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Organização, Recursos Humanos e Planejamento o INDIVíDUO PRESO NA ARMADILHA DA ESTRUTURA / ESTRATECICA Eugêne Enriquez Professor e Diretor do DEA e do Curso de Doutorado em Sociologia da Universidade de Paris VII, Diretor Adjunto do Laboratório de Mudança Social da Universidade Paris VII. Conferencista na EAESP/FGV no 2º semestre de 1996. Artigo publicado originalmente sob o título L'individu pris au piêge de la structure stratégique, na Revista Connexions, Toulouse: Erês, n. 54,145-161,1989. Tradução: Marcelo Dantas, jornalista e administrador público, professor da Universidade Federal da Bahia, doutorando na Universidade Paris VII. Revisão Técnica: Maria Ester de Freitas, professora do Departamento de Administração Geral e Recursos Humanos da EAESP/FGVe pesquisadora-visitante na Universidade de Paris VII. RESUMO: Em pleno auge do individualismo, o homem nunca esteve tão encerrado nas malhas das organizações e tão pouco livre em relação ao seu próprio corpo e ao seu modo de pensar. Hoje, tudo na sociedade e nas organizações é construído para fazer o indivíduo crer na sua vocação de homem livre e criador. ABSTRACT:Nowadays, in the highest point of individualism, it is possible to say that individual has never been so entangled in the organizations and has never been so little free regarding his own body and his way of thinking. Today, everything in society and in the organizations is built in order to make the individual believe in his vocation for being free and creative. KEY WORDS: organizations, strategies, structure, society. PALAVRAS-CHAVE: organizações, estratégia, estrutura, sociedade. 18 RAE - Revista de Administração de Empresas São Paulo, v. 37, n. 1, p. 18-29 Jan./Mar. 1997

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Organização, Recursos Humanos e Planejamento

o INDIVíDUO PRESO NAARMADILHA DA ESTRUTURA

/

ESTRATECICA

Eugêne EnriquezProfessor e Diretor do DEA e do Curso de Doutorado em

Sociologia da Universidade de Paris VII, Diretor Adjunto doLaboratório de Mudança Social da Universidade Paris VII.

Conferencista na EAESP/FGV no 2º semestre de 1996.

Artigo publicado originalmente sob o título L'individu prisau piêge de la structure stratégique, na Revista

Connexions, Toulouse: Erês, n. 54,145-161,1989.

Tradução: Marcelo Dantas, jornalista e administrador público, professor da Universidade Federal da Bahia, doutorando naUniversidade Paris VII.

Revisão Técnica: Maria Ester de Freitas, professora do Departamento de Administração Geral e Recursos Humanos daEAESP/FGVe pesquisadora-visitante na Universidade de Paris VII.

RESUMO: Em pleno auge do individualismo, o homem nunca esteve tão encerrado nas malhas das organizaçõese tão pouco livre em relação ao seu próprio corpo e ao seu modo de pensar. Hoje, tudo na sociedade e nasorganizações é construído para fazer o indivíduo crer na sua vocação de homem livre e criador.

ABSTRACT:Nowadays, in the highest point of individualism, it is possible to say that individual has never been soentangled in the organizations and has never been so little free regarding his own body and his way of thinking.Today, everything in society and in the organizations is built in order to make the individual believe in his vocation forbeing free and creative.

KEY WORDS: organizations, strategies, structure, society.

PALAVRAS-CHAVE: organizações, estratégia, estrutura, sociedade.

18 RAE - Revista de Administração de Empresas São Paulo, v. 37, n. 1, p. 18-29 Jan./Mar. 1997

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o INDIVíDUO PRESO NA ARMADILHA DA ESTRUTURA ESTRATÉGICA

Jamais o indivíduoesteve tão

encerrado nasmalhas das

organizações(em particular,

das empresas) etão pouco livre em

relação ao seucorpo, ao seu

modo de pensar,à sua psique.

Jamais na história (salvo a época da Re-volução Francesa, apesar de as razões se-rem completamente diversas das que serãoevocadas neste texto) o indivíduo ocupou umtal lugar de evidência. Nós assistimos, en-fim, ao retorno massivo do individualismoe à libertação do ser humano do grilhão co-letivo ("são as massasque fazem a história") aoqual ele estava até entãovinculado. O "retorno doator",' a transformaçãopossível de toda pessoaem guerreiro, em espor-tista, em herói," indo àconquista de si mesmo,dos outros, dos mercadosindustriais e financeiros,fariam de nossa época ummomento bendito para oindivíduo, enfim mestrede seu destino.

Este estudo, no entan-to, desenvolverá umargu-mento contrário: jamais oindivíduo esteve tão en-cerrado nas malhas dasorganizações (em particu-lar, das empresas) e tão pouco livre em re-lação ao seu corpo, ao seu modo de pensar,à sua psique.

O argumento sustentado não significaque o indivíduo não possa, dentro de certascondições, ser criador da história.' alcan-çar uma "parcela de originalidade e auto-nomia'í." tentar sair da heteronomia e vir aser sujeito autônomo;' isso significa somenteque tudo na sociedade (e, principalmente,na empresa, que tem a ambição desmesura-da de emergir como o ator principal da so-ciedade) é construído para fazer o indiví-duo crer na sua vocação de homem livre ecriador e, para colocá-lo, de fato, "nas gra-des" (Rousseau), grades sutis e tão ilustresque certos homens reivindicam-nas.

Em trabalhos anteriores, 6 propus umatipologia de estruturas de organização; umarelação entre tipos de estruturas e tipos depersonalidades (ou, ao menos, de conduta)exigidas; havia evocado o trabalho da mor-te na obra de toda organização e o papeldesempenhado pela adesão à ideologia im-posta pela organização, no 'desenvolvimen-

to da "força da inércia" mortífera," ideolo-gia tanto mais forte quanto mais a organi-zação transformava-se, progressivamente,em instituição." Esses estudos não são pos-tos novamente em questão pelas linhas quese seguem.

Eles merecem apenas ser completados.E, considerando a brevi-dade deste trabalho, nãopodem versar mais doque sobre um ponto pre-ciso. Sendo assim, no es-tudo "Evaluation deshommes et structuresd' organisation", 9 foramconsiderados três tipos deestrutura: a estrutura ca-rismática, a estrutura bu-rocrática (seguindo o en-caminhamento propostono início do século porMax Weber), a estruturacooperativa (tal qual ha-via sido definida porBarnard'"), que pareciater duas vertentes: umademocrática, a outra tec-nocrática, ainda que em

"Structures d' organisation et contrôle so-cial"," "Structures and personnality", 12 onome de estrutura cooperativa fosse reser-vado à estrutura cooperativa de estilo de-mocrático; e uma nova estrutura, a estrutu-ra tecnocrática fosse erigida no lugar dequarta estrutura, e a exploração de seus com-ponentes e de suas conseqüências estivessefeita; a estrutura estratégica de gestão par-ticipativa - para retomar temporariamenteo termo lançado à moda tanto por teóricosde valor," quanto por diretores de empresa- não havia sido ainda estudada em nossosescritos (mesmo que, desde 1984, tenhamsido realizadas conferências sobre essa estru-tura, na Université de Paris VII e na Universitéde Paris-Dauphine).

