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TAMMY DE OLIVEIRA CITTADIN SOARES

O VIOLINO: SUA ORIGEM, PRINCIPAIS CONSTRUTORES E UMA VISO CONTEMPORNEA POR LEANDRO MOMBACH

FLORIANPOLIS 2007

UNIVERSIDADE DO ESTADO DE SANTA CATARINA UDESC CENTRO DE ARTES CEART DEPARTAMENTO DE MSICA

TAMMY DE OLIVEIRA CITTADIN SOARES

O VIOLINO: SUA ORIGEM, PRINCIPAIS CONSTRUTORES E UMA VISO CONTEMPORNEA POR LEANDRO MOMBACHTrabalho de concluso de curso apresentado ao Departamento de Msica da Universidade do Estado de Santa Catarina UDESC, como requisito para obteno do grau de bacharel em Msica Violino. Orientador: Professor Leonardo Piermartiri

FLORIANPOLIS 2007

TAMMY DE OLIVEIRA CITTADIN SOARES

O VIOLINO: SUA ORIGEM, PRINCIPAIS CONSTRUTORES E UMA VISO CONTEMPORNEA POR LEANDRO MOMBACH

Trabalho de concluso de curso aprovado como requisito parcial para obteno do grau de bacharel, no curso de Msica Violino da Universidade do Estado de Santa Catarina.

Banca Examinadora Orientador: _________________________________________ Prof. Mestre Leonardo Piermartiri Universidade do Estado de Santa Catarina - UDESC

Membros:

__________________________________________ Prof. Mestre Joo Eduardo Dias Titton Universidade do Estado de Santa Catarina - UDESC

___________________________________________ Prof. Mestre Kleber Alexandre Universidade do Estado de Santa Catarina - UDESC

Florianpolis, Santa Catarina (09 de julho de 2007)

Dedico este trabalho aos meus pais Nilza e Carlos, ao meu irmo Nickolas e a meus avs, que me do suporte em todos os caminhos que sigo.

AGRADECIMENTOS

Agradeo ao meu orientador Leonardo Piermartiri, que foi de grande ajuda para me guiar neste trabalho. Ao meu professor e amigo Joo Eduardo Titton, pelo qual cultivo grande admirao por todos esses anos de ensinamentos e amizade. s minhas amigas Luana e Izabela, grandes amigas de infncia e que esto comigo desde o incio do curso. Ao meu querido amigo Guilherme May, pela grande ajuda na elaborao deste trabalho, pela reviso e, sobretudo, pela amizade. Ao Anderson, que mesmo estando na Itlia contribuiu para a realizao deste trabalho. Ao Leandro Mombach, pessoa muita querida que permitiu ter seu trabalho aqui retratado e que foi de uma gentileza sem igual.

LItalia ha inventato il violino, questo immenso miracolo con unanima vibrante, tramite meraviglioso ed unico per trasmettere il nostro suono. Salvatore Accardo

RESUMO

De incio este trabalho aborda as origens do violino, seguindo por um caminho que conduz liuteria, seus personagens principais e o legado por eles deixado desde que essa arte alcanou o apogeu, no sculo XVIII. Em seguida faz-se uma ponte dessa poca de ouro da liuteria at os dias de hoje, chegando em Mombach. Por meio desse liutaio, que segue a tradio deixada pelos mestres do passado, possvel termos a noo dos caminhos que essa profisso vem tomando atualmente, e ele nos prova que os resultados obtidos no passado no mudaro, j que fornecem as informaes necessrias para a construo de um bom instrumento. Entretanto, o desafio do liutaio hoje se adequar s mudanas que vm ocorrendo no mundo, adaptando seu trabalho a elas.

PALAVRASCHAVES: Histria do violino. Liuteria. Leandro Mombach.

SUMRIO

1 Introduo 2 Incio da criao do violino 2.1 Escassez de informao 2.2 Origem do violino 2.3 Causas do desenvolvimento 3 O Instrumento 3.1 A construo do violino 4 Liuteria 4.1 Escolas tpicas de liuteria 4.1.1 Escola Cremonesa 4.1.2 Escola da Brescia 4.1.3 Outros centros italianos 4.1.4 Outros centros de liuteria fora da Itlia 4.1.4.1 Alemanha e ustria 4.1.4.2 Frana 4.1.4.3 Holanda e Blgica 4.1.4.4 Inglaterra 4.1.4.5 Espanha e Portugal 5 Leandro Mombach 5.1 Trajetria profissional 5.2 A liuteria na viso de Leandro Mombach 6 Consideraes finais Referncias Anexos

8 10 10 12 20 22 32 35 36 36 45 48 50 50 51 51 52 52 53 53 56 60 62 64

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1 IntroduoO violino um instrumento reconhecido e admirado, a respeito do qual existem muitas histrias e at lendas. Dentre essas histrias muito comum ouvirmos sobre o famoso construtor Stradivari e seus violinos, e freqentemente nos deparamos com algum dizendo ter um deles em sua famlia. Em primeiro lugar, faz-se necessrio dizer que Antonio Stradivari foi um liutaio (arteso que constri instrumentos de corda) que trabalhou na cidade italiana de Cremona1 entre os sculos XVII e XVIII. Nessa poca, a construo de violinos alcanava o seu pice. Stradivari teve uma vida bastante longa, o que lhe possibilitou fazer muitas experincias e aprimorar os resultados obtidos por outros liutaios anteriores a ele. Sabendo da existncia de outros liutaios e das escolas de liuteria2 s quais pertenciam, podemos perguntar quem eram eles e quais as suas contribuies para o violino. Dessa maneira, abordaremos a liuteria3 desde o surgimento do violino, falando dos principais construtores, escolas e de seus instrumentos, alm de, junto a isso, fazermos um levantamento de informaes obtidas atravs de vrios autores para sabermos um pouco mais sobre essa origem (onde, quando, por que e por quem foi criado). A partir do momento em que chegamos a uma data aproximada do incio da criao do violino, procuraremos resolver o problema principal deste trabalho, que contar a histria da liuteria artstica4 desde o surgimento do violino no sculo XVI, passando pelas suas principais escolas de construo, dos sculos XVII e XVIII at os dias de hoje. Procuraremos saber se muita coisa mudou nessa arte de construo. Tendo em vista que ela alcanou seu apogeu j h alguns sculos, seria ela considerada uma arte estagnada? possvel haver mudanas na forma de construir ou elas s podem ocorrer no sentido de subsidiarem uma facilidade arte do liutaio? Como o trabalho de um profissional da atualidade que segue a tradio, e qual a sua viso a respeito dessa profisso hoje em relao ao passado e o que h por vir? Essas questes sero respondidas atravs da figura do liutaio brasileiro Leandro Mombach.Provncia italiana da regio da Lombardia. Tomadas aqui como tendncias de construo de uma determinada regio. 3 Segundo o Dicionrio Grove de Msica (1994, p. 555), liuteria a fabricao de instrumentos de cordas com caixa de ressonncia. 4 Liuteria artstica: termo utilizado por Conforti (1987, p. 39) para a construo do violino feita pelo arteso, chamado liutaio. Na liuteria artstica, h o envolvimento direto do liutaio com o instrumento que est sendo construdo, diferindo da construo industrial, feita em escala, atravs de mquinas.2 1

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Essa escolha se deve a inmeros fatores. Mombach um profissional competente e respeitado, ao qual o meu violino e o de outros colegas de profisso so confiados para que reparos e outros tipos de trabalho sejam feitos, alm de ter construdo instrumentos para meus professores e colegas. O fato de ter estudado na Itlia, bero da liuteria violinstica, confere credibilidade ao seu trabalho e a opinies que ele possa oferecer a respeito do tema. O fato de o violino ser meu instrumento de trabalho faz com que surja, obviamente, uma curiosidade a respeito de sua histria, com a qual j tive um contato apenas superficial. Sendo assim, ao me deparar com a escolha de um tema para este trabalho de concluso de curso, achei esse assunto pertinente. Como o tema violino e sua histria muito vasto, optei pelo ramo da liuteria, j que poderia obter informaes precisas de um profissional competente e de fcil acesso. A metodologia para este trabalho consiste na leitura de livros a respeito da histria do violino e liuteria, em conversas que tive com o liutaio Leandro Mombach e em pesquisas a sites relacionados a esses assuntos. Encontra-se, tambm, neste trabalho, uma entrevista realizada com Mombach, a fim de saber a opinio do liutaio a respeito de suas experincias com novas tecnologias e os seus benefcios para o trabalho do liutaio. Outro objetivo da entrevista obter a anlise de Mombach a respeito dos instrumentos antigos e dos construdos hoje em dia, comparando o nvel de qualidade entre eles. De incio, as dificuldades com relao a informaes sobre o comeo da histria do violino so apontadas, para em seguida serem apresentadas as respostas de alguns autores a respeito do que teria causado essa escassez de dados. Em decorrncia dessa falta de informaes, estudiosos do assunto buscaram em pinturas e documentos da poca os indcios do surgimento do violino, sendo que as pinturas mais relevantes sero aqui apresentadas. Tendo em vista que o violino um amlgama de outros trs instrumentos, as caractersticas de cada um sero descritas para, em seguida, ser oferecida ao leitor a definio de cada parte do violino. A partir da, as principais escolas de liuteria dos sculos XVII e XVIII sero apresentadas junto aos seus construtores mais importantes, culminando nos dias atuais na figura de Leandro Mombach, atravs do qual se faz a resposta ao problema desta pesquisa. Acredito que este trabalho possa servir de ajuda principalmente a estudantes de violino, pelo fato de expor em uma forma concisa os principais fatos da liuteria e um pouco de sua histria, fazendo uma apresentao, despida de alguns mitos, dos principais construtores desse instrumento. O fato de o violino ser apresentado parte por parte bem como a apresentao do seu processo de construo passo a passo e a descrio de algumas transformaes que ocorreram no decorrer de sua histria tambm de grande ajuda.

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2 Incio da criao do violino2.1 Escassez de informaoO incio da histria do violino envolto por numerosos mistrios e obscuridades. No comeo do sculo XVI, muito se sabia sobre ele e sua famlia, mas nada foi escrito, e essa uma das causas da dificuldade que temos hoje em saber sobre o incio de sua histria. A seguinte frase de Praetorius5 ilustra bem a situao: E como todos sabem sobre a famlia do violino, desnecessrio indicar ou escrever algo sobre ela (BOYDEN, 1990, p. 1, traduo nossa). Praetorius escreveu essa passagem h quase quatro sculos, e o que se sabia sobre o violino naquela poca, hoje no se sabe mais. Se todo o conhecimento que possuam tivesse sido escrito, hoje, horas de pesquisas no precisariam ser gastas. Testemunhos sobre a construo do instrumento, a msica feita para ele e a maneira como era tocado seriam de grande valor. O fato de haver limites para se descobrir sobre a msica e a tcnica do violino no sculo XVI decorre, tambm, da situao da msica instrumental dessa poca. Antes de 1600, na maior parte do tempo, os instrumentos serviam simplesmente para dobrar vozes, ou seja, faziam as mesmas notas que os cantores. Partes escritas especificamente para algum instrumento eram poucas e, por isso, o desenvolvimento tcnico do idioma instrumental foi limitado e inexplorado, com exceo de algumas peas para alade e instrumentos de teclado. Com o tempo, essa prtica conduziu naturalmente independncia das formas instrumentais derivadas dos modelos vocais. a que surgem formas como a canzona6, que ainda no estava totalmente desligada do modelo vocal. Como exemplos de msica realmente instrumental temos os preldios, tocatas e variaes escritas para alade e instrumentos de teclado. Boyden (1990, p. 3) diz que no tratado de Diego Ortiz7, datado de 1553, encontramos explicaes sobre divises de arco feitas na viola as quais eram mais ou menos figuraes instrumentais elaboradas e improvisadas de uma dada parte ou melodia.

