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GRADUAÇÃO 2017.1 ORGANIZAÇÃO DA JUSTIÇA E DAS CARREIRAS JURÍDICAS PÚBLICAS AUTOR: CARLOS ROBERTO DE C. JATAHY

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  • GRADUAÇÃO 2017.1

    ORGANIZAÇÃO DA JUSTIÇA E DAS CARREIRAS JURÍDICAS PÚBLICAS

    AUTOR: CARLOS ROBERTO DE C. JATAHY

  • SumárioOrganização da Justiça e das Carreiras Jurídicas Públicas

    ORGANIZAÇÃO DA JUSTIÇA E DAS CARREIRAS JURÍDICAS PÚBLICAS ................................................................................ 3

    AULAS 1 A 4: O PODER JUDICIÁRIO BRASILEIRO. A ORGANIZAÇÃO JUDICIÁRIA. A MAGISTRATURA NACIONAL. O CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. ....................................................................................................... 6

    AULAS 5 E 6: O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL .......................................................................................................... 39

    AULAS 7 A 9: O SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA E A JUSTIÇA FEDERAL .......................................................................... 73

    AULAS 10 A 12 — A JUSTIÇA COMUM ESTADUAL ..................................................................................................... 103

    AULA 13 A 15: AS JUSTIÇAS ESPECIAIS INDIVIDUALIZADAS ....................................................................................... 151

    AULAS 16 A 18: O MINISTÉRIO PÚBLICO BRASILEIRO ............................................................................................... 174

    AULAS 19 A 21: A ADVOCACIA PÚBLICA E A DEFENSORIA PÚBLICA .............................................................................. 221

    AULAS 22 E 23 — A POLÍCIA FEDERAL E A POLICIA CIVIL .......................................................................................... 236

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    ORGANIZAÇÃO DA JUSTIÇA E DAS CARREIRAS JURÍDICAS PÚBLICAS

    INTRODUÇÃO

    A Constituição da República, visando a evitar o arbítrio e o desrespeito aos direitos fundamentais do homem, previu a existência dos poderes cons-tituídos do Estado, independentes e harmônicos entre si, repartindo entre eles as funções estatais e prevendo prerrogativas e imunidades para que bem pudessem exercê-las. Criou também mecanismos de controles recíprocos, sempre como garantia da perpetuidade do Estado Democrático de Direito.

    É a célebre Separação de Poderes, esboçada pela primeira vez por Aristó-teles em “Política”, detalhada, posteriormente, por John Locke, no “Segundo Tratado do Governo civil” e, finalmente, consagrada por Montesquieu no “O Espírito das Leis”.

    O estudo de algumas dessas Instituições será o objeto de nossa disciplina eletiva, com ênfase na Organização Judiciária Brasileira e nos organismos estatais que ocupam lugar de relevo como atores na função constitucional de distribuição de Justiça.

    Assim, analisaremos, tanto no aspecto orgânico como em alguns aspectos de índole processual, o Sistema da Justiça Brasileira, ou seja:

    O Poder Judiciário;O Ministério Público; eas demais Instituições constitucionalmente incumbidas das funções essen-

    ciais à Justiça, de natureza pública: a Advocacia Pública e a Defensoria Pública.Veremos ainda a Polícia Federal e a Policia Civil, instituições, que vem

    chamando a atenção da sociedade e, por conseguinte, algumas funções priva-tivas de Autoridade Policial.

    Pensamos, ao elaborar a disciplina, nos alunos que pretendem ingressar nas Carreiras Jurídicas Públicas e que precisam estar preparados para os con-cursos de ingresso em tais Instituições, cada vez mais disputados no meio jurídico contemporâneo.

    O Poder Judiciário é um dos Três Poderes clássicos previstos na Cons-tituição (Art. 2º), e tem como função a administração da Justiça e como verdadeiro mister a guarda da Constituição.

    Não se consegue conceituar um Estado Democrático de Direito sem a existência de um Poder Judiciário, autônomo e independente, para o pleno exercício de suas funções. Daí as garantias que seus membros gozam, assegu-radas pela própria Constituição, como a vitaliciedade, a inamovibilidade e a irredutibilidade de subsídios.

    Já o Ministério Público, consagrado com novo perfil em nossa Constitui-ção e situado fora da estrutura dos demais poderes da República, é instituição

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    permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático de Direito e dos interesses sociais e individuais indisponíveis (Artigo 127 da CF).

