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Frank Birbalsingh Os aborígenes na literatura canadense

Os aborígenes na literatura canadense

Frank Birbalsingh

Tradução:

Magali Sperling

BIRBALSINGH, Frank. Novels and the nation. Essays in Canadian literature. Toronto/Oxford: TSAR, 1995. p. 6-14: Aboriginals in Canadian Literature.

Comentários: Magali Sperling (UFSC)

Os aborígenes na literatura canadense

Em sua tese de doutorado, intitulada Branco no vermelho: perspectivas sobre os índios na literatura canadense inglesa1, uma das conclusões alcançadas por Leslie Monkman é de que os escritores canadenses falantes de língua inglesa geralmente "selecionam elementos da cultura vermelha que iluminam o mundo dos brancos ao invés de atreverem-se a dar uma voz autêntica ao ponto de vista do pele vermelha"2.

Essa conclusão é geralmente válida para a literatura canadense escrita em inglês até os anos sessenta. Nesse pe- ríodo, quando os interesses e o que diz respeito aos aborígenes não está com- pletamente negligenciado na literatura canadense, eles são apresentados como selvagens, insignificantes ou decadentes. O romance Wacousta, de John Richardson, e o poema épico "Brébeuf e seus irmãos", de E. J. Pratt, ilustram esse tipo de apresentação. Pode-se debater sobre algumas exceções: Duncan Campbell Scott, apesar de sua reputação recente de chauvinista e imperialista, é autor de "Os abandonados", um poema razoavelmente objetivo na apresentação da coragem estóica de uma velha mulher aborígene que bravamente aceita morrer como parte de um código moral de abandono das pessoas velhas à morte, quando não são mais suficientemente fortes para prestar seus serviços rotineiros à comunidade. Entretanto, em geral, até bem depois da Segunda Guerra Mundial, a literatura canadense não apresentou um interesse sério pelos aborígenes, sua história ou seu lugar na sociedade canadense. Não foi antes dos anos sessenta que os críticos notaram a negligência dos aborígenes na literatura e, a partir desse período, um forte interesse nos aborígenes emergiu como uma temática para os escritores canadenses. Nos anos setenta, vários autores, inclusive cientistas sociais e escritores populares como Farley Mowat, produziram muitas obras dando atenção parcial ou total aos aborígenes que viviam no Canadá.

Se esse novo enfoque literário levou a uma visão diferente dos interesses aborígenes é uma questão discutível, como sugere Monkman. O romance O lago sagrado (1972), de Margaret Atwood, e Belos perdedores (1969), de Leonard Cohen, parecem mais iluminar o mundo dos brancos do que dar uma visão autêntica dos interesses aborígenes. Dos escritores brancos contemporâneos que refletem sobre os aborígenes em suas obras, dois se aproximam mais de uma reflexão da cultura aborígene em seus próprios termos, ou em termos de uma coexistência equiparada entre aborígenes e brancos no Canadá: George Ryga e Rudy Wiebe.

Ryga é de descendência ucraniana, enquanto Wiebe pertence à comunidade menonita alemã, cuja visão religiosa e pacifista conduziu-a à colonização do oeste canadense durante o século XIX. Talvez por suas origens estarem em grupos de minoria, ao contrário da maioria dos canadenses da cultura de língua inglesa, isso possa ter alguma relação com a apresentação simpática dos aborígenes em suas obras.

1 Para uma melhor compreensão da leitura, os títulos das obras citadas foram traduzidos por mim, exceto a obra O lago sagrado, que já havia sido traduzido por Cacilda Ferrante. Ao final do trabalho há uma lista das obras citadas pelo autor com os títulos no original. (N.T.) 2 "White on Red: perspectives on the Indian in English-Canadian literature" (Diss., York University, 1975), 398. As idéias de Monkman sobre a representação literária dos canadenses aborígenes foram mais tarde ampliadas em seu livro A Native heritage: images of the Indian in English- Canadian literature (Toronto: University of Toronto Press, 1981). (N.A.)

