, a LRE apenas dividiu os devedores (foque-se aqui nas sociedades empresárias) em dois grandes grupos: os que pleitearão a recuperação baseados nos artigos 48 e seguintes, ou as sociedades empresárias sujeitas ao plano de recuperação judicial para microempresas e empresas de pequeno porte, dos artigos 70 a 72. Não se pode, desta divisão, inferir que as primeiras tenham interesse social e que as segundas não tenham, ou vice-versa, exclusivamente pelo seu porte econômico. Pode uma empresa de pequeno porte ser líder em tecnologia única, por exemplo. Como um exemplo: a Lei de recuperação francesa aduz que empresas com mais de 300 empregados têm interesse público. Na Itália, o Decreto-lei n.o 347 de 23 de dezembro de 2003, por ocasião da administração controlada da Parmalat, previa que aquela norma seria aplicável a empresas com número não inferior a 1000 trabalhadores subordinados. Outra opção, como visto na nota supra, o destaque de inovação ou tecnologia, em área chave, poderia ser um critério objetivo de interesse social relevante.

439 Vide LOBO, Direito da crise..., p.67.

440 Quanto a esse ponto, note-se que procurar a solução na estatização de empresas em crise que tenham interesse social é inverter a tendência que a política econômica brasileira vinha seguindo na década de 90, com relativo sucesso, de desestatização e redução geral do aparato estatal. Vide a Lei n.o 9.491 de 9 de setembro de 1997, que dispõe sobre o programa nacional de desestatização, bem como seu decreto regulamentador, n.o 2.594 de 15 de maio de 1998. Vide também Lei n.o 9.472/97, arts. 186 e seguintes (desestatização das empresas de telecomunicações), entre outras leis (Lei de concessões n.o 8.987/95 e Lei n.o 9.074/85). Observa-se, desde o Governo de Luiz Inácio Lula da Silva, uma lenta reversão neste processo de desestatização. Entende o autor que a estatização de empresas privadas com interesse público (em crise) só pode ocorrer na rara hipótese de terem sido exauridas as tentativas de interessar a iniciativa privada e desde que se verifique a viabilidade econômica da empresa.

159

7.2.4 Busca da eficiência

A eficiência, no direito falimentar, compreende-se como a capacidade de

maximizar a recuperação de valor aos credores, satisfazendo-os o mais rapidamente

possível e preservando, quanto possível, o valor dos bens do devedor. A LRE recebe

críticas da doutrina nacional441 por privilegiar a proteção do crédito e dar pouca

efetividade aos princípios que tratam das questões de justiça social. Sobre a eficácia

do sistema falimentar, Cornand entende que os procedimentos falimentares judiciais

voltados à proteção social são um efetivo obstáculo à solução ordenada das crises

de liquidez e insolvência das empresas nos países em desenvolvimento, porquanto a

busca da eficácia do procedimento falimentar, como acima definida, incentivaria a

contratação cautelosa pelos empresários e maior proteção aos investidores. Aduz que a

violação sistemática dos direitos de garantia nos países em desenvolvimento é um indício

de que aqueles países ainda não ingressaram numa verdadeira economia de mercado,

impedindo que as empresas em dificuldades possam se beneficiar do capital

internacional estrangeiro.442

Eficiência através da manutenção ou destituição do devedor

A eficiência da reorganização também pode ser vista sob o ponto de vista de

como e em que grau o sistema jurídico permite a atuação do controlador, ou o

441 Em especial, vide as citações apostas de Manoel Justino Bezerra Filho e Fábio Konder Comparato.

442 CORNAND, Camille. Liquidity Crises of Private Corporations in Emerging Economies and International Bankruptcy Rules. In: INTERNATIONAL SYMPOSIUM on "Genuine Money, Good Securities and the Foundations of the Economy: A New Look at Property Rights", Universität Bremen, 28-30 Nov. 2003. p.17-18. Interessante, para vislumbrar critérios concretos de inserção de países na economia de mercado, a leitura da Circular SECEX n. 59, de 28 de novembro de 2001, do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, relativo à condução de investigações de defesa comercial: "3.3 Para avaliação da existência de condições de economia de mercado, serão observados, entre outros, os seguintes fatores: a) grau de controle governamental sobre as empresas ou sobre os meios de produção; b) nível de controle estatal sobre a alocação de recursos, sobre preços e decisões de produção de empresas; c) legislação aplicável em matéria de propriedade, investimento, tributação e falência; d) grau em que os salários são determinados livremente em negociações entre empregadores e empregados; e) grau em que persistem distorções herdadas do sistema de economia centralizada relativas a, entre outros aspectos, amortização dos ativos, outras deduções do ativo, trocas diretas de bens e pagamentos sob a forma de compensação de dívidas; e f) nível de interferência estatal sobre operações de câmbio".