É, pois, à análise da estrutura estratégi-ca que se dedica este artigo. Entretanto, énecessário explicar antes as razões pelasquais, desde 1961, diferenciam-se os trêstipos de estrutura: a) a primeira razão é deordem histórica e será apenas evocada. Éincontestável para todos que, desde 1961, ocapitalismo transformou-se frente à agita-

1. TOURAINE, A. Le retour de /'acteur.Paris: Fayard, 1985.

2. EHREMBERG, A. L'âge de I'heroisme,Cahiers internatinaux de sociologie.Paris: PUF, v.85, 1988;

L'individu sous perfusion. Isottt. juillet-aoOt 1989.

3. ENRIOUEZ, E. Individu, création ethistoire.Connexions. n. 44, 1984.

4. FREUD, S. (1921), Psychologie desfoules et analyse du moi, dans: essaisde psychanalyse. nouv. td. Ir. Paris:Payot, 1981.

5. CASTORIADIS, C. L'institutionimagina ire de la société. Paris: Seuil,1975.

6. ENRIOUEZ, E. Evaluation des hommeset structures d'organisation. documentCEGOS, 1961; reproduittel dans la délunterevue Gestion, 1966; remanié avec uneintroduction et une postface dans:Connexions. n. 19, 1976.

7.ENRIOUEZ, E. Op. cit., 1984.

8. BERLE JR., A. Apud TOURAINE, A. , Letre ere del/'lmpresa. Milan: Uomini etechnologie, 1986; idem. La sociétépostindustrielle, Denoel, 1969;ENRIOUEZ, E. Structure et changement.La maitrise de la croissance dans/'entreprise.Paris: Dunod, 1972.

9. ENRIOUEZ, E. Op. cit, 1961, 1966,1976.

10. BARNARD, C. The functions ot tneexecutive. New York, 1938.

11. ENRIOUEZ, E. Structuresd'organisation et contrôle social.Connexions. n. 41, 1982;

12. Idem. Structures and personnality,Cornell University, 1983; remanié pour laversion italienne: Personalitá eorganizazione, Rivista di psycologiaclinica. n. 2, 1987; réécrit pour la versionIrançaise: Personnalité et organisation,dans: Organisation et management enquestion(s). Paris: L'Harmattan, 1983.

13. TOURAINE, A. Op. cit., 1986.

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14. ENRIOUEZ, E. Op. cit., 1982.

15. O termo n'importe qui (não importaquem) foi proposto pelo sociólogo AlainEhremberg, mestre de conferências emParis-Dauphine, durante uma conversa naqual eu insistia sobre o fato de que todomundo, na estrutura estratégica, deviaacreditar na igualdade de chances. A.Ehremberg persegue, desde sua tese de3ême. Cycle (que eu tive o prazer deorientar), intitulada "Arcanjos, guerreiros,militares e esportistas - A formação dohomem forte", uma reflexão aprofundadasobre a "idade do heroísmo" e sobre asrelações entre o espírito esportivo e oespírito de conquista das empresasmodernas. Atualmente redige (1989) umatese nouveau régime, sob minhaorientação, sobre o n'importe qui.

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ção cultural dos anos 1968 (1965 - 1975) eàs conseqüências econômicas e sociais dosdois choques do petróleo. Os "trinta glorio-sos" terminaram, e as empresas tiveram defazer face a novos desafios. Além disso, osucesso das empresas americanas e sobretu-do das empresas japonesas levou certos di-rigentes europeus a terem uma outra visão dadireção das empresas; b) a segunda razão éde ordem teórica: desde o fim da guerra, osespecialistas americanos em organizações (P.Drucker, em primeiro lugar), assim como osconsultores psico-sociólogos, haviam preco-nizado uma direção participativa das orga-nizações, que deveria, a um só tempo, res-peitar a iniciativa individual e o dinamismodo grupo, um grupo não podendo progredirnem ser coeso sem o aporte de indivíduosinovadores, sabendo escutar, discutir e to-mar as decisões de forma colegiada (senãocoletiva), um indivíduo não podendo atin-gir seu pleno desenvolvimento senão graçasà confrontação de suas idéias com as dosoutros. (A subjetividade não sendo mais queo produto da aceitação da inter-subjetivida-de). Ou, tanto quanto as estruturas tecno-cráticas, à hora atual, as estruturas estraté-gicas assim asseguram, como a estrutura co-operativa, a participação, a ação individuale o espírito de equipe. Elas mantêm, pois,uma confusão (deliberada) nos espíritos. Oque é preciso dizer de pronto é que suas con-cepções, aplicadas à realidade cotidiana, sãototalmente antagônicas em relação àquelasdas estruturas cooperativas, e têm desvir-tuado o sentido dos termos que elas mes-mas criaram com base em novas formas so-ciais, que de participativas só têm o nome.

Para precisar os contornos da estruturaestratégica é útil compará-la com aquela quelhe é mais próxima, a estrutura tecnocráti-ca, mesmo que ela queira, ao contrário, serassimilada à estrutura cooperativa (tal qualesta foi definida em textos anteriores, emparticular Enriquez'"), que é a única estru-tura favorável a uma participação real, ex-cluindo todas as formas de mistificação ede manipulação.

A estrutura tecnocrática tem como cre-do a racionalidade ilimitada. Numa tal es-trutura, o poder pertence aos experts, quesupõem possuir os elementos do conheci-mento, o que lhes dá a possibilidade não so-

mente de resolver de maneira ótima os pro-blemas colocados, mas, igualmente, de an-tecipar o seu surgimento, graças a um siste-ma de previsão e a um sistema de simulação(permitindo testar diferentes tipos de cená-rios de desenvolvimento). Os únicos proble-mas interessantes são aqueles quantificáveisou susceptíveis de sê-lo (é possível tambémmatematizar o real e inventar indicadoreseconômicos, sociais e mesmo afetivos, pas-síveis, cada um deles, de uma ponderaçãoadequada, podendo ser elementos de um cál-culo, e assim entrar num sistema de equa-ções e inequações que um economista-ma-temático está em condições de resolver).

As questões de ordem política (de esco-lha de valores ou de objetivos) não se colo-cam mais; as questões relevantes são as deordem técnica.

É possível, já que tudo pode ser progra-mado (mesmo se existem ainda zonas de in-certeza que podem ser reduzidas graças àteoria lógico-matemática das decisões, nouniverso do provável ou do incerto), ceder àfantasia (pois trata-se de uma fantasia) docontrole praticamente total do presente e doporvir, e de evitar a ansiedade, sempre ine-rente às relações com o desconhecido.Experts (no poder, ou os mestres dessesexperts, que exercem o poder real) são, pois,definidores de modos de pensar e de mode-los de ação que devem servir de normas ede regras de funcionamento.