    Para tanto, também lhe foi conferida uma estrutura organizacional pró-pria, com autonomia, independência e garantias.

    A Advocacia Pública, inserida constitucionalmente no novo texto mag-no, é instituição que, diretamente ou por intermédio de órgão vinculado, representa a União; os Estados e o Distrito Federal; e os Municípios, judicial e extrajudicialmente, cabendo-lhe as atividades de consultoria e assessora-mento jurídico do Poder Executivo.

    A Defensoria Pública, prevista na Constituição Federal como institui-ção essencial à função jurisdicional do Estado, está incumbida da orientação jurídica, da promoção dos direitos humanos e da defesa em todos os graus, judicial e extrajudicial, dos direitos individuais e coletivos, de forma integral e gratuita, dos necessitados.

    A Policia Federal e as Polícias Civis, que também possuem previsão constitucional, são destinadas a apurar as infrações penais e atuar como polí-cia judiciária, na forma preconizada no Artigo 144 da CF, sendo dirigidas por delegados de polícia, privativamente bacharéis em direito.

    O curso foi montado com base na constatação de que um bom profissional do direito necessariamente precisa conhecer as instituições estatais que inte-gram o sistema de Justiça, a forma como operam, que funções institucionais desempenham e que competências lhes foram atribuídas pelo constituinte e pelo legislador. Pragmaticamente, também serão examinados tópicos que serão objeto de questionamento nos concursos de ingressos paras as aludidas carreiras.

    Só assim, tendo o domínio desses conceitos técnicos, o futuro profissional poderá maximizar a utilização do sistema em todas as suas instâncias, for-mando opinião e pensamento crítico para o aprimoramento e transformação das estruturas examinadas.

    Procura-se, por meio da utilização de diferentes metodologias, uma abor-dagem analítica e uma visão crítica como elementos permeadores de todo o curso. O objetivo é a interatividade dos alunos com o conteúdo apresentado e o caráter cooperativo que deve propiciar uma aproximação maior entre alunos e professor.

    Como o programa incorpora conteúdos dos mais variados, como ciência política, direito constitucional, direito administrativo, teoria geral do proces-so e organização judiciária, algumas aulas serão mais expositivas enquanto outras serão mais abertas a discussões. Em todos os momentos, porém, ire-mos adotar uma postura de incentivo ao aluno no estabelecimento de links com assuntos correlatos.

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    Durante todo o curso, casos práticos serão apresentados, como forma de aproximar a teoria estudada com a realidade social em que vivemos, mediante debates, construções ideológicas e solução dos mesmos.

    A Ciência do Direito, apesar de estudada de forma estratificada, requer uma visão global para ser potencialmente compreendida. O que se idealiza é uma interdisciplinaridade entre todos os ramos do Direito.

    Durante o semestre, os alunos serão avaliados de acordo com os seguintes critérios:

    — dois testes aplicados em sala de aula, abordando toda a matéria do cur-so, um na metade e o outro ao final do semestre; e

    — avaliações “pro bono”, que podem acrescentar pontos, tanto na P1 como na P2 aos alunos selecionados ou voluntários para apresentações, aná-lises de textos e discussões e debates sobre o conteúdo programático.

    Encarem com prazer o desafio de conhecer a estrutura do Poder Judiciário e demais Carreiras Jurídicas Públicas!

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    AULAS 1 A 4: O PODER JUDICIÁRIO BRASILEIRO. A ORGANIZAÇÃO JUDICIÁRIA. A MAGISTRATURA NACIONAL. O CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA.

    1) O PODER JUDICIÁRIO BRASILEIRO.

    Historicamente, o Poder Judiciário, apesar de estar no mesmo plano dos demais poderes, sempre teve uma menor participação nas decisões do Esta-do, em comparação com o Executivo e o Legislativo. Isto porque, em muitos Estados da velha Europa, os juízes eram meros servos da nobreza, atuando como longa manus do soberano. Subordinado, não podia se desenvolver a contento.

    A instauração do Estado de Direito (Estado Liberal, Constitucional) fez surgir a primeira geração de direitos (direitos de liberdade, direitos civis e políticos), fazendo nascer também a linguagem jurídica. Esta, por conter ter-mos rebuscados e imprecisos (como, por exemplo, “boa fé” e “mulher hones-ta”), provocou um distanciamento entre o Judiciário e o povo, intermediado pelos advogados, que falavam a linguagem acessível aos magistrados.