Michael Praetorius (1571-1621): Compositor e terico alemo, foi o compositor mais verstil e um dos mais prolficos de sua poca. Seu tratado enciclopdico Syntagma musicum, com informaes detalhadas sobre instrumentos e prticas de execuo, de imenso valor documental (Dicionrio Grove de Msica, 1994, p. 740). 6 Canzona: tipo de composio instrumental dos sculos XVI e XVII (a palavra originalmente significava um arranjo de uma chanson polifnica francesa) (Dicionrio Grove de Msica, 1994, p. 167). 7 Diego Ortiz (1510-1570): Terico e compositor espanhol. Seu Trattado de glosas (1553) o primeiro manual impresso de ornamentao para instrumentos de cordas com arco, e inclui cerca de 24 peas para viola.

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O fato que o incio da histria do violino tem que ser lembrado como parte de uma tradio de msica instrumental orientada para a msica vocal. importante constatar que o violino e os instrumentos de sua famlia tambm eram usados em danas, visto que sua facilidade na articulao rtmica e o som penetrante favoreciam seu uso nessa atividade. Segundo Boyden (1990, p. 40) a msica para violino mais antiga de que se tem registro datada de 1581 e foi feita para ser tocada em um casamento real francs. A pea est registrada por ter sido tocada em um evento grandioso. Contudo, ainda assim, a dana no era o meio mais adequado para que a verdadeira identidade do violino fosse desenvolvida, a qual passamos a encontrar na tradio no escrita da improvisao e nas formas de preldios, tocatas etc. A escassez de informaes sobre o incio da histria do violino tambm se deve ao fato de esse instrumento ocupar uma baixa posio social no sculo XVI. Por ser geralmente usado por profissionais que o tocavam para sobreviver, ele gozava de pouco prestgio. Em contrapartida, alade e viola da gamba eram tocados, principalmente, por pessoas da aristocracia, que eram grandes entusiastas desses instrumentos. Alm disso, tocar viola da gamba ou alade fazia parte da educao dos bem-nascidos. Boyden (1990, p. 4l, traduo nossa), citando um relato de Jambe-de-Fer (o mais antigo sobre violino que se tem notcia), datado de 1556 e transcrito abaixo, fornece uma prova disso:Ns chamamos violas quelas com as quais cavalheiros e outras pessoas de virtude passam seu tempo. [...] O outro tipo chamado violino; ele comumente usado para a dana. [...] Eu no ilustrei o chamado violino, porque voc pode pensar que ele se assemelha viola, alm do que, h poucas pessoas que o usam, salvo aqueles que ganham a vida tocando-o.

Em suma, o violino era pouco respeitvel do ponto de vista social e, comparado ao alade ou rgo, tinha quase nenhum prestgio. Ele era um instrumento comum dana, e era tocado por profissionais que tiravam seu sustento atravs dele. Isso fez com que seu potencial tcnico no fosse desenvolvido no incio do sculo XVI e que informaes a seu respeito fossem consideradas irrelevantes.

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2.2 Origem do violino

A data de origem do violino depende de uma explicao arbitrria de o que vem a ser o violino. Quais caractersticas estruturais ele deve ter? Quantas cordas? Se, entre outras coisas, o violino definido como tendo quatro cordas, uma data e local aproximados de sua origem podero ser estabelecidos. Mas se trs cordas so suficientes para a definio, uma data mais antiga pode ser dada. Entretanto, mesmo se o termo violino for claramente definido, a data e local de sua origem podem ser determinados apenas aproximadamente, j que h poucas evidncias documentais (construtor e procedncia) dos violinos do sculo XVI que restaram e, quando elas existem, estas so imprecisas. Por essa razo, no se pode dizer precisamente onde, quando e quem inventou o violino (BACCHETTA, 1937 apud BOYDEN, 1990, p. 6). Um outro obstculo apontado no livro de Kolneder (1999, p. 77). Nele, o autor diz que documentos escritos, incluindo tratados tericos, memrias, dirios de viagem, descries de eventos festivos, documentos pessoais, comprovantes de pagamento e outros, tornam-se difceis de serem compreendidos devido s suas obscuras terminologias em vrias lnguas. O nome viola serve como exemplo. No sculo XVI existiam dois tipos de viola. De acordo com a maneira como eram tocadas elas eram chamadas de viola da braccio ou viola da gamba. Em alguns escritos consta apenas o termo viola, e nesses casos, no sabemos a qual tipo se referem. Ao buscarmos os primeiros estgios do violino, necessrio fazermos uma distino de sua primeira forma da forma atual. Na pgina 22, encontramos os principais traos do violino como existe hoje. Um instrumento com essas caractersticas (do violino atual) surgiu por volta de 1550. Por meio de um estudo cuidadoso de objetos de arte, de documentos e dos poucos instrumentos existentes do incio do sculo XVI, algumas respostas sobre a origem do violino foram encontradas. Essas respostas so controversas, de acordo com alguns autores. O presente trabalho ir expor as principais evidncias encontradas e as concluses s quais alguns autores chegaram. De acordo com Conforti (1987, p. 21) o violino citado pela primeira vez em um registro da Tesouraria Geral di Savoia, onde, no dia 17 de dezembro de 1523, figura um pagamento pela execuo de trompetes e violinos de Verceli. J os primeiros registros

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iconogrficos de seu surgimento so encontrados em pinturas e afrescos do pintor italiano Gaudenzio Ferrari (c. 1480-1546), em igrejas perto de Milo, datados do incio do sculo XVI. A mais antiga dessas pinturas, La Madonna degli aranci, encontrada na igreja de So Cristvo em Verceli, foi pintada por volta de 1529-30. Ela mostra uma criana tocando um violino muito parecido ao que se firmou na segunda metade do sculo: uma caixa com contornos profundos, o brao separado do corpo do instrumento, uma voluta rudimentar e um estandarte em forma de corao.

Figura 1. Detalhe da pintura La Madonna degli aranci, de Gaudenzio Ferrari, pintada entre 1529-30.

A representao mais famosa, entretanto, encontrada em um grande afresco na cpula da Catedral de Saronno, de 1535. Nesse afresco, encontramos um instrumento com a forma tpica do violino: nele, a voluta e as cravelhas esto dispostas da maneira como conhecemos hoje.

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Figura 2. Detalhe do afresco Concerto degli angeli de Gaudenzio Ferrari, pintado em 1535.

As pinturas e afrescos mencionados mostram que o mais antigo violino surgiu no depois de 1529-30. Essas pinturas foram encontradas em igrejas na vizinhana de Milo, de modo que se torna mais fcil afirmar que esses instrumentos se originaram no norte da Itlia e eram vistos freqentemente pelo pintor por volta de 1530. Essas datas fazem termos como violon e violetta aceitveis quando encontrados depois de 1530. O termo violon foi encontrado em documentos na Frana na poca das pinturas de Gaudenzio Ferrari, o que prova que o violino j existia por l, mas um maior nmero de documentos e pinturas d o norte da Itlia como o local do surgimento desse instrumento. J tratamos da data e local provveis do surgimento do violino, porm um dado importante ainda no foi mencionado: o seu possvel inventor. Em seu tratado de 1553, Lanfranco8 identifica dois construtores brescianos9 como construtores de lira e seus semelhantes. No incio do sculo XVI, o termo lyra ou lira poderia tambm significar a lira da braccio ou o membro da famlia do violino (viola da braccio). De acordo com Galilei10, durante muitos anos a viola da braccio foi chamada de lira, motivo por que possvel que os construtores mencionados por Lanfranco de fato tenham produzido violinos. Os construtores citados so Giovan Giacobo dalla Corna e Zanetto Montichiaro. Este ltimo nasceu por volta8 9

Citado por Boyden (1990, p. 10). Brescia: provncia italiana da regio da Lombardia. 10 Citado por Boyden (1990, p. 10).

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de 1488, em Montichiaro, uma cidade perto de Brescia, lugar onde em 1530 se estabeleceu e no qual morreu entre 1562 e 1568. Sua arte foi conduzida a tanta perfeio que ele foi considerado um dos fundadores da escola da Brescia, juntamente com G.G. dalla Corna, G. B. Donedo e Girolamo Virchi. Virchi nasceu em Brescia em 1523 e foi professor de Gasparo da Sal. H uma grande discusso entre Cremona11 e Brescia quanto inveno do violino. Brescia com Gasparo da Sal e Cremona com Andrea Amati. A inveno do violino no pode ser atribuda a Gasparo da Sal, j que evidncias iconogrficas provam que o violino de trs cordas existia por volta de 1530, e o de quatro cordas citado por Jambe-de-Fer em 1556, e o primeiro violino de Gasparo datado de 1562. O caso de Andrea Amati um pouco mais complicado. H dvidas com relao a sua data de nascimento, mas pesquisas de Carlos Bonneti12 foram capazes de estabelecer com alguma certeza que Amati nasceu em Cremona entre 1500 e 1505. Portanto, ele poderia ter construdo violinos na poca das pinturas de Gaudenzio. Apesar disso, trs autores que trataram desse assunto, Conforti (1987), Kolneder (1999) e Boyden (1990), indicam dalla Corna e Montichiaro como os possveis primeiros construtores de violinos (j que eles comearam a construir instrumentos antes de Amati) e Brescia como sendo o primeiro centro de construo desse instrumento. Ainda de acordo com esses mesmos trs autores, o violino no surgiu de um nico instrumento: ele herdou traos caractersticos de trs outros do sculo XVI, que so a rabeca, o fiddle e a lira da braccio - nesse ponto, Kolneder (1999, p. 90) d mais nfase contribuio da viola. No falaremos exaustivamente sobre cada um desses instrumentos, mas, sim, sobre suas contribuies na construo do novo violino. As rabecas, que datam de antes do sculo XIII, so de uma famlia de instrumentos com o registro tpico do soprano, alto-tenor e baixo. O corpo se parece com a metade de uma pra, o brao e a caixa de cravelhas so partes integradas ao resto do corpo, ou seja, no so partes encaixadas separadamente. Nesse aspecto, o corpo do violino e da rabeca nada tm em comum. A rabeca tinha trs cordas, afinadas em quintas: sol, r e l; suas cordas eram presas e apertadas por cravelhas inseridas lateralmente na caixa de cravelhas, como no violino. Ela no tinha trastes e era apoiada no peito ou no pescoo. A rabeca no tinha alma, e a ausncia dela fez uma diferena considervel na qualidade sonora, deixando-a com uma sonoridade spera e rouca.

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Citado por Kolneder (1999, p. 101).

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Figura 3. Anjo tocando uma rabeca: cpula da Catedral de Saronno, pintada por Gaudenzio Ferrari em 1535. Note como a caixa e as cravelhas inseridas lateralmente se assemelham ao violino.

Figura 4. Rabeca vista de dois ngulos.

Em regra, o fiddle da Renascena tinha cinco cordas, estava no registro do soprano, era de tamanho comparado ao do violino atual e seu tampo e fundo eram conectados por faixas (como no violino). Ele tinha o brao e espelho separados e possua trastes. Entretanto, diferentemente do violino, as cravelhas eram colocadas na frente da caixa de cravelhas, que geralmente tinham forma de corao ou de folha.

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Figura 5. The Virgin and with Saints and Donors (detalhe central da pintura).

Figura 6. Detalhe da figura anterior, descrio de um fiddle de cinco cordas, com cravelhas inseridas na frente da caixa e espelho com trastes.

