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ORIGENS DO MUSEU DE CIÊNCIAS DA TERRA DO DEPARTAMENTO
NACIONAL DA PRODUÇÃO MINERAL – RJ
DIOGO JORGE DE MELO*
Introdução
O Museu de Ciências da Terra do Departamento Nacional da Produção Mineral do Rio
de Janeiro é uma instituição de grande relevância para as Geociências no Brasil, possuindo
amplas e importantes coleções de biologia comparada, minerais, rochas e fósseis. Fruto do
legado dos renomados cientistas e técnicos administrativos que consolidarão este acervo.
Exemplificado nas coleções paleontológicas, que são consideradas umas das mais importantes
do país.
Apesar da criação oficial deste museu ser extremamente recente, datando de 24 de
novembro de 1992, pela portaria de número 639, consideramos a sua concepção estrutural
inicial aos processos de formação dos seus acervos, entendendo-se a história da instituição
como sendo bem mais antiga e complexa, inclusive sendo um marco referencial da história
das geociências no Brasil. Fato evidenciado pelas inúmeras transformações burocráticas,
mudanças ministeriais e de nomes, todos ocorridas ao longo do século XX. Pois, assumimos
como ponto de partida do entendimento desta instituição, a criação do Serviço Geológico e
Mineralógico do Brasil em 1907.
Desta forma o principal objetivo deste trabalho é apresentar as fases que antecederam
a criação oficial do Museu de Ciências da Terra antes de sua criação até os dias atuais,
identificando uma unicidade no entendimento de uma raiz estrutural institucional, definida
por heranças funcionais, administrativas e patrimoniais, como nos acervos museológicos e o
complexo arquitetônico onde o museu encontra-se instalado. Cabe destacar, que este trabalho
foi desenvolvido em decorrência de uma tese em desenvolvimento no Programa de Pós-
* Professor da Faculdade de Artes Visuais e Museologia da Universidade Federal do Pará. Doutorando de Ensino
e História de Ciências da Terra da Universidade Estadual de Campinas. [email protected]
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Graduação em Ensino e História de Ciências da Terra da Universidade Estadual de Campinas,
que busca entender a história das mulheres que atuaram nesta instituição.
O Serviço Geológico e Mineralógico do Brasil
A origem mais remota da instituição, como falado anteriormente, foi no início do
século XX, com a criação do Serviço Geológico e Mineralógico do Brasil. O mesmo,
vinculado ao Ministério da Agricultura, surgiu de uma demanda do recém-nomeado ministro
Miguel Calmon du Pin e Almeida (1879-1935), que em 1906 incumbiu a Orville Aldebert
Derby1 (1851-1915) a criação do Serviço Geológico e Mineralógico do Brasil. Fato que se
consolidou em 1907 pelo Decreto n.o 6.323 de 10 de janeiro (FIGUEROA, 1997; MELO &
CASSAB, 2005. MELO, CASSAB & LOUREIRO, 2008).
Destacando que a instituição foi criada com base na concepção já existente dos
Serviços Geológicos2. Estas foram instituições que surgiram no século XIX em virtude da
necessidade da realização de mapeamentos geológicos, que se constituía como uma nova
forma de pesquisa científica em Geologia, fato que acabou por profissionalizar, no mundo, o
campo da Geologia (FIGUEROA, 1997).
Dentre as funções designadas no decreto de criação para o Serviço Geológico e
Mineralógico do Brasil, encontra-se a realização de estudos científicos da estrutura geológica,
da mineralogia e dos recursos minerais, objetivando o aproveitamento dos recursos minerais e
das águas superficiais e subterrâneas. A manutenção de um museu é explicitada no artigo 2º
do decreto de criação, que determina os fins da instituição:
Manter um laboratório e museu de geologia e mineralogia e colecionar, classificar
e coordenar, para exposição no país e nos principais centros estrangeiros, as
amostras necessárias, acompanhadas de informações apropriadas, de modo a
proporcionar aos interessados o conhecimento, o mais completo possível, da
geologia, mineralogia e recursos minerais do Brasil; e efetuar investigações
químicas, paleontológicas e outras tendentes à consecução dos fins principais do
Serviço, etc... (ALVIN, 1946: 11). 1 Primeiro diretor do Serviço Geológico e Mineralógico do Brasil. Provavelmente foi designado como criador do Serviço Geológico e Mineralógico do Brasil por sua grande experiência em expedições no território brasileiro (FITTIPALDI, 1996). 2 Termo mais conhecido em sua denominação na língua inglesa, Geological Surveys.
