orlandi - corpo e nomadismo – l.b.l

7
21/08/2015 CORPO E NOMADISMO – L.B.L.O | Laboratório de Sensibilidades https://laboratoriodesensibilidades.wordpress.com/2013/02/03/corpoenomadismolblo/ 1/7 L aboratório de Sensibilidades Ao descer rios impassíveis não me senti guiado por rebocadores (…) A. Rimbaud e J. Jarmusch CORPO E NOMADISMO – L.B.L.O Posted by laboratoriodesensibilidades on 03/02/2013 Ao falar a respeito de corpo e nomadismo, tenho, sem falsa modéstia, a impressão de que minha fala pouco acrescentará ao que vocês já sentiram, sonharam, perceberam, leram, imaginaram, fizeram ou pensaram graças a esse estranho bicho denominado corpo. E, como certamente já viveram de muitas maneiras a experiência das andanças e devaneios, do sonambulismo ou dos sonhos, das imaginações e sustos, da circulação, do ir e vir, do esquiar em linha reta ou esquivando obstáculos, como já patinaram à moda antiga ou esqueitearam à moda mais atual, como vivem praticando desde os primeiros anos de vida o velhíssimo andar a pé ou aderindo, cuidadosos ou não, à velocidade dos veículos motorizados, como já cavalgaram pais e animais, como já foram tomados pelo deslizar, desde o útero materno até as ondas do mar, e como já praticaram alpinismos na realidade das montanhas, dos móveis ou das paredes, como já se contorceram no meio das florestas e até pularam de pára‑quedas ou planaram com a ajuda das asas que levam o delta grego por sobre nossas paisagens, ou então, como já acompanharam ao longo das artes a maravilha de um fluxo de imagens, desde as sonoras até as mais pesadas, arquitetônicas, como já fugiram da chuva ou nela se molharam com prazer, este velho aproveitador do desejo, como já vivenciaram oscilações emocionais, desde a leveza em face de um sorriso amigo até os explosivos ódios ante a emergência desta ou daquela intolerável intromissão em seus destinos, como já olharam sua própria sombra variando ao lado ou simplesmente olharam as nuvens mirabolando no céu, enfim, como já se sentiram movidos ou comovidos, como já abraçaram a quem acaba de chegar ou sentiram saudades de alguém que se foi para sempre ou por pouco tempo, tenho também uma quase certeza de que pouco acrescentarei ao estoque de significados de que vocês dispõem quando ouvem a palavra nomadismo, esse enigmático termo que gregos e latinos deixaram praticamente pronto como herança lingüística para nossa língua portuguesa. Em suma, para quem já viveu uma só dessas experiências, quase nada terei a acrescentar a respeito dos dois termos que se conjugam nesta minha breve comunicação. E menos ainda terei o que dizer aos que estudaram, estudam ou praticam as navegações, as imigrações, as migrações, as invasões de fazendas etc.; só terei a aprender junto aos que sabem dos pequenos ou vastos deslocamentos de tribos ou povos, de animais ou pássaros. Em suma, basta estar atento aos corpos em movimento, e já uma intuição quase firme nos propicia uma

Upload: silvio-munari

Post on 12-Jan-2016

7 views

Category:

Documents


6 download

DESCRIPTION

Deleuze

TRANSCRIPT

Page 1: Orlandi - Corpo e Nomadismo – l.b.l

21/08/2015 CORPO E NOMADISMO – L.B.L.O | Laboratório de Sensibilidades

https://laboratoriodesensibilidades.wordpress.com/2013/02/03/corpo­e­nomadismo­l­b­l­o/ 1/7

Laboratório de Sensibilidades

Ao descer rios impassíveis não me senti guiado porrebocadores (…) A. Rimbaud e J. Jarmusch

