os con troles in tern os da administraÇÃo …cedec.org.br/files_pdf/oscontrolesinternos.pdf ·...
TRANSCRIPT
UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS
DEPARTAMENTO DE CIÊNCIA POLÍTICA
OS CONTROLES INTERNOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA: a e-governança e a construção de controles
no Governo do Estado de São Paulo
Oscar Adolfo Sanchez
Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação de Ciência Política, do Departamento de Ciência Política da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, para obtenção do título de Doutor em Ciência Política.
Orientadora: Professora Dra. Maria Hermínia Tavares de Almeida
São Paulo 2005
2
ÍNDICE
Introdução....................................................................................................................................04 O Problema de pesquisa.............................................................................................................06 Procedimentos.............................................................................................................................13 CAPÍTULO 1: A QUESTÃO BUROCRÁTICA..................................................................16 A burocracia e as reformas administrativas..............................................................................17 A Teoria da Escolha Pública......................................................................................................18 A Nova Gestão Pública...............................................................................................................21 O Neo-institucionalismo.............................................................................................................24 O modelo.......................................................................................................................................25 Os custos de transação................................................................................................................32 A Teoria de Agência.....................................................................................................................34 O Controle Interno e a Teoria de Agência...............................................................................37 CAPÍTULO 2: AS CONTRATAÇÕES GOVERNAMENTAIS......................................47 A Lei 8.666/93.............................................................................................................................48 Algumas observações sobre a Lei 8.666/93............................................................................54 Os controles previstos na Lei 8.666/93..................................................................................56 O impacto dos controles...........................................................................................................63 As compras em São Paulo.........................................................................................................65 CAPÍTULO 3: O CONTROLE NA SECRETARIA DA FAZENDA............................76 O Estado de São Paulo...............................................................................................................77 A Tecnologia de Comunicação e Informação........................................................................82 A intervenção...............................................................................................................................87 A nova organização.....................................................................................................................94 A relação entre informação e fatores físicos............................................................................98
3
CAPÍTULO 4: OS ARRANJOS DE CONTROLE.............................................................104 O Departamento de Controle Interno.....................................................................................104 Os sistemas...................................................................................................................................108 A falta de controle na ponta do sistema..................................................................................114 Os estudos de viabilidade para um portal de compras..........................................................116 O Portal de Compras..................................................................................................................118 A BEC e os princípios gerais da lei 8.666/93.........................................................................123 O arranjo organizacional............................................................................................................125 CAPÍTULO 5: O CONTROLE NA SECRETARIA DE GOVERNO..........................129 O portal corporativo...................................................................................................................130 O Cadastro de Serviços Terceirizados.....................................................................................133 Para além do fator financeiro....................................................................................................141 A TIC e o arranjo de controle...................................................................................................143 A questão organizacional...........................................................................................................144 CONCLUSÃO............................................................................................................................147 BIBLIOGRAFIA.......................................................................................................................161 ANEXO 1....................................................................................................................................166 ANEXO 2...................................................................................................................................168
4
OS CONTROLES INTERNOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
INTRODUÇÃO
Um dos principais desafios dos Estados Modernos é desenvolver capacidade de
resolver uma questão básica: o problema do controle exercido pelos políticos eleitos sobre a
burocracia, dada a inevitabilidade da delegação de responsabilidades dos primeiros aos segundos
(Niskanen, 1971; Przeworski, 1996).
Segundo Weber, numa democracia representativa, os políticos eleitos são detentores
de legitimidade e responsabilidade política. Cabe a eles, por meio dos partidos, a formulação de
programas políticos a serem julgados pelos eleitores. Com o advento da burocracia como forma
de dominação racional/legal, Weber percebeu o risco da burocracia estatal avançar em suas
atribuições e passar a formular políticas, dado que dispõe de conhecimento técnico necessário
para tanto. Todavia, por mais que a formulação de políticas necessite desse conhecimento
técnico, a burocracia não é apta a tomar esta ou aquela decisão, pois lhe falta legitimidade. É uma
questão de accountability política, já que os burocratas não são eleitos.
A Teoria de Agência nos mostra que o problema na relação governo/burocracia
reside na assimetria de informação, ou seja, no fato de duas partes que se relacionam não deterem
o mesmo conhecimento, colocando uma das partes - quem delega responsabilidades - em
desvantagem no relacionamento com a outra. Aproveitar essa assimetria de informação pode
levar à burocracia a buscar interesses distintos aos dos políticos eleitos. Isto é, pode haver o
falseamento das metas estabelecidas pelo poder político. E um exemplo disso é dado pela
corrupção burocrática. Neste sentido, torna-se necessário num regime democrático a construção
5
de mecanismos que tornem viável esse controle, iniciativa esta que representa um desafio para os
que determinam os objetivos de uma organização, isto é, a elite política vitoriosa eleitoralmente.
No entanto, a possibilidade dos governos de reformar os aparelhos administrativos, e
assim aumentar a eficiência e a eficácia do controle sobre os operadores dos processos
administrativos, adquiriu vitalidade na década de 1990 por causa do aparecimento de uma
ferramenta que revelou possuir um forte potencial capaz de permitir mudanças profundas na
organização interna das administrações públicas. Trata-se da nova Tecnologia de Informação e
Comunicação (TIC).
O advento dos sistemas informatizados e o avanço na tecnologia das comunicações
transformaram o cotidiano das pessoas e das organizações burocráticas por meio da massificação
do uso de computadores pessoais, da evolução dos programas que facilitam seu uso e das redes
que os interligam. Essa transformação tecnológica não afetou apenas a forma como eram
desenvolvidas as atividades individuais numa organização, mas também estendeu os limites do
que as organizações podiam fazer.
A expansão das habilidades das organizações para explorar enlaces entre atividades,
tanto dentro como fora dela, permitiu redesenhá-las, transformar sua estrutura, seu alcance e suas
práticas de trabalho na medida que começaram a capturar e veicular informações que antes não
estavam disponíveis ou eram muito caras de adquirir. Essa transformação, como não podia deixar
de ser, chegou ao setor público trazendo consigo perspectivas de mudanças. Isto é, com as novas
tecnologias, seria possível melhorar o desempenho da Administração Pública e controlar melhor
os procedimentos administrativos.
Com efeito, nos dias de hoje já é plenamente aceito que a TIC tem potencial para
deixar de ser apenas uma ferramenta de apoio e passar a ser utilizada como instrumento
6
estratégico dos governos, uma forte aliada dos administradores devido a sua crescente capacidade
de captar e concentrar a informação. Mas qual o impacto institucional que pode produzir sua utilização
intensiva nos mecanismos de controles administrativos sobre a burocracia? É objetivo deste
trabalho procurar compreender o impacto da utilização da TIC na redução do arbítrio e do poder
discricionário da burocracia. Neste sentido, busca avaliar este impacto na limitação do elemento
não previsível do exercício do poder por meio da criação de arranjos institucionais que atuem
como constrangedores da conduta dos agentes públicos.
O PROBLEMA DE PESQUISA
A preocupação com a limitação do poder não é nova na teoria política. Desde
Maquiavel a reserva quanto à solidariedade entre os homens encontra-se em diversas correntes de
pensamento. Mas, foi o federalista James Madison que melhor expressou a preocupação
republicana de como controlar os homens detentores do poder do Estado. Assim, tornou-se um
tema recorrente da Ciência Política o estudo e a compreensão desses controles. Dentro dessa
perspectiva, a seguir, mostraremos os tipos de controles sobre o poder desse Estado
democrático/representativo, de forma geral, e os controles institucionais sobre a burocracia, de
forma particular. Como este trabalho visa o estudo dos mecanismos de controle sobre a
burocracia, nos deteremos num tipo específico: o controle interno da administração pública.
Comecemos a exposição definindo alguns conceitos. De acordo com a legislação
brasileira, em um sentido amplo, governo é a resultante da interação dos três Poderes do Estado:
Executivo, Legislativo e Judiciário. Nas palavras de Hely Lopes Meirelles: “É a expressão política
do comando, da fixação de objetivos do Estado e de manutenção da ordem jurídica” (Meirelles,
7
2000, p. 59). Para a consecução dos objetivos do governo existe um conjunto de órgãos e
entidades chamados, em sentido formal, de Administração Pública.
Todas as pessoas físicas incumbidas do exercício de alguma função estatal são
chamadas de agentes públicos. Estes podem ser agentes políticos ou agentes administrativos. Os
agentes políticos são os componentes do governo nos seus primeiros escalões e atuam com plena
liberdade funcional. São as autoridades públicas supremas do governo e da Administração. Já os
agentes administrativos são todos aqueles que se vinculam ao Estado por relações profissionais,
sujeitos a hierarquia funcional.
Para o exercício de suas funções, os agentes administrativos dispõem de poder
administrativo, cujas principais características são o de ser vinculado – preso ao enunciado da lei - e
ao mesmo tempo discricionário – ou seja, pode-se fazer escolhas dentro do que permite a lei. Tais
poderes são instrumentos de trabalho, adequados à realização das tarefas administrativas. São
poderes instrumentais, diversamente dos poderes políticos. Estes são estruturais e orgânicos, porque
compõem a estrutura do Estado e integram a organização constitucional (Meirelles, 2000, p. 107).
Os poderes administrativos são extrínsecos, conferidos aos agentes por meio do
Direito Positivo. Mas os agentes administrativos dispõem também de um poder intrínseco. Por
constituírem um grupo especializado e possuir alta capacidade organizacional, os burocratas
detêm certa quantidade e qualidade de informação que os coloca em posição de vantagem em
relação aos agentes políticos. A informação, a competência técnica e o conhecimento específico
são os fundamentos desse poder, que será aqui chamado de poder burocrático.
Os controles sobre esse poder administrativo/burocrático inserem-se em um
contexto maior: o controle do poder do Estado. Institucionalmente, existem três principais
8
formas de impor limites à ação dos agentes do Estado. A primeira delas é constituída pelos
“freios sociais”.
Os “freios sociais” à ação dos agentes do Estado são constituídos pelos chamados
mecanismos de controle verticais, isto é, da sociedade em relação ao Estado. Estes mecanismos
aqui serão também chamados de controles sociais. A principal forma de controle vertical é a
dimensão eleitoral, ou seja, premiar ou punir um governante nas eleições. Essa dimensão requer a
vigência dos mecanismos que caracterizam uma Poliarquia como definida por Robert Dahl
(1997): liberdade de opinião, de associação e de imprensa, entre outros. Além disso, o controle
vertical se manifesta por meio de “ações realizadas, individualmente ou por algum tipo de ação
organizada e/ou coletiva, com referência àqueles que ocupam posições em instituições do
Estado, eleitos ou não” (O’Donnell, 1998, p. 31), isto implica a existência de diversos
mecanismos que permitam aos cidadãos tanto reivindicar demandas diversas como denunciar
certos atos dos agentes públicos.
A segunda principal forma de impor limites à ação dos agentes do Estado se dá pelos
mecanismos de limitação e controle na própria arquitetura do Estado, também chamados de
mecanismos de controle horizontais. Envolvem a existência de instituições, agências e órgãos
estatais detentores de poder, legal e de fato, de realizar ações que vão desde a supervisão de
rotina até sanções legais contra atos delituosos de seus congêneres do Estado. Este sistema não
se limita às instituições mais importantes do sistema político, como o controle mútuo entre o
Legislativo, o Executivo e o Judiciário, mas também outras instituições intermediárias. No Brasil,
as mais importantes são o Ministério Público e os Tribunais de Contas, instituições que têm alto
grau de autonomia em relação à própria organização institucional e à interpretação da tarefa de
controle (Speck, 2000, p. 23).
9
Existe um terceiro tipo de controle institucional dentro da estrutura do Estado que,
diferentemente aos mecanismos baseados nos princípios de controle vertical e horizontal, acima
citados, é subordinado ao princípio hierárquico: é o chamado controle administrativo. Esse controle é
definido por Hely Meirelles da seguinte forma:
“É todo aquele [controle] que o Executivo e os órgãos de administração dos
demais Poderes exercem sobre suas próprias atividades, visando mantê-las dentro da lei,
segundo as necessidades do serviço e as exigências técnicas e econômicas de sua realização,
pelo que é um controle de legalidade e de mérito”. (Meirelles, 2000, p. 614, itálico no original).
Roberto Piscitelli (1995, p. 74) nos esclarece de que forma se daria esse controle da
legalidade e de mérito. Segundo o autor são quatro os principais objetivos dos mecanismos de
controle interno: a) a revisão e/ou verificação das operações sob os aspectos eminentemente
contábeis, formais e legais; b) a eficiência, que concerne aos meios empregados, aos recursos
utilizados para a consecução dos objetivos; c) a eficácia, a verificação do produto, dos programas,
dos fins perseguidos; d) a avaliação dos resultados1.
De outra perspectiva, esse controle pode ser compreendido, por um lado, como
aquele que tenta garantir que a administração realize uma determinada atividade corretamente e,
por outro, que logre determinados resultados. A idéia subjacente à primeira concepção de
controle é impedir comportamentos indesejáveis. É uma concepção negativa, ou seja, uma visão
punitiva de controle. O sentido negativo se expressa na medida em que se apresenta como
sinônimo de fiscalizar, supervisionar, exercer uma ação de controle sobre pessoas. Já a segunda
1 Entendemos eficiência como o logro do objetivo ao menor custo possível. Refere-se ao melhor uso dos recursos da organização, de forma a obter seu produto ou serviço. Entendemos eficácia como a capacidade de tornar concretas as metas programadas. Ou seja, tem como ponto de partida os objetivos programados e os associa diretamente aos resultados concretos.
10
concepção considera o controle em seu aspecto positivo, ou seja, como a capacidade de fazer
com que as ações de governo alcance os fins perseguidos.
Segundo argumenta Meirelles:
“o controle administrativo deriva do poder/dever de autotulela que a
Administração tem sobre seus próprios atos e agentes. Esse controle é normalmente
exercido pelos órgãos superiores sobre os inferiores [...] pelo quê se caracteriza como
controle interno, pois o externo é sempre atribuído a órgão estranho ao Executivo” (idem,
pg.: 615, itálico meu).
Desta forma, chegamos a definição de controle interno dada por Meirelles:
“[é] todo o [controle] realizado pela entidade ou órgão responsável pela
atividade no âmbito da própria administração. Assim qualquer controle efetuado pelo
Executivo sobre seus serviços ou agentes é considerado interno, como interno será
também o controle do Legislativo ou Judiciário por seus órgão de administração, sobre seu
pessoal e os atos administrativos que pratique” (idem, p. 612).
Como podemos perceber, Meireles define o controle interno e o controle administrativo
praticamente da mesma forma. O que é necessário enfatizar para o interesse deste trabalho são as
duas principais características do controle interno. A primeira diz respeito ao fato de ser o controle
interno um tipo de autocontrole, pois é exercido pelos diferentes Poderes ou agências sobre seus
próprios atos e agentes. E em segundo lugar, que este tipo de controle responde ao principio
hierárquico.
As características acima citadas levantam um aspecto importante que escapa à
discussão puramente administrativa, pois trata da diferenciação do tipo de responsabilidade que os
11
agentes detêm dentro da estrutura hierárquica da Administração Pública. Sobre isto Meirelles
argumenta:
“A submissão hierárquica retira do inferior a atuação política, isto é, despe o
subordinado da ação de comando, permitindo-lhe tão-somente agir no estrito âmbito de
suas atribuições específicas. Ao chefe do órgão executivo é que incumbe tomar as
resoluções políticas, no sentido da escolha do objeto, dos meios e da oportunidade mais
conveniente à consecução dos fins governamentais” (Meirelles, 2000, pg. 113).
Já Weber (1979), em seus estudos sobre burocracia, estabelecia uma distinção nítida
entre o pessoal administrativo e o grupo que o emprega. O primeiro é identificado por algumas
características comuns básicas que são, ademais da hierarquia, a continuidade, a impessoalidade e
a competência. O corpo diretivo, por sua vez, é geralmente eleito ou nomeado por agentes eleitos
e tem como função formular de forma ampla a política e as diretrizes da organização e prover os
fundos necessários. Sua responsabilidade é exterior à organização. Os membros da
burocracia, pelo contrário, são responsáveis perante o corpo diretivo pela execução da sua
política e pela administração de seus fundos. Como assinala Beetham (1988, p. 26): “Embora esta
diferenciação possa por vezes ser confusa na prática, é vital em princípio”. Isto significa que
embora todo agente público tenha responsabilidade administrativa, apenas a cúpula de uma
organização pública tem responsabilidade política.
Desta forma, pode-se compreender o controle interno da Administração Pública, em
última análise, como o controle que deve exercer a cúpula dirigente sobre a organização
burocrática. Embora este controle se opera através de delegação de responsabilidades a um setor
(ou grupo de setores) encarregados de garantir que a administração realize suas atividades
corretamente e alcance os resultados previstos, é a cúpula dirigente que deve responder pelo
12
conjunto da organização aos controles horizontais e aos controles sociais. Daí sua responsabilidade
por estes controles.
A literatura existente sobre os controles internos no Brasil, nas áreas de Direito
Administrativo e Administração Pública, aponta que tais controles historicamente atenderam
apenas ao primeiro dos itens citados por Piscitelli, isto é, que são controles essencialmente
formalistas: apenas verificam se os gastos são feitos de acordo com o processo contábil e legal
correspondente2. Ademais, embora a Ciência Política tradicionalmente se dedique ao estudo dos
controles sobre o poder do Estado, a literatura produzida por ela sobre controles internos é
praticamente nula. Existem dois problemas que levam a essa carência de interesse. Em primeiro
lugar, porque são entendidos como um problema administrativo, e não político. E em segundo,
refere-se ao fato de ser os controles internos um tipo de autocontrole. Daí seu descrédito. Assim, o
interesse da Ciência Política voltou-se preferencialmente sobre controles sociais e sobre os controle
horizontais do tipo cheks and balances.
No entanto, a fragilidade desses controles não pode ser creditada apenas à falta de
vontade das cúpulas dirigentes. É necessário levarmos em conta as dificuldades de se
implementar reformas que levem a um aumento do poder de controle derivados do problema
quase insolúvel da assimetria de informação entre controlador e controlado. Ou seja, entre
“querer” controlar e “poder” controlar existe uma diferença nítida.
O ponto a se destacar é que o controle sobre a burocracia estatal não é um fato dado.
A fragilidade dos controles sobre a burocracia no Brasil foi tida (e em grande medida ainda é)
como uma das causas da dificuldade do Estado em modernizar-se o que, conseqüentemente, gera
2 Ver: Cretella Júnior (1985); Campos (1990); D’Auria (1996); Reis Ribeiro (1997); Soboll (1998); Citadini (1998) e Sanchez (2003).
13
enorme dificuldades para o controle social sobre o Estado3. Em síntese, a construção de
mecanismos que tornem viável esse tipo de controle representou sempre um problema para a
elite vitoriosa eleitoralmente, possuidora de legitimidade e responsabilidade política.
Levando em conta esse problema, voltemos à pergunta inicial: qual o impacto
institucional que pode produzir a utilização intensiva da TIC nos mecanismos de controles no
que se refere ao controle sobre a burocracia? A hipótese geral que norteia o trabalho é que o uso
intensivo da TIC permite a criação de arranjos administrativos de controle de baixo custo que
minimizam a assimetria de informação entre a cúpula dirigente e a burocracia. O objetivo é
compreender e avaliar sob qual forma e sob quais circunstâncias a tecnologia permite a construção
de arranjos de controle interno mais eficientes, no sentido da criação de instrumentos que atuem,
com certo grau de estabilidade, como guias da conduta dos agentes públicos.
PROCEDIMENTOS
Este trabalho está organizado da seguinte forma: em primeiro lugar argumentamos
sobre a importância da utilização do individualismo metodológico para o estudo dos controles no
âmbito da Administração Pública. Essa é uma opção metodológica, portanto, o primeiro passo
será estabelecer o modelo comportamental adotado no trabalho.
Em seguida, estabelecemos o problema dos controles sobre a burocracia como
conseqüência de uma das principais características do poder burocrático, qual seja, do controle da
informação. Neste sentido, as instituições serão consideradas fundamentais para a definição das
estratégias dos atores, pois representam constrangimentos às suas escolhas. Isto é, através de
3 Existe uma extensa literatura sobre este assunto, entre outros: Kliksberg (1984); Lima Junior, (1998); Martins (1999); Crozier (1998); Oszlak (1998 e 1999) e Prats (1995); Resende (2002).
14
arranjos institucionais específicos seria possível minimizar o problema derivado da assimetria de
informação presente nas relações entre o governo e a burocracia.
Utilizamos a Teoria de Agência, uma das vertentes da Nova Economia Institucional
voltadas para o estudo das organizações, como ferramenta analítica para entender o problema do
controle sobre a burocracia. O tratamento do problema a partir dos conceitos desenvolvidos pela
Teoria da Agência nos permitirá avançar no entendimento dos parâmetros necessários à
organização de um sistema de Controle Interno. Desenvolvida essa questão, introduzimos a
variável independente: o uso intensivo da Tecnologia de Informação e Comunicação na
Administração Pública. O que se procura é entender em que medida a TIC favorece a
implementação de controles sobre a burocracia, tendo como base o modelo elaborado.
A seguir, apresentamos Estudo de Caso dedicado a entender o impacto da TIC no
processo de construção de arranjos institucionais de controle. Descreveremos a reforma
administrativa implementada pelo Governo do Estado de São Paulo entre 1995 e 2003, voltada,
entre outros aspectos, ao fortalecimento dos controles sobre a Administração Pública.
Finalmente, serão analisadas as condições que permitem a construção de arranjos de
controle interno e a interconexão destes controles com os controles democráticos do Estado e a
transparência administrativa.
O trabalho está dividido em cinco capítulos. No capítulo 1 será desenvolvido o
modelo comportamental utilizado no trabalho. A seguir, descreveremos a Teoria da Agência e
um dos casos emblemáticos em que nos defrontamos, no âmbito do sistema político, com os
problemas levantados pela teoria, isto é, nas relações entre governo e burocracia. A intenção do
Capítulo 2 é entender as dificuldades de controle num contexto de baixa racionalidade
administrativa. Enfocaremos uma questão específica: o controle sobre as contratações
15
governamentais através de um estudo de caso sobre o processo de compras na Secretaria da
Fazenda do Governo do Estado de São Paulo. No Capítulo 3, será mostrado, em primeiro lugar,
o contexto que levou a implementação de políticas públicas visando o uso intensivo de sistemas
de informação pelo governo Mário Covas, em 1995. E em segundo lugar, e tendo como foco a
situação descrita no capítulo anterior, mostrar como determinada forma de introdução dos
referidos instrumentos informacionais permitiu minimizar em alguns aspectos importantes a
assimetria de informação entre o governo e a burocracia. No Capítulo 4 será dada seqüência às
reformas administrativas da Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo iniciada no capítulo
anterior. A intenção é entender como os instrumentos de informação permitiram uma evolução
do sistema de controles. O Capítulo 5 será analisado outro estudo de caso. Trata-se da
implementação de sistemas de controle baseados na Tecnologia da Informação e Comunicação
na Secretaria de Governo do Estado de São Paulo. A ênfase será dada em entender o impacto
desses controles nas contratações governamentais. Finalmente, na Conclusão, serão destacados
os aspectos mais importantes do trabalho.
16
CAPÍTULO 1
A QUESTÃO BUROCRÁTICA E OS CONTROLES INTERNOS
Em virtude da crescente complexidade das estruturas estatais e da diminuição da
eficiência da administração pública, a partir da crise fiscal dos Estados Nacionais da década de
1970, diversas correntes de pensamento propuseram reformas administrativas que de uma
maneira ou de outra incidiam sobre o problema do controle sobre a burocracia. Analisaremos
duas das mais importantes: a Teoria da Pública (Public Choice) e a Nova Gestão Pública (New Public
Management). No entanto, nos deteremos numa terceira: as propostas derivadas do neo-
institucionalismo econômico, cujas ferramentas analíticas, principalmente a Teoria de Agência,
serão de especial importância para o andamento do trabalho.
A Teoria de Agência é um importante instrumento para entender as relações
contratuais delegativas, onde incentivos e controles são fundamentais, caso típico das burocracias
públicas. Originária da microeconomia, tal teoria tem como fundamento um determinado
modelo comportamental dos agentes que precisa ser bem definido para não perder poder
analítico. Portanto, a seguir, definiremos a o modelo que será utilizado no trabalho e que ajudará
a entender melhor os fundamentos da Teoria da Agência.
Em seguida, descreveremos a Teoria da Agência e um dos casos emblemáticos em
que nos defrontamos, no âmbito do sistema administrativo estatal, com os problemas levantados
pela teoria, isto é, nas relações entre governo e burocracia. Isto nos levará à apresentação dos
parâmetros necessários à organização de um sistema de Controle Interno.
17
A BUROCRACIA E AS REFORMAS ADMINISTRATIVAS
A administração pública burocrática foi inicialmente adotada no final do século XIX
por alguns países de Europa em substituição a administração patrimonialista, sistema característico
das monarquias absolutas. Com a emergência do capitalismo, tornou-se necessário desenvolver um
tipo de administração que contemplasse uma distinção clara entre o público e o privado. Começa
assim a tomar forma a administração burocrática moderna, baseada na estrutura piramidal de
poder, no princípio hierárquico de comando, nas rotinas rígidas, no controle dos processos
administrativos e com administradores profissionais especialmente recrutados, que respondiam aos
políticos.
A ascensão dessa forma de organização foi estudada e compreendida por diversos
autores, principalmente por Max Weber, autor que reconheceu a inevitabilidade do modelo de
organização burocrático. Em sua perspectiva, a modernização social implicava no aparecimento
de instituições fortes, baseadas na centralização, na disciplina normativa e no caráter impessoal da
ação dos membros, condições estas que só o tipo de organização burocrática poderia oferecer
(Bendix, 1986, p.25).
No entanto, embora Weber tenha estudado a organização burocrática (seus atributos
morfológicos) sua principal preocupação foi quanto ao advento do fenômeno burocrático
(burocracia enquanto forma de dominação racional/legal), pois a burocracia estatal constituiu-se
num tipo de poder derivado principalmente da concentração da informação e da capacidade
organizacional. Por este motivo, apesar de considerar a burocracia uma forma de organização
adequada às necessidades advindas da modernização capitalista, Weber atentou para a
necessidade de controlar esse poder. O surgimento do Estado burocrático, para o autor, poderia
levar a uma renúncia das responsabilidades por parte da liderança política e a usurpação das
18
funções políticas pelos administradores, ameaçando a legitimidade do Estado democrático
(Weber, 1979).
O modelo de organização burocrática respondeu com bastante eficácia as demandas
administrativas do período anterior a Segunda Guerra Mundial, dada a relativa baixa
complexidade das administrações públicas. No entanto, esse contexto mudou no período
imediatamente posterior à Segunda Guerra. Sob o predomínio do paradigma keynesiano de
Estado, caracterizado por um rápido crescimento econômico, as estruturas estatais começam a
adquirir uma maior complexidade dos sistemas administrativos e um crescimento das burocracias
estatais. Uma das conseqüências desse processo de mudanças foi a ampliação do grau de
autonomia das organizações públicas sem a correspondente regulação política.
O problema do controle sobre a burocracia tornou-se crucial, principalmente a partir
da década de 1970, com a chamada Crise Estrutural (Evans, 1993, p.108/9) que atingiu de
maneira particularmente intensa os Estados de modelo keynesiano, tanto os de Bem-Estar Social
quanto os desenvolvimentistas. A constante demanda em quantidade e diversidade de tarefas
levou ao crescimento horizontal e vertical das burocracias, criando pirâmides administrativas que
tornaram por enfraquecer os clássicos mecanismos de controle e coordenação. Esse contexto
histórico possibilitou a emergência de diversas escolas de pensamento preocupadas em dar
respostas a esses problemas. Entre elas, a Teoria da Escolha Pública, a Nova Gestão Pública e
diversas correntes neo-institucionalistas. Comecemos por entender a primeira.
A TEORIA DA ESCOLHA PÚBLICA
Visto em um contexto geral, para as correntes liberais o diagnóstico da crise do Fiscal
do Estado estava fundamentado nas máximas da teoria liberal do século XIX, ou seja, estruturas
19
estatais grandes e governos intervencionistas são prejudiciais à dinâmica natural do mercado.
Neste sentido, a crise do Estado era vista como uma crise de gestão do modelo burocrático-
keynesiano. Como conseqüência, argumentam a necessidade de diminuir o Estado até alcançar
um mínimo de intervenção como forma de se obter uma eficiência alocativa superior. Em outras
palavras, trata-se da defesa de um Estado capaz de abrir espaço ao livre mercado limitando a
intervenção governamental ao mínimo possível. Por esse motivo, as correntes liberais acabaram
por colocar em evidência o problema da eficiência burocrática estatal e as suas conseqüências
para a crise do Estado.
Entre as correntes liberais, destaque-se a abordagem da Teoria da Escolha Pública,
que teve como fundadores pesquisadores que faziam parte da chamada Escola de Virginia, da
qual James Buchanan é o principal expoente. Nesta linha, na qual se incluem autores como
Niskanen, Ostrom e Tullock, é utilizado o instrumental econômico (principalmente os conceitos
de utilidade e de eficiência) para analisar as questões relacionadas ao Estado e à burocracia
pública. O trabalho de Anthony Downs (1967) foi marcante na consolidação do tema na escola
da Escolha Pública, reforçando a tese de que os burocratas agem de forma racional, motivados
por seus próprios interesses. Voltaremos a este assunto mais adiante. Por enquanto, tentemos
entender brevemente a crítica desta teoria à burocracia pública.
Devemos destacar que os economistas clássicos deram especial atenção aos
problemas do Estado e as instituições em geral, como podemos conferir na obra fundadora A
Riqueza das Nações, de Adam Smith. No entanto, essa tradição foi em larga medida suprimida com
o advento dos economistas neoclássicos, que ignoraram o Estado, ou consideravam-no como um
elemento neutro. A Teoria da Escolha Pública resgatou a tradição clássica ao tentar construir
uma teoria econômica do processo político.
20
Buchanan enfatiza que as intervenções do Estado visando corrigir “falhas de
mercado” geram necessariamente “falhas de governo” que são o resultado do comportamento
auto-interessado dos agentes públicos (Buchanan, 1975, P. 160). Ou seja, a constante expansão
das funções do Estado em conseqüência do modelo keynesiano, invariavelmente aumenta a
autonomia burocrática, pois, por causa dessa expansão, perde-se a capacidade de coordenação e
controle vindo de cima (do governo). Como as burocracias detêm o monopólio do conhecimento
sobre as atividades que realizam, graças ao poder discricionário, podem interpretar as regras de
acordo com seus interesses ou criar novas, abrindo constantemente novas oportunidades para a
obtenção de rendas. Em conseqüência, quanto maior a autonomia burocrática, maiores serão as
oportunidades de escolhas públicas não ideais (Tullock, 1977, P. 102).
Para a Teoria da Escolha Pública, um governo democrático é condicionado
permanentemente pela accountability eleitoral. Assim, a busca de maior eficácia na execução de
políticas públicas para responder a essa accountability, requer de um novo modelo organizacional
fundamentado, no plano macro-organizacional, na adequação do equipamento administrativo do
Estado às finalidades mínimas do Estado de Direito. E no plano micro-organizacional, reduzindo
a utilidade das organizações públicas às finalidades do mercado e enfocando a questão
burocrática a partir da óptica da rigidez das orientações político-partidarias.
Existe nas teorias liberais a crença fatalista na impossibilidade de que os sistemas
burocráticos possam tornar-se capazes de promover a vontade política. Essa visão da
inexorabilidade da ineficiência burocrática leva ao entendimento de que a burocracia opera
sempre produzindo uma quantidade de serviços menor do que a esperada, não importando o
sistema de incentivos a que está submetida.
21
A NOVA GESTÃO PÚBLICA
Outra importante escola que tentou oferecer novas respostas aos problemas da
administração weberiana apareceu na década de 1980. Originaria de grupos adeptos do
gerencialismo empresarial vinculados ao setor público, principalmente em países anglo-saxônicos,
para esta corrente, que receberia diferentes nomes, entre eles, a Nova Gestão Pública, a
concorrência global, a integração das comunicações e a economia centrada na tecnologia seriam
incompatíveis com a burocracia weberiana, pois o modus operandis desta afetaria o bom
desenvolvimento da economia privada e a competitividade internacional das empresas (Hughes,
1998, p. 35). Portanto, a Nova Gestão Pública apresentou-se como uma alternativa ao modelo
burocrático ortodoxo, prescrevendo, em ampla e irrestrita escala, métodos e técnicas de
administração de empresas para a administração pública4.
A corrente tem um caráter estratégico: é orientado por resultados. A base da Nova
Gestão Pública o constitui a satisfação do “cliente”, portanto, propõe uma administração pública
focalizada no cliente/cidadão por meio do uso ativo de uma burocracia reformulada. Isto
significa que os funcionários públicos são investidos de alto poder discricionário para tomar
decisões e encorajados a desenvolver abordagens novas e inovadoras para solucionar problemas,
assim como ocorre nas empresas privadas.
Os princípios que regem a estratégia de ação da Nova Gestão Pública são os de
descentralização, desregulação e delegação. A descentralização significa delegar responsabilidades
aos níveis inferiores das estruturas burocráticas que são dirigidas de forma centralizada pelas
hierarquias das organizações. A desregulação significa romper com as normas e procedimentos
próprios das burocracias weberiana, e impor esquemas organizacionais orientados à gestão por
22
resultados, flexibilizando os controles burocráticos. Finalmente, a delegação significa outorgar a
definição e o desenho de políticas públicas, ou seja, objetivos e metas, a funcionários executivos,
separando estas tarefas das tarefas operativas rotineiras, cuja responsabilidade corresponderiam
aos funcionários de linha (Bresser Pereira, 1996, p. 25/28).
Diversos autores que estudaram a Nova Gestão Pública consideram que dois
pressupostos teóricos dariam certa consistência analítica, mesmo existindo algumas tensões ou
paradoxos entre tais princípios5. O primeiro deriva de correntes do gerencialismo empresarial
(business-type managerialism) dentro do setor público. O gerencialismo, amparado nas fontes do
gerencialismo clássico, foi revitalizado com diversas obras de “gurus” da gestão empresarial, tais
como Ciampi e Hammer e Drucker e adaptadas ao setor público principalmente nas obras de
Osborne (1994 e 1998). Esse movimento permitiu criar um grupo de doutrinas de reforma
administrativa baseadas na idéia de gestão profissional para o qual se requer de um alto poder
discricionário do agente público para conseguir resultados (free to manage) e para um melhor
rendimento organizativo (Aucoin, 1997, p. 23).
O segundo deriva de correntes liberais, especialmente da Teoria da Escolha Pública,
e refere-se a necessidade de profunda desregulação e a procura de mecanismos de mercado, onde
é possível, ou bem à maneira de quasi-mercados, com vistas a introduzir competência entre
provedores públicos. Isto é, a de entender o mercado como principal mecanismo de controle
(Hood, 1991: 5/6).
A Nova Gestão Pública apresentou-se não apenas como uma alternativa ao modelo
burocrático tradicional, mas também como uma alternativa crítica ao modelo liberal de
4 Ver: Hood (1997), Hughes (1998), Behn (1998) e Barzelay (2002) entre outros. Na América Latina, os trabalhos mais importantes de divulgação da Nova Administração Pública foram do professor Luis Carlos Bresser Pereira. 5 Cf: Aucoin (1997); Hood (1997) e Hughes (1998).
23
administração pública porque propõe um Estado atuante. Se, como observamos, a Nova Gestão
Pública extrai da teoria da Escolha Pública certas premissas, como a diminuição da intervenção
do Estado e a desregulação, os princípios para o desenho institucional e os estilos de gestão vão
em direções opostas. Ou seja, a Teoria da Escolha Pública promove a centralização e o controle,
enquanto que a Nova Gestão Pública advoga pela descentralização e a delegação (Aucoin, 1997,
p. 18).
No paradigma da Nova Gestão Pública se atribui ao burocrata responsabilidades
relevantes, não apenas na formulação e implementação de políticas públicas, onde deverá
preocupar-se em levar em conta os diferentes interesses envolvidos e onde deve pôr a prova
competência inovadora, mas também de ordem normativo sobre os valores da intervenção
pública. Contrariamente, na Teoria da Escola Pública se restringe o poder do burocrata,
centralizando o poder em mãos do Executivo.
Para esta corrente, o controle da corrupção, por exemplo, é um desafio menor do
que a produção de resultados. Portanto, seus adeptos não estão muito preocupados em descartar
algumas salvaguardas da administração pública que ajudariam a diminuir esse fenômeno (Behn,
1998, p. 34). Na Nova Gestão Pública, a gestão operativa deve ficar livre de regras e normas, por
tanto descentralizada, em mãos de gestores operativos. Desta forma, rejeita, por ser ineficiente, o
controle formal (de processos) exercido sobre a Administração Pública tradicional e apela para
um controle de resultados. Sem dúvida que os adeptos à Nova Gestão Pública não ignoram o
problema da corrupção, mas pressupõem que os resultados esperados de um melhor
desempenho burocrático, dando maior liberdade aos agentes, serão superiores às perdas
produzidas pela corrupção e pelo aparelho montado para o controle a corrupção.
24
A principal questão a destacar para efeitos deste trabalho é que a corrente aceita que
os agentes administrativos tomem decisões políticas, fato este que se confronta com os princípios
da teoria weberiana e também com os da Teoria da Escolha Pública. Ou seja, se os servidores
não foram eleitos, o problema é saber de onde obtêm a autoridade necessária para tomar tais
decisões. Neste sentido, Robert Behn (1998, p. 39) argumenta que os adeptos da Nova Gestão
Pública “precisariam de uma nova teoria política que explique por quê e como isso será (ou
poderá ser) consistente com a accountability democrática”.
O NEO-INSTITUCIONALISMO
A partir da década de 1980, autores que aplicam instrumentos da análise econômica
para a compreensão das instituições político/administrativas, começaram a apontar diferentes
soluções aos problemas administrativos em geral e burocráticos em particular. Trata-se de
correntes chamadas neo-institucionalistas, que desenvolveram importantes instrumentos
analíticos para tratar as transações sociais em situações de mercado e em contextos
organizacionais e hierárquicos, tanto públicos como privados.