A viola da braccio tem o corpo consideravelmente parecido ao do violino, apesar de seu tamanho variar desde a pequena viola at a grande. Tem o tampo e o fundo conectados por faixas e possui alma, assim como o violino. Diferentemente deste, a lira da braccio de 1500 tinha sete cordas, e duas delas, mais graves, continuavam depois do fim do espelho. No h evidncias de que a lira da braccio tinha trastes antes de 1600. As cravelhas eram colocadas na frente da caixa de cravelhas. s vezes, as aberturas no tampo eram em forma de f e, em outros momentos, em forma de C.

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Figura 7. Viola da braccio com duas cordas externas ao brao, que tinham a funo de manter um baixo contnuo sobre a mesma nota. No foram usadas no violino. Fonte: Conforti (1987, p. 33).

No comeo do sculo XVI, percebeu-se o ganho em combinar o potencial sonoro do fiddle com o benefcio musical da afinao em quintas da rabeca. Por ter uma caixa de ressonncia plana e tambm uma alma, o fiddle tinha uma sonoridade superior; alm disso, o fato de o brao e o espelho serem encaixados separadamente o tornou um instrumento mais fcil de ser tocado que a rabeca. Por outro lado, a afinao em quintas da rabeca permitiu uma tcnica de dedilhado mais consistente e, por ter menos cordas e as cravelhas serem colocadas lateralmente, eram mais fceis de afinar. J a lira da braccio deu ao violino o seu desenho tpico, incluindo a parte superior, central e inferior. O tampo e fundo arcados foram suportados pela alma, e as faixas ligavam essas duas partes. Outras caractersticas da lira da braccio que o violino adotou foram o brao fixado separadamente do corpo (assim como o fiddle) e um espelho sem trastes. Estando cientes de que o violino surgiu como uma amlgama de trs instrumentos e sabendo as principais caractersticas que ele adotou de cada um, necessrio, agora, que saibamos das mudanas que nele ocorreram para que chegasse forma atual. Ainda na viola da braccio, ocorreram algumas mudanas que foram repassadas ao violino. Uma maior distncia entre as cordas foi criada, que se deu atravs de um maior

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entalhe nas laterais, o que tambm permitiu um ataque mais vigoroso do arco. Cordas mais grossas foram usadas, resultando em um volume de som maior, alm de oferecerem maior resistncia ao arco, o que exigiu um tocar mais enrgico. Mais resina foi usada no arco e houve um aumento no nmero de crinas. As cordas, com uma maior amplitude de vibrao, tiveram a necessidade de um cavalete mais alto, para evitar que elas no atingissem o espelho. Uma maior altura do cavalete, juntamente com a tenso das cordas, criou uma presso do cavalete sobre o tampo e, para evitar que ele rachasse ou quebrasse, foi necessrio o uso de um suporte. Ento, uma pequena haste foi colocada, a alma, e depois percebeu-se que ela tinha grande influncia no som do instrumento. Um outro fato que a caixa de cravelha teve que ficar um pouco mais inclinada em relao s cordas, para reduzir a tenso; a pestana tambm foi adicionada. Uma maior amplitude de vibrao, combinada com cordas mais grossas, teve um profundo efeito na forma do corpo do instrumento, j que a vibrao das cordas e a caixa de ressonncia esto intimamente relacionadas. O uso de uma madeira mais grossa anulou parcialmente a intensidade de vibrao, o que interferiu na sua capacidade de ressonncia. Ento, percebeu-se que um melhor entalhe da madeira do tampo e fundo, de acordo com a vibrao, seria o melhor caminho. Para compensar a fora das cordas mais graves, uma soluo foi encontrada: a barra harmnica. Ela foi colocada na parte de dentro do instrumento, no lado das cordas graves. A barra harmnica equalizou vibraes ao longo de todo o tampo e impediu excessiva agitao na vibrao dos pontos noidais. O tampo do instrumento tambm sofreu modificaes de acordo com a forma das aberturas. Ilustraes e instrumentos preservados dos sculos XV e XVI mostram que as aberturas sonoras foram objetos de muitas experimentaes. As aberturas em C eram as mais usadas e, com o tempo, tornaram-se maiores e foram colocadas em melhor posio acstica, sendo melhor distribudas na espessura fina da madeira. J as aberturas em f, usadas atualmente, so uma derivao das em C, e provaram ter um efeito mais favorvel na tenso da madeira. Kolneder (1999, p. 88, traduo nossa) tem uma opinio quanto participao da viola no desenvolvimento do violino:Essas mudanas estruturais so resultados da tentativa de aumentar o som da viola da braccio. [...] Essa uma parcial descrio do desenvolvimento do violino. Ver isso na sua verdadeira perspectiva pode nos livrar da noo de que um liutaio quis inventar o violino. Mais propriamente, eles tenham comeado por tentar modificar o som da viola da braccio.

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Todavia, como vimos anteriormente, o violino no veio apenas da viola da braccio, e sim, de um conjunto de caractersticas de trs instrumentos. Kolneder (1999, p. 90, traduo nossa) nos traz, ainda, uma frase que ajuda a encerrar essa parte do trabalho com relao poca do surgimento do violino:Sem exageros, podemos dizer que o processo de desenvolvimento levou trinta, quarenta ou mais anos. No podemos determinar se o primeiro instrumento que soou como um violino foi construdo em 1470 ou 1490, mas certamente o processo foi concludo por volta de 1500.

2.3 Causas do desenvolvimentoUma questo para a qual procuramos resposta o porqu do desenvolvimento do violino. Como j vimos com Boyden (1990, p. 41), atravs do relato de Jambe-de Fer, o violino no gozava de prestgio perante a sociedade e, ao contrrio, violas da gamba e alades faziam parte da educao dos mais abastados. Pois bem, considerando que era essa a imagem do violino no sculo XVI, ns realmente acreditamos que os construtores mostraram interesse em aperfeio-los apenas para vend-los a preos mais acessveis, e para que fossem tocados em danas? bom lembrar que estamos especulando sobre os primeiros grandes mestres construtores, como Andrea Amati e Gasparo Bertolotti, chamado da Sal. Se Jambe-de Fer estava certo, no seria mais apropriado que eles construssem violas e vendessem para ricos aristocratas, conseguindo mais dinheiro? Como j vimos, em seu relato, de Fer mostra o violino associado dana, e ele o faz devido aos grandes eventos festivos da Renascena. nesse ponto que encontramos uma das respostas para nossa dvida: nesses eventos, todo profissional e outros competentes instrumentistas (nesse caso, violinistas) poderiam participar. Criar instrumentos necessrios para eventos to grandes deveria ser o desafio dos construtores, j que eles eram pagos para fazer esse trabalho. A necessidade por um instrumento com som forte e com um registro mais agudo conduziu ao desenvolvimento do violino (KOLNEDER, 1999). Uma outra resposta a essa questo dada por Wasielewski (1869 apud KOLNEDER, 1999, p. 82, traduo nossa):Por algum tempo, tem-se tido a necessidade de um instrumento correspondente em alcance voz soprano. [...] Primeiramente a corneta tem assumido a funo porque

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o timbre das violas no se assemelha ao do soprano. Mas o som da corneta no combina com o das violas, de modo que surgiu a necessidade por um instrumento de arco relacionado viola, mas que se assemelhasse ao soprano.

De acordo com Wasielewski, a maior parte dos construtores concorda com essa hiptese. Eles so contrrios a alguns autores que interpretam mal a relao entre a necessidade social e a conseqncia para o violino. Em seu livro Musical Instruments of the Western World, Emanuel Winternitz13 nos sugere outra resposta:A freqente suposio de que a inveno de novos instrumentos pode ter sido atribuda, exclusivamente, a um ou outro progresso tecnolgico ou a novas idias musicais tem freqentemente conduzido a uma interpretao simplificada da histria musical. Atualmente, generalizaes no so possveis e cada caso tem que ser investigado em seus prprios mritos. [...] O violino [...] existia muito antes de uma dinmica prpria e recursos tonais serem explorados por Vivaldi, e mais recentemente, em um caminho imprevisvel, atravs da inveno de um instrumento acrescentado, o arco Tourte. s vezes outro fator, um modelo visualmente agradvel, que contribui para a melhora de um instrumento. Um caso exemplar em evidncia o violino. A inveno deve, de fato, ter sido prpria da sensibilidade esttica de um desconhecido mestre arteso do incio do sculo XVI que, procurando por uma forma perfeita, conduziu, atravs da cristalizao de velhos tipos e formas de fiddle, a uma equilibrada unio de contornos e superfcies moldadas graciosamente.

Temos aqui trs respostas possveis questo do que teria motivado o desenvolvimento do violino. Kolneder (1999, p. 81) tendo como base o relato de Jambe-de Fer, o atribui necessidade de um instrumento com maior projeo sonora e registro agudo. Utilizando-se da hiptese de Wasielewski, mostra a busca por um instrumento que se assemelhasse voz humana (que de alguma maneira vai de encontro primeira explicao). E, por ltimo, temos Winternitz nos mostrando que a busca por um modelo mais agradvel e com contornos mais graciosos possa, de alguma maneira, ter levado ao desenvolvimento do violino.

13

Citado por Kolneder (1999, p. 82).

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3 O Instrumento

Como dito anteriormente, o violino surgiu por volta de 1500 e continuou se desenvolvendo at que adquiriu seu modelo clssico (padro) entre os sculos XVI e incio do XVII, com Andrea Amati (Cremona) e Gasparo da Sal (Brescia). Desde ento, esse instrumento sofreu poucas modificaes. De acordo com Conforti (1987, p. 36), o violino composto por mais de setenta peas; j Kolneder (1999, p. 13) citando outros escritores, Hart e Grillet, d nmeros diferentes: cinqenta e oito partes (Hart) e oitenta e trs (Grillet). A figura abaixo mostra o violino e cada uma de suas partes. Falaremos a seguir sobre as mais importantes14.

Figura 8. Violino "explodido". Fonte: Stowell (1992, p. 2).14

Informaes retiradas do site (acesso em 20 de junho de 2007) e de Kolneder (1999), Conforti (1987), Alton (1986) e Pasquali e Prncipe (1927).

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Alma Pequeno cilindro em abeto, colocado sob presso entre o tampo e o fundo do instrumento, em correspondncia com o p (base) do cavalete - lado da corda aguda. "Trabalha" a funo esttica de sustentar o tampo, colocando-o "em fase" com o fundo; tem funo de regular a emisso e o equilbrio do som. Blocos (superior, inferior e laterais) Seis reforos para as partes submetidas a maior trao ou golpes. So pequenas peas de madeira macia (abeto, piopo etc.), sendo quatro na parte interna da ponte (nos C), que so os blocos laterais, bloco superior, que "recebe" (suporta) o encaixe do brao (na extremidade da caixa) e um bloco inferior, que suporta o boto e, portanto a tenso proveniente das cordas. No mtodo clssico, a construo do instrumento inicia propriamente com a colagem e a modelagem dos seis blocos. Boto Pino inserido na faixa inferior, no bloco que ali se encontra. Tem a funo de fixar o estandarte. Pestana Pequena barra de bano ou de osso colocada no sentido transversal que se encontra na extremidade do espelho e ligeiramente realada (elevada) em relao ao plano do espelho. Possui pequenos sulcos para manter as cordas nas devidas posies. Barra harmnica Barra de abeto colada na parte interna do tampo, no sentido longitudinal e passando abaixo do p do cavalete, tomando como referncia a corda grave. Desempenha uma funo esttica de sustentao do tampo e determinante para um bom rendimento do instrumento. Com o tempo est sujeita a perder a fora" (resistncia), e o instrumento perde volume de som, sobretudo nas notas graves, e o tampo tende a abaixar-se e a se deformar. A barra harmnica uma das partes que so periodicamente substitudas. Contrafaixa Ripas de madeira macia, freqentemente de abeto, que servem de reforo s faixas, e aumentam a superfcie de "colagem" para o fundo e para o tampo. Estandarte Em madeira dura (bano etc.); normalmente o mesmo das cravelhas. amarrado ao boto por meio de uma corda de nylon ou tripa. Em alguns casos dispe de um ou at quatro mecanismos para microafinao.