CORPO E NOMADISMO – L.B.L.O

Posted by laboratoriodesensibilidades on 03/02/2013Ao falar a respeito de corpo e nomadismo, tenho, sem falsa modéstia, a impressão de que minhafala pouco acrescentará ao que vocês já sentiram, sonharam, perceberam, leram, imaginaram,fizeram ou pensaram graças a esse estranho bicho denominado corpo. E, como certamente jáviveram de muitas maneiras a experiência das andanças e devaneios, do sonambulismo ou dossonhos, das imaginações e sustos, da circulação, do ir e vir, do esquiar em linha reta ouesquivando obstáculos, como já patinaram à moda antiga ou esqueitearam à moda mais atual,como vivem praticando desde os primeiros anos de vida o velhíssimo andar a pé ou aderindo,cuidadosos ou não, à velocidade dos veículos motorizados, como já cavalgaram pais e animais,como já foram tomados pelo deslizar, desde o útero materno até as ondas do mar, e como jápraticaram alpinismos na realidade das montanhas, dos móveis ou das paredes, como já secontorceram no meio das florestas e até pularam de pára‑quedas ou planaram com a ajuda dasasas que levam o delta grego por sobre nossas paisagens, ou então, como já acompanharam aolongo das artes a maravilha de um fluxo de imagens, desde as sonoras até as mais pesadas,arquitetônicas, como já fugiram da chuva ou nela se molharam com prazer, este velhoaproveitador do desejo, como já vivenciaram oscilações emocionais, desde a leveza em  face deum sorriso amigo até os explosivos ódios ante a emergência desta ou daquela intolerávelintromissão em seus destinos, como já olharam sua própria sombra variando ao lado ousimplesmente olharam as nuvens mirabolando no céu, enfim, como já se sentiram movidos oucomovidos, como já abraçaram a quem acaba de chegar ou sentiram saudades de alguém quese foi para sempre ou por pouco tempo, tenho também uma quase certeza de que poucoacrescentarei ao estoque de significados de que vocês dispõem quando ouvem a palavranomadismo, esse enigmático termo que gregos e latinos deixaram praticamente pronto comoherança lingüística para nossa língua portuguesa.  Em suma, para quem já viveu uma só dessasexperiências, quase nada terei a acrescentar a respeito dos dois termos que se conjugam nestaminha breve comunicação.

E menos ainda terei o que dizer aos que estudaram, estudam ou praticam as navegações, asimigrações, as migrações, as invasões de fazendas etc.; só terei a aprender junto aos que sabemdos pequenos ou vastos deslocamentos de tribos ou povos, de animais ou pássaros. Em suma,basta estar atento aos corpos em movimento, e já uma intuição quase firme nos propicia uma

Page 2: Orlandi - Corpo e Nomadismo – l.b.l

21/08/2015 CORPO E NOMADISMO – L.B.L.O | Laboratório de Sensibilidades

https://laboratoriodesensibilidades.wordpress.com/2013/02/03/corpo­e­nomadismo­l­b­l­o/ 2/7

espécie de pré‑compreensão a respeito dessa conjunção entre corpo e nomadismo. O nômade écertamente um ente, algo em movimento. E isso pode ser ainda mais embriagante sedesconfiarmos que o próprio ser constitutivo desses entes em movimento é também uma puracaótica de devires. Nietzsche, depois de Heráclito, nos avisou a esse respeito. Mas não querotransformar este nosso encontro numa aula. Permitam‑me tratar esse tema do ponto de vistado meu encontro com algo em movimento.