Dentre essa gama de correntes, o neo-institucionalismo econômico6 adota um
paradigma contratualista para examinar as instituições e a interação entre indivíduos (ou grupo de
indivíduos), no qual as transações são representadas como contratos entre duas partes. O
importante a enfatizar é que alguns representantes desta corrente mudam metodologicamente o
pressuposto do comportamento maximizador dos agentes da escola neoclássica e adota o
conceito de racionalidade limitada, como veremos mais adiante com maior precisão. Isto significa
que os agentes possuem informação incompleta e atuam em um ambiente de incertezas. Ou seja,
6 Ver Hall & Taylor, 2003.
25
podem ter altos custos para obter informações relevantes sobre as transações que realizam. Neste
marco, as instituições são consideradas como elementos centrais do contexto estratégico dos
atores, pois impõem os limites e definem o leque de estratégias que podem adotar quando
perseguem seus objetivos (Przeworski, 1996; Prats, 1997).
Uma importante ferramenta analítica utilizada pelo neo-institucionalismo econômico é
a Teoria de Agência. Neste trabalho, utilizamos esta teoria para entender os problemas derivados da
necessidade de controles sobre a Administração Pública. O que se procura é entender se o Estado
pode criar e fortalecer sua "capacidade institucional", entendida como a capacidade estatal de
estabelecer, garantir e fortalecer mecanismos legais e administrativos de planejamento,
coordenação, controle e coerção. Isto implica, entre outros aspectos, capacidade para elaborar
normas e procedimentos de controles eficazes que permitam coibir ações prejudiciais ao interesse
público por parte dos agentes do Estado (Costa, 1998, p. 17).
O MODELO
A Teoria de Agência é um importante instrumento para analisar os conflitos e os
processos de tomada de decisão em ambientes hierárquicos, onde existe delegação de poder por
meio de um contrato. Como já dissemos, tal teoria tem como fundamento um determinado
modelo comportamental que precisa ser bem definida para não perder poder analítico. A seguir,
será apresentado o modelo adotado neste trabalho. Ademais, tem-se como objetivo desfazer a
confusão que ocasiona o uso do homem econômico como modelo comportamental nos estudos sobre
burocracia. Partiremos do conceito de homem econômico, como elaborado pela teoria neoclássica, para
mostrar o desenvolvimento lógico do conceito que nos levará a um modelo de interpretação mais
26
adequado para o estudo de organizações hierárquicas, o chamado homem contratual, desenvolvido por
Oliver Williamson, que nos ajudará a entender melhor o problema do controle.
Observamos que a Teoria da Escolha Pública responde com uma solução
minimalista aos problemas de administração pública. No entanto, nos oferece um ferramental
que será bastante valioso para o estudo dos controles sobre o poder do Estado. Sua principal
contribuição consiste na ampliação da hipótese do comportamento econômico racional aos
políticos e burocratas. Algumas adaptações desta hipótese possibilitarão o desenvolvimento de
explicações alternativas para o problema.
Na economia neoclássica, é da maior relevância a noção de comportamento
maximizador dos agentes (homem econômico) cujo comportamento auto-interessado e a busca
incessante de lucros constituem a força motriz dos mercados. O resultado desse comportamento
utilitário dos agentes no processo de trocas, num ambiente de concorrência perfeita, seria o
equilibro do sistema econômico e a eficiência geral. Como conseqüência dessa premissa
comportamental (auto-interesse) incorporada ao processo político, surge a seguinte questão: se os
agentes atuam tanto no mercado quanto no Estado com o intuito de maximizar suas próprias
utilidades, ou seja, como homem econômico, não seria um paradoxo esperar dos agentes públicos
comportamentos altruístas ou em função do interesse público? A resposta da teoria é que não se
pode esperar que a escolha dos agentes públicos se identifique com a busca do bem comum (cf.
Buchanan, 1985).
O modelo comportamental utilizado pela Teoria da Escolha Pública é interessante
para entender o problema do controle sobre o poder do Estado. No entanto, o modelo
comportamental dos agentes utilizado nas correntes neo-insitucionalistas econômico não é
exatamente o mesmo daquele utilizado pela economia neoclássica. É necessário realizar algumas
27
adaptações ao modelo para torná-lo mais adequado para entender as relações entre agentes em
ambientes hierárquicos, como é o caso de estudos do controle sobre a burocracia.
Tentemos entender o conceito de homem econômico. O homem econômico, como formulado
pelos economistas neoclássicos, é uma construção ideal. Um conceito que descreve um agente
“perfeitamente racional e onisciente que, ao tomar uma decisão, conhece todas as alternativas de
forma que pode escolher com precisão e assim maximizar os resultados de sua decisão. Ele
conhece todos os meios que, em cada situação de fato, o levam a atingir seus objetivos”
(Fonseca, 1989, p. 160). O homem econômico é um agente dotado de preferências completas e bem
ordenadas, amplo acesso à informação e poderes de processamento de informações irrestritos.
Estas condições permitem ao agente realizar todos os cálculos necessários para escolher a ação
que satisfaz suas preferências melhor do que qualquer outra alternativa. O agente é racional, no
sentido de que ele maximiza de modo consciente uma função objetiva (Simon, 1988, p. 84).
O homem econômico na teoria econômica é visto como um modelo simplificado do
comportamento humano que permite lidar com situações onde se considera apenas a variável
econômica na determinação do comportamento. Ou seja, é uma abstração idealizada para a
análise de situações de troca em mercados competitivos onde agentes atomizados respondem aos
sinais de preço relevantes e estabelecem relações horizontais e simétricas entre si (Fonseca, 1989,
p. 162). Isto significa que o homem econômico foi criado para atuar em um ambiente preciso.
A formulação do conceito de homem econômico nesses termos nos leva a um problema
quando o assunto a tratar é o controle do poder do Estado. Observemos como Fonseca descreve
o comportamento do homem econômico:
“Os agentes buscam seu auto-interesse com total idoneidade, ou seja,
‘jogam limpo’ todo o tempo, sem violar as ‘regras do jogo’ - sem infringir a lei,
28
roubar, mentir, dissimular, trapacear ou explorar em benefício próprio ambigüidades
contratuais que surjam ao longo das transações” (Fonseca 1989, p.163).
Desta forma, por definição, esse conceito acaba por se tornar inadequado para o
estudo dos controles. Tentemos entender por quê o homem econômico “joga limpo”.
O homem econômico é uma construção formulada para um mercado ideal, e nesta
construção ideal não se leva em conta as imperfeições dos mercados reais. O dolo é função da
assimetria informacional que aparece ao incorporarmos ao modelo as imperfeições do mercado.
Ou seja, o fato de “jogar limpo” não é uma característica de “caráter” dado pela construção
analítica do homem econômico. O homem econômico “joga limpo” porque, segundo sua definição,
todos os agentes envolvidos numa transação, e que atuam num ambiente onde as relações são
horizontais e simétricas (mercado ideal) possuem informação completa. Nessa construção ideal, o dolo
é uma impossibilidade lógica. É por possuir informação completa que nas transações entre homens
econômicos “as posições iniciais se relevam de maneira franca e aberta, as declarações do estado do
mundo serão precisas, e a execução esta regida pelo juramento ou a regra [...]. Dado que não há
surpresas posteriores, pode-se argumentar que existe uma condição de busca simples do interesse
próprio” (Williamson, 1989, p. 58).
Se o dolo não é possível no modelo por conta do ambiente – o mercado ideal, onde
todos os agentes têm informação completa – a tentativa de incorporar um comportamento que
permita problematizar o controle sobre os agentes do Estado (pela incorporação ao modelo das
assimetrias de informação) traria mudanças tão grandes ao modelo que perderia sentido chamar
este agente de homem econômico. Como veremos a seguir, uma das conseqüências dessa mudança será
o estabelecimento um outro modelo, embora mantendo-se a premissa básica da busca do auto-
interesse.
29
Diferentemente do mercado ideal, os agentes no mercado real atuam muitas vezes em
ambientes hierarquizados. Este é o caso das firmas e das administrações públicas. Nos ambientes
hierárquicos, os agentes deparam-se com determinadas limitações para fazer escolhas, ou seja, não
dispõem de tempo ilimitado para tomar decisões, se defrontam com prioridades simultâneas e,
principalmente, atuam num ambiente de incertezas. Tudo isso faz com que a informação disponível
aos agentes seja incompleta (Simon, 1988, p. 95).
O problema é dado pelo fato desse ambiente levar a uma mudança em um dos
atributos mais importantes do modelo, qual seja, o da racionalidade plena. Isto é, o agente, nesse
modelo, atuaria em um ambiente de incertezas e de informação incompleta, o que limitaria sua
capacidade de enumerar todas as alternativas necessárias para realizar suas escolhas. É para se
adequar a um ambiente hierárquico que se confere ao modelo a condição de racionalidade limitada
(bounded rationality). Ou seja, é a inclusão da assimetria de informação, por meio da verticalidade das
relações neste ambiente, e que representam as imperfeições do mercado, que acaba por redefinir o
conceito de homem econômico.
A racionalidade limitada é a principal característica do homem administrativo, um conceito
desenvolvido por Herbert Simon no trabalho Administrative Behavior (1947). Simon supõe que os
agentes são intencionalmente racionais, mas apenas em forma limitada. Observe-se a referência
simultânea à racionalidade procurada e por sua vez limitada, por causa da ausência de um sistema
completo de informações. Isto significa que a capacidade do agente em colher, armazenar e
processar informações relevantes para a tomada de decisões é restringida externamente.
Segundo Simon, o comportamento real não alcança racionalidade objetiva, pelo
menos em três aspectos: (a) “A racionalidade requer um conhecimento completo e antecipado
das conseqüências resultantes de cada opção. Na prática, o conhecimento dessas conseqüências é
30
sempre fragmentário”; (b) “Considerando que essas conseqüências pertencem ao futuro, a
imaginação deve suprir a falta de experiência em atribuir-lhes valores, embora estes só possam ser
antecipados de maneira imperfeita”; e (c) “A racionalidade supõe uma opção entre todos os
possíveis comportamentos alternativos. No comportamento real, apenas uma fração de todas
estas possíveis alternativas é levada em consideração” (Simon, 1988, p. 95). Portanto, as escolhas
dos agentes serão intencionalmente racionais, mas essas escolhas poderão levar a resultados sub-
ótimos devido aos fatores acima descritos.
Em outras palavras, tratar as relações entre os agentes em ambientes hierárquicos por
meio do homem econômico com racionalidade limitada é um problema de conceituação. É conveniente
deixar isto claro, pois o fato de existir informação assimétrica traz conseqüências importantes que
desvirtua o conceito de homem econômico como construído pelos economistas neoclássicos. Isso
tem conseqüências importantes na formulação de um novo modelo.
O homem administrativo, de Simon, compartilha com o homem econômico a razão
instrumental e o comportamento auto-interessado. A diferença, basicamente, está nas condições
em que o agente toma suas decisões. A importância de estabelecer o tipo de ambiente onde os
agentes atuam não pode ser desprezada. Neste sentido, Williamson (1989) foi além de Simon ao
tirar as conseqüências lógicas do modelo derivadas desse ambiente. Segundo o autor, a ausência de
informação completa permite que os agentes busquem o auto-interesse explorando as assimetrias
de informação, ou seja, permite a inclusão no modelo do chamado comportamento oportunista. Esta
construção analítica, isto é, de um agente que persegue o auto-interesse, possuidor de uma
31
racionalidade limitada e com propensão a comportamentos oportunistas, é o que Oliver Williamson
denominou de o homem contratual7.
Williamson parte da premissa de que o homem contratual, assim como o homem econômico,
tem como objetivo final maximizar o retorno de suas ações. No entanto, a competência para lograr
essa maximização no homem contratual é limitada. Embora os dois conceitos disponham de um
sistema completo e consistente de preferências, o homem econômico tem toda a informação necessária
e, portanto, pode escolher sempre entre alternativas que possibilitariam a maximização dos seus
interesses. Não existe limite na complexidade dos cálculos que pode realizar para determinar qual
alternativa é a melhor. Diferentemente, o homem contratual tem restringida sua capacidade de colher,
armazenar e processar informações relevantes para a tomada de decisões. Consciente desta
limitação, ao invés de maximizar, como faz o homem econômico, ele se contenta em satisfazer (Simon,
1988, p. 63).
O segundo pressuposto do homem contratual é a propensão ao oportunismo. O
oportunismo se refere ao uso de informações incompletas ou distorcidas em beneficio próprio. É
um comportamento que objetiva conseguir vantagens criando ou explorando assimetrias de
informação. Este tipo de comportamento tem importantes implicações teóricas. A presença do
oportunismo como ameaça constante leva à busca de inúmeras garantias contratuais como forma
de se precaver ante a possibilidade desse tipo de comportamento. Em outras palavras, com o
homem contratual deixa de valer o pressuposto de que um sistema, político ou econômico, goza de
uma oferta ilimitada de confiabilidade pessoal (Fonseca, 1989, p. 64). Como a propensão ao
oportunismo é uma ameaça latente, deve-se criar inúmeras salvaguardas ex ante e ex post o
7 Williamson (1985. p. 57) entende o oportunismo como a busca do interesse próprio com dolo, no sentido de uma ação que prejudique a outra parte do contrato, o que não significa necessariamente quebra de contrato.
32
contrato para prevenir esse comportamento, e que tem com conseqüência o aumento dos
chamados custos de transação, conceito que veremos adiante.
Resumindo, o aspecto fundamental sob o qual é construído conceitualmente o homem
contratual é o das assimetrias de informação dadas pelo ambiente hierárquico. A presença de
informação imperfeita restringe a capacidade dos agentes agirem com racionalidade plena. E esta
condição tem duas conseqüências. A primeira é que, diferentemente do modelo do homem
econômico da economia neoclássica, que tem entre suas mais proeminente característica o de ter
como objetivo sempre maximizar seus ganhos, o homem contratual se contentará em apenas
satisfazer-se. E em segundo lugar, a assimetria de informação entre os agentes permite o
aparecimento do comportamento oportunista. E é o oportunismo que obriga a construção de
inúmeras garantias pré e pós contratuais, aumentando os custos de transação numa sociedade8.
OS CUSTOS DE TRANSAÇÃO
A partir da construção conceitual do homem contratual já é possível entender melhor a
Teoria dos Custos de Transação e a Teoria de Agência. Embora estamos trilhando o caminho
que nos leva à compreensão desta segunda teoria, faremos a seguir uma breve descrição da
primeira para enfatizar alguns conceitos.
Observamos que um dos principais efeitos da ameaça latente do comportamento
oportunista dos agentes é o aumento dos custos de transação. Utilizado desde as primeiras décadas
do século XX, o conceito de transação é essencial no estudo das instituições econômicas vistas
como redes de contratos individuais que buscam maximizar o próprio interesse. Mas foi em 1937
8 Williamson (1985: p. 73) adverte: “No intento decir que los individuos se inclinen de forma continua, o incluso, de lleno, por el oportunismo. Solo afirmo que algunos individuos son oportunistas a veces y que la confiabilidad
33
que Ronald Coase desenvolveu os princípios da teoria dos custos de transação com a publicação de
The Nature of the Firm (1937). O trabalho de Coase é centrado na análise de duas formas
organizacionais concorrentes, firma e mercado, na coordenação dos agentes econômicos. Ou
seja, estuda a organização econômica em termos institucionais comparados (Williamson, 1989, p.
23).
Segundo o artigo de Coase, as diversas formas de organização econômica respondem
à lógica de tornar mais eficientes as transações, e a magnitude dos custos associados à utilização
de um ou outro mecanismo, é determinante da forma de organização mais adequada. Para
analisar essas transações, Coase introduz o conceito de custo de transação, que pode ser entendido
como os custos associados à coleta de informações, de negociação e estabelecimento de
contratos, e os custos do controle do contrato. Coase conclui seu artigo constatando que a firma
é mais eficiente que o mercado, pois muitos dos custos de transação podem reduzir-se por meio da
internalização. Isto significa que, dentro de uma firma, as transações podem ser realizadas de forma
muito mais eficiente - com menos custos de transação - pois se espera que as partes respeitem as
regras do jogo, o controle sobre as atitudes oportunistas é mais fácil, o compromisso adquirido
pelas partes reduz a incerteza e os custos de informação para completar a transação são menores.
A corrente de pensamento que se originou da teoria dos Custos de Transação renovou
o interesse por algumas questões importantes da teoria organizacional, mas teve pouca
repercussão no período posterior à Segunda Guerra Mundial. Apenas na década de 1960, quando
diversas questões não conseguiam ser respondidas satisfatoriamente pela teoria neoclássica,
diversos autores começaram a desenvolver trabalhos importantes sobre o assunto.
diferencial es raras veces transparente ex ante. En consequencia, se hacen esfuerzos de selección ex ante y se crean salvaguardas ex post”.
34
A questão central é entender a incidência das instituições na formação dos custos de
transação. Isto é, os custos de desenhar, negociar, prever salvaguardas contratuais, assim como os
de manter mecanismos de monitoramento e controle, oneram uma transação. Esses custos serão
maiores ou menores dependendo do ambiente institucional em que ocorre a transação.
Mecanismos de controle frágeis darão lugar a uma margem maior de comportamentos
oportunistas dos agentes envolvidos. Da mesma forma acontecerá ante a existência de regras
vagas nas prevenções contratuais. Como observou Douglass North (1993, p. 53) “só se obtêm os
resultados neoclássicos de mercados eficientes quando não há custos de transação. Quando estes são
consideráveis, as instituições passam a adquirir importância”.
A TEORIA DE AGÊNCIA
Segundo a Teoria existe uma relação titular-agente quando um indivíduo, um grupo ou
uma organização, que tem um poder específico, delega, por meio de um contrato,
responsabilidades a um outro indivíduo, grupo ou organização. Neste sentido, uma organização é
uma rede diferenciada de relações específicas e hierárquicas, como por exemplo, entre proprietário
e diretor, entre diretor e gerente e entre gerente e funcionário. Nestas relações, existem contratos,
escritos ou não, rígidos ou flexíveis, que determinam a atuação de cada agente e a probabilidade
desta atuação atender a expectativa do titular, que delega responsabilidades. O problema neste tipo
de relação reside na questão da assimetria informacional, ou seja, no fato de duas partes que se
relacionam não deterem a mesma informação, colocando uma das partes - quem delega
responsabilidades, o titular - em desvantagem no relacionamento com o outro, o agente
(chamaremos a isto de o problema de delegação). É necessário observar que os problemas trazidos pela
Teoria de Agência são melhor compreendidos quando o modelo comportamental é o do homem
35
contratual, que tende a aproveitar as assimetrias de informação existente na relação titular-agente para
obter vantagens.
No caso das organizações burocráticas estatais a teoria nos permite pressupor uma
cadeia de relações titular-agente. O agente em um contrato pode ser o titular em outro contrato, pois
as organizações não existem isoladamente, mas revelam sua existência nos seus relacionamentos,
em que a organização aparece ora como titular e ora como agente. Segundo a teoria, a satisfação do
titular depende da atuação do agente, portanto, o titular deve assegurar-se de que a atuação do agente
será aquela que satisfaça seu objetivo. Como o agente pode ter comportamentos oportunistas, o
titular deverá formular um contrato com esquemas de incentivos e de controles eficientes.
Os incentivos podem abranger estímulos positivos (prêmios) ou negativos, tais como
penalidades contratuais. Os incentivos positivos são muito comuns nas relações privadas e visam
criar uma situação onde o interesse do agente seja coincidente com o do titular. Por exemplo, é
normal que vendedores sejam remunerados, além de um salário fixo, com comissão por vendas.
Assim, mesmo tendo um ganho fixo para garantir certos períodos de vendas fracas, o vendedor se
esforçará por toda venda possível, visando ganhar comissão. A comissão faz que, pelo menos em
alguns aspectos, o interesse do agente seja coincidente com o do titular.
Assim, uma relação titular/agente possui as seguintes características: (a) o agente dispõe
de vários comportamentos possíveis de serem adotados; (b) sua ação afeta o bem-estar das duas
partes; e (c) as ações do agente dificilmente são observáveis pelo titular (assimetria de informação).
A relação titular-agente pode apresentar alguns tipos de problemas, por causa da latente
propensão ao oportunismo do agente. Os principais são a seleção adversa e o risco moral. A seleção adversa
ocorre quando o esquema de incentivos de um contrato não está bem formulado, fato que pode
levar ao agente a escolher o inverso daquilo que deseja o titular. O risco moral surge dos problemas
36
subjacentes à criação dos contratos. Trata-se da possibilidade de o agente, depois de firmado o
contrato, valer-se de brechas contratuais para agir em interesse próprio, impondo um prejuízo ao
titular. Como observa Melo (1996, p. 71) “seleção adversa resulta da não observabilidade da
informação, valores e objetivos que marcam as decisões do agente. Enquanto o conceito de risco
moral resulta da não observabilidade do comportamento do agente numa situação pós contratual”.
O sucesso numa relação titular/agente deve levar em conta os seguintes aspectos: (a) A
feitura do contrato deve prever as diversas alternativas de comportamento possíveis do agente; (b)
O esquema de incentivos deve ser modelado para que o agente tenha interesse em atingir os
objetivos do titular; e (c) no caso do titular não poder observar continuamente o desempenho do
agente e/ou não saber julgá-lo, deve estabelecer um sistema seleção, de monitoramento e controle
confiável.
Existem três casos emblemáticos em que nos defrontamos com problemas de agência.
O primeiro ocorre no âmbito do sistema político, onde os políticos (agente, neste caso) recebem
uma delegação dos cidadãos (titular) para agir em seu nome. O segundo refere-se à relação entre o
Estado (titular) e empresários (agente). E o terceiro ocorre no âmbito da Administração Pública,
onde o agente representa o empregado contratado pelo governo (titular) para realizar uma tarefa
especificada (Przeworski, 1966, p: 23).
Neste trabalho daremos ênfase a problemas derivados do terceiro caso, que se refere à
relação entre governantes e burocracia, ou seja, à dificuldade dos governantes em controlar os
funcionários do Estado, possuidores da informação técnica, organizacional e de especialização.
Nesta situação os governantes podem se deparar com problemas de seleção adversa e risco moral
quando a burocracia pode utilizar determinadas informações para obter vantagens que vão contra o
interesse dos governantes.
37
Observe-se que as informações necessárias ao controle são produzidas pela própria
burocracia. Neste sentido, a burocracia pode querer ocultar informação por diversos motivos, entre
eles: (a) quando a informação for de especial valor para suas próprias carreiras; (b) quando
imaginarem que compartilhar certa informação refletirá negativamente neles ou no seu setor da
organização; (c) quando desconfiarem do uso que o destinatário fará da informação; (d) quando
acreditarem que terão custos para provar a veracidade da informação, se a compartilharem; (e)
Quando estiverem incorrendo em práticas de corrupção, entre outros motivos. Em outras
palavras, havendo delegação, o burocrata pode optar por um comportamento oportunista em
beneficio próprio e não cumprir com o acordo estabelecido. A questão fundamental, como a
levantada por Arrow (1963), quando desenvolveu os problemas derivados das “falhas do
governo”, é a relativa aos custos de obtenção de informações, questão que é crucial ao processo de
controle.
Do ponto de vista da Teoria de Agência, o problema do controle sobre a burocracia
estatal dependerá da forma de como são construídos, em cada sociedade, arranjos institucionais que
limitem e constranjam os possíveis comportamentos oportunistas dos agentes, pois são as
instituições que organizam essas relações.
O CONTROLE INTERNO E A TEORIA DE AGÊNCIA
A partir da Teoria de Agência podemos entender melhor o problema do controle
sobre a burocracia. Uma organização pública pode ser considerada como uma rede de relações
específicas e hierárquicas, onde cada funcionário é ora o titular, ora o agente, sendo a cúpula
dirigente o titular último dentro da organização. Isto porque o corpo diretivo, eleito ou nomeado
por agentes eleitos, e que tem como função formular de forma ampla a política e as diretrizes da
38
organização e prover os fundos necessários, tem responsabilidade exterior à organização. Ou seja, é
ela que deve responder pelo conjunto da organização aos controles horizontais e aos controles
sociais.
Levando em conta essa diferenciação entre a cúpula do restante da organização
burocrática, podemos entender o Controle Interno como o exercido pela cúpula da organização
(titular) sobre a burocracia (agente). Este controle, necessário para que a organização realize suas
atividades corretamente e alcance os resultados previstos, é operado através de delegação do
titular a um grupo de setores, dentro da organização, encarregados de tal finalidade.
Estabelecido o Controle Interno nesses parâmetros, a teoria nos leva a identificar três
questões básicas que precisam de resposta para estabelecer um Controle Interno eficaz, a saber:
(a) a necessidade de diminuir os custos de se obter informação; (b) a necessidade de obter ganhos
em expertise (para saber avaliar as escolhas do agente); e (c) a formulação de uma arquitetura
institucional de forma a minimizar o problema de delegação, isto é, o problema de controlar o
controlador. A seguir, serão desenvolvidas estas três questões.
Em primeiro lugar, há a necessidade imperativa de diminuir os custos de se obter
informações. No âmbito da Administração Pública, o tamanho e a complexidade de funções da
máquina estatal fazem com que este problema seja crítico. Neste sentido, argumenta Przeworski:
Os agentes dispõem de informações que os titulares não observam diretamente:
conhecem suas próprias preferências, dispõem de uma informação privilegiada sobre
suas capacidades e têm a chance de perceber alguns estados possíveis do mundo que
os titulares não podem perceber. Estes, por sua vez, podem ser capazes de observar,
sem, sem muito esforço, certos comportamentos do agente ou inferir suas ações a
39
partir do resultado ou ainda podem decidir arcar com os custos de monitorar tais
atos (Przeworski, 1996, p. 22).
Em pequenas organizações não existem muitos problemas para a observação do
comportamento dos agentes. O proprietário de uma padaria, por exemplo, pode muito bem
observar o trabalho dos seus funcionários e julgar a qualidade do seu desempenho, pois é um
especialista no ramo. Entretanto, este problema é crítico nas grandes organizações onde é difícil
observar continuamente o trabalho dos funcionários e julgar com exatidão a qualidade de seu
desempenho (avaliar todas as escolhas dos agentes). Assim, é preciso criar mecanismos
institucionais que produzam informação sobre este desempenho.
Os mecanismos de obtenção de informações para o controle do titular sobre o agente
são basicamente dois: mecanismos de patrulha de polícia e mecanismos de alarme de incêndio. O
primeiro é constituído por informações produzidas nos tradicionais controles administrativos.
Consiste na verificação do cumprimento das regras e procedimentos e o respectivo controle da
conformidade dos atos da administração. O segundo tipo de mecanismo refere-se à produção de
informação para o controle através da participação social.
Segundo Adam Przeworski (1996), os mecanismos de alarme de incêndio baseiam-se na
comparação entre as burocracias públicas e as burocracias de empresas privadas. Ambas
oferecem produtos ou serviços ao público. No caso de uma firma, é o nível das demandas dos
consumidores pelos serviços ou produtos oferecidos que irá gerar lucros ou perdas aos
proprietários. Desta forma, estes obtêm informação gratuita do público a respeito do
desempenho da empresa e podem estabelecer comparações com o desempenho de outras
empresas similares. Diferentemente, um órgão público não tem esses parâmetros de comparação,
o que dificulta aos seus dirigentes a avaliação da qualidade dos serviços prestados. Não obstante,
40
é o público que utiliza os serviços quem está melhor informado sobre seu desempenho. Assim,
os políticos eleitos (e a burocracia dirigente) poderiam se beneficiar das informações produzidas
pelo público interessado. Mas, neste caso, é necessário implementar mecanismos institucionais
que possibilitem a participação social. Em síntese, é preciso encarar os mecanismos de alarme de
incêndio como meio de produção de dados e informações a baixo custo.
Os mecanismos de patrulha de polícia são informações produzidas a partir do
acompanhamento passo a passo dos processos, isto é, através dos tradicionais controles
administrativos. Os problemas com este tipo de mecanismo derivam da complexidade de tarefas
e funções da máquina pública, que faz com as rotinas organizacionais geralmente sejam
desarticuladas e o fluxo de informação, lento.
Embora a natureza dos mecanismos administrativos que permitem a obtenção de
informações através do conceito de patrulha de polícia seja totalmente diferente dos mecanismos
que trabalham utilizando a participação pública (os alarmes de incêndio), uma característica eles têm
em comum, no que se refere à diminuição dos custos de obtenção de informação: é a utilização
da nova TIC. A TIC é um “divisor de águas” na elaboração de mecanismos de controle do tipo
patrulha de polícia. Mas também ela é um marco no que se refere a possibilidade de participação
social na tomada de decisão dos órgãos governamentais.
Um sistema de controle baseado em mecanismos de alarme de incêndio teria a
vantagem de permitir obter informações a um custo mais baixo que por meio de uma supervisão
tipo patrulha de polícia. Entretanto, mesmo levando em conta essa vantagem, a participação pública
não elimina a necessidade de controle baseado em mecanismos de patrulha de polícia, como são,
por exemplo, as informações que provêm das auditorias. Os controles baseados nessas formas de
41
obter informação não são independentes, já que a transparência e a participação social, em certa
medida, dependem de racionalidade administrativa.
Em segundo lugar, existe a necessidade de se adquirir expertise que consiste em
conhecimento tanto da técnica quanto do funcionamento da máquina administrativa.
A Administração Pública, para registro e implementação dos seus atos, controle da
conduta dos agentes e solução de controvérsias dos administrados, utiliza-se de diversos
procedimentos que recebem a denominação comum de processo administrativo. Estes processos se
materializam por meio de instruções, circulares, avisos, portarias, ordens de serviço, ofícios ou
despachos que respondem a regras que determinam o tempo, o lugar e a comunicação dos atos
desenvolvidos (Meirelles, 2000, pp. 173/5). Entender esse funcionamento (os meandros) da
máquina pública é o que chamaremos de expertise organizacional. Por outro lado, chamaremos de
expertise técnica o conhecimento extenso de uma tarefa específica, adquirido através de
treinamento, leitura e experiência. Esse conhecimento oferece os subsídios para avaliar as
escolhas do agente, comparar e decidir. É com conhecimento institucionalizado que se obtêm a
expertise técnica que permite a possibilidade de transformar o conhecimento encontrado em
grupos ou indivíduos em rotinas organizativas e em normatização de procedimentos.
Por exemplo, observemos o caso das Agências Regulatórias de Saúde Pública. A
importância em se diminuir a assimetria de informação e o conhecimento técnico está dada pelo
conflito de interesses entre o setor regulado e os consumidores. Afinal, como saber qual o tempo
médio ótimo de liberação de novas drogas, por exemplo, de forma que beneficie ao consumidor?
Uma rapidez excessiva pode ser prejudicial ao consumidor mas beneficiar o setor controlado. Já
uma demora excessiva prejudicaria tanto o setor controlado quanto os consumidores. Neste
exemplo citado, como garantir que o tempo médio seja o tempo justo e não o tempo da
42
burocracia? Para se chegar ao problema da expertise técnica (conhecedora do prazo necessário) é
necessário resolver, antes, os problemas dos custos de obter informações, de expertise organizacional
e, principalmente, a obtenção de conhecimento.
Nesse sentido, o caminho para a obtenção de expertise é o desenvolvimento de
recursos que possibilitem a transformação dos dados recolhidos por meio dos mecanismos de
alarme de incêndio e de patrulha de polícia, em informação e conhecimento. Os três termos, dado, informação
e conhecimento, são geralmente utilizados indistintamente. No entanto, isto pode levar a erros de
interpretação ou diagnóstico. Para discorrer sobre este assunto utilizaremos definições precisas
para estes conceitos dadas por Juan Carrión (2002).
Dado é um conjunto discreto de fatores objetivos sobre um fato real. No âmbito de
uma organização, podem-se identificar os dados como eventos físicos, isto é, pequenas parcelas da
realidade formadas por caracteres alfanuméricos que se materializam sobre um documento (físico
ou eletrônico). Isto permite que possam ser facilmente capturados, estruturados, quantificados e
transferidos.
Embora todas as organizações necessitem de dados, e alguns setores são totalmente
dependentes deles, sua importância refere-se ao fato de que são a base para a criação de
informação, que são dados dotados de pertinência e propósito. Os dados convertem-se em
informação quando acrescentados de significado. Isso ocorre, por exemplo, por meio da: (a)
categorização, para conhecer as unidades de análise dos seus componentes principais; e (b)
condensação, isto é, resumir os dados a formas mais concisas. Neste sentido, a informação não
possui uma natureza física ou material (como os dados), mas possuem uma natureza conceitual.
Assim, requerem uma unidade de análise e consenso sobre seu significado. Na informação, a
intermediação humana é indispensável.
43
Finalmente, conhecimento é informação valiosa da mente humana. Inclui reflexão,
síntese e contexto. O conhecimento é algo mais amplo e mais profundo que a informação, pois
permite estabelecer comparações, conseqüências e conexões. É uma mistura de experiência,
informação e “saber fazer” que serve como marco para a incorporação de novas experiências e
informações, e é fundamental para a ação. O conhecimento é encontrado em indivíduos, grupos
ou inclusive em rotinas organizativas.
Segundo observam Davenport & Prusak (1998), os dados, a informação e o
conhecimento se situam em três níveis diferentes. No primeiro estão os dados, que se encontram
no território do físico, pois estão dotados de natureza material. No segundo, a informação, que se
situa no território do conceitual. No último, o conhecimento, que pertenceria ao território do
mental, e é encontrado em indivíduos, grupos ou inclusive em rotinas organizativas,
diferentemente à informação, que e é encontrada em mensagens, e dos dados, que são
encontrados em registros.
E em terceiro lugar, existe a dificuldade organizacional na formulação do Controle
Interno, pois este controle dá-se através de delegação a um grupo de setores dentro da
organização. Segundo a Teoria de Agência a questão da arquitetura institucional também é
importante, pois a principal característica do modelo de Controle Interno é que deve estar
organizado de forma a minimizar os problemas de delegação. O que levaria a enfrentar o problema de
como controlar o controlador, como podemos ver no organograma a seguir:
44
Organograma 1 O Controle Interno como integrante do agente
No organograma 1, a cúpula dirigente de uma organização é o titular que delega
funções aos diretores. Estes, por sua vez, delegam aos gerentes e assim por diante. Se os
Controles Internos estiverem dentro da estrutura burocrática, essa estrutura reproduzirá o
problema de delegação entre o titular e o agente. No entanto, podemos imaginar uma estrutura
organizacional de forma a facilitar que os Controles Internos “façam parte” (estejam mais
próximos na arquitetura organizacional) do titular. O organograma 2 mostra como seria a
arquitetura de um Controle Interno que minimize o problema de delegação.
Organograma 2 O Controle Interno como parte do titular
Idealmente, os integrantes do Controle Interno deveriam fazer parte da própria
cúpula da organização. No entanto, ante a impossibilidade desta situação, a questão levantada
45
pela teoria é a de construir um esquema de incentivos que garanta a coincidência de interesses
entre os funcionários do controle e os interesses da cúpula política. Por isso, o setores
encarregados do controle devem estar ligados diretamente à cúpula. A diminuição da cadeia
burocrática permitiria o desenvolvimento de arranjos institucionais que facilitem a aplicabilidade
das medidas de controle (enforcement).
O problema desenvolvido acima, isto é, como melhorar o controle a partir de
critérios estabelecidos pela teoria de Agência, pode ser sintetizados nas seguintes questões:
a) Os custos de obter informação;
- Melhorar os mecanismos de patrulha de Polícia;
- Melhorar os mecanismos de alarme de Incêndio;
(b) A expertise;
- Obter ganhos em conhecimento organizacional;
- Obter ganhos em conhecimento técnico;
(c) Arquitetura de controle;
- Arranjos que garantam aplicabilidade (enforcement)
O problema de qualquer modelo de reforma administrativa é a sua aplicabilidade, isto
é, a forma como se pode traduzir um problema teórico em arranjos institucionais e mecanismos
administrativos. Se o objetivo de uma intervenção é a busca de maior racionalidade e capacidade
de controle, a criação de arranjos institucionais deve sempre levar em conta os problemas e as
dificuldades que fazem parte de qualquer reforma da estrutura administrativa já existentes numa
organização. Nesse sentido, no restante do trabalho trataremos de entender o impacto do uso
intensivo da Tecnologia de Informação e Comunicação nessas três questões. Para isso, faremos
um estudo de caso dedicado a entender esse impacto no processo de construção de arranjos
46
institucionais de controle. Descreveremos diversas iniciativas de ordem legal, institucional e
logística, implementadas pelo Governo do Estado de São Paulo entre 1995 e 2003, voltadas,
sobretudo, ao fortalecimento dos controles sobre a Administração Pública. Neste sentido, o fio
condutor será a construção de mecanismos criados para controlar as contratações
governamentais. No entanto, é necessário esclarecer que a ênfase do trabalho será dada a
entender o impacto da TIC nos mecanismos de patrulha de polícia.
47
CAPÍTULO 2
AS CONTRATAÇÕES GOVERNAMENTAIS
Os controles na Administração Pública têm uma relevância difícil de mensurar. As
ações de governo se realizam por meio de atos administrativos que estão sujeitos a controles
antes, durante e após sua disposição. São controles jurídicos, administrativos, políticos, de
auditoria e contáveis que estão presentes nos processos que materializam os diferentes
procedimentos administrativos. Segundo argumenta Horacio Valle (2002, p.23) o problema não
residiria nos controles quando estes apontam à oportunidade, ao mérito ou à conveniência, mas
quando estes colocam obstáculos se realizados num marco de legalidade e sob um conjunto de
decisões dotadas de racionalidade.
No entanto, a racionalidade não é precisamente uma característica marcante nas
administrações públicas. Mesmo assim, um sistema administrativo dotado de baixa racionalidade
nem sempre obstaculiza as ações de governo, mas pode permitir o aparecimento de inúmeras
formas de comportamentos oportunistas. E esta é a intenção deste capítulo: entender as
dificuldades de controle num contexto de baixa racionalidade administrativa.
Enfocaremos uma questão específica: o controle sobre as contratações
governamentais. Faremos um estudo de caso sobre o processo de compras no Governo do
Estado de São Paulo. Concentrar-nos neste aspecto se justifica porque, dentre as atividades mais
importantes do Estado, as contratações são as que consomem a maior quantidade de esforço das
máquinas públicas. Este processo, dada a complexidade operacional, os altos valores envolvidos e
as dificuldades em acompanhar cada etapa do procedimento, é uma das principais funções do
Estado que precisa de controle. Ademais, entender como se processam as compras
48
governamentais significa, em grande medida, entender o processo de execução orçamentária, o
que nos dará uma visão ampla do funcionamento do estado.
Antes de entrar na operacionalização desse processo, é necessário entender o marco
institucional que regulamenta as transações: a Lei 8.666/93, pois é na lei onde estão instituídos os
incentivos, as formas de controle e de punição que tentarão com que o agente se atenha o máximo
possível ao cumprimento dos objetivos estabelecidos pelo titular. O importante a entender são as
dificuldades em compatibilizar os mandados da lei com as bases administrativas que devem
cumprir a lei num ambiente de baixa racionalidade administrativa.
