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  • 7/23/2019 ORLANDI Breve Passagem Pela Paradoxal Repetio Deleuziana (Texto Da Palestra de Luiz Orlandi) _ Laboratrio

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    21/08/2015 Breve passagem pela paradoxal repetio deleuziana (texto da palestra de Luiz Orlandi) | Laboratrio de Sensibilidades

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    Laboratrio de Sensibilidades

    Ao descer rios impassveis no me senti guiado porrebocadores () A. Rimbaud e J. Jarmusch

    Breve passagem pela paradoxal repetio

    deleuziana (texto da palestra de Luiz Orlandi)

    Posted by laboratoriodesensibilidades on 03/09/2013Em homenagem ao Gilmar, o goleiro que tantorepetiu incomparveis defesas em tantos jogos

    Agradeo a Dominique Fingermann pelo honroso convite para dizer algo no segmentoDeleuze desta srie de palestras dedicadas ideia de repetio. Devo, tambm, agradecer aos

    presentes pela coragem que mostram ao assumirem o risco que aqui os ameaa a partir demim, o risco de ouvirem uma fala repentinamente mais capaz de embaralhar o assunto do quede promover a inteligibilidade do conceito deleuziano de repetio.Esse risco objetivamente verdadeiro desde o simples ponto de vista cronolgico. Porexemplo, no caberia nos minutos reservados palestra uma dedicao minuciosa a nemmesmo dez das quatrocentas e tantas pginas de Diferena e repetio (1968), que apenas umdos livros decisivos de Deleuze a respeito do assunto.Ao dizer isso, busco apenas justificar o ttulo que sugeri a Dominique: breve passagem pelaparadoxal repetio deleuziana. Sublinhei breve passagem. Mesmo necessitando ser breve,

    confesso, entretanto, que isso no me ser fcil; no me ser fcil construir essa brevidade, essacurta durao da nossa conversa. Por que? Porque, inevitavelmente, j de partida, o tema meobriga a perguntar o seguinte: porque paradoxal repetio deleuziana? Porque paradoxal?Primeiramente, porque Deleuze um filsofo que parece ter um gosto especial pelosparadoxos. Um gosto herdado dos gregos, digamos. H uma espcie de paradoxismoreincidente em vrias e importantes linhas dos escritos deleuzianos. Basta acompanhar, porexemplo, as sries dos paradoxos em Lgica do sentido (1969).Outro exemplo, e que interessa ao problema da repetio, este: para Deleuze, um filsofo filsofo porque cria conceitos (QPh?). Entretanto, essa afirmao (que, alis, distingue o pensarfilosfico do pensar em cincias e do pensar em artes) j fisgada por um paradoxo: que aafirmao dessa ativa criatividade conceitual inseparvel daquilo que ela implica; e o queessa atividade implica uma especial passividade do pensador. Por que? Porque criarconceitos, segundo Deleuze, no depende simplesmente da espontnea e voluntria boavontade do filsofo. Ele como que forado a pensar. Ele pensa por fora daquilo que

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    desencadeia nele um intenso envolvimento afetivo, e esse envolvimento gruda o filsofo complicada pulsao de um cruzamento de problemas. Isso atinge o filsofo em meio s maisvariadas atmosferas, seja a da contemplao de uma inesperada nuvem de delcias at a dapenosa sensao de um porco espinho na garganta; desde evanescentes admiraes at aexposio dos nervos a doridas projees espiniformes de certas dificuldades.Pois bem, alm de suscitar no filsofo uma necessidade de pensar, um ter que pensar, esseenvolvimento afetivo d a ele um ter o que pensar. Por exemplo, ao ser afetado quando v um

    filme, uma pintura, uma escultura, quando ouve uma msica etc, quando participa de algumamaneira de uma das atuais manifestaes agitadoras de problemas em cidades ou aldeiasindgenas brasileiras, quando sente fortemente isso ou aquilo nos seus encontros com seja l oque for, o filsofo ganha o que pensar. Ele sente que agora tem o que pensar. Ao mesmo tempoem que ele sente isso (uma singular afeco, uma variao intempestiva na sua sensibilidade,na sua subjetividade), ao mesmo tempo em que isso acontece, abrese um outro nvel de tensaconexo entre a passividade implicada no envolvimento afetivo e uma especial e mendricaatividade do esforo pensante. Que nvel esse? o do como dizer isso que agora tenho parapensar. nesse nvel que Deleuze pode ser tambm estudado como um filsofo

