ornamentação ao violão

122
AMADEU ROSA O VIOLÃO E A ORNAMENTAÇÃO NAS OBRAS DE FRANÇOIS COUPERIN: Um estudo sobre a técnica do ornamento barroco aplicada ao violão Monografia apresentada ao Curso de Graduação em Música da Faculdade Cantareira, em cumprimento parcial às exigências para obtenção do título de Bacharel em Música. Orientador: Prof. Celso Mojola São Paulo Novembro/2010

Upload: hugo-pordeus

Post on 14-Feb-2015

119 views

Category:

Documents


45 download

TRANSCRIPT

Page 1: Ornamentação ao violão

AMADEU ROSA

O VIOLÃO E A ORNAMENTAÇÃO NAS OBRAS DE FRANÇOIS COUPERIN:

Um estudo sobre a técnica do ornamento barroco aplicada ao violão

Monografia apresentada ao Curso de Graduação em Música da Faculdade Cantareira, em cumprimento parcial às exigências para obtenção do título de Bacharel em Música.

Orientador: Prof. Celso Mojola

São Paulo Novembro/2010

Page 2: Ornamentação ao violão

i

À minha mãe

Page 3: Ornamentação ao violão

ii

AGRADECIMENTOS

Agradeço à minha mãe, principal responsável pela conclusão da minha graduação Agradeço à minha tia Leda, Ângela, e ao tio Gilmar, pelo total apoio e por me proporcionarem condições para o meu crescimento musical. Agradeço à Ana Lígia, pelo apoio, atenção, alegria proporcionada e companhia. Agradecimentos especiais ao meu eterno professor e amigo Henrique Pinto. Agradecimentos a Pedro Cameron, Geraldo Ribeiro, Márcia Braga, Paulo Martelli e Fernando Lima, professores de violão que contribuíram para meu desenvolvimento musical. Agradeço ao luthier Samuel Carvalho, por me possibilitar a utilização de um bom instrumento durante meu curso Agradeço a Sra. Jane Lombardi, por possibilitar meus primeiros passos com o violão. Agradeço à orientação e a atenção dada pelo meu orientador Celso Mojola. Sinceros agradecimentos a todos meus amigos.

Page 4: Ornamentação ao violão

iii

SUMÁRIO

Lista de Figuras ............................................................................................... 1

Resumo ....................................................................................................... 9

Abstract ..................................................................................................... 10

Introdução ...................................................................................................... 11

Capítulo 1 — Performance histórica e a tradição da ornamentação nas obras

do período barroco ....................................................................................... 15

1.1 O período em questão..................................................................... 15

1.2 Escolhas possíveis na performance histórica. ............................... 21

1.3 A tradição da ornamentação ........................................................... 28

1.4 Ornamentação essencial ou francesa e a contribuição de François

Couperin................................................................................................ 31

Capítulo 2 — Um estudo técnico de ornamentação baseado na tabela de

ornamentação de François Couperin ............................................................ 34

2.1 Port de voix coulée .......................................................................... 34

2.2 Accent. ............................................................................................ 36

2.3 Tierce coulée, en montant. .............................................................. 39

2.4 Tierce coulée, en descendant.. ....................................................... 42

2.5 Pincé simple .................................................................................... 44

2.6 Pincé double. .................................................................................. 46

2.7 Tremblement appuyé, et lié. ............................................................ 49

Page 5: Ornamentação ao violão

iv

2.8 Tremblement lié sans etre appuyé. ................................................. 51

2.9 Tremblement détaché. .................................................................... 52

2.10 Pincés diésés, et bémolisés. ......................................................... 54

2.11 Pincé continu. ................................................................................ 54

2.12 Tremblement continu..................................................................... 56

2.13 Arpègement, en montant. .............................................................. 58

2.14 Arpègement, em descendant. ....................................................... 59

2.15 Coulés, dont lês points marquent que la seconde note de chaque

tems doit être plus appuyée. ................................................................. 61

2.16 Aspiration ...................................................................................... 62

2.17 Suspension. .................................................................................. 63

2.18 Tremblement ouvert.. .................................................................... 64

2.19 Tremblement fermé. ...................................................................... 66

2.20 Port de voix simple. ....................................................................... 67

2.21 Port de voix double........................................................................ 69

2.22 Double. .......................................................................................... 71

2.23 Unisson. ........................................................................................ 73

Capítulo 3 — Ornamentação em Les Sylvains de François Couperin ........... 75

Conclusão .................................................................................................... 104

Referências ................................................................................................. 107

Anexos................... ...................................................................................... 109

Anexo A............................................................................................... 109

Anexo B............................................................................................... 111

Anexo C. ............................................................................................. 114

Page 6: Ornamentação ao violão

1

LISTA DE FIGURAS

FIG. 1 — Suspention grafada na tabela de ornamentação de J. P Rameau . 33

FIG. 2 — Suspention grafada na tabela de ornamentação de François

Couperin .................................................................................................... 33

FIG. 3 — Port de voix coulée ........................................................................ 34

FIG. 4 — Execução da apojatura longa utilizando uma corda do violão e

técnica de ligados ......................................................................................... 35

FIG. 5 — Execução da apojatura longa utilizando uma corda do violão sem a

técnica de ligados .......................................................................................... 35

FIG. 6 — Execução da apojatura longa utilizando duas cordas do violão .... 36

FIG. 7 — Accent ............................................................................................ 37

FIG. 8 — Apojatura de passagem executada em uma corda do violão com a

utilização da técnica de ligados de mão esquerda ....................................... 38

FIG. 9 — Apojatura de passagem executada apenas em uma corda do violão,

sem a técnica de ligados de mão esquerda .................................................. 38

FIG. 10 — Apojatura de passagem executada com a técnica de Campanella 39

FIG. 11 — Tierce coulée, en montant ........................................................... 39

FIG. 12 — Apojatura dupla ascendente realizada com a técnica de ligados de

mão esquerda ............................................................................................... 40

FIG. 13— Apojatura dupla ascendente realizada com o efeito de Campanella 41

FIG. 14 — Slides .......................................................................................... 41

Page 7: Ornamentação ao violão

2

FIG. 15— Slide proposto por Yates digitado para ser executado em uma

corda do violão ............................................................................................. 42

FIG. 16 — Tierce coulée, en montant ........................................................... 42

FIG. 17 — Slide realizado com a utilização de três cordas do violão ........... 43

FIG. 18 — Slide realizado em duas cordas do violão, com a utilização da

técnica de ligados ......................................................................................... 43

FIG. 19 — Pincé simple ................................................................................ 44

FIG. 20 — Mordentes inferiores executados em apenas uma corda do violão 45

FIG. 21 — Mordente, executado ao violão com a utilização de duas cordas do

violão ..................................................................................................... 45

FIG. 22 — Mordente inferior executado em duas cordas do Violão ............. 46

FIG. 23 — Pincé double ............................................................................... 46

FIG. 24 — Ornamento múltiplo, executado com a mão esquerda por

movimento de ligados ................................................................................... 47

FIG. 25 — Mordente múltiplo, executado com a técnica de ligados de mão

esquerda do violão e com o deslizamento até a ultima nota. ....................... 48

FIG. 26 — Mordente múltiplo, executado com movimento de ligados e

alternância dos dedos da mão esquerda ...................................................... 38

FIG. 27 — Mordente múltiplo executado em duas cordas do violão ............ 49

FIG. 28 — Tremblement appuyé et lié .......................................................... 49

FIG. 29 — Tremblement ............................................................................... 50

FIG. 30 — ―Tremblement appuyé, et lié‖ executado em uma corda do violão,

com a técnica de ligados de mão esquerda ................................................. 50

FIG. 31 — “Tremblement appúyé, et lié” executado em duas cordas do violão 50

Page 8: Ornamentação ao violão

3

FIG. 32 — Tremblement lié sans etre appuyé .............................................. 51

FIG. 33 — Trinado antecipatório, executado com a utilização da técnica de

ligados de mão esquerda ............................................................................. 51

FIG. 34 — Trinado antecipatório, executado com a utilização de duas cordas

do violão ..................................................................................................... 52

FIG. 35 — Tramblement détaché ................................................................. 52

FIG. 36 — Tremblement détaché executado ao violão com a utilização da

técnica de ligados ......................................................................................... 53

FIG. 37 — Tremblement détaché executado com a utilização de duas cordas

do violão ..................................................................................................... 53

FIG. 38 — Pincés diéses, et bémolisés ........................................................ 54

FIG. 39 — Pincé continu ............................................................................... 55

FIG. 40 — Mordente contínuo, utilizando a técnica de ligados do violão ..... 55

FIG. 41 — Mordente contínuo, com a utilização da técnica de ligados do

violão, com a alternância dos dedos 3 (três), 2 (dois) e 1 (um) da mão

esquerda ...................................................................................................... 56

FIG. 42 — Mordente contínuo executado com a utilização de duas cordas do

violão ..................................................................................................... 56

FIG. 43 — Tremblement continu .................................................................. 57

FIG. 44 — Trinado contínuo executado com a utilização da técnica de ligados

do violão .................................................................................................... 57

FIG. 45 — Trinado contínuo executado com a utilização da técnica de ligados

de mão esquerda .......................................................................................... 58

Page 9: Ornamentação ao violão

4

FIG. 46 — Trinado contínuo executado com a utilização de duas cordas do

violão .................................................................................................... 58

FIG. 47 — Arpègement, en montant ............................................................. 59

FIG. 48 — Arpejo em movimento ascendente executado com os dedos

polegar, indicador e médio ou com os dedos indicador, médio e anular ...... 59

FIG. 49 — Arpègement, en descendant ....................................................... 60

FIG. 50 — Arpejo descendente realizado com a utilização dos dedos anular,

médio e indicador ou dos dedos médio, indicador e polegar da mão direita 60

FIG. 51 — Coulés, dont les points marquent que la seconde note de chaque

tems doit être plus appuyée .......................................................................... 61

FIG. 52 — Forma de execução do ―Coulés, dont les points marquent que la

seconde note de chaque tems doit être plus appuyée‖ ................................. 61

FIG. 53 — Aspiration .................................................................................... 63

FIG. 54 — Suspension ................................................................................. 64

FIG. 55 — Tremblement ouvert .................................................................... 65

FIG. 56 — Tremblement ouvert executado no violão com a combinação da

técnica de ligados de mão esquerda e da utilização de Campanella ............ 65

FIG. 57— Tremblement ouvert executado ao violão com a utilização do efeito

de Campanella e da técnica de ligados de mão esquerda ............................ 66

FIG. 58 — Tremblement fermé ..................................................................... 66

FIG. 59 — Tremblement fermé executado ao violão com a utilização da

combinação da técnica de ligados e do efeito da Campanella ...................... 67

FIG. 60 — Tremblement firme executado ao violão com a utilização do efeito

de Campanella .............................................................................................. 67

Page 10: Ornamentação ao violão

5

FIG. 61 — Port de voix simple ...................................................................... 68

FIG. 62 — Port de voix simple realizado em apenas uma corda do violão, por

movimento de ligados de mão esquerda ....................................................... 68

FIG. 63 — Port de voix simple realizado em uma corda do violão, por

movimento de ligados de mão esquerda e finalizado com um arraste .......... 69

FIG. 64 — Port de voix simple executado ao violão com a utilização de duas

cordas .................................................................................................... 69

FIG. 65 — Port de voix double ...................................................................... 70

FIG. 66 — Port de voix double executado ao violão com a utilização da

técnica de ligados de mão esquerda. ............................................................ 70

FIG. 67 — Port de voix double realizado ao violão com a utilização da técnica

de ligados de mão esquerda e arraste para a última nota ............................. 71

FIG. 68 — Port de voix double executado com a utilização de duas cordas do

violão. ...................................................................................................... 71

FIG. 69 — Double .......................................................................................... 72

FIG. 70 — Grupeto realizado com a combinação da técnica de ligados de

mão esquerda e da Campanella .................................................................... 72

FIG. 71 — Grupeto realizado com a utilização do efeito de Campanella ...... 73

FIG. 72 — Unisson ........................................................................................ 73

FIG. 73 — Unisson realizado na Sonata K490 de Domenico Scarlatti .......... 74

FIG. 74 — Port de voix simple e Port de voix double presentes no compasso

Compasso 1 .................................................................................................. 76

FIG. 75 — Port de voix simple executado ao violão ...................................... 76

FIG. 76 — Port de voix double executado ao violão ...................................... 77

Page 11: Ornamentação ao violão

6

FIG. 77 — Pincé simple, que aparece no Compasso 2. ................................ 77

FIG. 78 — Pincé simple executado ao violão ................................................ 78

FIG. 79 — Pincé simple que aparece no compasso 3 ................................... 78

FIG. 80 — Pincé simple executado ao violão ................................................ 79

FIG. 81 — Mordente duplo presente no compasso 4. ................................... 79

FIG. 82 — Mordente duplo executado ao violão ........................................... 80

FIG. 83 — Trinado encontrado no Compasso 7 ............................................ 80

FIG. 84 — Trinado executado ao violão ........................................................ 80

FIG. 85 — Port de voix simple e Port de voix coulée, encontrados no

compasso 9 ................................................................................................... 81

FIG. 86 — Port de voix simple executado ao violão ...................................... 82

FIG. 87 — Apojatura longa executada ao violão ........................................... 82

FIG. 88 — Grupeto e Mordente duplo, ocorrentes no compasso 10. ............ 83

FIG. 89— Grupeto executado ao violão. ....................................................... 83

FIG. 90 — Mordente duplo executado ao violão ........................................... 84

FIG. 91 — Compasso 11 ............................................................................... 84

FIG. 92 — Mordente duplo, executado ao violão .......................................... 85

FIG. 93 — A dupla ocorrência do Port de voix coulée, no Compasso 12 ...... 85

FIG. 94 — Port de voix coulée executado ao violão ...................................... 85

FIG. 95 — Port de voix coulée executado ao violão. ..................................... 86

FIG. 96 — Ocorrência de um port de voix coulée e de um Slide, no compasso

13 ..................................................................................................... 86

FIG. 97 — Port de voix coulée executado ao violão ...................................... 87

FIG. 98 — Slide executado ao violão ............................................................ 87

Page 12: Ornamentação ao violão

7

FIG. 99 — Mordente duplo, encontrado no compasso 14 ............................. 87

FIG. 100 —Mordente duplo, executado ao violão ......................................... 88

FIG. 101 — Tierce coulée e mordente duplo, encontrados no Compasso 15 88

FIG. 102 — Tierce coulée, executado ao violão ............................................ 89

FIG. 103 — Apojatura dupla, executada ao violão. ....................................... 89

FIG. 104 — Apojaturas longas encontradas no Compasso 18 ...................... 90

FIG. 105 — Apojatura longa, executada ao violão ........................................ 90

FIG. 106 — Apojatura longa, executada ao violão ........................................ 91

FIG. 107 — Apojatura longa, executada ao violão ........................................ 91

FIG. 108 — Port de voix double, encontrado no Compasso 19 ..................... 91

FIG. 109 — Port de voix double, executado ao violão ................................... 92

FIG. 110 — Mordente duplo, encontrado no compasso 20 ........................... 92

FIG. 111 — Mordente duplo, executado ao violão ........................................ 93

FIG. 112 — Mordente duplo, encontrado no Compasso 28 .......................... 93

FIG. 113— Mordente duplo, executado ao violão ......................................... 94

FIG. 114 — Apojatura longa, encontrada no Compasso 29 .......................... 94

FIG. 115— Apojatura longa, executada ao violão. ........................................ 94

FIG. 116 — Compasso 31 ............................................................................. 95

FIG. 117 — Mordente duplo, executado ao violão ........................................ 95

FIG. 118 — Trinado, executado ao violão. .................................................... 96

FIG. 119 — Trinado, encontrado no Compasso 44 ....................................... 96

FIG. 120 — Trinado, executado ao violão ..................................................... 97

FIG. 121 — Apojatura longa, encontrada no Compasso 55 .......................... 97

FIG. 122 — Apojatura longa, executada ao violão ........................................ 98

Page 13: Ornamentação ao violão

8

FIG. 123 — Trinado, encontrado no Compasso 56 ....................................... 98

FIG. 124 — Trinado, executado ao violão ..................................................... 99

FIG. 125 — Apojatura longa e trinado, localizados no Compasso 61 ........... 99

FIG. 126 — Apojatura longa, executada ao violão. ..................................... 100

FIG. 127 — Trinado, executado ao violão. .................................................. 100

FIG. 128 — Mordente duplo, encontrado no Compasso 65 ........................ 101

FIG. 129 — Mordente duplo, executado ao violão ...................................... 101

FIG. 130 — Port de voix simple, encontrado no Compasso 66 ................... 102

FIG. 131 — Port de voix simple, executado ao violão ................................. 102

FIG. 132 — Trinado, encontrado no Compasso 69 ..................................... 102

FIG. 133 — Trinado, executado ao violão ................................................... 103

Page 14: Ornamentação ao violão

9

RESUMO

Baseado no legado deixado por François Couperin, o presente

trabalho propõe um estudo técnico de ornamentação barroca voltada ao

violão, através da investigação e transcrição de sua tabela de ornamentação,

sempre visando, como principal objetivo, a melhor compreensão e realização

da arte da ornamentação barroca. O trabalho é dividido em três capítulos

distintos. No primeiro capítulo, são apresentados os principais fundamentos

históricos e interpretativos da música barroca, a fim de situar o leitor em uma

época onde a prática da ornamentação fazia parte de uma tradição

interpretativa. O segundo capítulo propõe uma transcrição para violão dos

ornamentos propostos por Couperin, utilizando diferentes soluções técnicas

para cada ornamento. O terceiro capítulo apresenta sugestões para a

ornamentação de ―Les Sylvains”, que integra a primeira Ordre de peças de

Couperin, escrita originalmente para cravo, tendo sempre como fonte primária

as indicações deixadas por François Couperin.