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Com relação à localização física, o Serviço Geológico e Mineralógico do Brasil foi
instalado no segundo andar de um prédio na Rua da Quitanda 54, no centro do Rio de Janeiro
(Figura 1). Neste período provavelmente já existia uma pequena mostra com exemplares de
minerais e rochas, inclusive temos relatos da participação da instituição na Exposição do
Centenário da Independência, realizada em 1922 na Praça XV3. Um dos motivos desta
afirmação se deu pelo fato da instituição ter possibilitado a realização de muitas expedições
pelo país, representando um considerável avanço nos conhecimentos do território brasileiro
(CASSAB, 20010). Somando-se a essa ideia, encontramos no relato de Gerson de Faria
Alvin, engenheiro do Serviço Geológico e Mineralógico do Brasil, um apontamento para uma
ideia de constituição de um acervo neste período:
… em 1913, produzia o Serviço Geológico e Mineralógico do Brasil a sua primeira
publicação: Monografia I – “Fósseis devonianos do Paraná”, resultado de um
exaustivo estudo realizado sobre a grande coleção de fósseis colhida no Estado do
Paraná e remetida ao grande paleontologista John M. Clarke, que a descreveu e a
classificou. Estes fósseis constituíram os primeiros especimens do museu de
paleontologia do Serviço... (ALVIN, 1946: 13-14, grifo nosso).
Os materiais geológicos coletados, como no exemplo acima, se referindo aos materiais
paleontológicos, que eram enviados a pesquisadores estrangeiros para análise, tendo gerado
tratados denominados de “monografias” (Tabela 1). Logo, a diversidade de materiais
estudados por estas “monografias” acabam por representar, mesmo que parcialmente, os
primeiros objetos armazenados pelo Serviço Geológico e Mineralógico do Brasil e que ainda
hoje se encontram depositados nas coleções do Museu de Ciências da Terra.
3 Relatório do Ministério da Agricultura de 1922, p. 112.
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Figura 1 Sobrado da Rua da Quitanda 54, primeira sede do Serviço Geológico e Mineralógico do Brasil
(PINTO, 2006).
Tabela 1 Monografias publicadas na fase I, Serviço Geológico e Mineralógico do Brasil.
Nº Monografia Autor Ano Fósseis
I Fósseis devonianos do Paraná John M. Clarke 1913 Invertebrados
II Sobre alguns lamelibrânquios fósseis do sul do Brasil Karl Holdhaus 1019 Invertebrados
III Peixes Cretáceos do Ceará e Piauí David Starr Jordan 1923 Peixes
IV Fósseis Terciários do Brasil Carlota Joaquina Maury 1925
Invertebrados
Vegetais
V Carvão Nacional Domingos Fleury da Rocha 1927 Vegetais
VI Geologia e recursos minerais do estado do Paraná Euzébio Paulo de Oliveira 1927 Minerais
VII Uma zona de graptólitos do Llandovery inferior no rio
Trombetas, estado do Pará Carlota Joaquina Maury 1929 Invertebrados
VIII O Cretáceo da Paraíba do Norte Carlota Joaquina Maury 1929 Invertebrados
IX Faunas Triássicas do Brasil F. R. Cowper Reed 1929 Vertebrados
X Uma fauna permo-carbonífera do Brasil F. R. Cowper Reed 1930 Vertebrados
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O Ministério de Minas e Energia e o Departamento Nacional da Produção Mineral
Posteriormente, em 1933, o Ministério da Agricultura sofreu grandes reformas, que
ampliaram o Serviço Geológico e Mineralógico do Brasil, dando origem às seções de
petrografia, física, química, paleontologia, geologia além da criação oficial de um museu de
rochas e fósseis e uma tipografia. Em seguida, surgiu em 1934 o Departamento Nacional da
Produção Mineral, ao qual, o Serviço Geológico e Mineralógico se tornou subordinado.
Em 1940 o Serviço Geológico passou a ser chamado de Divisão de Geologia e
Mineralogia, sendo transferido para o antigo Palácio dos Estados da Exposição Nacional de
1908, localizado na Av. Pasteur, 404 no bairro da Urca, onde até hoje está instalado o Museu
de Ciências da Terra (Figura 2). Em 1960, o recém-criado Ministério de Minas e Energia
absorveu diversos órgãos, inclusive o Departamento Nacional da Produção Mineral, com toda
a sua estrutura (TOSATTO, 1997).