    necessariamente aberto a contrair uma multiplicidade de alianas, desde aquelas tecidas juntoa elaboraes conceituais de outros filsofos ou junto a formulaes de cientistas, matemticosetc., at junto a enunciaes de artistas a respeito de suas obras ou de anlises feitas por crticosnos mais variados domnios, sejam estticos, polticos etc. No se trata de repetir o que osoutros dizem, mas de entrevaguear pelo que dizem, levado pelos dinamismos que dramatizama Ideia que o abrasa. Portanto, mantendose espreita do que lhe pode dar seu prprio poderessencial de ser afetado, tratase tambm de contar com os outros para dizer aquilo que oforou a pensar. Deleuze d o nome de intercessores a esses com os quais ele se sente inclinadoa aliarse em seus movimentos do como dizer isso que ele tem para pensar. Ele no precisa,

    para tanto, privilegiar o jogo das proposies opositivas, a confrontao de juzos Para dizerconceitualmente aquilo que o forou a pensar, aquilo que ele ganhou em seu envolvimentoafetivo, Deleuze precisa, isto sim, enveredarse pelos meandros interexpressivos de suasalianas com intercessores. E, de fato, tais alianas mostraramse notavelmente produtivas emsuas obras, mostraramse singularmente recriadoras, capazes de retomar o novo e desencadearvariaes conceituais que, por sua vez, nos ajudam a pensar nossos problemas, operando emns como outras tantas perspectivas intercessoriais. [Essa temtica aparece em outros termosem P,171]O que foi dito at agora pode ser tomado como breve, mas necessria, introduo ao problemada repetio em Deleuze. Salientamos o paradoxo de uma criatividade conceitual dependente

    de um poder de ser afetado, esse poder que nos d o que pensar. E destacamos a ideia decontrair alianas com intercessores que nos ajudam a dizer o que nos d o que pensar. Comisso, estamos relativamente aptos a perguntar por lances de criao do conceito de repetio.Ao longo de breves passagens, notaremos a razo pela qual esse conceito ganha uma espciede assinatura de Deleuze, a tal ponto que podemos falar em paradoxal repetio deleuziana,como quer o ttulo desta palestra. Em outras palavras, sero referidos alguns encontros deDeleuze com intercessores, notamente Hume nesta conferncia, encontros ao longo dos quaisele pode dizer sua maneira uma perspectiva do problema da repetio, o paradoxo que oafetava na estranha experincia do aprendizado da repetio.

    Vivese comumente a experincia da repetio, No apenas o tictac de um relgio ou o tictictictic das quatro horas de Bergson. Quem no aprendeu a repetir tabuadas aritmticas atdecorlas como mquinas operando por si mesmas no crebro? Quem nunca viveu com ousem dores o verstil hbito de contrair bons ou maus hbitos? Quem nunca fez a experincia de

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    viver repetindo seja uma cano seja uma poesia qualquer? Que velho brasileiro, como eu,mesmo mestio, no sofreu algum dia a tentao de decorar e de viver recitando, repetindoeste magno exemplo da lrica brasileira? So duas flores unidas So duas rosas nascidasTalvez do mesmo arrebol, Vivendo, no mesmo galho, Da mesma gota de orvalho, Do mesmoraio de sol. Unidas, bem como as penas das duas asas pequenas De um passarinho do cuComo um casal de rolinhas, Como a tribo de andorinhas Da tarde no frouxo vu. Unidas, bemcomo os prantos, Que em parelha descem tantos Das profundezas do olhar Como o suspiro e

    o desgosto, Como as covinhas do rosto, Como as estrelas do mar. Unidas Ai quem puderaNuma eterna primavera Viver, qual vive esta flor. Juntar as rosas da vida Na rama verde eflorida, Na verde rama do amor! Castro Alves (18471871).Observese, inicialmente, que a repetio tem algo a ver com o tempo presente nas vidas daspessoas. No toa que a poesia lrica, como essa que anotei acima, tem seus dinamismostemporais ligados, sobretudo, dimenso do presente. E repete e repete e repete, e a cadarepetio, algo a mais se passa pelos intervalos das palavras, dos sons, das coisas, algo nonotado antes, digamos, uma mudana irredutvel ao que atual e empiricamente repetido.Para sentir isso, basta que se repita a experincia de ler e reler aquele poema lrico. De onde

