os conteÚdos das visÕes da ayahuasca

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  • 8/2/2019 OS CONTEDOS DAS VISES DA AYAHUASCA

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    A ayahuasca uma infuso vegetal psicoativa da Amaznia. Tipicamen-

    te, provoca poderosas vises, assim como alucinaes em todas as de-

    mais modalidades de percepo. Essas experincias geralmente se asso-

    ciam a insights pessoais, ideaes intelectivas, reaes afetivas e expe-

    rincias espirituais e msticas profundas. Tambm se observam altera-

    es dos parmetros bsicos da experincia identidade pessoal, cone-

    xo com o mundo exterior, temporalidade e os sentimentos de significa-

    o e de noese. No passado, a ayahuasca era um dos pilares centrais de

    vrias culturas tribais da Amaznia. Hoje, a infuso ainda instrumento

    corriqueiro dos curandeiros em toda a regio. Alm disso, no decorrer do

    sculo XX, constituram-se no Brasil vrios grupos religiosos sincrticos

    nos quais as tradies indgenas relativas ayahuasca se combinam com

    elementos culturais no-indgenas cristos ou outros. Dentre esses gru-

    pos, os mais importantes so a Igreja do Santo Daime, a Unio do Vege-

    tal (abreviadamente, UdV) e a Barquinha. Em todos, a ayahuasca funcio-na como um sacramento.

    Dada a orientao psicolgica deste artigo, no se far aqui uma re-

    viso extensa da literatura antropolgica sobre a ayahuasca. Para infor-

    maes pertinentes a respeito do uso indgena da mesma, o leitor dever

    consultar Reichel-Dolmatoff (1971; 1975; 1978a; 1996; 1997), Dobkin de

    Rios (1972; 1973), Furst (1976; 1990), Langdon (1979a; 1979b; 1992a), Lu-

    na (1986a), Luna e White (2000), Metzner (1999), bem como as contribui-

    es em Harner (1973a), Labate e Arajo (2002) e o nmero especial deAmrica Indgena (1986). Para informaes gerais sobre os grupos sin-

    crticos que utilizam a ayahuasca, ver Polari (1984; 1992), MacRae (1992),

    Centro de Memria e Documentao (1989), Brissac (1999), Groisman

    (1999) e Sena Arajo (1999). Trabalho singular a obra em colaborao

    do antroplogo Luna e do xam e pintor Pablo Amaringo (Luna e Ama-

    ringo 1993), que consiste em uma coleo de reprodues de pinturas nas

    OS CONTEDOS DAS VISES

    DA AYAHUASCA*

    Benny Shanon

    MANA 9(2):109-152, 2003

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    quais so apresentadas vises da ayahuasca. Uma bibliografia sucinta da

    pesquisa cientfica sobre a ayahuasca encontra-se em Luna (1986b). In-

    formaes adicionais relativas aos aspectos botnicos e farmacolgicosda ayahuasca so fornecidas em Chen e Chen (1939), Der Marderosian,

    Pinkley e Dobbins (1968), Holmstedt e Lindgren (1979), Schultes e Hof-

    mann (1980), Schultes (1972; 1982; 1986), Schultes e Winkelman (1995),

    Ott (1993; 1994), bem como em Grob et alii (1996) e Callaway et alii

    (1999); informaes sobre o DMT (o princpio ativo primrio da ayahuas-

    ca) e seus efeitos encontram-se em Strassman (2001).

    .

    O estudo cognitivo-psicolgico da ayahuasca

    Praticamente toda a pesquisa cientfica sobre a ayahuasca est dividida

    em duas categorias: a das cincias naturais botnica e etnobotnica,

    farmacologia, bioqumica e fisiologia do crebro e a das cincias so-

    ciais notadamente a antropologia. Em minha opinio, nenhuma delas

    vai ao cerne da questo. Ambas as linhas de investigao consideram a

    ayahuasca, por assim dizer, do exterior. Evidentemente, a ayahuasca no

    seria conhecida por ns no Ocidente no fossem as aventuras e o arrojo

    de botnicos e antroplogos. Mas os efeitos especiais da ayahuasca uma

    vez descobertos nem por isso se tornam botnicos ou antropolgicos; eles

    envolvem as experincias subjetivas das pessoas. Portanto, o ponto que

    sustento que os verdadeiros problemas associados a essa infuso no

    tm a ver com o crebro nem com a cultura, e sim com a mente humana.

    Meu interesse profissional na experincia da ayahuasca baseia-sena avaliao de que a aliana das pesquisas sobre essa substncia e dos

    estudos da mente de mo dupla (meu argumento est mais extensa-

    mente exposto em Shanon 1997; 1998a; 2000; 2002a; 2002b; 2002c). Por

    um lado, a psicologia cognitiva apresenta uma perspectiva nova e muito

    apropriada s investigaes sobre a ayahuasca. Esta, por sua vez, com os

    fenmenos mpares que produz, abre novos panoramas para o estudo da

    mente em geral e da conscincia humana em particular. Ademais, pare-

    ce-me que a abordagem cognitivo-psicolgica da ayahuasca pode lanarluz sobre fenmenos pertencentes a provncias de outras disciplinas, no-

    tadamente a filosofia e o estudo da cultura.

    Guiado pelas convices acima expostas, empreendi um amplo pro-

    jeto de pesquisa, cujo objetivo mapear sistematicamente os vrios fe-

    nmenos que podem ser provocados pela ayahuasca e orden-los. Nesse

    esforo, minha meta principal , seguindo a orientao de Aldous Hux-

    OS CONTEDOS DAS VISES DA AYAHUASCA110

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    ley (ver Huxley 1956), levantar a geografia das regies recnditas da psi-

    que os antpodas da mente, na terminologia desse autor , ocultas em

    nosso estado ordinrio e reveladas pela ayahuasca. Um relato mais ex-tenso dessa pesquisa apresentado em Shanon (2002c).

    As vises da ayahuasca

    Neste artigo, abordo a faceta mais conhecida da experincia da ayahuas-

    ca a visual. As vises da ayahuasca so valorizadas em todos os contex-

    tos tradicionais bem como modernos nos quais a infuso utilizada.

    Cabe fazer uma distino terminolgica. Na literatura, emprega-se

    o termo comum vises. Pessoalmente, prefiro fazer distino entre os

    termos visualizao e viso. Emprego o primeiro para designar todo

    efeito visual provocado pela ayahuasca, ao passo que o segundo denota

    apenas as visualizaes que apresentam certo grau de extenso temporal

    e contedo semntico. Para representaes artsticas da ayahuasca, ver

    Luna e Amaringo (1993), j mencionado acima, e tambm os trabalhos

    de Alexandre Segregio, Ernesto Giovanni Boccara e Ce, reproduzidos

    em Weiskopf (1995) e Shanon (2002b; 2002c), respectivamente.

    Quando, na literatura antropolgica, se coloca a questo sobre o

    que se v nas vises da ayahuasca? (eu, aqui, diria visualizaes), a dis-

    cusso envolve, quase sem exceo, uma especificao dos elementos de

    contedo que aparecem nas vises. Uma afirmao tpica seria algo simi-

    lar a: Vem-se jaguares, ou cobras, ou pessoas conhecidas. Este artigo

    tambm se ocupa desses elementos de contedo, mas importante con-siderar que a anlise destes apenas uma entre vrias que se podem con-

    duzir na investigao das vises. Antes de passar ao ponto enfocado nes-

    te trabalho, situarei a presente discusso em seu contexto mais amplo, e

    o farei em contraste com outras anlises que podem (e devem) ser em-

    preendidas.

    O primeiro contraste entre contedo e forma. As visualizaes da

    ayahuasca podem aparecer em diferentes formas. Visualizaes podem

    diferir quanto intensidade da percepo, estabilidade, extenso tempo-ral e tambm quanto ao impacto psicolgico e/ou espiritual que vm a

    ter nas pessoas. Por exemplo, algumas vises consistem em elementos de

    contedo isolados, outras apresentam cenrios ricos e em outras, ainda,

    se desenrolam longas narrativas.

    O segundo contraste relativo esfera do contedo. Distingo os n-

    veis micro e macro de anlise: o primeiro diz respeito aos elementos de

    OS CONTEDOS DAS VISES DA AYAHUASCA 111

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    contedo e o segundo, aos temas. Para esclarecer esse contraste, gostaria

    de recorrer a uma analogia do domnio da literatura. Qual o contedo das

    tragdias de Shakespeare? Para responder a esta pergunta, o estudiosopode submeter os textos das tragdias shakespearianas a uma anlise es-

    tatstica e contar os elementos que neles aparecem. Aqueles que prova-

    velmente tero mais alta contagem so reis e rainhas, chefes militares,

    palcios, adagas etc. etc. Mas tais listas de itens no nos fornecem uma

    resposta para a seguinte questo: As tragdias so sobre o qu? Algu-

    mas categorias pertinentes a esta questo poderiam ser: os efeitos des-

    trutivos do poder e da cobia e relaes entre pais e filhos.

    Acresce que as visualizaes (ou, melhor, as vises) variam segundo

    a atitude dos bebedores1 diante delas. Mais especificamente, ver ape-

    nas uma espcie de relao. Quando as visualizaes so complexas e

    alto o grau de envolvimento, os bebedores podem colocar-se ativamente

    em interao com suas vises e desempenhar toda sorte de atos associa-

    dos a elas. Eles podem passar para dentro da cena da viso, percorr-

    la e/ou agir e interagir com objetos e criaturas que encontram. Quando

    bastante complexas, as vises tambm podem ser analisadas em termos

    de sua estrutura narrativa. Uma tipologia das espcies estruturais das vi-

    ses da ayahuasca e dos vrios padres de interao que lhes so asso-

    ciados apresentada em Shanon (2002b).

    Recorrncias no contedo das vises da ayahuasca

    Da literatura antropolgica sobre a ayahuasca emerge um padro sur-preendente, que o da recorrncia de certos elementos comuns s vises

    provocadas pela infuso. Assim, em uma reviso da literatura antropol-

    gica (menos recente), Harner (1973b) conclui que os itens mais comuns2

    nas vises relatadas por indgenas so cobras, jaguares, demnios e dei-

    dades, cidades e paisagens. Tambm se encontram, segundo seu relato,

    vises relativas soluo de crimes, vos da alma e experincias de cla-

    rividncia. Observaes similares so apresentadas em Der Marderosian

    et alii (1970), Naranjo (1973a), Furst (1990) e Grob (1999).A pesquisa aqui relatada tem por propsito estabelecer emprica e

    sistematicamente a recorrncia, nas vises de diferentes pessoas, de ele-

    mentos de contedo. Isso se d mediante a comparao de dados forne-

    cidos por muitos grupos de informantes, com diversas histrias pessoais e

    ambientes socioculturais variados; os informantes tambm diferem quan-

    to ao nvel de experincia com a infuso.

    OS CONTEDOS DAS VISES DA AYAHUASCA112

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    Embora a existncia de traos comuns s vises tenha sido observa-

    da de modo informal por muitos usurios de ayahuasca, at hoje no foi

    realizada nenhuma investigao sistemtica a esse respeito. Especifica-mente, os relatos encontrados na literatura antropolgica esto geral-

    mente baseados em entrevistas (por vezes extensas, como no caso de Rei-

    chel-Dolmatoff) realizadas com indivduos isolados (alguns de longa ex-

    perincia pessoal com a ayahuasca), mas no na interrogao sistemtica

    de grupos. Meu estudo o primeiro a tentar uma tal investigao siste-

    mtica. Resultados preliminares e parciais dessa investigao esto rela-

    tados em Shanon (1998b) e em Shanon (2002a); detalhes suplementares

    so apresentados em Shanon (2002c).