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f Duas aberturas existentes no tampo. A forma do f, a localizao e as dimenses delimitam o setor central do tampo e, com seus cortes (o corte do prprio f) internos indicam o alinhamento central do cavalete. Faixa Constitui o contorno do instrumento, de espessura fina, geralmente da mesma madeira do fundo, composta de seis pedaos curvados sob aquecimento (a quente). Fiammatura muito evidente em determinados aceros (ex.: acero fiammato); uma ondulao das fibras, que na madeira cortada se apresenta como "conjuntos de linhas (alinhamentos) mais ou menos definidos, transversal em relao aos "veios". Filete Inserido por marchetaria na proximidade do bordo, geralmente composto por trs estratos de madeira: duas escuras e uma clara. O filete tem funo decorativa, mas contribui tambm para proteger as fibras do tampo superior, visto que o abeto tende facilmente a fissurar-se. (em certos instrumentos, o filete somente traado superficialmente). Fundo a parte inferior da caixa harmnica; normalmente em acero, mas pode ser tambm confeccionado em outras madeiras semiduras (geralmente se usa a mesma madeira do fundo para a faixa e brao). A convexidade obtida esculpindo-se um pedao de madeira macia; a espessura geralmente maior ao centro e menor nas zonas perifricas. Brao normalmente uma pea nica com a voluta, freqentemente da mesma madeira do fundo e das faixas. Antigamente era mais curto, sendo substitudo nos instrumentos antigos. Contudo, a voluta original foi mantida. Boto do brao encontrado no fundo e tem forma de meia-lua. Sobrepe-se ao talo do brao. Cravelhas So quatro chaves de madeira dura (bano), da mesma madeira do estandarte. O fuste um tronco de cone e se adapta perfeitamente ao furo, permitindo assim tensionar ou soltar, bem como fixar a afinao.

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Cavalete Em acero, no envernizado e sua posio mantida pela presso das cordas. Existem diversos modelos, caracterizados por diversos desenhos e perfuraes. Espelho Hoje, em bano. Antigamente era em madeira menos dura, laminada em bano ou outra madeira dura; era mais curto e cnico, visto que o brao era praticamente sem inclinao. Tampo a cobertura superior da caixa harmnica, normalmente em abeto vermelho e sempre em forma radial (abaulado). A bombatura (convexidade que se d no tampo e no fundo) e a espessura so obtidas esculpindo-se um pedao macio de madeira. Geralmente a espessura tende a ser uniforme. reforado internamente pela barra harmnica, colada sob presso (tenso).

Trataremos da fabricao do violino pela liuteria artstica, na qual os instrumentos so feitos da mesma maneira que nos tempos de Amati e Stradivari. O liutaio segue a forma com base no modelo que pretende realizar. As etapas da construo do violino sero descritas seguindo, principalmente, os livros de Conforti (1987) e de Pasquali e Prncipe (1926), que so bastante parecidos. Contudo, antes de falarmos sobre a construo propriamente dita, necessrio que alguns pontos sejam esclarecidos: A madeira: todos os liutaios chegam a um consenso quanto ao fato da qualidade da madeira: ela o mais importante requisito para que o violino vibre bem. Segundo Kolneder (1999, p. 23) h lendas de que Amati e Steiner caminhavam nas florestas aps tempestades para ver a propriedade das madeiras derrubadas por raios; j Vuillaume15 viajava a fim de encontrar boa madeira. A idade em parte responsvel pela qualidade da madeira. Liutaios de todos os lugares procuram por madeira antiga e que esteja o mais seca possvel, j que a nova corre o risco de sofrer algumas mudanas em suas caractersticas. Kolneder (1999, p. 24) mostra, ainda, que, de acordo com estudos, foi comprovado que aps cinco anos de secagem (aps seu corte), a madeira j estaria adequada para o uso. O procedimento de secagem ao ar-livre, protegendo a madeira da chuva e do sol, considerado um meio melhor que o da secagem

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Liutaio francs do sculo XVIII (cf. item 4.1.4.2).

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artificial. Esse ltimo procedimento reduz consideravelmente o tempo de secagem, mas perigoso para a sua capacidade de vibrao, que pode ser reduzida. Algumas medidas tomadas favorecem uma boa secagem. Em regies com alta umidade, ela pode ser controlada com uma boa circulao de ar. Apian-Bennewitz (apud KOLNEDER, 1999, p. 24) consideram que de 12-18C seja uma boa temperatura. Kolneder (1999, p. 26) cita as madeiras mais apropriadas para cada parte do violino. Segundo ele, sculos de experincia conduziram ao abeto como a mais adequada para o tampo, blocos internos, contrafaixas, alma e barra harmnica. Vrios tipos de acero so os preferidos para o fundo, brao, faixas, voluta, caixa de cravelhas e cavalete. Muitas razes tornaram o acero a melhor opo, j que ele combina dureza, elasticidade, pouco peso e beleza. Para o espelho, estandarte e algumas das pequenas partes, outras madeiras, como o bano, so usadas. Utilizar o mesmo tipo de madeira para o tampo e fundo normalmente resulta em um som pobre. A capacidade de vibrao do instrumento , em grande parte, influenciada por diferentes alturas, conseguidas atravs de diferentes tipos de madeira. Quando o abeto foi usado para as duas partes, obteve-se um som robusto, porm feio. J ao usar o acero, o resultado obtido foi um som fraco. A madeira certa tambm influencia na velocidade de som produzido: em madeiras pesadas como o carvalho, o som prolongado a apenas 3400-4400m por segundo, j com o abeto, vai a mais de 5000. As condies do veio da madeira tambm afetam a sua vibrao. As distncias entre os veios devem ser quase iguais, de preferncia nem mais nem menos que 1mm. O clima tambm tem influncia nesse aspecto: um clima seco pode causar um crescimento lento, resultando em anis e fibras densos. Porm, dvidas tm sido levantadas em relao a essa influncia das fibras na qualidade do som, j que excelentes instrumentos antigos italianos foram feitos com madeiras de crescimento irregular. As melhores madeiras de abeto sempre vm do norte e sul do Tirol, Bavria, Sua e florestas da Bomia, enquanto que os melhores aceros vm da Hungria, Romnia, Bavria e tambm do Tirol. As melhores condies so encontradas em altitudes de 1000 a 1500m, em vales que so protegidos do vento. Corte da madeira: segundo Alton (1986, p. 7), as madeiras para violino so vendidas geralmente em blocos ou tbuas cortadas em medidas e espessura adequadas. De acordo com Stowell (1992, p. 2), o fundo do violino feito de uma ou duas peas de acero, sobre as quais o contorno desenhado e depois serrado. A parte interna do fundo ento cavada para dar a espessura final no centro, que de aproximadamente 5mm, reduzindo por

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perto dos cantos para aproximadamente 2.5mm. A altura e configurao da arcada, combinadas com a espessura final, so fatores fundamentais para se determinar a qualidade sonora do instrumento. A figura abaixo mostra um violino cujo fundo feito de duas peas cortadas radialmente. Observe-se que h um ponto de juno das partes no meio do instrumento, e uma quebra na fiamatura da madeira. Segundo o liutaio Leandro Mombach, isso feito para que as caractersticas sonoras e fsicas da madeira sejam equivalentes dos dois lados.

Figura 9. Acero. Corte radial de duas peas. Fonte: Stowell (1992, p. 3).

Figura 10. Fundo de violino com corte radial de duas peas.

A figura a seguir mostra o fundo feito em uma pea. Nele, no h um ponto de ligao no centro, e a fiamatura segue continuamente. Mombach diz que ele feito dessa maneira quando o pedao de madeira encontrado homogneo no que se refere aos anis de crescimento.

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Figura 11. Corte radial em uma pea. Fonte: Stowell (1992, p. 3).

Figura 12. Fundo de violino com corte radial em uma pea.

As linhas horizontais, proporcionadas pelos anis da madeira, so menos aparentes na figura que segue. O fundo feito em uma pea, que retirada de uma fatia grossa em tangncia madeira.

Figura 13. Corte tangencial. Uma pea. Fonte: Stowell (1992, p. 3).

Figura 14. Violino de Nicol Amati, Cremona, 1656. Fonte: Stowell (1992, p. 3).

O tampo feito em abeto, e a madeira cortada radialmente e dividida, como podemos ver na figura abaixo. Sua espessura final geralmente de 3mm.

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Figura 15. Corte radial para a construo do tampo. Fonte: Stowell (1992, p. 4).

Molde: O violino construdo de acordo com alguma matriz, que um suporte ao redor ou dentro do qual se armam as faixas e blocos do instrumento, e so dois os tipos de mtodos utilizados: o mtodo clssico cremonense, da forma interna, e o francs, da forma externa.

Figura 16. Sistema italiano de molde interno. Fonte: Conforti (1987, p. 38).

Figura 17. Sistema francs da forma externa. Fonte: Conforti (1987, p. 39).

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Mckel (1930 apud KOLNEDER, 1999, p. 28) diz existirem no menos que vinte e sete modelos, desde o desenho do corpo at a curvatura do cavalete. Esses moldes fazem com que o trabalho do liutaio seja mais fcil, alm de prevenir o erro. A maior parte dos liutaios segue algum dos trs mestres italianos: Amati, Guarneri ou Stradivari, sendo este ltimo o mais imitado. Segundo Kolneder (1999, p. 28), alguns liutaios usam moldes de zinco ou lato, que so menos suscetveis a mudanas de temperatura; j Conforti (1987, p. 41) cita o uso de moldes de madeira. A mdia das dimenses para o molde do violino segue as da poca de ouro da construo, nos sculos XVII e XVIII, e so as seguintes, de acordo com Kolneder (1999, p. 29): Comprimento: 355mm Comprimento interno: 343mm Largura (bloco inferior): 208mm Largura (bloco superior): 168mm Largura da cintura: 112mm Distncia entre as extremidades no mesmo lado: ca. 76mm Verniz: O verniz, alm de servir como camada de proteo ao violino, tambm decisivo para a sua sonoridade. De acordo com Stowell (1992, p. 5, traduo nossa), um bom verniz permite que o violino fale com sua voz completa por muitos anos, enquanto que o de baixa qualidade pode sufoc-lo. O verniz feito de diferentes combinaes de leos e resinas, que resultam nas caractersticas que podemos observar na entrevista cedida por Mombach em junho de 2007:O verniz, para a liuteria, tem que ter algumas caractersticas bsicas, que so: elasticidade, uma boa resistncia, flexibilidade, boa transparncia, e outra caracterstica chamada de reflexo, onde deve apresentar um aspecto cristalino. Essas caractersticas so importantes para que o violino no venha a ficar travado em funo de um verniz duro, o que deixa o som do instrumento mais metlico, ou desprotegido devido a um verniz muito frgil. Ento, quando se usa verniz a base de leo ou resinas macias, a tendncia que o instrumento crie uma sonoridade mais doce e agradvel.