160

destitui, durante o procedimento de reorganização.443 David Hahn444 alude que a

continuidade do devedor na gestão é preferível nas grandes empresas onde há

separação da propriedade das ações e o efetivo controle acionário.445 Essa assertiva

se sustentaria pelo fato de os administradores de uma grande corporação terem

evidente interesse em dar resultados aos acionistas. De outro lado, Hahn entende

que as empresas em que não exista a separação entre propriedade acionária e

controle (em geral, no Brasil, nas sociedades limitadas), a melhor solução para

reorganizar a empresa é a destituição do devedor e a colocação de um gestor

profissional. No primeiro caso, de empresas grandes com separação entre propriedade

acionária e controle, adverte-se que o administrador judicial trabalhe em harmonia

com o devedor e não em oposição.

Para Hahn, a identidade da pessoa que controla a empresa é um elemento

central para alcançar a eficiência e justiça dos procedimentos de recuperação. Neste

sentido, identificar o controlador é crucial para saber se a própria sociedade empresária

requererá a reorganização em tempo hábil, ou postergará suas dificuldades até um

momento "desesperador" em que a recuperação será inviável. Hahn sugere que o

regime falimentar deve incentivar o devedor a procurar a recuperação judicial e, ao

mesmo tempo, garantir representação adequada para os diversos interesses

divergentes que têm algum pleito perante a empresa.446

443 Vide novamente o art. 64 da Lei n.o 11.101/2005; também MUNHOZ, op. cit., p.307-313.

444 HAHN, David. Concentrated ownership and control of corporate reor ganizations . Bar Ilan University, October 2003. (Working Paper n. 6-03). p.52-53.

445 Modernamente, a dupla "Berle e Means" tem sido considerada como quem tem aprofundado a questão da separação entre propriedade acionária e o efetivo controle das grandes sociedades empresárias (corporations americanas) (BERLE, Adolf A. MEANS, Gardiner C. A moderna sociedade anônima e a propriedade privada . São Paulo: Abril Cultural, 1984. p.33-38).

446 Como incentivar o devedor da sociedade limitada a pleitear a recuperação, se sabe que poderá facilmente ser removido da condução de seu negócio, durante a reorganização? A resposta estaria na segurança de que, caso se mostre viável o empreendimento, e sejam satisfeitos os interesses dos credores e a empresa se recupere, o devedor poderá vir a ser reintegrado no controle da empresa. Caso inviável o negócio sob seu futuro comando, o devedor não terá sido entrave ao interesse dos credores na liquidação dos ativos da empresa.

161

Sociedades empresárias em que toda a participação societária está na mão

de um ou poucos devedores (geralmente nas limitadas) tenderão a não buscar os

interesses da empresa (função social etc.) e dos credores (trabalhadores, bancos

etc.), sendo mais aconselhável a destituição do devedor; e que um gestor judicial

assuma as atividades da empresa durante a recuperação.447 Constitui-se tarefa difícil

equilibrar os incentivos e prejuízos decorrentes do afastamento ou manutenção do

devedor, na recuperação judicial. Para tanto, o sistema legal deve permitir o controle

conjugado entre devedor e administrador judicial, especialmente na elaboração do

plano de reorganização. Este regime estabeleceria uma representatividade

adequada dos vários grupos de interesses e ainda incentivaria o devedor a requerer

a recuperação em tempo hábil. Ao atribuir ao administrador judicial uma atuação de

fiscalização bastante próxima ao devedor (art. 21 e 64 LRE), parece que este equilíbrio

foi buscado satisfatoriamente na LRE.