Palavras-chave: Violão, Couperin, ornamentação barroca.

Page 15: Ornamentação ao violão

10

ABSTRACT

Based on the legacy left by Francois Couperin, this study proposes

a technical study of baroque ornamentation directed at guitar, through

research and transcription of his ornamentation’s table, always seeking, as the

main objective, a better understanding and implementation of the art of

ornamentation baroque. The work is divided into three separate chapters. In

the first one, are presented the main historical reasons and interpretative

about baroque music, in order to situate the reader in an era in which the

practice of ornamentation formed part of an interpretative tradition. The

second chapter proposes a transcription to guitar of ornaments proposed by

Couperin, using different technical solutions for each ornament. The third

chapter presents suggestions for the ornamentation of “Les Sylvains”, the

make part of Couperin’s first Ordre, written originally for harpsichord, always

having as primary source indications left by Francois Couperin.

Keywords: Guitar, Couperin, baroque ornamentation.

Page 16: Ornamentação ao violão

11

INTRODUÇÃO

O interesse pela interpretação da música antiga é cada vez mais

freqüente na vida musical de um estudante de música, concertista, estudioso

ou até mesmo um cultor da música erudita. Ela está sempre presente na

exigência de cumprimento de programa de conservatórios e universidades,

no programa de solistas, grupos de música de câmara ou orquestras. Talvez

isso seja reflexo da necessidade do homem contemporâneo em conhecer

suas origens e representá-las no dias atuais, quase como um saudosismo à

cultura da sociedade antiga. Já para Nikolaus Harnoncourt, isso ocorre pelo

fato da:

ausência de uma música contemporânea realmente viva. A música de hoje não satisfaz nem o músico nem o público, que, em sua maioria, a rejeita; e para preencher o vazio assim criado, nós nos voltamos para a música histórica. (HARNONCOURT, 1998, p. 18).

É difícil dizer se tão dura crítica tecida à produção musical

contemporânea é realmente a causa do interesse pelo repertório da música

antiga. O importante de se considerar é o fato de que esse movimento resulta

na pesquisa de um repertório produzido numa sociedade com realidade e

tradições diferentes da realidade contemporânea.

Conhecer as tradições de execução é um fator determinante para a

interpretação da música de qualquer época da história da música. Em

Page 17: Ornamentação ao violão

12

contraponto a isso, sabe-se que essas tradições são freqüentemente

distorcidas e esquecidas. (DONINGTON, 1963, p. 26) A polêmica das

escolhas interpretativas na execução desse tipo de repertório paira no meio

musical e cria duas vertentes de pensamentos; transportar a música antiga ao

presente ou tentar vê-la com os olhos da época em que foi concebida

(HARNONCOURT, 1998, p. 17)

O fato se agrava ainda mais quando surge a proposta de aplicar

esse tipo de repertório a um instrumento que não pertencia à realidade da

época em que a música fora concebida. O violão moderno, tal como

conhecemos hoje, é o resultado do trabalho desenvolvido no final do século

XIX pelo luthier espanhol Antonio Torres Jurado (1817-1892) (DUDEQUE,

1994, p. 77). Além da necessidade de produzir música original para o violão

moderno, houve um árduo trabalho de resgate e transcrição de um repertório

realizado em épocas anteriores ao surgimento do instrumento, quase como

uma tentativa de preencher uma lacuna de séculos de produção musical. Isso

trouxe à tona para a realidade do instrumento toda a discussão da execução

da música antiga.

Em meio à extensa gama de tradições encontradas do período

barroco está a utilização de ornamentos. Este recurso expressivo teve um

papel fundamental em toda a produção musical barroca. Segundo Hans-

Martin Linde:

A expressão ―diminuição‖, que desde o século XIV até o XIX se equivale a todas as outras expressões para ―ornamento‖ (maneiras, adornos, ―coloraturas‖, ―agréments‖, ―graces‖, ―fioriture‖, entre outras), nos dá uma clara resposta a nossa pergunta: ―diminuir‖ significa ―fragmentar‖. Pela diminuição, portanto, um

Page 18: Ornamentação ao violão

13

som é desdobrado em vários sons e, assim, uma seqüência de sons é decomposta em série de valores menores. (LINDE, 1979, p. 5)

A arte da ornamentação era outrora uma prática musical

amplamente difundida. Por isso, a maioria dos compositores antigos esperava

que o intérprete ornamentasse suas obras. (LINDE, 1979, p. 5). Ao observar

com olhar clínico o comentário de Hans-Martin Linde, pode-se afirmar que os

ornamentos eram, no período que serve de objeto de estudo a este trabalho,

um recurso de improvisação.

Muito se discute sobre a maneira de realizar a ornamentação da

música barroca, já que a falta de grafia dos ornamentos nas partituras

provocaram grande número de interpretações errôneas. O fato é que são

propostos diversos métodos para o estudo da execução do ornamento

barroco, já que essa tradição pertence a uma realidade bastante distante do

intérprete contemporâneo. Hans-Martin Linde diz:

Não nos esqueçamos de que a maioria dos ornamentos devia ser realmente improvisada. Naturalmente, uma condição básica imprescindível para isso é um estudo intensivo da ornamentação. Só através de experimentações constantes é que se alcança, pouco a pouco, a capacidade de se encontrar os ornamentos mais adequados ao caráter da peça ao se executá-la (LINDE, 1979, p. 5).

Ao tomar as palavras de Hans-Martin Linde como verdadeiras, se

faz necessário ao violonista interessado na execução do ornamento barroco

um aprofundado estudo sobre as possibilidades técnicas da utilização do

violão nesse tipo de repertório. Perante a esta afirmação, o violonista se

depara com a pouca existência de material sobre o assunto dirigido

especificamente ao violão. Esse material encontrado não é concentrado e

quase sempre não é encontrado em língua portuguesa.

Page 19: Ornamentação ao violão

14

Esta monografia, organizada em três capítulos distintos, tem a

proposta de fazer um estudo técnico da ornamentação voltado ao violão. O

primeiro capítulo funciona como uma espécie de apresentação ao período

barroco. Serão expostos os principais aspectos históricos e interpretativos,

que são fundamentais para o entendimento e execução dos ornamentos

barrocos.

No segundo capítulo serão apontadas soluções técnicas para a

execução dos ornamentos sugeridos pela tabela de ornamentação de

François Couperin, parte integrante de seu livro ―L’Art de toucher Le

Clavecin‖, publicado pela primeira vez em 17161, possibilitando assim uma

ferramenta para que o violonista possa ter um guia de estudo de

ornamentação.

O terceiro capítulo propõe sugestões de ornamentação para ―Les

Sylvains”, integrante da primeira Ordre de peças de François Couperin. A

escolha dos ornamentos foi feita a partir das indicações de Couperin em sua

tabela e das digitações sugeridas por este trabalho. Procurou-se, no terceiro

capítulo, a maior variedade de digitações, visando à melhor aplicação prática

dos ornamentos vistos no decorrer do segundo capítulo.

Os ornamentos serão aqui abordados nos aspectos teórico, técnico

e prático, possibilitando assim, melhores execuções desse tipo de repertório

ao violão.

1 COUPERIN, 1933, p.8.

Page 20: Ornamentação ao violão

15

CAPÍTULO 1

PERFORMANCE HISTÓRICA E A TRADIÇÃO DA ORNAMENTAÇÃO NAS

OBRAS DO PERÍODO BARROCO

1.1 O PERÍODO EM QUESTÃO

Para melhor compreensão do foco do estudo desse trabalho –

Ornamentação barroca -, se faz necessário uma breve explanação sobre o

período em que essa tradição era parte da realidade do fazer musical. O

Barroco2, levando em consideração que as datas não podem ser

precisamente afirmadas, consiste no período que se inicia no ano de 1600 e

se finda aproximadamente no ano de 1750. O termo também pode ser

adotado para indicar o período da história da música que vai do aparecimento

da ópera e do oratório até a morte de J.S Bach (BENNETT, 1986, p. 35). Os

músicos desse tempo exploravam novos campos emocionais e ampliavam a

sua linguagem de forma a poderem enfrentar as novas necessidades

expressivas (PALISCA, 2007, p. 311).

O termo barroco, se atualmente é utilizado para denominar um

período artístico e arquitetônico com tendências ostentosas e decorativas, era

usado em sua época de forma bastante pejorativa (BENNET, 1986, p. 35):

2 A palavra “barroco” é provavelmente de origem portuguesa, significando pérola ou jóia

de formato irregular. (BENNET, 1986, p. 35)

Page 21: Ornamentação ao violão

16

Em 1755, em suas Lettres familières, Charles de Brosses utiliza a palavra francesa "baroque" em crítica ao estilo rebuscado (pseudo-gótico) das ornamentações(filigranas) aplicadas ao Palazzo Doria Pamphili em Roma. Na acepção de Charles de Brosses, essas ornamentações, dignas de trabalhos de um joalheiro ou um artesão de porcelanas, não eram adequadas ao trabalho arquitetônico. Em outro trecho da mesma obra, declarando-se atônito, o autor afirma que o recitativo italiano poder ser "ao mesmo tempo tão barroco e tão monótono". (ANDRÉ, 2006, p. 2)

Em seu Dictionnaire de musique, Jean-Jacques Rousseau definia 'musique barocque' (fazendo referência àquilo que ele acreditava ser a etimologia do termo) e, dentro do espírito Iluminista, colocando-se frontalmente contra a sua utilização (ANDRÉ, 2006, p. 2). Para o filósofo francês Nöel Antoine Pluche:

Sua melodia é entendida a partir dos sons naturais de nossa garganta e a partir dos 'acentos' da voz humana, que fala aos outros a respeito daquilo que nos sensibiliza, sempre sem tensão ou afetação, sempre sem esforço, quase sem arte [arte, nesta acepção, é substantivo de artificial, i.e. sem artificialidade, com naturalidade]. Nós chamaremos de la musique chantante. A outra [música] quer surpreender através da intrepidez de seus sons e ser transmitida como canto em controle de sua velocidade [vivacidade] e barulho; nós a denominamos la musique Barroque. (PLUCHE apud ANDRÉ, 2006, p.2)

O termo barroco, hoje, designa uma fase histórica da arte que,

mesmo a um exame superficial, se apresenta muito complexa, longe da

relativa uniformidade estilística que se observa na Renascença (KIEFER,

1981, p. 231). Tão complexo é o entendimento do barroco que este,

usualmente, é subdividido em três fases, distintas entre si: primeira fase – ou

barroco primitivo – (1580 – 1630), segunda fase – ou barroco médio – (1630

– 1680) e terceira fase – ou barroco tardio - (1680 – 1730)3. (BUKOFZER

apud KIEFER, 1981, p. 232). Para Bruno Kiefer, esta divisão pode ser

compreendida da seguinte maneira:

3 Nota-se que as datas utilizadas por Bukofzer não coincidem com a adotada pelo

presente trabalho para delimitar as datas do período barroco – no caso 1600 até 1750 -. Muitos

musicólogos adotam datas diferentes ou até mesmo acabam por não aceitar essa subdivisão em fases

proposta para o período barroco.

Page 22: Ornamentação ao violão

17

Compreenderemos melhor este estudo, sobretudo na fase inicial, se encararmos o barroco como resultado da presença – e em partes da confluência – de três

direções: uma renascentista, a perdurar ao longo do Barroco, outra maneirista4 e

a terceira ligada ao espírito da contra-reforma. (KIEFER, 1981, p. 232)

A primeira fase – ou barroco primitivo – possui alto grau de

influência da produção musical do renascimento. Tal como filósofos

começaram por tentar desenvolver idéias novas no quadro dos métodos

antigos, também os músicos tentaram. (PALISCA, 2007, p. 311). Foi um

período de experimentação com uso de cromatismo e dissonância polifônica

(Madrigal Renascentista) aproveitados dentro de um contexto monódico5.

(ANDRÉ, 2006, p. 8).

De fato, se compararmos aquele período que chamamos de 'Barroco Musical' àquele chamado de 'Renascimento Musical', as mudanças só começam a ser sentidas e/ou estabelecidas com maior clareza a partir de ca. 1600. Porém, a antecipação da data é justificada pelo surgimento (já na década de 1580) das primeiras experiências (ainda que apenas teóricas) de música vocal dramática e monodia, intencionalmente diferenciadas das práticas composicionais Renascentistas -- aquilo que ficou conhecido por termos como 'dramma in musica', sendo mais tarde adotado o termo genérico: 'ópera'. (ANDRÉ, 2006, p. 6)

Bruno Kiefer aponta algumas características musicais deste

período:

4 Há de se apontar uma contradição na explicação adotada por Bruno Kiefer quando se

fala de maneirismo. O maneirismo é utilizado, na história das artes plásticas, para identificar a fase

intermediária entre as últimas formas renascentistas e o Barroco (CARPEAUX, 2001, p. 51). O próprio

Bruno Kiefer, em seu livro “História e significado das formas musicais”, apresenta o maneirismo como

característica da primeira fase do período barroco. Uma possibilidade de substituir o termo

“maneirismo” na citação de Bruno Kiefer é possivelmente identificar a segunda fase do barroco como

sendo a fase da consolidação das formas adquiridas.