    O presente projeto de pesquisa pioneiro em diversos aspectos. Pa-

    ra comear, e principalmente, a primeira investigao emprica de tipo

    cognitivo-psicolgico realizada sobre a experincia da ayahuasca. Na

    verdade, com exceo do trabalho clnico conduzido por Naranjo trinta

    anos atrs (1973a; 1979; 1973b) e dos testes clnicos-psicolgicos aplica-

    dos por Grob e colaboradores no quadro do Projeto Hoasca, de natureza

    mdica (Grob et alii 1996; McKenna, Callaway e Grob 1998; Callaway et

    alii 1999), este o nico estudo psicolgico sistemtico da ayahuasca ja-

    mais realizado.

    Este tambm o mais amplo levantamento de dados sobre a feno-

    menologia da experincia da ayahuasca a ser realizado e relatado. Alm

    disso, o primeiro estudo sistemtico, na literatura cientfica, baseado

    em um grande corpus de dados coletados em primeira mo. Muitos an-

    troplogos que investigaram e escreveram sobre a ayahuasca s a ingeri-

    ram umas poucas vezes e no tiveram com ela mais que uma experinciarudimentar; alguns no tiveram nenhuma experincia direta (para mais

    comentrios a esse respeito, ver Harner 1973c, especialmente pgina 16;

    Mabit 1988; Davis 1996 e Narby 1998)3.

    Devem-se tambm sublinhar os aspectos quantitativos desta investi-

    gao. Eles dizem respeito coleta de dados e tambm anlise destes.

    Curiosamente, a literatura antropolgica no fornece mais que raras re-

    ferncias quanto ao tpico da informao quantitativa. Geralmente, os

    estudos antropolgicos sobre a ayahuasca apresentam breves relatos dasexperincias de vrios membros de determinado grupo tnico (ver, p. ex.,

    Harner 1973b). Com grande freqncia, no h indicao do nmero de

    pessoas entrevistadas, nem qualquer especificao da distribuio quan-

    titativa dos dados entre os informantes.

    Os dados aqui apresentados tambm so especiais por sua hetero-

    geneidade. Usualmente, quando um antroplogo estuda a ayahuasca, con-

    OS CONTEDOS DAS VISES DA AYAHUASCA 113

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    centra-se em determinada comunidade, o que natural, pois o foco prin-

    cipal na sociedade e na cultura. Por estar, ao contrrio, interessado na

    dimenso psicolgica, eu deliberadamente estudo a ayahuasca em dife-rentes contextos. Estes diferem quanto natureza da comunidade em

    que a sesso foi realizada (p. ex., indgena ou no, religiosa ou no), quan-

    to ao tipo de sesso (p. ex., rito religioso, sesso de cura, celebrao ou

    sem nenhum ritual) e quanto ao local. Todas essas variaes tambm se

    aplicam aos contextos em que eu mesmo experimentei a ayahuasca.

    Os dados

    As anlises aqui apresentadas esto baseadas em vrios conjuntos de da-

    dos, os quais incluem meus registros pessoais, informaes obtidas de

    outras pessoas e dados extrados da literatura. Ao todo, foram examina-

    dos doze conjuntos de dados relativos s vises da ayahuasca. Alm dis-

    so, para fins comparativos, relatos de sonhos tambm so analisados. Se-

    guem-se informaes relativas aos diferentes conjuntos e aos procedi-

    mentos de coleta.

    Meus prprios dados

    Ao todo, participei ativamente de cerca de 140 sesses de ayahuas-

    ca, realizadas em diversos contextos. Como era necessrio estabelecer

    alguma linha demarcatria, decidi incluir na presente anlise quantita-tiva apenas as 67 sesses anteriores a 1996, quando comecei a analisar

    os dados. Portanto, os dados concernentes a essas sesses sero referidos

    como corpus central e identificados como conjunto no 1.

    O corpus central baseia-se em sesses com os seguintes contextos:

    os vrios rituais da Igreja do Santo Daime (20 sesses), os encontros da

    Unio do Vegetal (11 sesses), a Barquinha (1 sesso), curas conduzidas

    por xams indgenas ou mestios (18 sesses) e consumo privado seja

    na companhia de pequeno nmero de pessoas (15 sesses), seja desa-companhado (5 sesses)4.

    As sesses conduzidas nos contextos das seitas religiosas se deram

    em diferentes comunidades por todo o Brasil. Aquelas dirigidas por cu-

    randeiros tradicionais se deram em vrias regies da Amaznia peruana

    nas cidades de Pucallpa, Iquitos, Puerto Maldonado e em aldeias pr-

    ximas. Os curandeiros eram membros de diferentes grupos indgenas (es-

    OS CONTEDOS DAS VISES DA AYAHUASCA114

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    pecificamente: Shipibo, Yagua, Cocama e Lamas) ou indivduos de as-

    cendncia mista. Ingeri tambm ayahuasca com ayahuasqueros (i.e., xa-

    ms que fazem uso da ayahuasca) da tribo Inga, no vale Sibundoy e jun-to ao rio Putumayo, na Colmbia meridional. As sesses privadas foram

    realizadas na companhia de pessoas s quais me refiro como bebedores

    independentes.

    Dados coligidos de outras pessoas

    Minha segunda fonte de dados foram entrevistas em que indaguei

    sobre a experincia das pessoas com a ayahuasca. As entrevistas eram

    de dois tipos: estruturadas e no estruturadas. Eu mesmo realizei pes-

    soalmente todas elas, separadamente e face a face com cada entrevista-

    do, sem a presena de terceiros. Ao todo, entrevistei 178 pessoas (122 ho-

    mens e 56 mulheres): 46 em entrevistas estruturadas, 128 em entrevistas

    no estruturadas e quatro de quem obtive o registro completo de todas

    as suas experincias com a ayahuasca. Dezesseis informantes eram ind-

    genas ou mestios, 106 residentes em regies urbanas da Amrica do Sul

    e 56 estrangeiros (ou seja, de fora da Amrica do Sul).

    As entrevistas estruturadas centraram-se em um questionrio que

    abordava o conjunto da experincia dos informantes com a infuso, cujo

    objetivo era ter acesso a diferentes aspectos dessa experincia. Eram

    apresentados aos informantes diferentes categorias de contedo, e era-

    lhes perguntado se j tinham visto elementos pertencentes quelas cate-

    gorias. Uma resposta afirmativa indicava que o item em questo havia si-do visto pelo informante ao menos uma vez ao longo de toda a sua expe-

    rincia com a ayahuasca5.

    No que diz respeito sua experincia, os informantes que participa-

    ram das entrevistas estruturadas pertencem a quatro grupos. O primeiro,

    o dos bebedores independentes: 18 indivduos que consumiam regular-

    mente a ayahuasca mas que, poca das entrevistas, no pertenciam a

    nenhum grupo institucionalizado. Todos residiam no Brasil, a maioria no

    Rio de Janeiro. Para eles, a ayahuasca era o aspecto central de suas vi-das e todos a consumiam regularmente na poca da entrevista. Todos ti-

    nham no mnimo quatro anos de experincia com a bebida e j a haviam

    consumido pelo menos quarenta vezes (e, em vrios casos, muito mais

    que isso). Devo esclarecer que a caracterizao desses informantes como

    grupo refere-se apenas aos propsitos da minha pesquisa; a maioria das

    pessoas a ele pertencente no se conhece, e ele no constitui absoluta-

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    mente um grupo em qualquer sentido social ou interpessoal. Cada entre-

    vista teve ao menos uma hora de durao; algumas se estenderam por

    at seis horas.O segundo e terceiro grupos de informantes submetidos a questio-

    nrios estruturados eram membros da Unio do Vegetal (UdV) e do San-

    to Daime com quatorze e sete pessoas, respectivamente. Todos tinham

    vasta experincia com a ayahuasca.

    O quarto grupo constitudo de pessoas que no eram afiliadas a

    nenhum grupo institucionalizado, mas que, diferentemente dos bebedo-

    res independentes mencionados acima, tinham experincia limitada com

    a ayahuasca entre dez e quarenta sesses. Esse grupo inclui dez pes-

    soas, todas no-indgenas e residentes em centros urbanos. Entre elas es-

    to as quatro que forneceram os relatos completos registrados por es-

    crito ou em dirios pessoais das sesses de que participaram. As ou-

    tras seis foram entrevistadas a partir do questionrio estruturado.

    As entrevistas estruturadas geraram trs conjuntos de dados, cada

    um fornecido por um grupo de informantes. O primeiro, conjunto no 4,

    baseado em entrevistas com o grupo de bebedores independentes com

    ampla experincia com a ayahuasca; o segundo, conjunto no 5, basea-

    do em entrevistas com os bebedores independentes de experincia mais

    limitada; o terceiro, conjunto no 6, baseado nas entrevistas com os mem-

    bros do Santo Daime e da UdV. De agora em diante, os grupos e os con-

    juntos de dados a eles correspondentes sero respectivamente designa-

    dos como independentes I, independentes IIe afiliados; os membros do

    Santo Daime e da UdV foram agrupados em uma s rubrica, pois separa-

    damente constituam grupos muito pequenos.Cabe um comentrio sobre a exatido dos dados coligidos por meio

    de entrevistas estruturadas. As respostas afirmativas s perguntas desse

    questionrio no constituem indicadores nem da distribuio real dos

    contedos investigados nem das suas freqncias relativas. Elas tambm

    acabam resultando em valores numricos relativamente altos. Ainda as-

    sim, os dados disponveis tm, quanto a outros aspectos, uma virtude es-

    pecial: por serem extrados de um amplo repertrio de experincias, eles

    so capazes de fornecer um bom quadro geral dos tipos de contedo en-contrados nas vises da ayahuasca. De fato, os questionrios refletem um

    considervel corpus total acumulado de experincias visionrias. Minha

    estimativa a de que, ao todo, os dados aqui discutidos esto baseados

    em aproximadamente 2.500 sesses de ayahuasca.

    Nas entrevistas no estruturadas, os informantes eram indagados

    sobre sesses especficas: sua primeira experincia com a bebida, a ex-

    OS CONTEDOS DAS VISES DA AYAHUASCA116

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    perincia mais notvel que j tiveram e detalhes de alguma sesso em

    especial (geralmente, uma sesso da qual eu e o entrevistado havamos

    acabado de participar). Entre os informantes, incluam-se indgenas eno-indgenas, xams e mestres de cerimnia da ayahuasca, pessoas com

    longa experincia e tambm algumas que a estavam consumindo pela

    primeira vez; entre estas ltimas, havia tanto sul-americanos quanto es-

    trangeiros que nada conheciam da ayahuasca antes de consumi-la pela

    primeira vez. As entrevistas foram feitas em diferentes lugares no Brasil

    e no Peru e tambm fora da Amrica do Sul.

    Trs conjuntos de dados foram gerados pelas entrevistas no estru-

    turadas e eles correspondem aos trs tipos de sesso ou experincia abor-

    dados nas perguntas: primeira, melhore especfica, respectivamente. En-

    tre os informantes entrevistados sobre esses trs tipos de sesso incluam-

    se indgenas americanos, residentes no-indgenas da Amrica do Sul

    (doravante designados sul-americanos) e estrangeiros.

    Os dados relativos primeira sesso ou experincia dos entrevista-

    dos foram separados em dois grupos: o dos informantes no-indgenas

    (sul-americanos e estrangeiros) e o dos indgenas. Com relao melhor

    experincia ou a sesses especficas, o nmero de informantes no exigia

    subdiviso segundo a identidade dos informantes. Ao todo, portanto, h

    quatro conjuntos de dados relativos a sesses ou experincias individuais:

    os conjuntos no 7 e no 8 para a primeira experincia (dos informantes no-

    indgenas e indgenas, respectivamente), o conjunto no 9 para a melhor

    experincia e o conjunto no 10 para sesses especficas.