7.2.5 Redução de impactos sociais negativos

Estreitamente vinculada à questão da eficiência da recuperação judicial está a

indagação de se a LRE conseguirá reduzir os impactos sociais negativos (exter-

nalidades negativas) da tentativa de recuperação das empresas em crise. Espera-se

que a LRE consiga melhorar o grau de acerto judiciário, ao evitar os dois principais

erros que ocorrem na reorganização: aceitação de plano de recuperação, em última

análise, não-viável (chamado de erro tipo I) ou a rejeição de um plano de recuperação

judicial de uma empresa que era viável (erro tipo II). No erro tipo II, percebe-se que

os problemas são menores se a rejeição do plano resultar na alienação, o quanto

antes, da empresa em bloco (art. 140, I, LRE), o que reduz os impactos negativos da

falência, diante da manutenção da atividade produtiva. Já a aprovação de um plano

de recuperação falho, ou de um plano coerente, mas de uma empresa inviável,

resultará em inevitáveis prejuízos à sociedade.448

447 Vide art. 65; compare também art. 22, II, a, todos da Lei n.o 11.101/2005.

448 Para a introdução e desenvolvimento do tema, vide item 5.1.2.

162

Questiona-se se a LRE poderá salvar empresas economicamente inviáveis.

Tem-se que o resultado mais comum é a mera sobrevida da empresa inviável, com

sua posterior extinção. Em resposta, e como ainda não existem dados empíricos

suficientes para uma pesquisa conclusiva jurisprudencial brasileira,449 será utilizado

o auxílio do direito comparado,450 em especial o Chapter 11 norte-americano.

Michelle White introduz o tema, ao lembrar que o sistema americano, dividido

em reorganização das empresas (chapter 11) e liquidação (falência, no chapter 7),

tem sua razão econômica na existência efetiva de dois tipos de empresas em

dificuldades: as que são economicamente inviáveis e, portanto, seus bens devem

ser alocados em usos mais produtivos em outros lugares; e aquelas que são

economicamente viáveis, que passam por problemas financeiros, mas cujo valor em

funcionamento ainda será maior do que seu valor liquidado.451

White sugere que muitos problemas da recuperação judicial partem da

premissa de que é difícil aos credores verificar se a empresa é economicamente

viável ou não. Conclui que é possível a reorganização de empresas ineficientes por

meio da aprovação de um plano de reorganização coerente, mas a reorganização

ocorrerá à custa de riquezas que poderiam ter sido mais bem utilizadas em outros

locais, contribuindo para a estagnação econômica em geral e ampliando impactos

sociais negativos. Sustenta que a eficiência da recuperação judicial está diretamente

vinculada, portanto, à redução da probabilidade de se reorganizar empresas econo-

micamente ineficientes. A eficiência será conseguida, no caso de rejeição de um

plano de recuperação, pela venda imediata da empresa utilizando-se o sistema de

mercado. Com o incremento da demanda de compra de ações de sociedades

empresárias falidas, para posterior recuperação pelo novo investidor, os credores estarão

449 A recuperação judicial da Varig ainda não está concluída, mas é o primeiro e mais conhecido caso de recuperação judicial no Brasil. A recuperação judicial do grupo Parmalat foi também muito divulgada pela mídia.

450 Partindo-se do pressuposto de que, embora sejam sistemas jurídicos diferentes, ambos têm como fio condutor uma legislação que privilegia a tentativa de recuperação da empresa viável; a apresentação de um plano de reorganização e a aprovação do plano pelos credores, tudo sob acompanhamento judicial.

451 WHITE, Michelle. Does Chapter 11 save economically inefficient firms? Washington University Law Quarterly , v.72, p.1320, Fall 1994.

163

menos propensos a aceitar planos de recuperação com baixo grau de pagamentos.