A LEI 8.666/93
No Brasil, para concretizar as contratações governamentais, é obrigatória a realização
de um processo licitatório (salvo algumas exceções). A licitação é um procedimento
administrativo pelo qual a Administração Pública, seguindo a lei, escolhe a proposta de
fornecimento de bem, obra ou serviço mais vantajoso para o erário (Coelho Motta, 1995, p. 22).
A obrigatoriedade de realizar o processo licitatório está estabelecido no artigo 37 da Constituição
Federal, regulamentado em 1993 com a promulgação da Lei 8.666, conhecida como a Lei de
Licitações e Contratos9.
O subsídio inicial para a confecção da Lei 8.666/93 foi o Decreto-Lei 2.300 de 1987.
Tal Decreto-Lei, elaborado pelo Poder Executivo, carecia de decretos regulamentadores. Este
fato, somado à ausência de mecanismo de correção monetária, tornou o procedimento licitatório
9 A Lei 8.666/93 dita as normas gerais que regem as licitações. As normas gerais são “regramentos para outras normas, objetivando uniformidade [no âmbito federal, estadual e municipal] na matéria legislada: são diretrizes, bases, norteio para esse fim” (Garcia, 1995, p. 222). Elas têm força jurídica vinculante ampla e plena. Mesmo que qualquer transação governamental requer a realização de um contrato específico, todos estes contratos devem seguir uma determinada uniformização ditada pela lei.
49
em um mero processo ritualístico, dando margem para inúmeras formas de comportamentos
oportunistas10. Ou seja, adjudicações indevidas, preterição ou perda de proposta mais vantajosa,
possibilidades de superfaturamento, demora ou atrasos nos procedimentos para o tráfico de
propinas, ausência de competitividade nas propostas, eram situações comuns e praticadas de
forma tão regular que criou-se a necessidade de estabelecer um novo marco regulatório. A Lei
8.666/93 veio preencher esta necessidade (Coelho Motta, 1995, p. 27).
A Lei de Licitações e Contratos trouxe duas características gerais marcantes se
comparada a sua predecessora, o Decreto-Lei 2.300/87. A primeira refere-se ao seu caráter mais
democrático já que foi elaborada pelo Congresso traz longos debates entre parlamentares e
inúmeras audiências públicas, onde participou uma ampla gama de atores sociais interessados.
Este fato ajudou a introduzir diversos mecanismos que permitem um maior controle democrático
das licitações, no qual a participação dos cidadãos nos diversos passos do processo é uma
possibilidade concreta. Outra inovação, no sentido democrático, foi a ênfase dada a transparência
do processo licitatório.
A segunda característica se refere à regulamentação exaustiva que a Lei 8.666/93
criou sobre o assunto. Para entender melhor, desde 1967 até a promulgação da referida lei, coube
ao Executivo Federal regulamentar as licitações por meio dos institutos do Decreto e do
Decreto-Lei11. Era procedimento corrente em matéria de licitações e contratos que a União
editasse as normas gerais, possibilitando às unidades federativas legislar com autonomia em
matéria administrativa. A Lei 8.666/93, contrariando essa prática, aborda uma pluralidade de
temas com muitos detalhes. Seus inúmeros artigos tendem a esgotar o assunto a tal ponto que
10 Para entender melhor as formas de comportamentos oportunistas nas licitações, ver Abramo et alii (2002. Pgs: 107/8).
50
praticamente esvaziou a competência legislativa estadual e municipal. Ficou na alçada das
unidades federativas apenas a elaboração de normas relativas aos procedimentos operacionais
para a execução da lei12.
A formulação de uma lei com as características acima citadas pode ser melhor
entendida se pensarmos que o legislador teve como pressuposto uma determinada concepção
comportamental fundamentada numa desconfiança a priori sobre os agentes públicos (e dos
empresários), o que, aparentemente, é consistente com a Teoria de Agência. A inclusão desse
pressuposto comportamental na “equação” levou à necessidade de um contrato que tentou
prever “todas” as oportunidades que permitiriam a prática de dolo. Daí a elaboração de uma lei
tão detalhista, na qual, nas palavras de Motta (1995, p. 09) o legislador “quadriculou miudamente
o espaço discricionário do administrador público”.
Tentemos entender brevemente o debate que se criou em torna da lei, pois é
importante para a compreensão do assunto. Embora seja praticamente unânime os elogios no
que se refere ao caráter democrático da lei, o pressuposto de desconfiança a priori levantou
inúmeras críticas de diversos juristas, economistas e administradores. Tais críticas referem-se,
principalmente, a que a excessiva regulamentação levou a dificuldades para implementar e para
cumprir as diretrizes da lei, críticas estas que podem ser sintetizadas nas palavras de um dos
autores brasileiros mais entendidos em matéria de contratos públicos, Adilson Abreu Dallari:
[...] a Lei 8666/93 (mesmo com a redação dada pela Lei nº 8.893/9413) apresenta
inaceitáveis deficiências. Em decorrência de uma orientação equivocada, tendo
11 Decreto-Lei 200/67; Decreto 73.140/73; Decreto 84.701/80; Decreto 86.025/81; e o Decreto-Lei 2.300, que sofreu algumas modificações por meio dos Decretos-Leis 2.348/87 e 2.360/87. 12 A Lei 8.666/93 tem 125 artigos e procurou estabelecer definições, salvaguardas contratuais e procedimentos bastante detalhados quanto: aos princípios gerais (Capítulo I), às modalidades de licitação (Capítulo II); á
51
optado pelo caminho evidentemente insensato de procurar dar solução para as
inúmeras e infinitas questões que podem aparecer nas licitações e nos contratos,
acabou por se perder num detalhismo que leva, inevitavelmente, a contradições e
impropriedades, passando por disposições inúteis e incompreensíveis, tudo isso
servindo para empecer o andamento das ações administrativas e para fomentar
conflitos14.
Acompanhando o pensamento de Dallari, um trabalho feito pelo Ministério da
Administração e Reforma do Estado (MARE) em 199715 apontou que a lei teve praticamente o
efeito contrário ao desejado, ou seja, introduziu mais ineficiência ao processo de compras e
contratações governamentais. Isto se deveu, por um lado, ao aumento do aparato burocrático
necessário para operacionalizar os mandados da lei. Por outro, ao aumento dos custos de transação
que teve o empresário para poder cumprir com os requisitos procedimentais16.
Em outro trabalho, feito no mesmo ano, e na tentativa de analisar aspectos da
eficácia da Lei 8.666/93, Isadora Hermann (1997) estudou a compra de alimentos pelo Governo
do Estado de São Paulo e pela Prefeitura de São Paulo em 1996/7, ou seja, compras de pequeno
e médio valor. O trabalho apontou que em praticamente todas as operações se desrespeitava
algum dos princípios gerais da lei. A autora não teve elementos para concluir se o estado pagava
formalização, alteração e execução dos Contratos (Capítulo III); às sanções administrativas, crimes, penas e procedimentos judiciais (Capítulo IV); e às disposições finais e transitórias (Capítulo VI). 13 A Lei 8.883 de 1994 complementou a Lei 8.666/93. 14 Dallari, Adilson (1995). In Estudos sobre a Lei de Licitações e Contratos. Prefácio. Org. Garcia, Maria. Rio de Janeiro. Forense Universitária. 15 Cf. Herrmann, Isadora (1999) Licitações Públicas no Brasil: explorando o conceito de ineficiência por desempenho. Revista de Administração Pública, 34 (2). Rio de Janeiro. FGV. 16 O trabalho justificou o envio de um projeto de lei ao Congresso onde o MARE pretendia alterar substancialmente a Lei 8.666/93. As mudanças eram no sentido de flexibilizar os mecanismos de contratação de obras e serviços, desburocratizar a seleção de fornecedores e simplificar os procedimentos licitatórios. Tais mudanças, cujo principal inspirador foi o então Ministro Luis Carlos Bresser Pereira, estavam de acordo com os princípios da teoria da Nova Administração Pública e visavam outorgar maior poder discricional ao administrador público.
52
mais ou menos pela compra de produtos depois da publicação da Lei 8.666/93, como mostrava o
trabalho do MARE, mas concluiu que os determinantes na malversação dos recursos públicos
eram resultado de falhas nos mecanismos de controle. A autora responsabiliza o despreparo e a
politização dos Controles Externos do Executivo, ou seja, dos Tribunais de Contas e dos
Legislativos.
Em um terceiro trabalho, elaborado por Abramo et alii, (2002), e com uma visão
oposta aos autores acima citados, os autores argumentam que a lei trouxe avanços significativos
nas contratações governamentais, pois tentou moralizar as operações ao limitar as barreiras
artificiais criadas por agentes públicos com mecanismos extra-econômicos para impedir a entrada
de empresas ao consumo governamental. O cumprimento desses requisitos deveu-se em grande
medida ao fato da lei ter facilitado a participação do cidadão nas diversas etapas da licitação, fato
este que tornou as transações mais transparentes e mais sujeitas ao controle público17.
Os trabalhos de Abramo et alii e de Isadora Hermann divergem quanto aos
mecanismos de controle, considerados ineficazes no trabalho de Hermann e eficazes no trabalho
de Abramo et alii. A diferença de interpretações pode ser entendida quando observamos o
enfoque dos respectivos trabalhos. Enquanto o trabalho de Hermann trata de entender o impacto
da Lei 8.666/93 nas pequenas e medias contrações, o trabalho de Abramo et alii se refere a
grandes contratações governamentais. Esse fato é confirmado por Renata Vilhena, autora que
responsabiliza a fatores conjunturais que incidiram no Legislativo durante a elaboração da lei - a
sucessão de escândalos que levou ao impeachment do ex-presidente Collor de Mello - os
motivadores dos resultados divergentes:
17 Os avanços que a lei trouxe, segundo os autores, são detalhados por Abramo et alii, (2002) nas páginas 112 e 113.
53
A Lei 8.666/93] foi elaborada num contexto de grande preocupação com controle
das obras públicas, o que terminou por lhe imprimir um forte viés. Representou
importante avanço na gestão de obras e serviços de engenharia, mas ao mesmo
tempo pecou pelo excessivo formalismo e pela desnecessária complexidade nos
procedimentos aplicados aos demais tipos de produtos e serviços18.
A autora concorda com a linha crítica de Dallari e do MARE quanto ao excessivo
formalismo e complexidade da lei, mas ressalva que a crítica é relevante apenas quando se trata de
pequenos e médios valores. Para contratações de grandes valores, a autora concorda com
Abramo et alii quanto aos avanços que lei trouxe.
O problema trazido pela lei nas pequenas e médias contratações refere-se ao fato de
que estas contratações são realizadas em grande número, atomizadas, operacionalizadas em curto
espaço de tempo e normalmente contratadas “a toque de caixa”, ou seja, sob pressão de um
consumo imediato. Portanto, um aumento nos procedimentos tenderia a emperrar a máquina
burocrática e aumentar os custos de transação. Neste sentido, a referida regulamentação exagerada
da Lei 8.666/93, se cumprida fielmente, “engessaria” a Administração Pública. Em síntese, os
argumentos críticos acima citados referem-se a que o legislador não levou em conta as
especificidades das contratações governamentais. Elaborou uma lei geral tentando diminuir
linearmente o poder discricionário do agente público em qualquer situação. Isto acabou criando
uma disparidade de resultados, dependendo do tipo de transação.
Aqui cabe uma observação importante a respeito da Lei 8.666/93. Durante a
construção da lei, houve intensa participação de inúmeros atores interessados, públicos e
privados, em audiências públicas. O caráter democrático – que foi realçado por praticamente
18 Vilhena, Renata (2002). Uma nova lei para as compras governamentais. Gazeta Mercantil, dia 29, 30 e 31 de março
54
todos os analistas - implicou na contemplação de interesses diversos na sua confecção, e esse fato
levou a que o legislador tivesse presente determinados aspectos que vão além dos critérios de
eficiência estritamente econômicos. Portanto, na avaliação do marco institucional é preciso
levar em conta, também, o critério de legitimidade. Por este motivo, não pode ser analisado apenas
por critérios de eficiência. Levando em conta esse aspecto, podemos considerar as restrições
lineares ao poder discricionário dos agentes públicos como uma opção política do legislador,
mesmo que esta opção tenha potencializado, em certas situações, problemas pos-contratuais, ou
seja, de implementação e de controle do contrato. Disto deriva que a discussão sobre os
problemas pos-contratuais adquirem uma dimensão muito maior no setor público do que a teoria
dispensaria numa relação feita no mercado, especialmente no referente aos controles.
Levando em conta esses aspectos, a seguir, tentaremos mostrar que os resultados
divergentes da lei, ou seja, em grande medida eficiente nas grandes contratações e em grande
medida deficiente nas pequenas e médias contratações, deveu-se às diferentes possibilidades de
implementação dos mecanismos de controle criados pela lei. Iniciaremos mostrando algumas
características da Lei 8.666/93 e os mecanismos de controle criados visando minimizar as
possibilidades de comportamentos oportunistas.
ALGUMAS OBSERVAÇÕES SOBRE A LEI 8.666/93
A Constituição de 1988 reforça objetivamente a obrigatoriedade da licitação (art. 37,
XXI), concentrando na União a expedição de normas gerais, extensivas à Administração Pública
direta e indireta (incluindo fundações e empresas controladas pelo Estado). A Constituição baliza
a realização da licitação como regra geral e as exceções são delimitadas rigidamente por lei.
de 2002, pág. A3.
55
A Lei 8.666/93 estabeleceu, no artigo 3º, a obrigatoriedade de obedecer aos princípios
gerais de isonomia, legalidade, impessoalidade, eficiência, moralidade, publicidade e julgamento
objetivo nas contratações governamentais19. Também, estabeleceu modalidades de licitação que
envolve diferentes graus de poder discricionário do agente, a saber: até R$ 8,0 mil a modalidade
chama-se “dispensa” (que em realidade não é uma licitação). Nesta, o agente público escolhe a
seu critério o fornecedor que acha mais apropriado. Na modalidade “convite” – entre R$ 8,0 mil
e R$ 80 mil - o agente convida, também a seu critério, pelo menos três fornecedores do ramo
pertinente ao objeto a transacionar. Os fornecedores devem entregar uma proposta em envelope
fechado e o agente público deve escolher aquele que oferece o menor valor. A “tomada de
preços” – entre R$ 80,0 mil e R$ 650,0 mil - é uma licitação entre interessados cadastrados.
Deve-se lançar um edital comunicando publicamente a licitação. Por fim a “concorrência” – para
compras acima de R$ 650,0 mil - é uma licitação onde podem participar quaisquer interessados
que na fase de habilitação preliminar, comprovem possuir os requisitos mínimos de qualificação
exigidos no edital para execução de seu objeto20.
Nesses quatro procedimentos se estipulou por lei uma determinada margem de
discricionalidade para o agente público, que depende do valor envolvido na transação. Existe
ainda a modalidade “inexigibilidade”21 onde a discricionalidade é maior, pois está sujeita a
critérios mais subjetivos, embora delimitados. É importante destacar que as modalidades:
19 Isonomia se refere ao tratamento igual em situações iguais, de todos os interessados em oferecer propostas à Administração Pública para escolha da melhor. A legalidade diz respeito à conformidade dos atos administrativos com a lei. A impessoalidade visa evitar qualquer concessão de privilégio e inspira todas as diretrizes que asseguram a livre competição. Eficiência se refere à proposta mais vantajosa à Administração. A moralidade obriga à correta aplicação do dinheiro público. A publicidade preconiza a visibilidade dos atos administrativos para viabilizar o exercício pleno de controle por parte da sociedade. Finalmente, o julgamento objetivo é a obediência estrita ao edital (Meirelles, 2000, p. 84/5). 20 Esses valores referem-se à Lei 9.648 de 27 de maio de 1998 que alterou alguns artigos da Lei 8.666/93.
56
dispensa, convite, tomada de preços e parte das inexigibilidades – ou seja, as transações até o
valor de R$ 650.000 mil – são basicamente para gastos de manutenção, custeio e pequenas obras
e são, de preferência, praticadas por iniciativa da burocracia, enquanto a concorrência, também
preferentemente, envolve o alto escalão governamental, isto é, decisão de agentes políticos22.
OS CONTROLES PREVISTOS NA LEI 8.666/93
Os controles previstos na Lei 8.666/93 podem ser dispostos em duas categorias: (a)
os mecanismos de controle sociais; e (b) os procedimentos administrativos de controle. Alem
disso, estão previstos também os canais institucionais de prestação de contas. Apenas como uma
aproximação, os controle sociais podem ser vistos como mecanismos de alarme de incêndio e os
procedimentos administrativos de controle, como mecanismos de patrulha de polícia.
a) Os controles sociais
Observamos que uma das modalidades do controle democrático é o que se refere aos
controles verticais, ou seja, aos diversos mecanismos que permitem à sociedade controlar os
agentes do Estado. Também, que como os cidadãos não contam com instrumentos para punir
diretamente os agentes administrativos, podem acionar diferentes órgãos de controle horizontal,
tais como os Tribunais de Contas, o Ministério Público, a Justiça e, ultimamente, também as
Controladorias e outros órgãos criados para tal fim. A idéia subjacente é que, quanto mais
submetido ao escrutínio público for o processo de contratação, tanto menor será a probabilidade
21 Segundo Meirelles (2000, p. 264): “Ocorre a inexigibilidade de licitação quando há impossibilidade jurídica de competição entre contratantes, quer pela natureza específica do negócio, quer pelos objetivos sociais visados pela Administração”. 22 Dadas as modalidades de licitação, quando no decorrer do trabalho nos referimos a “grandes contratações” estaremos falando da modalidade “concorrência”, e “médios ou pequenos valores” às outras modalidades.
57
de ser desvirtuado por práticas de corrupção. No entanto, a possibilidade de participação do
cidadão e os canais institucionalizados que tornem possível essa participação, devem estar
previstos no marco institucional. Por exemplo, o art. 4º do Decreto-Lei 2.300/86, que
regulamentava o processo de contratações antes da entrada em vigência da Lei 8.666/93,
restringia a intervenção no processo licitatório apenas “aos que participem” do processo, fato que
transformava a licitação num processo fechado.
Nesse sentido, a Lei 8.666/93 é muito rica quanto a dispositivos que permitam a
possibilidade da presença do cidadão nos processos de contratações governamentais assim como
de dispositivos para canalizar as denúncias do cidadão aos órgãos de controle externo23. A Lei
também confere poderes aos órgãos de controle externo para praticar ações preventivas ante a
suspeita de irregularidades no processo licitatório, caso a adoção de medidas corretivas ou
inclusive o cancelamento da licitação (Art. 113. § 2º)24. Em geral, a lei deu ao cidadão e à
sociedade civil em geral a possibilidade de acompanhar o desenvolvimento da licitação, de forma
ampla, abrangendo todas as suas fases25.
23 Nos seus diversos artigos está explícito que qualquer cidadão: (a) “pode acompanhar o seu desenvolvimento, desde que não interfira de modo a perturbar ou impedir a realização dos trabalhos” (Art. 4); (b) “poderá requerer à Administração Pública os quantitativos das obras e preços unitários de determinada obra executada” (Art. 7, §8); (c) “é parte legítima para impugnar preço constante do quadro geral [de preços, nas compras feitas pela Administração] em razão de incompatibilidade com o preço vigente no mercado” (Art. 15, §6); (d) “é parte legítima para impugnar o edital de licitação por irregularidades na aplicação desta Lei” (Art. 41, §4). Para canalizar as denúncias do cidadão aos órgãos de controle externo, a lei prescreve que: “Qualquer pessoa poderá provocar, para os efeitos desta Lei, a iniciativa do Ministério Público, fornecendo-lhe, por escrito, informações sobre o fato e sua autoria, bem como as circunstâncias em que se deu a ocorrência” (Art. 101). Ou “Qualquer pessoa poderá representar ao Tribunal de Contas ou aos órgãos integrantes do sistema de controle interno contra irregularidades na aplicação desta Lei” (Art. 113, §1º). 24 Sobre este assunto, ver Citadini (1998). 25 Esta visão positiva da lei não é isenta de críticas. A principal crítica incide sobre a grande facilidade de intervenção civil nos processos de contratações governamentais. Argumenta-se que a lei acabou por criar uma chamada “indústria” de interposição de recursos, que tende a transformar determinados processos num verdadeiro entrave para o gestor de compras. Os mecanismos de controle democrático que o legislador elaborou para coibir o comportamento oportunista dos agentes públicos acabaram por ser utilizados de forma oportunista por empresários.
58
b) O controle de processos
Os artigos da lei, no que se refere ao controle de processos, incidem sobre uma
variada gama de modalidades, a saber: obra, serviço, compra e alienação; (Art. 6º, Seção II).
Alguns dos mecanismos criados têm abrangência geral, como veremos. Outros são específicos
para cada modalidade. Neste sentido, analisar os mecanismos processuais de todas as
modalidades, ultrapassa as necessidades e o objeto de estudo deste trabalho, pois a lei tenta
prever as situações e alternativas possíveis em todas as definições de contratação acima citados26.
Por isso, analisaremos apenas a modalidade “compras”, que pode ser considerada representativa
da forma e natureza da lei. Observaremos a seguir como a lei tentou limitar as oportunidades de
comportamentos oportunistas na modalidade de compras em seis itens.
1) Os Decretos-Leis que regiam as contratações governamentais não permitiam a
aplicação de correção ou atualização monetária nas obrigações assumidas pela Administração.
Em épocas de alta inflação – como ocorreu antes do Plano Real, de julho de 1994 – este fato
tinha conseqüências. Era um incentivo à corrupção, pois permitia a cobrança de propinas para
acelerar o processo ou para evitar a protelação dos pagamentos. Durante épocas de picos
inflacionários, um mês de atraso podia significar perdas muito significativas para o empresário.
Isto levou a limitar o número de fornecedores do Estado, pois realizavam transações
preferentemente empresários que sabiam agilizar, de alguma forma, o pagamento. Como
conseqüência desta quebra dos princípios de isonomia e impessoalidade, os preços nos contratos
públicos foram perdendo o nexo com a realidade. O legislador, na nova lei, optou pela adoção
das chamadas normas de realidade nos preços contratados pela Administração. Trata-se de diversos
mecanismos de proteção ao preço oferecido pelo fornecedor, tais como a correção monetária, o
59
respeito à ordem cronológica no pagamento dos contratos e a obrigação de apenas contratar
dispondo de recursos orçamentários para honrar as obrigações no tempo combinado, entre
outros dispositivos (artigos 5º, 7º e 40º). A Lei fez opção pelo realismo nos valores dos contratos.
Ou seja, o fornecedor terá que oferecer o menor preço. No entanto, terá as garantias de que esse
valor será aquele efetivamente praticado. Procurou, assim, o legislador afastar a irrealidade
contratual que existia (Marques Neto, 1995, p. 159).
2) Uma das principais distorções nas contratações governamentais, e que encontrava
cobertura legal, eram as inexibilidades. Esta é uma forma legal de contratação, mas só se podem
tornar efetivas mediante motivação clara. A este respeito, observemos o comentário de um
membro do Tribunal de Contas da União feito antes da publicação da Lei 8.666/93:
Cabe ressaltar que o elevado valor das dispensas realizadas sem licitação não
caracteriza, em princípio, ilegalidade ou irregularidade, uma vez que estão respaldadas nos
artigos 22 e 23 do Decreto-Lei 2.300/86. Entretanto, o que se consta é que, com base na
própria legislação pertinente, existiria uma distorção no processo licitatório, transformando a
exceção em regra geral (itálico meu)27.
Na Lei 8.666/93, para contornar esses casos, as situações de dispensa e
inexigibilidade são descritas de forma pormenorizada nos artigos 24º e 25º, e os procedimentos
administrativos a seguir nessas circunstancias, no artigo 26º. É importante observar que a lei
trouxe outra inovação: veta as leis das unidades federativas que ampliem os casos de
inexibilidades.
26 Estudos detalhados sobre as questões procedimentais da Lei 8.666/93 pedem ser encontrados em: Pereira Junior (1994); Garcia (1995); Coelho Motta (1995); Cretella Junior (1995) e Citadini (1999), entre outros. 27 Ata Nº 28 do Ministro do Tribunal de Contas da União, Homero Santos, publicado no DOU em 18/07/1991. Citado por Coelho Mota (1995).
60
3) O objeto da licitação deve ser suficientemente descrito pelo administrador, para
predefinir a qualidade. Com isso, a especificação do objeto (a assim sua qualidade) não é de
responsabilidade dos concorrentes e deixa de ser tema de julgamento de propostas (Abramo et
alii, 2002, p. 113).
4) A Lei 8.666/93 fundamentou-se na teoria da concorrência perfeita para
sistematizar e operacionalizar as compras governamentais28. Isto decorre principalmente de duas
observações: (a) a exigência de produto homogêneo para o mercado. Ou seja, houve uma
tentativa de padronização forçada (Art. 15º); e (b) a impossibilidade de particularizar excessivamente
o objeto da licitação a ponto de favorecer apenas um licitante (Art. 14º). O legislador optou pelas
regras rígidas da padronização, mesmo ante a possibilidade de se obter resultados sub-ótimos,
como, por exemplo, perda de qualidade (Marques Neto, 1995, p. 159).
5) Obriga a criação de um sistema de catalogação de materiais no setor público e de
um sistema de registro de preços (art. 14). Esses bancos de dados, de publicização mensal,
tiveram por objetivo dar parâmetros de referências de preços entre os praticados pela
Administração e os de mercado. Ambos registros deveriam constituir uma base comparativa para
evitar contratações com sobrepreço. (Coelho Motta, 1995, p. 43).
6) Houve uma ênfase na questão da publicidade. O Art. 16º obriga à Administração
Pública a publicar mensalmente em lugares de “amplo acesso público” a relação de “todas as
compras feitas pela Administração Direta ou Indireta, de maneira a clarificar a identificação do
bem comprado, seu preço unitário, a quantidade adquirida, o nome do vendedor e o valor total
da operação”.
28 Existem basicamente três modelos de formação de preços: a concorrência perfeita, o oligopólio e o monopólio. A concorrência perfeita pressupõe produto homogêneo, grande número de empresas, livre mobilidade de recursos e
61
O assunto não se esgota nos itens acima citados. Existe ainda detalhamento
minucioso sobre prazos mínimos, como os da publicidade nas diferentes etapas do processo (art.
21) e os de apresentação de recursos (art. 109) entre outros.
Em resumo, a forma com que se tentou limitar o poder discricionário do agente
público no processo de compras de materiais foi a seguinte: a padronização forçada de produtos
facilita a comparação de preços realizados pela administração com os de mercado. E o
estabelecimento de bancos de dados, abre a possibilidade de criar parâmetros de referência de
preços. Ademais, como a lei obriga a publicação regular desses bancos de dados e de todas as
compras feitas pela Administração, as operações podem ser acompanhadas facilmente pelos
órgãos de controle e pelos cidadãos. Observe-se que em grande medida, o legislador abriu mão
da possibilidade de comprar produtos de melhor qualidade para privilegiar a questão “preço”,
com o objetivo de obter critérios mais universais.
c) O controle de contas
O controle de contas sobre as transações está estabelecido no Art. 113º da Lei
8.666/9329, e não teve inovações se comparada às legislações anteriores. Aqui devemos parar um
instante para entender como funciona o processo de prestação de contas. A Constituição Federal
Brasileira, no Art. 70, assim dispõe sobre o assunto:
A fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e
patrimonial da União e das entidades da administração direta, indireta, quanto à
perfeito conhecimento do mercado. No monopólio, uma empresa tem o domínio do mercado, tornando-se capaz de impor o preço de seu produto. No oligopólio, isto último acontece com poucas empresas (Ver: Costa, André, 1998). 29 Segundo a Lei 8.666/93: “O controle das despesas decorrentes dos contratos e demais instrumentos regidos por esta Lei será feito pelo Tribunal de Contas competente, na forma da legislação pertinente, ficando os órgãos
62
legalidade, legitimidade, economicidade, aplicação de subvenções e renúncia de
receitas, será exercida pelo Congresso Nacional, mediante controle externo, e pelo
sistema de controle interno de cada poder (ênfases minhas).
Já no artigo 71 afirma-se que: “O controle externo, a cargo do Congresso Nacional, será
exercido com o auxilio do Tribunal de Contas da União” 30.
A forma de organizar o controle de contas varia de país para país. No Brasil foi
adotado o método chamado de reparação do dano administrativo. Neste sistema, adotado por países
como França e Espanha, existem Câmaras ou Tribunais de Contas (TCs) que, embora sejam
órgãos auxiliares do Poder Legislativo, têm autonomia para julgar as contas apresentadas pelos
administradores, exigir a reparação financeira conseqüente de atos ilegais e aplicar sanções
administrativas aos responsáveis pela má gestão dos recursos públicos.
A mecânica de prestação de contas, de forma sucinta, é a seguinte: a maior parte dos
gastos governamentais se dá por intermédio dos processos de contas. Este processo tem inicio nos
órgãos de controle interno de cada Poder, que realizam as chamadas auditorias de gestão,
obrigatórias sobre todas as operações realizadas. Sobre essa auditoria os TCs realizam outra
auditoria, ao ano seguinte, para julgamento, cujo alcance está associado à relevância do processo.
Ou seja, para grandes transações a verificação é bastante detalhada. Para as menores, a auditoria,
por uma questão de custos, é feita por amostragem31.
interessados da Administração responsáveis pela demonstração da legalidade e regularidade da despesa e execução, nos termos da Constituição e sem prejuízo do sistema de controle interno nela previsto”. 30 As Constituições estaduais e as leis orgânicas dos municípios acompanham a Constituição Federal, que em seu artigo 75 dispõe: “As normas estabelecidas nesta seção [seção IX: Da fiscalização contábil, financeira e orçamentária] aplicam-se, no que couber, à organização, composição e fiscalização dos Tribunais de Contas dos Estado e do Distrito Federal, bem como dos Tribunais e Conselhos de Contas dos Municípios”.
63
O IMPACTO DOS CONTROLES
Os mecanismos de controle sociais dispostos na Lei 8.666/93 têm aplicação
automática. Já os novos mecanismos processuais devem ser implementados. Tentemos entender,
em primeiro lugar, o impacto dos controles sociais nas contratações governamentais.
Os controles sociais são uma “possibilidade” de controle. Dependem de uma
sociedade civil organizada, atuante, vigilante e de uma imprensa investigativa. É de se supor que
esses controles sociais previstos na lei terão algum impacto nas grandes contratações, pois estas
são poucas – se comparados ao total de contratações governamentais – são muito visíveis, tem
altos valores envolvidos e tem um longo tempo de maturação. Este fato parece ser confirmado
pelo trabalho de Abramo et alii (2002, p. 112) que se refere ao avanço que a lei trouxe para as
grandes contratações governamentais.
Se nas grandes contrações, os controles sociais acabaram por se mostrar bastante
eficazes, dificilmente poderíamos afirmar que esses controles terão a mesma eficácia na imensa
quantidade de contratações governamentais de valores menores. Estas são operações atomizadas,
que não despertam o mesmo interesse na mídia em particular e na sociedade em geral. Para
exemplificar a magnitude destas operações, basta dizer que apenas o Governo do Estado de São
Paulo realiza mais de 70 mil operações por ano. Isto nos leva a dedicar uma especial atenção ao
controle de processos, principalmente quando se trata de pequenas e médias contratações32.
Diferentemente dos controles sociais, os novos mecanismos processuais da Lei
8.666/93 não são de aplicação automática, pois devem ser implementados. Como essas tarefas
31 Para entender melhor o processo de prestação de contas, ver Rodriguez da Silva, Flávio (1997) O modelo brasileiro de prestação de contas: por uma racionalização do processo. Revista de Administração Pública, n.o 47. Rio de Janeiro, FGV.
64
foram delegadas pela lei às diferentes Administrações Públicas (federal, estaduais e municipais)
criou-se um desafio para os governos: o da implementação desses mecanismos. Esse desafio se
refere não apenas enfrentar eventuais deficiências contratuais, mas ao problema político de
implementar as regras operativas necessárias, que implicam mudanças nas regras de jogo e nos
interesses estabelecidos. A lei obriga a ganhos de racionalidade administrativa. E eis aqui o
problema. Implementar os mandados da lei com os padrões administrativos pré-existentes
poderia levar apenas a um aumento de custos sem uma correspondente melhora no controle das
contratações, como mostra o citado trabalhos do MARE. Neste contexto, as críticas à lei feitas
pelo MARE e por Dallari tinham certa relevância, pois se referiam à incompatibilidade entre os
mandados da lei (a vontade política) e as bases administrativas que deviam processar e
implementar a lei.
O que mostraremos neste trabalho é que as mudanças administrativas necessárias ao
cumprimento da lei tornaram-se possíveis, em grande medida, quando foram introduzidos os
sistemas de informação nos órgãos governamentais, porque essa introdução veio acompanhada
de ganhos em racionalidade administrativa. Para provar essa afirmativa, porém, é necessário,
primeiro, analisar como era o processo de compras antes da introdução de tais mecanismos. Só
desta forma será possível descrever, posteriormente, os “ganhos” citados. Portanto, será
analisado a seguir o processo de compras do governo do Estado de São Paulo.
32 Em São Paulo, as denúncias feitas ao TCE, à Corregedoria Geral de Administração e à Ouvidoria da Secretaria da Fazenda, apontando quebra de algum princípio geral nas licitações públicas quando se trata de pequenas contratações, são muito poucas. Esta informação foi levantada em entrevistas com dirigentes dessas organizações.
65
AS COMPRAS EM SÃO PAULO
Observamos que cada compra que realiza o Estado precisa passar por um
determinado processo legal (licitação), seja nas modalidades de dispensa, convite, tomada de
preços ou concorrência. Em São Paulo, as compras governamentais da Administração Direta são
de responsabilidade das Secretarias de Estado. Dado que quase todas as Secretarias possuem
inúmeros órgãos espalhados pelo território do Estado, a execução orçamentária se operacionaliza
por meio de unidades descentralizadas das secretarias chamadas Unidades de Despesas (Gestoras
ou Gestoras-Executoras). No começo da década de 1990, estas unidades mais de 700 a cobrir
todo o Estado33.
Quase todos os procedimentos administrativos prescritos no Decreto-Lei 2.300/87 e
mais tarde na Lei 8.666/93, tais como o estudo, a preparação e a confecção do edital, os convites,
a publicidade e o julgamento, entre outras etapas, eram realizados nessas unidades e a
responsabilidade pelo controle desses passos, no sentido do cumprimento dos princípios gerais da
legislação, era da própria estrutura burocrática da secretaria à qual a unidade de despesa estava
ligada. Apenas o controle da legalidade e da economicidade era externo à unidade, e que
correspondia à Secretaria da Fazenda. Entendamos, a seguir, como se processava este controle34.
A Secretaria da Fazenda do Estado (SEFAZ) exercia, assim como hoje, três funções
principais por meio de suas Coordenadorias:
a) A responsabilidade pela arrecadação e fiscalização de tributos estaduais,
atribuição realizada pela Coordenadoria de Arrecadação Tributária (CAT);
33 A forma de processar a execução orçamentária descrita a seguir está simplificada. Em realidade existiam as Unidades Gestoras Orçamentárias (UGO); as unidades Gestoras Financeiras (UGF) e as Unidades Gestoras Executoras (UGE). Desta última, em 1995, existiam 774 unidades ativas.
66
b) A responsabilidade pelo controle da despesa, pela contabilidade geral do
Estado e pela prestação de contas, tarefas estas realizadas até 1996 pela Contadoria Geral do
Estado (CGE), pela Coordenadoria das Entidades Descentralizadas (CED) e pelo setor de
auditoria (AUDI);
c) A função de tesoureira das finanças do estado, atribuição realizada pela
Coordenadoria de Administração Financeira (CAF), que trata também da formulação da
política financeira do governo e da administração da dívida pública35.
No organograma 3, podemos visualizar a configuração organizacional da Secretaria
da Fazenda. O organograma é importante para entender as posteriores mudanças organizacionais
da secretaria36. O destaque refere-se aos órgãos de controle.
Organograma 3 Estrutura organizacional da Secretaria da Fazenda (1995)
OBS: CAF (Coordenadoria de Administração Financeira); CED (Coordenadoria das Entidades Descentralizadas); AUDI (Setor de Auditoria); CGE (Contadoria Geral do Estado).
O envolvimento da Secretaria da Fazenda no processo de gastos públicos era o
seguinte: (a) o fornecimento de recursos; (b) a contabilização dos recursos utilizados e a prestação
34 As Secretarias de Estado, assim como as fundações e autarquias, tinham, dentro da sua estrutura burocrática, órgãos de auditoria que deviam exercer o controle sobre o processo de compras. O que se tratará a seguir é o controle das compras a partir da visão da Secretaria da Fazenda, que seria um “controle sobre o controlador”. 35 Ademais desses órgãos, existem outros órgãos de apoio, que variam de acordo à época.
67
de contas; e (c) o controle da legalidade e da economicidade das operações. Nesses campos
atuavam, respectivamente, o setor financeiro (CAF), o setor de contabilidade (CGE) e o setor de
auditoria (AUDI). Observemos como se processava a operacionalização das despesas do Estado.
Primeiro passo: a movimentação financeira. Nos primeiros dias de cada mês, um
agente da unidade de despesa se comunicava com o setor financeiro da sede central da Secretaria
da Fazenda informando a quantidade de recursos que precisava para cobrir as despesas feitas no
mês anterior. A partir dessa informação, o setor financeiro enviava os recursos por meio de
depósitos em contas correntes da unidade, contabilizava a saída desses recursos em seus
computadores e repassava a informação à Contadoria. O setor financeiro enviava de forma
imediata apenas os recursos que seriam alocados em funções realmente essenciais e os restantes
os enviava a medida que recebia recursos do setor tributário (CAT). Recebido os recursos, os
agentes das unidades de despesa faziam os pagamentos aos fornecedores e repassavam parte dos
recursos a outras instâncias dependentes das unidades, para cobrir gastos miúdos, como por
exemplo, a escolas e hospitais, geralmente para gastos na modalidade “dispensa”.
No modelo de movimentação financeira utilizado pelo governo paulista, isto é,
primeiro fazer o gasto e posteriormente pedir os recursos para a Fazenda (o gasto desvinculado
do empenho) não se podia ter certeza da data exata em que seria feito o pagamento ao
fornecedor. Tampouco permitia estabelecer uma ordem cronológica para tais pagamentos. A falta
de previsibilidade na liberação de recursos conferia uma margem de discricionalidade muito
grande aos agentes do setor financeiro. Tal processo tendia a privilegiar aos fornecedores que
tinham conhecimento da máquina pública ou um bom relacionamento com os agentes públicos,
pois isto permitia que seus pagamentos fossem efetuados rapidamente. Portanto, era muito tênue
36 Neste organograma, assim como nos restantes, não está considerado o setor de arrecadação tributária (a CAT)
68
a isonomia e a impessoalidade que existia no processo de compras. Por outro lado, do ponto de
vista administrativo, o modelo acarretava a existência de inúmeras contas bancárias, gerando,
ademais, milhares de transferências mensais entre o setor financeiro da Fazenda e as unidades de
despesa e entre estas e seus órgãos dependentes. Estas operações demandavam grandes esforços,
e muitos custos, para serem controladas.