A estrutura estratégica é outra coisa. Osurgimento de fenômenos que não tinhamsido objeto de nenhuma previsão, a percep-ção da empresa e do seu meio ambiente comoum mundo hipercomplexo casam mal coma idéia de uma racionalidade ilimitada e umplanejamento de longo prazo.

A estrutura estratégica leva em conta adiversidade do mundo, a impossibilidade desua apreensão total. Nessas condições, vãocontinuar a florescer modelos, mas estesserão, agora, adaptáveis, e levarão em gran-de conta circunstâncias e ações de parceirose de adversários. O planejamento vai sersubstituído pela estratégia ... Ademais, essacapacidade estratégica não deve mais ser oapanágio de uma elite possuidora de conhe-cimentos excepcionais, mas deve, sim, ser aproeza de "não importa quem'l". Todos es-tratégicos, tal é a palavra de ordem. Isso é

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o INDIVíDUO PRESO NA ARMADILHA DA ESTRUTURA ESTRATÉGICA

passível de compreensão, pois a empresanecessita de indivíduos sutis, capazes de to-mar iniciativas e de reagir o mais rapida-mente possível, provando leveza e flexibi-lidade frente aos acontecimentosimprevisíveis, constantes e numerosos comos quais são confrontados. Todo mundo tor-na-se umjogador, tentando ganhar e deven-do ter sucesso, mesmo nas piores condições.A conseqüência é uma concentração sobreas estratégias de curto prazo (enquanto atecnocracia vivia no lon-go prazo) que correm orisco de ter conseqüên-cias nefastas para a empre-sa (uma estratégia de cur-to prazo podendo ser par-ticularmente rentável du-rante um certo períodomostrando-se catastróficaa partir do momento emque se leva em conta umlongo período). Esses jo-gadores estratégicoslambdas (donde o novointeresse pela teoria dosjogos, de Von Neumann eMorgenstern) não sãomais pressionados a pos-suir conhecimentos am-plos em certas áreas; elesdevem ser capazes de ad-quirir continuamente no-vos conhecimentos nas

tal aparece como secundária e a pesquisaaplicada como prioritária. Esse enfraqueci-mento da pesquisa fundamental não é, ade-mais, .exclusivo das empresas: as pesquisasem ciências exatas e em ciências humanasseguem o mesmo caminho. Atestam isso asações temáticas programadas (as ATP) pro-postas pelos diferentes organismos ligadosao CNRSl6• A questão colocada não é mais averdade - sempre aproximativa - do conhe-cimento, mas seu grau de operacionalidade.

O resultado dessa corri-da à operacionalidade é adominação súbita de mé-todos e de técnicas quedeveriam ser, a priori,considerados como irra-

o surgimento defenômenos quenão tinham sido

objeto denenhuma

previsão. apercepção da

empresa e do seumeio ambiente

como um mundo

cionais ou aberrantes: as-sim, para o recrutamentode seus quadros dirigen-tes, as empresas farãoapelo a consultores-astró-logos, a cartomantes, atarólogos, numerólogos egrafólogos. Para que uti-lizar métodos sofisticadosde recrutamento (entre-vistas não dirigidas, en-trevistas em grupo, testesde projeção) se eles nãodão necessariamente me-lhores índices de acertodo que as técnicas devidência e de quiroman-cia? Assim, para a forma-ção e aperfeiçoamento dedirigentes serão abando-nados os métodos psico-sociológicos e sociológi-

cos de formação, em troca de estágios de"sobrevivência", estágios esportivos, ondeos dirigentes entregam-se ao pára-quedismoascencional, à descida de obstáculos de umaaltura de 180 metros, a raids sempre peri-gosos, a competições inter-empresas, numapalavra, a estágios de "aventura", buscan-do encontrar neles mesmos novas capaci-dades onde antes não se sentiam capazes (ouseja, "superarem-se"), forçados a confiar nosoutros e a reforçar, desse modo, o espíritode equipe. "Um indivíduo desenvolve-seatravés de um outro individuo"," DanielHémard, responsável pela Pernod-Ricard,

hipercomplexocasam mal com a

idéia de umaracionalidadeilimitada e um

planejamento deáreas as mais variadas, asmais pertinentes para aempresa naquele instantet. Devem, pois, seguir assessões de formação per-manente (como mostra a multiplicação desessões ad hoc à disposição dos quadros di-rigentes e dos empregados nas empresas deponta, que têm por objetivo fornecer "ar-mas" para resolver a totalidade dos proble-mas susceptíveis de emergir), e continuarsua formação pessoalmente, estudando osnovos artigos ou livros sobre administraçãoe "resolução de problemas"; devem, pois,ser capazes de uma adaptação contínua, afim de não serem surpreendidos por pro-cessos desconhecidos e que não estejam pre-parados para resolver da melhor maneira.

Em tais condições, a pesquisa fundamen-

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longo prazo.

16. Conselho Nacional de Pesquisa So-cial (nota da revisora).

17. EHREMBERG, A. Op. cít., 1988.

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18. HEMARD, D. Entrevista na revista:Entreprendre. avril, 1988.

19. Os psico-sociólogos lembrar-se-ãoque o título da obra original de J. L.Moreno era: Who shall survive? Eleindicava, desde 1933, que o problemada sobrevivência individual e coletivaseria o grande problema do nosso tempo.

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explica assim os objetivos desses estágios: "Amaioria das pessoas nas empresas são sem-pre subutilizadas. É preciso engajá-las naação, incitá-las a correr riscos, dar-lhes odireito ao erro, possibilitar-lhes utilizar bemsua autonomia. Enviando-as a esses está-gios, eu quero colocar os dirigentes, mastambém, em seguida, os agente de controlee, porque não, os operários, em uma situaçãoque é marcada pelo desafio, para que façama ligação entre o engajamento físico e oengajamento no trabalho" (grifo nosso)."

Podemos, por bem, perguntar-nos em queum sucesso num estágio of! limits é um bomindicador de sucesso de alguém como chefede marketing ou como responsável pela for-mação. Entretanto, segundo uma frase fa-mosa pronunciada no processo que iria con-denar um inocente, Dreyfuss: "A questãonão será colocada".

De fato, esse tipo de estrutura persegueobjetivos inconciliáveis, sobre os quais al-guns dados serão fornecidos mais adianteneste texto. Exigir a integração de cada umà organização e à idealização dela mesma;demandar um espírito individualista e umforte espírito de equipe; conclamar à inicia-tiva e à criatividade, quer dizer, à sublima-ção (mesmo se a sublimação opõe-se funda-mentalmente à idealização).