Como resultado, argumenta White que os administradores de empresas ineficientes

não terão tantos incentivos para requerer a recuperação, e seria reduzido o erro

judicial de se tentar recuperar empresas ineficientes.452

Mark Roe, em estudo que procurava novos modelos para a reorganização de

empresas nos Estados Unidos, conclui que se o juízo falimentar estiver interessado

em maximizar a viabilidade do devedor, deve procurar fornecer meios de capitalizar

a empresa. Roe avalia que o processo de negociação do plano de recuperação ou o

procedimento falimentar são custosos, demorados e desnecessários, caso esteja

disponível uma base objetiva e mercadológica para avaliar a empresa. O mercado

está mais propenso a avaliar corretamente as empresas em crise do que o próprio

Judiciário, pois o risco de perder dinheiro fará com que os investidores tomem todas

as cautelas necessárias. O Judiciário não cumpre este perfil. Mesmo os motivos

atribuídos para se fazer a avaliação judicial (falta de informações dos credores, custo

da informação, custo de monitoramento e falta de compradores interessados), ainda

não justificariam deixar inteiramente a cargo do Poder Judiciário o papel de avaliação

da empresa em crise. Isto porque o Judiciário sofre com atrasos e inexperiência em

matérias de administração. Por fim, Roe sugere se mesmo que o modelo ideal para

a reorganização da empresa continue a derivar do Poder Judiciário, deve ser criada

a possibilidade de o próprio Juízo transferir a reorganização a um foro de mercado.

No Brasil, isto seria possível em todas as hipóteses de convolação da recuperação

judicial em falência.453

Bradley e Rosezweig afirmam que a solução para a melhor alocação dos

recursos das empresas em crise seria pela extinção do instituto da reorganização

judicial das empresas, chegando a colocar em dúvida a assertiva de que o Judiciário

é apto a corrigir os desvios de mercado. Uma de suas críticas volta-se à proteção

que a reorganização confere aos administradores, que comumente utilizam a

reorganização para se manterem no controle dos bens da empresa. Os autores

452 WHITE, Does Chapter 11..., p.1339.

453 ROE, Mark J. Bankruptcy and debt: a new model for corporate reorganization. Columbia Law Review , v.83, n.3, p.600-602, Apr. 1983.

164

sugerem que a inexistência de um foro de reorganização da empresa levaria a

contratos mais eficazes, responsáveis e conscientes, reduzindo as alternativas dos

administradores a decisões que lesem os acionistas e o interesse social. No caso de

se permitir que acionistas vetem o pedido de reorganização, se a opção de

liquidação for claramente mais favorável aos seus interesses, a posição dos autores

pode ser considerada. Segundo os autores, retirar a opção dos administradores em

recorrer à reorganização judicial evitaria que atuassem em seu próprio interesse,

gerindo a empresa sem buscar efetivamente o interesse social de preservação dos

empregos, da atividade econômica, etc. O interesse social estaria mais bem

resguardado na alocação eficaz da capacidade produtiva da empresa a terceiros,

transferência que deve ser feita rapidamente para outros investidores que possam

melhor geri-la.454

Sugere-se que o modelo brasileiro de recuperação de empresas viáveis,

visando conjugar os diversos interesses conflitantes, deveria alcançar um difícil

equilíbrio entre a liberdade e agilidade das dinâmicas do mercado, de um lado, e a

segurança e formalismo do Poder Judiciário, de outro. Isso poderia ser alcançado

caso o Poder Judiciário pudesse aumentar o intercâmbio com os instrumentos de

trabalho nos quais o mercado é mais eficiente, tais como a real avaliação do valor do

empreendimento e a utilização de meios mais céleres de divulgação da recuperação

a potenciais investidores.

454 BRADLEY, Michael; ROSENZWEIG, Michael. The Untenable Case for Chapter 11. Yale Law Journal , v.111, n.5, p. 1050- 54, Mar. 1992. A melhor alocação dos recursos, neste caso, não significa a redução dos impactos sociais negativos, mas a proteção dos acionistas, que é o objetivo principal a ser buscado, na visão destes autores. Os autores afirmam que o objetivo de proteção dos impactos sociais negativos acaba sendo a causa dos maiores prejuízos aos acionistas: "The greater losses to corporate stockholders may be an unwelcome byproduct of some greater goal served by the current Chapter 11 process. However, those who hold this opinion must be able to identify this overarching objective and be able to quantify the benefits of the existing system." (BRADLEY, Michael; ROSENZWEIG, Michael. In defense of abolishing Chapter 11 . Mar. 1995. (Working Paper). p.54; BRADLEY; ROSENZWEIG, The Untenable..., p.1088).