    vem ou se impe essa estranheza acontecendo na repetio como encontro paradoxal, dadoque o aparentemente mesmo, agora repetido, j no parece ser o mesmo? Seguindo a prpriasugesto do ttulo do livro, Diferena e repetio, digamos imediatamente, que esse algoestranho s pode ser uma intensificao transfigurando a face repetitiva do encontro e abrindonele dimenses diferenciais, lanandoo, portanto, experincia do paradoxismo da repetio.Numa frase curta, digamos que a repetio deleuziana paradoxal porque o encontrorepetitivo implica um diferencial que pode, repentinamente, transfigurlo num encontrointensivo. Mas essa frase no basta. Ela pede que explicitemos alguns pontos do problema queela encolhe: o problema da repetio como diferenciao complexa.O primeiro lance de desenvolvimento desse problema pode ser encontrado na maneira pelaqual Deleuze compreende ideias do seu jovem intercessor, David Hume (17111774). Foi comesse filsofo do sculo dezoito, j estudado por ele numa tese publicada em 1953 (Empirisme etsubjectivit), que Deleuze, quinze anos depois, em 1968, em DR, diz ter ido ao que decisivono mago do problema da repetio. Como enunciado esse recndito problemtico? enunciado duas vezes: numa longa e numa curta enunciao. A longa aparece em ES, 65. Tratase de uma transcrio quase toda sem aspas do que Hume est dizendo em seu Tratado danatureza humana, (Ver pgs. 197, 198 e 167 da tr. br. de Dborah Danowski Ed Unesp, 2001).Ela diz o seguinte:A repetio devm uma progresso, e mesmo uma produo, quando se deixa de considerla

    relativamente aos objetos que ela repete, nos quais ela nada muda, nada descobre e nadaproduz, para, ao contrrio, considerla no esprito [na mente] que a contempla e no qual elaproduz uma nova impresso, uma determinao a levar nossos pensamentos de um objeto aoutro, a transferir o passado ao porvir. {Sublinhei: nada muda, nada descobre e nadaproduz, assim como no qual ela produz uma nova impresso].Destaco agora a enunciao curta que aparece, em itlico, em DR,96: A repetio nada mudano objeto que se repete, mas muda alguma coisa no esprito que a contempla.Uma observao, mesmo superficial, dessas duas enunciaes deixa ver que, no mago doproblema da repetio, est se intensificando o problema da mudana, o problema do novo no

    mundo, problema que acompanha Deleuze desde seus primeiros escritos. Nessas duasenunciaes a mudana no atribuda relao da repetio com os objetos repetidos, com oestado de coisas, pois cada caso, cada sequncia objetiva AB, AB independente da outra,de modo que a prpria repetio se desfaz medida que se faz. Cabenos perguntar, ento,ao qu est ligada a mudana? Se ela independe da repetio efetiva de casos e objetos, dada a

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    independncia de apario de cada um deles relativamente aos outros, a mudana no podeser ligada a um em si da prpria repetio. A mudana s pode ser ligada repetio, nopor engrenagem efetiva de um si dela prpria junto a objetos, mas por efeito da produoparadoxal de novas impresses que ela suscita no esprito, na mente contemplativa, contraente,como quando, ao aparecer o rosto A, minha mente aguarda o sorriso B, que no ser o mesmodo passado. esse movimento forado pela diferena de impresses no esprito,lancetando passados e futuros, nele que se cria, destaca Deleuze, a repetio para si mesma.