Foi uma emoção quando encontrei a ligação entre nomadismo e movimento. E um movimentoque eu de certo modo praticava nos pastos da minha infância numa terra bem distantechamada Juruema. Foi isso que entendi quando li pela primeira vez, grafada entre aspas, umapalavra que os dicionários ainda registram, mas avisando que ela é de pouco uso e que tem omesmo significado de nômade: trata‑se da palavra “nómada”, com acento agudo sobre o ó,acento posteriormente substituído pelo circunflexo: “nômada”. Onde encontrei “nómada” pelaprimeira vez? Certamente não foi por causa da telefónica, porque esta nova invasãoportuguesa é muito recente. Encontrei nómada na estrofe de número quinze de um dos maisimportantes poemas épico‑ético‑políticos da língua portuguesa que se digladia no Brasil.(Digladiar, como vocês sabem, é um combate com espadas, combate que se leva a cabo corpo acorpo. Digladiar também ocorre na corporeidade linguageira, seja entre falantes, seja no campodas diferenças que exasperam as dimensões da língua, desde as diversidades fonéticas até asalternativas semânticas). O autor do poema que me ensinou a existência do “nômada” nasceubaiano. E desde esse dia, amo a Bahia, apesar de certas coisas. Ele compôs esse poema aos 21anos, em 1868, em plena efervescência das lutas contra a escravização dos negros. Esse jovempoeta era um branco que exercitava o milagre do sair de si. Sair de si, isto é, levar sua pelebranca à perspectiva de um corpo negro em luta. Vocês poderiam me dizer que o simples fatode falar, isto que agora estou fazendo aqui, já é viver um estado de corpo lançado para fora dosseus limites orgânicos, já é nomadismo do meu aparelho fonador, já é uma desterritorializaçãoda minha boca. E no caso daquele poeta, a transgressão dos seus próprios limites pessoais foiainda mais longe, pois sua voz própria se metamorfoseia poeticamente em “Vozes d’África”. Emais: ele transgride os limites do respeito ao que havia de mais respeitoso na sua cultura cristãocidental, pois ele chega ao extremo de insultar, de afrontar, de vituperar o chefe de todos ostranscendentes logo na abertura do seu grito, ou melhor, na primeira estrofe que lança o gritode uma África sangrada pelos cristãos:

Deus! ó Deus, onde estás que não respondes!?

Em que mundo, em que estrela tu te escondes,

Embuçado nos céus?

Há dois mil anos te mandei meu grito,

Que embalde, desde então, corre o infinito…

Onde estás, Senhor Deus?…

Vocês já sabem qual é o nome do jovem autor dessa admoestação ao divino. Pois bem, é a ele, éa Castro Alves que devo o primeiro encontro com a palavra “nómada”. Quando África,amaldiçoada, excomungada, anatematizada começa a recordar a série de sacrifícios que lheforam impostos após o dilúvio, a estrofe quinze nos diz:

Page 3: Orlandi - Corpo e Nomadismo – l.b.l

21/08/2015 CORPO E NOMADISMO – L.B.L.O | Laboratório de Sensibilidades

https://laboratoriodesensibilidades.wordpress.com/2013/02/03/corpo­e­nomadismo­l­b­l­o/ 3/7

Desde este dia o vento da desgraça

Por meus cabelos ululando passa

O anátema cruel.

As tribos erram no areal das vagas,

E o ‘nómada’ faminto corta as plagas

No rápido corcel.

Foi aí que encontrei pela primeira vez o nómada, hoje transformado no nômade dosdicionários, isto é, nesse personagem que continua buscando novas pastagens e evitando aprática sedentária do cultivo agrícola, personagem que não consegue ater‑se ao amanho daterra, que prossegue rasgando extensões, como quem vive colado aos devires do meio, aosfluxos de desterritorialização.

Parecia haver algo em comum entre Castro Alves e seu nômade. Ambos eram famintos: a umfaltava alimentos, e o mundo do poeta abolicionista carecia de justiça, como ainda carece maisde um século depois. Mas reuni‑los em função de algo que lhes faltava foi ficando cada vezmenos satisfatório, como vocês já devem ter sentido. Era preciso reuni‑los por aquilo que neleshavia em excesso: o sair de si, a desmesura, o desbravar fronteiras, o reanimar em si o próprioser das agitações, o que implica essa intensa dedicação a algo até que mil e uma rupturas seabram como explicitação de diferenciações inesperadas.