Outro obstáculo, e de bom tamanho: se aestrutura estratégica reclama participaçãonão somente das elites, mas de todos, ela sedesenvolve no momento mesmo em que omercado financeiro é o mestre do jogo. Umacionista majoritário, um novo grupo con-quistando o seu OPA, um raider que tornasua operação bem sucedida podem balançaras estruturas da empresa, demitir mesmoos "empregados" mais fiéis e os mais ínte-gros, fazer desaparecer departamentos in-teiros, desmembrar a empresa, vender par-tes ou o conjunto da organização a um des-conhecido etc. Ser fiel, leal à empresa, serum bom estrategista, ter acumulado conhe-cimentos pertinentes, não serve, às vezes,para nada, senão para fazer parte da pri-meira fornada de demitidos ou aposenta-dos, os novos proprietários da empresa nãopodendo deixar de suspeitar dos membrosparticularmente leais à velha empresa. Pro-va disso é a resistência sempre desespera-da de todas as categorias de trabalhadores,

que se manifestam mais e mais freqüente-mente diante das práticas totalmente imo-rais, o que leva certos patrões, eles mesmos,a reclamar regras para o jogo e a definiçãode uma ética, as quais acabam por dar umaaparência "amável" ao capitalismo selvagemdo século XIX.

Entretanto, apesar dessas tentativas deresistência, ou ao menos de reticência, osadministradores de alto nível e a maioria dosdirigentes deixam-se seduzir pela miragemda estrutura estratégica, mistura sutil domodelo japonês, privilegiando os esforçoscoletivos e não reconhecendo o indivíduosenão como membro de um grupo do qualele aceita as normas (ademais, o termo"grupismo" é de origem japonesa), e domodelo americano, privilegiando o esforçoindividual e o sucesso pessoal (Um tal casa-mento é viável? Não é explosivo? Esse pon-to será evocado na conclusão). A estruturaestratégica vai, portanto, exigir a "qualida-de total" (a "falha zero") de seus produtos,de seus serviços e de seus homens, pois,como dizem os consultores americanos: to-tal quality is a survival. Uma empresa devesobreviver," conquistar novos mercados,alcançar uma potência ilimitada, eliminar,se possível, seus concorrentes. Para atingirum tal objetivo, ela precisa de indivíduosque sejam simultaneamente grandes toma-dores de decisão, grandes comunicadores,grandes persuasores; tendo igualmente neces-sidade da participação ativa de todos (daí odesenvolvimento de grupos de expressão,de círculos de qualidade, de grupos de pro-jetos, de grupos de progresso, de grupos adhoc de resolução de problemas). "Todos noponto" é a palavra de ordem da empresaestratégica.

Definida - ainda que sumariamente - aestrutura estratégica, é preciso agora - nossopropósito essencial sendo o de examinar comoo indivíduo é preso nessa armadilha - ana-lisar mais de perto os tipos de personalidadeexigidos, as instâncias da personalidade pos-tas em prática, os pólos da personalidadeque são destacados, o destino das pulsões ea concepção de trabalho coerente com essaestrutura.

Uma observação restritiva é indispensá-vel (observação, aliás, já evocada em nos-sos textos de 1982 e 1983). Não se trata de

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o INDIVíDUO PRESO NA ARMADILHA DA ESTRUTURA ESTRATÉGICA

Os tempos nãosão mais do chefe

que comanda,mas daquele queseduz, persuade,

exala charme,anima e sabejogar com as

aparências. Nossasociedade é um

lugar onde aaparência triunfa.

chegar a uma radiografia fechada, a 'umacaracterologia precisa; o objetivo é maismodesto, Trata-se simplesmente de mostrarque as empresas têm uma tendência aengajar pessoas cujos comportamentos sãoadequados ao estilo da empresa, ou quandoelas não podem ser assim, transformá-las(pelo trabalho, pela pressão de grupo, pelaideologia dominante na empresa, pelos es-tágios de formação) em indivíduos que, aomenos exteriormente, façam prova das qua-lidades que favorecem ocrescimento da empresa.

Tipo de personalida-de: a estrutura tecnocrá-tica não poderia funcio-nar senão graças a seusexperts, "elite dirigente"demonstrando qualidadede manipuladores e colo-cando-se numa posiçãoperversa." Não podendotodo mundo jogar um taljogo, controlar zonas deincerteza ou adquirir po-der segundo a fórmula deCrozier, sem fazer da em-presa uma verdadeira sel-va, revelava-se indispen-sável que essa elite reges-se uma massa de indiví-duos indiferentes (fazen-do apenas seu trabalho),desmotivados (cumprindo ordens sem se in-terrogar sobre os valores, pois não têm comoreferência nenhuma valor particular) ou re-beldes (na medida em que uma empresa tec-nocrática podia admitir uma porcentagemlimitada de desviantes e de rebeldes capa-zes de trazer novas idéias, aproveitáveis, emparte, pela empresa).

A estrutura estratégica não pode funcio-nar da mesma maneira, como foi explicadoanteriormente. Ela exige de todos esses ho-mens serem "estratégicos", "guerreiros","ganhadores"," esportivos; numa palavra,aquele que temos chamado de "matadorCOOl".22 Max Weber tinha, há muito tempo,assinalado que uma vez que a dinâmica ca-pitalista não estava mais fundada sobre umaética, ela não podia desenvolver senão suascaracterísticas puramente primárias e seusaspectos esportivos, valorizando a perfor-

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mance pela performance. Esses matadores(diz-se dos esportistas de alto nível, assimcomo dos políticos que não hesitam diantede seus objetivos, que são "matadores") sãocool pois, como bem o dizia Sade, devemconhecer "o repouso das paixões e adormência da sensibilidade" que os leva-rão a cometer os atos mais criminosos, osmais aberrantes, os mais expressivos da trai-ção com fleugma, "com essa apatia que per-mite às paixões revelarem-se". Não é, pois,

questão de eliminar umadversário ou um concor-rente com paixão, é pre-ciso fazê-lo, ao contrário,com doçura (e não matá-lo definitivamente, poisele pode, um dia, talvez,revelar-se útil). O mata-dor cool ou apático, paraatingir os seus fins, devepraticar uma certa formade ascetismo (como naética protestante), um as-cetismo não somente dopensamento, mas do cor-po. O corpo deve ser re-feito, ele deve ser endu-rececido. É a esse novoascetismo que servem osestágios off limits, comofoi questionado aqui an-tes. Com efeito, a empre-

sa estratégica tem, por fundamento, umaequação simples: energia física = energiapsíquica = aptidão para o sucesso indivi-dual = aptidão à utilidade social.

Em outros tipos de estrutura foram va-lorizados um controle do pensamento, umcontrole da psique e, igualmente, um con-trole do corpo (este último tipo estando re-servado essencialmente aos operários, sen-do o ritmo e o estilo de trabalho definidospelo setor de aplicação de métodos, impon-do a adaptação do corpo, com todas as con-seqüências nefastas: doenças profissionaisetc., que podem disso resultar). Na estrutu-ra estratégica, se o controle sobre o modode pensar é reforçado (é preciso pensar ape-nas no bem de uma empresa e um tal objeti-vo não é alcançável senão graças a um modode pensar puramente operacional, "calculis-ta", diria Yves Barel), se o controle da psi-

20. ENRIOUEZ, E. Le pouvoir et la mortoTopique. n. 11-12, 1973.

21. AUBERT, N.; PAGES, M. l.e stress pro-fessional, Klincksieck, 1989.

22. ENRIOUEZ, E. Ideology, idea/isationand efficacy. tnternatíonal society for lhepsycho-analytic sludy of organizations,1986.