    a esse plano de contato entre a diferena em si mesma e a repetio para si mesma queesto dedicados os captulos I e II de DR (43168). Como impossvel detalhar esse plano aqui,devo salientar, a respeito desse primeiro lance do paradoxo da repetio, esse lance humeano,apenas o seguinte: Deleuze mantm a pergunta pela consistncia da mudana. Primeiramente,a repetio implica um emsi diferencial que a desfaz medida que ela se faz. Em segundolugar, essa fugacidade no impede que ela mude algo na mente contemplativa, o que tornapossvel falar num parasi da repetio. Que est acontecendo em minha mente, quandocontemplo repeties e sinto uma variao de impresses? Est acontecendo o que Deleuzedenomina uma fora de contrao. dessa fora que subsiste o poder contraente da

    imaginao. essa fora que contrai uns nos outros os instantes sucessivos independentes.A contrao distinta da reflexo intelectual. O que ela constitui mais pregnante: elaconstitui o presente vivido, o presente vivo. Porque isso decisivo nessa filosofia? Porque neste presente que o tempo se desenrola; e a ele pertence o passado e o futuro: o passado,porque os instantes precedentes so retidos na contrao; o futuro, porque a expectativa antecipao nesta mesma contrao. Passado e futuro aparecem, assim, como dimenses doprprio presente, justamente porque este contrai os instantes.Ora, falar dessa fora de contrao falar de uma sntese que se faz por si. Donde seu nome:sntese passiva. sntese passiva porque no feita pelo esprito, mas no esprito que

    contempla, precedendo toda memria e toda reflexo. Por isso possvel dizer que o tempo subjetivo, levandose em conta, porm, que a subjetividade a de um sujeito passivo. nasntese passiva que se apiam as snteses ativas da memria e do entendimento. Isso podeser compreendido se levarmos em conta que h nveis e mais nveis de snteses passivas,alm de combinaes deles entre si e combinaes deles com as snteses ativas, o que,segundo Deleuze, forma um rico domnio de signos. Em cada nvel de contemplao, decontrao, a diferena transvasada repetio, o que faz desta uma repetio paradoxal.Tambm o hbito, dotado de fora contraente, transvasa repetio algo de novo: adiferena (DR, 101]. Ao contrairmos aquilo de que procedemos, incluindo as milhares desnteses passivas que nos compem organicamente, estamos existindo em meio a

    transvasamentos da repetio pela diferena. Basta contemplar, basta imaginar para que algonovo, a diferena seja transvasada repetio (DR, 103).E se pudssemos inverter a frmula? Por exemplo, tomar a repetio como o diferenciador dadiferena? Deleuze encontra essa inverso em outro importante intercessor, Gabriel Tarde(18431904). Neste caso a repetio estaria entre duas diferenas, fazendonos passar deuma ordem a outra da diferena (DR, 104105). Quando passamos por esses lances doproblema, vamos notando o quanto essa reversibilidade entre repetio e diferena implica asoscilaes das snteses passivas carreadas pelas contemplaes. a partir de nossascontemplaes, diz Deleuze, que se definem todos os nossos ritmos, nossas reservas, nossos

    tempos de reaes, os mil entrelaamentos, os presentes e as fadigas que nos compem. E emvez de submeter a contemplao ao negativo da atividade, Deleuze lembra que contemplar questionar. A contemplao da alma questiona a repetio, lanandolhe a seguintepergunta: que diferena existe? E ela prpria, a contemplao, atravs de contraes,

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    transvasa a resposta repetio (DR, 106).Tudo isso diz respeito dramaturgia do presente. O paradoxo do presente est emconstituir o tempo como presente, mas como presente que passa, que se move por saltosque se imbricam uns nos outros (DR, 108). Impese, portanto, a pergunta: o que faz passar opresente? O que faz passar o presente uma segunda sntese do tempo tratada sob duasperspectivas. Primeiro, como sntese ativa dotada de trs pares de aspectos correlativos,mas no simtricos: reproduo e reflexo, rememorao e recognio, memria e

    entendimento. Temse uma sntese ativa da memria capaz de constituir o tempo comoencaixe dos prprios presentes. Mas sob que condio essa sntese ativa da memriaconsegue isso? pergunta Deleuze. A resposta implica a aliana de Deleuze com Bergson (18591941). A sntese ativa da memria consegue essa faanha graas a uma passividade nelaimplicada, graas a uma sntese passiva da memria, a sntese transcendental que constituium passado puro, a priori. Depois de resumir os paradoxos constitutivos desse passadopuro (a contemporaneidade do passado com o presente que ele foi; a coexistncia de todoo passado com o novo presente em relao ao qual ele agora passado; a preexistncia dopassado em geral relativamente ao presente que passa; finalmente a coexistncia do