Alton (1986, p. 83) nos apresenta dois tipos de vernizes: a base de lcool e a base de leo. A preparao do primeiro mais simples que a do ltimo, mas tem o inconveniente de que a rpida evaporao do lcool produz, em muitos casos, a rachadura da camada

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aplicada sobre a madeira. Seu aspecto no como o apresentando pelo verniz a base de leo, pois, com pouco tempo de aplicao, a cor e brilho so perdidos. No caso do verniz a leo, preparado com essncia de trementina e leo de semente de linho, o fenmeno que ocorre com a aplicao desse leo o da oxidao:Tal oxidao dura at anos, solidificando-se gradualmente o resduo gomoso da essncia de trementina para formar uma capa forte e flexvel que nunca descascar, e cujo aspecto melhora medida que o tempo passa. Recomendamos, pois, ao construtor, que prefira sempre o verniz a leo, que, se apresenta algumas dificuldades de aplicao a principio, dar no fim um resultado muito melhor. (ALTON, 1986, p. 84, traduo nossa).

Carletti (1985, p. 60) observa: s vezes os vernizes so compostos de resinas misturadas entre si, nesse caso so chamados de oleoresinosos. Explicados os pontos essenciais dos elementos da fabricao do violino, podemos seguir para a construo propriamente dita, processo este que ser descrito passo a passo.

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3.1 A construo do violino

Neste caso, a construo ser feita com o uso do molde interno (molde italiano). As primeiras partes acrescidas ao molde, levemente colocadas para serem posteriormente removidas, so os blocos internos (primeiramente em estado maior para em seguida serem ajustados ao tamanho ideal).

Figura 18. Colagem dos blocos internos. Fonte: Conforti (1987, p. 37).

Figura 19. Blocos internos sendo ajustados ao tamanho ideal. Fonte: Conforti (1987, p. 37).

Neste ponto, as faixas (curvadas a quente) so colocadas nos blocos, em torno do molde, sendo fixadas a eles com cola de tal maneira que acabam por formar o desenho ininterrupto do corpo.

Figura 20. Colagem das laterais nos blocos internos. Fonte: . Acesso em junho de 2007.

Em seguida, as contrafaixas so coladas (somente no lado do fundo para a frma poder ser retirada). Nesta fase, o contorno do instrumento est pronto para receber o tampo e o fundo (que at agora so dois pedaos de madeira simplesmente aplainados).

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Para obter as espessuras exatas do instrumento, importante que o liutaio se deixe guiar pela dureza e pelo peso da madeira. Uma vez delimitados tampo e fundo, se estabelece aquela que ser a altura mxima em relao ao centro da bombatura e a espessura das bordas. Primeiramente, o excesso retirado com formo, depois pequenas plainas curvas so usadas para finalizar o trabalho nas superfcies. As espessuras so obtidas esculpindo-se a parte interna do tampo e do fundo.

Figura 21. Entalhe externo do fundo. Fonte: Conforti (1987, p. 41).

Figura 22. Entalhe interno do fundo. Fonte: Conforti (1987, p. 41).

No tampo, as aberturas em f so desenhadas e cortadas com uma serrinha especial e o acabamento feito com uma faca de preciso. Aps esse procedimento, a barra harmnica posicionada.

Figura 23. Entalhe da abertura em f sobre o tampo. Figura 24. Montagem da barra harmnica. Sua forma segueFonte: Conforti (1987, p. 44). perfeitamente a bombatura. Fonte: Conforti (1987, p. 45).

Depois de colado o fundo s faixas, pode-se finalmente retirar a frma e fechar a caixa de ressonncia, colando-se tambm o tampo. Os filetes so inseridos por marchetaria, em um canal perfeitamente definido nas bordas.

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Figura 25. Colocao dos filetes. Fonte: Conforti (1987, p. 45).

O acabamento da caixa e o arredondamento dos cantos so feitos normalmente antes de introduzir-se o brao. A cabea do instrumento, que composta pela voluta e brao, obtida pelo entalhe de um bloco nico.

Figura 26. Entalhe da voluta. Fonte: . Acesso em junho de 2007.

Figura 27. Emparelhamento da largura do brao ao espelho. Fonte: . Acesso em junho de 2007.

Aps terminada a voluta e os orifcios onde sero inseridas as cravelhas, o espelho colado ao brao, que inserido por meio de encaixe na caixa de ressonncia (apoiando-se no bloco superior). O instrumento em branco tem o seu acabamento feito a formo, podendo em seguida passar pelo processo de envernizamento.

Figura 28. Uma das fases do envernizamento. Fonte: Conforti (1987, p. 47).

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4 LiuteriaLiuteria a arte da madeira: a mesma raiz etimolgica do termo (do rabe el-luth e do italiano legno madeira) o confirma. Liutaio era, inicialmente, o construtor de alade, instrumento muito difundido no Renascimento; a partir do sculo XVI o termo designou, por extenso, o arteso que produzia instrumentos de cordas em geral, e mais adiante, houve a tendncia por especializar-se em instrumentos de arco, em particular naqueles da famlia do violino. A produo de liuteria se desenvolveu desde o comeo na oficina: l o mestre iniciava os aprendizes na profisso e delegava tarefas simples pouco a pouco at que eles pudessem construir sozinhos um instrumento. Os aprendizes no assinavam os seus trabalhos, mas uma etiqueta dentro do instrumento indicava que eles eram dependentes do mestre; nessas etiquetas era comum estar escrito "alumnus", "aprendiz", "sob superviso", e outros. A estreita ligao entre aluno e professor, fundamentada no sistema didtico da transmisso de conhecimento ad personam, explica porque a histria da liuteria em escolas locais autnomas caracterizada predominantemente pela continuidade familiar: a profisso passava de pai para filho e era aprendida atravs da imitao. Esse fato explica a falta de tratados sobre a construo do violino nessa poca. Sabemos pouco sobre os grandes liutaios do passado, porque naquela poca eles no eram celebrados como hoje em dia. Formavam, no sculo XVII, uma modesta corporao de artesos. Em Cremona, na poca de Stradivarius e Guarnieri, as oficinas de liuteria ficavam confinadas em pequenas vilas. Um liutaio, por melhor que fosse, no gozava de um status diferente dos outros artesos, como carpinteiros ou sapateiros. De acordo com Conforti (1987, p. 50), os liutaios no tinham uma cultura particularmente elevada; numerosos documentos assinados por Stradivarius mostram gramtica incorreta e vrios erros crassos. Todavia, todo conhecimento que possuam eram do tipo intuitivo. O liutaio tinha uma noo prtica de qumica, usada na anlise e no desenvolvimento do verniz, assim como uma habilidade inata de conceber a forma do instrumento e um conhecimento instintivo de acstica.

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4.1 Escolas tpicas de liuteria As escolas cremonesa e bresciana so comumente lembradas porque exerceram grande influncia sobre as demais, excluindo a do Tirol, que possuiu tipos e caractersticas prprias. Se Brescia exerceu alguma influncia, por outro lado os instrumentos de Cremona foram os mais imitados e copiados em todas as partes. De acordo com Pasquali e Prncipe (1926, p. 28), os grandes liutaios ingleses, franceses, alemes (excluindo Steiner) e holandeses no foram mais que simples imitadores de Amati, Stradivari e Guarneri, que foram os expoentes da construo em Cremona. Todas as escolas derivadas (milanesa, piamontesa, veneziana, bolonhesa, florentina e napolitana) possuem em maior ou menor grau a assinatura da escola cremonesa. O Tirol outra escola que, com as duas anteriores, forma o trio das escolas tpicas na construo do violino. Elas apresentam caractersticas to particulares, que se diferenciam entre si com absoluta evidncia. Se pegarmos um violino de Stradivarius e o compararmos com um de Maggini (Brescia) ou de Steiner (Tirol), acharemos pronunciadas diferenas no formato geral do instrumento, no corte do f, filetes, verniz e sonoridade. Entretanto, tambm podemos encontrar um ponto de contato entre essas escolas, como por exemplo, Cremona e Tirol vide os violinos de Santo Serafino (Vneto), que tm caractersticas do tipo Amati e Steiner, sendo este ltimo inclusive, durante muito tempo, o modelo mais procurado, como podemos ver a seguir:[...] No devemos duvidar que durante longo tempo o tipo Steiner foi imitado e o mais procurado na Europa. Alemes, franceses e ingleses o tomaram de modelo, proclamando-o como o melhor. Pouco depois, Amati primeiro e, em continuao, Stradivari, se impuseram, de maneira que o tipo tirols passou de moda. Hoje, em todas as partes se impe o modelo italiano. (PASQUALI E PRNCIPE, 1926, p. 29, traduo nossa).

4.1.1 Escola Cremonesa

Protagonista da evoluo histrica do violino, a construo cremonesa de violino teve incio na segunda metade do sculo XVI, com Andrea Amati, criando num intervalo de trs sculos um processo de evoluo nico no mundo16.16

As informaes desta parte do trabalho foram extradas do site . Acesso em abril de 2007.

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Nesses trezentos anos, construtores de violinos foram sucedendo-se uns aos outros por vrias geraes: de pai para filho, de sobrinho para sobrinho-neto. As mais famosas dessas famlias so os Amati, Bergonzi, Ruggeri, Guarneri e Stradivari, que se tornaram populares na Europa. Os nobres das cortes encomendavam instrumentos para suas orquestras, e todo instrumentista aspirava ter um instrumento construdo nesse famoso centro. Dinastia Amati A escola cremonesa perdurou por um longo perodo. Seu fundador, Andrea Amati, deu incio, tambm, a uma dinastia de construtores. Em 1938, com base em pesquisas, Carlos Bonetti (apud KOLNEDER, 1999, p. 101) estabeleceu, com alguma certeza, que Andrea Amati nasceu em Cremona entre 1500 e 1505. A estipulao dessa data trouxe alguns resultados. Ela ajudou a determinar a autenticidade de alguns instrumentos feitos por ele, e trouxe novo nimo nas posies de Brescia e Cremona como centros de construo de violino. Andrea recebeu uma boa herana de sua famlia, que o ajudou a viver confortavelmente e possibilitou a compra, em Veneza, de excelentes madeiras para seus instrumentos. Em 1526, j era tido como mestre. A data relatada no tratado de Jambe-de Fer sobre um violino de quatro cordas coincide com o primeiro relato sobre um violino de Andrea Amati, tambm com quatro cordas. Um violino feito em 1540, conseguido por Vuillaume atravs de Tarisio, e um outro de 1542 consertado por Sgarabotto, em 1898, so atribudos a ele, e um outro possui uma etiqueta onde est escrito: Andreas Amati cremonensis fecit 1546. O comprimento desses violinos de 334mm, e eles tm trs cordas: r, l e mi. Strocchi (apud BOYDEN, 1990, p. 35) fala sobre um violino de Andrea de 1555, com quatro cordas e um corpo de 34cm. Kolneder (1999, p.102) diz que, embora os primeiros instrumentos de Andrea tenham muitas caractersticas do violino antigo, eles so vistos como sendo os responsveis pela padronizao desse instrumento. Antes de Andrea, a altura do cavalete era baixa, como na viola da braccio. Ele experimentou usar o cavalete mais alto e modificou a posio das aberturas em f, que, com o tempo, chegaram a propores definitivas. O autor diz ainda que, a julgar por um instrumento seu de 1565, o modelo de Andrea era relativamente estreito e tinha as seguintes medidas, em milmetros: 353/163/202/29/30, associadas ao comprimento do corpo, parte superior, parte inferior, faixas superiores e faixas inferiores, respectivamente. As aberturas em f so um tanto quanto largas, e o orifcio superior quase to largo quanto o inferior. A espessura do fundo, em milmetros, de 3.98-4.37 (mximo) e 2.77-3.18 (mnimo), e a do tampo de 3.18 (mximo) e 1.99-2.39 (mnimo).