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23. Idem. Immuable et changeante illu-sion: I'illusion nécessaire. Topique. 1986.

24. Idem. Le pouvoir et son ombresexuelle, dans: AUBERT, N. , ENRIQUEZ,E., DE GAULEJAC V. Le Sexe du pouvoir.Paris: Epi, 1986.

25. Literalmente: estados de alma. Notexto, no sentido de sem estados deespírito, sem humores variáveis, sememoções. (N.R.).

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que torna-se mais e mais sutil (os indiví-duos identificando-se com a empresa e comseus chefes e idealizando-os, tornando-se,assim, "serviçais voluntários" que encon-tram o gozo na submissão), o controle so-bre o corpo (e, em particular, o dos diri-gentes) torna-se essencial. Um dirigentefrágil, com problemas, que não se sente bemna própria pele, é incapaz de se superarfisicamente e de controlar seu corpo (decontrolá-lo totalmente) não pode ser maisque um looser (um perdedor) do qual a em-presa deve-se livrar o mais rápido, Assim,o controle social torna-se total ou cede àfantasia do totalitarismo, ainda que o con-trole total não tenha jamais existido (feliz-mente, salvo em casos raros: campos deconcentração ).

Nosso matador cool, se conservou carac-terísticas perversas (pois a apatia é a expres-são mais adequada da perversão), deve, alémdo mais, saber fazer prova de teatralidade.Todo poder é um "poder no palco", todo po-der se exprime em posturas majestosas, rou-pas suntuosas, festas, opulência, extravagân-cia; numa palavra, sua própria representa-ção, visando surpreender as massas. A estru-tura estratégica, mais que outras, exige umreforço da teatralidade. O chefe deve poder-se mostrar, impressionar seus colaboradores,demonstrar magnificência, fazer ressaltarsuas marcas de sucesso (não esqueçamos queo jogo das aparências é um elemento essen-cial da idade barroca; ora, nós vivemos numaépoca de "barroco degenerado")." Certos lí-deres políticos compreendem bem: Mitterandcom a sua reunião dos Sete Grandes, emVersalhes, em 1982, e com as manifestaçõesdo bicentenário e a reunião dos Sete Gran-des, sob a pirâmide do Louvre e no Arco deLa Défense, é um exemplo perfeito do ho-mem que sabe utilizar a teatralidade em seumaior proveito. Num nível mais modesto, umBernard Tapie (diretor de empresa, presidentedo Olympique de Marselha, deputado) conhe-ce perfeitamente a melhor maneira de estarem cena e valorizar-se. Na Itália, Berlusconi(sobre o qual os italianos fizeram um filmenotável) sabe valorizar-se, fazer rir sua pla-téia, fazer charme, adular, seduzir e provo-car aplausos generalizados.

Essa teatralidade não é possível sem quenosso ganhador manifeste um comportamen-

to "histérico", quer dizer, suceptível de ero-tizar a seu modo as relações sociais (o his-térico não pode conceber relações sociais nãoerotizadas) e, para alcançar essa meta, elese mostra como justo e sensível, como duro,implacável e compreensivo, como misterio-so e extraordinariamente próximo. Ele in-tegra na sua conduta fálica (é um verdadei-ro homem, é um exemplo, é um chefe, é umDeus, ou um super-Deus, escreve, ironica-mente, Le Canard Enchafné sobreMitterand) o modelo feminino" ou o queos homens nomeiam assim, dando-lhe hámuito tempo um tom pejorativo: dito de ou-tra forma, a capacidade de bem falar, saberconvencer, sorrir e seduzir. Os tempos nãosão mais do chefe que comanda, mas daqueleque seduz, persuade, exala charme, animae sabe jogar com as aparências. Nossa socie-dade - Baudrillard tem feito ver fortemen-te já há muito tempo - é uma sociedade ondea aparência triunfa. É, pois, a sociedade per-feita para todos aqueles que sabem usar a"histeria" com plena consciência. Atenção!Não se trata de dizer que essas persoualida-des são, no seu foro íntimo, histéricas. Bas-ta, já que a aparência vale mais que a reali-dade e a mentira que a verdade, conduzir-seexteriormente assim. O que são esses serespor trás da fachada, disso nós não temos amínima idéia. Eles fazem o que é precisopara que o mistério perdure. E, de todomodo, isso não tem a menor importância. Amáscara, apersona, substitui a pessoa. Tentesaber o que pensa realmente um japonês evocê compreenderá rapidamente que o es-sencial está no exterior, na superfície, e éapenas a superfície que conta.

Instâncias da personalidade postas emprática. Na estrutura tecnocrática, prevaleceno nível do top management os indivíduosde "ego forte" sem états d'âme.é que sabemprogramar suas atividades e adotar ações cor-retivas necessárias. Essa elite domina indi-víduos indiferentes, sem pontos de referên-cia, que não têm mais que um "ego flutuan-te", todo mundo não podendo e nem deven-do jogar o jogo dos tecnocratas. Eles repre-sentam a imagem invertida dos tecnocratas.São pequenos perversos, instrumentalizandoos outros e o mundo segundo seus meios li-mitados, enquanto os tecnocratas são gran-des perversos, transformando todas as rela-

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o INDIVíDUO PRESO NA ARMADILHA DA ESTRUTURA ESTRATÉGICA

ções humanas em relações operacionais, de-safiando o real, tendo uma visão estritamen-te econômica e "economicista" das trocassociais, e instalando-se no lugar da verdade.

A estrutura estratégica não põe em prá-tica (ou, em todo caso, não da mesma ma-neira) as mesmas instâncias da personali-dade. Ela exige indivíduos que se queremsujeitos (mas que, de fato,são alienados) de seu des-tino e agentes da história.Sujeitos presos nas iden-tificações heróicas e aptosa se comportarem comoheróis, quer dizer, comoseres prontos -- comoFreud havia sublinhado"-- a introduzirem ruptu-

para ter sucesso. Identidade compacta eidentidades múltiplas não se opõem, elas sãocomplementares uma da outra. Pode-se di-zer, como Winnicott, que eles têm um fauxself. Entretanto, a noção de falso self reco-loca a possibilidade de possuir um verda-deiro sei! É, pois, mais exato seguir HélêneDeutsch quando ela fala de personalidade

"as if" (como se) pois es-ses indivíduos compor-tam-se sempre "como se"estivessem bem na pró-pria pele, como se amas-sem realmente os outrosetc. É, às vezes, possívelvencer um tecnocrata; émuito difícil vencer umapersonalidade as if, pos-suidora de um ego gran-dioso, na medida que elasabe adaptar-se a todosos desafios do ambiente,onde manifesta comoidentidade tão somente asua identidade social.