    passado inteiro consigo mesmo), Deleuze resume a dramaturgia bergsoniana do passado, odrama das duas snteses da memria, a ativa e a passiva, dizendo: o que vivemosempiricamente como uma sucesso de presentes diferentes, do ponto de vista da sntese ativa, tambm a coexistncia sempre crescente dos nveis do passado na sntese passiva (DR, 112113).Finalmente, ainda no domnio da teoria do tempo, h de se notar um terceiro lance doproblema da repetio, o que nasce de uma espcie de insuficincia da memria. Abrese,assim, a terceira sntese do tempo, aquela marcada pela reiterada frase de Hamlet: o tempoest fora dos eixos. O eu sentese rachado entre o passado e o futuro. A apario do fantasmado pai, como que incitando vingana, leva Hamlet a sentir, primeiramente, a imagem da aocomo grande demais para ele, e, em seguida, no presente da metamorfose, vive um devirigual ao, vive em sua viagem o desdobramento do eu, a projeo de um eu ideal naimagem da ao, do tornarse capaz da ao (DR, 119,120). nesse fluxo que se abre oterceiro tempo, que descobre o futuro, mas que impe ao eu a dificuldade de sentir que oacontecimento e a ao tm uma coerncia secreta que exclui a do eu, chegando a voltarsecontra o prprio eu, projetandoo em mil pedaos, como se o gerador do novo mundo fossearrebatado e dissipado pelo fragmento daquilo que ele faz nascer no mltiplo. Pois bem, que isso a que o eu igualado nessa dramaturgia do futuro nascente? Na resposta a essa pergunta,a repetio ressurge como potncia da diferena: esse eu dissipado igualado ao desigual em

    si. E a aliana com Nietzsche j presente desde o prlogo e a introduo do livro, e que j sepreparava bem antes, desde o livro Nietzsche e a filosofia (1962) essa aliana evidenciase nos na frase em que esse Eu rachado e agora dividido igualado ao homem sem nome,sem famlia, sem qualidades, sem eu, nem Eu, o plebeu detentor de um segredo, j superhomem com seus membros esparsos gravitando em torno da imagem sublime. A aliana comNietzsche reiterase para afirmar o mais decisivo na paradoxal repetio deleuziana. Eis a fraseem que isso dito e que pode ser tomada como concluso provisria da palestra, embora noda pesquisa: o que produzido, o absolutamente novo, , por sua vez, apenas repetio, aterceira repetio, desta vez por excesso, a repetio do futuro como eterno retorno (DR, 122).

    Estranha passividade essa que nos liga repetio do futuro como eterno retorno. No somossenhores daquilo que retorna, e que retorna, entretanto, sorvendo partculas das nossas aes!Ento, o que, precisamente, retorna?A resposta desenvolvida num momento em que Deleuze, ainda no captulo dedicado diferena em si mesma, precisa articular conceitualmente sua maneira de estar entre dois

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    gigantes intercessores de sua vida filosfica: Espinosa e Nietzsche. Tratando do problema daunivocidade do ser, ele precisa fazer com que o que dito da substncia espinosista seja ditosomente dos modos. Pois bem, isso exige uma inverso categrica que tem a ver com aresposta que findar esta palestra, mas no a pesquisa, volto a dizer. preciso que o ser queretorna no eterno retorno seja dito do devir. Retornar o ser, mas somente o ser do devir.Isso implica a diferena, pois retornar a prpria identidade da diferena, o idntico que sediz da diferena. E essa identidade, produzida pela diferena, determinada como

    repetio.Isso dito, no para apaziguar nossos nimos, nossa facilidade em nos satisfazermos compequenos socorros aos nossos egos, mas para cuidarmos estoicamente das provas seletivas queo eterno retorno dos devires nos impe. Que prova essa? A da seleo das diferenassegundo sua capacidade de produzir, isto , de retornar ou de suportar a prova do eternoretorno (DR, 59).Nosso problema prtico, agora retomando a atmosfera espinosana, vivermos essa prova, sim,mas como anarquia coroada (DR, 60) na imanncia das nossas coexistncias, cuidando parano transferirmos o poder seletivo das diferenas a transcendentes de planto, mesmo sendo

    um professor.lblorlandi. 27082013

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