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A famlia Amati possui muitos ramos, porm a existncia de alguns no pode ser comprovada, e no h um consenso quanto ao nmero de integrantes. Kolneder (1999, p. 103) lista nove membros, que so indicados a seguir:

Figura 29. Genealogia dos liutaios da famlia Amati. Fonte: Kolneder (1999, p. 103).

Nicol Amati I, irmo de Andrea, tem sua existncia colocada em dvida por alguns. Um violino datado de 1535 contm uma etiqueta com seu nome. Esse violino, originalmente, tinha trs cordas e foi reparado por Gaetano Sgarabotto em 1920. Contudo, seus violinos no so considerados valiosos. Referncias que mencionam os irmos Amati significam sempre os filhos de Andrea: Antonius e Hieronimus. Algumas etiquetas mostram o nome de um deles; j em outras, aparecem os dois nomes. muito difcil, se no impossvel, saber por qual parte do instrumento cada um era responsvel, e bastante provvel que, quando a etiqueta tem o nome de ambos, ela se referia oficina da famlia, que tambm inclui os aprendizes. Em seus primeiros trabalhos, os irmos seguiram risca o modelo de seu pai, principalmente Antonio. Hieronimus visto, mais facilmente, longe da influncia de seu pai, seguindo um caminho prprio. Tanto Andrea quanto seus filhos usaram madeira de boa qualidade e envernizavam com habilidade. Os violinos construdos pelos irmos Amati eram de modelos pequenos e tinham as seguintes medidas, tambm em milmetros, segundo Fuchs (apud KOLNEDER,

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1999, p. 104): 350352/165/205207/2728/2930. Antonius tambm usou um modelo grande, e seus primeiros violinos tinham uma proeminente bombatura, como os de seu pai. Note-se que, embora haja diferenas estruturais em seus violinos, eles soam bem parecidos. O som desses instrumentos nobre e doce, mas no potente o suficiente para as modernas salas de concerto. Esses violinos so raridades para colecionadores, mas solistas no os utilizam.

Figura 30: Violino de Andrea Amati, de 1566. Fonte: Conforti (1987, p. 100).

Amati, Nicol III (1596-1684) Representando a experincia de trs geraes surge, agora, Nicol Amati. Ele foi aluno de seu pai, Hieronymus, e o sucedeu aos trinta e quatro anos, seguindo seu modelo de construo at a morte deste. Em seguida, passou por uma dcada de experimentaes e aperfeioamento. Nicol usou etiquetas com o nome de seu pai mesmo depois da morte deste, e s aps 1640 passou a usar o seu prprio. Isso significa que, antes disso, ele ainda no tinha encontrado seu prprio estilo. Segundo Kolneder (1999, p. 108), seu estilo foi encontrado aps um perodo de amadurecimento, e o produto de tal amadurecimento o modelo Amati grande. Esse modelo apresentava faixas altas e pouca bombatura, e maior tenso no tampo, atravs do aumento do entalhe nas margens, o que no havia nos instrumentos de seu pai e de seu tio. Com Nicol, o violino ganhou uma maior sonoridade, sem que o timbre caracterstico dos Amati fosse modificado. Alm disso, ele partilhava da tendncia de que era preciso buscar no apenas qualidade sonora, mas fazer do instrumento uma obra de arte. Nicol construiu violinos com dois tipos de tamanho: o de tamanho mdio a grande e o pequeno. O segundo chamado tambm de modelo dama. De acordo com Fuchs

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(apud KOLNEDER, 1999, p. 110), suas medidas so as seguintes: modelo mdio a grande 354358/ 165172/204214/26.5-30/29.5-30; modelo pequeno 352/ 162/ 202/ 28.5/ 29.5. necessrio dizer que Nicol foi mestre de talentosos liutaios, entre eles, Andrea Guarneri e Antonio Stradivari.

Figura 31: Violino de Nicol Amati, "Hammerle", de 1658. Fonte: Conforti (1987, p. 101).

Guarneri, Andrea (1626-1698) Foi o mais velho de uma importante dinastia surgida no sculo XVII. Kolneder (1999, p. 131) indica cinco principais liutaios surgidos dessa famlia. Andrea nasceu por volta de 1626 em Cremona, e seus primeiros instrumentos seguem as caractersticas dos de seu professor. Com o tempo, foi amadurecendo seu estilo e criando um prprio, porm seguiu seu mestre na inteno de dar um maior som ao violino, reduzindo a bombatura, e com esse modelo mais plano eles influenciaram futuras geraes. Com Andrea Guarneri, segundo Kolneder (1999, p.110) as aberturas em f ganharam um tratamento especial, e ele o fez para que conseguisse uma melhor aparncia e tambm uma melhor sonoridade. Outra caracterstica do f que eles so bastante largos. Suas volutas s vezes so grandes e, outras vezes, so mdias. O verniz de cor laranja claro. Guarneri, Pietro I (1655-1730) e Giuseppe I (1666-1738) Aperfeioaram o estilo paterno com excelentes resultados. Pietro I construiu poucos instrumentos, no mximo cinqenta. Ele tendia a experimentaes, chegando a construir violinos bem arcados, com entalhe profundo, mas, assim como os violinos de Andrea Amati, os seus tinham um som bonito, porm pequeno. Seu irmo Giuseppe I tambm seguiu o modelo de seu pai, desenvolvendo depois um estilo prprio. Alguns de seus violinos eram parecidos com os de seu irmo; j outros, menos arcados, eram parecidos com o modelo de Stradivari. Os violinos de Giuseppe I diferenciam-se dos demais por apresentarem uma camada muito fina de verniz.

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Guarneri, Giuseppe II (denominado Guarneri Del Ges) (1687-1742) A excelncia na construo de violinos da famlia Guarneri encontrada na figura de Guarneri del Ges. Segundo Kolneder (1999, p. 132), em suas etiquetas ele marcava uma cruz acompanhada das letras IHS: Iesus hominum Salvator (Jesus salvador da humanidade). Ele fez isso para que pudessem distinguir os seus instrumentos dos de seu pai, Giuseppe I. A partir de 1722, comeou a trabalhar por conta prpria e se emancipou do estilo paterno, revelando uma originalidade pela qual seus violinos so inconfundveis. Ansioso por obter o maior som possvel, ele construiu instrumentos bastante planos e com um incomum fundo espesso (acima de 5.8mm). Isso causou uma demora na resposta do som e fez com que outros liutaios modificassem os instrumentos de del Ges. Eles diminuram a espessura do fundo, conseguindo um melhor balano entre volume e resposta. A madeira de Guarneri del Ges era escolhida mais de acordo com consideraes acsticas do que estticas. Suas aberturas em f eram bastante elegantes. A base principal era colocada em uma pequena angulao, e sua terminao era bastante prxima da abertura circular ou olhos. Isso representou a soluo para um velho problema: ter uma maior abertura para o som e uma mnima interferncia na vibrao do tampo. Paganini tocava em um violino de del Ges, e o chamou de canone (canho). Esse tipo foi desenvolvido por volta de 1726 a 1736, em um perodo no qual o concerto para violino foi se desenvolvendo, atravs de Torelli e Vivaldi. Em alguns concertos, o solista tinha de dar o seu mximo contra um tutti de 30 ou 40 instrumentos da orquestra. J Viotti foi o primeiro virtuose a tocar um del Ges, e o seu violino, datado de 1735, foi dado a seu aluno Baillot. Nessa poca, muitos liutaios relutavam em usar o modelo de Guarneri, porm, aps uma grandiosa turn de Paganini pela Europa, em que ele tocou em um Guarneri, houve uma grande aceitao desse modelo, e seu valor teve grande aumento. A seguir, uma relao dos grandes violinistas que tocaram em um del Ges: Allard, Alday, Auer, Bull, David, Heifetz, Huberman, Kreisler, Kubelik, Lipinsk, Mayseder, Paganini, Pugnani, Remnyi, Rode e Spohr. Cada vez mais os violinos de Guarneri so encontrados em colees privadas, e so considerados grandes investimentos. Pode acontecer de um rico proprietrio deixar um instrumento disposio ou emprest-lo a um solista. desnecessrio dizer que poucos violinistas profissionais podem competir com colecionadores em poder aquisitivo

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(KOLNEDER, p. 135, traduo nossa). Os irmos Hill17 sabem da existncia de 147 violinos de del Ges e suspeitam que possam existir mais 30 ou 40.

Figura 12: Violino de Guarneri del Ges (1734), pertencente ao violinista Pinchas Zukerman. Fonte: Conforti (1987, p. 103).

Stradivari, Antonio (1644-1737) O mais clebre de todos os liutaios. Foi aluno de Nicol Amati, e comeou a trabalhar por conta prpria em 1664. As etiquetas de seus primeiros instrumentos apresentam a seguinte frase: Alumnus Nicolai Amati. O violino mais antigo que se tem conhecimento datado de 1666, segundo Greilsamer (1910, p. 1714). Esse autor divide o trabalho de Stradivari em trs perodos: o primeiro, dos instrumentos ditos amatizados; o segundo, dos longuetes; e o terceiro, a idade de ouro. 1668-1686 Os instrumentos desse perodo so chamados de amatizados, por serem bastante influenciados pelo modelo de Amati, mas com os cantos modificados e com uma menor bombatura. A madeira usada durante este perodo, embora tenha um bom som, tende a ser inferior s outras dos violinos dos perodos que se seguiram. 1686-1694 Este perodo caracterizou-se pela construo de instrumentos graciosos. Violinos dessa poca so maiores (so chamados de longuetes), tm bombatura pequena, elegantes aberturas em f e um verniz de um belo dourado ou vermelho claro. O

Fabricantes ingleses de violinos, restauradores e peritos avaliadores de violinos e arcos. Sua famlia criou uma firma que esteve em atividade em Londres desde meados do sculo XVIII. (Dicionrio Grove de Msica, 1994, p. 429).

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espao entre as aberturas em f mais estreito, o que d a impresso de um instrumento mais esguio. 1694-1725 De sonoridade profunda e brilhante, os melhores instrumentos de Stradivari so desse perodo, quando ele tinha por volta de cinqenta anos. A graa, beleza e a completa perfeio dos instrumentos dessa poca refletem o apogeu da construo do violino, que foi alcanado em 1714. O verniz flexvel e agradavelmente translcido aplicado por Stradivari continua at hoje a intrigar os especialistas. Em seus mais de sessenta anos de atividade, o famoso liutaio construiu mais de mil instrumentos. Segundo Kolneder (1999, p. 139), antes de 1780 os instrumentos de Stradivari no eram muito apreciados, e no exerciam tanta influncia sobre os demais construtores. Eles comearam a ser valorizados aps 1782, quando Viotti utilizou um violino seu na Frana. Antonio Stradivari casou-se duas vezes, tendo ao todo onze filhos, sendo que dois deles seguiram a profisso do pai, e por ele foram ensinados. O mais velho, Francesco (16711743), dirigiu um ateli com a ajuda de seu irmo Omobono (1679-1742). Durante sua profisso, Omobono no arriscou vender seus violinos usando uma etiqueta prpria, mas usava uma onde estava escrito: Homobonus Stradivarius / sub disciplina A. Stradivari 1725. Outros instrumentos traziam a anotao de seu pai: Revisto e Corretto da me Antonio Stradivari in Cremona 1720. Isso mostra que Stradivari acompanhava de perto o trabalho de seus filhos. De acordo com Kolneder (1999, p. 143), so poucos os liutaios conhecidos como tendo sido pupilos de Stradivari. Entre eles, encontram-se os membros da famlia Bergonzi. Seus instrumentos so muito parecidos com aqueles das oficinas de Stradivari e Guarneri. Antes de se tornar aprendiz de Stradivari, Carlo Bergonzi (1690-1747) aprendeu a arte com Hieronymus Amati e Giuseppe Guarneri I, absorvendo, dessa forma, o melhor da tradio.

