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UN IVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊN CIAS HUMAN AS DEPARTAMEN TO DE CIÊN CIA POLÍTICA OS CON TROLES IN TERN OS DA ADMIN ISTRAÇÃO PÚBLICA: a e-governança e a construção de controles no Governo do Estado de São Paulo Oscar Adolfo Sanchez Tese apresentada ao Programa de Pós- Graduação de Ciência Política, do Departamento de Ciência Política da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, para obtenção do título de Doutor em Ciência Política . Orientadora: Professora Dra. Maria Hermínia Tavares de Almeida São Paulo 2005

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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS

DEPARTAMENTO DE CIÊNCIA POLÍTICA

OS CONTROLES INTERNOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA: a e-governança e a construção de controles

no Governo do Estado de São Paulo

Oscar Adolfo Sanchez

Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação de Ciência Política, do Departamento de Ciência Política da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, para obtenção do título de Doutor em Ciência Política.

Orientadora: Professora Dra. Maria Hermínia Tavares de Almeida

São Paulo 2005

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ÍNDICE

Introdução....................................................................................................................................04 O Problema de pesquisa.............................................................................................................06 Procedimentos.............................................................................................................................13 CAPÍTULO 1: A QUESTÃO BUROCRÁTICA..................................................................16 A burocracia e as reformas administrativas..............................................................................17 A Teoria da Escolha Pública......................................................................................................18 A Nova Gestão Pública...............................................................................................................21 O Neo-institucionalismo.............................................................................................................24 O modelo.......................................................................................................................................25 Os custos de transação................................................................................................................32 A Teoria de Agência.....................................................................................................................34 O Controle Interno e a Teoria de Agência...............................................................................37 CAPÍTULO 2: AS CONTRATAÇÕES GOVERNAMENTAIS......................................47 A Lei 8.666/93.............................................................................................................................48 Algumas observações sobre a Lei 8.666/93............................................................................54 Os controles previstos na Lei 8.666/93..................................................................................56 O impacto dos controles...........................................................................................................63 As compras em São Paulo.........................................................................................................65 CAPÍTULO 3: O CONTROLE NA SECRETARIA DA FAZENDA............................76 O Estado de São Paulo...............................................................................................................77 A Tecnologia de Comunicação e Informação........................................................................82 A intervenção...............................................................................................................................87 A nova organização.....................................................................................................................94 A relação entre informação e fatores físicos............................................................................98

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CAPÍTULO 4: OS ARRANJOS DE CONTROLE.............................................................104 O Departamento de Controle Interno.....................................................................................104 Os sistemas...................................................................................................................................108 A falta de controle na ponta do sistema..................................................................................114 Os estudos de viabilidade para um portal de compras..........................................................116 O Portal de Compras..................................................................................................................118 A BEC e os princípios gerais da lei 8.666/93.........................................................................123 O arranjo organizacional............................................................................................................125 CAPÍTULO 5: O CONTROLE NA SECRETARIA DE GOVERNO..........................129 O portal corporativo...................................................................................................................130 O Cadastro de Serviços Terceirizados.....................................................................................133 Para além do fator financeiro....................................................................................................141 A TIC e o arranjo de controle...................................................................................................143 A questão organizacional...........................................................................................................144 CONCLUSÃO............................................................................................................................147 BIBLIOGRAFIA.......................................................................................................................161 ANEXO 1....................................................................................................................................166 ANEXO 2...................................................................................................................................168

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OS CONTROLES INTERNOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

INTRODUÇÃO

Um dos principais desafios dos Estados Modernos é desenvolver capacidade de

resolver uma questão básica: o problema do controle exercido pelos políticos eleitos sobre a

burocracia, dada a inevitabilidade da delegação de responsabilidades dos primeiros aos segundos

(Niskanen, 1971; Przeworski, 1996).

Segundo Weber, numa democracia representativa, os políticos eleitos são detentores

de legitimidade e responsabilidade política. Cabe a eles, por meio dos partidos, a formulação de

programas políticos a serem julgados pelos eleitores. Com o advento da burocracia como forma

de dominação racional/legal, Weber percebeu o risco da burocracia estatal avançar em suas

atribuições e passar a formular políticas, dado que dispõe de conhecimento técnico necessário

para tanto. Todavia, por mais que a formulação de políticas necessite desse conhecimento

técnico, a burocracia não é apta a tomar esta ou aquela decisão, pois lhe falta legitimidade. É uma

questão de accountability política, já que os burocratas não são eleitos.

A Teoria de Agência nos mostra que o problema na relação governo/burocracia

reside na assimetria de informação, ou seja, no fato de duas partes que se relacionam não deterem

o mesmo conhecimento, colocando uma das partes - quem delega responsabilidades - em

desvantagem no relacionamento com a outra. Aproveitar essa assimetria de informação pode

levar à burocracia a buscar interesses distintos aos dos políticos eleitos. Isto é, pode haver o

falseamento das metas estabelecidas pelo poder político. E um exemplo disso é dado pela

corrupção burocrática. Neste sentido, torna-se necessário num regime democrático a construção

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de mecanismos que tornem viável esse controle, iniciativa esta que representa um desafio para os

que determinam os objetivos de uma organização, isto é, a elite política vitoriosa eleitoralmente.

No entanto, a possibilidade dos governos de reformar os aparelhos administrativos, e

assim aumentar a eficiência e a eficácia do controle sobre os operadores dos processos

administrativos, adquiriu vitalidade na década de 1990 por causa do aparecimento de uma

ferramenta que revelou possuir um forte potencial capaz de permitir mudanças profundas na

organização interna das administrações públicas. Trata-se da nova Tecnologia de Informação e

Comunicação (TIC).

O advento dos sistemas informatizados e o avanço na tecnologia das comunicações

transformaram o cotidiano das pessoas e das organizações burocráticas por meio da massificação

do uso de computadores pessoais, da evolução dos programas que facilitam seu uso e das redes

que os interligam. Essa transformação tecnológica não afetou apenas a forma como eram

desenvolvidas as atividades individuais numa organização, mas também estendeu os limites do

que as organizações podiam fazer.

A expansão das habilidades das organizações para explorar enlaces entre atividades,

tanto dentro como fora dela, permitiu redesenhá-las, transformar sua estrutura, seu alcance e suas

práticas de trabalho na medida que começaram a capturar e veicular informações que antes não

estavam disponíveis ou eram muito caras de adquirir. Essa transformação, como não podia deixar

de ser, chegou ao setor público trazendo consigo perspectivas de mudanças. Isto é, com as novas

tecnologias, seria possível melhorar o desempenho da Administração Pública e controlar melhor

os procedimentos administrativos.

Com efeito, nos dias de hoje já é plenamente aceito que a TIC tem potencial para

deixar de ser apenas uma ferramenta de apoio e passar a ser utilizada como instrumento

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estratégico dos governos, uma forte aliada dos administradores devido a sua crescente capacidade

de captar e concentrar a informação. Mas qual o impacto institucional que pode produzir sua utilização

intensiva nos mecanismos de controles administrativos sobre a burocracia? É objetivo deste

trabalho procurar compreender o impacto da utilização da TIC na redução do arbítrio e do poder

discricionário da burocracia. Neste sentido, busca avaliar este impacto na limitação do elemento

não previsível do exercício do poder por meio da criação de arranjos institucionais que atuem

como constrangedores da conduta dos agentes públicos.

O PROBLEMA DE PESQUISA

A preocupação com a limitação do poder não é nova na teoria política. Desde

Maquiavel a reserva quanto à solidariedade entre os homens encontra-se em diversas correntes de

pensamento. Mas, foi o federalista James Madison que melhor expressou a preocupação

republicana de como controlar os homens detentores do poder do Estado. Assim, tornou-se um

tema recorrente da Ciência Política o estudo e a compreensão desses controles. Dentro dessa

perspectiva, a seguir, mostraremos os tipos de controles sobre o poder desse Estado

democrático/representativo, de forma geral, e os controles institucionais sobre a burocracia, de

forma particular. Como este trabalho visa o estudo dos mecanismos de controle sobre a

burocracia, nos deteremos num tipo específico: o controle interno da administração pública.

Comecemos a exposição definindo alguns conceitos. De acordo com a legislação

brasileira, em um sentido amplo, governo é a resultante da interação dos três Poderes do Estado:

Executivo, Legislativo e Judiciário. Nas palavras de Hely Lopes Meirelles: “É a expressão política

do comando, da fixação de objetivos do Estado e de manutenção da ordem jurídica” (Meirelles,

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2000, p. 59). Para a consecução dos objetivos do governo existe um conjunto de órgãos e

entidades chamados, em sentido formal, de Administração Pública.

Todas as pessoas físicas incumbidas do exercício de alguma função estatal são

chamadas de agentes públicos. Estes podem ser agentes políticos ou agentes administrativos. Os

agentes políticos são os componentes do governo nos seus primeiros escalões e atuam com plena

liberdade funcional. São as autoridades públicas supremas do governo e da Administração. Já os

agentes administrativos são todos aqueles que se vinculam ao Estado por relações profissionais,

sujeitos a hierarquia funcional.

Para o exercício de suas funções, os agentes administrativos dispõem de poder

administrativo, cujas principais características são o de ser vinculado – preso ao enunciado da lei - e

ao mesmo tempo discricionário – ou seja, pode-se fazer escolhas dentro do que permite a lei. Tais

poderes são instrumentos de trabalho, adequados à realização das tarefas administrativas. São

poderes instrumentais, diversamente dos poderes políticos. Estes são estruturais e orgânicos, porque

compõem a estrutura do Estado e integram a organização constitucional (Meirelles, 2000, p. 107).

Os poderes administrativos são extrínsecos, conferidos aos agentes por meio do

Direito Positivo. Mas os agentes administrativos dispõem também de um poder intrínseco. Por

constituírem um grupo especializado e possuir alta capacidade organizacional, os burocratas

detêm certa quantidade e qualidade de informação que os coloca em posição de vantagem em

relação aos agentes políticos. A informação, a competência técnica e o conhecimento específico

são os fundamentos desse poder, que será aqui chamado de poder burocrático.

Os controles sobre esse poder administrativo/burocrático inserem-se em um

contexto maior: o controle do poder do Estado. Institucionalmente, existem três principais

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formas de impor limites à ação dos agentes do Estado. A primeira delas é constituída pelos

“freios sociais”.

Os “freios sociais” à ação dos agentes do Estado são constituídos pelos chamados

mecanismos de controle verticais, isto é, da sociedade em relação ao Estado. Estes mecanismos

aqui serão também chamados de controles sociais. A principal forma de controle vertical é a

dimensão eleitoral, ou seja, premiar ou punir um governante nas eleições. Essa dimensão requer a

vigência dos mecanismos que caracterizam uma Poliarquia como definida por Robert Dahl

(1997): liberdade de opinião, de associação e de imprensa, entre outros. Além disso, o controle

vertical se manifesta por meio de “ações realizadas, individualmente ou por algum tipo de ação

organizada e/ou coletiva, com referência àqueles que ocupam posições em instituições do

Estado, eleitos ou não” (O’Donnell, 1998, p. 31), isto implica a existência de diversos

mecanismos que permitam aos cidadãos tanto reivindicar demandas diversas como denunciar

certos atos dos agentes públicos.

A segunda principal forma de impor limites à ação dos agentes do Estado se dá pelos

mecanismos de limitação e controle na própria arquitetura do Estado, também chamados de

mecanismos de controle horizontais. Envolvem a existência de instituições, agências e órgãos

estatais detentores de poder, legal e de fato, de realizar ações que vão desde a supervisão de

rotina até sanções legais contra atos delituosos de seus congêneres do Estado. Este sistema não

se limita às instituições mais importantes do sistema político, como o controle mútuo entre o

Legislativo, o Executivo e o Judiciário, mas também outras instituições intermediárias. No Brasil,

as mais importantes são o Ministério Público e os Tribunais de Contas, instituições que têm alto

grau de autonomia em relação à própria organização institucional e à interpretação da tarefa de

controle (Speck, 2000, p. 23).

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Existe um terceiro tipo de controle institucional dentro da estrutura do Estado que,

diferentemente aos mecanismos baseados nos princípios de controle vertical e horizontal, acima

citados, é subordinado ao princípio hierárquico: é o chamado controle administrativo. Esse controle é

definido por Hely Meirelles da seguinte forma:

“É todo aquele [controle] que o Executivo e os órgãos de administração dos

demais Poderes exercem sobre suas próprias atividades, visando mantê-las dentro da lei,

segundo as necessidades do serviço e as exigências técnicas e econômicas de sua realização,

pelo que é um controle de legalidade e de mérito”. (Meirelles, 2000, p. 614, itálico no original).

Roberto Piscitelli (1995, p. 74) nos esclarece de que forma se daria esse controle da

legalidade e de mérito. Segundo o autor são quatro os principais objetivos dos mecanismos de

controle interno: a) a revisão e/ou verificação das operações sob os aspectos eminentemente

contábeis, formais e legais; b) a eficiência, que concerne aos meios empregados, aos recursos

utilizados para a consecução dos objetivos; c) a eficácia, a verificação do produto, dos programas,

dos fins perseguidos; d) a avaliação dos resultados1.

De outra perspectiva, esse controle pode ser compreendido, por um lado, como

aquele que tenta garantir que a administração realize uma determinada atividade corretamente e,

por outro, que logre determinados resultados. A idéia subjacente à primeira concepção de

controle é impedir comportamentos indesejáveis. É uma concepção negativa, ou seja, uma visão

punitiva de controle. O sentido negativo se expressa na medida em que se apresenta como

sinônimo de fiscalizar, supervisionar, exercer uma ação de controle sobre pessoas. Já a segunda

1 Entendemos eficiência como o logro do objetivo ao menor custo possível. Refere-se ao melhor uso dos recursos da organização, de forma a obter seu produto ou serviço. Entendemos eficácia como a capacidade de tornar concretas as metas programadas. Ou seja, tem como ponto de partida os objetivos programados e os associa diretamente aos resultados concretos.

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concepção considera o controle em seu aspecto positivo, ou seja, como a capacidade de fazer

com que as ações de governo alcance os fins perseguidos.

Segundo argumenta Meirelles:

“o controle administrativo deriva do poder/dever de autotulela que a

Administração tem sobre seus próprios atos e agentes. Esse controle é normalmente

exercido pelos órgãos superiores sobre os inferiores [...] pelo quê se caracteriza como

controle interno, pois o externo é sempre atribuído a órgão estranho ao Executivo” (idem,

pg.: 615, itálico meu).

Desta forma, chegamos a definição de controle interno dada por Meirelles:

“[é] todo o [controle] realizado pela entidade ou órgão responsável pela

atividade no âmbito da própria administração. Assim qualquer controle efetuado pelo

Executivo sobre seus serviços ou agentes é considerado interno, como interno será

também o controle do Legislativo ou Judiciário por seus órgão de administração, sobre seu

pessoal e os atos administrativos que pratique” (idem, p. 612).

Como podemos perceber, Meireles define o controle interno e o controle administrativo

praticamente da mesma forma. O que é necessário enfatizar para o interesse deste trabalho são as

duas principais características do controle interno. A primeira diz respeito ao fato de ser o controle

interno um tipo de autocontrole, pois é exercido pelos diferentes Poderes ou agências sobre seus

próprios atos e agentes. E em segundo lugar, que este tipo de controle responde ao principio

hierárquico.

As características acima citadas levantam um aspecto importante que escapa à

discussão puramente administrativa, pois trata da diferenciação do tipo de responsabilidade que os

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agentes detêm dentro da estrutura hierárquica da Administração Pública. Sobre isto Meirelles

argumenta:

“A submissão hierárquica retira do inferior a atuação política, isto é, despe o

subordinado da ação de comando, permitindo-lhe tão-somente agir no estrito âmbito de

suas atribuições específicas. Ao chefe do órgão executivo é que incumbe tomar as

resoluções políticas, no sentido da escolha do objeto, dos meios e da oportunidade mais

conveniente à consecução dos fins governamentais” (Meirelles, 2000, pg. 113).

Já Weber (1979), em seus estudos sobre burocracia, estabelecia uma distinção nítida

entre o pessoal administrativo e o grupo que o emprega. O primeiro é identificado por algumas

características comuns básicas que são, ademais da hierarquia, a continuidade, a impessoalidade e

a competência. O corpo diretivo, por sua vez, é geralmente eleito ou nomeado por agentes eleitos

e tem como função formular de forma ampla a política e as diretrizes da organização e prover os

fundos necessários. Sua responsabilidade é exterior à organização. Os membros da

burocracia, pelo contrário, são responsáveis perante o corpo diretivo pela execução da sua

política e pela administração de seus fundos. Como assinala Beetham (1988, p. 26): “Embora esta

diferenciação possa por vezes ser confusa na prática, é vital em princípio”. Isto significa que

embora todo agente público tenha responsabilidade administrativa, apenas a cúpula de uma

organização pública tem responsabilidade política.

Desta forma, pode-se compreender o controle interno da Administração Pública, em

última análise, como o controle que deve exercer a cúpula dirigente sobre a organização

burocrática. Embora este controle se opera através de delegação de responsabilidades a um setor

(ou grupo de setores) encarregados de garantir que a administração realize suas atividades

corretamente e alcance os resultados previstos, é a cúpula dirigente que deve responder pelo

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conjunto da organização aos controles horizontais e aos controles sociais. Daí sua responsabilidade

por estes controles.

A literatura existente sobre os controles internos no Brasil, nas áreas de Direito

Administrativo e Administração Pública, aponta que tais controles historicamente atenderam

apenas ao primeiro dos itens citados por Piscitelli, isto é, que são controles essencialmente

formalistas: apenas verificam se os gastos são feitos de acordo com o processo contábil e legal

correspondente2. Ademais, embora a Ciência Política tradicionalmente se dedique ao estudo dos

controles sobre o poder do Estado, a literatura produzida por ela sobre controles internos é

praticamente nula. Existem dois problemas que levam a essa carência de interesse. Em primeiro

lugar, porque são entendidos como um problema administrativo, e não político. E em segundo,

refere-se ao fato de ser os controles internos um tipo de autocontrole. Daí seu descrédito. Assim, o

interesse da Ciência Política voltou-se preferencialmente sobre controles sociais e sobre os controle

horizontais do tipo cheks and balances.

No entanto, a fragilidade desses controles não pode ser creditada apenas à falta de

vontade das cúpulas dirigentes. É necessário levarmos em conta as dificuldades de se

implementar reformas que levem a um aumento do poder de controle derivados do problema

quase insolúvel da assimetria de informação entre controlador e controlado. Ou seja, entre

“querer” controlar e “poder” controlar existe uma diferença nítida.

O ponto a se destacar é que o controle sobre a burocracia estatal não é um fato dado.

A fragilidade dos controles sobre a burocracia no Brasil foi tida (e em grande medida ainda é)

como uma das causas da dificuldade do Estado em modernizar-se o que, conseqüentemente, gera

2 Ver: Cretella Júnior (1985); Campos (1990); D’Auria (1996); Reis Ribeiro (1997); Soboll (1998); Citadini (1998) e Sanchez (2003).

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enorme dificuldades para o controle social sobre o Estado3. Em síntese, a construção de

mecanismos que tornem viável esse tipo de controle representou sempre um problema para a

elite vitoriosa eleitoralmente, possuidora de legitimidade e responsabilidade política.

Levando em conta esse problema, voltemos à pergunta inicial: qual o impacto

institucional que pode produzir a utilização intensiva da TIC nos mecanismos de controles no

que se refere ao controle sobre a burocracia? A hipótese geral que norteia o trabalho é que o uso

intensivo da TIC permite a criação de arranjos administrativos de controle de baixo custo que

minimizam a assimetria de informação entre a cúpula dirigente e a burocracia. O objetivo é

compreender e avaliar sob qual forma e sob quais circunstâncias a tecnologia permite a construção

de arranjos de controle interno mais eficientes, no sentido da criação de instrumentos que atuem,

com certo grau de estabilidade, como guias da conduta dos agentes públicos.

PROCEDIMENTOS

Este trabalho está organizado da seguinte forma: em primeiro lugar argumentamos

sobre a importância da utilização do individualismo metodológico para o estudo dos controles no

âmbito da Administração Pública. Essa é uma opção metodológica, portanto, o primeiro passo

será estabelecer o modelo comportamental adotado no trabalho.

Em seguida, estabelecemos o problema dos controles sobre a burocracia como

conseqüência de uma das principais características do poder burocrático, qual seja, do controle da

informação. Neste sentido, as instituições serão consideradas fundamentais para a definição das

estratégias dos atores, pois representam constrangimentos às suas escolhas. Isto é, através de

3 Existe uma extensa literatura sobre este assunto, entre outros: Kliksberg (1984); Lima Junior, (1998); Martins (1999); Crozier (1998); Oszlak (1998 e 1999) e Prats (1995); Resende (2002).

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arranjos institucionais específicos seria possível minimizar o problema derivado da assimetria de

informação presente nas relações entre o governo e a burocracia.

Utilizamos a Teoria de Agência, uma das vertentes da Nova Economia Institucional

voltadas para o estudo das organizações, como ferramenta analítica para entender o problema do

controle sobre a burocracia. O tratamento do problema a partir dos conceitos desenvolvidos pela

Teoria da Agência nos permitirá avançar no entendimento dos parâmetros necessários à

organização de um sistema de Controle Interno. Desenvolvida essa questão, introduzimos a

variável independente: o uso intensivo da Tecnologia de Informação e Comunicação na

Administração Pública. O que se procura é entender em que medida a TIC favorece a

implementação de controles sobre a burocracia, tendo como base o modelo elaborado.

A seguir, apresentamos Estudo de Caso dedicado a entender o impacto da TIC no

processo de construção de arranjos institucionais de controle. Descreveremos a reforma

administrativa implementada pelo Governo do Estado de São Paulo entre 1995 e 2003, voltada,

entre outros aspectos, ao fortalecimento dos controles sobre a Administração Pública.

Finalmente, serão analisadas as condições que permitem a construção de arranjos de

controle interno e a interconexão destes controles com os controles democráticos do Estado e a

transparência administrativa.

O trabalho está dividido em cinco capítulos. No capítulo 1 será desenvolvido o

modelo comportamental utilizado no trabalho. A seguir, descreveremos a Teoria da Agência e

um dos casos emblemáticos em que nos defrontamos, no âmbito do sistema político, com os

problemas levantados pela teoria, isto é, nas relações entre governo e burocracia. A intenção do

Capítulo 2 é entender as dificuldades de controle num contexto de baixa racionalidade

administrativa. Enfocaremos uma questão específica: o controle sobre as contratações

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governamentais através de um estudo de caso sobre o processo de compras na Secretaria da

Fazenda do Governo do Estado de São Paulo. No Capítulo 3, será mostrado, em primeiro lugar,

o contexto que levou a implementação de políticas públicas visando o uso intensivo de sistemas

de informação pelo governo Mário Covas, em 1995. E em segundo lugar, e tendo como foco a

situação descrita no capítulo anterior, mostrar como determinada forma de introdução dos

referidos instrumentos informacionais permitiu minimizar em alguns aspectos importantes a

assimetria de informação entre o governo e a burocracia. No Capítulo 4 será dada seqüência às

reformas administrativas da Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo iniciada no capítulo

anterior. A intenção é entender como os instrumentos de informação permitiram uma evolução

do sistema de controles. O Capítulo 5 será analisado outro estudo de caso. Trata-se da

implementação de sistemas de controle baseados na Tecnologia da Informação e Comunicação

na Secretaria de Governo do Estado de São Paulo. A ênfase será dada em entender o impacto

desses controles nas contratações governamentais. Finalmente, na Conclusão, serão destacados

os aspectos mais importantes do trabalho.

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CAPÍTULO 1

A QUESTÃO BUROCRÁTICA E OS CONTROLES INTERNOS

Em virtude da crescente complexidade das estruturas estatais e da diminuição da

eficiência da administração pública, a partir da crise fiscal dos Estados Nacionais da década de

1970, diversas correntes de pensamento propuseram reformas administrativas que de uma

maneira ou de outra incidiam sobre o problema do controle sobre a burocracia. Analisaremos

duas das mais importantes: a Teoria da Pública (Public Choice) e a Nova Gestão Pública (New Public

Management). No entanto, nos deteremos numa terceira: as propostas derivadas do neo-

institucionalismo econômico, cujas ferramentas analíticas, principalmente a Teoria de Agência,

serão de especial importância para o andamento do trabalho.

A Teoria de Agência é um importante instrumento para entender as relações

contratuais delegativas, onde incentivos e controles são fundamentais, caso típico das burocracias

públicas. Originária da microeconomia, tal teoria tem como fundamento um determinado

modelo comportamental dos agentes que precisa ser bem definido para não perder poder

analítico. Portanto, a seguir, definiremos a o modelo que será utilizado no trabalho e que ajudará

a entender melhor os fundamentos da Teoria da Agência.

Em seguida, descreveremos a Teoria da Agência e um dos casos emblemáticos em

que nos defrontamos, no âmbito do sistema administrativo estatal, com os problemas levantados

pela teoria, isto é, nas relações entre governo e burocracia. Isto nos levará à apresentação dos

parâmetros necessários à organização de um sistema de Controle Interno.

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A BUROCRACIA E AS REFORMAS ADMINISTRATIVAS

A administração pública burocrática foi inicialmente adotada no final do século XIX

por alguns países de Europa em substituição a administração patrimonialista, sistema característico

das monarquias absolutas. Com a emergência do capitalismo, tornou-se necessário desenvolver um

tipo de administração que contemplasse uma distinção clara entre o público e o privado. Começa

assim a tomar forma a administração burocrática moderna, baseada na estrutura piramidal de

poder, no princípio hierárquico de comando, nas rotinas rígidas, no controle dos processos

administrativos e com administradores profissionais especialmente recrutados, que respondiam aos

políticos.

A ascensão dessa forma de organização foi estudada e compreendida por diversos

autores, principalmente por Max Weber, autor que reconheceu a inevitabilidade do modelo de

organização burocrático. Em sua perspectiva, a modernização social implicava no aparecimento

de instituições fortes, baseadas na centralização, na disciplina normativa e no caráter impessoal da

ação dos membros, condições estas que só o tipo de organização burocrática poderia oferecer

(Bendix, 1986, p.25).

No entanto, embora Weber tenha estudado a organização burocrática (seus atributos

morfológicos) sua principal preocupação foi quanto ao advento do fenômeno burocrático

(burocracia enquanto forma de dominação racional/legal), pois a burocracia estatal constituiu-se

num tipo de poder derivado principalmente da concentração da informação e da capacidade

organizacional. Por este motivo, apesar de considerar a burocracia uma forma de organização

adequada às necessidades advindas da modernização capitalista, Weber atentou para a

necessidade de controlar esse poder. O surgimento do Estado burocrático, para o autor, poderia

levar a uma renúncia das responsabilidades por parte da liderança política e a usurpação das

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funções políticas pelos administradores, ameaçando a legitimidade do Estado democrático

(Weber, 1979).

O modelo de organização burocrática respondeu com bastante eficácia as demandas

administrativas do período anterior a Segunda Guerra Mundial, dada a relativa baixa

complexidade das administrações públicas. No entanto, esse contexto mudou no período

imediatamente posterior à Segunda Guerra. Sob o predomínio do paradigma keynesiano de

Estado, caracterizado por um rápido crescimento econômico, as estruturas estatais começam a

adquirir uma maior complexidade dos sistemas administrativos e um crescimento das burocracias

estatais. Uma das conseqüências desse processo de mudanças foi a ampliação do grau de

autonomia das organizações públicas sem a correspondente regulação política.

O problema do controle sobre a burocracia tornou-se crucial, principalmente a partir

da década de 1970, com a chamada Crise Estrutural (Evans, 1993, p.108/9) que atingiu de

maneira particularmente intensa os Estados de modelo keynesiano, tanto os de Bem-Estar Social

quanto os desenvolvimentistas. A constante demanda em quantidade e diversidade de tarefas

levou ao crescimento horizontal e vertical das burocracias, criando pirâmides administrativas que

tornaram por enfraquecer os clássicos mecanismos de controle e coordenação. Esse contexto

histórico possibilitou a emergência de diversas escolas de pensamento preocupadas em dar

respostas a esses problemas. Entre elas, a Teoria da Escolha Pública, a Nova Gestão Pública e

diversas correntes neo-institucionalistas. Comecemos por entender a primeira.

A TEORIA DA ESCOLHA PÚBLICA

Visto em um contexto geral, para as correntes liberais o diagnóstico da crise do Fiscal

do Estado estava fundamentado nas máximas da teoria liberal do século XIX, ou seja, estruturas

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estatais grandes e governos intervencionistas são prejudiciais à dinâmica natural do mercado.

Neste sentido, a crise do Estado era vista como uma crise de gestão do modelo burocrático-

keynesiano. Como conseqüência, argumentam a necessidade de diminuir o Estado até alcançar

um mínimo de intervenção como forma de se obter uma eficiência alocativa superior. Em outras

palavras, trata-se da defesa de um Estado capaz de abrir espaço ao livre mercado limitando a

intervenção governamental ao mínimo possível. Por esse motivo, as correntes liberais acabaram

por colocar em evidência o problema da eficiência burocrática estatal e as suas conseqüências

para a crise do Estado.

Entre as correntes liberais, destaque-se a abordagem da Teoria da Escolha Pública,

que teve como fundadores pesquisadores que faziam parte da chamada Escola de Virginia, da

qual James Buchanan é o principal expoente. Nesta linha, na qual se incluem autores como

Niskanen, Ostrom e Tullock, é utilizado o instrumental econômico (principalmente os conceitos

de utilidade e de eficiência) para analisar as questões relacionadas ao Estado e à burocracia

pública. O trabalho de Anthony Downs (1967) foi marcante na consolidação do tema na escola

da Escolha Pública, reforçando a tese de que os burocratas agem de forma racional, motivados

por seus próprios interesses. Voltaremos a este assunto mais adiante. Por enquanto, tentemos

entender brevemente a crítica desta teoria à burocracia pública.

Devemos destacar que os economistas clássicos deram especial atenção aos

problemas do Estado e as instituições em geral, como podemos conferir na obra fundadora A

Riqueza das Nações, de Adam Smith. No entanto, essa tradição foi em larga medida suprimida com

o advento dos economistas neoclássicos, que ignoraram o Estado, ou consideravam-no como um

elemento neutro. A Teoria da Escolha Pública resgatou a tradição clássica ao tentar construir

uma teoria econômica do processo político.

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Buchanan enfatiza que as intervenções do Estado visando corrigir “falhas de

mercado” geram necessariamente “falhas de governo” que são o resultado do comportamento

auto-interessado dos agentes públicos (Buchanan, 1975, P. 160). Ou seja, a constante expansão

das funções do Estado em conseqüência do modelo keynesiano, invariavelmente aumenta a

autonomia burocrática, pois, por causa dessa expansão, perde-se a capacidade de coordenação e

controle vindo de cima (do governo). Como as burocracias detêm o monopólio do conhecimento

sobre as atividades que realizam, graças ao poder discricionário, podem interpretar as regras de

acordo com seus interesses ou criar novas, abrindo constantemente novas oportunidades para a

obtenção de rendas. Em conseqüência, quanto maior a autonomia burocrática, maiores serão as

oportunidades de escolhas públicas não ideais (Tullock, 1977, P. 102).

Para a Teoria da Escolha Pública, um governo democrático é condicionado

permanentemente pela accountability eleitoral. Assim, a busca de maior eficácia na execução de

políticas públicas para responder a essa accountability, requer de um novo modelo organizacional

fundamentado, no plano macro-organizacional, na adequação do equipamento administrativo do

Estado às finalidades mínimas do Estado de Direito. E no plano micro-organizacional, reduzindo

a utilidade das organizações públicas às finalidades do mercado e enfocando a questão

burocrática a partir da óptica da rigidez das orientações político-partidarias.

Existe nas teorias liberais a crença fatalista na impossibilidade de que os sistemas

burocráticos possam tornar-se capazes de promover a vontade política. Essa visão da

inexorabilidade da ineficiência burocrática leva ao entendimento de que a burocracia opera

sempre produzindo uma quantidade de serviços menor do que a esperada, não importando o

sistema de incentivos a que está submetida.

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A NOVA GESTÃO PÚBLICA

Outra importante escola que tentou oferecer novas respostas aos problemas da

administração weberiana apareceu na década de 1980. Originaria de grupos adeptos do

gerencialismo empresarial vinculados ao setor público, principalmente em países anglo-saxônicos,

para esta corrente, que receberia diferentes nomes, entre eles, a Nova Gestão Pública, a

concorrência global, a integração das comunicações e a economia centrada na tecnologia seriam

incompatíveis com a burocracia weberiana, pois o modus operandis desta afetaria o bom

desenvolvimento da economia privada e a competitividade internacional das empresas (Hughes,

1998, p. 35). Portanto, a Nova Gestão Pública apresentou-se como uma alternativa ao modelo

burocrático ortodoxo, prescrevendo, em ampla e irrestrita escala, métodos e técnicas de

administração de empresas para a administração pública4.

A corrente tem um caráter estratégico: é orientado por resultados. A base da Nova

Gestão Pública o constitui a satisfação do “cliente”, portanto, propõe uma administração pública

focalizada no cliente/cidadão por meio do uso ativo de uma burocracia reformulada. Isto

significa que os funcionários públicos são investidos de alto poder discricionário para tomar

decisões e encorajados a desenvolver abordagens novas e inovadoras para solucionar problemas,

assim como ocorre nas empresas privadas.

Os princípios que regem a estratégia de ação da Nova Gestão Pública são os de

descentralização, desregulação e delegação. A descentralização significa delegar responsabilidades

aos níveis inferiores das estruturas burocráticas que são dirigidas de forma centralizada pelas

hierarquias das organizações. A desregulação significa romper com as normas e procedimentos

próprios das burocracias weberiana, e impor esquemas organizacionais orientados à gestão por

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resultados, flexibilizando os controles burocráticos. Finalmente, a delegação significa outorgar a

definição e o desenho de políticas públicas, ou seja, objetivos e metas, a funcionários executivos,

separando estas tarefas das tarefas operativas rotineiras, cuja responsabilidade corresponderiam

aos funcionários de linha (Bresser Pereira, 1996, p. 25/28).

Diversos autores que estudaram a Nova Gestão Pública consideram que dois

pressupostos teóricos dariam certa consistência analítica, mesmo existindo algumas tensões ou

paradoxos entre tais princípios5. O primeiro deriva de correntes do gerencialismo empresarial

(business-type managerialism) dentro do setor público. O gerencialismo, amparado nas fontes do

gerencialismo clássico, foi revitalizado com diversas obras de “gurus” da gestão empresarial, tais

como Ciampi e Hammer e Drucker e adaptadas ao setor público principalmente nas obras de

Osborne (1994 e 1998). Esse movimento permitiu criar um grupo de doutrinas de reforma

administrativa baseadas na idéia de gestão profissional para o qual se requer de um alto poder

discricionário do agente público para conseguir resultados (free to manage) e para um melhor

rendimento organizativo (Aucoin, 1997, p. 23).

O segundo deriva de correntes liberais, especialmente da Teoria da Escolha Pública,

e refere-se a necessidade de profunda desregulação e a procura de mecanismos de mercado, onde

é possível, ou bem à maneira de quasi-mercados, com vistas a introduzir competência entre

provedores públicos. Isto é, a de entender o mercado como principal mecanismo de controle

(Hood, 1991: 5/6).

A Nova Gestão Pública apresentou-se não apenas como uma alternativa ao modelo

burocrático tradicional, mas também como uma alternativa crítica ao modelo liberal de

4 Ver: Hood (1997), Hughes (1998), Behn (1998) e Barzelay (2002) entre outros. Na América Latina, os trabalhos mais importantes de divulgação da Nova Administração Pública foram do professor Luis Carlos Bresser Pereira. 5 Cf: Aucoin (1997); Hood (1997) e Hughes (1998).

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administração pública porque propõe um Estado atuante. Se, como observamos, a Nova Gestão

Pública extrai da teoria da Escolha Pública certas premissas, como a diminuição da intervenção

do Estado e a desregulação, os princípios para o desenho institucional e os estilos de gestão vão

em direções opostas. Ou seja, a Teoria da Escolha Pública promove a centralização e o controle,

enquanto que a Nova Gestão Pública advoga pela descentralização e a delegação (Aucoin, 1997,

p. 18).

