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CARLOS BANDEIRA DE MELLO MONTEIRO FRANCIS MEIRE FAVERO RENATA HYDEE HASUE (Orgs.)

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CARLOS BANDEIRA DE MELLO MONTEIROFRANCIS MEIRE FAVERORENATA HYDEE HASUE

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Carlos Bandeira de Mello MonteiroFrancis Meire FaveroRenata Hydee Hasue

2015São Paulo

(Orgs.)

Copyright © 2015, Carlos Bandeira de Mello Monteiro

Direitos Reservados. Proibida a reprodução, mesmo parcial, por qualquer processo, sem autorização expressa do autor e do editor.

Ricardo Baptista MadeiraEditor Responsável

Milena MadeiraCapista

Renata RodriguesDiagramadora

Dados Catalográficos

Realidade virtual em distrofias musculares/Carlos Bandeira de Mello Monteiro, Francis Meire Favero, Renata Hydee Hasue (Orgs.). – São Paulo: Plêiade, 2015.282 p.

ISBN: 978-85-7651-264-6

1. Distrofia muscular 2. Realidade Virtual I. Montei-ro, Carlos Bandeira de Mello II. Favero, Francis Meire III. Hasue, Renata Hydee

CDU 616.8

Bibliotecária responsável: Elenice Yamaguishi Madeira – CRB 8/5033

Editora PlêiadeRua Apacê, 45 - Jabaquara - CEP: 04347-110 - São Paulo/[email protected] - www.editorapleiade.com.br

Fones: (11) 2579-9863 – 2579-9865 – 5011-9869Impresso no Brasil

R288

–– SUMÁRIO

AUTORES ............................................................................... 9

COLABORADORES ............................................................... 11

AGRADECIMENTOS ............................................................. 19

APOIO ................................................................................. 21

APRESENTAÇÃO .................................................................. 23

PREFÁCIO ............................................................................ 25

PARTE UM

CAPÍTULO 1: DISTROFIA MUSCULAR .................................. 29Ana Lúcia Langer, Francis Meire Favero, Fatima Aparecida Caromano, Carlos Bandeira de Mello Monteiro, Mariana Callil Voos, Simone Minae Yoneyama

PARTE DOIS

CAPÍTULO 2: TRATAMENTO MULTIDISCIPLINAR – APRESENTAÇÃO .................................................................. 53Carlos Bandeira de Mello Monteiro, Fatima Caromano, Talita Dias da Silva, Francis Meire Favero

CAPÍTULO 3: TRATAMENTO INTERDISCIPLINAR - FISIOTERAPIA NEUROFUNCIONAL E REALIDADE VIRTUAL .......................... 61Francis Meire Favero, Ana Angélica Ribeiro de Lima, Bruna Leal de Freitas, Luciane Giseli Sandri Dias, Priscila Santos Albuquerque, Cristina dos Santos Cardoso de Sá

CAPÍTULO 4: TRATAMENTO INTERDISCIPLINAR - FISIOTERAPIA RESPIRATÓRIA E REALIDADE VIRTUAL .................................. 77José Apolinário Silva Neves Júnior, Lizete Yumi Nakano, Francis Meire Favero, Carlos Bandeira de Mello Monteiro

CAPÍTULO 5: TRATAMENTO INTERDISCIPLINAR - NUTRIÇÃO (BREVE RELATO) ................................................. 89Cristina Cleide Salvioni, Carlos Bandeira de Mello Monteiro, Francis Meire Favero

PARTE TRÊS

CAPÍTULO 6: SISTEMAS DE AVALIAÇÕES E CLASSIFICAÇÕESNA DISTROFIA MUSCULAR .................................................. 97Michele Emy Hukuda, Denise Caldeira Troise, Mayra Priscila Boscolo Alvarez, Mariana Cunha Artilheiro, Camila Torriani-Pasin, Talita Dias da Silva, Carlos Bandeira de Mello Monteiro, Francis Meire Favero

CAPÍTULO 7: DEFICIÊNCIA E DISTROFIA MUSCULAR: APRESENTAÇÃO DE CORRELAÇÃO TEÓRICA ..................... 117Carlos Bandeira de Mello Monteiro, Talita Dias da Silva, Renata Hydee Hasue, Francis Meire Favero, Michele Emy Hukuda, Denise Caldeira Troise, Joyce Martini, Mariana Cunha Artilheiro

CAPÍTULO 8: ALTERAÇÕES DO SISTEMA NERVOSO CENTRALNAS DISTROFIAS MUSCULARES ......................................... 137Maria Clara Drummond Soares de Moura, Denise Caldeira Troise, Renata Hydee Hasue

CAPÍTULO 9: REALIDADE VIRTUAL E JOGOS ELETRÔNICOS:DEFINIÇÃO E APLICABILIDADE PRÁTICA ............................. 159Ana Angélica Ribeiro de Lima, Simone Minae Yoneyama, Camila Miliani Capelini, Francis Meire Favero, Ana Grasielle Dionísio Corrêa, Carlos Bandeira de Mello Monteiro

CAPÍTULO 10: COMPORTAMENTO MOTOR E REALIDADE VIRTUAL NAS DISTROFIAS MUSCULARES – UM ELO DE PESQUISA .......................................................................... 181Luciane Giseli Sandri, Camila Miliani Capelini, Mayra Priscila Boscolo Alvarez, Talita Dias da Silva, Francis Meire Favero, Renata Hydee Hasue, Virgínia Helena Quadrado, Carlos Bandeira de Mello Monteiro

PARTE QUATRO

CAPÍTULO 11: APRENDIZAGEM MOTORA EM PESSOAS COM DISTROFIAS MUSCULARES: TAREFA DE LABIRINTO NO COMPUTADOR ............................................................ 201Silvia Regina Pinheiros Malheiros, Talita Dias da Silva, Renata Hydee Hasue, Denise Cardoso Ribeiro Papa, Francis Meire Favero, Lilian Del Ciello de Menezes, Carlos Bandeira de Mello Monteiro

CAPÍTULO 12: CONTROLE MOTOR EM DISTROFIAS MUSCULARES: TAREFA DE FITTS ........................................ 221Denise Cardoso Ribeiro, Talita Dias da Silva, Francis Meire Favero, Renata Hydee Hasue, Isabela Lopes Trevizan, Thaís Massetti, Carlos Bandeira de Mello Monteiro

CAPÍTULO 13: COMPARAÇÃO ENTRE TAREFA EM AMBIENTE VIRTUAL COM E SEM CONTATO FÍSICO NA DISTROFIA MUSCULAR DE DUCHENNE ............................................... 243Virgínia Helena Quadrado, Talita Dias da Silva, Francis Meire Favero, Renata Hydee Hasue, Pâmela Spina Capitão, Milene Franco, Carlos Bandeira de Mello Monteiro

CAPÍTULO 14: O USO DA REALIDADE AUMENTADA NA REABILITAÇÃO DOS MEMBROS SUPERIORES ...................... 267Adriana Nathalie Klein, João Henrique Costa Alves dos Santos, Paulo Rogério de Oliveira, Ana Grasielle Dionísio Corrêa

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–– AUTORES

CARLOS BANDEIRA DE MELLO MONTEIROGraduação em Fisioterapia (1993), graduação em Educação Física (1987), mestre em Distúrbios do Desenvolvimento pela Universidade Presbiteriana Makenzie (2001) e doutor em Ciências na área de neurologia pela Universidade de São Paulo (2007). Atualmente é professor do curso de Educação Física e Saúde na Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo (EACH/USP). Tem experiência na área de habilitação e reabilitação neuromotora e atua principalmente nos seguintes temas: pesquisa em realidade virtual, deficiência física, funcionalidade em síndromes genéticas, paralisia cerebral, habilidades funcionais, mobilidade, função motora grossa, independência física e CIF (Classificação Internacional de funcionalidade, incapacidade e saúde).

FRANCIS MEIRE FAVEROGraduação em Fisioterapia (1995), Especialista em Doenças Neuromusculares (2005), Mestre em Ciências (2003), e Doutora em Ciências (2012) pelo Departamento de Neurologia/Neurocirurgia, conclusão do curso de Pós-Graduação pelo Programa de Neurologia/Neurociências da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP). Atualmente é Coordenadora do curso de especialização Intervenções Fisioterapêuticas nas Doenças Neuromusculares, pelo Departamento de Neurologia/Neurocirurgia – UNIFESP, faço parte do grupo de pesquisas do Laboratório de Fisioterapia e Comportamento da Universidade de São Paulo (USP) e Pesquisadora na área clínica da Associação de Assistência à Criança Deficiente (AACD). Tem experiência nas áreas de Neuroexperimental, Neurociências e Neuromuscular,

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linhas de pesquisa são: validação de escalas para estadiamento e funcionalidade para as doenças Neuromusculares, estudo epidemiológico em doença do Neurônio Motor.

RENATA HYDEE HASUEGraduação em Fisioterapia (1996), mestrado (2001) e doutorado (2005) em Fisiologia Humana pela Universidade de São Paulo. Atualmente é professora do Curso de Graduação em Fisioterapia e orientadora do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Reabilitação da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), (Nota CAPES 5), e é responsável pelo laboratório de Avaliação Neurofuncional e pela Liga de Fisioterapia em Neurologia Infantil da FMUSP. Tem experiência na áreas de Neurociências e Fisioterapia em Neurologia, e suas linhas de pesquisa são: avaliação dos fatores que interferem na funcionalidade e qualidade de vida de crianças com e sem disfunções neurológicas e avaliação da integração sensório-motora em bebês, crianças e adultos. Fazem parte dos grupos populacionas estudados pacientes com distrofia muscular de Duchenne, Transtorno do Déficit da Coordenação, Transtorno do Déficit de Atenção e Hipertatividade, Encefalopatia hipóxico isquêmica não progressiva (Paralisia Cerebral), mielomeningocele e prematuros.

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–– COLABORADORES

Adriana Nathalie KleinPossui graduação em Terapia Ocupacional pela Universidade Federal de São Carlos (2000), Especialista em Doenças Reumáticas (2001), Terapia da mão (2003), Doenças Neuromusculares (2007) pela UNIFESP e em Tecnologia Assistiva (2012) pela FMABC, Mestre em Ciências da Saúde pela Universidade Federal de São Paulo (2012).

Ana Angélica Ribeiro de LimaFisioterapeuta (2005) com Aprimoramento profissional em Fisioterapia Aquática (2006) e especialista em Fisioterapia Aquática (2007) pela Universidade Cidade de São Paulo (UNICID). Mestranda no Programa de Ciências da Reabilitação pela Universidade de São Paulo (USP).

Ana Grasielle Dionísio CorrêaPossui graduação em Engenharia da Computação pela Universi-dade Católica Dom Bosco (2002), mestrado (2005) e doutorado (2011) em Engenharia Elétrica pela Escola Politécnica da Univer-sidade de São Paulo. Atualmente é Professora Assistente I dos Cursos de Graduação em Ciência da Computação e Sistemas de Informação na Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM) e Pesquisadora do Laboratório de Sistemas Integráveis da Escola Politécnica (LSI-EP) da Universidade de São Paulo (USP).

Ana Lúcia LangerPediatra, foi uma das responsáveis pela portaria 1531 que garantiu a ventilação não invasiva a pacientes com distrofia muscular e seu acompanhamento ventilatório (2001), foi diretora clínica da

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Associação Brasileira de Distrofia Muscular por 8 anos. Autora de vários capítulos de livros e artigos.

Bruna Leal de FreitasGraduação em Fisioterapia pela universidade Cidade de São Paulo (Unicid - 2008); pós gradução em fisioterapia aquática pela universidade cidade de São Paulo (Unicid - 2010); supervisora de estágio em fisioterapia aquática pela universidade de São Paulo (Usp - 2011 a 2013); atualmente, atua na área de aquática com ênfase em ortopedia e doenças neuromusculares.

Camila Miliani CapeliniGraduação em Fisioterapia pela Universidade Metodista de Piracicaba - UNIMEP (2010). Especialista em Reabilitação Neurológica aplicada à Neurologia Infantil pela Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP (2012). Mestranda em Ciências da Reabilitação pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo - USP. Membro do Grupo de Estudos e Pesquisas em Capacidades e Habilidades Motoras na Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo (GEPCHAM - EACH/USP) e do Laboratório de Delineamento de estudos e escrita Científica da Faculdade de Medicina do ABC - FMABC.

Camila Torriani-PasinGraduação em Fisioterapia (2000), especialização em Fisioterapia Neurológica pela UNIFESP – EPM (2001) e, doutora em Ciências - Educação Física: Biodinâmica do Movimento Humano pela USP (2010). Atualmente é docente na Escola de Educação Física e Esporte da Universidade de São Paulo - EEFE-USP. É pesquisadora na área de Comportamento Motor (Controle Motor e Aprendizagem Motora) e Reabilitação Neurológica.

Cristina Cleide dos Santos SalvioniPesquisadora no Setor de Investigação em Doenças Neuromuscu-

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lares da Universidade Federeal de São Paulo (UNIFESP). Possui mestrado em Neurologia/Neurociêcia pela UNIFESP e especializa-ção em terapia nutricional e nutrição clínica pelo Grupo de Apoio de Nutrição Enteral e Parental (Ganep).

Denise Caldeira TroiseFisioterapeuta pelo Centro Universitário São Camilo. Especialista em Fisioterapia Motora e Hospitalar aplicada à Neurologia pela Universidade Federal de São Paulo – UNIFESP. Mestre em Ciências da Reabilitação pela Universidade de São Paulo - USP. Foi fisioterapeuta e supervisora da Associação Brasileira de Distrofia Muscular/AACD.

Denise Cardoso Ribeiro PapaEspecialista em Fisioterapia Cardiorrespiratória pelo Hospital Nossa Senhora de Lourdes, 1998. Formação complementar no Método Neuroevolutivo- Bobath. Estágio no Centro de Reabilitação Bloorview McMillan Kids Rehabilitation, Canadá, e no Hospital Mount Sinai, Nova York, EUA. Docente do curso de Fisioterapia da UNIFMU. Mestranda do Departamento de Fonoaudiologia, Fisioterapia e Terapia Ocupacional da Universidade de São Paulo.

Fatima CaromanoFisioterapeuta e mestra em educação pela Universidade Federal de São Carlos. Doutora em psicologia experimental pela Universidade de São Paulo. Professora do curso de fisioterapia e programa de pós-graduação em ciências da reabilitação na faculdade de medicina da Universidade de São Paulo. Chefe do Laboratório de Fisioterapia e Comportamento do Curso de Fisioterapia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.

Isabela Lopes TrevizanFisioterapeuta formada pela Universidade Estadual Paulista “Jú-

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lio de Mesquita Filho” (2013). Mestranda pela Universidade de São Paulo, em Ciências da Reabilitação, em pesquisas com utilização de realidade virtual. Tem experiência na área de Fisioterapia, com pacientes neurológicos e pesquisas com doenças neurodegenera-tivas com ênfase em Neuroinflamação.

João Henrique Costa Alves dos SantosTerapeuta ocupacional graduado pela UNIFESP-Santos, especialista em Doenças Reumáticas pela UNIFESP. Atuando na área das Distrofias Musculares desde 2011 na ABDIM e atualmente na AACD.

José Apolinário Silva Neves JúniorFisioterapeuta graduado pela Faculdade Salesiana de Vitória/ES (2009), Especialista em Fisioterapia Respiratória (2010), Fisioterapia em Cardiologia (2011) e em Fisioterapia Neuromuscular (2011) pela Universidade Federal de São Paulo/ Escola Paulista de Medicina (UNIFESP/EPM). Mestrando em Neurociências/Neurologia pela UNIFESP/EPM nas Áreas de Distúrbios do Sono, Avaliação Pré Operatória e Miopatias (2013).

Joyce MartiniFisioterapeuta graduada pela PUC-Campinas, Especialista em Fisioterapia Ambulatorial e Hospitalar aplicada à Neurologia e em Intervenções Fisioterapêuticas nas Doenças Neuromusculares pela UNIFESP; Mestranda no Programa de Ciências da Reabilitação pela FMUSP. Atua no setor de Doenças Neuromusculares da AACD

Lilian Del Ciello de MenezesGraduada pela Universidade Federal de São Paulo (2011). Realizou Aprimoramento em Clínica Médica pelo Hospital do Servidor Público Estadual em 2012. Atualmente é Mestranda em Ciências da Reabilitação pela FMUSP. Realizou Monitoria Acadêmica Remunerada em Neurologia e Músculo-esquelética –

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UNIFESP(2011), Participou do Projeto de Iniciação Científica voluntária: Programa de Escola de Coluna para Lombalgia Ocupacional Crônica UNIFESP(2010 - 2011). Publicou nos anais do V Congresso Internacional de Saúde da Criança e do Adolescente, 2013 o trabalho com título : Tarefa em telefone móvel para pessoas com síndrome de Down e ainda: Proposta de tarefa em telefone móvel para pessoas com distrofia muscular de duchenne.

Lizete Yumi NakanoGraduação em Fisioterapia pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Aprimoramento em Fisioterapia em Unidades de Terapia Intensiva, Coronariana e Semi-Intensiva (Hospital Sírio Libanês). Especialização em Fisioterapia em Unidade de Terapia Intensiva Pediátrica e Neonatal (Instituto da Criança, Hospital das Clínicas - FMUSP). Fisioterapeuta do setor de Pediatria do Hospital Municipal do Campo Limpo. Fisioterapeuta da Associação de Assistência à Criança Deficiente (AACD)

Luciane Giseli Sandri DiasEspecialista em doenças Neuromusculares pela Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), Fisioterapeuta Aquática na Saga.

Maria Clara Drummond Soares de MouraFisioterapeuta formada pela Universidade de São Paulo (USP), especialista em Fisioterapia Neurológica pelo Hospital das Clinicas da Faculdade de Medicina da USP, Mestre em Neurociências pela USP. Atualmente é Fisioterapeuta do Curso de Fisioterapia da Faculdade de Medicina da USP atuando como supervisora de estágios em Neurologia infantil e estimulação precoce, e pesquisadora do Laboratório de Avaliação neurofuncional.

Mariana Cunha ArtilheiroFisioterapeuta especialista em Fisioterapia ambulatorial e hospitalar aplicada à Neurologia pela UNIFESP e em Intervenções

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Fisioterapêuticas nas Doenças Neuromusculares pela UNIFESP. Mestre em Ciências da Reabilitação pela Universidade Nove de Julho. Docente do curso de Fisioterapia da Universidade Ibirapuera e Fisioterapeuta na empresa AACD.

Mariana Callil VoosGraduada em Fisioterapia (1999). Cursou aprimoramento (2001), mestrado (2005) e doutorado (2010) pela Universidade de São Paulo. Atua como supervisora de estágio e colaboradora de diversas disciplinas do Departamento de Fisioterapia, Fonoaudiologia e Terapia Ocupacional da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Tem experiência na prática clínica nas áreas de Fisioterapia Neurológica e Pediátrica. É pesquisadora do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo e atua na área de Fisioterapia, Comportamento e Cognição. Tem artigos publicados em periódicos de circulação nacional e internacional. É revisora de periódicos nacionais e internacionais.

Mayra Priscila Boscolo AlvarezFisioterapeuta graduada pela UNESP, especialista em “intervenções fisioterapêuticas nas doenças neuromusculares” pela UNIFESP, mestranda pelo programa “ciências da reabilitação” pela USP. Fisioterapeuta do setor de doenças neuromusculares da AACD.

Michele Emy HukudaPesquisadora do Laboratório de Fisioterapia e Comportamento da Universidade de São Paulo (USP), doutoranda e mestre em Ciências da Reabilitação - Faculdade de Medicina da USP. Possui especialização em Intervenção em Neuropediatria pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e em Doenças Neuromusculares pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).

Milene FrancoFisioterapeuta graduada pela PUC Minas Campus Poços de Caldas; Especialista em Intervenções Fisioterapêuticas nas Doenças

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Neuromusculares pela UNIFESP; Mestranda no Programa de Ciências da Reabilitação pela FMUSP.

Pâmela Spina CapitãoGraduação em Medicina (em andamento) pela Faculdade de Medicina do ABC (FMABC). Bolsista de Iniciação Científica pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP). Membro do Laboratório de Delineamento de estudos e escrita Científica da Faculdade de Medicina do ABC - FMABC.

Paulo Rogério de OliveiraTerapeuta Ocupacional formado pela Univers Federal de São Carlos ( UFSCar). Pós graduação Lato sensu: Especialista em Tecnologia Assistiva pela Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais (FCMMG).Preceptor da residência Multiprofissional em álcool e drogas da Univ de São Paulo ( USP). Pioneiro no uso de sistemas de eyetracking com pacientes com doenças neuromusculares no Brasil.

Priscila Santos AlbuquerqueMestre pelo Programa Ciências da Reabilitação da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), concluído em 2014. Especialista em Pneumologia pela Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), concluído em 2008. Especialista em Hidroterapia nas Doenças Neuromusculares pela Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), concluído em 2004.

Silvia Regina Pinheiros MalheirosÉ graduada em fisioterapia e mestre em ed especial pela UFSCar. Doutoranda em saúde coletiva pela Faculdade de Medicina do ABC, tema da tese em elaboração: aprendizagem motora em indivíduos com Distrofia Muscular de Duchenne. Leciona e supervisiona estágio em neuropediatria na FMU e UniSant’Anna.

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Simone Minae YoneyamaEx-Fisioterapeuta da Associação Brasileira de Distrofia Muscular (ABDIM). Mestre em Ciência pela Universidade de São Paulo (USP). Especialização em Fisioterapia Aplicada à Neurologia Adulto pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Graduação em Bacharel de Fisioterapia na Escola Superior de Ciências da Santa Casa de Misericórdia de Vitória (EMESCAM)

Talita Dias da SilvaGraduação em Fisioterapia pela UniFMU . Especialista em Aprendi-zagem Motora pela Universidade de São Paulo - USP e Doutoranda em Medicina (Cardiologia) pela Universidade Federal de São Paulo - UNIFESP com estágio de pesquisa (doutorado sandwich) na Harvard University (School of Public Health). Membro do Grupo de Estudos e Pesquisas em Capacidades e Habilidades Motoras na Escola de Ar-tes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo (GEP-CHAM - EACH/USP) e do Laboratório de Delineamento de estudos e escrita Científica da Faculdade de Medicina do ABC - FMABC.

Thaís MassettiGraduada em Fisioterapia, pós graduada em Docência no Ensino Su-perior, Mestranda pela Universidade de São Paulo, em Ciências da Re-abilitação. Atualmente é integrante do grupo de pesquisa da Universi-dade de S ão Paulo- EACH, em pesquisas com utilização de realidade virtual e do grupo do laboratório de delineamento de estudos de escrita científica da Faculdade de Medicina do ABC- FMABC. Tem experiên-cia na área de Fisioterapia, com pacientes neurológicos e ortopédicos.

Virgínia Helena QuadradoFisioterapeuta pelo Centro Universitário Faculdades Metropolita-nas Unidas Mestranda em Ciências da Reabilitação pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Especialista em ati-vidade física para populações especiais pela Universidade Gama Filho, autora do blog Fisioterapia Personalizada.

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–– AGRADECIMENTOS

Grupo de Estudo e Pesquisa em Capacidades e Habilidades Motoras (GEPCHAM) da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo (EACH/USP).

Laboratório de Avaliação Neurofuncional do Departamento de Fisioterapia, Fonoaudiologia e Terapia Ocupacional da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.

ABDIM- Associação Brasileira de Distrofia Muscular.

Agradecimento especial aos familiares e participantes do projeto de pesquisa.

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–– APOIO

Fundação de Amparo a Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) – processo número (2012/16970-6).

Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e Pró-reitoria de pós-graduação da Universidade de São Paulo. Edital número 01/2014 (Apoio a Pós-graduação com recursos CAPES-PROAP PRPG 2014).

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–– APRESENTAÇÃO

A ABDIM (Associação Brasileira de Distrofia Muscular) teve,

durante seus anos de atividade, como um de seus objetivos investir em pesquisas para o crescimento e desenvolvimento de intervenções atualizadas e com fundamentação científica para pessoas com Distrofia Muscular. Devido ao grande interesse que equipes multidisciplinares têm em utilizar a modernidade de tarefas em ambiente virtual para propiciar benefícios a pessoas com deficiências, e considerando que a utilização da tecnologia de realidade virtual ainda está em um estágio de experimentação prática com pouco respaldo científico, a ABDIM desenvolveu um novo projeto com a parceria de sua equipe multidisciplinar que tem experiência em distrofia muscular junto com professores da Universidade de São Paulo e financiamento da FAPESP (Fundação de Amparo a Pesquisa do Estado de São Paulo) para verificar a efetividade da utilização de tarefas virtuais no tratamento da Distrofia Muscular.

Este projeto inclui a avaliação do comportamento motor por meio de tarefas de aprendizagem e controle motor, assim como o desenvolvimento de jogos virtuais em parceria com equipes de engenharia e sistemas de informação que possam propiciar benefícios funcionais para as pessoas com distrofia muscular.

Apesar do grupo de pesquisa na área de realidade virtual na ABDIM ter pouco tempo de atividade formalizada, na perspectiva de incentivar o desenvolvimento de conhecimentos sobre a utilização de realidade virtual e para divulgar os conhecimentos e pensamentos idealizados até o momento propôs-se editar este livro. Baseado e adaptado o conteúdo do livro Realidade virtual na Paralisia Cerebral*, os autores definem a realidade virtual e sua possível utilização na área da reabilitação assim como

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propõem diferentes tarefas virtuais para verificar sua aplicação nas distrofias musculares. Por ser uma temática recente, acredita-se que o conteúdo deste livro poderá ajudar a formação de ideias para discussão e futuros debates.

Prof. Dr. Carlos Bandeira de Mello MonteiroProfa. Dra. Francis Meire FaveroProfa. Dra. Renata Hydee Hasue

* MONTEIRO, Carlos Bandeira de Mello. Realidade Virtual na Paralisia

Cerebral. São Paulo: Plêiade, 2011. v. 1000. 220p.

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–– PREFÁCIO

As Distrofias Musculares definidas como doenças primárias do músculo esquelético de origem genética, caracterizadas por apresentarem fraqueza muscular progressiva. Em seu conjunto representam uma das condições de difícil diagnóstico e tratamento. O entendimento dos sintomas e sinais neurológicos requerem um bom conhecimento do sistema muscular e nervoso, que junto com exames específicos possa formar a opinião e o reconhecimento desta determinada condição clínica.

Resolver um problema mediante a uma doença neurodegenerativa se torna fascinante para profissionais da saúde, onde possam dispor de diversos recursos de métodos de avaliação e tratamentos, permitindo de alguma forma minimizar a evolução da doença.

No entanto, as Distrofias Musculares apresentam uma grande adversidade para o diagnóstico, justificada pela variabilidade de sinais e sintomas. Contudo, torna-se um desafio para pesquisadores que buscam por instrumentos, que possam auxiliar no desenvolvimento de novos métodos de diagnóstico, avaliação e tratamento. A Realidade Virtual (RV), com implantação de recursos tecnológicos, permite uma abordagem entre o usuário e uma interface computadorizada, envolvendo a simulação em tempo real de um determinado ambiente, cenário ou atividade, oferecendo interação ao usuário por meio de múltiplos canais sensoriais. Este novo paradigma de intervenção apoiada por tecnologias como o uso de jogos em ambientes virtuais, pode ser utilizado como recurso para avaliação funcional de tempo de reação, tempo de movimento e desempenho.

Na atualidade, devemos ter um olhar diferenciado pensando sempre que o impossível é possível e que, no futuro próximo,

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o virtual estará cada vez mais presente, onde o diagnóstico e tratamento poderão ser feitos à distância e o paciente tratado no conforto de seu lar.

Prof. Dr. Acary Souza Bulle Oliveira

parte

29

–– CAPÍTULO 1

DISTROFIA MUSCULAR Ana Lúcia Langer, Francis Meire Favero, Fatima Aparecida Caromano,

Carlos Bandeira de Mello Monteiro, Mariana Callil Voos, Simone Minae Yoneyama

HISTÓRICOA primeira descrição clínica sobre Distrofia Muscular

(DM), em 1830, foi atribuída ao cirurgião escocês Charles Bell, outros relatos se seguiram, dentre eles, os de Conte e Gioja, em 1836, e de Patridge e Little, em 1847. As descrições foram realizadas até 1852, sendo a proposta mais completa descrita por Edward Meryon, que elaborou o primeiro relato da Distrofia Muscular de Duchenne (DMD) em uma família com quatro meninos afetados; nenhuma das seis irmãs possuía sintomas semelhantes. Em um exame pós-morte realizado em um destes meninos, notou-se acentuada atrofia muscular sem lesão nos nervos ou medula espinal1.

Os trabalhos descritos em 20011,2 reforçam a importância do estudo de Edward Meryon (1807 - 1880) que, dez anos antes de Duchenne, descreveu em 1851 em uma reunião da Sociedade Real de Medicina e Cirurgia nove casos de Distrofia Muscular em três famílias (publicado em 1852). Além de descrever o caráter familiar da doença, relatou que a doença afetava somente o sistema musculoesquelético em meninos, sem encontrar alterações em nervos da coluna vertebral e núcleos.

Em 1861, o neurologista francês Guillaume Benjamin Amand Duchenne relatou alguns casos da doença. No entanto, somente em 1868, sob a designação “Paralysie Musculaire Pseudohypertrophique” (em português: Paralisia Muscular

Capítulo 1: Distrofia muscular

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Pseudo-hipertrófica) definiu a doença como perda progressiva dos movimentos, que afeta inicialmente os membros inferiores e, posteriormente os superiores, com hipertrofia progressiva dos músculos afetados, aumento intersticial do tecido conjuntivo e aumento significativo de tecido adiposo nos músculos em estágio mais avançado, sendo que o termo “pseudo-hipertrófico” ficou vinculado a esta forma de distrofia muscular. Também verificou a total prevalência em meninos, podendo afetar crianças da mesma família1.

Pela primeira vez na história, Duchenne realizou biópsias em pacientes vivos e essas investigações concluíram que a lesão anatômica fundamental era a hiperplasia do tecido conectivo intersticial. Após esses resultados, passou a ser utilizado o termo paralisia mioesclerótica, como uma alternativa ao termo paralisia muscular pseudo-hipertrófico. O uso da técnica desenvolvida para conseguir o material de biópsia in vivo também permitiu que o diagnóstico pudesse ser feito em vida1.

Em 1879, Willian Gowers descreveu o “sinal de Gowers”, que caracteriza a manobra de passagem de decúbito dorsal para bipedestação em pacientes com DMD1. A força dos músculos extensores do joelho e flexores do quadril não é suficiente para permitir a extensão voluntária do tronco quando o paciente levanta-se do solo, desencadeando o processo também conhecido como “subir em si mesmo”. Desta forma, os pacientes realizam uma compensação apoiando suas mãos nos joelhos, usando os membros inferiores como suporte para o peso do tronco e gradualmente estendem o tronco “escalando” os membros inferiores4,5,6,7,8,9.

Entre 1978 e 1983, o gene da DMD foi mapeado no locus Xp21, e em 1986, com a técnica de DNA recombinante descobriu-se que o gene, quando defeituoso, causava a Distrofia Muscular de Duchenne e Becker. Em 1987 foi identificada a ausência ou a diminuição da proteína denominada distrofina nos meninos afetados10.

A. N. Langer, F. M. Favero, F. A. Caromano, C. B. de M. Monteiro, C. Voos, S. M. Yoneyama

31

TIPOS DE DISTROFIA MUSCULAR

Distrofia Muscular de Duchenne (DMD) e Distrofia Muscular de Becker (DMB)

DescriçãoA Distrofia Muscular de Duchenne (DMD) é a forma mais

grave das distrofias musculares. Possui herança recessiva, ligada ao cromossomo X, causada por mutações patogênicas no gene da distrofina, o maior gene descrito no genoma humano, com 2,4 milhões de pares de bases* ou 2,4 megabases (Mb)*. É um gene complexo com 79 exons, localizado na região Xp21.2-Xp21.1, que codifica a proteína distrofina. Essa alteração genética resulta na ausência na produção da distrofina nos casos de DMD e na sua diminuição ou deficiência parcial nos casos de Distrofia Muscular de Becker (DMB) 11,12,13,14,15,16.

A distrofina é uma proteína do citoesqueleto, em forma de bastonete, encontrada na superfície interna das fibras musculares, constitui aproximadamente 0,002% do total de proteínas presentes no músculo estriado e faz parte do complexo glicoproteína-distrofina, sendo a ponte entre o citoesqueleto interno (actina F) e a matriz extracelular. A distrofina está relacionada ao controle de moléculas sinalizadoras, como a responsável pela síntese neuronal do óxido nítrico11.

A função da distrofina é permitir a estabilidade da membrana na fibra muscular durante a contração muscular, ancorando-a na matriz extracelular. Como no músculo distrófico, a proteína está ausente ou alterada, o que não permite a estruturação do citoesqueleto e, assim, o complexo actina-miosina é desfeito durante a contração muscular, havendo um aumento intracitoplasmático de cálcio, seguido de lesões e degeneração nas fibras musculares14.

IncidênciaA forma mais comum de distrofia muscular, é a DMD, apresenta

uma incidência de 1 a cada 3.600 - 6000 nascidos vivos do sexo

Capítulo 1: Distrofia muscular

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masculino12,13,17. A DMB, alélica à DMD, é cerca de 10 vezes mais rara (acomete 1:30.000 meninos) e seu fenótipo é mais brando. Em termos gerais, os pacientes com DMB possuem distrofina com tamanho reduzido, decorrente de deleção no mesmo padrão de leitura ou diminuição do seu nível de expressão. Os pacientes com DMD são portadores de mutações que causam terminação prematura da tradução (mutações sem sentido ou mutações de alteração do padrão de leitura). O diagnóstico diferencial entre DMD e DMB, está presente na idade de início e a evolução clínica da doença14.

DiagnósticoPara iniciar o diagnóstico clínico é de extrema importância

obter informações sobre a evolução da doença, independente de haver ou não antecedente familiar de distrofia muscular. A média de idade do diagnóstico confirmado de DMD é de 4 a 6 anos. Como características clínicas a DMD pode apresentar atraso no início da deambulação, um aumento de tamanho do músculo da panturrilha, dificuldade ao correr, saltar ou subir escadas, acentuação da lordose lombar, quedas frequentes e tendência a andar nas pontas dos pés devido às contraturas e retrações dos tendões, apresenta também sinal de “Gowers”, uma das características mais evidentes na DMD15.

A regeneração de fibras se torna menos frequente com a progressão da doença e são eventualmente substituídas por tecido adiposo, formando um tecido muscular pseudo-hipertrófico, com aumento anormal da panturrilha em torno dos 3 aos 5 anos de idade. No entanto a perda da marcha ocorre, em média aos 10 anos de idade, podendo ocorrer redução de 29% da sua velocidade, essas medidas constituem um índice simples e útil para monitorar a progressão da doença. Em uma fase mais tardia, o confinamento em cadeira de rodas é seguido pelo desenvolvimento de escoliose, insuficiência respiratória e cardiomiopatia2.

Na DMB, alguns pacientes podem apresentar sinais e sintomas na primeira década de vida, mas a grande maioria é na segunda

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década que fica mais evidente, iniciando a fraqueza muscular e consequentemente a diminuição do tempo de marcha e desempenho motor. A velocidade de progressão da doença é extremamente variável, dependendo da quantidade e qualidade de distrofina no tecido muscular2,18.

Anteriormente, a DMD era caracterizada por ser uma doença que afetava exclusivamente o sistema músculo-esquelético. Entretanto, nas últimas décadas, muitos estudos têm demonstrado que a distrofina está presente nas células de muitos órgãos, inclusive no Sistema Nervoso Central, onde se encontra na fenda pós-sináptica dos neurônios piramidais do córtex cerebral, no hipocampo e nas células de Purkinje no cerebelo. Assim, a ausência ou diminuição da distrofina pode estar envolvida com o déficit cognitivo e de inteligência em aproximadamente 1/3 - 1/10 dos pacientes com DMD/ DMB13,18,19.

Durante a avaliação do diagnóstico clínico, as característica podem direcionar a hipótese de DMD/DMB. No entanto, exames para definir o diagnóstico devem ser realizados, como a dosagem da proteína creatinofosfoquinase (CPK) no sangue é um screening (rastreamento), seus níveis elevados confirmam o diagnóstico dos pacientes com DMD e DMB que apresentam um aumento significativo até 2000 vezes acima dos valores normais de CPK no soro sanguíneo, que é liberada do músculo distrófico, antes mesmo do aparecimento dos sintomas3.

Quando os músculos estão funcionando corretamente, o nível de CPK no sangue é relativamente baixo, mas quando há alguma lesão muscular, as células musculares se rompem, causando a liberação de CPK na corrente sanguínea e, portanto, há um aumento de sua taxa. O período entre os primeiros sintomas até o diagnóstico definitivo muitas vezes é extenso, o que pode prejudicar o tratamento desta doença neurodegenerativa4.

O diagnóstico por meio da pesquisa genética da estrutura do DNA requer apenas uma amostra de sangue, os testes genéticos são sempre necessários, para obter informações específicas e detalhadas sobre as alterações e mutações no DNA. Além de serem

Capítulo 1: Distrofia muscular

34

importantes para eleger o tipo de doença para os ensaios clínicos, podem também detectar se as mulheres da família materna são portadoras do gene comprometido, podendo ser direcionadas para o aconselhamento genético e ter conhecimento da probabilidade de seus filhos serem afetados ou portadores da doença. Sendo que cerca de 30% dos casos não possuem história familiar, enquanto 70% dos casos são herdados da mãe portadora6.

Aproximadamente 67% dos pacientes apresentam longas deleções ou duplicações de um ou mais éxons no gene DMD20, como os éxons nas regiões 5’ e central do gene DMD21, porém a extensão da deleção não está relacionada com a gravidade da doença. A mutação de ponto é de difícil detecção por meio do sequenciamento gênico pelo extraordinário tamanho do gene6.

A análise de um pequeno fragmento de tecido muscular permite obter informações sobre a quantidade de distrofina existente. Dois tipos de testes são realizados na biópsia muscular: a imunohistoquímica e o immunoblotting para distrofina, esses testes são feitos para determinar a presença ou a ausência de distrofina e, assim, ajudar a distinguir a DMD da DMB3.

Distrofia Muscular de Cinturas Membros (DMCM)A Distrofia Muscular de Cinturas Membros (DMCM)

denominada na década de 50 para designar um grupo de doenças caracterizadas por fraqueza, com predomínio em cintura pélvica (quadris e coxas) e escapular (ombros e braços) que se diferenciavam das já conhecidas distrofias ligadas ao cromossomo X (Duchenne e Becker) e da Distrofia Fáscio-Escápulo-Umeral. Portanto, a DMCM tem características diferentes entre os vários tipos de distrofias, apresenta uma incidência é de 1 para cada 15.000 nascidos vivos e pode afetar crianças, adolescentes e adultos de ambos os sexos. Os sintomas se iniciam com fraqueza nas pernas, dificuldade para subir e descer escadas, e levantar de cadeiras e, após um longo período acomete também os ombros e os braços, apresentando dificuldade para erguer objetos22 (figura 1).

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Fig.1: Músculos acometidos na DMCM

Fonte: http://mda.org/disease/limb-girdle-muscular-dystrophy/overview

Acesso em 24/06/2014.

Para o diagnóstico de DMCM as informações clínicas e exame físico são fundamentais, a história familiar do paciente pode ajudar a identificar o padrão de herança, distinguir entre formas autossômicas dominantes e recessivas. A dosagem alterada da enzima CPK é um indicativo de que pode haver algum déficit músculo esquelético, e outra possibilidade é a utilização da eletromiografia um exame que não define o diagnóstico, mas auxilia a identificar o padrão de envolvimento muscular. A Ressonância Nuclear Magnética (RNM) também possibilita avaliar o dano histológico e topográfico o tecido muscular23.

No exame anatomopatológico do músculo observa-se perda e mudança no tamanho de algumas fibras musculares, sendo algumas substituídas por gordura. Em outros testes, como imunohistoquímica e o immunoblotting, as proteínas do músculo podem estar reduzidas ou ausentes de acordo com o tipo de DMCM, mas em aproximadamente 25% de todos os pacientes com DMCM, o diagnóstico preciso não é encontrado, apesar de todos os testes disponíveis23.

Existem pelo menos, 19 formas de DMCM, classificadas pelo erro genético que as originou. Desde 2007, 15 genes específicos

Capítulo 1: Distrofia muscular

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que levam à produção de proteínas musculares têm sido incluídos como causas definitivas de DMCM, seis dos genes que quando alterados, causam a DMCM são responsáveis pela produção de proteínas localizadas na membrana da célula muscular. Com a falta dessas proteínas, a membrana perde algumas de suas qualidades de proteção e a célula poderá sofrer uma lesão durante os ciclos de contração normal e relaxamento23.

Na DMCM, a solução de continuidade da membrana muscular possibilita a saída e a entrada de substâncias. As proteínas da membrana, quando em suas posições normais, executam funções essenciais às células, mas podem estar comprometidas quando uma ou mais das proteínas estão ausentes. Nem todas as proteínas musculares associadas à DMCM estão na membrana, como a calpaína-3, que está localizada na parte principal da célula muscular e a miotilina e teletonina, que estão localizadas na célula muscular que permite contrair e relaxar23.

Os tipos de DMCM são classificados por letras e números que indicam que o gene envolvido é conhecido ou suspeito e que a desordem herdada é dominante ou recessiva. A DMCM pode também ser classificada como uma proteína que está ausente ou deficiente, caso esta seja conhecida. Cerca de 10% dos casos se devem a uma herança autossômica dominante e 90% a um mecanismo de herança autossômica recessiva; neste caso o portador recebe o gene afetado de ambos os pais, que são portadores assintomáticos23.

A tabela 1 e 2 apresenta os genes envolvidos nas formas recessiva e dominante de Distrofia de Cinturas Membros.

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Tabela 1. Formas autossômica recessivas da Distrofia Muscular de Cinturas-Membros (DMCM)

% dos pacientes

com a forma recessiva

Nome da doença

Lócus Nome

(Símbolo do Gene)

Locus do Cromossomo

Proteína População onde foi

encontrada

Maioria com doença severa

e 10% com doença leve

Alpha-sarcoglicanopatia

LGMD2D (SGCA)

17q12- q21.33

Alpha- sarcoglican None

Beta-sarcoglicanopatia

LGMD2E (SGCB) 4q12 Beta-

sarcoglican Amish

Gama-sarcoglicanopatia

LGMD2C (SGCG) 13q13 Gama-

sarcoglican

Norte da África;

Ciganos; raramente em outra

parte

Delta-sarcoglicanopatia

LGMD2F (SGCD) 5q33 Delta-

sarcoglican

Brasil; muito

raramente em outro

lugar

~10-30% Calpainopatia LGMD2A (CAPN3)

15q15.1- q21.2 Calpain III

Amish, La Reunion Island,

Bascos (Espanha),

Turcos

~10%Disferlinopatia Miopatia distal

de Miyoshi

LGMD2B (DYSF) 2p13 Disferlin Judeus

libaneses

Rare Teletoninopatia LGMD2G 17q11-q12 Teletonina Italianos (?)Desconhecida - LGMD2H 9q31-q33 - -Desconhecida - LGMD2I 19q13.3 - -

Capítulo 1: Distrofia muscular

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Tabela 2. Formas Autossômica dominantes da distrofia de cinturas-membros: Achados clínicos

Nome Início Sintomas Sinais Achados tardios

LGMD1A 18-35 anos Fraqueza proximal

Endurecimento do tendão de

AquilesDisartria

Fraqueza distal

LGMD1B4-38 anos

(~1/2 início na infância)

Fraqueza proximal da

cintura escapular-

ContraturasArritmias

(25-45 anos)Morte súbita

LGMD1D <25 anos

Miocardiopatia dilatada

Defeitos de condução cardíaca

Fraqueza muscular proximal

-

Todos os pacientes

permanecem deambulando

LGMD1E 9-49 anos (30)

Fraqueza das cinturaspélvica e escapular

Anomalia dePelger-Huet

ContraturasDisfagia

Caveolinopatia LGMD1C (CAV3) ~5 anos

CaimbrasLeve a moderadafraqueza proximal

Hipertrofia da panturrilha -

Miopatia de Bethlem < 2 anos

Hipotonia neonatal

Fraqueza proximalContraturas

-

Fonte: http://www.distrofiamuscular.net/principal.htm

Acesso em 24/06/2014.