    Dos 152 indivduos entrevistados sobre sua experincia inicial, quin-

    ze eram indgenas e 136, no (destes, 81 sul-americanos residentes emcidades e 55 estrangeiros). Relatos das primeiras sesses so especial-

    mente interessantes pois correspondem a um estgio em que as expe-

    rincias dos informantes tm menos probabilidade de serem afetadas por

    expectativas, conhecimentos prvios, informaes compartilhadas ou

    doutrinao pelo grupo.

    Cinqenta e um indivduos foram entrevistados sobre suas melho-

    res experincias. A razo de ser desse tipo de pergunta dupla. Quanti-

    tativamente, em uma sesso intensa pode haver mais detalhes de conte-do que em vrias sesses menos intensas. Assim, focalizar as melhores

    sesses pode trazer maximizao de informao. Qualitativamente, os

    contedos que aparecem nas sesses intensas podem ser mais ricos, ex-

    traordinrios e ter maior impacto pessoal e/ou espiritual. Entre os 51 en-

    trevistados para esse conjunto, dezesseis eram membros do primeiro gru-

    po de bebedores independentes, sete do segundo grupo de bebedores

    OS CONTEDOS DAS VISES DA AYAHUASCA 117

  • 8/2/2019 OS CONTEDOS DAS VISES DA AYAHUASCA

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    OS CONTEDOS DAS VISES DA AYAHUASCA118

    independentes, quatorze do grupo dos afiliados, seis eram membros da

    UdV no includos no grupo de afiliados, dois xams indgenas, dois sul-

    americanos (no-indgenas) e quatro estrangeiros.Sesses especficas foram investigadas sempre que havia oportuni-

    dade de perguntar s pessoas sobre suas experincias; em geral, isso se

    dava imediatamente aps sesses de que eu mesmo havia participado.

    Vinte e duas pessoas foram entrevistadas dessa forma: oito sul-america-

    nos, oito indgenas amerndios e seis estrangeiros. Tomados em conjun-

    to, os dados sobre as sesses especficas podem ser considerados como

    uma enquete baseada em amostragem aleatria, similar s que se fazem

    em cincias sociais quando se quer obter informao relativa a popula-

    es. Diferentemente dos dados coletados por intermdio do question-

    rio estruturado, aqueles relativos a sesses especficas no se reportam a

    avaliaes retrospectivas de experincias passadas, mas a experincias

    atuais em uma sesso singular. Assim, os questionrios estruturados des-

    tacam os tipos de contedos que aparecem nas vises da ayahuasca em

    geral, ao passo que, por contraste, os dados de sesses individuais refle-

    tem a efetiva distribuio desses contedos. Considerando-se essa dife-

    rena bsica, de um ponto de vista estritamente tcnico, os dados coleta-

    dos por meio de questionrios estruturados no so diretamente compar-

    veis aos extrados dos relatos mais completos das sesses (como aqueles

    relativos minha pessoa e os corpora de Polari e Amaringo ver adian-

    te), nem aos coletados nas entrevistas no estruturadas.

    Os corpora da literatura

    Na literatura s h dois corpora em que se descreve um nmero con-

    sidervel de vises da ayahuasca experimentadas por um indivduo; eles

    definem, respectivamente, os conjuntos no 2 e no 3 da presente anlise. O

    primeiro deles o de todas as sesses de ayahuasca narradas por Polari

    um dos lderes da Igreja do Santo Daime em sua obra autobiogr-

    fica, O livro das miraes (Polari 1984). Esse corpus consiste em 41 ses-

    ses e ser denominado corpus Polari. O segundo corpus (conjunto no 3) o das pinturas do xam e artista peruano Pablo Amaringo e apresenta-

    do em Luna e Amaringo (1993). Minha anlise cobre 45 das 48 pinturas

    reproduzidas no livro. Trs pinturas foram excludas: duas que no retra-

    tam vises, mas o contexto em que as sesses se realizam, e uma que re-

    presenta uma lenda mitolgica e que tem estilo muito diferente de todas

    as outras pinturas do corpus. Esse conjunto de dados ser designado co-

  • 8/2/2019 OS CONTEDOS DAS VISES DA AYAHUASCA

    11/44

    OS CONTEDOS DAS VISES DA AYAHUASCA 119

    mo corpus Amaringo. Note-se que a codificao das pinturas de Amarin-

    go foi feita paralelamente consulta ao texto que as acompanha em Lu-

    na e Amaringo (1993).

    Outros dados extrados da literatura antropolgica

    Durante minha pesquisa, examinei todos os relatos diretos que pude

    encontrar na literatura acerca das vises da ayahuasca. Incluo aqui dois

    conjuntos desses relatos. O primeiro, que forma o conjunto no 11 da pre-

    sente anlise, consiste em 22 narrativas de no-indgenas que consumi-

    ram ayahuasca at 1980. Esse conjunto inclui quase todos os relatos dire-

    tos dos primeiros viajantes e estudiosos. Minha impresso que esses

    primeiros relatos so bem diferentes de muitos que se publicam hoje. Pes-

    soalmente, considero-os similares, em estilo, aos dados que eu mesmo

    registrei. Em contraste, muitas narrativas mais recentes sobre as vises

    me parecem bastante embelezadas; elas tambm parecem contaminadas

    por uma familiaridade prvia com outras narrativas da literatura6. Os re-

    latos desse conjunto so os seguintes: o do funcionrio pblico equato-

    riano Villavicencio (1858); o do antroplogo Koch-Grnberg (1921); qua-

    tro relatos de pacientes das experincias do mdico Fischer Cardenas

    (1923) para sua tese de doutorado (ao que parece, o primeiro estudo cien-

    tfico a ser realizado sobre a ayahuasca); a descrio feita pelo coronel

    Morales e citada em Rouhier (1924); os relatos dos escritores Burroughs e

    Ginsberg (1963), tal como se lem nas Yage Letters (tratados separada-

    mente); o do colono-mercador Kusel (1965); quatro relatos de brancos,com data entre 1950 e meados da dcada de 70, citados por Taussig

    (1987), bem como os relatos diretos de investigadores: Reinburg (1965),

    Waisbard (1969), Rivier e Lindgren (1972), Reichel-Dolmatoff (1975), Delt-

    gen (1978/1979), Harner (1980), Taussig (1987) e Luna (a primeira expe-

    rincia de Luna com a ayahuasca, que se deu em 1980, est descrita em

    Luna e Amaringo 1993).

    O segundo conjunto extrado da literatura antropolgica consiste em

    transcries literais de relatos fornecidos individualmente por indgenas;no contexto da presente anlise, figura como conjunto no 12. notvel a

    existncia de muito poucos relatos desse tipo. A maioria das descries

    de experincias indgenas com a ayahuasca encontrada na literatura con-

    siste em narrativas resumidas que no apresentam informaes concre-

    tas nem detalhes especficos quanto ao nmero e identidade dos infor-

    mantes. Os quinze relatos desse grupo, aqui analisados, so tudo o que

  • 8/2/2019 OS CONTEDOS DAS VISES DA AYAHUASCA

    12/44

    OS CONTEDOS DAS VISES DA AYAHUASCA120

    pude encontrar. Incluem: o relato de um xam jvaro (Harner 1973c); o

    relato de Chaves (1958, citado em Harner 1973b); relatos citados em Der

    Marderosian et alii (1970), Lamb (1971) e Kensinger (1973); trs relatosde Langdon (dois em Langdon 1979b e um em Langdon 1992b); o con-

    junto de descries apresentadas em memria de Fernando Payaguaje

    (1983), xam secoya; um relato citado em Luna (1986a); a descrio da

    viagem de um aprendiz com seu mestre, recontada por G. Arvalo Vale-

    ra (1986); e quatro relatos trazidos por Taussig (1987).

    Codificao e mtodo de anlise

    Consideraes semnticas

    Para explicar o modo como esses dados foram codificados, neces-

    srio considerar algumas questes lgico-semnticas relativas catego-

    rizao. Um princpio fundamental da psicologia cognitiva que a cate-

    gorizao uma projeo humana, e no diz respeito a caractersticas in-

    trnsecas do mundo em si 7. Por via de regra, as coisas podem ser catego-

    rizadas e correspondentemente classificadas e nomeadas em dife-

    rentes nveis de especificidade; por exemplo, Dumbo , ao mesmo tem-

    po, um elefante, um mamfero e um animal. Alm disso, algumas catego-

    rias esto contidas como subconjuntos de outras (por exemplo, elefantes

    um subconjunto do conjunto mamferos, que por sua vez um subcon-

    junto do conjunto animais). Isso define uma hierarquia lgico-semntica

    em que as categorias mais gerais esto associadas aos nveis mais altos,ao passo que as categorias mais especficas esto associadas aos nveis

    mais baixos. Assim, a priori, as categorias relativas aos nveis semnticos

    mais altos tendem a prevalecer em termos de freqncia.

    Os dados foram codificados segundo 213 classificadores elementa-

    res. Esse nvel de especificidade se mostrou adequado, na medida em que

    todos os dados relatados por informantes ou mencionados na literatura es-

    to cobertos por algum classificador. Para os propsitos da anlise, os ele-

    mentos bsicos de contedo foram reunidos em 27 agrupamentos semn-ticos, relacionados a seguir: materiais pessoais e autobiogrficos8; realeza

    e figuras religiosas; mamferos; aves; rpteis; criaturas marinhas; insetos;

    animais no-naturais; criaturas e seres (isto , aqueles que no so huma-

    nos nem animais); paisagens; florestas e jardins; cidades; palcios e tem-

    plos; objetos artsticos e mgicos; objetos caseiros; veculos de transporte

    (inclusive naves espaciais); smbolos e inscries; cenas e imagens de an-

  • 8/2/2019 OS CONTEDOS DAS VISES DA AYAHUASCA

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    OS CONTEDOS DAS VISES DA AYAHUASCA 121

    tigas civilizaes; cenas e figuras histricas (ou, simplesmente: a histria);

    figuras e cenas mitolgicas (em uma palavra: mitologia); cenas espaciais e

    planetrias; cenas celestiais; cenas de criao e evoluo; seres divinos esemidivinos; encontros com o Divino; cenas de luz suprema; e morte.

    Com exceo do primeiro (materiais pessoais e autobiogrficos), to-

    dos os demais agrupamentos de codificao apresentados constituem as

    categorias semnticas bsicas da presente anlise9; por vezes, elas so

    designadas simplesmente como categorias. De um ponto de vista lgico-

    semntico, as categorias bsicas definem um nvel mdio; acima delas

    esto as supercategorias, mais amplas e gerais, e abaixo esto aqueles

    que aqui so designados como pormenores. Em outras palavras, as cate-

    gorias bsicas esto subsumidas nas supercategorias, enquanto os exem-

    plos ou casos especficos das categorias bsicas so os pormenores.

    Nos casos pertinentes, cada item relatado foi codificado sob todos os

    classificadores elementares aplicveis. Assim, por exemplo, uma coroa

    real de ouro foi codificada como um objeto, como objeto relativo realeza

    e como objeto de ouro. A codificao no foi sensvel ao nmero de vezes

    em que um item apareceu em uma mesma sesso (ou pintura, no caso de

    Amaringo). Em outras palavras, um item contado da mesma forma, quer

    tenha aparecido uma vez na sesso, quer vrias vezes em diversas vises

    durante a mesma sesso. Desse modo, os valores numricos apresenta-

    dos aqui indicam uma porcentagem do total de sesses levantadas nas

    quais os itens relativos a determinada categoria apareceram em alguma

    viso; esses valores no do a ocorrncia relativa de tais itens em qual-

    quer sesso de ayahuasca (nem, portanto, no corpus como um todo).