165

CONCLUSÃO

O Estado exerce inevitável influência no âmbito econômico. A atuação estatal

na economia pode ser classificada, entre outras, por sua estrutura funcional e pela

ordem política adotada. Pela estrutura funcional, o Estado disciplina, fomenta e

intervém direta e/ou indiretamente no domínio econômico. Pela ordem política, o

Estado será mais ou menos interventor. Não é possível, em quaisquer das hipóteses,

que se tracem abstratamente os limites desta intervenção, a não ser na análise

específica de cada ato administrativo ou caso concreto. Em campo intermediário

encontra-se o 'Estado Providência', que se fundamenta nos princípios da livre

iniciativa e do capitalismo, além daqueles constantes nos artigos 170 e seguintes

da Constituição.

A livre iniciativa é o princípio basilar do sistema econômico brasileiro.

A intervenção do Estado na economia não a restringe, mas suplementa e corrige

suas eventuais distorções. A manutenção da proteção à livre iniciativa pode ser

compreendida como instrumento de justiça social e desenvolvimento nacional, desde

que conjugada com os outros princípios constitucionais.

A intervenção do Estado na economia afeta direta e indiretamente a capacidade

das sociedades empresárias em crise de se recuperarem. Diretamente, pela influência

da legislação, de atos do Executivo e das decisões judiciais. Indiretamente, pelos

reflexos da política macroeconômica nacional, que podem criar condições favoráveis a

determinados setores econômicos e desfavoráveis a outros agrupamentos econômicos.

Diante da constatação do trabalho de que grande parte das normas jurídicas

possui conteúdo com eficácia aferível em termos econômicos, observa-se igualmente a

importância crescente dos estudos interdisciplinares entre direito e economia. Assim

como o Estado exerce influência na economia, os agentes econômicos particulares

devem ser objeto de exame cuidadoso na sua relação entre si e com o mercado. Há

duas grandes frentes no estudo da relação entre direito e economia. A primeira é o

direito econômico, cuja função principal é tratar juridicamente dos atos de política

econômica estatal. Em segundo, tem-se a interpretação econômica do direito, cuja

contribuição essencial reside no instrumental advindo da economia, utilizado para

observar os fenômenos legais a partir de sua utilidade e valoração. A empresa viável em

166

dificuldades depende da conjunção de diversos fatores para possibilitar sua recuperação:

sua própria capacidade de reorganização, condições do mercado, atos do Estado

(por meio do Poder Judiciário), dos credores, e também dos efeitos positivos ou

negativos indiretos recebidos de outros agentes econômicos, as externalidades.

Abordou-se a eficiência como a capacidade de se produzir o máximo de

resultado com o mínimo de recursos. A eficiência, conceito usual na economia, pode

ser empregada na análise do direito das empresas em crise. Eficiência, nesse

sentido, considera-se o máximo de retorno aos credores, com a mínima perda de

recursos – bens do devedor. A mudança legislativa falimentar (2005) provocou

questionamentos críticos quanto ao novo diploma conduzir à eficiência, entendida

como maior proteção aos credores. A eficiência deve ser conjugada com o problema

da justiça social, concretizada na busca da preservação da atividade econômica

viável, manutenção de empregos e geração de impostos. Constatou-se que há

diversos dispositivos da nova LRE que possuem mecanismos aptos a proteger a

eficiência, especialmente no tocante à recuperação do crédito financeiro. Entre os

meios concretos para a realização do objetivo da preservação da empresa estão o

aumento das possibilidades de negociação entre devedor e credores durante o

período de recuperação judicial, a possibilidade de leilão da empresa como um todo,

sem responsabilização tributária ou trabalhista do arrematante, entre outros. A busca da

justiça social, na LRE, por outro lado, manteve essencialmente o caráter principiológico.

Vislumbraram-se certas críticas à análise econômica do direito, eis que ela

tende a resumir o fenômeno jurídico a uma opção desumanizadora, materialista e

utilitarista, em que o ser humano e a justiça social seriam vilipendiados. O fundamento

central à apologia da análise econômica do direito reside na possibilidade de se

resguardarem os direitos fundamentais e a busca da justiça social, ao mesmo tempo

em que se aprofunda o estudo dos instrumentais econômicos aplicados ao direito.

Considera-se, no estudo, valiosa a análise econômica do direito para se examinarem,

sob novos enfoques, as questões relativas à crise da empresa.