Sair de si era o que esse jovem poeta sabia fazer, mesmo quando, em outras ocasiões, seu egoestava em pauta ao declarar seu amor a uma artista, Eugênia Câmara. O amor já era certamenteum estar fora de si, um estar tomado pela consciência do que se apresentava como amável noente amado. Porém, mais radicalmente ainda, essa viagem pela consciência de amar, por maistresloucada que fosse, correspondia, embora sem derivação causal, a fluxos intensivos quefaiscavam em dimensões pré conscientes, fluxos que levavam o jovem ardoroso a transporlimites pessoais, de tal modo que seus próprios sentimentos eram rompidos emetamorfoseados numa pura intuição estética, isto é, na expressão, para além do seusentimento pessoal, de uma certa maneira poética de amar. Seu ânimo, como sensibilidadenômade, fluía desde cantos líricos a flores até dilacerantes imagens do que ocorria num navionegreiro. Eis um exemplo de sua lírica, da suave composição poética enredada no tempopresente, esse estofo da temporalidade tão propícia ao hálito de uma atmosfera que vaienvolvendo as palavras num véu de indeterminação, de modo que elas acabam reunidas numafeto que pulsa aqui e agora:

A DUAS FLORES

        (1870)

 

Page 4: Orlandi - Corpo e Nomadismo – l.b.l

21/08/2015 CORPO E NOMADISMO – L.B.L.O | Laboratório de Sensibilidades

https://laboratoriodesensibilidades.wordpress.com/2013/02/03/corpo­e­nomadismo­l­b­l­o/ 4/7

São duas flores unidas,

São duas rosas nascidas

Talvez no mesmo arrebol,

Vivendo no mesmo galho,

Da mesma gota de orvalho,

Do mesmo raio de sol.

 

Unidas, bem como as penas

Das duas asas pequenas

De um passarinho do céu…

Como um casal de rolinhas,

Como a tribo de andorinhas

Da tarde no frouxo véu.

 

Unidas, bem como os prantos

Que em parelha descem tantos

Das profundezas do olhar…

Como o suspiro e o desgosto,

Como as covinhas do rosto,

Como as estrelas do mar.

 

Unidas… Ai quem pudera

Numa eterna primavera

Viver qual vive esta flor,

Juntar as rosas da vida

Na rama verde e florida,

Na verde rama do amor!

Page 5: Orlandi - Corpo e Nomadismo – l.b.l

21/08/2015 CORPO E NOMADISMO – L.B.L.O | Laboratório de Sensibilidades

https://laboratoriodesensibilidades.wordpress.com/2013/02/03/corpo­e­nomadismo­l­b­l­o/ 5/7

 