Altamente talentoso, os instrumentos feitos por ele so de alta qualidade artstica e sonora. Para o tampo e fundo ele usou madeiras um tanto quanto pesadas, provavelmente devido a influncias de Guarnerius del Ges. Seus violinos expressam os melhores aspectos de seus modelos e tambm de seu estilo prprio, resultando em instrumentos que so muito procurados por solistas. Aps a morte os filhos de Stradivari, Carlo recebeu muitos do material que pertencia a Stradivari e continuou com seu ateli. (KOLNEDER, 1999, p. 143, traduo nossa).

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A famlia Bergonzi prosseguiu na liuteria, aps Carlo, e tambm deixou aprendizes muito competentes, como Sebastiano Albanesi (1744), que, de acordo com Henley (apud KOLNEDER, 1999, p. 143), o melhor liutaio italiano dentre os menos famosos. Dentre outros famosos liutaios cremonenses temos: Tommaso Balestrieri, Pietro Balestrieri, Giambattista Ceruti, entre outros. Aps um incio esplendoroso, houve um declnio da luteria italiana, por volta do fim do sculo XVIII e durante todo sculo XIX, no qual os violinos construdos eram muito grosseiros. Um momento completo de silncio comeou no incio do sculo XX, e foi quebrado apenas com a criao da Stradivari Room e, em seguida, com o "Stradivari Museum", por volta dos anos 50. Uma grande ajuda tambm foi dada por liutaios franceses, que antes desse declnio foram at a Itlia aprender o melhor da tradio, continuando a construir violinos com a qualidade dos italianos, mesmo durante o declnio da liuteria naquele pas. Desde ento, a construo cremonesa de violinos voltou a ganhar importncia, graas tambm preparao de novos mestres e ao surgimento de novas oficinas, alm da renovao das relaes internacionais e de concertos e exibies de instrumentos. Hoje em dia, h mais de 130 oficinas em Cremona, e a cidade recuperou finalmente sua posio como referncia essencial para a construo de violinos.

Figura 33: Violino de Antonio Stradivari "Messias" (1716), provavelmente o mais celebrado violino do mundo. Fonte: Stowell (1992, p. 14).

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4.1.2 Escola da Brescia

A liuteria da Brescia se caracteriza por uma forma alongada dos instrumentos, de bombatura relativamente baixa, sendo que os cantos so levemente arcados. Os instrumentos dessa escola tm desenho um pouco mais grosseiro que os de Cremona, alm de suas volutas apresentarem uma meia volta a mais. O verniz geralmente apresenta vrios tons de marrom.

Bertolotti, Gasparo (dito da Sal) (1540,42-1609) Gasparo, nascido na cidade de Sal, recebeu sua formao musical de seu tio, Agostino Bertolotti, mestre capela da Catedral de Sal. As primeiras instrues sobre a liuteria foram, provavelmente, adquiridas de seu pai. Por volta de 1562, Gasparo foi para Brescia, trabalhar na oficina de Girolamo Virchi. De acordo com A. M. Mucchi (apud BOYDEN, 1990, p. 34), h grande confuso com relao s datas dos violinos de Gasparo, e em alguns casos, confuso quanto autenticidade dos instrumentos atribudos a ele, j que, segundo Kolneder (1999, p. 105), em suas etiquetas a data quase nunca era mencionada. Seus instrumentos so bastante robustos. Os violinos mais antigos mostram o seu baixo interesse por formas simtricas e refinadas. Muitos so caracterizados por aberturas em f em locais irregulares e de formato desigual. Heron-Allen (1884 apud KOLNEDER, 1999, p. 105) encontra defeitos nas volutas de Gasparo, dizendo que elas refletem o aspecto primitivo de seu trabalho. Isso apenas indica que ele negligenciava detalhes que no afetariam o som do instrumento, detalhes estes que mais tarde tornaram-se importantes do ponto de vista esttico. Seus tampos eram levemente arcados, e a arqueao comeava diretamente da margem. A madeira usada era um tanto grossa. O verniz era da melhor qualidade, geralmente na cor mbar, como os de Cremona, e era, tambm, um tipo de verniz macio. visto que Gasparo respondia s necessidades e desejos de seus clientes, construindo dois tipos de violino: um pequeno, com comprimento de at 351mm e um modelo grande, com at 364mm. O arqueamento dos modelos mais antigos mais pronunciado que nos seus ltimos. Quanto s aberturas em f, nos modelos mais antigos, elas so curtas e estreitas, enquanto que em seus outros modelos elas so maiores e mais largas.

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Apesar de seus instrumentos no apresentarem data, eles revelam um grande progresso do construtor desde seus primeiros instrumentos, chegando ao que se pode chamar de perfeio como artista e arteso, especialmente na obteno de um maior som. De acordo com o site Wikipedia18, os melhores instrumentos fabricados por Gasparo da Sal so os contrabaixos sendo que os grandes contrabaixistas preferem o seu modelo ao de Stradivari, devido ao seu timbre, rapidez de resposta e potncia insuperveis. O modelo de violino de Gasparo foi bem aceito pelos construtores europeus. Segundo Kolneder (1999, p. 107), em 1700, Gaspar Borbon, excelente liutaio belga, baseou seu trabalho exclusivamente nos primeiros modelos da Brescia. Grandes violinistas como Ole Bull e Rodolphe Kreutzer tocaram em um da Sal. Dragonetti e Bottesini, dois grandes virtuoses do contrabaixo, tambm tocaram em instrumentos de Gasparo. Gasparo da Sal morreu em 1609, tendo transmitindo sua arte a Maggini, outro importante liutaio da Escola da Brescia.

Figura 34: Violino de Gasparo da Sal, c. 1580. Fonte: Stowell (1992, p. 16).

Maggini, Giovanni Paolo (1579-1630) Aluno favorito de Gasparo da Sal, abriu sua prpria oficina quando tinha vinte e nove anos. Seus primeiros instrumentos assemelham-se aos de seu mestre. Construiu violinos de vrios moldes, e durante sua carreira, fez desde os de contornos grosseiros at chegar aos mais elegantes. Seu verniz varia de cor durante os diferentes perodos de sua carreira, mas a qualidade sempre a mesma. Aps ter desenvolvido um estilo prprio de construo, fez belos modelos com incrveis qualidades sonoras. Segundo Kolneder (1999, p. 114), Maggini tido como sendo o primeiro a usar18

Fonte: . Acesso em abril de 2007.

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contrafaixa e blocos laterais para reforar o corpo. Todos os ltimos modelos de Maggini so grandes e notavelmente planos. A seguir as medidas de seus modelos: grande 366/178/ 218/27-28/27-28; pequeno 362-363/168/208-211/25-28/25-28. As aberturas em f de seus instrumentos situam-se posio mais baixa, e o olho superior maior que o inferior, diferenciado dos outros liutaios. Existem entre cinqenta e setenta autnticos Magginis. No comeo do sculo XIX, seus violinos eram pouco conhecidos e estimados; porm, quando Briot alcanou sucesso em Paris e em Londres, ele tocava um Maggini, que foi usado por Leonard e Marteau, e esses fatos contriburam para o sucesso artstico e comercial dos violinos desse liutaio. Em Maggini, encontramos o interesse por um maior som. Seu trabalho influenciou a construo de violinos por sculos. A dcada durante a qual ele alcanou independncia mostra importantes eventos musicais que afetaram a construo do instrumento, estando alguns listados a seguir (KOLNEDER, 1999, p. 114): 1607 Primeira performance de Orfeu, de Montiverdi, em Mntua; 1608 Sonate a quattro, sei et Otto de Cesrio Gussago (organista de S. Maria delle Grazie em Brescia); 1610 Primeira sonata para violino de Gian Paolo Cima (mestre capela em Milo), publicada em Veneza; 1617 Affeti musicali de Marini, op. 1, publicado em Veneza. Quanto a esses fatos, Kolneder (1999, p. 115, traduo nossa) faz o seguinte comentrio: possvel que Maggini tenha participado em Orfeo como violinista na orquestra? Em ocasies semelhantes, msicos de perto e de fora eram empregados e o construtor de violino era propenso a tocar esse instrumento. Seguramente Maggini ouviu a msica de Gussago, dessa forma aprendendo como os instrumentos de corda tinham que soar em grandes igrejas.

Kolneder (1999, p. 115, traduo nossa) diz, ainda, que freqentemente tem sido dito que Maggini foi influenciado pela escola de Cremona.[...] bem possvel que os liutaios da Brescia ficaram impressionados pela beleza da execuo dos violinos de Amati e os imitaram. Por outro lado, a excelente qualidade sonora das criaes de Gasparo e Maggini deixou sua marca no trabalho de Amati. Apesar disso, pode ser difcil localizar detalhes especficos que revelem tais influncias.

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4.1.3 Outros centros italianosUm terceiro importante centro da liuteria foi Veneza. Seu primeiro construtor reconhecido foi Matteo Gofriller (c. 1659-1742). O estilo Veneziano seguido por Gofriller distinguido pelo uso de um verniz de vermelho profundo, o qual geralmente tem um acabamento crepitado e enrugado, nas palavras de Stowell (1992). H muita semelhana entre os violinos de Gofriller e os de Andrea Guarneri. Montagnana, Domenico (c.1687-1750) segundo Stowell (1992, p. 16, traduo nossa):Seus violinos, apesar de serem variados, podem tocar o sublime, com dramtico revestimento de verniz vermelho-rubi, passando por extravagantes e elaboradas aberturas em f e volutas, produzindo resultados sonoros de primeira qualidade.

Greilsamer (1910, p. 1719) acrescenta que os instrumentos de Montagnana lembram o de Stradivarius, ditos amatizados. Serafino, Santo (1699-c.1760) Um dos melhores liutaios de Veneza, desenvolveu um estilo individual, empregando alto padro de arte. Seu trabalho lembra muito a forma alem. sobretudo no f e na voluta que essa influncia aparente. Em Milo, houve muita produo, e construtores bastante bons, mas, segundo Stowell (1992, p. 17), depois de um certo tempo, o trabalho tornou-se de baixa qualidade, levando esse centro decadncia. Fazem parte dele: Grancino, Giovanni (1680-1720) Foi influenciado pelos instrumentos dos Amati, trabalhou em um despojado porm atraente estilo. Primeiro, ele usou um agradvel verniz amarelo ouro, adotando, posteriormente, uma fina frmula de um verniz marrom. Construiu grandes volutas, e elegantes aberturas em f. Os cantos do instrumento so, particularmente, delicados. Testore, Giuseppe (1660-1720) Foi pupilo de Grancino e seu excelente trabalho freqentemente confundido com de seu professor. Seus filhos, Carlo Antonio e Paolo Antonio, seguiram o pai na liuteria.