O teorema de Coase pode ser aplicado à análise do direito como ferramenta

para explicar a responsabilidade do Poder Judiciário na alocação dos direitos

creditícios nas recuperações judiciais de empresas. Enquanto o mercado tiver

deficiências, representadas por falta de eficiência e por custos de transação, será

167

necessária a presença do Poder Judiciário para resguardar a tentativa de justa

distribuição dos direitos de crédito e garantias entre as partes.

A teoria da empresa vislumbra a empresa como atividade econômica

organizada para a produção ou circulação de bens ou de serviços. Caso levada às

últimas conseqüências, praticamente todas as espécies societárias nacionais

poderiam valer-se da recuperação da empresa. Ocorre que o sistema legal contém

exceções, especialmente elencadas no artigo 2.o da Lei n.o 11.101/2005, nas

atividades enquadradas no parágrafo único do art. 966 do Código Civil Brasileiro, e

nas normas profissionais regulamentadoras específicas, como para os advogados.

A LRE representa uma forma de intervenção do Estado na economia através

da atuação do Poder Legislativo e, em momento posterior, pelo Poder Judiciário.

Neste sentido, pode-se dizer que a recuperação de empresas em crise está

diretamente vinculada à resposta política que o Estado apresenta em determinado

momento à situação concreta proposta. Hodiernamente, a recuperação das empresas

não depende exclusivamente da situação jurídica do devedor e da respectiva

proteção do Estado.

No sistema brasileiro vigente, retomou-se a se conceder aos credores um

papel preponderante e mesmo essencial sobre a decisão acerca da possibilidade de

recuperação da empresa em crise. Cabe ao Poder Judiciário zelar pela transparência e

justiça do procedimento, e corrigir distorções. Constatou-se que tanto o Poder Judiciário

como o mercado são imprescindíveis e atuam em relativa harmonia, na busca da

recuperação da empresa em crise. O papel do Poder Judiciário, além das suas

funções institucionais tradicionais, está no fato de chancelar as decisões eficientes

que venham a ser propostas pelos próprios mecanismos de mercado. O estudo

mostrou que o sistema vigente pode receber melhorias, mediante maior intercâmbio

do Poder Judiciário com as forças do mercado.

A preservação da empresa viável, na Constituição Federal, é princípio não escrito,

mas norteia a ordem econômica ao buscar a concretização de uma sociedade mais

justa, livre e solidária (CF/88, art. 3.o, I). Decorre também do princípio da busca do

pleno emprego (CF/88, art. 170, VIII), e da função social da propriedade (CF/88,

art. 170, III). O princípio da preservação da empresa é corolário da função social

empresarial. Há atividades econômicas que não devem ser preservadas. O princípio

168

somente se aplica às empresas viáveis, constatação que somente pode ocorrer no

caso concreto.

A análise econômica do fenômeno da recuperação da empresa em crise

constatou que o desenvolvimento social, fim buscado pela Lei n.o 11.101/05, deve

incentivar a preservação da empresa viável, que é sustentáculo da geração de

empregos, desenvolvimento tecnológico, circulação de riquezas e incremento da

arrecadação tributária. Preservar a empresa viável pode representar a contribuição

na manutenção do círculo de crescimento econômico. O direito creditório deve ser

protegido, mas não pode ser absoluto, diante da função social da propriedade e

da empresa.

Na LRE, os objetivos da comunidade, concretizados nos interesses sociais

indisponíveis (interesse público primário), são resguardados essencialmente pela

atuação e intervenção do Ministério Público (MP). A presença do MP nos processos

de recuperação judicial da empresa em crise é essencial, muito embora a crítica de

que sua atuação torne mais longo o processamento. Em outros ordenamentos

jurídicos, em que não há figura equivalente ao MP, o controle e defesa dos interesses

públicos dá-se na pessoa do próprio magistrado, amparado na obrigatoriedade legal.