No paradigma da Nova Gestão Pública se atribui ao burocrata responsabilidades

relevantes, não apenas na formulação e implementação de políticas públicas, onde deverá

preocupar-se em levar em conta os diferentes interesses envolvidos e onde deve pôr a prova

competência inovadora, mas também de ordem normativo sobre os valores da intervenção

pública. Contrariamente, na Teoria da Escola Pública se restringe o poder do burocrata,

centralizando o poder em mãos do Executivo.

Para esta corrente, o controle da corrupção, por exemplo, é um desafio menor do

que a produção de resultados. Portanto, seus adeptos não estão muito preocupados em descartar

algumas salvaguardas da administração pública que ajudariam a diminuir esse fenômeno (Behn,

1998, p. 34). Na Nova Gestão Pública, a gestão operativa deve ficar livre de regras e normas, por

tanto descentralizada, em mãos de gestores operativos. Desta forma, rejeita, por ser ineficiente, o

controle formal (de processos) exercido sobre a Administração Pública tradicional e apela para

um controle de resultados. Sem dúvida que os adeptos à Nova Gestão Pública não ignoram o

problema da corrupção, mas pressupõem que os resultados esperados de um melhor

desempenho burocrático, dando maior liberdade aos agentes, serão superiores às perdas

produzidas pela corrupção e pelo aparelho montado para o controle a corrupção.

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A principal questão a destacar para efeitos deste trabalho é que a corrente aceita que

os agentes administrativos tomem decisões políticas, fato este que se confronta com os princípios

da teoria weberiana e também com os da Teoria da Escolha Pública. Ou seja, se os servidores

não foram eleitos, o problema é saber de onde obtêm a autoridade necessária para tomar tais

decisões. Neste sentido, Robert Behn (1998, p. 39) argumenta que os adeptos da Nova Gestão

Pública “precisariam de uma nova teoria política que explique por quê e como isso será (ou

poderá ser) consistente com a accountability democrática”.

O NEO-INSTITUCIONALISMO

A partir da década de 1980, autores que aplicam instrumentos da análise econômica

para a compreensão das instituições político/administrativas, começaram a apontar diferentes

soluções aos problemas administrativos em geral e burocráticos em particular. Trata-se de

correntes chamadas neo-institucionalistas, que desenvolveram importantes instrumentos

analíticos para tratar as transações sociais em situações de mercado e em contextos

organizacionais e hierárquicos, tanto públicos como privados.

Dentre essa gama de correntes, o neo-institucionalismo econômico6 adota um

paradigma contratualista para examinar as instituições e a interação entre indivíduos (ou grupo de

indivíduos), no qual as transações são representadas como contratos entre duas partes. O

importante a enfatizar é que alguns representantes desta corrente mudam metodologicamente o

pressuposto do comportamento maximizador dos agentes da escola neoclássica e adota o

conceito de racionalidade limitada, como veremos mais adiante com maior precisão. Isto significa

que os agentes possuem informação incompleta e atuam em um ambiente de incertezas. Ou seja,

6 Ver Hall & Taylor, 2003.

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podem ter altos custos para obter informações relevantes sobre as transações que realizam. Neste

marco, as instituições são consideradas como elementos centrais do contexto estratégico dos

atores, pois impõem os limites e definem o leque de estratégias que podem adotar quando

perseguem seus objetivos (Przeworski, 1996; Prats, 1997).

Uma importante ferramenta analítica utilizada pelo neo-institucionalismo econômico é

a Teoria de Agência. Neste trabalho, utilizamos esta teoria para entender os problemas derivados da

necessidade de controles sobre a Administração Pública. O que se procura é entender se o Estado

pode criar e fortalecer sua "capacidade institucional", entendida como a capacidade estatal de

estabelecer, garantir e fortalecer mecanismos legais e administrativos de planejamento,

coordenação, controle e coerção. Isto implica, entre outros aspectos, capacidade para elaborar

normas e procedimentos de controles eficazes que permitam coibir ações prejudiciais ao interesse

público por parte dos agentes do Estado (Costa, 1998, p. 17).

O MODELO

A Teoria de Agência é um importante instrumento para analisar os conflitos e os

processos de tomada de decisão em ambientes hierárquicos, onde existe delegação de poder por

meio de um contrato. Como já dissemos, tal teoria tem como fundamento um determinado

modelo comportamental que precisa ser bem definida para não perder poder analítico. A seguir,

será apresentado o modelo adotado neste trabalho. Ademais, tem-se como objetivo desfazer a

confusão que ocasiona o uso do homem econômico como modelo comportamental nos estudos sobre

burocracia. Partiremos do conceito de homem econômico, como elaborado pela teoria neoclássica, para

mostrar o desenvolvimento lógico do conceito que nos levará a um modelo de interpretação mais

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adequado para o estudo de organizações hierárquicas, o chamado homem contratual, desenvolvido por

Oliver Williamson, que nos ajudará a entender melhor o problema do controle.

Observamos que a Teoria da Escolha Pública responde com uma solução

minimalista aos problemas de administração pública. No entanto, nos oferece um ferramental

que será bastante valioso para o estudo dos controles sobre o poder do Estado. Sua principal

contribuição consiste na ampliação da hipótese do comportamento econômico racional aos

políticos e burocratas. Algumas adaptações desta hipótese possibilitarão o desenvolvimento de

explicações alternativas para o problema.

Na economia neoclássica, é da maior relevância a noção de comportamento

maximizador dos agentes (homem econômico) cujo comportamento auto-interessado e a busca

incessante de lucros constituem a força motriz dos mercados. O resultado desse comportamento

utilitário dos agentes no processo de trocas, num ambiente de concorrência perfeita, seria o

equilibro do sistema econômico e a eficiência geral. Como conseqüência dessa premissa

comportamental (auto-interesse) incorporada ao processo político, surge a seguinte questão: se os

agentes atuam tanto no mercado quanto no Estado com o intuito de maximizar suas próprias

utilidades, ou seja, como homem econômico, não seria um paradoxo esperar dos agentes públicos

comportamentos altruístas ou em função do interesse público? A resposta da teoria é que não se

pode esperar que a escolha dos agentes públicos se identifique com a busca do bem comum (cf.

Buchanan, 1985).

O modelo comportamental utilizado pela Teoria da Escolha Pública é interessante

para entender o problema do controle sobre o poder do Estado. No entanto, o modelo

comportamental dos agentes utilizado nas correntes neo-insitucionalistas econômico não é

exatamente o mesmo daquele utilizado pela economia neoclássica. É necessário realizar algumas

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adaptações ao modelo para torná-lo mais adequado para entender as relações entre agentes em

ambientes hierárquicos, como é o caso de estudos do controle sobre a burocracia.

Tentemos entender o conceito de homem econômico. O homem econômico, como formulado

pelos economistas neoclássicos, é uma construção ideal. Um conceito que descreve um agente

“perfeitamente racional e onisciente que, ao tomar uma decisão, conhece todas as alternativas de

forma que pode escolher com precisão e assim maximizar os resultados de sua decisão. Ele

conhece todos os meios que, em cada situação de fato, o levam a atingir seus objetivos”

(Fonseca, 1989, p. 160). O homem econômico é um agente dotado de preferências completas e bem

ordenadas, amplo acesso à informação e poderes de processamento de informações irrestritos.

Estas condições permitem ao agente realizar todos os cálculos necessários para escolher a ação

que satisfaz suas preferências melhor do que qualquer outra alternativa. O agente é racional, no

sentido de que ele maximiza de modo consciente uma função objetiva (Simon, 1988, p. 84).

O homem econômico na teoria econômica é visto como um modelo simplificado do

comportamento humano que permite lidar com situações onde se considera apenas a variável

econômica na determinação do comportamento. Ou seja, é uma abstração idealizada para a

análise de situações de troca em mercados competitivos onde agentes atomizados respondem aos

sinais de preço relevantes e estabelecem relações horizontais e simétricas entre si (Fonseca, 1989,

p. 162). Isto significa que o homem econômico foi criado para atuar em um ambiente preciso.

A formulação do conceito de homem econômico nesses termos nos leva a um problema

quando o assunto a tratar é o controle do poder do Estado. Observemos como Fonseca descreve

o comportamento do homem econômico:

“Os agentes buscam seu auto-interesse com total idoneidade, ou seja,

‘jogam limpo’ todo o tempo, sem violar as ‘regras do jogo’ - sem infringir a lei,

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roubar, mentir, dissimular, trapacear ou explorar em benefício próprio ambigüidades

contratuais que surjam ao longo das transações” (Fonseca 1989, p.163).

Desta forma, por definição, esse conceito acaba por se tornar inadequado para o

estudo dos controles. Tentemos entender por quê o homem econômico “joga limpo”.

O homem econômico é uma construção formulada para um mercado ideal, e nesta

construção ideal não se leva em conta as imperfeições dos mercados reais. O dolo é função da

assimetria informacional que aparece ao incorporarmos ao modelo as imperfeições do mercado.

Ou seja, o fato de “jogar limpo” não é uma característica de “caráter” dado pela construção

analítica do homem econômico. O homem econômico “joga limpo” porque, segundo sua definição,

todos os agentes envolvidos numa transação, e que atuam num ambiente onde as relações são

horizontais e simétricas (mercado ideal) possuem informação completa. Nessa construção ideal, o dolo

é uma impossibilidade lógica. É por possuir informação completa que nas transações entre homens

econômicos “as posições iniciais se relevam de maneira franca e aberta, as declarações do estado do

mundo serão precisas, e a execução esta regida pelo juramento ou a regra [...]. Dado que não há

surpresas posteriores, pode-se argumentar que existe uma condição de busca simples do interesse

próprio” (Williamson, 1989, p. 58).

Se o dolo não é possível no modelo por conta do ambiente – o mercado ideal, onde

todos os agentes têm informação completa – a tentativa de incorporar um comportamento que

permita problematizar o controle sobre os agentes do Estado (pela incorporação ao modelo das

assimetrias de informação) traria mudanças tão grandes ao modelo que perderia sentido chamar

este agente de homem econômico. Como veremos a seguir, uma das conseqüências dessa mudança será

o estabelecimento um outro modelo, embora mantendo-se a premissa básica da busca do auto-

interesse.

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Diferentemente do mercado ideal, os agentes no mercado real atuam muitas vezes em

ambientes hierarquizados. Este é o caso das firmas e das administrações públicas. Nos ambientes

hierárquicos, os agentes deparam-se com determinadas limitações para fazer escolhas, ou seja, não

dispõem de tempo ilimitado para tomar decisões, se defrontam com prioridades simultâneas e,

principalmente, atuam num ambiente de incertezas. Tudo isso faz com que a informação disponível

aos agentes seja incompleta (Simon, 1988, p. 95).

O problema é dado pelo fato desse ambiente levar a uma mudança em um dos

atributos mais importantes do modelo, qual seja, o da racionalidade plena. Isto é, o agente, nesse

modelo, atuaria em um ambiente de incertezas e de informação incompleta, o que limitaria sua

capacidade de enumerar todas as alternativas necessárias para realizar suas escolhas. É para se

adequar a um ambiente hierárquico que se confere ao modelo a condição de racionalidade limitada

(bounded rationality). Ou seja, é a inclusão da assimetria de informação, por meio da verticalidade das

relações neste ambiente, e que representam as imperfeições do mercado, que acaba por redefinir o

conceito de homem econômico.

A racionalidade limitada é a principal característica do homem administrativo, um conceito

desenvolvido por Herbert Simon no trabalho Administrative Behavior (1947). Simon supõe que os

agentes são intencionalmente racionais, mas apenas em forma limitada. Observe-se a referência

simultânea à racionalidade procurada e por sua vez limitada, por causa da ausência de um sistema

completo de informações. Isto significa que a capacidade do agente em colher, armazenar e

processar informações relevantes para a tomada de decisões é restringida externamente.

Segundo Simon, o comportamento real não alcança racionalidade objetiva, pelo

menos em três aspectos: (a) “A racionalidade requer um conhecimento completo e antecipado

das conseqüências resultantes de cada opção. Na prática, o conhecimento dessas conseqüências é

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sempre fragmentário”; (b) “Considerando que essas conseqüências pertencem ao futuro, a

imaginação deve suprir a falta de experiência em atribuir-lhes valores, embora estes só possam ser

antecipados de maneira imperfeita”; e (c) “A racionalidade supõe uma opção entre todos os

possíveis comportamentos alternativos. No comportamento real, apenas uma fração de todas

estas possíveis alternativas é levada em consideração” (Simon, 1988, p. 95). Portanto, as escolhas

dos agentes serão intencionalmente racionais, mas essas escolhas poderão levar a resultados sub-

ótimos devido aos fatores acima descritos.

Em outras palavras, tratar as relações entre os agentes em ambientes hierárquicos por

meio do homem econômico com racionalidade limitada é um problema de conceituação. É conveniente

deixar isto claro, pois o fato de existir informação assimétrica traz conseqüências importantes que

desvirtua o conceito de homem econômico como construído pelos economistas neoclássicos. Isso

tem conseqüências importantes na formulação de um novo modelo.

O homem administrativo, de Simon, compartilha com o homem econômico a razão

instrumental e o comportamento auto-interessado. A diferença, basicamente, está nas condições

em que o agente toma suas decisões. A importância de estabelecer o tipo de ambiente onde os

agentes atuam não pode ser desprezada. Neste sentido, Williamson (1989) foi além de Simon ao

tirar as conseqüências lógicas do modelo derivadas desse ambiente. Segundo o autor, a ausência de

informação completa permite que os agentes busquem o auto-interesse explorando as assimetrias

de informação, ou seja, permite a inclusão no modelo do chamado comportamento oportunista. Esta

construção analítica, isto é, de um agente que persegue o auto-interesse, possuidor de uma

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racionalidade limitada e com propensão a comportamentos oportunistas, é o que Oliver Williamson

denominou de o homem contratual7.

Williamson parte da premissa de que o homem contratual, assim como o homem econômico,

tem como objetivo final maximizar o retorno de suas ações. No entanto, a competência para lograr

essa maximização no homem contratual é limitada. Embora os dois conceitos disponham de um

sistema completo e consistente de preferências, o homem econômico tem toda a informação necessária

e, portanto, pode escolher sempre entre alternativas que possibilitariam a maximização dos seus

interesses. Não existe limite na complexidade dos cálculos que pode realizar para determinar qual

alternativa é a melhor. Diferentemente, o homem contratual tem restringida sua capacidade de colher,

armazenar e processar informações relevantes para a tomada de decisões. Consciente desta

limitação, ao invés de maximizar, como faz o homem econômico, ele se contenta em satisfazer (Simon,

1988, p. 63).

O segundo pressuposto do homem contratual é a propensão ao oportunismo. O

oportunismo se refere ao uso de informações incompletas ou distorcidas em beneficio próprio. É

um comportamento que objetiva conseguir vantagens criando ou explorando assimetrias de

informação. Este tipo de comportamento tem importantes implicações teóricas. A presença do

oportunismo como ameaça constante leva à busca de inúmeras garantias contratuais como forma

de se precaver ante a possibilidade desse tipo de comportamento. Em outras palavras, com o

homem contratual deixa de valer o pressuposto de que um sistema, político ou econômico, goza de

uma oferta ilimitada de confiabilidade pessoal (Fonseca, 1989, p. 64). Como a propensão ao

oportunismo é uma ameaça latente, deve-se criar inúmeras salvaguardas ex ante e ex post o

7 Williamson (1985. p. 57) entende o oportunismo como a busca do interesse próprio com dolo, no sentido de uma ação que prejudique a outra parte do contrato, o que não significa necessariamente quebra de contrato.

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contrato para prevenir esse comportamento, e que tem com conseqüência o aumento dos

chamados custos de transação, conceito que veremos adiante.

Resumindo, o aspecto fundamental sob o qual é construído conceitualmente o homem

contratual é o das assimetrias de informação dadas pelo ambiente hierárquico. A presença de

informação imperfeita restringe a capacidade dos agentes agirem com racionalidade plena. E esta

condição tem duas conseqüências. A primeira é que, diferentemente do modelo do homem

econômico da economia neoclássica, que tem entre suas mais proeminente característica o de ter

como objetivo sempre maximizar seus ganhos, o homem contratual se contentará em apenas

satisfazer-se. E em segundo lugar, a assimetria de informação entre os agentes permite o

aparecimento do comportamento oportunista. E é o oportunismo que obriga a construção de

inúmeras garantias pré e pós contratuais, aumentando os custos de transação numa sociedade8.

OS CUSTOS DE TRANSAÇÃO

A partir da construção conceitual do homem contratual já é possível entender melhor a

Teoria dos Custos de Transação e a Teoria de Agência. Embora estamos trilhando o caminho

que nos leva à compreensão desta segunda teoria, faremos a seguir uma breve descrição da

primeira para enfatizar alguns conceitos.

Observamos que um dos principais efeitos da ameaça latente do comportamento

oportunista dos agentes é o aumento dos custos de transação. Utilizado desde as primeiras décadas

do século XX, o conceito de transação é essencial no estudo das instituições econômicas vistas

como redes de contratos individuais que buscam maximizar o próprio interesse. Mas foi em 1937

8 Williamson (1985: p. 73) adverte: “No intento decir que los individuos se inclinen de forma continua, o incluso, de lleno, por el oportunismo. Solo afirmo que algunos individuos son oportunistas a veces y que la confiabilidad

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que Ronald Coase desenvolveu os princípios da teoria dos custos de transação com a publicação de

The Nature of the Firm (1937). O trabalho de Coase é centrado na análise de duas formas

organizacionais concorrentes, firma e mercado, na coordenação dos agentes econômicos. Ou

seja, estuda a organização econômica em termos institucionais comparados (Williamson, 1989, p.

23).

Segundo o artigo de Coase, as diversas formas de organização econômica respondem

à lógica de tornar mais eficientes as transações, e a magnitude dos custos associados à utilização

de um ou outro mecanismo, é determinante da forma de organização mais adequada. Para

analisar essas transações, Coase introduz o conceito de custo de transação, que pode ser entendido

como os custos associados à coleta de informações, de negociação e estabelecimento de

contratos, e os custos do controle do contrato. Coase conclui seu artigo constatando que a firma

é mais eficiente que o mercado, pois muitos dos custos de transação podem reduzir-se por meio da

internalização. Isto significa que, dentro de uma firma, as transações podem ser realizadas de forma

muito mais eficiente - com menos custos de transação - pois se espera que as partes respeitem as

regras do jogo, o controle sobre as atitudes oportunistas é mais fácil, o compromisso adquirido

pelas partes reduz a incerteza e os custos de informação para completar a transação são menores.

A corrente de pensamento que se originou da teoria dos Custos de Transação renovou

o interesse por algumas questões importantes da teoria organizacional, mas teve pouca

repercussão no período posterior à Segunda Guerra Mundial. Apenas na década de 1960, quando

diversas questões não conseguiam ser respondidas satisfatoriamente pela teoria neoclássica,

diversos autores começaram a desenvolver trabalhos importantes sobre o assunto.

diferencial es raras veces transparente ex ante. En consequencia, se hacen esfuerzos de selección ex ante y se crean salvaguardas ex post”.

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A questão central é entender a incidência das instituições na formação dos custos de

transação. Isto é, os custos de desenhar, negociar, prever salvaguardas contratuais, assim como os

de manter mecanismos de monitoramento e controle, oneram uma transação. Esses custos serão

maiores ou menores dependendo do ambiente institucional em que ocorre a transação.

Mecanismos de controle frágeis darão lugar a uma margem maior de comportamentos

oportunistas dos agentes envolvidos. Da mesma forma acontecerá ante a existência de regras

vagas nas prevenções contratuais. Como observou Douglass North (1993, p. 53) “só se obtêm os

resultados neoclássicos de mercados eficientes quando não há custos de transação. Quando estes são

consideráveis, as instituições passam a adquirir importância”.

A TEORIA DE AGÊNCIA

Segundo a Teoria existe uma relação titular-agente quando um indivíduo, um grupo ou

uma organização, que tem um poder específico, delega, por meio de um contrato,

responsabilidades a um outro indivíduo, grupo ou organização. Neste sentido, uma organização é

uma rede diferenciada de relações específicas e hierárquicas, como por exemplo, entre proprietário

e diretor, entre diretor e gerente e entre gerente e funcionário. Nestas relações, existem contratos,

escritos ou não, rígidos ou flexíveis, que determinam a atuação de cada agente e a probabilidade

desta atuação atender a expectativa do titular, que delega responsabilidades. O problema neste tipo

de relação reside na questão da assimetria informacional, ou seja, no fato de duas partes que se

relacionam não deterem a mesma informação, colocando uma das partes - quem delega

responsabilidades, o titular - em desvantagem no relacionamento com o outro, o agente

(chamaremos a isto de o problema de delegação). É necessário observar que os problemas trazidos pela

Teoria de Agência são melhor compreendidos quando o modelo comportamental é o do homem

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contratual, que tende a aproveitar as assimetrias de informação existente na relação titular-agente para

obter vantagens.

No caso das organizações burocráticas estatais a teoria nos permite pressupor uma

cadeia de relações titular-agente. O agente em um contrato pode ser o titular em outro contrato, pois

as organizações não existem isoladamente, mas revelam sua existência nos seus relacionamentos,

em que a organização aparece ora como titular e ora como agente. Segundo a teoria, a satisfação do

titular depende da atuação do agente, portanto, o titular deve assegurar-se de que a atuação do agente

será aquela que satisfaça seu objetivo. Como o agente pode ter comportamentos oportunistas, o

titular deverá formular um contrato com esquemas de incentivos e de controles eficientes.

Os incentivos podem abranger estímulos positivos (prêmios) ou negativos, tais como

penalidades contratuais. Os incentivos positivos são muito comuns nas relações privadas e visam

criar uma situação onde o interesse do agente seja coincidente com o do titular. Por exemplo, é

normal que vendedores sejam remunerados, além de um salário fixo, com comissão por vendas.

Assim, mesmo tendo um ganho fixo para garantir certos períodos de vendas fracas, o vendedor se

esforçará por toda venda possível, visando ganhar comissão. A comissão faz que, pelo menos em

alguns aspectos, o interesse do agente seja coincidente com o do titular.

Assim, uma relação titular/agente possui as seguintes características: (a) o agente dispõe

de vários comportamentos possíveis de serem adotados; (b) sua ação afeta o bem-estar das duas

partes; e (c) as ações do agente dificilmente são observáveis pelo titular (assimetria de informação).

A relação titular-agente pode apresentar alguns tipos de problemas, por causa da latente

propensão ao oportunismo do agente. Os principais são a seleção adversa e o risco moral. A seleção adversa

ocorre quando o esquema de incentivos de um contrato não está bem formulado, fato que pode

levar ao agente a escolher o inverso daquilo que deseja o titular. O risco moral surge dos problemas

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subjacentes à criação dos contratos. Trata-se da possibilidade de o agente, depois de firmado o

contrato, valer-se de brechas contratuais para agir em interesse próprio, impondo um prejuízo ao

titular. Como observa Melo (1996, p. 71) “seleção adversa resulta da não observabilidade da

informação, valores e objetivos que marcam as decisões do agente. Enquanto o conceito de risco

moral resulta da não observabilidade do comportamento do agente numa situação pós contratual”.

O sucesso numa relação titular/agente deve levar em conta os seguintes aspectos: (a) A

feitura do contrato deve prever as diversas alternativas de comportamento possíveis do agente; (b)

O esquema de incentivos deve ser modelado para que o agente tenha interesse em atingir os

objetivos do titular; e (c) no caso do titular não poder observar continuamente o desempenho do

agente e/ou não saber julgá-lo, deve estabelecer um sistema seleção, de monitoramento e controle

confiável.

Existem três casos emblemáticos em que nos defrontamos com problemas de agência.

O primeiro ocorre no âmbito do sistema político, onde os políticos (agente, neste caso) recebem

uma delegação dos cidadãos (titular) para agir em seu nome. O segundo refere-se à relação entre o

Estado (titular) e empresários (agente). E o terceiro ocorre no âmbito da Administração Pública,

onde o agente representa o empregado contratado pelo governo (titular) para realizar uma tarefa

especificada (Przeworski, 1966, p: 23).

Neste trabalho daremos ênfase a problemas derivados do terceiro caso, que se refere à

relação entre governantes e burocracia, ou seja, à dificuldade dos governantes em controlar os

funcionários do Estado, possuidores da informação técnica, organizacional e de especialização.

Nesta situação os governantes podem se deparar com problemas de seleção adversa e risco moral

quando a burocracia pode utilizar determinadas informações para obter vantagens que vão contra o

interesse dos governantes.

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Observe-se que as informações necessárias ao controle são produzidas pela própria

burocracia. Neste sentido, a burocracia pode querer ocultar informação por diversos motivos, entre

eles: (a) quando a informação for de especial valor para suas próprias carreiras; (b) quando

imaginarem que compartilhar certa informação refletirá negativamente neles ou no seu setor da

organização; (c) quando desconfiarem do uso que o destinatário fará da informação; (d) quando

acreditarem que terão custos para provar a veracidade da informação, se a compartilharem; (e)

Quando estiverem incorrendo em práticas de corrupção, entre outros motivos. Em outras

palavras, havendo delegação, o burocrata pode optar por um comportamento oportunista em

beneficio próprio e não cumprir com o acordo estabelecido. A questão fundamental, como a

levantada por Arrow (1963), quando desenvolveu os problemas derivados das “falhas do

governo”, é a relativa aos custos de obtenção de informações, questão que é crucial ao processo de

controle.

Do ponto de vista da Teoria de Agência, o problema do controle sobre a burocracia

estatal dependerá da forma de como são construídos, em cada sociedade, arranjos institucionais que

limitem e constranjam os possíveis comportamentos oportunistas dos agentes, pois são as

instituições que organizam essas relações.

O CONTROLE INTERNO E A TEORIA DE AGÊNCIA

A partir da Teoria de Agência podemos entender melhor o problema do controle

sobre a burocracia. Uma organização pública pode ser considerada como uma rede de relações

específicas e hierárquicas, onde cada funcionário é ora o titular, ora o agente, sendo a cúpula

dirigente o titular último dentro da organização. Isto porque o corpo diretivo, eleito ou nomeado

por agentes eleitos, e que tem como função formular de forma ampla a política e as diretrizes da

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organização e prover os fundos necessários, tem responsabilidade exterior à organização. Ou seja, é

ela que deve responder pelo conjunto da organização aos controles horizontais e aos controles

sociais.

Levando em conta essa diferenciação entre a cúpula do restante da organização

burocrática, podemos entender o Controle Interno como o exercido pela cúpula da organização

(titular) sobre a burocracia (agente). Este controle, necessário para que a organização realize suas

atividades corretamente e alcance os resultados previstos, é operado através de delegação do

titular a um grupo de setores, dentro da organização, encarregados de tal finalidade.

Estabelecido o Controle Interno nesses parâmetros, a teoria nos leva a identificar três

questões básicas que precisam de resposta para estabelecer um Controle Interno eficaz, a saber:

(a) a necessidade de diminuir os custos de se obter informação; (b) a necessidade de obter ganhos

em expertise (para saber avaliar as escolhas do agente); e (c) a formulação de uma arquitetura

institucional de forma a minimizar o problema de delegação, isto é, o problema de controlar o

controlador. A seguir, serão desenvolvidas estas três questões.

Em primeiro lugar, há a necessidade imperativa de diminuir os custos de se obter

informações. No âmbito da Administração Pública, o tamanho e a complexidade de funções da

máquina estatal fazem com que este problema seja crítico. Neste sentido, argumenta Przeworski:

Os agentes dispõem de informações que os titulares não observam diretamente:

conhecem suas próprias preferências, dispõem de uma informação privilegiada sobre

suas capacidades e têm a chance de perceber alguns estados possíveis do mundo que

os titulares não podem perceber. Estes, por sua vez, podem ser capazes de observar,

sem, sem muito esforço, certos comportamentos do agente ou inferir suas ações a

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partir do resultado ou ainda podem decidir arcar com os custos de monitorar tais

atos (Przeworski, 1996, p. 22).

Em pequenas organizações não existem muitos problemas para a observação do

comportamento dos agentes. O proprietário de uma padaria, por exemplo, pode muito bem

observar o trabalho dos seus funcionários e julgar a qualidade do seu desempenho, pois é um

especialista no ramo. Entretanto, este problema é crítico nas grandes organizações onde é difícil

observar continuamente o trabalho dos funcionários e julgar com exatidão a qualidade de seu

desempenho (avaliar todas as escolhas dos agentes). Assim, é preciso criar mecanismos

institucionais que produzam informação sobre este desempenho.

Os mecanismos de obtenção de informações para o controle do titular sobre o agente

são basicamente dois: mecanismos de patrulha de polícia e mecanismos de alarme de incêndio. O

primeiro é constituído por informações produzidas nos tradicionais controles administrativos.

Consiste na verificação do cumprimento das regras e procedimentos e o respectivo controle da

conformidade dos atos da administração. O segundo tipo de mecanismo refere-se à produção de

informação para o controle através da participação social.

Segundo Adam Przeworski (1996), os mecanismos de alarme de incêndio baseiam-se na

comparação entre as burocracias públicas e as burocracias de empresas privadas. Ambas

oferecem produtos ou serviços ao público. No caso de uma firma, é o nível das demandas dos

consumidores pelos serviços ou produtos oferecidos que irá gerar lucros ou perdas aos

proprietários. Desta forma, estes obtêm informação gratuita do público a respeito do

desempenho da empresa e podem estabelecer comparações com o desempenho de outras

empresas similares. Diferentemente, um órgão público não tem esses parâmetros de comparação,

o que dificulta aos seus dirigentes a avaliação da qualidade dos serviços prestados. Não obstante,

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é o público que utiliza os serviços quem está melhor informado sobre seu desempenho. Assim,

os políticos eleitos (e a burocracia dirigente) poderiam se beneficiar das informações produzidas

pelo público interessado. Mas, neste caso, é necessário implementar mecanismos institucionais

que possibilitem a participação social. Em síntese, é preciso encarar os mecanismos de alarme de

incêndio como meio de produção de dados e informações a baixo custo.

Os mecanismos de patrulha de polícia são informações produzidas a partir do

acompanhamento passo a passo dos processos, isto é, através dos tradicionais controles

administrativos. Os problemas com este tipo de mecanismo derivam da complexidade de tarefas

e funções da máquina pública, que faz com as rotinas organizacionais geralmente sejam

desarticuladas e o fluxo de informação, lento.

Embora a natureza dos mecanismos administrativos que permitem a obtenção de

informações através do conceito de patrulha de polícia seja totalmente diferente dos mecanismos

que trabalham utilizando a participação pública (os alarmes de incêndio), uma característica eles têm

em comum, no que se refere à diminuição dos custos de obtenção de informação: é a utilização

da nova TIC. A TIC é um “divisor de águas” na elaboração de mecanismos de controle do tipo

patrulha de polícia. Mas também ela é um marco no que se refere a possibilidade de participação

social na tomada de decisão dos órgãos governamentais.

Um sistema de controle baseado em mecanismos de alarme de incêndio teria a

vantagem de permitir obter informações a um custo mais baixo que por meio de uma supervisão

tipo patrulha de polícia. Entretanto, mesmo levando em conta essa vantagem, a participação pública

não elimina a necessidade de controle baseado em mecanismos de patrulha de polícia, como são,

por exemplo, as informações que provêm das auditorias. Os controles baseados nessas formas de

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obter informação não são independentes, já que a transparência e a participação social, em certa

medida, dependem de racionalidade administrativa.

Em segundo lugar, existe a necessidade de se adquirir expertise que consiste em

conhecimento tanto da técnica quanto do funcionamento da máquina administrativa.

A Administração Pública, para registro e implementação dos seus atos, controle da

conduta dos agentes e solução de controvérsias dos administrados, utiliza-se de diversos

procedimentos que recebem a denominação comum de processo administrativo. Estes processos se

materializam por meio de instruções, circulares, avisos, portarias, ordens de serviço, ofícios ou

despachos que respondem a regras que determinam o tempo, o lugar e a comunicação dos atos

desenvolvidos (Meirelles, 2000, pp. 173/5). Entender esse funcionamento (os meandros) da

máquina pública é o que chamaremos de expertise organizacional. Por outro lado, chamaremos de

expertise técnica o conhecimento extenso de uma tarefa específica, adquirido através de

treinamento, leitura e experiência. Esse conhecimento oferece os subsídios para avaliar as

escolhas do agente, comparar e decidir. É com conhecimento institucionalizado que se obtêm a

expertise técnica que permite a possibilidade de transformar o conhecimento encontrado em

grupos ou indivíduos em rotinas organizativas e em normatização de procedimentos.

Por exemplo, observemos o caso das Agências Regulatórias de Saúde Pública. A

importância em se diminuir a assimetria de informação e o conhecimento técnico está dada pelo

conflito de interesses entre o setor regulado e os consumidores. Afinal, como saber qual o tempo

médio ótimo de liberação de novas drogas, por exemplo, de forma que beneficie ao consumidor?

Uma rapidez excessiva pode ser prejudicial ao consumidor mas beneficiar o setor controlado. Já

uma demora excessiva prejudicaria tanto o setor controlado quanto os consumidores. Neste

exemplo citado, como garantir que o tempo médio seja o tempo justo e não o tempo da

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burocracia? Para se chegar ao problema da expertise técnica (conhecedora do prazo necessário) é

necessário resolver, antes, os problemas dos custos de obter informações, de expertise organizacional

e, principalmente, a obtenção de conhecimento.

Nesse sentido, o caminho para a obtenção de expertise é o desenvolvimento de

recursos que possibilitem a transformação dos dados recolhidos por meio dos mecanismos de

alarme de incêndio e de patrulha de polícia, em informação e conhecimento. Os três termos, dado, informação

e conhecimento, são geralmente utilizados indistintamente. No entanto, isto pode levar a erros de

interpretação ou diagnóstico. Para discorrer sobre este assunto utilizaremos definições precisas

para estes conceitos dadas por Juan Carrión (2002).

Dado é um conjunto discreto de fatores objetivos sobre um fato real. No âmbito de

uma organização, podem-se identificar os dados como eventos físicos, isto é, pequenas parcelas da

realidade formadas por caracteres alfanuméricos que se materializam sobre um documento (físico

ou eletrônico). Isto permite que possam ser facilmente capturados, estruturados, quantificados e

transferidos.

Embora todas as organizações necessitem de dados, e alguns setores são totalmente

dependentes deles, sua importância refere-se ao fato de que são a base para a criação de

informação, que são dados dotados de pertinência e propósito. Os dados convertem-se em

informação quando acrescentados de significado. Isso ocorre, por exemplo, por meio da: (a)

categorização, para conhecer as unidades de análise dos seus componentes principais; e (b)

condensação, isto é, resumir os dados a formas mais concisas. Neste sentido, a informação não

possui uma natureza física ou material (como os dados), mas possuem uma natureza conceitual.

Assim, requerem uma unidade de análise e consenso sobre seu significado. Na informação, a

intermediação humana é indispensável.

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Finalmente, conhecimento é informação valiosa da mente humana. Inclui reflexão,

síntese e contexto. O conhecimento é algo mais amplo e mais profundo que a informação, pois

permite estabelecer comparações, conseqüências e conexões. É uma mistura de experiência,

informação e “saber fazer” que serve como marco para a incorporação de novas experiências e

informações, e é fundamental para a ação. O conhecimento é encontrado em indivíduos, grupos

ou inclusive em rotinas organizativas.

Segundo observam Davenport & Prusak (1998), os dados, a informação e o

conhecimento se situam em três níveis diferentes. No primeiro estão os dados, que se encontram

no território do físico, pois estão dotados de natureza material. No segundo, a informação, que se

situa no território do conceitual. No último, o conhecimento, que pertenceria ao território do

mental, e é encontrado em indivíduos, grupos ou inclusive em rotinas organizativas,

diferentemente à informação, que e é encontrada em mensagens, e dos dados, que são

encontrados em registros.

E em terceiro lugar, existe a dificuldade organizacional na formulação do Controle

Interno, pois este controle dá-se através de delegação a um grupo de setores dentro da

organização. Segundo a Teoria de Agência a questão da arquitetura institucional também é

importante, pois a principal característica do modelo de Controle Interno é que deve estar

organizado de forma a minimizar os problemas de delegação. O que levaria a enfrentar o problema de

como controlar o controlador, como podemos ver no organograma a seguir:

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Organograma 1 O Controle Interno como integrante do agente

No organograma 1, a cúpula dirigente de uma organização é o titular que delega

funções aos diretores. Estes, por sua vez, delegam aos gerentes e assim por diante. Se os

Controles Internos estiverem dentro da estrutura burocrática, essa estrutura reproduzirá o

problema de delegação entre o titular e o agente. No entanto, podemos imaginar uma estrutura

organizacional de forma a facilitar que os Controles Internos “façam parte” (estejam mais

próximos na arquitetura organizacional) do titular. O organograma 2 mostra como seria a

arquitetura de um Controle Interno que minimize o problema de delegação.