    Ao apresentar os resultados, darei ateno s categorias bsicas. Aapresentao dos resultados no texto vai de par com a apresentao de

    uma srie de tabelas. Em nome da conciso, os termos relativos a algu-

    mas categorias figuram, nas tabelas, em variantes mais curtas do que os

    termos empregados no texto. As freqncias relativas dos diferentes con-

    juntos de dados so apresentadas em grupos, segundo o mtodo com que

    foram coligidos. A Tabela 1 contm dados do meu corpus central. Por se-

    rem diretamente comparveis aos meus, os dados dos corpora Polari e

    Amaringo vm a seguir, na Tabela 2. A Tabela 3 apresenta os dados dostrs conjuntos baseados em questionrios estruturados. A Tabela 4 apre-

    senta os dados relativos a sesses especficas. E a Tabela 5 traz os dados

    baseados em relatos que figuram na literatura antropolgica.

    Para o meu corpus e o de Polari, as tabelas especificam aquelas ca-

    tegorias que aparecem em mais de 20% das sesses dos respectivos cor-

    pora e os pormenores que aparecem em mais de 10% deles. Para o cor-

  • 8/2/2019 OS CONTEDOS DAS VISES DA AYAHUASCA

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    OS CONTEDOS DAS VISES DA AYAHUASCA122

    pus Amaringo, as porcentagens mnimas para incluso so mais altas

    50% para as categorias e 20% para os pormenores. Isto se deve ao fato

    de as pinturas serem muito ricas em detalhes: neste caso, a aplicao deporcentagens mnimas idnticas s adotadas como critrio de incluso

    para o meu corpus e o de Polari resultaria em tabelas excessivamente

    longas (e de pouca significao estatstica). Com relao aos question-

    rios estruturados, so apresentadas as categorias (bsicas e de pormeno-

    res) que receberam resposta afirmativa de, no mnimo, 50% dos infor-

    mantes nos grupos pesquisados. Os limites de incluso dos corpora (meu,

    de Polari e de Amaringo) so mais baixos que os das entrevistas estrutu-

    radas; isto se deve ao fato de que estas indagam da experincia total ou

    acumulada, enquanto aqueles esto baseados em relatos propriamente

    ditos a respeito de um conjunto de sesses. Quanto ao conjunto das ses-

    ses especficas, o limite de incluso para as categorias e para os porme-

    nores foi de 10%.

    Note-se que as porcentagens-limite adotadas aqui foram bastante

    altas. Isto reflete o fato de os itens mais comuns nas vises da ayahuasca

    aparecerem em freqncias elevadas. Eu, por exemplo, tive vises de

    serpentes em quase um quinto das sesses com ayahuasca. Em termos

    absolutos, este um fato notvel. Para que tenha uma idia, o leitor pode

    considerar a freqncia dos elementos de contedo mais comuns em seus

    sonhos: os valores numricos relativos a estes so bem mais baixos. Con-

    forme mostrado pelo levantamento de Hall e Van de Castle (1966), a fre-

    qncia dos elementos de contedo, mesmo daqueles mais comuns, che-

    ga a meros 15%. Na verdade, esse nvel s atingido por alguns poucos

    elementos (p. ex., pais, casas, carros); em geral, as freqncias dos ele-mentos mais comuns que aparecem nos sonhos esto entre 3% e 6%.

    Alm das porcentagens, as tabelas tambm apresentam um ordena-

    mento hierrquico das diferentes categorias dentro de cada conjunto de

    dados. Ao contrrio das porcentagens, o ordenamento permite compara-

    es entre conjuntos.

    Na maioria dos casos, no faz sentido examinar os valores relati-

    vos s supercategorias: eles so altos por definio, pois refletem o nvel

    semntico das categorias, e no os achados empricos per se. Alm disso,de modo geral, a informao pertinente no que concerne a esses valores

    est indicada pelas porcentagens associadas s categorias bsicas sub-

    sumidas por elas. Por outro lado, so especialmente instrutivos aqueles

    casos em que baixa a freqncia associada a uma supercategoria. Ob-

    viamente, os pormenores que apresentam alta freqncia tambm so

    significativos.

  • 8/2/2019 OS CONTEDOS DAS VISES DA AYAHUASCA

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    OS CONTEDOS DAS VISES DA AYAHUASCA 123

    Tabela 1

    Corpus central (Conj. no 1) (n=67) %

    Supercategorias

    Seres humanos 52,24

    Animais naturais 50,75

    O sobrenatural 47,76

    Arquitetura 40,30

    Objetos 37,31

    Plantas 26,87

    Biografia pessoal 11,94

    CategoriasMamferos 37,31

    Objetos artsticos e mgicos 35,82

    Aves 28,36

    Realeza e figuras religiosas 28,36

    Paisagens 26,87

    Palcios e templos 26,87

    Animais no-naturais 25,37

    Cenas celestiais 25,37

    Rpteis 23,88

    Seres divinos 23,88

    Cidades 23,88

    Veculos de transporte 22,39

    Pormenores

    Felinos 22,39

    Paisagens aquticas 19,40

    Flores 19,40

    Objetos de ouro 17,91

    Serpentes 17,91

    Procisses 16,42

    Mulheres danando 14,93Florestas 13,43

    Templos 13,43

    Seres semidivinos 13,43

    Realeza 11,94

    Cidades encantadas 11,94

    Paisagens abertas 11,94

    Palcios 11,94

    Anjos e seres difanos 10,45

    Jardins 10,45

    Objetos da realeza 10,45

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    Tabela 2

    Corpus Polari % Corpus Amaringo %

    (Conj. no 2) (n=41) (Conj. no 3) (n=45)

    Supercategorias Supercategorias

    O sobrenatural 46,34 Animais naturais 97,78

    Seres humanos 31,71 O sobrenatural 95,56

    Objetos 31,71 Seres humanos 82,22

    Arquitetura 26,83 Plantas 73,33

    Plantas 14,63 Objetos 66,67

    Animais naturais 12,20 Arquitetura 42,22

    Biografia pessoal 12,20 Biografia pessoal 0,00

    Categorias Categorias

    Seres divinos 26,83 Rpteis 91,11

    Palcios e templos 26,83 Criaturas e seres 84,44

    Criaturas e seres 24,39 Realeza e figuras 73,33

    Paisagens 21,95 religiosas

    Mamferos 71,11 Veculos de transporte 68,89

    Objetos artsticos 21,95 Aves 64,44

    e mgicos Objetos artsticos 62,22

    e mgicos

    Animais no-naturais 55,56

    Pormenores Pormenores

    Palcios 21,95 Serpentes 88,89

    Paisagens abertas 17,07 Ninfas 62,22

    Anjos e seres difanos 14,63 ETs & espaonaves 57,78

    Objetos da realeza 14,63 Realeza 53,33

    Florestas 12,20 Flores 42,22

    Civilizaes 12,20 Objetos da realeza 40,00

    pr-colombianas Quimera e seres alados 37,78

    Cidades encantadas 35,56

    Figuras religiosas 35,56

    Anjos e seres difanos 26,67

    Paisagens aquticas 26,67

    Objetos de ouro 24,44

    Florestas 24,44

    Armaria 24,44

    Guias & guardies 22,22

    Felinos 22,22

    OS CONTEDOS DAS VISES DA AYAHUASCA124

  • 8/2/2019 OS CONTEDOS DAS VISES DA AYAHUASCA

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    OS CONTEDOS DAS VISES DA AYAHUASCA 125

    Tabela 3: Questionrios Estruturados

    Independentes I % Independentes II % Afiliados %

    (Conj. no 4) (n=18) (Conj. no 5) (n=10) (Conj. no 6) (n=21)

    Supercategorias Supercategorias Supercategorias

    O sobrenatural 100,0 O sobrenatural 100,00 O sobrenatural 90,48

    Arquitetura 100,0 Seres humanos 90,00 Arquitetura 76,19

    Animais naturais 94,44 Objetos 90,00 Objetos 76,19

    Seres humanos 88,89 Animais naturais 80,00 Seres humanos 66,67

    Plantas 88,89 Plantas 80,00 Animais naturais 66,67

    Objetos 88,89 Biografia pessoal 70,00 Plantas 47,62

    Biografia pessoal 61,11 Arquitetura 50,00 Biografia pessoal 33,33

    Categorias Categorias Categorias

    Palcios e templos 100,0 Seres divinos 90,00 Palcios e templos 66,67

    Morte 94,44 Morte 80,00 Seres divinos 57,14

    Aves 88,89 Aves 70,00 Aves 52,38

    Seres divinos 88,89 Antigas civilizaes 70,00 Paisagens 52,38

    Criaturas e seres 83,33 Cenas espaciais 70,00 Antigas civilizaes 52,38

    Rpteis 83,33 Objetos artsticos 70,00 Objetos artsticos 52,38

    Florestas e jardins 77,78 e mgicos e mgicos

    Realeza e figuras 72,22 Mamferos 60,00

    religiosas Rpteis 60,00

    Paisagens 72,22 Encontros com 60,00

    Veculos 72,22 o Divino

    de transporte Realeza e figuras 60,00

    Cenas espaciais 72,22 religiosas

    Smbolos 72,22 Paisagens 60,00

    Objetos artsticos 72,22 Criaturas e seres 50,00

    e mgicos Palcios e templos 50,00

    Mamferos 66,67 Smbolos 50,00

    Antigas civilizaes 66,67

    Cenas celestiais 61,11

    Cidades 55,56Animais 50,00

    no-naturais

    Mitologia 50,00

    Histria 50,00

    Pormenores Pormenores Pormenores

    Serpentes 83,33 Felinos 60,00 Paisagens aquticas 52,38

    Anjos e seres 83,33 Serpentes 60,00 Palcios 52,38

    difanos Seres semidivinos 60,00

    Palcios 83,33 Amigos 60,00

    Florestas 72,22 e conhecidosFelinos 61,11 Flores 60,00

    Flores 61,11 Anjos e seres 50,00

    Templos 61,11 difanos

    Paisagens aquticas 55,56 Paisagens abertas 50,00

    ETs & espaonaves 55,56

    Guias e guardies 55,56

    Cenas egpcias 50,00

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    OS CONTEDOS DAS VISES DA AYAHUASCA126

    Tabela 4 (a): Por sesso

    Primeiras sesses No-indgenas % Primeiras sesses Indgenas %

    (Conj. no 7) (n=136) (Conj. no 8) (n=15)

    Supercategorias Supercategorias

    Seres humanos 33,09 Animais naturais 73,33Animais naturais 31,62 Arquitetura 60,00O sobrenatural 29,41 Plantas 40,00Objetos 22,06 O sobrenatural 33,33Plantas 20,59 Biografia pessoal 33,33Biografia pessoal 19,85 Objetos 20,00

    Arquitetura 16,18 Seres humanos 20,00Categorias Categorias

    Paisagens 17,65 Rpteis 66,67Rpteis 16,18 Paisagens 33,33Seres divinos 15,44 Cidades 33,33Antigas civilizaes 15,44 Palcios e templos 33,33Mamferos 14,71 Mamferos 26,67Morte 13,97 Aves 26,67Criaturas e seres 13,97 Seres divinos 26,67Objetos artsticos 13,24 Realeza e figuras 20,00

    e mgicos religiosasAves 11,77 Cenas celestiais 20,00Palcios e templos 11,03 Morte 20,00