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Frank Birbalsingh Os aborígenes na literatura canadense

Ryga é mais conhecido por O êxtase de Rita Joe3 , uma peça que descreve uma menina aborígene, Rita Joe, que migra para a cidade de Vancouver, onde é presa e acusada de vadiagem, agressão, prostituição e roubo de lojas.

Mais tarde, Rita é estuprada e assassinada. Sua experiência essencial é a de vitimização persistente. Os acontecimentos que levam à prisão de Rita são similares aos que envolvem os aborígenes nos Estados Unidos e na Austrália e os maoris na Nova Zelândia. Nesses países, as desigualdades entre os padrões de vida de uma maioria rica e os de minorias aborígenes pobres forçam as últimas a ir para as cidades em busca de trabalho. Mas para ter sucesso na cidade, os recém chegados devem se adaptar ao código de vida novo, alheio e urbano que pode produzir confusão, hostilidade e ações violentas, anti-sociais ou criminais.

Rita nasceu e cresceu em uma reserva, a qual trocou durante algum tempo pela escola pública, onde provou ser "um tipo de influência destruidora" (p. 47). Desde a infância, o contato de Rita com a cultura branca é perturbador, pois representa valores competitivos, urbanos e individualistas que são diferentes dos valores urbanos e comunitários da sua própria cultura. A discriminação racial torna tudo ainda pior. A irmã de Rita, uma costureira habilidosa, não consegue encontrar nenhum cliente branco em Vancouver e tem que voltar para a reserva depois de duas semanas. A confusão produzida em Rita devido a esse tipo de conflito cultural logo a trans- forma em uma criminosa. Quando, na peça, o juiz pergunta para ela: "Você é criança o suficiente para acreditar na civilização da qual fazemos parte ... não entende, Rita Joe?" (p.48) sua ironia expõe a impotência de uma situação, na qual as autoridades de Vancouver estão tão confusas por causa de Rita quanto ela está por causa deles. Com um paternalismo desper- cebido, o juiz considera Rita e os ou- tros aborígenes como mal agradecidos pelos benefícios oferecidos a eles pela civilização ocidental. "O que deve ser feito?", ele pergunta desesperado, "Vocês, índios, parecem ser incapazes de tomar uma atitude para ajudar vocês mesmos. Alguém deve cuidar de vocês. Mas quem? E por quanto tempo?" (p. 115). Essa visão relembra o rótulo que Rudyard Kipling deu às "raças inferiores", devido a uma necessidade de liderança benevolente, mas firme, por parte dos europeus, com códigos restritos de autoridade moral e legal. A carreira de Rita se encaixa no modelo cíclico criado por essa visão: como aborígene, ela está economicamente em desvantagem devido a um relacionamento desigual entre brancos e não-brancos canadenses. Porém, quando tenta superar suas desvantagens em Vancouver, é conduzida a um comportamento criminal, considerado a prova de que ela não deseja mudar suas desvantagens. A visão eurocêntrica do juiz obscurece o fato de que essa visão criou o relacio- namento desigual entre aborígenes e brancos, pois define Rita como preguiçosa e não-confiável, mais dada ao crime do que ao trabalho duro e regular.

Como os indígenas dos Estados Unidos, os aborígenes canadenses enfrentam tanto o fato de se tornarem assimilados nas cidades da América do Norte, quanto de serem julgados como fracassados, desajustados ou crimino- sos. Os maoris na Nova Zelândia e os aborígenes na Austrália enfrentam a mesma escolha. Como diz a professora de Rita, Srta. Donohue: "Você põe cobre e estanho em um cadinho4 e dali forma-se o bronze - acontece o mesmo com as pessoas" (p.62). A teoria do cadinho pressupõe a assimilação. Entretanto, a Srta. Donohue diz para Rita: "Você nunca formará o bronze. Vindo de nenhum lugar e indo para lugar algum" (p.64). Se a inadequação de Rita é devido a sua própria personalidade ou a sua cultura nativa, Srta. Donohue não diz. Porém, não há dúvida de que, no contexto da peça como um todo, a cultura de Rita é considerada inadequada para uma mistura tranqüila no modelo cultural canadense predominante.