Distrofia Muscular Fácio-Escápulo-Umeral (DMFEU)A Distrofia Muscular Fácio-Escápulo-Umeral (DMFEU),

também conhecida como doença de Landouzy-Déjérine, é uma doença genética que acomete grupos musculares específicos. O termo compõe-se de três palavras de origem latina e designa um processo degenerativo primário do tecido muscular com trofismo para face, ombros e membros superiores, embora músculos de outros setores do corpo possam ser atingidos24,25. Todas as formas de DMFEU têm herança autossômica dominante, portanto, um indivíduo afetado pode transmitir 50% dos genes defeituosos a seus descendentes. A expressividade do gene é variável e apesar de haver uma penetrância de 95% em torno dos 20 anos de

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idade, há diferentes graus de comprometimento dentro de uma mesma família26,27.

A DMFEU é a terceira distrofia muscular mais comum e a segunda na fase adulta, com incidência de 1:20.000 nascidos vivos28. Pode ser subdividida quanto à idade de início, nas formas adulta e infantil. A forma adulta, que inclui o início na adolescência, é a mais comum e surge na segunda década de vida. Caracteriza-se por fraqueza muscular na face, com ptose palpebral, queda da rima labial e alteração da mímica, e também se apresenta na cintura escapular, em particular os músculos do grande dorsal, do trapézio, do rombóide e do serrátil anterior. Como consequência, o paciente apresenta escápulas aladas e, embora a cintura pélvica seja acometida mais tarde, o grupo muscular tibial anterior é precocemente afetado25,26.

Para diagnosticar a DMFEU, Munsat25 descreve alguns critérios clínicos do início da doença como acometimento da face e músculos do ombro, sendo poupados os músculos extraoculares, da faringe, da língua e o cardíaco. A fraqueza facial e o padrão miopático estão presentes em metade ou mais dos familiares afetados, visto na eletromiografia, incluindo unidades motoras polifásicas, de baixa amplitude e curta duração; biópsia com variação do diâmetro da fibra e núcleos localizados centralmente23.

Os exames da enzima CPK são normais ou discretamente elevados, podendo apresentar 3 a 5 vezes o valor superior da normalidade, as taxas superiores a 1500 UI/ml sugerem outro diagnóstico. O exame de DNA detecta a deleção 4q35 em 98% dos casos, confirmando o diagnóstico da DMFEU. Na biopsia há alterações miopáticas crônicas inespecíficas, e o infiltrado inflamatório mononuclear ocorre em cerca de 40% dos casos e pode ser extenso, eventualmente, tornando difícil o diagnóstico diferencial apenas pelo modelo histopatológico23.

A forma pediátrica da DMFEU é de incidência rara, com início precoce e pode ser extremamente grave, acomete a face e os membros e pode incapacitar o paciente ao final da primeira

Capítulo 1: Distrofia muscular

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década de vida25,26. Nesta forma o motivo da gravidade não está determinado, mas a fraqueza muscular é intensa, às vezes, compromete a visão (doença de Coats e telangiectasias na retina) e a audição (perda de audição neurossensorial bilateral nas frequências altas); e convulsões têm sido documentadas27.

As manifestações sintomáticas podem variar, em muitos pacientes o comprometimento é mínimo, com capacidade para uma vida normal, cerca de 20% necessitam de cadeira de rodas com a evolução da doença ou em idades mais avançadas. Mas a DMFEU também pode apresentar uma forma mais desfavorável, titulada como fenômeno de antecipação, a doença se manifesta com características mais precoce e grave ao longo das gerações 28.

Quanto ao sistema cardiorrespiratório, o envolvimento cardíaco não constitui um problema significante de morbimortalidades, porém, relatos de alterações eletrocardiográficas, como anormalidades de condução, fazem com que se recomendem eletrocardiogramas periódicos e precoce29,30. Entretanto o comprometimento dos músculos respiratórios é raro, os pacientes com formas moderadas e graves podem evoluir para uma insuficiência ventilatória por fraqueza da musculatura diafragmática e intercostal, com retenção de CO2 e da musculatura responsável pelo mecanismo da tosse31.

Os pacientes com DMFEU relatam dor muscular crônica, entre as causas apontadas, a mais aceita seria o desequilíbrio entre grupos musculares opostos. Todos os músculos têm um comprimento de repouso normal, se os músculos estão cronicamente estirados ou contraídos, suas fibras nervosas enviam sinais de que algo não está correto e que é necessário o ajuste da posição muscular, como esse reajuste não ocorre, a consequência é a dor; contudo, outra razão para a dor crônica em DMFEU é a utilização dos músculos para a realização de tarefas extenuantes. Com o tempo, o tecido muscular e o tecido conjuntivo associado apresentam quadro de processo inflamatório e de dor, as fibras nervosas deste músculo enviam sinais de estresse, porém, pelo desequilíbrio entre as forças musculares opostas, não há repouso para recuperação32.

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Distrofia Miotônica Tipo 1 A Distrofia Miotônica tipo 1 (DM1) é uma das miopatias

miotônicas mais comuns, transmitida de forma autossômica dominante e é causada por um defeito no gene da miotonina, mapeado no cromossomo 19q13.3 (fig. 2), onde se localiza um trinucleotídeo (citosina, timidina e guanosina [CTG]) que têm como produto codificado a miotonina-proteína-quinase (MT-PK), presente em muitos tecidos, principalmente nos músculos esqueléticos e cardíaco. Supõe-se que esta enzima seja importante para a fosforilação dos canais iônicos, assim, quanto mais defeituoso for o gene ou seja quanto maior o número de repetições de CTG, menor será a quantidade de MT-PK produzida e maior a gravidade do quadro clínico e o início mais precoce da sintomatologia33,34.

Um número “normal” de repetições está entre 5 e 38; acima de 38 pode ocorrer a DM1. Na forma mais grave, a congênita, o número de repetições é superior a 3.000 (fig. 2). Como regra geral, 50% da prole apresentará a doença, sendo de extrema importância que os membros da família do sexo feminino realizem o teste de DNA, para descobrir se é portadora35.

Fig. 2: Defeito genético na Distrofia Miotônica

Fonte: http://www.distrofiamuscular.net/principal.htm

Acesso 14/04/2014.

A DM1 pode ser subdividida em 4 tipos distintos: a congênita ao nascimento e é mais grave; a juvenil aparece no período após o nascimento até a adolescência; a adulta a partir do final da terceira década até os 40 anos e a de início tardio depois dos 40 anos e geralmente é a mais branda. Porém como regra geral, quanto mais precoce for a doença ou seu diagnóstico for definido na fase inicial, essa poderá se

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apresentar de forma mais grave. A Distrofia Miotônica tipo 2 (DM2) tem muitos dos sintomas da DM1, mas a alteração genética está no cromossomo 3, na atualidade, alguns pesquisadores acreditam que essa possa ser uma terceira forma - DM3. A DM1 tem uma incidência de cerca de 1:8000, enquanto que a DM2 foi estimada em 1:10.000. A forma congênita, menos frequente, ocorre em cerca de 1:100.000 pessoas36,37.

A Distrofia Miotônica Congênita sendo a forma mais grave observada em DM1, geralmente herdada de mães acometidas, mesmo que seus sintomas sejam leves. As mães com DM1 também podem transmitir a forma adulta para seus filhos, a criança também pode herdar a doença do pai, mas geralmente apresentará a forma adulta. Os recém nascidos com Distrofia Miotônica Congênita apresentam hipotônia, dificuldades para respirar, sugar e deglutir. Normalmente necessitam de suporte ventilatório, além de técnicas especiais de alimentação ou sonda nasogástrica para proporcionar uma nutrição adequada e evitar a aspiração. As crianças que têm fraqueza muscular facial apresentam aspectos típicos, com uma elevação conhecida como lábio superior tenda (fig. 3), os músculos envolvidos na fala muitas vezes também são afetados e a audição pode estar comprometida. Essas crianças apresentam alterações motoras, dentre elas o pé torto congênito é a mais comum, sendo necessária a correção cirúrgica para a deambulação, também é observado alteração cognitiva, quanto à memória e aprendizado necessitando de educação especializada38,39,40.

Fig. 3: Criança com Distrofia Miotônica Congênita.

Fonte: http://educacionespecialsevilla.blogspot.com.br/2009/05/enfermedades-raras.html

Acesso 26/06/2014.

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Nas formas juvenil, adulta e de início tardio da DM1 apresenta características próximas sendo determinante a idade de início, quanto mais jovem o aparecimento da doença mais grave. A DM1 também apresenta em gerações sucessivas dentro de uma mesma família, o Fenômeno de Antecipação, onde uma expansão progressiva do fragmento afetado do gene causa deleções cada vez maiores, tornando o início da sintomatologia mais precoce e o quadro clínico mais grave34. Essas formas da DM1 são caracterizadas pela presença do fenômeno miotônico, fraqueza muscular, sobretudo na musculatura distal, embora músculos proximais possam ser afetados nas fases mais tardias da doença (Fig. 4), fraqueza facial com ptose palpebral, atrofia dos músculos temporais, alongamento da face, calvície precoce, disfagia esofágica, comprometimento da musculatura respiratória, cardiomiopatia, defeito de condução atrioventricular, hipogonadismo, infertilidade, diabetes e redução do quociente de inteligência3,4,41.

Fig. 4: Músculos acometidos na DM1.

Fonte: http://infogen.org.mx/tag/distrofia-muscular-miotonica/

Acesso em 26/06/2014.

O fenômeno miotônico consiste na demora dos músculos voluntários em relaxar após contração muscular voluntária, e pode ser desencadeado por uma estimulação elétrica ou pelo uso de drogas, entre essas o diclorofenoxiacetato, o diazocolesterol, o propranolol, o fenoterol, a terbutalina, a penicilamina e a ciclosporina. As baixas temperaturas também são fatores que

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dificultam o relaxamento, as tarefas como abrir as maçanetas de portas, pegar um copo, escrever e utilizar ferramentas manuais representa um problema38,42,43.

Os músculos da língua e da mandíbula podem ser afetados, causando dificuldades de fala e mastigação, e eventualmente é desconfortável até mesmo devido a dor provocada pela contração prolongada. Pode apresentar também quadro disfágico de gravidade variada, a manifestação mais frequente é o vômito, causado pela diminuição (ou desaparecimento) do peristaltismo do esôfago, que pode estar dilatado em sua porção terminal. Há risco de broncoaspiração pela incoordenação da deglutição, com evolução para quadros de pneumonia. Na DM1 os músculos respiratórios, diafragma e musculatura intercostal, podem tornar-se enfraquecidos, afetando a função pulmonar. Os problemas respiratórios são agravados por uma provável anomalia no centro de controle respiratório, diagnosticada clinicamente por apneia do sono, ou seja, episódios de parada respiratória por alguns segundos ou até um minuto durante o sono43,44.

A DM1 ainda apresenta uma grande variedade de características clinicas como sinais e sintomas com relação às funções emocionais. Alguns pacientes são lentos, insensíveis, sem entusiasmo ou deprimidos, sua expressão facial se apresenta com fraqueza dos músculos faciais e olhos caídos, a catarata é extremamente comum causada por uma alteração química no cristalino, que gradualmente vai se tornando o pacificado43.

Distrofia Muscular Congênita (DMC) É caracterizada por comprometimento muscular notado

já ao nascimento, ou no primeiro ano de vida, possui herança autossômica recessiva na maioria dos casos, porém são possíveis os casos esporádicos em que a herança pode ser autossômica dominante. Caracteriza-se por fraqueza muscular ao nascimento ou nos primeiros meses de vida com predomínio proximal, e clinicamente manifestada por hipotonia generalizada com

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fraqueza muscular, atraso no desenvolvimento neuropsicomotor, contraturas e deformidades articulares. O quadro clínico tende a ficar estável, mas alguns pacientes apresentam piora lenta e progressiva45.

Na DMC clássica está relacionada aos casos que não apresentam envolvimento clínico do SNC, contudo, descobriu-se que em muitos destes casos a doença é causada por mutação em um gene da cadeia alfa da laminina-2, localizado no cromossomo 63. Esta mutação resulta na deficiência de uma proteína chamada merosina, que tem ligação com o complexo distrofina-glicoproteínas, portanto alguns pacientes deste grupo apresentavam alterações da substância branca. Assim, a DMC clássica é subdividida em merosina-negativa e merosina-positiva, sendo está última forma clinicamente menos grave, mas ambas podem estar associadas as anomalias da doença. As características clínicas e a capacidade motora das crianças com DMC-merosina-positiva são variáveis, mas geralmente é menos grave que na forma DMC- merosina negativa, em 90% dos casos com DMC merosina-positivos chegam a deambular46,47.

Os pacientes com deficiência de merosina, em torno de 40-50% dos casos, apresentam um fenótipo mais grave. A maioria não chega a deambular e o comprometimento respiratório é mais intenso3. O diagnóstico da distrofia muscular congênita baseia-se no quadro clínico do paciente, na história familiar e nos exames complementares: dosagem dos níveis séricos da enzima CPK, exame de DNA, biópsia muscular48.

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48- Rocco FM, Luz FHG, Rossato AJ, Fernandes AC, Oliveira ASBO, Beteta JT, Zanoteli E. Avaliação da função motora em crianças com distrofia muscular congênita com deficiência de merosina. Arq Neuropsiquiatr 2005;63(2-A);298-306.

parte

53

–– CAPÍTULO 2

TRATAMENTO MULTIDISCIPLINAR – APRESENTAÇÃOCarlos Bandeira de Mello Monteiro, Fatima Caromano, Talita Dias da Silva,

Francis Meire Favero

Segundo a Secretaria de Políticas de Saúde (2002)1, em 1990 o Brasil assinou, ao lado de mais de 160 países, a “Declaração Mundial sobre a Sobrevivência, a Proteção e o Desenvolvimento da Criança”, durante o Encontro Mundial de Cúpula pela Criança, realizado na sede das Nações Unidas, em Nova Iorque. Nessa reunião os líderes mundiais se comprometeram a trabalhar em favor da saúde e dos direitos das crianças, e a erradicar as doenças que têm causado a morte de milhões de crianças a cada ano, declarando assim assumir um “compromisso conjunto e fazer um veemente apelo universal: dar a cada criança um futuro melhor”. Novas políticas públicas foram construídas e os investimentos foram ampliados para promover a organização da atenção básica nos municípios, definindo os Programas de Agentes Comunitários de Saúde (PACS) e Saúde da Família (PSF), como estratégias prioritárias capazes de resgatar o vínculo de co-responsabilidade entre os serviços e a população, favorecendo, não só a cura e a prevenção de doenças, mas também a valorização do papel das pessoas, das famílias e da comunidade na melhoria de suas condições de saúde e de vida, na perspectiva da promoção da saúde1.

Para tanto, o Ministério da Saúde tem promovido a capacitação de profissionais multidisciplinares, da rede do Sistema Único de Saúde (SUS), nos níveis de atendimento da assistência básica e de média e alta complexidades, sempre priorizando a humanização da atenção, além de estabelecer importantes parcerias com diversos

Capítulo 2: Tratamento multidisciplinar - Apresentação

54

organismos nacionais – governamentais e não-governamentais - instituições internacionais e a sociedade civil organizada1.

Com base no direcionamento que o Ministério da Saúde propõe para a formação de equipes multidisciplinares em relação ao Sistema Único de Saúde, verifica-se que o trabalho multidisciplinar é cada vez mais valorizado, pois a integralidade do conhecimento implica na ampliação dos referenciais com que cada profissional de saúde trabalha na construção de seu repertório de compreensão e ação e, ao mesmo tempo, verifica-se o reconhecimento da limitação da ação uniprofissional para dar conta das necessidades de saúde de indivíduos e populações2. É interessante enfatizar que a ação integral implica mudanças nas relações de poder entre profissionais de saúde (para que efetivamente constituam uma equipe multiprofissional), e entre profissionais de saúde e usuários (para que se amplie efetivamente sua autonomia). Essa compreensão coloca o trabalho interdisciplinar e multiprofissional como necessidade fundamental e uma estratégia mais exequível e desejável do que a tentativa de criar superprofissionais de saúde. A formação de um grupo de profissionais competentes para o atendimento a toda e qualquer necessidade dos usuários, provavelmente, é a solução esperada2.

Assim como Monteiro (2011)3, concordando com as colocações de Heilborn (2004)4, no livro “Antropologia e Ética”, deve-se esclarecer que as formas de produção do conhecimento obedecem a premissas que podem se alimentar de contribuições vindas de outras áreas, mesmo não existindo uma mistura ideal, um equilíbrio perfeito entre as premissas vindas de uma área e de outra. Nos projetos específicos de pesquisa na área da saúde, tendem a prevalecer premissas oriundas de uma determinada disciplina, ou de um campo disciplinar. Os enfoques se alimentam de contribuições e de temas oriundos das outras disciplinas, mas eles guardam em si as marcas da sua história, da formação, da construção das suas regras de pensamento. Evidentemente, quando se trabalha com temas relacionados ao campo da saúde, que envolve uma quantidade

C. B. de M. Monteiro, F. Caromano, T. D. da Silva, F. M. Favero

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de profissionais com formações muito diversas, como médicos, terapeutas, professores, agentes promotores da saúde, assistentes sociais e planejadores de políticas públicas, é preciso estar atento a essas múltiplas formulações, o que constitui a importância do uso da palavra multidisciplinar e os benefícios de seus pensamentos e atuações para o indivíduo.

Inclusive para reforçar a importância do trabalho multidisciplinar a Organização das Nações Unidas (ONU) desenvolveu a International Classification of Functioning, Disabilityand Health (ICF), tendo como um dos objetivos melhorar a comunicação e estabelecer uma linguagem comum para a descrição da saúde e dos estados relacionados à saúde entre os diferentes profissionais. A ICF foi traduzida para o português em 2003 como “Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (CIF)”5, que vem sendo incorporada e utilizada em diversos setores da saúde e equipes multidisciplinares6.

Farias e Buchalla (2005)6 citam que, na área clínica, a CIF se propõe a servir de modelo de atendimento multidisciplinar, devendo servir para as várias equipes e os vários recursos de que dispõem os serviços, tais como a área médica, fisioterapêutica, nutricional, terapia ocupacional, serviço social e fonoaudiólogo. Sua utilização e incentivo ao trabalho multidisciplinar para com diferentes doenças ficam bastante evidentes nas publicações, tais como no câncer (Brach et al., 2004)7, depressão (Cieza et al., 2004)8, doenças do coração (Cieza et al., 2004)9, diabetes (Ruof et al., 2004)10, artrites (Dreinhofer et al., 2004)11, além das alterações neurológicas, como Distrofia Muscular, Acidente Vascular Encefálico (AVE) (Geyh et al., 200412) e Paralisia Cerebral (PC) (Battagliaet et al., 200413, Papavasiliou, 200914, Cury et al., 200615, HAAK et al., 200916).

O trabalho de reabilitação em alterações neurológicas precisa ser analisado com a maior abrangência possível e ser fornecido por uma equipe multidisciplinar experiente17,18,19. O’Shea (2008)20, cita

Capítulo 2: Tratamento multidisciplinar - Apresentação

56

que a abrangência e o gerenciamento adequado de uma equipe multidisciplinar é um fator importante para o sucesso do programa de reabilitação. Assim como, segundo Tsai et al., (2002)17, os pais de crianças com espinha bífida (ou mesmo generalizando para diferentes doenças, inclusive distrofia muscular), devem ser acompanhados por uma equipe multidisciplinar que poderá informar adequadamente e, tão cedo quanto possível, as dificuldades que seus filhos encontrarão no futuro, considerando todos os tratamentos possíveis, recursos que estão disponíveis e os potenciais resultados funcionais.

Outra proposta com resultados satisfatórios, utilizando uma intervenção multidisciplinar, é a reabilitação por meio de uma abordagem centrada na família21. Esta abordagem enfatiza o envolvimento dos pais na tomada de decisões, colaboração e parceria com esclarecimento e aceitação das escolhas da família. Alguns centros de reabilitação aceitaram essa prática, concentrando-se em permitir a criança e aos pais identificar seus problemas e priorizar suas necessidades, para estabelecer metas relevantes e realizáveis. Utilizando um modelo Integrativo de cuidados do paciente, os profissionais de saúde e os prestadores de serviços, criam um abrangente plano de cuidados que refletem prioridades, preferências e necessidades de cada paciente22.

Monteiro (2011)3 citando Diament e Cypel (2005)23 sobre Paralisia Cerebral, apresentam que indivíduos com deficiência independente da idade, devem ser tratados por uma equipe que propõe, como objetivo, reduzir as incapacidades psicomotoras e colocar o paciente em condições de se integrar na vida comunitária. No entanto uma equipe numerosa, constituída por neurologista infantil, ortopedista, pediatra, fisioterapeuta, fonoaudiólogo, psicólogo, terapeuta ocupacional e professores especializados, deve cuidar do paciente durante muitos anos, ou durante toda a vida. Deduz-se a enorme dificuldade de atender esses objetivos em países como o Brasil, em que a assistência médica gratuita é fornecida apenas em parte para uma grande parcela da população23,

C. B. de M. Monteiro, F. Caromano, T. D. da Silva, F. M. Favero

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diferente do que ocorre em países com melhores condições sociais, onde o tratamento por meio de uma intervenção realizada por equipe multidisciplinar oferece todo aconselhamento e suporte necessário, gratuitamente, em centros especializados de reabilitação24, ou em parceria entre escolas que oferecem e, se necessário, suporte de equipe móvel de reabilitação25.

Considerando o custo de tratamento multidisciplinar em Distrofia Muscular é interessante analisar trabalhos que investigam a necessidade e importância de equipe multidisciplinar no tratamento de adolescentes e adultos com deficiencia26. Nieuwenhuijsen et al. (2009)27, citado por Monteiro (2011)3 realizaram pesquisa com Paralisia Cerebral, mas seus resultados são bastante significativos para diferentes deficiências e merecem ser comentados. Os autores mencionam que ocorre uma recente conscientização sobre a necessidade para cuidados ao longo da vida das pessoas com deficiência, os quais encontram dificuldades no tratamento multidisciplinar, principalmente devido ao custo e a falta de coordenação do atendimento multidisciplinar oferecido ao indivíduo. Algumas complicações devem ser consideradas e investigadas por grupos multidisciplinares nas fases da doença, sendo fundamental: 1) rever as compreensões atuais dos processos fisiológicos que podem contribuir para perda de função; 2) avaliar as intervenções de tratamento atual considerando resultados em longo prazo; 3) identificar tecnologias de ponta em reabilitação, para ajudar a prevenir ou tratar e, principalmente, 4) identificar estratégias para garantir que os indivíduos com deficiência recebam tratamentos baseados em evidencias na transição do atendimento multidisciplinar oferecido na pediatria para os serviços de cuidados do adulto 27,28.

Considerando a importância do atendimento multidisciplinar na Distrofia Muscular, é provável que, quanto mais diversificado o ambiente de reabilitação e os fatores que influenciam nas intervenções utilizadas, maior a instauração de integralidade na prática da saúde. Para atingir um ambiente de reabilitação, cada vez

Capítulo 2: Tratamento multidisciplinar - Apresentação

58

mais adequado, é fundamental o conhecimento das possibilidades de intervenção advinda de diferentes disciplinas, esta é justamente a intenção dos capítulos a seguir: oferecer a cada profissional uma oportunidade de adentrar na conceituação e intervenção de diferentes profissionais que, por meio do seu conhecimento, tem como objetivo comum propiciar o melhor para a pessoa com Distrofia Muscular.

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2- Ceccim RB, Feuerwerke LCM. Mudança na graduação das profissões de saúde sob o eixo da integralidade. Cad. Saúde Pública. 2004;20(5): 1400-1410.

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C. B. de M. Monteiro, F. Caromano, T. D. da Silva, F. M. Favero

59

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23- Diament A, Cypel S. Neurologia infantil. 4 ed. São Paulo: Atheneu, 2005.

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Capítulo 2: Tratamento multidisciplinar - Apresentação

60

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61

–– CAPÍTULO 3

TRATAMENTO INTERDISCIPLINAR - FISIOTERAPIA NEUROFUNCIONAL E REALIDADE VIRTUAL

Francis Meire Favero, Ana Angélica Ribeiro de Lima, Bruna Leal de Freitas, Luciane

Giseli Sandri Dias, Priscila Santos Albuquerque, Cristina dos Santos Cardoso de Sá

A Fisioterapia pode ser definida como uma ciência aplicada ao estudo, diagnóstico, prevenção e tratamento de disfunções cinéticas funcionais de órgãos e sistemas. Sua gestão necessita do entendimento das estruturas e funções do corpo humano.

FISIOTERAPIA MOTORAA Fisioterapia Motora estabelece padrões de avaliação que seja

sensível para detectar a perda funcional nos pacientes com Distrofia Muscular e promover atividades que prolonguem a independência funcional visando qualidade de vida. A manutenção e/ou potencialização da força muscular, treino de marcha, equilíbrio, coordenação e postura, minimizar o quadro álgico, prevenir deformidades e osteoporose, prescrições e orientações para uso de órteses e exercícios domiciliares.

Os pacientes necessitam de um programa de fisioterapia motora adequado e direcionado para atividades que condizem com as suas dificuldades e limitações, que foram abordadas por meio de avaliações e escalas funcionais específicas para Distrofia Muscular. Considerando a fisioterapia motora os pacientes com Distrofia Muscular, são submetidos a avaliações semestrais, com o objetivo de acompanhar a evolução da doença e utilizar os resultados para quando for necessário mudar a estratégia de tratamento.

Capítulo 3: Tratamento interdisciplinar - Fisioterapia neurofuncional e realidade virtual

62

Para avaliação dos pacientes com Distrofia Muscular as quatro escalas mais utilizadas são: Vignos1 que é utilizada para verificar o estadiamento da doença2, a Performance3, a Medida de Função Motora (MFM)4,5 e a Egen Klassifikation (EK)6 que visam classificar a funcionalidade do paciente1. Também são aplicados atividades cronometradas e testes de Amplitude de Movimento (ADM)4,7, e Força Muscular (FM)6,8 todos esses instrumentos contribuem para traçar um objetivo mais específico considerando as limitações de cada paciente.

Após a avaliação os pacientes são classificados conforme o grau de evolução da doença, para cada quadro clínico são traçados objetivos e elaborada condutas de tratamento fisioterápico. Para estes casos são utilizadas diversas técnicas da fisioterapia, com a finalidade de manter a funcionalidade dos pacientes com Distrofia Muscular.

FISIOTERAPIA MOTORA E REALIDADE VIRTUALDevido aos diversos acometimentos causados pela doença,

torna-se essencial o acompanhamento por uma equipe multidisciplinar especializada, contando com profissionais como: fisioterapeuta, terapeuta ocupacional, fonoaudiólogo, educador físico, médico, entre outros.

Dentre diferentes possibilidades de intervenção fisioterapêuticas nas Distrofias Musculares a realidade virtual é uma opção que, apesar de pouco respaldo científico, cresce na prática clínica, desenvolvendo um importante papel por meio da atualidade, praticidade e diversão. Essa nova proposta de reabilitação para pacientes com distrofia muscular, oferece um maior envolvimento e interesse no tratamento. Os jogos eletrônicos têm sensores de movimento e ambientes que imitam o cotidiano de forma divertida, podendo ser utilizado em diferentes níveis de reabilitação já que estes são capazes de simular movimentos variados, para desenvolver a função e a aquisição motora,

F. M. Favero, A. A. R. de Lima, B. L. de Freitas, L. G. S. Dias, P. S. Albuquerque, C. dos S. C. de Sá

63

capacidade de concentração entre outras atividades lúdicas que auxiliem no desempenho funcional9.

A realidade virtual propicia um ambiente multissensorial com o qual o paciente com Distrofia Muscular pode interagir de forma natural e realista (Riva 2002)10. Essa é uma nova proposta terapêutica, uma ferramenta que se apresenta em desenvolvimento, mas já oferece eficácia e condições favoráveis para o treinamento motor (Adamovich et al. 2009)11 e com certeza terá uma participação importante no programa de tratamento de pacientes com Distrofia Muscular.

Provavelmente não somente como proposta de intervenção, mas também como uma ferramenta fundamental para avaliar e estabelecer metas por meio de jogos e tarefas específicas. Devido a utilização de diferentes consoles de jogos virtuais em centros e clínicas de reabilitação, assim como o interesse de profissionais e pacientes, em breve, serão desenvolvidos programas que ofereçam ao fisioterapeuta dados quantitativos e qualitativos em uma avaliação virtual, assim como sugestão de acompanhamento e proposta de reabilitação.

O paciente com Distrofia Muscular quando faz uso da realidade virtual executa diversas tarefas melhorando ou superando seu desempenho motor, e para isso realiza atividades que podem beneficiar o controle motor, coordenação, equilíbrio e amplitude articular. Importante enfatizar que também são realizadas tarefas cognitivas sendo necessárias para atenção e planejamento do movimento.

A proposta da fisioterapia motora é utilizar a realidade virtual como um recurso terapêutico capaz de auxiliar na melhora do controle postural e da mobilidade funcional de pessoas com Distrofia Muscular, sugerindo que o Wii Fit da Nintendo®, Play Station3® ou Xbox 360 Kinetic® venha a ser considerada mais uma ferramenta utilizada na Reabilitação12. (Figura 1)

Capítulo 3: Tratamento interdisciplinar - Fisioterapia neurofuncional e realidade virtual

64

Figura 1. Paciente com Distrofia Muscular, realizando atividade motora na reabilitação

com a Fisioterapia Motora utilizando o Play Station 3® ou Xbox 360 Kinetic®.

FISIOTERAPIA AQUÁTICA

Abordagem da fisioterapia aquática nas distrofias muscularesFisioterapia Aquática refere-se a uma modalidade prática

especial da fisioterapia, com objetivo terapêutico voltado à reabilitação, determinada por metas físicas e funcionais de indivíduos utilizando o meio aquático, segundo a Aquatic Physiotherapy Evidence-Based Practice Guide, 2008 - Guia Prático da Fisioterapia Aquática Baseada em Evidências, publicado pelo National Aquatic Physiotherapy Group of the Australian Physiotherapy Association (Grupo Nacional de Fisioterapia Aquática da Associação Australiana de Fisioterapia) 13.

F. M. Favero, A. A. R. de Lima, B. L. de Freitas, L. G. S. Dias, P. S. Albuquerque, C. dos S. C. de Sá

65

A fisioterapia aquática preconiza a uma eficiente avaliação em solo e outra aquática. A avaliação em solo, deve evidenciar sintomas físicos e psicológicos, expectativa do paciente, seleção dos objetivos a serem atingidos a curto e longo prazo. Uma avaliação baseada na mesma seqüência deve ser realizada na água, mas é preciso levar em consideração um número adicional de fatores que envolvem o indivíduo em movimento no meio líquido, tais como forma, intensidade, ritmo, entre outros fatores, com atenção especial à atividade aquática (Campion, 2000)28. Desta maneira, o fisioterapeuta deve levar em consideração os efeitos físicos da água, aproveitando suas vantagens e benefícios, traçando assim, condutas adequadas de acordo com a necessidade de cada paciente.

Indica-se a fisioterapia aquática no tratamento de inúmeras patologias tais como pacientes neurológicos, cardiopulmonares, musculoesqueléticos (Bruce and Becker, 200914; S´anchez, et al 201215), quadros subagudos e crônicos de dor (Izquierdo and Arrese Santana, 200716), espasmo muscular, edema, diminuição da amplitude de movimento e força muscular, déficit de equilíbrio e propriocepção (Cunha 200917; Assis 200718; Gimenes, 200819). Também é usado como recreação e manutenção da saúde geral, para portadores de alguma patologia crônica ou grupos especiais, como idosos e gestantes (Cunha, 201020).

Dentre os pacientes com afecções do aparelho locomotor beneficiados pela fisioterapia aquática podemos destacar as doenças progressivas, como as distrofias musculares.

A Fisioterapia Aquática, nas distrofias musculares, tem como objetivo:

• Adaptação ao meio líquido• Manutenção e ganho de FM• Manutenção e ganho de ADM• Prevenção da escoliose ou progressão da mesma• Alinhamento postural• Prevenção de deformidades• Treino de equilíbrio estático e dinâmico

Capítulo 3: Tratamento interdisciplinar - Fisioterapia neurofuncional e realidade virtual

66

• Treino de reação de equilíbrio e de proteção• Treino de trocas posturais• Treino de controle de tronco• Treino da musculatura respiratória• Prolongar a marcha e ortostatismoA realização de atividades motoras como atividades funcionais,

treino de equilíbrio, ativação muscular, treino de marcha, entre outras, são dificultadas quando realizadas em solo, pois a ação da gravidade exige muito da musculatura comprometida pela fraqueza muscular, encurtamentos, contraturas musculares e deformidades ósseas (Otsuda, 2005)21. Com estas limitações motoras progressivas características das distrofias musculares, há dificuldade ou impossibilidade de realizar determinadas ati-vidades em solo, sendo o meio aquático um local facilitador (Angelini e Tasca, 201222; Caromano et al, 199823). Dependendo da atividade que se pretende executar, são utilizadas as propriedades físicas da água, com a possibilidade de gerar facilitação, suporte ou resistência ao movimento (Bonomo, 200724, Fachardo, 200425).

Figura 2. Paciente com Distrofia Muscular (DM) em posição sentada com as pernas em

rotação lateral e joelhos semi-fletidos, tronco apoiado para manter a postura com uso

de suropodálica.

F. M. Favero, A. A. R. de Lima, B. L. de Freitas, L. G. S. Dias, P. S. Albuquerque, C. dos S. C. de Sá

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Figura 3. Paciente com DM sentada na rampa da piscina se apoio, demonstrando

maior grau de liberdade para movimentação de membros superiores.

As figuras 2 e 3 apresentam uma ilustração comparativa, onde se observa que na figura 3 com relação a figura 2 a paciente com DM se apresenta em uma postura mais confortável permitindo que ela realize movimentos voluntários. Essa situação somente é possível devido as principais propriedades físicas da água que é a densidade, o empuxo, a viscosidade e a pressão hidrostática.

A Densidade é a relação entre sua massa e volume. Comparando a densidade do corpo imerso com a da água, é possível determinar ele flutua ou submerge. No caso do organismo humano, a densidade relativa varia com a composição corporal, de maneira que pessoas com maior quantidade de gordura flutuam com maior facilidade (Skinner e Thomson, 198526), caso das distrofias musculares.

A Flutuação é a força de empuxo no sentido oposto à gravidade, confere aos corpos imersos um efeito de sustentação, permitindo que os mesmos sejam submetidos a diferentes sensações e movimentos, além de proporcionar ou prolongar a marcha e ortostatismo, no caso das distrofias musculares (Ruoti et al., 200027; Skinner e Thomson, 198526).

A Pressão hidrostática é a pressão exercida pelo líquido sobre o corpo imerso. Baseado nos estudos de Pascal, a pressão hidrostática

Capítulo 3: Tratamento interdisciplinar - Fisioterapia neurofuncional e realidade virtual

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aumenta com a densidade e profundidade (Ruoti et al., 200027). Tal propriedade, confere ao corpo imerso em C7 um aumento de até 60% no trabalho dos músculos envolvidos com o sistema respiratório, já que há resistência do movimento de inspiração no tórax (Campion, 199928). Deste modo, não é de se estranhar que atividades no meio aquático sejam responsáveis por melhorar a condição respiratória dos pacientes imersos (Bruce and Becker, 200914; Ruoti et al., 200027; Skinner e Thomson, 198526).

A Viscosidade ou resistência do fluido é a causada pela fricção entre suas moléculas, que tendem a aderir-se à superfície do corpo que se move através dele, causando resistência ao seu movimento (Mendéz, 200529).

Se adequadamente empregadas, estas propriedades são capazes de fornecer um ambiente estável para a participação ativa do paciente na melhora da habilidade funcional (Bonomo, 200724). Tudo isso, associado às alterações fisiológicas que ocorrem durante a imersão em água aquecida, fornecendo condições especiais para o treinamento de indivíduos com DM, no objetivo de intervir contra as complicações presentes e evitar e/ou retardar as futuras

(Otsuda, 200521).Alguns cuidados devem ser tomados, no tratamento de

distrofias musculares. Com a evolução da doença, alterações respiratórias e cardíacas são observadas, porém os estudos das alterações nesses sistemas em imersão ainda são poucos e com parâmetros não estabelecidos (Franzini et al, 201230; Almeida et al, 201231). Na prática clínica, existe a necessidade de monitoração da frequência cardíaca, pressão arterial e saturação de oxigênio com o indivíduo em imersão. O trabalho em conjunto com a área médica é fundamental para o acompanhamento de exames clínicos e laboratoriais, com destaque para os valores de fração de ejeção cardíaca e capacidade vital forçada (CVF).

A fadiga é uma queixa frequente embora de origem variável em pacientes com distrofia muscular, esses apresentam dificuldade de suportar atividades físicas excessivas ou por longos períodos,

F. M. Favero, A. A. R. de Lima, B. L. de Freitas, L. G. S. Dias, P. S. Albuquerque, C. dos S. C. de Sá

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por outro lado o cansaço pode ocorrer também durante exercícios de intensidade leve ou moderada impostas durante a realização de tarefas diárias (Angelini e Tasca, 201222). A fisioterapia aquática facilita a movimen tação ativa, considerada uma terapia de bai xa a moderada intensidade, não apresentan do uma sobrecarga física para o paciente com DM, proporcionando melhora da capacidade funcional (Silva et al, 201232).

Assim, a água por ser um meio muito dinâmico, é um dos tratamentos indicados para manutenção da função, pois possibilita a aquisição e a vivência de diversas posturas, que são limitadas nestes pacientes. A imersão também possibilita à realização de exercícios de uma forma mais global e tridimensional, além de facilitar o treino de marcha, a reeducação dos padrões motores, as reações de equilíbrio e atividades recreacionais favorecendo a qualidade de vida (Otsuda, 200521 Cunha, 200033 Fachardo, 200425).

A Realidade virtual no ambiente aquático A RV é, basicamente, uma tecnologia inovadora capaz de

inserir uma pessoa dentro de um cenário virtual, no qual o usuário pode interagir com os objetos lá existentes. Assim, ele cria um ambiente entre o mundo virtual com o real (Hoffman, 200434 Blum, 2009 35). A terapia na água constitui um meio de ampliar essas experiências e seus efeitos são tanto físicos quanto psicológicos (Fachardo, 200425). A transferência dos jogos de computador de um meio tradicional para o meio aquático usando a tecnologia da realidade virtual é fascinante. Oferece a oportunidade de descobrir a riqueza da fauna e flora subaquáticas, incluindo, recifes de corais e peixes virtuais fisicamente ativos, de uma forma lúdica, proporcionando assim, novas experiências a indivíduos com necessidades especiais (Hoffman, 200432 Blum, 200935).

Hoffman, et al. (2001) 36 concluiu que a RV poderia ajudar a motivar os pacientes com necessidades especiais a realizar terapias

Capítulo 3: Tratamento interdisciplinar - Fisioterapia neurofuncional e realidade virtual

70

físicas, usando um reforço comportamental e outras técnicas, por exemplo, agarrar alvos diferentes no jogo e realizar alongamento simultaneamente, talvez sem a percepção do indivíduo. A distração combinada com reforço comportamental, aplausos da multidão quando completam uma tarefa, pode ser usada para ajudar a motivar os pacientes para realizar seus exercícios.

Em um estudo desenvolvido por Hoffman et al. (2011) 37, um paciente após queimadura corporal foi submetido a sessões de desbridamento, enquanto utilizava a RV, com o equipamento acoplado nas áreas visuais, auditivas. Ele participava do jogo através de um joystick por um caminho de gelo virtual, interagindo diretamente com o ambiente virtual, onde por meio de disparos lançava bolas de neve em bonecos de neve, iglus e pingüins. Ao olhar para cima vê o céu (movendo seu joystick), ao olhar á esquerda ou a direita visualiza uma parede do desfiladeiro, e um rio que flui quando olha para baixo, além de efeitos sonoros (Figura 4).

Figura 4. Á Esquerda, paciente queimado sendo submetido ao desbridamento em um

hidrotanque, enquanto “vai para” o mundo virtual. À direita, um dos cenários para

distraí-lo da sua dor excessiva, mostra Snow World, (projetado na Universidade de

Washington, www.vrpain.com).

Estudantes alemães do “Fraunhofer Institute for Applied Information Technology” (Instituto Fraunhofer de Tecnologia da Informação, ou Fraunhofer FIT), desenvolveram um protótipo de Realidade Ampliada Subaquática. Este sistema atingiu a atenção

F. M. Favero, A. A. R. de Lima, B. L. de Freitas, L. G. S. Dias, P. S. Albuquerque, C. dos S. C. de Sá

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internacional e recebeu muitos feedbacks positivos do público. Consiste em uma tela á prova d’água que fica colocada a frente da máscara do mergulhador, e um minicomputador que é carregado na mochila (Hoffman, 200434 Blum, 200935). Na prática, é como se o fundo da piscina se transformasse no fundo do mar. Assim, o mergulhador pode ver recifes de coral, plantas e animais marinhos sobre o fundo de uma piscina comum.

Segundo o Fraunhofer FIT, a Realidade Ampliada Subaquática pode vir a ser um grande atrativo em parques aquáticos no futuro, pois combina a sensação de leveza fascinante debaixo da água com o fascínio da tecnologia avançada, criando uma experiência única e emocionante. Além disso, após algumas melhorias na tecnologia, ela poderá, talvez, ser usada para o treinamento de mergulhadores profissionais, ou mesmo em outros setores, como a manutenção de pontes e outras situações nas quais seria menos perigoso treinar usando a Realidade Ampliada (Hoffman, 200136 Blum, 200935), ou ainda para o uso na reabilitação de pacientes com incapacidades motoras.

Para demonstrar essa nova tecnologia na competição, o Fraunhofer FIT desenvolveu um jogo de caça ao tesouro. O jogador representa um arqueólogo subaquático á procura de um tesouro. O playground é composto por seis “ilhas” virtuais no fundo do mar, cada uma com sua rica vida marinha selvagem. Em um dos locais subaquáticos o tesouro pode ser encontrado, mas, em seguida, leva um número de código para abrir a fechadura. Os elementos deste número podem ser encontrados em mexilhões escondidos em outros cinco locais. Para montar o número de código que abre o baú do tesouro, as “pérolas” dos mexilhões devem ser recolhidas na sequência correta. Ele funciona sem quaisquer dispositivos de interação manual (Figura 4). (Hoffman, 200136 Blum, 200933).

Capítulo 3: Tratamento interdisciplinar - Fisioterapia neurofuncional e realidade virtual

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Figura 4. Á esquerda, indivíduo testando a realidade virtual em ambiente aquático. Á

direita, baú da caça ao tesouro.

Muitas abordagens por meio da RV são desenvolvidas nos últimos anos, sendo algumas tecnologias aplicadas para o ambiente aquático. A água não é o ambiente natural para os seres humanos e expõe o usuário a condições específicas por ser um meio totalmente diferente exigindo novas extensões para o monitoramento e visualização, como transmissão de dados, condições de iluminação e som e percepção humana, pois são significativamente alterados sob a água (Hoffman, 200434 Blum, 200935).

Pacientes com distrofia muscular, mesmo com limitações nas amplitudes de movimento e diminuição de força muscular, podem se beneficiar com a RV a fim de facilitar a realização dos movimentos que em solo muitas vezes não são permitidos, além de ser um estímulo durante as terapias de reabilitação aquática e um recurso auxiliar na adaptação ao meio liquido.

Associar a realidade virtual à fisioterapia aquática é de grande benefício aos pacientes com distrofia muscular, pois além da motivação o paciente consegue realizar os movimentos de forma ativa, criando um mundo de possibilidades e independência que divergem a realidade destes pacientes.