    Criaturas e seres 13,33Veculos de transporte 13,33Objetos artsticos 13,33e mgicos

    Pormenores Pormenores

    Serpentes 14,71 Serpentes 60,00Amigos e conhecidos 11,03 Felinos 26,67

    Seres semidivinos 11,03 Paisagens abertas 26,67Flores 26,67Templos 26,67Anjos e seres difanos 20,00Figuras religiosas 20,00Realeza 13,33Quimera e seres alados 13,33Paisagens aquticas 13,33Cidades encantadas 13,33Barcos 13,33Procisses 13,33

    Objetos da realeza 13,33Mulheres danando 13,33

  • 8/2/2019 OS CONTEDOS DAS VISES DA AYAHUASCA

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    OS CONTEDOS DAS VISES DA AYAHUASCA 127

    Tabela 4 (b): Por sesso

    Primeiras sesses No-indgenas % Primeiras sesses Indgenas %

    (Conj. no 9) (n=136) (Conj. no 10) (n=15)

    Supercategorias Supercategorias

    Seres humanos 43,14 Seres humanos 50,00Objetos 39,22 O sobrenatural 50,00O sobrenatural 33,33 Animais naturais 40,91Animais naturais 27,45 Objetos 22,73Arquitetura 17,65 Arquitetura 18,18Biografia pessoal 9,8 Plantas 18,18

    Plantas 5,88 Biografia pessoal 9,09Categorias Categorias

    Objetos artsticos 23,53 Rpteis 27,27e mgicos Seres divinos 22,73Seres divinos 17,65 Criaturas e seres 22,73Realeza e figuras 17,65 Objetos artsticos 22,73religiosas e mgicosCriaturas e seres 15,69 Realeza e figuras 22,73Mamferos 15,69 religiosasRpteis 13,73 Paisagens 18,18

    Morte 13,73 Mamferos 18,18Encontros com 11,77 Cenas de luz 13,64o DivinoAntigas civilizaes 11,77Cenas celestiais 11,77Histria 11,77

    Pormenores Pormenores

    Serpentes 13,73 Serpentes 27,27Seres semidivinos 13,73 Seres semidivinos 22,73

    Procisses 13,64

    Figuras religiosas 13,64Flores 13,64Objetos de ouro 13,64

  • 8/2/2019 OS CONTEDOS DAS VISES DA AYAHUASCA

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    OS CONTEDOS DAS VISES DA AYAHUASCA128

    Tabela 5: A literatura antropolgica

    Relatos antropolgicos Brancos % Relatos antropolgicos %

    (Conj. no 11) (n=22) Indgenas (Conj. no 12) (n=15)

    Supercategorias Supercategorias

    Animais naturais 59,09 Animais naturais 93,33

    O sobrenatural 45,46 Objetos 80,00

    Seres humanos 40,91 O sobrenatural 80,00

    Objetos 45,46 Seres humanos 60,00

    Arquitetura 36,36 Plantas 33,33

    Plantas 36,36 Arquitetura 26,67

    Biografia pessoal 18,18 Biografia pessoal 6,67

    Categorias Categorias

    Mamferos 40,91 Criaturas e seres 73,33

    Rpteis 36,36 Rpteis 66,67

    Paisagens 36,36 Mamferos 46,67

    Objetos artsticos 31,82 Aves 46,67

    e mgicos Morte 46,67

    Cenas espaciais 27,27 Criaturas marinhas 40,00

    Criaturas e seres 22,73 Objetos artsticos 40,00

    Histria 22,73 e mgicos

    Morte 22,73 Insetos 33,33

    Encontros com o Divino 33,33

    Viagens espaciais 33,33

    Animais no-naturais 26,67

    Paisagens 26,67

    Cidades 26,67

    Mitologia 26,67

    Smbolos 26,67

    Seres divinos 20,00

    Realeza e figuras 20,00

    religiosas

    Veculos de transporte 20,00Cenas celestiais 20,00

    Pormenores Pormenores

    Serpentes 31,82 Serpentes 66,67

    Paisagens abertas 31,82 Objetos de ouro 26,87

    Felinos 22,73 Felinos 20,00

    Anjos e seres difanos 20,00

    Paisagens aquticas 20,00

    Barcos 20,00

    Procisses 20,00

    Objetos da realeza 20,00Armaria 20,00

  • 8/2/2019 OS CONTEDOS DAS VISES DA AYAHUASCA

    21/44

    OS CONTEDOS DAS VISES DA AYAHUASCA 129

    Anlise comparativa

    Para cada conjunto de dados, todas as categorias foram ordenadas se-gundo freqncia decrescente e receberam valores numricos correspon-

    dentes (em outras palavras, o nmero 1 indica a categoria mais freqen-

    te em determinado conjunto). Para que as comparaes baseadas nesse

    ordenamento sejam significativas, necessrio que as populaes envol-

    vidas no sejam muito pequenas. Obviamente, se a diferena de posio

    se resume a uma diferena de um ou dois informantes, ela no tem maior

    significado. E, certamente, um mesmo nmero de posio tem significa-

    dos bem diferentes conforme a contagem seja feita em uma populao

    grande ou pequena. luz destas consideraes, decidi excluir os dados

    relativos a sesses especficas (conjunto no 10), bem como aqueles con-

    cernentes s primeiras sesses relatadas por indgenas (conjunto no 8), e

    agrupei os trs conjuntos baseados em questionrios (nos 4, 5 e 6)10. Devi-

    do a consideraes similares sobre o tamanho da amostragem, tambm

    exclu desta anlise os conjuntos associados aos relatos presentes na lite-

    ratura antropolgica (nos 11 e 12). Resultaram seis conjuntos (meu corpus

    e os de Polari e Amaringo, dados de questionrios, primeira sesso e me-

    lhor sesso), cada um baseado em, no mnimo, quarenta sesses e/ou in-

    formantes. Os nmeros de posio relativos a esses conjuntos so apre-

    sentados na Tabela 6. Note-se que, dentro de um conjunto, possvel que

    mais de uma categoria tenha o mesmo valor de freqncia (em outras pa-

    lavras, pode haver empate entre categorias) e, por isso, vrias categorias

    podem ter o mesmo nmero de posio.

    As posies das categorias foram objeto de duas medidas compara-tivas. A primeira indica o nmero de conjuntos em que determinada ca-

    tegoria aparece entre as cinco primeiras posies o valor mximo pos-

    svel para essa medida , obviamente, igual quantidade total de con-

    juntos submetidos comparao, a saber, 6 (dentre seis conjuntos). A

    segunda medida indica a posio mdia de cada categoria no total dos

    seis conjuntos; seu mximo possvel 1. Os valores das duas medidas es-

    to nas duas colunas mais direita na Tabela 6. Para a primeira medida,

    o valor mximo obtido foi 4 (i.e., a categoria apareceu entre as cinco pri-meiras posies em quatro dos seis conjuntos comparados). As categorias

    para as quais foi obtido esse valor so: realeza e figuras religiosas; mam-

    feros; rpteis; paisagens; objetos de arte e de magia; civilizaes antigas;

    e seres divinos. Quanto segunda medida, o valor mais alto foi 4,0, e as

    seguintes categorias tiveram valores entre 4,0 e 5,0 (inclusive): objetos

    de arte e magia; mamferos; rpteis; seres divinos; e figuras religiosas e

  • 8/2/2019 OS CONTEDOS DAS VISES DA AYAHUASCA

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    Tabela 6: Freqncias e posies mdias*

    Conj. no 1 Conj. no 2 Conj. no 3 Conjs. no 4, 5, 6 Conj. no 7BS (n=67) Polari Amaringo Questionrio Primeiras

    (n=41) (n=45) (n=49) sesses (n=

    Posio Posio Posio Posio Posio

    Biografia pessoal 12 7 19 5,7 1Realeza e figuras religiosas 3 5 3 5,3 11Mamferos 1 9 4 5,7 5Aves 3 12 6 3 8Rpteis 6 10 1 4 3Criaturas marinhas 15 12 15 10 17Insetos 15 11 14 10,3 13Animais no-naturais 5 12 8 10,3 12Criaturas e seres 11 2 2 5,7 6

    Paisagens 4 3 12 4,3 2Florestas e jardins 8 7 13 6 10Cidades 6 12 10 6,7 15Palcios e templos 4 1 11 2,3 9Objetos artsticos e mgicos 2 3 7 4 7Objetos caseiros 15 11 12 10,7 16Veculos de transporte 7 10 5 7 16Smbolos 15 6 18 5,3 10Antigas civilizaes 8 4 14 4,3 4Histria 12 10 19 8,3 12Mitologia 9 12 9 9,7 16

    Cenas espaciais 10 6 16 5,3 12Cenas celestiais 5 7 17 8,3 14Criao e evoluo 13 12 19 10 16Seres divinos 6 1 13 2 4Encontros com o Divino 14 8 19 8,7 12Cenas de luz 16 9 19 10,7 14Morte 11 6 14 4,3 6

    *O sublinhado indica resultados acima do limite mnimo.

  • 8/2/2019 OS CONTEDOS DAS VISES DA AYAHUASCA

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    OS CONTEDOS DAS VISES DA AYAHUASCA 131

    de realeza. A interseo dessas duas listas abrange as categorias de figu-

    ras religiosas e de realeza; mamferos; rpteis; objetos de arte e magia, e

    seres divinos. Esta afirmao constitui um resumo conciso dos contedosmais comuns observados nas vises da ayahuasca.

    Foram feitas anlises similares sobre os pormenores das vises. A

    observao mais interessante que as serpentes so o pormenor mais

    freqente em todo o universo pesquisado. Com exceo do corpus Polari,

    esse elemento aparece entre as primeiras posies das listas de todos os

    conjuntos de dados: ele foi o primeiro em todos os conjuntos, salvo o con-

    junto no 10, no qual aparece em segundo.

    Determinadas comparaes de mo dupla so dignas de nota. A pri-

    meira concerne aos trs conjuntos de relatos detalhados fornecidos, cada

    um, por um indivduo eu, Polari e Amaringo. Em primeiro lugar, consi-

    derem-se os meus dados e os de Amaringo. Devido ao fato de as pinturas

    de Amaringo serem extremamente ricas em pormenores (muito mais ri-

    cas do que uma sesso mdia do meu corpus central), os valores-limite

    das porcentagens e dos nmeros de posio, discutidos acima, no fazem

    justia ao corpus por elas constitudo: nele, h mais categorias com altas

    freqncias do que no corpus das minhas vises; assim, no corpus Ama-

    ringo, algumas categorias que no atingem os pontos-limite at aqui con-

    siderados so, ainda assim, representadas com muita freqncia. Em fun-

    o dessas observaes, ao fazer uma comparao direta entre meus da-

    dos e os de Amaringo, abaixei os pontos-limite destes, de 50% para 25%

    (o ponto-limite dos meus dados permaneceu tal como na Tabela 1). Com

    essa mudana de critrio, nos dados relativos a Amaringo passa a haver

    quatorze categorias dentro do limite de incluso (em vez de oito, tal co-mo consta na Tabela 2). Dessas quatorze categorias, apenas trs no apa-

    recem acima do limite mnimo em meu corpus central criaturas e se-

    res; mitologia; e florestas e jardins. E, inversamente, das doze categorias

    que no meu corpus esto acima do limite mnimo para incluso, apenas

    uma, a das cenas celestiais, no aparece acima do mnimo no corpus de

    Amaringo. Penso que essa similaridade entre meu corpus e o de Amarin-

    go de fato notvel. Semelhanas entre esses dois corpora tambm so

    encontradas no nvel dos pormenores. Em ambos os conjuntos de dados,h, respectivamente, 17 e 23 pormenores que alcanaram ou ultrapassa-

    ram 10% (mais uma vez, o limite de incluso foi abaixado para os dados

    relativos a Amaringo, ajustando-o ao dos meus dados). Destes, treze eram

    comuns a ambos os conjuntos.