A entrada em vigência da Lei 8.666 em julho de 1993, que exigia que as compras
fossem feitas apenas com a correspondente provisão orçamentária, pagamentos na data certa e
que esses pagamentos fossem acertados na ordem cronológica - o que visava entre outras coisas
coibir os comportamentos oportunistas - não eram cumpridas. Dentro desse modelo
descentralizado de operar os gastos e, principalmente, imprevisível no repasse de recursos, não
era possível implementar as providências exigidas pela lei (arts. 5 e 7).
Segundo passo: a contabilização. A documentação das operações decorrentes dos
gastos era enviada das unidades de despesa a um dos 21 escritórios seccionais da Contadoria
existentes, quase todos situados nas sedes das Secretarias de Estado, para o inicio do processo de
contabilização. Nesses escritórios seccionais se realizava a escrituração contábil das operações, a
cargo de contadores.
Depois da verificação formal do contador, se o processo de compra estava em
ordem, era emitido o empenho e digitado no sistema informacional da contadoria. Esses
escritórios seccionais desde a década de 1980 estavam ligados ao computador principal da
contadoria por meio de “estações de trabalho”, ou seja, terminais que funcionavam por meio de
linha telefônica com emulador (uma espécie de modem). A informação digitada era apenas básica:
número do empenho, valor, data de emissão e vencimento e alguns códigos necessários a
nem tampouco os setores de apoio logístico as funções internas da Fazenda.
69
contabilização. Este registro de operações era a informação com a qual a sede central da
contadoria elaborava mais tarde parte dos balancetes trimestrais e parte do Balanço Geral do
Estado.
Três questões a destacar dessa movimentação contábil. Em primeiro lugar, as
informações que entravam no sistema eram apenas um “registro” das operações, por meio do
qual podia-se saber alguns dados básicos sobre as operações realizadas, mas com pouca
informação relevante37. Em segundo lugar, os computadores do setor de contabilidade não
estavam interligados com os do setor financeiro. Isto acarretava re-digitação de dados de um
sistema para o outro com o conseqüente aumento de custos, pois requeria a existência de dezenas
de digitadores. E em terceiro lugar, o modelo demandava a existência de inúmeros escritórios
seccionais da Contadoria, que eram uma intermediação burocrática apenas para realizar a
escrituração contábil, o que também gerava altos custos.
Terceiro passo: o controle. O controle, que teoricamente devia ser feito pelos
auditores da AUDI, estava desvinculado da operação financeira, pois não existiam instrumentos
analíticos para verificar a economicidade das operações realizadas. O trabalho dos auditores, que
nos primeiros anos da década de 1990 eram pouco mais de 20 para cobrir tudo o estado, não
observava rotinas, metodologias de trabalho nem sequer estava ligado à escrituração contábil. Os
auditores trabalhavam individualmente principalmente auditando a legalidade das grandes
operações realizadas pelas empresas do estado. Um processo de compras passava por uma
auditoria mais elaborada quando, eventualmente, existia alguma denúncia de superfaturamento de
preços. Entretanto, as informações apuradas sobre eventuais irregularidades eram repassadas à
37 Para obter informações um pouco mais detalhadas sobre as compras feitas, os fornecedores e os preços pagos, devia-se fazer um levantamento de dados no Diário Oficial.
70
Secretaria de Estado à qual a unidade de despesa estava ligada e o envolvimento da Fazenda
terminava nesse momento.
O processo de execução orçamentária relatado acima não contemplava as operações
realizadas pela Administração Indireta. Neste caso, o envio dos recursos orçamentários pela
Fazenda para as inúmeras fundações e autarquias do Estado era feito por intermédio da
Coordenadoria das Entidades Descentralizadas (CED), órgão que também tinha seus próprios
computadores, desvinculados do setor financeiro e da contadoria. Como os órgãos da
administração indireta realizavam sua própria contabilidade e tinha sua própria auditoria, apenas
enviavam para a CED a prestação de contas em balancetes trimestrais, sem grandes
especificidades dos gastos que realizavam. Estes balancetes eram consolidados pela CED que os
repassava posteriormente à contadoria para serem incorporados ao Balanço do Estado.
Torna-se necessário destacar a baixa racionalidade administrativa e a ausência de
transparência que sustentava a operacionalização da execução orçamentária. Há que registrar,
principalmente, a autonomia que tinha cada setor da Fazenda. Cada um deles (finanças,
contadoria, auditoria e CED) estabelecia suas rotinas de acordo com suas prioridades e interesses,
o que facilitava o monopólio das informações. Não por acaso os sistemas informatizados
setoriais, que geravam bancos de dados em plataformas diferentes e possuíam estruturas
diferentes, eram incompatíveis um com os outros. Essa falta de integração entre os setores
tornou necessária a existência de 79 diferentes tipos de documentos para a formalização das
operações da execução orçamentária, e de inúmeros passos processuais de controle da legalidade.
Ademais, era pouca a importância dada à contabilidade pública, instrumento que poderia ser uma
importante fonte de informações estratégicas. A Contadoria Geral era formalmente um
departamento do setor financeiro (ver Organograma 1), mas atuava com autonomia e sua
71
preocupação era a de elaborar os balancetes trimestrais e o Balanço Geral do Estado, dos quais se
podia extrair muitos dados, mas pouca informação. Por exemplo, as constantes mudanças nas
rotinas contábeis tornavam impossível elaborar séries históricas para efeitos de análise e apoio à
gestão. Por sua vez, o setor financeiro tinha o monopólio das informações sobre o fluxo de caixa
e grande poder discricionário sobre a liberação de recursos.
Com referência especificamente ao processo de compras, observemos que o
cumprimento de quase todos os princípios gerais da Lei 8.666/93 devia ser feito pela burocracia das
Secretarias de Estado. Apenas o controle da legalidade e da economicidade eram de
responsabilidade da Fazenda. Destes controles, apenas o primeiro era feito, pois para realizar o
segundo não existia organização nem ferramentas apropriadas. Portanto, é interessante tentar
entender por quê os sucessivos governos não implementaram uma política de reformas
administrativas que melhorasse os controles. Em princípio, não é razoável supor que os
governadores fossem complacentes com esse tipo de situação. Os recursos fiscais que se evadem
por meio da ineficiência e da corrupção diminui os recursos disponíveis pelo governo para seus
projetos.
Criar um sistema de controle da economicidade demandava à Fazenda, por um lado,
grandes custos operacionais, seja em funcionários, seja na infra-estrutura necessária. Por outro,
demandava custos políticos, isto é, qualquer mudança no modelo de processar o orçamento com
o objetivo de poder captar práticas oportunistas, requeria capacidades para lidar com interesses
burocráticos constituídos. Resistências a mudanças no status quo partiriam não apenas de agentes
sobre os quais reformas podiam incidir sobre oportunidades de corrupção, mas também por
agentes não dispostos a mudar rotinas às quais já estavam adaptados, ou ainda por agentes que
perderiam status devido à perda do monopólio de determinadas informações.
72
No entanto, mesmo que essas questões fossem de alguma forma superadas pela
Fazenda, o arranjo institucional existente em São Paulo em grande medida inviabilizaria o
esforço. Esta questão pode ser entendida da seguinte forma: dentro da arquitetura
político/institucional do estado, o poder de um Secretário de Estado sobre sua pasta era quase
absoluto. A corrupção numa unidade de despesa só podia ser realizada por burocratas de carreira,
que entendiam o funcionamento da máquina administrativa (expertise organizacional), ou destes
em conluio com agentes do secretário que ocupavam cargos de confiança. Quando
eventualmente a Secretaria da Fazenda descobria indícios de corrupção numa unidade de despesa,
não tinha poder de intervenção, pois cabia apenas repassar a informação ao Secretario de Estado
correspondente. Dependia dele a apuração da denúncia.
Mesmo o fato de existir uma Corregedoria em São Paulo, era inócuo. Este órgão,
ligado à Secretaria de Administração, também era encarregado de apurar denúncias de corrupção.
No entanto, qualquer tentativa de apuração de alguma denúncia numa unidade de despesas era
considerada pelo Secretário de Estado como uma “desonra”, pois, como observamos, cabia a ele
a responsabilidade pela apuração de qualquer irregularidade na “sua” pasta. A Corregedoria fazia
uma intervenção de fato apenas quando o governador queria que o grupo político dominante na
secretaria “caísse em desgraça”. Ou seja, era um convite à renúncia do secretário. Esse era um
dos principais motivos pelos quais nas diferentes cúpulas políticas da Fazenda não existissem
incentivos para propor políticas de reformas que levassem a um melhor controle. Não era do
interesse da cúpula da Fazenda arcar com os custos administrativos, orçamentários e políticos
para ter apenas o papel de “informante”, sem ter o papel de “polícia”.
Desta forma, existia um arranjo de operacionalização da execução orçamentária que,
embora apresentasse problemas, não deixava que a máquina administrativa parasse por falta de
73
insumos básicos para seu funcionamento. A descentralização operacional, enquanto não
faltassem os recursos orçamentários, não permitia que os processos de compras emperrassem em
procedimentos burocráticos. Existia um trade-off entre a necessidade de ser eficiente e obter
eficácia. E o sistema era eficaz enquanto se podia recorrer a déficits fiscais, que eram o resultado,
em grande medida, da própria carência de controle.
Se o arranjo institucional oferecia oportunidades para comportamentos oportunistas,
um importante fator veio a alterar a situação: o problema fiscal, que impediu continuar com a
política de déficits. O problema fiscal obrigava a obter ganhos em eficiência e minimizar as
oportunidades de corrupção nas contratações governamentais. Para isto já tinha sido criado um
marco institucional, mas era necessário enforcement para fazer cumprir seus preceitos. A lei
demandava por ganhos em racionalidade na forma de realizar a execução orçamentária, pois
ambicionava criar regras mais impessoais a serem seguidas e, principalmente, capacidade de
controle para exigir que essas regras realmente fossem cumpridas.
Grande parte dos procedimentos administrativos das licitações eram realizados pelas
unidades de despesas. Para o controle desses passos o legislador, como observamos acima, deu
grande ênfase aos controles sociais, ou seja, a possibilidade de controle por parte dos cidadãos.
No entanto, a suspeita de que apenas os controles sociais não bastavam, levou ao legislador a
exigir novos arranjos que incidiam diretamente nas estruturas fazendárias, mas que tinham
impacto sobre as unidades gastadoras.
Um grupo de exigências demandava, em São Paulo, uma mudança na própria forma
de processar a execução orçamentária, mudança esta que levasse a uma maior previsibilidade no
repasse de recursos, a saber: (a) que as compras fossem feitas apenas com a correspondente
provisão orçamentária; (b) que os pagamentos fossem feitos na data certa; (c) que esses
74
pagamentos fossem acertados na ordem cronológica. Outro grupo eram regras que visavam dar
parâmetros de referências de preços com o intuito de tornar possível o controle da
economicidade. Estes, se bem factíveis de serem criados, eram de difícil implementação,
principalmente por uma questão de custos. Eram (d) à criação de um sistema de registro de
preços; e (e) à catalogação de produtos homogêneos para uma tentativa de padronização forçada.
Todas estas exigências não eram de aplicação automática, como os controles sociais. Havia que
criar condições para implementá-las38.
Concluindo, partimos da constatação que a contratação de bens e serviços é um das
ações do Estado que mais precisa de controle, dada a complexidade operacional e os altos valores
envolvidos. Em 1993, o legislador criou um novo marco institucional (a Lei 8.666/93) no qual
tentou limitar o poder discricionário dos agentes públicos e as oportunidades de
comportamentos oportunistas, por um lado, por meio de mecanismos que permitissem um maior
controle social, e por outro, através de uma regulamentação exaustiva dos processos.
As possibilidades de controle social criados foram importantes assim como foi
também importante o aumento de atribuições dadas pela lei aos controles externos,
principalmente nas grandes contratações. Não entanto, esses controles mostram-se insuficientes
para coibir os comportamentos oportunistas nas pequenas e medias contratações, pois estas têm
características particulares, ou seja, são realizadas em grande número e são extremamente
atomizadas, portanto, não despertam grandes atenções na mídia nem na sociedade em geral.
Neste tipo de contratações, é mais importante o controle dos processos, do tipo patrulha de polícia.
38 O principal problema quanto à criação de um sistema de registro de preços, de catalogação de produtos homogêneos e da formação de bancos de dados, era à inflação, que desatualizaria semanalmente os preços. No entanto, os efeitos distorcidos criados pela inflação poderiam ser contornados com atualizações de preços em curtos espaços de tempo. A inflação não inviabilizava o modelo de bancos de dados, mas o tornava muito caro.
75
A regulamentação exaustiva a que foi alvo esse tipo de controle criou problemas de
aplicabilidade. Diferentemente dos controles sociais, os novos mecanismos processuais da Lei
8.666/93 não eram de aplicação automática, pois deviam ser implementados. Este problema foi
constatado no estudo de caso feito no processo de compras governamentais do Estado de São
Paulo, no qual, grande parte das demandas da lei não eram cumpridas. Isto se deveu ao fato de
que para implementar os mandados da lei era necessário criar capacidade para reorganizar a
estrutura interna dos aparelhos administrativos. Isto é, a lei obrigava a ganhos em racionalidade
administrativa.
76
CAPÍTULO 3
O CONTROLE NA SECRETARIA DA FAZENDA
A utilização da TIC como ferramenta de apóio à criação de novas estruturas de
controle é um procedimento que ocorre, em maior ou menor grau, em muitos países desde o
começo da década de 1990. No Estado de São Paulo, até 1994, não havia sido implementada
praticamente nenhuma iniciativa neste sentido. O inicio da sua utilização aconteceu em 1995,
quando assumiu o poder estadual o partido comandado pelo ex-senador Mário Covas (PSDB)
após vencer as eleições de outubro de 1994. O objetivo era utilizar a potencialidade oferecida
pelos avanços da TIC para, entre outras coisas, aumentar a capacidade de controle, gestão e
coordenação do governo sobre a administração pública, que era extremamente deficiente.
A intenção deste capítulo é mostrar, em primeiro lugar, o contexto que levou a
implementação de políticas públicas visando o uso de sistemas de informação pelo governo
Covas. Em segundo lugar, devemos ter presente que o uso intensivo da TIC não se resume à
instalação de computadores de forma indiscriminada. Esse processo responde a determinados
conceitos que irão acompanhar o desenvolvimento das reformas administrativas e, inclusive,
influirão nelas de forma decisiva. Neste sentido, a seguir, tentaremos entender esses conceitos.
Finalmente, entendido o contexto e os conceitos associados à TIC, e tendo como foco a situação
descrita no capítulo anterior, isto é, a forma como se processavam as compras governamentais e
a execução orçamentária na Secretaria da Fazenda do Estado, mostraremos como determinada
forma de introdução dos referidos instrumentos informacionais permitiram obter ganhos em
racionalidade administrativa, menores custos e possibilidades de ganhos em expertise
77
organizacional. E que esse processo começou a minimizar em alguns aspectos importantes a
assimetria informacional entre governo/burocracia.
O ESTADO DE SÃO PAULO
Em junho de 1995 visitei o ex-governador Mário Covas, no Palácio dos Bandeirantes.
Encontrei-o angustiado, aflito. ‘Seis meses de governo e até hoje não consegui entender
as contas que recebi’, repetia desesperado, com a sensação de que perdia tempo
mergulhado no caos, um emaranhado de papéis e números confusos, inconfiáveis,
anárquicos, herdados da administração Fleury39.
Em 1995, ao assumir o Governo do Estado o ex-senado Mario Covas, o quadro
econômico-financeiro apresentava-se extremamente grave devido, entre outros aspectos: (a) aos
altos déficits orçamentários (ver Tabela 1); (b) ao alto nível de endividamento público que
alcançava R$ 33,4 bilhões e representava à época o equivalente a 170% da arrecadação tributária
anual; (c) ao descontrole financeiro das empresas estatais, quase todas descapitalizadas; e (d) às
transformações no panorama econômico nacional, devidos aos juros altos que ancoraram o
recém implementado Plano Real e que aumentavam diariamente a já imensa dívida pública do
estado40.
39 Caldas, Suely. A Lei Fiscal faz a diferença. Jornal O Estado de São Paulo. Dia 30 de agosto de 2002, pág. A9. 40 Para uma visão abrangente do quadro econômico-financeiro do Estado de São Paulo e a situação das empresas estatais, ver “Relatório do Secretário”. Secretaria da Fazenda (1997). Disponível: http://www.fazenda.sp.gov.br/download/relatorio.asp
78
A Tabela 1, referente à execução orçamentária do governo paulista entre os anos de
1987 a 1994, mostra que os déficits fiscais variaram entre 7,8% em 1987 a 25,6% em 1993. A
média anual nesses oito anos situou-se na casa dos 16%.
TABELA 1 Execução orçamentária do Estado de São Paulo (1987/1994)
(dados selecionados; valores em R$ milhões) 1987 1988 1989 1990 1991 1992 1993 1994
Total de Receitas 23.969 22.332 28.234 28.482 25.387 25.039 27.693 24.996
Total de despesas 25.834 25.542 30.849 33.858 28.452 29.958 34.772 30.429
Superávit/Déficit (1.864) (3.210) (2.616) (5.376) (3.065) (4.919) (7.089) (5.433)
Déficit em relação às Receitas totais
7.8 % 14.4 % 9.3 % 18.9 % 12.1 % 19.6 % 25.6 % 21.7 %
Fonte: Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo.
Durante esse período, a administração pública tinha sofrido uma expressiva
deterioração das condições operacionais e a conseqüente queda na sua efetividade (Falcão, 2002).
Um estudo feito pela FUNDAP (1995) analisa as conseqüências dessa deterioração em São
Paulo:
Observa-se a profusão de controles burocráticos e de atividades voltadas para a garantia
da sobrevivência dos órgãos e, portanto, dos empregos, assim como sua expansão [...]
Nesses casos, tendem a adotar uma orientação voltada às atividades-meio, sem um
enfoque nos objetivos a serem atingidos. À medida que perdem gradativamente o
contato com o ambiente exterior e voltam-se para a patologia interna, instala-se um
processo de ‘esquizofrenia organizacional’. Nesse momento, essas organizações tornam-
se autofágicas, consumindo grande parte de seus recursos – orçamento, tempo e energia
– exclusivamente para manter a própria sobrevivência (FUNDAP, 1995, p. 34).
Esse processo atingia sobremaneira as secretarias meio de governo (Fazenda,
Governo, Administração e Planejamento) em grande medida decorrente da luta constante por
79
recursos e espaço de poder, agravada pelo conflito histórico do peso relativo que tinham as
diferentes forças políticas na composição dessas secretarias. Por exemplo, o relacionamento entre
a Fazenda e o Planejamento apresentava um padrão de permanente tensão, explicado também
pela própria natureza de suas respectivas funções: “Enquanto o Planejamento trabalha com as
perspectiva de longo prazo e de recursos ilimitados – posto que a demanda tende a ser infinita –
a Fazenda atua dentro de uma visão de curto prazo, centrada na escassez dos recursos
disponíveis” (op. cit., p. 38/39). Já a Secretaria da Administração, encarregada da gestão dos
recursos humanos e da informática, da administração de materiais e do patrimônio imobiliário,
tinha uma precária integração com os outros órgãos e padecia de baixa operacionalidade no
referente aos mecanismos de administração dos recursos. Em conseqüência, no conjunto da
administração, existia fragmentação de ações, falta de coordenação e impossibilidade de
sistematizar indicadores globais que tornassem possível a avaliação da execução orçamentária, do
alcance do impacto das políticas públicas implementadas, do controle da gestão e do controle das
contas públicas. A precariedade no fluxo de informações beneficiava o surgimento de situações
de favorecimento de interesses alheios ao Estado (op. cit., p. 37).
Ante essa situação, isto é, de altos déficits, alto endividamento e desorganização
administrativa, durante os primeiros meses do governo Covas, segundo descreve Neide Hahn
(1998), a ênfase do governo foi dada fundamentalmente à gestão cotidiana por meio de medidas
orientadas pragmaticamente a produzir alterações administrativas. Não houve ações concretas
para intervir nas dimensões institucionais rumo a uma mudança do Estado. "Havia urgência para
operar um aparato que se sabia desmantelado e gerir a administração da uma massa falida"
(Hahn, 1998, p.38). O déficit e a dívida do estado eram tão altos que impediam a alocação de
recursos para implementar qualquer projeto. Ou seja, a prioridade era o ajuste nas contas
80
públicas, sem o qual não se conseguiria alcançar o mínimo de governança. Buscava o novo
governo, ante tudo, criar capacidade de coordenação e controle sobre as ações e os agentes do
Estado.
As referidas intervenções administrativas foram iniciativas dirigidas a mudar a
estrutura e procedimentos dos órgãos integrantes da área de coordenação do governo, as áreas
meio, através de um processo que tinha como objetivo centralizar o poder decisório e a posse da
informação. Nessa reforma, duas secretarias meio foram privilegiadas: a de Governo e a da
Fazenda. A Secretaria de Planejamento ficou reduzida a funções técnicas (elaboração do
orçamento e acompanhamento de sua execução)41, pois se retiraram as funções de “gestão
governamental”, que foram transferidas para a Secretaria de Governo. E a Secretaria de
Administração foi paulatinamente esvaziada em suas funções até sua extinção, em 1998. Ou seja,
quase todas as funções meio do governo ficaram centralizadas naquelas duas Secretarias de
Estado.
Para articular esse processo de centralização administrativa, montou-se um grupo
executivo de planejamento e gestão na Secretaria de Governo: a Unidade de Gestão Estratégica
(UGE), com o objetivo de coordenar as principais ações governamentais e implementar quatro
programas escolhidos como estratégicos para estabelecer uma reforma administrativa e que
correspondiam aos eixos centrais de intervenção sobre o conjunto da administração do estado42.
Os programas eram relativos a: (a) reforma institucional da administração, contendo diretrizes
para as principais alterações na organização e atuação do setor público; (b) valorização dos
recursos humanos; (c) parcerias, concessões e privatizações; e (d) concepção e implantação de
sistemas de informação. Ou seja, recursos humanos, reforma institucional, informação (e
41 A Secretaria de Planejamento também ficou encarregada de coordenar o Programa Estadual de Desestatização.
81
comunicação) e parcerias constituíram as chamadas áreas estratégicas de intervenção do Governo
Covas43.
Dado o objetivo deste trabalho, nos deteremos apenas no Programa de Informação e
Comunicação. Tal programa tinha finalidades amplas, pois visava criar instrumentos, por meio da
tecnologia de informação, capazes de melhorar a gestão governamental, as possibilidades de
planejamento, as comunicações, o controle e a coordenação entre os agentes do governo. Além
disso, continha sub-projetos de alcance social, que resultaram, mais tarde, na instituição do
programa “Acessa São Paulo” e do “Poupatempo”, entre outros44. Ademais, contemplava
incentivar e fortalecer as iniciativas setoriais de informatização, como vermos no caso da
Secretaria da Fazenda.
Analisar o conjunto do programa, dado sua abrangência, nos faria perder o foco do
trabalho. Embora muitas das iniciativas fossem interligadas, devemos fazer dois recortes. Em
primeiro lugar, o campo de interesse são as iniciativas que incidiram na função controle
considerada em seu aspecto negativo, isto é, como sinônimo de fiscalizar, supervisionar, exercer
uma ação de controle sobre pessoas que realizam atos administrativos. E dentro deste aspecto,
para ter um fio condutor, nos concentraremos em entender o impacto do uso intensivo da
tecnologia nos controles sobre as compras e as contratações governamentais.
No entanto, como realçado na introdução do capítulo, o uso intensivo da TIC não é
apenas a introdução de computadores. Responde a determinados conceitos que serão
apresentados a seguir.
42 Ver o Decreto de criação da UGE no Anexo 1. 43 Uma análise desses programas e seus posteriores conseqüências, ver: Hahn, 1998. 44 O Programa “Acessa São Paulo” é um projeto de inclusão digital e o Poupatempo são postos que reúnem vários órgãos e empresas prestadoras de serviços de natureza pública num único espaço. Cf: http://www.saopaulo.sp.gov.br/home/index.htm
82
A TECNOLOGIA DE COMUNICAÇÃO E INFORMAÇÃO
O uso de computadores pelos governos é um fato que ocorre desde a década de
1960. No entanto, esta tecnologia era usada de una forma muito limitada conceitualmente. A
informática era uma atividade separada dentro de uma repartição. Por isso, o uso de
computadores, primeiro os de grande porte, e depois, a partir da década de 1980, dos PC´s
(Personal Computers), tiveram um impacto limitado na arquitetura administrativa dos Estados. A
revolução associada à TIC45 no começo da década de 1990 mudou essa realidade. Apenas quando
se desenvolveram as redes de computadores conectados entre si e com capacidade de distribuir,
compartilhar e gerar informações em tempo real (on line), pode-se falar de um potencial para
importantes transformações na Administração Pública. Foi nessa época que começou a
implementação, por Estados e unidades sub-nacionais, de políticas públicas visando o uso de
sistemas informacionais com diversos objetivos e de modo integrado, tais como os de monitorar
as transações dentro do Estado, apoiar as tarefas de controle, de arrecadação tributária, de
tomada de decisões e de planejamento, e para uma tentativa de prestação de serviços ao cidadão
com mais eficiência, entre outras inúmeras funções.
Podemos considerar três grandes campos conceituais criados a partir do advento da
TIC: o que se refere: a) à prestação de serviços ao cidadão (e-administração); b) ao fomento à
extensão dos processos democráticos (e-democracia) e c) à dinamização dos processos internos e de
elaboração de políticas públicas (e-governança) (Grande et alii, 2000).
A e-administração se refere a um conjunto numeroso de atividades, realizadas
principalmente por meio da Internet, através do qual onde os cidadãos em geral, e os empresários
45 A expressão “Tecnologia da Informação e Comunicação” (TIC) designa um conjunto de recursos tecnológicos usado para produzir e disseminar informações. É um conjunto de ferramentas que permitem, por um lado, arquivar
83
em particular, podem consultar, informar-se e realizar tramitações em tempo real com órgãos
governamentais. A e-democracia representa a incorporação de determinados mecanismos que
facilitem a participação do cidadão nos processos democráticos, tais como o acesso aos processos
legislativos, uma mais direta comunicação com os representantes eleitos por meio de meio
eletrônico e um melhor aceso à informação pública para a prestação de contas, entre outras. Por
fim, a e-governança consiste na utilização da TIC visando aumentar a capacidade de ação
governamental na implementação de políticas públicas, de gestão e de controle. Isto implica na
possibilidade de realizar ações orientadas a fortalecer a capacidade institucional, entre as quais, a
reestruturação organizativa, a desburocratização de normas e procedimentos e a capacidade de
controle sobre o andamento das ações governamentais. É neste último campo conceitual que nos
concentraremos.
Para uma melhor compreensão do assunto, devemos entender brevemente a
arquitetura interna das administrações públicas. Existem nas administrações públicas os
chamados sistemas administrativos (ou áreas meio) que são provedores de racionalidade (orçamento,
planejamento), de insumos reais (recursos humanos, financeiros e materiais) e de controle
(jurídico-administrativo e de auditoria-contábil). Este conjunto de atividades é o que permite que
as áreas fins, os chamados sistemas produtivos, atividades que geram produto público (segurança,
saúde, educação e inúmeras outras), possam cumprir suas funções, mas também que possam ser
controladas, ou seja, verificar se realmente cumprem as diretrizes traçadas pelos governantes.
(Farabollini & Pocoví, 2002, p. 23). Conseguir uma eficaz interação entre as áreas meio e as áreas
fins da Administração Pública sempre representou um desafio para os governos por causa, entre
outros motivos, da falta de fluidez nas comunicações, algo característico das grandes estruturas
e manipular textos, sons e imagens e, por outro, a comunicação. Podemos incluir entre estes recursos, o telefone
84
burocráticas. As primeiras iniciativas de e-governança foram idealizadas para tentar resolver esse
problema. Tratou-se da implantação sistemas de informação funcionando em rede com o
objetivo de interligar as áreas meio entre elas e, ao mesmo tempo, estender braços informatizados
para as áreas fins.
Cabe aqui uma breve explicação sobre os sistemas de informação utilizados pelos
governos, pois importante para um entendimento posterior do seu impacto no redesenho dos
mecanismos de controle. Os sistemas administrativos estão normalmente apoiados em sistemas de
informação transversais, porque atravessam as diferentes jurisdições públicas, enquanto os sistemas
produtivos correspondem a sistemas de informação verticais, ou seja, restritos a uma repartição. Os
sistemas de informação transversais são importantes não apenas porque são utilizados
conjuntamente por muitos órgãos governamentais, mas também porque podem fornecer
informação global e estratégica para a tomada de decisões e o controle. Já os sistemas
informacionais verticais estão orientados, em maior medida, a atender a demanda direta de
serviços por parte da sociedade, isto é, para a e-administração (Farabollini & Pocoví, 2002, p. 24).
São de especial interesse para este trabalho os sistemas de informação transversais,
pois têm maior impacto nas áreas meio das administrações públicas. Existem diferentes soluções
que se valem desses sistemas, embora estas soluções mudem na medida que evolui o
conhecimento e o ferramental técnico disponível. Os principais utilizados pelos governos são
basicamente de três tipos: o Gerenciador Eletrônico de Documentos (GED/workflow), o Portal de
Compras e o Portal Corporativo (Santos, 2002).
O GED é uma tecnologia que permite armazenar, localizar e recuperar dados em
formato digital. Sua implantação torna possível a automatização de tarefas, de decisões e o
(fixo e celular), o fax, a televisão, as redes (de cabo ou fibra ótica), e principalmente, o computador.
85
direcionamento de documentos nos diversos postos de trabalho. Se o GED permite organizar os
dados, o workflow permite conhecer o fluxo dos documentos, funcionando assim como aglutinador
das ações de cada uma das etapas do processo, isto é, pode-se ter um controle automático de
tarefas, eventos e prazos. Com o GED/workflow pode-se saber quem fez determinada parte de
um trabalho, em que ordem e sob quais condições. Informa também quais são as necessidades
para que a tramitação de um documento esteja completamente sistematizada (Santos, 2002, p.
13).
A idéia básica do Portal Corporativo é colocar, num único lugar (um portal), todas as
informações disponíveis da Administração, por exemplo, contratos, cadastros imobiliários, perfis
de funcionários, andamento de ações e obras, decisões, entre inúmera outras. Tem como
finalidade suportar o trabalho cotidiano da máquina pública e servir de instrumento para os
objetivos estratégicos do governo. Este tipo de portal utiliza normalmente aplicativos analíticos
para capturar informações armazenadas em bases de dados operacionais e no data warehouse
corporativo, fornecendo acesso às informações disponíveis em rede intranet46 (Santos, 2002, p.
14).
Os Portais de compras governamentais se constituem em diferentes soluções que, por
meio da tecnologia da informação, visam tornar mais eficiente e transparente o processo de
compras de bens e serviços pelos diferentes órgãos do Estado. Uma das soluções existentes
constitui-se o leilão eletrônico, que consiste em um pregão via Internet para negociações,
automáticas e abertas, entre os órgãos do Estado – os compradores – e os fornecedores do setor
privado.
46 Uma data warehouse é um conjunto de dados projetados para possibilitar tomadas de decisão e representa, além disso, uma visão das condições da organização num determinado momento. Com respeito à intranet, são redes de
86
Os sistemas acima mencionados são modelos ideais e incide na sua implementação o
conhecimento tecnológico do momento assim como as condições operacionais e financeiras
disponíveis. Existem outros modelos, mas de acordo com literatura, os mencionados já são
suficientes para a compreensão do assunto47.
Finalmente, a importância dos sistemas de informação funcionando em rede refere-
se ao fato de que altera as relações entre informação e fatores físicos, ou seja, tem impacto
na distância, no tempo e na memória (Fountain, 2001, p. 24/6). Isso significa que a digitalização da
informação e sua transmissão por meio de redes permitem diminuir o problema da distância,
devido à facilidade de interligar órgãos públicos dispersos geograficamente, o que facilita a
integração das diversas especialidades desenvolvidas em diferentes repartições públicas e permite
trabalhar de forma integrada por meio de redes.
O impacto da TIC sobre o tempo é evidente. O fluxo de informações não tende mais
a seguir apenas a verticalização hierárquica de uma estrutura burocrática, pois a informação tende
a fluir de forma horizontal. A TIC permite reduzir tarefas de controle de processos devido a que
estas tarefas se automatizam. Isto é, se transfere para as novas tecnologias funções exercidas pela
força de trabalho humana. Este mecanismo pode fazer desaparecer controles que emperram o
andamento da administração. Da mesma forma, pode diminuir funções intermediárias dada a
maior facilidade permitida pelos sistemas para receber e transmitir a informação requerida seja
para a tomada de decisões, seja para executar as tarefas de controle, que agora podem ser
realizadas em tempo real, mesmo a distancia.
comunicação internas às corporações e aos governos. Uma corporação ou um governo pode disponibilizar (ou não) conteúdos da sua intranet na Internet. 47 Para uma descrição detalhada sobre sistemas de informação, ver: Kenneth Laudon & Jane Laudon: Essentials of Management Information Systems – Transforming Business and Management, Ed. Prentice Hall, 1999.
87
Por fim, a memória, instrumentalizada em grandes bancos de dados, permite registrar,
consultar, atualizar e controlar as atividades diariamente. O compartilhamento de bancos de
dados permite tomar decisões amparadas em regras comuns, referendadas nas mesmas aplicações
de informática.
As alterações na relação entre informações e os fatores físicos possuem um impacto
muito forte nos custos da administração para obter e concentrar informações. A tecnologia pode
permitir que uma grande estrutura burocrática possa ter um desempenho administrativo
equivalente a um pequeno empreendimento comercial. É esta potencial redução dos custos que
proporcionou a possibilidade de viabilizar projetos de reforma administrativas que eram muito
caros e de difícil implementação.
Entendidos os principais conceitos associados à TIC, vejamos a seguir a reforma
administrativa realizada na Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo. O ponto de partida é a
situação descrita no capítulo anterior, e o ano fundamental, o de 1995. Descreveremos passo a
passo as iniciativas desse ano, embora de forma rápida, porque se tratou de um processo de
busca e implementação de novos conceitos de administração pública, com todas as tenções
implícitas a qualquer mudança nas relações de poder.
A INTERVENÇÃO
Em janeiro de 1995, o novo governador Mario Covas nomeou Secretario da Fazenda
o professor da Fundação Getulio Vargas, Yoshiaki Nakano, com a recomendação de iniciar um
processo de modernização da estrutura fazendária paulista. Pretendia-se realizar uma reforma que
criasse um novo modelo de contabilidade pública e de controles, mais estruturados e afinados
com as finanças. Um modelo do qual se conseguisse extrair informações substantivas para o
88
planejamento e a tomada de decisões, tendo como base as diretrizes do Programa de Informação
e Comunicação.
Nakano tomou conhecimento nesses primeiros meses de governo que existia em
andamento uma tentativa de reformulação do setor tributário (a CAT) e que uma visita de
técnicos do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) era aguardada para o mês de abril.
O BID estava financiando programas de modernização de arrecadação tributária em países
Latino Americanos. A CAT, com uma organização melhor, mais bem estruturada e com
melhores quadros que os setores de contabilidade, auditoria e finanças, já havia iniciado a
elaboração de um projeto de reforma do setor tributário para ser apresentado ao BID. Nakano,
diante disso, ambicionando fazer avançar a Secretaria como um todo, e não apenas parte dela,
estimulou às outras áreas a elaborar projetos de modernização. No entanto, dada a histórica
dificuldade de lograr uma coordenação entre as burocracias dos setores financeiro (CAF),
contábil (CGE), auditoria (AUDI) e das Entidades Descentralizadas (CED), Nakano contratou
nesses primeiros meses de 1995 a Walter Soboll, engenheiro de fora dos quadros da Fazenda,
com o cargo formal de diretor da CED. Informalmente, tornou-se coordenador do projeto de
modernização pretendido pelo Secretário.
Soboll, num primeiro momento, conseguiu reunir um grupo de funcionários com o
propósito de coletar informações, trocar experiências e, por fim, tentar elaborar um projeto para
ser apresentado ao BID. A expertise dos funcionários era fundamental para entender o
funcionamento da máquina administrativa48. O grupo chegou ao consenso de que era
impreterível iniciar uma informatização maciça. Avaliou-se que se devia avançar na procura de
48 Os funcionários que encamparam rapidamente o projeto de modernização pretendido por Nakano e Soboll foram principalmente do setor de contadoria que trabalhavam na sede central da Fazenda. Entre eles, o mais importante foi
89
um modelo informatizado que melhorasse o fluxo de informações da execução orçamentária e
torna-se o processo mais transparente e operacional que o existente. Portanto, o primeiro passo
era implementar um sistema único para todos setores que funcionasse em rede. Os desafios a
enfrentar eram: (a) como compatibilizar as tarefas dos vários setores, que atuavam de forma
muito autônoma; e (b) encontrar um sistema informatizado que suportasse a magnitude do
movimento contábil/financeiro de um Estado como o de São Paulo.
Ao mês seguinte, abril de 1995, não existia um projeto elaborado quando chegou a
missão do BID, preparatória de uma outra reunião, mais abrangente, que ocorreria no mês de
maio em Washington. Embora mais voltada à questão tributária, a discussão girou em torno de
diferentes modelos de tecnologia disponíveis e sobre novos modelos de contabilidade pública. O
BID insistiu na necessidade de apresentar um projeto para o mês de maio, na reunião em
Washington.
No entanto, a missão do BID a São Paulo e a possibilidade de lograr financiamentos
externos para modernizar as velhas estruturas fazendárias estaduais, repercutiu em outros
estados, cujos dirigentes começaram a pressionar o Governo Federal com a intenção de
participar dos futuros empreendimentos. Era uma época na qual os novos governadores
chegaram ao poder com o discurso da modernização, das reengenharias e da redução do Estado.