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–– CAPÍTULO 4

TRATAMENTO INTERDISCIPLINAR - FISIOTERAPIA RESPIRATÓRIA E REALIDADE VIRTUAL

José Apolinário Silva Neves Júnior, Lizete Yumi Nakano, Francis Meire Favero,

Carlos Bandeira de Mello Monteiro

FISIOPATOLOGIA E ABORDAGEM DA FISIOTERAPIA RESPIRATÓRIA EM PACIENTES COM DISTROFIAS MUSCULARES

A musculatura respiratória é responsável por mobilizar a caixa torácica necessária para a entrada e saída de ar dos pulmões, possibilitando a ventilação alveolar, necessária para exalar o gás carbônico e fornecer oxigênio a todas as células1. Embora os músculos diafragma, intercostais, acessórios da respiração sejam estriados esqueléticos, com características semelhantes às dos músculos periféricos, essa função específica lhes impõe trabalho contínuo e cíclico, que perdura por toda a vida2.

Nas Distrofias Musculares (DM) o comprometimento da função respiratória é um sinal da progressão da doença, devido à perda progressiva da força muscular da caixa torácica, que impede as inspirações profundas e diminui a complacência pulmonar, caracterizando um distúrbio ventilatório restritivo. Com a diminuição do volume inspirado, a remoção de secreção das vias aéreas fica prejudicada, o que aumenta o risco de microatelectasias levando a hipoxemia e hipercapnia, de início noturna, mas que pode evoluir para diurna3. Durante o decorrer da doença, surge a insuficiência respiratória como dificuldade na ventilação, além da falta de força para tossir, ocasionando infecções respiratórias de repetição, que na maioria dos casos, levam o paciente ao óbito4. A falência respiratória

Capítulo 4: Tratamento interdisciplinar - Fisioterapia respiratória e realidade virtual

78

é o curso inevitável da Distrofias Musculares de Duchenne (DMD), embora o tempo da progressão seja bastante variado dentre pacientes5.

A abordagem da fisioterapia respiratória deve ser precoce com caráter preventivo, tendo como principais objetivos a manutenção da complacência pulmonar e da parede torácica, facilitar o “clearance” das vias aéreas, proporcionar a ventilação alveolar adequada para normalização dos gases sanguíneos, e acima de tudo oferecer capacidade funcional e qualidade de vida6. Tais objetivos a longo prazo podem prevenir episódios de insuficiência respiratória aguda, bem como as internações hospitalares, além de prolongar a sobrevida destes pacientes sem a necessidade de se submeterem a traqueostomia e ventilação mecânica invasiva3.

A avaliação freqüente da função pulmonar é importante para eleger as melhores opções terapêuticas, de maneira a evitar a falência respiratória precoce e, aumentar a sobrevida destes pacientes4. O conjunto de sinais e sintomas clínicos relacionados à função respiratória é frequentemente e, primariamente investigado durante anamnese e exame físico, porém eles são pouco sensíveis e específicos para quantificar o comprometimento da musculatura respiratória, pois as alterações só aparecem quando a força muscular é 25% menor5, o que torna necessário a utilização de exames e testes complementares. Existem diversos testes utilizados para avaliação da função pulmonar de pacientes com DM, de fundamental importância para identificar e ou quantificar a gravidade da fraqueza dos músculos respiratórios, o comprometimento da troca gasosa, a capacidade de manter o “clearance” pulmonar além de auxiliar na indicação da ventilação mecânica não-invasiva7. Segundo a AmericanThoracic Society8, é recomendável que a avaliação respiratória seja objetiva e inclua medidas espirométricas, além das pressões respiratórias máximas e o pico de fluxo da tosse.

AVALIAÇÃO RESPIRATÓRIAA espirometria tornou-se um recurso indispensável para

diagnosticar e monitorizar disfunções respiratórias por meio de

J. A. S. N. Júnior, L. Y. Nakano, F. M. Favero, C. B. de M. Monteiro

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medidas de volumes e capacidades durante inspirações e expirações forçadas. A realização correta dos testes exige compreensão e colaboração do paciente. Demonstra a capacidade de variar o volume pulmonar com velocidade máxima e sustentar esforço por tempo prolongado de acordo com os comandos do avaliador9. Caso os critérios não sejam satisfeitos, os testes são considerados não aceitáveis ou não reprodutíveis.

Pacientes com Distrofias Musculares apresentam dificuldades no aprendizado e em alguns casos, alterações de comportamento que podem ser exacerbados pelo tratamento com esteróides. Estudos demonstram leve decréscimo do valor de QI quando comparados à população sem distrofia10 dificultando, muitas vezes, a realização de testes espirométricos, principalmente por crianças menores. Há problemas de entendimento da manobra, além de déficit de atenção e limitação na diferenciação dos comandos de inspiração e expiração11.

Atualmente, por meio de jogos eletrônicos é possível estimular o desenvolvimento cognitivo e emocional do ser humano, além de auxiliá-lo no processo de ensino e aprendizagem. Os recursos virtuais representam objetos de entretenimento que passam a auxiliar as pessoas em suas atividades cotidianas, inclusive ajudando a resolver problemas reais utilizando simuladores virtuais. Assim, alguns fabricantes de equipamentos recentemente incorporaram sistemas de incentivo para a espirometria, os quais consistem em imagens auxiliares controladas por mecanismos associados à respiração. Os desenhos incentivam os pacientes para a realização da alça expiratória, de forma que conforme o paciente sopra, velas se apagam, nuvens se movem, casas são derrubadas, entre outros (Figura 1, 2, 3 e 4). A inspiração ocorre de forma “instintiva” e a expiração até o volume residual é forçada visando atingir alvos simples12. Para as crianças e/ou aqueles pacientes com cognitivo afetado, é aplicado como interação para a avaliação pulmonar, além de exercitarem o sistema respiratório de forma lúdica.

Capítulo 4: Tratamento interdisciplinar - Fisioterapia respiratória e realidade virtual

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Fig.1 koko® Legend espirômetro portátil

Fonte: http://pdf.medicalexpo.es/pdf/nspire-health/koko-legend literature/84541-100551.html

Acesso em 24/03/2015

Fig.2 koko Trek um espirômetro portátil para medir volumes e capacidades pulmares 

Fonte: http://www.serviciosk26.com/site/estructuras/modulo_sencillo.php?id_seccion=61

Acesso em 24/03/2015

Figura 3. Espirometria: equipamento (pneumotacógrafo), curva da manobra

inspiratória e expiratória e associação ao incentivo de velas (antes e após a expiração).

Fonte: imagem gerada de paciente com DM após um teste de espirometria no KoKo®

PFT, da marca nSpire Healthna.

J. A. S. N. Júnior, L. Y. Nakano, F. M. Favero, C. B. de M. Monteiro

81

Figura 4. Formas de incentivo para espirometria (antes e após a manobra expiratória).

Fonte: imagem gerada de um paciente com DM após um teste de espirometria no

KoKo® PFT, da marca nSpire Healthna.

A efetividade dos jogos virtuais como recurso auxiliar no aprendizado da espirometria é controverso. Estudos demonstram que as crianças colaboram através do uso de incentivos e atingem critérios de reprodutibilidade nos testes, porém, os valores de capacidade vital forçada (CVF) que representa a maior quantidade de ar exalada após uma inspiração máxima, e volume expiratório forçado no primeiro segundo (VEF1) podem ser subestimados.

Capítulo 4: Tratamento interdisciplinar - Fisioterapia respiratória e realidade virtual

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As crianças, principalmente as menores, tendem a interromper o esforço quando atingem o alvo. Dessa forma, os resultados utilizando estes recursos não parecem ser superiores aos comandos verbais simples durante os testes12.

No entanto, outras pesquisas examinaram o aprendizado utilizando diversos jogos e alvos virtuais, inclusive pico de fluxo expiratório e CVF e concluíram que os dispositivos de incentivo são úteis para ensinar a espirometria para crianças. Há recomendação de realizar treinamento utilizando esses recursos durante um curto período de tempo que precede os testes de função pulmonar13.

A utilização de programas de incentivo naturalmente oferece motivação e maior entretenimento para a realização dos testes. Auxiliam crianças e pacientes com dificuldade de compreensão de forma que os comandos para inspiração e expiração nos momentos ideais sejam assimilados mais facilmente. O feedback visual das imagens torna a atividade mais envolvente e gratificante, sendo indicada também para a realização de exercícios terapêuticos.

O treino de cada etapa do teste separadamente é importante para que sejam incorporadas na manobra completa para avaliação. No entanto, é necessário um acompanhamento do paciente para que os objetivos sejam atingidos apropriadamente12. Recomenda-se que a escolha dos incentivos virtuais seja individualizada de acordo com a habilidade dos pacientes e sua função pulmonar. Por exemplo, pode ser iniciado o treinamento com o sopro de velas e posteriormente, progredir para o sopro de balões ou de um barco que induzirá à expiração prolongada e forçada.

Os alvos virtuais correspondem a valores de 120% do valor previsto do pico de fluxo de tosse e da CVF. Os dados de referência do paciente devem ser corretamente ajustados, uma vez que se subestimados, o fim do incentivo é atingido precocemente sem realizar o esforço máximo, já que não se observa melhora visual da performance a partir deste momento13. A falta de valores de referência para a população infantil brasileira pode constituir um empecilho para os ajustes ideais das animações. Portanto, mais

J. A. S. N. Júnior, L. Y. Nakano, F. M. Favero, C. B. de M. Monteiro

83

estudos devem ser realizados para reconhecimento da efetividade das imagens virtuais disponíveis atualmente como incentivos aos parâmetros analisados nas provas de função pulmonar.

EXERCÍCIOS RESPIRATÓRIOSExercícios respiratórios diversos são amplamente utilizados

em pacientes com Distrofias Musculares com o objetivo de manter a capacidade respiratória ou retardar o declínio. Há uma grande diversidade de recursos empregados na rotina da fisioterapia respiratória como cinesioterapia, pressão positiva, exercícios de empilhamento de ar, incentivadores respiratórios, entre outros. Estudos a respeito das condutas são controversos na comprovação da real eficácia sobre a função pulmonar, muitos com limitações metodológicas. No entanto, sabe-se que a presença de motivação para programas de treinamento é fundamental para o sucesso terapêutico14.

Estudo realizado em Israel de 15 pacientes com Distrofia Muscular de Duchenne descreveu o uso de jogos eletrônicos em treinamento de músculos respiratórios durante cinco semanas. Os jogos foram programados para serem operados de acordo com os esforços respiratórios e incluíam medidas de tempo e parâmetros ventilatórios. Os pacientes realizaram atividades com jogos no computador na qual era acoplado um pneumotacógrafo. O estudo demonstrou que um programa de treinamento apropriado pode melhorar a performance respiratória e a resistência dos músculos respiratórios. Pacientes com comprometimento da função pulmonar leve ou moderado e com mobilidade reduzida há menos tempo provavelmente se beneficiam mais dos exercícios. Os jogos eletrônicos, a partir deste estudo, podem ser sugeridos para uso em exercícios respiratórios e facilmente adaptados para o uso domiciliar15.

Pacientes com Distrofias Musculares evoluem com perda da eficiência da tosse e apresentam maior risco de acúmulo de secreção

Capítulo 4: Tratamento interdisciplinar - Fisioterapia respiratória e realidade virtual

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e maior incidência de infecções respiratórias. Os jogos virtuais que simulam situações em que o paciente deve soprar para atingir determinados objetivos podem estimular expirações forçadas, base para técnicas fisioterapêuticas como o “huffing” utilizado na higiene brônquica. Pesquisas de pacientes com fibrose cística, os quais também evoluem com acúmulo de secreção, relatam a preferência de crianças e adultos jovens na prática das técnicas por meio de jogos associados à espirometria em relação às condutas clínicas tradicionais. Torna-se uma forma de envolver os pacientes na terapia respiratória.

JOGOS ELETRÔNICOS E ASPECTOS RESPIRATÓRIOSO crescimento da indústria associado ao aproveitamento

de todo o potencial tecnológico disponível facilitou a evolução paralela dos jogos eletrônicos, tornando-os cada vez mais realistas e complexos. Os jogos passaram, então, a adotar dispositivos que exigem maior concentração e habilidade motora, de forma que na tentativa de atrair um público cada vez mais exigente, acabaram por distanciar ou excluir usuários com algum grau de deficiência15.

No entanto, a programação de determinados formatos de jogos, além de benefícios sociais, podem proporcionar benefícios terapêuticos. As Distrofias Musculares evoluem com déficits motores graves em estágios avançados e utilizar estratégia de sopro, por exemplo, como forma de interação pode estimular o paciente a exercitar o sistema respiratório, além de torná-lo acessível. Impulsionar barcos, encher balões, derrubar casas com o sopro faz com que o paciente transporte suas limitações para a atividade virtual como um desafio, demonstrando capacidade para vencer frente às dificuldades15.

A utilização dos jogos eletrônicos que tem o microfone como meio de interação representa uma forma de inclusão das pessoas com deficiência, as quais realizam tarefas lúdicas mediadas por mídias interativas. Jogos atuais como o Nintendo DS e DS

J. A. S. N. Júnior, L. Y. Nakano, F. M. Favero, C. B. de M. Monteiro

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Lite incorporam o microfone visando objetivos como soprar para encher balões, tirar o pó da pista, espantar inimigos ou operar instrumentos musicais de sopro. Em outras situações, é necessário soprar o microfone para fazer respiração boca a boca em um parceiro, secar animais de estimação após um banho, ou para dissipar um gás venenoso. A tecnologia do uso do sopro no microfone foi incorporada inclusive a aplicativos de celulares, nos quais é possível tocar instrumentos musicais, produzir sons de apito entre outros.

O jogo Só Soprando14 foi desenvolvido por uma equipe de três pessoas, um game designer, um ilustrador e um programador, utilizando o software Adobe Flash. Não há botões em nenhuma tela do jogo. Para jogá-lo, a interação se dá por meio do sopro, possibilitada pela utilização de um microfone conectado no computador. Este é o dispositivo de interação exigido pelo jogo, reduzindo o custo do usuário.

Quando o usuário assopra ao microfone, aceitando o início do jogo, ele é transportado para um ambiente que apresenta alguns obstáculos, como montanhas, árvores, pássaros, aviões e edifícios. Neste ambiente há um balão, como veículo de locomoção, que deve ser controlado pelo usuário por meio de seu sopro, funcionando como o “motor” do balão fazendo-o subir ou descer. Se o usuário conseguir controlar o balão até o final do percurso, é apresentada a ele uma tela de congratulações. Através de sensores nas narinas é possível medir a pressão da respiração, o que poderia auxiliar em jogos, a utilizar um computador, movimentar a própria cadeira de rodas, utilizando apenas o controle respiratório dos pacientes com DM.

Outra possibilidade é o videogame Nintendo Wii que é utilizado desde 2008 com sucesso como ferramenta na reabilitação de pacientes com seqüelas neurológicas, musculoesqueléticas e disfunções respiratórias. É constituído de jogos que requerem movimentos sensíveis e precisos que são realizados durante a simulação da prática de modalidades esportivas. Pesquisas

Capítulo 4: Tratamento interdisciplinar - Fisioterapia respiratória e realidade virtual

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apontam que atividades como o boxe podem atingir níveis de atividades físicas moderadas, e assim como a prática do tênis virtual, pode contribuir para o condicionamento cardiorrespiratório e fortalecimento muscular.

A sincronia da respiração é necessária em outros jogos que compõem o WiiFit como durante as tacadas de beisebol e na prática de yoga e pilates. Isso permite melhorar as condições respiratórias dos pacientes, além de promover maior conscientização do ato respiratório e suas fases. São indicados para pacientes no estágio inicial da doença quando ainda conseguem executar as atividades propostas sobre a plataforma de equilíbrio. Exercícios de yoga incentivam respirações profundas e em algumas etapas são associadas a posturas cada vez mais complexas.

No entanto, a maioria destes jogos apresenta limitações para pacientes em estágios mais avançados que os impossibilita de realizar os movimentos devido à fraqueza muscular. É necessário avaliar a fase da doença em que o paciente se encontra evitando que haja perda de motivação ou frustração. De qualquer forma, é importante ressaltar que os recursos virtuais não substituem a fisioterapia tradicional. Trata-se de uma ferramenta complementar que podem elevar as chances de sucesso terapêutico por aumentar a motivação e estimular a determinação dos pacientes.

CONSIDERAÇÕES FINAISAtualmente, os jogos eletrônicos são utilizados com diferentes

objetivos e sua popularidade é indiscutível. O envolvimento pela interação com o computador faz com que a realidade virtual seja um ambiente útil para que o paciente com Distrofia Muscular aprenda e se torne proficiente nas atividades propostas. A evolução tecnológica revelando interfaces cada vez mais reais favorece a viabilidade dos recursos virtuais como um auxílio nas condutas terapêuticas. O universo dos jogos eletrônicos torna-se cada vez mais atrativo de forma que é preciso que novos programas

J. A. S. N. Júnior, L. Y. Nakano, F. M. Favero, C. B. de M. Monteiro

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sejam desenvolvidos com foco nas necessidades dos pacientes com disfunção respiratória de caráter progressivo. Pacientes com Distrofias Musculares declinam sua capacidade respiratória e seria de grande interesse que a realidade virtual explorasse seus potenciais em cada fase da doença.

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respiratoires. Rev Mal Respir.2005,22:2S9-2S18.

2- Hayot M. Les muscles respiratoires sont-ils des muscles squelettiques comme les autres. Rev Mal Respir.2005,22:2S29-2S36.

3- Bach JR. Guia do Exame e Tratamento das Doenças Neuromusculares. São Paulo: Santos, 2004.

4- Toussaint M, Chatwin M, Soudon P. Mechanical ventilation in Duchenne patients with chronic respiratory insufficiency: clinical implications of 20 years published experience. Chronic respiratory disease.2007;4(3):167-177.

5- Gozal D. Pulmonary manifestations of neuromuscular disease with special reference to Duchenne muscular dystrophy and spinal muscular atrophy. Pediatrpulmonol.2000,29:141-50.

6- Paschoal IA, Vilalba WO, Pereira MC. Insuficiência respiratória em pacientes com doenças neuromusculares: diagnóstico e tratamento. J Bras Pneumol.2007;33(1):81-92.

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11- Vilozni D, Barker M, Jellouschek H, Heimann G, Blau H. An interactive Computer-Animated System (SpiroGame) Facilitates Spirometry in

Capítulo 4: Tratamento interdisciplinar - Fisioterapia respiratória e realidade virtual

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Preschool Children. Am J Respir Crit Care Med.2001;164:2200-2205.

12- Vilozni D, Barak A, Efrati O, Augarten A, Springer C, Yahav Y, et al. The Role of Computer Games in Measuring Spirometry in Healthy and “Asmatic” Preschool Children. Chest.2005;128:1146-1155.

13- Gracchi V, Boel M, Van der Laag J, Van der Ent CK. Spirometry in young children: should computer-animation programs be used during testing. Eur Respir J.2003;21:872-876.

14- Vilozni D, Bar-Yishay E, Gur I, Shapira Y, Meyer S, Godfrey S. Computadorized Respiratory Muscle Training in Children with Duchenne Muscular Dystrophy. Neuromusc Disor.1994;4(3):249-255.

15- Fava F. Jogando com o ar: o sopro como instrumento de acessibilidade nos jogos eletrônicos. SBC - Proceedings of SBGames: Game and Culture Track.2008;115-121.

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–– CAPÍTULO 5

TRATAMENTO INTERDISCIPLINAR - NUTRIÇÃO (BREVE RELATO)

Cristina Cleide Salvioni, Carlos Bandeira de Mello Monteiro, Francis Meire Favero

INTERVENÇÃO NUTRICIONAL NAS DISTROFIAS MUSCULARESNas Distrofias Musculares, a prevenção de complicações

secundárias, como a desnutrição e obesidade, requerem cuidados específicos e avaliação precisa, já que um diagnóstico nutricional tardio pode implicar em grave alteração e difícil recuperação do peso corporal.

O tratamento nutricional deve ser adaptado a cada estádio da doença. Isso porque, por volta dos 13 anos de idade quando acontece a perda de marcha e dependência da cadeira de rodas concomitante a substituição de fibras musculares, fonte de consumo energético, por tecido adiposo os indivíduos aumentam abruptamente seu peso corporal1. Nessa fase, deve-se evitar o ganho excessivo de peso por meio de orientação nutricional e aconselhamento de restrição energética seguindo com regularidade medidas de composição corporal. No entanto, em pacientes já obesos, é necessário considerar o dano causado pela redução excessiva de peso na mobilidade versus o potencial de perda de massa muscular associado com a indução do balanço energético negativo2.

Já em fases tardias da doença, o que necessita de atenção é a desnutrição. Satumura et al.,3 encontraram um gasto energético de repouso (GER) aumentado em pacientes com Distrofia Muscular de Duchenne (DMD) com idade entre 16 e 22 anos quando comparado à grupos controles. O GER pode ser afetado quando a troca gasosa está prejudicada secundária a diminuição

Capítulo 5: Tratamento interdisciplinar - Nutrição (breve relato)

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da força muscular respiratória4. O fato é que nessa situação é necessário encontrar as causas da redução excessiva de peso e ela pode não estar associada exclusivamente com o GER. Dificuldades na deglutição, abrir a boca e mastigação são fatores que levam a um aumento na duração das refeições com resultante perda da capacidade de auto-alimentação e redução da ingestão alimentar2,5. Modificar a consistência dos alimentos e adequar a dieta de acordo com a deglutição individual é uma importante estratégia para reduzir as dificuldades de alimentação. É possível que o uso de suplementação oral ajude a atingir os requerimentos nutricionais e auxilie no manejo do tratamento da desnutrição.

Efeitos colaterais causados pelo tratamento medicamentoso tais como: intolerância à glicose, retenção de líquidos, hipertensão arterial, ganho de peso, redução da densidade mineral óssea e constipação intestinal aliados às mudanças de composição corporal6, tornam o tratamento nutricional ainda mais complexo.

Mayo et al.,7 descrevem que doses farmacológicas de glicocorticóide orais podem suprimir a formação de osso e aumentar a reabsorção óssea, levando à osteoporose. O uso da terapia esteróide, comum em pacientes com DM, combinado com diminuição da mobilidade sugere o risco aumentado de fraturas e má saúde óssea. Dessa forma, a suplementação diária de cálcio e vitamina D8 somado ao seguimento de recordatórios alimentares para quantificação e adequação da ingestão desses micronutrientes torna-se necessária.

É comum observarmos a constipação intestinal, situação essa que contribui para o desconforto abdominal, além de redução do apetite e, portanto, diminuição da ingestão alimentar9. Dieta laxativa e aumento do consumo de líquidos precisam fazer parte do tratamento desses pacientes.

Com aumento da sobrevida, outras complicações são relatadas, incluindo retardo do esvaziamento gástrico, dilatação gástrica e intestinal relacionados a aerofagia devido ao uso da ventilação não invasiva, aparelho de uso necessário com a progressão da

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doença10. Nesses casos, há necessidade de fracionar a dieta para a melhora do desconforto e adequá-la com baixo teor de carboidrato especificamente para os pacientes retentores de gás carbônico. Nessa situação, a oferta de energia deve ser mantida à custa de lipídeos, com dieta hipergordurosa.

É de fundamental importância a realização do diagnostico nutricional precoce para identificar a presença de distúrbios nutricionais criando a possibilidade de intervenção adequada, de modo a auxiliar na recuperação ou manutenção de pacientes com distrofias musculares.

NUTRIÇÃO E REALIDADE VIRTUALA abordagem de uma doença complexa como as Distrofias

Musculares requer comunicação efetiva para a transmissão de informação e cuidados de saúde. Do ponto de vista nutricional, a dificuldade de abstração da informação encontra-se, em especial, em pacientes com DMD que apresentam algum grau de comprometimento cognitivo, onde a educação nutricional torna-se um desafio para o profissional especializado na área.

Jogos virtuais que colaboram com o tratamento nutricional são escassos ao passo que o aprendizado de forma lúdica já é reconhecido como uma importante estratégia para a educação11,12.

Nesse sentido, o setor de Terapia Ocupacional da Associação Brasileira de Distrofia Muscular - ABDIM desenvolveu um jogo eletrônico educativo denominado DuchsVille-Nutrição a fim de colaborar com o processo de ensino-aprendizagem de pacientes com DMD buscando motivar a escolha por alimentos saudáveis no cotidiano e alguns conceitos básicos de composição nutricional.

A proposta possui dois jogos: o primeiro intitulado “Compras” e outro de ação denominado “Coleta Saudável”. Inicialmente, o usuário é levado até às gôndolas de um supermercado, onde deverá escolher, entre alimentos variados, 10 opções recomendadas para o consumo diário. Se o usuário escolher algum alimento não

Capítulo 5: Tratamento interdisciplinar - Nutrição (breve relato)

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aconselhado (rico em gorduras e açúcares), ele será conduzido a uma tela onde há uma advertência sobre os alimentos considerados “não saudáveis”. O usuário deverá retornar para o jogo e reavaliar suas escolhas. Áudios narrados são disparados à medida que escolhas boas e ruins são realizadas, instruindo sobre a influência dos macro e micronutrientes encontrados em cada alimento. Caso acerte 8 dentre as 10 opções oferecidas, uma mensagem de parabéns é apresentada ao usuário que ganhará um presente “Coleta Saudável”. O jogador terá 1 (um) minuto para coletar o maior número de alimentos recomendados para conseguir o máximo de pontos no jogo. Caso contrário, o jogo é finalizado.

Ressalta-se que a efetividade do jogo Duchsville-Nutrição como recurso auxiliar para o aprendizado de pacientes com Distrofias Musculares ainda não é conhecida. No entanto, se propõe a servir de incentivo e entretenimento colaborando com a construção de conhecimentos importantes de alimentação e nutrição dessa população.

Referências 1- Hankard R, Gottrand F, Turck D, et al. Resting energy expenditure

and energy substrate utilization in children with Duchenne muscular dystrophy. Pediatr Res.1996,40:29-33.

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C. C. Salvioni, C. B. de M. Monteiro, F. M. Favero

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Duchenne Muscular Dystrophy on long-term daily deflazacort therapy. Neuromuscul Disord.2012;22(12):1040-1045.

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10- Bushby K, Finkel R, Birnkrant D, et al. Diagnosis and management of Duchenne muscular dystrophy, part 2: implementation of multidisciplinary care. Lancet Neurol.2010,9:177-189.

11- Salomão HAS, Martini M, Jordão APM. A importância do lúdico na educação infantil: enfocando a brincadeira e as situações de ensino não direcionado. O portal dos psicólogos, 2007. Disponível em <http://www.psicologia.pt/artigos/textos/A0358.pdf>. Acesso em: 06 nov. 2012.

12- Rizzo, G. A importância do lúdico na aprendizagem, com auxílio dos jogos. 2001.

parte

97

–– CAPÍTULO 6

SISTEMAS DE AVALIAÇÕES E CLASSIFICAÇÕES NA DISTROFIA MUSCULAR

Michele Emy Hukuda, Denise Caldeira Troise, Mayra Priscila Boscolo Alvarez, Mariana

Cunha Artilheiro, Camila Torriani-Pasin, Talita Dias da Silva, Carlos Bandeira de Mello

Monteiro, Francis Meire Favero

Avaliação pode ser definida como o processo de selecionar e utilizar múltiplos instrumentos e/ou fontes de informação variados os quais auxiliarão na tomada de decisão terapêutica durante todo o processo de reabilitação de qualquer paciente. Este processo envolve a interpretação de informação coletada associada ao raciocínio clínico para que as decisões estejam relacionadas às necessidades da pessoa e em consonância com a terapêutica proposta1,3. Além disso, a avaliação envolve o processo de checar e verificar os resultados de intervenções propostas a partir da análise de novos dados e comparação com resultados anteriores. Conforme descrevem Bower e Ashburn (2000)4 a capacidade de quantificar as funções do paciente é fundamental para determinar o sucesso da intervenção porque envolve o processo de avaliação (identificação do problema), planejamento do tratamento direcionado para a meta, intervenção e avaliação do resultado final.

Uma avaliação deve ser composta por dados qualitativos e quantitativos a fim de facilitar o acompanhamento do paciente durante e após o processo de reabilitação2,3. A avaliação, portanto, inclui o julgamento e observação que, por sua vez, implica em coleta de informações subjetivas, assim como a utilização de medidas que fornecem dados objetivos4,5. Assim, os dados obtidos devem ser significativos (para o paciente e para a equipe), precisos

Capítulo 6: Sistemas de avaliações e classificações na distrofia muscular

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(válidos e confiáveis) e sistemáticos (regularmente registrados)3,6,7 refletindo responsabilidade profissional no acompanhamento de seu paciente.

No entanto, o uso de medidas quantitativas para registrar o movimento ou as habilidades do paciente com Distrofia Muscular não faz parte da prática clínica rotineira de muitos profissionais.

O desenvolvimento de protocolos de avaliação torna-se cada dia mais importante, com o intuito de quantificar a força muscular e a funcionalidade dos pacientes com Distrofia Muscular. A busca por avaliações padronizadas e fidedignas visa não apenas favorecer uma linguagem prática e universal entre os pesquisadores e os profissionais da saúde, mas também, possibilitar um efetivo monitoramento da evolução dos pacientes. Na literatura encontram-se muitas escalas de avaliação funcional, porém poucas validadas no Brasil. A escolha da escala ideal dependerá do objetivo do tratamento e do estágio da doença, determinados pelo grau do comprometimento motor.

A grande heterogeneidade de apresentação e de evolução das doenças neuromusculares tornou-se um desafio na elaboração de um método de avaliação único, simples e de rápida aplicação. Várias escalas de avaliação foram propostas, porém mostraram-se complexas ou específicas para algumas doenças neuromusculares, dificultando sua aplicação na prática clínica8-10.

Na Distrofia Muscular, a avaliação refere-se à coleta de informações relacionadas aos sistemas diversos, como músculo-esquelético, neuromuscular, sensorial, perceptual e cognitivo, os quais são necessários para chegar a uma conclusão sobre as habilidades e as limitações do paciente nas atividades diárias e na função social2,3,7. Sendo assim, o objetivo da avaliação é descrever o paciente e esse processo envolve a interpretação de achados advindos das medidas do paciente, no contexto de outros problemas ou déficits que o indivíduo possa ter2,5 7.

O objetivo de uma avaliação neurológica é estabelecer se há distúrbios de movimento e, consequentemente, na realização de

Hukuda, Troise, Alvarez, Artilheiro, Torriani-Pasin, Bandeira, Favero

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atividades; definir as causas deste distúrbio; determinar quais as consequências e qual o estado futuro, outro fator importante na avaliação é detectar se ocorreram alterações ao longo do tempo4

para possibilitar intervenções mais adequadas e propostas de tratamento efetivas.

Porém, conforme afirma Wade (1992)11 estas avaliações descritivas neurológicas podem tornar-se rituais extensos e com pouco significado, ao invés de serem instrumentos valiosos de coleta de informação. E, com frequência, tais avaliações não atingem o propósito de avaliar múltiplos sistemas corporais, registrar objetivamente, documentar e comunicar os achados sobre os distúrbios de movimento e os níveis de atividade apresentados pelo paciente.

Mancini (2005)12 cita que o alto custo financeiro e humano envolvido no desenvolvimento de instrumentos de avaliação tem criado uma necessidade de se aperfeiçoar este processo. Além disso, o desenvolvimento de testes que apresentem solidez teórica e metodológica demanda um esforço de grupo, onde competências diferentes são necessárias para a concretização deste objetivo. Em acréscimo, a disponibilidade de diferentes instrumentos que informem sobre o mesmo fenômeno pode dificultar a comparação de resultados apresentados por diversas investigações científicas, restringindo assim a possibilidade de síntese de evidências. Por estas razões, a utilização ampliada de instrumentos já estabelecidos e consolidados na literatura pode se tornar uma estratégia interessante á tradicional busca pelo desenvolvimento de novos instrumentos que mensurem os mesmos fenômenos12.

Herndon (2006)13 descreve mais de 150 escalas de avaliação que podem ser utilizadas por profissionais da saúde que trabalham com pacientes neurológicos com diferentes objetivos: comportamental, atividades diárias, cognitivas, desenvolvimento motor fino, desenvolvimento motor geral, qualidade de vida, sensorimotor, etc. Algumas dessas avaliações foram desenvolvidas para doenças específicas, outras são genéricas.

Capítulo 6: Sistemas de avaliações e classificações na distrofia muscular

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Atualmente muitos estudos têm sido realizados para encontrar tratamentos e instrumentos de avaliações específicos para as doenças neuromusculares, dentre elas, a Distrofia Muscular14. As escalas de avaliações devem ser sensíveis o suficiente para detectar as alterações clinicamente significativas que ocorrem ao longo do tempo. Na prática clínica, a medição da força muscular, por meio da MRC é rotineiramente utilizada, no entanto é conhecido que este teste não reflete as capacidades funcionais do paciente, e para isso várias escalas funcionais estão sendo desenvolvidas, validadas e utilizadas nos grandes centros de reabilitação14,15.

Contudo, para avaliar funcionalidade na Distrofia Muscular os sistemas de avaliação mais utilizados e citados em trabalhos científicos são Vignos16, escala de Brooke9, Medical Research Council (MRC)10, Hammersmith Locomotor Ability Scale10, Motor Function Measure Scale (MFM)17, escala Egen Klassifikation (EK)18, Functional Independence Measure19,20, Índice de Barthel21, 6-Minute Walk Test22 e North Star Ambulatory Assessment23; sendo que todas possuem limitações, vantagens e desvantagens em relação às outras.

Além das avaliações, é importante para a Distrofia Muscular, o desenvolvimento e a utilização de sistemas de classificação, e, o oferecimento de uma linguagem universal para os profissionais e a sociedade. Um sistema de classificação que está em evidência no mundo é a CIF (Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde)24 e sua versão para crianças e jovens (CIF-CJ)25-29. Segundo a organização mundial da saúde, a CIF tem como um dos objetivos, propiciar e oferecer uma linguagem padrão e uma estrutura para a descrição da saúde e dos estados relacionados à saúde, para melhorar a comunicação entre diferentes usuários, tais como, profissionais de saúde, pesquisadores, políticos e o público24.

Deve-se enfatizar que os conceitos apresentados na classificação introduzem um novo paradigma para pensar e trabalhar a deficiência e a incapacidade: as deficiências não são

Hukuda, Troise, Alvarez, Artilheiro, Torriani-Pasin, Bandeira, Favero

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apenas uma consequência das condições de saúde/doença, mas são determinadas também pelo contexto no meio ambiente físico e social, pelas diferentes percepções culturais e pela disponibilidade de serviços e de legislação. Dessa forma, a classificação não constitui apenas um instrumento para medir o estado funcional dos indivíduos. Além disso, ela permite avaliar as condições de vida e fornecer subsídios para políticas de inclusão social30.

Deste modo, o objetivo deste capítulo é apresentar as avaliações e aplicabilidade dos instrumentos de avaliação e conscientizar os profissionais sobre a importância da quantificação das informações durante o processo de avaliação do paciente neurológico. É sabido que os avanços na área da reabilitação na Distrofia Muscular fundamentam-se no uso comum e no desenvolvimento de avaliações objetivas e válidas. Por conseguinte, tanto a atuação clínica quanto o desenvolvimento de pesquisa dependerão dos conhecimentos obtidos por meio da utilização de instrumentos de avaliações e classificação na prática clínica de profissionais que trabalham diretamente com distrofia muscular.

Importante enfatizar que o objetivo principal dos programas de tratamento para pacientes com incapacidades decorrentes de doenças progressivas é otimizar a função e a independência, e para que sejam alcançados estes objetivos, se fazem necessários, instrumentos de avaliação para o fisioterapeuta poder identificar as alterações existentes e traçar os objetivos e as condutas a serem desenvolvidos durante todo o processo de reabilitação. Para isso, torna-se necessária uma abordagem multidisciplinar, integrada e o uso de uma linguagem única na tomada de decisões. Alguns parâmetros têm sido utilizados com frequência para pacientes com distrofias musculares, como medidas de força muscular, amplitude de movimento articular9,10, funcionalidade e qualidade de vida. Independente da avaliação é sempre importante a realização de uma anamnese que considerando as Distrofias Musculares deve ser baseada nos dados pessoais, história da moléstia atual onde deve ser descrita desde quando iniciaram

Capítulo 6: Sistemas de avaliações e classificações na distrofia muscular

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os primeiros sintomas do paciente, quando foi diagnosticado, se já realizou outras terapias, antecedentes pessoais e familiares. A descrição do desenvolvimento neuropsicomotor (idade que o paciente começou a rolar, sentar, engatinhar e andar) é importante, principalmente em crianças.

Outra avaliação fundamental para propiciar o conhecimento do paciente são as avaliações físicas. Na avaliação física é necessário descrever desde o primeiro contato com o paciente, observando a maneira que ele se comporta e se locomove, caso deambule, questionar se o paciente relata quedas e qual a frequência, dores ou alguma queixa relacionada à funcionalidade. Durante a avaliação deve-se avaliar os seguintes aspectos:

AMPLITUDE DE MOVIMENTO ARTICULARO encurtamento muscular é uma característica marcante

nas doenças progressivas, portanto, é importante acompanhar a amplitude de movimento articular para verificar a presença de encurtamentos, contraturas e/ou deformidades articulares por meio do uso de goniômetro. Para tanto, uma opção é a metodologia proposta por Marques (1997)31 em que os valores normais de referência são baseados segundo a Academia Americana de Ortopedia. A avaliação da amplitude de movimento articular se faz importante nestes pacientes, não só para acompanhar a evolução da doença, mas também na prescrição de órteses, como na organização de metas para o programa terapêutico.

TESTE DE FORÇA MUSCULAR MANUALA característica clínica mais frequente das distrofias

musculares é a fraqueza muscular progressiva levando à necessidade de uma avaliação periódica e sistematizada da força muscular. É importante avaliar todos os grupos musculares, com ênfase nos grupos musculares que mais são acometidos em cada

Hukuda, Troise, Alvarez, Artilheiro, Torriani-Pasin, Bandeira, Favero

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doença. O teste de força muscular manual, a escala Medical Research Council (MRC) é a mais utilizada, cuja pontuação pode ser graduada de 0 a 5, sendo uma escala de fácil aplicação clínica, porém não necessariamente reflete a habilidade e a resistência muscular, e ainda, o grau de confiabilidade depende dos grupos musculares testados e da resistência imposta por cada avaliador10,32. Há também o uso de instrumentos mecânicos como o dinamômetro que também são utilizados para obter dados quantitativos mais fidedignos da força muscular, entretanto, muitas vezes ele é difícil de ser utilizado em pacientes que já apresentam retrações e deformidades.

Scott et al (1982)10 sugerem mensurar a força muscular globalmente e calcular a porcentagem de força do individuo, utilizando a seguinte fórmula:

Soma da pontuação de FM x 100Número de músculos testados x 5

Sendo que, a contagem pode ser dividida em membros superiores e inferiores, assim como, proximal e distal.

AVALIAÇÃO POSTURALA simetria postural é um dado importante, pois pode ser

determinante para a preservação da marcha e do controle de tronco para os cadeirantes. Assim, além da simetria de descarga de peso nos pés, na postura em pé (bipedestação), ou nos ísquios, na postura sentada, deve-se avaliar o alinhamento da coluna cervical, lombar e torácica, verificando se há presença de hiperlordose, cifose ou escoliose, sendo um fator frequente nos pacientes com distrofias musculares. A convexidade da escoliose pode ser avaliada clinicamente ou por meio da verificação do ângulo de Cobb pela imagem radiológica, sendo um fator determinante na indicação cirúrgica de correção da escoliose.

Capítulo 6: Sistemas de avaliações e classificações na distrofia muscular

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ATIVIDADE FUNCIONAL/ ATIVIDADE MOTORA Perdas relacionadas à mobilidade e à locomoção resultam em

importantes alterações na independência funcional. A análise da função motora é essencial ao avaliar um indivíduo com distrofia muscular, especialmente para interpretação dos efeitos da doença e suas consequências nas atividades do indivíduo. Na literatura há muitas escalas que avaliam a atividade funcional de pacientes com distrofias musculares, a seguir apresentar-se-á as escalas mais utilizadas:

Escala Vignos16 Caracteriza o indivíduo de acordo com os marcos da evolução

da doença, esse instrumento de mensuração classifica o paciente quanto ao estadiamento da doença, variando de 1 a 10, sendo “1” uma alteração na postura e “10” confinado a cama.

Motor Function Measure Scale (MFM)17 (Bérard et al. 2005), esta avaliação foi traduzida e validada

para língua portuguesa por Iwabe e colaboradores (2008)33, e, foi

elaborada para pacientes com doenças neuromusculares tendo como objetivo avaliar quantitativamente a função motora.

A versão MFM-32 é aplicada em indivíduos de 7 a 60 anos de idade, a escala compreende 32 itens, incluindo avaliações estáticas e dinâmicas, divididas em três dimensões: dimensão 1 (D1) posição em pé e transferências, com 13 itens; dimensão 2 (D2) função motora axial e proximal, com 12 itens; dimensão 3 (D3) função motora distal, com 7 itens, dos quais 6 são referentes aos membros superiores34.

A versão MFM-20 é aplicada em crianças com até 7 anos de idade, a escala compreende 20 itens que fazem parte da MFM-32, foram retirados 12 itens devido a dificuldade de algumas crianças não compreenderem o comando, inclui também avaliações estáticas e dinâmicas, divididas em três dimensões: dimensão 1 (D1) posição em pé e transferências, com 8 itens; dimensão 2 (D2)

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função motora axial e proximal, com 8 itens; dimensão 3 (D3) função motora distal, com 4 itens34.

A pontuação da MFM-20 e da MFM-32 é calculada em porcentagem, para cada dimensão (D1, D2 e D3) e para um escore total, sendo que os valores de D1 e escore total podem ser relacionados e usados como preditores para a perda da deambulação14,35.

Escala EK18

Validada para a língua portuguesa por Martinez e colaboradores (2006)36, foi desenvolvida na Dinamarca visando quantificar o grau de limitação funcional de pacientes com Distrofia Muscular de Duchenne em fase avançada da doença. Composta por 10 itens que podem ser pontuados de 0 a 3 conforme a gravidade, podendo totalizar um escore de 30, deve-se considerar que pontuações elevadas representam a presença de maiores limitações.

Escala Brooke9

Foi desenvolvida para avaliar a função da extremidade superior na distrofia muscular de Duchenne e Becker por meio de graduação de 1 a 6. No grau 1, a pessoa pode abduzir o braço e levá-lo à cabeça com amplitude completa do movimento de abdução de ombro e com antebraços extendidos; no grau 2, a pessoa não é capaz de realizar o movimento com na amplitude total e necessita flexionar o cotovelo para levar a mão à cabeça; nos graus 3 e 4, a pessoa é incapaz de abduzir os ombros, mas pode levar à mão à boca com ou sem peso do corpo, respectivamente; no grau 5, a pessoa é incapaz de levar as mãos à boca e apenas existem alguns movimentos manuais e, por último, no grau 6, a pessoa não possui função útil da mão.

Muscular Dystrophy Functional Rating Scale37

Foi desenvolvida para mensurar o impacto funcional da Distrofia Muscular e é composta pelos domínios mobilidade,

Capítulo 6: Sistemas de avaliações e classificações na distrofia muscular

106

atividades básicas de vida diária, função de membros superiores e comprometimento. No domínio mobilidade são avaliados os itens subir escada, mobilidade no ambiente interno e externo, transferência da cama para a cadeira, manipulação da cadeira de rodas, transferência da posição em pé para a posição sentada, transferência da posição sentada para deitada, rolar e mudanças de postura na cama. No domínio AVD´s, a alimentação, pentear cabelos, escovar os dentes, vestimenta de membros superiores e inferiores, higiene pessoal e banho são avaliados. O domínio de função de membros superiores é composto pela avaliação do ato de manipular objetos acima da cabeça, carregar objetos, limpar a mesa, escrever, virar livros, pegar e manipular objetos pequenos. Por fim, o domínio de comprometimento contempla a severidade das contraturas articulares de membros superiores e inferiores, o número de articulações que apresentam contratura em membros superiores e inferiores, a severidade da contratura do pescoço, a força da musculatura de pescoço e tronco, a escoliose, a ortopnéia, a remoção de secreção e a assistência ventilatória. Todos os itens são pontuados de maneira gradual de 1 a 4, no qual 1 representa dependência total e 4 independência.