Esta fase da instituição, muitas vezes denominada de fase áurea, é marcada pela
atuação de grandes pesquisadores, que enriqueceram demasiadamente os acervos da
instituição, como exemplificado no trabalho de Melo, Cassab e Passos (2005), que descrevem
historicamente a origem de diversos fósseis pleistocênicos do acervo do Museu de Ciências da
Terra, coletados em expedições realizadas na década de 1940 em Águas de Araxá, onde se
destacam as atividades do Diretor da Divisão de Geologia e Mineralogia, o geólogo Mathias
Gonçalves de Oliveira Roxo (1885-1954) e do paleontólogo Llewellyn Ivor Price (1905-
1980).
Neste período também foi marcado por uma estruturação museológica mais formal,
pois apesar de hoje entendermos museu como uma instituição complexa, na época o termo era
sinônimo de exposição. Nesse sentido, a inovação que estamos falando, se deu através da
concepção expográfica, definida em uma experiência comunicacional mais direcionada a um
público alvo. Destacando que esse avanço de longe está relacionado a um dialogismo
conceitual e uma intenção comunicacional de popularização e divulgação dos conhecimentos,
fatos que observamos claramente nos museus contemporâneos. Pois, o Museu de Ciências da
Terra era uma vitrine, uma representação, das atividades de pesquisa realizadas na época
(Figuras 3 e 4).
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Figura 2 Fachada do Museu de Ciências da Terra, antigo Palácio dos Estados da Exposição de 1908. Fotografia
de meados do século XX, acervo da Seção de Paleontologia do Museu de Ciências da Terra.
Figura 3 Montagem de um Crânio com mandíbula de mastodonte, que ainda se encontra em exposição no
Museu de Ciências da Terra. Acervo da Seção de Paleontologia do Museu de Ciências da Terra.
Figura 4 Montagem do esqueleto de dicinodonte, ainda em exposição, mas sofreu uma reestruturação. Acervo
da Seção de Paleontologia do Museu de Ciências da Terra.
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Surge um novo Serviço Geológico do Brasil
Em 1969 foi criado a Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais, também
conhecida pela sigla CPRM, pelo decreto 764 de 15 de agosto, que passou a se intitular de
Serviço Geológico do Brasil. No ano conseguinte a sua criação, através do decreto 66.058 de
13 de janeiro de 1970, a nova instituição se apoderou do prédio da Av. Pasteur (TOSATTO,
1997).
Este fato gerou uma perda considerável de espaço da Divisão de Geologia e
Mineralogia do Departamento Nacional da Produção Mineral, que foi obrigado a desmontar e
encaixotar a exposição denominada de museu. Até os dias atuais a instituição sobrevive em
espaços cedidos pela CPRM, ocupando o primeiro andar do prédio da Av, Pasteur, 404 na
Urca, e um prédio em anexo, onde fica a Seção de Paleontologia e seu respectivo acervo.
Só no início da década de 1980, a exposição de mineralogia foi remontada pela
geóloga Zenaide de Carvalho Gonçalves da Silva (Figura 5), processo que acaba por culminar
na criação do Museu de Ciências da Terra em 1992. Momento que consolidou em uma
negociação de espaço entre do Departamento Nacional da Produção Mineral com a CPRM,
fato que possibilitou, nos dias atuais, que o museu possua diversas exposições montadas
(Figuras 6 e 7).
Figura 5 Exposição de Mineralogia do Museu de Ciências da Terra, remontada na década de 1980, e que se
encontra em exibição até os dias atuais.
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Figura 6 Diorama com reconstrução de esqueleto de um Prestosuchus a direito e de dicinodontes, adulto e
filhote à esquerda. O esqueleto do adulto é o mesmo da figura 4, em uma nova concepção expográfica.
Figura 7 Exposição sobre o paleontólogo Llewellyn Ivor Price.
Considerações Finais
A busca pela origem desta instituição esta pautada em uma compreensão de que o
espaço/domínio de um Museu se sobrepõe muitas das vezes as questões de tempo e espaço
administrativo. Entendendo que um Museu se concretiza pelos seus processos históricos e
culturais, que nominamos de processo museológico da instituição4.
Cabe destacar que o entendimento da origem do Museu de Ciências da Terra, atribuída
ao início do século XX com a criação do Serviço Geológico e Mineralógico do Brasil, nos
ajuda a pensar conceitualmente diversos processos históricos, com suas continuidades nem
sempre aparentes em relação às rupturas. Fato que nos possibilita criar uma identidade
4 A denominação “museológico”, também pode ser encontrada na literatura específica do campo da Museologia como “museal” e “musealidade”.
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institucional, mesmo que assumindo que esse processo contem falhas de segmento, para que
possamos trabalhar interpretativamente em um entendimento mais amplo desta instituição.