Nesse contexto, o Governo Federal, que tinha uma articulação muito mais direta com o BID que
o governo paulista, percebeu a importância de aproveitar o momento e passou a centralizar a
articulação. Desta forma, na reunião em Washington de maio, a agenda esteve mais voltada à
elaboração de um projeto abrangente, para todos os estados da federação, e que deu como
resultado, embora um ano e meio mais tarde, ao Programa Nacional de Modernização das
um diretor da contadoria chamado Nelson Machado, que anos mais tarde se tornaria Ministro de Planejamento do
90
Administrações Fiscais dos Estados Brasileiros (PNAFE). Por esse motivo, o projeto paulista
deveria entrar em compasso de espera em vista da articulação do Governo Federal com o BID.
Entretanto, a coordenação da Fazenda paulista tinha ciência que esse processo poderia demorar
muito tempo, como realmente aconteceu, e existiam fortes pressões do governador Covas no
sentido de avançar a procura de um sistema informatizado, pois o governador ressentia-se da
pouca informação que podia extrair das atividades realizadas pela Secretaria da Fazenda. Covas,
que tinha sido Senador da República, utilizara freqüentemente no Congresso Nacional um
sistema informatizado de execução orçamentária da Fazenda Federal, chamado SIAFI (Sistema
de Administração Financeira do Governo Federal) e queria a replicação desse sistema em São
Paulo.
Outra pressão externa, no sentido de que a Fazenda melhorasse o fluxo de
informações, veio nesse mês, maio de 1995, do Tribunal de Contas do Estado, que manifestou
sua preocupação com as deficiências do controle das contas públicas paulista. O Tribunal
também reclamava da falta de qualidade das informações e pressionava no sentido de criar
mecanismos que melhorassem a fluidez de dados. O TCE, ciente das relações entre o Tribunal de
Contas da União (TCU) e a Secretaria Federal de Controle (SFC), que compartilhavam com
deputados e senadores os dados do SIAFI, assim como o governador também pediu a replicação
do sistema em São Paulo.
Em junho de 1995, o grupo de Soboll analisou, junto com técnicos do SERPRO -
gerenciador do SIAFI - a possibilidade do sistema ser implementado em São Paulo. No entanto,
o SERPRO apresentou-lhes um outro sistema que alegava ser mais funcional para as
Governo de Luis Inácio Lula da Silva.
91
características fazendárias dos governos sub-nacionais, chamado SIAFEM (Sistema de
Administração Financeiro para Estados e Municípios).
Nessa época, como observamos, o Governo Federal trabalhava com o SIAFI,
sistema informatizado instituído em 1987, no período da gestão Dilson Funaro como Ministro da
Fazenda e de Andrea Calabi como diretor do Tesouro. Embora inicialmente a função do SIAFI
era controlar o caixa, tinha com o tempo evoluído para bases mais abrangentes de informação.
Alguns anos mais tarde, o SERPRO elaborou o SIAFEM, sistema que era uma evolução do
SIAFI para ser utilizado por Estados e Municípios. A iniciativa de sua construção derivou de uma
visão da Fazenda Federal que remontava dos anos 60, que consistia na montagem de um sistema
de contabilidade pública articulado nacionalmente. A visão, no período militar, era o de criar uma
contabilidade para todo o setor estatal, incluído estados e municípios, que permitisse fazer a
junção, integração e conservação das contas públicas. Em 1995, estavam começando a aparecer
os instrumentos apropriados, mas já não existiam as condições políticas. Entretanto, existia a
convicção no SERPRO de que o SIAFEM poderia ajudar aos estados e municípios a modernizar
suas estruturas fazendárias. Apesar dos esforços do SERPRO em vender seu produto, até junho
de 1995, só tinha sido implantado de fato no Distrito Federal.
O SIAFEM continha parte dos pressupostos pretendidos pelo grupo paulista como,
por exemplo, que os dados sobre a execução orçamentária entrassem no sistema no local e no
momento em que tais dados eram gerados, e isso era fundamental para não ter trabalho de re-
digitação, como existia até esse momento por causa da incompatibilidade entre os computadores
dos diferentes setores da Fazenda. Em segundo lugar, era um sistema que integrava a
contabilidade propriamente dita à execução orçamentária e aos controles financeiros. Essa
condição não era comum à época. Em terceiro, tinha um sistema de transações que permitia
92
efetuar pagamentos, ou creditar o pagamento dentro da conta do fornecedor, por meio do
modelo de conta única. Por fim, permitia a emissão de documentos de forma eletrônica. Em
síntese, o SIAFEM era uma solução próxima do sistema transversal GED, pois permitia
armazenar, localizar e recuperar dados em formato digital os documentos utilizados para a
execução orçamentária. Por outro lado, encontraram disposição de ajuda técnica do SERPRO,
que tinha interesse em implantá-lo, pois São Paulo representaria uma imensa vitrine.
Durante a análise da viabilidade de implantação do sistema, o grupo de Soboll
percebeu que a principal dificuldade a enfrentar era convencer os diferentes setores da Fazenda a
abandonar suas rotinas e seus sistemas informatizados particulares para trabalhar em um sistema
único, que operasse em rede. Estudos prévios indicaram que com a entrada em funcionamento
de um sistema como o SIAFEM podia-se obter expressivos ganhos em racionalidade no modelo
de execução orçamentária, mas, para atingir esse objetivo, era necessária uma brusca mudança na
execução do ciclo orçamentário do Estado, com conseqüências organizacionais. Nestas
mudanças, muitos setores burocráticos perderiam prerrogativas, portanto, estava sujeita a
incertezas e eventuais boicotes. Além disso, a entrada em funcionamento do novo sistema não
levaria a uma mudança incremental, fato este que permitiria ir acertando os possíveis desajustes e
falhas de forma paulatina. Era uma transformação sem chances de volta. Mas, era também uma
corrida contra o tempo porque o governador Covas já estava se tornando impaciente com a
indefinição da Fazenda. Assim, Nakano e Soboll tomaram a decisão política de implantar o
SIAFEM “na marra”. Ou seja, decidiram desmontar da noite para o dia um modelo que
tecnicamente funcionava, embora fosse ineficiente, e implantar outro totalmente novo,
desconhecido, e passando por cima de qualquer resistência político/burocrática.
93
Em 15 de novembro de 1995, em uma reunião com todo o secretariado no Palácio
dos Bandeirantes, o governador Mário Covas tornou a implantação do SIAFEM/SP uma política
do Governo do Estado49, obrigando a todas as Secretarias, e mais tarde a toda a administração
indireta, com exceção das universidades e da FAPESP, a cumprir as demandas requeridas pela
Fazenda necessárias para a consecução do empreendimento. O novo sistema devia entrar em
funcionamento no inicio do próximo ano fiscal, dia 02 de janeiro de 1996, ou seja, em menos de
50 dias.
A implantação do SIAFEM/SP em tão curto espaço de tempo foi possível em
grande medida devido à existência de uma empresa estadual: a Companhia de Processamento de
Dados do Estado de São Paulo (PRODESP) que estava comprometida com o Programa de
Informatização e Comunicação do Governo Covas.
A PRODESP é uma empresa do governo do Estado de São Paulo criada em 1969
para iniciar o processo de informatização da administração pública, principalmente para o
processamento da folha de pagamento e o lançamento de tributos. O alto custo dos
equipamentos obrigou ao governo da época a criar um centro único, que atendesse as
necessidades de todo o Estado. Com o correr do tempo, os serviços da empresa tornaram-se
caros e morosos. Isto, junto à disseminação dos micros na década de 80, levou a um esgotamento
desse modelo centralizado, fato este que levou ao Conselho Estadual de Informática (CONEI),
em 1991, a outorgar autonomia aos órgãos estaduais para desenvolver seus próprios sistemas
(FUNDAP, 1995, p. 28). No entanto, as novas tecnologias que estavam surgindo, principalmente
as relacionadas as redes informacionais transversais, que dependiam da montagem de redes intranet
49 Em 21/12/95 foi promulgado o Decreto 40.566 que dispunha sobre a implantação no estado de São Paulo do Sistema Integrado de Administração Financeira para Estados e Municípios – SIAFEM/SP.
94
LAN e WAN e servidores50 muito potentes para o armazenamento de grande quantidade de dados,
fez recuperar a PRODESP um papel relevante na administração paulista.
A eventual alternativa de contratação de uma empresa privada para montar e operar
o sistema apresentava alguns entraves. Em primeiro lugar, requeria uma licitação pública,
processo este que era demorado. Em segundo, os serviços da PRODESP eram caros, mas, por
ser do próprio governo (vinculada à Secretaria de Governo) podia ser contornada uma eventual
falta de recursos orçamentários. E finalmente, a empresa detinha parte do equipamento para
bancar o projeto. A PRODESP tomou como prioritário a implantação do SIAFEM/SP. Este
rodaria num sistema chamado natural adabas que os técnicos da empresa já conheciam.
Tecnicamente tinham, portanto, o embasamento da tecnologia de informação. O software era do
SERPRO, cujos técnicos não tiveram grandes dificuldades em trabalhar em parceria com a
PRODESP. O sistema começou a rodar em 02 de janeiro de 1996.
O SIAFEM/SP embora com alguns defeitos iniciais era uma realidade quando
retornaram os técnicos do BID para continuar as discussões sobre o processo de modernização e
o futuro sistema informacional “a instalar”. Este, no entanto, já estava funcionando.
A NOVA ORGANIZAÇÃO
O SIAFEM/SP foi concebido como um sistema informacional transversal para
operacionalizar e armazenar toda a informação da execução orçamentária e financeira do Estado.
Funcionava como um modelo GED, pois permitiu localizar e recuperar dados no formato digital
50 Local Area Network (LAN) é uma rede local que conecta vários computadores e outros dispositivos numa área definida, que pode ser uma sala, um departamento, um andar ou um prédio. Wide Area Network (WAN) é uma rede de longa distância de comunicação que cobre áreas geograficamente extensas como um estado, um país ou um continente. Um servidor é um computador que armazena, centraliza e distribui arquivos, serviços de correio eletrônico, redes de impressão, etc. Sua capacidade vai de um micro a um supercomputador.
95
durante todo o ciclo operacional de maneira controlada, constituindo-se, também, num enorme
banco de dados. Por sua vez, o workflow, que foi incorporado mais tarde, permitiu que se
conhecesse o fluxo dos processos, funcionando assim como aglutinador das ações de cada uma
das etapas. Entretanto, o mais importante a destacar é que o advento do SIAFEM/SP mudou a
lógica da execução orçamentária do Estado, principalmente porque seu funcionamento requeria
que essa execução estivesse integrada ao orçamento.
Entendamos os primeiros impactos do SIAFEM/SP nos diferentes setores da
Fazenda. Fisicamente, se eliminaram os sistemas computadorizados que utilizava cada setor para
operacionalizar suas rotinas. Todos passaram a usar um sistema único que operava em rede.
Inclusive foram colocados terminais nas mais de 700 unidades de despesa do estado. Cada
terminal tinha condições de emitir documentos.
Lembremos como era feita a movimentação financeira. As unidades de despesas
realizavam os gastos e, nos primeiros dias de cada mês, um agente da unidade comunicava-se
com o setor financeiro da sede central da SEFAZ informando a quantidade de recursos que
precisava para cobrir as despesas feitas. O setor financeiro enviava de forma imediata os recursos
para cobrir gastos em funções essenciais e o restante os enviava na medida que recebia recursos
da CAT. Quando a liberação de recursos se atrasava, os pagamentos eram protelados, e as novas
compras suspensas.
Com o SIAFEM/SP, o setor financeiro passou a informar diariamente às unidades
de despesas, por meio dos terminais, os recursos orçamentários da unidade, os disponíveis e os
de disponibilidade próxima. Portanto, começou a existir um conhecimento quase diário em cada
unidade de quanto e quando podia gastar. Com a disponibilidade dos saldos orçamentários em
96
tempo real, os gastos podiam ser feitos com os recursos previamente alocados. Esta era uma
exigência da Lei 8.666/93 (art. 14) que começou, desta forma, a ser cumprida.
Uma vez feito o gasto, os agentes das unidades de despesas passaram a emitir os
documentos necessários à operação pelo próprio terminal, de forma eletrônica, e os dados eram
transmitidos em rede diretamente ao sistema central. Com esses dados, o setor financeiro tomava
conhecimento do valor da transação, da data de pagamento e do fornecedor. A seguir, conferia se
tudo estava em ordem, e então, na data certa, depositava o valor diretamente na conta do
fornecedor.
A implantação do SIAFEM/SP, em primeiro lugar, obrigou ao setor financeiro a
instituir uma dinâmica que requeria maior previsibilidade na liberação dos recursos orçamentários,
embora isto tenha ocorrido de forma paulatina, pois foi necessário algum tempo de adaptação.
Essa previsibilidade levou a que os fornecedores do Estado recebessem em dia. Mesmo nos casos
de eventuais atrasos, o sistema permitiu catalogar, por ordem cronológica, quem devia receber
primeiro. Com estas previdências começaram a ser cumprida, em fim, as exigências do artigo 5º
da Lei 8.666/93. Em segundo lugar, permitiu uma centralização financeira. Dado que os recursos
deixaram de ser repassados às unidades de despesas, o fornecedor começou a receber
diretamente da central da Fazenda51 por meio de depósito em conta sua corrente. Assim,
eliminaram-se inúmeras contas bancárias que geravam milhares de transferências entre as contas
das unidades com o tesouro estadual, para trabalhar com um sistema de conta única. Isto
simplificou o controle, pois se eliminaram inúmeros controles processuais sobre a movimentação
financeira do estado. E em terceiro lugar, o setor financeiro perdeu certas prerrogativas, como o
do monopólio das informações sobre o fluxo de caixa. Esta informação tornou-se disponível
51 Com exceção dos recursos para os chamados “gastos miúdos”, ou seja, até R$ 1.000,0.
97
para qualquer pessoa que tivesse acesso à rede. Isto começou a melhorar de forma substantiva a
transparência.
Quanto à contabilização das operações, observamos que o registro processual era
feito por aproximadamente 500 contadores nos 21 escritórios seccionais de contadoria. Como
este trabalho passou a ser feito nas próprias unidades de despesas, por meio de terminais ligados
diretamente ao computador central, foi possível eliminar todos esses escritórios e reduzir para
apenas 50 os contadores necessários para realizar a escrituração contábil. Por outro lado, a
unificação das operações dos setores em um único sistema permitiu reduzir os 79 documentos
necessários para operacionalizar a execução orçamentária, para apenas 7. Assim, eliminou-se o
trabalho de 100 funcionários que re-digitavam dados52.
Finalmente, recorreu-se a um re-arranjo organizacional para poder compartilhar o
novo modelo de execução orçamentária com as necessidades de controle, o que será visto no
próximo capítulo. Foi então criada a Coordenadoria Estadual de Controle Interno (CECI)53.
Ficaram subordinadas à CECI o novo Departamento de Controle Interno (DCI) - que resultou
da fusão do setor de Auditoria (AUDI) com a Coordenadoria das Entidades Descentralizadas
(CED) - e a contadoria (CGE), órgão que estava subordinado ao setor financeiro (CAF)54.
52 Esses funcionários foram paulatinamente absorvidos pela nova estrutura, por meio de um processo de reciclagem. O novo sistema precisava de funcionários para tarefas envolvendo orientação, controle e investigação de procedimentos relacionados à execução do gasto público. Para entender essas novas funções, ver Soboll (1998) e Machado (1998). 53 A CECI foi criada por meio do Decreto 41.312 de 13 de novembro de 1996. 54 Mais tarde foi criado o Departamento de Compras e Contratações (DCC), ligado ao CECI, para assumir o controle das compras governamentais.
98
Organograma 4 Estrutura organizacional da
Secretaria da Fazenda (1996/2000)
CAF: Coordenadoria de Administração Financeira; CECI: Coordenadoria Estadual de Controle Interno; CGE: Contadoria Geral do Estado; DCI: Departamento de Controle Interno.
Observe-se que, dentro da perspectiva organizacional que o uso da TIC
proporcionou, a criação da CECI não foi apenas uma união de setores, mas uma profunda
mudança, pois as 37 diretorias que possuíam os três antigos órgãos foram reduzidas para 13 na
CECI55. Isto é, 25 diretorias foram extintas.
A RELAÇÃO ENTRE INFORMAÇÃO E FATORES FÍSICOS
O SIAFEM/SP é um sistema de informação que sustenta um sistema administrativo,
ou seja, um sistema gerador de insumos utilizados por todos os órgãos do estado. Este tipo de
sistema afeta a relação entre informação e fatores físicos, ou seja, entre a informação e o tempo, a
memória e a distância. Este processo tem um impacto real nos custos administrativos, pois permite,
entre outros aspectos, mecanizar funções exercidas pela força de trabalho humana e diminuir
sensivelmente o custo das comunicações. Observemos que esse impacto é direto e deriva do
próprio avanço tecnológico.
55 Para uma visão abrangente dessa mudança organizacional, ver Soboll, 1998.
99
No entanto, é importante destacar que se bem a tecnologia facilita, acelera e melhora
os processos, dificilmente os determina. Automatizar tarefas administrativas sem analisar seus
objetivos e as necessidades de informação para o governante pode resultar apenas numa
mecanização do modelo administrativo existente que, embora leve a menores custos
administrativos, pode não ser muito relevante para minimizar o problema de assimetria de
informação. Em outras palavras, se um órgão está sustentado num modelo processual caótico, a
informatização pode apenas reproduzir de forma mecânica esse caos.
O aspecto mais importante, e que tem impacto não apenas na redução dos custos de
obter informações, mas também pela possibilidade de obter ganhos em expertise organizacional,
refere-se ao fato de que a TIC pode levar a ganhos em racionalidade administrativa. Mas aqui já
não estamos tratando de uma questão puramente técnica ou administrativa. Esta questão
depende de decisão e habilidade política.
Devemos levar em conta que a tecnologia é apenas uma ferramenta. Sua
incorporação não depende apenas de recursos e de conhecimento técnico. Existe a necessidade
de superar obstáculos normativos, de particulares arranjos institucionais, de resistências
burocráticas e dos problemas que se originam de complexos fatores que mudam com o tempo.
Por exemplo, na década de 1980, o advento da tecnologia dos PCs, pequenos,
baratos e relativamente fáceis de usar, permitiu o desenvolvimento de sistemas particulares que se
desenharam e implantaram para responder a necessidades imediatas de cada repartição pública.
Esse processo, embora foi um avanço à época, permitiu a proliferação de programas e arquivos
eletrônicos individuais para atender a demandas específicas, sem a preocupação com o
compartilhamento de informações. Também, teve como conseqüência impossibilitar que as
organizações tivessem uma visão global de seus próprios dados e informações. Esse modelo não
100
melhorou os problemas da informação protegida pelo sigilo burocrático. Pelo contrário, criou um
entrave na implantação das novas tecnologias que estavam surgindo na década de 1990,
principalmente as relacionadas as redes informacionais transversais, tecnologias estas que respondem a
uma lógica diferente. Contrariamente à base tecnológica que impulsionou o advento dos PCs, são
sistemas que tem potencial para atuar como eixos integradores da organização e que podem ter
alto de impacto na obtenção de ganhos em racionalidade e transformação da administração
pública. No entanto, dificilmente esse processo possa ser realizado com chances de êxito
adaptando a tecnologia ao modelo organizacional. Requer em grande medida o caminho inverso,
isto é, que a organização seja adaptada as potencialidades da nova tecnologia. E neste ponto, o
impacto tecnológico afeta o exercício do poder numa organização, pois nesse re-arranjo haverá
ganhadores e perdedores. Frente a essa situação, no caso paulista, houve habilidade política nos
propulsores das mudanças em recrutar funcionários, que ganharam – em status, ou com
promoções - com a reforma. A expertise, tanto técnica quanto organizacional desse grupo foi
imprescindível para levar adiante a reforma que acompanhou a entrada em funcionamento do
SIAFEM/SP e a posterior modernização do sistema.
Foi essa habilidade política que permitiu realizar mudanças administrativas que
levaram a ganhos em racionalidade. Com a melhora no fluxo de dados, pelo impacto da
tecnologia nos fatores físicos, foi possível uma re-organização processual e organizacional que
permitiu diminuir controles redundantes sobre a escrituração contábil. A conseqüência foi a
extinção dos 21 escritórios seccionais da contadoria, das 21 diretorias respectivas, das tarefas que
realizavam 450 contadores e de toda a infra-estrutura de suporte. Da mesma forma, o impacto da
tecnologia nos fatores físicos, eliminou a necessidade de re-digitar dados de um setor para outro,
a diminuição de controles financeiros e facilitou a obtenção de dados para a consolidação das
101
contas públicas na contadoria, entre outros aspectos. Este processo de ganhos em racionalidade
permitiu uma diminuição lenta e gradual do número de funcionários ao longo dos anos que se
seguiram à implantação do SIAFEM/SP. Observemos essa evolução na tabela 2:
TABELA 2 Número de funcionários da Secretaria da Fazenda (1994/2001)
Ano 1994 1995 1996 1997 2000 2001
Funcionários 10.334 9.735 9.076 8.834 8.377 8.210
100 94,2 87,8 85,5 81,0 79,1 Fonte: Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo.
No ano de 2001, a Fazenda operava com 21% funcionários menos que em 199456.
No prédio da Secretaria da Fazenda, andares inteiros ficaram vazios. O que antes era um labirinto
de salas separadas por divisórias, com funcionários compartindo espaços reduzidos com imensos
amontoados de pastas com processos, deu lugar a amplas salas, airadas, com funcionários
esparsos espacialmente. A diminuição de funcionários não respondeu a questões ideológicas, mas
primeiro à mecanização, e depois, a ganhos em racionalidade administrativa. Esses ganhos em
racionalidade referem-se, especialmente, à integração num único sistema do orçamento com a
execução orçamentária, fato que obrigou ao setor financeiro a instituir uma dinâmica que requeria
previsibilidade na liberação dos recursos e maior transparência sobre a o fluxo de caixa. Esta
diminuição de poder discricionário permitiu o cumprimento de demandas requeridas pela Lei
8.666/93.
Os ganhos em racionalidade levam a ganhos em expertise organizacional. Apenas para
citar um exemplo, no antigo sistema, eram necessários 79 documentos para a execução
orçamentária e, portanto, muita informação sobre a função de cada documento e seu respectivo
56 Na Secretaria da Fazenda são muito poucos os cargos de confiança, ou seja, funcionários não-concursados passíveis de serem dispensados numa troca de governo. A redução de funcionários deu-se por meio de programas de demissão voluntária ou aposentadorias.
102
caminho burocrático. Com o processo de racionalização, foram reduzidos para 7. Isto se deveu a
que se eliminaram controles processuais e documentos redundantes. Se isto já foi um avanço em
matéria de conhecimento organizacional, a implantação do workflow permitiu ainda a possibilidade
de conhecer exatamente o caminho de cada documento e sua situação num determinado
momento.
Em síntese, a mecanização e a melhora no fluxo de dados com a introdução dos
sistemas teve um impacto nos fatores físicos e, em conseqüência, melhoras nos custos de obter
informações. Não entanto, isto, por si só, não resolve o problema da necessidade de obter
ganhos em expertise organizacional. Para isto, a mecanização deve vir acompanhada de uma re-
arranjo organizacional que leve a ganhos em racionalidade administrativa. Este processo, além de
melhorar mais ainda o problema da obtenção de informação, produz ganhos em expertise
organizacional.
Modernizar a estrutura fazendária dentro de um legado de baixo desempenho e
pouca cooperação significou promover um conjunto de mudanças institucionais visando
transformações nas formas de controle e gestão entre as diversas partes do sistema burocrático.
No entanto, como observamos, reformas administrativas envolvem elevados esforços para
transformar as regras do jogo. Os atores propulsores de mudanças57 se constituíram no epicentro
de um conjunto de pressões internas e externas à Fazenda. Transitar entre essas pressões
produziu resultados sub-ótimos, caso do SIAFEM/SP, um sistema baseado em uma tecnologia
que já era bastante obsoleta em 1995, e que mais tarde requereu esforços adicionais para ser
57 O principal propulsor das mudanças na Fazenda paulista, como observamos, foi Walter Soboll, engenheiro que não era dos quadros da Secretaria. No entanto, foi o diretor Nelson Machado quem deu “credibilidade” ao trabalho de Soboll, isto é, conseguiu que suas iniciativas fossem aceitas pela burocracia. O mérito e, principalmente, a habilidade política para implementar essa importante reforma, deve ser atribuída a ambos.
103
modernizado. No entanto, o SIAFEM/SP permitiu “queimar os navios”, ou seja, criou uma
situação sem retorno.
Para efeitos de controle, o SIAFEM/SP era basicamente um imenso banco de dados.
A tecnologia tinha começado a fazer seu papel, mas dificilmente, por si mesma, resolve
problemas substantivos com relação ao controle. Havia que transformar esses dados em
informação, e a seguir, a informação em conhecimento, ou seja, informação valiosa à mente
humana, que inclui reflexão, síntese e contexto. Se a mecanização e os ganhos em racionalidade
permitiram reduzir os custos de obter informações e ganhos em expertise organizacional, é com
conhecimento institucionalizado com o qual se obtêm expertise técnica. E o que desenvolveremos
nos próximos dois capítulos.
104
CAPÍTULO 4
OS ARRANJOS DE CONTROLE
Neste capítulo será dado seqüência as reformas administrativas da Secretaria da
Fazenda do Estado de São Paulo. O objetivo é mostrar, em primeiro lugar, o processo de
transformação de dados em informação, principalmente por meio da implantação de novos
sistemas gerenciais e de apóio. Em segundo, a transformação de informação em conhecimento, e
como este processo permitiu a criação de arranjos de controles mais eficientes. Finalmente, será
dada ênfase à questão organizacional do Controle Interno.
O DEPARTAMENTO DE CONTROLE INTERNO
Em outubro de 1996, o BID aprovou um empréstimo de U$ 500 milhões ao Brasil
em apoio à modernização fiscal dos estados dentro do projeto PNAFE (Programa Nacional de
Modernização das Administrações Fiscais dos Estados Brasileiros). Tal aporte de recursos foi
revertido para investimentos dirigidos à instrumentalização das gestões tributária e financeira das
secretarias estaduais de fazenda. Os investimentos abrangeram as categorias de consultoria,
capacitação, recursos de informática, equipamentos de apoio e infra-estrutura física, e
contemplou apoio a projetos de modernização nas áreas tributárias para todos os Estados. Além
disso, o PNAFE financiou dez projetos voltados para a modernização da administração
financeira, entre eles o de São Paulo58.
58 O PNAFE, vinculado à Fazenda Federal, atua como órgão normatizador e coordenador do ponto de vista do conteúdo, das normas, da avaliação e da prestação de contas dos recursos repassados pelo BID a cada estado por meio do agente financeiro, a Caixa Econômica Federal.
105
Enquanto o programa federal estava sendo gestado, em São Paulo se trabalhava na
criação e implantação do SIAFEM/SP. No momento que o PNAFE finalmente foi criado, a
Fazenda paulista apresentou dois projetos para serem financiados pelo BID: o Programa de
Modernização da Coordenadoria de Arrecadação Tributária (PROMOCAT) e o Programa de
Modernização do Controle Interno e da Administração Financeira (PROMOCIAF). Os fundos
do BID para São Paulo foram de aproximadamente U$60,0 milhões que representaram,
contando a contrapartida do Governo do Estado, um valor em torno de U$120,0 milhões por
quatro anos. A metade foi para o PROMOCIAF e a outra metade para o PROMOCAT.
A entrada no programa do Governo Federal/BID por meio do PROMOCIAF
resolveu em grande medida a questão dos recursos que a Fazenda paulista precisava, entre outras
coisas, para contratar técnicos de fora dos quadros do governo, pagar os serviços da PRODESP,
reformular a Escola Fazendária e realizar vários outros sub-projetos (visando a modernização da
estrutura fazendária), alguns dos quais veremos mais adiante.
Com o problema do financiamento do programa minimizado, o próximo passo na
reforma foi o de construir uma estrutura de controle apoiada no SIAFEM/SP, pois as
possibilidades de domínio da informação que o sistema oferecia eram ainda inexploradas. Pela
primeira vez podia-se ter o “conjunto” dos dados, ou seja, econômicos, financeiros e
orçamentários disponíveis em tempo real. Mas havia necessidade de se criar arranjos com
capacidade de transformar os dados disponíveis no SIAFEM/SP em informação útil ao controle.
A idéia que substanciou a criação da Coordenadoria Estadual de Controle Interno
(CECI) foi a de que a contabilidade e a auditoria (assim como o órgão de controle sobre as
entidades descentralizadas) formassem parte de um único sistema de Controle Interno, portanto,
ligadas ao mesmo comando. Como o novo sistema contábil estava rodando num modelo único,
106
não era mais necessário, por exemplo, ter auditores para fiscalizar os contadores. Desta forma, a
auditoria, agora fazendo parte do Departamento de Controle Interno (DCI), estava liberado para
funções mais substantivas de controle.
Por meio do SIAFEM/SP, o DCI tinha condições de observar praticamente em
tempo real toda a movimentação orçamentária do Estado. No entanto, esse controle referia-se
ainda a informação contábil/financeira. Existiam dados disponíveis sobre o montante que se
gastava, mas ainda não se sabia “como” se estava gastando. Não existia capacidade para
compreender os gastos públicos como um todo, ou seja, verificar se esses gastos estavam
atingindo as políticas para os quais foram efetivamente alocados nem para verificar sua eficiência.
Para tornar isto possível foi necessário criar novas ferramentas informacionais e desenvolver uma
inteligência que estabelecesse um elo entre a contabilidade financeira e o resultado. Neste sentido,
tentemos entender o papel do Departamento de Controle Interno (DCI), órgão dependente da
CECI, para enfatizar a importância da transformação de dados em informação.
O DCI foi constituído por um diretor, um gabinete do diretor e sete Centros de
Controle Interno (CCIs). Estes centros tinham a função de realizar fiscalizações externas59.
59 Grande parte dos contadores que faziam a escrituração contábil nos extintos escritórios seccionais da contadoria passaram a fazer parte deste CCIs.
107
Organograma 5 Organização do Departamento de Controle Interno (DCI)
Obs: CCI 1, 2 .. Centro de Controle Interno 1, 2...
O gabinete do Diretor do DCI, ademais de realizar as funções administrativas
correspondentes, passou a atuar como uma “inteligência”, isto é, como uma “construtora” de
informações. Um corpo de técnicos foi desenhando modelos de análise e grande quantidade de
testes visando utilizar os dados extraídos do SIAFEM/SP e sus módulos (os quais veremos mais
adiante) com o objetivo de criar metodologias, procedimentos de análise e geração de
indicadores, em outras palavras, instrumentos que permitissem perceber com rapidez diversos
problemas dentro da instituição. Com o tempo, as ferramentas criadas permitiram a identificação
rápida de erros processuais e pontos precisos para fiscalização60. Uma das principais foi o sistema
chamado Controle Interno Gerencial (CIGER).
O CIGER é um programa de apóio ao processo de auditoria em todas as suas fases,
ou seja, disponibiliza, evidencia e avalia o produto das fiscalizações e sua implementação teve
impacto na relação entre informação e fatores físicos, ou seja, reduziu significativamente o tempo
para fechamento do processo de auditoria; reduziu o trâmite em papel; permitiu guardar em
bancos de dados, de rápida recuperação, os registros e eventos de fiscalizações, entre inúmeros
60 Para uma descrição detalhada, ver Neto & Roth (1998).
108
outros aspectos. Mas também sua implementação levou a ganhos em racionalidade no processo
de auditoria. Isto se deveu a que o CIGER permitiu: a implantação de uma linguagem uniforme;
a padronização de eventos por gravidade, dos procedimentos de controle e dos relatórios; e
metodologias e trilhas de busca de irregularidades61. Esse processo de racionalização tornou
possível que até 70% das fiscalizações fossem feitas na própria central da Fazenda, isto é, sem
deslocamentos até o local onde tinha ocorrido os atos administrativos, porque o CIGER baixou
sensivelmente os custos de obter informações. Da mesma forma, permitiu que as auditorias
externas fossem mais precisas, pois eram previamente municiadas de informações provenientes
do gabinete do Diretor. Isto porque começou a existir um melhor conhecimento da forma como
os processos funcionavam e, portanto, de como controlar esses processos.
OS SISTEMAS
A criação de outro grupo de ferramentas visando transformar os dados do
SIAFEM/SP em informação foi coordenado pelo gabinete da Coordenadoria da CECI. O
resultado foi a implementação, entre outros, de dois grandes sistemas: o Sistema Integrado de
Informações Físico-Financeiras (SIAFÍSICO) e o Sistema de Informações Gerenciais da
Execução Orçamentária (SIGEO). Entendamos suas utilidades.
O SIAFEM/SP era um excelente instrumento como sistema transacional e para
acompanhar a evolução dos documentos necessários a execução orçamentária. Mas, como banco
de dados, era um modelo padrão, homogeneizado. Com os instrumentos que o sistema oferecia
ate esse momento, para efeitos de controle, era possível saber rapidamente, por exemplo, quanto
o estado gastou em remédios e comparar o gasto de um ano com o outro ou comparar os gasto
61 Para entender como funciona o sistema, ver Holanda, Vitor (2002) Controladoria Governamental no Contexto do Governo
109
entre unidades hospitalares, mas não se conseguia saber os preços máximos, mínimos ou médios
praticados em um determinado período de tempo ou em uma determinada unidade hospitalar,
nem tampouco efetuar uma comparações entre eles. Tampouco era possível comparar os preços
pagos pelo estado com os preços de mercado. (Machado, 2000, p.169).
Com o tempo, a medida que os técnicos começaram a entender melhor o sistema,
surgiu a possibilidade de desenvolver produtos específicos para resolver esses problemas. E a
oportunidade veio novamente por meio do Governo Federal.
A Secretaria da Receita Federal, em conjunto com o SERPRO, estava finalizando a
elaboração de um sistema de informação chamado Sistema de Administração Geral (SIAGEM)
onde imaginava processar todas as variáveis possíveis de serem reduzidas ao formato de dados
digitais de um sistema de administração. Isto significa que comportaria módulos de organização
de imóveis, de materiais, de estoque, de compras, e outras variáveis envolvendo bens e serviços.
Por exemplo, no módulo de organização de imóveis constariam as informações de todos os
prédios governamentais com suas respectivas medidas, salas e equipamentos de tal forma que, se
solicitado um contrato de limpeza, por meio de uma checagem no SIAGEM, se poderia saber
com exatidão os metros quadrados e demais equipamentos do lugar.
Os dirigentes da CECI, que estavam mais livres das travas orçamentárias, dados os
recursos do PROMOCIAF, conheceram o sistema. Perceberam que era um projeto muito
abrangente. Não era um sistema integrado, como o SIAFEM/SP, onde as informações das
diversas variáveis eram mais ou menos homogêneas, portanto, passíveis de serem trabalhadas em
conjunto. No entanto, um dos módulos do SIAGEM despertou interesse para a Fazenda paulista
Eletrônico. Tese apresentada ao Departamento de Contabilidade da FEA/USP.
110
e imaginou-se que podia ser adaptado para operar como um módulo acoplado ao SIAFEM/SP.
Era o que continha o cadastro de materiais e fornecedores.
Os técnicos da Fazenda conceituaram o módulo em questão. Em termos
informacionais, seria um banco de dados com informações detalhadas das compras e
contratações governamentais, com especificações dos produtos e da documentação dos
fornecedores. Com um banco de dados desse tipo poder-se-ia elaborar ferramentas, por exemplo,
para catalogar com detalhes as compras e comparar os preços pagos pelos diversos órgãos do
Estado em produtos e serviços.
O projeto deu como resultado a constituição pelo governo paulista, em conjunto
com o SERPRO e a PRODESP, do Sistema Integrado de Informações Físico-Financeiras
(SIAFÍSICO), formado por um banco de preços: o de materiais e serviços (CADMAT), e outro
de fornecedores (CADFOR). Esta era uma demanda do artigo 15 da Lei de Licitações e
Contratos (8.666/93) que desta forma começou a ser cumprida.
A legislação estadual estabelecia que a competência para definir o cadastro de
fornecedores e os tipos de materiais que deveriam ser comprados pelo Estado, era da Secretaria
da Administração. Entretanto, como esta Secretaria estava na face final de esvaziamento de
funções – sua extinção aconteceu pouco depois - transferiram-se essas funções para a Fazenda62.
O decreto de transferência estabelecia que a iniciativa para a criação do novo módulo do
SIAFEM/SP correspondia à necessidade: (a) de uniformizar procedimentos relativamente ao Cadastro
de Fornecedores do Estado; (b) de padronizar a descrição de materiais e serviços controlados pelo
Estado; (c) de identificar e integrar os órgãos que se relacionavam com procedimentos de licitação e
contratação de fornecimentos, serviços e obras; (d) de obter dados físicos que possibilitassem
62 Decreto 42.604, de 09/12/97.
111
identificar preços praticados pelo Estado, variações de preços existentes entre regiões e, ainda, obter
indicadores que servissem para o desenvolvimento de um sistema de custos públicos. Isto é,
instrumentos que facilitassem o controle e a gestão governamental.
Como toda compra ou contratação de serviço feita pelo estado é necessariamente
contabilizada no SIAFEM/SP, o CADMAT retira esses dados do sistema e os classifica em
grupos, classes, materiais ou serviços, utilizando a metodologia do Federal Supply Classification,
cadastro utilizado internacionalmente. Em outras palavras, o CADMAT permitiu que as unidades
físicas constantes dos históricos dos lançamentos contábeis sejam recuperadas e transformadas
em informação. Isto abriu a possibilidade de criar valores de referência dos produtos comprados
pelas repartições do estado, instrumento que deu parâmetros para comparação aos auditores do
Departamento de Controle Interno e melhores informações sobre os gastos das unidades de
despesas. Criou-se assim potencial para poder barrar notas de empenho fora desses parâmetros.
No entanto, esse potencial não foi utilizado, pois a Fazenda ainda não tinha, de fato, poder para
barrar compras. Ainda se limitava a repassar a informação ao Secretário correspondente ou a
Corregedoria. Mas, por outro lado, o CADMAT permitiu avançar no cumprimento de outra das
demandas da Lei 8.666/93: a tentativa inicial de padronização de produtos.
Por sua vez, a criação do CADFOR tornou possível consultar rapidamente a
habilitação dos fornecedores do Estado. Do mesmo modo, facilitou ao fornecedor. Isto porque,
na fase de habilitação e qualificação de um processo de licitação, se exige que os participantes
estejam ao dia em suas obrigações junto ao fisco e previdência. Essas informações, geralmente na
forma de certidões, são originárias de inúmeras corporações ou órgãos da administração pública.
Assim, a o objetivo do CADFOR era o de constituir um banco de dados e, de preferência, estar
integrado ao outros bancos para facilitar o processo e diminuir a quantidade de documentos a
112
serem autenticados, reduzindo assim os custos de transação dos fornecedores do estado (Soboll
& Queiroga, 2000, p. 05).