Ela é um verdadeiro

A estruturaestratégica é a

expressão de umaempresa que quer

ser ao mesmotempo umaras, e mesmo a prepara-

rem os outros, que lhesdevotam admiração semlimites, merecida por todoídolo. Aqueles que sãobem sucedidos têm, pois,um "ego grandioso" (o"Ego grandioso" deKernberg), tomam-se elesmesmos como ideal, sãoverdadeiros Narcisos ad-mirando-se no espelhoque eles propõem e que osoutros lhes servem, têmuma "identidade compac-ta", pois nada pode atin-gi-los. Não conhecem,com efeito, nem dúvida,nem angústia, nem re-morso. Essa identidadecompacta, essa sinuosi-dade narcisista, não osimpede, entretanto, demostrarem-se leves, fle-xíveis (ao contrário dotecnocrata que acreditapossuir a verdade). Elessabem que para alcançar o sucesso devempoder adotar identidades múltiplas (seraqueles que podem escutar, falar, atrair,mostrar ardor, exprimir a própria vontade,seduzir) segundo as situações e os interlo-cutores. Homens da aparência, modulam seupapel social segundo as circunstâncias. Sãosempre no instante aquilo que devem ser

comunidade;comunidade detrabalho. mas

tambémcomunidade da

vida e do Proteu, sempre insaciável.(Os estágios de análisetransacional ou de progra-mação neuro-linguística,muito em voga atualmen-te, ajudam-na em seus es-forços de adaptação, poisfornecem-lhe elementossimplificados de contro-le do comportamento dooutro).

Ela -- a personalida-de "como se" -- é tão bemsucedida quanto maiscontrária ao tecnocrata;ela aceita ter pulsões, pul-sões de amor ou de agres-sividade. Mas dessas pu 1-sões (como de resto) ten-

ta servir-se (vivendo, assim, a fantasia ex-trema do controle possível, pelo indivíduo,do seu inconsciente). Acredita, pois, ter àdisposição um "id integrado". Jogará com acólera, com a violência, assim como com adoçura e a ternura, pois na estrutura estra-tégica não há necessidade de seres impassí-veis mas de seres capazes de encarnar as

pensamento. Elase apoia sobre o

indivíduointegrado a uma

equipe. O trabalhonão tem um

sentido. a não serque lhe permita a

um só tempocoesão e

performance.

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26. FREUD, S. (1939), L'homme Moiseet le monothéisme. nouv. trd. Ir. Paris:Gallimard, 1987.

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27. REITER, R.; RAMANANTSOA, B.Pouvoir et politique: au-de/à de /a cui-ture politique d'entreprise. McGraw-Hill,1985.

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paixões, para poder provocar o entusiasmoou o medo que dinamiza os "grupos",

Ela ganha tanto mais a confiança dosoutros quanto mais não se pretende (comoa tecnocrata) ser a única a poder cumpriraquilo que faz. Todo indivíduo pode fazertão bem quanto ela à condição de querer,ele também, superar-se e aprofundar-se."Se eu sou formidável, você também podevir a ser formidável". (Um Tapie, umBerlusconi pronunciam à exaustão uma talfrase). "Eu não era ninguém, eu me fiz amim mesmo e você também pode se trans-formar". Assim, a megalomania torna-seuma coisa melhor partilhada! Como nãose fascinar por um ídolo que lhe diz, de-mocraticamente, que basta querer para po-der e que você tem, você também, como odiz Tom Wolfe, "o estofo de um herói" e aestatura de um ídolo?

Assim, as instâncias postas em práticasão o ego (por vezes grandioso, compacto,flexível, "protéico", democrático) e um idintegrado, dotado por esse ego "em facetas".

Pólo da personalidade destacado. A es-trutura carismática mostra o desejo de rea-lização de si mesmo; a estrutura burocráti-ca, o desejo de redução das tensões; a estru-tura cooperativa, a comunicação com os ou-tros, aos quais se reconhece uma alteridadeirredutível. A estrutura tecnocrática reco-nhece também a existência do outro, massomente como objeto manipulável e instru-mento à sua mercê, quando ela não o nega(o outro tornando-se um objeto descartávelquando não serve mais) ou quando ela nãoo destrói, sem se dar conta e 'acreditando,além do mais, agir para o seu bem (o per-verso sendo sempre aquele que sabe melhorque o outro as fontes do prazer - ou do gozo- deste último).

Para a estrutura estratégica, o outro exis-te realmente. É preciso, pois, conhecê-lo (daíos estágios de formação para o conhecimentoe o controle do outro), dar-lhe a impressãode ser respeitado, de ser valorizado. O ou-tro é uma peça-mestra do gerenciamentoestratégico participativo (elemento centralda estrutura estratégica), já que a empresanecessita para sua sobrevivência ou o seucrecimento de capacitação e de integraçãodos seus membros, por mais modestos queeles sejam.

É, pois, necessário comunicar-se com ooutro (os grandes tomadores de decisão são,ao mesmo tempo, grandes comunicadores),extrair o máximo do seu potencial. Para isso,a sedução é a conduta mais bem adaptada.Sedução que se exprime em uma animaçãoleve da equipe de trabalho. Essa animaçãotem por meta dar à equipe o sentimento decumprir uma grande obra. "Colaborem co-migo ... nós vamos construir juntos o proje-to ... , suas idéias são indispensáveis ... , a em-presa é a catedral do mundo moderno". Defato, trata-se - pelo viés de uma identifi-cação com o sedutor, promovido ao statusde ídolo - comumente, de um verdadeiroestupro psíquico.

A comunicação (como na estrutura coo-perativa) torna-se a preocupação permanentede cada um. Porém, enquanto na coopera-ção a comunicação podia exprimir as dúvi-das, os remorsos, a ansiedade, ou seja, ossentimentos das pessoas vis-a-vis de seus"alter ego" ou dos problemas a estudar, epôr em causa a regulação do grupo, a comu-nicação estratégica deve ser afirmativa(assertiveness). Ela deve exprimir a capa-cidade do indivíduo de colocar e resolver osproblemas, sua vontade inabalável para fazê-lo, e deve melhorar a coesão e o rendimentoda equipe. A comunicação interna deve, na-turalmente, ser acompanhada por uma co-municação externa. Comunicação que tempor meta realçar o prestígio da empresa dian-te de sua clientela, e aumentar a sua base;comunicação que tem igualmente por obje-tivo (e isso não é pouco), dar lugar a verda-deiras estratégias racionais'" com as comu-nidades locais, os poderes públicos e, prin-cipalmente, com os parceiros potenciais:uma empresa provando da dificuldade decontrolar sozinha um mercado ou uma ati-vidade. É importante notar que a desconfian-ça (inerente a toda conduta estratégica)rege o comportamento dos atores. Um ali-ado é sempre temporário, ele pode se trans-formar em adversário convicto ou em trai-dor, antes de voltar a ser um parceiro amá-vel que, num dia de distração, golpeará seunovo amigo pelas costas [Basta consideraras peripécias da tentativa de controle daSociété Générale de Belgique pela Cerus(De Benedetti: A. Mine), associados (!)Hersant-Berlusconi, Bouygues-Marxwell, da

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interferência de B. Arnaudt sobre a Vuitton-Moet-Hennessy, ainda que ele tenha sidochamado para ajudar na manutenção daequipe no lugar ...]. Os amigos não existemmais, os adversários irredutíveis tampouco.No universo da estratégia, não podem terêxito senão as relações de negócios, e elasexprimem a força de cada um dos parceirosem um dado momento. Os comunicadorescontinuam sempre grandes "matadores",frios e resolutos.