5 Refere-se à Monodia, termo definido e utilizado – no material de consulta – como

indicativo de uma única linha melódica com acompanhamento, embora a rigor a ausência de

acompanhamento também devesse ser incluída. O termo é geralmente aplicado a peças com

acompanhamento instrumental, principalmente àquelas compostas a partir do final do séc. XVI ou

início do séc. XVII. Na literatura técnica, aceita-se que o termo tenha sido utilizado pela 1ª vez na

década de 1630 por Giovanni Battista Doni (1595-1647). (ANDRÉ, 2006, p. 6)

Page 23: Ornamentação ao violão

18

Uma outra direção que se observa no começo do barroco, e que havia de persistir até o final, pode ser ligada diretamente à contrarreforma. Esta, conforme vimos,acarretou a confirmação de feições importantes da música renascentista (Concílio de Trento) tais como a polifonia imitativa, clareza e simplicidade, inteligibilidade (relativa) do texto e outras. (KIEFER, 1981, p. 237)

Ainda seguindo a linha de pensamento de Bruno Kiefer, a primeira

fase do barroco pode ser considerada como própria do movimento do

maneirismo:

É compreensível que o mundo, em meio a tão grandes catástrofes, não podia ser concebido como um cosmos harmonioso. Isto explica a profunda reviravolta que se observa nas artes e letras a partir da década de 1520 (na música mais tarde). Surge desta forma, um movimento nas artes e letras denominado maneirismo. (KIEFER, 1981, p. 234)

O barroco médio é o período da consolidação das novas práticas

musicais como, por exemplo, as dissonâncias controladas mais estritamente

e surgimento e fixação de formas regularizadas (ária da capo) (ANDRÉ, 2006,

p. 8).

A segunda fase trouxe o estilo do ―bel-canto‖ na ópera, no oratório e na cantata, com como a distinção entre recitativo e ópera. São sintomas de uma reviravolta. Poderíamos falar numa revolta da musicalidade contra a hegemonia do texto. A conseqüência desta postura tinha que ser a preocupação pelo equilíbrio da forma musical. A ária-da-capo, que se tornará favorita na terceira fase, com seu esquema ABA, inicia aqui sua existência. (KIEFER, 1981, p. 243).

Segundo Bruno Kiefer, a harmonia se torna mais simples. Da

insistência em certos encadeamentos de acordes (IV-V-I) ou (II-V-I) surge

uma tonalidade rudimentar. (KIEFER, 1981, p. 243).

Na terceira fase – ou barroco tardio – o barroco assume feições

clássicas (KIEFER, 1981, p. 243). São características dessa fase a

regularidade tonal e florescimento de formas de grandes dimensões, com

Page 24: Ornamentação ao violão

19

padrões estruturais possibilitados pelo estabelecimento da regularidade tonal.

(ANDRÉ, 2006, p. 9).

O período barroco assistiu ao nascimento de importantes formas e

gêneros musicais, que são citadas por Clovis de André6:

MÚSICA INSTRUMENTAL - suíte - abertura ("sinfonia") - concerto grosso - fuga - sonata; trio-sonata - formas livres: prelúdios, caprichos, fantasias, toccata MÚSICA VOCAL SACRA - cantata - ópera - paixão - oratório - missa MÚSICA VOCAL PROFANA - cantata - ópera

Também é característica do período barroco o surgimento dos

estilos nacionais, embora este conceito ainda não tenha o conteúdo

romântico com o qual estamos familiarizados. (KIEFER, 1981, p. 243). Este

nacionalismo era manifestado a partir da diferenciação (ou pelo menos

intenção de diferenciação) de idiomas musicais nacionais (ANDRÉ, 2005, p.

8). Perante este conceito de nacionalismo musical, é plausível a

6 ANDRÉ, 2006, p. 9

Page 25: Ornamentação ao violão

20

apresentação dos principais compositores do período barroco organizados

por nacionalidade, como faz Clovis de André7:

ITÁLIA - Emilio de' Cavalieri (1550–1602) - Giulio Caccini (1551–1618) - Jacopo Peri (1561–1633) - Claudio Monteverdi (1567–1643) - Girolamo Frescobaldi (1583–1643) - Francesca Caccini (1587–1637) - filha mais velha de Giulio Caccini - - Francesco Cavalli (1602–1676) - Giacomo Carissimi (1605–1674) - Giovanni Legrenzi (1626–1690) - Arcangelo Corelli (1653–1713) - Giuseppe Torelli (1658–1709) - Alessandro Scarlatti (1660–1725) - Antonio Vivaldi (1678–1741) - Giovanni Battista Pergolesi (1710–1736) FRANÇA - Jean-Baptiste Lully (1632–1687) - Marc-Antoine Charpentier (1634–1704) - André Campra (1660–1744) - François Couperin (1668–1733) - André-Cardinal Destouches (1672–1749) - Jean-Philippe Rameau (1683–1764) ALEMANHA - Heinrich Schütz (1585–1672) - Dietrich Buxtehude (ca. 1637–1707) - Johann Pachelbel (1653–1706) - Johann Kuhnau (1660–1725) - Johann Mattheson (1681–1767) - Georg Philipp Telemann (1681–1767) - Johann Sebastian Bach (1685–1750) - George Frideric Haendel (1685–1759) INGLATERRA - John Blow (1649–1708) - Henry Purcell (1658/9–1695) - John Gay (1685–1732) - George Frideric Haendel (1685–1759) - origem alemã - ESPANHA - Juan Hidalgo (1614–1685) - Tomás de Torrejón y Velasco (1644–1728)

7 ANDRE, 2006, p. 10.

Page 26: Ornamentação ao violão

21

1.2 ESCOLHAS POSSÍVEIS NA PERFORMANCE HISTÓRICA

O interesse pela chamada Performance Histórica é bastante

recente, porém, cada vez mais freqüente na vida musical contemporânea.

Falando de maneira genérica, os músicos dos séculos XVII e XVIII não se

interessavam por música antiga. (NEUMANN, 1983, p.9). Nessa época,

nenhum músico estava interessado a não ser na música nova, isto é, na

música escrita durante os quarenta ou trinta anos anteriores (DART, 2000, p.

207). Segundo Nikolaus Harnoncourt:

A música antiga era considerada como uma etapa preparatória, no melhor dos casos como material de estudo; ou ainda mais raramente, usada para alguma execução especial, quando seria rearranjada. Nestas raras execuções de música antiga – no século XVIII, por exemplo, - considerava-se imprescindível uma certa modernização. (HARNONCOURT, 1998, pg. 17)

Thurston Dart comenta em seu livro ―Interpretação da Música‖

sobre o quanto a prática da música antiga não era vista com bons olhos:

Manuscritos antigos e livros impressos eram coisas de antiquários, historiadores e esnobes; os instrumentos musicais antigos, a menos que fossem violinos, estavam fora de moda e eram enfadonhos; e a idéia de incluir uma simples peça de música antiga no programa de um concerto seria considerada antiquada e excêntrica. (DART, 2000, p. 207)

Para Frederick Neumann, o século XIX foi o primeiro a fazer o

cultivo desse tipo de música, embora não fosse adotado um contexto

histórico. (NEUMANN, 1983, p. 9). A partir da pesquisa pioneira de Arnold

Dolmetsch (1858-1940), iniciada ao final do século XIX (e levada adiante por

seu filho Carl e a Dolmetsch Foundation), as pesquisas em práticas de

Page 27: Ornamentação ao violão

22

performance históricas levaram a uma direção diametralmente oposta ao

gosto romântico (BORÉM, 2004, p. 47).

Muitas são as explicações para o acontecimento dessas pesquisas

em performance histórica. Talvez isso seja reflexo da necessidade do homem

contemporâneo em conhecer suas origens e representá-las no dias atuais,

quase como um saudosismo à cultura da sociedade antiga. Já para Nikolaus

Harnoncourt, isso ocorre pelo fato da:

[...] ausência de uma música contemporânea realmente viva. A música de hoje

não satisfaz nem o músico nem o público, que, em sua maioria, a rejeita; e para preencher o vazio assim criado, nós nos voltamos para a música histórica. (HARNONCOURT, 1998, p. 18).

O fato é que a música histórica desempenha um papel

preponderante na vida musical de hoje. Para Thurston Dart, somos

prisioneiros do passado. Toda a formação de um músico moderno, seja de

compositor, intérprete ou ouvinte, está baseada na execução, audição, leitura

e análise da música antiga. (DART, 2000, p. 208).

Se por um lado toda a pesquisa sobre música antiga traz uma série

de benefícios para o desenvolvimento do músico contemporâneo, por outro

lado traz uma série de dúvidas e questionamentos sobre sua execução, já

que não faz parte da cultura do intérprete moderno.

Há dois pontos de vista básicos com relação à música histórica que correspondem também a dois tipos de execução: um deles transporta ao presente, e o outro tenta vê-la com os olhos da época em que foi concebida. (HARNONCOURT, 1998, p. 17)

Page 28: Ornamentação ao violão

23

A primeira opção – a de transportar a música antiga ao presente –

condiz com o já citado ideal do século XIX, onde não há preocupação em

tentar executar a música como era executada na época em que fora

concebida. Segundo Nikolaus Harnoncourt:

A primeira concepção é a mais natural e comum às épocas em que há uma música contemporânea realmente viva. Ela é também a única possível ao longo da história da música ocidental, desde os primórdios da polifonia até a segunda metade do século XIX, e, ainda hoje, grandes músicos mantêm esta concepção. Este conceito se originou do fato de que a linguagem da música sempre foi considerada como sendo absolutamente ligada a seu tempo. (HARNONCOURT, 1998, p. 17)

Um exemplo claro da modernização da música antiga pode ser

encontrado na instrumentação hoje utilizada para a execução das obras

desse período. Alguns dos instrumentos usados nos séculos anteriores, como

o cravo e o alaúde, são considerados hoje obsoletos. ―O Cravo bem

temperado‖, de Johann Sebastian Bach, é adotado como parte integrante do

repertório do piano moderno, porém não mantém, principalmente no que se

refere a timbre, relação com o instrumento original da obra, o cravo. As suítes

para alaúde do mesmo compositor são freqüentemente executadas ao violão.

Isso pode ser fruto da teoria evolucionista da música, onde música,

instrumentos e métodos do presente são mais adequados que os do

passado. (DART, 2000, p. 27). Se uma das características do período barroco

é justamente o desenvolvimento idiomático8, adotar outra possível

instrumentação pode ser considerado um erro estilístico.

8 Desenvolvimentos iniciais de escrita idiomática (específica) para cada

instrumento e para a voz. (ANDRÉ, 2006, p. 7)

Page 29: Ornamentação ao violão

24

A escolha dessa postura interpretativa moderna implica em

assumir as responsabilidades e riscos de uma possível distorção das

tradições da música antiga. Segundo Nikolaus Harnoncourt:

Na execução da música antiga, a tradição é um fator tão determinante quanto a própria notação da obra. Toda peça musical é submetida, através de repetidas execuções no curso de decênios e séculos, a uma elaboração formal que acaba por adquirir um caráter quase definitivo. As numerosas interpretações de algum modo se copiam umas às outras, acabando por constituir uma forma ―legítima‖ que não pode mais ser ignorada em novas execuções. (HARNONCOURT, 1993, p. 51)

Esse conceito de legitimidade na execução da música antiga nos

remete ao segundo ponto de vista básico que o intérprete pode seguir para

tomar alguma posição interpretativa; o da interpretação autêntica. Esse tipo

de corrente interpretativa busca uma interpretação exata à que era realizada.

[...] essa execução ―autêntica‖ da música histórica tem sido cada vez mais exigida, e importantes intérpretes pretendem fazer disso um ideal. Tenta-se fazer justiça à música antiga, recriando-a segundo o espírito do tempo em que foi concebida. (HARNONCOURT, 1998, p. 19)

Pode-se assim dizer que esse ideal interpretativo - ao contrário do

que traz a música antiga para a modernidade – recoloca-a no passado. Para

recolocar a música antiga no passado, o intérprete deve primeiramente

conhecer suas tradições, já que elas se encontram muito distantes da

realidade do intérprete contemporâneo.

Quando executamos atualmente música histórica, não podemos fazê-lo como os nossos predecessores das grandes épocas. Perdemos aquela espontaneidade que nos teria permitido recriá-la na época atual; a vontade do compositor é para nós a autoridade suprema; encaramos a música antiga como tal, em sua própria época, e nos esforçamos para recriá-la de maneira autêntica, não por motivos históricos, mas porque isso nos parece, hoje, o único caminho verdadeiro para executá-la de forma viva e digna. Mas uma execução só será fiel se ela traduzir a concepção do compositor no momento da composição. Sabemos que isso é

Page 30: Ornamentação ao violão

25

possível, mas até certo ponto; a idéia original de uma obra deixa-se apenas adivinhar, sobretudo quando se trata de música muito distante de nós no tempo (HARNONCOURT, 1998, p. 19)

O grande problema desse movimento de fazer música autêntica foi

o aparecimento de interpretações muito literais do ponto de vista

musicológico , que são sempre irrepreensíveis historicamente, mas que

careciam de vida (HARNONCOURT, 1998, p. 19).

Na primeira metade do século XX, observou-se inicialmente a tendência de muitos intérpretes e críticos "autênticos" adotarem posições doutrinárias, afastando-se da espontaneidade e expressividade que essa nova ordem parecia excluir. Mas, ao final do século XX, as abordagens "históricas" pareceram caminhar para um ponto de equilíbrio. (BORÉM, 2004, p. 48)

Nikolaus Harnoncourt discute a postura do intérprete perante as

tradições:

Esta decisão de ignorar a tradição interpretativa não deve, naturalmente, nos conduzir a uma postura artificial de sistemática oposição, onde se faz tudo ao contrario do habitual: é sempre possível conciliar novos resultados com a prática tradicional. (HARNONCOURT, 1993, p. 52)

Para Robert Donington, questões de interpretação podem ser

apoiadas na musicalidade do intérprete, porém também devem ser decididas

sob a luz das evidências sobreviventes da época – ou, em outras palavras,

apoiando-se nas tradições-. (DONINGTON, 1990, p. 25)

A grande questão do intérprete moderno é onde procurar material

para conhecer realmente as tradições de época para seguir em suas

escolhas interpretativas.

Um único registro sonoro pode nos dizer mais sobre os métodos de performance barroca do que todas as nossas pesquisas meticulosas, mas não temos essas gravações, e devemos fazer o melhor possível sem elas. O melhor que podemos fazer é iniciar a partir de evidências contemporâneas que sobreviveram. (DONINGTON, 1990, p. 28)

Page 31: Ornamentação ao violão

26

Um caminho bastante claro é apoiar-se em tratados de época,

como é o exemplo deste trabalho, que apresenta a tabela de François

Couperin como base do estudo da ornamentação. Ninguém melhor que os

músicos da época para relatar as experiências musicais de seu tempo, sem a

distorção dos acontecimentos após uma seqüência de interpretações pouco

ligadas ao ponto de vista histórico.

Outra possível fonte de pesquisa é a utilização das partituras

existentes provenientes do período barroco – sejam de época ou edições

modernas -, que acabam por provocar a polêmica discussão sobre a notação

da época, e junto com isso outros assuntos extremamente relevantes para a

pesquisa de música antiga, como o processo criativo da época e a relação

entre compositor, intérprete e ouvinte.

Por ser uma das únicas fontes de pesquisa, a notação da época é

a causa, na grande maioria das vezes, dos problemas de interpretação das

tradições de execução da época. A razão disso, na verdade, não é da

notação em si, até porque era uma convenção da época. O problema

principal é que são lançados olhares modernos sobre a notação antiga.