Paralelamente ao desenvolvimento do SIAFISICO, a direção da CECI decidiu
encarar um problema com o SIAFEM/SP: a complexidade de manuseio e acesso. Para entender
melhor. O SIAFEM/SP significou um salto tecnológico no dia-a-dia dos funcionários públicos
responsáveis pela execução orçamentária e financeira e pelo Controle Interno. Isso porque a
escrituração contábil passou a ser realizada em rede. No entanto, como operava em “grande
porte” gerava problemas de manuseio, pois o acesso aos dados neste estado (grande porte) são
difíceis para os usuários leigos. Em termos de informática, faltava ao sistema o conceito de
usabilidade, isto é, a capacidade de facilitar o acesso dos usuários aos dados e informações
institucionais por meio da facilidade de uso63. Para introduzir, encontrar ou recuperar dados era
preciso conhecer uma série de códigos correspondentes, por exemplo, a itens, gastos e
departamentos. Isto é, o SIAFEM/SP não possuía instrumentos que “facilitassem” a obtenção
dos dados e informações desejadas. Por causa disso, os procedimentos ou consultas dependiam
de inúmeros comandos. Embora o sistema operacional fosse eficiente para alimentar o fluxo de
receitas e despesas do Estado, era muito trabalhoso, por exemplo, extrair informações gerenciais
de análise. Ademais, a pouca acessibilidade do SIAFEM/SP dificultava um dos seus principais
objetivos, que era o de dar maior transparência aos gastos públicos, pois se tornara apenas
acessível a especialistas.
63 O conceito usabilidade foi definido na norma ISO/IEC 9126 como “um conjunto de atributos de software relacionado ao esforço necessário para seu uso e para o julgamento individual de tal uso por determinado conjunto de usuários”. Mais tarde, o conceito de usabilidade evoluiu e foi redefinido na norma ISSO 9241-11 Guidelines on Usability como “a capacidade de um produto ser usado por usuários específicos para atingir objetivos específicos com eficácia, eficiência e satisfação em um contexto específico de uso.” (Diaz, 2001)
113
Dado esse problema, os responsáveis pelo PROMOCIAF assinaram um contrato, no
final de 1997, com a PRODESP para desenvolver um programa que tornasse mais fácil o acesso
ao SIAFEM/SP e, ao mesmo tempo, que facilitasse a extração instrumentos gerencias. O
resultado foi a instituição do Sistema de Informações Gerenciais da Execução Orçamentária
(SIGEO).
O SIGEO é um programa que extrai dados do SIAFEM/SP e os apresenta de uma
forma mais simples. O usuário dispõe do Software Discoverer. Esta é uma ferramenta idealizada
para extrair informações de bancos de dados e trabalha em ambiente cliente-servidor, na
plataforma Windows (familiar aos usuários de computadores) com apresentação gráfica. Com o
SIGEO se dispensa a consulta direta ao computador de grande porte (mainframe).
O SIAGEO forneceu, paulatinamente, inúmeros instrumentos gerencias de análise
das contas públicas. Nesse sistema é possível a combinação de diversas dimensões dos saldos
contáveis: institucional, funcional, programática, fonte de recursos, tempo e classificação
econômica (receita e despesa), operações que eram muito complicadas de realizar diretamente no
SIAFEM/SP (Neto & Roth, 1998, p. 96). Os dados brutos obtidos do SIAFEM/SP e do
SIAFISICO podiam ser processados por meio do SIGEO, do qual se obtinham informações
operacionais que permitiram acompanhar em tempo real todo o processo de gasto público. Ou
seja, o SIGEO permitiu em grande medida transformar dados em informação. Por outro lado,
permitiu a qualquer usuário do sistema, e não apenas a especialistas, obter dados e informações
sobre o andamento da execução orçamentária, o que possibilitou uma maior transparência. Neste
sentido, o governo instalou terminais do SIGEO na Assembléia Legislativa – nos gabinetes dos
deputados e na biblioteca para o público em geral - no Tribunal de Contas e no Ministério
Público. Assim, pela primeira vez, a sociedade, seus representantes e os órgãos de Controle
114
Externo do Executivo tiveram a possibilidade de acompanhar o andamento da execução
orçamentária do governo do Estado de São Paulo64.
Em síntese, o SIAFISICO e o SIGEO são sistemas que se tornaram viáveis pela
existência do SIAFEM/SP e se constituíram em importantes ferramentas de apóio à gestão e ao
controle. Mas ainda faltava uma etapa.
A FALTA DE CONTROLE NA PONTA DO SISTEMA
Que melhorias trouxeram até esse momento os novos instrumentos informacionais
que possibilitassem o fortalecimento dos Controles Internos? Lembremos que até 1994, o
controle limitava-se a uma mera análise processual. Respeitadas as normas e procedimentos
burocráticos estabelecidos, a operação de despesa era efetuada, independentemente de seu custo
ou utilidade.
O SIAFEM/SP permitiu uma mudança que simplificou os processos administrativos
e os controles burocráticos. Ademais, integrou as informações do setor financeiro com a
contabilidade e o Controle Interno. Com o advento do SIAFÍSICO, a Fazenda passou a ter
noção dos preços pagos pelos diferentes órgãos do Estado que permitiriam criar parâmetros de
preços comparativos e controle sobre fornecedores. A modelagem dos dados do SIAFEM/SP no
SIGEO permitiu trabalhar esses dados em um linguagem relativamente simples e criar
instrumentos gerenciais dos quais se podiam extrair informação dos dados do SIAFEM/SP. Isto,
mais o fato de ser um sistema bastante aberto, deu mais inteligibilidade e transparência à
execução orçamentária paulista. Os Controles Externos, e em alguma medida a sociedade em
geral, já tinham acesso direto e em tempo real às contas públicas. Em síntese, os sistemas
64 Para um entendimento mais detalhado do funcionamento do SIGEO, ver Ferraz, Marcelo (2004).
115
promoveram menores custos, maior racionalidade administrativa e, conseqüentemente, um
ganho em matéria de controle.
No entanto, no sentido de cumprir os princípios estabelecidos pela Lei 8.666/93, o
controle que esses sistemas ofereciam ainda estava aquém do necessário. Se por um lado
melhoraram os controles sobre os critérios de eficiência e transparência nas contratações
governamentais, por outro, não alcançavam os critérios de isonomia, impessoalidade e
julgamento objetivo, critérios que ainda dependiam dos agentes das unidades de despesas.
Tampouco a Secretaria da Fazenda tinha poder para que se respeitassem os preços de referência
dados pelo SIAFISICO, especialmente nas fundações e autarquias. Muitas etapas dos processos
de contratações feitas nas unidades de despesas escapavam ao seu controle, nas quais eram
freqüentemente constatados indícios de irregularidades. Por exemplo, eram surpreendentemente
grande as transações negociadas sob a modalidade de inexigíveis (contratar sob o rótulo de
“urgência” ou “fornecedor único”, por exemplo). Também, notava-se a freqüente a presença de
cartéis nos processos de compras. Faltava um arranjo que tirasse poder discricionário dos agentes
públicos das unidades de despesas nos itens isonomia, impessoalidade e julgamento objetivo. Da
mesma forma, mesmo com todos os avanços conseguidos em matéria de racionalização e
controle com a introdução dos sistemas, acreditava-se que ainda havia margem para a diminuição
dos custos operacionais. Ou seja, já existia informação suficiente sobre o processo de compras,
mas faltava conhecimento para quebrar esse arranjo.
Foi nesse contexto, para tentar limitar a margem de discricionalidade dos agentes e
diminuir os custos administrativos, que se levantou a possibilidade de implementar um portal de
eletrônico de compras para produtos e serviços comoditizaveis. Para isto, era necessário realizar estudos
de viabilidade.
116
OS ESTUDOS DE VIABILIDADE PARA UM PORTAL DE COMPRAS
A iniciativa de instaurar um sistema eletrônico de compras foi um processo que se
agregou lentamente, na medida em que diversos estudos eram realizados e maior conhecimento
era adquirido. Já existia a integração do orçamento, da contabilidade, do caixa e bancos de dados
de materiais, fornecedores e preços. O processo de ganhos em racionalidade administrativa com
o advento do SIAFEM/SP e o posterior desenvolvimento de instrumentos de gestão, criaram as
condições instrumentais para pensar em um salto de qualidade, que era o de passar do registro
eletrônico para negociações de forma eletrônica.
As compras governamentais em materiais representavam um valor expressivo do
orçamento do estado. Observemos a Tabela 3.
TABELA 3 Gastos com materiais/Governo do Estado de São Paulo (2000/2003)
ANO ADMINISTRAÇÃO DIRETA
ADMINISTRAÇÃO INDIRETA
TOTAL
2000 764.789.178,89 192.211.992,98 957.001.171,87
2001 728.711.432,02 213.000.249,19 941.711.681,21
2002 952.862.074,35 251.888.448,10 1.204.750.522,45
2003 1.170.911.538,99 265.711.914,41 1.436.623.453,40 Fonte: Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo (2004).
Realizar as operações de compras de materiais por meio de um sistema eletrônico
teria algumas limitações, impostas pela Lei 8.666/93. O sistema poderia ser utilizado apenas nas
modalidades dispensa e convite, isto é, nas compras até R$ 80,0 mil. Essas modalidades
representavam aproximadamente 26% do total de gasto em materiais, ou seja, R$ 250,0 milhões
tendo como referência o ano de 2000. Existia ainda a possibilidade de incluir no sistema alguns
serviços contratados a valores inferiores de R$ 80,0 mil que poderiam ser comoditizaveis, por
117
exemplo, alguns contratos de serviços terceirizados e passagens aéreas, elevando o potencial, no
ano 2000, para aproximadamente R$ 345,0 milhões (36%). No entanto, existia outro fator
importante para ser levado em conta. Os gastos até R$ 80,0 mil em materiais, embora fossem
apenas 26% do total dos gastos, representavam 80% do total de contratações, ou seja, eram um
imenso volume de processos muito onerosos para o estado. Eram, em realidade, quase 70 mil
processos anuais.
No ano de 1999, estudos realizados a partir de dados recolhidos do SIAFISICO e do
SIGEO revelaram determinadas características de como se processavam as compras nas unidades
de despesas. Isto é, os volumes adquiridos, a freqüência, a dispersão de preços, análises
estatísticas e, principalmente, a identificação dos materiais que eram comodities nas compras do
governo. A partir desses estudos foi possível padronizar as principais mercadorias e elaborar uma
padronização específica de editais e contratos para as diferentes modalidades de licitação65.
Dado o conhecimento produzido por esses estudos, no mês de março de 2000, os
técnicos da Fazenda já tinham o sistema básico especificado para a implantação de um sistema de
eletrônico de compras. Entre abril e junho trabalharam no desenvolvimento do programa junto
com técnicos da PRODESP, e no final de setembro o sistema eletrônico de compras começou a
operar de forma experimental na modalidade dispensa de licitação, que corresponde até o limite
de R$ 8,0 mil66.
65 Para entender os estudos realizados para a implementação da BEC, ver: Soboll & Queiroga, 2000, e Queiroga, 2004. 66 A BEC foi instituída legalmente por meio do Decreto 45.085, de 31 de julho de 2000. Tal Decreto também oficializou a criação do Departamento de Controle de Contratações (DCC) como parte da estrutura organizacional da Coordenadoria Estadual de Controle Interno (CECI) da Secretaria da Fazenda.
118
O PORTAL DE COMPRAS
A Bolsa Eletrônica de Compras (BEC/SP), programa financiado pelo
PROMOCIAF, consiste em um pregão via internet que permite negociações automáticas entre
órgãos do Governo do Estado – os compradores – e seus fornecedores do setor privado. Mas
ocorre tratar-se de um leilão "às avessas", pois o vencedor é aquele que oferece o menor preço. O
sistema funciona de seguinte maneira: quando uma unidade de despesa do Governo do Estado
precisa realizar alguma compra para seu dia-a-dia (sobretudo materiais de consumo
administrativos), elabora o edital especificando os itens necessários e o envia de forma eletrônica
à Secretaria da Fazenda. O edital é padronizado. A Secretaria, após verificar e reservar a dotação
orçamentária correspondente no SIAFEM/SP libera uma oferta de Compra que gera de forma
automática um e-mail com a cópia do edital. Este e-mail é enviado para todos os fornecedores
cadastrados no CADFOR que comercializem os produtos especificados.
Na data e horário estabelecido no edital, os fornecedores fazem suas ofertas também
via e-mail. O tempo do pregão eletrônico é de aproximadamente duas horas. Ganha quem
oferece a melhor oferta. Não entanto, para que o leilão tenha validade, a melhor oferta deve ser
menor ou igual a um preço de referência pré-estabelecido pelo governo, retirado do Cadastro de
Materiais (CADMAT)67. Este valor referencial não é visualizado pelos fornecedores durante o
leilão, o que dificulta a formação de cartéis ou combinação prévia de preços.
Quando a cotação eletrônica é encerrada, o vencedor é comunicado por meio de um
Boleto Eletrônico de Negociação. Ao mesmo tempo são publicados, no site da BEC-SP, o
resultado, com informações sobre quem vendeu e a que preço, dados estes que ficam à
67 Em 2002 o Cadastro de Materiais (CADMAT) comportava 74 grupos de materiais e 9 grupos de serviços; 498 classes de materiais e 106 classes de serviços; 10.473 materiais e 566 serviços e; 79.819 itens de materiais e 3.602 itens de serviços.
119
disposição de qualquer cidadão na Internet. Todo esse processo é monitorado pela Bolsa de
Valores de São Paulo (BOVESPA), que acompanha os pregões e as operações do sistema para
permitir maior transparência aos negócios. O processo se encerra quando o fornecedor entregar
os materiais e o banco estadual Nossa Caixa informar à BOVESPA a liquidação financeira do
negócio, com o crédito do pagamento na conta corrente do fornecedor. Toda a operação dura de
cinco a oito dias e é contabilizada no SIAFEM/SP no momento em que termina o leilão.
Um ano mais tarde foi incluída nos negócios realizada por meio da BEC a
modalidade “convite”, referente a compras até o limite de R$ 80 mil. Na Tabela 4 podemos
conferir os negócios feitos por meio da BEC nos seus primeiros anos de funcionamento.
TABELA 4 Negócios feitos pela BEC. Período: 2000/4 (valores em R$)
ANO 2000 2001 2002 2003 2004* TOTAL Quantidade de Negócios
151 5.338 10.361 21.040 22.536 59.426
Valores Negociados
373.076 13.317.494 40.741.350 106.579.729 91.287.181 252.298.832
* Até o mês de outubro Fonte: Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo
Nos primeiros anos de funcionamento, a BEC ficou aquém do seu potencial. No ano
de 2003 foi utilizado 28% do seu potencial, considerando apenas as compras de materiais. Isto se
deveu a uma serie de problemas. Em primeiro lugar, pela resistência dos agentes das unidades de
despesas encarregados de realizar compras, os quais eram funcionários das diversas Secretarias de
Estado, e que não eram obrigados a usar a BEC. No Decreto 45.085 que instituía a BEC no
Estado estava estipulado que se deveria usar preferentemente a BEC e não obrigatoriamente. Alem
disso, não utilizavam o leilão eletrônico as fundações e autarquias. Em segundo lugar, houve
problemas com a padronização de produtos, que também enfrentou resistências dos agentes das
unidades de despesas, normalmente habituados a comprar de determinadas marcas e/ou
120
fornecedores. A Fazenda teve que detalhar, praticamente produto por produto, as características
mais universais. Por esse motivo, foi inserindo produtos paulatinamente, começando pelos itens
mais comuns, ou seja, das áreas de papelaria, escritório e suprimento de informática. Em 2002,
dos 80.000 produtos catalogados no SIAFISICO - embora muitos destes eram os mesmos, mas
de formatos diferentes - 6.500, os mais comuns, estavam padronizados. Em terceiro lugar, com os
empresários. Por um lado, pela falta de participação de empresários, que não estavam habituados
a vender ao estado. Por outro, pela falta de experiência em lidar com um tipo de transação via
Internet. A Fazenda procurou-se aumentar a base de fornecedores enviando e-mail para
fabricantes, distribuidores, inclusive fazendo convênios com associações, na tentativa de alargar a
base de convidados (Soboll & Queiroga, 2000, p. 07). E em quarto lugar, com a entrada em
funcionamento do “pregão presencial”, em novembro de 2002, disposto por Lei Federal68. Nesta
modalidade, que abarca qualquer tipo de licitação, os representantes das empresas interessadas
ficam presentes à sessão pública e formulam lance verbalmente, na presença dos demais
concorrentes. Embora a entrada em funcionamento do “pregão” foi um avanço importantíssimo
em todo o país na contratação de bens por órgãos públicos, em São Paulo, para compras
inferiores a R$ 80,0 mil tornou-se concorrente da BEC69.
Estudos realizados mostram que a BEC trouxe para o Governo do Estado ganhos
em relação aos custos administrativos e aos preços pagos. Um trabalho feito por Florencia Ferrer
(2004) analisou os custos administrativos do governo na realização de licitações públicas, tanto
68 O Pregão Presencial foi regulamentado pela Lei Federal nº 10.520 de 17 de julho de 2002. 69 Existem vantagens da BEC sobre o pregão presencial nas compras até R$ 80,0 mil. Entre elas, evita o deslocamento do empresário até o local do pregão. Este fato aumenta o número de concorrentes. É mais transparente, pois permite o acompanhamento em tempo real pela Internet. E a Fazenda pode exercer um controle mais direto, impondo o respeito aos preços de referência, entre outros aspectos.
121
pelo processo tradicional quanto pela BEC70. Para o processo tradicional, na modalidade convite,
o estudo chegou a um custo administrativo de R$ 5.437,30 por processo, e para as compras na
modalidade dispensada, o custo alcançou R$ 1.237,10 por processo. Considerando as duas
modalidades, a média ponderada pelo processo tradicional atingiu R$ 1.708,12. Pela BEC, os
custo do processo administrativo na modalidade convite foi de $ 1.488,80 e pela modalidade
dispensa, R$ 561,50, o que resulta uma média ponderada de R$ 844,86 por processo ponderado.
TABELA 5 Custo administrativo das licitações PROCESSO
TRADICIONAL PELA BEC
Dispensa 5.437,30 1.488,80 Convite 1.237,10 561,50
Média Ponderada 1.708,12 844,86 Fonte: Ferrer, 2004.
A redução média dos custos administrativos nas compras feitas por meio da BEC foi
de R$ 863,26. Considerando que desde sua implantação foram feitas 59.426 compras pela BEC, a
redução dos custos administrativos situaram-se na casa dos R$ 51,0 milhões.
Com relação aos preços pagos, a Secretaria da Fazenda atualiza semanalmente, por
meio de instrumentos gerenciais que utilizam o SIAFISICO como fonte de dados, os preços
comoditizados pagos nas compras de produtos, tanto as feitas pela BEC quanto pelo modelo
tradicional de licitação. Desses valores constrói uma média que chama: Valor Referencial (VR).
Quando lança um leilão de compras pela BEC, considera esse VR o valor que o Governo espera
pagar como preço máximo. Observemos, na Tabela 6, a diferença entre os preços que o governo
esperava pagar, levando em conta o VR, e os preços realmente pagos.
70 Para entender a metodologia utilizada nesse estudo, ver Ferrer, Florência (2004)
122
TABELA 6 Resumo das operações do BEC. Período 2000/4. Valores em R$.
ANO VALOR REFERENCIAL
TOTAL (A)
VALOR NEGOCIADO TOTAL (B)
(A-B)
PERCENTUAL
2000 466.946 373.076 93.870 20% 2001 16.853.921 13.317.494 3.536.426 21% 2002 50.589.859 40.741.350 9.848.509 19% 2003 146.141.133 106.579.729 39.561.404 27% 2004* 121.660.428 91.287.181 30.373.246 25% Total 335.712.287 252.298.832 83.413.454 25%
* Até o mês de outubro de 2004 Fonte: Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo.
No período acima relacionado, nas compras feitas pela BEC, houve uma redução dos
preços pagos da ordem de 25,0%, o que representou uma economia de R$ 83,4 milhões no
período operativo da bolsa. Observe-se que a comparação de preços pagos dentro e fora do
ambiente da BEC – neste último entre 20% e 25% mais caros - é um indicio de ineficiência e/ou
corrupção. Neste sentido, as resistências à utilização da Bolsa Eletrônica obrigaram ao
governador do Estado a tornar obrigatória sua utilização em 2004 por meio do decreto estadual
nº. 48.471 para todas as compras públicas nas modalidades dispensa e convite, passíveis de serem
comoditizaveis.
Existem pelo menos três motivos que explicam os menores preços pagos pelo estado
nas compras feitas por meio da BEC, comparado com as compras feitas pelo modelo tradicional
de licitação: (a) a redução dos custos administrativos para o empresário; (b) a maior participação
de empresas; e (3) a diminuição das possibilidades de corrupção.
Para o fornecedor, a BEC reduziu, por um lado, os custos de obter informações,
porque estas são obtidas pela Internet. Ademais reduziu os custos das tramitações burocráticas,
porque também são feitas pela Internet. Um estudo de Ferrer (2004) aponta que o custo médio
da participação das empresas nas licitações do Estado de São Paulo em 2003, pelo processo
123
tradicional, era de R$ 74,30 na modalidade convite e R$ 9,61 na modalidade dispensa. Enquanto
na BEC, o custo para o empresário na modalidade dispensa era de R$ 5,48 e no convite de R$
4,33. Isto significa uma diminuição nos custos para o empresário de R$ 69,97 no convite e R$
4,13 na dispensa. Essa redução nos custos de transação incentivou a participação de empresários,
principalmente porque abriu a possibilidade de se incorporarem pequenos e médios fornecedores
que não tinham condições de arcar com os custos operacionais. Neste sentido, em 2003, a média
de fornecedores que fizeram propostas de compras pela BEC foi de 9 para a modalidade convite
e 8 para a dispensa de licitação, enquanto no processo tradicional foi de 5. Finalmente, a
imposição de contratos padronizados, os preços de referência como parâmetro de compras e a
maior transparência oferecida pelo processo, diminuiu as possibilidades de corrupção. A maior
transparência pode ser aferida por duas situações. Por um lado, por causa da Internet,
instrumento por meio do qual qualquer cidadão pode-se conferir, em tempo real, as operações
realizadas, os preços praticados, os vencedores do leilão e o histórico das transações. Por outro,
pela inclusão como fiscalizador da BOVESPA, onde existem computadores que replicam as
informações existentes no banco de dados da Fazenda. Isto permite que qualquer tentativa de
manipulação de resultados na Fazenda possa refletir automaticamente nos da BOVESP, onde é
grande a chance de ser captada. Ademais, esta última instituição divulga automaticamente ao
mercado os negócios fechados e os acompanha até que o Estado pague (Soboll & Queiroga,
2000, p.08).
A BEC E OS PRINCÍPIOS GERAIS DA LEI 8.666/93
Observamos que antes da introdução dos mecanismos informatizados, a Secretaria
da Fazenda controlava apenas a legalidade das operações. Mais tarde, com a introdução do
124
SIAFEM/SP e o SIAFISICO teve condições de melhorar, em alguma medida, a eficiência e a
transparência. No entanto, a Fazenda não tinha capacidades para forçar que os agentes públicos
enquadrassem as compras nos preços referenciais nem tinha capacidade para controlar os outros
princípios gerais da Lei de Licitações, cujo cumprimento dependia da burocracia das unidades de
despesas. A BEC foi um arranjo institucional que permitiu à Fazenda, em grande medida, assumir
esse controle.
No item isonomia, que se refere ao tratamento igual em situações iguais, de todos os
interessados em oferecer propostas à Administração Pública para escolha da melhor, a BEC é um
instrumento que abre a possibilidade de participação de todos os fornecedores dispostos a vender
ao Estado, com a única exigência de estar cadastrado no CADFOR, e esta exigência tornou-se
uma bastante operação simples, que pode ser feita pela Internet. A impessoalidade, que visa evitar
qualquer concessão de privilégio e inspira todas as diretrizes que asseguram a livre competição, e
o julgamento objetivo, isto é, a obediência estrita ao edital, foram assegurados com a imposição de
modelos padronizados de editais, de contratos e de produtos que tiraram o poder ao agente público de
estabelecer regras que favorecessem determinados fornecedores. Por fim, a publicidade, que era
restrita à repartição onde a compra era efetuada, com a BEC é aberta pela Internet, não apenas na
fase pré-contratual, mas também na escolha do vencedor, do preço pago e do nome do
fornecedor.
Em síntese, a BEC é um arranjo construído a partir dos instrumentos oferecidos pela
TIC que praticamente tirou toda a margem de discricionalidade conferida para o agente público
nas modalidades de compras realizadas por meio do sistema. No entanto, contrariamente a
colocar obstáculos ao desempenho da administração pública, é um sistema que aponta à
oportunidade e ao mérito, pois permite realizar transações num marco de legalidade,
125
transparência, economicidade e sob um conjunto de decisões dotadas, principalmente, de maior
racionalidade.
O ARRANJO ORGANIZACIONAL
As reformas feitas na Secretaria da Fazenda ao longo desses anos, nas quais aplicou
de maneira intensiva a Tecnologia de Informação e Comunicação, levou, em primeiro lugar, a
baixar os custos de obter informações pelo impacto da TIC na relação entre informação e fatores
físicos. A implantação do SIAFEM/SP permitiu mecanizar funções exercidas pela força de
trabalho humana e diminuir sensivelmente o custo das comunicações. No entanto, o aspecto
mais importante foi que a implantação do SIAFEM/SP foi acompanhada por uma reforma
administrativa que levou a ganhos em racionalidade, processo que melhorou sensivelmente a
capacidade de obter expertise organizacional.
Esse foi um primeiro passo. Já existia um melhor entendimento de “como
funcionava” e um menor custo para obter dados. O segundo passo foi a transformação dos
dados em informação. Para isso foram implementados sistemas gerenciais e sistemas de apóio
(SIGEO, SIAFISICO, CIGER) que permitiram aprofundar os ganhos em racionalidade e
entender melhor os aspectos organizacionais. Posteriormente, na medida que estudos era
realizados, se foi adquirindo conhecimento. No caso do DCI, aprendeu-se a realizar auditorias de
forma mais eficiente e eficaz. No caso das contratações, os estudos revelaram as características de
como se processavam as compras nas unidades de despesas e os procedimentos, o que levou a
instauração da BEC. Esses aspectos melhoraram a capacidade do Controle Interno.
No entanto, ademais dos problemas de custos e da obtenção de expertise, existe a
dificuldade organizacional na criação do Controle Interno como definido neste trabalho. Segundo
126
a Teoria de Agência a questão da arquitetura institucional também é importante, pois a principal
característica do Controle Interno é que deve estar organizado de forma a minimizar os problemas
de delegação que existem dentro de uma estrutura burocrática. Isto é, um controle feito
preferentemente pela própria cúpula sobre a burocracia e não um controle feito através da
burocracia, pois este último modelo levaria ao problema do controle do controlador. Os
principais instrumentos de controle criados até esse momento na Secretaria da Fazenda,
ancorados nos “sistemas”, foram o Departamento de Controle Interno e a BEC. Como se
encaixam estes instrumentos no sistema de Controle Interno?
Por motivos operacionais, as duas estruturas de controle foram criadas dentro da
estrutura burocrática da Fazenda. Ou seja, em 1996, com a instituição da CECI, foi criado o
Departamento de Controle Interno (DCI), e em julho de 2000, criou-se um órgão para dar
suporte operacional a BEC. Trata-se do Departamento de Compras e Contratações (DCC).
Vejamos como ficou a estrutura organizacional da Fazenda.
Organograma 6 Estrutura da Secretaria da Fazenda (2000/2003)
Obs: CAF: Coordenadoria de Administração Financeira; CECI: Coordenadoria Estadual de Controle Interno; CGE: Contadoria Geral do Estado. DCI: Departamento de Controle Interno. DCC: Departamento de Compras e contratações.
127
Tanto o DCI quanto a BEC faziam parte do núcleo duro da estrutura burocrática da
Secretaria da Fazenda. Como levar esses controles para mais próximo do titular? O passo seguinte
aconteceu em 22 de janeiro de 2004, quando, por meio do Decreto 48.471, foi realizada uma
nova mudança organizacional. Observemos a nova configuração organizacional da Secretaria da
Fazenda a partir do referido decreto.
Organograma 7 Estrutura da Secretaria da Fazenda em 2004
DCI (Departamento de Controle Interno); CAF (Coordenadoria de Administração Financeira); CEDC (Coordenadoria de Entidades Descentralizadas e de Contratações Eletrônicas); COM (Coordenadoria de Planejamento Estratégico e Modernização Fazendária); BEC (Bolsa Eletrônica de Compras).
Na nova estrutura organizacional, foi extinta a Coordenadoria Estadual de Controle
Interno e criadas a Coordenadorias de Entidades Descentralizadas e de Contratações Eletrônicas
(CEDC) e a Coordenadoria de Planejamento Estratégico e Modernização Fazendária (CPM). No
entanto, o ponto a destacar é que o DCI passou a estar ligado diretamente ao Chefe de Gabinete
do Secretário, numa tentativa de “aproximar” o Controle Interno da Fazenda ao titular, isto é, a
cúpula dirigente.
Quanto à BEC, embora a gestão continue fazendo parte da estrutura burocrática da
Fazenda, por meio da CEDC, o comando do seu funcionamento foi transferido para uma
instância superior de governo. Nesse sentido, foi criado em São Paulo, em 2003, o chamado
128
Comitê de Qualidade de Gestão Pública (CQGP)71. Este é um órgão formado pelos Secretários
de Fazenda, da Casa Civil, de Planejamento (as três áreas meio do governo), o Procurador Geral do
Estado e alguns dos assessores mais próximos ao governador, e é um órgão vinculado à Casa
Civil. O CQGP, que possui um coordenador e alguns grupos técnicos, tem, entre outras, a
atribuição de formular, propor e implementar diretrizes voltadas à elevação do nível de eficiência
e eficácia da Administração Pública Estadual mediante a evolução do uso da tecnologia da informação.
Para o que interessa a este trabalho, o CQGP tomou a seu cargo o controle das diretrizes da BEC e
do SIAFISICO, no que parece ser uma tentativa de centralizar os mecanismos informatizados de
controle no Palácio dos Bandeirantes.
71 O Comitê de Qualidade da Gestão Pública foi criado através do Decreto 47.836 de 28 de maio de 2003.
129
CAPÍTULO 5
O CONTROLE NA SECRETARIA DE GOVERNO
As intervenções administrativas do governo Covas que visavam superar a crise fiscal
do estado, foram iniciativas dirigidas a mudar a estrutura e procedimentos dos órgãos integrantes
da área de coordenação do governo, as áreas meio, através de um processo que tinha como
objetivos principais, embora não únicos, centralizar o poder decisório e melhorar o fluxo da
informação. Nesse processo, duas Secretarias foram privilegiadas: a da Fazenda e a de Governo –
que em 2002 mudou de nome para Casa Civil – e recorreu-se ao uso intensivo da Tecnologia da
Informação. Na Fazenda, como observamos, foram implantados dois sistemas informacionais
transversais: o GED/workflow e o Portal de Compras. Na Secretaria de Governo foi implantado um
sistema chamado Sistema Estratégico de Informações (SEI) que com o tempo se transformou
num Portal Corporativo.
Diferentemente aos sistemas da Fazenda, cujo foco era o controle
contábil/financeiro, o sistema da Secretaria de Governo estava centrado na gestão
governamental, isto é, tinha como objetivo melhorar as possibilidades de planejamento, de
comunicação, de coordenação e de controle da gestão das atividades do estado. Embora todos
esses aspectos foram importantes no processo de centralização da informação, neste capítulo nos
concentraremos em entender o impacto do SEI no controle das contratações governamentais. O
objetivo é estabelecer de uma forma clara a necessidade de obtenção de expertise como
instrumento para minimizar a assimetria de informação entre o titular e o agente.
Uma questão é importante destacar antes de começar o capítulo. A implantação do
sistema na Secretaria de Governo foi mais “tranqüila” que na Fazenda. Isto se deveu a dois
130
aspectos: (a) não veio a tomar o lugar de outro sistema, pois era totalmente novo; e (b) foi o
próprio governador que tomou a iniciativa de sua construção e praticamente supervisionou
pessoalmente os avanços do sistema nas primeiras etapas.
O PORTAL CORPORATIVO
De modo geral, em São Paulo os governadores fixavam seu interesse nas grandes
questões do Estado e em traçar linhas básicas para seu funcionamento. O restante era delegado
aos Secretários de Estado. Estes produziam as informações referentes a suas pastas e enviavam
relatórios para o governador. Desta forma, o quadro encontrado no inicio do governo no
gabinete do governador e na Secretaria de Governo, era de quase total dependência das
informações produzidas pelas Secretarias.
Dada a profunda crise fiscal do Estado, e ante a necessidade de respostas urgentes, a
prioridade do governador Covas foi a de implantar um sistema que lhe permitisse obter
informações rápidas para tomar decisões e controlar as ações do estado, tentando minimizar a
dependência das informações produzidas pelas Secretarias. Neste sentido, a primeira providência
tomada foi concentrar o controle dos órgãos governamentais que lidavam com informação, ou
seja, o CONEI, a PRODESP e o IMESP72, na Secretaria de Governo, criando as condições
institucionais, operacionais e logísticas para iniciar a implantação do referido Programa de
Informatização e Comunicação, sob comando direto da cúpula governamental.
72 Decreto Nº 39.894, de 1º de janeiro de 1995, alterou a denominação da Secretaria do Governo para Secretaria de Governo e Gestão Estratégica (SGGE). Pelo decreto, se transferiu da Secretaria da Administração para a Secretaria do Governo e Gestão Estratégica, o Conselho Estadual de Informática (CONEI), (art. 3) e a Companhia de Processamento de Dados do Estado de São Paulo (PRODESP) (art. 4). O controle da Imprensa Oficial do Estado (IMESP) já era da Secretaria de Governo.
131
A lógica que presidiu a elaboração do Programa – coordenado pelo Secretário
Adjunto da Secretaria de Governo - teve como pressuposto que as informações necessárias para
a gestão e o controle do estado deveriam ser processadas continuamente e de forma ágil. Em
outras palavras, o núcleo decisório do governo do Estado – notadamente o Governador e seus
principais colaboradores – deveria ser diariamente abastecido, em tempo real, com informações
sobre uma gama variada de assuntos considerados relevantes sobre as ações governamentais. Ou
seja, concentrar informação com vistas a dinamizar, agilizar, controlar e coordenar as ações
governamentais.
Os meios de comunicação do governo em 1995 eram apenas o telefone e fax. Para
aumentar a qualidade das comunicações, a primeira providência foi a implantação de redes de
comunicação. Assim, no Palácio dos Bandeirantes e em todas as Secretarias de Estado, que estão
espalhadas pela cidade de São Paulo, foram implantadas redes internas conectadas a um servidor
local. Esses servidores foram interligados por uma rede intranet.
Em um primeiro momento, a rede contou com aproximadamente 200 terminais,
interligando o Governador, os Secretários e os principais dirigentes da Administração Direta,
Indireta e empresas do Estado. No final do primeiro ano já existiam 4.000 terminais. O objetivo
foi conectar em rede aos principais dirigentes do Estado de forma que pudessem trocar
informações, trabalhar em grupo e ter acesso a informações básicas e permanentemente
atualizadas, necessárias para conhecer a realidade e tomar decisões73. Essa rede foi chamada rede
executiva. (Nogueira Filho, 2002, p. 4/5).
Ainda nos primeiros dias de governo, o governador tomou a iniciativa de implantar
um controle de custos de obras, principalmente sobre projetos em andamento. Mais
73 Em 2003 a rede tinha 21.000 terminais e atingia 90% dos órgãos da Administração Pública Estadual.
132
genericamente tratava-se de um sistema de informação por gestão na área de investimentos74. No
entanto, com o passar dos dias, descobriu-se que o os grandes rombos do Estado não estavam
apenas na área de investimentos, mas principalmente na de custeio. Existia falta de controle sobre
funcionários, contratos, locação de imóveis, entre outros assuntos, e eram itens que pesavam
muito nos gastos públicos. Desta forma, o governador foi encomendando para cada assunto
considerado pertinente a criação de programas e bancos de dados específicos que facilitassem o
acesso à informação e ao controle. Para tomar conta desses projetos, foram recrutados técnicos
de empresas e autarquias estatais que passaram a trabalhar no próprio Palácio dos Bandeirantes.
Depois do pedido do controle de custos de obras, o governador encomendou um
programa que facilitasse o controle sobre os contratos de serviços terceirizados, modalidade na
qual o governo gastava mais de R$ 150 milhões por mês. O terceiro pedido foi um programa que
permitisse o controle sobre os contratos de imóveis locados pelo Estado. Tratava-se de organizar
os contratos num banco de dados para acompanhar a evolução dos preços pagos pelo estado.
Tanto nos serviços terceirizados quanto nos contratos de locação de imóveis, o governo tinha
acesso apenas a dados financeiros.
Mais tarde, outros assuntos foram surgindo e foram construídos novos aplicativos
por meio do sistema Lotus/Notes. Ao ano seguinte, em 1996, esses aplicativos foram unificados
em um único sistema e foi criada uma coordenadoria para seu gerenciamento. O conjunto, ou
seja, sistema e coordenadoria, passou a ser chamado: Sistema Estratégico de Informações (SEI)
numa tentativa de concentrar todas as informações disponíveis na Secretaria de Governo75. Com
74 A idéia na época era criar indicadores sobre tipologias de obras. Não foi concretizado porque houve resistências dos funcionários que cuidavam de obras para facilitar as informações sobre custos. O trabalho ficou reduzido ao acompanhamento das obras da rodovia Carvalho Pinto, iniciada no governo anterior. 75 O SEI foi instituído pelo decreto 40.656 de 9 de fevereiro de 1996. Para melhor compreensão do restante do trabalho, chamaremos “SEI” ao sistema informatizado e “Unidade SEI” à coordenadoria.
133
o passar do tempo e o avanço nas comunicações, por meio do SEI se tornou possível acessar
também os sistemas da Secretaria da Fazenda (o SIGEO e o SIAFISICO) e outros sistemas
informatizados criados em diferentes Secretarias de Estado, principalmente no Planejamento76
tornando-se um Portal Corporativo.
De modo geral, o SEI oferece um alto nível de sistematização de informações,
conhecimento da oferta de informações e diagnósticos contínuos da execução dos planos de
governo. Por meio do Portal, os técnicos da Unidade SEI e a assessoria do governador podem
conferir em tempo real o andamento de uma infinidade de ações do Estado que envolve
arrecadação, gastos, obras, convênios, programas e funcionários. No anexo 2 estão descritos
todos os aplicativos do sistema existentes em 2003 e a utilidade de cada um. Para o interesse
deste trabalho, nos deteremos em analisar um desses aplicativos do SEI em particular, pois trata
sobre controle sobre contratações governamentais: o Cadastro de Serviços Terceirizados
(CadTerc).