Activity Limitations in Patients with Neuromuscular Disorders – ACTIVLIM38,39

Esta avaliação é realizada pela aplicação de um questionário desenvolvido e validado para caracterizar o curso clínico dos distúrbios e quantificar os efeitos de tratamentos nas limitações funcionais de pacientes com Distrofia Muscular, Charcot-Marie-Tooth, Atrofia Muscular Espinal, Ataxia de Freidreich e Síndrome pós-polio. É composto por 22 itens, sendo 4 específicos para crianças, 4 específicos para adultos e 14 comuns às duas faixas etárias. As tarefas a serem realizadas pelas crianças são pular em um pé só, correr, colocar uma mochila e fechar uma porta; as tarefas correspondentes aos adultos são carregar um objeto pesado, andar mais de um quilómetro, ficar em pé por tempo prolongado e entrar em um carro; as tarefas comuns incluem subir

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escadas, sair de uma banheira, descer escadas, tomar banho, vestir a parte inferior do corpo, caminhar ao ar livre em terreno plano, tomar uma ducha, lavar a parte superior do corpo, pendurar um casaco em um cabideiro, sentar em um vaso sanitário, vestir a parte superior do corpo, abrir uma porta e lavar o rosto. O resultado é dado por meio da pontuação em três níveis para cada item, sendo “0” impossível, “1” difícil e “2” fácil e ainda inclui o questionamento da auto percepção da evolução do estado funcional desde a primeira avaliação, podendo ser assinalado melhora, estabilidade ou deterioração.

ABILHANDQuestionário criado para avaliar a habilidade manual em crianças

e adultos com Paralisia Cerebral40, Acidente Vascular Encefálico41, pacientes com artrite reumatóide42 e com esclerose sistêmica. Recentemente, autores43 o validaram para as doenças neuromusculares, incluindo a Distrofia Muscular dos tipos Becker, Duchenne, Fascioescapuloumeral, Cinturas e Miotônica. A escala original contém 56 itens para crianças e 74 para adultos, contudo a validação foi realizada com 22 itens da versão original, sendo 14 atividades comuns a adultos e crianças e 4 específicas para cada uma das populações. Os itens em comum incluem o ato de abotoar uma camisa, fechar o zíper de uma jaqueta, girar uma chave em uma fechadura, abrir uma embalagem de biscoito, abrir uma torneira, fechar uma torneira, encher um copo com água, abrir uma caixa de pão, colocar creme dental em uma escova de dentes, passar manteiga em uma fatia de pão, abrir um tubo de pasta de dentes, enxugar as mãos e lavar as mãos. Para as crianças, os 4 itens específicos são abrir um pacote de batatas fritas, apontar um lápis, dar as cartas e abrir uma barra de chocolate. Os 4 itens específicos para adultos compreendem o ato de abrir a tampa de uma garrafa, cortar as unhas de uma pessoa, colocar uma chave em uma fechadura e contar notas. Os voluntários são questionados sobre a dificuldade para realizar as tarefas e o avaliador possui 3 níveis para pontuar cada item, sendo 0 impossível, 1 difícil e 2 fácil.

Capítulo 6: Sistemas de avaliações e classificações na distrofia muscular

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North Star Ambulatory Assessment23,44,4

Uma escala desenvolvida para avaliação de pacientes com Distrofia Muscular de Duchenne deambuladores. A escala foi baseada nos itens da Hammersmith Motor Ability Scale, especificamente os que foram julgados como prováveis indicadores de mudanças funcionais na marcha. Além destes, um diferencial desta escala é a possibilidade de detectar possíveis melhoras clínicas após um programa de tratamento. Quanto às propriedades psicométricas, apresenta boa confiabilidade intra e interobservador44-46. O teste contempla as seguintes atividades: avaliação da posição em pé, andar, levantar de uma cadeira, permanecer em pé sobre um pé só (direito), permanecer em pé sobre um pé só (esquerdo), subir um degrau com a perna direita, subir um degrau com a perna esquerda, descer um degrau com a perna direita, descer um degrau com a perna esquerda, passar de deitado para sentado, levantar do chão, levantar a cabeça, permanecer sobre os calcanhares, pular, saltar em um pé só (direito), saltar em um pé só (esquerdo) e correr 10 metros.

Cada item possui três possibilidades de pontuação: 2 – normal, sem modificação da atividade; 1 – execução de maneira modificada, porém independente de assistência física de terceiros; 0 – incapaz de realizar de maneira independente.

Teste de Caminhada de 6 minutos (TC6)Esse teste permite avaliar a capacidade funcional de pessoas

com deficiência, sendo amplamente utilizado para medir a resposta às intervenções terapêuticas em doenças cardíacas e pulmonares, de gravidade moderada à severa47. Trata-se de um teste barato, de grande aplicabilidade, acurácia e eficiência, que permite analisar fadiga, dispneia e saturação de oxigênio48.

Para sua realização, é necessário um cronômetro, um contador de voltas mecânico, dois cones para marcar os pontos de volta, uma cadeira, planilhas em uma prancheta, um esfigmomanômetro,

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um telefone, uma fonte de oxigênio e um desfibrilador caso haja alguma intercorrência. O teste deve ser realizado em um único dia, sendo que o paciente deve descansar por, pelo menos, 10 minutos sentado antes do teste, enquanto é aferida a pressão arterial, a frequência cardíaca e, opcionalmente, a saturação de oxigênio. O paciente deve ser instruído quanto à escala de Borg e ao caminhar o mais distante possível por 6 minutos47. McDonald e colaboradores (2010)22 adaptaram o TC6 para avaliar meninos com distrofia muscular de Duchenne em ambulatório e encontraram excelente reprodutibilidade, tornando o teste um método clinicamente significativo para avaliar a história natural dessa doença e ser aplicado em ensaios clínicos.

CronômetroOs testes cronometrados são utilizados na prática clínica como

uma forma de avaliação da progressão, sendo uma maneira simples e fácil de quantificar a evolução da piora funcional destes pacientes. As mensurações geralmente utilizadas incluem levantar a partir do chão (sinal de Gowers), tempo para correr uma determinada distância (geralmente 10 metros), tempo para levantar da cadeira e subir escadas49. Como alternativa para a avaliação de pacientes cadeirantes, altera-se a função cronometrada, utilizando para isso, o tempo do paciente para tocar a cadeira de rodas por uma determinada distância (10 metros).

É importante enfatizar que o terapeuta deve escolher a avaliação que possibilita maior número de informação para respaldar a organização do programa de tratamento. As escalas apresentadas são quantitativas, e muitas vezes não avaliam minuciosamente a qualidade do movimento ou postura do paciente, estas informações são importantes para esclarecer fraquezas musculares e dificuldades funcionais. Para tanto, atividades motoras como rolar, quadrupedia, engatinhar, sedestação, postura semi-ajoelhada, ajoelhada, bipedestação e marcha devem ser observadas e registradas pelo avaliador.

Capítulo 6: Sistemas de avaliações e classificações na distrofia muscular

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Atividades de vida diária (AVDs)O objetivo primário em pacientes com doenças progressivas

é otimizar a atividade funcional e, consequentemente as AVDs, como alimentação, vestuário, higiene, locomoção, entre outros. Na literatura há algumas escalas de AVDs que avalia a incapacidade em diversos domínios funcionais a partir do auto-relato dos pacientes como Functional Independence Measure (FIM) para adultos19, Functional Independence Measure for Children (WeeFIM) para crianças e Índice de Barthel50.

Vuillerot et al. (2010)14 afirmam que as escalas de habilidade funcional são medidas deficitárias da progressão da doença durante a maior parte do período de deambulação, pois apesar do contínuo declínio da força muscular em crianças com distrofia muscular de Duchenne, as mesmas, continuam a realizar as atividades por meio de movimentos compensatórios, a fim de postergar ao máximo as atividades funcionais. O aumento do número de compensações denota a evolução da doença, as quais não são detectadas pelas escalas de habilidades funcionais atuais. Dessa forma, outras escalas têm sido elaboradas, como a Escala de Avaliação Funcional para distrofia muscular de Duchenne (FES-DMD) que engloba e pontua os movimentos compensatórios, sendo possível então, identificar pequenas alterações nas diferentes atividades analisadas51-54.

A Escala de Avaliação Funcional está dividida em quatro domínios, a saber, domínio 1 (D1) – sentar e levantar da cadeira51; domínio 2 (D2) – marcha54; domínio 3 (D3) – subir e descer escadas52; domínio 4 (D4) – sentar e levantar do solo53. Depois de elaboradas, foram analisadas a confiabilidade intra e interexaminador, onde apresentaram excelente repetibilidade e reprodutibilidade.

A Escala de Avaliação Funcional tem como base o uso da filmagem, com o intuito de analisar as diferentes fases das atividades propostas e evitar um gasto energético excedente, a sobrecarga do sistema musculoesquelético e fadiga muscular da criança com

Hukuda, Troise, Alvarez, Artilheiro, Torriani-Pasin, Bandeira, Favero

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distrofia muscular de Duchenne, visto que se trata de uma doença neuromuscular51. Este recurso facilita a tarefa de observação por parte do fisioterapeuta e não impõe à criança a necessidade de repetir várias vezes a atividade enquanto é observada diretamente, além de gerar um banco de dados permanente.

A Escala de Avaliação Funcional para distrofia muscular de Duchenne visa aumentar a acuidade das avaliações, gerando dados específicos que caracterizam em detalhes a atividade executada pelo paciente, fornecendo subsídios para a intervenção fisioterapêutica51.

Recentemente outra escala funcional foi desenvolvida e validada para a distrofia miotônica de Steinert tipo 1 (DM1) que inclui 21 itens em quatro áreas: neuropsicologia, motricidade, miotonia e atividades de vida diária. Estatisticamente foi confirmada sua confiabilidade, validade e sensibilidade às mudanças clínicas. Segundo Contardi et al. (2012)52

, a escala é um instrumento prático para avaliar e monitorar a progressão da doença de pacientes com DM1, sendo potencialmente útil à prática clínica e às pesquisas.

A avaliação da função motora nas Distrofias Musculares representa uma útil ferramenta clínica e é de grande importância para o conhecimento das limitações funcionais e para a caracterização da história natural desse grupo de doenças56,57. Contudo, não se sabe se qualquer índice clínico da progressão se correlaciona estritamente com o processo da doença. A determinação de mensurações apropriadas que refletem melhora ou estabilização na habilidade funcional é um desafio para os profissionais que acompanham os pacientes com esta doença46,57.

Portanto, sabendo a evolução da distrofia muscular, faz-se necessário, escolher o método de avaliação mais adequado para cada paciente a fim de traçar um programa amplo de reabilitação que deve ser iniciado precocemente, com abordagem multiprofissional.

Capítulo 6: Sistemas de avaliações e classificações na distrofia muscular

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117

–– CAPÍTULO 7

DEFICIÊNCIA E DISTROFIA MUSCULAR: APRESENTAÇÃO DE CORRELAÇÃO TEÓRICA

Carlos Bandeira de Mello Monteiro, Talita Dias da Silva, Renata Hydee Hasue, Francis

Meire Favero, Michele Emy Hukuda, Denise Caldeira Troise, Joyce Martini,

Mariana Cunha Artilheiro

INTRODUÇÃOMovimento corporal é fundamental para possibilitar qualidade

de vida no dia a dia de qualquer pessoa; a perfeita harmonia entre estruturas corporais como cabeça, membros e tronco viabiliza a realização de todas as tarefas necessárias para a sobrevivência individual do ser humano. No entanto, quando se pensa em movimentos corporais, logo imaginamos indivíduos com habilidade suficiente para realizar tarefas básicas como andar, chutar, escrever uma carta, digitar um texto ou dirigir um carro. A lista de atividades motoras que realizamos no dia a dia é imensa, algumas triviais, outras nem tanto. De fato, a qualidade de nossa vida passa pela capacidade de aprender a realizar movimentos orientados a determinados fins e de adaptá-los a modificações situacionais e ambientais.

Interessante que o movimento corporal surja da interação entre o indivíduo, a tarefa e o ambiente. O indivíduo realiza um movimento para atender diferentes demandas de uma tarefa que é realizada em um ambiente específico.1 Devemos enfatizar que a grande maioria da população é capaz de executar inúmeros movimentos com relativa competência, como as atividades do cotidiano, sendo várias dessas adquiridas com pouca ou nenhuma instrução formal.2

Capítulo 7: Deficiência e distrofia muscular: apresentação de correlação teórica

118

Apesar de existirem modificações em movimentos realizado com jogos eletrônicos, os objetivos não apresentam muitas diferenças daqueles de jogos reais. Nos jogos eletrônicos tem-se como meta um bom desempenho segundo as propostas do jogo escolhido e considera-se as dificuldades inerentes de cada tarefa por meio das etapas do jogo ou o desafio em vencer um adversário, o que os torna uma atividade motora acrescida do fator motivacional, visto que o jogo oferece informações sensoriais, principalmente pelas vias visuais e auditivas que servem como parâmetro de desempenho.

Da mesma forma, os movimentos utilizados para a execução de tarefas cotidianas, levam o indivíduo a buscar uma meta, aqui definida como uma ação ou uma resposta motora frente aos desafios impostos pelo ambiente virtual. Considerando a pessoa com Distrofia Muscular, a fraqueza e fadiga muscular e limitação na amplitude de movimento articular direciona a pessoas a se adaptar as necessidades do ambiente principalmente por meio de movimentos compensatórios, a fim de realizar a tarefa.3

Verifica-se que indivíduos sem qualquer tipo de alteração física apresentam capacidades para diferentes atividades e adequado desempenho na participação de tarefas do dia a dia, sem apresentar limitação ou restrição. No entanto, quando surge uma pessoa com Distrofia Muscular para participar de um jogo eletrônico ou alguma tarefa funcional, as atitudes dos participantes acabam sendo diferentes, provavelmente por se perceber que se está diante do desconhecido. Existe uma mudança de conceitos quando se tem contato com uma pessoa que apresenta alguma deficiência. Isso fica bastante evidente na busca que diferentes profissionais têm por trabalhos e estudos voltados para o entendimento dos mecanismos que explicam o comportamento motor do indivíduo com deficiência e seus possíveis recursos para se adaptar ao ambiente4. Este capítulo tem o objetivo de apresentar e definir a palavra deficiência, assim como a taxonomia utilizada mundialmente para se referir ao indivíduo com deficiência e correlacionar os conceitos da mesma com a Distrofia Muscular.

Monteiro, Silva, Hasue, Favero, Hukuda, Troise, Martini, Artilheiro

119

DEFICIENTE NO BRASILO Censo Demográfico de 2010 informa que 45,6 milhões de

brasileiros apresentam pelo menos uma das deficiências visual, auditiva, motora e mental, correspondendo a 23,9% da população. Em concernência com o Censo de 2000, o registro foi de 14,3%, e levantamentos anteriores apresentam valores em torno de 2%. Esta diferença não ocorre pelo aumento na incidência de deficiências, mas pela mudança dos instrumentos de coleta de dados, por força das últimas recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS) de incorporar ao universo das pessoas com deficiência aqueles com “alguma dificuldade de andar, ouvir ou enxergar”. Além das mudanças metodológicas outros fatores que contribuíram para o aumento do número de pessoas com deficiência é a melhora do acesso à saúde, ao avanço da medicina diagnóstica, à popularização da informação e ao envelhecimento da população brasileira.5Considerando o envelhecimento da população, atualmente há maior número de idosos do que há uma década e sabendo-se que o envelhecimento vem acompanhado de algumas limitações nas capacidades físicas e, às vezes, mentais esse fator deve ser considerado quando se investiga aumento da incidência de deficiência em uma sociedade, Medeiros e Diniz (2004)6 citam que o debate sobre deficiência tem ocupado cada vez mais espaço nas políticas públicas brasileiras.

A ampliação desse debate tem enfrentado várias barreiras, inclusive no que diz respeito à terminologia “correta” para se usar quando se discute deficiência. Por algum tempo se evitou o uso do termo deficiente para se referir às pessoas com qualquer tipo de deficiência, por se acreditar que se tratava de um termo estigmatizante. Foram propostas alternativas como pessoa portadora de necessidades especiais, pessoa portadora de deficiência ou o mais recente, pessoa com deficiência, todos buscando destacar a importância da pessoa quando feita referência à deficiência.6 Essa discussão não é exclusivamente brasileira, já que em outros países a terminologia sofre alterações segundo interpretações que estão de acordo com o contexto sócio-histórico-cultural.

Capítulo 7: Deficiência e distrofia muscular: apresentação de correlação teórica

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DEFINIÇÃO DE DEFICIÊNCIAA maioria dos termos que geram confusão é utilizada com

um significado baseado no sentido comum da linguagem falada e escrita do dia a dia, sendo que a área da saúde necessita de conceitos taxonômicos bastante claros e precisos, mas respeitando a aceitabilidade e utilidade de diferentes profissionais. Ainda segundo características ideais, as definições devem apresentar os atributos essenciais do conceito – tanto na intenção (o que o conceito significa intrinsecamente) como na extensão (a que objeto ou fenômeno se refere) - além de serem precisas, sem ambiguidades, englobando o significado do termo na sua totalidade. Sua expressão deve utilizar termos operacionais que envolvam gravidade, duração, importância relativa e possíveis associações.7

Encontra-se o conceito de deficiência e de deficiência física no Decreto no 3.298 de 1999 da legislação brasileira, conforme segue:

Art. 3…: - Deficiência – toda perda ou anormalidade de uma estrutura ou função psicológica, fisiológica ou anatômica que gere incapacidade para o desempenho de atividade, dentro do padrão considerado normal para o ser humano; Art. 4…: - Deficiência Física – alteração completa ou parcial de um ou mais segmentos do corpo humano, acarretando o comprometimento da função física, apresentando-se sob a forma de paraplegia, paraparesia, monoplegia, monoparesia, tetraplegia, tetraparesia, triplegia, triparesia, hemiplegia, hemiparesia, amputação ou ausência de membro, paralisia cerebral, membros com deformidade congênita ou adquirida, exceto as deformidades estéticas e as que não produzam dificuldades para o desempenho de funções.

Farias e Buchala (2005)8 apresentam que, visando responder às necessidades de se conhecer mais sobre as consequências das doenças, em 1976 a Organização mundial da saúde (OMS) publicou a International Classification of Impairment, Disabilities and

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Handicaps (ICIDH), em caráter experimental. Esta foi traduzida para o Português como Classificação Internacional das Deficiências, Incapacidades e Desvantagens (CIDID). O processo de revisão da ICIDH apontou suas principais fragilidades, como a falta de relação entre as dimensões que a compõem, a não abordagem de aspectos sociais e ambientais, entre outras. Após várias versões e numerosos testes, em maio de 2001 a Assembléia Mundial da Saúde aprovou a International Classification of Functioning, Disability and Health (ICF),9 traduzida para o português em 2003 como “Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (CIF)”. Em 2007, surgiu a versão para Crianças e Jovens (CIF-CJ) apresentada como International Classification of Functioning, Disability, and Health - Version for Children and Youth: ICF-CY. 20079,10e desenvolvida em resposta à necessidade de uma versão da CIF que pudesse ser usada universalmente para crianças e jovens nas áreas social, de saúde e educação. A CIF-CJ tem como diferencial expandir e fornecer informações mais específicas e detalhadas que permitam cobrir de modo mais completo a classificação das funções e estruturas do corpo, atividades e participação, e ambientes que seriam relevantes para lactentes, pré-escolares, crianças e adolescentes. Apesar do conhecimento da CIF-CJ, optou-se em apresentar detalhes da CIF tradicional por ser a mais citada e utilizada no Brasil.

A CIF define deficiências como sendo problemas nas funções ou nas estruturas do corpo, como um desvio significativo ou uma perda. Elas correspondem a um desvio dos padrões populacionais geralmente aceitos no estado biomédico do corpo e das suas funções, podendo ser temporárias ou permanentes; progressivas, regressivas ou estáveis; intermitentes ou contínuas. As deficiências nem sempre têm uma relação causal com a etiologia ou com a forma como se desenvolveram, ou seja, a presença de uma deficiência implica necessariamente uma causa; no entanto, a causa pode não ser suficiente para explicar a deficiência resultante, e não indica necessariamente a presença de uma doença ou que

Capítulo 7: Deficiência e distrofia muscular: apresentação de correlação teórica

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o indivíduo deva ser considerado doente. O desvio em relação ao modelo baseado na população pode ser leve ou grave e pode flutuar ao longo do tempo. A CIF ainda ressalta que deficiências podem gerar outras deficiências, como, por exemplo, perda de força muscular pode prejudicar as funções de movimento, mas é importante enfatizar que nem sempre a deficiência acarreta uma incapacidade ao indivíduo.

A CIF pode ser útil também para descrever problemas de saúde relacionados ao trabalho e identificar os pontos de intervenção por diferentes profissionais. No estudo de Minis et al. (2009),11 o qual utilizou os códigos da CIF para categorizar os principais fatores: estado de saúde, fatores ambientais e fatores pessoais, sendo os fatores ambientais subdivididos em fatores ambientais relacionados ao trabalho e outros fatores ambientais e, os fatores pessoais em fatores pessoais gerais, relacionados ao trabalho, outras doenças e co-morbidades, verificou que, os fatores, tais como, as adaptações e as acomodações de trabalho, a carga horária, e o treinamento são úteis para a manutenção do emprego ou para auxiliar a reinserção de pessoas com doença neuromuscular.

Na área clínica, a CIF propõe a servir de modelo de atendimento multidisciplinar, devendo servir para as várias equipes e os vários recursos de que dispõem os serviços, tais como médico, psicólogo, terapeuta, assistente social, dentre outros, com o objetivo final de promover o planejamento sistemático de procedimentos de intervenção.8

A CIF tem como um dos objetivos oferecer uma linguagem padrão e uma estrutura para a descrição da saúde e dos estados relacionados à saúde, permitindo a comparação de dados referentes a essas condições entre países, serviços, setores de atenção à saúde, bem como o acompanhamento da sua evolução no tempo.8

A deficiência para a CIF significa problemas na função e nas estruturas do corpo, limitações na atividade e restrições à participação, enquanto que a funcionalidade é considerada um termo genérico, a qual se refere à ausência de problemas. Os

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fatores pessoais e os ambientais (fatores contextuais) influenciam a percepção e o estado de saúde dos indivíduos.12

CLASSIFICAÇÃO INTERNACIONAL DA FUNCIONALIDADE E A DISTROFIA MUSCULAR

Atualmente existem poucos trabalhos que utilizam a CIF como proposta taxonômica na introdução de termos correlacionando Distrofia Muscular e deficiência13 assim como trabalhos que utilizam a CIF como uma proposta de classificação e formação de grupos para estabelecer uma estrutura metodológica,14,15 inclusive propondo ligação com os códigos qualificadores de deficiência e dificuldades propostos pela CIF10,16,17

Devido à utilização da CIF, seja como taxonomia ou na organização metodológica de trabalhos científicos sobre Distrofia Muscular, optou-se em esclarecer seu funcionamento, principalmente para justificar sua utilização nos próximos capítulos, na prática clínica e como uma proposta de intersecção com jogos eletrônicos.

Deve-se enfatizar que os conceitos apresentados na classificação introduzem um novo paradigma para pensar e trabalhar a deficiência e a incapacidade: elas não são apenas uma consequência das condições de saúde/doença, mas são determinadas também pelo contexto do meio ambiente físico e social, pelas diferentes percepções culturais e atitudes em relação à deficiência, pela disponibilidade de serviços e de legislação. Dessa forma, a classificação não constitui apenas um instrumento para medir o estado funcional dos indivíduos. Além disso, ela permite avaliar as condições de vida e fornecer subsídios para políticas de inclusão social.8

Com a proposta da CIF houve mudança de perspectiva do modelo biomédico tradicional de doença para o modelo biopsicossocial de saúde. Dessa forma, a classificação não é só reservada para um subgrupo da população, mas é válida para

Capítulo 7: Deficiência e distrofia muscular: apresentação de correlação teórica

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cada pessoa. As pessoas podem, em cada momento de sua vida, apresentar um estado de saúde que pode ser descrito de diferentes maneiras. A CIF não classifica as pessoas de acordo com um diagnóstico, mas descreve maneiras diferentes de funcionamento. Esta mudança também filosófica tem consequências práticas sobre como podemos definir os serviços de elegibilidade e como podemos definir os pacientes.18,8

Diferentemente de outras propostas de definição, as terminologias da OMS colaboram no sentido de não conceber a deficiência como algo fixo no indivíduo. Esta não pode sofrer uma naturalização de modo a negar os processos de evolução e de interação com o ambiente. A conceituação da deficiência serve, portanto, para definirmos políticas de atendimentos, recursos materiais, condições sociais e escolares. A OMS não nega a deficiência, mas cumpre observar que a sua intenção não é a de discriminação. Ela faz a diferenciação pela deficiência para conhecer quais as necessidades do indivíduo19.

A CIF é uma classificação com múltiplas finalidades, planejada para uma ampla variedade de usos em diferentes áreas. É a classificação da saúde e dos domínios relacionados à saúde, sendo esses os que nos ajudam a descrever alterações ou mudanças na função e estrutura corporal, a determinar o que uma pessoa com uma condição de saúde pode fazer em um ambiente padrão (seu nível de capacidade em uma atividade), assim como identificar o que ela realmente faz no seu ambiente real (seu nível de desempenho em uma participação). Estes domínios são classificados a partir de perspectivas do corpo, individuais e sociais, por meio de duas listas: uma lista de funções e estruturas corporais, e uma lista de domínios de atividade e participação, assim como a integração com fatores ambientais e pessoais (quadro 1).

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Quadro 1- Interação entre os componentes da CIF (OMS, 2003).

Neste sistema de classificação proposto pela OMS, utiliza-se como modelo de saúde uma proposta integrativa entre os modelos médico e social, sendo que no modelo médico considera-se a incapacidade como um problema da pessoa, causado diretamente pela doença, trauma ou outro problema de saúde, que requer assistência médica sob a forma de tratamento individual por profissionais. A incapacidade, neste modelo, clama por tratamento médico ou outro tratamento ou intervenção, para ‘corrigir’ o problema com o indivíduo.20

O modelo social de incapacidade, por sua vez, considera a questão principalmente como um problema criado pela sociedade e, basicamente, como uma questão de integração plena do indivíduo na sociedade. A principal característica do modelo social é de que a deficiência não deve ser entendida como um problema individual, mas como uma questão eminentemente social, transferindo a responsabilidade das incapacidades causadas pela deficiência do indivíduo para a sociedade que é incapaz de se ajustar às diversidades do indivíduo. O ponto de partida teórico do modelo social é ser a deficiência considerada uma experiência resultante da interação entre características corporais do indivíduo e as condições da sociedade em que ele vive, isto é, da combinação

Capítulo 7: Deficiência e distrofia muscular: apresentação de correlação teórica

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de limitações impostas pelo corpo com algum tipo de perda ou redução de funcionalidade a uma organização social pouco sensível à diversidade corporal.6

Por si só, nenhum dos modelos é adequado, embora ambos sejam parcialmente válidos. Incapacidade é um fenômeno complexo que é tanto um problema no corpo da pessoa, como também um problema social. Em outras palavras, ambas as respostas médica e social são apropriadas aos problemas associados à incapacidade, e não podemos rejeitar totalmente qualquer um dos tipos de intervenção.20 Um modelo melhor de incapacidade, em resumo, é aquele que sintetiza o que é verdadeiro nos modelos médico e social, sem cometer o erro de reduzir a noção complexa e total de incapacidade a apenas um dos seus aspectos. Os profissionais de saúde não devem se preocupar apenas com os problemas relacionados às funções e às estruturas do corpo, mas também incluir atividades de participação do indivíduo.18

Para se obter a integração das várias perspectivas de funcionalidade, a OMS optou por organizar a CIF com uma abordagem “biopsicossocial”, na qual tenta chegar a uma síntese que ofereça uma visão coerente das diferentes perspectivas de saúde: biológica, individual e social.

Para uma melhor compreensão da CIF faz-se necessário apresentar as definições de algumas palavras no contexto da saúde que se tornam fundamentais para a discussão de deficiência (quadro 2). Outro fator fundamental para a utilização prática deste conhecimento por profissionais que trabalham com pessoas com deficiência inicia-se na compreensão dos capítulos da CIF divididos em: Função e estrutura corporal; Atividade e participação; e Fatores ambientais (quadro 3).

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Quadro 2- Definições no contexto da saúde apresentadas pela CIF (OMS, 2003).

Funções do Corpo: são funções fisiológicas dos sistemas corporais (incluindo funçõespsicológicas).

Estruturas do Corpo: são partes anatômicas do corpo, tais como órgãos, membros e seus componentes.

Deficiências: são problemas na função ou estrutura do corpo, tais como uma perda ou desvio significantes.

Atividade: é a execução de uma tarefa ou ação por um indivíduo.

Participação: é o envolvimento em uma situação de vida.

Limitações na Atividade: são dificuldades que um indivíduo pode ter para executar atividades.

Restrições à Participação: são problemas que um indivíduo pode ter no envolvimento em situações de vida.

Fatores Ambientais: são compostos pelo ambiente físico, social e de atitudes em que as pessoas vivem e conduzem suas vidas.

Quadro 3 - lista completa de capítulos da CIF

CorpoFunção:Funções MentaisFunções Sensoriais e DorFunções de Voz e FalaFunções dos Sistemas Cardiovascular, Hematológico,Imunológico e RespiratórioFunções dos Sistemas Digestivo, Metabólico eEndócrinoFunções Geniturinárias e ReprodutivasFunções Neuromusculoesqueléticas e Relacionadas ao MovimentoFunções da Pele e Estruturas Relacionadas

Estrutura:Estruturas do Sistema NervosoOlho, Ouvido e Estruturas RelacionadasEstruturas Relacionadas à Voz e à FalaEstruturas dos Sistemas Cardiovascular, Hematológico,Imunológico e RespiratórioEstruturas Relacionadas aos Sistemas Digestivo,Metabólico e EndócrinoEstruturas Relacionadas aos Sistemas Genitourinário eReprodutivoEstruturas Relacionadas ao MovimentoPele e Estruturas Relacionadas

Atividades e ParticipaçãoTarefas e Demandas Gerais

ComunicaçãoMobilidade

Cuidado PessoalVida Doméstica

Relações e Interações InterpessoaisÁreas Principais da Vida

Vida Comunitária, Social e Cívica

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Quadro 3 - lista completa de capítulos da CIF

Fatores AmbientaisProdutos e Tecnologia

Ambiente Natural e Mudanças Ambientais feitas pelo ser HumanoApoio e Relacionamentos

AtitudesServiços, Sistemas e Políticas

Esclarecendo melhor o quadro 3, é considerado deficiência um problema que esteja diretamente relacionado à função e estrutura corporal. Direcionando a CIF para a área da Distrofia Muscular e considerando a importância do movimento corporal para a realização de tarefas em jogos eletrônicos, provavelmente, os capítulos de maior interesse (quadro 4) com relação à deficiência são os de problemas de funções Neuromusculoesqueléticas e relacionadas ao movimento (função corporal), representados por códigos numéricos após a letra “b” que representa a palavra body (corpo), e o capítulo de estruturas relacionadas ao movimento (estrutura corporal), neste caso apresentadas por código numérico após a letra “s” que representa a palavra structure (estrutura).

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Quadro 4- Apresentação dos capítulos de funções e estruturas relacionadas ao

movimento

CorpoFunções corporais Estruturas corporaisFunções Neuromusculoesqueléticas e relacionadas ao movimento

Funções das articulações e dos ossos (b710-b729)

b710 Funções relacionadas à mobilidade das articulações

b715 Funções relacionadas à estabilidade das articulações

b720 Funções da mobilidade óssea

b729 Funções das articulações e dos ossos, outras especificadas e não especificadas

Funções musculares (b730-b749)

b730 Funções relacionadas à força muscular

b735 Funções relacionadas ao tônus muscular

b740 Funções de resistência muscular

b749 Funções musculares, outras especificadas e não especificadas

Funções dos movimentos (b750-b789)

b750 Funções relacionadas ao reflexo motor

b755 Funções relacionadas aos reflexos de movimentos involuntários

b760 Funções relacionadas ao controle dos movimentos voluntários

b765 Funções relacionadas aos movimentos involuntários

b770 Funções relacionadas ao padrão da marcha

b780 Sensações relacionadas aos músculos e funções de movimento

b789 Funções do movimento, outras especificadas e não especificadas

Estruturas relacionadas ao movimento

s710 Estrutura da região da cabeça e do pescoço

s720 Estrutura da região do ombro

s730 Estrutura da extremidade superior

s740 Estrutura da região pélvica

s750 Estrutura da extremidade inferior

s760 Estrutura do tronco

s770 Estruturas musculoesqueléticas adicionais

s798 Estruturas relacionadas ao movimento, outras especificadas

s799 Estruturas relacionadas ao movimento, não especificadas

Capítulo 7: Deficiência e distrofia muscular: apresentação de correlação teórica

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Quadro 4- Apresentação dos capítulos de funções e estruturas relacionadas ao

movimento

CorpoFunções corporais Estruturas corporaisb798 Funções neuromusculoesqueléticas e relacionadas aos movimentos, outras especificadas

b799 Funções neuromusculoesqueléticas e relacionadas aos movimentos, não especificadas

É verdade que toda pessoa com Distrofia Muscular quer informação e uma identificação bastante clara de sua deficiência, mas interessante também é saber qual o grau de comprometimento que afetou as funções e estruturas corporais. Apesar da fraqueza muscular progressiva e atrofia serem inerentes à Distrofia Muscular, sabe-se que o grau do envolvimento e do prejuízo varia em detrimento da heterogeneidade clínica.21,22 Desta forma, após a identificação da função ou estrutura do corpo que apresenta deficiência pode-se quantificar por meio de qualificadores (quadro 5) se a deficiência é ligeira, moderada, grave ou completa, o que auxiliará diferentes profissionais na organização de um programa multidisciplinar voltado para o grau de comprometimento específico de cada indivíduo.

Quadro 5- Qualificador comum com escala negativa utilizado para indicar a

extensão ou magnitude de uma deficiência

0 NENHUMA deficiência (nenhuma, ausente, escassa…) 0-4 %

1 deficiência LIGEIRA (leve, pequena,…) 5-24 %

2 deficiência MODÉRADA (média, regular…) 25-49 %

3 deficiência GRAVE (grande, extrema…) 50-95 %

4 deficiência COMPLETA (total…) 96-100 %

A proposta da CIF reflete a mudança de uma abordagem baseada nas consequências das doenças para uma abordagem que prioriza

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a funcionalidade como um componente da saúde e considera o ambiente como facilitador ou como barreira para o desempenho de ações e tarefas. A nomenclatura utilizada baseia-se nas descrições positivas de função, atividade e participação. Na versão final da OMS, funcionalidade engloba todas as funções do corpo e a capacidade do indivíduo de realizar atividades e tarefas relevantes da rotina diária, bem como sua participação na sociedade.

O grande diferencial da CIF é propiciar não somente a identificação da deficiência, mas saber qual o impacto que determinada deficiência causou na vida do indivíduo, ou seja, qual a dificuldade que determinada deficiência causa na execução de uma tarefa ou ação por um indivíduo (atividade) e no envolvimento em uma situação de vida (participação).

A identificação individual de como as limitações interferem nas atividades cotidianas e na efetiva participação social deve ser aplicada para qualificar a deficiência na Distrofia Muscular. Até o presente momento, acredita-se que o caráter progressivo da doença influencie na habilidade física de participar de diferentes tipos de atividades, o que nos permite reconhecer que o nível de participação, as restrições para a participação e as mudanças no padrão de participação com a idade e a progressão da Distrofia Muscular ainda não foram investigadas de maneira ideal.13

A CIF, nas distrofias musculares poderia verificar a participação do paciente, que é definida como engajamento direto em uma situação de vida, incluindo atividades de cuidado pessoal, mobilidade, relações sociais, educação, recreação e lazer, espiritualidade e vida comunitária.13

Bendixel et al. (2012)13 reforçam a necessidade de avaliar periodicamente as atividades que pessoas com distrofia muscular de Duchenne optam por participar, com especial destaque para os facilitadores e as barreiras durante todo o curso de uma doença. Não somente para a distrofia musculares de Duchenne, mas também para os dos demais tipos de Distrofia Muscular, faz-se necessário também a constante identificação das barreiras

Capítulo 7: Deficiência e distrofia muscular: apresentação de correlação teórica

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existentes, considerando a possibilidade de diferentes estágios e formas de progressão.21,22

O monitoramento constante da funcionalidade, atividade e participação pelos profissionais da equipe multidisciplinar em conjunto a auto-avaliação dos mesmos itens pelos pacientes oferecem uma forma particular de caracterização dos comprometimentos apresentados e garantem um atendimento otimizado.13

A análise da percepção da doença pelas pessoas com Distrofia Miotônica tipo I por meio dos qualificadores da CIF foi proposta por Kierkegaard M (2009).12 O estudo objetivou descrever e analisar a auto-percepção quanto à funcionalidade e incapacidade, tais como problemas na força muscular, dor e função intestinal e quanto às barreiras ou facilitadores ambientais em atividades que demandam mobilidade tais como subir e descer degraus, correr, pular e levantar objetos pesados. Verificou-se que esta é uma informação relevante e deve ser considerada na avaliação da deficiência.

A proposta deste capítulo é oferecer subsídios para profissionais da área e os serviços de saúde que atuam com pessoas com Distrofia Muscular, incentivando a realização de classificação da funcionalidade e da capacidade em todo o curso da doença por meio da análise dos qualificadores da CIF concomitante às avaliações clínicas e terapêuticas específicas. É de extrema importância a realização de avaliações periódicas compostas por dados quantitativos advindos de escalas funcionais e/ou instrumentos de medida validados para esta população, a fim de monitorar a evolução e elaborar programas terapêuticos específicos.

CONCLUSÃODeficiências são problemas na função ou estrutura do corpo

tais como uma perda ou desvio significantes. O enfoque principal de uma deficiência é a sua influência nos fatores contextuais

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(ambientais e pessoais) e seus impactos, tanto positivos quanto negativos, nas três dimensões das condições de saúde: estrutura e função do corpo, atividade e participação social. Nessa classificação, todos os domínios de saúde e os conteúdos relacionados interagem e apresentam a mesma relevância para descrever o processo de funcionalidade e incapacidade. Essa possibilidade de se pensar a deficiência constitui uma abordagem com múltiplas perspectivas para descrever a funcionalidade e a incapacidade como um processo interativo e evolutivo e, provavelmente, será utilizada por todos os profissionais da saúde que trabalham com deficiência física.

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Capítulo 7: Deficiência e distrofia muscular: apresentação de correlação teórica

134

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–– CAPÍTULO 8

ALTERAÇÕES DO SISTEMA NERVOSO CENTRAL NAS DISTROFIAS MUSCULARES

Maria Clara Drummond Soares de Moura, Denise Caldeira Troise, Renata Hydee Hasue

INTRODUÇÃOAs distrofias musculares são classificadas como miopatias

primárias, geneticamente determinadas. Sabe-se, contudo, que algumas delas podem manifestar alterações não só na fibra muscular, mas também do Sistema Nervoso Central (SNC). Até o momento, foram descritas alterações neurais na distrofia muscular congênita, na distrofia muscular miotônica tipo I e na distrofia muscular de Duchenne (DMD).

A distrofia muscular congênita clássica ou pura é caracterizada por não apresentar alteração estrutural do SNC e por possuir inteligência normal, embora 40-50% dos casos que são merosina deficiente mostrem alterações da substância branca cerebral1. Alguns dos subtipos da distrofia muscular congênita - as do tipo Fukuyama, síndrome Muscle-Eye-Brain e Walker-Warburg - podem manifestar comprometimento do SNC, sendo chamadas genericamente de “óculo-cerebrais”. Nestes casos, são observadas alterações estruturais do córtex cerebral, deficiência mental e déficits oculares.

A distrofia miotônica tipo I, por sua vez, está associada à lentidão ou deficiência da função mental, alteração da habilidade visuoespacial, sonolência excessiva, mudanças de comportamento e perda da iniciativa2. Estudos neuroradiológicos demonstraram achados como alargamento ventricular, lesões da substância branca ou atrofia3 e presença de fibrose nos lobos frontal e cerebral4.

Capítulo 8: Alterações do sistema nervoso central nas distrofias musculares

138

A DMD é a mais comum das distrofias musculares e até o momento existem inúmeros trabalhos mostrando evidências a respeito das alterações comportamentais e morfofuncionais do SNC. Deste modo, estas alterações serão descritas mais detalhadamente neste capítulo.

ALTERAÇÕES MORFOFUNCIONAIS DO SISTEMA NERVOSO CENTRAL NA DISTROFIA MUSCULAR DE DUCHENNE

As alterações genéticas do cromossomo X características da Distrofia Muscular de Duchenne (DMD) alteram a expressão da proteína distrofina não só nas células musculares, mas também em outros órgãos e sistemas como na retina, nos rins e no SNC5,6,7. Uma vez que existe uma alta concentração de distrofina nas regiões de cerebelo e hipocampo em indivíduos normais, a atenção de diversos pesquisadores foi voltada para o estudo aprofundado do tecido nervoso em pessoas com DMD.

Exames de tomografia por emissão de pósitrons (PET) foram mais conclusivos quanto ao funcionamento do encéfalo dos pacientes com DMD, permitindo uma maior compreensão das áreas acometidas nos pacientes. Bresolin et al. (1994)8 relatam presença de hipometabolismo cerebelar bilateral em todos os pacientes com DMD examinados. Estes pacientes apresentaram ainda variável envolvimento de áreas corticais associativas. Em estudo utilizando imageamento por ressonância magnética (iRM) foi identificado um aumento na taxa de fosfato inorgânico/ATP em pacientes com DMD, que apresentou correlação positiva com o déficit cognitivo apresentado por eles (Tracey et al, 1995)9 .

As alterações neuronais podem ocorrer em diversas regiões do SNC, dentre elas, o córtex cerebral, o cerebelo e a formação hipocampal, sendo observadas tanto em camundongos geneticamente modificados para não expressar o gene da distrofina, denominados mdx mouse,10,11,12,13 quanto em indivíduos com DMD14,6.

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A proteína distrofina é expressa durante o desenvolvimento embrionário do SNC e pode regular a neurogênese, migração neuronal e diferenciação celular15. A participação da distrofina em ações moduladoras em um grande número de vias neurais6 poderia justificar as alterações morfofuncionais do SNC nos pacientes com DMD11.

Bases moleculares das alterações neurais: papel das isoformas da distrofinaO gene Xp21 é transcrito por três promotores que produzem a

proteína distrofina completa (Dp427). O promotor-M está ativo no tecido muscular e também no tecido nervoso, sintetizando a distrofina nas células da glia e células endoteliais fetais. Além deste, outros dois promotores (B e P) transcrevem o gene e dirigem a síntese de proteínas dentro do SNC, sendo o promotor-B nos neurônios do hipocampo e do córtex cerebral, e o promotor-P nas células de Purkinje cerebelares e também corticais fetais6,12,16.

A distrofina completa (Dp427) pode ser dividida em quatro domínios distintos, sendo que no SNC três outras proteínas menores são codificadas na porção distal no gene (C-terminal): as isoformas Dp116, Dp140 e Dp71. Dentre estas, as duas últimas têm maior expressão no SNC, interferindo principalmente nas funções cognitivas12.

Em geral, em encéfalos normais, a Dp427 (proteína distrofina completa) e suas isoformas estão mais concentradas na densidade pós-sináptica (DPS) de neurônios piramidais do neocórtex cerebral (principalmente camadas profundas das células piramidais do córtex frontal), regiões hipocampais e, de forma mais abundante, no soma e nos dendritos de células de Purkinje no cerebelo17,18. Foi verificado, porém, que a proteína não é expressa nem em encéfalos de camundongos mdx6,11nem no córtex cerebral de um indivíduo com DMD, após autópsia comparativa com cérebro controle19. Isto sugere que a atividade sináptica seja claramente distinta entre os sujeitos com densidade normal da proteína no SNC, e aqueles com deficiência de distrofina. Vale ressaltar que estas alterações não

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tinham sido relatadas anteriormente, já que Dubowitz and Crome (1969)20, em necropsia com 21 meninos portadores de DMD, não observaram nenhuma alteração estrutural no encéfalo.