No passado, o intérprete era visto como um membro mais inteligente da comunidade musical do que é hoje, isso se os sinais de dinâmica, fraseado, andamento e outras coisas semelhantes espalhadas em uma composição moderna são indicações da atitude do compositor em relação ao intérprete. Quanto mais retrocedemos na história da música, menos essas indicações aparecem, e mais confiança era evidentemente depositada no preparo do intérprete, no seu senso de tradição, na sua musicalidade inata. (DART, 2000, p. 7)

Page 32: Ornamentação ao violão

27

De acordo com as palavras de Thurston Dart, pode-se dizer que o

homem antigo encarava a notação musical com diferentes conceitos que os

do homem moderno. O fazer musical, como dito anteriormente neste trabalho,

é mais baseado na tradição que na notação. Além disso, a notação surge

através do fazer musical, é um reflexo de seu tempo.

A notação é tranquilamente ensinada como se válida para todo o tipo de música, e ninguém diz ao estudante que a música do período anterior a este limite concernente à notação é para ser lida e interpretada de maneira diversa da que foi composta em período posterior. Há uma falta de conscientização geral, tanto por parte dos professores como dos alunos, sobre o fato de que, em um caso, lida-se com uma notação cheia de indicações prontas e precisas a respeito da execução, ao passo que, no outro caso, lida-se com uma composição que foi representada no papel de forma inteiramente diversa. (HARNONCOURT, 1998, p. 36)

Diante dessas evidências, é claro afirmar que a improvisação era

de fundamental importância na cultura musical barroca, e fora, talvez, uma de

suas tradições mais fortes.

A improvisação, de um tipo ou de outro, exerceu um papel muito importante na música antiga, mas durante os dois últimos séculos aproximadamente foi saindo cada vez mais de moda. É provável que não seja simples coincidência o fato de a notação musical, no mesmo período, ter emaranhado o intérprete numa rede cada vez mais cerrada de regras precisas e tirânicas. Compositores como Stravinsky e Schönberg não deixam nenhuma liberdade ao intérprete: toda nuance de dinâmica, andamento, fraseado, ritmo e expressão é prescrita de maneira rígida, sendo o intérprete reduzido a condição abjeta de uma pianola ou de um gramofone. (DART, 2000, p. 67)

Tais palavras não devem ser levadas como uma dura crítica à

produção musical contemporânea, mas sim como a exposição bastante clara

do papel do intérprete na música barroca. Ainda citando Thurston Dart:

Essa atitude – a de improvisar – em relação ao compositor e sua obra era muitas vezes encorajada pelo próprio compositor, e o intérprete podia ter o sentimento legítimo de que não era apenas seu direito, mas também seu dever

Page 33: Ornamentação ao violão

28

dar uma substancial contribuição criativa própria à música que estava interpretando. (DART, 2000, p. 68)

Um dos recursos fundamentais da improvisação no período

barroco era a ornamentação. Tão fundamental era esse recurso que, ao falar

de ornamentos, logo nos remetemos aos séculos XVI e XVII. (GUERRA,

2001, p. 14)

1.3 A TRADIÇÃO DA ORNAMENTAÇÃO

O Ornamento - em arte - é desenho acrescentado à obra principal

com fins decorativos. O ornamento - em música - consiste em notas ou

grupos de notas acrescentadas a uma melodia com a finalidade de adornar

as notas reais9. (MED, 1996, p. 293). Os ornamentos, embora fossem

utilizados na música anterior ao barroco musical, atingiram seu ápice neste

período (DONINGTON, 1990, p. 125). Não se pode negar que estes

embelezamentos sejam fundamentais à performance da música barroca.

(CURY, 1999, p. 237)

Os ornamentos – na música - tiveram sua origem na execução dos antigos instrumentos de tecla, cuja falta de sonoridade se contornava por meio de acréscimos de notas estranhas ao desenho original. Até o início do século XVII os ornamentos não eram, em geral, grafados ou mesmo indicados na partitura. Por isso é muito difícil definir uma norma geral a respeito da execução dos adornos na música antiga. (MED, 1996, p. 293)

Os ornamentos ajudam a valorizar o movimento das frases,

destacando as dissonâncias. Funcionam também como importantes recursos

9 Notas reais são todas aquelas que fazem parte integrante da melodia (MED, 1996, p. 293)

Page 34: Ornamentação ao violão

29

na caracterização dos afetos, tornam as peças mais interessantes, atraindo,

assim, a atenção do público. (CURY, 1999, p. 237)

Embora haja os benefícios citados, a ornamentação é um dos

assuntos mais controversos na execução da música antiga.

(HARNONCOURT, 1993, p. 38). Se a não notação dos ornamentos trazia ao

intérprete antigo toda a possibilidade em expressar sua criatividade, isso

trouxe certas dificuldades ao intérprete moderno, que já não vive mais sob a

luz do passado, e necessita de indícios para que sua execução tenha um

maior grau de autenticidade.

Engana-se quem pensa que essa discussão sobre omitir a

representação dos ornamentos na partitura seja moderna. Os

contemporâneos da época que compete a este estudo – o período barroco –

já discutiam a respeito dessa temática. Muitos dos tratados de música antiga

são contraditórios entre si, afinal, mesmo vivendo em uma mesma sociedade,

os antigos deviam, por uma razão ou outra, ter opiniões diferentes sobre

diversos assuntos, inclusive sobre a prática musical. Isso se torna fato quanto

é apresentada no livro ―O Diálogo Musical‖, de Nikolaus Harnoncourt, uma

discussão entre o maestro e musicólogo Johann Adolph Scheibe e o

professor de retórica em Leipzig e compositor Johann Abraham Birnbaum.

O Senhor Bach é, afinal das contas, o mais eminente musico de Leipzig... Sua destreza (ao órgão) é assombrosa e mal podemos conceber como é possível que ele possa entender e cruzar seus dedos e seus pés de modo tão rápido e estranho, realizando os maiores saltos sem errar uma só nota e sem distorcer o seu corpo com tão enérgicos movimentos. Este grande homem seria objeto de admiração de nações inteiras caso fosse mais gracioso e se não subtraísse toda a naturalidade às suas peças por meio de uma execução bombástica e confusa, cuja beleza é obscurecida por seus excessos artísticos. Como ele julga por seus dedos, suas peças são de execução extremamente difícil, pois exigem que cantores e instrumentistas reproduzam através de suas gargantas e

Page 35: Ornamentação ao violão

30

instrumentos aquilo que ele pode realizar ao teclado; entretanto, Isto é completamente impossível. Ele expressa detalhadamente, em notas, todos os maneirismos e pequenas ornamentações que entendemos como próprios ao modo de tocar, o que não só retira de suas peças a beleza e harmonia, como torna o canto bastante inaudível. (SCHEIBE apud HARNONCOURT, 1993, p. 45)

Em resposta à isso, temos a seguinte citação:

[...] Se, em parte, é certo que o assim chamado método de ornamentação do canto e da prática instrumental é quase universalmente aceito e considerado agradável, também é inquestionável que aquele método só agrada ao ouvido quando empregado nos lugares certos; em compensação, quando mal colocado, é irritante e destrói a linha melódica. Por outro lado, a experiência ensina que sua utilização é, com freqüência, deixada à discrição dos cantores e instrumentistas. Se todos fossem suficientes instruídos sobre o que é verdadeiramente belo neste método, e se todos soubessem aplicá-lo tão somente onde serve de fato como ornamento, dando um acento peculiar à melodia principal, seria então supérfluo o compositor querer ainda fixar a notação o que já seria do conhecimento de todos. Porém, como só um pequeno número de músicos tem conhecimentos suficientes, a maioria, ao aplicar inadequadamente o método, arruína a melodia principal. Chega-se ao ponto de, amiúde, introduzir passagens que nada têm a ver com a estrutura das obras, possíveis de serem considerados, por quem não conhece a verdadeira situação, como erros do compositor. Portanto, qualquer autor, inclusive o senhor compositor da corte – J.S Bach -, tem o direito de prescrever um método correto e de acordo com suas intenções para trazer ao bom caminho os que se extraviaram, cuidando destarte da preservação de sua honra. (BIRNBAUM apud HARNONCOURT, 1993, p. 49)

Se essa discussão perdurava durante a época em que a

ornamentação fazia parte de uma tradição musical, hoje o problema é

agravado. O melhor que o intérprete moderno pode fazer é um estudo

intensivo de ornamentação, pois só assim, pouco a pouco, surgirá a

capacidade de encontrar os ornamentos mais adequados ao caráter de uma

peça ao executá-la (LINDE, 1979, p. 5).

Page 36: Ornamentação ao violão

31

1.4 ORNAMENTAÇÃO ESSENCIAL OU FRANCESA E A CONTRIBUIÇÃO

DE FRANÇOIS COUPERIN

Segundo Hans-Martin Linde, devemos a Johann Joaquin Quantz,

professor de flauta de Frederico, O Grande, a clara divisão das modalidades

de ornamentação em dois grandes grupos. Distinguimos assim ornamentos

essenciais (fixos) e ornamentos livres (LINDE, 1979, p. 5). No século XVIII

o primeiro grupo é chamado de ornamentação ―francesa‖, e o outro de

ornamentação ―italiana‖, que claro, não significa, necessariamente, uma

limitação rígida a esses dois países (LINDE, 1979, p.5). Os franceses

colocavam em sua obra, nos locais correspondentes, determinados símbolos

para a ornamentação essencial (LINDE, 1979, p. 5).

A este trabalho interessa a primeira prática citada – essencial ou

francesa –, pois é a utilizada por François Couperin em sua tabela de

ornamentação. Para a aplicação da ornamentação francesa, havia certas

regras que, contudo, divergiam entre si, pois se tratava de uma prática em

constante evolução. Ademais, sua execução admitia certa liberdade no que

dizia respeito à velocidade, ritmo e acentuação. (LINDE, 1979, p. 6).

O mais famoso e mais freqüentemente citado dos autores

franceses, com relação à performance e particularmente em ornamentação é

François Couperin. (NEUMANN, 1983, p. 75). Edward Dannreuther

apresenta uma lista de publicações de François Couperin, a que nos

interessa é ―L’Art de toucher Le Clavecin.‖, publicada em 1717.

(DANNREUTHER, 1893, p. 99).

Page 37: Ornamentação ao violão

32

Consideramos L’Art de Toucher le Clavecin um dos mais importantes tratados do ensino deste instrumento, não só pela importância de seu conteúdo como, sobretudo, pela riqueza musical de sua parte prática. Além disso, ele é utilizado com verdadeira unanimidade pelos professores de cravo no Brasil e no mundo, mesmo que sejam inúmeras as crenças pedagógicas subsistentes. Salientamos, finalmente, a importância de François Couperin para a História da Música, como uma figura de tal genialidade em seu país quanto Telemann ou Bach na Alemanha. (ALBUQUERQUE, 2005, p. 326)

O trabalho deixado por Couperin com indicações de como tocar o

cravo era conhecido e muito apreciado por Bach e seus filhos

(DANNREUTHER, 1893, p. 99). Para Frederick Neumann, a arte elegante e

sofisticada do ornamento francês atingiu seu pleno florescimento na primeira

metade do século XVIII e alcançou sua expressão clássica e infinitamente

graciosa na obra de François Couperin (NEUMANN, 1983, p. 36).

O método de Couperin não só inspira reflexões sobre a educação

musical – ou execução – como nos inspira a aproveitá-las hoje

(ALBUQUERQUE, 2005, p. 330). Melhor dizendo, este método é um caminho

para alcançar a tão discutida interpretação autêntica, baseado em

concepções da época. Neste livro encontram-se instruções sobre o

posicionamento perante o instrumento, posição das mãos, ornamentos e

comentários sobre digitações (DANNREUTHER, 1893, p. 99).

A maneira mais usual que o compositor antigo encontrava para

representar seus ornamentos, era a partir das tabelas de ornamentação.

Segundo Dannreuther, as tabelas de ornamentação são difíceis de serem

compreendidas, já que são contraditórias entre si (DANNREUTHER, 1893, p.

xii). Na Figura 1, encontra-se um ornamento grafado na tabela de

ornamentação de Rameau, extraído por Dannreuther de ―Pièces de Clavecin”,

livro publicado em 1731 (DANNREUTHER, 1893, p. 106):

Page 38: Ornamentação ao violão

33

Figura 1 – Suspension grafada na tabela de ornamentação de J. P Rameau (RAMEAU apud

Dannreuther, 1893, p. 106). [à esquerda encontra-se o símbolo do ornamento e, à direita, encontra-se notado o efeito do ornamento]

Na figura 2, François Couperin indica um ornamento que têm o

mesmo nome – Suspension.

Figura 2 - Suspension grafada na tabela de ornamentação de François Couperin (COUPERIN, 1933, p. 39) [no pentagrama superior, encontra-se grafado o símbolo do

ornamento e no inferior seu efeito]

Claramente podem-se ver nas tabelas de ornamentação de J.P

Rameau e François Couperin duas representações de ornamentos que tem o

mesmo nome e o mesmo símbolo grafados. Apesar disso, nota-se que

Rameau utiliza uma pausa de semicolcheia enquanto François Couperin

utiliza uma pausa de colcheia, o que leva os dois ornamentos a serem

executados de maneira diferente. Diante destas contradições, o presente

trabalho baseia-se, para melhor organização, apenas nas indicações

deixadas por François Couperin em sua tabela de ornamentação..

Page 39: Ornamentação ao violão

34

CAPÍTULO 2

UM ESTUDO TÉCNICO DE ORNAMENTAÇÃO BASEADO NA TABELA DE

ORNAMENTAÇÃO DE FRANÇOIS COUPERIN

2.1 Port de voix coulée

Para Edward Dannheuther, Port de voix coulée pode ser

identificada como uma apojatura longa. (DANNHEUTHER, 1893, p. 104). A

apojatura longa ou expressiva10 é representada por uma pequena nota, cuja

figura tenha exatamente o seu justo valor quando executada (PRIOLLI, 2002,

pg. 89). Na tabela de ornamentação contida em ―L’Art de toucher Le

Clavecin‖, François Couperin representa uma apojatura longa por movimento

ascendente11 , como mostra a Figura 3:

Figura 3 – Port de voix coulée (COUPERIN, 1933, p. 39)

No violão, esta apojatura pode ser executada com a utilização de

uma ou duas cordas. A escolha de execução pode depender de vários

10

Termo utilizado por Maria Luisa de Mattos Priolli que propõe outra possível definição para

apojatura longa. (PRIOLLI, 2002, p. 89) 11

Inicia-se a execução da apojatura a partir da nota inferior em direção a nota superior do

ornamento.

Page 40: Ornamentação ao violão

35

fatores, principalmente da sonoridade que o intérprete deseja atingir e da

possibilidade de execução dentro do trecho de uma música.

Quando se opta pelo caminho da execução desse tipo de

ornamento em uma única corda, o intérprete se depara com duas

possibilidades distintas. A primeira é a utilização da técnica de ligados do

violão para a execução desta apojatura, onde se toca a nota do ornamento

com o auxílio da mão direita, e a nota principal é executada apenas com a

mão esquerda do instrumentista, como demonstra a Figura 4:

Figura 4 – Execução da apojatura longa utilizando uma corda do violão e técnica de ligados.

A segunda possibilidade é a da execução da apojatura longa em

uma corda do violão sem a utilização da técnica de ligados do violão. Toca-se

a nota do ornamento e a nota principal usando os dedos da mão direita e

esquerda do instrumentista simultaneamente, como mostrado na figura 5:

Figura 5 – Execução da apojatura longa utilizando uma corda do violão sem a técnica de ligados.

Page 41: Ornamentação ao violão

36

Ao escolher a opção de executar a apojatura longa utilizando duas

cordas do violão, o intérprete abandona automaticamente a possibilidade de

englobar a técnica de ligados do violão, pois todas as notas devem ser

tocadas de maneira que nem a mão direita, nem a mão esquerda deixem de

participar da ação, como demonstra a figura 6:

.