Destino da pulsões. Na estrutura tecno-crática, a libido dessexualizada é investidano trabalho produtivo, a pulsão de morte ex-prime-se pela crueza da Ética à qual todosos membros são submetidos e a pulsão daagressão é dirigida ao exterior. Na estrutu-ra estratégica, como o desenvolvimento pre-cedente o mostra (também aqui seremos bre-ves), a libido é ressexualizada (erotizaçãodas relações), ela não é mais canalizada so-mente para o trabalho, mas favorece a iden-tificação, a coesão social (o espírito de equi-pe). O indivíduo deve-se conduzir como umser de paixão - afirmando sua virilidade esua força física (mesmo se se tratar de umamulher) e acreditando possuir o falo (comose a posse do falo fosse uma missão possí-vel!) - e, ao mesmo tempo, como um serda palavra (ele seduz, ele atrai, ele enga-na). Assim, obtém-se a mobilização geraldas energias (se os membros da organiza-ção comportam-se bem como corpos, psi-ques, intelectos a serviço da cultura e doimaginário da organização"),

Quanto à pulsão de morte, ela parece"domesticada": o matador é coai, os con-flitos internos são reduzidos, pois se aracionalidade política não tem medo dosconflitos, a racionalidade técnica e estra-tégica evita-os fortemente. Apenas devemretardar a emulação e a competição (nor-mais no seio da empresa onde reina a ideo-logia frágil do consenso). Quanto aos ad-versários exteriores, eles não devem maisser eliminados definitivamente, pois po-dem se revelar úteis um dia. Entretanto,isso é apenas aparência: de fato, como omostrou magistralmente Yves Barel;" avontade de auto-referência é criadora deduplos. Duplos nos quais cada um projetasua parte diabólica, que ao mesmo tempo,são objeto de repulsão e de fascinação, pois

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são suficientemente parecidos para repre-sentar a "parte maldita" (o inimigo) querepousa no foro interior de todo ser. (Nósjá tínhamos tentado" marcar a oposição ea conivência que existiam entre judeus ealemães; A. Codaccioni " recentementemostrou o papel da imagem do mouro, ob-jeto de apropriação e de rejeição para aconstituição da identidade corsa). Essesduplos, é preciso abatê-los. Entretanto, elesprovocam inveja. A inveja é o único dospecados capitais que não propicia nenhu-ma satisfação no imediato. Ou, a inveja,contrariamente à tese de J.P. Dupuy e P.Dumonchel.P não constitui um motor eco-nômico. Ao contrário, ela freia o desenvol-vimento, pois o sucesso de uns lesa inte-resses de outros, como havia estabelecidoG.M. Forster; pois ela não pode provocarsenão a morte do outro e de seu desejo. Issotorna, pois, tão importante fazer com queo outro fracasse num negócio, quanto rea-lizar um. Donde esses "golpes atravessa-dos", essa espionagem generalizada nomundo industrial e no da administração,esse espírito de delação (pede-se a dirigen-tes recrutados pelos "caçadores de talen-tos" que revelem todos os segredos quepodem conhecer de sua antiga empresa),de corrupção sem freio, a que nós assisti-mos, e que estão longe de levar à criaçãode novas riquezas. Nós tínhamos, no tem-pO,33caracterizado o capitalismo como omundo da corrupção generalizada (o casodo Japão é exemplar, desse ponto de vis-ta), e o universo totalitário como aquele dadelação generalizada (cada um devendo de-nunciar os inimigos do povo). Nós deve-mos, dizer hoje que esses dois comporta-.mentos tendem a se parecer ao menos numponto: os países que podemos ainda cha-mar de totalitários são presos igualmenteno ciclo da corrupção em larga escala(URSS e China, para citar apenas os maio-res), os países capitalistas praticam a de-lação (cada um podendo ser denunciadocomo um "fraco", um "incapaz" freando ocrescimento da empresa). Sabe-se, desde anoite dos tempos, que é mais fácil conju-gar os vícios que as virtudes. A pulsão demorte está longe de ser domesticada. Elararamente teve um tal espaço onde exercersua força devastadora [o individualismo (a

28. ENRIOUEZ, E. L'imaginaire social,refoulemenl et répression dans lesorganisalions. Connexions. n. 3, 1972.

29. BAREL,Y. La ville médiévale. Paris:PUF,1980.

30. ENRIOUEZ,E. De la horde à I'Etat.Paris: Gallimard, 1983.

31. CODACCIONI,A. Territoire(s) et pro-duction de I'espace. Ihêse d'Elal, 1989.

32. DUPUY,J.P.; DUMONCHEL,P.L'enteraes choses. Paris: Seuil, 1982.

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33. ENRIQUEZ, E. Bureaucratie ouautogestion, Supplérnent à Recherchessocialistes. n. 5-6, 1974.

34. SAINSAULlEU, R. (sous la directionde, L'entreprise en société.Paris: Fond.Na!. des Sciences Politiques et Inter-Edi-tions, 1990. Este livro foi lançado em1990 com o titulo: L'entreprise - uneaffaire de société. (N.R.)

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auto-referência) sendo capaz de criar du-plos em profusão] e a destruição toma o ca-minho da produção.

Concepção do trabalho. A estrutura tec-nocrática visava apenas a produção sob to-das as suas formas, ela preconizava a guerraeconômica, forma moderna da guerra total.Era governada pela estrita lógica comercial.A empresa era uma sociedade de combate.

A estrutura estratégica é a expressão deuma empresa que quer ser ao mesmo tempouma comunidade, comunidade de trabalho,mas também comunidade da vida e do pen-sarnento. Ela se apóia sobre o indivíduo in-tegrado a uma equipe. O trabalho não temum sentido a não ser que lhe permita a umsó tempo coesão e performance. (Daí os di-versos apelos à expressão e à comunicação,enfatizados anteriormente).

A guerra é total, mas ela pode ser maisamortecida (estratégias racionais) ou, aocontrário, mais violenta (OPA, raiders ... )que na estrutura tecnocrática. O sorriso éviolência potencial; a violência, o detonadorpossível de uma combinação frutífera. Quan-do a produção não tem mais resultados es-perados, as firmas reforçam suas atividadesfinanceiras. (É o caso da Ford, atualmente,e das empresas japonesas em geral, que au-mentam o seu império sobre o mercado decapitais. Basta apenas notar que a predomi-nância do capital financeiro sobre a produ-ção foi iniciada há mais de dez anos, mes-mo na França). A meta não é mais o inves-timento industrial, é o "golpe" financeiro.Max Weber não reconheceria mais seu mun-do: trabalhar não enriquece mais, ou muitopouco. Apenas a especulação engendra di-nheiro. A famosa fórmula de Marx: D (di-nheiro) -> M (mercadoria) -> D' (dinhei-ro) está obsoleta. O dinheiro permite fazerdinheiro sem produção de mercadorias.