Giliberto et al., (2004)21 observaram que deleções em diferentes regiões do gene Xp21 podem afetar a expressão de uma ou várias isoformas da distrofina, levando a déficits multifuncionais de nível moderado a grave. A ausência das três isoformas truncadas (Dp71, Dp140 e Dp116), resultado de deleções na porção distal do gene, pode gerar efeitos cumulativos, levando à deficiência mental severa. Pacientes com deleções proximais raramente apresentam um severo grau de comprometimento mental. Nestes casos, com a deficiência apenas da distrofina completa (Dp427), mantendo a transcrição das demais isoformas menores da distrofina, as funções cognitivas parecem estar comprometida apenas de forma leve ou moderada22,21 ou até mesmo não serem afetadas23,24,25. Apesar do papel da distrofina completa (Dp427) no SNC ainda ser pouco clara, evidências sugerem que ela aja no direcionamento (targeting) ou na estabilização dos receptores GABAa na densidade pós-sináptica da membrana celular sendo que, na sua ausência, há diminuição no tamanho e número de agrupamentos destes receptores nas sinapses do SNC de camundongos mdx26,27.

Consequências disto são os distúrbios na plasticidade sináptica evidenciados nos camundongos mdx. Foi observada uma diminuição significativa na depressão de longo prazo (LTD) nas células de Purkinje cerebelares destes animais, gerada possivelmente por um distúrbio na homeostase do cálcio28. Já no hipocampo, a deficiência de distrofina gera um aumento na potenciação de curto e de longo prazo (STP e LTP, respectivamente), além de uma melhora na eficiência sináptica e na excitabilidade neural dos neurônios da região CA1 hipocampal. Isto se daria provavelmente por uma lentificação no disparo de receptores NMDA causada pelo número reduzido de receptores GABAa29,30. Estas alterações foram encontradas em animais que apresentaram também importante distúrbio na consolidação e expressão na

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memória de reconhecimento de longo-prazo, sugerindo que um aumento anormal da plasticidade sináptica e da excitabilidade neural podem ser deletérias para as funções cognitivas, visto que alterações similares foram também observadas em pacientes com Doença de Alzheimer31. Assim, sugere-se que a ausência da Dp427 poderia interferir de modo importante na função neural e, consequentemente cognitiva, também de meninos com DMD32.

Já a função das isoformas truncadas da distrofina ainda permanece desconhecida, porém sabe-se que a sua ausência é ainda mais relevante para a função cognitiva de meninos com DMD. Em trabalho realizado no Brasil, cinquenta por cento dos 148 pacientes com DMD avaliados apresentaram deficiência mental, sendo que o exon 52 se mostrou funcionalmente determinante para a manifestação deste comprometimento. Setenta por cento dos pacientes com mutação neste exon apresentaram a deficiência, e, ao contrário, 62% de todos os pacientes com o déficit apresentaram este tipo de deleção33. Trabalhos posteriores encontraram incidência um pouco inferior da mesma correlação genética25,34. No caso, a deleção no exon 52 parece interromper a sequência de codificação de uma das isoformas da distrofina expressas no cérebro que tem especial correlação com o comprometimento cognitivo nos pacientes com DMD, a Dp140 22,35.

A Dp140 tem sua transdução iniciada no exon 51, sendo expressa principalmente nos tecidos fetais e em pequena quantidade no adulto36,37. Devido à sua maior presença durante a embriogênese, acredita-se que a ausência da Dp140 poderia ser um dos elementos genéticos a influenciar a maturação harmoniosa do Sistema Nervoso Central38. Em casos de DMD em que não há expressão da Dp140 o comprometimento intelectual é maior do que nos casos em que a proteína está presente; e ainda, em pacientes em que a inteligência é normal, a Dp140 está sempre presente35,38. D’Angelo et al. (2011)39 verificaram que meninos com comprometimento da porção distal da isoforma Dp140 são mais comprometidos clinicamente, e apresentam piora nas funções

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visuoespaciais e memória visual do que meninos com mutações localizadas na porção proximal do gene da distrofina (sem o envolvimento da Dp140).

Outra isoforma, a de maior impacto no encéfalo, é a Dp71. No SNC está presente no córtex cerebral, cerebelo, no plexo coroide ventricular, e hipocampo,6,40 num aumento de concentração crescente da proteína desde a fase embrionária até a fase adulta37,41.

O aumento gradual e precoce dos níveis de Dp71 no cérebro embrionário normal persistindo até a vida adulta sugere um papel da proteína no desenvolvimento do SNC, favorecendo o comprometimento que a sua ausência gera na inteligência de meninos com DMD.

Esta isoforma da distrofina está associada intimamente à membrana plasmática sináptica, sugerindo possível envolvimento com a transmissão de impulsos nervosos22. Seu papel ainda não é totalmente conhecido, mas além de sua ação direta, a proteína é também responsável pela codificação de outras proteínas, complicando ainda mais o entendimento de seu papel nas funções cerebrais e no desenvolvimento do SNC42. Os quadros mais graves de deficiência mental na DMD estão descritos na ausência da Dp7143.

Por fim, a Dp260 tem um papel importante no componente visual pela sua presença nas células fotorreceptoras da retina. São bem descritas na literatura alterações neurofisiológicas na retina de meninos com DMD, avaliadas através da eletroretinografia e potencial relacionado ao evento44,45, porém as alterações oftalmológicas já são mais controversas. Trabalho recente verificou que os meninos com DMD apresentam defeito na visão de cores para verde-vermelho, e que a alteração está intimamente relacionada à ausência da Dp26046, porém outras funções visuais como a acuidade visual e motilidade ocular parecem estar preservadas47.

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ALTERAÇÕES COGNITIVAS EVIDENCIADAS NA DISTROFIA MUSCULAR DE DUCHENNE

A ideia de que as funções cognitivas, além da função motora, também estariam alteradas nos pacientes com DMD foi primeiramente considerada por Duchenne de Boulogne, na segunda metade do século 19. Mas foi somente em 1980, mais de um século depois, que os pesquisadores buscaram detalhar mais profundamente os déficits mentais e elucidar seu substrato anatômico11.

A etiologia precisa do comprometimento mental nos meninos com DMD ainda permanece pouco clara, mas os trabalhos têm evidenciado sua correlação com alterações genéticas específicas22, 33,35,38,41,48. Muitos trabalhos descrevem que o atraso no desenvolvimento neuropsicomotor e a deficiência mental estão preferencialmente associados a alterações genéticas afetando o terço final do gene Xp21, justamente o local de codificação para as proteínas truncadas 21,24,33,34,49.

Outras evidências obtidas em estudos neuropatológicos parecem contribuir para a ideia de um substrato anatômico para o comprometimento cognitivo apresentado na DMD. Através de estimulação magnética transcraniana, Yayla et al. (2008)50 não observaram alterações eletrofisiológicas relacionadas à doença, enquanto por meio de tomografia computadorizada (TC) verificou-se atrofia cerebral leve em 67% dos 30 pacientes avaliados, dilatação ventricular leve em 60% e atrofia cortical em 30%. A avaliação cognitiva destes pacientes demonstrou que 1/3 deles apresentou deficiência mental, e destes, a maioria apresentava alterações na TC. Porém, mesmo aqueles que apresentaram TC normal, também apresentaram graus variados de comprometimento cognitivo51.

Para examinar mais detalhadamente as alterações cognitivas na DMD, diversos trabalhos têm usado testes neuropsicológicos para acessar tanto a inteligência como um todo (Coeficiente de inteligência, ou QI), como também os déficits específicos em cada função mental. Um estudo de meta-análise determinou as médias

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de testes simples de QI para pacientes com DMD, considerando QI total (QIT), QI verbal (QIV) e QI de performance (QIP, não-verbal). Considerando os 1146 meninos com DMD entre os trabalhos relacionados (média de 12,26 ± 4,06 anos), a média do QIT foi de 80.2, do QIV médio de 80.4, e do QIP de 85.4, sendo todos estatisticamente menores do que a média da população normal, que é 100 para os três casos. Os dados corroboram com a ideia de que os componentes que envolvem a linguagem são no geral mais prejudicados nos pacientes com DMD do que aqueles que envolvem de execução. 52

Já foi bem estabelecido na literatura que aproximadamente 30% dos indivíduos apresentam deficiência mental (DM), determinado pelo QI abaixo de 70 16,25,35,49,51, sendo esta uma incidência muito maior do que a observada na população normal (aproximadamente 2%)32. Na meta-análise citada anteriormente, do total de 1146 pacientes, 34,8% apresentaram DM. Destes, 79,3% apresentaram DM leve (QI entre 50 e 70); 19,3% apresentaram DM moderada (QI entre 35 e 50); 1,1% com DM severa (QI entre 20 e 35); e 0,3% com retardo mental profundo (QI menor que 20)52. Mas é importante notar que há um continuum nas habilidades intelectuais dos pacientes, com escores evidenciando desde quadros muito comprometidos (≤ 70) até superiores aos de meninos saudáveis (escores ≥ 130), sendo que a maioria dos pacientes se encontra dentro dos limites normais de inteligência. E dentre os testes avaliados, os índices que mostraram maior comprometimento foram aqueles envolvendo vocabulário, aritmética e memória (Digit Span)32.

Na mesma linha, outros trabalhos têm tentado caracterizar mais precisamente os déficits cognitivos que estariam levando ao prejuízo da inteligência dos pacientes demonstrado pelos testes de QI. Testes mais específicos têm sido aplicados, como os comportamentais em camundongos mdx e os neuropsicológicos em crianças. E a memória tem sido descrita como a função cognitiva mais comprometida. Tarefas com camundongos mdx demonstraram comprometimento do aprendizado de esquiva

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passiva, não relacionado à aquisição da tarefa ou à memória de procedimento, mas sim ao esquecimento rápido de novas informações aprendidas (Muntoni et al., 1991; Vaillend et al., 1995)53,54. Em trabalho mais recente, Vaillend et al. (2004)30

observaram que a ausência de distrofina nos camundongos mdx compromete a memória de reconhecimento de longo prazo, mas não a de curto prazo, e prejudica a memória espacial de longo prazo, mas não sua aquisição após treinamento massivo no labirinto na água. Assim, os autores concluem que a perda de distrofina altera a consolidação da memória tanto em tarefas de aprendizagem espacial como não espacial devido, pelo menos em parte, a alterações na plasticidade sináptica hipocampal30.

Apesar de algumas funções cognitivas estarem alteradas em alguns trabalhos e não em outros, o que parece bem consistente entre todos é a presença de prejuízo em testes de recordação imediata de informações (Digit Span). Os autores, em geral, verificaram que haveria um déficit específico relacionado principalmente ao componente verbal da memória operacional.8,55,56,57,58,59 Já Wicksell et al. (2004)60 confirmam a ideia de comprometimento maior na memória operacional, mas observaram pior desempenho dos pacientes também nos componentes visuo-espaciais da memória de curto prazo. Os autores observaram um prejuízo mais global na memória, incluindo a de longo prazo e também as funções executivas60.

Embora o comprometimento da memória operacional verbal tenha sido descrito como a função mental que mais contribui para o déficit intelectual global e para os distúrbios de leitura e aprendizagem apresentados pelos pacientes com DMD, alguns trabalhos têm sugerido que o teste em que os pacientes apresentam pior desempenho (Digit span) envolve componentes mentais diversos, não só memória operacional, como também atenção e linguagem32,61. Recentemente, foi verificada em meninos com DMD uma imaturidade no controle da atenção voluntária, sugerindo que o déficit cognitivo primário estaria relacionado

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a uma deficiência nos mecanismos atencionais62 dados estes corroborados por outros autores também61,63,64,65,66,67.

Dados interessantes também foram recentemente publicados sobre uma alta incidência de Transtorno de Déficit Atenção/ Hiperatividade (TDAH) nos meninos com DMD, mesmo que em estudos preliminares 68,69 ou por meio de entrevista qualitativa com os pais dos meninos70,71, assim como perturbações de desordem autista68,72,73.

Para verificar o impacto do comprometimento motor e dos fatores sócio ambientais sobre os baixos resultados obtidos nos testes de QI e memória em meninos com DMD, foram realizados alguns trabalhos comparativos com Amiotrofia Espinhal Progressiva (AEP), outra doença que acomete a função motora de crianças progressivamente16. Nestes estudos, o grupo com DMD mostrou maiores deficiências para aprendizagem, apresentando os escores tanto de QI verbal como de memória significativamente menores quando comparados com o grupo AEP56,63,74. Os trabalhos sugerem, então, que as alterações não são secundárias às limitações motoras, mas sim decorrente de características específicas da DMD.

Outro fator muito questionado quando se trata do déficit cognitivo nesses pacientes é a possibilidade de haver uma progressão do comprometimento ou alguma correlação com a idade, já que o componente motor tem a característica progressiva. Apesar de muitos autores apontarem o comprometimento como sendo estático, estudo recente evidenciou uma diminuição dos déficits após os 14 anos, concluindo que a função intelectual nos pacientes com DMD muda sim com a idade, mas não para pior. Isto não ocorre globalmente (QI total), mas sim nas funções verbais e de linguagem (QI verbal)75. No caso, crianças mais novas apresentam maiores dificuldades nos componentes de compreensão e expressão de linguagem, enquanto meninos mais velhos apresentam maiores dificuldades nos componentes de execução decorrentes dos déficits motores progressivos e das complicações médicas da idade. Outros autores também evidenciaram esta melhora

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tardia8,61, sugerindo inclusive que a melhora do QI em cadeirantes poderia ser explicado por mecanismos comportamentais adaptativos, como a maior maturidade para entender e lidar com a realidade da doença. Por outro lado, Yoshioka et al. (1980)51 apesar de não evidenciarem correlação do QI com a idade ou severidade da doença, observaram alterações mais severas na tomografia computadorizada nos meninos mais velhos.

Cotton et al. (1998)65 discutem um fator interessante que poderia estar relacionado aos pacientes que é a possibilidade de haver uma assimetria funcional dos déficits. Os autores descrevem que haveria um comprometimento específico de memória para faces, e não para palavras, nos pacientes com DMD, relacionando a resultados encontrados em indivíduos com lesões corticais em hemisfério direito. Estes dados podem ser sustentados por uma assimetria cortical também evidenciada por hipometabolismo em áreas específicas do hemisfério direito, como o córtex temporal lateral, giro pós- central e hipocampo76. Billard et al. (1998)56 consideraram ainda que os déficits dos pacientes com DMD de processamento verbal e na habilidade de leitura seriam comparáveis a quadros encontrados na dislexia disfonética, o subtipo mais comum de dislexia, que tem sido relacionada à disfunção do cerebelo direito11 ou mesmo a uma assimetria inter-hemisférica desregulada77.

O cerebelo tem sido foco principal da relação entre a ausência de distrofina e os achados neuropsicológicos. Em estudo de revisão, Cyrulnick et al. (2007)78 defendem que os déficits cognitivos específicos dos pacientes com DMD estão intimamente relacionados a comprometimento funcional do cerebelo. Apesar de diversas áreas do SNC estarem envolvidas na memória operacional verbal, as autoras acreditam que circuitos cerebro-cerebelares proveriam uma suposta explicação para os déficits. Ravizza et al. (2006)79 fortalecem esta ideia ao descreverem que lesões cerebelares geram déficits específicos na memória operacional verbal. O cerebelo contribuiria de maneira importante para aspectos de codificação fonológica, mais do que articulatórios.

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Em seu extenso trabalho de revisão, Cyrulnik and Hinton (2008)67 compilaram evidências morfológicas, funcionais e comportamentais que corroboram a hipótese de que déficits cognitivos visto na DMD ocorram por alterações nos circuitos cérebro-celebelares e nas células de Purkinje do cerebelo, devido à falta de distrofina. Os autores afirmam que a falta de distrofina no cérebro fetal pode levar a interrupção na formação de sinapses e consequentemente na função sináptica, especialmente no cerebelo, o que pode levar a uma consequência na aprendizagem.

Outros dados que reforçam a idéia do comprometimento cerebelar repousam sobre as evidências recentes indicando que crianças com DMD podem apresentar comorbidades como perturbações de desordem autista68,72,73, e déficit de atenção e hiperatividade68. Em ambos os casos, a fisiopatologia das alterações cognitivas e comportamentais envolve a função cerebelar uma vez que os autistas apresentam uma redução da densidade das células de Purkinje no córtex cerebelar e as crianças com déficit de atenção e hiperatividade apresentam diminuição do volume do vermis cerebelar80.

ALTERAÇÕES SENSORIOMOTORAS EVIDENCIADAS NA DISTROFIA MUSCULAR DE DUCHENNE

Para examinar mais detalhadamente as alterações morfológicas e sensoriomotoras na DMD, Lee et al. (2002)76 demonstraram, através dos dados de neuroimagem utilizando PET (Positron Emission Tomography), diminuição significativa do metabolismo de glicose em regiões do SNC, como o córtex cerebral direito (giro pós-central e temporal medial), na formação hipocampal esquerda (córtex perirrinal) e no cerebelo bilateralmente. Os autores sugerem ainda que estas disfunções do córtex somestésico e do cerebelo estejam associadas, respectivamente, às alterações na destreza manual e na cognição também vistas no mesmo estudo.

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A existência de causa neural para o controle motor na DMD alterado é sustentada pela identificação de desordens funcionais e morfológicas do tecido nervoso. Na análise anatomopatológica, foram identificadas desordem da arquitetura cortical, predominantemente na região frontotemporal, migrações neurais alteradas (heterotopias) e orientação neuronal anormal, com arborização do terminal dendrítico atenuada6. O desempenho motor pode também estar alterado devido a alterações corticais. Di Lazzaro et al. (1998)14 obtiveram resposta diminuída da excitabilidade do córtex motor, que o autor relaciona à falta de distrofina cortical, e não à alteração do trato córtico-espinal em si.

Como dito anteriormente, a falta de distrofina pode afetar também o córtex pré-frontal, a formação hipocampal, além do cerebelo67,78. Estas regiões do SNC fazem parte de circuitos que integram atenção e informações sensoriomotoras necessárias para as funções cognitivas e comportamentais, tanto durante o desenvolvimento, quanto na idade adulta6. A disfunção destes circuitos pode ter importante impacto comportamental e estar relacionada ao comprometimento das habilidades visuo-espaciais e motoras finas67, à diminuição da destreza manual76 e ao atraso no desenvolvimento motor não associado à fraqueza muscular78,81.

Lee et al. (2002)76 avaliaram a destreza manual de meninos com DMD (média de idade = 11,8 anos) e em comparação com adultos (média de idade = 27,6 anos). O desempenho do grupo com DMD foi pior que o do controle, o que provavelmente está relacionado com a diminuição do metabolismo de glicose em regiões específicas do SNC nestes pacientes vista pelos autores.

Já Cyrulnik et al. (2008)67 compararam a destreza manual de meninos com DMD com um grupo de crianças sem alterações neurológicas da mesma faixa etária, porém, incluindo meninas. Da mesma forma, o grupo com DMD apresentou pior desempenho motor, que pode ser explicado pelo atraso no desenvolvimento neuropsicomotor detectados nestes meninos em estudo anterior78.

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Considerando que foram descritas alterações morfológicas e funcionais nas áreas sensoriomotoras do córtex cerebral dos indivíduos com DMD14,76, é possível, portanto, qua a diminuição da destreza manual nestes pacientes tenha associação com alterações do processamento sensoriomotor do córtex cerebral.

Além disso, o comprometimento cerebelar destes pacientes também pode contribuir para as alterações na motricidade fina, uma vez que ele integra informações de praticamente todos os sistemas sensoriais, incluindo o visual, auditivo, somatosensorial e vestibular82,83. Troise (2012)84 avaliou a somestesia tátil e a coordenação motora com e sem a informação visual de meninos com DMD e comparou com um grupo controle da mesma faixa etária. O grupo DMD apresentou um prejuízo nas tarefas que exigiam a exploração tátil de um objeto e controle manual fino sem o uso da visão, o que pode ser justificado pela diminuição do metabolismo de glicose no cerebelo descrita por Lee et al. (2002)76.

A destreza manual depende informação visual e somestésica85,86. Dados de Troise (2012)84 indicam que as tarefas executadas sem o feedback visual são muito piores do que aquelas executadas de olhos abertos na criança com DMD. Assim, podemos depreender que esta integração dos estímulos somestésicos para o controle manual pode estar alterada.

As estratégias cognitivas e perceptivas em tarefas que evolvem memória visuo-espacial, reconhecimento de objetos ou de demanda atencional irá melhorar durante o desenvolvimento e contribuir para a aprendizagem motora87,88. Por isso, esta possível alteração da integração somestésica pode também estar relacionada em algum grau com o atraso no desenvolvimento motor em crianças com DMD.

Recentemente foi demonstrado um prejuízo no controle motor da mão de meninos com DMD em uma tarefa de destreza manual, que piora muito quando não eles não podem olhar para a própria mão. Ou seja, parece existir uma dependência exagerada do feedback da informação visual para o bom controle

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do membro superior, principalmente o não dominante. Este fato pode influenciar diretamente o desempenho de pacientes com DMD em tarefas manuais como jogos, e, portanto, o tratamento destes pacientes deve incluir o treino de tarefas de coordenação e a manipulação das condições sensoriais, com e sem visão, ao longo de uma sessão89.

Concluindo, a destreza manual depende do feedback sensorial, e como já citado anteriormente, foram descritas alterações morfológicas e funcionais nas áreas sensoriomotoras do córtex cerebral dos indivíduos com DMD14,76. O comprometimento cerebelar também pode contribuir para as alterações na motricidade fina, uma vez que ele integra informações de praticamente todos os sistemas sensoriais, incluindo o visual, auditivo, somatosensorial e vestibular82,83. Desta forma, é possível, portanto, que a diminuição da destreza manual em meninos com DMD tenha associação com alterações do processamento sensoriomotor do córtex cerebral e do cerebelo.

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159

–– CAPÍTULO 9

REALIDADE VIRTUAL E JOGOS ELETRÔNICOS: DEFINIÇÃO E APLICABILIDADE PRÁTICA

Ana Angélica Ribeiro de Lima, Simone Minae Yoneyama, Camila Miliani Capelini,

Francis Meire Favero, Ana Grasielle Dionísio Corrêa, Carlos Bandeira de Mello Monteiro

As primeiras interfaces computacionais, usadas nas décadas de 40 e 50, eram baseadas em chaves e lâmpadas, que permitiam uma comunicação com o computador baseada em linguagem de máquina. Na década de 60, surgiram os consoles com vídeo, dando início às interfaces gráficas rudimentares1. Com a utilização de microprocessadores, nas décadas de 70 e 80, os microcomputadores se popularizaram, usando interface baseada em comandos, como o Sistema Operacional em Disco ou Disk Operating System (DOS). A evolução desta interface resultou no Sistema Operacional Windows que explora técnicas de multimídia e persiste até os dias atuais2. Apesar de atrativo e de possuir bom potencial de uso, a interface Windows fica restrita à limitação da tela do monitor e ao uso de componentes gráficos tais como menus e ícones.

Estudos sobre interfaces gráficas foram iniciadas em 1963 com o pesquisador Ivan Sutherland. Em uma de suas pesquisas, Sutherland (1963)1 desenvolveu o primeiro sistema gráfico interativo, o qual interpretava desenhos como dados de entrada e realizava associações com topologias conhecidas, gerando novos desenhos. Nas décadas de 70 e 80, surgiu o termo Realidade Virtual, criado por Jaron Lanier, artista e cientista da computação que conseguiu convergir dois conceitos antagônicos em um novo conceito, capaz de captar a essência dessa tecnologia: a busca pela fusão do real com o virtual.

Capítulo 9: Realidade virtual e jogos eletrônicos: definição e aplicabilidade prática

160

De acordo com Tori e Kirner (2006)3, a Realidade Virtual (RV) é uma técnica avançada de interface homem-máquina, onde o usuário pode navegar e interagir em um ambiente sintético tridimensional gerado por computador. O objetivo dessa tecnologia é recriar ao máximo a sensação de realidade para uma pessoa, levando-a a adotar essa interação como uma de suas realidades temporais.

A RV faz uso de equipamentos especiais, tais como capacetes de visualização, luvas de força e pressão, óculos estereoscópicos, mouses 3D, entre outros. Esses equipamentos ampliam os canais multissensoriais (visão, audição e tato) e são utilizados para permitir com que o usuário seja transportado para dentro do cenário da aplicação4. Desta forma, o usuário pode explorar e manipular mundos virtuais imaginários como se estivesse fazendo parte dele.

As aplicações computacionais que utilizam RV são capazes de responder às ações dos usuários de forma intuitiva e interativa em ambientes tridimensionais. Em geral, há um esforço para aproximar o usuário do ambiente computacional, oferecendo interação por meio de dispositivos que capturam os movimentos de forma natural.5,6,7

CARACTERÍSTICAS DA REALIDADE VIRTUALAs aplicações da RV são caracterizadas pela interação, imersão

e envolvimento.8 A interação está relacionada à capacidade do computador em detectar as entradas do usuário e modificar instantaneamente o mundo virtual em função das ações efetuadas sobre ele. As pessoas são cativadas por uma boa simulação em que as cenas mudam em resposta aos seus comandos. Essa é característica mais marcante dos videogames, o que torna a interação mais rica e natural. A interação homem-computador é conseguida por meio de dispositivos, que capturam movimentos de forma natural e/ou por canais multissensoriais que permitem explorar as aplicações por meio da visão, audição, tato e até mesmo o olfato.5,7

A. A. R. de Lima, S. M. Yoneyama, C. M. Capellini, F. M. Favaro, A. G. D. Corrêa, C. B. de M. Bandeira

161

A imersão consiste em fazer com que o usuário se sinta presente no ambiente tridimensional. Normalmente, um sistema imersivo é obtido com o uso de capacete de visualização, ou cavernas digitais; ou podem ser baseados em salas com projeções das visões nas paredes, teto, e piso. Além do fator visual, dispositivos ligados aos demais sentidos também são importantes para o sentimento de imersão, como o som, o posicionamento automático da pessoa e dos movimentos da cabeça, controles reativos, entre outros.5,6

O envolvimento, por sua vez, se relaciona à capacidade que a aplicação computacional apresenta para motivar o usuário a realizar determinada atividade, através da estimulação de seus sentidos. O envolvimento pode ser passivo, como ler um livro ou assistir televisão, ou ativo, ao participar de um jogo com algum parceiro. A RV tem potencial para os dois tipos de envolvimento, permite a exploração de um ambiente virtual e propicia a interação do usuário com o mundo virtual dinâmico.5,6,7

TIPOS DE SISTEMA DE REALIDADE VIRTUALDe acordo com Tori e Kirner (2006)3, os ambientes virtuais

desenvolvidos com RV podem ser classificados em: Imersivo, Semi-Imersivo e Não-Imersivo. A RV Imersiva permite que o usuário seja transportado para dentro do ambiente virtual, por meio de dispositivos multissensoriais, que capturam seus movimentos, comportamento e reagem a eles. São exemplos desses dispositivos os capacetes de visualização (head-mounted display), a caverna digital, as luvas digitais, entre outros. Sistemas Imersivos também podem utilizar ambientes tais como sistemas de captura de vídeo (Irex, Phantom12; SensAble Technologies Inc.), onde os usuários veem a si mesmos ou um avatar (representação do indivíduo) em uma cena na tela do computador, da mesma forma que é visualizado em uma televisão.9

A RV Semi-Imersiva é utilizada para definir as aplicações que podem ser visualizadas por meio de dispositivos mais simples

Capítulo 9: Realidade virtual e jogos eletrônicos: definição e aplicabilidade prática

162

como monitores de vídeo com óculos polarizados10. Tais ambientes não proporcionam imersão total, pois o usuário observa o mundo virtual ao mesmo tempo em que observa o mundo real que circunda este dispositivo de visualização. Isso impede que o usuário se sinta completamente imerso dentro do ambiente virtual, uma vez que o dispositivo não é capaz de isolá-lo das influências externas que ocorrem ao seu redor.

Em um sistema de RV Não-Imersiva, os usuários interagem em diferentes graus com o ambiente exibido na tela do computador, com ou sem mouse, dispositivos como Cybergloves / Cybergrasps, joysticks ou sensores de força. A realização de diferentes níveis de “presença virtual” está relacionada ao grau de imersão do usuário e o sentido da tarefa virtual.9

EXERGAMESSe constituem numa tecnologia de captação de movimentos

humanos de forma comercializável ao mercado. Essa nova forma de interação tem recebido diferentes denominações, tais como: exergames, exergaming, activity-promoting video games, physically interactive video game, active video gaming, motion-sensing video game, activity promoting computer games, active video games, entre outras.11

Exergames é um termo relativamente novo usado para descrever o vídeo interativo ou jogos eletrônicos que caracterizam o movimento do jogador, tal como ocorreria na “vida real”, no qual o indivíduo realiza uma participação ativa com o jogo, inclusive por meio de exercícios. Essa possibilidade de mistura entre exercício físico com jogo é o grande diferencial do “exergames”, permitindo que a fascinação pelos games seja tão aproveitada quanto a prática do exercício físico.12 Os jogos e tarefas propiciadas pelos consoles eletrônicos são projetados para serem divertidos e cativantes, com partituras e diversos recursos motivacionais para incentivar o usuário a melhorar o seu desempenho (medalhas em jogo,

A. A. R. de Lima, S. M. Yoneyama, C. M. Capellini, F. M. Favaro, A. G. D. Corrêa, C. B. de M. Bandeira

163

comentários incentivadores, playback de vídeo, bônus, música, etc). Os estímulos visuais e auditivos desses jogos promovem um aumento do feedback, que pode ser um eficiente estímulo adicional aos exercícios terapêuticos.13

JOGOS EM REALIDADE VIRTUAL Jogos Eletrônicos e RV são áreas que tiveram sua origem

no início da década de 1960 e que acabaram se desenvolvendo de forma independente. A Computação Gráfica é a principal tecnologia por trás de jogos eletrônicos e da RV. Devido ao grande avanço ocorrido no hardware gráfico e na diminuição do seu custo, pesquisas que englobam jogos eletrônicos e RV tendem a produzir resultados cada vez mais interessantes que aumentam o grau de interatividade entre o homem e o computador.4

Com a evolução tecnológica, atualmente existe a possibilidade de utilização dos jogos eletrônicos como um recurso adicional dentro de programas de reabilitação. Por esse motivo, cada vez mais pesquisas são desenvolvidas a fim de quantificar os benefícios desse tipo de tecnologia.14,15,16 A seguir são apresentados os jogos mais utilizados na área da saúde, em especial, na reabilitação.

PlayStation® Em 1994, a Sony Computer Entertainment America (SCEA)

foi fundada como divisão norte-americana da Sony Computer Entertainment Inc. Levou aproximadamente quatro anos para desenvolver o console Playstation, que foi introduzido nos Estados Unidos em 1995. Muito antes de ser possível ter jogos em CD-ROM, ou gráficos poligonais em 3D, a Sony Computer Entertainment Inc. (SCEI) se fixou em um objetivo não tão humilde: a criação de uma plataforma de jogos que se converte em algo tão popular como o videocassete e, assim, mudou a indústria permanentemente.17

O PlayStation® II EyeToy® lançado pela Sony Inc., no início de 2000, usa uma câmera de vídeo, semelhante a uma webcam que é

Capítulo 9: Realidade virtual e jogos eletrônicos: definição e aplicabilidade prática

164

capaz de reconhecer um gesto e, assim, permitir interação com o jogo. O EyeToy® inclui a aplicação de muitos ambientes motivadores e competitivos que podem ser desempenhados por um ou mais jogadores com diferentes efeitos visuais, os quais incentivam o movimento ativo sem dar uma pontuação. Por exemplo, pintar um arco-íris ou realizar tarefas funcionais, como atuar como um chef de cozinha ou servir refeições em um restaurante. O EyeToy® é uma oportunidade de interagir com a RV através de objetos que podem ser exibidos em um monitor de TV padrão. É de baixo custo e fácil configuração sendo estas vantagens a se considerar na sua utilização para a reabilitação.18,19

O console da Sony PlayStation® MoveTM 20 é uma combinação entre o sistema do PlayStation® III, a câmera PlayStation® Eye e o controle de movimento PlayStation® MoveTM. A câmera PlayStation® Eye capta o movimento realizado pelo jogador com precisão e o traduz para o jogo imediatamente. Esta câmera apresenta alta acurácia na captura da posição dos jogadores, monitorando o posicionamento da parte superior do corpo e dos braços, possui zoom para aproximar ou distanciar a imagem e permite aos jogadores criar um avatar em jogos. O controle de movimento PlayStation® MoveTM é composto por um avançado sistema de sensores de movimento, uma esfera que muda de cores dinamicamente e permite à câmera captar sua posição no espaço. Além disso, possui um sistema de feedback vibratório e um botão de interface de fácil manejo. Este controle possui bateria de lítio que pode ser recarregada via USB no próprio console, além de permitir a utilização da tecnologia Bluetooth para jogos sem fio e a utilização de até quatro controles ao mesmo tempo. O PlayStation® MoveTM permite ainda a atualização de jogos do PlayStation® III via internet.21

Nintedo® Wii™

A plataforma do Wii™ é uma interface de baixo custo que tem uma ampla utilidade, com a vantagem de ser portátil, fácil e

A. A. R. de Lima, S. M. Yoneyama, C. M. Capellini, F. M. Favaro, A. G. D. Corrêa, C. B. de M. Bandeira

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confortável de ser transportado, devido ao seu pequeno tamanho (0,511m de largura por 0,316 de comprimento por 0,053m de espessura) e peso (3,5Kg sem baterias). Além disso, possui conexão via Bluetooth operado com bateria. A plataforma ainda contém quatro sensores de força (localizado um em cada lado) que é usado para medir o centro de equilíbrio e peso.22

Os movimentos físicos do usuário são refletidos na projeção, de modo que os movimentos virtuais são semelhantes àqueles empreendidos no plano material. É como se o personagem, um avatar chamado Mii, do lado de “dentro” do jogo, tivesse as mesmas reações ou ações da pessoa que está portando o Wii RemoteTM.23

O movimento é controlado pelo controle remoto Wii™, “Nunchuk” ou plataforma de equilíbrio (ou em combinação). O controle remoto Wii™ é semelhante a um controle remoto de televisão, e utiliza um acelerômetro de três eixos para traduzir o movimento do corpo em movimento na tela. Até quatro controles remotos Wii™ podem ser conectados ao console, o que possibilita jogar no modo “single player” (único jogador), quando o indivíduo joga contra um adversário gerado por computador, ou no modo “multiplayer” (vários jogadores), quando os jogadores permanecem lado a lado e um joga contra o outro, permitindo jogos em grupo e aumentando a interação social.23 O controle Wii™ também oferece áudio básico e vibração. Já a plataforma de equilíbrio incorpora sensores de pressão para traduzir o movimento do jogador para o jogo.19

O Wii™ permite ao usuário segurar o controle como se estivesse, por exemplo, empunhando uma raquete. Dessa forma, o sensor do controle mede os movimentos da pessoa e o mapeia para dentro da aplicação de RV, produzindo um feedback tátil e permitindo a sensação física de interagir com os objetos da cena.24 Neste caso, o usuário sente a bola em contato com a raquete virtual e, apesar de não ser exatamente a mesma sensação do mundo real, esta é aumentada com o feedback auditivo. O Wii™ utiliza as diferenças das forças aplicadas e as acelerações do controle remoto para

Capítulo 9: Realidade virtual e jogos eletrônicos: definição e aplicabilidade prática

166

alterar a quantidade de feedback fornecida ao usuário.25

O console possui jogos como tênis, beisebol, boxe, boliche e golf até jogos que incorporam testes de equilíbrio, fitness e força. O Wii™ Sports é o jogo de Wii™ mais comum, pois ele é fornecido junto ao console quando ele é comprado. Várias simulações podem ser jogadas no Wii™ Sports, incluindo golfe e boliche, que geram um gasto energético de pouco menos de 3 METs, sendo considerados jogos de baixa intensidade26,27,28 e o tênis e beisebol, classificados como atividades de muito baixa intensidade.23

O Nintendo® Wii™ oferece um modo simples e acessível de terapia de realidade virtual que está sendo usado cada vez mais em unidades de reabilitação em todo o mundo.19,29

XBOX® 360É um console desenvolvido pela Microsoft em parceria com

a empresa Prime SenseTM, cujas interfaces de áudio e vídeo permitem que os jogos ofereçam imagens com qualidade de TV de alta definição e som Surround. O XBOX®360 possui um sistema de shaders, o qual permite diversos efeitos especiais durante o jogo como ref lexo de imagens e simulação de pequenos detalhes no corpo, que aumentam o realismo virtual sem sobrecarregar o aparelho. Este exergame pode ser utilizado com controles sem fio ou por um novo sistema, cujo nome oficial é Kinect (Project Natal).21,30

O Microsoft Kinect é uma Webcam-style add-on periférico destinado para o console Xbox 360. O Kinect é um dispositivo de baixo custo que permite aos usuários controlar e interagir com o console de jogos sem a necessidade de tocar em um controle remoto. O dispositivo possui uma câmera RGB e um sensor de profundidade que, em combinação, promove a captura e reconhecimento de gestos de todo o corpo31. Usando o software apropriado, tal como o NITE Prime Sensor Middleware, o sistema calcula altos níveis de medições relacionando o usuário com seus movimentos.32

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Este recurso é particularmente útil em estudos do movimento humano para fins de reabilitação, uma vez que fornece uma interface intuitiva para validar a estimulação de movimento com sensores inerciais feito no espaço físico em diferentes pontos de vista.32

SISTEMAS DE REALIDADE VIRTUAL UTILIZADOS EM REABILITAÇÃO O avanço tecnológico possibilita novas oportunidades aos

profissionais da área da saúde mediante inovadoras estratégias de reabilitação, baixo custo e ambiente que possibilite segurança para treinamento de profissionais e reabilitação de pacientes.

Segundo Lange et al. (2011)33 os custos médicos são altos, o tempo de espera para o atendimento é longo e há uma escassez de especialistas em reabilitação. Como resultado, existe uma carência de terapias sensório-motoras de baixo custo a serem utilizadas na reabilitação de pacientes com Traumatismo Crânio-Encefálico e Lesão Medular. Substitutos e adjuntos às terapias convencionais começam a ser desenvolvidos a fim de incorporar a RV e os jogos eletrônicos na reabilitação.

Nunes et al. (2009)34 relata que são muitas as dificuldades encontradas na capacitação de profissionais da área da saúde como a dificuldade na obtenção de materiais, a validação de produtos e treinamento de profissionais, e a necessidade de novas abordagens para reabilitação. Neste contexto, os jogos eletrônicos tornam-se um importante aliado do ensino, treinamento e simulação, beneficiando profissionais e pacientes. A utilização destes jogos em ambientes imersivos e a inclusão de dispositivos não convencionais estabelecem uma relação direta com as aplicações de RV.

Uma classe de jogos que são utilizados com propósitos específicos, não apenas o de entretenimento, surgem com o objetivo de oferecer outros tipos de experiências, como aquelas voltadas para o treinamento e aprendizado35. Os serious games são uma classe de jogos que buscam, entre outras funções, promover o treinamento de profissionais, simulação de situações críticas

Capítulo 9: Realidade virtual e jogos eletrônicos: definição e aplicabilidade prática

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em empresas e conscientização para jovens e adultos36. Tais jogos tornam essas situações mais reais, atraentes e lúdicas, ao mesmo tempo em que fornecem atividades que favorecem a absorção de conceitos e habilidades psicomotoras. A área da saúde tem se beneficiado com as mais variadas categorias de serious game, nos quais as dificuldades encontradas em treinamento de profissionais e pacientes, promoção da saúde e condicionamento físico são transferidas para ambientes simulados, permitindo a realização de estudos, validações e treinamentos.37,38,39

Atualmente, os conhecimentos advindos da Realidade Virtual são amplamente utilizados para pessoas com deficiência. Pereira et al. (2012)40 apresenta alguns exemplos:

- IREX® (Interactive Rehabilitation and Exercise Systems, Gesture Tek): Sistema Imersivo de Realidade Virtual, que integra a imagem do paciente em um cenário virtual, viabiliza visualizar a si mesmo, se mover e interagir com objetos virtuais em tempo real. Permite desenhar programas de exercícios interativos para as articulações individuais, movimentos combinados e funcionais de todo o corpo.41,42

- Mandala Gesture Xtreme® (Vivid Group): Sistema Imersivo de Realidade Virtual baseado no movimento do usuário, que se traduz em experiências virtuais. Permite o movimento ativo livre do usuário, sem a necessidade de dispositivos adicionais. Tem sido utilizado em estudos envolvendo reabilitação funcional de crianças com paralisia cerebral43 e recreação para adultos com paralisia cerebral.40

- CAVE® (Fakespace): Quarto com chão e três paredes (uma frontal e duas laterais) nas superfícies dos quais se projetam imagens 3D em alta resolução, criando a ilusão de estar dentro do ambiente virtual. Sistema imersivo equipado com um dispositivo capaz de medir o controle postural reativo, registrando o movimento do corpo, sendo usado em estudos com indivíduos com desenvolvimento típico.44 Também utilizado para avaliar a orientação postural e espacial de jovens adultos saudáveis,

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sugerindo seu uso para fins de reabilitação.45

- BNAVE® (Balance Near Automatic Virtual Environment): Sistema imersivo com imagens estereoscópicas, que são projetadas sobre o ambiente virtual em torno do campo de visão do paciente posicionado em uma plataforma de força no centro da sala virtual. Os dados registrados pelo BNAVE são o movimento da cabeça, o centro de pressão do pé e os sinais eletromiográficos.46,40

- HEAD MOUNTED DISPLAYS® (HMD): Sistemas imersivos, que fornecem imagens com maior resolução, devido a sua proximidade com os olhos. Consiste em um dispositivo monocular ou binocular e por estar acoplado à cabeça do usuário, este pode seguir seus movimentos, conseguindo assim, que se sinta integrado aos ambientes criados pelo computador. Tem sido utilizado para fins de entretenimento com crianças e adultos com deficiências físicas.47,40

- SISTEMAS HÁPTICOS: São aqueles que usam robôs para gerar interação entre usuário e Realidade Virtual. NJIT-ARSN®, GENTLE-S®, MIT-Manus®, PneuWREX®, RTGERS MASTER II-ND® e DATA GLOVES®, proporcionam efeitos sensoriais para sentir a forma, textura e tamanho durante as atividades dos membros superiores em ambientes virtuais. LOKOMAT® (Hocoma) e CAREN System® (Motek) são sistemas projetados para facilitar o treinamento de marcha, e ambos podem ser integrados com a RV apresentando cenários virtuais de marcha em uma tela localizada à frente do sujeito.40

APLICABILIDADES DA REALIDADE VIRTUAL NA ÁREA DA SAÚDEA viabilidade de reproduzir situações reais, sem risco aos

pacientes e com diminuição de custos, e a possibilidade de simular e visualizar ações impossíveis de serem percebidas no mundo real são motivos para que a RV aplicada à saúde constitua uma área de interesse crescente, com benefícios tanto para a saúde quanto para o desenvolvimento das áreas tecnológicas.48

A área de reabilitação tem sido abordada com o apoio de sistemas de RV atualmente com os seguintes objetivos: treinar o

Capítulo 9: Realidade virtual e jogos eletrônicos: definição e aplicabilidade prática

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paciente visando à recuperação de movimentos perdidos; treinar o equilíbrio; avaliar e reabilitar processos cognitivos como a percepção visual, a atenção e a memória.49,48

Johnsen et al. (2007)50 conduziram pesquisas que comprovaram o aprendizado efetivo e a transferência do aprendizado para ambientes reais, quando tais aplicações são utilizadas para fins de educação e treinamento. No estudo de Barilli et al. (2011),51 a RV foi utilizada devido à sua capacidade de prover um ambiente motivador, amigável, de fácil utilização e, também, por ter sido desenvolvida a baixo custo, o que permitiu inserir o paciente em contextos que refletem a sua própria realidade.