Figura 6 – Execução da Apojatura longa utilizando duas cordas do violão

A escolha da execução da apojatura longa utilizando duas cordas

do violão pode ser muito interessante, pois a duração das notas se mantêm

durante mais tempo que as realizadas com a técnica do ligado, porém, deve-

se tomar cuidado para que as notas do ornamento sejam executadas

respeitando sua devida duração, para que nenhuma dissonância seja mantida

de forma indesejada pelo intérprete.

2.2 Accent.

A princípio, este termo, utilizado por François Couperin, causa uma

dificuldade no processo da tradução de seu significado para a língua

portuguesa. Para Dannheuther, o termo Accent é utilizado para indicar um

Nachschlag (DANNHEUTHER, 1893, p. 104). Existem algumas referências

do termo alemão Nachschlag que são discrepantes entre si. Hans-Martin

Page 42: Ornamentação ao violão

37

Linde, ao fazer a indicação de Nachschlag em seu guia de ornamentação,

traduz o termo como aspiração, e define o ornamento como não acentuado e

com a função de unir mais intimamente os sons da melodia. (LINDE, 1979, p.

11). O problema em utilizar o termo aspiração para traduzir Nachschlag para

o português é o fato de existir um ornamento, na mesma tabela de Couperin,

indicado como Aspiration, que pode levar a grandes confusões de

interpretação.

Já Robert Donington, em The Interpretation of Early Music,

apresenta o termo em inglês Passing Appoggiatura como uma possível

tradução de Nachschlag para apresentar um ornamento que não era utilizado

para indicar uma mera nota de passagem, e sim uma apojatura.

(DONINGTON, 1990, 161). É fácil deduzir que, a partir da denominação

utilizada por Donington, o termo Apojatura de Passagem é o mais indicado

para traduzir para a língua portuguesa este tipo de ornamento. Na Figura 7 é

apresentada a apojatura de passagem – ou Accent:

Figura 7 – Accent (COUPERIN, 1933, p. 39)

A execução deste ornamento, indicado na tabela de François

Couperin, pode ser realizada ao violão com a utilização de uma ou duas

cordas, e a escolha dessas possibilidades depende do resultado sonoro

desejado.

Page 43: Ornamentação ao violão

38

Para realizar a apojatura de passagem grafada por Couperin com a

utilização de apenas uma corda do violão, pode-se optar pela utilização da

técnica de ligados do violão, onde a primeira nota é tocada utilizando a

combinação entre as mãos direita e esquerda, e a nota principal é alcançada

pelo movimento de ligado da mão esquerda, como mostra a Figura 8.

Figura 8– Apojatura de Passagem executada em uma corda do violão com a utilização de

ligado de mão esquerda.

A apojatura de passagem também pode ser executada sem ligados

da mão esquerda, ou seja, executando todas as notas numa combinação

entre a mão direita e a mão esquerda, como mostra a Figura 9:

Ex. 9 – Apojatura de passagem executada apenas em uma corda do violão, sem a técnica de

ligados de mão esquerda.

A terceira possibilidade de execução da apojatura de passagem é

a aplicação da técnica de Campanellas do violão. O principio de execução é

similar ao uso da técnica de executar este ornamento em apenas uma corda

do violão, e sem a utilização de ligados da mão esquerda, só que se procura,

Page 44: Ornamentação ao violão

39

ao máximo, tocar as notas que se seguem em cordas distintas do violão,

como mostra a Figura 10.

Figura 10 – Apojatura de passagem executada com a técnica da Campanella

2.3 Tierce coulée, em montant:

Este ornamento pode ser identificado como um Slide12,

representado na Figura 11. (DANNREUTHER, 1893, p. 104). Ele consiste em

um rápido ornamento melódico em que a nota principal é precedida por duas

notas auxiliares. (YATES, 1998, p. 165).

Figura 11 – Tierce coulée, em montant (COUPERIN, 1933, pg. 39) [no pentagrama superior

está representado o símbolo do ornamento e, abaixo, o efeito]

12

Decidiu-se por manter o nome deste ornamento em inglês, pois esta convenção é

freqüentemente utilizada pelos músicos, e está grafada dessa maneira na maioria dos métodos ou

tratados de ornamentação. Uma tradução possível para a palavra Slide é deslizamento.

Page 45: Ornamentação ao violão

40

Ao analisar o ornamento indicado por Couperin, nota-se que existe

um intervalo de terça maior entre as notas - indicadas por mínimas - Do e Mi,

e que elas devem soar ao final da execução do ornamento. Essa conclusão

pode ser tirada a partir da ligadura existente entre a primeira nota do

ornamento e a nota Do, representada por uma mínima. Frederick Neumann,

em “Ornamentation in Baroque and Post-Baroque Music”, vê este ornamento

como um ornamento composto, já que existe uma combinação entre um

arpejo e um Slide (NEUMANN, 1983, p. 504). Este trabalho decidiu manter a

denominação de Dannreuther, pois nas edições de música para violão é mais

usual a representação desse ornamento sem essa nota que se mantém em

intervalo de terça.

No violão, existem duas possibilidades para realizar este tipo de

ornamento indicado por Couperin. A primeira é a utilização da técnica de

ligado da mão esquerdo, como mostra a Figura 12, onde a primeira nota do

ornamento – Dó - é executada com o dedo indicador da mão direita,

procedida pela segunda nota - Ré – tocada com o dedo médio da mão direita,

que segue seu caminho até a nota Mi com o movimento de ligado da mão

esquerda.

Figura 12 – Apojatura dupla ascendente realizada com a técnica de ligado de mão esquerda.

Page 46: Ornamentação ao violão

41

Outra possibilidade para executar este ornamento no violão é com

a utilização do recurso da Campanella. A Primeira nota – Dó – é tocada com

o dedo indicador da mão direita na terceira corda. Em seguida toca-se com o

dedo médio a nota Ré do ornamento que não deve permanecer soando após

chegar à nota Mi, que é realizada com o dedo anular na primeira corda, como

mostra a Figura 13:

Figura 13 – Apojatura dupla ascendente realizada com o efeito de Campanella.

O violonista Stanley Yates apresenta, no livro ―J.S. Bach: Six

Unacconpanied Cello Suites Arrangeded for Guitar”, o Slide sem esse

intervalo de terça proposto por Couperin, como demonstra a Figura 14:

Figura 14 – Slides (Yates, 1998, p 165)

Como não existe nenhuma nota para ser mantida durante a

execução, a solução mais usual para a realização do ornamento proposto por

Yates é realizá-lo em apenas uma corda, tocando a primeira nota do

ornamento com um dos dedos da mão direita – neste caso o dedo médio – e

Page 47: Ornamentação ao violão

42

alcançar a nota principal por movimento de ligado da mão esquerda, como

mostra a Figura 15:

Figura 15 – Slide proposto por Yates digitado para ser executado em uma corda do violão.

2.4 Tierce coulée, en descendant.

A execução do Tierce coulée, en descendant, representado na

Figura 16, deve seguir os mesmos princípios do Tierce coulée, en montant,

pois é um Slide realizado de maneira descendente. (DANNREUTHER, 1893,

p. 105).

Figura 16 – Tierce coulée, en montant (COUPERIN, 1933, p. 39)

A melhor forma de executá-lo é com a utilização de três cordas do

violão, seguindo os mesmos princípios da técnica de arpejo de mão direita no

violão, como mostra a Figura 17. Toca-se a primeira nota do ornamento com

Page 48: Ornamentação ao violão

43

o dedo anular da mão direita, a segunda nota com o dedo médio da mão

direita. A nota real da melodia deve ser tocada com o dedo indicador da mão

direita. A nota tocada com o dedo médio da mão direita deve ser abafada

após sua realização, pois o que deve soar no final é um intervalo de terça.

Para abafar esta nota, pode-se tirar o dedo 1 da mão esquerda da nota ré ou

utilizar o dedo médio da mão direita.

Figura 17– Slide realizado com a utilização de três cordas do violão

Outra solução possível é com a combinação da mão direita e a

técnica de ligados, demonstrado na Figura 18. Toca-se a primeira nota do

ornamento com a mão direita – neste caso com o dedo anular -, e em seguida

toca-se também a segunda nota do ornamento com a mão direita – neste

caso com o dedo indicador. A nota real do ornamento é alcançada por

movimento de ligado.

Figura 18 – Slide realizado em duas cordas do violão, com a utilização da técnica de ligados.

Page 49: Ornamentação ao violão

44

2.5 Pincé simple:

Segundo Dannreuther, Pincé simple é o equivalente ao mordente

simples ou curto (DANNREUTHER, 1893, pg. 104). Bohumil Med diz:

Mordente é um ornamento que se compõe de duas notas que precedem a nota real, sendo a primeira nota da mesma altura da nota real e a segunda um grau acima ou abaixo dela. Na execução dá-se ao mordente uma parte da nota real, ficando esta com o restante do valor. (MED, 1996, p. 306)

Na tabela de ornamentação de François Couperin encontra-se um

mordente simples inferior (cf. Figura 19), ou seja, onde a segunda nota está

uma nota abaixo da nota real (MED, 1996, p. 306).

Figura 19 – Pincé simple.(COUPERIN, 1933, p. 39) [No pentagrama superior encontra-se o

símbolo do ornamento e no inferior seu efeito]

A execução deste ornamento no violão pode ser feita através do

uso de uma ou duas cordas do violão. Pode-se encontrar no livro “El barroco

em la guitarra” de Ruy Guerra, referências sobre a possibilidade de executar

o mordente inferior em apenas uma corda, como mostra a Figura 20. Embora

o exemplo esteja transposto, o exemplo de Ruy Guerra tem o mesmo

Page 50: Ornamentação ao violão

45

desenho do ornamento de François Couperin, ou seja, a aplicação técnica é a

mesma.

Figura 20 – Mordentes inferiores executados em apenas uma corda do violão (GUERRA,

2001, p. 69)

Rey Guerra indica em a) a maneira mais comum de realizar o

mordente inferior e em b) uma forma muito orgânica de realização, já que ao

deslizar o dedo se permite que a nota final seja mais suave que a primeira,

que é a nota que leva a acentuação. (GUERRA, 2001, p. 69)

Ao decidir por realizar o mordente utilizando duas cordas do violão,

o intérprete tocará todas as notas do ornamento com a mão direita, utilizando,

como demonstrado na Figura 21, os dedos indicador e polegar ou médio e

polegar.

Figura 21 - Mordente, executado ao violão com a utilização de duas cordas (GUERRA, 2001,

p 71).

Page 51: Ornamentação ao violão

46

Outra possibilidade de executar esse ornamento com a mão direita

é com a utilização de três dedos da mesma, sendo eles os dedos anular,

indicador e médio, como mostra a Figura 22:

Figura 22 – Mordente inferior executado em duas cordas do violão. Amadeu Rosa

2.6 Pincé double:

Segundo Dannreuther, Pincé-double, representado no exemplo 23

pode ser identificado como um mordente duplo (DANNREUTHER, 1893, p.

104). Já Frederick Neumann diz que este ornamento pode ser caracterizado

como mordente múltiplo (NEUMANN, 1983, p.427).

Figura 23 – Pincé-double (COUPERIN, p. 39) [No pentagrama superior encontra-se representado o símbolo do ornamento e no inferior seu efeito]

O mordente múltiplo pode ser realizado no violão, tal como o

mordente simples, em uma ou mais cordas. Os fatores que influenciam essa

Page 52: Ornamentação ao violão

47

escolha podem variar, sendo possível de citar, por exemplo, a escolha do

timbre desejado ou a fluência que a digitação do ornamento pode provocar

em certo trecho da música.

Ao escolher a alternativa de realizar o ornamento com a utilização

de uma corda do violão, o intérprete pode tocar a primeira nota, e as

seguintes serão executadas por meio da técnica de ligados do violão,

alternando as notas do ornamento, por exemplo, entre os dedos 1 (um) e 2

(dois) da mão esquerda, como mostra a Figura 24.

Figura 24 – Ornamento múltiplo executado com a mão esquerda por movimento de ligado.

Outra possibilidade é executar o ornamento múltiplo seguindo os

mesmos princípios de digitação de Ruy Guerra para a execução do mordente

simples, onde a última nota do ornamento é alcançada por movimento de

deslizamento, o que pode beneficiar na suavidade da nota final, como

demonstra a Figura 25:

Page 53: Ornamentação ao violão

48

Figura 25 – Mordente Múltiplo executado com a técnica de ligados de mão esquerda do violão e com deslizamento na última nota.

Muitos violonistas escolhem alternar os dedos da mão esquerda

para conseguir maior fluência no ornamento. No caso do próximo exemplo, é

utilizada a alternância entre os dedos 2 e 3 da mão esquerda, como

demonstra a Figura 26:

Figura 26 – Mordente múltiplo executado com movimento de ligados e alternância dos dedos

da mão esquerda.

Assim como nos ornamentos anteriores, o mordente múltiplo pode

ter sua execução baseada na técnica de ornamentos de duas cordas do

violão. Para isso, são utilizados 4 (quatro) dedos da mão direita, sendo eles;

a, i, m, p, como demonstrado na Figura 27.

Page 54: Ornamentação ao violão

49

Figura 27 – Mordente múltiplo executado em duas cordas do violão.

2.7 Tremblement appuyé, et lié.

O ―Tremblement appuyé, et lié” , representado na Figura 28, é um

trinado que se executa da seguinte forma: Permanece-se sobre a nota

superior por volta de metade do tempo da nota principal, em seguida toca-se

o trino; finalmente repousa-se um pouco na nota principal. (DANNREUTHER,

1893, p. 104).

Figura 28 – Tremblement appuyé et lié (COUPERIN, 1933, p.39)

Para melhor entender a execução e a representação desse

ornamento na partitura, este trabalho recorre, como demonstrado na Figura

29, à explicação de Dannreuther para ―Tremblement appuyé‖, já que na

tabela de Couperin não existe a representação do efeito desse ornamento.

Page 55: Ornamentação ao violão

50

Figura 29 – Tremblement (DANNREUTHER, 1983, pg. 104). [No pentagrama superior encontra-se grafado o símbolo do ornamento e no inferior seu efeito]

A execução desse ornamento no violão pode ser feita de duas

formas; com a utilização de uma corda do violão ou de duas. Na Figura 30,

encontra-se uma possibilidade de digitação para o ornamento realizado em

uma corda do violão, com a utilização da técnica de ligados.

Figura 30 – “Tremblement appuyé. et lié” executado em uma corda do violão, com a técnica de ligados.

A segunda possibilidade para executar esse ornamento no violão,

utilizando duas cordas, é representada na Figura 31. São utilizados os dedos

polegar, anular, indicador e médio da mão direita.

Figura 31 – “Tremblement appuyé, et lié” executado em duas cordas do violão.

Page 56: Ornamentação ao violão

51

2.8Tremblement lié sans etre appuyé

François Couperin representa em sua tabela de ornamentação o

efeito do Tremblement lié sans etre appuyé, exemplificado na FIGURA 32,

retirada da tabela de ornamentação de François Couperin:

Figura 32 – Tremblement lié sans etre appuyé (COUPERIN, 1933, p. 39) [no pentagrama

superior está demonstrado o símbolo do ornamento no inferior seu efeito]

De acordo com o efeito representado, pode-se chegar à conclusão

que este ornamento pode ser identificado como um trinado antecipatório

(DANNREUTHER, 1983, p. 104). Este ornamento pode ser executado no

violão com a utilização de uma ou duas cordas do violão.

A primeira opção – utilizando apenas uma corda do violão – utiliza

a técnica de ligados do violão, alternando dedos 3 (três) e 1 (um) da mão

esquerda, como indicado na Figura 33:

Figura 33 – Trinado antecipatório, executado com a utilização da técnica de ligados do violão.