    Passando comparao entre o meu corpus e o de Polari, os limites

    aplicados acima (i.e., nas Tabelas 1 e 2, respectivamente) foram manti-

  • 8/2/2019 OS CONTEDOS DAS VISES DA AYAHUASCA

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    OS CONTEDOS DAS VISES DA AYAHUASCA132

    dos. Nos dados relativos a Polari, h cinco categorias acima do mnimo

    de incluso; nos meus h, como se viu, doze. Dessas cinco categorias do

    corpus Polari, apenas uma, criaturas e seres, no figura acima do limitemnimo entre meus dados; e das categorias que aparecem em meus da-

    dos acima do mnimo, oito (ou seja, dois teros) no esto acima do mni-

    mo correspondente em Polari. Claramente, esse quadro bem diferente

    daquele que se revela com a comparao entre meus dados e os de Ama-

    ringo. Tendo a atribuir tal diferena ao fato de que os dados de Polari so,

    de fato, algo discrepantes de todos os demais conjuntos examinados aqui.

    Em primeiro lugar, note-se que o conjunto de Polari , dentre todos, aque-

    le com o menor nmero de categorias acima do limite mnimo. Em segun-

    do, o conjunto de Polari o nico em que nem serpentes nem felinos fi-

    guram de modo conspcuo e so, a bem da verdade, raros nesse corpus.

    De fato, esse conjunto o nico no qual a supercategoria dos animais a

    de freqncia mais baixa. Em contraste, no corpus Polari, a categoria dos

    seres divinos vem na posio mais alta. Faz sentido atribuir tal fato ao

    contexto religioso em que Polari consumiu a ayahuasca (e, tambm, s

    notveis qualidades espirituais da sua pessoa). Sem negar esse aspecto,

    quero chamar a ateno do leitor para o fato de que os seres divinos so

    comuns em todos os conjuntos de dados examinados aqui e que na gran-

    de maioria dos casos constituem uma das categorias de mais alta posi-

    o. Assim, o contexto religioso pode certamente ter seus efeitos, mas o

    material de cunho religioso que aparece nas vises no depende absolu-

    tamente de tal contexto (tampouco, alis, de experincias prvias com a

    infuso). No que diz respeito aos pormenores, mais uma vez, os dados de

    Polari formam um leque menos extenso que os meus: encontram-se nosseus dados seis pormenores acima do limite de 10%, contra dezessete nos

    meus; desses seis, cinco so comuns aos dois subconjuntos.

    Ao analisar os dados coletados por meio de questionrios conjun-

    tos nos 4 (independentes I), 5 (independentes II) e 6 (afiliados) , verifi-

    camos, respectivamente, 20, 14 e 6 categorias acima do valor mnimo de

    incluso. A interseo dos trs subconjuntos mxima, no sentido de que

    todas as seis categorias do menor dos trs conjuntos o dos afiliados

    aparecem na interseo (em outras palavras, tambm aparecem nos doisoutros conjuntos). Outras sete categorias (perfazendo um total de treze

    em um mximo possvel de quatorze) so comuns aos dois grupos de in-

    dependentes.

    Tambm os conjuntos relativos a sesses especficas (nos 7, 8, 9 e 10)

    permitem comparaes diretas. Eles tm, respectivamente, dez, treze,

    onze e oito categorias acima do limite mnimo de incluso. A interseo

  • 8/2/2019 OS CONTEDOS DAS VISES DA AYAHUASCA

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    OS CONTEDOS DAS VISES DA AYAHUASCA 133

    dos quatro subconjuntos contm cinco categorias (isto , aproximada-

    mente metade, ou mais, do nmero de categorias em cada subconjunto):

    mamferos; rpteis; criaturas e seres; objetos de arte e mgica; seres divi-nos. Deve-se, alm disso, notar que, restritamente s melhores sesses,

    as categorias cujas freqncias esto acima do limite mnimo so: encon-

    tros com o Divino; cenas celestiais; e figuras e cenas histricas. Em outras

    palavras, as sesses caracterizadas pelos bebedores como suas melhores

    experincias tendem a incluir elementos de contedo religioso e/ou espi-

    ritual. A comparao dos quatro conjuntos no plano dos pormenores mos-

    tra que todos incluem serpentes.

    Por fim, considerem-se os dados relativos s primeiras sesses. sig-

    nificativo que, tanto para informantes indgenas quanto para no-indge-

    nas, elas revelem categorias de contedo tpicas das vises da ayahuasca

    em geral. Compreendem elementos fantasmagricos no relacionados a

    experincias especficas de vida ou ao background cultural dos informan-

    tes. Entre eles aparecem: rpteis; palcios e templos; objetos de arte e

    magia; seres divinos. tambm relativamente comum, nas primeiras ses-

    ses, a viso de pessoas conhecidas.

    Sonhos

    Alm das vises da ayahuasca, tambm examinei dois corpora de sonhos:

    33 dos meus prprios sonhos e todos os 60 sonhos mencionados emA in-

    terpretao dos sonhos (Freud 1953[1900]); destes, 25 so do prprio

    Freud e 35 foram relatados a ele por outras pessoas.A anlise dos sonhos foi realizada de maneira idntica das vises da

    ayahuasca. No entanto, os dados exigiram o acrscimo de vrias catego-

    rias: membros da famlia (distinguidos das pessoas conhecidas), aconteci-

    mentos do dia ou do dia anterior (referidos aqui como acontecimentos re-

    centes), detalhes aparentemente sem significado, como nmeros de telefo-

    ne ou certas palavras proferidas um ou dois dias antes do sonho. Tambm

    foi acrescentada a categoria de padres paradoxais, que so os padres

    que contrariam a lgica o caso paradigmtico o da pessoa que no so-nho se parece com algum mas que reconhecida como sendo outra.

    A Tabela 7 apresenta as categorias de contedo mais comuns nos

    trs conjuntos de sonhos de modo similar ao empregado para as vises

    da ayahuasca acima.

    As principais observaes valem igualmente para todos os trs con-

    juntos: a maior parte dos elementos vistos nos sonhos so seres humanos,

  • 8/2/2019 OS CONTEDOS DAS VISES DA AYAHUASCA

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    OS CONTEDOS DAS VISES DA AYAHUASCA134

    componentes da biografia pessoal e objetos. Significativamente, esse pa-

    dro oposto ao que encontramos nas vises da ayahuasca: os elemen-

    tos menos freqentes nos sonhos so alguns dos mais usuais nelas. Inver-

    samente, os elementos relativos vida pessoal do sujeito so muito co-muns nos sonhos mas relativamente infreqentes nas vises.

    especialmente interessante a comparao entre meus sonhos e mi-

    nhas vises. Praticamente no h coincidncias na distribuio dos ele-

    mentos de contedo nestas e naqueles. Com exceo da supercategoria

    dos seres humanos, os elementos da biografia pessoal so os itens mais

    usuais do contedo dos sonhos categoria de freqncia especialmente

    Tabela 7: Sonhos

    Sonhos do autor % Sonhos de Freud % Relatados por Freud %

    (n=33) (n=25) (n=35)

    Supercategorias Supercategorias Supercategorias

    Seres humanos 81,82 Seres humanos 84,00 Seres humanos 82,86

    Biografia pessoal 60,61 Biografia pessoal 72,00 Biografia pessoal 60,00

    Objetos 54,55 Objetos 68,00 Objetos 57,14

    Arquitetura 48,48 Arquitetura 56,00 Arquitetura 31,43

    Plantas 12,12 Plantas 12,00 Plantas 20,00

    Animais naturais 3,03 Animais naturais 4,00 Animais naturais 11,43

    O sobrenatural 3,03 O sobrenatural 4,00 O sobrenatural 2,86

    Categorias Categorias Categorias

    Itens 45,46 Eventos dirios 44,00 Famlia 40,00

    no-significativos Famlia 32,00 Eventos dirios 31,43

    Cidades 21,21 Padres paradoxais 28,00 Itens 25,71

    Objetos caseiros 21,21 Itens 20,00 no-significativos

    Smbolos 18,18 no-significativos Objetos caseiros 20,00

    Padres paradoxais 18,18 Objetos caseiros 20,00 Paisagens 20,00

    Objetos artsticos 12,12 Paisagens 16,00 Veculos 17,14

    e mgicos Veculos 16,00 de transporte

    Famlia 12,12 de transporte Padres paradoxais 17,14

    Cidades 16,00 Cenas de contedo 14,29

    Smbolos 16,00 sexual

    Morte 16,00

    Realeza e figuras 12,00

    religiosas

    Histria 12,00

    Objetos artsticos 12,00

    e mgicos

    Pormenores Pormenores Pormenores

    Amigos e conhecidos 54,55 Amigos e conhecidos 72,00 Amigos e conhecidos 60,00Paisagens abertas 14,29

  • 8/2/2019 OS CONTEDOS DAS VISES DA AYAHUASCA

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    OS CONTEDOS DAS VISES DA AYAHUASCA 135

    baixa, nas vises. A categoria da arquitetura comum aos meus sonhos

    e s minhas vises. Mas nas vises da ayahuasca a maioria dos elemen-

    tos dessa categoria so edifcios especiais na verdade, quase todos soou bem palcios e templos ou construes mgicas , ao passo que nos

    sonhos nenhuma das construes desse tipo. Todas as demais catego-

    rias que predominam nas minhas vises so raras ou ausentes em meus

    sonhos.

    Em suma, as vises da ayahuasca so muito diferentes dos sonhos.

    Em geral, os sonhos tm a ver com os acontecimentos e interesses da vi-

    da corrente do sujeito, enquanto as vises especialmente quando in-

    tensas tm a ver com mundos que parecem bastante estranhos s ex-

    perincias da vida ordinria. geralmente admitido o fato de que algu-

    mas pessoas tm sonhos mais intensamente fantasmagricos, e que tais

    sonhos so especialmente comuns entre os sonhos lcidos. Eu mesmo, no

    entanto, quase nunca tive sonhos assim; nem so eles os que prevalecem

    para Freud e seus informantes.

    Resumo dos resultados e viso geral

    Para obter um quadro geral dos resultados aqui relatados, resumirei al-

    guns padres mais salientes, tal como so revelados pela presente anli-

    se comparativa.

    Em primeiro lugar, notamos que algumas categorias de contedo

    aparecem em posio elevada em todos ou quase todos os conjuntos de

    dados examinados aqui. significativo que essas categorias incluam ele-mentos que no tm relao com a vida e a histria pessoal dos bebedo-

    res. Destacam-se entre eles animais de toda sorte, criaturas e seres fan-

    tasmagricos, figuras religiosas e de realeza, objetos de arte e magia, e

    seres divinos. Sublinhe-se que tais contedos tambm aparecem em re-

    latos da primeira sesso de iniciantes sem nenhum conhecimento ou con-

    tato prvio com a ayahuasca. Por vezes, h grande semelhana at mes-

    mo entre descries especficas de certos elementos de contedo, feitas

    por diferentes informantes. Alm disso, tomados em sua totalidade, oselementos de contedo mais comuns nos relatos parecem definir um qua-

    dro nico e coerente, ligado, em grande parte, ao mundo do fantstico,

    do maravilhoso e do encantado. Em linhas gerais, esse quadro aparece

    em todos os conjuntos de dados analisados aqui: ele se manifesta em re-

    latos feitos por pessoas que no se conhecem mutuamente, vm de dife-

    rentes lugares e tm diversas origens pessoais e socioculturais.