Ao contrário da Srta. Donohue, a política oficial do governo canadense favorece uma sociedade multicultural na qual diferentes grupos étnicos coexistem, mantendo seus traços culturais herdados, enquanto formam parte de um mosaico nacional. A teoria canadense provavelmente se opõe à teoria da mistura existente nos Estados Unidos. Entretanto, a Srta. Donohue não está tão errada quanto parece. Apesar das reivindicações federais e provinciais no Canadá, a experiência de Rita parece se encaixar mais na teoria da mistura do que na do mosaico. A experiência dos antilhanos não-brancos na ficção do escritor de Toronto, Austin Clarke, apoia essa posição. Apesar da política oficial de encorajar os aborígenes de Ryga e os antilhanos de Clarke a acreditarem que podem manter suas identidades étnicas enquanto cidadãos canadenses, esses personagens descobrem que é necessária a assimilação na cultura urbana-industrial praticada pela maioria dos canadenses. Como os indígenas canadenses pré-europeus, os aborígenes de Ryga percebem a duplicidade nos contrastes inerentes entre a política oficial e o verdadeiro tratamento dado aos grupos de minorias étnicas no Canadá.

3 George Ryga, The ecstasy of Rita Joe (Toronto: Talon Books, 1970). (N.A.) 4 O termo cadinho, apesar de não ser comumente usado em português, foi a opção escolhida para a tradução do termo consagrado em inglês melting pot por transmitir seu sentido literal de recipiente de mistura. (N.T.)

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Em O êxtase de Rita Joe, Jaimie Paul - o amante de Rita Joe - manifesta um forte ressentimento contra a duplicidade oficial. Quando ele toma consciência de que deve submeter-se à lei branca, Jaimie grita para o juiz: "Ensine-me quem eu realmente sou! Você me tirou isso! Devolva-me o verdadeiro eu e então poderei viver como um homem!" (p.107). A perda de identidadade de Jaimie, ou o que ele tem como sendo uma ameaça à sua integridade cultural aborígene, alimenta impulsos destrutivos que logo levam-no, como Rita, a ficar contra a lei.

O êxtase de Rita Joe aponta duas abordagens principais adotadas pelos aborígenes na procura por um espaço na sociedade que seja mais compatível com o papel de indígenas canadenses. De um lado, temos a investida zangada, radical e militante de Jaimie Paul somada ao seu brado: "Nós lutaremos para vencer" (p.111). Por outro lado, o pai de Rita Joe, David, propõe uma investida menos violenta representada na imagem de uma larva de libélula que espera pacientemente seu gradual crescimento até se tornar forte o suficiente para irromper de seu casulo para a liberdade e a independência. Através dessa imagem, David Joe sugere que a ação paciente e modera da servirá melhor aos aborígenes do que uma ação militante em busca de seus direitos. Jaimie considera David Joe um Pai Tomás e trata seu método com desprezo. Segundo ele, David Joe enquadra-se no estereótipo do aborígene dócil e inofensivo que é ajudado por brancos paternalistas. "Vá contar isso aos brancos", Jaimie grita ridicu- larizando David Joe, "Eles estão de olho nos índios que mantêm seu orgu- lho mesmo quando estão sofrendo... desde que eles continuem a não lutar por seus direitos" (p.110). Se tal ridicularização é ou não justificável, a mi- litância de Jaimie provoca sua própria morte e leva o juiz a ameaçá-lo e a outros como ele com "mais prisões e mais policiais em cada cidade, grande ou pequena, de todo o país" (p.107). Já que a maioria dos brancos tem, sem dúvida, superioridade no que diz respeito a força física, a violência não é, realmente, uma solução para o problema dos direitos dos aborígenes.