Page 57: Ornamentação ao violão

52

A segunda opção – executar o ornamento com a utilização de duas

cordas – necessita dos dedos; anular, médio, indicador e polegar da mão

direita, como representado na Figura 34:

Figura 34 – Trinado antecipatório, executado com a utilização de duas cordas do violão.

2.9Tremblement détaché

O Tremblement détaché, representado na Figura 35, funciona

como um trinado antecipatório, porém articulado – sem a ligadura.

(DANNREUTHER, 1983, p. 104)

Figura 35– Tremblement détaché (COUPERIN, 1933, p. 39) [no pentagrama superior encontra-se grafado o símbolo do ornamento e no inferior seu efeito.]

Page 58: Ornamentação ao violão

53

Sua execução ao violão pode ser realizada através da utilização de

uma ou duas cordas do violão, sendo a escolha dessas opções baseadas no

timbre, ou facilidade que pode provocar em certa passagem musical.

Ao optar por realizar este ornamento com a utilização de apenas

uma corda do violão, a execução baseia-se na alternância dos dedos 3 (três)

e 1 (um) da mão esquerda, em movimento de ligados sucessivos, como

demonstrado na Figura 36:

Figura 36 – Tremblement détaché executado ao violão com a utilização da técnica de ligados.

Este ornamento pode ser executado no violão com a utilização de

duas cordas do violão, alternando os dedos anular, médio, indicador e

polegar, como demonstrado na Figura 37:

Figura 37– Tremblement détaché executado com a utilização de duas cordas do violão

Page 59: Ornamentação ao violão

54

2.10 Pincés diésés, et bémolisés.

Para Dannreuther, ―Pincés diésés, et bémolisés”, representado na

Figura 38 é um mordente com indicação de acidentes. (DANNREUTHER,

1893, p. 104)

FIGURA 38 - Pincés diésés, et bémolisés (COUPERIN, 1933, p. 39). [no pentagrama superior encontra-se representado o símbolo do ornamento, e no inferior seu efeito]

Ao violão, este tipo de indicação não surte efeitos técnicos que

causem uma distinção na maneira de aprender e estudar os ornamentos.

Eles devem ser entendidos como mordentes duplos e estudados de acordo

com os exemplos já aqui citados.

2.11Pincé continu.

Para Dannreuther, o Pincé continu, grafado na Figura 39 é um

mordente prolongado – ou contínuo- (DANNREUTHER, 1893, p. 105).

Page 60: Ornamentação ao violão

55

Figura 39 – Pincé continu (COUPERIN, 1933, p. 39) [No pentagrama superior encontra-se o símbolo do ornamento e no inferior seu efeito]

A execução desse ornamento é parecida com a do pincé double e

pode ser realizada no violão com a utilização de uma ou duas cordas do

violão. Na primeira opção – utilizando apenas uma corda do violão - existem

ainda duas possibilidades. A primeira é representada na Figura 40, onde é

utilizada a técnica de ligados com alternância dos dedos 3 (três) e 1 (um) da

mão esquerda.

Figura 40 – Mordente contínuo utilizando a técnica de ligados do violão.

Outra possibilidade é também executar este tipo de mordente

utilizando a técnica de ligados do violão, só que com a alternância dos dedos

3 (três), 1 (um) e 2 (dois) da mão esquerda, como exemplificado na Figura 41:

Page 61: Ornamentação ao violão

56

Figura 41 – Mordente contínuo com a utilização da técnica de ligados do violão, com a alternância dos dedos 3 (três), 2 (dois) e 1(um) da mão esquerda.

Para realizar o mordente contínuo em duas cordas do violão,

utilizam-se os dedos anular, indicador, médio e polegar da mão direita, como

exemplificado na Figura 42, retirada de um artigo de David Rusell:

Figura 42– Mordente contínuo executado com a utilização de duas cordas do violão (RUSSELL, 15/set/2010)

2.12 Tremblement continu.

O Tremblement continu, exemplificado na Figura 43, é reconhecido

como um trinado prolongado ou contínuo (DANNREUTHER, 1893, p. 105).

Sua execução é muito parecida com a do Pincé Continu, tanto que os

dedilhados são praticamente os mesmos.

Page 62: Ornamentação ao violão

57

Figura 43 – Tremblement continu (COUPERIN, 1933, 39). [No pentagrama superior encontra-se o símbolo do ornamento, e no inferior seu efeito]

Assim como no Pincé continu, o Tremblement continu pode ser

executados com a utilização de uma ou duas cordas do violão. Em uma

corda, utiliza-se a técnica de ligados do violão. Na Figura 44 é representado o

trinado contínuo executado com a técnica de ligados do violão com a

alternância dos dedos 3 (três) e 1 (um) da mão esquerda:

Figura 44 – Trinado contínuo executado com a utilização da técnica de ligados do violão.

Pode-se também executar esse trinado com o revezamento dos

dedos 3 (três) e 2 (dois) da mão esquerda utilizando a técnica de ligados do

violão, como representado na Figura 45:

Page 63: Ornamentação ao violão

58

Figura 45 – Trinado contínuo executado com a utilização da técnica de ligados do violão

Para a execução desse trinado em duas cordas do violão, utiliza-se

a alternâncias dos dedos anular, indicador, médio e polegar da mão direita,

como exemplificado na Figura 46:

Figura 46 – Trinado contínuo executado com a utilização de duas cordas do violão (RUSSELL, 15/set/2010)

2.13 Arpègement, en montant.

O Arpègement, en montant, representado na Figura 47, é

facilmente identificado como um arpejo em movimento ascendente. O

Arpejo é a execução rápida e sucessiva das notas de um acorde, quase

sempre interpretada no início dele. (MED, 1996, p. 324)

Page 64: Ornamentação ao violão

59

Figura 47 – Arpègement, em montant (COUPERIN, 1933, p. 39) [No pentagrama superior encontra-se símbolo do ornamento e no inferior seu efeito]

A execução das notas do arpejo pode ser bastante variada,

dependendo de uma série de fatores, dentre eles a quantidade de notas a

serem executadas. O arpejo em movimento ascendente grafado na tabela de

Couperin pode ser realizado no violão com a utilização do dedo polegar,

indicador, médio e anular, como demonstrado na Figura 48:

Figura 48 – Arpejo em movimento ascendente executado com os dedos polegar, indicador e

médio ou com os dedos indicador, médio e anular.

2.14 Arpègement, en descendant.

Este ornamento tem as mesmas características do ―Arpègement,

em montant”, só que realizado por movimento descendente, levando assim o

nome de “Arpègement, en descendant” , indicado na Figura 49:

Page 65: Ornamentação ao violão

60

Figura 49 - Arpègement, en descendant (COUPERIN, 1933, p. 39) [no pentagrama superior encontra-se o símbolo do ornamento e no inferior seu efeito]

Sua execução, assim como no ―Arpègement, en montant”, possui

execuções variadas, dependendo da, novamente citando, quantidade de

notas. No arpejo representado na tabela de François Couperin, podem-se

executar os ornamentos com a utilização dos dedos polegar, indicador, médio

e anular da mão direita, como na Figura 50:

Figura 50 – Arpejo descendente realizado com a utilização dos dedos anular, médio e indicador ou dos dedos médio, indicador e polegar.

Page 66: Ornamentação ao violão

61

2.15 Coulés, dont les points marquent que la seconde note de chaque

tems doit être plus appuyée

Para Frederick Neumann, o termo Coulés pode ser traduzido com

a utilização do verbo fluir e, geralmente, é usado para indicar um

embelezamento – ou ornamento – de uma nota descendente, ou que

descende. (NEUMANN, 1983, p. 50). Na tabela de François Couperin se

encontra a seguinte indicação, demonstrado na Figura 51:

Figura 51 - Coulés, dont les points marquent que la seconde note de chaque tems doit être plus appuyée (COUPERIN, 1933, 39)

Para Dannreuther, a execução deste ornamento indicado na tabela

de Couperin deve ser como o representado na Figura 52.

Figura 52– Forma de execução do ―Coulés, dont les points marquent que la seconde note de chaque tems doit être plus appuyée‖ (DANNREUTHER, 1893, p. 104)

Page 67: Ornamentação ao violão

62

A execução deste ornamento requer apenas o domínio da técnica

de abafar as notas do violão, já adquirida pela maioria dos estudantes. Para

abafar a nota, toca-se a nota que deve ser abafada e, em seguida, apaga-se

a nota com algum dos dedos da mão direita. A escolha do dedilhado depende

da digitação em que a nota que deve ser abafada foi tocada. Se ela foi

tocada, por exemplo, com o dedo indicador da mão direita, seria mais usual

abafá-la com o dedo médio ou anular, e assim por diante.

As notas podem ser abafadas também com a utilização da mão

esquerda do violão, onde a mesma repousa sobre as cordas após a

execução da nota que deve ser apagada. Se a nota a ser abafada for uma

nota presa – não estiver localizada em uma das cordas soltas do violão –, o

dedo da mão esquerda que está executando a nota deve ser retirado da

corda, causando assim o abafamento da nota.

2.16 Aspiration.

Aspiration, indicado na Figura 53 representa um quasi-legatto

(DANNREUTHER, 1893, p. 105).

Page 68: Ornamentação ao violão

63

Figura 53 – Aspiration (COUPERIN, 1933, p. 39). [No pentagrama superior encontra-se o símbolo do ornamento, e no inferior seu efeito]

Sua execução ao violão também depende da técnica de abafar –

ou apagar – as notas que tenham indicação para a ocorrência de ornamento.

O mais usual é abafar a nota com um dos dedos da mão direita. Se a nota foi

tocada com o dedo indicador, deverá ser abafada, por exemplo, com o dedo

médio ou anular da mão direita, e assim por diante.

Ela também pode ser abafada com o auxilio da mão esquerda do

violão, onde a mesma repousa sobre a corda do violão após a execução da

nota que necessita ser abafada. Se a nota a ser abafada for uma nota presa –

não estiver localizada em uma das cordas soltas do violão –, o dedo da mão

esquerda que está executando a nota deve ser retirado da corda, causando

assim o abafamento da nota.

2.17 Suspension.

Suspension, grafada na Figura 54, é entendida como uma

respiração realizada anteriormente à nota real, portanto sua execução é um

pouco retardada (DANNREUTHER, 1893, p. 105).

Page 69: Ornamentação ao violão

64

Figura 54 – Suspension (COUPERIN, 1933, p. 39). [No pentagrama superior encontra-se o símbolo do ornamento, e no inferior seu efeito]

Não são necessários muitos conselhos técnicos para a execução

desse tipo de ornamento ao violão, já que ele implica basicamente apenas no

retardamento da nota. Na Figura 54, por exemplo, a nota anterior ao

ornamento – nota dó, que é representada por uma semínima e se encontra

no terceiro tempo do primeiro compasso – deve ser abafada. Esse

abafamento deve contar com o auxílio dos dedos da mão direita ou da mão

esquerda.

2.18 Tremblement ouvert.

O Tremblement ouvert, representado na Figura55, é um trinado

com conclusão realizada de maneira ascendente (DANNREUTHER, 1893, p.

104).

Page 70: Ornamentação ao violão

65

Figura 55 - Tremblement ouvert (COUPERIN, 1933, p. 39)

Sua execução pode ser feita através da utilização da técnica de

ligados do violão combinada com a utilização da Campanella – notas

realizadas em mais de uma corda do violão – e como demonstrado na Figura

56, onde se inicia o trinado com uma série de ligados consecutivos e conclui-

se o ornamento com a utilização de Campanella.

Figura 56 – Tremblement ouvert executado no violão com a combinação da técnica de ligados de mão esquerda e da utilização de Campanella.

Outra maneira de realizar esse tipo de ornamento ao violão é

sugerida no artigo sobre ornamentos de David Russell, onde ele inicia o

ornamento sem o movimento de ligados, tocando todas as notas do trinado.

Para a conclusão, ele utiliza a técnica de ligados do violão e o efeito da

Campanella, como mostra a Figura 57:

Page 71: Ornamentação ao violão

66

Figura 57 – Tremblement ouvert executado ao violão com a utilização do efeito de

Campanella e da técnica de ligados de mão esquerda.13

(RUSSELL, 15/set/2010)

2.19 Tremblement fermé.

O Tremblement Fermé, representado na Figura 58, indica um

trinado que tem sua conclusão de forma descendente. (DANNREUTHER,

1893, p. 104).

Figura 58 – Tremblement fermé (COUPERIN, 1933, p. 39)

Sua execução ao violão deve ser fruto da combinação da técnica

de ligados e do efeito da Campanella, ou apenas com a utilização do trinado

realizado em mais de uma corda do violão – Campanella -. Na Figura 59 é

apresentado o exemplo do Tremblement fermé, iniciado com o movimento de

ligados de mão esquerda e terminado com o efeito da campanella:

13

Foram omitidas as três primeiras notas do ornamento, para melhor adequação do exemplo

de David Russell e do ornamento representado na tabela de François Couperin.

Page 72: Ornamentação ao violão

67

Figura 59 – Tremblement fermé executado ao violão com a utilização da combinação da técnica de ligados e do efeito da Campanella.

Na Figura 60 encontra-se este ornamento iniciado com a técnica

de trinado realizada em duas cordas e, logo em seguida, sua finalização com

a utilização do efeito de Campanella:

Figura 60 – Tremblement firme executado ao violão com a utilização do efeito de Campanella.

2.20 Port de voix simple.

O Port de voix simple, ornamento representado na Figura 61, é

entendido como um mordente simples precedido por uma apojatura curta –

ou breve - (DANNREUTHER, 1893, p. 104).

Page 73: Ornamentação ao violão

68

Figura 61 – Port de voix simple (COUPERIN, 1933, p.39). [No pentagrama superior encontra-se o símbolo do ornamento, e no inferior seu efeito]

Sua execução ao violão pode ser realizada através da utilização de

uma ou duas cordas do violão. Essa escolha pode depender do timbre

desejado ou facilidade técnica que a escolha do ornamento pode

proporcionar. Na Figura 62 encontra-se representado o port de voix simple

realizado em apenas uma corda do violão, por movimento de ligados de mão

esquerda.

Figura 62 – Port de voix simple realizado em apenas uma corda do violão, por movimento de ligados de mão esquerda.

Ao realizar o port de voix simple ao violão utilizando apenas uma

corda, pode-se optar por terminar a última nota por movimento de arraste,

como mostra a Figura 63, podendo assim suavizar a intensidade da última

nota, dando mais uniformidade ao ornamento como um todo.

Page 74: Ornamentação ao violão

69

Figura 63 - Port de voix simple realizado em uma corda do violão, por movimento de ligados de mão esquerda e finalizado com um arraste.

O port de voix simple pode também ser realizado em duas cordas

do violão, utilizando os dedos indicador, anular e médio, como mostra a

Figura 64:

Figura 64 – Port de voix simple executado ao violão com a utilização de duas cordas.

2.21 Port de voix double.

O port de voix double, representado na Figura 65, consiste em um

mordente longo – ou duplo – precedido por uma apojatura longa.

(DANNREUTHER, 1893, p. 104).

Page 75: Ornamentação ao violão

70

Figura 65 – Port de voix double (COUPERIN, Ano, p.39). [No pentagrama superior encontra-se o símbolo do ornamento, e no inferior seu efeito]

Sua execução ao violão pode ser feita através da utilização de uma

ou duas cordas do violão. Ao decidir por executar esse tipo de ornamento

com apenas uma corda do violão, se faz necessária a utilização da técnica de

ligados de mão esquerda, como mostra a Figura 66:

Figura 66 – Port de voix double executado ao violão com a utilização da técnica de ligados de mão esquerda.