Organograma 2 O Controle Interno como parte do titular

Idealmente, os integrantes do Controle Interno deveriam fazer parte da própria

cúpula da organização. No entanto, ante a impossibilidade desta situação, a questão levantada

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pela teoria é a de construir um esquema de incentivos que garanta a coincidência de interesses

entre os funcionários do controle e os interesses da cúpula política. Por isso, o setores

encarregados do controle devem estar ligados diretamente à cúpula. A diminuição da cadeia

burocrática permitiria o desenvolvimento de arranjos institucionais que facilitem a aplicabilidade

das medidas de controle (enforcement).

O problema desenvolvido acima, isto é, como melhorar o controle a partir de

critérios estabelecidos pela teoria de Agência, pode ser sintetizados nas seguintes questões:

a) Os custos de obter informação;

- Melhorar os mecanismos de patrulha de Polícia;

- Melhorar os mecanismos de alarme de Incêndio;

(b) A expertise;

- Obter ganhos em conhecimento organizacional;

- Obter ganhos em conhecimento técnico;

(c) Arquitetura de controle;

- Arranjos que garantam aplicabilidade (enforcement)

O problema de qualquer modelo de reforma administrativa é a sua aplicabilidade, isto

é, a forma como se pode traduzir um problema teórico em arranjos institucionais e mecanismos

administrativos. Se o objetivo de uma intervenção é a busca de maior racionalidade e capacidade

de controle, a criação de arranjos institucionais deve sempre levar em conta os problemas e as

dificuldades que fazem parte de qualquer reforma da estrutura administrativa já existentes numa

organização. Nesse sentido, no restante do trabalho trataremos de entender o impacto do uso

intensivo da Tecnologia de Informação e Comunicação nessas três questões. Para isso, faremos

um estudo de caso dedicado a entender esse impacto no processo de construção de arranjos

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institucionais de controle. Descreveremos diversas iniciativas de ordem legal, institucional e

logística, implementadas pelo Governo do Estado de São Paulo entre 1995 e 2003, voltadas,

sobretudo, ao fortalecimento dos controles sobre a Administração Pública. Neste sentido, o fio

condutor será a construção de mecanismos criados para controlar as contratações

governamentais. No entanto, é necessário esclarecer que a ênfase do trabalho será dada a

entender o impacto da TIC nos mecanismos de patrulha de polícia.

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CAPÍTULO 2

AS CONTRATAÇÕES GOVERNAMENTAIS

Os controles na Administração Pública têm uma relevância difícil de mensurar. As

ações de governo se realizam por meio de atos administrativos que estão sujeitos a controles

antes, durante e após sua disposição. São controles jurídicos, administrativos, políticos, de

auditoria e contáveis que estão presentes nos processos que materializam os diferentes

procedimentos administrativos. Segundo argumenta Horacio Valle (2002, p.23) o problema não

residiria nos controles quando estes apontam à oportunidade, ao mérito ou à conveniência, mas

quando estes colocam obstáculos se realizados num marco de legalidade e sob um conjunto de

decisões dotadas de racionalidade.

No entanto, a racionalidade não é precisamente uma característica marcante nas

administrações públicas. Mesmo assim, um sistema administrativo dotado de baixa racionalidade

nem sempre obstaculiza as ações de governo, mas pode permitir o aparecimento de inúmeras

formas de comportamentos oportunistas. E esta é a intenção deste capítulo: entender as

dificuldades de controle num contexto de baixa racionalidade administrativa.

Enfocaremos uma questão específica: o controle sobre as contratações

governamentais. Faremos um estudo de caso sobre o processo de compras no Governo do

Estado de São Paulo. Concentrar-nos neste aspecto se justifica porque, dentre as atividades mais

importantes do Estado, as contratações são as que consomem a maior quantidade de esforço das

máquinas públicas. Este processo, dada a complexidade operacional, os altos valores envolvidos e

as dificuldades em acompanhar cada etapa do procedimento, é uma das principais funções do

Estado que precisa de controle. Ademais, entender como se processam as compras

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governamentais significa, em grande medida, entender o processo de execução orçamentária, o

que nos dará uma visão ampla do funcionamento do estado.

Antes de entrar na operacionalização desse processo, é necessário entender o marco

institucional que regulamenta as transações: a Lei 8.666/93, pois é na lei onde estão instituídos os

incentivos, as formas de controle e de punição que tentarão com que o agente se atenha o máximo

possível ao cumprimento dos objetivos estabelecidos pelo titular. O importante a entender são as

dificuldades em compatibilizar os mandados da lei com as bases administrativas que devem

cumprir a lei num ambiente de baixa racionalidade administrativa.

A LEI 8.666/93

No Brasil, para concretizar as contratações governamentais, é obrigatória a realização

de um processo licitatório (salvo algumas exceções). A licitação é um procedimento

administrativo pelo qual a Administração Pública, seguindo a lei, escolhe a proposta de

fornecimento de bem, obra ou serviço mais vantajoso para o erário (Coelho Motta, 1995, p. 22).

A obrigatoriedade de realizar o processo licitatório está estabelecido no artigo 37 da Constituição

Federal, regulamentado em 1993 com a promulgação da Lei 8.666, conhecida como a Lei de

Licitações e Contratos9.

O subsídio inicial para a confecção da Lei 8.666/93 foi o Decreto-Lei 2.300 de 1987.

Tal Decreto-Lei, elaborado pelo Poder Executivo, carecia de decretos regulamentadores. Este

fato, somado à ausência de mecanismo de correção monetária, tornou o procedimento licitatório

9 A Lei 8.666/93 dita as normas gerais que regem as licitações. As normas gerais são “regramentos para outras normas, objetivando uniformidade [no âmbito federal, estadual e municipal] na matéria legislada: são diretrizes, bases, norteio para esse fim” (Garcia, 1995, p. 222). Elas têm força jurídica vinculante ampla e plena. Mesmo que qualquer transação governamental requer a realização de um contrato específico, todos estes contratos devem seguir uma determinada uniformização ditada pela lei.

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em um mero processo ritualístico, dando margem para inúmeras formas de comportamentos

oportunistas10. Ou seja, adjudicações indevidas, preterição ou perda de proposta mais vantajosa,

possibilidades de superfaturamento, demora ou atrasos nos procedimentos para o tráfico de

propinas, ausência de competitividade nas propostas, eram situações comuns e praticadas de

forma tão regular que criou-se a necessidade de estabelecer um novo marco regulatório. A Lei

8.666/93 veio preencher esta necessidade (Coelho Motta, 1995, p. 27).

A Lei de Licitações e Contratos trouxe duas características gerais marcantes se

comparada a sua predecessora, o Decreto-Lei 2.300/87. A primeira refere-se ao seu caráter mais

democrático já que foi elaborada pelo Congresso traz longos debates entre parlamentares e

inúmeras audiências públicas, onde participou uma ampla gama de atores sociais interessados.

Este fato ajudou a introduzir diversos mecanismos que permitem um maior controle democrático

das licitações, no qual a participação dos cidadãos nos diversos passos do processo é uma

possibilidade concreta. Outra inovação, no sentido democrático, foi a ênfase dada a transparência

do processo licitatório.

A segunda característica se refere à regulamentação exaustiva que a Lei 8.666/93

criou sobre o assunto. Para entender melhor, desde 1967 até a promulgação da referida lei, coube

ao Executivo Federal regulamentar as licitações por meio dos institutos do Decreto e do

Decreto-Lei11. Era procedimento corrente em matéria de licitações e contratos que a União

editasse as normas gerais, possibilitando às unidades federativas legislar com autonomia em

matéria administrativa. A Lei 8.666/93, contrariando essa prática, aborda uma pluralidade de

temas com muitos detalhes. Seus inúmeros artigos tendem a esgotar o assunto a tal ponto que

10 Para entender melhor as formas de comportamentos oportunistas nas licitações, ver Abramo et alii (2002. Pgs: 107/8).

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praticamente esvaziou a competência legislativa estadual e municipal. Ficou na alçada das

unidades federativas apenas a elaboração de normas relativas aos procedimentos operacionais

para a execução da lei12.

A formulação de uma lei com as características acima citadas pode ser melhor

entendida se pensarmos que o legislador teve como pressuposto uma determinada concepção

comportamental fundamentada numa desconfiança a priori sobre os agentes públicos (e dos

empresários), o que, aparentemente, é consistente com a Teoria de Agência. A inclusão desse

pressuposto comportamental na “equação” levou à necessidade de um contrato que tentou

prever “todas” as oportunidades que permitiriam a prática de dolo. Daí a elaboração de uma lei

tão detalhista, na qual, nas palavras de Motta (1995, p. 09) o legislador “quadriculou miudamente

o espaço discricionário do administrador público”.

Tentemos entender brevemente o debate que se criou em torna da lei, pois é

importante para a compreensão do assunto. Embora seja praticamente unânime os elogios no

que se refere ao caráter democrático da lei, o pressuposto de desconfiança a priori levantou

inúmeras críticas de diversos juristas, economistas e administradores. Tais críticas referem-se,

principalmente, a que a excessiva regulamentação levou a dificuldades para implementar e para

cumprir as diretrizes da lei, críticas estas que podem ser sintetizadas nas palavras de um dos

autores brasileiros mais entendidos em matéria de contratos públicos, Adilson Abreu Dallari:

[...] a Lei 8666/93 (mesmo com a redação dada pela Lei nº 8.893/9413) apresenta

inaceitáveis deficiências. Em decorrência de uma orientação equivocada, tendo

11 Decreto-Lei 200/67; Decreto 73.140/73; Decreto 84.701/80; Decreto 86.025/81; e o Decreto-Lei 2.300, que sofreu algumas modificações por meio dos Decretos-Leis 2.348/87 e 2.360/87. 12 A Lei 8.666/93 tem 125 artigos e procurou estabelecer definições, salvaguardas contratuais e procedimentos bastante detalhados quanto: aos princípios gerais (Capítulo I), às modalidades de licitação (Capítulo II); á

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optado pelo caminho evidentemente insensato de procurar dar solução para as

inúmeras e infinitas questões que podem aparecer nas licitações e nos contratos,

acabou por se perder num detalhismo que leva, inevitavelmente, a contradições e

impropriedades, passando por disposições inúteis e incompreensíveis, tudo isso

servindo para empecer o andamento das ações administrativas e para fomentar

conflitos14.

Acompanhando o pensamento de Dallari, um trabalho feito pelo Ministério da

Administração e Reforma do Estado (MARE) em 199715 apontou que a lei teve praticamente o

efeito contrário ao desejado, ou seja, introduziu mais ineficiência ao processo de compras e

contratações governamentais. Isto se deveu, por um lado, ao aumento do aparato burocrático

necessário para operacionalizar os mandados da lei. Por outro, ao aumento dos custos de transação

que teve o empresário para poder cumprir com os requisitos procedimentais16.

Em outro trabalho, feito no mesmo ano, e na tentativa de analisar aspectos da

eficácia da Lei 8.666/93, Isadora Hermann (1997) estudou a compra de alimentos pelo Governo

do Estado de São Paulo e pela Prefeitura de São Paulo em 1996/7, ou seja, compras de pequeno

e médio valor. O trabalho apontou que em praticamente todas as operações se desrespeitava

algum dos princípios gerais da lei. A autora não teve elementos para concluir se o estado pagava

formalização, alteração e execução dos Contratos (Capítulo III); às sanções administrativas, crimes, penas e procedimentos judiciais (Capítulo IV); e às disposições finais e transitórias (Capítulo VI). 13 A Lei 8.883 de 1994 complementou a Lei 8.666/93. 14 Dallari, Adilson (1995). In Estudos sobre a Lei de Licitações e Contratos. Prefácio. Org. Garcia, Maria. Rio de Janeiro. Forense Universitária. 15 Cf. Herrmann, Isadora (1999) Licitações Públicas no Brasil: explorando o conceito de ineficiência por desempenho. Revista de Administração Pública, 34 (2). Rio de Janeiro. FGV. 16 O trabalho justificou o envio de um projeto de lei ao Congresso onde o MARE pretendia alterar substancialmente a Lei 8.666/93. As mudanças eram no sentido de flexibilizar os mecanismos de contratação de obras e serviços, desburocratizar a seleção de fornecedores e simplificar os procedimentos licitatórios. Tais mudanças, cujo principal inspirador foi o então Ministro Luis Carlos Bresser Pereira, estavam de acordo com os princípios da teoria da Nova Administração Pública e visavam outorgar maior poder discricional ao administrador público.

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mais ou menos pela compra de produtos depois da publicação da Lei 8.666/93, como mostrava o

trabalho do MARE, mas concluiu que os determinantes na malversação dos recursos públicos

eram resultado de falhas nos mecanismos de controle. A autora responsabiliza o despreparo e a

politização dos Controles Externos do Executivo, ou seja, dos Tribunais de Contas e dos

Legislativos.

Em um terceiro trabalho, elaborado por Abramo et alii, (2002), e com uma visão

oposta aos autores acima citados, os autores argumentam que a lei trouxe avanços significativos

nas contratações governamentais, pois tentou moralizar as operações ao limitar as barreiras

artificiais criadas por agentes públicos com mecanismos extra-econômicos para impedir a entrada

de empresas ao consumo governamental. O cumprimento desses requisitos deveu-se em grande

medida ao fato da lei ter facilitado a participação do cidadão nas diversas etapas da licitação, fato

este que tornou as transações mais transparentes e mais sujeitas ao controle público17.

Os trabalhos de Abramo et alii e de Isadora Hermann divergem quanto aos

mecanismos de controle, considerados ineficazes no trabalho de Hermann e eficazes no trabalho

de Abramo et alii. A diferença de interpretações pode ser entendida quando observamos o

enfoque dos respectivos trabalhos. Enquanto o trabalho de Hermann trata de entender o impacto

da Lei 8.666/93 nas pequenas e medias contrações, o trabalho de Abramo et alii se refere a

grandes contratações governamentais. Esse fato é confirmado por Renata Vilhena, autora que

responsabiliza a fatores conjunturais que incidiram no Legislativo durante a elaboração da lei - a

sucessão de escândalos que levou ao impeachment do ex-presidente Collor de Mello - os

motivadores dos resultados divergentes:

17 Os avanços que a lei trouxe, segundo os autores, são detalhados por Abramo et alii, (2002) nas páginas 112 e 113.

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A Lei 8.666/93] foi elaborada num contexto de grande preocupação com controle

das obras públicas, o que terminou por lhe imprimir um forte viés. Representou

importante avanço na gestão de obras e serviços de engenharia, mas ao mesmo

tempo pecou pelo excessivo formalismo e pela desnecessária complexidade nos

procedimentos aplicados aos demais tipos de produtos e serviços18.

A autora concorda com a linha crítica de Dallari e do MARE quanto ao excessivo

formalismo e complexidade da lei, mas ressalva que a crítica é relevante apenas quando se trata de

pequenos e médios valores. Para contratações de grandes valores, a autora concorda com

Abramo et alii quanto aos avanços que lei trouxe.

O problema trazido pela lei nas pequenas e médias contratações refere-se ao fato de

que estas contratações são realizadas em grande número, atomizadas, operacionalizadas em curto

espaço de tempo e normalmente contratadas “a toque de caixa”, ou seja, sob pressão de um

consumo imediato. Portanto, um aumento nos procedimentos tenderia a emperrar a máquina

burocrática e aumentar os custos de transação. Neste sentido, a referida regulamentação exagerada

da Lei 8.666/93, se cumprida fielmente, “engessaria” a Administração Pública. Em síntese, os

argumentos críticos acima citados referem-se a que o legislador não levou em conta as

especificidades das contratações governamentais. Elaborou uma lei geral tentando diminuir

linearmente o poder discricionário do agente público em qualquer situação. Isto acabou criando

uma disparidade de resultados, dependendo do tipo de transação.

Aqui cabe uma observação importante a respeito da Lei 8.666/93. Durante a

construção da lei, houve intensa participação de inúmeros atores interessados, públicos e

privados, em audiências públicas. O caráter democrático – que foi realçado por praticamente

18 Vilhena, Renata (2002). Uma nova lei para as compras governamentais. Gazeta Mercantil, dia 29, 30 e 31 de março

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todos os analistas - implicou na contemplação de interesses diversos na sua confecção, e esse fato

levou a que o legislador tivesse presente determinados aspectos que vão além dos critérios de

eficiência estritamente econômicos. Portanto, na avaliação do marco institucional é preciso

levar em conta, também, o critério de legitimidade. Por este motivo, não pode ser analisado apenas

por critérios de eficiência. Levando em conta esse aspecto, podemos considerar as restrições

lineares ao poder discricionário dos agentes públicos como uma opção política do legislador,

mesmo que esta opção tenha potencializado, em certas situações, problemas pos-contratuais, ou

seja, de implementação e de controle do contrato. Disto deriva que a discussão sobre os

problemas pos-contratuais adquirem uma dimensão muito maior no setor público do que a teoria

dispensaria numa relação feita no mercado, especialmente no referente aos controles.

Levando em conta esses aspectos, a seguir, tentaremos mostrar que os resultados

divergentes da lei, ou seja, em grande medida eficiente nas grandes contratações e em grande

medida deficiente nas pequenas e médias contratações, deveu-se às diferentes possibilidades de

implementação dos mecanismos de controle criados pela lei. Iniciaremos mostrando algumas

características da Lei 8.666/93 e os mecanismos de controle criados visando minimizar as

possibilidades de comportamentos oportunistas.

ALGUMAS OBSERVAÇÕES SOBRE A LEI 8.666/93

A Constituição de 1988 reforça objetivamente a obrigatoriedade da licitação (art. 37,

XXI), concentrando na União a expedição de normas gerais, extensivas à Administração Pública

direta e indireta (incluindo fundações e empresas controladas pelo Estado). A Constituição baliza

a realização da licitação como regra geral e as exceções são delimitadas rigidamente por lei.

de 2002, pág. A3.

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A Lei 8.666/93 estabeleceu, no artigo 3º, a obrigatoriedade de obedecer aos princípios

gerais de isonomia, legalidade, impessoalidade, eficiência, moralidade, publicidade e julgamento

objetivo nas contratações governamentais19. Também, estabeleceu modalidades de licitação que

envolve diferentes graus de poder discricionário do agente, a saber: até R$ 8,0 mil a modalidade

chama-se “dispensa” (que em realidade não é uma licitação). Nesta, o agente público escolhe a

seu critério o fornecedor que acha mais apropriado. Na modalidade “convite” – entre R$ 8,0 mil

e R$ 80 mil - o agente convida, também a seu critério, pelo menos três fornecedores do ramo

pertinente ao objeto a transacionar. Os fornecedores devem entregar uma proposta em envelope

fechado e o agente público deve escolher aquele que oferece o menor valor. A “tomada de

preços” – entre R$ 80,0 mil e R$ 650,0 mil - é uma licitação entre interessados cadastrados.

Deve-se lançar um edital comunicando publicamente a licitação. Por fim a “concorrência” – para

compras acima de R$ 650,0 mil - é uma licitação onde podem participar quaisquer interessados

que na fase de habilitação preliminar, comprovem possuir os requisitos mínimos de qualificação

exigidos no edital para execução de seu objeto20.

Nesses quatro procedimentos se estipulou por lei uma determinada margem de

discricionalidade para o agente público, que depende do valor envolvido na transação. Existe

ainda a modalidade “inexigibilidade”21 onde a discricionalidade é maior, pois está sujeita a

critérios mais subjetivos, embora delimitados. É importante destacar que as modalidades:

19 Isonomia se refere ao tratamento igual em situações iguais, de todos os interessados em oferecer propostas à Administração Pública para escolha da melhor. A legalidade diz respeito à conformidade dos atos administrativos com a lei. A impessoalidade visa evitar qualquer concessão de privilégio e inspira todas as diretrizes que asseguram a livre competição. Eficiência se refere à proposta mais vantajosa à Administração. A moralidade obriga à correta aplicação do dinheiro público. A publicidade preconiza a visibilidade dos atos administrativos para viabilizar o exercício pleno de controle por parte da sociedade. Finalmente, o julgamento objetivo é a obediência estrita ao edital (Meirelles, 2000, p. 84/5). 20 Esses valores referem-se à Lei 9.648 de 27 de maio de 1998 que alterou alguns artigos da Lei 8.666/93.

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dispensa, convite, tomada de preços e parte das inexigibilidades – ou seja, as transações até o

valor de R$ 650.000 mil – são basicamente para gastos de manutenção, custeio e pequenas obras

e são, de preferência, praticadas por iniciativa da burocracia, enquanto a concorrência, também

preferentemente, envolve o alto escalão governamental, isto é, decisão de agentes políticos22.

OS CONTROLES PREVISTOS NA LEI 8.666/93

Os controles previstos na Lei 8.666/93 podem ser dispostos em duas categorias: (a)

os mecanismos de controle sociais; e (b) os procedimentos administrativos de controle. Alem

disso, estão previstos também os canais institucionais de prestação de contas. Apenas como uma

aproximação, os controle sociais podem ser vistos como mecanismos de alarme de incêndio e os

procedimentos administrativos de controle, como mecanismos de patrulha de polícia.

a) Os controles sociais

Observamos que uma das modalidades do controle democrático é o que se refere aos

controles verticais, ou seja, aos diversos mecanismos que permitem à sociedade controlar os

agentes do Estado. Também, que como os cidadãos não contam com instrumentos para punir

diretamente os agentes administrativos, podem acionar diferentes órgãos de controle horizontal,

tais como os Tribunais de Contas, o Ministério Público, a Justiça e, ultimamente, também as

Controladorias e outros órgãos criados para tal fim. A idéia subjacente é que, quanto mais

submetido ao escrutínio público for o processo de contratação, tanto menor será a probabilidade

21 Segundo Meirelles (2000, p. 264): “Ocorre a inexigibilidade de licitação quando há impossibilidade jurídica de competição entre contratantes, quer pela natureza específica do negócio, quer pelos objetivos sociais visados pela Administração”. 22 Dadas as modalidades de licitação, quando no decorrer do trabalho nos referimos a “grandes contratações” estaremos falando da modalidade “concorrência”, e “médios ou pequenos valores” às outras modalidades.

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de ser desvirtuado por práticas de corrupção. No entanto, a possibilidade de participação do

cidadão e os canais institucionalizados que tornem possível essa participação, devem estar

previstos no marco institucional. Por exemplo, o art. 4º do Decreto-Lei 2.300/86, que

regulamentava o processo de contratações antes da entrada em vigência da Lei 8.666/93,

restringia a intervenção no processo licitatório apenas “aos que participem” do processo, fato que

transformava a licitação num processo fechado.

Nesse sentido, a Lei 8.666/93 é muito rica quanto a dispositivos que permitam a

possibilidade da presença do cidadão nos processos de contratações governamentais assim como

de dispositivos para canalizar as denúncias do cidadão aos órgãos de controle externo23. A Lei

também confere poderes aos órgãos de controle externo para praticar ações preventivas ante a

suspeita de irregularidades no processo licitatório, caso a adoção de medidas corretivas ou

inclusive o cancelamento da licitação (Art. 113. § 2º)24. Em geral, a lei deu ao cidadão e à

sociedade civil em geral a possibilidade de acompanhar o desenvolvimento da licitação, de forma

ampla, abrangendo todas as suas fases25.

23 Nos seus diversos artigos está explícito que qualquer cidadão: (a) “pode acompanhar o seu desenvolvimento, desde que não interfira de modo a perturbar ou impedir a realização dos trabalhos” (Art. 4); (b) “poderá requerer à Administração Pública os quantitativos das obras e preços unitários de determinada obra executada” (Art. 7, §8); (c) “é parte legítima para impugnar preço constante do quadro geral [de preços, nas compras feitas pela Administração] em razão de incompatibilidade com o preço vigente no mercado” (Art. 15, §6); (d) “é parte legítima para impugnar o edital de licitação por irregularidades na aplicação desta Lei” (Art. 41, §4). Para canalizar as denúncias do cidadão aos órgãos de controle externo, a lei prescreve que: “Qualquer pessoa poderá provocar, para os efeitos desta Lei, a iniciativa do Ministério Público, fornecendo-lhe, por escrito, informações sobre o fato e sua autoria, bem como as circunstâncias em que se deu a ocorrência” (Art. 101). Ou “Qualquer pessoa poderá representar ao Tribunal de Contas ou aos órgãos integrantes do sistema de controle interno contra irregularidades na aplicação desta Lei” (Art. 113, §1º). 24 Sobre este assunto, ver Citadini (1998). 25 Esta visão positiva da lei não é isenta de críticas. A principal crítica incide sobre a grande facilidade de intervenção civil nos processos de contratações governamentais. Argumenta-se que a lei acabou por criar uma chamada “indústria” de interposição de recursos, que tende a transformar determinados processos num verdadeiro entrave para o gestor de compras. Os mecanismos de controle democrático que o legislador elaborou para coibir o comportamento oportunista dos agentes públicos acabaram por ser utilizados de forma oportunista por empresários.

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b) O controle de processos

Os artigos da lei, no que se refere ao controle de processos, incidem sobre uma

variada gama de modalidades, a saber: obra, serviço, compra e alienação; (Art. 6º, Seção II).

Alguns dos mecanismos criados têm abrangência geral, como veremos. Outros são específicos

para cada modalidade. Neste sentido, analisar os mecanismos processuais de todas as

modalidades, ultrapassa as necessidades e o objeto de estudo deste trabalho, pois a lei tenta

prever as situações e alternativas possíveis em todas as definições de contratação acima citados26.

Por isso, analisaremos apenas a modalidade “compras”, que pode ser considerada representativa

da forma e natureza da lei. Observaremos a seguir como a lei tentou limitar as oportunidades de

comportamentos oportunistas na modalidade de compras em seis itens.

1) Os Decretos-Leis que regiam as contratações governamentais não permitiam a

aplicação de correção ou atualização monetária nas obrigações assumidas pela Administração.

Em épocas de alta inflação – como ocorreu antes do Plano Real, de julho de 1994 – este fato

tinha conseqüências. Era um incentivo à corrupção, pois permitia a cobrança de propinas para

acelerar o processo ou para evitar a protelação dos pagamentos. Durante épocas de picos

inflacionários, um mês de atraso podia significar perdas muito significativas para o empresário.

Isto levou a limitar o número de fornecedores do Estado, pois realizavam transações

preferentemente empresários que sabiam agilizar, de alguma forma, o pagamento. Como

conseqüência desta quebra dos princípios de isonomia e impessoalidade, os preços nos contratos

públicos foram perdendo o nexo com a realidade. O legislador, na nova lei, optou pela adoção

das chamadas normas de realidade nos preços contratados pela Administração. Trata-se de diversos

mecanismos de proteção ao preço oferecido pelo fornecedor, tais como a correção monetária, o

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respeito à ordem cronológica no pagamento dos contratos e a obrigação de apenas contratar

dispondo de recursos orçamentários para honrar as obrigações no tempo combinado, entre

outros dispositivos (artigos 5º, 7º e 40º). A Lei fez opção pelo realismo nos valores dos contratos.

Ou seja, o fornecedor terá que oferecer o menor preço. No entanto, terá as garantias de que esse

valor será aquele efetivamente praticado. Procurou, assim, o legislador afastar a irrealidade

contratual que existia (Marques Neto, 1995, p. 159).

2) Uma das principais distorções nas contratações governamentais, e que encontrava

cobertura legal, eram as inexibilidades. Esta é uma forma legal de contratação, mas só se podem

tornar efetivas mediante motivação clara. A este respeito, observemos o comentário de um

membro do Tribunal de Contas da União feito antes da publicação da Lei 8.666/93:

Cabe ressaltar que o elevado valor das dispensas realizadas sem licitação não

caracteriza, em princípio, ilegalidade ou irregularidade, uma vez que estão respaldadas nos

artigos 22 e 23 do Decreto-Lei 2.300/86. Entretanto, o que se consta é que, com base na

própria legislação pertinente, existiria uma distorção no processo licitatório, transformando a

exceção em regra geral (itálico meu)27.

Na Lei 8.666/93, para contornar esses casos, as situações de dispensa e

inexigibilidade são descritas de forma pormenorizada nos artigos 24º e 25º, e os procedimentos

administrativos a seguir nessas circunstancias, no artigo 26º. É importante observar que a lei

trouxe outra inovação: veta as leis das unidades federativas que ampliem os casos de

inexibilidades.

26 Estudos detalhados sobre as questões procedimentais da Lei 8.666/93 pedem ser encontrados em: Pereira Junior (1994); Garcia (1995); Coelho Motta (1995); Cretella Junior (1995) e Citadini (1999), entre outros. 27 Ata Nº 28 do Ministro do Tribunal de Contas da União, Homero Santos, publicado no DOU em 18/07/1991. Citado por Coelho Mota (1995).

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3) O objeto da licitação deve ser suficientemente descrito pelo administrador, para

predefinir a qualidade. Com isso, a especificação do objeto (a assim sua qualidade) não é de

responsabilidade dos concorrentes e deixa de ser tema de julgamento de propostas (Abramo et

alii, 2002, p. 113).

4) A Lei 8.666/93 fundamentou-se na teoria da concorrência perfeita para

sistematizar e operacionalizar as compras governamentais28. Isto decorre principalmente de duas

observações: (a) a exigência de produto homogêneo para o mercado. Ou seja, houve uma

tentativa de padronização forçada (Art. 15º); e (b) a impossibilidade de particularizar excessivamente

o objeto da licitação a ponto de favorecer apenas um licitante (Art. 14º). O legislador optou pelas

regras rígidas da padronização, mesmo ante a possibilidade de se obter resultados sub-ótimos,

como, por exemplo, perda de qualidade (Marques Neto, 1995, p. 159).

5) Obriga a criação de um sistema de catalogação de materiais no setor público e de

um sistema de registro de preços (art. 14). Esses bancos de dados, de publicização mensal,

tiveram por objetivo dar parâmetros de referências de preços entre os praticados pela

Administração e os de mercado. Ambos registros deveriam constituir uma base comparativa para

evitar contratações com sobrepreço. (Coelho Motta, 1995, p. 43).

6) Houve uma ênfase na questão da publicidade. O Art. 16º obriga à Administração

Pública a publicar mensalmente em lugares de “amplo acesso público” a relação de “todas as

compras feitas pela Administração Direta ou Indireta, de maneira a clarificar a identificação do

bem comprado, seu preço unitário, a quantidade adquirida, o nome do vendedor e o valor total

da operação”.

28 Existem basicamente três modelos de formação de preços: a concorrência perfeita, o oligopólio e o monopólio. A concorrência perfeita pressupõe produto homogêneo, grande número de empresas, livre mobilidade de recursos e

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O assunto não se esgota nos itens acima citados. Existe ainda detalhamento

minucioso sobre prazos mínimos, como os da publicidade nas diferentes etapas do processo (art.

21) e os de apresentação de recursos (art. 109) entre outros.

Em resumo, a forma com que se tentou limitar o poder discricionário do agente

público no processo de compras de materiais foi a seguinte: a padronização forçada de produtos

facilita a comparação de preços realizados pela administração com os de mercado. E o

estabelecimento de bancos de dados, abre a possibilidade de criar parâmetros de referência de

preços. Ademais, como a lei obriga a publicação regular desses bancos de dados e de todas as

compras feitas pela Administração, as operações podem ser acompanhadas facilmente pelos

órgãos de controle e pelos cidadãos. Observe-se que em grande medida, o legislador abriu mão

da possibilidade de comprar produtos de melhor qualidade para privilegiar a questão “preço”,

com o objetivo de obter critérios mais universais.

c) O controle de contas

O controle de contas sobre as transações está estabelecido no Art. 113º da Lei

8.666/9329, e não teve inovações se comparada às legislações anteriores. Aqui devemos parar um

instante para entender como funciona o processo de prestação de contas. A Constituição Federal

Brasileira, no Art. 70, assim dispõe sobre o assunto:

A fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e

patrimonial da União e das entidades da administração direta, indireta, quanto à

perfeito conhecimento do mercado. No monopólio, uma empresa tem o domínio do mercado, tornando-se capaz de impor o preço de seu produto. No oligopólio, isto último acontece com poucas empresas (Ver: Costa, André, 1998). 29 Segundo a Lei 8.666/93: “O controle das despesas decorrentes dos contratos e demais instrumentos regidos por esta Lei será feito pelo Tribunal de Contas competente, na forma da legislação pertinente, ficando os órgãos

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legalidade, legitimidade, economicidade, aplicação de subvenções e renúncia de

receitas, será exercida pelo Congresso Nacional, mediante controle externo, e pelo

sistema de controle interno de cada poder (ênfases minhas).

Já no artigo 71 afirma-se que: “O controle externo, a cargo do Congresso Nacional, será

exercido com o auxilio do Tribunal de Contas da União” 30.

A forma de organizar o controle de contas varia de país para país. No Brasil foi

adotado o método chamado de reparação do dano administrativo. Neste sistema, adotado por países

como França e Espanha, existem Câmaras ou Tribunais de Contas (TCs) que, embora sejam

órgãos auxiliares do Poder Legislativo, têm autonomia para julgar as contas apresentadas pelos

administradores, exigir a reparação financeira conseqüente de atos ilegais e aplicar sanções

administrativas aos responsáveis pela má gestão dos recursos públicos.

A mecânica de prestação de contas, de forma sucinta, é a seguinte: a maior parte dos

gastos governamentais se dá por intermédio dos processos de contas. Este processo tem inicio nos

órgãos de controle interno de cada Poder, que realizam as chamadas auditorias de gestão,

obrigatórias sobre todas as operações realizadas. Sobre essa auditoria os TCs realizam outra

auditoria, ao ano seguinte, para julgamento, cujo alcance está associado à relevância do processo.

Ou seja, para grandes transações a verificação é bastante detalhada. Para as menores, a auditoria,

por uma questão de custos, é feita por amostragem31.

interessados da Administração responsáveis pela demonstração da legalidade e regularidade da despesa e execução, nos termos da Constituição e sem prejuízo do sistema de controle interno nela previsto”. 30 As Constituições estaduais e as leis orgânicas dos municípios acompanham a Constituição Federal, que em seu artigo 75 dispõe: “As normas estabelecidas nesta seção [seção IX: Da fiscalização contábil, financeira e orçamentária] aplicam-se, no que couber, à organização, composição e fiscalização dos Tribunais de Contas dos Estado e do Distrito Federal, bem como dos Tribunais e Conselhos de Contas dos Municípios”.

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O IMPACTO DOS CONTROLES

Os mecanismos de controle sociais dispostos na Lei 8.666/93 têm aplicação

automática. Já os novos mecanismos processuais devem ser implementados. Tentemos entender,

em primeiro lugar, o impacto dos controles sociais nas contratações governamentais.

Os controles sociais são uma “possibilidade” de controle. Dependem de uma

sociedade civil organizada, atuante, vigilante e de uma imprensa investigativa. É de se supor que

esses controles sociais previstos na lei terão algum impacto nas grandes contratações, pois estas

são poucas – se comparados ao total de contratações governamentais – são muito visíveis, tem

altos valores envolvidos e tem um longo tempo de maturação. Este fato parece ser confirmado

pelo trabalho de Abramo et alii (2002, p. 112) que se refere ao avanço que a lei trouxe para as

grandes contratações governamentais.

Se nas grandes contrações, os controles sociais acabaram por se mostrar bastante

eficazes, dificilmente poderíamos afirmar que esses controles terão a mesma eficácia na imensa

quantidade de contratações governamentais de valores menores. Estas são operações atomizadas,

que não despertam o mesmo interesse na mídia em particular e na sociedade em geral. Para

exemplificar a magnitude destas operações, basta dizer que apenas o Governo do Estado de São

Paulo realiza mais de 70 mil operações por ano. Isto nos leva a dedicar uma especial atenção ao

controle de processos, principalmente quando se trata de pequenas e médias contratações32.

Diferentemente dos controles sociais, os novos mecanismos processuais da Lei

8.666/93 não são de aplicação automática, pois devem ser implementados. Como essas tarefas

31 Para entender melhor o processo de prestação de contas, ver Rodriguez da Silva, Flávio (1997) O modelo brasileiro de prestação de contas: por uma racionalização do processo. Revista de Administração Pública, n.o 47. Rio de Janeiro, FGV.