Alguns destaques finais

Ficando este trabalho mais longo do queo previsto, contentamo-nos com alguns des-taques (para mais informações ver a obra de1990 sob a responsabilidade de R.Sainsaulieu: L'entreprise en societé," naqual nós assinamos um estudo: "L' entreprisecomme lien social: un colosse au piedd'argile").

1. A empresa estratégica tem, cada vezmais, estratégias de curto prazo. À forçade jogar no curto prazo, estrutura-se omundo sob este aspecto. Ora, SylvainTrinh já o demonstrou, a estratégia decurto prazo não é uma verdadeira estra-tégia. Os japoneses compreenderam-notão bem que jogam todas as forças narealização de um objetivo único sobre vá-rios anos. É assim que eles puderam es-tabelecer um quase-monopólio de produ-tos (ex: motos, fotos ... ) sobre os quaisoutros países detinham um avanço con-siderável.

2. As estratégias mais financeiras que pro-dutivas, findaram por desestabilizar omercado. As "desregulamentações" selva-gens fazem do capitalismo avançado umaverdadeira selva, que provoca o medo decertos diretores de empresa que reivindi-cam um retomo à "Ética" ou, pelo me-nos, às regras do jogo aceitas por todos.

3. A empresa estratégica quer a participa-ção de todos. De fato, não é mais queuma elite quem desfruta da adesãomassiva à dinâmica organizacional. Paraa maioria, o trabalho torna-se menos in-teressante, o risco de desemprego cres-ce, a precariedade do trabalho aumenta,as promoções são bloqueadas. Fala-setanto mais de participação quanto na rea-lidade a possibilidade e o desejo de par-ticipação diminuem. A "histeria", a "tea-tralidade" encontram seus limites. Omundo das aparências começa a apare-cer como um mundo de mistificação.

4. Mesmo a elite não está mais segura de si.Os esforços, o talento, a identificação coma empresa não impedem a demissão dosdirigentes e empregados, as empresas de-saparecendo ou estão sendo compradas.

5. Quando equipes formam-se e adquiremuma forte identidade, os administrado-res já não ficam tão felizes, pois essaidentidade parcial, dando aos indivíduose aos grupos uma nova força de proposi-ção e de contestação, pode pôr em xequea coesão da organização, que se vê comoum sistema cultural, simbólico e imagi-nário, do tipo totalitário. J. Dubost in-siste, com muita propriedade, sobre "asambivalências da gestão em face das for-mações identitárias".

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6. Mais e mais numerosos são os adminis-tradores que, compreendendo o que lhespode acontecer, vêm a conceber estraté-gias pessoais de carreira, e estão aptos adeixar sua empresa por uma outra quelhes ofereça salários e possibilidades depromoção mais interessantes. O "Egograndioso", o "narcisismo", voltam-secontra a empresa.

7. Além do mais, mesmo se a empresa con-seguir integrar o pessoal e fazê-lo acei-tar seus ideais, ela não poderia provocarsenão a idealização. Ora, a idealizaçãopropõe um objeto maravilhoso que nãopode ser colocado em questão, que pro-cura um estado psíquico de não-conflitualidade e uma retomadanarcísica. A idealização desenvolve o"fanatismo de empresa" (expressão de E.Morin). Ora, o fanatismo não é criadorde nenhuma idéia nova, ele se contentaem defender a causa. Assim, será capazde copiar, às vezes de aperfeiçoar, idéiasou produtos existentes (os japoneses pas-saram a ser mestres na matéria), mas nãoestará apto a fazer prova de inovação. Ainovação implica a possibilidade de su-blimação - quer dizer, a capacidade decolocar-se novos problemas interiormen-te (in interiorité) - a possibilidade defazer prova de imaginação realizadora,para retomar a fórmula de G. Palmade,a possibilidade de conhecer a dúvida ecompreender que os momentos de angús-tia profunda (de depressão, às vezes) sãoelementos necessários à criatividade, àconstrução de objetos ou de relaçõesamadas por eles mesmos, pelo aspectoestético e lúdico de que se revestem. Acriatividade exclui, pois, as estratégiasracionais, o jogo com a aparência. Elaengaja a vida de cada um. A empresagostaria muito que as pessoas engajassemsua vida, mas para seu próprio lucro. Pois,como formula tão bem o poeta metafísicoinglês John Donne: "Cada homem é umailha", e cada homem não pode ser criati-vo se não sente no mais profundo de simesmo a vontade de construir o inteira-mente novo. Ele poderá fazê-lo com osoutros, mas à condição de que estes se-jam os "outros" com os quais ele possaconstruir verdadeiras relações de amiza-

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de e de confiança (cf. os pintoresimpressionistas e pós-impressionistas).As empresas têm medo de uma talcriatividade. Elas não se querem dar contade que só deixando a seus membros apossibilidade de sublimar, permitir-lhes-ia (à condição de não tentar mistificá-los)trazer para a empresa (e a eles mesmos,em primeiro lugar) a inventividade queelas reclamam aos quatro ventos.

8. Atualmente, as empresas de estruturasestratégicas não podem levar seus tra-balhadores senão a uma usura mentalprovocada pela carga psíquica desmesu-rada dedicada à manutenção da funçãoocupada, e que os coloca em um double-bind constante que faz com que, nãoimporta o que cumpram a longo prazo(salvo para alguns eleitos), eles terãoerrado. Os colaboradores são, pois, sub-metidos a constante "stress profissional",e não se podem manter senão graças àabsorção massiva de psicotrópicos. Elestornam-se, então, "indivíduos sobperfusão+P

9. A idéia de criar empresas que tomam em-prestado do modelo nipônico e do mode-lo americano o que eles têm de melhor(fantasia desenvolvida pelos que crêemna "empresa do terceiro tipo") - o per-tencimento ao grupo e a iniciativa indi-vidual - revela-se aberrante, pois essasduas culturas possuem identidades pro-nunciadas e umpatchwork entre elas nãoseria, como dizem os alquimistas, senãoo casamento impossível entre a água e ofogo (mas a demonstração demandariamais amplos desenvolvimentos).

IO.Enfim, não esqueçamos que, como es-crevia A. Schnitzler, "a alma é uma ter-ra estrangeira/estranha", e que, sendoassim, apesar das numerosas armadilhassemeadas pela estruturas estratégicas,levantar-se-ão sempre os indivíduos que,conscientes de sua estranheza, do aspectolabiríntico de sua alma, preferirão as ale-grias (e as angústias) que expressam ofato de serem sujeitos pensantes e fa-lantes, ao invés desses "balões" um pou-co já murchos que lhes revelam as es-truturas estratégicas. D

35. AUBERT, N. e PAGES, M. Op. cit., 1986.

36. EHREMBERG, A. Op. cit., 1989.

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