Pode-se também, ao optar por realizar o Port de voix double em

apenas uma corda do violão com a utilização da técnica de ligados, terminar

o ornamento com um arraste, que pode dar maior uniformidade ao

ornamento, como mostra a Figura 67:

Page 76: Ornamentação ao violão

71

Figura 67 – Port de voix double realizado ao violão com a utilização da técnica de ligados de mão esquerda e arraste para a última nota.

O Port de voix double pode ser também realizado com a utilização

de duas cordas do violão, necessitando, assim, dos dedos indicador, médio,

polegar e anular da mão direita, como mostra a Figura 68:

Figura 68 – Port de voix double executado com a utilização de duas cordas do violão.

2.22 Double.

O Double, ornamento demonstrado na Figura 69, pode ser

compreendido como um grupeto (DANNREUTHER, 1893, p. 105). O grupeto

é um ornamento que se compõe de três ou quatro notas que precedem ou

seguem a nota real. (MED, 1996, p. 310).

Page 77: Ornamentação ao violão

72

Figura 69 – Double (COUPERIN, 1933, p. 39). [No pentagrama superior encontra-se o símbolo do ornamento, e no inferior seu efeito]

No violão, esse ornamento, representado na tabela de Couperin,

pode ser realizado com a combinação da técnica de ligados de mão esquerda

e do efeito de Campanella, ou apenas utilizando o efeito de Campanella. Ao

escolher a primeira opção, usa-se a técnica de ligados da primeira para

segunda nota e segue-se com o efeito de Campanella, utilizando os dedos

médio, indicador e anular, como representado na Figura 70:

Figura 70– Grupeto realizado com a combinação da técnica de ligados de mão esquerda e da Campanella.

Na Figura 71 está representada a maneira de realizar o grupeto de

Couperin, apenas utilizando o efeito de Campanella, executando as notas

com os dedos anular, médio e indicador da mão direita.

Page 78: Ornamentação ao violão

73

Figura 71 – Grupeto realizado com a utilização do efeito de Campanella.

2.23 Unisson.

Além da representação gráfica, como mostra a Figura 72, Couperin

não deixa mais nenhuma indicação a respeito do Unisson, o que nos leva a

deduzir sua execução apenas tendo como referência essa representação.

Uma pequena análise da figura revela a existência de dois mordentes que

acontecem simultaneamente.

Figura 72– Unisson (COUPERIN, 1933, p.39). [No pentagrama superior encontra-se o símbolo do ornamento, e no inferior seu efeito]

O Unisson, ao violão, é pouco natural e sua aparição nas músicas

barrocas transcritas para violão é quase nula. O violonista escocês David

Russell apresenta em sua transcrição para a Sonata K490, de Domenico

Scarlatti, uma solução técnica para a realização desse tipo de ornamento,

como demonstra a Figura 73, onde o trinado que ocorre na região mais grave

Page 79: Ornamentação ao violão

74

é realizado com a técnica de ligados de mão esquerda. Já o ornamento que

ocorre na região mais aguda é realizado em duas cordas do violão, com a

utilização dos dedos anular, indicador, médio e polegar da mão direita.

Figura 73 – Unisson realizado na Sonata K490 de Domenico Scarlatti (SCARLATTI, 2001, p.10)

Page 80: Ornamentação ao violão

75

CAPÍTULO 3

ORNAMENTAÇÃO EM LES SYLVAINS DE FRANÇOIS COUPERIN

Como o violão possibilita um grande leque de variantes para

escolha de digitações, tanto para a mão direita quanto para a mão esquerda

do instrumentista, este capítulo apresenta sugestões de ornamentações para

uma música de François Couperin. Ao contrário do capítulo anterior, onde

eram propostos diferentes dedilhados para a realização de um mesmo

ornamento, propõe-se aqui apenas um dedilhado para cada ornamento.

Les Sylvains, a peça escolhida pelo presente trabalho para ser

ornamentada, faz parte da primeira Ordre de peças.

A escolha do termo Ordre por Couperin nunca foi completamente explicada. Do mesmo modo que as suítes, as Ordres justapõem danças, peças descritivas ou de inspiração variada, escritas na mesma tonalidade, ou pelo menos em tonalidades próximas. Esta maneira de ordenar as peças não obriga a execução das Ordres em sua totalidade, podendo o intérprete agrupá-las de maneira individual. (GATTI, 1998, p. 65)

As sugestões de ornamentos da versão para violão (cf. Anexo C),

não seguem estritamente as ornamentações indicadas por François Couperin

na versão original para cravo, por razões de adaptação para a possibilidade

de realização do violão. O critério de escolha dos ornamentos baseia-se nas

ornamentações indicadas na tabela de ornamentação de François Couperin

(cf. Anexo A).

Page 81: Ornamentação ao violão

76

Já no primeiro compasso da peça, são encontrados um Port de

voix simple – mordente simples precedido por uma apojatura -, que aparece

no primeiro tempo do compasso, e um Port de voix simple – mordente duplo

precedido por uma apojatura -, que aparece no terceiro tempo do compasso,

como mostra a Figura 74:

Figura 74 – Port de voix simple e Port de voix double presentes no Compasso 1

O dedilhado escolhido para a execução do Port de voix simple ao

violão utiliza duas cordas do instrumento, onde há a alternância dos dedos

anular, indicador, médio e polegar da mão direita, como demonstrado na

Figura 75. A nota ré grave deve ser executada com o dedo polegar da mão

direita simultaneamente com a primeira nota do ornamento - Si.

Figura 75 – Port de voix simple executado ao violão

Page 82: Ornamentação ao violão

77

Para a execução do Port de voix double, emprega-se a mesma

técnica do ornamento anterior, ou seja, com a utilização de duas cordas do

violão, alternando os dedos anular, polegar, indicador e médio da mão direita,

usando a seqüência sugerida na Figura 76. A nota Fá grave deve ser

executada com o dedo polegar da mão direita, simultaneamente com a

primeira nota do ornamento.

Figura 76 – Port de voix double executado ao violão

Já no primeiro tempo do segundo compasso, há a ocorrência de

um Pincé simple - mordente simples - , representado na Figura 77:

Figura 77 – Pincé simple, que aparece no Compasso 2.

Page 83: Ornamentação ao violão

78

A execução desse ornamento ao violão, representada na Figura

78, utiliza duas cordas do violão e a seqüência anular, indicador e médio dos

dedos da mão direita. O baixo deve ser executado com o polegar e tocado

simultaneamente com a primeira nota do ornamento.

Figura 78 – Pincé simple executado ao violão

A Figura 79 demonstra um Pincé simple, que aparece novamente no terceiro compasso da música:

Figura 79 – Pincé simple que aparece no compasso 3

Sua execução ao violão é similar a do ornamento anterior, ou seja,

utilizam-se duas cordas de violão e os dedos anular, indicador e médio da

mão direita, nessa respectiva seqüência, como demonstrado na Figura 80. A

nota Dó deve ser executada com o polegar simultaneamente com a primeira

nota do ornamento.

Page 84: Ornamentação ao violão

79

Figura 80 – Pincé simple executado ao violão

No quarto compasso da música há a ocorrência de um mordente

duplo, representado aqui na Figura 81.

Figura 81 – Mordente duplo presente no compasso 4.

A execução desse mordente duplo é parecida com a dos

ornamentos duplos representados anteriormente nesse capítulo, ou seja, com

a utilização de duas cordas do violão, como demonstrado na Figura 82. Toca-

se a sequência; a, i, m, p. A nota grave – Sol – deve ser executada com o

dedo polegar da mão direita, simultaneamente com a primeira nota do

ornamento.

Page 85: Ornamentação ao violão

80

Figura 82- Mordente duplo executado ao violão

No sétimo compasso, há a ocorrência de um trinado, localizado no

terceiro tempo do compasso, como demonstra a Figura 83:

Figura 83 – Trinado encontrado no Compasso 7

Para a realização desse trinado ao violão, utilizam-se duas cordas

do violão e a seguinte combinação de dedos; a, i, m. p. a. i, m e p, como

demonstra a Figura 84:

Figura 84 – Trinado executado ao violão

Page 86: Ornamentação ao violão

81

Para evitar atrasos, em relação ao tempo de execução, nota Ré

grave, localizada no segundo tempo do compasso, deve ser executada com a

mão esquerda do violão, simultaneamente com a nota final do ornamento - Lá

-. Essa técnica – de executar a nota apenas com a mão esquerda - funciona

como o principio da técnica de ligados do violão, porém, não se utiliza a mão

direita para tocar a primeira nota, como na técnica de ligados convencional.

Um bom exercício para conseguir precisão rítmica e de execução, é tocar as

cordas soltas do violão – Mi, La, Ré, Sol, Si, Mi – apenas com a mão

esquerda. Ao realizar essa técnica, a mão esquerda deve realizar o

movimento de ligado e repousar sobre a corda inferior. Na Figura 84, por

exemplo, a mão esquerda realiza a nota Ré encontrada na sexta corda do

violão e, após esse movimento de ligado, repousa sobre a quinta corda do

violão. Sem essa técnica, o baixo e a última nota do ornamento não podem

ser executadas simultaneamente.

No compasso 9, representado na Figura 85, há a ocorrência de

dois ornamentos. O primeiro deles é um Port de voix simple, localizado no

primeiro tempo do compasso. No terceiro tempo do compasso há a

ocorrência de uma apojatura longa.

Figura 85 – Port de voix simple e Port de voix coulée, encontrados no compasso 9

Page 87: Ornamentação ao violão

82

Para a execução do Port de voix simple ao violão devem-se utilizar

duas cordas do violão e os dedos a, i, m e p da mão direita, como demonstra

a Figura 86. A nota Ré grave deve ser executada com o polegar

simultaneamente com a primeira nota do ornamento.

Figura 86 – Port de voix simple executado ao violão

A apojatura longa, como mostra a Figura 87, é executada ao violão

com a utilização de apenas uma corda, em movimento de ligado.

Figura 87 – Apojatura longa executada ao violão

No compasso 10, representado aqui na Figura 88, há a ocorrência

de dois ornamentos. O primeiro deles é o Double – ou grupeto –, localizado

Page 88: Ornamentação ao violão

83

no segundo tempo do compasso, e o segundo é um mordente duplo,

localizado no quarto tempo do compasso.

Figura 88 – Grupeto e Mordente duplo, ocorrentes no compasso 10.

O grupeto, como demonstrado na Figura 89, deve ser realizado,

nesse caso, com a utilização do efeito de Campanella, ou seja, executado em

cordas separadas do violão. Os dedos da mão direita utilizados são; anular,

médio e indicador.

Figura 89 – Grupeto executado ao violão.

O mordente duplo, representado na Figura 90, segue as mesmas

recomendações dos mordentes duplos já demonstrados anteriormente, ou

seja, é executado em duas cordas do violão, com a combinação de dedos a,

Page 89: Ornamentação ao violão

84

i, m e p, nessa respectiva ordem. A nota do baixo – Ré – deve ser executada

simultaneamente com a primeira nota do ornamento.

Figura 90 – Mordente duplo executado ao violão

No compasso de número 11, demonstrado na Figura 91, há

novamente a ocorrência de um mordente duplo:

Figura 91 – Compasso 11

Sua execução ao violão, novamente, segue o mesmo modelo dos

outros mordentes duplos aqui representados, utilizando duas cordas do

violão, como mostra a Figura 92:

Page 90: Ornamentação ao violão

85

Figura 92 – Mordente duplo executado ao violão

No primeiro tempo do compasso 12, como mostra a Figura 93, há

duas vezes a ocorrência do Port de voix coulée, ou mordente simples. A

primeira no primeiro tempo do compasso, e a segunda no segundo tempo.

Figura 93 – A dupla ocorrência do Port de voix coulée, no Compasso 12

Sua execução ao violão é feita através da utilização da técnica de

ligados, como demonstra a Figura 94:

Figura 94 – Port de voix coulée executado ao violão

Page 91: Ornamentação ao violão

86

Se a execução do ornamento anterior foi feita através da técnica

de ligados, o segundo utiliza duas cordas do violão, onde se tocam todas as

notas do ornamento, como mostra a Figura 95:

Figura 95 – Port de voix coulée executado ao violão.

No compasso 13 da música, representado na Figura 96, existe a

ocorrência de um port de voix coulée localizado no primeiro tempo do

compasso, e de um Slide, localizado no terceiro tempo do compasso.

Figura 96 – Ocorrência de um port de voix coulée e de um Slide, no compasso 13

Nesse Port de voix coulée optou-se por tocar todas as notas do

ornamento com a mão direita, como mostra a Figura 97, utilizando os dedos

anular e médio.

Page 92: Ornamentação ao violão

87

Figura 97 – Port de voix coulée executado ao violão

A execução do Slide proposto utiliza apenas uma corda do violão,

realizado através da técnica de ligados de mão esquerda, partindo da corda

solta, tocada com o dedo anular da mão direita, e atingindo a nota final

através dos dedos 2 e 4 da mão esquerda, como mostra a Figura 98:

Figura 98 – Slide executado ao violão

Já no compasso de número 14, representado na Figura 99,

encontra-se, novamente, um mordente duplo, situado no primeiro tempo do

compasso:

Figura 99 – Mordente duplo, encontrado no compasso 14

Page 93: Ornamentação ao violão

88

Para a realização desse mordente, optou-se por utilizar a técnica

de ligados do violão, utilizando apenas uma corda, alternando os dedos 2 e 1

da mão esquerda, como mostra a Figura 100:

Figura 100 – Mordente duplo, executado ao violão

No compasso de número 15, representado na Figura 101,

encontram-se dois ornamentos. O primeiro, ainda não utilizado nessa música,

é um Tierce coulée, encontrado no segundo tempo do compasso. No terceiro

tempo do compasso, encontra-se, novamente, um mordente duplo:

Figura 101 – Tierce coulée e mordente duplo, encontrados no Compasso 15

Page 94: Ornamentação ao violão

89

Para a realização do Tierce coulée – onde se deve, ao final do

ornamento, soar um intervalo de terça – utiliza-se duas cordas do violão,

como demonstra a Figura 102. Da primeira para a segunda nota do

ornamento, utilizam-se os dedos médio e indicador da mão direita. A última

nota do ornamento deve ser alcançada por movimento de ligado de mão

esquerda.

Figura 102 – Tierce coulée, executado ao violão

O mordente duplo segue as mesmas orientações que os anteriores

para sua execução. Utilizam-se duas cordas do violão, utilizando os dedos

anular, indicador, médio e polegar da mão direita, nessa respectiva ordem,

como demonstra a Figura 103. A nota do baixo – Mi – deve ser executada

com o dedo polegar da mão direita, simultaneamente com a primeira nota do

ornamento.

Figura 103 – Apojatura dupla, executada ao violão.

Page 95: Ornamentação ao violão

90

No compasso de número 18, encontram-se três apojaturas longas,

situadas no primeiro, segundo e terceiro tempo do compasso, como mostra a

figura 104:

Figura 104 – Apojaturas longas encontradas no Compasso 18

Essas três apojaturas, ao violão, têm execução bastante similares.

Na primeira apojatura, utilizam-se duas cordas do violão, tocando as notas

com os dedos médio e indicador da mão direita, como mostra a Figura 105:

Figura 105 – Apojatura longa, executada ao violão

Na segunda apojatura desse compasso, representada na Figura

106, tocam-se, novamente, as notas utilizando duas cordas do violão, e os

dedos médio e indicador da mão direita.

Page 96: Ornamentação ao violão

91

Figura 106 – Apojatura longa, executada ao violão

A terceira apojatura, demonstrada na Figura 107, é executada,

dessa vez, de maneira ascendente, ou seja, parte da nota mais grave para a

mais aguda. Utilizam-se duas cordas do violão e os dedos indicador e médio

da mão direita.