Relativamente aos interesses dos agentes particulares, os fornecedores tenderão

à aprovação de plano de recuperação, enquanto os credores com fortes garantias

tenderão a agir em sentido contrário. Acerca da proteção dos fornecedores,

entende-se que a parte final do artigo 67 deve ser interpretada restritivamente, não se

podendo concluir que qualquer dos créditos constantes dos incisos I a V do art. 83

deva ser reclassificado como extraconcursal, desde que contraídos durante a

recuperação judicial. O sentido da norma, no art. 67, deve ser o de proteger os

créditos decorrentes de negociação, em que se incluem os fornecedores e excluem-

se os créditos que se constituem por imposição legal, durante a recuperação. Entre

os créditos que se constituem por imposição legal estão os tributários, as multas

administrativas etc.

Os diretores da companhia devem ser afastados, caso se observe a persecução

de objetivos pessoais, seja com o pedido de processamento da recuperação, seja no

adiamento desta medida.

Como regra, os interesses da comunidade afetada não terão capacidade de

influenciar os destinos do processamento da recuperação judicial. Há tendências

169

doutrinárias a sugerir maior participação da comunidade no processo. A comunidade

afetada (por associações de moradores, sindicatos, representações do comércio ou

mesmo da Prefeitura do Município etc.) provavelmente não terá a racionalidade

econômica para a escolha mais eficaz dos destinos da empresa em crise. As pessoas

mais diretamente afetadas pelo inadimplemento e insolvência da empresa em crise

serão as que se presume que tomem as melhores decisões, acerca da sobrevivência a

longo prazo do negócio. Talvez seja sob este argumento que não se concede

representatividade ou direito a voto em planos de recuperação aos interesses que

não sejam estritamente de crédito (credor estritamente considerado), pois aqueles

indiretamente interessados terão muita propensão à reorganização a qualquer custo.

Uma alternativa, no Brasil, para a falta de representatividade da coletividade,

no caso em que há relevante interesse, seria a Lei possibilitar a flexibilização na

criação das classes de credores na assembléia-geral (art. 41 LRE). Desta forma, seria

possível a constituição de uma classe, com direito a voto na assembléia-geral, formada

por representantes dos interesses da coletividade. A constituição desta classe votante

adicional deveria ser embasada, perante o Magistrado, no critério de comprovação

de impacto econômico relevante aos referidos interesses, de acordo com os valores

sociais constitucionalmente protegidos.

O Fisco continua com o privilégio da não sujeição de seu crédito, na

recuperação judicial; pela racionalidade do sistema, deverá ter interesse em

conceder o parcelamento de seu crédito e possibilitar a recuperação, para não ficar

em pior situação de preferência de seu crédito, em caso de decretação de falência.

Enquanto não é aprovada a lei complementar prevista no artigo 155-A do Código

Tributário Nacional, caberá à jurisprudência resolver os problemas decorrentes da

aplicação das regras gerais de parcelamento do crédito tributário.

Nos Estados Unidos, a legislação privilegia a recuperação empresarial. Contudo,

em conflito com a força vinculante dos contratos, a análise do caso apresentado

destacou que o interesse da sociedade empresária em recuperar-se judicialmente

não pôde prevalecer.

O Canadá igualmente possui legislação falimentar voltada ao mercado, incen-

tivando o uso produtivo dos insumos. Possui duas normas básicas: a primeira voltada

para a recuperação de empresas de grande porte cujos dispositivos são mais flexíveis e

concedem maior discricionariedade ao magistrado. A segunda norma, com dispositivos

170

mais rígidos, volta-se à recuperação ou liquidação das empresas de menor porte.

O estudo sugeriu que o sistema brasileiro de recuperação pode aprimorar sua

legislação, com base neste modelo. Em julgado da Air Canada, constatou-se o papel

preponderante do Estado para possibilitar sua recuperação, alterando inclusive a

legislação e permitindo a participação maior do capital estrangeiro no empreendimento.

O histórico do conflito de interesses na insolvência caracteriza-se por longo

período de diminuição do rigor infligido ao devedor, chegando-se ao atual estágio de

proteção da atividade econômica, mas desvinculada do devedor. Sugere-se que a

tendência deve continuar a direcionar-se à separação entre a atividade econômica e

empresário, protegendo-se preponderantemente a primeira.

A LRE visivelmente comprometeu-se com a dinâmica do moderno sistema

financeiro internacional, ao garantir a não sujeição do crédito financeiro à recuperação

judicial. Leis-modelo do FMI e da UNCITRAL podem ter influído para tanto. A doutrina

internacional tende a destacar que o Judiciário dos países em desenvolvimento, ao

distribuir fortemente justiça social nas suas decisões, cria situações de instabilidade

contratual e aumento de riscos, que são prejudiciais à economia.