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foram delegadas pela lei às diferentes Administrações Públicas (federal, estaduais e municipais)

criou-se um desafio para os governos: o da implementação desses mecanismos. Esse desafio se

refere não apenas enfrentar eventuais deficiências contratuais, mas ao problema político de

implementar as regras operativas necessárias, que implicam mudanças nas regras de jogo e nos

interesses estabelecidos. A lei obriga a ganhos de racionalidade administrativa. E eis aqui o

problema. Implementar os mandados da lei com os padrões administrativos pré-existentes

poderia levar apenas a um aumento de custos sem uma correspondente melhora no controle das

contratações, como mostra o citado trabalhos do MARE. Neste contexto, as críticas à lei feitas

pelo MARE e por Dallari tinham certa relevância, pois se referiam à incompatibilidade entre os

mandados da lei (a vontade política) e as bases administrativas que deviam processar e

implementar a lei.

O que mostraremos neste trabalho é que as mudanças administrativas necessárias ao

cumprimento da lei tornaram-se possíveis, em grande medida, quando foram introduzidos os

sistemas de informação nos órgãos governamentais, porque essa introdução veio acompanhada

de ganhos em racionalidade administrativa. Para provar essa afirmativa, porém, é necessário,

primeiro, analisar como era o processo de compras antes da introdução de tais mecanismos. Só

desta forma será possível descrever, posteriormente, os “ganhos” citados. Portanto, será

analisado a seguir o processo de compras do governo do Estado de São Paulo.

32 Em São Paulo, as denúncias feitas ao TCE, à Corregedoria Geral de Administração e à Ouvidoria da Secretaria da Fazenda, apontando quebra de algum princípio geral nas licitações públicas quando se trata de pequenas contratações, são muito poucas. Esta informação foi levantada em entrevistas com dirigentes dessas organizações.

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AS COMPRAS EM SÃO PAULO

Observamos que cada compra que realiza o Estado precisa passar por um

determinado processo legal (licitação), seja nas modalidades de dispensa, convite, tomada de

preços ou concorrência. Em São Paulo, as compras governamentais da Administração Direta são

de responsabilidade das Secretarias de Estado. Dado que quase todas as Secretarias possuem

inúmeros órgãos espalhados pelo território do Estado, a execução orçamentária se operacionaliza

por meio de unidades descentralizadas das secretarias chamadas Unidades de Despesas (Gestoras

ou Gestoras-Executoras). No começo da década de 1990, estas unidades mais de 700 a cobrir

todo o Estado33.

Quase todos os procedimentos administrativos prescritos no Decreto-Lei 2.300/87 e

mais tarde na Lei 8.666/93, tais como o estudo, a preparação e a confecção do edital, os convites,

a publicidade e o julgamento, entre outras etapas, eram realizados nessas unidades e a

responsabilidade pelo controle desses passos, no sentido do cumprimento dos princípios gerais da

legislação, era da própria estrutura burocrática da secretaria à qual a unidade de despesa estava

ligada. Apenas o controle da legalidade e da economicidade era externo à unidade, e que

correspondia à Secretaria da Fazenda. Entendamos, a seguir, como se processava este controle34.

A Secretaria da Fazenda do Estado (SEFAZ) exercia, assim como hoje, três funções

principais por meio de suas Coordenadorias:

a) A responsabilidade pela arrecadação e fiscalização de tributos estaduais,

atribuição realizada pela Coordenadoria de Arrecadação Tributária (CAT);

33 A forma de processar a execução orçamentária descrita a seguir está simplificada. Em realidade existiam as Unidades Gestoras Orçamentárias (UGO); as unidades Gestoras Financeiras (UGF) e as Unidades Gestoras Executoras (UGE). Desta última, em 1995, existiam 774 unidades ativas.

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b) A responsabilidade pelo controle da despesa, pela contabilidade geral do

Estado e pela prestação de contas, tarefas estas realizadas até 1996 pela Contadoria Geral do

Estado (CGE), pela Coordenadoria das Entidades Descentralizadas (CED) e pelo setor de

auditoria (AUDI);

c) A função de tesoureira das finanças do estado, atribuição realizada pela

Coordenadoria de Administração Financeira (CAF), que trata também da formulação da

política financeira do governo e da administração da dívida pública35.

No organograma 3, podemos visualizar a configuração organizacional da Secretaria

da Fazenda. O organograma é importante para entender as posteriores mudanças organizacionais

da secretaria36. O destaque refere-se aos órgãos de controle.

Organograma 3 Estrutura organizacional da Secretaria da Fazenda (1995)

OBS: CAF (Coordenadoria de Administração Financeira); CED (Coordenadoria das Entidades Descentralizadas); AUDI (Setor de Auditoria); CGE (Contadoria Geral do Estado).

O envolvimento da Secretaria da Fazenda no processo de gastos públicos era o

seguinte: (a) o fornecimento de recursos; (b) a contabilização dos recursos utilizados e a prestação

34 As Secretarias de Estado, assim como as fundações e autarquias, tinham, dentro da sua estrutura burocrática, órgãos de auditoria que deviam exercer o controle sobre o processo de compras. O que se tratará a seguir é o controle das compras a partir da visão da Secretaria da Fazenda, que seria um “controle sobre o controlador”. 35 Ademais desses órgãos, existem outros órgãos de apoio, que variam de acordo à época.

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de contas; e (c) o controle da legalidade e da economicidade das operações. Nesses campos

atuavam, respectivamente, o setor financeiro (CAF), o setor de contabilidade (CGE) e o setor de

auditoria (AUDI). Observemos como se processava a operacionalização das despesas do Estado.

Primeiro passo: a movimentação financeira. Nos primeiros dias de cada mês, um

agente da unidade de despesa se comunicava com o setor financeiro da sede central da Secretaria

da Fazenda informando a quantidade de recursos que precisava para cobrir as despesas feitas no

mês anterior. A partir dessa informação, o setor financeiro enviava os recursos por meio de

depósitos em contas correntes da unidade, contabilizava a saída desses recursos em seus

computadores e repassava a informação à Contadoria. O setor financeiro enviava de forma

imediata apenas os recursos que seriam alocados em funções realmente essenciais e os restantes

os enviava a medida que recebia recursos do setor tributário (CAT). Recebido os recursos, os

agentes das unidades de despesa faziam os pagamentos aos fornecedores e repassavam parte dos

recursos a outras instâncias dependentes das unidades, para cobrir gastos miúdos, como por

exemplo, a escolas e hospitais, geralmente para gastos na modalidade “dispensa”.

No modelo de movimentação financeira utilizado pelo governo paulista, isto é,

primeiro fazer o gasto e posteriormente pedir os recursos para a Fazenda (o gasto desvinculado

do empenho) não se podia ter certeza da data exata em que seria feito o pagamento ao

fornecedor. Tampouco permitia estabelecer uma ordem cronológica para tais pagamentos. A falta

de previsibilidade na liberação de recursos conferia uma margem de discricionalidade muito

grande aos agentes do setor financeiro. Tal processo tendia a privilegiar aos fornecedores que

tinham conhecimento da máquina pública ou um bom relacionamento com os agentes públicos,

pois isto permitia que seus pagamentos fossem efetuados rapidamente. Portanto, era muito tênue

36 Neste organograma, assim como nos restantes, não está considerado o setor de arrecadação tributária (a CAT)

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a isonomia e a impessoalidade que existia no processo de compras. Por outro lado, do ponto de

vista administrativo, o modelo acarretava a existência de inúmeras contas bancárias, gerando,

ademais, milhares de transferências mensais entre o setor financeiro da Fazenda e as unidades de

despesa e entre estas e seus órgãos dependentes. Estas operações demandavam grandes esforços,

e muitos custos, para serem controladas.

A entrada em vigência da Lei 8.666 em julho de 1993, que exigia que as compras

fossem feitas apenas com a correspondente provisão orçamentária, pagamentos na data certa e

que esses pagamentos fossem acertados na ordem cronológica - o que visava entre outras coisas

coibir os comportamentos oportunistas - não eram cumpridas. Dentro desse modelo

descentralizado de operar os gastos e, principalmente, imprevisível no repasse de recursos, não

era possível implementar as providências exigidas pela lei (arts. 5 e 7).

Segundo passo: a contabilização. A documentação das operações decorrentes dos

gastos era enviada das unidades de despesa a um dos 21 escritórios seccionais da Contadoria

existentes, quase todos situados nas sedes das Secretarias de Estado, para o inicio do processo de

contabilização. Nesses escritórios seccionais se realizava a escrituração contábil das operações, a

cargo de contadores.

Depois da verificação formal do contador, se o processo de compra estava em

ordem, era emitido o empenho e digitado no sistema informacional da contadoria. Esses

escritórios seccionais desde a década de 1980 estavam ligados ao computador principal da

contadoria por meio de “estações de trabalho”, ou seja, terminais que funcionavam por meio de

linha telefônica com emulador (uma espécie de modem). A informação digitada era apenas básica:

número do empenho, valor, data de emissão e vencimento e alguns códigos necessários a

nem tampouco os setores de apoio logístico as funções internas da Fazenda.

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contabilização. Este registro de operações era a informação com a qual a sede central da

contadoria elaborava mais tarde parte dos balancetes trimestrais e parte do Balanço Geral do

Estado.

Três questões a destacar dessa movimentação contábil. Em primeiro lugar, as

informações que entravam no sistema eram apenas um “registro” das operações, por meio do

qual podia-se saber alguns dados básicos sobre as operações realizadas, mas com pouca

informação relevante37. Em segundo lugar, os computadores do setor de contabilidade não

estavam interligados com os do setor financeiro. Isto acarretava re-digitação de dados de um

sistema para o outro com o conseqüente aumento de custos, pois requeria a existência de dezenas

de digitadores. E em terceiro lugar, o modelo demandava a existência de inúmeros escritórios

seccionais da Contadoria, que eram uma intermediação burocrática apenas para realizar a

escrituração contábil, o que também gerava altos custos.

Terceiro passo: o controle. O controle, que teoricamente devia ser feito pelos

auditores da AUDI, estava desvinculado da operação financeira, pois não existiam instrumentos

analíticos para verificar a economicidade das operações realizadas. O trabalho dos auditores, que

nos primeiros anos da década de 1990 eram pouco mais de 20 para cobrir tudo o estado, não

observava rotinas, metodologias de trabalho nem sequer estava ligado à escrituração contábil. Os

auditores trabalhavam individualmente principalmente auditando a legalidade das grandes

operações realizadas pelas empresas do estado. Um processo de compras passava por uma

auditoria mais elaborada quando, eventualmente, existia alguma denúncia de superfaturamento de

preços. Entretanto, as informações apuradas sobre eventuais irregularidades eram repassadas à

37 Para obter informações um pouco mais detalhadas sobre as compras feitas, os fornecedores e os preços pagos, devia-se fazer um levantamento de dados no Diário Oficial.

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Secretaria de Estado à qual a unidade de despesa estava ligada e o envolvimento da Fazenda

terminava nesse momento.

O processo de execução orçamentária relatado acima não contemplava as operações

realizadas pela Administração Indireta. Neste caso, o envio dos recursos orçamentários pela

Fazenda para as inúmeras fundações e autarquias do Estado era feito por intermédio da

Coordenadoria das Entidades Descentralizadas (CED), órgão que também tinha seus próprios

computadores, desvinculados do setor financeiro e da contadoria. Como os órgãos da

administração indireta realizavam sua própria contabilidade e tinha sua própria auditoria, apenas

enviavam para a CED a prestação de contas em balancetes trimestrais, sem grandes

especificidades dos gastos que realizavam. Estes balancetes eram consolidados pela CED que os

repassava posteriormente à contadoria para serem incorporados ao Balanço do Estado.

Torna-se necessário destacar a baixa racionalidade administrativa e a ausência de

transparência que sustentava a operacionalização da execução orçamentária. Há que registrar,

principalmente, a autonomia que tinha cada setor da Fazenda. Cada um deles (finanças,

contadoria, auditoria e CED) estabelecia suas rotinas de acordo com suas prioridades e interesses,

o que facilitava o monopólio das informações. Não por acaso os sistemas informatizados

setoriais, que geravam bancos de dados em plataformas diferentes e possuíam estruturas

diferentes, eram incompatíveis um com os outros. Essa falta de integração entre os setores

tornou necessária a existência de 79 diferentes tipos de documentos para a formalização das

operações da execução orçamentária, e de inúmeros passos processuais de controle da legalidade.

Ademais, era pouca a importância dada à contabilidade pública, instrumento que poderia ser uma

importante fonte de informações estratégicas. A Contadoria Geral era formalmente um

departamento do setor financeiro (ver Organograma 1), mas atuava com autonomia e sua

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preocupação era a de elaborar os balancetes trimestrais e o Balanço Geral do Estado, dos quais se

podia extrair muitos dados, mas pouca informação. Por exemplo, as constantes mudanças nas

rotinas contábeis tornavam impossível elaborar séries históricas para efeitos de análise e apoio à

gestão. Por sua vez, o setor financeiro tinha o monopólio das informações sobre o fluxo de caixa

e grande poder discricionário sobre a liberação de recursos.

Com referência especificamente ao processo de compras, observemos que o

cumprimento de quase todos os princípios gerais da Lei 8.666/93 devia ser feito pela burocracia das

Secretarias de Estado. Apenas o controle da legalidade e da economicidade eram de

responsabilidade da Fazenda. Destes controles, apenas o primeiro era feito, pois para realizar o

segundo não existia organização nem ferramentas apropriadas. Portanto, é interessante tentar

entender por quê os sucessivos governos não implementaram uma política de reformas

administrativas que melhorasse os controles. Em princípio, não é razoável supor que os

governadores fossem complacentes com esse tipo de situação. Os recursos fiscais que se evadem

por meio da ineficiência e da corrupção diminui os recursos disponíveis pelo governo para seus

projetos.

Criar um sistema de controle da economicidade demandava à Fazenda, por um lado,

grandes custos operacionais, seja em funcionários, seja na infra-estrutura necessária. Por outro,

demandava custos políticos, isto é, qualquer mudança no modelo de processar o orçamento com

o objetivo de poder captar práticas oportunistas, requeria capacidades para lidar com interesses

burocráticos constituídos. Resistências a mudanças no status quo partiriam não apenas de agentes

sobre os quais reformas podiam incidir sobre oportunidades de corrupção, mas também por

agentes não dispostos a mudar rotinas às quais já estavam adaptados, ou ainda por agentes que

perderiam status devido à perda do monopólio de determinadas informações.

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No entanto, mesmo que essas questões fossem de alguma forma superadas pela

Fazenda, o arranjo institucional existente em São Paulo em grande medida inviabilizaria o

esforço. Esta questão pode ser entendida da seguinte forma: dentro da arquitetura

político/institucional do estado, o poder de um Secretário de Estado sobre sua pasta era quase

absoluto. A corrupção numa unidade de despesa só podia ser realizada por burocratas de carreira,

que entendiam o funcionamento da máquina administrativa (expertise organizacional), ou destes

em conluio com agentes do secretário que ocupavam cargos de confiança. Quando

eventualmente a Secretaria da Fazenda descobria indícios de corrupção numa unidade de despesa,

não tinha poder de intervenção, pois cabia apenas repassar a informação ao Secretario de Estado

correspondente. Dependia dele a apuração da denúncia.

Mesmo o fato de existir uma Corregedoria em São Paulo, era inócuo. Este órgão,

ligado à Secretaria de Administração, também era encarregado de apurar denúncias de corrupção.

No entanto, qualquer tentativa de apuração de alguma denúncia numa unidade de despesas era

considerada pelo Secretário de Estado como uma “desonra”, pois, como observamos, cabia a ele

a responsabilidade pela apuração de qualquer irregularidade na “sua” pasta. A Corregedoria fazia

uma intervenção de fato apenas quando o governador queria que o grupo político dominante na

secretaria “caísse em desgraça”. Ou seja, era um convite à renúncia do secretário. Esse era um

dos principais motivos pelos quais nas diferentes cúpulas políticas da Fazenda não existissem

incentivos para propor políticas de reformas que levassem a um melhor controle. Não era do

interesse da cúpula da Fazenda arcar com os custos administrativos, orçamentários e políticos

para ter apenas o papel de “informante”, sem ter o papel de “polícia”.

Desta forma, existia um arranjo de operacionalização da execução orçamentária que,

embora apresentasse problemas, não deixava que a máquina administrativa parasse por falta de

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insumos básicos para seu funcionamento. A descentralização operacional, enquanto não

faltassem os recursos orçamentários, não permitia que os processos de compras emperrassem em

procedimentos burocráticos. Existia um trade-off entre a necessidade de ser eficiente e obter

eficácia. E o sistema era eficaz enquanto se podia recorrer a déficits fiscais, que eram o resultado,

em grande medida, da própria carência de controle.

Se o arranjo institucional oferecia oportunidades para comportamentos oportunistas,

um importante fator veio a alterar a situação: o problema fiscal, que impediu continuar com a

política de déficits. O problema fiscal obrigava a obter ganhos em eficiência e minimizar as

oportunidades de corrupção nas contratações governamentais. Para isto já tinha sido criado um

marco institucional, mas era necessário enforcement para fazer cumprir seus preceitos. A lei

demandava por ganhos em racionalidade na forma de realizar a execução orçamentária, pois

ambicionava criar regras mais impessoais a serem seguidas e, principalmente, capacidade de

controle para exigir que essas regras realmente fossem cumpridas.

Grande parte dos procedimentos administrativos das licitações eram realizados pelas

unidades de despesas. Para o controle desses passos o legislador, como observamos acima, deu

grande ênfase aos controles sociais, ou seja, a possibilidade de controle por parte dos cidadãos.

No entanto, a suspeita de que apenas os controles sociais não bastavam, levou ao legislador a

exigir novos arranjos que incidiam diretamente nas estruturas fazendárias, mas que tinham

impacto sobre as unidades gastadoras.

Um grupo de exigências demandava, em São Paulo, uma mudança na própria forma

de processar a execução orçamentária, mudança esta que levasse a uma maior previsibilidade no

repasse de recursos, a saber: (a) que as compras fossem feitas apenas com a correspondente

provisão orçamentária; (b) que os pagamentos fossem feitos na data certa; (c) que esses

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pagamentos fossem acertados na ordem cronológica. Outro grupo eram regras que visavam dar

parâmetros de referências de preços com o intuito de tornar possível o controle da

economicidade. Estes, se bem factíveis de serem criados, eram de difícil implementação,

principalmente por uma questão de custos. Eram (d) à criação de um sistema de registro de

preços; e (e) à catalogação de produtos homogêneos para uma tentativa de padronização forçada.

Todas estas exigências não eram de aplicação automática, como os controles sociais. Havia que

criar condições para implementá-las38.

Concluindo, partimos da constatação que a contratação de bens e serviços é um das

ações do Estado que mais precisa de controle, dada a complexidade operacional e os altos valores

envolvidos. Em 1993, o legislador criou um novo marco institucional (a Lei 8.666/93) no qual

tentou limitar o poder discricionário dos agentes públicos e as oportunidades de

comportamentos oportunistas, por um lado, por meio de mecanismos que permitissem um maior

controle social, e por outro, através de uma regulamentação exaustiva dos processos.

As possibilidades de controle social criados foram importantes assim como foi

também importante o aumento de atribuições dadas pela lei aos controles externos,

principalmente nas grandes contratações. Não entanto, esses controles mostram-se insuficientes

para coibir os comportamentos oportunistas nas pequenas e medias contratações, pois estas têm

características particulares, ou seja, são realizadas em grande número e são extremamente

atomizadas, portanto, não despertam grandes atenções na mídia nem na sociedade em geral.

Neste tipo de contratações, é mais importante o controle dos processos, do tipo patrulha de polícia.

38 O principal problema quanto à criação de um sistema de registro de preços, de catalogação de produtos homogêneos e da formação de bancos de dados, era à inflação, que desatualizaria semanalmente os preços. No entanto, os efeitos distorcidos criados pela inflação poderiam ser contornados com atualizações de preços em curtos espaços de tempo. A inflação não inviabilizava o modelo de bancos de dados, mas o tornava muito caro.

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A regulamentação exaustiva a que foi alvo esse tipo de controle criou problemas de

aplicabilidade. Diferentemente dos controles sociais, os novos mecanismos processuais da Lei

8.666/93 não eram de aplicação automática, pois deviam ser implementados. Este problema foi

constatado no estudo de caso feito no processo de compras governamentais do Estado de São

Paulo, no qual, grande parte das demandas da lei não eram cumpridas. Isto se deveu ao fato de

que para implementar os mandados da lei era necessário criar capacidade para reorganizar a

estrutura interna dos aparelhos administrativos. Isto é, a lei obrigava a ganhos em racionalidade

administrativa.

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CAPÍTULO 3

O CONTROLE NA SECRETARIA DA FAZENDA

A utilização da TIC como ferramenta de apóio à criação de novas estruturas de

controle é um procedimento que ocorre, em maior ou menor grau, em muitos países desde o

começo da década de 1990. No Estado de São Paulo, até 1994, não havia sido implementada

praticamente nenhuma iniciativa neste sentido. O inicio da sua utilização aconteceu em 1995,

quando assumiu o poder estadual o partido comandado pelo ex-senador Mário Covas (PSDB)

após vencer as eleições de outubro de 1994. O objetivo era utilizar a potencialidade oferecida

pelos avanços da TIC para, entre outras coisas, aumentar a capacidade de controle, gestão e

coordenação do governo sobre a administração pública, que era extremamente deficiente.

A intenção deste capítulo é mostrar, em primeiro lugar, o contexto que levou a

implementação de políticas públicas visando o uso de sistemas de informação pelo governo

Covas. Em segundo lugar, devemos ter presente que o uso intensivo da TIC não se resume à

instalação de computadores de forma indiscriminada. Esse processo responde a determinados

conceitos que irão acompanhar o desenvolvimento das reformas administrativas e, inclusive,

influirão nelas de forma decisiva. Neste sentido, a seguir, tentaremos entender esses conceitos.

Finalmente, entendido o contexto e os conceitos associados à TIC, e tendo como foco a situação

descrita no capítulo anterior, isto é, a forma como se processavam as compras governamentais e

a execução orçamentária na Secretaria da Fazenda do Estado, mostraremos como determinada

forma de introdução dos referidos instrumentos informacionais permitiram obter ganhos em

racionalidade administrativa, menores custos e possibilidades de ganhos em expertise

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organizacional. E que esse processo começou a minimizar em alguns aspectos importantes a

assimetria informacional entre governo/burocracia.

O ESTADO DE SÃO PAULO

Em junho de 1995 visitei o ex-governador Mário Covas, no Palácio dos Bandeirantes.

Encontrei-o angustiado, aflito. ‘Seis meses de governo e até hoje não consegui entender

as contas que recebi’, repetia desesperado, com a sensação de que perdia tempo

mergulhado no caos, um emaranhado de papéis e números confusos, inconfiáveis,

anárquicos, herdados da administração Fleury39.

Em 1995, ao assumir o Governo do Estado o ex-senado Mario Covas, o quadro

econômico-financeiro apresentava-se extremamente grave devido, entre outros aspectos: (a) aos

altos déficits orçamentários (ver Tabela 1); (b) ao alto nível de endividamento público que

alcançava R$ 33,4 bilhões e representava à época o equivalente a 170% da arrecadação tributária

anual; (c) ao descontrole financeiro das empresas estatais, quase todas descapitalizadas; e (d) às

transformações no panorama econômico nacional, devidos aos juros altos que ancoraram o

recém implementado Plano Real e que aumentavam diariamente a já imensa dívida pública do

estado40.

39 Caldas, Suely. A Lei Fiscal faz a diferença. Jornal O Estado de São Paulo. Dia 30 de agosto de 2002, pág. A9. 40 Para uma visão abrangente do quadro econômico-financeiro do Estado de São Paulo e a situação das empresas estatais, ver “Relatório do Secretário”. Secretaria da Fazenda (1997). Disponível: http://www.fazenda.sp.gov.br/download/relatorio.asp

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A Tabela 1, referente à execução orçamentária do governo paulista entre os anos de

1987 a 1994, mostra que os déficits fiscais variaram entre 7,8% em 1987 a 25,6% em 1993. A

média anual nesses oito anos situou-se na casa dos 16%.

TABELA 1 Execução orçamentária do Estado de São Paulo (1987/1994)

(dados selecionados; valores em R$ milhões) 1987 1988 1989 1990 1991 1992 1993 1994

Total de Receitas 23.969 22.332 28.234 28.482 25.387 25.039 27.693 24.996

Total de despesas 25.834 25.542 30.849 33.858 28.452 29.958 34.772 30.429

Superávit/Déficit (1.864) (3.210) (2.616) (5.376) (3.065) (4.919) (7.089) (5.433)

Déficit em relação às Receitas totais

7.8 % 14.4 % 9.3 % 18.9 % 12.1 % 19.6 % 25.6 % 21.7 %

Fonte: Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo.

Durante esse período, a administração pública tinha sofrido uma expressiva

deterioração das condições operacionais e a conseqüente queda na sua efetividade (Falcão, 2002).

Um estudo feito pela FUNDAP (1995) analisa as conseqüências dessa deterioração em São

Paulo:

Observa-se a profusão de controles burocráticos e de atividades voltadas para a garantia

da sobrevivência dos órgãos e, portanto, dos empregos, assim como sua expansão [...]

Nesses casos, tendem a adotar uma orientação voltada às atividades-meio, sem um

enfoque nos objetivos a serem atingidos. À medida que perdem gradativamente o

contato com o ambiente exterior e voltam-se para a patologia interna, instala-se um

processo de ‘esquizofrenia organizacional’. Nesse momento, essas organizações tornam-

se autofágicas, consumindo grande parte de seus recursos – orçamento, tempo e energia

– exclusivamente para manter a própria sobrevivência (FUNDAP, 1995, p. 34).

Esse processo atingia sobremaneira as secretarias meio de governo (Fazenda,

Governo, Administração e Planejamento) em grande medida decorrente da luta constante por

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recursos e espaço de poder, agravada pelo conflito histórico do peso relativo que tinham as

diferentes forças políticas na composição dessas secretarias. Por exemplo, o relacionamento entre

a Fazenda e o Planejamento apresentava um padrão de permanente tensão, explicado também

pela própria natureza de suas respectivas funções: “Enquanto o Planejamento trabalha com as

perspectiva de longo prazo e de recursos ilimitados – posto que a demanda tende a ser infinita –

a Fazenda atua dentro de uma visão de curto prazo, centrada na escassez dos recursos

disponíveis” (op. cit., p. 38/39). Já a Secretaria da Administração, encarregada da gestão dos

recursos humanos e da informática, da administração de materiais e do patrimônio imobiliário,

tinha uma precária integração com os outros órgãos e padecia de baixa operacionalidade no

referente aos mecanismos de administração dos recursos. Em conseqüência, no conjunto da

administração, existia fragmentação de ações, falta de coordenação e impossibilidade de

sistematizar indicadores globais que tornassem possível a avaliação da execução orçamentária, do

alcance do impacto das políticas públicas implementadas, do controle da gestão e do controle das

contas públicas. A precariedade no fluxo de informações beneficiava o surgimento de situações

de favorecimento de interesses alheios ao Estado (op. cit., p. 37).

Ante essa situação, isto é, de altos déficits, alto endividamento e desorganização

administrativa, durante os primeiros meses do governo Covas, segundo descreve Neide Hahn

(1998), a ênfase do governo foi dada fundamentalmente à gestão cotidiana por meio de medidas

orientadas pragmaticamente a produzir alterações administrativas. Não houve ações concretas

para intervir nas dimensões institucionais rumo a uma mudança do Estado. "Havia urgência para

operar um aparato que se sabia desmantelado e gerir a administração da uma massa falida"

(Hahn, 1998, p.38). O déficit e a dívida do estado eram tão altos que impediam a alocação de

recursos para implementar qualquer projeto. Ou seja, a prioridade era o ajuste nas contas

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públicas, sem o qual não se conseguiria alcançar o mínimo de governança. Buscava o novo

governo, ante tudo, criar capacidade de coordenação e controle sobre as ações e os agentes do

Estado.

As referidas intervenções administrativas foram iniciativas dirigidas a mudar a

estrutura e procedimentos dos órgãos integrantes da área de coordenação do governo, as áreas

meio, através de um processo que tinha como objetivo centralizar o poder decisório e a posse da

informação. Nessa reforma, duas secretarias meio foram privilegiadas: a de Governo e a da

Fazenda. A Secretaria de Planejamento ficou reduzida a funções técnicas (elaboração do

orçamento e acompanhamento de sua execução)41, pois se retiraram as funções de “gestão

governamental”, que foram transferidas para a Secretaria de Governo. E a Secretaria de

Administração foi paulatinamente esvaziada em suas funções até sua extinção, em 1998. Ou seja,

quase todas as funções meio do governo ficaram centralizadas naquelas duas Secretarias de

Estado.

Para articular esse processo de centralização administrativa, montou-se um grupo

executivo de planejamento e gestão na Secretaria de Governo: a Unidade de Gestão Estratégica

(UGE), com o objetivo de coordenar as principais ações governamentais e implementar quatro

programas escolhidos como estratégicos para estabelecer uma reforma administrativa e que

correspondiam aos eixos centrais de intervenção sobre o conjunto da administração do estado42.

Os programas eram relativos a: (a) reforma institucional da administração, contendo diretrizes

para as principais alterações na organização e atuação do setor público; (b) valorização dos

recursos humanos; (c) parcerias, concessões e privatizações; e (d) concepção e implantação de

sistemas de informação. Ou seja, recursos humanos, reforma institucional, informação (e

41 A Secretaria de Planejamento também ficou encarregada de coordenar o Programa Estadual de Desestatização.

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comunicação) e parcerias constituíram as chamadas áreas estratégicas de intervenção do Governo

Covas43.

Dado o objetivo deste trabalho, nos deteremos apenas no Programa de Informação e

Comunicação. Tal programa tinha finalidades amplas, pois visava criar instrumentos, por meio da

tecnologia de informação, capazes de melhorar a gestão governamental, as possibilidades de

planejamento, as comunicações, o controle e a coordenação entre os agentes do governo. Além

disso, continha sub-projetos de alcance social, que resultaram, mais tarde, na instituição do

programa “Acessa São Paulo” e do “Poupatempo”, entre outros44. Ademais, contemplava

incentivar e fortalecer as iniciativas setoriais de informatização, como vermos no caso da

Secretaria da Fazenda.

Analisar o conjunto do programa, dado sua abrangência, nos faria perder o foco do

trabalho. Embora muitas das iniciativas fossem interligadas, devemos fazer dois recortes. Em

primeiro lugar, o campo de interesse são as iniciativas que incidiram na função controle

considerada em seu aspecto negativo, isto é, como sinônimo de fiscalizar, supervisionar, exercer

uma ação de controle sobre pessoas que realizam atos administrativos. E dentro deste aspecto,

para ter um fio condutor, nos concentraremos em entender o impacto do uso intensivo da

tecnologia nos controles sobre as compras e as contratações governamentais.

No entanto, como realçado na introdução do capítulo, o uso intensivo da TIC não é

apenas a introdução de computadores. Responde a determinados conceitos que serão

apresentados a seguir.

42 Ver o Decreto de criação da UGE no Anexo 1. 43 Uma análise desses programas e seus posteriores conseqüências, ver: Hahn, 1998. 44 O Programa “Acessa São Paulo” é um projeto de inclusão digital e o Poupatempo são postos que reúnem vários órgãos e empresas prestadoras de serviços de natureza pública num único espaço. Cf: http://www.saopaulo.sp.gov.br/home/index.htm

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A TECNOLOGIA DE COMUNICAÇÃO E INFORMAÇÃO

O uso de computadores pelos governos é um fato que ocorre desde a década de

1960. No entanto, esta tecnologia era usada de una forma muito limitada conceitualmente. A

informática era uma atividade separada dentro de uma repartição. Por isso, o uso de

computadores, primeiro os de grande porte, e depois, a partir da década de 1980, dos PC´s

(Personal Computers), tiveram um impacto limitado na arquitetura administrativa dos Estados. A

revolução associada à TIC45 no começo da década de 1990 mudou essa realidade. Apenas quando

se desenvolveram as redes de computadores conectados entre si e com capacidade de distribuir,

compartilhar e gerar informações em tempo real (on line), pode-se falar de um potencial para

importantes transformações na Administração Pública. Foi nessa época que começou a

implementação, por Estados e unidades sub-nacionais, de políticas públicas visando o uso de

sistemas informacionais com diversos objetivos e de modo integrado, tais como os de monitorar

as transações dentro do Estado, apoiar as tarefas de controle, de arrecadação tributária, de

tomada de decisões e de planejamento, e para uma tentativa de prestação de serviços ao cidadão

com mais eficiência, entre outras inúmeras funções.

Podemos considerar três grandes campos conceituais criados a partir do advento da

TIC: o que se refere: a) à prestação de serviços ao cidadão (e-administração); b) ao fomento à

extensão dos processos democráticos (e-democracia) e c) à dinamização dos processos internos e de

elaboração de políticas públicas (e-governança) (Grande et alii, 2000).

A e-administração se refere a um conjunto numeroso de atividades, realizadas

principalmente por meio da Internet, através do qual onde os cidadãos em geral, e os empresários

45 A expressão “Tecnologia da Informação e Comunicação” (TIC) designa um conjunto de recursos tecnológicos usado para produzir e disseminar informações. É um conjunto de ferramentas que permitem, por um lado, arquivar

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em particular, podem consultar, informar-se e realizar tramitações em tempo real com órgãos

governamentais. A e-democracia representa a incorporação de determinados mecanismos que

facilitem a participação do cidadão nos processos democráticos, tais como o acesso aos processos

legislativos, uma mais direta comunicação com os representantes eleitos por meio de meio

eletrônico e um melhor aceso à informação pública para a prestação de contas, entre outras. Por

fim, a e-governança consiste na utilização da TIC visando aumentar a capacidade de ação

governamental na implementação de políticas públicas, de gestão e de controle. Isto implica na

possibilidade de realizar ações orientadas a fortalecer a capacidade institucional, entre as quais, a

reestruturação organizativa, a desburocratização de normas e procedimentos e a capacidade de

controle sobre o andamento das ações governamentais. É neste último campo conceitual que nos

concentraremos.

Para uma melhor compreensão do assunto, devemos entender brevemente a

arquitetura interna das administrações públicas. Existem nas administrações públicas os

chamados sistemas administrativos (ou áreas meio) que são provedores de racionalidade (orçamento,

planejamento), de insumos reais (recursos humanos, financeiros e materiais) e de controle

(jurídico-administrativo e de auditoria-contábil). Este conjunto de atividades é o que permite que

as áreas fins, os chamados sistemas produtivos, atividades que geram produto público (segurança,

saúde, educação e inúmeras outras), possam cumprir suas funções, mas também que possam ser

controladas, ou seja, verificar se realmente cumprem as diretrizes traçadas pelos governantes.

(Farabollini & Pocoví, 2002, p. 23). Conseguir uma eficaz interação entre as áreas meio e as áreas

fins da Administração Pública sempre representou um desafio para os governos por causa, entre

outros motivos, da falta de fluidez nas comunicações, algo característico das grandes estruturas

e manipular textos, sons e imagens e, por outro, a comunicação. Podemos incluir entre estes recursos, o telefone

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burocráticas. As primeiras iniciativas de e-governança foram idealizadas para tentar resolver esse

problema. Tratou-se da implantação sistemas de informação funcionando em rede com o

objetivo de interligar as áreas meio entre elas e, ao mesmo tempo, estender braços informatizados

para as áreas fins.

Cabe aqui uma breve explicação sobre os sistemas de informação utilizados pelos

governos, pois importante para um entendimento posterior do seu impacto no redesenho dos

mecanismos de controle. Os sistemas administrativos estão normalmente apoiados em sistemas de

informação transversais, porque atravessam as diferentes jurisdições públicas, enquanto os sistemas

produtivos correspondem a sistemas de informação verticais, ou seja, restritos a uma repartição. Os

sistemas de informação transversais são importantes não apenas porque são utilizados

conjuntamente por muitos órgãos governamentais, mas também porque podem fornecer

informação global e estratégica para a tomada de decisões e o controle. Já os sistemas

informacionais verticais estão orientados, em maior medida, a atender a demanda direta de

serviços por parte da sociedade, isto é, para a e-administração (Farabollini & Pocoví, 2002, p. 24).