O CADASTRO DE SERVIÇOS TERCEIRIZADOS
Existe um prédio na avenida Paulista, em São Paulo, onde cada andar é ocupado
por um órgão do Governo do Estado ligado ao setor de transporte público. Cada
órgão tinha feito um contrato para realizar os serviços de limpeza [terceirizado]. Até
ai nada de mais. O problema era que cada órgão não contratou a limpeza apenas do
76 Os sistemas mais importantes da secretaria de Planejamento são: o Sistema de Acompanhamento de Investimentos (SAI); de Estrutura dos Programas e Ações (EPA); de Proposta Orçamentária Setorial (POS); o Sistema Orçamentário das Empresas (SOE); o Sistema de Monitoramento de Programas e Ações do PPA (SIMPA).
134
seu andar, mas a do prédio inteiro. Ou seja, eram sete contratos para realizar o
mesmo trabalho. E os sete contratos eram com a mesma empresa77.
A contratação de serviços terceirizados é uma modalidade muito utilizada nas
administrações públicas. Por meio da celebração de contratos de prestação de serviços com o
setor privado, delega-se a função de executar serviços complementares às atividades fins de cada
órgão governamental. Em São Paulo, a ausência de controle sobre esse tipo de contratos – com
exceção do controle da legalidade feito na Secretaria da Fazenda – oferecia diversas formas de
comportamentos oportunistas78.
Por esse motivo, a implantação de um cadastro sobre serviços terceirizados foi um
dos primeiros mecanismos utilizados no controle da corrupção pelo governo paulista. Instituído
em 1995, o CadTerc consiste em um banco de dados que armazena todos os contratos de
terceirização assinados pelo estado, por meio do qual é possível sistematizar informações para
subsidiar as negociações de serviços com fornecedores79.
Vejamos, em primeiro lugar, os valores envolvidos para entender a magnitude de
recursos movimentados nessa modalidade de contratação. Entre janeiro de 1995 e janeiro de
2002 foram assinados por órgãos do governo paulista – Secretarias, Fundações, Autarquias e
Empresas - 31.706 contratos deste tipo. Em janeiro de 1995 envolviam um gasto de R$ 289,7
77 Relato feito pelo ex-corregedor da Administração do Governo do Estado de São Paulo, Saulo de Abreu Filho, em palestra proferida no CEDEC, em novembro de 1999. 78 Ver Abramo et alii (2002. Pgs: 107/8). 79 Os mais utilizados pelo governo paulista referem-se a serviços de vigilância; de segurança patrimonial; de controle, operação e fiscalização de portarias de edifícios; de limpeza e conservação predial; de transporte de funcionários; de alimentação de presos e alimentação de adolescentes sob a tutela do Estado, além da manutenção de inúmeros serviços e máquinas. Ver: www.cadterc.sp.gov.br.
135
milhões mensais, a valores atualizados, como podemos observar na tabela 7. Isto levaria a um
gasto anual de R$ 2,1 bilhões.
TABELA 7 Gastos mensais com Serviços Terceirizados.
Governo do Estado de São Paulo (1995/2002) MÊS VALORES EM
R$/MIL VALORES EM UFESP/MIL (*)
VALORES ATUALIZADOS
(DEZEMBRO DE 2004) R$/MIL
Janeiro/95 118.367 23.200 289.768 Janeiro/96 113.543 21.932 273.931 Janeiro/97 144.749 19.220 240.058 Janeiro/98 146.469 18.377 229.529 Janeiro/99 122.328 14.711 183.740 Janeiro/00 119.924 14.139 176.596 Janeiro/01 141.888 15.306 191.172 Janeiro/02 150.583 14.314 178.782 Julho/2002 152.041 14.452 180.505
(*) UFESP: Unidade Fiscal do Estado de São Paulo. Fonte: Sistema Estratégico de Informações. Casa Civil (SP).
No ano de 1995, o único dado acessível a Secretaria de Governo sobre esses
contratos era o financeiro, que obtinha da Secretaria da Fazenda. Portanto, na implantação do
CadTerc, foi solicitado a todas as unidades de despesa do estado que enviassem à Secretaria de
Governo dados referentes a todos os contratos em andamento, por meio de um formulário,
particularmente dados não-financeiros. Os primeiros dados foram chegando à Secretaria de
Governo por fax. Mais tarde, essa transmissão passou a ser feita por meio da rede executiva. O
principal empecilho foi a relutância de diversas unidades em fornecer os dados pedidos. Por esse
motivo, o governador instituiu um gestor responsável em cada uma das unidades com a
obrigação de fornecer os dados. Esta forma de coação solucionou em grande medida o problema.
Os dados dos contratos recebidos foram inicialmente organizados, sistematizados e
comparados. A seguir, a informação produzida foi analisada por técnicos da Unidade SEI, os
136
quais conseguiram detectar dois problemas importantes: (a) a existência de uma grande
diversidade nas formas de licitação e contratação de serviços. (b) a existência de uma grande
dispersão de preços para o mesmo tipo de serviço.
Com referência a grande diversidade nas formas de licitação e contratação de
serviços, era este um problema de expertise técnica na elaboração de um contrato. Havia a
necessidade de entender diversas questões, tais como: quais as especificidades técnicas ao serviço
são necessárias? Quais os equipamentos necessários? Como saber se uma empresa é gabaritada
para prestar o serviço? Como controlar a qualidade? De que forma fazer o contrato? Isto é, se
dependia de um técnico em cada unidade de despesa que entendesse do assunto específico e de
outro que entendesse de elaboração de contratos.
Em busca de uma solução para essas questões, a Unidade SEI encomendou a
FUNDAP e ao SEADE80 diversos estudos para estabelecer diretrizes, normas e critérios
adequados para a elaboração de contratos. Foram assim realizados estudos detalhados sobre os
serviços terceirizados. O resultado foi a elaboração de contratos padrão para um grupo de
serviços, os mais significativos e de características comuns aos diversos órgãos da administração.
Para os restantes se estabeleceram diretrizes definindo com clareza o objeto da licitação e a
qualidade do serviço a ser prestado, o que era uma demanda do art. 14 da lei 8.666/9381.
Com referencia ao problema da dispersão de preços, recorreu-se também a estudos
da FUNDAP e do SEADE. Estas instituições, após análise de consistência efetuada para cada
contrato, elaboraram relatórios analíticos que possibilitaram o acompanhamento da evolução dos
preços praticados. A seguir, para os serviços mais relevantes e passíveis de padronização (124
80 Refere-se à Fundação do Desenvolvimento Administrativo (FUNDAP) e ao Sistema Estadual de Análise de Dados (SEADE).
137
serviços que representavam aproximadamente 50% do total de gastos mensais) definiu-se um
referencial de valores com base no tratamento estatístico dos preços unitários praticados. Para
alcançar esse objetivo, os preços unitários de cada um dos serviços foram divididos em quatro
partes iguais (quartis) de forma que, contando do menor valor para o maior ficou formado:
- Primeiro quartis englobando 25% dos contratos;
- Segundo quartis (mediana) englobando 50% dos contratos;
- Terceiro quartis englobando 75% dos contratos.
Convencionou-se em utilizar como Valor Referencial (VR) para cada serviço – valor
limite que podia ser pago para um determinado tipo de contrato - o intervalo entre a mediana e o
3º quartis. A partir da criação desse VR analisaram-se os contratos em andamento, e do resultado
dessas análises, dois procedimentos foram adotados para os situados acima do VR: ou a
renegociação com os fornecedores, visando sua adequação ao referencial, ou seu cancelamento.
Al mesmo tempo, para informar e obrigar aos agentes públicos das unidades de despesas a
acompanhar o VR na confecção de novos contratos e utilizar os contratos padronizados, foram
disponibilizados na rede as informações pertinentes, por meio de um aplicativo do SEI.
Essas medidas, mas a atuação da Corregedoria, que veremos mais adiante, tiveram
um forte impacto nos preços pagos pelo Estado nas concorrências seguintes. Observemos mais
detalhadamente a evolução dos preços de alguns dos principais itens.
81 Os serviços padronizados, seus respectivos contratos (padronizados), os Valores Referenciais e as diretrizes para o estabelecimento dos contratos, estão disponíveis no site: www.cadterc.sp.gov.br
138
TABELA 8 Evolução dos preços de Serviços Terceirizados. Governo do Est. de São Paulo (1995/2002)
1 2 3 4 5 6 Serviços Descrição Unidade de
medida Valor Real
contratado (média)
Valor Corrigido
pela inflação (*)
Valor Real
contratado(média)
Diferença
Mês Janeiro de 1996
Julho de 2002
Julho de 2002
5/4
Alimentação de empregados Refeição 4,67 8,98 4,83 -46,2 % Alimentação de presos Diária 8,75 16,82 5,59 -66,8 %
Alimentação de pacientes Refeição 4,88 9,38 5,89 -37,2 % Vigilância Patrimonial Homem/hora 5,90 11,34 7,61 -32,9 %
Porteiro Homem/hora 3,86 7,42 4,38 -41,0 % Limpeza predial Homem/mês 611,72 1.175,66 738,09 -37,2 %
Limpeza hospitalar Homem/mês 924,54 1.776,87 1.153,54 -35,1 % Transporte de empregados Km 2,53 4,86 2,38 -51,0 % (*) IGP-DI/FGV : Fonte – Conjuntura Econômica Fonte: Sistema Estratégico de Informações. Casa Civil (SP)
Observemos, em primeiro lugar, na coluna 3, os valores médios pagos em janeiro de
1996. Esses valores refletem os preços pagos no segundo semestre de 1995 por contratos
assinados entre 1994 e 1995, ou seja, antes da criação do CadTerc. A seguir, na coluna 4, vemos
quais seriam os valores pagos em julho de 2002 se os valores de janeiro de 1996 fossem
corrigidos pela inflação do período. A coluna 5 refere-se os valores realmente pagos nesse mês.
As diferenças (coluna 6) variam, para menos, entre 35% nos contratos de limpeza hospitalar até
66,8% na alimentação de presos. Neste último item, se os preços pagos até 1995 fossem
corrigidos pela inflação, em julho de 2002 se estaria pagando R$ 16,82 pela diária nesse mês
quando de fato se pagava R$ 5,59 como valor máximo. Em 2002 havia no Estado
aproximadamente 107 mil presos e o gasto com alimentação foi de R$ 218,0 milhões quando,
levando em conta os valores pagos em 1995, o valor seria de R$ 648,0 milhões.
Analisando os dados em sua evolução através do tempo, é possível verificar a
economia realizada pelo estado com a criação do CadTerc.
139
TABELA 9 Evolução dos contratos de serviços terceirizados Estado de São Paulo (1995/2004). Mês: Julho
Ano Quantidade de Contratos em andamento
Valores em mil/UFESP
Valor Médio por contrato
(em UFESP)
Valor Médio por contrato (atualizados em R$/julho2004)
1995 4.962 17.016 3.429 42.828
1996 5.553 15.729 2.833 35.384
1997 6.964 19.192 2.756 34.422
1998 6.150 16.950 2.756 34.422
1999 5.951 14.669 2.464 30.775
2000 4.998 13.416 2.684 33.523
2001 5.393 14.238 2.640 32.974
2002 5.991 14.452 2.411 30.113
2003 5.582 13.924 2.494 31.150
2004 5.384 12.953 2.406 30.051 UFESP: a Unidade Fiscal do Estado de São Paulo – Variação Anual. (Em 2004: R$ 12,49) Fonte: Sistema Estratégico de Informações. Casa Civil (SP)
No mês de julho de 1995 – mês que começou o levantamento sistemático de dados e
os estudos - existiam em andamento 4.962 contratos com um valor mensal médio de 3.429
UFESP (R$ 42.828 em valores atualizados). Esse valor mensal médio foi baixando até situar-se
na casa dos R$ 30,0 mil no ano de 2002. Segundo um estudo feito pelo governo do Estado, a
redução no total de gastos mensais com serviços terceirizados em 115 meses (período de
janeiro/1995 a julho/2004), atingiu em termos de valor médio o percentual de 31,5%, o que
representaria uma economia de R$ 10,49 bilhões, considerando a UFESP no mês de julho/2004
no valor de R$ 12,4982.
A seguir mostraremos que a queda realmente expressiva dos preços pagos refere-se
às situações onde o governo ganhou expertise técnica, ou seja, quando, por meio de diferentes
82 O estudo que indica essa economia pode ser visto no site: www.cadterc.sp.gov.br/
140
estudos técnicos, conseguiu padronizar contratos e estabelecer para esses contratos, também por
meio de estudos, valores pré-definidos.
Os serviços terceirizados foram agrupados em três categorias: serviços gerais,
serviços técnicos e serviços de engenharia. Vejamos, na Tabela 10 o grau de padronização de
cada um desses grupos.
TABELA 10 Número de contratos e contratos padronizados
Estado de São Paulo - Julho de 2002 ITEM Nº CONTRATOS % PADRONIZADOS %
Serviços Gerais 4.379 73,1 3.980 90,9 Serviços Técnicos 1.376 23,0 30 2,2 Serviços de Engenharia 236 3,9 - - Total 5.991 100,0 4.010 66,9
Fonte: SEI (Sistema Estratégico de Informações). Casa Civil/SP.
Nos contratos assinados em 2002, dos que correspondem a serviços gerais, 90,9%
eram padronizados, e, portanto, possuíam Preços Referenciais. Dos serviços técnicos, apenas
entre 2,2% eram padronizados. E nenhum dos serviços de engenharia era padronizado.
Os gastos totais dos três grupos de serviços, onde se confrontando os gastos do
período de julho/2002 e janeiro/1995, levando em conta valores históricos e corrigidos pelo
UFESP, constata-se que o Grupo de Serviços Gerais, justamente os mais padronizáveis e com
VRs, foi o que apresentou a maior redução de gastos: 60,12%, seguido pelo Grupo de Serviços
de Engenharia 19,11% e Técnicos 10,77%83.
Resumindo a argumentação, os dados recolhidos sobre os milhares de serviços
terceirizados foram sistematizados, agrupados e comparados. Isto deu a seguinte informação:
existe grande dispersão de preços e de modalidades de contratos para o mesmo serviço. A seguir,
havia que responder a seguinte pergunta: o que fazer com essa informação? A resposta foi:
141
produzir conhecimento (expertise). Diferentes estudos indicaram que o melhor caminho era a
padronização de contratos e a elaboração de preços de referência para aproximadamente 67% da
modalidade de contratos. Essas medidas, quando implementadas, reduziram em 60% os gastos.
Para os restantes 33%, nos quais apenas incidiram diretrizes gerais e, portanto, o poder
discricionário do agente público foi maior, a redução de preços oscilou entre 10% e 20%.
PARA ALÉM DO FATOR FINANCEIRO
Se o avanço no controle dos serviços terceirizados por meio dessa metodologia de
trabalho foi expressiva na questão financeira, percebeu-se que para além dos dados fornecidos,
primeiro por fax e posteriormente pela rede, existiam outros problemas, como o eventual dolo na
prestação de serviços e a verificação da veracidade da coleta de informações que entravam no
sistema, irregularidades estas não captáveis apenas pelo valor do contrato. Por exemplo, podia-se
sobre-dimensionar a abrangência de serviços. É o caso dos contratos de serviços de limpeza, em
que as prestadoras do serviço podiam efetuar o trabalho em áreas menores das que demarcava o
contrato, entre inúmeros outros exemplos. Por causa desses potenciais problemas, a
Corregedoria Geral da Administração passou a trabalhar junto com os técnicos do SEI na forma
de um “braço fiscalizador”, ou seja, para fiscalizar no local as veracidades das informações.
O governador Covas ordenou, em maio de 1995, que a Corregedoria fosse
transferida da Secretaria de Administração para o Palácio dos Bandeirantes, ficando ligada
diretamente ao Secretário de Governo. Depois de uma avaliação sobre a produtividade do órgão,
permitiu-se que a Corregedoria requisitasse funcionários de qualquer órgão da administração para
83 Conferir no site:www.cadterc.sp.gov.br, do Governo do estado de São Paulo.
142
auxiliar nas investigações. Assim, foram selecionados essencialmente técnicos, ou seja,
contadores, administradores de empresas e advogados.
A Corregedoria atuava basicamente a partir de denúncias. Contudo, na medida em
que as informações do CadTerc apontavam a incidência de irregularidades em contratos de
terceirização de serviços, como os já apontados, implantou-se uma sistemática de correições
preventivas e de fiscalização por meio de forças-tarefas para fazer verificação diretamente nos
locais onde atuam as empresas contratadas.
A maior quantidade de processos abertos pela Corregedoria aconteceram nos dois
primeiros anos de governo. Foram 143 em 1995 e 173 em 1996, e 75% se referiam a
irregularidades ocorridas em contratos de serviços terceirizados. A partir das informações
extraídas do CadTerc, em 1997 selecionaram-se 58 contratos de terceirização cujos preços
estavam acima do Valor Referencial. Em 100% a Corregedoria constatou irregularidades. Destes
contratos, 48 foram anulados e 10 renegociados. Em 1998, foram selecionaram 112 contratos de
limpeza predial. Todos os contratos apresentavam problemas. A partir desse ano, quando a novas
diretrizes do CadTerc tornaram-se padrão e o controle institucionalizou-se, houve uma sensível
diminuição do número de processos instaurados por ano, até chegar a apenas 24, em 2000. Em
geral, de 1995 a 2000, a Corregedoria instaurou 633 processos, a maioria ligada a contratos sobre
serviços terceirizados. Destes, 92 foram enviados ao Ministério Público e se transformaram em
ações judiciais, e 577 funcionários foram exonerados por praticar irregularidades84.
A partir de 2004, a assinatura de um contrato de serviço terceirizado deve
obrigatoriamente ter o aval da Corregedoria, que só autoriza o contrato se enquadrado dentro
84 Ver: Governo do Estado de São Paulo (2001) Informe: Corregedoria Geral da Administração, São Paulo, SGGE/SP.
143
dos parâmetros ditados pela Unidade SEI. Esses valores são públicos e disponíveis no site do
Governo do Estado.
Independentemente do mérito acerca da metodologia utilizada pelo Governo de São
Paulo para chegar aos mais de R$ 10 bilhões citados como “economia”, sem dúvida, o CadTerc
levou a avanços expressivos, pois tornou possível evitar que imenso volumem de recursos que
saíam dos cofres públicos por meio do superfaturamento de preços e inúmeros outros delitos na
contratação de serviços terceirizados, que, agora, em grande medida o novo arranjo impede. A
partir da introdução desse sistema, os agentes públicos responsáveis pela contratação de serviços
terceirizados devem observar os padrões ditados pelo CadTerc, que adquiriu o conhecimento
necessário para prevenir irregularidades.
A TIC O ARRANJO DE CONTROLE
Num primeiro momento, nos primeiros dados recolhidos pela Unidade SEI para
montar o CadTerc, não existia ainda a rede nem era comum o uso de Internet. Os dados foram
chegando por meio de fax. Assim, esses dados precisavam ser digitalizados e a atualização era
feita de forma semestral. Mais tarde, o sistema foi sendo aprimorado com a introdução de novos
procedimentos de coleta de dados, tal como o desenvolvimento da versão WEB, que possibilitou
a coleta em tempo real. Isto dispensou o trabalho de digitalização e a atualização passou a ser
diária, e não mais semestral. O impacto da TIC nesta etapa foi, em conseqüência, na relação entre
informação (dados) e os fatores físicos, com a conseqüente diminuição nos custos de obter
informações.
No início, após os dados serem digitalizados, foram utilizados programas analíticos
que permitiram organizar, sistematizar e comparar esses dados. Mais tarde, o sistema foi sendo
144
aprimorado com a introdução de novos softwares de apoio, como o SIAFISICO, da Secretaria da
Fazenda. Os novos softwares permitiram um ganho em qualidade de informação e a organização
e disponibilização dessas informações de forma mais rápida. No entanto, a organização, a
sistematização e a comparação de dados, nas duas etapas, poderiam ser feitas sem o uso de
softwares de apóio (de forma manual). Neste caso, seriam necessários mais funcionários e muito
mais demorada a conclusão dos trabalhos. Isto significa que o grande impacto da TIC, nesta
etapa foi, também, nos custos de obter informações.
No entanto, o principal avanço do CadTerc foram os estudos que permitiram obter
conhecimento (expertise técnica) sobre o processo de contratações e assim dar soluções para os
problemas apresentados, como por exemplo, com a padronização de contratos e os preços
referenciais. A TIC facilitou a realização dos estudos, pois diminuiu os custos de obtenção de
informações nas duas etapas previas descritas. Por outro lado, se o CadTerc deu o conhecimento,
foi necessário a existência de um órgão fiscalizador: a Corregedoria, para verificar o cumprimento
das determinações. Criou-se assim um arranjo de controle bastante eficiente.
A QUESTÃO ORGANIZACIONAL
Observamos que, segundo a teoria de Agência, para criar um controle que minimize
a assimetria informacional entre o titular e o agente, temos três aspectos a considerar. Em primeiro
lugar, há a necessidade de diminuir os custos de se obter informações. Em segundo lugar, a
necessidade de adquirir expertise. E em terceiro lugar, existe a dificuldade organizacional. Segundo
a teoria, a questão da arquitetura institucional também é crucial, pois um controle deveria estar
organizado de forma a não reproduzir os problemas de delegação. Neste capítulo já foi tratado a duas
primeiras questões. Portanto, nos concentraremos no terceiro.
145
O arranjo de controle da Secretaria de Governo/Casa Civil é constituído pelo
Sistema Estratégico de Informações (SEI) e uma Corregedoria. Fazem parte do SEI a Unidade
SEI, que gerencia 60 aplicativos (entre eles o CadTerc) e a rede executiva. Este arranjo possui um
modelo organizacional mais próxima a proposta operacional de Controle Interno que o da
Secretaria da Fazenda. Observemos a configuração:
Organograma 8 O Controle Interno na Casa Civil
Na Casa Civil existe um sistema informacional (SEI) - ligado ao Secretário Adjunto -
cujo conteúdo é utilizado por todos os órgãos do estado, em escala variada de acesso. O sistema,
ao permitir o acesso aos dados e informações de seus próprios aplicativos e de inúmeros sistemas
de outras Secretarias de Estado, tornou-se uma solução de portal corporativo.
Subordinado ao Secretário Adjunto existe a Unidade SEI e a Corregedoria. A
Unidade SEI, atua como uma “inteligência” pois seus funcionários extraem dados do SEI e, a
partir da análise desses dados, conseguiram criar determinadas rotinas, métodos e procedimentos
que tornou possível uma visão geral do estado e a fiscalização em tempo real sobre o andamento
de inúmeras ações do governo (ver anexo 2). A Corregedoria, órgão de fiscalização externa, atua
146
aparelhada com as informações produzidas pela Unidade SEI. Todo esse conjunto de órgãos
não faz parte do “núcleo duro” da estrutura burocrática da Casa Civil.
O fato importante é que essa estrutura permite exercer o controle sobre a
organização e de grande parte das ações do estado com poucos funcionários. Portanto, o
Controle Interno pode fazer parte do titular. Observe-se, que a Unidade SEI é formado por dez ou
onze funcionários e ocupa algumas salas do Palácio dos Bandeirantes, ou seja, está próximo do
governador. Além disso, esses funcionários, assim como os da Corregedoria, foram recrutados
pelo Secretário Adjunto e pelo Corregedor85 – ambos agentes políticos - de diferentes órgãos do
Estado. Isto significa que, em grande medida, o futuro profissional desses funcionários no
Palácio dos Bandeirantes esta ligado ao futuro político do grupo que comanda o Governo do
Estado. Este fato é um forte incentivo para tornar os interesse dos funcionários do controle
coincidentes com o do titular.
85 Trata-se de Dalmo do Valle Nogueira Filho (Secretário Adjunto até 2001 e Secretário da Casa Civil até 2002) e de Saulo de Castro Abreu Filho (Corregedor até 2000).
147
CONCLUSÃO
Como vimos, segundo Weber, numa democracia, os políticos eleitos são detentores
de legitimidade e responsabilidade política. Cabe a eles, por meio dos partidos, a formulação de
programas políticos a serem referendados pelos eleitores. Com o advento da burocracia como
forma de dominação racional/legal Weber percebeu o risco da burocracia estatal avançar em suas
atribuições e passar a formular políticas, dado que dispõe de conhecimento técnico necessário
para tanto. Por mais que a formulação de políticas necessite de conhecimento técnico, a
burocracia não é apta a tomar esta ou aquela decisão, pois lhe falta legitimidade. É uma questão
de accountability política, já que os burocratas não são eleitos. Em conseqüência, torna-se
imperativo num regime democrático, o controle das cúpulas administrativas sobre as ações da
burocracia, pois pode haver o falseamento das metas estabelecidas. E um exemplo disso é dado
pelo problema da corrupção burocrática.
No entanto, a construção de mecanismos que tornem viável esse controle sempre
representou problemas, as vezes intransponíveis, para os governantes e administradores. Isto se
deve ao fato da burocracia constituir um grupo especializado e possuir alta capacidade
organizacional. Portanto ela detêm certa quantidade e qualidade de informação que a coloca em
posição de vantagem em relação aos agentes políticos.
Para uma melhor compreensão do problema do controle sobre a burocracia,
recorremos à Teoria de Agência em busca de ferramentas analíticas. A teoria nos diz que o
problema nas relações delegativas reside na assimetria de informação, ou seja, no fato de duas
partes que se relacionam não deterem o mesmo conhecimento, colocando uma das partes em
desvantagem no relacionamento com o outro. Segundo o modelo, o agente poderá utilizar de forma
148
oportunista essa assimetria de informação para obter vantagens. Desta forma foi estabelecida a
dificuldade do controle das cúpulas político/administraticas sobre a burocracia como derivada do
problema de delegação.
Como se enfrenta o problema de delegação? Segundo a teoria, a satisfação do titular
depende da atuação do agente. Portanto, o titular deve assegurar-se de que a atuação do agente será
aquela que satisfaça seu objetivo. Como o agente pode ter comportamentos oportunistas, então o
titular deverá formular um contrato com esquemas de controles eficientes. Como argumentou
Przeworski (1996, p. 22), o titular, então deve realizar um cálculo para decidir se arca com os
custos desse controle. A partir do modelo de comportamento do homem contratual, adotado neste
trabalho, assume-se que nas relações contratuais delegativas do setor público os controles são
fundamentais, pois, mesmo ante um contrato que tente prever todas as situações possíveis, sem
um esquema eficiente de controles, haverá dificuldades no cumprimento do contrato.
Nesse sentido, a Teoria de Agência nos permitiu identificar três problemas básicos
que precisam de resposta: (a) a necessidade de diminuir os custos de se obter informação; (b) a
necessidade de obter ganhos em expertise (para poder avaliar as escolhas do agente); e (c) a
formulação de uma arquitetura institucional que minimize os problemas de delegação, em outras
palavras, é necessário produzir uma situação em que seja possível a coincidência de interesses
entre o titular e os agentes do controle. Enfrentar esses três problemas nos levará a construção de
arranjos institucionais que permitam o controle da cúpula dirigente sobre a burocracia
minimizando o problema de delegação.
A seguir, introduzimos uma variável que imaginamos poder incidir no problema: a
nova Tecnologia de Informação e Comunicação. Segundo a literatura, a possibilidade dos
governos reformar os aparelhos administrativos, e por tanto, aumentar a capacidade de controle
149
sobre a burocracia adquiriu alguma vitalidade no começo da década de 1990 com o aparecimento
da TIC. Assim, nos perguntamos se a TIC poderia ter impacto na minimização do problema do
controle sobre a burocracia. Partindo desse questionamento, analisamos duas experiências do
Governo do Estado São Paulo que tratavam de mudanças administrativas implementadas com a
ajuda de novos mecanismos informatizados.
Como resposta geral, a análise dos estudos de caso permite afirmar que o uso
intensivo da TIC na Administração Pública facilitaram a criação de arranjos institucionais que
melhoraram o controle da cúpula do poder Executivo sobre a burocracia. Esta melhora deveu-se
a forma como a TIC foi utilizada, que permitiu minimizar o problema de assimetria de informação
entre a cúpula dirigente e a burocracia em alguns aspectos importantes. Nas duas experiências
analisadas no trabalho, ou seja, a da Secretaria da Fazenda e da Secretaria de Governo/Casa Civil
do Estado de São Paulo, a utilização intensiva da TIC ajudou a melhorar o andamento dos
processos da Administração Pública e criou condições para aumentar a capacidade de ação
governamental nas ações de controle por meio da racionalização da estrutura
burocrático/administrativa, da diminuição dos custos de obter informação e de ganhos em
expertise, como foi mostrado nos Capítulos 3, 4 e 5, na medida que o governo começou a obter e
veicular informação que antes não estava disponível ou era muito cara de adquirir. Esse processo
permitiu a criação de arranjos de controle muito superiores aos existentes antes da introdução da
TIC, possíveis, por exemplo, através da criação da BEC e do CadTerc. Entendamos, como essa
determinada forma de uso da TIC permitiu minimizar o problema de delegação.
150
Diminuição dos custos
O impacto imediato da utilização intensiva da TIC, como indicou Fountain (2001),
refere-se à relação entre informação (em realidade, dados) e fatores físicos (tempo, memória e
distância), o que é conseqüência da mecanização, da automatização da força de trabalho humana e
da melhoria no fluxo de dados e de informações, e deriva do próprio desenvolvimento
tecnológico86. Isso foi constatado quando analisamos a introdução do SIAFEM em São Paulo,
que levou a uma diminuição dos custos administrativos. Este passo poderia ser denominado
como diminuição de custos administrativos dada pela automação.
No entanto, embora a nova tecnologia facilite e acelere os processos administrativos,
dificilmente os determina. Automatizar tarefas sem analisar seus objetivos e as necessidades de
levar informação para as cúpulas dirigentes, pode resultar apenas numa mecanização do modelo
administrativo pré-existente que, embora leve a menores custos administrativos (dada pela
automação), pode não ser muito relevante para minimizar o problema de assimetria de
informação. Em outras palavras, se um órgão está sustentado num modelo administrativo dotado
de baixa racionalidade administrativa, a informatização pode apenas reproduzir de forma
mecânica esse modelo. O importante é que a introdução da TIC produza uma maior
racionalidade administrativa. Mas isto não é uma questão puramente técnica ou administrativa.
Esta questão depende de decisão e, principalmente, de habilidade política dos administradores,
como mostrado no Capítulo 3.
A tecnologia é apenas uma ferramenta. Sua incorporação não depende apenas de
recursos e de conhecimento técnicos. A obtenção de ganhos em racionalidade administrativa pela
86 É importante distinguir dois fenômenos relacionados, porém distintos: transportar informação e adquirir informação. O que permite que um dado transporte certa informação é a existência de um código (ou chaves de codificação) que lhe associa certo conteúdo informativo (Gutierrez, 2002).
151
incorporação tecnológica requer, em grande medida, reformas para que a organização seja
adaptada as potencialidades da nova tecnologia. E neste ponto, o impacto tecnológico afeta o
exercício do poder numa organização, pois nesse re-arranjo haverá ganhadores e perdedores,
como constatado na Secretaria da Fazenda de São Paulo. A habilidade política consiste em
capacidade de superar obstáculos normativos, particulares arranjos institucionais e resistências
burocráticas. Frente a essa situação, no caso apresentado, houve habilidade política nos
propulsores das mudanças em recrutar funcionários que contribuíram com a expertise necessária
para levar adiante a reforma que acompanhou a entrada em funcionamento do SIAFEM/SP e a
posterior modernização do sistema como foi demonstrado com o trabalho de Walter Soboll na
Fazenda.
As compras em São Paulo, antes da reforma administrativa que começou a ser
implementada com a introdução do SIAFEM/SP, eram operacionalizadas através de um sistema
administrativo dotado de baixa racionalidade, como visto no Capítulo 2. Os controles da Fazenda
- contábeis, financeiros e de auditoria - eram apenas processuais, ou seja, respeitadas as normas e
procedimentos burocráticos estabelecidos, a operação de despesa era efetuada,
independentemente da oportunidade, mérito ou conveniência. Mesmo assim, esse controle
processual demandava a existência de um considerável aparato burocrático. Foi a habilidade
política a que permitiu realizar mudanças administrativas, junto com a introdução da TIC, que
levaram a ganhos em racionalidade. Esses ganhos tiveram como principal fundamento a
integração entre a execução orçamentária ao orçamento a partir do qual se deu a linha mestra que
estruturou toda a reforma.
Portanto outro importante impacto desse processo de reforma, na qual a TIC foi um
instrumento, foi a diminuição de custos administrativos devido aos ganhos em racionalidade administrativa por
152
conta das reformas processuais que levaram à diminuição de controles redundantes sobre a
escrituração contábil e a movimentação financeira; a extinção de documentos, escritórios,
diretorias, gerências, cargos e tarefas de suporte; entre outros aspectos.
Observemos, para enfatizar, que a diminuição de custos administrativos dada pela automação
deriva do próprio desenvolvimento tecnológico, enquanto a diminuição de custos administrativos devido
aos ganhos em racionalidade deriva da habilidade humana em explorar com maior critério o avanço
tecnológico.
Diminuição da assimetria de informação
Outra importante conseqüência desse ganho em racionalidade administrativa
derivado do uso intensivo da TIC foi a possibilidade de transformação de dados em informação. Para
avançar nas ações de e-governança, que consiste no aumento da capacidade de ação governamental
na implementação de políticas públicas, de gestão e de controle, se requer ir além da obtenção de
dados. É necessário produzir informação, que são dados dotados de pertinência e propósito. Por
exemplo, com o SIAFEM/SP, pela primeira vez foi possível obter o conjunto dos dados
econômicos, financeiros e orçamentários, disponíveis em tempo real. Com o SEI, foi possível
obter dados sobre inúmeras ações dos atos de governo. Mas havia que se criar condições para
transformar os dados disponíveis no SIAFEM/SP e no SEI em informação útil ao controle.
O elo entre os dados disponíveis e a instrumentalização das necessidades de controle
foi o desenvolvimento de uma “inteligência” capaz de explorar a potencialidade dos dados e criar
informação que levantassem questões a ser entendidas. Isto requereu a constituição de diversos
grupos técnicos que criaram metodologias, procedimentos de análise e geração de indicadores,
em outras palavras, diversos instrumentos para perceber com rapidez problemas dentro da
153
instituição. Em São Paulo, esse elo foi a criação do Departamento de Controle Interno e da
Unidade SEI, órgãos que criaram diferentes programas que ajudaram a transformar dados em
informação. O SIGEO, o SIAFISICO e o CIGER, vistos ao longo do trabalho, foram essenciais
nessa tarefa. Os programas, gerenciais e de apoio, ofereceram ferramentas que permitiram
entender melhor os aspectos organizacionais e processuais e assim aprofundar os ganhos em
racionalidade necessários ao controle, como visto no Capítulo 4 e 5. A esse processo chamamos
ganhos em expertise organizacional.
Com maior racionalidade organizacional, os processos administrativos tornaram-se
mais previsíveis. Em outras palavras, a partir da reforma implementada com a introdução de
mecanismos administrativos baseados na TIC foi possível entender com maior clareza a utilidade,
os caminhos, assim como as regras que determinam o tempo, o lugar e a comunicação entre os
processos administrativos. Em outras palavras, a introdução da reforma tecnológica permitiu um
entendimento melhor os meandros da máquina pública.
Finalmente, a TIC teve como impacto o desenvolvimento do que chamamos de
expertise técnica. Apesar de todas as transformações trazidas a partir da implementação de reformas
baseadas em mecanismos administrativos que utilizam a TIC, nem sempre a tecnologia nos diz se
a informação produzida é verdadeiramente relevante ou quais são os arranjos mais eficazes para o
controle. A informação permite aos administradores levantar questões, mas não diz,
necessariamente, qual é o caminho para a solução dos problemas.
O problema de obter expertise técnica é crítico nas grandes organizações, onde o titular
normalmente não tem capacidade para avaliar as escolhas do agente. No entanto, é o impacto da
TIC na diminuição dos custos de obter informação, que nos permite ressaltar a importância do
154
investimento em conhecimento administrativo, definido acima como expertise técnica, como caminho para
construir arranjos de controle mais eficazes e eficientes.
Na Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo, os estudos realizados a partir das
informações extraídas do SIAFISICO e do SIGEO, revelaram características de como se
processavam as compras nas Unidades de Despesas. Esses estudos criaram as condições para
intervir no aspecto técnico. A partir deles, foram padronizadas as principais mercadorias,
elaborado uma padronização específica de editais e contratos para as diferentes modalidades de
licitação, e, principalmente, foi criado um arranjo, a BEC, que transformou esse conhecimento
em um processo de compras que aponta ao mérito e à conveniência.
Como mostrado no Capítulo 4, as compras feitas por meio da BEC são 25% mais
econômicas que no modo tradicional de licitação, os custos administrativos são 51% menores, e
as possibilidades de corrupção mínimas, pois fechou-se praticamente todo espaço discricional do
agente público. Isto, sem colocar obstáculos ao bom desempenho da administração pública. Em
comparação com o sistema tradicional de compras, a BEC mostra que a queda realmente
expressiva dos preços pagos refere-se ao fato do governo ter desenvolvido expertise técnica.
Da mesma forma, nos contratos sobre serviços terceirizados, o maior ganho em
eficiência foi conseguido nas situações onde o governo ganhou expertise técnica, ou seja, quando,
por meio de diferentes estudos, conseguiu padronizar contratos e estabelecer para esses
contratos, valores pré-definidos, observando o mérito e a conveniência. Como foi mostrado no
capítulo 5, a queda nos gastos nessa modalidade de contrato foi de 60%, enquanto naqueles em
que apenas incidiram diretrizes gerais e, portanto, o poder discricionário do agente público é
maior, a redução de gastos oscilou entre 10% e 20%.
155
Em ambos casos, a padronização não dependeu necessariamente de tecnologias, mas
foi a tecnologia que deu a oportunidade de operacionalizar as medidas de controle. Alem disso,
tanto na BEC quanto no CadTerc, o conhecimento foi transformado numa prática
institucionalizada, pois são arranjo que atuam, com certo grau de estabilidade, como
constrangedores da conduta dos agentes públicos.