No caso específico, a história institucional do Museu de Ciências da Terra acaba por
se fundir ao entendimento da História das geociências no Brasil. Não podendo ignorar as
contribuições do Serviço Geológico e Mineralógico do Brasil, que marcaram uma
institucionalização/profissionalização das Ciências Geológicas no país de uma maneira
singular e distinta das comissões geológicas e instituições de ensino que a precederam. Assim
como o conhecimento produzido pelo Departamento Nacional da Produção Mineral, que hoje
se consagra como um órgão fiscalizador das riquezas geológicas do país.
Também não podemos deixar de pensar nos acervos da instituição, pois eles acabam
por serem heranças, que através do tempo vão se consolidando e se estruturando na dinâmica
peculiar existente em todo acervo museológico. Sabendo que muito da identidade
institucional se consolida com o referencial do seu acervo. Por mais que tenha havido
mudanças e alterações de catalogação, os mesmos objetos coletado e musealizados pelos
funcionários/pesquisadores do Serviço Geológico e Mineralógico do Brasil e da Divisão de
Geologia e Mineralogia do Departamento Nacional da Produção Mineral, encontram-se
representados hoje no Museu de Ciências da Terra.
Cabe também mencionar que muito da identidade institucional, parte do caráter
humano, das pessoas que atuaram na instituição. Por exemplo, os funcionários que passaram
por esses momentos de transformação, acabaram seguindo o fluxo institucional, sendo eles
transferidos quase que obrigatoriamente para as novas realidades da instituição. Em algumas
das vezes podendo fazer opções, como no período do surgimento da CPRM, onde muitos dos
funcionários puderam optar em ir para a outra instituição.
Por fim, exemplifico aqui, o porquê do meu interesse em estruturar uma identidade
institucional do Museu de Ciências da Terra, que se dá pela minha pesquisa de doutoramento,
que busca entender, principalmente através da memória, a realidade das diversas gerações de
mulheres que atuaram na instituição (MELO, 2012). Pois as mesmas, em entrevistas,
reconhecem todas as fases históricas como pertencentes a sua identidade e origem, inclusive
em muitas das vezes se confundindo nas denominações específicas a cada período histórico
apresentado.
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Agradecimentos
Este trabalho se consolidou com o apoio teórico, conceitual e prático de algumas
pessoas, nas quais agradeço: primeiramente a minha orientadora Silvia Figuerôa da
Universidade Estadual de Campinas; a museóloga Maria Lúcia N. de Matheus Loureiro do
Museu de Astronomia e Ciências Afins; e a paleontóloga Rita de Cássia Tardin Cassab do
Museu de Ciências da Terra do Departamento Nacional da Produção Mineral.
Referências
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Mineralógico, 100, 1946, p. 9-36.
CASSAB, R.C.T. História das pesquisas paleontológicas no Brasil. In: CARVALHO, I.S.
(Ed.) Paleontologia. Rio de Janeiro: Ed. Interciência, 2010, p.13-18.
FIGUERÔA, S. As ciências geológicas no Brasil: uma história social e institucional, 1875-
1934. São Paulo: Ed. Hucitec, 1997, 270p.
FITTIPALDI, F.C. Orville Adelbert Derby. A Terra em Revista, 2, 1996.
MELO, D.J. Memória de geocientistas: história oral e gênero, desvelando perspectivas da
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MELO, D.J. & CASSAB, R.C.T. Paleontologia e Informação: construindo a memória no
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MELO, D.J.; CASSAB, R.C.T. & LOUREIRO, M.L.N.M. Resgate da concepção museal do
Museu de Ciências da Terra/DNPM a partir dos vestígios materiais existentes no setor de
paleontologia. Paleonotícias, Boletim Especial, Livro de Resumos da IV Jornada Fluminense
de Paleontologia, 2008, p.17-18.
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MELO, D.J.; CASSAB, R.C.T. & PASSOS, F.V. Coleção de mamíferos pleistocênicos de
Águas de Araxá, MG, no Museu de Ciências da Terra/DNPM-RJ. X Congresso da
Associação Brasileira de Estudos do Quaternário, 2005.
PINTO, F.N.M. Um espaço no cenário da paleontologia brasileira: a coleção de
paleoinvertebrados do Museu de Ciências da Terra/DNPM – RJ. Trabalho de Conclusão de
Curso do Bacharelado em Museologia da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro,
2008.
TOSATTO, P. 1997 Um palácio na Historia Geológica brasileira. Ed. DNPM Brasília,
124p.