Vários outros estudos utilizando a RV e sua aplicação na saúde são encontrados na literatura, envolvendo:

• Crianças com desenvolvimento típico52

• Crianças com atraso no desenvolvimento53

• Adolescentes54,55

• Adultos saudáveis18,19,56,23,57

• Pessoas idosas58,59,60,61,62,6364,65

• Pessoas com sequelas de Acidente Vascular Encefálico66,67,68,69,70,71,72,73,74

• Pessoas com Doença de Parkinson75,76,77

• Pessoas com Esclerose Múltipla, Vestibulopatias, Paralisia Cerebral25,78,79,80,81,82,83

• Pessoas com lesões ortopédicas84,85

• Crianças com ataxia86

• Pessoascominsuficiênciacardíacacongestiva87

Mais recentemente, foram estudados a resposta da frequência cardíaca em adultos jovens56, a estabilidade dinâmica durante a marcha e nos jogos do Wii™ Fit em idosos65, bem como a aplicação de programa domiciliar de treino de equilíbrio utilizando o Wii™ Fit na Doença de Parkinson.

No Brasil, grupos de pesquisa distribuídos em todas as regiões do país vêm trabalhando na concepção de sistemas para educação, treinamento, reabilitação e ferramentas para o desenvolvimento

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rápido de tais aplicações. Um grupo de pesquisadores da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) desenvolveu experimentos com ambientes virtuais tridimensionais para estimular a realização de atividades de vida diária de pessoas com déficits de atenção e memória causadas por diferentes tipos de acidentes cerebrais e distúrbios neuropsiquiátricos.48

Outros públicos também podem ser beneficiados com a RV, como pacientes com Distrofia Muscular, principalmente a Distrofia Muscular de Duchenne (DMD), que é a mais frequente e severa, com incidência de 1/3500 meninos nascidos vivos88. Na DMD, a ausência da proteína distrofina provoca a fraqueza progressiva dos músculos esqueléticos, respiratórios e cardíacos que leva à incapacidade física grave e baixa sobrevida89. A sobrevivência a longo prazo tem melhorado nas últimas décadas, devido à melhoria dos cuidados e a introdução de ventilação domiciliar90. Segundo Bartels et al. (2011)91 estudos demonstram que pacientes adultos com DMD ainda são capazes de realizar importantes atividades funcionais com membros superiores, através da função motora distal (atividade muscular de punhos e mãos), mesmo com limitado quadro motor. Portanto, os jogos eletrônicos constituem uma estratégia adicional para a manutenção da função do membro superior e lazer para esses pacientes.

Dessa forma, nos capítulos seguintes serão abordados alguns dos recursos de RV possíveis de serem utilizados em pacientes com distrofia muscular. Ainda serão apresentados os seus resultados e as perspectivas de utilização na prática clínica.

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–– CAPÍTULO 10

COMPORTAMENTO MOTOR E REALIDADE VIRTUAL NAS DISTROFIAS MUSCULARES – UM ELO DE PESQUISA

Luciane Giseli Sandri, Camila Miliani Capelini, Mayra Priscila Boscolo Alvarez, Talita

Dias da Silva, Francis Meire Favero, Renata Hydee Hasue, Virgínia Helena Quadrado,

Carlos Bandeira de Mello Monteiro

Para compreender as razões das dificuldades funcionais que pessoas com Distrofia Muscular apresentam, o profissional de habilitação e reabilitação tem como uma das opções buscar soluções teóricas e práticas na área do Comportamento Motor. As investigações neste campo remetem-se, basicamente, a questões relativas ao funcionamento do Sistema Nervoso (SN), à realização de movimentos, aquisição de novos movimentos - em razão da prática e da experiência - e às modificações nas capacidades para realização do movimento ao logo do ciclo de vida. Essas questões têm sido investigadas respectivamente em três subáreas, denominadas Controle Motor, Aprendizagem Motora e Desenvolvimento Motor.1

Gallahue and Ozmun (2005)2 citam que o Comportamento Motor é o estudo de alterações no aprendizado motor, controle motor e desenvolvimento motor, proporcionados pela interação do aprendizado e dos processos biológicos. A subárea denominada Controle Motor é um campo de estudo preocupado em compreender como os movimentos são coordenados e regulados e quais estruturas neurais são responsáveis por esses mecanismos. Ou seja, como o Sistema Nervoso Central (SNC) é organizado de maneira que músculos e articulações tornem-se coordenados para a geração dos movimentos, e como informações sensoriais do meio ambiente e do próprio corpo são utilizadas na coordenação e no controle dos movimentos.3 O Controle Motor

Capítulo 10: Comportamento motor e realidade virtual nas distrofias musculares

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implica na habilidade do SNC em usar informações prévias e atuais para coordenar efetiva e eficientemente os movimentos funcionais, transformando energia elétrica contida nos neurônios em energia cinética.4

A subárea do Desenvolvimento Motor estuda as mudanças no comportamento motor dentro do ciclo de vida das pessoas.3 O desenvolvimento motor é a contínua alteração no comportamento motor ao longo do ciclo de vida, proporcionada pela interação entre as necessidades da tarefa, a biologia do indivíduo e as considerações do ambiente. Caracteriza-se como um processo permanente que se inicia na concepção e cessa somente na morte.2

Já a subárea de Aprendizagem Motora, por sua vez, investiga os fatores que influenciam na aquisição de habilidades motoras e os mecanismos e processos que interferem, ou seja, como a pessoa torna-se eficiente na execução de movimentos para alcançar uma meta desejada, por meio da prática e experiência.3 A aprendizagem motora é um processo interno que produz alterações consistentes no comportamento individual em decorrência da interação da experiência, da educação e do treinamento com processos biológicos. Relaciona-se diretamente com a prática, portanto a experiência é um pré-requisito para transformar e aprimorar o desempenho de habilidades.5

Considerando a pessoa com desenvolvimento típico, em cada idade o movimento toma características específicas, e a aquisição de determinados comportamentos motores tem repercussões importantes no crescimento da criança. Cada aquisição influencia tanto no domínio cognitivo quanto no motor, por meio da experiência e convívio com o meio ambiente.5

Ao analisar este processo em pessoas com Distrofia Muscular (DM), nota-se que ocorre um atraso e alteração no comportamento motor. Cyrulnik et al. (2007)6 comparou o desenvolvimento de 130 meninos com Distrofia Muscular de Duchenne (DMD), com média de idade de 9 anos (DP= 2.52) e 59 meninos com desenvolvimento típico, com média de idade de 9,85 anos (DP= 3.61). Neste estudo,

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foi possível observar um atraso no desenvolvimento motor dos meninos com DMD nas habilidades avaliadas: sentar-se (38%); engatinhar (60%); ficar de pé (56%) e andar (70%).

Deve-se enfatizar que todo comportamento motor envolve processos neurais específicos, que ocorrem desde a percepção do estímulo até a efetivação da resposta selecionada. Desde o nascimento, a maturação do SN possibilita o aprendizado, desenvolvimento e controle progressivo de habilidades. Conforme uma determinada área cerebral se forma, comportamentos correspondentes são exibidos, desde que tal função seja estimulada.7

Durante anos, estudos comprovaram o envolvimento do SNC em diversos tipos de DM, sendo este envolvimento associado, nos dias atuais, com alterações expressivas das funções neuronais do cérebro, o que sugere que cada tipo de DM pode gerar alterações de intensidade e comprometimento distintos.

Na DM a organização das funções cognitivas e sua inibição ou alteração podem culminar em prejuízo expressivo das funções neuronais do cérebro. Fato interessante é que contrariamente aos sintomas musculares, os déficts cognitivos parecem não ser progressivos,8 mas influenciam de forma direta o comportamento motor. Algumas pessoas com DM manifestam déficits variados na cognição e no comportamento, podendo variar de leve a grave, sendo bastante comum nas pessoas com DM uma alta incidência de comunicação e interação deficitárias, o que é atribuído a alteração no modo de captar, integrar e armazenar informações no cérebro.9 Verifica-se também a existência significativa de quociente de inteligência (QI) abaixo do esperado para a idade, novamente justificado pela dificuldade na atenção, memória de curto prazo e linguagem, o que interfere no Comportamento Motor em diferentes momentos da vida.

Na tentativa de comparar os resultados inferiores de QI na DM, discute-se a relação da doença a outros fatores, como a privação educacional e problemas emocionais, oriundos do fato desta ser uma doença degenerativa, refletindo diretamente

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na familia e no ambiente. Resultados controversos foram encontrados, alguns dentro da faixa da normalidade (QI=80, médio inferior), e uma porcentagem significativa de QI´s, nas faixas da deficiência intelectual (30%). Apesar das evidências, alguns autores ainda sustentam a hipótese de que esses dados refletem a angústia da criança frente à doença e a restrição à escola pela incapacidade física,10,11 assim como também são levantadas discussões sobre os fatores que contribuem para o fenótipo cognitivo, incluindo o nível intelectual, idade, grau de incapacidade física e nível socio-econômico.12

Alguns dados indicam perturbação da memória de curto prazo e da informação, além de problemas de interação emocional, enquanto outros dados referem-se ao envolvimento de funções linguísticas. Também são observados desempenho significativamente inferior na capacidade de aprendizagem e funções executivas.11,12,13 Dados interessantes foram apresentados por Rikard et al. (2004)13 que ao comparar a memória de curto e longo prazo em pessoas com DM verificou que esses aspectos da memória não são igualmente afetados. A memória de curto prazo constitui o déficit maior, enquanto a memória a longo prazo é consideravelmente menos afetada.

Estudos realizados em crianças com DMD, com idade inferior a 11 anos demonstram déficits no raciocínio verbal, lógica abstrata, desenvolvimento da linguagem, matemática e habilidades em informática. Também são demonstradas limitação na fala e em conhecimentos gerais. Esses déficits são menos evidentes nos grupos etários mais velhos. No entanto, os problemas com aritmética mental e vocabulário expressivo persistem, assim como a incapacidade de leitura, atenção auditiva seletiva e comunicação verbal.11,14,15

Em um estudo recente foi observado, por meio de uma tarefa de destreza manual em meninos com DMD, um prejuízo no controle motor da mão, o qual apresentou pior desempenho quando o sujeito é impedido de olhar para a própria mão. Dessa

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forma, o tratamento destes pacientes deve incluir o treino de tarefas de coordenação e a manipulação das condições sensoriais, com e sem visão, como estratégia de intervenção.16 Nestes casos, o uso da realidade virtual (RV) se mostra como um interessante instrumento na terapia de reabilitação.

Nos últimos anos, a tecnologia tem contribuído para a prestação de serviços em diversas áreas. Na reabilitação, a RV tem sido utilizada como ferramenta para o desenvolvimento e aquisição de novas habilidades, por meio de equipamentos que favorecem e incentivam a prática de forma lúdica e agradável. Os equipamentos respondem às ações dos sujeitos de forma interativa em ambientes tridimensionais.

Bavelier et al. (2006)17 identificou várias melhorias na realização de atividades com RV, como por exemplo melhoras no tempo de reação e habilidades espaciais, melhora na função cognitiva em indivíduos com necessidades especiais ou para atenuar problemas crônicos de saúde, envolvendo o SN.

Koepp et al. (1998)18, considerando aspectos neuroquímicos, relataram que o nível de dopamina, neurotransmissor envolvido com aprendizagem, reforço de comportamento, integração sensório-motora e atenção parece aumentar durante a atividade motora direcionada por meio da RV com videogames. Alterações no sistema visual também tem sido investigadas, especificamente com relação à resolução espacial do campo visual, sendo que a ação de jogar videogames altera as habilidades visuais, e a prática desta atividade promove uma melhora na resolução espacial do processamento visual.19

Considerando os avanços tecnológicos baseados nos conhecimentos propiciados pela RV, um fator interessante é sua utilização como meio facilitador na reabilitação de pessoas com DM. Por suprir a exigência de resposta rápida, viabilizam novas propostas de ensino-aprendizagem, sendo um novo paradigma e introduzindo fatores importantes no comportamento motor que devem ser discutidos:

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a) Motivação: o fator motivacional é bastante interessante com o uso de RV na DM, e tem relação direta com o comportamento motor. Verifica-se que tarefas em ambiente de RV criam uma motivação necessária para a aprendizagem, controle e desenvolvimento dos aspectos cognitivos e afetivos. A motivação fornecida por tarefas virtuais transforma o tratamento terapêutico em algo lúdico e recreativo. Vários autores citam que a RV pode ser uma importante ferramenta para aumentar o envolvimento e motivação, integrando interesses preferenciais de uma pessoa para o programa de reabilitação.20,21,22,23 Outro fator que depende da motivação são os benefícios da repetição de uma tarefa sendo que, segundo Tani (2000)24, o aprendizado motor envolve a repetição de atividades mais simples até as mais complexas, utilizando-se de pistas sensoriais para favorecer o desempenho motor. A RV possibilita que as repetições de uma tarefa sejam realizadas de maneira motivacional e também interativa, tornando o aprendizado mais prazeroso, podendo facilitar o comportamento motor dessas pessoas.

A variação da prática é outro fator que deve ser considerado durante a organização de programas de tratamento por meio da RV com foco na motivação. Apesar da variação da prática promover resultados interessantes no que se refere à aprendizagem motora, considerando-se pessoas com grave alteração sensorial e motora, além da disfunção nos diversos sistemas cognitivo e perceptual, muitas vezes, a prática de uma habilidade somente será possível se reproduzida em condições similares a cada tentativa, dada a dificuldade apresentada pelo paciente em lidar com a variabilidade. Assim, dependendo de quão limitadas forem as possibilidades de realização de habilidades motoras pelas pessoas com DM, a prática variada apesar de motivar a realização da tarefa, será limitada.

b) Interatividade: a partir das várias iniciativas empreendidas por Byrne (1996)25 na construção e utilização de ambientes virtuais, foi observado que um fator importante para a aprendizagem é a interatividade proporcionada pelo ambiente. É por meio da

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interação que o indivíduo se comunica com o ambiente virtual, controlando a exploração dos ambientes e possibilitando a individualização do processo educativo. Em experiências que têm como ênfase o desenvolvimento de atividades sensório-motoras, incluem-se também contextos que envolvem estratégias de ensino aprendizagem para a aquisição de habilidades. Para avaliar essas habilidades, é necessário capturar as informações de interação, armazená-las e reproduzi-las de alguma maneira. Assim, com o desenvolvimento da tecnologia assistida por computador, os programas de reabilitação muitas vezes incluem ambientes de RV que permitem a prática por pessoas com DMD, no qual o indivíduo é exposto a uma interface virtual, capaz de interagir com os elementos e os objetos de forma dinâmica e lúdica, com raciocínio lógico e tempo de reação associado ao movimento, permitindo a contração muscular repetida e viabilizando a aprendizagem motora.26,27,28,29,30,31,32

Uma possibilidade que a interatividade proporciona é que as pessoas com deficiência física podem praticar as tarefas em casa com sua família ou on-line, interagindo com outros jogadores ou sob a supervisão de um profissional responsável,33,34,35 reduzindo portanto a necessidade de se locomover para centros de reabilitação. Com a possibilidade da prática em domicílio, os desafios de transporte e a falta de acessibilidade são eliminados, essas barreiras dificultam a participação das pessoas com deficiência em programas de reabilitação e transformam o processo muitas vezes mais caro ou inviável.33,34,35 Apesar desta tendência atual, é importante enfatizar que o acompanhamento pelo profissional da reabilitação é fundamental a fim de auxiliar os familiares na orientação da atividade proposta. Dessa forma, os familiares devem dedicar um tempo ao posicionamento e às correções posturais necessárias, bem como saber se o individuo está apto à atividade proposta. A possibilidade de realizar a terapia em domicílio é importante, para facilitar a participação, com um menor gasto financeiro e a oportunidade de participação em atividades variadas do dia a dia.35

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c) Individualidade: a individualização é outra possibilidade em tarefas de RV. A possibilidade de realizar atividades em ambientes virtuais flexibiliza a individualização de tarefas para cada pessoa ou grupo de pessoas de acordo com suas necessidades, capacidades e programas de reabilitação. A individualização da intervenção de RV pode ser realizada por meio da integração de interesses e preferências próprias em determinado programa de reabilitação, modificando a complexidade do ambiente virtual para aumentar a atenção e minimizar as distrações. Também pode-se manipular a especificidade e a freqüência de feedback auditivo e visual, assim como fornecer algoritmos de aprendizagem adaptativa e atividades de reabilitação classificados por índices de dificuldade, que podem ser objetivamente e sistematicamente manipulados para criar intervenções individuais no comportamento motor.36 Esta é uma proposta muito diferente do conceito existente em terapias, inclusive outro diferencial são os detalhes de desempenho imediato dado por áudio e vídeo que fornecem informações precisas sobre o progresso da pessoa.33,34,37

d) Feedback: outro aspecto de grande importância na reabilitação promovido pela RV é a possibilidade de um feedback, que pode ser definido como uma informação sensorial referente ao estado real do movimento de um indivíduo.38 O feedback imediato resultante da interação da pessoa com o mundo virtual gera respostas imediatas da efi-ciência de suas ações, possibilitando que o indivíduo altere o seu esforço até alcançar um equilíbrio de ações e estimulando estruturas neurais para que façam as correções necessárias para um bom desempenho.39,40,41 Nos momentos iniciais da aquisição de uma habilidade motora, o aprendiz tem que lidar com uma grande quantidade de incerteza proveniente das demandas do ambiente, da tarefa e do próprio corpo; nessa fase, ele dificilmente consegue responder com sucesso a tantas demandas, e as ações são desorganizadas, pouco eficazes e apresentam muitos erros. A prática e a informação sobre os erros cometidos podem ser

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consideradas variáveis essenciais que modulam e propiciam a aprendizagem motora.42,43 O feedback recebido ao longo das tentativas praticadas, inclusive o feedback relacionado aos erros, constitui um fator essencial no processo cognitivo de resolver o problema motor, mediante o qual o comportamento se torna cada vez mais consistente e eficiente.44 Além da utilização do feedback visual, alguns sistemas de RV fornecem informação auditiva, o que aumenta a percepção temporal durante as tarefas orientadas e facilita, por exemplo, o controle do equilíbrio postural. 45,46

Quando o aprendiz de uma habilidade motora é um indivíduo com DM, o profissional deve estar atento também em como as instruções sobre a tarefa são oferecidas e compreendidas. Deve observar como o indivíduo processa e integra as informações para, caso necessário, auxiliar na execução do movimento. Quando há prejuízos no sistema cognitivo, perceptual ou sensorial, a recepção, integração e processamento das informações sensoriais disponíveis antes, durante e após um movimento podem não ser corretas ou não estar presentes, dificultando a realização e a aprendizagem de habilidades motoras. Avaliar a capacidade cognitiva, incluindo atenção e memória das pessoas com DM parece ser fundamental antes de utilizar o feedback como estratégia terapêutica durante a aprendizagem de uma habilidade motora.

e) Memória: a aprendizagem refere-se ao mecanismo de aquisição de uma nova informação e a memória é um dos mecanismos pelo qual se retém esse conhecimento. A memória pode ser dividida em memória explícita, definida como a lembrança consciente da informação, e memória implícita, diferenciada por considerar lembrança inconsciente, como no caso das habilidades motoras47. Há indícios de que a memória de curto prazo está comprometida nas pessoas com DMD, provavelmente devido às alterações cognitivas em decorrência da diminuição de distrofina no cérebro. 12,19,48,50,51,52

As áreas e estruturas motoras superiores transformam a informação sensória em movimento planejado e calculam

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os programas para esses movimentos, os quais são então conduzidos para o córtex pré-motor e motor primário para implementação. Uma vez que as áreas de associação multimodal integram modalidades sensórias e ligam a informação sensória ao planejamento de movimento, acredita-se que elas sejam os substratos anatômicos das funções cerebrais mais elevadas, sendo o pensamento consciente, percepção e ação direcionada a um objetivo. Consistente com essa ideia, lesões nessas áreas de associação resultam em deficiências cognitivas profundas.53 A RV torna-se assim um importante instrumento facilitador da aprendizagem e do uso da memória implícita para a reabilitação, à medida que proporciona à pessoa desenvolver ou aprimorar movimentos necessários para a realização de uma determinada tarefa no ambiente virtual. A atividade a ser realizada durante a RV deve ser selecionada pelo terapeuta visando um movimento que, por meio do uso da memória implícita seja funcional para a pessoa durante a realização de suas atividades de vida diária.

A evolução das possibilidades que são oferecidas durante a RV facilitam o desenvolvimento de estimulação sensoriais (táteis e visuais).54 Por meio de técnicas de RV como animação, vídeo, som estéreo e imagens de alta resolução, estas podem ser integradas na elaboração de um programa de reabilitação que coloque a pessoa com DM em um contexto mais próximo da realidade da sua vida diária, o que facilitará a recordação do ato motor.

A vivência da RV estimula o desenvolvimento de habilidades e competências que podem ser úteis no dia a dia, como o raciocínio rápido e a tomada de decisões em situações críticas. Nesse sentido, o jogo é a simulação da vida. O jogo pode propiciar ao praticante a oportunidade de repensar suas escolhas e estratégias de vida em um ambiente simulado. Estando imune ao perigo real no ambiente virtual, as pessoas são capazes de realizar tarefas simuladas que, quando escolhidas adequadamente, podem auxiliar na realização de atividades de vida diária, por meio da transferência da aprendizagem motora, que ocorre após a repetição de um determinado movimento.

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Monteiro et al. (2011)55 realizaram uma pesquisa com o objetivo de verificar se existe transferência de desempenho em uma tarefa realizada no mundo real para um ambiente de jogo virtual com atletas de tênis de mesa paraolímpico. Os resultados indicaram que o desempenho entre os participantes foi bom ao realizar a tarefa em ambiente virtual. O tamanho do efeito global (η2=0,88) mostrou que, aproximadamente, 88% de variação de erros cometidos ao praticar o tênis de mesa no Nintendo Wii indica poucos erros na execução da tarefa; este bom desempenho pode ser creditado à experiência que os atletas tem na prática do tênis de mesa em ambiente real. Baumeister et al., (2010)56 realizaram em seu estudo a comparação entre o ambiente real e virtual por meio da análise da ativação de áreas corticais e verificaram maior atenção e atividade neural quando a tarefa foi realizada no ambiente virtual.

Considerando a pesquisa de Monteiro et al. (2011)55, uma justificativa para o resultado oferecida pelos autores pode estar na existência do maior número de fatores extrínsecos em tarefas realizadas no ambiente real e, desta forma, realizar tarefa semelhante em ambiente virtual seja mais fácil. No treinamento diário do atleta de tênis de mesa adaptado, a execução da tarefa no ambiente real se torna uma rotina que é aprimorada considerando-se padrões, variações de estilo e desenvolvimento de maior habilidade na precisão, acurácia, coordenação e controle motor.2 Mesmo não tendo a experiência no ambiente virtual, as características da tarefa virtual foram fáceis. O desempenho adequado de uma tarefa depende da melhora na performance, baseada em maior competência física, que podem ser observadas de um momento para outro, principalmente devido ao indivíduo aprimorar a força muscular, a resistência, o tempo de reação, a velocidade de movimento e a coordenação.57 Este aprimoramento não é necessário quando a tarefa é relativamente fácil para o indivíduo, acarretando em execuções perfeitas desde o primeiro momento, pois a força aplicada e principalmente o padrão de movimento envolvido para que a rebatida da bola seja perfeita não são exigidas no ambiente virtual.

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CONCLUSÃO A exploração da RV apresenta inúmeras vantagens de uso em

relação a outras tecnologias, provendo uma interface que gera alto nível de motivação; recursos que ilustram a compreensão de conceitos abstratos; a observação de cenas em diferentes distâncias e ângulos; oportunidades de vivências das situações de maneira individualizada; o encorajamento à participação ativa do usuário; a disponibilização de recursos para que o usuário pratique procedimentos que serão realizados posteriormente no mundo real; proposta de um ambiente motivador para a aquisição de conhecimento e aprendizagem; oferecimento de possibilidades de entretenimento e diversão; características que facilitam o estudo do desempenho humano e das capacidades perceptuais e motoras, além de ser bastante indicada para pessoas com incapacidades físicas e cognitivas. Além disso, devido às alterações do controle motor da mão, os pacientes com DMD podem se beneficiar imensamente do uso da RV.

O computador e o ambiente virtual servem de estímulo para atrair a atenção das crianças e adultos, pois mesmo pessoas com alterações intelectuais, que têm como característica principal um convívio diferenciado com o mundo real, são fascinadas pelos computadores.58 Também deve ser considerado a facilidade de acesso a essa tecnologia e sua inserção na rotina diária das pessoas nos dias de hoje, sendo comum na maioria das casas, escolas ou ambientes de trabalho pelo menos um equipamento que permita o contato com a RV como computadores, laptops, videogames ou telefones móveis.

Após estas considerações, torna-se interessante utilizar estes equipamentos, já tão presentes na vida das pessoas, com o intuito de melhorar ou possibilitar a aquisição de novas habilidades motoras e independencia funcional. A aquisição de uma habilidade motora deve permitir ao indivíduo a aplicação do que foi adquirido quando deparado em novas situações3. Desta forma, a RV pode contribuir para um melhor desempenho da pessoa nas

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suas atividades diárias, o que ocorre quando o terapeuta seleciona uma atividade adequada para o paciente realizar, de acordo com os seus objetivos funcionais.

Apesar das diversas formas de DM apresentarem semelhanças e características específicas, deve-se lembrar da individualidade de cada paciente, bem como o grau e o tempo de acometimento pela doença. As atividades não devem ser protocoladas para as diferentes distrofias, e sim analisadas e prescritas individualmente, na tentativa constante de superação de cada indivíduo, de acordo com suas capacidades funcionais e objetivos almejados para a intervenção.

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parte

201

–– CAPÍTULO 11

APRENDIZAGEM MOTORA EM PESSOAS COM DISTROFIAS MUSCULARES: TAREFA DE LABIRINTO

NO COMPUTADORSilvia Regina Pinheiros Malheiros, Talita Dias da Silva, Renata Hydee Hasue, Denise

Cardoso Ribeiro Papa, Francis Meire Favero, Lilian Del Ciello de Menezes, Carlos

Bandeira de Mello Monteiro

INTRODUÇÃO As Distrofias Musculares (DM) constituem um grupo amplo

de doenças genéticas, caracterizadas por degeneração progressiva e irreversível da musculatura esquelética, respiratória e cardíaca, levando a um quadro de deficiência física grave e uma reduzida expectativa de vida.1 Clinicamente a fraqueza muscular está sempre presente, porém há intensa variabilidade na gravidade das manifestações e no fenótipo.

Dificuldades na atividade e participação de tarefas funcionais também podem ser expressas em maior ou menor intensidade nas diversas formas de manifestação das distrofias. Atualmente, verifica-se a existência de várias pesquisas sobre distrofia muscular considerando-se as funções motoras grossas e as incapacidades funcionais na mobilidade, auto-cuidado e função social.2,3,4,5,6 . Diante das dificuldades motoras apresentadas pelo indivíduo com distrofia, uma possibilidade de intervenção se fundamenta na área de conhecimento da aprendizagem motora.

Aprendizagem motora é um fenômeno que se refere às mudanças internas relativamente permanentes na capacidade de realizar uma tarefa específica. Essas mudanças ocorrem no sentido de garantir o alcance da meta e são frutos da experiência

Capítulo 11: Aprendizagem motora em pessoas com distrofias musculares

202

e da prática, resultando na aquisição, retenção e transferência de habilidades motoras.7,8

O fenômeno de aprendizagem motora, embora não observável diretamente, permite discernir claramente mudanças na interação com objetos e com outros seres humanos. Dessa forma, a aprendizagem motora pode ser inferida por meio do desempenho, enquanto sua melhora pode ser observada pelo aumento da consistência, fluência no movimento, diminuição do erro de execução e redução no tempo total de movimento para a realização da tarefa.8

Com a identificação do problema, o sujeito precisa formular um plano de ação, onde deverá gerar uma hipótese de como seria possível realizar tal objetivo, prevendo e antecipando a execução da ação. O passo seguinte consiste em colocar em prática o plano de ação pré-estabelecido, transformando uma imagem mental em movimentos efetivos. Nessa fase, é necessário coordenar um complexo sistema muscular, a fim de que vários músculos sejam ativados de forma organizada. Como raramente a transformação de planos de ação em movimento é perfeita nas tentativas iniciais, o indivíduo precisa analisar os erros cometidos e tentar corrigi-los nas tentativas seguintes. Quando o ciclo descrito acima é repetido suficientemente, ocorre a transição de ações mal-coordenadas de grande demanda cognitiva para movimentos altamente precisos, em que sinergias neuromusculares complexas são ativadas com mínimo envolvimento da atenção. A esse processo dá-se o nome de aprendizagem.9

Assim, para verificar se a aprendizagem ocorreu com solidez, mais do que comparar o desempenho na fase inicial em relação à fase final de aquisição, é necessário recorrer ao desempenho em testes de aprendizagem, isto é, de retenção e/ou de transferência.10,11,12,13 A retenção mensura o grau de permanência do que foi adquirido após um período sem prática, e por sua vez a transferência é a capacidade de adequação de um comportamento motor praticado em um contexto diferente, mediante pequena alteração na tarefa motora.

Malheiros, Silva, Hasue, Papa, Favero, Menezes, Monteiro

203

Uma tarefa que permite avaliar a aprendizagem motora (considerando a aquisição, retenção e transferência), assim como diversos aspectos neuropsicológicos de planejamento, execução, organização espacial e memória implícita é a tarefa de labirinto, pois envolve a operacionalização da intenção de movimentar-se para alcançar um objetivo e o planejamento desta ação.

Esta consiste em realizar no computador um caminho, no menor tempo possível, por meio de um labirinto com uma entrada e uma saída e um único caminho a ser percorrido, por um peão. A repetição da tarefa pode demonstrar estabilização do desempenho e indicar a utilização de estratégias cognitivas e formação de um programa de ação, os quais poderão ser testados na transferência.14

Souza et al (2006)14 afirmam que a tarefa do labirinto pode ser aplicada na avaliação diagnóstica de indivíduos com alterações no controle e na aprendizagem motora, a fim de identificar quais aspectos estão comprometidos durante a execução de uma tarefa motora: processamento da informação e planejamento estratégico (número de erros), função executiva (tempo de execução da tarefa), aprendizagem (estabilização do desempenho) e memória espacial (manutenção do desempenho após tarefa distratora e intervalo de retenção).

Na tarefa de labirinto, indivíduos sem alterações motoras têm como principal decisão escolher o caminho correto. Por sua vez, indivíduos com Distrofia Muscular precisam se preocupar com o controle das suas dificuldades na realização do movimento para alcançar o mesmo objetivo de pessoas sem alterações motoras.

Apesar de existirem diferentes tarefas utilizando o paradigma do labirinto, o diferencial deste trabalho foi a utilização da tarefa de labirinto em um computador. É interessante enfatizar que há um crescente interesse em pesquisas sobre aprendizagem motora na Distrofia Muscular, sobretudo associada ao ambiente de realidade virtual e atividades com auxílio do computador, pois estas tarefas possibilitam maior funcionalidade ao indivíduo.15,16,17,18.

À medida que informações atualizadas conjuguem o conhecimento de aprendizagem motora e das modernidades

Capítulo 11: Aprendizagem motora em pessoas com distrofias musculares

204

advindas da computação, os profissionais têm maiores possibilidades de organizar um programa de tratamento eficaz. Os profissionais da saúde necessitam de subsídios disponíveis para avaliarem os princípios que formam a base para a intervenção e substituem ideias antigas e ultrapassadas por princípios mais atualizados.19

Revendo os conceitos apresentados, a influência do comprometimento dos sistemas motor e cognitivo no processo de aprendizagem motora sugere a realização de novas pesquisas para propiciar melhor adequação da intervenção de diferentes profissionais, por meio do conhecimento da aprendizagem motora em uma tarefa de labirinto, realizada em computador e suas influências na Distrofia Muscular.20

Dessa forma, o objetivo deste trabalho foi caracterizar o processo de aprendizagem motora, por meio da tarefa de labirinto, em indivíduos com diferentes tipos de distrofia muscular e comparar com o desempenho de indivíduos sem alterações neuromotoras.

Método

CasuísticaPara a realização deste trabalho foram avaliados 33 indivíduos

com diagnóstico médico de distrofia muscular, que constituíram o Grupo Experimental (GE). O Grupo Controle (GC) foi composto por 33 participantes sem qualquer alteração motora, pareados por idade e sexo ao GE.

O GE foi constituído por três tipos diferentes de distrofia muscular, sendo:

1) Distrofia Muscular de Duchenne (DMD) - 20 pacientes, todos do sexo masculino, com idade média de 18,9±3,4;

2) Distrofia Muscular do tipo Cinturas (DMC) - 9 pacientes, 8 do sexo masculino e 1 do sexo feminino, com idade média de 25,9±5,4;

Malheiros, Silva, Hasue, Papa, Favero, Menezes, Monteiro

205

3) Distrofia Muscular de Becker (DMB) - 4 pacientes, todos do sexo masculino, com idade média de 19,4±3,4.

Critérios de Inclusão no GEOs critérios de inclusão para a participação do estudo foram:

diagnóstico médico de DM, pessoas com característica “leve ou moderada” nos itens funcionais segundo a Classificação Internacional de Funcionalidade Incapacidade e Saúde (CIF).

Para a caracterização dos indivíduos e viabilização de um grupo homogêneo foi utilizada a CIF que, segundo Gunnar e Stucki, (2007)21 é um instrumento que pode ser utilizado para caracterização de grupos em pesquisas científicas. A Organização Mundial da Saúde (OMS), afirma que trata-se de um sistema de classificação útil para a organização de grupos homogêneos em pesquisas científicas, servindo como uma linguagem para a classificação da funcionalidade e capacidade.

Portanto, todos os participantes do estudo devem apresentar as características: Funções intelectuais- funções mentais gerais, necessárias para compreender e integrar construtivamente as várias funções mentais, incluindo todas as funções cognitivas e seu desenvolvimento ao longo da vida, com dificuldade leve ou moderada (b117.1 ou b117.2); Manutenção da atenção- funções mentais que permitem a concentração pelo período de tempo necessário com dificuldade leve ou moderada (b1400. 1 ou b1400.2); Concentrar a atenção- concentrar, intencionalmente, a atenção em estímulos específicos, desligando-se dos ruídos que distraem com dificuldade leve ou moderada (d160.1 ou d160.2); Realizar uma tarefa complexa, preparar, iniciar e organizar o tempo e o espaço necessários para uma tarefa complexa com dois ou mais componentes, que pode ser realizada em sequência ou em simultâneo, com dificuldade leve ou moderada (d 2101. 1 ou d2101.2); Comunicar e receber mensagens orais- compreender os significados literais e implícitos das mensagens em linguagem oral com dificuldade leve ou moderada (d310.1 ou d310.2); Comunicar

Capítulo 11: Aprendizagem motora em pessoas com distrofias musculares

206

e receber mensagens usando linguagem corporal com dificuldade leve ou moderada (d3150.1 ou d3150.2); Adquirir competências complexas- aprender conjuntos integrados de ações, de acordo com regras, e realizar e coordenar os próprios movimentos de forma sequenciada com dificuldade leve ou moderada (d1551.1 ou d1551.2).

Todas as características de função corporal e desempenho, necessárias para inclusão dos participantes no estudo, são sintetizadas na Tabela1.

Tabela 1: Classificação mínima necessária para inclusão dos participantes em itens funcionais Função Corporal e Desempenho – CIF

Item Classificação CódigoFunções intelectuais Leve ou Moderada b117.1, b117.2

Manutenção da atenção Leve ou Moderada b1400.1, b1400.2Concentrar a atenção Leve ou Moderada d160.1, d160.2

Realizar uma tarefa complexa Leve ou Moderada d2101.1, d2101.2Comunicar e receber mensagens orais Leve ou Moderada d310.1, d310.2

Comunicar e receber mensagens usando linguagem corporal Leve ou Moderada d3150.1, d3150.2

Adquirir competências complexas Leve ou Moderada d1551.1,d.1551.2

Critérios de ExclusãoOs critérios de exclusão foram: pessoas com alterações nas

funções cognitivas que impedissem a colaboração e compreensão de ordens simples nas atividades propostas, não aceitação de participação no trabalho por meio da assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido realizado por um dos responsáveis e/ou pelo participante.

Instrumentação e delineamentoUtilizou-se como instrumento de avaliação a tarefa (ou

paradigma) de labirinto. Para realização da tarefa, optou-se pelo programa desenvolvido pelo Departamento de Matemática da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, a apresentado por Souza et al. (2006)14, disponibilizado no site www.mat.ufrgs.br. Dois desenhos de labirintos com apenas um caminho correto a ser

Malheiros, Silva, Hasue, Papa, Favero, Menezes, Monteiro

207

percorrido foram escolhidos. O desenho do labirinto em ambos percursos é distinto, porém o número de movimentos necessários para cumprir a tarefa é semelhante. As Figuras 1 e 2 ilustram as variações da tarefa em cada fase do experimento.

O experimento consistiu de três fases, idênticas para todos os participantes. A Tabela 2 descreve o delineamento da tarefa.

Tabela 2 – Delineamento experimental

GRUPOS Aquisição Retenção TransferênciaGC

GE

20 tentativas 5 tentativas 5 tentativas

Labirinto 1 Labirinto 2 Labirinto 2

Na primeira fase (Aquisição), os indivíduos praticaram 20 tentativas com o percurso da Figura 1. A segunda fase, Retenção, consistiu em, após 5 minutos de descanso, realizar 5 tentativas utilizando o mesmo labirinto. Na terceira fase, a Transferência, os pacientes realizaram a tarefa em um desenho de labirinto diferenciado (Figura 2).

Para facilitar posterior análise, as três fases foram organizadas em blocos de 5 tentativas, sendo 4 blocos de aquisição (A1, A2, A3, A4), 1 de retenção (R) e 1 de transferência (T), totalizando 6 blocos.

A tarefa foi realizada apenas uma vez, e o tempo variou conforme a velocidade do indivíduo analisado.

Figura 1. Desenho de labirinto das fases de aquisição e retenção – Labirinto 1.

Fonte: Souza et al, 200614

Capítulo 11: Aprendizagem motora em pessoas com distrofias musculares

208

Figura 2: Desenho de labirinto da fase de transferência – Labirinto 2.

Fonte: Souza et al, 200614

PROCEDIMENTOPara a execução da tarefa de labirinto foi utilizado um

computador com teclado, com o jogo de labirinto pré-determinado.Os indivíduos foram posicionados em uma mesa com o

computador instalado a frente. A cadeira foi ajustada de acordo com o tamanho e necessidade do indivíduo, assim como o apoio para os pés. Foram fornecidas pelo experimentador as seguintes instruções: o peão deve se deslocar pelo Labirinto ao encontro da letra X, utilizando-se das setas localizadas no teclado na parte direita inferior do mesmo (acima, abaixo, direita esquerda); a tarefa deve ser realizada no menor tempo possível.

Junto com a instrução verbal o experimentador mostrou na tela do computador a localização do peão e da letra X ao participante, bem como a localização das teclas no teclado. Esta tarefa foi repetida várias vezes, de acordo com o delineamento do experimento.

Durante todo o experimento, havia junto ao participante um avaliador responsável pela instrução verbal e anotação dos valores de tempo, com tabela dos números das tentativas. Os valores foram marcados considerando-se o tempo total da finalização da tarefa, valor fornecido pelo próprio programa

Malheiros, Silva, Hasue, Papa, Favero, Menezes, Monteiro

209

RESULTADOSOs dados atenderam aos testes de normalidade entre as

variâncias. Portanto, para a análise de diferenças intergrupos foi utilizada a ANOVA one-way e como post-hoc foi utilizado Bonferroni. Para a análise intragrupo, utilizou-se o teste-t de Student, sendo que, foi adotado um nível de significância de p<0,05.

Os resultados intragrupo seguem na Tabela 3. Na fase de aquisição, houve diferença estatística entre o desempenho inicial e final de todos os participantes.

Entre o último bloco de aquisição e o bloco de retenção não houve diferença estatística em nenhum dos grupos, ou seja, o desempenho apresentado no final da fase de aquisição foi mantido na fase de retenção.

Pôde-se observar modificação estatisticamente significante do último bloco de aquisição para o bloco de transferência em todos os grupos, exceto no DMB. Entretanto, esta diferença estatística também aconteceu do bloco de transferência para o primeiro bloco de aquisição.

Tabela 3: Diferenças estatísticas intragrupo em cada bloco de tentativa

Grupo A1-A2 A2-A3 A3-A4 A4-A1 A4-R R-T T-A4 T-A1P

DMD 0,0001* 0,009* 0,297 0,0001* 0,123 0,0001* 0,010* 0,0001*DMC 0,0001* 0,198 0,242 0,0001* 0,545 0,002* 0,006* 0,018*DMB 0,191 0,621 0,688 0,035* 0,485 0,073** 0,461 0,263GC 0,0001* 0,197 0,013* 0,001* 0,304 0,0001* 0,0001* 0,005*

A1= bloco 1 da fase de aquisição; A2=bloco 2 da fase de aquisição; A3= bloco 3 da

fase de aquisição; A4= bloco 4 da fase de aquisição; R= bloco da fase de retenção; T=

bloco da fase de transferência;DMD= distrofia muscular de Duchenne; DMC= distrofia

muscular do tipo Cinturas; DMB= distrofia muscular de Becker; GC= grupo controle.

*resultados que apresentaram diferença estatística (p<0,05)

**resultados que apresentaram diferença marginal.

Na análise intergrupos só foi observada diferença estatisticamente significante entre os grupos DMD e Controle. Os participantes com Distrofia Muscular de Becker (DMB) e Cinturas

Capítulo 11: Aprendizagem motora em pessoas com distrofias musculares

210

(DMC) apresentaram desempenho semelhante ao Grupo Controle (Tabela 4).

Tabela 4: Diferenças estatísticas intergrupos

A1 A2 A3 A4 R TP

DMD-GC 0,054** 0,015* 0,038* 0,008* 0,013* 0,167DMC-GC 1 1 1 1 0,965 1DMB-GC 1 1 1 0,839 1 1

A1= bloco 1 da fase de aquisição; A2=bloco 2 da fase de aquisição; A3= bloco 3 da

fase de aquisição; A4= bloco 4 da fase de aquisição; R= bloco da fase de retenção; T=

bloco da fase de transferência; DMD= distrofia muscular de Duchenne; DMC= distrofia

muscular do tipo Cinturas; DMB= distrofia muscular de Becker; GC= grupo controle.

*resultados que apresentaram diferença estatística (p<0,05)

**resultados que apresentaram diferença marginal.

Figura 3: Gráfico com as médias divididas em blocos de 5 tentativas

A1= bloco 1 da fase de aquisição; A2=bloco 2 da fase de aquisição; A3= bloco 3 da

fase de aquisição; A4= bloco 4 da fase de aquisição; R= bloco da fase de retenção; T=

bloco da fase de transferência; DMD= distrofia muscular de Duchenne; DMC= distrofia

muscular do tipo Cinturas; DMB= distrofia muscular de Becker; GC= grupo controle.

DISCUSSÃOEste trabalho buscou investigar se indivíduos com diferentes

manifestações de distrofia muscular conseguem aprender uma

Malheiros, Silva, Hasue, Papa, Favero, Menezes, Monteiro

211

tarefa motora e realizá-la de forma funcional, com capacidade para ajustes diante de novas demandas ambientais. Para isto, a tarefa escolhida foi a de labirinto virtual, a qual se mostra bastante adequada aos propósitos de investigação sobre o processo de aprendizagem motora.

Diante do exposto, dois conjuntos de considerações fundamentam esta discussão: 1) a execução da tarefa de labirinto propriamente; 2) a investigação de aprendizagem motora centrada em uma tarefa computacional.

A execução da tarefa de labirinto demanda estratégias cognitivas, de planejamento e percepção espacial, associadas à execução do ato motor por estruturas musculoesqueléticas.9 Todas estas variáveis são potencialmente relevantes para o aprendizado motor de indivíduos com distrofias musculares.

O manuseio do teclado do computador requer controles neurais e neuromusculares de baixa complexidade por parte de indivíduos sem alterações musculoesqueléticas ou neuromotoras. É necessário, por exemplo, que a função manual esteja preservada, o que implica na estabilização de segmentos proximais como ombros e cotovelos; e na execução do movimento na porção distal em punho e dedos. Porém, indivíduos com distrofia muscular podem apresentar diferentes graus de dificuldade para realizar o ato motor mencionado.