Ao contrário de Jaimie, a dignidade gentil de David Joe e a firmeza de seus gestos, os quais são indicados no roteiro da peça, implica que seu método tem a simpatia do autor. Ele não é um "Pai Tomás" bajulador, como Jaimie o acusa. Contudo, sua presença fugaz e seu papel marginal na peça não conseguem sustentar esperança em seu método. Enquanto Ryga parece favorecer a ação moderada e não-violenta, ele também sente que tal ação não terá sucesso. Apesar dessa conclusão aparentemente pessimista, a obra O êxtase de Rita Joe mostra uma ampla apresentação dos aborígenes canadenses. Ela não rejeita a cultura aborígene como sendo não-civilizada; ela não trata os aborígenes de forma benevolente; nem percebe neles as virtudes estóicas e naturais dos nobres selvagens. O que Ryga faz é um retrato amplo e preciso da típica experiência aborígene em uma cidade canadense, ao menos como era quarenta anos atrás, quando evidente- mente o sistema de reservas havia isolado os aborígenes da parte central da vida no Canadá.

Por seu estudo dos aborígenes canadenses em As tentações de Grande Urso5, Rudy Wiebe volta-se para a história que produziu o sistema das reservas. As tentações de Grande Urso é uma história situada no oeste canadense, na segunda metade do século XIX, e oferece uma versão ficcional de acontecimentos reais envolvendo a carreira do líder Cree6 Grande Urso. Os acontecimentos principais do romance incluem o Massacre do Lago Frog, a captura do Forte Pitt, a campanha militar britânica contra o bando Cree de Grande Urso, o tratamento dos prisioneiros brancos no território Cree, o julgamento de Grande Urso e sua prisão por três anos na penitenciária de Stony Mountain. Entretanto, a história principal descreve o contato inicial entre os aborígenes e os brancos no oeste canadense e o processo histórico pelo qual o território passou gradativamente para domínio britânico. Enquanto o resultado primeiro dos acontecimentos não é modificado, o autor fornece uma reconstrução imaginativa das circunstâncias, pensamentos e motivos das figuras-chefe da história e uma análise psicológica das suas relações.

Em uma tentativa de objetividade, talvez Wiebe apresente os aborígenes e os brancos como bastante dispostos a discutir seus problemas mútuos amigavelmente. Seus aborígenes parecem ter uma visão notavelmente equilibrada, tanto deles mesmos, quanto do conflito geral entre eles e os britânicos. Os britânicos também parecem levar em consideração os interesses dos aborígenes com um cuidado fora do comum. Porém, os elementos intrínsecos ao conflito entre os dois lados são autênticos.

A história principal, de uma cultura indígena frágil e dividida que luta inutilmente contra a invasão de suas terras por europeus mais poderosos, é uma história que aparece em vários outros países que estiveram sob domínio europeu nos últimos três ou quatro séculos. Em muitos desses países, o contato inicial com o povo indígena foi feito pelos missionários cristãos europeus, seguidos por mercadores, administradores e colonizadores; e em todos os países - nas Américas, na África, na Ásia e no Pacífico Sul - a história acaba como em As tentações de Grande Urso, com a dominação definitiva do povo indígena pelos europeus. 5 Rudy Wiebe, The temptations of Big Bear (Toronto: McClelland and Stewart, 1973). 6 Os Crees são uma das tribos algonquinas do Canadá central. (N.T.)

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Frank Birbalsingh Os aborígenes na literatura canadense

Independentemente das ações dos indivíduos ou dos grupos, ou de suas intenções originais e acordos, inclusive tratados oficiais firmados e declarações, a obra As tentações de Grande Urso revela que as atitudes se tornaram cada vez mais polarizadas logo depois dos contatos iniciais entre brancos e aborígenes no Canadá. Essa polarização é percebida no início do romance pelo chefe Sioux7 Touro Sentado:

"Até mesmo o melhor homem branco", disse Touro Sentado, "pode, finalmente, ser nada mais do que ruim para o Povo. A polícia não me deixa morrer de fome, sim, mas eles não me deixarão possuir a terra que me ajuda a viver. Eles não podem, dizem, porque minha terra é onde os homens de casaco azul rondam. A terra aqui é da Rainha. Quem é a Rainha Branca? Quem é o Pai Branco nessa Washington? Eu pergunto. Como é que eles são tão grandes? O bom homem branco que é policial me disse algo que eu nunca tinha ouvido: esses dois dividiram tudo que está entre eles, essa parte é minha, essa parte é sua, e eu pertenço à parte onde o Pai Branco em Washington tem soldados que querem me matar. A polícia diz que eles não podem interferir. Mas eu digo que se eles fossem do Povo, eles ajudariam. Não! Não existem mais homens bons ou maus. Como eu pensei uma vez. Do jeito que está agora, existe apenas o Povo e os Peles Brancas." (pp. 102-103).