São de especial interesse para este trabalho os sistemas de informação transversais,

pois têm maior impacto nas áreas meio das administrações públicas. Existem diferentes soluções

que se valem desses sistemas, embora estas soluções mudem na medida que evolui o

conhecimento e o ferramental técnico disponível. Os principais utilizados pelos governos são

basicamente de três tipos: o Gerenciador Eletrônico de Documentos (GED/workflow), o Portal de

Compras e o Portal Corporativo (Santos, 2002).

O GED é uma tecnologia que permite armazenar, localizar e recuperar dados em

formato digital. Sua implantação torna possível a automatização de tarefas, de decisões e o

(fixo e celular), o fax, a televisão, as redes (de cabo ou fibra ótica), e principalmente, o computador.

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direcionamento de documentos nos diversos postos de trabalho. Se o GED permite organizar os

dados, o workflow permite conhecer o fluxo dos documentos, funcionando assim como aglutinador

das ações de cada uma das etapas do processo, isto é, pode-se ter um controle automático de

tarefas, eventos e prazos. Com o GED/workflow pode-se saber quem fez determinada parte de

um trabalho, em que ordem e sob quais condições. Informa também quais são as necessidades

para que a tramitação de um documento esteja completamente sistematizada (Santos, 2002, p.

13).

A idéia básica do Portal Corporativo é colocar, num único lugar (um portal), todas as

informações disponíveis da Administração, por exemplo, contratos, cadastros imobiliários, perfis

de funcionários, andamento de ações e obras, decisões, entre inúmera outras. Tem como

finalidade suportar o trabalho cotidiano da máquina pública e servir de instrumento para os

objetivos estratégicos do governo. Este tipo de portal utiliza normalmente aplicativos analíticos

para capturar informações armazenadas em bases de dados operacionais e no data warehouse

corporativo, fornecendo acesso às informações disponíveis em rede intranet46 (Santos, 2002, p.

14).

Os Portais de compras governamentais se constituem em diferentes soluções que, por

meio da tecnologia da informação, visam tornar mais eficiente e transparente o processo de

compras de bens e serviços pelos diferentes órgãos do Estado. Uma das soluções existentes

constitui-se o leilão eletrônico, que consiste em um pregão via Internet para negociações,

automáticas e abertas, entre os órgãos do Estado – os compradores – e os fornecedores do setor

privado.

46 Uma data warehouse é um conjunto de dados projetados para possibilitar tomadas de decisão e representa, além disso, uma visão das condições da organização num determinado momento. Com respeito à intranet, são redes de

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Os sistemas acima mencionados são modelos ideais e incide na sua implementação o

conhecimento tecnológico do momento assim como as condições operacionais e financeiras

disponíveis. Existem outros modelos, mas de acordo com literatura, os mencionados já são

suficientes para a compreensão do assunto47.

Finalmente, a importância dos sistemas de informação funcionando em rede refere-

se ao fato de que altera as relações entre informação e fatores físicos, ou seja, tem impacto

na distância, no tempo e na memória (Fountain, 2001, p. 24/6). Isso significa que a digitalização da

informação e sua transmissão por meio de redes permitem diminuir o problema da distância,

devido à facilidade de interligar órgãos públicos dispersos geograficamente, o que facilita a

integração das diversas especialidades desenvolvidas em diferentes repartições públicas e permite

trabalhar de forma integrada por meio de redes.

O impacto da TIC sobre o tempo é evidente. O fluxo de informações não tende mais

a seguir apenas a verticalização hierárquica de uma estrutura burocrática, pois a informação tende

a fluir de forma horizontal. A TIC permite reduzir tarefas de controle de processos devido a que

estas tarefas se automatizam. Isto é, se transfere para as novas tecnologias funções exercidas pela

força de trabalho humana. Este mecanismo pode fazer desaparecer controles que emperram o

andamento da administração. Da mesma forma, pode diminuir funções intermediárias dada a

maior facilidade permitida pelos sistemas para receber e transmitir a informação requerida seja

para a tomada de decisões, seja para executar as tarefas de controle, que agora podem ser

realizadas em tempo real, mesmo a distancia.

comunicação internas às corporações e aos governos. Uma corporação ou um governo pode disponibilizar (ou não) conteúdos da sua intranet na Internet. 47 Para uma descrição detalhada sobre sistemas de informação, ver: Kenneth Laudon & Jane Laudon: Essentials of Management Information Systems – Transforming Business and Management, Ed. Prentice Hall, 1999.

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Por fim, a memória, instrumentalizada em grandes bancos de dados, permite registrar,

consultar, atualizar e controlar as atividades diariamente. O compartilhamento de bancos de

dados permite tomar decisões amparadas em regras comuns, referendadas nas mesmas aplicações

de informática.

As alterações na relação entre informações e os fatores físicos possuem um impacto

muito forte nos custos da administração para obter e concentrar informações. A tecnologia pode

permitir que uma grande estrutura burocrática possa ter um desempenho administrativo

equivalente a um pequeno empreendimento comercial. É esta potencial redução dos custos que

proporcionou a possibilidade de viabilizar projetos de reforma administrativas que eram muito

caros e de difícil implementação.

Entendidos os principais conceitos associados à TIC, vejamos a seguir a reforma

administrativa realizada na Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo. O ponto de partida é a

situação descrita no capítulo anterior, e o ano fundamental, o de 1995. Descreveremos passo a

passo as iniciativas desse ano, embora de forma rápida, porque se tratou de um processo de

busca e implementação de novos conceitos de administração pública, com todas as tenções

implícitas a qualquer mudança nas relações de poder.

A INTERVENÇÃO

Em janeiro de 1995, o novo governador Mario Covas nomeou Secretario da Fazenda

o professor da Fundação Getulio Vargas, Yoshiaki Nakano, com a recomendação de iniciar um

processo de modernização da estrutura fazendária paulista. Pretendia-se realizar uma reforma que

criasse um novo modelo de contabilidade pública e de controles, mais estruturados e afinados

com as finanças. Um modelo do qual se conseguisse extrair informações substantivas para o

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planejamento e a tomada de decisões, tendo como base as diretrizes do Programa de Informação

e Comunicação.

Nakano tomou conhecimento nesses primeiros meses de governo que existia em

andamento uma tentativa de reformulação do setor tributário (a CAT) e que uma visita de

técnicos do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) era aguardada para o mês de abril.

O BID estava financiando programas de modernização de arrecadação tributária em países

Latino Americanos. A CAT, com uma organização melhor, mais bem estruturada e com

melhores quadros que os setores de contabilidade, auditoria e finanças, já havia iniciado a

elaboração de um projeto de reforma do setor tributário para ser apresentado ao BID. Nakano,

diante disso, ambicionando fazer avançar a Secretaria como um todo, e não apenas parte dela,

estimulou às outras áreas a elaborar projetos de modernização. No entanto, dada a histórica

dificuldade de lograr uma coordenação entre as burocracias dos setores financeiro (CAF),

contábil (CGE), auditoria (AUDI) e das Entidades Descentralizadas (CED), Nakano contratou

nesses primeiros meses de 1995 a Walter Soboll, engenheiro de fora dos quadros da Fazenda,

com o cargo formal de diretor da CED. Informalmente, tornou-se coordenador do projeto de

modernização pretendido pelo Secretário.

Soboll, num primeiro momento, conseguiu reunir um grupo de funcionários com o

propósito de coletar informações, trocar experiências e, por fim, tentar elaborar um projeto para

ser apresentado ao BID. A expertise dos funcionários era fundamental para entender o

funcionamento da máquina administrativa48. O grupo chegou ao consenso de que era

impreterível iniciar uma informatização maciça. Avaliou-se que se devia avançar na procura de

48 Os funcionários que encamparam rapidamente o projeto de modernização pretendido por Nakano e Soboll foram principalmente do setor de contadoria que trabalhavam na sede central da Fazenda. Entre eles, o mais importante foi

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um modelo informatizado que melhorasse o fluxo de informações da execução orçamentária e

torna-se o processo mais transparente e operacional que o existente. Portanto, o primeiro passo

era implementar um sistema único para todos setores que funcionasse em rede. Os desafios a

enfrentar eram: (a) como compatibilizar as tarefas dos vários setores, que atuavam de forma

muito autônoma; e (b) encontrar um sistema informatizado que suportasse a magnitude do

movimento contábil/financeiro de um Estado como o de São Paulo.

Ao mês seguinte, abril de 1995, não existia um projeto elaborado quando chegou a

missão do BID, preparatória de uma outra reunião, mais abrangente, que ocorreria no mês de

maio em Washington. Embora mais voltada à questão tributária, a discussão girou em torno de

diferentes modelos de tecnologia disponíveis e sobre novos modelos de contabilidade pública. O

BID insistiu na necessidade de apresentar um projeto para o mês de maio, na reunião em

Washington.

No entanto, a missão do BID a São Paulo e a possibilidade de lograr financiamentos

externos para modernizar as velhas estruturas fazendárias estaduais, repercutiu em outros

estados, cujos dirigentes começaram a pressionar o Governo Federal com a intenção de

participar dos futuros empreendimentos. Era uma época na qual os novos governadores

chegaram ao poder com o discurso da modernização, das reengenharias e da redução do Estado.

Nesse contexto, o Governo Federal, que tinha uma articulação muito mais direta com o BID que

o governo paulista, percebeu a importância de aproveitar o momento e passou a centralizar a

articulação. Desta forma, na reunião em Washington de maio, a agenda esteve mais voltada à

elaboração de um projeto abrangente, para todos os estados da federação, e que deu como

resultado, embora um ano e meio mais tarde, ao Programa Nacional de Modernização das

um diretor da contadoria chamado Nelson Machado, que anos mais tarde se tornaria Ministro de Planejamento do

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Administrações Fiscais dos Estados Brasileiros (PNAFE). Por esse motivo, o projeto paulista

deveria entrar em compasso de espera em vista da articulação do Governo Federal com o BID.

Entretanto, a coordenação da Fazenda paulista tinha ciência que esse processo poderia demorar

muito tempo, como realmente aconteceu, e existiam fortes pressões do governador Covas no

sentido de avançar a procura de um sistema informatizado, pois o governador ressentia-se da

pouca informação que podia extrair das atividades realizadas pela Secretaria da Fazenda. Covas,

que tinha sido Senador da República, utilizara freqüentemente no Congresso Nacional um

sistema informatizado de execução orçamentária da Fazenda Federal, chamado SIAFI (Sistema

de Administração Financeira do Governo Federal) e queria a replicação desse sistema em São

Paulo.

Outra pressão externa, no sentido de que a Fazenda melhorasse o fluxo de

informações, veio nesse mês, maio de 1995, do Tribunal de Contas do Estado, que manifestou

sua preocupação com as deficiências do controle das contas públicas paulista. O Tribunal

também reclamava da falta de qualidade das informações e pressionava no sentido de criar

mecanismos que melhorassem a fluidez de dados. O TCE, ciente das relações entre o Tribunal de

Contas da União (TCU) e a Secretaria Federal de Controle (SFC), que compartilhavam com

deputados e senadores os dados do SIAFI, assim como o governador também pediu a replicação

do sistema em São Paulo.

Em junho de 1995, o grupo de Soboll analisou, junto com técnicos do SERPRO -

gerenciador do SIAFI - a possibilidade do sistema ser implementado em São Paulo. No entanto,

o SERPRO apresentou-lhes um outro sistema que alegava ser mais funcional para as

Governo de Luis Inácio Lula da Silva.

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características fazendárias dos governos sub-nacionais, chamado SIAFEM (Sistema de

Administração Financeiro para Estados e Municípios).

Nessa época, como observamos, o Governo Federal trabalhava com o SIAFI,

sistema informatizado instituído em 1987, no período da gestão Dilson Funaro como Ministro da

Fazenda e de Andrea Calabi como diretor do Tesouro. Embora inicialmente a função do SIAFI

era controlar o caixa, tinha com o tempo evoluído para bases mais abrangentes de informação.

Alguns anos mais tarde, o SERPRO elaborou o SIAFEM, sistema que era uma evolução do

SIAFI para ser utilizado por Estados e Municípios. A iniciativa de sua construção derivou de uma

visão da Fazenda Federal que remontava dos anos 60, que consistia na montagem de um sistema

de contabilidade pública articulado nacionalmente. A visão, no período militar, era o de criar uma

contabilidade para todo o setor estatal, incluído estados e municípios, que permitisse fazer a

junção, integração e conservação das contas públicas. Em 1995, estavam começando a aparecer

os instrumentos apropriados, mas já não existiam as condições políticas. Entretanto, existia a

convicção no SERPRO de que o SIAFEM poderia ajudar aos estados e municípios a modernizar

suas estruturas fazendárias. Apesar dos esforços do SERPRO em vender seu produto, até junho

de 1995, só tinha sido implantado de fato no Distrito Federal.

O SIAFEM continha parte dos pressupostos pretendidos pelo grupo paulista como,

por exemplo, que os dados sobre a execução orçamentária entrassem no sistema no local e no

momento em que tais dados eram gerados, e isso era fundamental para não ter trabalho de re-

digitação, como existia até esse momento por causa da incompatibilidade entre os computadores

dos diferentes setores da Fazenda. Em segundo lugar, era um sistema que integrava a

contabilidade propriamente dita à execução orçamentária e aos controles financeiros. Essa

condição não era comum à época. Em terceiro, tinha um sistema de transações que permitia

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efetuar pagamentos, ou creditar o pagamento dentro da conta do fornecedor, por meio do

modelo de conta única. Por fim, permitia a emissão de documentos de forma eletrônica. Em

síntese, o SIAFEM era uma solução próxima do sistema transversal GED, pois permitia

armazenar, localizar e recuperar dados em formato digital os documentos utilizados para a

execução orçamentária. Por outro lado, encontraram disposição de ajuda técnica do SERPRO,

que tinha interesse em implantá-lo, pois São Paulo representaria uma imensa vitrine.

Durante a análise da viabilidade de implantação do sistema, o grupo de Soboll

percebeu que a principal dificuldade a enfrentar era convencer os diferentes setores da Fazenda a

abandonar suas rotinas e seus sistemas informatizados particulares para trabalhar em um sistema

único, que operasse em rede. Estudos prévios indicaram que com a entrada em funcionamento

de um sistema como o SIAFEM podia-se obter expressivos ganhos em racionalidade no modelo

de execução orçamentária, mas, para atingir esse objetivo, era necessária uma brusca mudança na

execução do ciclo orçamentário do Estado, com conseqüências organizacionais. Nestas

mudanças, muitos setores burocráticos perderiam prerrogativas, portanto, estava sujeita a

incertezas e eventuais boicotes. Além disso, a entrada em funcionamento do novo sistema não

levaria a uma mudança incremental, fato este que permitiria ir acertando os possíveis desajustes e

falhas de forma paulatina. Era uma transformação sem chances de volta. Mas, era também uma

corrida contra o tempo porque o governador Covas já estava se tornando impaciente com a

indefinição da Fazenda. Assim, Nakano e Soboll tomaram a decisão política de implantar o

SIAFEM “na marra”. Ou seja, decidiram desmontar da noite para o dia um modelo que

tecnicamente funcionava, embora fosse ineficiente, e implantar outro totalmente novo,

desconhecido, e passando por cima de qualquer resistência político/burocrática.

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Em 15 de novembro de 1995, em uma reunião com todo o secretariado no Palácio

dos Bandeirantes, o governador Mário Covas tornou a implantação do SIAFEM/SP uma política

do Governo do Estado49, obrigando a todas as Secretarias, e mais tarde a toda a administração

indireta, com exceção das universidades e da FAPESP, a cumprir as demandas requeridas pela

Fazenda necessárias para a consecução do empreendimento. O novo sistema devia entrar em

funcionamento no inicio do próximo ano fiscal, dia 02 de janeiro de 1996, ou seja, em menos de

50 dias.

A implantação do SIAFEM/SP em tão curto espaço de tempo foi possível em

grande medida devido à existência de uma empresa estadual: a Companhia de Processamento de

Dados do Estado de São Paulo (PRODESP) que estava comprometida com o Programa de

Informatização e Comunicação do Governo Covas.

A PRODESP é uma empresa do governo do Estado de São Paulo criada em 1969

para iniciar o processo de informatização da administração pública, principalmente para o

processamento da folha de pagamento e o lançamento de tributos. O alto custo dos

equipamentos obrigou ao governo da época a criar um centro único, que atendesse as

necessidades de todo o Estado. Com o correr do tempo, os serviços da empresa tornaram-se

caros e morosos. Isto, junto à disseminação dos micros na década de 80, levou a um esgotamento

desse modelo centralizado, fato este que levou ao Conselho Estadual de Informática (CONEI),

em 1991, a outorgar autonomia aos órgãos estaduais para desenvolver seus próprios sistemas

(FUNDAP, 1995, p. 28). No entanto, as novas tecnologias que estavam surgindo, principalmente

as relacionadas as redes informacionais transversais, que dependiam da montagem de redes intranet

49 Em 21/12/95 foi promulgado o Decreto 40.566 que dispunha sobre a implantação no estado de São Paulo do Sistema Integrado de Administração Financeira para Estados e Municípios – SIAFEM/SP.

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LAN e WAN e servidores50 muito potentes para o armazenamento de grande quantidade de dados,

fez recuperar a PRODESP um papel relevante na administração paulista.

A eventual alternativa de contratação de uma empresa privada para montar e operar

o sistema apresentava alguns entraves. Em primeiro lugar, requeria uma licitação pública,

processo este que era demorado. Em segundo, os serviços da PRODESP eram caros, mas, por

ser do próprio governo (vinculada à Secretaria de Governo) podia ser contornada uma eventual

falta de recursos orçamentários. E finalmente, a empresa detinha parte do equipamento para

bancar o projeto. A PRODESP tomou como prioritário a implantação do SIAFEM/SP. Este

rodaria num sistema chamado natural adabas que os técnicos da empresa já conheciam.

Tecnicamente tinham, portanto, o embasamento da tecnologia de informação. O software era do

SERPRO, cujos técnicos não tiveram grandes dificuldades em trabalhar em parceria com a

PRODESP. O sistema começou a rodar em 02 de janeiro de 1996.

O SIAFEM/SP embora com alguns defeitos iniciais era uma realidade quando

retornaram os técnicos do BID para continuar as discussões sobre o processo de modernização e

o futuro sistema informacional “a instalar”. Este, no entanto, já estava funcionando.

A NOVA ORGANIZAÇÃO

O SIAFEM/SP foi concebido como um sistema informacional transversal para

operacionalizar e armazenar toda a informação da execução orçamentária e financeira do Estado.

Funcionava como um modelo GED, pois permitiu localizar e recuperar dados no formato digital

50 Local Area Network (LAN) é uma rede local que conecta vários computadores e outros dispositivos numa área definida, que pode ser uma sala, um departamento, um andar ou um prédio. Wide Area Network (WAN) é uma rede de longa distância de comunicação que cobre áreas geograficamente extensas como um estado, um país ou um continente. Um servidor é um computador que armazena, centraliza e distribui arquivos, serviços de correio eletrônico, redes de impressão, etc. Sua capacidade vai de um micro a um supercomputador.

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durante todo o ciclo operacional de maneira controlada, constituindo-se, também, num enorme

banco de dados. Por sua vez, o workflow, que foi incorporado mais tarde, permitiu que se

conhecesse o fluxo dos processos, funcionando assim como aglutinador das ações de cada uma

das etapas. Entretanto, o mais importante a destacar é que o advento do SIAFEM/SP mudou a

lógica da execução orçamentária do Estado, principalmente porque seu funcionamento requeria

que essa execução estivesse integrada ao orçamento.

Entendamos os primeiros impactos do SIAFEM/SP nos diferentes setores da

Fazenda. Fisicamente, se eliminaram os sistemas computadorizados que utilizava cada setor para

operacionalizar suas rotinas. Todos passaram a usar um sistema único que operava em rede.

Inclusive foram colocados terminais nas mais de 700 unidades de despesa do estado. Cada

terminal tinha condições de emitir documentos.

Lembremos como era feita a movimentação financeira. As unidades de despesas

realizavam os gastos e, nos primeiros dias de cada mês, um agente da unidade comunicava-se

com o setor financeiro da sede central da SEFAZ informando a quantidade de recursos que

precisava para cobrir as despesas feitas. O setor financeiro enviava de forma imediata os recursos

para cobrir gastos em funções essenciais e o restante os enviava na medida que recebia recursos

da CAT. Quando a liberação de recursos se atrasava, os pagamentos eram protelados, e as novas

compras suspensas.

Com o SIAFEM/SP, o setor financeiro passou a informar diariamente às unidades

de despesas, por meio dos terminais, os recursos orçamentários da unidade, os disponíveis e os

de disponibilidade próxima. Portanto, começou a existir um conhecimento quase diário em cada

unidade de quanto e quando podia gastar. Com a disponibilidade dos saldos orçamentários em

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tempo real, os gastos podiam ser feitos com os recursos previamente alocados. Esta era uma

exigência da Lei 8.666/93 (art. 14) que começou, desta forma, a ser cumprida.

Uma vez feito o gasto, os agentes das unidades de despesas passaram a emitir os

documentos necessários à operação pelo próprio terminal, de forma eletrônica, e os dados eram

transmitidos em rede diretamente ao sistema central. Com esses dados, o setor financeiro tomava

conhecimento do valor da transação, da data de pagamento e do fornecedor. A seguir, conferia se

tudo estava em ordem, e então, na data certa, depositava o valor diretamente na conta do

fornecedor.

A implantação do SIAFEM/SP, em primeiro lugar, obrigou ao setor financeiro a

instituir uma dinâmica que requeria maior previsibilidade na liberação dos recursos orçamentários,

embora isto tenha ocorrido de forma paulatina, pois foi necessário algum tempo de adaptação.

Essa previsibilidade levou a que os fornecedores do Estado recebessem em dia. Mesmo nos casos

de eventuais atrasos, o sistema permitiu catalogar, por ordem cronológica, quem devia receber

primeiro. Com estas previdências começaram a ser cumprida, em fim, as exigências do artigo 5º

da Lei 8.666/93. Em segundo lugar, permitiu uma centralização financeira. Dado que os recursos

deixaram de ser repassados às unidades de despesas, o fornecedor começou a receber

diretamente da central da Fazenda51 por meio de depósito em conta sua corrente. Assim,

eliminaram-se inúmeras contas bancárias que geravam milhares de transferências entre as contas

das unidades com o tesouro estadual, para trabalhar com um sistema de conta única. Isto

simplificou o controle, pois se eliminaram inúmeros controles processuais sobre a movimentação

financeira do estado. E em terceiro lugar, o setor financeiro perdeu certas prerrogativas, como o

do monopólio das informações sobre o fluxo de caixa. Esta informação tornou-se disponível

51 Com exceção dos recursos para os chamados “gastos miúdos”, ou seja, até R$ 1.000,0.

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para qualquer pessoa que tivesse acesso à rede. Isto começou a melhorar de forma substantiva a

transparência.

Quanto à contabilização das operações, observamos que o registro processual era

feito por aproximadamente 500 contadores nos 21 escritórios seccionais de contadoria. Como

este trabalho passou a ser feito nas próprias unidades de despesas, por meio de terminais ligados

diretamente ao computador central, foi possível eliminar todos esses escritórios e reduzir para

apenas 50 os contadores necessários para realizar a escrituração contábil. Por outro lado, a

unificação das operações dos setores em um único sistema permitiu reduzir os 79 documentos

necessários para operacionalizar a execução orçamentária, para apenas 7. Assim, eliminou-se o

trabalho de 100 funcionários que re-digitavam dados52.

Finalmente, recorreu-se a um re-arranjo organizacional para poder compartilhar o

novo modelo de execução orçamentária com as necessidades de controle, o que será visto no

próximo capítulo. Foi então criada a Coordenadoria Estadual de Controle Interno (CECI)53.

Ficaram subordinadas à CECI o novo Departamento de Controle Interno (DCI) - que resultou

da fusão do setor de Auditoria (AUDI) com a Coordenadoria das Entidades Descentralizadas

(CED) - e a contadoria (CGE), órgão que estava subordinado ao setor financeiro (CAF)54.

52 Esses funcionários foram paulatinamente absorvidos pela nova estrutura, por meio de um processo de reciclagem. O novo sistema precisava de funcionários para tarefas envolvendo orientação, controle e investigação de procedimentos relacionados à execução do gasto público. Para entender essas novas funções, ver Soboll (1998) e Machado (1998). 53 A CECI foi criada por meio do Decreto 41.312 de 13 de novembro de 1996. 54 Mais tarde foi criado o Departamento de Compras e Contratações (DCC), ligado ao CECI, para assumir o controle das compras governamentais.

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Organograma 4 Estrutura organizacional da

Secretaria da Fazenda (1996/2000)

CAF: Coordenadoria de Administração Financeira; CECI: Coordenadoria Estadual de Controle Interno; CGE: Contadoria Geral do Estado; DCI: Departamento de Controle Interno.

Observe-se que, dentro da perspectiva organizacional que o uso da TIC

proporcionou, a criação da CECI não foi apenas uma união de setores, mas uma profunda

mudança, pois as 37 diretorias que possuíam os três antigos órgãos foram reduzidas para 13 na

CECI55. Isto é, 25 diretorias foram extintas.

A RELAÇÃO ENTRE INFORMAÇÃO E FATORES FÍSICOS

O SIAFEM/SP é um sistema de informação que sustenta um sistema administrativo,

ou seja, um sistema gerador de insumos utilizados por todos os órgãos do estado. Este tipo de

sistema afeta a relação entre informação e fatores físicos, ou seja, entre a informação e o tempo, a

memória e a distância. Este processo tem um impacto real nos custos administrativos, pois permite,

entre outros aspectos, mecanizar funções exercidas pela força de trabalho humana e diminuir

sensivelmente o custo das comunicações. Observemos que esse impacto é direto e deriva do

próprio avanço tecnológico.

55 Para uma visão abrangente dessa mudança organizacional, ver Soboll, 1998.

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No entanto, é importante destacar que se bem a tecnologia facilita, acelera e melhora

os processos, dificilmente os determina. Automatizar tarefas administrativas sem analisar seus

objetivos e as necessidades de informação para o governante pode resultar apenas numa

mecanização do modelo administrativo existente que, embora leve a menores custos

administrativos, pode não ser muito relevante para minimizar o problema de assimetria de

informação. Em outras palavras, se um órgão está sustentado num modelo processual caótico, a

informatização pode apenas reproduzir de forma mecânica esse caos.

O aspecto mais importante, e que tem impacto não apenas na redução dos custos de

obter informações, mas também pela possibilidade de obter ganhos em expertise organizacional,

refere-se ao fato de que a TIC pode levar a ganhos em racionalidade administrativa. Mas aqui já

não estamos tratando de uma questão puramente técnica ou administrativa. Esta questão

depende de decisão e habilidade política.

Devemos levar em conta que a tecnologia é apenas uma ferramenta. Sua

incorporação não depende apenas de recursos e de conhecimento técnico. Existe a necessidade

de superar obstáculos normativos, de particulares arranjos institucionais, de resistências

burocráticas e dos problemas que se originam de complexos fatores que mudam com o tempo.

Por exemplo, na década de 1980, o advento da tecnologia dos PCs, pequenos,

baratos e relativamente fáceis de usar, permitiu o desenvolvimento de sistemas particulares que se

desenharam e implantaram para responder a necessidades imediatas de cada repartição pública.

Esse processo, embora foi um avanço à época, permitiu a proliferação de programas e arquivos

eletrônicos individuais para atender a demandas específicas, sem a preocupação com o

compartilhamento de informações. Também, teve como conseqüência impossibilitar que as

organizações tivessem uma visão global de seus próprios dados e informações. Esse modelo não

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melhorou os problemas da informação protegida pelo sigilo burocrático. Pelo contrário, criou um

entrave na implantação das novas tecnologias que estavam surgindo na década de 1990,

principalmente as relacionadas as redes informacionais transversais, tecnologias estas que respondem a

uma lógica diferente. Contrariamente à base tecnológica que impulsionou o advento dos PCs, são

sistemas que tem potencial para atuar como eixos integradores da organização e que podem ter

alto de impacto na obtenção de ganhos em racionalidade e transformação da administração

pública. No entanto, dificilmente esse processo possa ser realizado com chances de êxito

adaptando a tecnologia ao modelo organizacional. Requer em grande medida o caminho inverso,

isto é, que a organização seja adaptada as potencialidades da nova tecnologia. E neste ponto, o

impacto tecnológico afeta o exercício do poder numa organização, pois nesse re-arranjo haverá

ganhadores e perdedores. Frente a essa situação, no caso paulista, houve habilidade política nos

propulsores das mudanças em recrutar funcionários, que ganharam – em status, ou com

promoções - com a reforma. A expertise, tanto técnica quanto organizacional desse grupo foi

imprescindível para levar adiante a reforma que acompanhou a entrada em funcionamento do

SIAFEM/SP e a posterior modernização do sistema.

Foi essa habilidade política que permitiu realizar mudanças administrativas que

levaram a ganhos em racionalidade. Com a melhora no fluxo de dados, pelo impacto da

tecnologia nos fatores físicos, foi possível uma re-organização processual e organizacional que

permitiu diminuir controles redundantes sobre a escrituração contábil. A conseqüência foi a

extinção dos 21 escritórios seccionais da contadoria, das 21 diretorias respectivas, das tarefas que

realizavam 450 contadores e de toda a infra-estrutura de suporte. Da mesma forma, o impacto da

tecnologia nos fatores físicos, eliminou a necessidade de re-digitar dados de um setor para outro,

a diminuição de controles financeiros e facilitou a obtenção de dados para a consolidação das

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contas públicas na contadoria, entre outros aspectos. Este processo de ganhos em racionalidade

permitiu uma diminuição lenta e gradual do número de funcionários ao longo dos anos que se

seguiram à implantação do SIAFEM/SP. Observemos essa evolução na tabela 2:

TABELA 2 Número de funcionários da Secretaria da Fazenda (1994/2001)

Ano 1994 1995 1996 1997 2000 2001

Funcionários 10.334 9.735 9.076 8.834 8.377 8.210

100 94,2 87,8 85,5 81,0 79,1 Fonte: Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo.

No ano de 2001, a Fazenda operava com 21% funcionários menos que em 199456.

No prédio da Secretaria da Fazenda, andares inteiros ficaram vazios. O que antes era um labirinto

de salas separadas por divisórias, com funcionários compartindo espaços reduzidos com imensos

amontoados de pastas com processos, deu lugar a amplas salas, airadas, com funcionários

esparsos espacialmente. A diminuição de funcionários não respondeu a questões ideológicas, mas

primeiro à mecanização, e depois, a ganhos em racionalidade administrativa. Esses ganhos em

racionalidade referem-se, especialmente, à integração num único sistema do orçamento com a

execução orçamentária, fato que obrigou ao setor financeiro a instituir uma dinâmica que requeria

previsibilidade na liberação dos recursos e maior transparência sobre a o fluxo de caixa. Esta

diminuição de poder discricionário permitiu o cumprimento de demandas requeridas pela Lei

8.666/93.

Os ganhos em racionalidade levam a ganhos em expertise organizacional. Apenas para

citar um exemplo, no antigo sistema, eram necessários 79 documentos para a execução

orçamentária e, portanto, muita informação sobre a função de cada documento e seu respectivo

56 Na Secretaria da Fazenda são muito poucos os cargos de confiança, ou seja, funcionários não-concursados passíveis de serem dispensados numa troca de governo. A redução de funcionários deu-se por meio de programas de demissão voluntária ou aposentadorias.

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caminho burocrático. Com o processo de racionalização, foram reduzidos para 7. Isto se deveu a

que se eliminaram controles processuais e documentos redundantes. Se isto já foi um avanço em

matéria de conhecimento organizacional, a implantação do workflow permitiu ainda a possibilidade

de conhecer exatamente o caminho de cada documento e sua situação num determinado

momento.

Em síntese, a mecanização e a melhora no fluxo de dados com a introdução dos

sistemas teve um impacto nos fatores físicos e, em conseqüência, melhoras nos custos de obter

informações. Não entanto, isto, por si só, não resolve o problema da necessidade de obter

ganhos em expertise organizacional. Para isto, a mecanização deve vir acompanhada de uma re-

arranjo organizacional que leve a ganhos em racionalidade administrativa. Este processo, além de

melhorar mais ainda o problema da obtenção de informação, produz ganhos em expertise

organizacional.

Modernizar a estrutura fazendária dentro de um legado de baixo desempenho e

pouca cooperação significou promover um conjunto de mudanças institucionais visando

transformações nas formas de controle e gestão entre as diversas partes do sistema burocrático.

No entanto, como observamos, reformas administrativas envolvem elevados esforços para

transformar as regras do jogo. Os atores propulsores de mudanças57 se constituíram no epicentro

de um conjunto de pressões internas e externas à Fazenda. Transitar entre essas pressões

produziu resultados sub-ótimos, caso do SIAFEM/SP, um sistema baseado em uma tecnologia

que já era bastante obsoleta em 1995, e que mais tarde requereu esforços adicionais para ser

57 O principal propulsor das mudanças na Fazenda paulista, como observamos, foi Walter Soboll, engenheiro que não era dos quadros da Secretaria. No entanto, foi o diretor Nelson Machado quem deu “credibilidade” ao trabalho de Soboll, isto é, conseguiu que suas iniciativas fossem aceitas pela burocracia. O mérito e, principalmente, a habilidade política para implementar essa importante reforma, deve ser atribuída a ambos.

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modernizado. No entanto, o SIAFEM/SP permitiu “queimar os navios”, ou seja, criou uma

situação sem retorno.

Para efeitos de controle, o SIAFEM/SP era basicamente um imenso banco de dados.

A tecnologia tinha começado a fazer seu papel, mas dificilmente, por si mesma, resolve

problemas substantivos com relação ao controle. Havia que transformar esses dados em

informação, e a seguir, a informação em conhecimento, ou seja, informação valiosa à mente

humana, que inclui reflexão, síntese e contexto. Se a mecanização e os ganhos em racionalidade

permitiram reduzir os custos de obter informações e ganhos em expertise organizacional, é com

conhecimento institucionalizado com o qual se obtêm expertise técnica. E o que desenvolveremos

nos próximos dois capítulos.

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CAPÍTULO 4

OS ARRANJOS DE CONTROLE

Neste capítulo será dado seqüência as reformas administrativas da Secretaria da

Fazenda do Estado de São Paulo. O objetivo é mostrar, em primeiro lugar, o processo de

transformação de dados em informação, principalmente por meio da implantação de novos

sistemas gerenciais e de apóio. Em segundo, a transformação de informação em conhecimento, e

como este processo permitiu a criação de arranjos de controles mais eficientes. Finalmente, será

dada ênfase à questão organizacional do Controle Interno.

O DEPARTAMENTO DE CONTROLE INTERNO

Em outubro de 1996, o BID aprovou um empréstimo de U$ 500 milhões ao Brasil

em apoio à modernização fiscal dos estados dentro do projeto PNAFE (Programa Nacional de

Modernização das Administrações Fiscais dos Estados Brasileiros). Tal aporte de recursos foi

revertido para investimentos dirigidos à instrumentalização das gestões tributária e financeira das

secretarias estaduais de fazenda. Os investimentos abrangeram as categorias de consultoria,

capacitação, recursos de informática, equipamentos de apoio e infra-estrutura física, e

contemplou apoio a projetos de modernização nas áreas tributárias para todos os Estados. Além

disso, o PNAFE financiou dez projetos voltados para a modernização da administração

financeira, entre eles o de São Paulo58.

58 O PNAFE, vinculado à Fazenda Federal, atua como órgão normatizador e coordenador do ponto de vista do conteúdo, das normas, da avaliação e da prestação de contas dos recursos repassados pelo BID a cada estado por meio do agente financeiro, a Caixa Econômica Federal.

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Enquanto o programa federal estava sendo gestado, em São Paulo se trabalhava na

criação e implantação do SIAFEM/SP. No momento que o PNAFE finalmente foi criado, a

Fazenda paulista apresentou dois projetos para serem financiados pelo BID: o Programa de

Modernização da Coordenadoria de Arrecadação Tributária (PROMOCAT) e o Programa de

Modernização do Controle Interno e da Administração Financeira (PROMOCIAF). Os fundos

do BID para São Paulo foram de aproximadamente U$60,0 milhões que representaram,

contando a contrapartida do Governo do Estado, um valor em torno de U$120,0 milhões por

quatro anos. A metade foi para o PROMOCIAF e a outra metade para o PROMOCAT.