Os pacientes com DMD, DMB e DMC têm quadros clínicos de fraqueza muscular progressiva, com início em segmentos corporais proximais e evoluindo para distais. Em muitos pacientes com distrofia muscular, apesar de ocorrer o comprometimento da função das mãos, provavelmente são estes movimentos residuais que mantém a funcionalidade, sobretudo quando viabilizada com o uso do computador. Para tanto, aspectos de atividade e participação por meio de tecnologia propiciada pela computação em contextos funcionais devem ser avaliados e quantificados em pacientes com diferentes tipos de distrofia muscular, e relacionados ao desempenho de indivíduos sem alterações neuromusculares.

Capítulo 11: Aprendizagem motora em pessoas com distrofias musculares

212

Os participantes do GC realizaram todas as etapas da tarefa de labirinto em menor tempo que os demais participantes. Os resultados intergrupos obtidos no presente estudo, porém, mostraram que entre as distrofias musculares investigadas, o grupo com DMD foi o único que apresentou diferença significativa de desempenho em relação ao GC.

Esta diferença se explica, em parte, pelas características de evolução clínica mais severa e pela faixa etária dos participantes. É esperado que adolescentes e adultos jovens com DMD apresentem maior fraqueza muscular e, conseqüente, dificuldade em realizar funções manuais quando comparados aos pacientes com DMB e DMC.

Os pacientes com DMD sofrem tais deficiências ainda durante a infância. No final da adolescência ou início da vida adulta, a manipulação do teclado do computador pode estar muito dificultada, podendo haver incapacidades importantes em manter a velocidade de execução, bem como a amplitude dos movimentos. Processo semelhante ocorre com pacientes com DMB, porém em idade posterior.22,23 Já a DMC incapacita adolescentes ou adultos após o período de surgimento dos sintomas de fraqueza muscular, que pode ser bem prolongado. A princípio, há acometimento de ombros e braços com dificuldade para erguer objetos, por exemplo. A perda da função manual pode ocorrer em etapas posteriores.24

Ainda com relação aos indivíduos com DMD, pode-se esperar uma dificuldade adicional relativa aos aspectos de planejamentos e elaboração de processos cognitivos do ato motor. Estima-se que 30% a 50% destes pacientes, e apenas cerca de 10% dos indivíduos com DMB, apresentem algum nível de deficiência mental.25,26,27 Os indivíduos com DMC não têm risco estabelecido para deficiência mental.

A informação relevante que podemos inferir sobre os resultados intergrupos é que os indivíduos com DMC e DMB tiveram desempenho de aprendizagem semelhante ao de indivíduos sem distrofias musculares. Embora realizassem a tarefa motora com gasto maior de tempo, não houve diferença estatisticamente significante.

Malheiros, Silva, Hasue, Papa, Favero, Menezes, Monteiro

213

Com base na investigação de aprendizagem motora em indivíduos com diferentes distrofias e a execução da tarefa de labirinto em ambiente virtual, pontua-se alguns aspectos inovadores.

Embora recente, a utilização de tarefas computacionais como instrumento para investigação e reabilitação física, cognitiva ou psicológica, além de viabilizar função a diferentes deficiências, já está estabelecida em nosso cotidiano.28,29,30 Uma das contribuições do presente estudo foi demonstrar a pertinência do uso de um jogo de computador como instrumento para a investigação de aprendizagem motora em indivíduos com distrofia muscular.

Analisar o processo de aprendizagem motora não se restringe a observar possíveis mudanças de desempenho entre a fase inicial e final da aquisição. É necessário recorrer ao desempenho em testes de aprendizagem, isto é, de retenção e/ou de transferência a fim de verificar se mudanças observadas se mantém e/ou podem ser transferidas a outros contextos.10,11,12,13

Os resultados observados na Figura 3 mostram que, em todos os grupos, o tempo de realização da tarefa na fase de aquisição diminuiu, conforme aumentava a quantidade de prática. O GE (DMD, DMB, DMC) e o GC apresentaram diminuição do tempo de execução da tarefa entre o primeiro e o último bloco da aquisição, embora o GC tenha obtido melhores resultados. Isso significa que houve melhora de desempenho durante a prática de aquisição para todos os participantes, com diferença significativa de desempenho entre o bloco final e inicial da fase de aquisição.

Tais resultados inferem que a prática da tarefa realizada na aquisição possibilitou manter o desempenho tanto no grupo controle quanto no experimental, mesmo com as deficiências inerentes ao quadro clínico das distrofias musculares, como fraqueza muscular progressiva, possível déficit intelectual e a idade dos participantes. O desempenho alcançado pelos participantes foi mantido na fase de retenção, pois não houve diferença estatística entre o bloco final (A4) da fase de aquisição e o bloco de retenção (R). Portanto, podemos afirmar que todos os

Capítulo 11: Aprendizagem motora em pessoas com distrofias musculares

214

participantes, tanto do GC como do GE, mantiveram capacidade de desempenhar a tarefa de labirinto após um determinado tempo sem executar a mesma.

Com a prática, os movimentos imprecisos são menos freqüentes, conseqüentemente, há otimização de energia e diminuição no tempo de realização da tarefa, isto faz com que a sequência de movimentos ganhe progressiva fluência e harmonia.31 Segundo definições clássicas de habilidade motora, a prática com informação complexa e intencional envolve mecanismos (perceptivo, decisório e efetor) que, mediante o processo de aprendizagem, torna-se organizada e coordenada de tal forma a alcançar objetivos predeterminados com máxima certeza e mínimo dispêndio de energia.32,33.

Para a inferência de aprendizagem, é importante verificar o desempenho na fase de transferência, quando uma tarefa de complexidade semelhante, porém com execução distinta, foi proposta. No bloco de transferência (T), houve aumento do tempo em segundos, com diferença estatística para a fase de retenção (R) e para o último bloco da fase de aquisição (exceto no grupo com DMB), ou seja, a alteração da tarefa ocasionou queda significativa de desempenho para os participantes dos grupos DMD, DMC e GC.

Entretanto, a diferença também foi observada da fase de transferência (T) para o primeiro bloco de aquisição (A1) no desempenho de todos os participantes, com exceção do grupo DMB. Mesmo com dificuldades para executar a nova tarefa, o desempenho dos participantes dos grupos DMD, DMC e GC não foi afetado a ponto de retornarem aos valores obtidos no início da aquisição.

Entre os grupos avaliados, o DMB foi, estatisticamente, o grupo ao qual pode-se inferir melhor aprendizagem motora, pois apresentou diferença do primeiro para o último bloco da fase de aquisição e não apresentou diferenças entre os blocos de retenção e transferência, quando comparados ao último bloco de aquisição. Diante destes resultados podemos afirmar que houve melhora do desempenho,

Malheiros, Silva, Hasue, Papa, Favero, Menezes, Monteiro

215

com aprendizagem inferida pelos testes de retenção e transferência. Tais resultados corroboram o aspecto fundamental da

aprendizagem motora discutido por TANI, 2005; MAGILL, 2000 34,8. Estes autores afirmam que para a aprendizagem ocorrer, as habilidades devem ser executadas em ambientes que demandam constante capacidade de adaptação. Esta adaptação, no entanto, só ocorre na medida em que existam situações desafiadoras à capacidade de movimento já adquirida, de forma que novas estruturas de ação tenham que ser formadas para atender às exigências impostas pelo ambiente. Ou seja, espera-se que as mudanças de desempenho observadas durante a aquisição de determinada habilidade motora se mantenham durante a fase de retenção e que após algum tempo sejam transferíveis para contextos similares.

Uma das características da aquisição de habilidade motora é a execução da tarefa motora com menor tempo. Muitas tarefas motoras requerem respostas rápidas aos estímulos ambientais, assim como rápidos ajustes ou correções baseadas em resultados de desempenhos anteriores. Um fator importante na velocidade de processamento central é a quantidade de informação que envolve os efeitos da complexidade da informação, do tempo utilizável para o processamento e da capacidade do sujeito.35,36

Percebe-se que tanto os participantes dos grupos DMC e DMB, como do GC foram capazes de lidar satisfatoriamente com essas três variáveis. Observa-se, entretanto, que os participantes do GC tiveram melhor desempenho em todas as etapas da tarefa, realizando-as em menor tempo, porém sem diferença de desempenho significativa entre os três grupos mencionados.

Já para o grupo DMD, os resultados permitem afirmar que houve aprendizagem durante a tarefa de labirinto, embora com desempenho inferior quando comparado aos indivíduos sem distrofias musculares. Estas considerações podem ser relevantes sob o ponto de vista da intervenção com estes pacientes, seja na reabilitação, seja na prática de atividade física.

Capítulo 11: Aprendizagem motora em pessoas com distrofias musculares

216

Há poucos relatos que abordam os conhecimentos advindos da Aprendizagem Motora em indivíduos com distrofias musculares, portanto, é importante enfatizar a necessidade de outros estudos para maior compreensão dos fatores que influenciam na aquisição de habilidades motoras nessa população. Sugere-se que as investigações futuras em Aprendizagem Motora possam manipular diferentes formas de prática (variabilidade, distribuição, fracionamento) e de informação (feedback extrínseco, demonstração/instrução, estabelecimento de metas, foco interno/externo) ao aprendiz com Distrofia Muscular. A variabilidade de prática - que consiste em variações nas características do contexto ou variações da tarefa motora que está sendo praticada - parece ser uma prioridade, haja vista sua implicação direta nas intervenções propostas para estes pacientes.

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221

–– CAPÍTULO 12

CONTROLE MOTOR EM DISTROFIAS MUSCULARES: TAREFA DE FITTS

Denise Cardoso Ribeiro, Talita Dias da Silva, Francis Meire Favero, Renata Hydee

Hasue, Isabela Lopes Trevizan, Thaís Massetti, Carlos Bandeira de Mello Monteiro

INTRODUÇÃODistrofia Muscular (DM) compreende um grupo de doenças

genéticas, marcada por fraqueza muscular e atrofia, causadas pela degeneração do tecido muscular1-4. Durante o processo de deterioração, ocorrem destruição e recuperação das fibras musculares e as mesmas são substituídas por tecido fibroso e adiposo5,6.

Atualmente estão identificados, aproximadamente, quarenta tipos de distrofias musculares, que diferem entre si pelo mecanismo de herança genética, idade de início dos primeiros sintomas, envolvimento dos grupos musculares afetados e velocidade da progressão da doença7,8,9. Dentre as DMs, são consideradas as mais frequentes: Distrofia Muscular de Duchenne (DMD), Distrofia Muscular de Becker (DMB), Distrofia Muscular Cinturas Membros (DMCM), Distrofia Muscular Fácio-Escápulo-Umeral (DFSH), Distrofia Muscular Miotônica, Distrofia Muscular Congênita (DMC), Distrofia Muscular Óculo-faríngea. O quadro clínico clássico é fraqueza muscular progressiva e perda da capacidade motora.

Em função das alterações motoras presentes na DMs, os conhecimentos advindos do comportamento motor trazem subsídios para uma melhor conduta terapêutica por profissionais que trabalham com distrofias. Fonseca e Mancini (2008)10 citam que a busca por evidências científicas consistentes, com as novas

Capítulo 12: Controle motor em distrofias musculares: tarefa de Fitts

222

perspectivas nesta área, contribuem para o desenvolvimento de programas de intervenção diferenciados. Desta forma, compreender a ação conjunta do sistema nervoso central com os músculos para produzir ações motoras coordenadas e controladas é uma preocupação dos pesquisadores da área de comportamento motor11.

Apesar do desenvolvimento observado nas áreas relacionadas com comportamento motor, diversas questões sobre a repercussão das disfunções do movimento na vida de indivíduos, bem como a melhor forma de tratá-las, permanecem sem resposta10. Sendo o controle motor uma subárea de estudo do comportamento motor, deve ser investigado com base para intervenções práticas, oferecendo respaldo teórico para os mecanismos que justificam o controle do movimento humano em diferentes abordagens terapêuticas multidisciplinares.

O controle motor é responsável pela organização do movimento humano da forma mais coordenada possível. Para desempenhar com sucesso a grande variedade de habilidades motoras que utilizamos em nossa vida diária, o Sistema Nervoso (SN) necessita coordenar o funcionamento conjunto de vários músculos e articulações de forma que os movimentos sejam rápidos e precisos12.

Para que haja velocidade associada à precisão nos movimentos, vários sistemas no corpo participam para que a ação desejada ocorra como planejada, dentre estes sistemas a propriocepção e a visão são duas fontes importantes de feedback envolvidas no controle dos movimentos.

No movimento humano, feedback é a informação aferente que é enviada pelos vários receptores sensoriais para o centro de controle. A finalidade desse feedback é de manter o centro de controle constantemente atualizado sobre a correção do movimento que será realizado12.

Propriocepção é o senso de orientação, responsável pela percepção do corpo e da posição relativa de seus membros no espaço. O sistema proprioceptivo recebe estímulos associados

D. C. Ribeiro, T. D. da Silva, F. M. Favero, R. H. Hasue, I. L. Trevizan, T. Massetti, C. B. de M. Monteiro

223

com a tensão, extensão, posição e movimento das partes do corpo. A integração deste sistema determina o planejamento e execução do movimento, regula o tônus, coordena o trabalho muscular e afeta a percepção da posição normal do corpo, além de coordenar a velocidade do movimento13.

A visão está diretamente envolvida em movimentos de direcionamento e tende a ser dominante como fonte de informação sensorial no controle de movimentos voluntários. Um dos papéis consistentes da visão é de ajudar as pessoas a preparar os movimentos dos membros e do corpo, em relação às características da posição inicial e do ambiente do desempenho. Em habilidades que exigem movimentos precisos dos membros, a visão fornece informações para corrigir os erros e garantir que o indivíduo execute o movimento com precisão12. Especificamente, os pacientes com DMD apresentam dependência exagerada da informação visual nas tarefas de destreza manual. Sem o uso da visão, o controle manual piora muito, principalmente do lado dominante14.

Dada a importância de todos os sistemas que atuam como feedback, envolvidos no controle motor, dois sistemas básicos de controle estão evidenciados em diversas teorias que tentam explicar como o SN controla o movimento coordenado, quais sejam: sistemas de controle de circuito aberto e circuito fechado. A diferença básica entre os dois sistemas é que o sistema de circuito fechado envolve feedback, enquanto que um sistema de circuito aberto não12.

As tarefas motoras cujos movimentos são realizados em intervalos inferiores ao tempo mínimo de reação são classificadas como tarefas controladas via circuito aberto. São tarefas em que há pouca chance de percepção do erro e correção de resposta antes da ação ter sido concluída. Já as habilidades via circuito fechado, o tempo disponível durante a execução das habilidades é suficiente para que os movimentos sejam corrigidos. Portanto, o critério para a classificação destas habilidades é o tempo de movimento, ou seja, quanto menor o tempo de movimento mais controle motor

Capítulo 12: Controle motor em distrofias musculares: tarefa de Fitts

224

tende a ser feito via circuito fechado e quanto maior o tempo de duração da ação, maiores são as chances de que o controle motor seja realizado por processamento de feedback15.

Algumas evidências experimentais demonstram que certas habilidades podem ser realizadas na ausência de feedback proprioceptivo (circuito aberto) sem aparente prejuízo no desempenho. No entanto, os ajustes baseados em feedback (circuito fechado) são de grande importância, sendo que a ausência de feedback pode acarretar em limitações variadas, sendo a principal delas o grau de precisão dos movimentos, onde os comandos motores são modulados durante a realização da ação15. Portanto, quando a tarefa exigir movimentos que envolvam precisão, necessariamente, se utiliza feedback.

Esta integração sensório motora é vital para a interpretação das informações que os indivíduos recebem durante todo o tempo e envolve as relações entre o nosso sistema sensorial e o planejamento/execução de nossas ações motoras11.

Lei de Fitts Apesar da necessidade de perfeita interação dos sistemas

supracitados, é estabelecido na literatura que o corpo humano possui uma capacidade limitada em transmitir informações na organização de um comportamento motor16,17. Entretanto, existe grande necessidade em quantificar esta limitação e a forma com que o SN se organiza para formar um ato motor.

Diante da afirmativa de que uma característica da maioria das habilidades manuais de direcionamento consiste no desempenho rápido e preciso de uma habilidade, uma possibilidade de avaliação do controle motor é a utilização da Lei de Fitts (Fitts, 1954)18. Esta lei descreve a relação entre velocidade e precisão de movimento e considera que a duração dos movimentos realizados depende do tamanho e distância do alvo19,20.

Esta estratégia de relação entre velocidade e precisão é bem ilustrada no jogo de tênis. No primeiro saque em que não há

D. C. Ribeiro, T. D. da Silva, F. M. Favero, R. H. Hasue, I. L. Trevizan, T. Massetti, C. B. de M. Monteiro

225

penalização por erro, o sacador procura fazer o movimento de propulsão da bola com máxima velocidade, dificultando a recepção do saque por parte do adversário, ou seja, a ênfase é colocada na velocidade do movimento. O resultado disso é a redução da precisão, levando a uma grande incidência de erros na primeira tentativa. Na segunda chance de saque, o jogador perderá o ponto se não for bem sucedido em acertar a bola na área apropriada, por esse motivo a ênfase passa agora a ser a precisão e não mais a velocidade. Com essa mudança de ênfase a ação motora é realizada mais lentamente, aumentando consideravelmente a taxa de acerto15.

Segundo Magill (2000)12,a relação entre velocidade e precisão é uma característica tão comum no desempenho motor que pode ser descrito por uma equação matemática, onde há uma relação log-linear entre tempo de movimento e dificuldade da tarefa, com alvos de menores tamanhos exigindo mais tempo para alcance, pelas crescentes exigências de precisão21,22. A lei de Fitts descreve esta relação da seguinte forma:

TM = a + b log2 (2D/L) ou TM = a + b ID TM = tempo de movimento médio para cada toque numa

sequência de movimentos,a = constante que expressa o ponto de intersecção com o eixo

das abcissas,b = constante que expressa a inclinação da reta,D = distancia entre os alvos,L = largura dos alvos,ID = índice de dificuldade (Meira-Júnior CM, 2010)23.

Isto é, na medida em que o tamanho do alvo é reduzido, ou na medida em que a distância se torna maior a velocidade do movimento diminui para que o movimento seja preciso. Devido à informação intrínseca entre o tamanho do alvo (D) e a distância entre eles (L), a equação log2 (2D/L) fornece um índice de dificuldade (ID) para as habilidades de direcionamento onde,

Capítulo 12: Controle motor em distrofias musculares: tarefa de Fitts

226

quanto maior for o ID, mais difícil será a tarefa, pois tarefas mais difíceis exigirão maior tempo de movimento12. As figuras 1-4 são exemplos de diferentes IDs.

O tempo de movimento varia de indivíduo para indivíduo, em função do nível de controle e aquisição motora de cada um, o que mostra a capacidade de adaptação do SN humano a diferentes tarefas24.

Tarefas utilizando a lei de Fitts são citadas e utilizadas numa grande variedade de condições e populações. Em particular, esta lei é capaz de descrever alterações no tempo de movimento durante ações unimanuais e bimanuais 25, e sob diferentes níveis de dificuldades26,27, em movimentos realizados por participantes com diferentes faixas etárias20,28,29, e para uma ampla gama de valores de índice de dificuldade usados em diferentes pesquisas com populações sem alterações motoras30 ou com alguma deficiência21,31, mas não encontrou-se nenhuma pesquisa que avalia a velocidade e precisão de movimento em pessoas com distrofia muscular.

A avaliação do tempo necessário para realização de atividades específicas tem se mostrado útil no estudo da evolução de atividades funcionais e, principalmente, na simplificação dos protocolos de avaliação de rotina32.

Considerando o controle motor normal e as dificuldades apresentadas por pessoas com DM, este estudo se propôs a verificar o planejamento do controle motor em pessoas com DM mediante uma tarefa da lei de Fitts, a qual avalia o tempo de movimento em função do nível de dificuldade.

MÉTODO

Tipo, local e população de estudo Estudo do tipo transversal, no qual foram avaliadas 35 pessoas

com diagnóstico de Distrofia Muscular, sendo os tipos de distrofia: de Duchenne (n=22; todos do sexo masculino e com média de idade de 18±5,31), de Becker (n=4; todos do sexo masculino com idade

D. C. Ribeiro, T. D. da Silva, F. M. Favero, R. H. Hasue, I. L. Trevizan, T. Massetti, C. B. de M. Monteiro

227

média de 26±4,05) e do tipo Cinturas (n=8; 7 do sexo masculino e 1 do sexo feminino, com idade média de 26±3,88), que frequentam a Associação Brasileira de Distrofia Muscular (ABDIM).

Além disso, foram avaliadas 35 pessoas sem alterações neuromusculares, pareadas por sexo e idade, para compor o grupo controle.

Critérios de inclusão e exclusão da pesquisaForam considerados elegíveis os pacientes que estavam

em seguimento clínico na Associação Brasileira de Distrofia Muscular (ABDIM) e que assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido ou a autorização dos pais / responsáveis caso o participante seja menor de idade. O diagnóstico da DM foi confirmado por método molecular e/ou por expressão protéica do músculo esquelético.

Os critérios de exclusão foram: pessoas com alterações nas funções cognitivas que impeçam a colaboração e compreensão de ordens simples nas atividades propostas.

Instrumento de coleta de dadosO software que simulou a tarefa foi o “Fitts Reciprocal Aiming

Task v.1.0 (Horizontal)” de domínio público (http://okazaki.webs.com – disponível da internet em 01/09/2010) e foi desenvolvido por Victor Hugo Alves Okazaki o qual apresenta a tarefa, proposta pela lei de Fitts, no computador. Optou-se pelo uso do computador, principalmente, pela precisão nos registros de tempo de movimento e

na obtenção do número de toques errados e também por considerar que a modernidade advinda dos avanços tecnológicos influencia o dia a dia do indivíduo sendo uma possibilidade de intervenção clínica, pelos benefícios que a computação pode propiciar para a funcionalidade de indivíduos com DM.

Desta forma, para esta pesquisa, a tarefa consistiu em levar o cursor do mouse do computador clicando em duas barras, que ficam dispostas paralelamente na vertical (figura 1, 2, 3 e 4), de

Capítulo 12: Controle motor em distrofias musculares: tarefa de Fitts

228

forma intermitente, com a maior velocidade e precisão possíveis por um período de 10 segundos, em seguida foi anotado o tempo de movimento total, obtido por meio da divisão entre segundos pré estabelecidos para a tarefa (10) e o número de toques, ou seja, 10/número de toques.

A tarefa foi composta por três tentativas em 3 índices de dificuldade (ID) diferentes, sendo que o ID 4 é subdividido em dois índices (ID4a e ID4b), de forma que no ID4a a distância entre as barras e a largura das mesmas é maior, no ID4b a distância entre as barras é menor, porém a largura delas também diminui, fazendo com que o ID continue o mesmo. Desta forma, os IDs são: 2 (Fig. 1), 4a (Fig. 2), 4b (Fig. 3) e 6 (Fig. 4), enfatizando que, cada nível de dificuldade é mais difícil que o outro, com espaços maiores entre as barras e/ou diminuição do tamanho da barra.

Fig.1: Índice de dificuldade 2

No ID 2 o alvo (barras laterais) são mais largas (3,7cm), com pouca distância entre elas. (3,5cm).

D. C. Ribeiro, T. D. da Silva, F. M. Favero, R. H. Hasue, I. L. Trevizan, T. Massetti, C. B. de M. Monteiro

229

Fig. 2: Índice de Dificuldade 4a

No ID 4a o alvo (barras laterais) são um pouco mais finas (1,8cm) com distância maior entre elas (12cm).

Fig.3: Índice de Dificuldade 4b

No ID 4b o alvo (barras laterais) são mais finas do que no ID 4a (0,9cm) entretanto, a distância entre elas é menor (6,6cm).

Capítulo 12: Controle motor em distrofias musculares: tarefa de Fitts

230

Fig. 4: Índice de Dificuldade 6

No ID 6 o alvo (barras laterais) são ainda mais finas (0,4cm) com maior distância entre os alvos (14,4cm).

RESULTADOS

Análise EstatísticaOs dados atenderam aos testes de normalidade entre as

variâncias, portanto, para a análise de diferenças intergrupos foi utilizada a ANOVA one-way e para a análise intragrupo, utilizou-se o teste-t de Student, sendo que, foi adotado um nível de significância de p<0,05.

Os resultados mostram que para todos os grupos (Distrofia Muscular de Duchenne, Becker e do tipo Cinturas), o tempo de movimento aumentou, conforme aumentava o índice de dificuldade (Figura 5). As diferenças estatísticas intragrupo, entre cada Índice de dificuldade, são demonstradas na tabela 1:

D. C. Ribeiro, T. D. da Silva, F. M. Favero, R. H. Hasue, I. L. Trevizan, T. Massetti, C. B. de M. Monteiro

231

Tabela 1: Diferenças estatísticas intragrupos

Tipo de Distrofia Muscular ID2 - ID4a ID4a - ID4b ID4b - ID6p

Duchenne 0,0001* 0,252 0,0001*Becker 0,031 1,000 0,010*

Cinturas 0,0001* 0,759 0,0001*Grupo Controle 0,0001* 0,451 0,0001*

ID= Índice de dificuldade; p= probabilidade de diferença estatística, sendo que esta

diferença é considerada quando o valor de p<0,05.

*resultados que apresentaram diferença estatística (p<0,05)

Figura 5: Médias dos tempos de movimento em função do índice de dificuldade nos

grupos de Distrofia Muscular de Duchenne, Becker e do tipo Cinturas.

Legenda: ID= Índice de Dificuldade.

Para os grupos de DM, a análise estatística revelou que o tempo de movimento foi positivamente relacionado com o ID como esperado. Entretanto, a ANOVA para os dados de cada participante não indicou uma diferença significativa entre os grupos com distrofia muscular, mas observou-se diferença entre Duchenne e grupo controle (tabela 2).

Capítulo 12: Controle motor em distrofias musculares: tarefa de Fitts

232

Tabela 2: Diferenças estatísticas intergrupos

ID2 ID4a ID4b ID6p

DMB-GC 1 1 1 1DMC-GC 1 1 1 1DMD-GC 0,0001* 0,001* 0,004* 0,079**

DMB: Distrofia Muscular de Becker; DMC: Distrofia Muscular do tipo Cinturas; DMD:

Distrofia Muscular de Duchenne; GC: Grupo Controle.

*resultados que apresentaram diferença estatística (p<0,05)

**resultados que apresentaram diferença marginal.

DISCUSSÃO O movimento humano é um tema fundamental quando se trata

de reabilitação. Dessa forma, os temas abordados pelos estudos em controle motor contribuem para fundamentar as intervenções profissionais dessa área10. Dentre diferentes fatores estudados na área de controle motor, atualmente chama a atenção a investigação da velocidade e da precisão do movimento. Considerando exemplos funcionais, citados por Oliveira e Petersen (2008)11, no qual a meta da tarefa é alcançar e pegar um copo disposto em cima de uma mesa: quando você realiza esse movimento, irá notar que você move seu braço e mão rapidamente no início e reduz a aceleração do seu movimento drasticamente, quando sua mão começa a se aproximar do copo, provavelmente a redução da velocidade de movimento está relacionada à necessidade de precisão com a aproximação do alvo.

Tarefas motoras das mais diferentes naturezas requerem, em maior ou menor grau, precisão de resposta. A demanda por precisão influencia diretamente na velocidade e no resultado do ato motor15. Movimentos simples endereçados a um alvo são regulados a partir dos princípios do controle motor, os quais regem a relação de antagonismo entre a velocidade do movimento e a demanda de precisão da resposta, de forma que quanto maior for a exigência de precisão de uma tarefa motora menor será a velocidade do movimento36. Este referencial, descrito pela lei de Fitts, tem sido extensivamente utilizada em estudos de comportamento motor

D. C. Ribeiro, T. D. da Silva, F. M. Favero, R. H. Hasue, I. L. Trevizan, T. Massetti, C. B. de M. Monteiro

233

normal, mas sua aplicabilidade em distúrbios neurológicos, só atualmente, vem sendo explorada21,37-39.

A explicação para esse fenômeno é que o aumento do índice de dificuldade, particularmente pela diminuição da largura do alvo, gera uma maior demanda de processamento de feedback em função da maior restrição espacial colocada pela tarefa, fazendo com que o tempo de movimento seja aumentado como consequência do maior número de ajustes necessários para obtenção de sucesso. O feedback é um tipo particular de informação que indica ao individuo a ocorrência de erros em seu próprio desempenho e é considerado um dos aspectos mais importantes na performance da tarefa motora. A partir do feedback, podem ser feitas correções na execução da ação a fim de se obter a máxima precisão, entretanto, sua utilização requer tempo. Quando a tarefa exigir precisão é necessário mais tempo para efetuar ajustes nas respostas e mais correções podem ser implementadas ao longo do movimento15,36. Além disso, para produzir um movimento, deve haver interação entre as estruturas corporais e processos cerebrais, incluindo: (1) Percepção, a qual trata da capacidade de vincular sentidos a outros aspectos da existência como o comportamento ou o pensamento40; (2) Cognição, definida como a capacidade de processar e integrar as informações; (3) Ação, pode ser considerada como uma resposta dirigida para uma meta que consiste de movimentos do corpo e/ou dos membros12.

Na vida cotidiana, raramente se executa tarefas típicas de laboratório, tais como acertar o mais rápido possível dois alvos alternadamente como é a proposta da lei de Fitts. No entanto, estudando tais tarefas, há possibilidade de conhecer duas restrições conflitantes do ser humano: ser muito rápido e muito preciso, ao mesmo tempo18,41. Se refletirmos sobre os tipos de ações que fazemos no dia a dia, percebemos que é importante termos a capacidade de realizar tarefas dentro de um limite de tempo determinado com certo grau de precisão. Pessoas realizam diferentes tarefas diárias que requerem execuções rápidas e precisas como pegar um objeto ou mesmo teclar um texto no computador.

Capítulo 12: Controle motor em distrofias musculares: tarefa de Fitts

234

Aplicação da Lei de Fitts nas distrofias muscularesConsiderando os resultados deste trabalho, diante de uma

tarefa proposta pela lei de Fitts, em um modelo experimental no computador, verificaram-se as interações entre velocidade e precisão das ações motoras em três tipos de distrofias. Como demonstra a figura cinco, o comportamento respeitou o que a lei propõe, ou seja, todos os sujeitos, independente da distrofia, apresentaram maior tempo de movimento à medida que se exige mais precisão, ou seja, houve aumento progressivo do tempo, conforme se modificava o ID da tarefa.

Diferenças intragrupos Os sujeitos com distrofia de Becker (DMB) e do tipo Cinturas

(DMC) apresentaram melhor desempenho se comparado à Distrofia de Duchenne (DMD) (Figura 5). Esta informação pode ser relacionada com a própria descrição literária sobre DMD, a qual revela ser o tipo mais severo da doença, ou seja, tem início precoce, velocidade rápida de progressão e, consequentemente, maior é a gravidade do comprometimento muscular se comparado às outras distrofias avaliadas.

Nota-se, ainda, que a idade média dos sujeitos com DMD é a menor (média de idade de 18±5,31), correlacionando-se com a velocidade de progressão da doença.

Grupo controle X Distrofia Muscular de DuchenneNeste estudo, o que pode ser evidenciado e, de fato, chama

muito atenção é a diferença do tempo de movimento quando se compara a performance das pessoas com DMD aos sujeitos saudáveis. O grupo com DMD foi o único que apresentou diferença estatística com o grupo controle, ou seja, foi o grupo que necessitou maior tempo de movimento (TM) para executar a mesma tarefa. A figura 5 mostra, nitidamente, esta diferença nos diferentes IDs. Ao manipularmos a dificuldade da tarefa, de acordo com o tamanho e/ou distância do alvo, quantificamos processos

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235

relacionados ao controle motor. Os sujeitos com DMD foram os mais prejudicados em termos de movimento para alvos com índices crescentes de dificuldade. A alteração de força muscular presente nestes indivíduos pode ter influência sobre o controle do movimento39. Além disso, já é bem estabelecido que a distrofina está presente em muitas células do corpo, incluindo os neurônios do sistema nervoso central (SNC) e que esta proteína participa de um grande número de ações moduladoras em vias neurais, regula aspectos distintos da neurogênese e modula a integridade sináptica42-44. Anderson et al. (2002)42, apresentaram evidências de que a ausência ou mutação da distrofina no SNC produz alterações significativas na função neural, especialmente, no córtex, cerebelo e hipocampo (locais onde há presença elevada de distrofina). Estas regiões integram informações sensório motoras necessárias para as funções cognitivas e comportamentais e, portanto, são afetadas negativamente pela ausência de distrofina43-45. As entradas somatossensoriais são determinantes no desempenho motor, ou seja, alteração sensorial pode afetar o alcance, preensão e manipulação45. Lee et al. (2002)46, destacaram o comprometimento da destreza manual bilateral em pacientes com DMD.

Witney et al. (2004)47, demonstraram evidências anatômicas, fisiológicas e comportamentais que sugerem que o córtex motor é essencial para precisão e manipulação ágil de objetos. Di Lazzario et al. (1998)48, reportam redução da excitabilidade do córtex motor em pacientes com DMD e concluíram que esta informação está relacionada com alteração da função sináptica.

Sendo assim, há possibilidade de existência de causa neural para o controle motor alterado pela identificação de desordens funcionais e morfológicas no sistema nervoso central de portadores de DMD45.

Distrofias x Índices de DificuldadeAo analisarmos separadamente cada distrofia, percebe-se que há

diferença estatística, no tempo de movimento quando se compara

Capítulo 12: Controle motor em distrofias musculares: tarefa de Fitts

236

os índices de dificuldade 2 e 4a e entre o ID 4b e 6 para os três grupos de distrofia, assim como ocorre no grupo controle, portanto, a lei de Fitts foi corroborada e aplicável às distrofias avaliadas, pois as diferenças entre os índices ocorreram de igual forma nos distróficos e nos sujeitos sem alterações neuromusculares. Já entre os índices de dificuldade 4a e 4b, não houve diferença estatística. Como dito anteriormente, no ID 4a a distância entre as barras e a largura das mesmas é maior enquanto no ID 4b a distância entre as barras é menor, porém a largura delas também diminui, ou seja, o ID continua o mesmo, justificando, talvez, ausência de resultado estatístico. Na analise gráfica, percebe-se certa linearidade entre o ID 4a e ID 4b para o grupo controle, DMC e DMB.

Fitts (1954)18 estabeleceu que quando a dificuldade do movimento aumenta, pelo aumento da distância ou da diminuição da largura das barras, mais informação deve ser processada para gerar um movimento que atinja o alvo. Em virtude da premissa de que a capacidade de processamento de informação por unidade de tempo é limitada no executante, há compensação por intermédio do aumento do tempo de movimento para lidar com uma combinação difícil de distância e largura das barras. Assim, mais tempo é preciso para executar um movimento difícil, sendo que, o tempo de movimento médio é linearmente proporcional ao ID.

A capacidade de ajustar corretamente o movimento e a aplicação de força muscular necessária para execução de uma tarefa é fundamental para destreza e habilidade, o qual pode estar comprometido em doenças neurológicas. Kim et al. (2010)37, relata que pacientes com déficit neurológico apresentam como deficiência funcional primária a lentidão do movimento e a inconsistente aplicação da força muscular. Ainda que os portadores de distrofias apresentem habilidades motoras de membros superiores, limitações de movimento e lentidão para o alcance preciso constituem uma desvantagem considerável nesta população, particularmente, na DMD.

Este estudo fornece a evidência de certa deficiência no

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237

planejamento e no controle do movimento durante uma tarefa com exigência crescente de precisão. A incapacidade de realizar ações com rapidez e precisão ao mesmo tempo dificulta a realização de tarefas motoras, afetando diretamente seu desempenho. Neste contexto, a lei de Fitts pode subsidiar respostas em relação ao controle motor de indivíduos com distrofia muscular, em tarefas pré estabelecidas, manipulando-se a dificuldade através do tamanho do alvo e amplitude49.

Esta análise pode contribuir para o conhecimento da execução de ações motoras em pessoas com distrofias, o que auxiliará na organização de programas de intervenção.

CONCLUSÃOOs sujeitos com distrofia muscular de Duchenne apresentaram

desempenho inferior às demais distrofias estudadas. Foi possível observar que este grupo, em particular, apresenta maior tempo de movimento para execução de tarefas com diferentes índices de dificuldade, quando comparado ao grupo controle. O conhecimento obtido pode oferecer subsídios para intervenções práticas oferecendo respostas para o direcionamento de tratamento clínico de pessoas com DMD.

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243

–– CAPÍTULO 13

COMPARAÇÃO ENTRE TAREFA EM AMBIENTE VIRTUAL COM E SEM CONTATO FÍSICO NA DISTROFIA MUSCULAR

DE DUCHENNEVirgínia Helena Quadrado, Talita Dias da Silva, Francis Meire Favero, Renata Hydee

Hasue, Pâmela Spina Capitão, Milene Franco, Carlos Bandeira de Mello Monteiro

INTRODUÇÃOAs distrofias musculares (DM) constituem um grupo de doenças

genéticas caracterizadas por degeneração progressiva e irreversível da musculatura esquelética. Dentre diferentes distrofias existentes a distrofia muscular de Duchenne (DMD) é considerada a doença neuromuscular recessiva mais comum, na qual dois terços dos casos são herdados por meio de mães portadoras ou surgem de mosaicismo germinal, enquanto os outros se originam de mutações somáticas1. Admite-se ser produzida por uma mutação do gene que codifica a enzima distrofina, localizado no cromossomo Xp211,2. As deleções e duplicações de um ou mais exons desse gene são responsáveis por 65% das mutações patogênicas, sendo as restantes atribuídas a mutações de ponto2.

Clinicamente, a fraqueza muscular e a falta de coordenação motora estão presentes nas pessoas com DMD, alterando sua funcionalidade e principalmente a praticidade em realizar tarefas simples do dia a dia3. A intervenção terapêutica constante se faz necessária pois a distrofia muscular é progressiva. Assim, ao focar em atividades motoras e de coordenação, torna-se possível o aumento da qualidade de vida e o retardo da progressão da doença.

O interesse principal dos profissionais que trabalham com DMD é identificar características que possam facilitar o desempenho

Capítulo 13: Comparação entre a tarefa em ambiente virtual cm e sem contato físico

244

motor durante as tarefas diárias e encorajar o desenvolvimento de novas habilidades motoras, de forma que estas habilidades sejam realizadas eficientemente em diferentes contextos4. Neste sentido, os princípios da aprendizagem motora podem ajudar os profissionais na estruturação da reabilitação, a fim de facilitar a aprendizagem de habilidades motoras em pessoas com DMD4,5.

A aprendizagem motora é um fenômeno que se refere a um conjunto de processos internos associados com a prática ou experiência, levando à mudanças relativamente permanentes no comportamento motor5. O processo de aprendizagem motora envolve três fases principais: aquisição, retenção e transferência. Por exemplo, uma pessoa que levanta uma caixa corretamente (fase de aquisição) deve ser capaz de executar esta tarefa uma semana depois (fase de retenção) e transferir esse aprendizado, levantando corretamente diferentes itens no local de trabalho (fase de transferência)5. Em outras palavras, apenas a melhora do desempenho motor durante a fase de prática da tarefa (aquisição) não inferem aprendizagem motora, para tanto é necessário avaliar o desempenho durante as fases de retenção e transferência6.

As habilidades motoras adquiridas com a prática de uma determinada tarefa permitem discernir claramente mudanças na interação com objetos e com outros seres humanos, de maneira a melhorar o desempenho na execução da tarefa selecionada, aumentar a consistência e fluência do movimento, diminuir os erros e o tempo total para realização da tarefa7,8.

Então, considerando que o foco da aprendizagem motora é a prática, há diferentes possibilidades para utilizar este conhecimento na reabilitação9,10. Uma possibilidade que tem se desenvolvido de forma consistente é a verificação da aprendizagem motora em ambientes de Realidade Aumentada, que têm sido cada vez mais selecionados dentre tantos, a fim de não somente explorar a tecnologia como terapia e aumento de funcionalidade nas distrofias musculares, mas também tornar cada vez mais

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245

eficientes as maneiras de trabalhar com a aprendizagem motora, com jogos eletrônicos e interfaces virtuais.

Recentemente, pesquisas científicas com distrofias musculares têm abordado cada vez mais o conceito de realidade aumentada, no qual o indivíduo é exposto a uma interface virtual capaz de interagir com elementos e alvos de forma dinâmica e lúdica, tendo o raciocínio lógico e o tempo de reação associados ao movimento, o que permite a contração muscular de forma repetida e consistente11-14.

A realidade aumentada permite uma interação agradável e segura, visto que é possível transportar os elementos do mundo virtual para o real. Neste caso, pode-se eliminar dispositivos tecnológicos e complexos e interagir apenas com as mãos, tornando a tarefa mais natural e atrativa para o paciente15. A realidade aumentada combina a “visão” que o usuário possui do mundo real com objetos virtuais por meio de tecnologia em tempo real, e objetos virtuais parecem coexistir no mesmo espaço físico que os objetos reais16-18.

Desde o início dos anos 90, há um progresso significativo no que diz respeito ao desenvolvimento de ambientes de realidade virtual. Nesta área, a maioria dos trabalhos têm se concentrado em aspectos como geração de imagens de qualidade, captura dos movimentos dos usuários, modelagem de cenários e interação entre usuários e objetos virtuais19.

Spence (2003)19, cita que o uso de sensações táteis acentua a sensibilidade de outros estímulos presentes em um mesmo ambiente de interação, além de prover um novo canal de comunicação. Yano et al.,199820, também destaca que a presença do monitoramento tátil influencia diretamente na percepção espacial, fazendo com que um paciente, por exemplo, diminua o número de colisões com paredes virtuais, em comparação ao mesmo ambiente sem tato.

A geração de estímulo tátil em ambientes virtuais tem atraído a atenção de pesquisadores. Apesar de termos como “force feedback”

Capítulo 13: Comparação entre a tarefa em ambiente virtual cm e sem contato físico

246

e “tactile feedback” terem surgido há mais de meio século, apenas a partir da década de 1990 a pesquisa na área intensificou-se, e o tato começou a fazer parte de simulações de Realidade Virtual de forma concreta19-21.

Os sistemas de reação tátil transmitem sensações que atuam sobre a pele. Estes sistemas podem incluir não apenas a sensação do toque, mas também a percepção de geometria, rugosidade, temperatura, características de atrito de superfície associadas ao objeto tocado e geralmente, estes dispositivos também englobam reação de força22.

Assim, para tornar o ambiente virtual mais real, é interessante que além da locomoção e movimentação tridimensional, por meio do cenário e interação com o mesmo, o usuário possa sentir de alguma forma os objetos com os quais está interagindo, com o objetivo de tornar a tarefa mais fácil, já que o feedback advindo também do tato pode ser mais eficiente que apenas o feedback visual.

Entretanto, pessoas com limitações motoras apresentam deficiências no controle motor fino, na força muscular e na amplitude de movimento. Esses déficits podem reduzir drasticamente a sua capacidade de executar tarefas diárias, como vestir-se, pentear-se, e higienizar-se de forma independente. Ademais, esses déficits podem reduzir a participação em atividades comunitárias e de lazer, além de impactar negativamente perspectivas no trabalho3,4.

Estratégias que incluam o uso de várias tecnologias baseadas em jogos que reproduzam os movimentos corporais para as pessoas com deficiência motora, têm sido desenvolvidas e utilizadas recentemente para reabilitação, motivando as pessoas a se engajar na realização dos exercícios. Com isso, a tarefa de realidade virtual sem contato físico, permite aos usuários controlar e interagir por meio do uso de gestos, sem que haja a necessidade de tocar em uma interface física para o jogo. Ao utilizar o movimento corporal a pessoa pode avaliar a precisão de seus movimentos durante a execução do exercício, além de

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melhorar a motivação, interesse e perseverança para se engajar na reabilitação física, propiciando benefícios para realizar atividades de vida diária de forma independente23.

OBJETIVOS DOS TESTESTendo em vista as dificuldades particulares e bem diferenciadas

encontradas nos indivíduos com DMD, este trabalho foi proposto para que possamos compreender se uma tarefa realizada em ambiente virtual sem contato físico viabiliza mais possibilidades funcionais do que a tarefa realizada por meio de uma interface com contato físico.

Os resultados são importantes para verificar a eficácia da utilização de tecnologia assistiva para propiciar funcionalidade para pessoas com DMD.