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Em Npoles, construtores produziram um grande nmero de instrumentos, que variam dos excelentes aos mais medocres, segundo Stowell (1992, p. 20). Os bons at hoje so procurados, devido a sua qualidade sonora. Dentre os construtores mais significativos dessa regio, deve-se dar destaque aos membros da famlia Gagliano. Gagliano, Alessandro (1640-1725) A maior parte de seus violinos so feitos das melhores madeiras. Seu trabalho artesanal no era dos melhores: suas aberturas em f ficavam em uma posio muito baixa no corpo, e suas volutas eram precrias. Apesar disso, o desenho do violino gracioso e sua bombatura, apesar de pequena, tem aspecto vigoroso. Seu verniz amarelo ou marrom avermelhado. Gagliano, Nicolo (1670-1740) filho de Alessandro, excelente liutaio. Seus modelos assemelham-se aos amatizados de Stradivarius. Seu verniz era geralmente marrom avermelhado. Construiu belos modelos. Gagliano, Gennaro (1700-1760) Segundo filho de Alessandro. Seus efes so um tanto quanto pequenos e mais abertos, e o verniz de um vermelho-cereja. Fez cpias bem convincentes de instrumentos de outros mestres, incluindo Amati e Bergonzi. Gagliano, Ferdinando e Giuseppe (ambos em atividade entre 1740-80) Empregaram um verniz de baixa qualidade, sendo ele duro, fino e opaco. Os membros subseqentes da famlia continuaram com a queda na qualidade de seus instrumentos. No podemos deixar de citar os membros da famlia Guadagnini, em especial, Giovanni Battista (c. 1711-1786). Este passou os ltimos anos de sua vida em Turim, sob o patrocnio de um influente entusiasta do violino, o Conde Cozio di Salabue. Esse importantssimo liutaio nasceu em Piacenza (perto de Cremona), onde trabalhou, tendo depois se transferido para Milo e Parma. Desenvolveu um estilo individual e forte, e seus instrumentos tm uma sonoridade de alta qualidade. Seu verniz, freqentemente de tima qualidade, mudou de cidade para cidade. Os membros dessa famlia continuaram a praticar a liuteria at a metade do sculo XIX.

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4.1.4 Centros de liuteria fora da ItliaExcelentes construtores surgiram em outros centros, fora da Itlia, principalmente na regio do Tirol (ustria), e seu grande expoente Jacob Steiner (1617-1683), nascido em Absam Steiner foi um dos maiores construtores de todos os tempos. Ele desenvolveu um estilo agora reconhecido como especificamente alemo, e foi seguido por construtores alemes durante muitas geraes, e por outros de fora, principalmente durante a primeira metade do sculo XVIII. Construiu excelentes violinos, com elegantes aberturas em f, que foram consideradas o pice dessa arte. Seus violinos tinham um som ntido, bonito, porm pequeno, mas ainda se adequavam ao perodo. Entretanto, como as orquestras necessitavam de instrumentos com sonoridade mais potente, os violinos de Steiner tornaram-se inadequados. Sua habilidade artstica e bom gosto eram impecveis, permitindo-se a experincias com formas e ornamentos. Certa vez ele esculpiu uma cabea de leo numa voluta. A bombatura de seu violino bem proeminente, e o verniz vermelho alaranjado to belo quanto o dos construtores cremonenses. Entre outros construtores do Tirol, podemos citar Mathias Albani e os da famlia Klotz, sendo Mathias o mais velho.

4.1.4.1 Alemanha e ustria O conceito de ideal sonoro, at cerca de 1800, trabalhou contra aquele de Guarneri ou Stradivari. Nesse perodo, o tipo de violino de Steiner, com som aveludado porm pequeno, continuou sendo o preferido, principalmente na ustria. A partir do sculo XIX houve uma mudana nessa preferncia, que, segundo Kolneder (1999, p. 161), se deu atravs de Johann Gottlob Pfretzschner (1753-1823), que veio de uma bem-sucedida famlia de liutaios, que mais tarde se tornou famosa pela construo de timos arcos. Trabalhou em Markneukirchen, e inicialmente seguia o modelo Steiner, experimentando em seguida muitos outros, at escolher o modelo Stradivari como seu. Entre outros construtores alemes e austracos podemos citar: Johan Jauch (17351750), Simpiternus Niggel (sc. XVIII), John-Paul Schorn (1680-1716), Daniel-Achatius Stadlamann (1680-1744), entre outros.

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4.1.4.2 Frana

Por um longo tempo, o conceito de som do violino dos construtores franceses era muito diferente daquele mantido por seus colegas na Itlia. Instrumentos italianos eram caracterizados por um grande som. Compositores italianos tiravam vantagem disso escrevendo sonatas, concerti grossi e concertos solo. Para o tipo de dana que continuou sendo favorita na Frana, um som relativamente pequeno era suficiente, o que determinaram como instrumentos franceses foram construdos e tocados (KOLNEDER, p. 159). Franois Mdard (1647-1720) foi o primeiro a atingir o nvel dos construtores italianos. Depois dele temos Nicolas Lupot (1758-1824) e Franois Pique (1758-1822), que trabalharam em Paris e fizeram violinos baseados no modelo de Stradivari, mas com caractersticas prprias e usando um excelente verniz vermelho e laranja. Junto com Pressenda, eles restabeleceram como ideal o modelo cremonense. O mais famoso liutaio francs, entretanto, Jean-Baptiste Vuillaume (1798-1875). Seguindo o trabalho de Pique e Lupot, ele copiou com muita perspiccia os melhores construtores italianos, alcanando grande sucesso como liutaio, inventor e construtor de arcos e negociante. Entre outros liutaios franceses podemos citar ainda: Aldric (1790-1844), CharlesFranois Gand (1787-1845) Franois Chanot (1788-1828) e Pierre Silvestre (1801-1859).

4.1.4.3 Holanda e Blgica

Os liutaios da Blgica e Holanda deixaram instrumentos respeitveis, mas que no passavam de uma certa mdia. De acordo com a regio, eles eram influenciados pela escola alem ou italiana. Dentre seus construtores, podemos citar: Jan Bourmeester (sc. XVIII), Pieter Rombouts (primeira metade do sc. XVIII) e Jan Cuypers (1707-1720).

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4.1.4.4 Inglaterra

Os liutaios ingleses do sculo XVII foram influenciados por Steiner, salvo alguns que trabalharam no estilo da Brescia. Ao curso do sculo XVIII, o modelo alemo foi abandonado, dando lugar ao modelo de Cremona. Nessa poca, os liutaios eram extremamente hbeis, e faziam um verniz de excelente qualidade. Entre os importantes liutaios ingleses podemos citar: John Betts (1755-1823), Richard Duke (1750-1780) e Joseph Hill (sc. XVIII). Este ltimo foi de grande importncia para a construo de violinos inglesa, e foi o fundador de uma famosa oficina, que existe at hoje.

4.1.4.5 Espanha e Portugal

A construo de instrumentos de arco nesses dois pases sofreu influncia direta da Itlia. A produo no grande, porm de excelente qualidade. So liutaios desses pases: S. Boffill (sc. XVIII), Joannes Guillami (sc. XVIII), Joachim-Joseph Gabram (1769-1825), entre outros.

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5 Leandro Mombach

At o momento este trabalho abordou, entre outras coisas, a liuteria em diversas regies do mundo, principalmente durante o perodo dos grandes construtores, como Stradivari, Guarneri, entre os sculos XVII e XVIII. Dessa poca at os dias atuais, poucas modificaes foram feitas na estrutura do violino. Sua forma clssica vem desde Amati e da Sal, no sculo XVI. Como este trabalho procura abordar a construo do violino feito atravs da liuteria artstica, de suma importncia termos o conhecimento de qual rumo essa arte segue atualmente, e para isso examinaremos o exemplo de um profissional que segue essa antiga tradio nos tempos atuais. Encontramos na figura do liutaio Leandro Mombach a sntese desse nosso anseio.

5.1 Trajetria profissional

Leandro Mombach, que em 2007 est completando vinte e cinco anos de liuteria, esteve desde sua infncia at 1982 sob influncia de seus avs paternos, ambos habilidosos marceneiros de origem europia, cuja experincia e conhecimentos foram significativos em sua formao. Em 1983 comeou seu interesse pela liuteria e teve conhecimento de que na cidade onde morava, Porto Alegre, havia um liutaio chamado Carlo Minelli, com o qual entrou em contato logo em seguida, dando incio a seus estudos e prticas na construo de instrumentos musicais, especialmente violinos. De acordo com Mombach, no perodo em que Minelli exerceu sua profisso, o acesso a informaes a respeito da liuteria e a material didtico era muito difcil, diferente de hoje em dia, quando o acesso a livros e artigos muito mais fcil, inclusive atravs da Internet. Sendo assim, em uma viagem feita Itlia, Minelli procurou trazer a maior quantidade de material possvel. Contudo, acabou por desenvolver um estilo prprio de construo, mas sempre baseado no desenho tradicional. Mombach comenta a maneira que eles utilizavam para conseguir alguns modelos: Quando achvamos um instrumento bonito, a gente riscava o instrumento em cima de um papel, e era assim que a

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gente tirava alguns modelos antes de comear a construir (entrevista cedida pelo liutaio em junho de 2007). Dessa maneira, portanto, o incio da carreira de Mombach sofreu influncias do estilo de Carlo Minelli. Alguns anos mais tarde, ingressou na escola de liuteria do Conservatrio Dramtico e Musical Dr. Carlos de Campos, na cidade de Tatu-SP, onde lhe foi possvel obter um conhecimento maior dos processos de construo e reparao dos instrumentos de arco, processo este baseado nos moldes da tradicional escola cremonesa19. No final de 1986, Mombach foi aceito como aluno de liuteria na escola Maestri Liutai di Gubbio, na cidade de Gubbio, regio da mbria-Itlia, na cidade natal de Minelli. Foi assim que, no ano de 1988, mudou-se para a Itlia, ingressando na escola de Gubbio, sob orientao do premiado mestre Guerriero Spataffi20. Nesse perodo, Mombach teve estreito contato com a tradicional liuteria italiana, sendo influenciado pela escola cremonesa. Chegou a ir a Cremona em busca de modelos mais fiis para a construo de seus instrumentos, onde esteve em contato com liutaios locais. Esses modelos ainda hoje so utilizados pelo liutaio, alm de outros que ele prprio desenvolveu. Em 1989, participou da 2 amostra Concorso de Liuteria de Baveno, realizada na provncia de Novara-Itlia, obtendo o certificado de participao e referncia como maestro liutaio. Em 1990 participou, na cidade de Begnacavallo, Ravenna-Itlia, do 11 Concorso Giovani Liutai, obtendo classificao entre os primeiros finalistas, com um violino que representou a escola onde estava estudando. Ainda em 1990, teve seu histrico includo no catlogo internacional de construtores, pelo professor e liutlogo Gualtiero Nicolinni, com a seguinte titulao: Liutai Italiani dal Ottocento ai Nostri Giorni, sezione liutai stranieri operanti ntlia21. Em 1991, concluiu seus estudos em Gubbio, tendo continuado com suas pesquisas sobre instrumentos antigos e modernos at 1993, ano de seu retorno ao Brasil, tendo decidido estabelecer-se em Curitiba profissionalmente. Mombach mantm muito do que aprendeu na Itlia, utilizando mtodos tradicionais de construo l obtidos. A distribuio das espessuras da madeira e a relao dessasEnzo Berteli e o filho Luigi (que freqentou o curso de liuteria no Instituto Professionale Internazionale per LArtigianato Lutario e Del Legno, de Cremona, sem similares no mundo) foram os responsveis pelo desenvolvimento da importantssima arte e tcnica da fabricao, reparao e manuteno de instrumentos de arco no Estado de So Paulo, e o fizeram baseados nos moldes da mais famosa e tradicional escola do mundo. Fonte: . Acesso em junho de 2007. 20 Guerrieo Spataffi: liutaio que possui grande conhecimento dos processos de construo antigos e uma excelente tcnica de aplicao de vernizes para instrumentos de arco. Fonte: . Acesso em junho de 2007. 21 Liutaios Italianos, do sculo XIX aos nossos dias, seo - liutaios estrangeiros trabalhando na Itlia.19

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espessuras com as curvas do instrumento so feitas por Mombach de acordo com esses mtodos tradicionais, porm, para construir seus instrumentos, necessrio que haja um grande envolvimento com o objeto a ser trabalhado. De acordo com o liutaio, na Itlia ele recebeu uma gama de informaes que no Brasil precisaram ser sele