A entrada no programa do Governo Federal/BID por meio do PROMOCIAF

resolveu em grande medida a questão dos recursos que a Fazenda paulista precisava, entre outras

coisas, para contratar técnicos de fora dos quadros do governo, pagar os serviços da PRODESP,

reformular a Escola Fazendária e realizar vários outros sub-projetos (visando a modernização da

estrutura fazendária), alguns dos quais veremos mais adiante.

Com o problema do financiamento do programa minimizado, o próximo passo na

reforma foi o de construir uma estrutura de controle apoiada no SIAFEM/SP, pois as

possibilidades de domínio da informação que o sistema oferecia eram ainda inexploradas. Pela

primeira vez podia-se ter o “conjunto” dos dados, ou seja, econômicos, financeiros e

orçamentários disponíveis em tempo real. Mas havia necessidade de se criar arranjos com

capacidade de transformar os dados disponíveis no SIAFEM/SP em informação útil ao controle.

A idéia que substanciou a criação da Coordenadoria Estadual de Controle Interno

(CECI) foi a de que a contabilidade e a auditoria (assim como o órgão de controle sobre as

entidades descentralizadas) formassem parte de um único sistema de Controle Interno, portanto,

ligadas ao mesmo comando. Como o novo sistema contábil estava rodando num modelo único,

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não era mais necessário, por exemplo, ter auditores para fiscalizar os contadores. Desta forma, a

auditoria, agora fazendo parte do Departamento de Controle Interno (DCI), estava liberado para

funções mais substantivas de controle.

Por meio do SIAFEM/SP, o DCI tinha condições de observar praticamente em

tempo real toda a movimentação orçamentária do Estado. No entanto, esse controle referia-se

ainda a informação contábil/financeira. Existiam dados disponíveis sobre o montante que se

gastava, mas ainda não se sabia “como” se estava gastando. Não existia capacidade para

compreender os gastos públicos como um todo, ou seja, verificar se esses gastos estavam

atingindo as políticas para os quais foram efetivamente alocados nem para verificar sua eficiência.

Para tornar isto possível foi necessário criar novas ferramentas informacionais e desenvolver uma

inteligência que estabelecesse um elo entre a contabilidade financeira e o resultado. Neste sentido,

tentemos entender o papel do Departamento de Controle Interno (DCI), órgão dependente da

CECI, para enfatizar a importância da transformação de dados em informação.

O DCI foi constituído por um diretor, um gabinete do diretor e sete Centros de

Controle Interno (CCIs). Estes centros tinham a função de realizar fiscalizações externas59.

59 Grande parte dos contadores que faziam a escrituração contábil nos extintos escritórios seccionais da contadoria passaram a fazer parte deste CCIs.

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Organograma 5 Organização do Departamento de Controle Interno (DCI)

Obs: CCI 1, 2 .. Centro de Controle Interno 1, 2...

O gabinete do Diretor do DCI, ademais de realizar as funções administrativas

correspondentes, passou a atuar como uma “inteligência”, isto é, como uma “construtora” de

informações. Um corpo de técnicos foi desenhando modelos de análise e grande quantidade de

testes visando utilizar os dados extraídos do SIAFEM/SP e sus módulos (os quais veremos mais

adiante) com o objetivo de criar metodologias, procedimentos de análise e geração de

indicadores, em outras palavras, instrumentos que permitissem perceber com rapidez diversos

problemas dentro da instituição. Com o tempo, as ferramentas criadas permitiram a identificação

rápida de erros processuais e pontos precisos para fiscalização60. Uma das principais foi o sistema

chamado Controle Interno Gerencial (CIGER).

O CIGER é um programa de apóio ao processo de auditoria em todas as suas fases,

ou seja, disponibiliza, evidencia e avalia o produto das fiscalizações e sua implementação teve

impacto na relação entre informação e fatores físicos, ou seja, reduziu significativamente o tempo

para fechamento do processo de auditoria; reduziu o trâmite em papel; permitiu guardar em

bancos de dados, de rápida recuperação, os registros e eventos de fiscalizações, entre inúmeros

60 Para uma descrição detalhada, ver Neto & Roth (1998).

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outros aspectos. Mas também sua implementação levou a ganhos em racionalidade no processo

de auditoria. Isto se deveu a que o CIGER permitiu: a implantação de uma linguagem uniforme;

a padronização de eventos por gravidade, dos procedimentos de controle e dos relatórios; e

metodologias e trilhas de busca de irregularidades61. Esse processo de racionalização tornou

possível que até 70% das fiscalizações fossem feitas na própria central da Fazenda, isto é, sem

deslocamentos até o local onde tinha ocorrido os atos administrativos, porque o CIGER baixou

sensivelmente os custos de obter informações. Da mesma forma, permitiu que as auditorias

externas fossem mais precisas, pois eram previamente municiadas de informações provenientes

do gabinete do Diretor. Isto porque começou a existir um melhor conhecimento da forma como

os processos funcionavam e, portanto, de como controlar esses processos.

OS SISTEMAS

A criação de outro grupo de ferramentas visando transformar os dados do

SIAFEM/SP em informação foi coordenado pelo gabinete da Coordenadoria da CECI. O

resultado foi a implementação, entre outros, de dois grandes sistemas: o Sistema Integrado de

Informações Físico-Financeiras (SIAFÍSICO) e o Sistema de Informações Gerenciais da

Execução Orçamentária (SIGEO). Entendamos suas utilidades.

O SIAFEM/SP era um excelente instrumento como sistema transacional e para

acompanhar a evolução dos documentos necessários a execução orçamentária. Mas, como banco

de dados, era um modelo padrão, homogeneizado. Com os instrumentos que o sistema oferecia

ate esse momento, para efeitos de controle, era possível saber rapidamente, por exemplo, quanto

o estado gastou em remédios e comparar o gasto de um ano com o outro ou comparar os gasto

61 Para entender como funciona o sistema, ver Holanda, Vitor (2002) Controladoria Governamental no Contexto do Governo

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entre unidades hospitalares, mas não se conseguia saber os preços máximos, mínimos ou médios

praticados em um determinado período de tempo ou em uma determinada unidade hospitalar,

nem tampouco efetuar uma comparações entre eles. Tampouco era possível comparar os preços

pagos pelo estado com os preços de mercado. (Machado, 2000, p.169).

Com o tempo, a medida que os técnicos começaram a entender melhor o sistema,

surgiu a possibilidade de desenvolver produtos específicos para resolver esses problemas. E a

oportunidade veio novamente por meio do Governo Federal.

A Secretaria da Receita Federal, em conjunto com o SERPRO, estava finalizando a

elaboração de um sistema de informação chamado Sistema de Administração Geral (SIAGEM)

onde imaginava processar todas as variáveis possíveis de serem reduzidas ao formato de dados

digitais de um sistema de administração. Isto significa que comportaria módulos de organização

de imóveis, de materiais, de estoque, de compras, e outras variáveis envolvendo bens e serviços.

Por exemplo, no módulo de organização de imóveis constariam as informações de todos os

prédios governamentais com suas respectivas medidas, salas e equipamentos de tal forma que, se

solicitado um contrato de limpeza, por meio de uma checagem no SIAGEM, se poderia saber

com exatidão os metros quadrados e demais equipamentos do lugar.

Os dirigentes da CECI, que estavam mais livres das travas orçamentárias, dados os

recursos do PROMOCIAF, conheceram o sistema. Perceberam que era um projeto muito

abrangente. Não era um sistema integrado, como o SIAFEM/SP, onde as informações das

diversas variáveis eram mais ou menos homogêneas, portanto, passíveis de serem trabalhadas em

conjunto. No entanto, um dos módulos do SIAGEM despertou interesse para a Fazenda paulista

Eletrônico. Tese apresentada ao Departamento de Contabilidade da FEA/USP.

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e imaginou-se que podia ser adaptado para operar como um módulo acoplado ao SIAFEM/SP.

Era o que continha o cadastro de materiais e fornecedores.

Os técnicos da Fazenda conceituaram o módulo em questão. Em termos

informacionais, seria um banco de dados com informações detalhadas das compras e

contratações governamentais, com especificações dos produtos e da documentação dos

fornecedores. Com um banco de dados desse tipo poder-se-ia elaborar ferramentas, por exemplo,

para catalogar com detalhes as compras e comparar os preços pagos pelos diversos órgãos do

Estado em produtos e serviços.

O projeto deu como resultado a constituição pelo governo paulista, em conjunto

com o SERPRO e a PRODESP, do Sistema Integrado de Informações Físico-Financeiras

(SIAFÍSICO), formado por um banco de preços: o de materiais e serviços (CADMAT), e outro

de fornecedores (CADFOR). Esta era uma demanda do artigo 15 da Lei de Licitações e

Contratos (8.666/93) que desta forma começou a ser cumprida.

A legislação estadual estabelecia que a competência para definir o cadastro de

fornecedores e os tipos de materiais que deveriam ser comprados pelo Estado, era da Secretaria

da Administração. Entretanto, como esta Secretaria estava na face final de esvaziamento de

funções – sua extinção aconteceu pouco depois - transferiram-se essas funções para a Fazenda62.

O decreto de transferência estabelecia que a iniciativa para a criação do novo módulo do

SIAFEM/SP correspondia à necessidade: (a) de uniformizar procedimentos relativamente ao Cadastro

de Fornecedores do Estado; (b) de padronizar a descrição de materiais e serviços controlados pelo

Estado; (c) de identificar e integrar os órgãos que se relacionavam com procedimentos de licitação e

contratação de fornecimentos, serviços e obras; (d) de obter dados físicos que possibilitassem

62 Decreto 42.604, de 09/12/97.

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identificar preços praticados pelo Estado, variações de preços existentes entre regiões e, ainda, obter

indicadores que servissem para o desenvolvimento de um sistema de custos públicos. Isto é,

instrumentos que facilitassem o controle e a gestão governamental.

Como toda compra ou contratação de serviço feita pelo estado é necessariamente

contabilizada no SIAFEM/SP, o CADMAT retira esses dados do sistema e os classifica em

grupos, classes, materiais ou serviços, utilizando a metodologia do Federal Supply Classification,

cadastro utilizado internacionalmente. Em outras palavras, o CADMAT permitiu que as unidades

físicas constantes dos históricos dos lançamentos contábeis sejam recuperadas e transformadas

em informação. Isto abriu a possibilidade de criar valores de referência dos produtos comprados

pelas repartições do estado, instrumento que deu parâmetros para comparação aos auditores do

Departamento de Controle Interno e melhores informações sobre os gastos das unidades de

despesas. Criou-se assim potencial para poder barrar notas de empenho fora desses parâmetros.

No entanto, esse potencial não foi utilizado, pois a Fazenda ainda não tinha, de fato, poder para

barrar compras. Ainda se limitava a repassar a informação ao Secretário correspondente ou a

Corregedoria. Mas, por outro lado, o CADMAT permitiu avançar no cumprimento de outra das

demandas da Lei 8.666/93: a tentativa inicial de padronização de produtos.

Por sua vez, a criação do CADFOR tornou possível consultar rapidamente a

habilitação dos fornecedores do Estado. Do mesmo modo, facilitou ao fornecedor. Isto porque,

na fase de habilitação e qualificação de um processo de licitação, se exige que os participantes

estejam ao dia em suas obrigações junto ao fisco e previdência. Essas informações, geralmente na

forma de certidões, são originárias de inúmeras corporações ou órgãos da administração pública.

Assim, a o objetivo do CADFOR era o de constituir um banco de dados e, de preferência, estar

integrado ao outros bancos para facilitar o processo e diminuir a quantidade de documentos a

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112

serem autenticados, reduzindo assim os custos de transação dos fornecedores do estado (Soboll

& Queiroga, 2000, p. 05).

Paralelamente ao desenvolvimento do SIAFISICO, a direção da CECI decidiu

encarar um problema com o SIAFEM/SP: a complexidade de manuseio e acesso. Para entender

melhor. O SIAFEM/SP significou um salto tecnológico no dia-a-dia dos funcionários públicos

responsáveis pela execução orçamentária e financeira e pelo Controle Interno. Isso porque a

escrituração contábil passou a ser realizada em rede. No entanto, como operava em “grande

porte” gerava problemas de manuseio, pois o acesso aos dados neste estado (grande porte) são

difíceis para os usuários leigos. Em termos de informática, faltava ao sistema o conceito de

usabilidade, isto é, a capacidade de facilitar o acesso dos usuários aos dados e informações

institucionais por meio da facilidade de uso63. Para introduzir, encontrar ou recuperar dados era

preciso conhecer uma série de códigos correspondentes, por exemplo, a itens, gastos e

departamentos. Isto é, o SIAFEM/SP não possuía instrumentos que “facilitassem” a obtenção

dos dados e informações desejadas. Por causa disso, os procedimentos ou consultas dependiam

de inúmeros comandos. Embora o sistema operacional fosse eficiente para alimentar o fluxo de

receitas e despesas do Estado, era muito trabalhoso, por exemplo, extrair informações gerenciais

de análise. Ademais, a pouca acessibilidade do SIAFEM/SP dificultava um dos seus principais

objetivos, que era o de dar maior transparência aos gastos públicos, pois se tornara apenas

acessível a especialistas.

63 O conceito usabilidade foi definido na norma ISO/IEC 9126 como “um conjunto de atributos de software relacionado ao esforço necessário para seu uso e para o julgamento individual de tal uso por determinado conjunto de usuários”. Mais tarde, o conceito de usabilidade evoluiu e foi redefinido na norma ISSO 9241-11 Guidelines on Usability como “a capacidade de um produto ser usado por usuários específicos para atingir objetivos específicos com eficácia, eficiência e satisfação em um contexto específico de uso.” (Diaz, 2001)

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Dado esse problema, os responsáveis pelo PROMOCIAF assinaram um contrato, no

final de 1997, com a PRODESP para desenvolver um programa que tornasse mais fácil o acesso

ao SIAFEM/SP e, ao mesmo tempo, que facilitasse a extração instrumentos gerencias. O

resultado foi a instituição do Sistema de Informações Gerenciais da Execução Orçamentária

(SIGEO).

O SIGEO é um programa que extrai dados do SIAFEM/SP e os apresenta de uma

forma mais simples. O usuário dispõe do Software Discoverer. Esta é uma ferramenta idealizada

para extrair informações de bancos de dados e trabalha em ambiente cliente-servidor, na

plataforma Windows (familiar aos usuários de computadores) com apresentação gráfica. Com o

SIGEO se dispensa a consulta direta ao computador de grande porte (mainframe).

O SIAGEO forneceu, paulatinamente, inúmeros instrumentos gerencias de análise

das contas públicas. Nesse sistema é possível a combinação de diversas dimensões dos saldos

contáveis: institucional, funcional, programática, fonte de recursos, tempo e classificação

econômica (receita e despesa), operações que eram muito complicadas de realizar diretamente no

SIAFEM/SP (Neto & Roth, 1998, p. 96). Os dados brutos obtidos do SIAFEM/SP e do

SIAFISICO podiam ser processados por meio do SIGEO, do qual se obtinham informações

operacionais que permitiram acompanhar em tempo real todo o processo de gasto público. Ou

seja, o SIGEO permitiu em grande medida transformar dados em informação. Por outro lado,

permitiu a qualquer usuário do sistema, e não apenas a especialistas, obter dados e informações

sobre o andamento da execução orçamentária, o que possibilitou uma maior transparência. Neste

sentido, o governo instalou terminais do SIGEO na Assembléia Legislativa – nos gabinetes dos

deputados e na biblioteca para o público em geral - no Tribunal de Contas e no Ministério

Público. Assim, pela primeira vez, a sociedade, seus representantes e os órgãos de Controle

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Externo do Executivo tiveram a possibilidade de acompanhar o andamento da execução

orçamentária do governo do Estado de São Paulo64.

Em síntese, o SIAFISICO e o SIGEO são sistemas que se tornaram viáveis pela

existência do SIAFEM/SP e se constituíram em importantes ferramentas de apóio à gestão e ao

controle. Mas ainda faltava uma etapa.

A FALTA DE CONTROLE NA PONTA DO SISTEMA

Que melhorias trouxeram até esse momento os novos instrumentos informacionais

que possibilitassem o fortalecimento dos Controles Internos? Lembremos que até 1994, o

controle limitava-se a uma mera análise processual. Respeitadas as normas e procedimentos

burocráticos estabelecidos, a operação de despesa era efetuada, independentemente de seu custo

ou utilidade.

O SIAFEM/SP permitiu uma mudança que simplificou os processos administrativos

e os controles burocráticos. Ademais, integrou as informações do setor financeiro com a

contabilidade e o Controle Interno. Com o advento do SIAFÍSICO, a Fazenda passou a ter

noção dos preços pagos pelos diferentes órgãos do Estado que permitiriam criar parâmetros de

preços comparativos e controle sobre fornecedores. A modelagem dos dados do SIAFEM/SP no

SIGEO permitiu trabalhar esses dados em um linguagem relativamente simples e criar

instrumentos gerenciais dos quais se podiam extrair informação dos dados do SIAFEM/SP. Isto,

mais o fato de ser um sistema bastante aberto, deu mais inteligibilidade e transparência à

execução orçamentária paulista. Os Controles Externos, e em alguma medida a sociedade em

geral, já tinham acesso direto e em tempo real às contas públicas. Em síntese, os sistemas

64 Para um entendimento mais detalhado do funcionamento do SIGEO, ver Ferraz, Marcelo (2004).

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promoveram menores custos, maior racionalidade administrativa e, conseqüentemente, um

ganho em matéria de controle.

No entanto, no sentido de cumprir os princípios estabelecidos pela Lei 8.666/93, o

controle que esses sistemas ofereciam ainda estava aquém do necessário. Se por um lado

melhoraram os controles sobre os critérios de eficiência e transparência nas contratações

governamentais, por outro, não alcançavam os critérios de isonomia, impessoalidade e

julgamento objetivo, critérios que ainda dependiam dos agentes das unidades de despesas.

Tampouco a Secretaria da Fazenda tinha poder para que se respeitassem os preços de referência

dados pelo SIAFISICO, especialmente nas fundações e autarquias. Muitas etapas dos processos

de contratações feitas nas unidades de despesas escapavam ao seu controle, nas quais eram

freqüentemente constatados indícios de irregularidades. Por exemplo, eram surpreendentemente

grande as transações negociadas sob a modalidade de inexigíveis (contratar sob o rótulo de

“urgência” ou “fornecedor único”, por exemplo). Também, notava-se a freqüente a presença de

cartéis nos processos de compras. Faltava um arranjo que tirasse poder discricionário dos agentes

públicos das unidades de despesas nos itens isonomia, impessoalidade e julgamento objetivo. Da

mesma forma, mesmo com todos os avanços conseguidos em matéria de racionalização e

controle com a introdução dos sistemas, acreditava-se que ainda havia margem para a diminuição

dos custos operacionais. Ou seja, já existia informação suficiente sobre o processo de compras,

mas faltava conhecimento para quebrar esse arranjo.

Foi nesse contexto, para tentar limitar a margem de discricionalidade dos agentes e

diminuir os custos administrativos, que se levantou a possibilidade de implementar um portal de

eletrônico de compras para produtos e serviços comoditizaveis. Para isto, era necessário realizar estudos

de viabilidade.

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OS ESTUDOS DE VIABILIDADE PARA UM PORTAL DE COMPRAS

A iniciativa de instaurar um sistema eletrônico de compras foi um processo que se

agregou lentamente, na medida em que diversos estudos eram realizados e maior conhecimento

era adquirido. Já existia a integração do orçamento, da contabilidade, do caixa e bancos de dados

de materiais, fornecedores e preços. O processo de ganhos em racionalidade administrativa com

o advento do SIAFEM/SP e o posterior desenvolvimento de instrumentos de gestão, criaram as

condições instrumentais para pensar em um salto de qualidade, que era o de passar do registro

eletrônico para negociações de forma eletrônica.

As compras governamentais em materiais representavam um valor expressivo do

orçamento do estado. Observemos a Tabela 3.

TABELA 3 Gastos com materiais/Governo do Estado de São Paulo (2000/2003)

ANO ADMINISTRAÇÃO DIRETA

ADMINISTRAÇÃO INDIRETA

TOTAL

2000 764.789.178,89 192.211.992,98 957.001.171,87

2001 728.711.432,02 213.000.249,19 941.711.681,21

2002 952.862.074,35 251.888.448,10 1.204.750.522,45

2003 1.170.911.538,99 265.711.914,41 1.436.623.453,40 Fonte: Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo (2004).

Realizar as operações de compras de materiais por meio de um sistema eletrônico

teria algumas limitações, impostas pela Lei 8.666/93. O sistema poderia ser utilizado apenas nas

modalidades dispensa e convite, isto é, nas compras até R$ 80,0 mil. Essas modalidades

representavam aproximadamente 26% do total de gasto em materiais, ou seja, R$ 250,0 milhões

tendo como referência o ano de 2000. Existia ainda a possibilidade de incluir no sistema alguns

serviços contratados a valores inferiores de R$ 80,0 mil que poderiam ser comoditizaveis, por

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exemplo, alguns contratos de serviços terceirizados e passagens aéreas, elevando o potencial, no

ano 2000, para aproximadamente R$ 345,0 milhões (36%). No entanto, existia outro fator

importante para ser levado em conta. Os gastos até R$ 80,0 mil em materiais, embora fossem

apenas 26% do total dos gastos, representavam 80% do total de contratações, ou seja, eram um

imenso volume de processos muito onerosos para o estado. Eram, em realidade, quase 70 mil

processos anuais.

No ano de 1999, estudos realizados a partir de dados recolhidos do SIAFISICO e do

SIGEO revelaram determinadas características de como se processavam as compras nas unidades

de despesas. Isto é, os volumes adquiridos, a freqüência, a dispersão de preços, análises

estatísticas e, principalmente, a identificação dos materiais que eram comodities nas compras do

governo. A partir desses estudos foi possível padronizar as principais mercadorias e elaborar uma

padronização específica de editais e contratos para as diferentes modalidades de licitação65.

Dado o conhecimento produzido por esses estudos, no mês de março de 2000, os

técnicos da Fazenda já tinham o sistema básico especificado para a implantação de um sistema de

eletrônico de compras. Entre abril e junho trabalharam no desenvolvimento do programa junto

com técnicos da PRODESP, e no final de setembro o sistema eletrônico de compras começou a

operar de forma experimental na modalidade dispensa de licitação, que corresponde até o limite

de R$ 8,0 mil66.

65 Para entender os estudos realizados para a implementação da BEC, ver: Soboll & Queiroga, 2000, e Queiroga, 2004. 66 A BEC foi instituída legalmente por meio do Decreto 45.085, de 31 de julho de 2000. Tal Decreto também oficializou a criação do Departamento de Controle de Contratações (DCC) como parte da estrutura organizacional da Coordenadoria Estadual de Controle Interno (CECI) da Secretaria da Fazenda.

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O PORTAL DE COMPRAS

A Bolsa Eletrônica de Compras (BEC/SP), programa financiado pelo

PROMOCIAF, consiste em um pregão via internet que permite negociações automáticas entre

órgãos do Governo do Estado – os compradores – e seus fornecedores do setor privado. Mas

ocorre tratar-se de um leilão "às avessas", pois o vencedor é aquele que oferece o menor preço. O

sistema funciona de seguinte maneira: quando uma unidade de despesa do Governo do Estado

precisa realizar alguma compra para seu dia-a-dia (sobretudo materiais de consumo

administrativos), elabora o edital especificando os itens necessários e o envia de forma eletrônica

à Secretaria da Fazenda. O edital é padronizado. A Secretaria, após verificar e reservar a dotação

orçamentária correspondente no SIAFEM/SP libera uma oferta de Compra que gera de forma

automática um e-mail com a cópia do edital. Este e-mail é enviado para todos os fornecedores

cadastrados no CADFOR que comercializem os produtos especificados.

Na data e horário estabelecido no edital, os fornecedores fazem suas ofertas também

via e-mail. O tempo do pregão eletrônico é de aproximadamente duas horas. Ganha quem

oferece a melhor oferta. Não entanto, para que o leilão tenha validade, a melhor oferta deve ser

menor ou igual a um preço de referência pré-estabelecido pelo governo, retirado do Cadastro de

Materiais (CADMAT)67. Este valor referencial não é visualizado pelos fornecedores durante o

leilão, o que dificulta a formação de cartéis ou combinação prévia de preços.

Quando a cotação eletrônica é encerrada, o vencedor é comunicado por meio de um

Boleto Eletrônico de Negociação. Ao mesmo tempo são publicados, no site da BEC-SP, o

resultado, com informações sobre quem vendeu e a que preço, dados estes que ficam à

67 Em 2002 o Cadastro de Materiais (CADMAT) comportava 74 grupos de materiais e 9 grupos de serviços; 498 classes de materiais e 106 classes de serviços; 10.473 materiais e 566 serviços e; 79.819 itens de materiais e 3.602 itens de serviços.

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disposição de qualquer cidadão na Internet. Todo esse processo é monitorado pela Bolsa de

Valores de São Paulo (BOVESPA), que acompanha os pregões e as operações do sistema para

permitir maior transparência aos negócios. O processo se encerra quando o fornecedor entregar

os materiais e o banco estadual Nossa Caixa informar à BOVESPA a liquidação financeira do

negócio, com o crédito do pagamento na conta corrente do fornecedor. Toda a operação dura de

cinco a oito dias e é contabilizada no SIAFEM/SP no momento em que termina o leilão.

Um ano mais tarde foi incluída nos negócios realizada por meio da BEC a

modalidade “convite”, referente a compras até o limite de R$ 80 mil. Na Tabela 4 podemos

conferir os negócios feitos por meio da BEC nos seus primeiros anos de funcionamento.

TABELA 4 Negócios feitos pela BEC. Período: 2000/4 (valores em R$)

ANO 2000 2001 2002 2003 2004* TOTAL Quantidade de Negócios

151 5.338 10.361 21.040 22.536 59.426

Valores Negociados

373.076 13.317.494 40.741.350 106.579.729 91.287.181 252.298.832

* Até o mês de outubro Fonte: Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo

Nos primeiros anos de funcionamento, a BEC ficou aquém do seu potencial. No ano

de 2003 foi utilizado 28% do seu potencial, considerando apenas as compras de materiais. Isto se

deveu a uma serie de problemas. Em primeiro lugar, pela resistência dos agentes das unidades de

despesas encarregados de realizar compras, os quais eram funcionários das diversas Secretarias de

Estado, e que não eram obrigados a usar a BEC. No Decreto 45.085 que instituía a BEC no

Estado estava estipulado que se deveria usar preferentemente a BEC e não obrigatoriamente. Alem

disso, não utilizavam o leilão eletrônico as fundações e autarquias. Em segundo lugar, houve

problemas com a padronização de produtos, que também enfrentou resistências dos agentes das

unidades de despesas, normalmente habituados a comprar de determinadas marcas e/ou

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fornecedores. A Fazenda teve que detalhar, praticamente produto por produto, as características

mais universais. Por esse motivo, foi inserindo produtos paulatinamente, começando pelos itens

mais comuns, ou seja, das áreas de papelaria, escritório e suprimento de informática. Em 2002,

dos 80.000 produtos catalogados no SIAFISICO - embora muitos destes eram os mesmos, mas

de formatos diferentes - 6.500, os mais comuns, estavam padronizados. Em terceiro lugar, com os

empresários. Por um lado, pela falta de participação de empresários, que não estavam habituados

a vender ao estado. Por outro, pela falta de experiência em lidar com um tipo de transação via

Internet. A Fazenda procurou-se aumentar a base de fornecedores enviando e-mail para

fabricantes, distribuidores, inclusive fazendo convênios com associações, na tentativa de alargar a

base de convidados (Soboll & Queiroga, 2000, p. 07). E em quarto lugar, com a entrada em

funcionamento do “pregão presencial”, em novembro de 2002, disposto por Lei Federal68. Nesta

modalidade, que abarca qualquer tipo de licitação, os representantes das empresas interessadas

ficam presentes à sessão pública e formulam lance verbalmente, na presença dos demais

concorrentes. Embora a entrada em funcionamento do “pregão” foi um avanço importantíssimo

em todo o país na contratação de bens por órgãos públicos, em São Paulo, para compras

inferiores a R$ 80,0 mil tornou-se concorrente da BEC69.

Estudos realizados mostram que a BEC trouxe para o Governo do Estado ganhos

em relação aos custos administrativos e aos preços pagos. Um trabalho feito por Florencia Ferrer

(2004) analisou os custos administrativos do governo na realização de licitações públicas, tanto

68 O Pregão Presencial foi regulamentado pela Lei Federal nº 10.520 de 17 de julho de 2002. 69 Existem vantagens da BEC sobre o pregão presencial nas compras até R$ 80,0 mil. Entre elas, evita o deslocamento do empresário até o local do pregão. Este fato aumenta o número de concorrentes. É mais transparente, pois permite o acompanhamento em tempo real pela Internet. E a Fazenda pode exercer um controle mais direto, impondo o respeito aos preços de referência, entre outros aspectos.

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pelo processo tradicional quanto pela BEC70. Para o processo tradicional, na modalidade convite,

o estudo chegou a um custo administrativo de R$ 5.437,30 por processo, e para as compras na

modalidade dispensada, o custo alcançou R$ 1.237,10 por processo. Considerando as duas

modalidades, a média ponderada pelo processo tradicional atingiu R$ 1.708,12. Pela BEC, os

custo do processo administrativo na modalidade convite foi de $ 1.488,80 e pela modalidade

dispensa, R$ 561,50, o que resulta uma média ponderada de R$ 844,86 por processo ponderado.

TABELA 5 Custo administrativo das licitações PROCESSO

TRADICIONAL PELA BEC

Dispensa 5.437,30 1.488,80 Convite 1.237,10 561,50

Média Ponderada 1.708,12 844,86 Fonte: Ferrer, 2004.

A redução média dos custos administrativos nas compras feitas por meio da BEC foi

de R$ 863,26. Considerando que desde sua implantação foram feitas 59.426 compras pela BEC, a

redução dos custos administrativos situaram-se na casa dos R$ 51,0 milhões.

Com relação aos preços pagos, a Secretaria da Fazenda atualiza semanalmente, por

meio de instrumentos gerenciais que utilizam o SIAFISICO como fonte de dados, os preços

comoditizados pagos nas compras de produtos, tanto as feitas pela BEC quanto pelo modelo

tradicional de licitação. Desses valores constrói uma média que chama: Valor Referencial (VR).

Quando lança um leilão de compras pela BEC, considera esse VR o valor que o Governo espera

pagar como preço máximo. Observemos, na Tabela 6, a diferença entre os preços que o governo

esperava pagar, levando em conta o VR, e os preços realmente pagos.

70 Para entender a metodologia utilizada nesse estudo, ver Ferrer, Florência (2004)

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TABELA 6 Resumo das operações do BEC. Período 2000/4. Valores em R$.

ANO VALOR REFERENCIAL

TOTAL (A)

VALOR NEGOCIADO TOTAL (B)

(A-B)

PERCENTUAL

2000 466.946 373.076 93.870 20% 2001 16.853.921 13.317.494 3.536.426 21% 2002 50.589.859 40.741.350 9.848.509 19% 2003 146.141.133 106.579.729 39.561.404 27% 2004* 121.660.428 91.287.181 30.373.246 25% Total 335.712.287 252.298.832 83.413.454 25%

* Até o mês de outubro de 2004 Fonte: Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo.

No período acima relacionado, nas compras feitas pela BEC, houve uma redução dos

preços pagos da ordem de 25,0%, o que representou uma economia de R$ 83,4 milhões no

período operativo da bolsa. Observe-se que a comparação de preços pagos dentro e fora do

ambiente da BEC – neste último entre 20% e 25% mais caros - é um indicio de ineficiência e/ou

corrupção. Neste sentido, as resistências à utilização da Bolsa Eletrônica obrigaram ao

governador do Estado a tornar obrigatória sua utilização em 2004 por meio do decreto estadual

nº. 48.471 para todas as compras públicas nas modalidades dispensa e convite, passíveis de serem

comoditizaveis.

Existem pelo menos três motivos que explicam os menores preços pagos pelo estado

nas compras feitas por meio da BEC, comparado com as compras feitas pelo modelo tradicional

de licitação: (a) a redução dos custos administrativos para o empresário; (b) a maior participação

de empresas; e (3) a diminuição das possibilidades de corrupção.

Para o fornecedor, a BEC reduziu, por um lado, os custos de obter informações,

porque estas são obtidas pela Internet. Ademais reduziu os custos das tramitações burocráticas,

porque também são feitas pela Internet. Um estudo de Ferrer (2004) aponta que o custo médio

da participação das empresas nas licitações do Estado de São Paulo em 2003, pelo processo

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tradicional, era de R$ 74,30 na modalidade convite e R$ 9,61 na modalidade dispensa. Enquanto

na BEC, o custo para o empresário na modalidade dispensa era de R$ 5,48 e no convite de R$

4,33. Isto significa uma diminuição nos custos para o empresário de R$ 69,97 no convite e R$

4,13 na dispensa. Essa redução nos custos de transação incentivou a participação de empresários,

principalmente porque abriu a possibilidade de se incorporarem pequenos e médios fornecedores

que não tinham condições de arcar com os custos operacionais. Neste sentido, em 2003, a média

de fornecedores que fizeram propostas de compras pela BEC foi de 9 para a modalidade convite

e 8 para a dispensa de licitação, enquanto no processo tradicional foi de 5. Finalmente, a

imposição de contratos padronizados, os preços de referência como parâmetro de compras e a

maior transparência oferecida pelo processo, diminuiu as possibilidades de corrupção. A maior

transparência pode ser aferida por duas situações. Por um lado, por causa da Internet,

instrumento por meio do qual qualquer cidadão pode-se conferir, em tempo real, as operações

realizadas, os preços praticados, os vencedores do leilão e o histórico das transações. Por outro,

pela inclusão como fiscalizador da BOVESPA, onde existem computadores que replicam as

informações existentes no banco de dados da Fazenda. Isto permite que qualquer tentativa de

manipulação de resultados na Fazenda possa refletir automaticamente nos da BOVESP, onde é

grande a chance de ser captada. Ademais, esta última instituição divulga automaticamente ao

mercado os negócios fechados e os acompanha até que o Estado pague (Soboll & Queiroga,

2000, p.08).

A BEC E OS PRINCÍPIOS GERAIS DA LEI 8.666/93

Observamos que antes da introdução dos mecanismos informatizados, a Secretaria

da Fazenda controlava apenas a legalidade das operações. Mais tarde, com a introdução do

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SIAFEM/SP e o SIAFISICO teve condições de melhorar, em alguma medida, a eficiência e a

transparência. No entanto, a Fazenda não tinha capacidades para forçar que os agentes públicos

enquadrassem as compras nos preços referenciais nem tinha capacidade para controlar os outros

princípios gerais da Lei de Licitações, cujo cumprimento dependia da burocracia das unidades de

despesas. A BEC foi um arranjo institucional que permitiu à Fazenda, em grande medida, assumir

esse controle.

No item isonomia, que se refere ao tratamento igual em situações iguais, de todos os

interessados em oferecer propostas à Administração Pública para escolha da melhor, a BEC é um

instrumento que abre a possibilidade de participação de todos os fornecedores dispostos a vender

ao Estado, com a única exigência de estar cadastrado no CADFOR, e esta exigência tornou-se

uma bastante operação simples, que pode ser feita pela Internet. A impessoalidade, que visa evitar

qualquer concessão de privilégio e inspira todas as diretrizes que asseguram a livre competição, e

o julgamento objetivo, isto é, a obediência estrita ao edital, foram assegurados com a imposição de

modelos padronizados de editais, de contratos e de produtos que tiraram o poder ao agente público de

estabelecer regras que favorecessem determinados fornecedores. Por fim, a publicidade, que era

restrita à repartição onde a compra era efetuada, com a BEC é aberta pela Internet, não apenas na

fase pré-contratual, mas também na escolha do vencedor, do preço pago e do nome do

fornecedor.

Em síntese, a BEC é um arranjo construído a partir dos instrumentos oferecidos pela

TIC que praticamente tirou toda a margem de discricionalidade conferida para o agente público

nas modalidades de compras realizadas por meio do sistema. No entanto, contrariamente a

colocar obstáculos ao desempenho da administração pública, é um sistema que aponta à

oportunidade e ao mérito, pois permite realizar transações num marco de legalidade,

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transparência, economicidade e sob um conjunto de decisões dotadas, principalmente, de maior

racionalidade.