MÉTODOS

CasuísticaPara este trabalho selecionou-se 34 indivíduos com idades

entre 10 e 35 anos, que foram divididos em 2 grupos: um grupo composto por 17 indivíduos que realizaram a tarefa em interface com contato físico (CCF) e outro grupo composto por 17 indivíduos que realizaram a tarefa em interface sem contato físico (SCF). Para manter as características da amostragem aleatória, em que cada participante teve a mesma probabilidade de participar dos grupos, utilizou-se a amostragem probabilista aleatória simples, randomizada por sorteio com papel.

Seleção dos indivíduosPara a seleção dos indivíduos, utilizou-se critérios de inclusão

e de exclusão, levando em consideração o diagnóstico médico de DMD e o escore obtido nas aplicações de escalas de funcionalidade,

Capítulo 13: Comparação entre a tarefa em ambiente virtual cm e sem contato físico

248

de progressão da doença, e também da Classificação Internacional de Funcionalidade Incapacidade e Saúde (CIF)24.

Para a avaliação da funcionalidade, utilizou-se o Motor Function Measure Scale (MFM), composta por 32 itens (tarefas), divididos em três domínios que fornecem um perfil detalhado da deficiência física: (D1) transferências e postura em pé; (D2) capacidade motora axial e proximal e (D3), capacidade motora distal, para fornecer um perfil detalhado da deficiência física25. Neste trabalho caracterizou-se os participantes somente pelo domínio D3 do MFM, considerado o mais determinante para realizar tarefas funcionais com os membros superiores. Para melhor especificar as dificuldades dos participantes incluiu-se também o valor do MFM total (MFMTot) no qual percebe-se que o valor do domínio D3 é superior ao valor total em todos os participantes.

Já para a avaliação da progressão da doença, utilizou-se a Egen Klassification (EK); projetada para refletir a perda progressiva da capacidade física do indivíduo com DMD em 10 atividades principais26. Para verificar o estadiamento da doença, foi aplicado o Vignos27, que possibilitou mensurarmos o grau progressivo alcançado da doença.

Tabela 1: Score obtido dos sujeitos para os testes de funcionalidade

Sujeitos Idade MFMTot MFM-D3 EK Vignos

1 20 19,79% 57,14% 21 8

2 15 61,45% 95,23% 2 6

3 24 22,90% 61,90% 17 8

4 12 40,62% 71,42% 5 7

5 12 45,83% 66,66% 6 7

6 10 63,54% 95,24% 0 6

7 13 25% 57,14% 15 8

8 16 61,46% 95,24% 1 7

9 24 36,45% 85,71% 12 7

10 20 31,25% 71,42% 14 8

11 25 29,16% 80,95% 17 9

12 26 9,37% 14,28% 22 9

13 17 40,62% 80,95% 9 7

V. H. Quadrado, T. D. da Silva, F. M. Favero, R. H. Hasue, P. S. Capitão, M. Franco, C. B. de M. Monteiro

249

Tabela 1: Score obtido dos sujeitos para os testes de funcionalidade

Sujeitos Idade MFMTot MFM-D3 EK Vignos

14 22 58,33% 100% 1 7

15 19 61,46% 90,48% 2 7

16 23 15,62% 38,09% 20 8

17 14 80,20% 95,23% marcha 2

18 12 78,12% 90,47% marcha 3

19 25 21,87% 66,66% 16 8

20 17 89,58% 95,24% marcha 1

21 17 37,50% 76,19% 11 8

22 15 44,79% 90,47% 9 8

23 17 27,08% 66,66% 14 8

24 27 30,21% 66,66% 11 7

25 10 91,66% 95,23% marcha 1

26 20 43,75% 85,71% 8 7

27 12 86,45% 100% marcha 1

28 16 17,71% 28,57% 14 8

29 15 44,79% 90,47% 12 7

30 13 84,38% 100% marcha 2

31 32 39,58% 80,95% 11 8

32 16 39,58% 80,95% 11 7

33 17 21,87% 52,38% 19 8

34 21 5,20% 14,28% 23 9

Para a caracterização dos indivíduos e viabilização de um grupo bastante homogêneo utilizou-se a CIF24, na qual, todos os indivíduos que participaram do estudo, deveriam apresentar as mesmas características funcionais, com deficiência e incapacidade leve ou moderada no domínio de “funções do corpo” (funções neuromusculoesqueléticas e relacionadas ao movimento do tronco e dos membros superiores) e no domínio de “atividades e participação” considerando-se a aprendizagem, comunicação e mobilidade do tronco, das mãos e braços.

Optou-se por esses domínios, por serem os mais importantes para viabilizar a execução da tarefa proposta de tocar a tecla do

Capítulo 13: Comparação entre a tarefa em ambiente virtual cm e sem contato físico

250

computador no momento exato ou possibilitar um movimento em direção ao ambiente virtual. Desta forma, considerando-se as funções do corpo, os indivíduos avaliados apresentaram funções neuromusculoesqueléticas relacionadas ao movimento considerando o punho: funções das articulações e dos ossos leve e moderada (b7100.1 e b7100.2); força de grupos de músculos leve e moderada (b7300.1 e b7300.2); funções relacionadas a coordenação dos movimentos voluntários leve e moderado (b7602.1 e b7602.1).

Considerando-se os domínios de “atividades e participação”, apesar das avaliações propostas por este trabalho serem realizadas em ambiente planejado, optou-se por organizar o grupo de indivíduos com DMD utilizando os códigos da CIF seguidos dos qualificadores de desempenho (que qualifica a participação considerada como funcionalidade social) e de capacidade (que qualifica a atividade considerada como funcionalidade individual). Para que não ocorresse conflito na formação do grupo, mesmo sabendo da existência de redundância na informação, os indivíduos avaliados tiveram o mesmo grau de dificuldade na atividade e na participação. Para tanto, nas “atividades e participação” do punho considerou-se pacientes com dificuldade leve e moderada no uso fino das mãos para manipular objetos (d4402.11 e d4402.22) e pegar objetos (d4400.11 e d4400.22). Nas funções de “aprendizagem”, “aplicação de conhecimento”, “realização de tarefas” e “comunicação” todos os indivíduos tiveram no máximo deficiência leve na concentração e atenção (d160.11), na realização de uma tarefa simples (d2100.11) e na recepção de mensagens orais (d310.11).

Excluiu-se os indivíduos que apresentavam outras doenças associadas, indivíduos com baixo escore na escalas de avaliação MFM, alterações nas funções cognitivas que impossibilitavam a colaboração e compreensão nas atividades propostas e indivíduos que não apresentaram as características “leve” ou ”moderada” nos itens funcionais segundo a CIF.

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Tabela 2: Classificação mínima necessária para inclusão dos participantes em Itens funcionais da CIF: Funções do Corpo

Item Classificação CódigoFunções das articulações e dos ossos Leve e Moderada b7100.1 e b7100.2

Força de grupo de músculos Leve e Moderada b7300.1 e b7300.2Coordenação dos movimentos

voluntários Leve e Moderada b7602.1 e b7602.1

Tabela 3: Classificação mínima necessária para inclusão dos participantes em Itens funcionais da CIF: Atividades e Participação

Item Classificação CódigoUso fino das mãos para manipular

objetos Leve e Moderada d4402.11 e d4402.22

Pegar objetos Leve e Moderada d4400.11 e d4400.22Coordenação dos movimentos

voluntários Leve e Moderada b7602.1 e b7602.1

Concentração e Atenção Leve d160.11Realização de uma tarefa simples Leve d2100.11

Recepção de mensagens orais Leve d310.11

InstrumentoO TimingCoincidente utilizado, foi desenvolvido como uma

tarefa de realidade aumentada que possibilita trabalhar a capacidade perceptual-motora do indivíduo para executar uma resposta motora em sincronia com a chegada de um objeto externo em um determinado ponto28,29. É uma tarefa que possibilita diferentes focos de análise, pois viabiliza o ajuste de diversos parâmetros importantes a serem avaliados, como variabilidade de prática, velocidade de estímulo, nível de complexidade da tarefa, nível de habilidade, conhecimento de resultados, entre outras combinações de parâmetros que se pode fazer de acordo com o objetivo proposto para o estudo e, exatamente por essas possibilidades, tarefas de Timing Coincidente têm sido intensamente investigadas, principalmente no campo de aprendizagem motora30.

Tradicionalmente, as medidas de desempenho usadas em estudos com tarefas de TimingCoincidente são: o erro absoluto, que expressa a magnitude do erro; o erro constante, que expressa a direção do erro (respostas atrasadas ou adiantadas) e o erro variável,

Capítulo 13: Comparação entre a tarefa em ambiente virtual cm e sem contato físico

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que expressa a variabilidade ao longo das tentativas31. Durante a prática, quando os erros absoluto, constante e variável diminuem é um indício que o sistema percepto-motor encontrou uma solução apropriada para resolver o seu problema de organização temporal, e tende a repetir essa solução.

O software com o jogo que disponibiliza a tarefa TimingCoincidente foi elaborado pelo Departamento de Engenharia de Sistemas Eletrônicos da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (EP-USP), que mensura o desempenho da aprendizagem motora por meio de duas interfaces distintas, sendo:

1. Interface com contato físico (CCF): com a utilização do teclado do computador. Neste caso o alvo é um objeto virtual e o dispositivo de interação para acertar o alvo é o teclado do computador. O alvo poderá ser posicionado em qualquer lugar no mundo real do usuário, mas obrigatoriamente o indivíduo tem que utilizar o toque para efetivar a tarefa;

2. Interface sem contato físico (SCF): com a utilização de movimento da mão no ambiente virtual. Para acertar a meta existe um alvo virtual que é representado pelo próprio dispositivo de interação (marcador posicionado sobre a mesa). Para a interface sem contato físico não existe a necessidade do toque em qualquer objeto, basta o indivíduo posicionar qualquer parte da mão sob a webcam ligada ao computador e sobre o marcador, no momento em que o alvo deve ser atingido. A tarefa proposta é similar à desenvolvida no Bassin Anticipation Timer Model 35580 da Lafayette Instrument utilizado em diferentes trabalhos10,29,31. Considerando a execução do Timing Coincidente: são exibidos na tela do computador 10 cubos que acedem (luz verde) em sequência até atingir o último cubo que é considerado o alvo (Figura 1). O participante tem feedback imediato de acerto ou erro da tarefa por meio de sons diferentes, previamente demonstrados.

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Figura 1: Tarefa de Timing Coincidente realizada no computador

ProcedimentoPara viabilizar o uso do Timing Coincidente como proposta

científica, deve-se levar em consideração alguns métodos para posicionar a pessoa no momento da execução da tarefa, como mobiliário e materiais.

Os participantes foram posicionados em uma mesa com o computador instalado a frente. A cadeira foi ajustada de acordo com o tamanho e necessidade de cada participante, assim como o apoio para os pés, de tal forma que ficaram posicionados adequadamente para viabilizar o início e a finalização da tarefa.

Antes de iniciar a avaliação, explicou-se o funcionamento da tarefa para cada participante: a mão utilizada na tarefa deve ficar sobre a mesa, em uma marca determinada referente ao sensor de posicionamento e o olhar deve ser dirigido para a tela do computador onde está a tarefa. O comando verbal “prepara” é fornecido pelo experimentador quando a luz surge no ponto inicial, sendo que, para atingir o alvo, uma possibilidade é o usuário apertar a tecla de espaço do computador concomitantemente com chegada do estímulo luminoso no alvo (interface CCF) e a outra possibilidade é por meio de movimento virtual sobre o marcador posicionado sobre a mesa no momento que coincida com a chegada da luz no alvo (interface SCF).

Esta tarefa foi repetida várias vezes de acordo com o delineamento do experimento. No delineamento cada indivíduo realizou 20 tentativas da tarefa com o membro superior dominante

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em velocidade média, ou seja, 1,70 m/s para a fase de Aquisição. Após cinco minutos de repouso, realizaram cinco tentativas na fase de Retenção e, em seguida mais cinco tentativas com velocidade alta, ou seja, 2,02 m/s (Tabela 4):

Tabela 4 – Delineamento da Tarefa

IndivíduosTipo de

InterfaceAquisição Retenção Transferência

CCF 17Com Contato

Físico

20 tentativasVelocidade 1,70

m/s

5 tentativasVelocidade 1,70

m/s

5 tentativasVelocidade 2,02

m/s

SCF 17Sem Contato

Físico

20 tentativasVelocidade 1,70

m/s

5 tentativasVelocidade 1,70

m/s

5 tentativasVelocidade 2,02

m/s

Legenda - CCF: Grupo que realizará a tarefa em Interface com contato físico; SCF:

Grupo que realizará a tarefa em Interface sem contato físico; m/s: metros por

segundo.

Dessa maneira, foi possível avaliar o desempenho durante as tarefas de aquisição, retenção e transferência no que se refere à diferença entre o tempo de toque do sensor com o acendimento do alvo. Para tanto, foi utilizada como medida de erro, apenas o erro absoluto, que corresponde à precisão com que a meta da ação foi atingida, calculada por meio da média aritmética das diferenças absolutas entre o desempenho real em cada tentativa e a meta (26).

Análise dos dadosPara os resultados intergrupo e intragrupo os dados foram

separados em blocos de cinco tentativas em todas as fases do experimento, totalizando quatro blocos de aquisição, um de retenção e um de transferência.

O erro absoluto foi utilizado como medida de erro para estimativa de precisão de resposta ao estímulo, transformando os valores obtidos inicialmente em módulos antes de proceder ao cálculo da média. Para acerto foram considerados toques com até 200 milissegundos de erro.

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Os dados não atenderam aos testes de normalidade entre as variâncias, portanto foram utilizados testes não paramétricos. O teste de Mann-Whitney foi utilizado para a análise intergrupo e, para a análise intragrupo, utilizou-se o teste de Wilcoxon, sendo que, foi adotado um nível de significância de p<0,05.

RESULTADOS DO EXPERIMENTOA figura 2 mostra a média dos participantes em cada tentativa

nas fases de aquisição, retenção e transferência.

Figura 2: Gráfico com as médias em cada tentativa

A figura 3 apresenta as médias em blocos nas três fases do experimento (aquisição, retenção e transferência) (Figura 3).

Capítulo 13: Comparação entre a tarefa em ambiente virtual cm e sem contato físico

256

Figura 3: Médias de tentativas em blocos

BL1: bloco 1 da fase de aquisição; BL2: bloco 2 da fase de aquisição; BL3: bloco 3 da

fase de aquisição; BL4: bloco 4 da fase de aquisição; BLR: bloco da fase de retenção;

BLT: bloco da fase de transferência.

Ambos os grupos de tentativas apresentaram melhora no desempenho na fase de aquisição, observado pela diferença estatística do bloco 1 da aquisição para o bloco 4. Para o bloco de retenção, não houve diferença significativa em comparação ao desempenho do bloco 4 da fase de aquisição.

Para a fase de transferência, no grupo CCF não houve diferença estatística entre o bloco de transferência e de retenção. No entanto, observa-se pelos resultados diferença significativa com relação ao bloco de retenção no grupo SCF, entretanto houve diferença estatisticamente significante entre a transferência e o primeiro bloco de aquisição, o que significa que os indivíduos não tiveram o desempenho semelhante ao primeiro bloco de aquisição, sugerindo transferência no grupo SCF.

Tabela 5: Resultados intragrupo

Grupo A1-A4 A4-R R-T T-A1p

CCF 0,001* 0,334 0,596 0,0001*SCF 0,010* 0,330 0,001* 0,025*

CCF: tentativas realizadas com contato físico; SCF: tentativas realizadas sem contato

físico; A1: bloco 1 da fase de aquisição; A4: bloco 4 da fase de aquisição; R: bloco da

fase de retenção; T: bloco da fase de transferência.

*resultados que apresentaram diferença estatística (p<0,05)

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Considerando-se os resultados intergrupos percebe-se que o desempenho do grupo CCF foi superior ao grupo SCF em todas as fases da tarefa com diferença significativa (tabela 6).

Tabela 6: Resultados intergrupo

A1 A2 A3 A4 R TP

0,001* 0,001* 0,004* 0,002* 0,001* <0,001*A1-A4: referente aos quatro blocos da fase de aquisição; R: bloco da fase de retenção;

T: bloco da fase de transferência.

*resultados que apresentaram diferença estatística (p<0,05)

DISCUSSÃO DOS RESULTADOS Para as pessoas com DMD, o foco principal de adquirirem

uma habilidade motora não está, necessariamente, em conseguir realizá-la durante a reabilitação, mas como irá realizá-la no futuro ou no seu ambiente cotidiano, seja em casa, na escola ou no trabalho5. Portanto, os profissionais devem determinar o aprendizado ideal, com condições que permitam reter e transferir a habilidade aprendida.

Conforme apresentado, a aprendizagem motora é composta por 3 subsequentes fases, sendo elas: a aquisição, a retenção e a transferência de uma habilidade motora, resultando no aumento da consistência, fluência no movimento, diminuição do erro de execução e redução no tempo total de movimento para a realização da tarefa8.

Neste sentido, a tarefa Timing Coincidente pode ser utilizada como meio para a avaliação da aprendizagem motora por permitir mensurar as três fases mencionadas. Segundo Fonseca (1980)32, a aprendizagem motora parece não estar ligada a uma região específica do cérebro, e sim uma resultante de complexas operações neurofisiológicas e neuropsicológicas juntamente com seus mecanismos envolvidos, embora não totalmente conhecidos, mas, envolvendo memória e atenção.

Tarefas de ações interceptativas como a de Timing Coincidente, exigem moldar o comportamento de um movimento para

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acomodar eventos futuros. A interceptação requer uma previsão da localização do objeto no futuro e uma adaptação contínua para as propriedades espaço-temporais do objeto a ser interceptado. Ao interceptar uma bola, por exemplo, uma pessoa tem que selecionar e iniciar um movimento baseado em informações visuais (o tamanho do objeto) e/ou cognitivas (características funcionais do objeto), ou seja, trata-se do controle antecipatório do movimento (feedforward). Uma vez que o movimento para o alvo é iniciado, ele é guiado pela visão e, se necessário, o movimento pode ser ajustado de imediato ou a qualquer momento que beneficie o desempenho na tarefa33. Esta antecipação pode ser caracterizada por estados cerebrais que refletem a informação prévia sobre o que é possível ou provável do estímulo visual que está por vir34. Pode ser vista como um sinal para orientar e chamar a atenção em uma determinada tarefa para facilitar respostas potencialmente significativas35.

A importância da capacidade de antecipação para a execução bem sucedida de ações motoras já foi bem documentada36-38. Sabe-se que a performance coordenada de um indivíduo depende de iniciar a sequência de movimentos no momento correto e de realizar as ações com precisão temporal. Mais especificamente, tarefas de timing coincidente requerem do executante uma previsão da posição futura de um objeto ou alvo móvel e da organização da resposta motora, de maneira a fazer o seu término coincidir com a chegada do estímulo externo ao local pré-determinado39. Portanto, esse tipo de tarefa exige a capacidade de integrar a antecipação efetora e a receptora40.

Santos et al. (2003)31, citam que em idosos, mesmo com a perda fisiológica gradual de alguns dos mecanismos neurofisiológicos supracitados, em uma tarefa interceptativa antecipatória de Timing Coincidente em ambiente real, o erro absoluto tendeu a diminuir gradativamente durante a prática da tarefa.

O mesmo resultado foi encontrado no presente estudo, com a utilização do Timing Coincidente em ambiente virtual. Como visto nas figuras 2 e 3, em ambos os grupos CCF e SCF, pode-se

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inferir aprendizagem motora, pois houve melhora do desempenho do primeiro para o último bloco da fase de aquisição e este desempenho foi mantido, confirmado pelos testes de retenção e transferência, nos quais os indivíduos apresentaram o mesmo desempenho do final da aquisição, mesmo com algum tempo sem contato com a tarefa (retenção) e após realizar a tarefa com alguma modificação (transferência).

Com os resultados obtidos percebe-se que tanto os participantes do grupo CCF como os do grupo SCF foram capazes de lidar satisfatoriamente com as variáveis características da aprendizagem motora (aumento da consistência, fluência no movimento, diminuição do erro e do tempo total de movimento).

Estes resultados mostram a capacidade de adaptação do ser humano ante modificações do ambiente. O comportamento motor habilidoso, além de consistente, é flexível por natureza. Principalmente em habilidades como as de Timing Coincidente, os estímulos ambientais relevantes mudam exigindo modificações no nível da tomada de decisão e da programação motora (39). Nessas tarefas, o processo de aquisição compreende desenvolver um vasto repertório de respostas para poder diversificar a maneira de alcançar a meta desejada (41). Assim, uma vez adquirida a habilidade, o executante possui a certeza de que o resultado será alcançado repetidas vezes, mesmo que o ambiente esteja em constante mudança. Essa certeza não implica rigidez do comportamento, mas um grau de variação comportamental necessário para manter a estabilidade do desempenho42.

O objetivo precípuo da prática não é facilitar a performance de efeitos temporários durante a aquisição, mas sim possibilitar melhor desempenho duradouro (atribuído à aprendizagem) nos testes de retenção e/ou transferência43-46.

Tais resultados corroboram o aspecto fundamental da aprendizagem motora discutido por Tani, 200543; Magill, 200044. Estes autores afirmam que para a aprendizagem ocorrer, as habilidades devem ser executadas em ambientes que demandam

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constante capacidade de adaptação. Esta adaptação, no entanto, só ocorre na medida em que existam situações desafiadoras à capacidade de movimento já adquirida, de forma que novas estruturas de ação tenham que ser formadas para atender às exigências impostas pelo ambiente.

Ao analisar as diferenças entre os grupos, o grupo CCF apresentou menor tempo de resposta em comparação ao grupo SCF em todas as fases da tarefa (aquisição, retenção e transferência). Esse fato pode ser discutido de três maneiras:

(1) o delay que a câmera produz quando o indivíduo do grupo SCF faz o movimento de resposta, fazendo com que o processamento dos dados aumente o tempo de resposta;

(2) a dificuldade motora do indivíduo com distrofia em contrair o grupo muscular necessário para executar o movimento rapidamente, gerando um tempo de reação cognitiva supostamente exato, mas o tempo de resposta motora tardia, aumentando o tempo de resposta de acerto. Ou seja, ao executar o movimento no ambiente sem contato físico era necessário muito mais contração muscular e controle do movimento, o que pode ter causado menor desempenho na execução da tarefa;

(3) a falta de feedback tátil sobre o movimento: o botão do teclado oferece informação de onde o movimento da mão deve parar, enquanto na interface sem contato físico a mão passa no ar, sem uma direção exata e sem padrão de velocidade e desaceleração ao final do movimento.

A prioridade na representação dos objetos é também fortemente influenciada por sua relevância aprendida e, além de estímulos relevantes pelo condicionamento ou por características inatas, estímulos que compartilham características comuns com eles também capturam a atenção (47).

O desempenho de uma tarefa requer a adoção de regra estímulo-resposta adequada a um contexto específico, ou seja, são necessários ajustes na forma como os estímulos são selecionados 48. Uma observação comum é que uma simples mudança no contexto

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experimental pode causar uma importante mudança nos efeitos comportamentais nas condições testadas. Exemplos de efeitos contextuais são os efeitos sequenciais (como a influência de testes anteriores no teste atual) observados em tarefas de discriminação visual49, bem como os vários tipos de efeitos que têm sido relatados por pesquisadores da memória, como a variação da frequência de palavras, em que a quantidade de palavras memorizadas diminui à medida que o tempo de exposição de cada uma é menor50. Por meio de ajustes de “estratégia” (configuração) atencional, os voluntários são capazes de emitir comportamentos adaptativos e orientados a objetivos específicos.

CONCLUSÃOSegundo Kim et al. (2011)51, Wang e Reid (2011)52 a utilização de

realidade virtual como instrumento para investigação e reabilitação física, cognitiva ou psicológica viabiliza melhora da função motora a diferentes deficiências. Embora este conhecimento e utilização prática sejam recentes, sua necessidade já está estabelecida em nosso cotidiano sendo fundamental a existência de pesquisas para direcionar sua utilização na prática clínica.

Verificou-se que em pessoas com DMD pode-se inferir aprendizagem motora mediante tarefa de Timing Coincidente em ambiente virtual, entretanto na interface com contato físico os indivíduos obtiveram melhor desempenho quando comparada à interface sem contato físico.

Com a prática, os movimentos imprecisos são menos frequentes, consequentemente, há otimização de energia e diminuição no tempo de realização da tarefa, isto faz com que a sequência de movimentos ganhe progressiva fluência e harmonia (Monteiro et al., 2010)53. Segundo definições clássicas de habilidade motora, a prática com informação complexa e intencional envolve mecanismos (perceptivo, decisório e efetor) que, mediante o processo de aprendizagem, tornam-se organizados e coordenados

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de tal forma a alcançar objetivos pré-determinados com máxima certeza e mínimo dispêndio de energia54,55.

Os resultados do trabalho sugerem que atividades específicas em realidade virtual podem ser utilizadas para promover ganho de habilidades motoras em indivíduos com DMD, viabilizando a aplicação terapêutica por profissionais da saúde, além de sua utilização domiciliar, como uma maneira lúdica e motivadora de melhorar a capacidade distal em pessoas com déficit de movimentação.

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Capítulo 13: Comparação entre a tarefa em ambiente virtual cm e sem contato físico

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267

–– CAPÍTULO 14

O USO DA REALIDADE AUMENTADA NA REABILITAÇÃO DOS MEMBROS SUPERIORES

Adriana Nathalie Klein, João Henrique Costa Alves dos Santos, Paulo Rogério de

Oliveira, Ana Grasielle Dionísio Corrêa

INTRODUÇÃO Como o aumento da expectativa de vida de pessoas com

Distrofia Muscular (DM) na ultima década, principalmente devido ao avanço de pesquisas científicas, desenvolvimento tecnológico, políticas de concessão dos ventiladores não invasivos e intervenção medicamentosa precoce1,2, percebemos maior necessidade de descobertas inovadoras para reabilitação e desenvolvimento de tecnologias assistivas para maximizar a funcionalidade3.

Na intervenção específica dos membros superiores (MMSS) de pessoas com DM, o método de avaliação objetivo-subjetivo fornece dados sobre o grau de fraqueza e desequilíbrio muscular e o nível de independência na realização das atividades de vida diária e prática em diferentes fases da distrofia4,5. A utilização de avaliação fidedigna permite o planejamento de programas assertivos de reabilitação, como exercícios para membros superiores, prescrição/confecção de órteses e desenvolvimento de recursos para o treinamento de tecnologias assistivas4,5.

Com a evolução natural da doença, a capacidade física e funcional encontra-se limitada e sabe-se que a região distal dos MMSS torna-se a única forma de interação com recursos de tecnologia como computadores, joystick de cadeira motorizada e de jogos eletrônicos (vídeo game)3,5. Os programas de reabilitação dos MMSS podem atuar na manutenção da amplitude de

Capítulo 14: O uso da realidade aumentada na reabilitação dos membros superiores

268

movimento, amenizar o desequilíbrio muscular, prolongando a capacidade funcional6.

Há diversos recursos que podem ser utilizados para realização de exercícios funcionais, como por exemplos os “Handhelps®”, massas terapêuticas, puttycise®, polias ativas/assistidas, cicloergometros de MMSS, entre outros. Porém, na rotina diária dos atendimentos, percebe-se a necessidade de diversificar esses recursos, tanto para os pacientes, quanto para os terapeutas e o uso de Realidade Aumentada pode ser uma boa estratégia para organizar um programa terapêutico funcional para cada pessoa com DM7.

Uma ferramenta interessante e que pode ser utilizada por uma equipe multidisciplinar na habilitação de pessoas com DM e que utiliza os conhecimentos advindos da realidade aumentada por meio da utilização da musica na prática clínica é GenVirtual7. O GenVirtual foi desenvolvido especialmente para uso com pessoas com deficiência com objetivo de proporcionar maior motivação durante a terapia por meio de jogos musicais7. Assim como, sua tecnologia diferenciada possibilita identificar diferentes formas de intervenção e sugerir futuros trabalhos e projetos para desenvolver ferramentas funcionais para pessoas com DM. Esses recursos mostraram-se um potencializador de função para acesso ao computador principalmente para pessoas com DM que são dependentes de ventiladores não invasivos por meio de máscaras faciais 24horas/dia8.

REALIDADE AUMENTADA NA REABILITAÇÃO Realidade Aumentada (RA) permite o uso de recursos

computacionais na reabilitação sem a necessidade de uso de equipamentos convencionais de interação tais como mouse e teclado. A RA possibilita sobrepor, no mundo real, objetos virtuais tridimensionais, gerados por computador misturando o mundo real com o virtual9,10.

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Quando os conhecimentos da RA são utilizados para organizar ferramentas clínicas para ser aplicada em um programa terapêutico é interessante que seja considerado o custo do material, ou seja ter como objetivo desenvolver tecnologia funcional e de baixo custo é uma necessidade da área da reabilitação. Uma programa eficaz e acessível para toda a população propiciar flexibilidade e divulgação de conhecimento, beneficiando um número maior de pessoas11. O software GenVirtual, além de oferecer diferentes estímulos importantes para a reabilitação (sonoros e visuais) tem como característica importante o custo acessível e fácil disponibilidade para utilização7.

O GenVirtual possibilita adicionar no mundo real do usuário, objetos virtuais musicais que simulam sons de diferentes instrumentos musicais, tais como de corda: piano, violão e guitarra, de sopro: flauta e violino, e de percussão: prato, caixa, surdo, pandeiro, cuíca, repinique, triangulo e chocalho7.

A figura 1 mostra os componentes que o GenVirtual necessita: um computador, uma webcam, caixas de som, o software GenVirtual e cartões que permitem a interação com o software, resultando em um ambiente computacional interativo que utiliza RA e musical7. Os cartões foram desenhados para serem impressos em folha de papel sulfite – (A4) e funcionam como marcadores que são interpretados por meio da webcam pelo software GenVirtual7.

Figura 1: Componentes para uso do GenVirtual

Capítulo 14: O uso da realidade aumentada na reabilitação dos membros superiores

270

Para o desenvolvimento do GenVirtual, foi utilizada a ferramenta ARToolkit que possibilita desenvolver aplicações de RA por meio de técnicas de rastreamento óptico7. Inicialmente, uma câmera de vídeo captura imagens do cenário real. Estas imagens são processadas e convertidas em imagens binárias (em preto e branco). O ARToolkit analisa estas imagens a procura de figuras geométricas quadradas (denominadas marcadores), que contém em seu interior símbolos para identificá-los. O ARToolkit identifica os quatro vértices de regiões quadradas, contidas na imagem de vídeo, e compara os símbolos do seu interior com os símbolos musicais (gabaritos) dos marcadores cadastrados pelo usuário. Caso o símbolo extraído seja semelhante ao símbolo cadastrado, o sistema passa a calcular a sua orientação e posição em relação à câmera de vídeo. A posição e orientação do marcador são obtidas por meio da análise da imagem de vídeo, que estabelece o relacionamento entre as coordenadas do marcador e as da câmera. Após o reconhecimento do símbolo, o objeto virtual é projetado no frame de vídeo por meio de uma biblioteca gráfica, neste caso, OpenGL7 . A Figura 2 ilustra esse processo de reconhecimento de marcadores.

Figura 2: Ciclo de funcionamento do ARToolkit

A. N. Klein, H. C. A. dos Santos, P. R. de Oliveira, A. G. D. Corrêa

271

Quando os cartões do GenVirtual são reconhecidos, surgem cubos tridimensionais coloridos na tela do computador, em cima da imagem do marcador e, quando obstruídos pelo usuário emitem os sons das notas musicais, conforme mostra a Figura 3.

Figura 3: Interação do usuário com o GenVirtual

APLICABILIDADE DO GENVIRTUAL NA TERAPIA OCUPACIONALO sistema GenVirtual foi testado por equipe multidisciplinar por

meio de sua aplicação em programa de reabilitação em pessoas com Distrofia Muscular de Duchenne (DMD) com o objetivo de verificar se a ferramenta de RA aplicada a um programa de reabilitação de MMSS seria capaz de interferir na motivação e satisfação da pessoa durante o programa de exercícios, assim como verificar a usabilidade deste sistema como recurso na prática clínica7.

Participaram deste estudo 16 (dezesseis) pessoas com DMD que foram randomizados em dois grupos de forma estratificada por critério de idade, dois terapeutas ocupacionais e um avaliador cego. O grupo-1 foi denominado o de intervenção (G1I) e o grupo-2 de controle (G2C). O G1I realizou o programa de exercícios, com o uso do GenVirtual, o G2C prosseguiu com o mesmo procedimento de exercícios que já faziam parte dos atendimentos clínicos. O programa de exercícios contemplou o trabalho de amplitude ativa nos seguintes movimentos: extensão ativa de colovelos, prono-supinação ativa de antebraços e flexo-extensão ativa de punhos bilateralmente.

Capítulo 14: O uso da realidade aumentada na reabilitação dos membros superiores

272

Ambos os grupos realizaram avaliação por avaliador cego no início, em 4, 8 e 12 semanas consecutivas, por meio de um questionário semi-estruturado, elaborado pelos autores deste estudo, com alternativas que avaliaram o grau de satisfação, a motivação, e a percepção do efeito, com notas em porcentagem na escala Likert de 0 a 100%. Além disso, os dois terapeutas que aplicaram o GenVirtual também foram avaliados no mesmo intervalo de tempo para mensuração do grau de praticidade, aplicabilidade e percepção da motivação no pacientes estudados.

Dentre os resultados demonstrados na Tabela-1 o uso do GenVirtual teve boa aceitação pelas pessoas com DMD, demonstrados com o maior grau de motivação e efeito do que os recursos tradicionais utilizados.

Tabela 1 – Resultado da média da nota (0-100%) das pessoas avaliadas nas seguintes características: facilidade de uso, efeito dos exercícios, motivação

durante os exercícios e por fim satisfação do usuário

Característica Média de resultado de paciente SEM tecnologia (G2C)

Média de resultado de paciente COM tecnologia (G1C)

Facilidade 82% 83,6% Efeito* 79% 80%Motivação 74% 88,6%Satisfação 82% 85,5%

Legenda: *Efeito dos exercícios na percepção do paciente.

Na Tabela-2, os dados obtidos mostraram que os terapeutas consideraram o GenVirtual um pouco menos prático durante os exercícios, por depender do uso do computador, ajustes de câmera e som, a aplicabilidade foi considerada muito similar ao programa tradicional, porém na percepção do terapeuta a motivação e interesse das pessoas com DMD foi considerada maior com o uso do GenVirtual.

A. N. Klein, H. C. A. dos Santos, P. R. de Oliveira, A. G. D. Corrêa

273

Tabela 2 – Resultado da média da nota (0-100%) dos terapeutas ocupacionais avaliados nas seguintes características: praticidade de uso,

aplicabilidade na reabilitação, motivação do paciente durante os exercícios

Característica Média de resultado do terapeuta SEM tecnologia

Média de resultado do terapeuta COM tecnologia

Praticidade 85% 81,7%Aplicabilidade* 92% 92,3%

Motivação** 73% 91,8% Legenda: * Aplicabilidade

** Motivação do paciente durante os exercícios na visão do terapeuta.

Assim, pode-se considerar que o uso do GenVirtual tem uma boa aplicabilidade no programa de reabilitação de MMSS, e pareceu aumentar a motivação e consequente participação da pessoa com DMD durante o programa da reabilitação. Dois anos após o estudo , a tecnologia GenVirtual, sofreu várias atualizações no software, sendo que sua versão atual, tem sido significativamente utilizada no programa de reabilitação de pessoas com DMD e déficit cognitivo. Verifica-se que ao utilizar a RA a pessoa parece responder melhor aos comandos dos exercícios ativos e ativos assistidos7,12. Outras características interessantes do GenVirtual é a possibilidade dos cartões serem disponibilizados pelo terapeuta em tamanhos e distancias diferentes, assim é possível graduar o grau de dificuldade para trabalhar as diferentes amplitudes de movimento dos MMSS (Figura 4a), e ainda associar o conceito de cores, formas, instrumentos musicais, e jogos de memória visual, tátil e sonora (Figuras 4b e 4c).

Capítulo 14: O uso da realidade aumentada na reabilitação dos membros superiores

274

Figura 4: a) Cartões marcadores do GenVirtual; b) Terapeuta usando o GenVirtual com

o paciente; c) Imagem dos cubos virtuais

COMPLEMENTAÇÃO DO GENVIRTUAL PARA USO EDUCACIONAL Depois da experiência fenomenológica da criação e

implementação do GenVirtual, o mesmo grupo de pesquisadores desenvolveu um outro software complementar, denominado Wordy13. Trata-se de um jogo em RA desenvolvido para facilitar o processo de aprendizagem de pessoas com déficits motores e/ou cognitivos.

No jogo Wordy, o usuário (aprendiz) forma palavras por meio do posicionamento de sílabas contidas nos cartões marcadores (a mesma lógica do GenVirtual) e, caso o usuário “acerte” a estrutura da sílabas ao montar uma palavra, o sistema gera o objeto “escrito” de forma tridimensional e emite o som referente à palavra formada. A Figura 5 mostra o processo de formação de palavras com o jogo Wordy.

A. N. Klein, H. C. A. dos Santos, P. R. de Oliveira, A. G. D. Corrêa

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Figura 5: a) Cartões do Wordy; b) Imagem da palavra sendo montada; c) Imagem do

objeto 3D que aparece na tela quando o usuário-aprendiz acerta a montagem da

estrutura da palavra.

Para auxiliar o usuário (educador), o sistema fornece uma biblioteca de palavras a serem formadas (Figura 6a) separadas por grau de dificuldade. O educador pode escolher as palavras e o nível de dificuldade do jogo além de gerar um relatório para análise de desempenho do aprendiz (Figura 6b).

Figura 5: a) Biblioteca de palavras; b) Relatório de desempenho do usuário-aprendiz.

Capítulo 14: O uso da realidade aumentada na reabilitação dos membros superiores

276

Esta proposta de jogo foi testada em um projeto piloto em pessoas com DM para verificar a possível aplicabilidade da ferramenta no setor de escolarização. Os resultados, mesmo que preliminares, apontaram um potencial de uso, mas necessita ser mais explorado, pesquisado e validado. O projeto piloto também resultou em um relatório de ajustes que precisam ser adequados na ferramenta, visando melhorar sua usabilidade. A Figura 6 mostra imagens dos testes feitos na ABDIM.

Figura 6: Testes com o jogo Wordy realizados na ABDIM.

CASOS CLÍNICOS SOBRE O USO DE TECNOLOGIAS DERIVADAS DO GENVIRTUAL NAS DMS

Ao avaliarmos pessoas com DM em fase avançada da doença quanto às habilidades das atividades instrumentais (estudo, trabalho, lazer e atividades gráficas) percebemos grandes limitações nestes domínios. A descoberta da possibilidade do uso do GenVirtual como recurso de tecnologia assistiva ajudaram a manter ou maximizar a autonomia dessas pessoas, mesmo com grande limitação funcional8. Esta sessão apresenta dois casos clínicos que utilizaram os conhecimentos adquiridos no programa terapêutico.

Caso 1 - Uso da webcam e software GenVirtual para treino gráfico de escrita Usuário A.H.S., de 30 anos e diagnóstico DMD, usuário de

cadeira de rodas motorizada com sistema de adequação postural.

A. N. Klein, H. C. A. dos Santos, P. R. de Oliveira, A. G. D. Corrêa

277

Utiliza ventilação não invasiva (VNI) em período integral, por meio de interface nasal (modelo Confort Lite II). Adicionado a isto temos limitação das amplitudes de movimento de pescoço, tronco, membros inferiores, e nos MMSS a força muscular distal é significativamente diminuída. Assim, o desempenho para tarefa de escrita fica muito prejudicada pelo pequeno campo visual disponível e todas essas características supracitadas.

Neste caso o uso de tecnologia de visão indireta, por meio de webcam posicionada perpendicular a uma mesa, junto com o Software GenVirtual foi capaz de projetar a imagem da mão do usuário para o monitor do computador sem inverter a imagem conforme mostra a Figura 7.

Figura 7: Usuário treinando atividade de escrita com recursos do GenVirtual

Capítulo 14: O uso da realidade aumentada na reabilitação dos membros superiores

278

A webcam capta imagens e projeta no monitor o que estiver em seu campo de ação, basta posicionar os objetos a serem manipulados pela pessoa. Assim, a imagem real da mesa de atividades pode ser projetada para o monitor, aumentando significativamente o campo visual, que passa a manter o olhar para a “linha do horizonte”.

Esta estratégia apresenta vantagens em relação ao uso de espelho para visualização: a imagem não fica invertida, além de aumentar a independência do usuário, pois já não há necessidade de ajuda pessoal por todo o período que o paciente quiser realizar a atividade gráfica.

Caso 2 - Uso da webcam e software GenVirtual para treino gráfico de pinturaUsuário F.A.S. de 32 anos e diagnóstico de DMD expressou o

desejo em voltar a pintar, porém em fase avançada da doença, com grande limitação física e funcional, adicionado ao uso de ventilação não invasiva por período integral por meio de máscara nasal.

Durante a análise da atividade, foi necessária a ajuda de duas pessoas para dar o suporte ao membro superior dominante e manter a atividade na altura dos olhos (Figura 8), o que tornava a atividade gráfica muito cansativa para todos os envolvidos.

Figura 8: Usuário necessita da ajuda de duas pessoas para execução da atividade gráfica.

Com a utilização de um Sling de teto (um suporte que apoia o cotovelo e punho) possibilitando a diminuição de peso dos MMSS para favorecer os movimentos de flexão e adução horizontal de ombro, além de estabilizar o punho para facilitar o uso do pincel,

A. N. Klein, H. C. A. dos Santos, P. R. de Oliveira, A. G. D. Corrêa

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adicionado ao uso da webcam e software GenVirtual, foi possível a independência para realização da atividade de pintura e possibilitar funcionalidade independente ao usuário (Figura 9).

Figura 9: Usuário utilizando o Sling e o GenVirtual para atividade de pintura de forma

independente.

A Figura 10 mostra uma sequência de três fotos demonstrando o benefício do uso do GenVirtual em comparação a outros dois recursos: uso de espelho convencional (Figura 10a); o uso da ferramenta da câmera do Skype em FullScreen (Figura 10b), ambos deixam a imagem invertida o que às vezes pode confundir o usuário durante a execução da tarefa; uso do GenVirtual como recurso que permite que a imagem não fique invertida (Figura 10c), ou seja, a imagem fica espelhada, favorecendo o treino gráfico.

Capítulo 14: O uso da realidade aumentada na reabilitação dos membros superiores

280

Figura 10: a) Exemplo de uso do espelho; b) Exemplo de uso do Skype em FullScreen;

c) Exemplo de uso do GenVirtual

CONCLUSÕESConforme apresentado, a Realidade aumentada é uma

tecnologia que tem diversas aplicabilidades para pessoas com DM. Nas intervenções utilizadas verificou-se possibilidades e resposta práticas positivas seja com o uso do GenVirtual para reabilitação ou para treino de atividades gráficas, ou ainda o uso do jogo Wordy para processos de aprendizagem. É importante enfatizar que as pesquisas com os materiais apresentados são sugestões que necessitam de mais aplicação prática e necessita de pesquisa científicas para possibilitar sua comprovação e utilização baseada em evidencias. Importante esclarecer que é necessário que estes recursos sejam práticos, tenham baixo custo e boa aplicabilidade para uso em atividades clínicas e também em

A. N. Klein, H. C. A. dos Santos, P. R. de Oliveira, A. G. D. Corrêa

281

participação social, seja em domicílio ou na escola do usuário. Como a crescente utilização dos conhecimentos da RA na prática clínica de diferentes profissionais da saúde, é importante que a equipe multidisciplinar esteja atualizada, e tenham um bom conhecimento de tecnologias computacionais para favorecer o uso nos programas de reabilitação14.

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Capítulo 14: O uso da realidade aumentada na reabilitação dos membros superiores

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Sites indicados1- http://wordypoli.herokuapp.com/pages/home

2- www.abdim.org.br

3- www.todosporela.org.br

CARLOS BANDEIRA DE MELLO MONTEIROFRANCIS MEIRE FAVERORENATA HYDEE HASUE

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