Considerou-se a possibilidade de a LRE ter uma estrutura que sirva melhor

aos objetivos das sociedades empresárias na modalidade de SAs do que às outras

formas societárias mais simples, tendo em vista a complexidade do processamento

das assembléias e comitês. Sugeriu-se que a recuperação da empresa de pequeno

porte, embora prevista legalmente em dispositivos específicos da LRE, tende a não

ser viável; a falência e o rápido pagamento dos credores trariam maiores benefícios

à sociedade e seria mais eficiente.

Entre os efeitos econômicos objetivados pela LRE, destacam-se a aproximação

ao pleno emprego; a preservação da receita pública, na forma de tributos; a manu-

tenção da atividade empresarial viável, o aumento da eficiência na recuperação de

empresas em crise e a redução de impactos sociais negativos.

A recuperação da empresa viável é benéfica a toda a sociedade e também se

reveste de interesse público. A recuperação da empresa, desde que o artigo 47 da

LRE a erigiu em caráter de princípio, e com base em outras premissas constitucionais,

deve ser compreendida como princípio de interesse público. A barreira conceitual entre

a busca da recuperação da empresa viável e o interesse público (secundário) do

recolhimento de tributos estaria na previsibilidade econômica; enquanto este a tem,

171

o direito falimentar trabalha com uma variável totalmente indeterminada, que é a

"viabilidade da empresa em crise", não possuindo previsibilidade. Entre as opções de

política pública, prevalece a primeira, por seu grau de segurança e certeza jurídica.

No caso das pequenas e médias empresas, há interesse social reduzido por

sua preservação. Por este motivo, não deve haver concessão legislativa de grande

margem de discricionariedade ao magistrado, devendo a lei estabelecer os parâmetros

concretos e detalhados para a recuperação ou falência. Na recuperação judicial, a

ampla negociação deverá reinar entre os interessados, sendo que o magistrado

deverá intervir majoritariamente para ratificar as negociações ou para a proteção do

interesse coletivo. No caso das grandes empresas sob forma de SA., a formulação

legal pode ser mais aberta, utilizando-se mais livremente dos conceitos jurídicos

indeterminados. Por outro lado, faltam regras mais claras na LRE para efetivar os fins

sociais do artigo 47 da LRE, perante o direito creditório. Sugere o estudo aumentar o

grau de responsabilização da conduta do acionista controlador, especialmente para

conjugar-se o art. 116, parágrafo único, da Lei das S.A às novas realidades do direito

falimentar brasileiro. Em todo caso, a LRE pendeu à proteção dos interesses dos

credores em desfavor de outros interesses coletivos que obtiveram uma proteção

apenas abstrata.

A recuperação judicial de empresas viáveis representará um custo que a

sociedade está disposta a arcar. A valorização do trabalho, mediante a busca do

pleno emprego, apresenta-se como um meio de se buscar a concretização da função

social da propriedade, em especial da empresa privada.

Não restam dúvidas de que a configuração ideal de um regime falimentar

estará sempre estreitamente vinculada ao modelo de Estado que o país adotar ou tenha

adotado. Como esse modelo de Estado, no Brasil, tem sofrido variâncias significativas

ao longo de sua história recente, há de se esperar que a própria legislação falimentar

também sofra mudanças, tanto substanciais quanto de direcio-namento interpretativo,

visando adequar-se a seus objetivos concretos.

Considera-se que o desafio é conjugar a necessidade que as empresas

brasileiras têm de se voltar cada vez mais para a economia de mercado, em que

poderão competir não apenas localmente, mas em todo o globo, de um lado, com a

proteção de interesses coletivos, pelo Estado, de outro. Para que isto ocorra,

entende-se que o desenvolvimento e aprimoramento da legislação falimentar nacional,

172

pela retirada de empresas ineficientes do mercado e manutenção das viáveis será um

passo essencial ao país, pois a melhor ou pior interpretação e aplicação da Lei

n.o 11.101/05 pode determinar a velocidade com que o Brasil se insere no cenário

mundial competitivo.

173

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