O ARRANJO ORGANIZACIONAL

As reformas feitas na Secretaria da Fazenda ao longo desses anos, nas quais aplicou

de maneira intensiva a Tecnologia de Informação e Comunicação, levou, em primeiro lugar, a

baixar os custos de obter informações pelo impacto da TIC na relação entre informação e fatores

físicos. A implantação do SIAFEM/SP permitiu mecanizar funções exercidas pela força de

trabalho humana e diminuir sensivelmente o custo das comunicações. No entanto, o aspecto

mais importante foi que a implantação do SIAFEM/SP foi acompanhada por uma reforma

administrativa que levou a ganhos em racionalidade, processo que melhorou sensivelmente a

capacidade de obter expertise organizacional.

Esse foi um primeiro passo. Já existia um melhor entendimento de “como

funcionava” e um menor custo para obter dados. O segundo passo foi a transformação dos

dados em informação. Para isso foram implementados sistemas gerenciais e sistemas de apóio

(SIGEO, SIAFISICO, CIGER) que permitiram aprofundar os ganhos em racionalidade e

entender melhor os aspectos organizacionais. Posteriormente, na medida que estudos era

realizados, se foi adquirindo conhecimento. No caso do DCI, aprendeu-se a realizar auditorias de

forma mais eficiente e eficaz. No caso das contratações, os estudos revelaram as características de

como se processavam as compras nas unidades de despesas e os procedimentos, o que levou a

instauração da BEC. Esses aspectos melhoraram a capacidade do Controle Interno.

No entanto, ademais dos problemas de custos e da obtenção de expertise, existe a

dificuldade organizacional na criação do Controle Interno como definido neste trabalho. Segundo

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a Teoria de Agência a questão da arquitetura institucional também é importante, pois a principal

característica do Controle Interno é que deve estar organizado de forma a minimizar os problemas

de delegação que existem dentro de uma estrutura burocrática. Isto é, um controle feito

preferentemente pela própria cúpula sobre a burocracia e não um controle feito através da

burocracia, pois este último modelo levaria ao problema do controle do controlador. Os

principais instrumentos de controle criados até esse momento na Secretaria da Fazenda,

ancorados nos “sistemas”, foram o Departamento de Controle Interno e a BEC. Como se

encaixam estes instrumentos no sistema de Controle Interno?

Por motivos operacionais, as duas estruturas de controle foram criadas dentro da

estrutura burocrática da Fazenda. Ou seja, em 1996, com a instituição da CECI, foi criado o

Departamento de Controle Interno (DCI), e em julho de 2000, criou-se um órgão para dar

suporte operacional a BEC. Trata-se do Departamento de Compras e Contratações (DCC).

Vejamos como ficou a estrutura organizacional da Fazenda.

Organograma 6 Estrutura da Secretaria da Fazenda (2000/2003)

Obs: CAF: Coordenadoria de Administração Financeira; CECI: Coordenadoria Estadual de Controle Interno; CGE: Contadoria Geral do Estado. DCI: Departamento de Controle Interno. DCC: Departamento de Compras e contratações.

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Tanto o DCI quanto a BEC faziam parte do núcleo duro da estrutura burocrática da

Secretaria da Fazenda. Como levar esses controles para mais próximo do titular? O passo seguinte

aconteceu em 22 de janeiro de 2004, quando, por meio do Decreto 48.471, foi realizada uma

nova mudança organizacional. Observemos a nova configuração organizacional da Secretaria da

Fazenda a partir do referido decreto.

Organograma 7 Estrutura da Secretaria da Fazenda em 2004

DCI (Departamento de Controle Interno); CAF (Coordenadoria de Administração Financeira); CEDC (Coordenadoria de Entidades Descentralizadas e de Contratações Eletrônicas); COM (Coordenadoria de Planejamento Estratégico e Modernização Fazendária); BEC (Bolsa Eletrônica de Compras).

Na nova estrutura organizacional, foi extinta a Coordenadoria Estadual de Controle

Interno e criadas a Coordenadorias de Entidades Descentralizadas e de Contratações Eletrônicas

(CEDC) e a Coordenadoria de Planejamento Estratégico e Modernização Fazendária (CPM). No

entanto, o ponto a destacar é que o DCI passou a estar ligado diretamente ao Chefe de Gabinete

do Secretário, numa tentativa de “aproximar” o Controle Interno da Fazenda ao titular, isto é, a

cúpula dirigente.

Quanto à BEC, embora a gestão continue fazendo parte da estrutura burocrática da

Fazenda, por meio da CEDC, o comando do seu funcionamento foi transferido para uma

instância superior de governo. Nesse sentido, foi criado em São Paulo, em 2003, o chamado

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Comitê de Qualidade de Gestão Pública (CQGP)71. Este é um órgão formado pelos Secretários

de Fazenda, da Casa Civil, de Planejamento (as três áreas meio do governo), o Procurador Geral do

Estado e alguns dos assessores mais próximos ao governador, e é um órgão vinculado à Casa

Civil. O CQGP, que possui um coordenador e alguns grupos técnicos, tem, entre outras, a

atribuição de formular, propor e implementar diretrizes voltadas à elevação do nível de eficiência

e eficácia da Administração Pública Estadual mediante a evolução do uso da tecnologia da informação.

Para o que interessa a este trabalho, o CQGP tomou a seu cargo o controle das diretrizes da BEC e

do SIAFISICO, no que parece ser uma tentativa de centralizar os mecanismos informatizados de

controle no Palácio dos Bandeirantes.

71 O Comitê de Qualidade da Gestão Pública foi criado através do Decreto 47.836 de 28 de maio de 2003.

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CAPÍTULO 5

O CONTROLE NA SECRETARIA DE GOVERNO

As intervenções administrativas do governo Covas que visavam superar a crise fiscal

do estado, foram iniciativas dirigidas a mudar a estrutura e procedimentos dos órgãos integrantes

da área de coordenação do governo, as áreas meio, através de um processo que tinha como

objetivos principais, embora não únicos, centralizar o poder decisório e melhorar o fluxo da

informação. Nesse processo, duas Secretarias foram privilegiadas: a da Fazenda e a de Governo –

que em 2002 mudou de nome para Casa Civil – e recorreu-se ao uso intensivo da Tecnologia da

Informação. Na Fazenda, como observamos, foram implantados dois sistemas informacionais

transversais: o GED/workflow e o Portal de Compras. Na Secretaria de Governo foi implantado um

sistema chamado Sistema Estratégico de Informações (SEI) que com o tempo se transformou

num Portal Corporativo.

Diferentemente aos sistemas da Fazenda, cujo foco era o controle

contábil/financeiro, o sistema da Secretaria de Governo estava centrado na gestão

governamental, isto é, tinha como objetivo melhorar as possibilidades de planejamento, de

comunicação, de coordenação e de controle da gestão das atividades do estado. Embora todos

esses aspectos foram importantes no processo de centralização da informação, neste capítulo nos

concentraremos em entender o impacto do SEI no controle das contratações governamentais. O

objetivo é estabelecer de uma forma clara a necessidade de obtenção de expertise como

instrumento para minimizar a assimetria de informação entre o titular e o agente.

Uma questão é importante destacar antes de começar o capítulo. A implantação do

sistema na Secretaria de Governo foi mais “tranqüila” que na Fazenda. Isto se deveu a dois

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aspectos: (a) não veio a tomar o lugar de outro sistema, pois era totalmente novo; e (b) foi o

próprio governador que tomou a iniciativa de sua construção e praticamente supervisionou

pessoalmente os avanços do sistema nas primeiras etapas.

O PORTAL CORPORATIVO

De modo geral, em São Paulo os governadores fixavam seu interesse nas grandes

questões do Estado e em traçar linhas básicas para seu funcionamento. O restante era delegado

aos Secretários de Estado. Estes produziam as informações referentes a suas pastas e enviavam

relatórios para o governador. Desta forma, o quadro encontrado no inicio do governo no

gabinete do governador e na Secretaria de Governo, era de quase total dependência das

informações produzidas pelas Secretarias.

Dada a profunda crise fiscal do Estado, e ante a necessidade de respostas urgentes, a

prioridade do governador Covas foi a de implantar um sistema que lhe permitisse obter

informações rápidas para tomar decisões e controlar as ações do estado, tentando minimizar a

dependência das informações produzidas pelas Secretarias. Neste sentido, a primeira providência

tomada foi concentrar o controle dos órgãos governamentais que lidavam com informação, ou

seja, o CONEI, a PRODESP e o IMESP72, na Secretaria de Governo, criando as condições

institucionais, operacionais e logísticas para iniciar a implantação do referido Programa de

Informatização e Comunicação, sob comando direto da cúpula governamental.

72 Decreto Nº 39.894, de 1º de janeiro de 1995, alterou a denominação da Secretaria do Governo para Secretaria de Governo e Gestão Estratégica (SGGE). Pelo decreto, se transferiu da Secretaria da Administração para a Secretaria do Governo e Gestão Estratégica, o Conselho Estadual de Informática (CONEI), (art. 3) e a Companhia de Processamento de Dados do Estado de São Paulo (PRODESP) (art. 4). O controle da Imprensa Oficial do Estado (IMESP) já era da Secretaria de Governo.

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A lógica que presidiu a elaboração do Programa – coordenado pelo Secretário

Adjunto da Secretaria de Governo - teve como pressuposto que as informações necessárias para

a gestão e o controle do estado deveriam ser processadas continuamente e de forma ágil. Em

outras palavras, o núcleo decisório do governo do Estado – notadamente o Governador e seus

principais colaboradores – deveria ser diariamente abastecido, em tempo real, com informações

sobre uma gama variada de assuntos considerados relevantes sobre as ações governamentais. Ou

seja, concentrar informação com vistas a dinamizar, agilizar, controlar e coordenar as ações

governamentais.

Os meios de comunicação do governo em 1995 eram apenas o telefone e fax. Para

aumentar a qualidade das comunicações, a primeira providência foi a implantação de redes de

comunicação. Assim, no Palácio dos Bandeirantes e em todas as Secretarias de Estado, que estão

espalhadas pela cidade de São Paulo, foram implantadas redes internas conectadas a um servidor

local. Esses servidores foram interligados por uma rede intranet.

Em um primeiro momento, a rede contou com aproximadamente 200 terminais,

interligando o Governador, os Secretários e os principais dirigentes da Administração Direta,

Indireta e empresas do Estado. No final do primeiro ano já existiam 4.000 terminais. O objetivo

foi conectar em rede aos principais dirigentes do Estado de forma que pudessem trocar

informações, trabalhar em grupo e ter acesso a informações básicas e permanentemente

atualizadas, necessárias para conhecer a realidade e tomar decisões73. Essa rede foi chamada rede

executiva. (Nogueira Filho, 2002, p. 4/5).

Ainda nos primeiros dias de governo, o governador tomou a iniciativa de implantar

um controle de custos de obras, principalmente sobre projetos em andamento. Mais

73 Em 2003 a rede tinha 21.000 terminais e atingia 90% dos órgãos da Administração Pública Estadual.

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genericamente tratava-se de um sistema de informação por gestão na área de investimentos74. No

entanto, com o passar dos dias, descobriu-se que o os grandes rombos do Estado não estavam

apenas na área de investimentos, mas principalmente na de custeio. Existia falta de controle sobre

funcionários, contratos, locação de imóveis, entre outros assuntos, e eram itens que pesavam

muito nos gastos públicos. Desta forma, o governador foi encomendando para cada assunto

considerado pertinente a criação de programas e bancos de dados específicos que facilitassem o

acesso à informação e ao controle. Para tomar conta desses projetos, foram recrutados técnicos

de empresas e autarquias estatais que passaram a trabalhar no próprio Palácio dos Bandeirantes.

Depois do pedido do controle de custos de obras, o governador encomendou um

programa que facilitasse o controle sobre os contratos de serviços terceirizados, modalidade na

qual o governo gastava mais de R$ 150 milhões por mês. O terceiro pedido foi um programa que

permitisse o controle sobre os contratos de imóveis locados pelo Estado. Tratava-se de organizar

os contratos num banco de dados para acompanhar a evolução dos preços pagos pelo estado.

Tanto nos serviços terceirizados quanto nos contratos de locação de imóveis, o governo tinha

acesso apenas a dados financeiros.

Mais tarde, outros assuntos foram surgindo e foram construídos novos aplicativos

por meio do sistema Lotus/Notes. Ao ano seguinte, em 1996, esses aplicativos foram unificados

em um único sistema e foi criada uma coordenadoria para seu gerenciamento. O conjunto, ou

seja, sistema e coordenadoria, passou a ser chamado: Sistema Estratégico de Informações (SEI)

numa tentativa de concentrar todas as informações disponíveis na Secretaria de Governo75. Com

74 A idéia na época era criar indicadores sobre tipologias de obras. Não foi concretizado porque houve resistências dos funcionários que cuidavam de obras para facilitar as informações sobre custos. O trabalho ficou reduzido ao acompanhamento das obras da rodovia Carvalho Pinto, iniciada no governo anterior. 75 O SEI foi instituído pelo decreto 40.656 de 9 de fevereiro de 1996. Para melhor compreensão do restante do trabalho, chamaremos “SEI” ao sistema informatizado e “Unidade SEI” à coordenadoria.

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o passar do tempo e o avanço nas comunicações, por meio do SEI se tornou possível acessar

também os sistemas da Secretaria da Fazenda (o SIGEO e o SIAFISICO) e outros sistemas

informatizados criados em diferentes Secretarias de Estado, principalmente no Planejamento76

tornando-se um Portal Corporativo.

De modo geral, o SEI oferece um alto nível de sistematização de informações,

conhecimento da oferta de informações e diagnósticos contínuos da execução dos planos de

governo. Por meio do Portal, os técnicos da Unidade SEI e a assessoria do governador podem

conferir em tempo real o andamento de uma infinidade de ações do Estado que envolve

arrecadação, gastos, obras, convênios, programas e funcionários. No anexo 2 estão descritos

todos os aplicativos do sistema existentes em 2003 e a utilidade de cada um. Para o interesse

deste trabalho, nos deteremos em analisar um desses aplicativos do SEI em particular, pois trata

sobre controle sobre contratações governamentais: o Cadastro de Serviços Terceirizados

(CadTerc).

O CADASTRO DE SERVIÇOS TERCEIRIZADOS

Existe um prédio na avenida Paulista, em São Paulo, onde cada andar é ocupado

por um órgão do Governo do Estado ligado ao setor de transporte público. Cada

órgão tinha feito um contrato para realizar os serviços de limpeza [terceirizado]. Até

ai nada de mais. O problema era que cada órgão não contratou a limpeza apenas do

76 Os sistemas mais importantes da secretaria de Planejamento são: o Sistema de Acompanhamento de Investimentos (SAI); de Estrutura dos Programas e Ações (EPA); de Proposta Orçamentária Setorial (POS); o Sistema Orçamentário das Empresas (SOE); o Sistema de Monitoramento de Programas e Ações do PPA (SIMPA).

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seu andar, mas a do prédio inteiro. Ou seja, eram sete contratos para realizar o

mesmo trabalho. E os sete contratos eram com a mesma empresa77.

A contratação de serviços terceirizados é uma modalidade muito utilizada nas

administrações públicas. Por meio da celebração de contratos de prestação de serviços com o

setor privado, delega-se a função de executar serviços complementares às atividades fins de cada

órgão governamental. Em São Paulo, a ausência de controle sobre esse tipo de contratos – com

exceção do controle da legalidade feito na Secretaria da Fazenda – oferecia diversas formas de

comportamentos oportunistas78.

Por esse motivo, a implantação de um cadastro sobre serviços terceirizados foi um

dos primeiros mecanismos utilizados no controle da corrupção pelo governo paulista. Instituído

em 1995, o CadTerc consiste em um banco de dados que armazena todos os contratos de

terceirização assinados pelo estado, por meio do qual é possível sistematizar informações para

subsidiar as negociações de serviços com fornecedores79.

Vejamos, em primeiro lugar, os valores envolvidos para entender a magnitude de

recursos movimentados nessa modalidade de contratação. Entre janeiro de 1995 e janeiro de

2002 foram assinados por órgãos do governo paulista – Secretarias, Fundações, Autarquias e

Empresas - 31.706 contratos deste tipo. Em janeiro de 1995 envolviam um gasto de R$ 289,7

77 Relato feito pelo ex-corregedor da Administração do Governo do Estado de São Paulo, Saulo de Abreu Filho, em palestra proferida no CEDEC, em novembro de 1999. 78 Ver Abramo et alii (2002. Pgs: 107/8). 79 Os mais utilizados pelo governo paulista referem-se a serviços de vigilância; de segurança patrimonial; de controle, operação e fiscalização de portarias de edifícios; de limpeza e conservação predial; de transporte de funcionários; de alimentação de presos e alimentação de adolescentes sob a tutela do Estado, além da manutenção de inúmeros serviços e máquinas. Ver: www.cadterc.sp.gov.br.

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milhões mensais, a valores atualizados, como podemos observar na tabela 7. Isto levaria a um

gasto anual de R$ 2,1 bilhões.

TABELA 7 Gastos mensais com Serviços Terceirizados.

Governo do Estado de São Paulo (1995/2002) MÊS VALORES EM

R$/MIL VALORES EM UFESP/MIL (*)

VALORES ATUALIZADOS

(DEZEMBRO DE 2004) R$/MIL

Janeiro/95 118.367 23.200 289.768 Janeiro/96 113.543 21.932 273.931 Janeiro/97 144.749 19.220 240.058 Janeiro/98 146.469 18.377 229.529 Janeiro/99 122.328 14.711 183.740 Janeiro/00 119.924 14.139 176.596 Janeiro/01 141.888 15.306 191.172 Janeiro/02 150.583 14.314 178.782 Julho/2002 152.041 14.452 180.505

(*) UFESP: Unidade Fiscal do Estado de São Paulo. Fonte: Sistema Estratégico de Informações. Casa Civil (SP).

No ano de 1995, o único dado acessível a Secretaria de Governo sobre esses

contratos era o financeiro, que obtinha da Secretaria da Fazenda. Portanto, na implantação do

CadTerc, foi solicitado a todas as unidades de despesa do estado que enviassem à Secretaria de

Governo dados referentes a todos os contratos em andamento, por meio de um formulário,

particularmente dados não-financeiros. Os primeiros dados foram chegando à Secretaria de

Governo por fax. Mais tarde, essa transmissão passou a ser feita por meio da rede executiva. O

principal empecilho foi a relutância de diversas unidades em fornecer os dados pedidos. Por esse

motivo, o governador instituiu um gestor responsável em cada uma das unidades com a

obrigação de fornecer os dados. Esta forma de coação solucionou em grande medida o problema.

Os dados dos contratos recebidos foram inicialmente organizados, sistematizados e

comparados. A seguir, a informação produzida foi analisada por técnicos da Unidade SEI, os

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quais conseguiram detectar dois problemas importantes: (a) a existência de uma grande

diversidade nas formas de licitação e contratação de serviços. (b) a existência de uma grande

dispersão de preços para o mesmo tipo de serviço.

Com referência a grande diversidade nas formas de licitação e contratação de

serviços, era este um problema de expertise técnica na elaboração de um contrato. Havia a

necessidade de entender diversas questões, tais como: quais as especificidades técnicas ao serviço

são necessárias? Quais os equipamentos necessários? Como saber se uma empresa é gabaritada

para prestar o serviço? Como controlar a qualidade? De que forma fazer o contrato? Isto é, se

dependia de um técnico em cada unidade de despesa que entendesse do assunto específico e de

outro que entendesse de elaboração de contratos.

Em busca de uma solução para essas questões, a Unidade SEI encomendou a

FUNDAP e ao SEADE80 diversos estudos para estabelecer diretrizes, normas e critérios

adequados para a elaboração de contratos. Foram assim realizados estudos detalhados sobre os

serviços terceirizados. O resultado foi a elaboração de contratos padrão para um grupo de

serviços, os mais significativos e de características comuns aos diversos órgãos da administração.

Para os restantes se estabeleceram diretrizes definindo com clareza o objeto da licitação e a

qualidade do serviço a ser prestado, o que era uma demanda do art. 14 da lei 8.666/9381.

Com referencia ao problema da dispersão de preços, recorreu-se também a estudos

da FUNDAP e do SEADE. Estas instituições, após análise de consistência efetuada para cada

contrato, elaboraram relatórios analíticos que possibilitaram o acompanhamento da evolução dos

preços praticados. A seguir, para os serviços mais relevantes e passíveis de padronização (124

80 Refere-se à Fundação do Desenvolvimento Administrativo (FUNDAP) e ao Sistema Estadual de Análise de Dados (SEADE).

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serviços que representavam aproximadamente 50% do total de gastos mensais) definiu-se um

referencial de valores com base no tratamento estatístico dos preços unitários praticados. Para

alcançar esse objetivo, os preços unitários de cada um dos serviços foram divididos em quatro

partes iguais (quartis) de forma que, contando do menor valor para o maior ficou formado:

- Primeiro quartis englobando 25% dos contratos;

- Segundo quartis (mediana) englobando 50% dos contratos;

- Terceiro quartis englobando 75% dos contratos.

Convencionou-se em utilizar como Valor Referencial (VR) para cada serviço – valor

limite que podia ser pago para um determinado tipo de contrato - o intervalo entre a mediana e o

3º quartis. A partir da criação desse VR analisaram-se os contratos em andamento, e do resultado

dessas análises, dois procedimentos foram adotados para os situados acima do VR: ou a

renegociação com os fornecedores, visando sua adequação ao referencial, ou seu cancelamento.

Al mesmo tempo, para informar e obrigar aos agentes públicos das unidades de despesas a

acompanhar o VR na confecção de novos contratos e utilizar os contratos padronizados, foram

disponibilizados na rede as informações pertinentes, por meio de um aplicativo do SEI.

Essas medidas, mas a atuação da Corregedoria, que veremos mais adiante, tiveram

um forte impacto nos preços pagos pelo Estado nas concorrências seguintes. Observemos mais

detalhadamente a evolução dos preços de alguns dos principais itens.

81 Os serviços padronizados, seus respectivos contratos (padronizados), os Valores Referenciais e as diretrizes para o estabelecimento dos contratos, estão disponíveis no site: www.cadterc.sp.gov.br

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TABELA 8 Evolução dos preços de Serviços Terceirizados. Governo do Est. de São Paulo (1995/2002)

1 2 3 4 5 6 Serviços Descrição Unidade de

medida Valor Real

contratado (média)

Valor Corrigido

pela inflação (*)

Valor Real

contratado(média)

Diferença

Mês Janeiro de 1996

Julho de 2002

Julho de 2002

5/4

Alimentação de empregados Refeição 4,67 8,98 4,83 -46,2 % Alimentação de presos Diária 8,75 16,82 5,59 -66,8 %

Alimentação de pacientes Refeição 4,88 9,38 5,89 -37,2 % Vigilância Patrimonial Homem/hora 5,90 11,34 7,61 -32,9 %

Porteiro Homem/hora 3,86 7,42 4,38 -41,0 % Limpeza predial Homem/mês 611,72 1.175,66 738,09 -37,2 %

Limpeza hospitalar Homem/mês 924,54 1.776,87 1.153,54 -35,1 % Transporte de empregados Km 2,53 4,86 2,38 -51,0 % (*) IGP-DI/FGV : Fonte – Conjuntura Econômica Fonte: Sistema Estratégico de Informações. Casa Civil (SP)

Observemos, em primeiro lugar, na coluna 3, os valores médios pagos em janeiro de

1996. Esses valores refletem os preços pagos no segundo semestre de 1995 por contratos

assinados entre 1994 e 1995, ou seja, antes da criação do CadTerc. A seguir, na coluna 4, vemos

quais seriam os valores pagos em julho de 2002 se os valores de janeiro de 1996 fossem

corrigidos pela inflação do período. A coluna 5 refere-se os valores realmente pagos nesse mês.

As diferenças (coluna 6) variam, para menos, entre 35% nos contratos de limpeza hospitalar até

66,8% na alimentação de presos. Neste último item, se os preços pagos até 1995 fossem

corrigidos pela inflação, em julho de 2002 se estaria pagando R$ 16,82 pela diária nesse mês

quando de fato se pagava R$ 5,59 como valor máximo. Em 2002 havia no Estado

aproximadamente 107 mil presos e o gasto com alimentação foi de R$ 218,0 milhões quando,

levando em conta os valores pagos em 1995, o valor seria de R$ 648,0 milhões.

Analisando os dados em sua evolução através do tempo, é possível verificar a

economia realizada pelo estado com a criação do CadTerc.

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TABELA 9 Evolução dos contratos de serviços terceirizados Estado de São Paulo (1995/2004). Mês: Julho

Ano Quantidade de Contratos em andamento

Valores em mil/UFESP

Valor Médio por contrato

(em UFESP)

Valor Médio por contrato (atualizados em R$/julho2004)

1995 4.962 17.016 3.429 42.828

1996 5.553 15.729 2.833 35.384

1997 6.964 19.192 2.756 34.422

1998 6.150 16.950 2.756 34.422

1999 5.951 14.669 2.464 30.775

2000 4.998 13.416 2.684 33.523

2001 5.393 14.238 2.640 32.974

2002 5.991 14.452 2.411 30.113

2003 5.582 13.924 2.494 31.150

2004 5.384 12.953 2.406 30.051 UFESP: a Unidade Fiscal do Estado de São Paulo – Variação Anual. (Em 2004: R$ 12,49) Fonte: Sistema Estratégico de Informações. Casa Civil (SP)

No mês de julho de 1995 – mês que começou o levantamento sistemático de dados e

os estudos - existiam em andamento 4.962 contratos com um valor mensal médio de 3.429

UFESP (R$ 42.828 em valores atualizados). Esse valor mensal médio foi baixando até situar-se

na casa dos R$ 30,0 mil no ano de 2002. Segundo um estudo feito pelo governo do Estado, a

redução no total de gastos mensais com serviços terceirizados em 115 meses (período de

janeiro/1995 a julho/2004), atingiu em termos de valor médio o percentual de 31,5%, o que

representaria uma economia de R$ 10,49 bilhões, considerando a UFESP no mês de julho/2004

no valor de R$ 12,4982.

A seguir mostraremos que a queda realmente expressiva dos preços pagos refere-se

às situações onde o governo ganhou expertise técnica, ou seja, quando, por meio de diferentes

82 O estudo que indica essa economia pode ser visto no site: www.cadterc.sp.gov.br/

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estudos técnicos, conseguiu padronizar contratos e estabelecer para esses contratos, também por

meio de estudos, valores pré-definidos.

Os serviços terceirizados foram agrupados em três categorias: serviços gerais,

serviços técnicos e serviços de engenharia. Vejamos, na Tabela 10 o grau de padronização de

cada um desses grupos.

TABELA 10 Número de contratos e contratos padronizados

Estado de São Paulo - Julho de 2002 ITEM Nº CONTRATOS % PADRONIZADOS %

Serviços Gerais 4.379 73,1 3.980 90,9 Serviços Técnicos 1.376 23,0 30 2,2 Serviços de Engenharia 236 3,9 - - Total 5.991 100,0 4.010 66,9

Fonte: SEI (Sistema Estratégico de Informações). Casa Civil/SP.

Nos contratos assinados em 2002, dos que correspondem a serviços gerais, 90,9%

eram padronizados, e, portanto, possuíam Preços Referenciais. Dos serviços técnicos, apenas

entre 2,2% eram padronizados. E nenhum dos serviços de engenharia era padronizado.

Os gastos totais dos três grupos de serviços, onde se confrontando os gastos do

período de julho/2002 e janeiro/1995, levando em conta valores históricos e corrigidos pelo

UFESP, constata-se que o Grupo de Serviços Gerais, justamente os mais padronizáveis e com

VRs, foi o que apresentou a maior redução de gastos: 60,12%, seguido pelo Grupo de Serviços

de Engenharia 19,11% e Técnicos 10,77%83.

Resumindo a argumentação, os dados recolhidos sobre os milhares de serviços

terceirizados foram sistematizados, agrupados e comparados. Isto deu a seguinte informação:

existe grande dispersão de preços e de modalidades de contratos para o mesmo serviço. A seguir,

havia que responder a seguinte pergunta: o que fazer com essa informação? A resposta foi:

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produzir conhecimento (expertise). Diferentes estudos indicaram que o melhor caminho era a

padronização de contratos e a elaboração de preços de referência para aproximadamente 67% da

modalidade de contratos. Essas medidas, quando implementadas, reduziram em 60% os gastos.

Para os restantes 33%, nos quais apenas incidiram diretrizes gerais e, portanto, o poder

discricionário do agente público foi maior, a redução de preços oscilou entre 10% e 20%.

PARA ALÉM DO FATOR FINANCEIRO

Se o avanço no controle dos serviços terceirizados por meio dessa metodologia de

trabalho foi expressiva na questão financeira, percebeu-se que para além dos dados fornecidos,

primeiro por fax e posteriormente pela rede, existiam outros problemas, como o eventual dolo na

prestação de serviços e a verificação da veracidade da coleta de informações que entravam no

sistema, irregularidades estas não captáveis apenas pelo valor do contrato. Por exemplo, podia-se

sobre-dimensionar a abrangência de serviços. É o caso dos contratos de serviços de limpeza, em

que as prestadoras do serviço podiam efetuar o trabalho em áreas menores das que demarcava o

contrato, entre inúmeros outros exemplos. Por causa desses potenciais problemas, a

Corregedoria Geral da Administração passou a trabalhar junto com os técnicos do SEI na forma

de um “braço fiscalizador”, ou seja, para fiscalizar no local as veracidades das informações.

O governador Covas ordenou, em maio de 1995, que a Corregedoria fosse

transferida da Secretaria de Administração para o Palácio dos Bandeirantes, ficando ligada

diretamente ao Secretário de Governo. Depois de uma avaliação sobre a produtividade do órgão,

permitiu-se que a Corregedoria requisitasse funcionários de qualquer órgão da administração para

83 Conferir no site:www.cadterc.sp.gov.br, do Governo do estado de São Paulo.

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auxiliar nas investigações. Assim, foram selecionados essencialmente técnicos, ou seja,

contadores, administradores de empresas e advogados.

A Corregedoria atuava basicamente a partir de denúncias. Contudo, na medida em

que as informações do CadTerc apontavam a incidência de irregularidades em contratos de

terceirização de serviços, como os já apontados, implantou-se uma sistemática de correições

preventivas e de fiscalização por meio de forças-tarefas para fazer verificação diretamente nos

locais onde atuam as empresas contratadas.

A maior quantidade de processos abertos pela Corregedoria aconteceram nos dois

primeiros anos de governo. Foram 143 em 1995 e 173 em 1996, e 75% se referiam a

irregularidades ocorridas em contratos de serviços terceirizados. A partir das informações

extraídas do CadTerc, em 1997 selecionaram-se 58 contratos de terceirização cujos preços

estavam acima do Valor Referencial. Em 100% a Corregedoria constatou irregularidades. Destes

contratos, 48 foram anulados e 10 renegociados. Em 1998, foram selecionaram 112 contratos de

limpeza predial. Todos os contratos apresentavam problemas. A partir desse ano, quando a novas

diretrizes do CadTerc tornaram-se padrão e o controle institucionalizou-se, houve uma sensível

diminuição do número de processos instaurados por ano, até chegar a apenas 24, em 2000. Em

geral, de 1995 a 2000, a Corregedoria instaurou 633 processos, a maioria ligada a contratos sobre

serviços terceirizados. Destes, 92 foram enviados ao Ministério Público e se transformaram em

ações judiciais, e 577 funcionários foram exonerados por praticar irregularidades84.

A partir de 2004, a assinatura de um contrato de serviço terceirizado deve

obrigatoriamente ter o aval da Corregedoria, que só autoriza o contrato se enquadrado dentro

84 Ver: Governo do Estado de São Paulo (2001) Informe: Corregedoria Geral da Administração, São Paulo, SGGE/SP.

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dos parâmetros ditados pela Unidade SEI. Esses valores são públicos e disponíveis no site do

Governo do Estado.

Independentemente do mérito acerca da metodologia utilizada pelo Governo de São

Paulo para chegar aos mais de R$ 10 bilhões citados como “economia”, sem dúvida, o CadTerc

levou a avanços expressivos, pois tornou possível evitar que imenso volumem de recursos que

saíam dos cofres públicos por meio do superfaturamento de preços e inúmeros outros delitos na

contratação de serviços terceirizados, que, agora, em grande medida o novo arranjo impede. A

partir da introdução desse sistema, os agentes públicos responsáveis pela contratação de serviços

terceirizados devem observar os padrões ditados pelo CadTerc, que adquiriu o conhecimento

necessário para prevenir irregularidades.

A TIC O ARRANJO DE CONTROLE

Num primeiro momento, nos primeiros dados recolhidos pela Unidade SEI para

montar o CadTerc, não existia ainda a rede nem era comum o uso de Internet. Os dados foram

chegando por meio de fax. Assim, esses dados precisavam ser digitalizados e a atualização era

feita de forma semestral. Mais tarde, o sistema foi sendo aprimorado com a introdução de novos

procedimentos de coleta de dados, tal como o desenvolvimento da versão WEB, que possibilitou

a coleta em tempo real. Isto dispensou o trabalho de digitalização e a atualização passou a ser

diária, e não mais semestral. O impacto da TIC nesta etapa foi, em conseqüência, na relação entre

informação (dados) e os fatores físicos, com a conseqüente diminuição nos custos de obter

informações.

No início, após os dados serem digitalizados, foram utilizados programas analíticos

que permitiram organizar, sistematizar e comparar esses dados. Mais tarde, o sistema foi sendo

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aprimorado com a introdução de novos softwares de apoio, como o SIAFISICO, da Secretaria da

Fazenda. Os novos softwares permitiram um ganho em qualidade de informação e a organização

e disponibilização dessas informações de forma mais rápida. No entanto, a organização, a

sistematização e a comparação de dados, nas duas etapas, poderiam ser feitas sem o uso de

softwares de apóio (de forma manual). Neste caso, seriam necessários mais funcionários e muito

mais demorada a conclusão dos trabalhos. Isto significa que o grande impacto da TIC, nesta

etapa foi, também, nos custos de obter informações.

No entanto, o principal avanço do CadTerc foram os estudos que permitiram obter

conhecimento (expertise técnica) sobre o processo de contratações e assim dar soluções para os

problemas apresentados, como por exemplo, com a padronização de contratos e os preços

referenciais. A TIC facilitou a realização dos estudos, pois diminuiu os custos de obtenção de

informações nas duas etapas previas descritas. Por outro lado, se o CadTerc deu o conhecimento,

foi necessário a existência de um órgão fiscalizador: a Corregedoria, para verificar o cumprimento

das determinações. Criou-se assim um arranjo de controle bastante eficiente.

A QUESTÃO ORGANIZACIONAL

Observamos que, segundo a teoria de Agência, para criar um controle que minimize

a assimetria informacional entre o titular e o agente, temos três aspectos a considerar. Em primeiro

lugar, há a necessidade de diminuir os custos de se obter informações. Em segundo lugar, a

necessidade de adquirir expertise. E em terceiro lugar, existe a dificuldade organizacional. Segundo

a teoria, a questão da arquitetura institucional também é crucial, pois um controle deveria estar

organizado de forma a não reproduzir os problemas de delegação. Neste capítulo já foi tratado a duas

primeiras questões. Portanto, nos concentraremos no terceiro.

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O arranjo de controle da Secretaria de Governo/Casa Civil é constituído pelo

Sistema Estratégico de Informações (SEI) e uma Corregedoria. Fazem parte do SEI a Unidade

SEI, que gerencia 60 aplicativos (entre eles o CadTerc) e a rede executiva. Este arranjo possui um

modelo organizacional mais próxima a proposta operacional de Controle Interno que o da

Secretaria da Fazenda. Observemos a configuração:

Organograma 8 O Controle Interno na Casa Civil

Na Casa Civil existe um sistema informacional (SEI) - ligado ao Secretário Adjunto -

cujo conteúdo é utilizado por todos os órgãos do estado, em escala variada de acesso. O sistema,

ao permitir o acesso aos dados e informações de seus próprios aplicativos e de inúmeros sistemas

de outras Secretarias de Estado, tornou-se uma solução de portal corporativo.