Touro Sentado compreende o que a percepção tardia de hoje revela como óbvio: que desde o começo não havia possibilidade real de acordo ou de uma coexistência igual no relacionamento entre aborígenes e brancos no oeste canadense, pois esse relacionamento acarretava necessariamente uma disputa pelo poder entre dois lados, com forças desiguais. Não era somente óbvio que o lado mais forte venceria, era também inevitável que iria impor seus costumes ao outro lado.

Esse processo de assimilação imposto pela cultura dominante é evidente na carreira de Grande Urso, que inicialmente toma atitudes moderadas de compromisso com os britânicos, só abrindo mão delas em favor de uma posição mais desafiadora, quando, mais tarde, ele percebe que a integridade de sua cultura já está diluída no contato inicial com os britânicos. No entanto, o desafio de Grande Urso o leva a um conflito contra a autoridade britânica em que ele perde. Sua carreira ilustra o privilégio fundamental de apenas um dos lados no relacionamento entre aborígenes e brancos no Canadá, o que pode ser observado, cem anos depois, nas vidas de Rita Joe e Jaimie Paul, que também são obrigados a submeterem sua integridade cultural à dominação branca. Se não tem outro objetivo, As tentações de Grande Urso remove a cortina de fumaça de equívocos e confusão sobre tratados, a qual geralmente encobre o fato de que, uma vez feito o contato, nunca havia qualquer alternativa à dominação britânica sobre o povo indígena no Canadá.

Esse é o primeiro esclarecimento de O êxtase de Rita Joe e As tentações de Grande Urso: que o destino de Rita está tão selado quanto o de Grande Urso. Suas experiências comparadas às da heroína maori em A menina maori, um romance do escritor neozelandês Noel Hilliard, ou com o do herói de A queda do gato selvagem, um romance do escritor aborígene australiano Colin Johnson, que mais tarde mudou seu nome para Mudrooroo Narogin. Os romances de Randolph Stow, um branco australiano, também sugerem que os aborígenes australianos partilham o mesmo destino. Esses escritores canadenses, neozelandeses e australianos percebem implicações idênticas no conflito entre as tradições indígenas e as culturas européias que predominam nos seus países. A experiência de Rita Joe, Grande Urso e seus povos é melhor compreendida dentro desse contexto da história colonial, no qual nações agressivamente competitivas e tecnologicamente expansivas do oeste europeu usaram forças militares superiores para se espalhar por todo o mundo.

Juntamente com as várias injustiças da dominação colonial, essas nações trouxeram máquinas e tecnologia, o que levou ao estabelecimento de uma forma de vida urbano-industrial em todas as antigas colônias britânicas e em grande parte do resto do mundo.

O que as culturas indígenas enfrentam hoje nessas ex-colônias não é simplesmente a injustiça da dominação colonial, mas a doutrinação de uma cultura mecanicista, com um escopo mundial e cuja influência é irresistível porque oferece vantagens, tais como transporte mais rápido, vantagens médica, esquemas de trabalho enxutos e padrões de vida luxuosos. Mesmo se as mais óbvias injustiças políticas, sociais e econômicas, incluindo a discriminação racial, fossem atenuadas, culturas aborígenes em minoria na América do Norte e no Pacífico ainda enfrentariam a assimilação em um sitema de vida amplamente urbano e industrial que é buscado por todos hoje, inclusive pelos povos mais pobres dos países de terceiro mundo.