  • 8/2/2019 OS CONTEDOS DAS VISES DA AYAHUASCA

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    OS CONTEDOS DAS VISES DA AYAHUASCA136

    Destacarei alguns padres especficos. Em primeiro lugar, exceo

    do corpus Polari, elementos ligados ao mundo natural tm posio eleva-

    da em todos os conjuntos de dados encontram-se entre eles alguns doselementos mais freqentes, como serpentes, felinos e aves. Nota-se que

    elementos assim relacionados natureza so muito freqentes, inclusive

    nas vises de indivduos (como eu mesmo e a maioria dos informantes

    aqui considerados) cujo background pessoal e cultural nitidamente ur-

    bano (portanto, sem ligao com a Amaznia). Mas, ao mesmo tempo, al-

    guns dos elementos mais comuns que aparecem nos dados no perten-

    cem natureza, mas cultura: em especial os objetos de arte e magia

    (geralmente, preciosos) e vrios complexos arquitetnicos. Tais elemen-

    tos tambm se destacam muito nas pinturas de Amaringo e nos relatos

    de indgenas. No posso assegurar que essas pessoas nunca tenham vis-

    to edifcios ou retratos destes, mas com certeza bastante improvvel

    que tenham alguma vez, na vida real, visto edifcios esplendidamente

    elaborados e com suntuosos ornatos artsticos, como os que a ayahuasca

    lhes apresentou em suas vises.

    Cabe tambm um comentrio sobre aqueles elementos que so rela-

    tivamente raros nas vises. Embora alguns aspectos da experincia da

    ayahuasca possam estar relacionados biografia individual e a assuntos

    pessoais, no este o caso na maioria das vezes. Significativamente, ele-

    mentos de natureza pessoal ou autobiogrfica so comuns apenas nos

    relatos dos iniciantes, tanto indgenas quanto no-indgenas. Com a am-

    pliao da experincia, ao que parece, tal contedo torna-se cada vez me-

    nos freqente. So tambm bastante raros os objetos de uso domstico

    nas vises.Ao longo de toda a discusso precedente, focalizei as recorrncias

    transpessoais que se manifestam na distribuio de elementos de con-

    tedo singulares. No entanto, os dados levantados aqui tambm so ins-

    trutivos por definirem, na sua totalidade, o espao semntico das vises

    da ayahuasca. Esse espao abrange quatro domnios principais. O pri-

    meiro o domnio da natureza. Como foi repetidamente apontado na dis-

    cusso precedente, animais so alguns dos elementos mais comuns nas

    vises. Paisagens naturais e cenas de florestas e jardins so tambm fre-qentes. O segundo domnio o da cultura. Suas principais manifesta-

    es so as cidades majestosas, a magnificncia da realeza, os vrios pro-

    dutos da criao artstica, religio e magia. Usualmente, o que aparece

    nas vises no so contedos relativos ao meio sociocultural do prprio

    bebedor, mas sim aqueles associados a civilizaes antigas. Alm disso, a

    maioria dos objetos e artefatos, nas vises, so esplendidamente orna-

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    OS CONTEDOS DAS VISES DA AYAHUASCA 137

    mentados ou preciosos (ou ambos). Similarmente, a maior parte dos edi-

    fcios que aparecem so palcios ou templos, e entre os seres humanos

    muitos so reis e rainhas, ou figuras religiosas e pessoas de ascendnciaespiritual. O terceiro o mundo da fantasia. Compreende terras mgicas

    e encantadas e habitado por todo tipo de criatura, que no so nem se-

    res humanos nem animais (no sentido naturalstico). Como foi indicado,

    os objetos e cenas que de ordinrio aparecem nas vises no so munda-

    nos; esto com freqncia associados mitologia, aos contos de fadas e

    magia. O quarto domnio o do espiritual e do sobrenatural. As vises da

    ayahuasca muitas vezes revelam pessoa reinos celestiais. Nestes, co-

    mumente, aparecem seres divinos e semidivinos. O domnio sobrenatural

    via de regra associado a significados espirituais e metafsicos que no

    so normalmente vistos ou considerados.

    Temas

    No incio deste artigo, esclareci que elementos de contedo como os aqui

    examinados constituem apenas um aspecto do contedo das visualiza-

    es provocadas pela ayahuasca, aspecto que caracterizei como micro.

    Alm dele, h o nvel macro o dos temas. Nem todas as visualiza-

    es promovidas pela ayahuasca do margem a uma anlise temtica. A

    maioria das visualizaes que as pessoas experimentam consiste em ele-

    mentos figurativos isolados: uma pessoa ou um animal aparece diante

    delas, ou uma paisagem ou edificao so vistos de relance. Em geral,

    esses quadros singulares (no sentido cinematogrfico, do fotograma) sobreves e no comportam complexidade semntica nem desenvolvimen-

    to narrativo. Para que uma anlise macro, temtica, seja validamente

    aplicvel, as vises devem consistir em mais que tomadas fragmentrias

    (mais uma vez, emprego a linguagem cinematogrfica), elas devem con-

    sistir em cenas inteiras que tenham extenso temporal e exibam comple-

    xidade semntica. As cenas grandiosas impressionam bastante os bebe-

    dores, apresentam narrativas elaboradas e trazem mensagens a que os

    sujeitos atribuem importncia. A sensao que a experincia visionriano meramente visual, mas tambm ideacional, e por ela algum ensi-

    namento transmitido pessoa que v.

    No so todas as pessoas que tm vises caracterizveis como cenas

    grandiosas, mas aquelas que as tm relatam temas similares. H, em pri-

    meiro lugar, temas relativos pessoa individual. Eles tm a ver com a au-

    tocompreenso psicolgica (os informantes usam bastante o termo psi-

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    OS CONTEDOS DAS VISES DA AYAHUASCA138

    canaltico), com questes e decises especficas da vida pessoal e com a

    maneira de conduzi-la em geral. Em segundo lugar esto os temas con-

    cernentes vida dos seres humanos como indivduos (mas que no soespecficos a esta ou quela pessoa). Esto a compreendidos a experin-

    cia da morte e novo nascimento, insights sobre o significado geral da vi-

    da humana, moralidade e tica. Em terceiro lugar esto os temas prprios

    experincia de vida dos seres humanos na qualidade de membros de

    um grupo maior, a espcie Homo sapiens. Incluem-se a os temas do so-

    frimento humano, da histria e seu significado, do dilema humano como

    dialtica entre natureza e cultura, a natureza da mente e da conscincia

    e o lugar da existncia humana na grande estrutura do ser. Em quarto lu-

    gar est o nvel supra-humano. Compreende a mitologia, reinos no na-

    turalsticos freqentemente referidos como astrais (p. ex., experincias

    em que os cus se abrem e seres podem ser vistos), experincias em que

    o sujeito sente que encontra o Divino e experincias nas quais o papel

    central de uma luz sobrenatural. Em quinto lugar esto os temas meta-

    fsicos. Mencionem-se especialmente aqueles relacionados anima mun-

    di aquela grande substncia espiritual ou energia que a pessoa sente

    ser fonte de toda a Existncia e perme-la, sustentando tudo que h. Li-

    gados a ela esto os temas relativos natureza do Ser e o mundo das

    idias, de tipo platnico. Em sexto lugar encontram-se os temas ligados

    criao. Concernem criao do universo e s foras da natureza, ori-

    gem da vida e evoluo biolgica, assim como criao artstica (que

    humana, mas talvez divinamente inspirada). E, por ltimo, h vrios t-

    picos especficos que parecem ter importncia nas vises da ayahuasca:

    realeza, civilizaes antigas (notavelmente, o Egito e as civilizaes pr-colombianas), a floresta e a natureza da vida animal.

    Discusso terica

    As recorrncias apresentadas pelas visualizaes com a ayahuasca so

    especialmente desafiadoras ao entendimento, pois envolvem contedos

    especficos, tanto visuais quanto ideacionais. Por via de regra, universaiscognitivos dizem respeito forma e estrutura; os casos paradigmticos

    so as estruturas sintticas profundas das lnguas naturais, as operaes

    fundamentais da lgica e do raciocnio e os esquemas elementares da ca-

    tegorizao. Em contraste, as recorrncias apresentadas pela ayahuasca

    concernem ao contedo; nessa qualidade, so especialmente enigmticas.

    Poderiam serpentes e felinos, pedras preciosas e palcios serem tambm

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    OS CONTEDOS DAS VISES DA AYAHUASCA 139

    universais da mente humana? Cognitivistas contemporneos no esto

    prontos a dar resposta afirmativa a esta questo. Tampouco as atuais teo-

    rias neurofisiolgicas sobre o crebro podem dar conta dessa discusso.Como devero ser explicadas as recorrncias aqui expostas? Para

    ser inteiramente honesto, considero-as um mistrio e no procurarei ofe-

    recer uma explicao definitiva. O que farei, em vez disso, considerar

    esses achados luz de debates e quadros de pensamento da antropolo-

    gia e da psicologia.

    Consideraes antropolgicas

    Na literatura antropolgica, as visualizaes proporcionadas pela

    ayahuasca so com freqncia associadas a qualidades especficas da

    mente indgena. Assim, em sua introduo obra antropolgica de Rei-

    chel Dolmatoff, O xam e o jaguar(1975), o etnobotnico Schultes es-

    creve:

    J foi dito que a razo da importncia de cobras enormes e grandes felinos

    nas culturas nativas simplesmente que esses animais, furtivos e fortes, des-

    pertam no ndio terror e medo. Mas claro que tal explicao no se susten-

    ta diante de um exame mais profundo. Houve tentativas de explicao bio-

    qumica: que a grande freqncia de jaguares e outros felinos e de cobras

    nas descries dos estados de inebriao por caapi poderia dever-se a uma

    capacidade dos constituintes do alucingeno para induzir vises de determi-

    nados tipos de objetos. Mas no h sombra de evidncia de que exista umatal especificidade de ao. Fica-se ento prximo da certeza de que, subja-

    cente primazia do jaguar nas culturas, h experincias altamente positi-

    vas, antigas e profundamente incrustadas, que so agora parte da mente do

    aborgene (Schultes 1975:xiii).

    Argumento similar , por exemplo, apresentado por Brzzi Alves da

    Silva, para quem os efeitos da ayahuasca relatados por indgenas devem

    ser explicados pela fcil excitao da imaginao deles (1962:262).Alm disso, muito j foi dito na literatura antropolgica sobre a rela-

    o entre as visualizaes com ayahuasca e as tradies e prticas cultu-

    rais dos povos indgenas que fazem uso da infuso. Encontram-se aqui

    duas linhas de pensamento. A primeira considera os contedos das vi-

    sualizaes da ayahuasca um reflexo das crenas e vises de mundo dos

    indgenas que a consomem; proposies nesse sentido podem ser encon-

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    tradas em Reichel-Dolmatoff (1975; 1978), Langdon (1979b) e Gow (1988).

    A segunda linha de pensamento defende uma relao inversa e conside-

    ra as visualizaes, e no as crenas culturais, como primrias (ver Furst1990; Lagrou 1991; 1996; 1998).