Subordinado ao Secretário Adjunto existe a Unidade SEI e a Corregedoria. A

Unidade SEI, atua como uma “inteligência” pois seus funcionários extraem dados do SEI e, a

partir da análise desses dados, conseguiram criar determinadas rotinas, métodos e procedimentos

que tornou possível uma visão geral do estado e a fiscalização em tempo real sobre o andamento

de inúmeras ações do governo (ver anexo 2). A Corregedoria, órgão de fiscalização externa, atua

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aparelhada com as informações produzidas pela Unidade SEI. Todo esse conjunto de órgãos

não faz parte do “núcleo duro” da estrutura burocrática da Casa Civil.

O fato importante é que essa estrutura permite exercer o controle sobre a

organização e de grande parte das ações do estado com poucos funcionários. Portanto, o

Controle Interno pode fazer parte do titular. Observe-se, que a Unidade SEI é formado por dez ou

onze funcionários e ocupa algumas salas do Palácio dos Bandeirantes, ou seja, está próximo do

governador. Além disso, esses funcionários, assim como os da Corregedoria, foram recrutados

pelo Secretário Adjunto e pelo Corregedor85 – ambos agentes políticos - de diferentes órgãos do

Estado. Isto significa que, em grande medida, o futuro profissional desses funcionários no

Palácio dos Bandeirantes esta ligado ao futuro político do grupo que comanda o Governo do

Estado. Este fato é um forte incentivo para tornar os interesse dos funcionários do controle

coincidentes com o do titular.

85 Trata-se de Dalmo do Valle Nogueira Filho (Secretário Adjunto até 2001 e Secretário da Casa Civil até 2002) e de Saulo de Castro Abreu Filho (Corregedor até 2000).

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CONCLUSÃO

Como vimos, segundo Weber, numa democracia, os políticos eleitos são detentores

de legitimidade e responsabilidade política. Cabe a eles, por meio dos partidos, a formulação de

programas políticos a serem referendados pelos eleitores. Com o advento da burocracia como

forma de dominação racional/legal Weber percebeu o risco da burocracia estatal avançar em suas

atribuições e passar a formular políticas, dado que dispõe de conhecimento técnico necessário

para tanto. Por mais que a formulação de políticas necessite de conhecimento técnico, a

burocracia não é apta a tomar esta ou aquela decisão, pois lhe falta legitimidade. É uma questão

de accountability política, já que os burocratas não são eleitos. Em conseqüência, torna-se

imperativo num regime democrático, o controle das cúpulas administrativas sobre as ações da

burocracia, pois pode haver o falseamento das metas estabelecidas. E um exemplo disso é dado

pelo problema da corrupção burocrática.

No entanto, a construção de mecanismos que tornem viável esse controle sempre

representou problemas, as vezes intransponíveis, para os governantes e administradores. Isto se

deve ao fato da burocracia constituir um grupo especializado e possuir alta capacidade

organizacional. Portanto ela detêm certa quantidade e qualidade de informação que a coloca em

posição de vantagem em relação aos agentes políticos.

Para uma melhor compreensão do problema do controle sobre a burocracia,

recorremos à Teoria de Agência em busca de ferramentas analíticas. A teoria nos diz que o

problema nas relações delegativas reside na assimetria de informação, ou seja, no fato de duas

partes que se relacionam não deterem o mesmo conhecimento, colocando uma das partes em

desvantagem no relacionamento com o outro. Segundo o modelo, o agente poderá utilizar de forma

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oportunista essa assimetria de informação para obter vantagens. Desta forma foi estabelecida a

dificuldade do controle das cúpulas político/administraticas sobre a burocracia como derivada do

problema de delegação.

Como se enfrenta o problema de delegação? Segundo a teoria, a satisfação do titular

depende da atuação do agente. Portanto, o titular deve assegurar-se de que a atuação do agente será

aquela que satisfaça seu objetivo. Como o agente pode ter comportamentos oportunistas, então o

titular deverá formular um contrato com esquemas de controles eficientes. Como argumentou

Przeworski (1996, p. 22), o titular, então deve realizar um cálculo para decidir se arca com os

custos desse controle. A partir do modelo de comportamento do homem contratual, adotado neste

trabalho, assume-se que nas relações contratuais delegativas do setor público os controles são

fundamentais, pois, mesmo ante um contrato que tente prever todas as situações possíveis, sem

um esquema eficiente de controles, haverá dificuldades no cumprimento do contrato.

Nesse sentido, a Teoria de Agência nos permitiu identificar três problemas básicos

que precisam de resposta: (a) a necessidade de diminuir os custos de se obter informação; (b) a

necessidade de obter ganhos em expertise (para poder avaliar as escolhas do agente); e (c) a

formulação de uma arquitetura institucional que minimize os problemas de delegação, em outras

palavras, é necessário produzir uma situação em que seja possível a coincidência de interesses

entre o titular e os agentes do controle. Enfrentar esses três problemas nos levará a construção de

arranjos institucionais que permitam o controle da cúpula dirigente sobre a burocracia

minimizando o problema de delegação.

A seguir, introduzimos uma variável que imaginamos poder incidir no problema: a

nova Tecnologia de Informação e Comunicação. Segundo a literatura, a possibilidade dos

governos reformar os aparelhos administrativos, e por tanto, aumentar a capacidade de controle

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sobre a burocracia adquiriu alguma vitalidade no começo da década de 1990 com o aparecimento

da TIC. Assim, nos perguntamos se a TIC poderia ter impacto na minimização do problema do

controle sobre a burocracia. Partindo desse questionamento, analisamos duas experiências do

Governo do Estado São Paulo que tratavam de mudanças administrativas implementadas com a

ajuda de novos mecanismos informatizados.

Como resposta geral, a análise dos estudos de caso permite afirmar que o uso

intensivo da TIC na Administração Pública facilitaram a criação de arranjos institucionais que

melhoraram o controle da cúpula do poder Executivo sobre a burocracia. Esta melhora deveu-se

a forma como a TIC foi utilizada, que permitiu minimizar o problema de assimetria de informação

entre a cúpula dirigente e a burocracia em alguns aspectos importantes. Nas duas experiências

analisadas no trabalho, ou seja, a da Secretaria da Fazenda e da Secretaria de Governo/Casa Civil

do Estado de São Paulo, a utilização intensiva da TIC ajudou a melhorar o andamento dos

processos da Administração Pública e criou condições para aumentar a capacidade de ação

governamental nas ações de controle por meio da racionalização da estrutura

burocrático/administrativa, da diminuição dos custos de obter informação e de ganhos em

expertise, como foi mostrado nos Capítulos 3, 4 e 5, na medida que o governo começou a obter e

veicular informação que antes não estava disponível ou era muito cara de adquirir. Esse processo

permitiu a criação de arranjos de controle muito superiores aos existentes antes da introdução da

TIC, possíveis, por exemplo, através da criação da BEC e do CadTerc. Entendamos, como essa

determinada forma de uso da TIC permitiu minimizar o problema de delegação.

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Diminuição dos custos

O impacto imediato da utilização intensiva da TIC, como indicou Fountain (2001),

refere-se à relação entre informação (em realidade, dados) e fatores físicos (tempo, memória e

distância), o que é conseqüência da mecanização, da automatização da força de trabalho humana e

da melhoria no fluxo de dados e de informações, e deriva do próprio desenvolvimento

tecnológico86. Isso foi constatado quando analisamos a introdução do SIAFEM em São Paulo,

que levou a uma diminuição dos custos administrativos. Este passo poderia ser denominado

como diminuição de custos administrativos dada pela automação.

No entanto, embora a nova tecnologia facilite e acelere os processos administrativos,

dificilmente os determina. Automatizar tarefas sem analisar seus objetivos e as necessidades de

levar informação para as cúpulas dirigentes, pode resultar apenas numa mecanização do modelo

administrativo pré-existente que, embora leve a menores custos administrativos (dada pela

automação), pode não ser muito relevante para minimizar o problema de assimetria de

informação. Em outras palavras, se um órgão está sustentado num modelo administrativo dotado

de baixa racionalidade administrativa, a informatização pode apenas reproduzir de forma

mecânica esse modelo. O importante é que a introdução da TIC produza uma maior

racionalidade administrativa. Mas isto não é uma questão puramente técnica ou administrativa.

Esta questão depende de decisão e, principalmente, de habilidade política dos administradores,

como mostrado no Capítulo 3.

A tecnologia é apenas uma ferramenta. Sua incorporação não depende apenas de

recursos e de conhecimento técnicos. A obtenção de ganhos em racionalidade administrativa pela

86 É importante distinguir dois fenômenos relacionados, porém distintos: transportar informação e adquirir informação. O que permite que um dado transporte certa informação é a existência de um código (ou chaves de codificação) que lhe associa certo conteúdo informativo (Gutierrez, 2002).

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incorporação tecnológica requer, em grande medida, reformas para que a organização seja

adaptada as potencialidades da nova tecnologia. E neste ponto, o impacto tecnológico afeta o

exercício do poder numa organização, pois nesse re-arranjo haverá ganhadores e perdedores,

como constatado na Secretaria da Fazenda de São Paulo. A habilidade política consiste em

capacidade de superar obstáculos normativos, particulares arranjos institucionais e resistências

burocráticas. Frente a essa situação, no caso apresentado, houve habilidade política nos

propulsores das mudanças em recrutar funcionários que contribuíram com a expertise necessária

para levar adiante a reforma que acompanhou a entrada em funcionamento do SIAFEM/SP e a

posterior modernização do sistema como foi demonstrado com o trabalho de Walter Soboll na

Fazenda.

As compras em São Paulo, antes da reforma administrativa que começou a ser

implementada com a introdução do SIAFEM/SP, eram operacionalizadas através de um sistema

administrativo dotado de baixa racionalidade, como visto no Capítulo 2. Os controles da Fazenda

- contábeis, financeiros e de auditoria - eram apenas processuais, ou seja, respeitadas as normas e

procedimentos burocráticos estabelecidos, a operação de despesa era efetuada,

independentemente da oportunidade, mérito ou conveniência. Mesmo assim, esse controle

processual demandava a existência de um considerável aparato burocrático. Foi a habilidade

política a que permitiu realizar mudanças administrativas, junto com a introdução da TIC, que

levaram a ganhos em racionalidade. Esses ganhos tiveram como principal fundamento a

integração entre a execução orçamentária ao orçamento a partir do qual se deu a linha mestra que

estruturou toda a reforma.

Portanto outro importante impacto desse processo de reforma, na qual a TIC foi um

instrumento, foi a diminuição de custos administrativos devido aos ganhos em racionalidade administrativa por

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conta das reformas processuais que levaram à diminuição de controles redundantes sobre a

escrituração contábil e a movimentação financeira; a extinção de documentos, escritórios,

diretorias, gerências, cargos e tarefas de suporte; entre outros aspectos.

Observemos, para enfatizar, que a diminuição de custos administrativos dada pela automação

deriva do próprio desenvolvimento tecnológico, enquanto a diminuição de custos administrativos devido

aos ganhos em racionalidade deriva da habilidade humana em explorar com maior critério o avanço

tecnológico.

Diminuição da assimetria de informação

Outra importante conseqüência desse ganho em racionalidade administrativa

derivado do uso intensivo da TIC foi a possibilidade de transformação de dados em informação. Para

avançar nas ações de e-governança, que consiste no aumento da capacidade de ação governamental

na implementação de políticas públicas, de gestão e de controle, se requer ir além da obtenção de

dados. É necessário produzir informação, que são dados dotados de pertinência e propósito. Por

exemplo, com o SIAFEM/SP, pela primeira vez foi possível obter o conjunto dos dados

econômicos, financeiros e orçamentários, disponíveis em tempo real. Com o SEI, foi possível

obter dados sobre inúmeras ações dos atos de governo. Mas havia que se criar condições para

transformar os dados disponíveis no SIAFEM/SP e no SEI em informação útil ao controle.

O elo entre os dados disponíveis e a instrumentalização das necessidades de controle

foi o desenvolvimento de uma “inteligência” capaz de explorar a potencialidade dos dados e criar

informação que levantassem questões a ser entendidas. Isto requereu a constituição de diversos

grupos técnicos que criaram metodologias, procedimentos de análise e geração de indicadores,

em outras palavras, diversos instrumentos para perceber com rapidez problemas dentro da

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instituição. Em São Paulo, esse elo foi a criação do Departamento de Controle Interno e da

Unidade SEI, órgãos que criaram diferentes programas que ajudaram a transformar dados em

informação. O SIGEO, o SIAFISICO e o CIGER, vistos ao longo do trabalho, foram essenciais

nessa tarefa. Os programas, gerenciais e de apoio, ofereceram ferramentas que permitiram

entender melhor os aspectos organizacionais e processuais e assim aprofundar os ganhos em

racionalidade necessários ao controle, como visto no Capítulo 4 e 5. A esse processo chamamos

ganhos em expertise organizacional.

Com maior racionalidade organizacional, os processos administrativos tornaram-se

mais previsíveis. Em outras palavras, a partir da reforma implementada com a introdução de

mecanismos administrativos baseados na TIC foi possível entender com maior clareza a utilidade,

os caminhos, assim como as regras que determinam o tempo, o lugar e a comunicação entre os

processos administrativos. Em outras palavras, a introdução da reforma tecnológica permitiu um

entendimento melhor os meandros da máquina pública.

Finalmente, a TIC teve como impacto o desenvolvimento do que chamamos de

expertise técnica. Apesar de todas as transformações trazidas a partir da implementação de reformas

baseadas em mecanismos administrativos que utilizam a TIC, nem sempre a tecnologia nos diz se

a informação produzida é verdadeiramente relevante ou quais são os arranjos mais eficazes para o

controle. A informação permite aos administradores levantar questões, mas não diz,

necessariamente, qual é o caminho para a solução dos problemas.

O problema de obter expertise técnica é crítico nas grandes organizações, onde o titular

normalmente não tem capacidade para avaliar as escolhas do agente. No entanto, é o impacto da

TIC na diminuição dos custos de obter informação, que nos permite ressaltar a importância do

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investimento em conhecimento administrativo, definido acima como expertise técnica, como caminho para

construir arranjos de controle mais eficazes e eficientes.

Na Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo, os estudos realizados a partir das

informações extraídas do SIAFISICO e do SIGEO, revelaram características de como se

processavam as compras nas Unidades de Despesas. Esses estudos criaram as condições para

intervir no aspecto técnico. A partir deles, foram padronizadas as principais mercadorias,

elaborado uma padronização específica de editais e contratos para as diferentes modalidades de

licitação, e, principalmente, foi criado um arranjo, a BEC, que transformou esse conhecimento

em um processo de compras que aponta ao mérito e à conveniência.

Como mostrado no Capítulo 4, as compras feitas por meio da BEC são 25% mais

econômicas que no modo tradicional de licitação, os custos administrativos são 51% menores, e

as possibilidades de corrupção mínimas, pois fechou-se praticamente todo espaço discricional do

agente público. Isto, sem colocar obstáculos ao bom desempenho da administração pública. Em

comparação com o sistema tradicional de compras, a BEC mostra que a queda realmente

expressiva dos preços pagos refere-se ao fato do governo ter desenvolvido expertise técnica.

Da mesma forma, nos contratos sobre serviços terceirizados, o maior ganho em

eficiência foi conseguido nas situações onde o governo ganhou expertise técnica, ou seja, quando,

por meio de diferentes estudos, conseguiu padronizar contratos e estabelecer para esses

contratos, valores pré-definidos, observando o mérito e a conveniência. Como foi mostrado no

capítulo 5, a queda nos gastos nessa modalidade de contrato foi de 60%, enquanto naqueles em

que apenas incidiram diretrizes gerais e, portanto, o poder discricionário do agente público é

maior, a redução de gastos oscilou entre 10% e 20%.

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Em ambos casos, a padronização não dependeu necessariamente de tecnologias, mas

foi a tecnologia que deu a oportunidade de operacionalizar as medidas de controle. Alem disso,

tanto na BEC quanto no CadTerc, o conhecimento foi transformado numa prática

institucionalizada, pois são arranjo que atuam, com certo grau de estabilidade, como

constrangedores da conduta dos agentes públicos.

O problema de delegação

O uso intensivo da TIC na construção de arranjos de Controle Interno, como

observamos, tem um impacto notável sobre a Administração Pública. Tanto pela automação,

pelos ganhos em racionalidade, quanto pela diminuição dos custos em obter informações, a TIC

permite a criação de sistemas de controle cuja estrutura organizacional possa ser eficaz e ao

mesmo tempo pequena. Isto aumenta a capacidade de enforcement que é essencial na criação de

instrumentos que limitem o espaço discricional dos agentes. Com os sistemas de informação e os

arranjos de controle criados, o governador e seus principais assessores, em São Paulo, podem

conferir em tempo real o andamento de uma infinidade de ações do estado que envolve

arrecadação, gastos, obras, convênios e funcionários, entre outros, minimizando a necessidade de

depender das informações produzidas pelas Secretarias de Estado.

A questão do tamanho da estrutura organizacional do Sistema de Controle Interno é

de muita importância porque é uma forma de facilitar que estes controles “façam parte” do titular,

minimizando assim as possibilidades de reproduzir o problema de delegação. Fazer parte do titular

significa criar uma situação de interesses coincidentes entre titular/agente.

Em outras palavras, os funcionários do controle podem ser selecionados diretamente

pela cúpula dirigente entre funcionários da própria organização ou de funcionários nomeados, e

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ligar de alguma forma o futuro profissional desses funcionários do Controle Interno ao futuro

político do titular. Isto pode ser observado com clareza na Secretaria de Governo do Estado de

São Paulo, quando, para tomar conta do controle, foram recrutados técnicos de empresas e

autarquias estatais que passaram a trabalhar no próprio Palácio dos Bandeirantes, e seu futuro

profissional ficou ligado, em grande medida, ao da cúpula governante.

O estudo de caso analisado mostrou que os três problemas levantados a partir da

conceituação do Controle Interno podem ser minimizados com a introdução da TIC. Essa

minimização requer de um entendimento claro da diferença entre dado, informação e

conhecimento. Isto é fundamental para avançar no problema da assimetria de informação. No

entanto, é necessário entender que não é uma questão apenas técnica. A minimização requer

principalmente, de capacidade e habilidade política para implementar reformas administrativas,

pois as burocracias possuem uma força grande de resistência a mudanças organizacionais.

Considerações finais: o controle sobre os políticos

Não é demais enfatizar, novamente, que quando isolamos a relação titular (cúpula) do

agente (burocracia) tentamos entender os problemas resultantes deste tipo específico de relações a

partir de um determinado modelo comportamental. Para além do fato de que o agente político

ter o “dever” (a responsabilidade) de controlar a burocracia, esse modelo estabelece que a cúpula

política que detém poder tem interesse em controlar seus subordinados. Mesmo quando ele

próprio é corrupto precisa controlar a burocracia, já que normalmente trabalha num ambiente de

recursos escassos.

No entanto, esta tese de que o governo sempre quer controlar a burocracia não é tão

pacífica. Terry Moe (1984), por exemplo, argumenta que quando os governantes esperam

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permanecer em seus postos, desejam sim controlar a burocracia, de modo a poder utilizá-la para

seus próprios fins. Mas, quando os governantes temem perder seus postos, podem defender que

a burocracia se torne autônoma em relação ao controle político, de modo que seus sucessores

não a utilizem para obter vantagens partidárias87.

A argumentação de Moe nos mostra a importância da necessidade de

institucionalização de Sistemas de Controle Interno assim como que a informação produzida seja

aberta à sociedade civil. Isto nos leva a refletir sobre outra questão importante. Embora este

trabalho tenha se limitado ao estudo dos controles sobre a burocracia, são necessárias algumas

palavras a respeito do controle sobre os políticos.

Uma das principais críticas a abordagem utilizada neste trabalho, diz respeito ao fato

de que o titular “detém uma escolha racional e tenta impô-la ou negociá-la com o agente, o que

desconsidera a hipótese do estabelecimento de relações espúrias e clientelista entre ambos”

(Falcão, 1999, p, 15). Em outras palavras, de que serve a implementação de tais reformas, como a

do modelo de Controle Interno proposto, no caso de haver governos corruptos? Neste sentido, a

centralização do poder e da informação pode ser equivalente à perda de valores democráticos e

servir como um instrumento organizacional da corrupção.

Poderíamos resumir o problema de agência a seguinte questão: como evitar que o

titular seja lesado pelo agente? O estabelecimento de relações espúrias e clientelista entre ambos

significa que se estabelece um conluio para lesar alguém. Assim, na perspectiva da Teoria de

Agência, o problema passa a ser outro dentro da cadeia de relações. Nesse caso, a cúpula política

(em conluio com a burocracia) deixa de ser o titular e passa a estar na posição de agente dos

87 Um exemplo interessante aconteceu no final do Governo Fleury em São Paulo (1991/4), quando foram levados todos os CPUs dos computadores da Secretaria de Governo com o intuito de não facilitar o controle ao novo governante.

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cidadãos, que estão sendo lesados. Dessa forma, a teoria nos aponta que este agente político

necessita de controle, porque, como demonstra o modelo comportamental, ele optará por um

comportamento oportunista quando tiver chance. Para isso existem os controles sociais e os

controle horizontais do tipo cheks and balances. Mesmo assim, existe a necessidade de se

entender estas relações – burocracia/governo e governo/cidadãos - como partes de uma cadeia e

que qualquer ausência de controle nesta cadeia de relações se dará em detrimento dos interesses

do titular último, o cidadão.

Desta forma ao adotarmos a perspectiva do problema de agência e tratarmos o

sistema de controles como sendo uma cadeia interdependente de relações titular e agente, damos

ao problema dos Controles Internos uma dimensão política. Isso nos leva a ver mais claramente a

interconexão entre os dois problemas: o weberiano e o madisoniano. Ou seja, garantir que seja o

agente político que tome decisões políticas e a necessidade de se garantir arranjos para controlar

as ações desses políticos.

Os arranjos de Controles Internos, como início de uma cadeia de controles

democráticos, têm um valor intrínseco, que é o controle da cúpula política sobre a burocracia.

Além disso, uma das principais contribuições do Controle Interno a essa cadeia de controles

democráticos refere-se ao fato de que a abertura da informação e o conhecimento contido neles

podem ser fundamentais para um funcionamento muito mais eficaz dos controles sociais e dos

controles horizontais. Pode permitir a produção de um fluxo contínuo de informações sobre a

Administração Pública e sobre as agências burocráticas, criando assim uma memória institucional

sobre cada uma delas e garantindo a continuidade do processo de controle (Loureiro, 2001, p.54).

Esse não é um processo simples. Os políticos desejam controlar, mas não desejam

ser controlados. Isto é, as informações e o conhecimento produzido pelos Controles Internos

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podem “parar na cúpula” e assim impedir um fluxo contínuo de informação para a sociedade.

Este problema nos remete a importância da transparência como um mecanismo que permita que as

informações produzidas pela burocracia fluam não apenas para o governante, mas também para o

cidadão. Da mesma forma, nos remete a importância dos mecanismos de alarme de incêndio como

uma via de mão dupla. Por um lado, como mecanismo de obtenção de informação para próprio

governante. Ou seja, um sistema estruturado e eficiente de Controle Interno deveria levar em

conta também esta forma de obtenção de informações de maneira a coordenar as informações

produzidas internamente para que seja possível a exploração de suas potencialidades. E por outro

lado, as informações produzidas por mecanismos de alarme de incêndio devem ser utilizadas para o

controle sobre os próprios governantes. Portanto, nessa relação titular (cidadãos) e agentes

(governo) é preciso que se garanta a abertura da informação produzida pelos mecanismos de

Controle Interno à sociedade.

Para concluir, ao tratarmos o problema de controle sob a perspectiva weberiana, a

partir de instrumentos da Teoria de Agência, fazemos com que a discussão dos controles sobre as

agências governamentais seja feita sob uma analise política. Em outras palavras, o controle como

um imperativo democrático. O que nos leva a problematizar as teses que pregam maior autonomia

à burocracia. Da mesma forma, este trabalho, nos faz analisar de forma diferente as teses que

defendem soluções minimalistas para os problemas derivados da crise fiscal do Estado. Estas vão

sendo superadas diante de avanços tecnológicos que estão propiciando: obter ganhos em

racionalidade administrativa, diminuir a dependência da expertise burocrática e a diminuição dos

custos na obtenção de informações. Em conseqüência, estão melhorando sensivelmente os

problemas de eficiência, coordenação, gestão e controle característicos das grandes estruturas

hierárquicas. Como aquelas teses baseiam-se principalmente em dar soluções a problemas de

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custo (eficiência) da burocracia, ao se baixar este custo por meio de instrumentos tecnológicos,

seus argumentos acabam se enfraquecendo. Por outro lado, a preocupação levantada neste

trabalho com a necessidade de se levar em conta o problema da legitimidade e a responsabilidade

política na Administração Pública, permanecem.

Abril de 2005

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ANEXO 1 DECRETO DE CRIAÇÃO DA UNIDADE DE GESTÃO ESTRATÉGICA (UGE)

Decreto Nº 39.914, de 11 de janeiro de 1995 - 11/01/1995 Publicação: Diário Oficial v.105, n.9, 12/01/1995 Institui, junto à Secretaria do Governo e Gestão Estratégica, a Unidade de Gestão Estratégica do Governo, define as diretrizes básicas para o seu funcionamento e dá providências correlatas MÁRIO COVAS, Governador do Estado de São Paulo, no uso de suas atribuições legais, Decreta: Artigo 1º - Fica instituída, junto à Secretaria do Governo e Gestão Estratégica, a Unidade de Gestão Estratégica do Governo, incumbida de dar suporte a relações, procedimentos e ações em nível de Governo: I - na concepção e implantação do planejamento estratégico e da gestão estratégica; II - no acompanhamento das ações, avaliação dos resultados e indicação de medidas de ajuste. Artigo 2º - A coordenação da Unidade de Gestão Estratégica do Governo será exercida pelo Assessor Especial do Governador de Gestão Estratégica, sem prejuízo de suas funções normais de assessoramento direto ao Governador do Estado. Artigo 3º - A Unidade de Gestão Estratégica do Governo desenvolverá suas atividades em dois níveis: I - a definição de uma agenda inicial, que dará apoio:

a) à fixação de prioridades do Governo; b) à concepção e ao desenvolvimento de programas relativos a:

1. reforma institucional da Administração; 2. valorização dos recursos humanos da Administração; 3. apoio para o estabelecimento de parcerias com o setor privado e com outros segmentos da sociedade organizados; 4. concepção e implantação de sistemas de informação como instrumento de gestão; c) ao acompanhamento e avaliação dos resultados das ações estratégicas de governo; II - o estabelecimento de um processo de planejamento estratégico, que enfatizará ações integradas, destinadas a obter melhor relação entre recursos empregados e benefícios alcançados. Artigo 4º - Integrarão a Unidade de Gestão Estratégica do Governo: I - Conselho Orientador; II - Conselho de Coordenação; III - Conselho de Assessoramento; IV - Comitê Executivo. Parágrafo único - A Unidade de Gestão Estratégica do Governo contará com uma Seção de Expediente. Artigo 5º - Caberá ao Conselho Orientador: I - estabelecer diretrizes, formular os planos estratégicos e criar condições para sua implementação; II - propor grupos executivos e comissões, para o desenvolvimento dos programas de que trata a alínea "b" do inciso I do artigo 3º e para outras iniciativas da Unidade. Artigo 6º - O Conselho Orientador será integrado por profissionais de reconhecido saber, com capacidade para contribuir no processo de planejamento e gestão estratégica. Artigo 7º - Caberá ao Conselho de Coordenação: - avaliar os trabalhos e propor ajustes de rumos; II - propor a alocação de recursos humanos nos grupos executivos e nas comissões. Artigo 8º - O Conselho de Coordenação terá a seguinte composição: I - membros do Conselho Orientador;

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II - Secretários-Adjuntos das Secretarias de Estado; III - um representante do Chefe da Casa Militar; IV - um representante do Secretário-Chefe da Casa Civil; V - um representante do Procurador-Geral do Estado. Artigo 9º - Ao Conselho de Assessoramento caberá avaliar ações e apresentar sugestões para o êxito dos planos estratégicos. Artigo 10 - O Conselho de Assessoramento terá a seguinte composição: I - membros do Conselho Orientador; II - representantes de universidades estaduais; III - membros convidados pelo Secretário do Governo e Gestão Estratégica, entre parlamentares, empresários e sindicalistas. Parágrafo único - O Secretário do Governo e Gestão Estratégica poderá, a seu critério, convidar outras pessoas de notório saber para integrarem o Conselho. Artigo 11 - O Conselho de Assessoramento será presidido pelo Secretário do Governo e Gestão Estratégica. Artigo 12 - Os Conselhos Orientador e de Coordenação serão presididos pelo Assessor Especial do Governador de Gestão Estratégica. Artigo 13 - A participação dos membros nas reuniões dos Conselhos de que trata este decreto indelegável. Artigo 14 - Ao Comitê Executivo cabe: I - articular a implementação das decisões e recomendações dos Conselhos de que trata este decreto; II - apoiar a ação dos grupos executivos e das comissões; III - acompanhar e avaliar os resultados. Artigo 15 - Os membros dos Conselhos, grupos executivos e comissões de que trata este decreto e os do Comitê Executivo serão designados pelo Secretário do Governo e Gestão Estratégica. Parágrafo único - Com vistas à designação dos membros dos grupos executivos e das comissões, o Secretário do Governo e Gestão Estratégica poderá requisitar servidores de outras Secretarias de Estado. Artigo 16 - A Seção de Expediente terá, no âmbito da Unidade de Gestão Estratégica do Governo, as atribuições previstas no artigo 98 do Decreto nº 21.984, de 2 de março de 1984. Artigo 17 - O Chefe da Seção de Expediente tem as competências previstas nos artigos 114 e 116 do Decreto nº 21.984, de 2 de março de 1984. Artigo 18 - Este decreto entrará em vigor na data de sua publicação. Palácio dos Bandeirantes, 11 de janeiro de 1995. MÁRIO COVAS Robson Marinho - Secretário-Chefe da Casa Civil Antônio Angarita - Secretário do Governo e Gestão Estratégica Publicado na Secretaria de Estado do Governo e Gestão Estratégica, aos 11 de janeiro de 1995. Revogado pelo Decreto nº 44.723, de 23 de fevereiro de 2000

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ANEXO 2

SEI - Sistema Estratégico de Informações PRINCIPAIS APLICATIVOS

Agenda 21 - Gestão de Programas Este sistema tem como objetivo agregar em uma única base os programas de governo, fornecendo um acompanhamento efetivo das entregas e indicadores por meio de gráficos e cronogramas com a situação prevista e realizada das etapas cadastradas para monitoramento. Cadastro de Obras e Ações do Governo Registra todas as ações realizadas pelo governo desde 1995. São mais de 140.000 ações cadastradas. Todas as ações estão registradas, desde a mais simples até as grandes obras como Metrô, rodovias, etc... Contratos de Locação de Imovéis Efetua o acompanhamento e o controle de preços dos contratos de imóveis locados pela Administração Pública Direta e Indireta do Estado. Contratos de Serviços Terceirizados - WEB Aplicativo desenvolvido para coleta e disponibilização de informações dos contratos de serviços terceirizados. Cadastro de Municípios Inamdimplentes O aplicativo tem como objetivo acompanhar as inadimplências (falta de prestação de contas) dos municípios, ficando o município inadimplente impedido de receber recursos do Estado até que sua situação seja regularizada. Decisões do Governador Automatiza as comunicações dos atos de autorizações do governador às secretarias envolvidas, possibilitando contínuo acompanhamento pelos órgãos interessados. Follow-UP de Assuntos e Projetos Este aplicativo tem como objetivo controlar o andamento de tarefas designadas pelo senhor Secretário de Estado, no âmbito de sua Secretaria. Gerenciamento de Licitações Este sistema encontra-se em desenvolvimento, porém já está disponível o módulo Solicitação de Licitação que permite cadastrar pedidos de contratação de serviços, nas modalidades Convite, Tomada de Preços e Concorrência, pelos solicitantes que tramitam por intermédio de um workflow eletrônico pelas áreas envolvidas até a aprovação da abertura da licitação. Manifestação Prévia Para Realização de Despesas O aplicativo tem como objetivo realizar o encaminhamento e acompanhamento eletrônico das solicitações de aprovação de despesas apresentadas pelos órgãos da administração direta e indireta do Estado, em cumprimento ao disposto no Decreto nº 41.165 de 20/09/96 que dispõe sobre a realização de despesas com convênios, contratos de serviços, obras e compras, cujo o valor seja igual ou superior a R$ 150.000,00, somente após manifestação prévia favorável do Secretário de Economia e Planejamento e do Secretário da Fazenda. Memorandos de Decisões

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Este aplicativo mantém uma base de dados com todas as decisões do governador relativas às demandas recebidas. Patrimônio Imobiliário Reúne dados e informações sobre os imóveis públicos Estaduais pertencentes à Fazenda do Estado. Pregão Trata-se de uma nova modalidade de licitação governamental, para aquisição de bens e serviços comuns. Os fornecedores que apresentarem as melhores propostas de preço por escrito disputam também com lances verbais, em sessão pública, vencendo o licitante que ofertar o produto/serviço pelo menor preço. Agenda 21 - Domino.Doc Aplicativo desenvolvido em Domino.Doc, com o objetivo de oferecer uma solução rápida e prática para distribuir e gerenciar pela Internet documentos associados ao programa Agenda 21 do Governo. Biblioteca Virtual O projeto Biblioteca Virtual do Governo do Estado de São Paulo faz parte do Centro de Referência e Disseminação de Informações da Casa Civil, e é um serviço eletrônico de pesquisa que se baseia em conceitos avançadas na área de recuperação e disseminação de informações, utilizado atualmente por grandes empresas. Controle de Afastamentos O aplicativo Controle de Afastamentos é executado na plataforma Domino/Notes, com interface WEB e permite o registro e controle das solicitações de afastamento de servidores do Poder Executivo Estadual, para prestação de serviços fora de sua área de origem. Clipping Eletrônico O Clipping eletrônico reúne notícias divulgadas em jornais e outros meios informativos consideradas relevantes para o órgão usuário. Convites e Representações Propicia controlar os convites e representações recebidas pelo Gabinete do Governador e pela Primeira-Dama, proporcionando a pronta recuperação dos documentos a qualquer tempo. Escriba O "Escriba" apresenta um relato das realizações relevantes das Secretarias e Órgãos vinculados (é a versão eletrônica da edição impressa do Escriba). Estatísticas do Poupatempo Este sistema visa o gerenciamento de informações estatísticas sobre a quantidade de atendimentos prestados pelos atendentes dos postos do Poupatempo. GA Documentos Tem como objetivo informatizar e agilizar a busca por informativos e pronunciamentos (documentos que compõem a agenda de compromissos) do governador. Gerenciamento de Remoção e Transferência de Presos Fornece apoio para a Coesp, no sentido de fornecer recursos para o atendimento da demanda de transferência dos presos entre as unidades prisionais.

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Gestão Documental Tem por fim atender às Secretarias de Estado e Órgãos da Administração Pública em suas necessidades de controle do fluxo de documentos em geral, visando agilizar a recuperação de suas informações. Guia de Informações sobre Serviços Públicos - WEB Disponibiliza para toda a população, informações sobre os serviços prestados por todos os órgãos da administração pública. Guia da Oferta de Informações e Sistemas - INTERNET Este guia pode ser definido como um catálogo ou um sistema de referência das informações organizadas em sistemas informatizados existentes nos órgãos públicos da administração estadual. Informações Políticas O Governo do Estado de São Paulo disponibiliza, através desta página, um painel completo dos últimos resultados eleitorais no Estado de São Paulo e uma detalhada relação das autoridades públicas estaduais e municipais, além de um pequeno conjunto de indicadores básicos para cada uma das cidades paulistas. Recursos Humanos do Estado O objetivo deste site é oferecer informações acerca de normas aplicáveis a servidores públicos estaduais no decorrer de sua vida funcional, especialmente aquelas relativas a direitos, deveres e vantagens. Sistema de Alteração Orçamentária - SAO Aplicativo desenvolvido por membros das equipes técnicas da Coordenadoria de Programação Orçamentária e da Assessoria de Informática da Secretaria de Economia e Planejamento, que condensa em uma única base de dados todos os procedimentos necessários à administração da execução orçamentária e financeira do orçamento estadual. Sistema Estadual de defesa do usuário de serviços públicos Tem como objetivo criar e assegurar um canal de comunicação direto entre os prestadores de serviços e os usuários, a fim de aferir o grau de satisfação dos usuários de serviços, bem como estimular a apresentação de sugestões. Monitora os prazos que identificam os vencimentos das solicitações.