7 Indivíduo do grupo dos dakotas, índios do território norte-americano. (N.T.)

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Entretanto, o predomínio desse estilo de vida por todo o mundo não deve ser considerado como absoluto ou permanente. Enquanto suas vantagens materiais são, sem dúvida, atraentes, seus efeitos alienantes foram notados por artistas, cientistas e outros críticos que percebem, junto com o crescimento da riqueza material, um declínio da consciência espiritual em grande parte do mundo ocidental hoje. Alguns escritores sugerem que esse declínio pode ser restaurado através da adoção de aspectos das tradições indígenas. Em Uma passagem para a Índia, E. M. Forster sugere que o estilo de vida sucedido e tecnologicamente eficiente dos "telegramas e das fúrias" pode se beneficiar do contato com os modos de vida orientais. O herói de Saul Bellow em Henderson, o rei da chuva não está satisfeito com a riqueza americana e aprende ciência e tecnologia com os africanos que viviam de acordo com tradições não tocadas pelos europeus. Rod Finlayson, na Nova Zelândia, e Randolph Stow, na Austrália, traçaram o povo indígena e os brancos nos seus países. No Canadá, O lago sagrado de Margaret Atwood celebra o efeito libertador da vida no norte canadense, longe da civilização e da tecnologia. Da mesma forma, a heroína do romance O urso de Marian Engel percebe deficiências na sua herança cultural canadense branca, anglo-saxão, protestante8 quando tem um contato íntimo e sexual com um urso trazido para ela por uma velha mulher aborígene, em uma remota ilha no norte de Ontário. Mesmo se Atwood e Engel não recomendam a adoção de tradições pré-européias no Canadá, seus livros ajudam a compensar a ausência histórica da representação aborígene na literatura canadense, ao menos até os anos sessenta.

Por tudo isso, continua em discussão se os livros recentes dos escritores brancos nos dão uma grande contribuição sobre as condições reais dos aborígenes que vivem no Canadá hoje. Exceto a narrativa de aborígenes, de Pauline Johnson à Tomson Highway, algumas das melhores descrições das condições de vida dos aborígenes encontram-se em trabalhos não-ficcionais de escritores canadenses. Romancistas, poetas e dramaturgos estão menos preocupados com detalhes da vida aborígene do que com o contato geral (filosófico) entre os aborígenes e as civilizações brancas no Canadá. Por exemplo, no poema "O orgulho", o poeta John Newlove sugere que uma identidade nacional, verdadeiramente independente e que abrange a todos, somente surgirá no Canadá depois que os brancos reconhecerem ligações essenciais de continuidade com os povos que foram os primeiros a fazer seus lares nesse país:

"Até que

finalmente nos tornemos eles

em nossos desejos, nossos desejos,

miragens, espelhos, que são deles, desejos difíceis

de controlar, e eles

tornarem-se nossos verdadeiros antepassados, moldados

pelos mesmos ventos e chuvas,

e nessa terra nós

sejamos seu povo, vindos

para a vida de novo."9

Com tais sugestões, os escritores do Canadá contribuem cada vez mais para nosso entendimento do papel histórico desempenhado pelos povos indígenas na construção de uma nação canadense.

Obras citadas pelo autor:

- White on Red: perspectives on the Indian in English-Canadian literature.

- "Brébeuf and his brethren". 8 Tradução da sigla WASP: White Anglo-Saxon Protestant, indivíduo da classe dominate nos Estados Unidos (N.T.) 9 John Newlove, "The pride", in Poets of contemporary Canada, ed. Eli Mandel (Toronto: McClelland and Stewart, 1972), 83-84. (N.A.)

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Frank Birbalsingh Os aborígenes na literatura canadense

- "The forsaken".

- Surfacing.

- Beautiful losers.

- The ecstasy of Rita Joe.

- The temptations of Big Bear.

- The Maori girl.

- Wild cat falling

- A passage to India.

- Henderson the rain king.

- Bear.

- "The pride".

Glossário:

aboriginal: aborígene

hard-riding desires: desejos difíceis de controlar

melting pot: cadinho

melting pot theory: teoria da mistura

the bluecoats: os homens de casaco azul

wasp: branca, anglo-saxã, protestante