    No h como negar que fatores ligados personalidade e ao back-

    ground sociocultural de quem bebe ayahuasca podem ter sua parte na-

    quilo que visto em estado de inebriao. Mas, sem deixar de reconhe-

    c-lo, deve-se ter em conta que muitos aspectos da experincia da aya-

    huasca so na realidade independentes de antecedentes ou condies

    pessoais e socioculturais. Observo ainda que as experincias visionrias

    dos indgenas no so todas iguais. O que se verifica entre os amerndios

    similar ao que ocorre entre ocidentais: eles no so idnticos entre si e

    tambm eles esto sujeitos a vrias injunes contextuais. Na verdade, a

    literatura antropolgica extremamente decepcionante a esse respeito:

    os ndios no tm, todos, as mesmas vises! A verdade que as pessoas

    no vem todas as mesmas coisas com a ayahuasca, e as coisas que cada

    pessoa v no so sempre as mesmas em todas as sesses de que ela par-

    ticipa isto vale para todas as pessoas, sejam indgenas ou no. Ade-

    mais, as afirmaes sobre as vises da ayahuasca e seu contedo na lite-

    ratura antropolgica no so acompanhadas de especificaes quanto ao

    nmero de informantes, freqncia do fenmeno, diferenas pessoais e

    variaes. Em particular, boa parte da prpria anlise de Reichel-Dolma-

    toff sobre os efeitos da ayahuasca est baseada nos relatos de um nico

    informante, se bem que com largos conhecimentos e experincia (ver Rei-

    chel-Dolmatoff 1971).

    Com o juzo de que as vises e a experincia (em geral) da ayahuas-ca no devem ser caracterizadas em termos especficos aos indgenas e

    sua cultura, mas sim em termos universais e cognitivos, nossa discusso

    se volta da antropologia para a psicologia.

    Consideraes psicolgicas

    Com a adoo de uma postura psicolgica, a noo que de imediatovem mente a de inconsciente. Em particular, notam-se duas espcies

    de inconsciente: o pessoal e o coletivo; paradigmaticamente, o primeiro

    associado a Freud e o segundo, a Jung. Discutirei um e outro.

    Se se adotasse uma abordagem freudiana, considerar-se-ia que a

    ayahuasca traz para o primeiro plano aquilo que de ordinrio est oculto

    nas profundezas da psique da pessoa. Assim, seria de supor que aquilo

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    que uma pessoa experimenta, por efeito da infuso, o reflexo dos seus

    prprios conflitos e preocupaes, desejos e esperanas. Empiricamente,

    esse no , em regra, o caso. Os contedos das vises da ayahuasca noretratam usualmente histrias de vida particulares dos indivduos em

    questo, nem parecem ter relao com elas seja de modo direto ou sim-

    blico. Em contraste, h muitas coisas nas experincias da ayahuasca que

    no aparentam ter ligao alguma com a personalidade e a histria de

    vida daqueles que as relatam. Esta afirmao encontra apoio suplemen-

    tar nas diferenas entre as vises da ayahuasca e os sonhos como foi

    acima apontado, quase no h coincidncias entre eles. Mais uma vez,

    os contedos dos sonhos geralmente refletem questes pessoais, mas os

    das vises da ayahuasca, no. Similarmente, objetos domsticos so fre-

    qentemente vistos em sonhos, mas no com a ayahuasca.

    Jung (1960; 1969) postulou o inconsciente coletivo luz de conside-

    raes muito similares quelas que estamos aqui discutindo no contexto

    da ayahuasca. Especificamente, ao descobrir que vrias manifestaes

    da vida psquica sonhos, vises, fantasias, padres de insanidade e

    obras culturais apresentam recorrncias de que no possvel dar con-

    ta em termos das histrias de vida dos indivduos, ele props a existncia

    de um nvel que ao mesmo tempo psicolgico e coletivo. Prima facie, a

    abordagem jungiana parece especialmente adequada para a anlise da

    experincia da ayahuasca (ver Furst 1990). No entanto, quando se exa-

    minam detalhes, a situao afigura-se diferente. Gostaria de apontar, par-

    ticularmente, trs problemas da verso jungiana. Os dois primeiros so

    gerais (isto , no so especficos ao estudo da ayahuasca) e o terceiro

    diretamente relacionado s recorrncias nas vises da ayahuasca.Em primeiro lugar, h muito menos na noo de inconsciente cole-

    tivo do que pode parecer primeira vista. Postular um inconsciente co-

    letivo equivale a dizer que h fenmenos psicolgicos que so incons-

    cientes porm no individuais. Mas note-se que isto no mais que uma

    reafirmao daqueles mesmos fenmenos que nos intrigam o termo

    inconsciente coletivo, alm de afirmar que tais fenmenos de fato exis-

    tem, nada explica. Em segundo lugar, a natureza dos arqutipos jungia-

    nos est longe de ser clara. So eles mera abstrao terica no nvel psi-colgico? So eles reflexos de estruturas biolgicas que se formaram no

    curso da evoluo da espcie? Ou talvez sejam formas de tipo platnico,

    com status ontolgico especial? Essa indeterminao talvez no seja co-

    mumente ponderada por aqueles que lem e/ou seguem Jung, mas no

    h dvida quanto a ela o prprio Jung estava plenamente consciente

    do fato. Uma leitura cuidadosa dos escritos de Jung revela que ele pes-

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    soalmente se preocupava bastante com essas questes (ver, especialmen-

    te, Jung 1969 [1954]. Alm disso, estava consciente de quo insuficiente

    era a sua verso dos arqutipos. Se estes no eram meras abstraes te-ricas, ento, como Jung explicitamente reconheceu, o prprio autor teria

    muito pouca coisa de substantivo a afirmar sobre eles. Se o nvel apro-

    priado de anlise a biologia, faz-se necessrio especificar as estruturas

    e mecanismos biolgicos em jogo e Jung tinha pleno conhecimento de

    que as cincias da vida, em seu estado de adiantamento naquela poca,

    no ofereciam condies para tanto. Mais ainda: Jung temia que a ver-

    so biolgica dos arqutipos levasse ao lamarckismo, considerado no

    cientfico por praticamente todos os bilogos. Por outro lado, se o nvel

    adequado o ontolgico, somos levados a uma infinidade de problemas

    metafsicos que desafiaram os filsofos por mais de dois milnios e que

    ainda no tiveram respostas satisfatrias.

    Conforme foi apontado, a terceira falha da formulao de Jung diz

    respeito especificamente ayahuasca. As recorrncias transpessoais en-

    contradas nas vises so muito diferentes daquelas associadas aos arqu-

    tipos jungianos. Estes podem de fato ser ligados herana comum parti-

    lhada por todos os seres humanos e que pode muito bem ter evoludo ao

    longo da histria da espcie. A Grande Me, o Velho Sbio, O Heri, O

    Eterno Jovem, O Trisckster, so papis assumidos pelas pessoas no curso

    de suas vidas ou representados por figuras famosas em todas as socieda-

    des, e assim so conhecidas por todos os membros destas. No este o

    caso das recorrncias observadas nas vises da ayahuasca. Elas no re-

    fletem papis, funes ou padres psicolgicos gerais, mas so antes con-

    tedos semnticos especficos animais, plantas, objetos, paisagens e si-milares. Contedos especficos desse tipo no podem ser reduzidos a um

    fundo comum da experincia humana e s inquietaes (Jung 1976:471;

    Green 1973:441; Moody 1975:393; Siegel 1980:440) da existncia. Portan-

    to, deles no d conta a moldura conceitual dos arqutipos jungianos11.

    At quanto sei, o nico estudioso que aborda o tpico das particula-

    ridades de contedo nas experincias visionrias Aldous Huxley (1972).

    Huxley ataca o problema de uma perspectiva, de certo modo, comple-

    mentar que foi adotada aqui. Ele no principia pela experincia visio-nria, mas termina a. A questo que levanta : por que razo seriam as

    pedras preciosas sempre consideradas como extremamente preciosas?

    Eis o tratamento que Huxley d a essa esplndida questo:

    Resulta algo muito curioso quando pensamos na seguinte questo: por que

    possvel razo os seres humanos empenharam imensas parcelas de tempo,

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    energia e dinheiro colecionando pedregulhos coloridos? No se concebe a

    nenhum valor econmico. [] Plotino, o grante filsofo neoplatnico, []

    afirm[a]: No mundo inteligvel, que o mundo das idias platnicas, tudo

    brilha; conseqentemente, a mais bela coisa de nosso mundo o fogo. Essa

    observao significativa de vrios modos. Antes de mais nada, ela [mostra]

    que uma grande estrutura metafsica, a estrutura platnica e neoplatnica,

    foi essencialmente construda sobre uma experincia quase sensria. O mun-

    do das Idias brilha, um mundo que pode ser visto; e esse curioso fato, que

    o mundo ideal pode realmente ser visto, pode ser descoberto em Plato mes-

    mo. No Fedo, Scrates fala do [] mundo que ele chama de a outra terra[:]

    n[ele] [] tudo brilha, [] as prprias pedras no caminho e nas montanhas

    tm a qualidade das pedras preciosas; e ele termina dizendo que as pedras

    preciosas de nossa terra, nossas valiosas esmeraldas, rubis, etc. no passam

    de fragmentos infinitesimais das pedras que se podem ver nessa outra terra;

    e essa outra terra, onde tudo mais brilhante e mais claro e mais real do que

    em nosso mundo, essa outra terra , diz ele, a viso que tm os afortunados,

    em sua contemplao. Eis aqui outra indicao de que uma grande idia me-

    tafsica, a Idia platnica, o sistema platnico do mundo ideal, tambm est

    baseado em um mundo da viso. uma viso dos mais afortunados em sua

    contemplao, e penso que agora comeamos a entender por que as gemas

    so preciosas: so preciosas por nos recordarem, de alguma forma, algo que

    j havia em nossos espritos. Elas nos fazem lembrar desse mundo paradsi-

    co, mais-que-real, que por vezes vislumbrado conscientemente por algu-

    mas pessoas e, creio, tenuemente entrevisto pela maioria delas, e de que ns

    todos, de algum modo obscuro, temos conhecimento em um nvel incons-

    ciente. E como disse Plotino, por causa da existncia desse outro mundo,esse outro mundo luminoso, que a coisa mais bonita na terra o fogo. []

    [Assim,] penso com bastante convico que a razo por que as pedras pre-

    ciosas so preciosas precisamente esta elas nos recordam esse outro, es-

    tranho mundo que h no fundo de nossas mentes, ao qual alguns podem ob-

    ter acesso e ao qual outros tm acesso espontneo (Huxley 1956:35-37).

    Eu diria que, mutatis mutandis, essa tambm a razo pela qual as

    pessoas tm propenso a criar obras de arte, construir palcios e tem-plos, emocionar-se com msica, e a razo pela qual tm afinidade com o

    transcendente e o religioso (para uma discusso mais extensa, ver Hux-

    ley 1956). Eu iria alm e proporia que, assim como abelhas so feitas pa-

    ra produzir mel, seres humanos so feitos para construir pirmides e fa-

    zer pinturas. Obviamente, nem todas as pessoas realizam esse potencial,

    mas no que diz respeito espcie como um todo, isso essencial em sua

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    natureza. Como a luz interior, as obras de arte so parte essencial dos

    dons intrnsecos do homo sapiens. No curso da histria humana, pessoas

    fizeram pirmides e pinturas para dar expresso quilo que est arraiga-do em seu ser e conectar-se com isto. essa tambm a razo pela qual

    templos e obras de arte predominam nas vises da ayahuasca.

    O universal e o particular

    Neste artigo, destaquei as recorrncias transpessoais nas vises da

    ayahuasca. Isto no implica que no haja variaes individuais, idiossin-

    crticas. O exemplo a seguir clarificar o ponto. Certa vez, em uma vi-

    so, apareceu-me aquilo que acreditei ser o Templo judaico que havia

    em Jerusalm at o perodo romano. Suponho que, se no soubesse do

    Templo, no teria tido aquela viso. Alm disso, no estou afirmando que

    a imagem que vi era de fato a do templo de Jerusalm, tal como