O problema de delegação
O uso intensivo da TIC na construção de arranjos de Controle Interno, como
observamos, tem um impacto notável sobre a Administração Pública. Tanto pela automação,
pelos ganhos em racionalidade, quanto pela diminuição dos custos em obter informações, a TIC
permite a criação de sistemas de controle cuja estrutura organizacional possa ser eficaz e ao
mesmo tempo pequena. Isto aumenta a capacidade de enforcement que é essencial na criação de
instrumentos que limitem o espaço discricional dos agentes. Com os sistemas de informação e os
arranjos de controle criados, o governador e seus principais assessores, em São Paulo, podem
conferir em tempo real o andamento de uma infinidade de ações do estado que envolve
arrecadação, gastos, obras, convênios e funcionários, entre outros, minimizando a necessidade de
depender das informações produzidas pelas Secretarias de Estado.
A questão do tamanho da estrutura organizacional do Sistema de Controle Interno é
de muita importância porque é uma forma de facilitar que estes controles “façam parte” do titular,
minimizando assim as possibilidades de reproduzir o problema de delegação. Fazer parte do titular
significa criar uma situação de interesses coincidentes entre titular/agente.
Em outras palavras, os funcionários do controle podem ser selecionados diretamente
pela cúpula dirigente entre funcionários da própria organização ou de funcionários nomeados, e
156
ligar de alguma forma o futuro profissional desses funcionários do Controle Interno ao futuro
político do titular. Isto pode ser observado com clareza na Secretaria de Governo do Estado de
São Paulo, quando, para tomar conta do controle, foram recrutados técnicos de empresas e
autarquias estatais que passaram a trabalhar no próprio Palácio dos Bandeirantes, e seu futuro
profissional ficou ligado, em grande medida, ao da cúpula governante.
O estudo de caso analisado mostrou que os três problemas levantados a partir da
conceituação do Controle Interno podem ser minimizados com a introdução da TIC. Essa
minimização requer de um entendimento claro da diferença entre dado, informação e
conhecimento. Isto é fundamental para avançar no problema da assimetria de informação. No
entanto, é necessário entender que não é uma questão apenas técnica. A minimização requer
principalmente, de capacidade e habilidade política para implementar reformas administrativas,
pois as burocracias possuem uma força grande de resistência a mudanças organizacionais.
Considerações finais: o controle sobre os políticos
Não é demais enfatizar, novamente, que quando isolamos a relação titular (cúpula) do
agente (burocracia) tentamos entender os problemas resultantes deste tipo específico de relações a
partir de um determinado modelo comportamental. Para além do fato de que o agente político
ter o “dever” (a responsabilidade) de controlar a burocracia, esse modelo estabelece que a cúpula
política que detém poder tem interesse em controlar seus subordinados. Mesmo quando ele
próprio é corrupto precisa controlar a burocracia, já que normalmente trabalha num ambiente de
recursos escassos.
No entanto, esta tese de que o governo sempre quer controlar a burocracia não é tão
pacífica. Terry Moe (1984), por exemplo, argumenta que quando os governantes esperam
157
permanecer em seus postos, desejam sim controlar a burocracia, de modo a poder utilizá-la para
seus próprios fins. Mas, quando os governantes temem perder seus postos, podem defender que
a burocracia se torne autônoma em relação ao controle político, de modo que seus sucessores
não a utilizem para obter vantagens partidárias87.
A argumentação de Moe nos mostra a importância da necessidade de
institucionalização de Sistemas de Controle Interno assim como que a informação produzida seja
aberta à sociedade civil. Isto nos leva a refletir sobre outra questão importante. Embora este
trabalho tenha se limitado ao estudo dos controles sobre a burocracia, são necessárias algumas
palavras a respeito do controle sobre os políticos.
Uma das principais críticas a abordagem utilizada neste trabalho, diz respeito ao fato
de que o titular “detém uma escolha racional e tenta impô-la ou negociá-la com o agente, o que
desconsidera a hipótese do estabelecimento de relações espúrias e clientelista entre ambos”
(Falcão, 1999, p, 15). Em outras palavras, de que serve a implementação de tais reformas, como a
do modelo de Controle Interno proposto, no caso de haver governos corruptos? Neste sentido, a
centralização do poder e da informação pode ser equivalente à perda de valores democráticos e
servir como um instrumento organizacional da corrupção.
Poderíamos resumir o problema de agência a seguinte questão: como evitar que o
titular seja lesado pelo agente? O estabelecimento de relações espúrias e clientelista entre ambos
significa que se estabelece um conluio para lesar alguém. Assim, na perspectiva da Teoria de
Agência, o problema passa a ser outro dentro da cadeia de relações. Nesse caso, a cúpula política
(em conluio com a burocracia) deixa de ser o titular e passa a estar na posição de agente dos
87 Um exemplo interessante aconteceu no final do Governo Fleury em São Paulo (1991/4), quando foram levados todos os CPUs dos computadores da Secretaria de Governo com o intuito de não facilitar o controle ao novo governante.
158
cidadãos, que estão sendo lesados. Dessa forma, a teoria nos aponta que este agente político
necessita de controle, porque, como demonstra o modelo comportamental, ele optará por um
comportamento oportunista quando tiver chance. Para isso existem os controles sociais e os
controle horizontais do tipo cheks and balances. Mesmo assim, existe a necessidade de se
entender estas relações – burocracia/governo e governo/cidadãos - como partes de uma cadeia e
que qualquer ausência de controle nesta cadeia de relações se dará em detrimento dos interesses
do titular último, o cidadão.
Desta forma ao adotarmos a perspectiva do problema de agência e tratarmos o
sistema de controles como sendo uma cadeia interdependente de relações titular e agente, damos
ao problema dos Controles Internos uma dimensão política. Isso nos leva a ver mais claramente a
interconexão entre os dois problemas: o weberiano e o madisoniano. Ou seja, garantir que seja o
agente político que tome decisões políticas e a necessidade de se garantir arranjos para controlar
as ações desses políticos.
Os arranjos de Controles Internos, como início de uma cadeia de controles
democráticos, têm um valor intrínseco, que é o controle da cúpula política sobre a burocracia.
Além disso, uma das principais contribuições do Controle Interno a essa cadeia de controles
democráticos refere-se ao fato de que a abertura da informação e o conhecimento contido neles
podem ser fundamentais para um funcionamento muito mais eficaz dos controles sociais e dos
controles horizontais. Pode permitir a produção de um fluxo contínuo de informações sobre a
Administração Pública e sobre as agências burocráticas, criando assim uma memória institucional
sobre cada uma delas e garantindo a continuidade do processo de controle (Loureiro, 2001, p.54).
Esse não é um processo simples. Os políticos desejam controlar, mas não desejam
ser controlados. Isto é, as informações e o conhecimento produzido pelos Controles Internos
159
podem “parar na cúpula” e assim impedir um fluxo contínuo de informação para a sociedade.
Este problema nos remete a importância da transparência como um mecanismo que permita que as
informações produzidas pela burocracia fluam não apenas para o governante, mas também para o
cidadão. Da mesma forma, nos remete a importância dos mecanismos de alarme de incêndio como
uma via de mão dupla. Por um lado, como mecanismo de obtenção de informação para próprio
governante. Ou seja, um sistema estruturado e eficiente de Controle Interno deveria levar em
conta também esta forma de obtenção de informações de maneira a coordenar as informações
produzidas internamente para que seja possível a exploração de suas potencialidades. E por outro
lado, as informações produzidas por mecanismos de alarme de incêndio devem ser utilizadas para o
controle sobre os próprios governantes. Portanto, nessa relação titular (cidadãos) e agentes
(governo) é preciso que se garanta a abertura da informação produzida pelos mecanismos de
Controle Interno à sociedade.
Para concluir, ao tratarmos o problema de controle sob a perspectiva weberiana, a
partir de instrumentos da Teoria de Agência, fazemos com que a discussão dos controles sobre as
agências governamentais seja feita sob uma analise política. Em outras palavras, o controle como
um imperativo democrático. O que nos leva a problematizar as teses que pregam maior autonomia
à burocracia. Da mesma forma, este trabalho, nos faz analisar de forma diferente as teses que
defendem soluções minimalistas para os problemas derivados da crise fiscal do Estado. Estas vão
sendo superadas diante de avanços tecnológicos que estão propiciando: obter ganhos em
racionalidade administrativa, diminuir a dependência da expertise burocrática e a diminuição dos
custos na obtenção de informações. Em conseqüência, estão melhorando sensivelmente os
problemas de eficiência, coordenação, gestão e controle característicos das grandes estruturas
hierárquicas. Como aquelas teses baseiam-se principalmente em dar soluções a problemas de
160
custo (eficiência) da burocracia, ao se baixar este custo por meio de instrumentos tecnológicos,
seus argumentos acabam se enfraquecendo. Por outro lado, a preocupação levantada neste
trabalho com a necessidade de se levar em conta o problema da legitimidade e a responsabilidade
política na Administração Pública, permanecem.
Abril de 2005
161
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ABRAMO, Cláudio; CAPOBIANCO, Eduardo; NAVAES, Rubens (2002) Contratações de obras e serviços
(licitações). In Caminhos da Transparência. Org. Bruno Speck. Campinas, Editora Unicamp. ARAÚJO, Marcelo & SANCHEZ, Oscar Adolfo. “Os Controles Internos e a Teoria de Agência”. Lua Nova, São
Paulo, Cedec, 2005 (no prelo). ARROW, Kenneth (1963) Social choice and individual values. New Haven, Yale University Press. ACKERMAN, R. (1987) The economics of corruption: na essay in political economy. New York, Academic Press. ARÁMBULA, Héctor & ÁLVAREZ, David (1993) La economía de los costos de transacción. Una explicación
alternativa para el estudio de las organizaciones. Revista Gestión y Política Pública. V. II, num. 2. Mexico, CIDE.
AUCOIN, P. (1997) Reforma Administrativa en la Gestión Pública: Paradojas, Principios y Péndulos. In Brugué, Quim y Subirats, Joan (Comps.) Lecturas de Gestión Pública, Madrid, MAP.
BANCO MUNDIAL (1997) El Estado en un Mundo en Transformación. Informe sobre el Desarrollo Mundial 1997, Banco Mundial, Washington D.C.
BARZELAY, M. (2002) Origins of the New Public Management. In International View from Public Administration/Political Science. In Ferlie, Ewan, McLaughlin, Kathleen y Osborne, Stephen B. (Eds.). The New Public Management. Current Trends and Future Prospects, Londres, Routledge.
BEETHAM, David (1988) A Burocracia. Lisboa, Editora Estampa. BEHN, Robert (1998) O novo paradigma da gestão pública e a busca de accountability democrática. Revista do Serviço
Público, Nº 49/4. Brasília, ENAP. BENDIX, Reinhard (1986) Max Weber: um perfil intelectual. Brasília, UnB. BREI, Zani (1996) A corrupção: causas, problemas e soluções para o problema. Revista de Administração Pública, Nº 30
(3). Rio de Janeiro, FGV. BRESSER PEREIRA, Luis Carlos (1996) Da Administração Publica Burocrática à Gerencial. Paper apresentado ao
Seminário "A Reforma do Estado na América Latina e no Caribe". Brasília. _________ (2001) A administração pública gerencial: estratégia e estrutura para um novo Estado. Texto para discussão:
Outubro/2001. Brasília, ENAP. BRESSER PEREIRA, Luiz Carlos & MOTTA, Fernando (1988) Introdução à organização burocrática. São Paulo, Ed.
Brasiliense. BUCHANAN, James (1975) Limits of liberty. Chicago, Chicago Univ. Press. _________ (1985) Toward a Theory of the Renk-Seeking Society. Texas, Univ. Press. CAMPOS, Anna Maria (1990) Accountability: Quando poderemos traduzi-la para o Português?. Revista de
administração Pública, 24 (2). Rio de Janeiro, FGV. CARRIÓN, Juan Maroto (2002). Introducción conceptual a la gestión del conocimiento. Disponível:
http://www.gestiondelconocimiento.com/introduccion.htm CITADINI, Antonio (1998) Instrumentos do setor Público do Estado de São Paulo. In O Controle Interno no contexto
da modernização do Estado. Secretaria da Fazenda/SP. __________ (1999) Comentários e jurisprudência sobre a Lei de Licitações Públicas. São Paulo, Max Limonad. CLAD (2000) La responsabilización em la nueva gestión pública Latino-americana. Buenos Aires, CLADE/BID/EUDEBA. COELHO MOTTA, Carlos (1995) Eficácia nas Licitações e Contratos. Belo Horizonte, Editora Del Rey. COSTA, André (1998) Licitação, concorrência e preço: análise da Lei de Licitações com base em modelo de
concorrências perfeitas. Revista de Administração Pública, 32 (3). Rio de Janeiro. FGV COSTA, Valeriano (1998) O novo enfoque do Banco Mundial sobre o Estado; Revista Lua Nova; Nº 44. São Paulo,
CEDEC. CRETELLA JÚNIOR, José (1985). Reforma administrativa brasileira. Rio de Janeiro; Ed. Forense.
162
__________ (1995) Das licitações públicas: comentários a Lei Federal n. 8.666. Rio de Janeiro: Forense. CROZIER, Michel (1974) El Fenómeno Burocrático. Buenos Aires, Amorrortu. __________ (1998) Estado modesto, Estado moderno. Estrategia para el cambio. México; FCE. DAVENPORT, T.; PRUSAK, L. (1998), “Working Knowledge: How Organizations Manage What They Know”,
Harvard Business School Press. D’AURIA, Gaetano (1996) Os Controles. Revista do Serviço Público, Ano 47, Volume 120, Número 3. Brasília, ENAP. DAHL, Robert (1997). Poliarquia: participação e oposição. São Paulo, Edusp. DIAS, Cláudia (2001) Portal corporativo: conceitos e características. Sociedade da Informação. Brasília, v. 30, n. 1.
Disponível em: http://www.ibict.br/cionline/300101/30010107.pdf. DOWNS, Antony (1967). Inside Bureaucracy. Boston; Little Brown. EVANS, Peter (1993) O Estado como Problema e Solução. Revista Lua Nova, N. 28/29. São Paulo, CEDEC. FARABOLLINI, Gustavo & POCOVÍ, Gertrudis (2002). Gobierno Electrónico: un cambio estructural. La
integración de la información como requisito. Caracas, CLAD. Disponivel em: www.clad.org.ve/fulltext/0043193/pdf.
FARRAZ, Marcelo (2004). O sistema de informação gerenciais no estado de São Paulo como facilitador do e-goverment. In E-goverment: o governo eletrônico no Brasil. Org. Florência Ferrer e Paula Santos. São Paulo. Ed. Saraiva.
FERRER, Florência; SANTOS, Paula & SOLA, Píer Carlo (2004). Governo Digital: origem do conceito e modelo para discussão. In E-goverment: o governo eletrônico no Brasil. Org. Florência Ferrer e Paula Santos. São Paulo. Ed. Saraiva.
__________ (2004). O Governo Eletrônico como ferramenta de desenvolvimento e aumento da eficiência no setor público: a redução de custos oriunda da implementação de meios eletrônicos em compras governamentais. São Paulo, Novembro de 2004. Disponível: www.florenciaferrer.com.br
FIGUEIREDO, Marcelo; GARCIA, Mônica (2002). Corrupção e Direito Administrativo. In Caminhos da Transparência. Org. Bruno Speck. Campinas. Editora Unicamp.
FISHKIN, James (2002) Possibilidades Democráticas Virtuais. In Internet e Política: Teoria e prática da Democracia Eletrônica. Org. Eisenberg, Jose e Cepik, Marco. Belo Horizonte. Ed. UFMG.
FONSECA, Eduardo G. (1989) Comportamento Individual: alternativas ao homem econômico.Revista Novos Estudos. São Paulo. CEBRAP.
FOUNTAIN, Jane (2001). Building the virtual state – Information technology and institutional change. Washington D. C.: Brookings Institution Press.
FUNDAP (1995) Um novo estado para São Paulo: um subsídio para um projeto de reforma administrativa; São Paulo, Edições FUNDAP.
GARCIA, Maria (1995). Dos Convênios. In Estudos sobre a Lei de Licitações e Contratos. Org. Por Maria Garcia. Rio de Janeiro; Forense Universitária.
GONÇALVES SILVA, Marcos (1995). A economia Política da Corrupção: um ensaio crítico. São Paulo, NPP/FGV. GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO (2001) Informe: Corregedoria geral da Administração; São Paulo,
SGGE/SP. GRANDE, J, RAMILO ARAUJO, M. C, SERNA, S. (2000) La Necesidad de Teoría(s) sobre Gobierno Electrónico. Una
Propuesta Integradora. CLAD, Caracas. Online. Disponível: www.clad.org.ve/fulltext/0043193/pdf. GUTIÉRREZ, Mario Pérez-Montoro (2002). Document as Data, Knowledge and Information. Disponível em:
www.gestiondelconocimiento.com/conceptos_diferenciaentredato.htm HAHN, Neide (1998) Reforma do Setor Público em São Paulo (1995/1998). Tese de Doutorado; FGV/SP. HALL, Peter & TAYLOR, Rosemary (2003) As Três versões do Neo-Institucionalismo. Revista Lua Nova, 58. São
Paulo, CEDEC. HAYEK, Friedrich (1990) O caminho da servidão. Rio de Janeiro, Instituto Liberal. HERRMANN, ISADORA (1999) Licitações Públicas no Brasil: explorando o conceito de ineficiência por
desempenho. Revista de Administração Pública, 34 (2). Rio de Janeiro, FGV.
163
HOLANDA, Vitor (2002) Controladoria Governamental no Contexto do Governo Eletrônico. Tese apresentada ao Departamento de Contabilidade da FEA/USP.
HOOD, Ch. (1997) Racionalismo Económico en la Gestión Pública: ¿De la Administración Pública Progresiva a la Nueva Gestión Pública?. In Brugué, Quim y Subirats, Joan (Comps.). Lecturas de Gestión Pública, Madrid, MAP.
HUGHES, O. E. (1998) Public Management and Administration. Londres, MacMillan. KIEWIET, D. Roderick & McCUBBINS Mathew (1991) Delegation and agency problems. In: The logic of delegation:
congressional parties and the appropriations process. Chicago, University of Chicago Press. KLIKSBERG, Bernardo (1984) Reforma Administrativa en América Latina: una Revisión del Marco Conceptual. In
La Reforma de la Administración Pública en América Latina. Madrid, Instituto Nacional de Administración Pública.
KRUEGER, Anne (1974) The political economy of rent-seeking society. American Economic Review, vol. 64, nº 3, June. LEONE dos SANTOS, R. (2000) Governo eletrônico o que se deve e o que não se deve fazer. CLAD, Caracas. Disponível::
www.clad.org.ve/fulltext/0043109/pdf. LIMA JUNIOR, Olavo Brasil (1998) As Reforma da Administração Pública e cultura política no Brasil: uma visão
geral. Revista do Serviço Público, Ano 49, Número 2, Abr-Jun. Brasília; ENAP. LOUREIRO, Maria Rita (2001) Burocracia e reforma do Estado. Cadernos Adenauer, Ano II, N. 03. São Paulo,
Konrad Adenauer. MACHADO, Nelson. (1998) Capacitação dos servidores públicos: o desafio da modernização. In O Controle Interno no contexto da
modernização do Estado. São Paulo, Secretaria da Fazenda do Governo do Estado de São Paulo. ___________ (2002) Sistema de informação de Custo. Diretrizes para integração ao orçamento público e à contabilidade
governamental. Tese de doutorado apresentada à FEA/USP. MARCH, J.G. & OLSEN,J.P. (1993) El Nuevo institucionalismo: factores organizativos de la vida política. In Zona
Abierta 63/64, pp. 1-43. MARQUES NETO, Floriano (1995). A correção monetária e econômica nos contratos administrativos. In Estudos
sobre a Lei de Licitações e Contratos. Org. Por Maria Garcia. Rio de Janeiro, Forense Universitária. MARTINS, Humberto Falcão (1999). A contratualizaçao como estratégia de reforma. Paper apresentado no Congreso
Internacional del CLAD sobre la Reforma del Estado y de la Administración Pública, 4 (Oct. 19-22: México). Disponível: http://www.clad.org.ve/siare/biblo/es_biblo_l.html
MARTINS, Luciano (1985) Estado capitalista e burocracia no Brasil pós-64. São Paulo Paz e Terra. _________ (1999) Reforma da Administração Pública e cultura política no Brasil: uma visão geral. Cadernos ENAP,
8. Brasília, ENAP. McCUBBINS, M. D. & SCWARTZ, T. (1984) Congressional oversight overlooked: police patrol versus fire alarms.
American Journal of Political Science, 28. MEDAUAR, Odete (1989) Controles Internos da Administração Pública. Revista da Faculdade de Direito, V. 84/85.
São Paulo. MEIRELLES, Hely Lopes (2000) Direito Administrativo Brasileiro. São Paulo, Malheiro Editores. MELO, Marcus (1996) Governance e reforma do Estado: o paradigma agente x principal. Revista do Serviço Público,
Volume 120, Jan/abr. Brasília, ENAP. MOE, Terry (1984) The New Economics of Organization. American Journal of Political Science, 28 (739/777). NETO, B. e ROTH A. (1998) Novas metodologias do Controle Interno. São Paulo. O Controle Interno no contexto da
modernização do Estado.Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo. NISKANEN, William (1971) Bureaucracy and Representative Government. Chicago, University of Chicago Press. NOGUEIRA FILHO, Dalmo (2002) Governo eletrônico no estado de São Paulo. Paper apresentado no Congreso
Internacional del CLAD sobre la Reforma del Estado y de la Administración Pública, (Oct. 8-11 : Lisboa). CLAD.
NOGUEIRA FILHO, Dalmo & AGUNE, Roberto. Gestão dos Negócios Públicos. In E-goverment: o governo eletrônico no Brasil. Org. Florência Ferrer e Paula Santos. São Paulo. Ed. Saraiva.
164
NORTH, Douglass (1993) Instituciones, cambio institucional y desempeno econômico. México, Fondo de Cultura Econômica. O’DONNELL, Guillermo (1998) Accountability horizontal e novas poliarquias. Revista Lua Nova, Nº 44. São Paulo,
CEDEC. OSBORNE, David & GAEBLER, Ted (1994) Reinventando o Governo. Como o Espírito Empreendedor está Transformando o
Setor Público. Brasília, MH Comunicação. OSBORNE, David & PLASTRIK, P. (1998) La Reducción de la Burocracia. Barcelona; Paidós. OSZLAK, Oscar (1998) El Estado Irresponsable: Conceptos foráneos y conductas autóctonas. Aportes para el Estado
y la Administración Gubernamental, Año 5, No. 11. ________ (1999) De Menor a Mejor: El Desafío de la “Segunda” Reforma del Estado. Nueva Sociedad, No.160,
Marzo-Abril, Caracas. OUCHI, W. (1977) The Relationship between Organizational Structure and Organizational Control. Administrative
Science Quarterly, v.22, num.1. PEREIRA JÚNIOR, Jessé (1994) Comentários à Lei das licitações e contratações da administração públicas. Rio de Janeiro,
Renovar. PISCITELLI, Roberto (1998) O controle interno na administração pública federal brasileira. Brasilia. ESAF. ________ (1995) Contabilidade Pública: uma abordagem da administração financeira pública. São Paulo, Editora Atlas. PRATS, Joan (1995) Fundamentos para la Reforma del Estado en América Latina. Paper, PNUD, presentado a la
Conferencia sobre Nueva Generación de Políticas Públicas, Montevideo. ________ (1998) Administración pública y desarrollo en América Latina. Un enfoque neoinstitucionalista. Revista
del CLAD, No 11. Caracas. PRZEWORSKI, Adam (1996) Reforma do Estado: responsabilidade política e intervenção econômica. Revista
Brasileira de Ciências Sociais, n.o 32. São Paulo, ANPOCS. ________ (1998) Democracia y representación. Revista del CLAD, Reforma y Democracia. No. 10. Caracas. QUEIROGA, Adriano (2004). Bolsa Eletrônica de Compras do Estado de São Paulo. Sistema BEC. In E-goverment: o
governo eletrônico no Brasil. Org. Florência Ferrer e Paula Santos. São Paulo. Ed. Saraiva. REIS RIBEIRO, Sheila (1997) Controle Interno e paradigma gerencial. Textos para discussão, Nº 17. Brasília, ENAP. RESENDE, Flavio C. (2002) O dilema do controle e a falha sequencial nas reformas gerenciais. Revista do Serviço
Público, 53/3. Brasília, ENAP. RODRIGUEZ da SILVA, Flávio (1997) O modelo brasileiro de prestação de contas: por uma racionalização do
processo. Revista de Administração Pública, n.o 47. Rio de Janeiro, FGV. SANCHEZ, Oscar (2003) A burocracia e o controle da informação. Revista Lua Nova, Nº 57. São Paulo, CEDEC. SANCHEZ, Oscar Adolfo. “Guia: O Governo Eletrônico”. Serie Didática Nº 5. São Paulo, CEDEC, 2003. SANTOS, Roberval (2002) Governo eletrônico: o que se deve e o que não se deve fazer. CLAD, Caracas. Online. Disponível:
www.clad.org.ve/fulltext/0043101/pdf. SARAIVA, I. (1996) Criação dos tribunais de contas, sua importância histórica. Alterações pos-Constituinte e posição no cenário
brasileiro. Brasília, TCU. SECRETARIA DA FAZENDA (1997) Informativo: Ajuste Fiscal e Reestruturação Financeira do Estado de São Paulo. São
Paulo, IMESP. SECRETARIA DE GOVERNO E GESTÃO ESTRATÉGICA (1997) O Sistema Estratégico de Informações. São Paulo,
IMESP. SIMON, Herbert (1988) El comportamiento administrativo: estudio de los procesos decisorios en la organización administrativa.
Buenos Aires, Aguilar. SOBOLL, Walter (1998) Implementação no SIAFEM no Estado de São Paulo. In O Controle Interno no contexto da
modernização do Estado.Secretaria da Fazenda/SP.
165
SOBOLL, Walter & QUEIROGA, Adriano (2000). Bolsa eletrônica de compras do governo do Estado de São Paulo. Documento presentado no V Congreso Internacional del CLAD sobre la Reforma del Estado y de la Administración Pública, Santo Domingo, Rep. Dominicana, 24 - 27 Oct.
SPECK, Bruno (2000) Mensurando a Corrupção: uma revisão de dados provenientes de pesquisas empíricas. In: Os Custos da Corrupção. São Paulo, Konrad Adenauer.
TULLOCK, Gordon (1977) What is to be Done? In: Borcherding, T.E. (ed.). Budgets and bureaucrats: The sources of goverment growth. Durham, Duke University Press.
VILHENA, Renata (2002) Uma nova lei para as compras governamentais. Gazeta Mercantil, dia 29, 30 e 31 de março de 2002, pág. A3.
WEBER, Max (1964) Economía y sociedad: esbozo de sociología comprensiva. México DF, Fondo de cultura económica. _________ (1979) Ensaios de Sociologia. Rio de Janeiro, Ed. Guanabara. WILLIAMSON, Oliver (1989) Las instituciones económicas del capitalismo. México, Fondo de Cultura Economica.
166
ANEXO 1 DECRETO DE CRIAÇÃO DA UNIDADE DE GESTÃO ESTRATÉGICA (UGE)
Decreto Nº 39.914, de 11 de janeiro de 1995 - 11/01/1995 Publicação: Diário Oficial v.105, n.9, 12/01/1995 Institui, junto à Secretaria do Governo e Gestão Estratégica, a Unidade de Gestão Estratégica do Governo, define as diretrizes básicas para o seu funcionamento e dá providências correlatas MÁRIO COVAS, Governador do Estado de São Paulo, no uso de suas atribuições legais, Decreta: Artigo 1º - Fica instituída, junto à Secretaria do Governo e Gestão Estratégica, a Unidade de Gestão Estratégica do Governo, incumbida de dar suporte a relações, procedimentos e ações em nível de Governo: I - na concepção e implantação do planejamento estratégico e da gestão estratégica; II - no acompanhamento das ações, avaliação dos resultados e indicação de medidas de ajuste. Artigo 2º - A coordenação da Unidade de Gestão Estratégica do Governo será exercida pelo Assessor Especial do Governador de Gestão Estratégica, sem prejuízo de suas funções normais de assessoramento direto ao Governador do Estado. Artigo 3º - A Unidade de Gestão Estratégica do Governo desenvolverá suas atividades em dois níveis: I - a definição de uma agenda inicial, que dará apoio:
a) à fixação de prioridades do Governo; b) à concepção e ao desenvolvimento de programas relativos a:
1. reforma institucional da Administração; 2. valorização dos recursos humanos da Administração; 3. apoio para o estabelecimento de parcerias com o setor privado e com outros segmentos da sociedade organizados; 4. concepção e implantação de sistemas de informação como instrumento de gestão; c) ao acompanhamento e avaliação dos resultados das ações estratégicas de governo; II - o estabelecimento de um processo de planejamento estratégico, que enfatizará ações integradas, destinadas a obter melhor relação entre recursos empregados e benefícios alcançados. Artigo 4º - Integrarão a Unidade de Gestão Estratégica do Governo: I - Conselho Orientador; II - Conselho de Coordenação; III - Conselho de Assessoramento; IV - Comitê Executivo. Parágrafo único - A Unidade de Gestão Estratégica do Governo contará com uma Seção de Expediente. Artigo 5º - Caberá ao Conselho Orientador: I - estabelecer diretrizes, formular os planos estratégicos e criar condições para sua implementação; II - propor grupos executivos e comissões, para o desenvolvimento dos programas de que trata a alínea "b" do inciso I do artigo 3º e para outras iniciativas da Unidade. Artigo 6º - O Conselho Orientador será integrado por profissionais de reconhecido saber, com capacidade para contribuir no processo de planejamento e gestão estratégica. Artigo 7º - Caberá ao Conselho de Coordenação: - avaliar os trabalhos e propor ajustes de rumos; II - propor a alocação de recursos humanos nos grupos executivos e nas comissões. Artigo 8º - O Conselho de Coordenação terá a seguinte composição: I - membros do Conselho Orientador;
167
II - Secretários-Adjuntos das Secretarias de Estado; III - um representante do Chefe da Casa Militar; IV - um representante do Secretário-Chefe da Casa Civil; V - um representante do Procurador-Geral do Estado. Artigo 9º - Ao Conselho de Assessoramento caberá avaliar ações e apresentar sugestões para o êxito dos planos estratégicos. Artigo 10 - O Conselho de Assessoramento terá a seguinte composição: I - membros do Conselho Orientador; II - representantes de universidades estaduais; III - membros convidados pelo Secretário do Governo e Gestão Estratégica, entre parlamentares, empresários e sindicalistas. Parágrafo único - O Secretário do Governo e Gestão Estratégica poderá, a seu critério, convidar outras pessoas de notório saber para integrarem o Conselho. Artigo 11 - O Conselho de Assessoramento será presidido pelo Secretário do Governo e Gestão Estratégica. Artigo 12 - Os Conselhos Orientador e de Coordenação serão presididos pelo Assessor Especial do Governador de Gestão Estratégica. Artigo 13 - A participação dos membros nas reuniões dos Conselhos de que trata este decreto indelegável. Artigo 14 - Ao Comitê Executivo cabe: I - articular a implementação das decisões e recomendações dos Conselhos de que trata este decreto; II - apoiar a ação dos grupos executivos e das comissões; III - acompanhar e avaliar os resultados. Artigo 15 - Os membros dos Conselhos, grupos executivos e comissões de que trata este decreto e os do Comitê Executivo serão designados pelo Secretário do Governo e Gestão Estratégica. Parágrafo único - Com vistas à designação dos membros dos grupos executivos e das comissões, o Secretário do Governo e Gestão Estratégica poderá requisitar servidores de outras Secretarias de Estado. Artigo 16 - A Seção de Expediente terá, no âmbito da Unidade de Gestão Estratégica do Governo, as atribuições previstas no artigo 98 do Decreto nº 21.984, de 2 de março de 1984. Artigo 17 - O Chefe da Seção de Expediente tem as competências previstas nos artigos 114 e 116 do Decreto nº 21.984, de 2 de março de 1984. Artigo 18 - Este decreto entrará em vigor na data de sua publicação. Palácio dos Bandeirantes, 11 de janeiro de 1995. MÁRIO COVAS Robson Marinho - Secretário-Chefe da Casa Civil Antônio Angarita - Secretário do Governo e Gestão Estratégica Publicado na Secretaria de Estado do Governo e Gestão Estratégica, aos 11 de janeiro de 1995. Revogado pelo Decreto nº 44.723, de 23 de fevereiro de 2000
168
ANEXO 2
SEI - Sistema Estratégico de Informações PRINCIPAIS APLICATIVOS
Agenda 21 - Gestão de Programas Este sistema tem como objetivo agregar em uma única base os programas de governo, fornecendo um acompanhamento efetivo das entregas e indicadores por meio de gráficos e cronogramas com a situação prevista e realizada das etapas cadastradas para monitoramento. Cadastro de Obras e Ações do Governo Registra todas as ações realizadas pelo governo desde 1995. São mais de 140.000 ações cadastradas. Todas as ações estão registradas, desde a mais simples até as grandes obras como Metrô, rodovias, etc... Contratos de Locação de Imovéis Efetua o acompanhamento e o controle de preços dos contratos de imóveis locados pela Administração Pública Direta e Indireta do Estado. Contratos de Serviços Terceirizados - WEB Aplicativo desenvolvido para coleta e disponibilização de informações dos contratos de serviços terceirizados. Cadastro de Municípios Inamdimplentes O aplicativo tem como objetivo acompanhar as inadimplências (falta de prestação de contas) dos municípios, ficando o município inadimplente impedido de receber recursos do Estado até que sua situação seja regularizada. Decisões do Governador Automatiza as comunicações dos atos de autorizações do governador às secretarias envolvidas, possibilitando contínuo acompanhamento pelos órgãos interessados. Follow-UP de Assuntos e Projetos Este aplicativo tem como objetivo controlar o andamento de tarefas designadas pelo senhor Secretário de Estado, no âmbito de sua Secretaria. Gerenciamento de Licitações Este sistema encontra-se em desenvolvimento, porém já está disponível o módulo Solicitação de Licitação que permite cadastrar pedidos de contratação de serviços, nas modalidades Convite, Tomada de Preços e Concorrência, pelos solicitantes que tramitam por intermédio de um workflow eletrônico pelas áreas envolvidas até a aprovação da abertura da licitação. Manifestação Prévia Para Realização de Despesas O aplicativo tem como objetivo realizar o encaminhamento e acompanhamento eletrônico das solicitações de aprovação de despesas apresentadas pelos órgãos da administração direta e indireta do Estado, em cumprimento ao disposto no Decreto nº 41.165 de 20/09/96 que dispõe sobre a realização de despesas com convênios, contratos de serviços, obras e compras, cujo o valor seja igual ou superior a R$ 150.000,00, somente após manifestação prévia favorável do Secretário de Economia e Planejamento e do Secretário da Fazenda. Memorandos de Decisões
169
Este aplicativo mantém uma base de dados com todas as decisões do governador relativas às demandas recebidas. Patrimônio Imobiliário Reúne dados e informações sobre os imóveis públicos Estaduais pertencentes à Fazenda do Estado. Pregão Trata-se de uma nova modalidade de licitação governamental, para aquisição de bens e serviços comuns. Os fornecedores que apresentarem as melhores propostas de preço por escrito disputam também com lances verbais, em sessão pública, vencendo o licitante que ofertar o produto/serviço pelo menor preço. Agenda 21 - Domino.Doc Aplicativo desenvolvido em Domino.Doc, com o objetivo de oferecer uma solução rápida e prática para distribuir e gerenciar pela Internet documentos associados ao programa Agenda 21 do Governo. Biblioteca Virtual O projeto Biblioteca Virtual do Governo do Estado de São Paulo faz parte do Centro de Referência e Disseminação de Informações da Casa Civil, e é um serviço eletrônico de pesquisa que se baseia em conceitos avançadas na área de recuperação e disseminação de informações, utilizado atualmente por grandes empresas. Controle de Afastamentos O aplicativo Controle de Afastamentos é executado na plataforma Domino/Notes, com interface WEB e permite o registro e controle das solicitações de afastamento de servidores do Poder Executivo Estadual, para prestação de serviços fora de sua área de origem. Clipping Eletrônico O Clipping eletrônico reúne notícias divulgadas em jornais e outros meios informativos consideradas relevantes para o órgão usuário. Convites e Representações Propicia controlar os convites e representações recebidas pelo Gabinete do Governador e pela Primeira-Dama, proporcionando a pronta recuperação dos documentos a qualquer tempo. Escriba O "Escriba" apresenta um relato das realizações relevantes das Secretarias e Órgãos vinculados (é a versão eletrônica da edição impressa do Escriba). Estatísticas do Poupatempo Este sistema visa o gerenciamento de informações estatísticas sobre a quantidade de atendimentos prestados pelos atendentes dos postos do Poupatempo. GA Documentos Tem como objetivo informatizar e agilizar a busca por informativos e pronunciamentos (documentos que compõem a agenda de compromissos) do governador. Gerenciamento de Remoção e Transferência de Presos Fornece apoio para a Coesp, no sentido de fornecer recursos para o atendimento da demanda de transferência dos presos entre as unidades prisionais.
170
Gestão Documental Tem por fim atender às Secretarias de Estado e Órgãos da Administração Pública em suas necessidades de controle do fluxo de documentos em geral, visando agilizar a recuperação de suas informações. Guia de Informações sobre Serviços Públicos - WEB Disponibiliza para toda a população, informações sobre os serviços prestados por todos os órgãos da administração pública. Guia da Oferta de Informações e Sistemas - INTERNET Este guia pode ser definido como um catálogo ou um sistema de referência das informações organizadas em sistemas informatizados existentes nos órgãos públicos da administração estadual. Informações Políticas O Governo do Estado de São Paulo disponibiliza, através desta página, um painel completo dos últimos resultados eleitorais no Estado de São Paulo e uma detalhada relação das autoridades públicas estaduais e municipais, além de um pequeno conjunto de indicadores básicos para cada uma das cidades paulistas. Recursos Humanos do Estado O objetivo deste site é oferecer informações acerca de normas aplicáveis a servidores públicos estaduais no decorrer de sua vida funcional, especialmente aquelas relativas a direitos, deveres e vantagens. Sistema de Alteração Orçamentária - SAO Aplicativo desenvolvido por membros das equipes técnicas da Coordenadoria de Programação Orçamentária e da Assessoria de Informática da Secretaria de Economia e Planejamento, que condensa em uma única base de dados todos os procedimentos necessários à administração da execução orçamentária e financeira do orçamento estadual. Sistema Estadual de defesa do usuário de serviços públicos Tem como objetivo criar e assegurar um canal de comunicação direto entre os prestadores de serviços e os usuários, a fim de aferir o grau de satisfação dos usuários de serviços, bem como estimular a apresentação de sugestões. Monitora os prazos que identificam os vencimentos das solicitações.