Quando decoramos poesias que nos capturam e nos entregamos ao movimento de recitá‑las,geralmente ocorre uma coisa curiosa: surfamos de tal modo pela sonoridade das palavras quepouco ou quase nada nos perturba o fato de não conhecermos o significado de todas elas. Aoencontrar pela primeira vez o poema que acabei de ler, a palavra que fugia do meuentendimento, e que de certo modo continua fugindo, é arrebol  [“São duas rosas nascidas /Talvez no mesmo arrebol”]. Arrebol continua em fuga nos meus ouvidos porque ela parecesonorizar sempre algo mais do que o indicado pelo seu estrito significado lexicográfico. Aliás,seu estrito significado já a singulariza nos dicionários, pois o verbete que geralmente a precedeé “arrebito”, que nada tem a ver com ela,  e aquele que geralmente a sucede, “arrebolar” ou“arrebolado”, aponta para o dar forma de bola, se bem que Guimarães Rosa, sempresubvertendo a língua, tenha transformado certa vez arrebol diretamente em arrebolar,pensando justamente na idéia de avermelhar. Com efeito, arrebol, como vocês sabem, querdizer um modo do céu estar avermelhado, ruborizado lá no horizonte.  É por causa disso,provavelmente, que, para os meus ouvidos, arrebol sempre disse algo mais: embora,etimologicamente, essa palavra venha de um rubor latino, o decisivo é que arrebol goza de umrubro nomadismo cadenciado pelo nascer e pelo pôr do sol. Sem que eu o notasseintelectualmente, na época, ao encontrar pela primeira vez “as duas flores”, essa ambigüidadede arrebol, sua dupla fisionomia de crepúsculo matutino e de crepúsculo vespertino, essadupla modulação do avermelhar‑se de um céu abrindo‑se ou fechando‑se ao sol, essa indecisãodo cosmo estava como que embutida na sensação auditiva, de tal modo que essa palavraressoava e estará sempre ressoando algo mais, como que correspondendo a uma espécie deinstante de intensidade que a cada vez excede aquilo que o entendimento pode.  É como senosso poder intelectual não precisasse intervir nos momentos da récita pública, privada ouclandestina.  É como se a razão estivesse numa semana do saco cheio e não fosse solicitada aimpedir que outras esferas do corpo nos levassem a um passeio mais livre ou a uma contraçãocontemplativa das cores do céu ao amanhecer ou ao entardecer. É como se o encontro comcertas poesias velasse ligeiramente os nexos reflexivos e propiciasse uma transpassagem diretae mútua entre sonoridades e agitações da memória. Com suas variações sonoras, o poemadedilha cordas que ressoam de modo a favorecer o advento de uma memória instantaneamenteliberta das vigilâncias do intelecto. Isso talvez justifique a idéia de que memorizar poemas, deque decorar poesia é um aprendizado que passa pelo coração, um aprendizado de coração, umaprender de cor, como se diz, e cor remetendo, desde o latim, à idéia de coração, esse estranholugar de pulsações que antecedem tanta coisa e que acabam servindo como sede trêmula àinteligência e à memória. Em suma, decorar vem a ser um aprendizado que passafundamentalmente pela caótica da sensibilidade. E decorar poesia vem a ser um privilegiadonomadismo que se exercita na prodigiosa imbricação entre essa caótica e as  linhas de força dacomposição estética. Por isso, ler uma poesia, senti‑la, não é identificar‑se com seu autor, poistambém ele saiu de si em plena criação estética. Ele foi tomado por uma vibração que o lançoupara fora de si. E quando pulsamos com seu poema, as vibrações que nos lançam também parafora de nós mesmos entram em ressonância com aquela, mas não em razão de uma semelhançasubseqüente ou de uma identidade prévia. Atingido por sustos desse tipo, é que o pensamentofilosófico contemporâneo foi obrigado a pensar algo mais a respeito de corpo e nomadismo. Onomadismo, enquanto variação contínua, não se reduz ao deslocamento empírico de umsujeito identificável de um ponto a outro na extensão. O nomadismo, radicalmente falando,ocorre quando –  andando ou parado, voando ou mergulhando, nadando pelos mares ouenvolto em navenuvens – a dimensão intensiva do meu corpo, graças a este ou  àqueleencontro, vem a pulsar de um modo tão inatual, tão intempestivo, que esse instante de

Page 6: Orlandi - Corpo e Nomadismo – l.b.l

21/08/2015 CORPO E NOMADISMO – L.B.L.O | Laboratório de Sensibilidades

https://laboratoriodesensibilidades.wordpress.com/2013/02/03/corpo­e­nomadismo­l­b­l­o/ 6/7

pulsação espalha uma transmutação tal que meu passado já não será mera acumulação decotidianidades levadas a cabo por um eu idêntico a si, uma transmutação tal que meu futuroterá de confrontar‑se para sempre com ela.