Figura 107 – Apojatura longa, executada ao violão

No compasso 19, representado na Figura 108, encontra-se um

Port de voix double, situado no terceiro tempo.

Figura 108 – Port de voix double, encontrado no Compasso 19

Page 97: Ornamentação ao violão

92

Para a realização desse ornamento, utilizam-se duas cordas do

violão, tocando as notas com os dedos da mão direita na seguinte ordem;

anular, polegar, anular, indicador, médio e polegar, como demonstra a figura

109. A nota do baixo – Sol – deve ser executada com o dedo polegar da mão

direita simultaneamente com a primeira nota do ornamento.

Figura 109- Port de voix double, executado ao violão

No compasso 20, representado na Figura 110, é encontrado um

mordente duplo, situado no primeiro tempo.

Figura 110 – Mordente duplo, encontrado no compasso 20

Optou-se por executar esse ornamento com a utilização de apenas

uma corda do violão, por meio da técnica de ligados de mão esquerda,

alternando entre os dedos 3 e 1 , como mostra a Figura 111.

Page 98: Ornamentação ao violão

93

Figura 111 – Mordente duplo, executado ao violão

No terceiro tempo do compasso 28, representado na Figura 112,

encontra-se, novamente, um mordente duplo.

Figura 112 – Mordente duplo, encontrado no Compasso 28

A execução desse mordente duplo é similar aos propostos

anteriormente, ou seja, utilizando duas cordas do violão, tocando as notas

com os dedos anular, indicador, médio e polegar da mão direita, com mostra

a Figura 113. A nota do baixo – Fá – deve ser executada simultaneamente

com a primeira nota do ornamento.

Page 99: Ornamentação ao violão

94

Figura 113– Mordente duplo, executado ao violão

No primeiro tempo do compasso de número 29, representado na

Figura 114, encontra-se uma apojatura longa:

Figura 114 – Apojatura longa, encontrada no Compasso 29

Sua execução ao violão, representada na Figura 115, utiliza duas

cordas do violão, tocando as notas com os dedos indicador e médio da mão

direita.

Figura 115 – Apojatura longa, executada ao violão.

Page 100: Ornamentação ao violão

95

No compasso 31, representado na Figura 116, são encontrados

dois ornamentos. Situado no primeiro tempo, está um mordente duplo. No

terceiro compasso, encontra-se um trinado.

Figura 116 – Compasso 31

Executado ao violão, esse ornamento utiliza duas cordas do violão,

tocando as notas com os dedos anular, indicador, médio e polegar da mão

direita, como mostra a Figura 117. A nota do baixo – Sol – deve ser

executada com o dedo polegar da mão direita, executada simultaneamente

com a primeira nota do ornamento.

Figura 117 – Mordente duplo, executado ao violão

Page 101: Ornamentação ao violão

96

O trinado, representado na Figura 118, também utiliza duas cordas

do violão, utilizando a seguinte combinação dos dedos da mão direita; anular,

indicador, médio, polegar, anular, indicador, médio e polegar. A segunda nota

grave- Si – deve ser executada com a mão esquerda, em um movimento

parecido com a técnica de ligados, simultaneamente com a última nota do

ornamento. Isso ocorre pelo fato do dedo polegar, que geralmente executaria

o baixo, está envolvido na realização do ornamento.

Figura 118- Trinado, executado ao violão.

No compasso de numero 44, representado na Figura 119,

encontra-se, novamente, um trinado.

Figura 119 – Trinado, encontrado no Compasso 44

Page 102: Ornamentação ao violão

97

Sua execução no violão utiliza a mesma combinação do trinado

anterior, ou seja, com os dedos da mão direita alternados na seguinte

seqüencia; anular, indicador, médio, polegar, anular, indicador, médio e

polegar, como mostra a Figura 120. Novamente, a segunda nota da linha do

baixo – Lá - deve ser executada com a mão esquerda do violão, utilizando o

dedo 1, em um movimento parecido com a técnica de ligados. Isso ocorre

pelo falo do dedo polegar da mão direita, que usualmente executaria esse

baixo, está envolvido na realização do ornamento.

Figura 120 – Trinado, executado ao violão

No compasso 55, representado na Figura 121, encontra-se uma

apojatura longa, situada no primeiro tempo do compasso.

Figura 121– Apojatura Longa, encontrada no Compasso 55

Page 103: Ornamentação ao violão

98

Sua execução ao violão, representado na Figura 122, utiliza duas

cordas do violão, tocando as notas com os dedos indicador e médio da mão

direita.

Figura 122 – Apojatura longa, executada ao violão

No compasso de número 56, representado na Figura 123,

encontra-se, novamente, um trinado, situado no terceiro tempo do compasso.

Figura 123 – Trinado, encontrado no Compasso 56

Sua execução, como mostrado na Figura 124, utiliza a técnica de

ligados do violão, alternando entre os dedos 3 e 2 da mão esquerda. A

segunda nota da linha do baixo – Ré – pode, dessa vez, ser executada com o

dedo polegar da mão direita, já que o mesmo não está envolvido na execução

do ornamento.

Page 104: Ornamentação ao violão

99

Figura 124 – Trinado, executado ao violão

No compasso 61, representado na Figura 125, encontram-se dois

ornamentos. O primeiro ornamento, localizado no primeiro tempo do

compasso, é uma apojatura longa. O segundo ornamento, localizado no

terceiro tempo do compasso, é um trinado.

Figura 125– Apojatura longa e trinado, localizados no Compasso 61

Para a execução da apojatura longa, como mostra a Figura 126,

utiliza-se a técnica de ligados do violão. Toca-se a primeira nota com o dedo

4 da mão esquerda, e em seguida realiza-se o ligado, em direção a nota ré,

que é feita pelo dedo 3 da mão esquerda.

Page 105: Ornamentação ao violão

100

Figura 126 – Apojatura longa, executada ao violão.

O trinado é executado através da técnica de ligados do violão,

alternando entre os dedos 2 e 3 da mão esquerda, como mostra a Figura 127.

A segunda nota da linha do baixo – Fá – pode ser executada, novamente,

com o dedo polegar da mão direita, já que o mesmo não está envolvido na

execução do ornamento.

Figura 127 – Trinado, executado ao violão.

No compasso 65, representado na Figura 128, encontra-se, no

terceiro tempo, um mordente duplo:

Page 106: Ornamentação ao violão

101

Figura 128 – Mordente duplo, encontrado no Compasso 65

Este ornamento, executado ao violão, segue a mesma técnica de

execução dos outros mordentes duplos aqui representados, ou seja, utilizam-

se duas cordas do violão, com a seguinte combinação de dedos da mão

direita: anular, indicador, médio e polegar, como mostra a Figura 129. A nota

do baixo – Sol – deve ser executada com o dedo polegar da mão direita,

simultaneamente com a primeira nota do ornamento.

Figura 129 – Mordente duplo, executado ao violão

No compasso 66, representado aqui na Figura 130, encontra-se

um Port de voix simple, ou seja, um mordente simples precedido por uma

apojatura longa. Esse ornamento se encontra no primeiro tempo do

compasso.

Page 107: Ornamentação ao violão

102

Figura 130 – Port de voix simple, encontrado no Compasso 66

A execução desse ornamento ao violão, representado na Figura

131, utiliza a técnica de ligados de mão esquerda, com o auxilio dos dedos 2

e 1, ambos da mão esquerda.

Figura 131 – Port de voix simple, executado ao violão

O último ornamento sugerido para esta música, encontrado no

compasso 69, é um trinado, representado aqui pela Figura 132, e está

localizado no terceiro tempo do compasso.

Figura 132 – Trinado, encontrado no Compasso 69

Page 108: Ornamentação ao violão

103

Sua execução ao violão, aqui representada na Figura 133, é

realizada através da técnica de ligados de mão esquerda, utilizando os dedos

2 e 1, ambos da mão esquerda. A segunda nota da linha do baixo – Ré –

pode, nesse caso, ser executada com o dedo polegar da mão direita, já que o

mesmo não está envolvido na realização do ornamento.

Figura 133 – Trinado, executado ao violão

Page 109: Ornamentação ao violão

104

CONCLUSÃO

O presente trabalho se propôs a realizar um detalhado estudo

sobre a tabela de ornamentação de François Couperin e sua transcrição e

execução ao violão, e claro, o papel desse instrumento na execução da

música barroca.

A primeira importante questão colocada é o fato de que o violão

não pertence à realidade de uma época em que os ornamentos faziam parte

de uma tradição de execução, levando em consideração que sua construção

é datada do século XIX. O presente trabalho adotou como causa do

aparecimento do repertório barroco transcrito para violão, a necessidade de

preencher a lacuna de alguns séculos de produção musical para o

instrumento.

No primeiro capítulo, foram apresentados os principais conceitos

históricos e interpretativos da música barroca. O primeiro assunto voltado ao

ponto de vista histórico é a questão das datas estabelecidas para delimitar

esse período. Chegou-se a conclusão de que o período barroco não tem a

uniformidade que outros períodos da história da música têm e, para melhor

entendimento, deve ser fragmentado em outras três fases distintas; barroco

primitivo, barroco médio e barroco tardio, atribuindo características a cada

uma dessas fases, com o objetivo de diferenciá-las. Também foram dados

Page 110: Ornamentação ao violão

105

exemplos dos principais compositores da época e formas musicais que

nasceram – ou se desenvolveram - durante o período barroco.

Do ponto de vista interpretativo, foram expostas razões pela qual a

música antiga, atualmente, vem provocando interesse aos intérpretes. Foram

apresentadas também as três possíveis escolhas interpretativas que o

intérprete pode adotar. A primeira escolha apontada é a de executar a música

antiga com os olhares do presente. A segunda escolha interpretativa é

chamada de autêntica ou, melhor dizendo, recolocar a música ao passado,

seguindo estritamente as indicações sobreviventes do período barroco. A

terceira escolha interpretativa propõe um ponto de equilíbrio entre as

tradições do passado e o conhecimento musical do presente.

Este trabalho deixa muito claro sua posição perante as escolhas

interpretativas. É bastante coerente dizer que um trabalho que propõe a

realização de uma das tradições do passado – a ornamentação -, sob os

olhares de um músico do passado – Couperin -, em um instrumento moderno

– violão -, busca um ponto de equilíbrio entre passado e presente, seguindo,

então, a terceira escolha interpretativa.

A partir disso, o segundo capítulo do trabalho apresentou diversas

soluções técnicas para a realização dos ornamentos indicados por Couperin,

discutindo, por exemplo, a questão de realizar os ornamentos em uma ou

duas cordas. Como os ornamentos indicados por Couperin estavam em

língua francesa ou, às vezes, não tinham a indicação convencional – ou

padrão – foram identificados cada um dos ornamentos, para melhor

entendimento deles, novamente, com os olhares modernos.

Page 111: Ornamentação ao violão

106

O terceiro capítulo propôs ornamentações na obra Les Sylvains,

integrante da primeira Ordre de peças para cravo, seguindo as indicações de

Couperin dadas em sua tabela de ornamentação e os dedilhados que foram

propostos no segundo capítulo para sua execução. Conseqüentemente, o

trabalho visa contribuir para o crescimento do repertório de música barroca

que é executado ao violão, já que para melhor explicação da parte prática dos

ornamentos dadas no terceiro capítulo, foi confeccionada uma transcrição.

Por fim, esta pesquisa permitiu a melhor integração entre o violão e

a música barroca, pois proporcionou material de consulta voltado

especificamente para o instrumento, sendo esses materiais hoje, infelizmente,

ainda escassos. Sendo assim, o presente trabalho, com certeza, contribuirá

para as futuras melhores performances voltadas a música barroca realizadas

pelo violão.

Page 112: Ornamentação ao violão

107

REFERÊNCIAS

ANDRÉ, Clóvis de. Apostila de história da música: Barroco (ca. 1580/90 – 1750/60). São Paulo: 2006. BENNET, Roy. Uma Breve história da música. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1986. BORÉM, Fausto. Livre ornamentação por adição e subtração em duas danças de J. S. Bach. Per Musi –Revista Acadêmica de Música-, Belo Horizonte, n. 9, jan - jun, 2004, p.47 - 63. CARPEAUX, Otto Maria. O Livro de ouro da história da música. 3ª. Ed. Rio de Janeiro: Ediouro, 2001. COUPERIN, François. L’Art de Toucher le Clavecin. Wiesbaden: Breit Kopf, 1933. ________________. Complete Keyboard Works. New York: Dover Publications, 1988. (Partitura) CURY, Fabio. Fundamentos para a performance no fagote barroco. Campinas, 1999. Dissertação de Mestrado – Instituto de Artes, Universidade Estadual de Campinas. DANNREUTHER, Edward. Musical Ornamentation. London: Novelli, 1893. DART, Thurston. Interpretação da Música; tradução de Mariana Czertok. -2ª Ed. – São Paulo: Martins Fontes, 2000. DONINGTON, Robert. The Interpretation of Early Music. 6. Ed. London: Faber and Faber, 1990. DUDEQUE, Norton. História do Violão. Curitiba: Ed. da UFPR, 1994. GUERRA, Ruy. El barroco en la guitarra: Ornamentación, estilo y técnica. Havana: Atril Ediciones Musicales, 2001. GROUT, Donald J.; PALISCA, Claude V. História da Música Ocidental. 4ª ed. Lisboa: Gradiva, 2007.

Page 113: Ornamentação ao violão

108

HARNONCOURT, Nikolaus. O diálogo musical: Monteverdi, Bach e Mozart / Nikolaus Harnoncourt; tradução de Luiz Paulo Sampaio. – Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1993. __________________. O discurso dos sons: Caminhos para uma nova compreensão musical / Nikolaus Harnoncourt; traduzido do alemão por Marcelo Fagerlande; revisão, Maria Teresa Resende Costa e Myrna Herzog; prefácio e notas, Myrna Herzog. – Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1998. KIEFER, Bruno. História e significado das formas musicais. 6ª. Ed. Porto Alegre: Movimento, 1990. LINDE, Hans-Martin: Pequeno Guia para a Ornamentação da Música do Barroco: Sec. (XVI – XVIII). São Paulo: Musicália S/A. – Cultura, 1979. MED, Bohumil. Teoria da Música. 4ª. Ed. Rec e ampl. – Brasília, DF: Musimed, 1996. NEUMANN, Frederick. Ornamentation in Baroque and Post-Baroque Music: With Special Emphasis on J.S Bach. New Jersey: Princeton University Press, 1983. RUSSELL, David. Easy Trills. Disponível em: http://www.davidrussellguitar.com/tip-data/tip-winter-2006.htm. Acesso em: 15/set/2010. SCARLATTI, Domenico. 5 Sonatas (arr. D. Russell). London: DOBERMAN-YPPAN, 2001. Partitura (violão). _________. J.S Bach; Six Unaccompanied Cello Suites arranged for Guitar. New York: Mel Bay Publications, 1998.

Page 114: Ornamentação ao violão

109

ANEXO A

Tabela de ornamentação de François Couperin, extraída do livro L’Art de

Toucher le Clavecin.

Page 115: Ornamentação ao violão

110

Page 116: Ornamentação ao violão

111

ANEXO B

―Les Sylvains‖ de François Couperin, em sua versão original para cravo,

extraída do livro ―Complete Keybord Works‖

Page 117: Ornamentação ao violão

112

Page 118: Ornamentação ao violão

113

Page 119: Ornamentação ao violão

114

ANEXO C

―Les Sylvains‖ de François Couperin, transcrita para violão por Amadeu

Rosa.

Page 120: Ornamentação ao violão

115

Page 121: Ornamentação ao violão

116

Page 122: Ornamentação ao violão

117