Portanto, o corpo em nomadismo pode ser visto, sentido e pensado sob essas duasperspectivas, pelo menos: a dos seus administráveis e controláveis deslocamentos empíricos naespaço‑temporalidade e a das suas intensificações,  quando está ele tomado por instantâneosdinamismos espaço‑temporais de difícil controle. Há pressuposição recíproca entre essas duasperspectivas, mas elas são irredutíveis uma à outra. Elas se afetam mutuamente, mas sem quesaibamos precisamente onde, como, quando, por que se afetam, como se a consciência, sempremuito deslocada, fosse condenada a chegar tarde ou cedo demais. Enquanto isso, o corpo é quese mete como vanguarda de um nomadizar‑se entre os aqui‑e‑agora bem determinados e osindeterminados alhures, essas zonas que não sabemos bem o que são, se são outro lugar‑e‑tempo ou se um tempo‑e‑parte alguma. Mas sabemos que nenhum aqui‑e‑agora se livratotalmente das agitações intensivas que lhe são trazidas de alhures; não se livra, porque háimanência sem identificação entre os aqui‑e‑agora e os alhures que os escavam, explodem,relançam.

E quando,  cansado do nomadismo extensivo, o corpo se entrega ao sono, um nomadismointensivo dele se apodera, levando‑o ao longo de sonhos. E cada um de nós, não contente emruminar seu próprio sonho, deixa‑se levar também pelo sonho de outrem, como o do Toninho,nosso querido prefeito. É em homenagem ao sonho político de Toninho é que eu gostaria agorade relembrar com vocês um outro sonho negro, o “Sonho Meu”, não precisamente meu, masque pode ser intensivamente nosso, aquele composto por Délcio Carvalho e Yvonne Lara *(/Users/ACER/Pistas%20para%20o%20m%C3%A9todo%20cartogr%C3%A1fico/Orlandi%202006/Ensaios/Corpo%20e%20nomadismo.doc#_ftn2)e lindamente cantado por ela e Djavan, o sonho que eles nos convidam a sentir como “canto danoite na boca do vento” e que faz “a dança das flores no meu pensamento”. Ei‑lo: 

Sonho meu, sonho meu

Vai buscar quem mora longe

Sonho meu

 

Vai buscar esta saudade

Sonho meu

Com a sua liberdade

Sonho meu

Do meu céu a estrela guia se perdeu

A madrugada fria

Só me traz melancolia

Sonho meu

Page 7: Orlandi - Corpo e Nomadismo – l.b.l

21/08/2015 CORPO E NOMADISMO – L.B.L.O | Laboratório de Sensibilidades

https://laboratoriodesensibilidades.wordpress.com/2013/02/03/corpo­e­nomadismo­l­b­l­o/ 7/7

 

Sinto o canto da noite na boca do vento

Fazer a dança das flores

No meu pensamento

Traz a pureza de um samba

Sentido marcado de mágoas de amor

Um samba que mexe o corpo da gente

E o vento vadio embalando a flor

Sonho meu

X – X – X

Luiz B. L. Orlandi

outubro de 2001

 

*(/Users/ACER/Pistas%20para%20o%20m%C3%A9todo%20cartogr%C3%A1fico/Orlandi%202006/Ensaios/Corpo%20e%20nomadismo.doc#_ftnref1)Sou grato à profa. dra. Heloisa T. Bruhns e ao prof. dr. Gustavo Luiz Gutierrez pelaoportunidade de estar participando hoje, dia 5/10/2001, do encerramento deste “Ciclo deDebates” dedicado à idéia de “Lazer e Motricidade”, evento iniciado ontem e promovido peloDepartamento de Estudos do Lazer / DEL – Faculdade de Educação Física – UNICAMP.

*(/Users/ACER/Pistas%20para%20o%20m%C3%A9todo%20cartogr%C3%A1fico/Orlandi%202006/Ensaios/Corpo%20e%20nomadismo.doc#_ftnref2)Délcio Carvalho e Yvonne Lara, “Sonho Mau”, in CD Dona Yvonne Lara – Bodas de Ouro, Sony‑Columbioa 758.330/2‑479477, s/d, Faixa 4.

Esta entrada foi publicada em Uncategorized. ligação permanente.

Create a free website or blog at WordPress.com. | O tema Piano Black.