    Acrescente-se ainda que no Estado liberal e absenteísta, as questões eram relativas às demandas individuais, em que somente se discutiam interesses particulares. Não havia repercussão social nas decisões do Judiciário, mas já havia uma maior participação do Judiciário nas questões diuturnas.

    Com a instituição do Estado Social, em que o Ente Público passou a ser prestador de obrigações (direitos sociais), criando direitos que deveriam ser providos, a inércia do Estado obrigava o indivíduo a buscar a solução de seus conflitos no Judiciário. Decorre daí o aumento da demanda judicial e um conflito entre os poderes.

    De fato, vamos assistir a conflitos entre o Executivo e o Judiciário na gran-de depressão americana (quando a Suprema Corte quis interferir nas ações do presidente Roosevelt) e na criação da Justiça Constitucional, quando o Judiciário interfere na decisão do Parlamento, considerando uma lei incons-titucional.

    A par disto, vamos ver a sociedade industrial criar um novo tipo de con-flito. O conflito meta-individual ou transindividual, com um número mui-to grande de interessados na sua solução: as denominadas “class actions”. O Judiciário sai de uma posição secundária e subalterna para uma situação de protagonista, sendo capaz de produzir consequências profundas nas relações sociais, política e do cotidiano. O juiz, antes inerte, passa a adotar uma pos-tura mais ativa, podendo, por exemplo, paralisar a construção de uma estrada que está afetando o equilíbrio ecológico em uma determinada região; obrigar o Estado ao fornecimento de medicamentos básicos aos hipossuficientes; de-

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    terminar a Administração Pública a contratar médicos e professores, visando a plena implementação de políticas sociais.

    No Estado Democrático de Direito hoje existente, em que o Estado, o di-reito e a sociedade assumem um compromisso com a Constituição, o Judici-ário passa a ter uma importância maior, diante de seu maior ativismo judicial.

    Consequentemente, surge a necessidade de um maior controle sobre o “Gigante adormecido”. Afinal, controle faz parte da teoria dos “checks and balances”.

    A Constituição Brasileira de 1988, seguindo esta tendência mundial dos países democráticos, conferiu ao Poder Judiciário lugar de destaque, confian-do-lhe a tutela de direitos subjetivos até mesmo contra o Poder Público e a função de efetivar os direitos e garantias individuais, abstratamente inscritos em seu texto.

    O Poder Judiciário, consoante o artigo 2º da CF, possui a função precípua de julgar os conflitos de interesse que surgem na sociedade, fazendo aplicar a Lei e o Direito ao caso concreto. Deve, portanto, manter a paz social, impon-do aos cidadãos o cumprimento das leis do país, intervindo, quando provo-cado nos litígios existentes e solucionando os conflitos de interesse.

    E como é feita essa pacificação? Mediante a atuação da vontade do direito objetivo que rege o caso concreto. Assim, duas pessoas em conflito num pro-cesso judicial terão seus problemas solucionados por meio da aplicação da lei ao caso concreto. É o juiz exercendo a jurisdição.

    Ressalve-se que a jurisdição é una. Como expressão do poder estatal, ela é eminentemente nacional e não comporta divisões. Porém, para uma distri-buição racional do trabalho, é importante que se criem organismos distintos, para os quais serão destinadas determinadas espécies de causas. São diversos os critérios determinantes na distribuição dos processos: em razão da matéria, da qualidade da pessoa etc. É o Estado, fazendo a divisão das Justiças, com vistas à melhor atuação da função jurisdicional. Trata-se da denominada OR-GANIZAÇÃO JUDICIÁRIA.

    2) A ORGANIZAÇÃO JUDICIÁRIA

    Com efeito, a Organização Judiciária tem como objetivo estabelecer nor-mas sobre a constituição dos órgãos encarregados do exercício da jurisdição. Para análise da matéria, deve-se partir de três premissas básicas:

    (a) A estrutura judiciária brasileira é definida basicamente pela Constitui-ção, sendo o Capítulo III (Arts. 92 a 126) do título IV (Da Organização dos Poderes) da Carta Maior o texto básico para a compreensão e estudo do tema;

    (b) O Poder Judiciário brasileiro, em razão da forma de Estado federativo adotado pelo texto constitucional, é dual. Com tal modelo, haverá um ramo

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    da Justiça que é administrado e mantido pela União e outro ramo adminis-trado pelos Estados-membros da Federação brasileira; e

    (c) A noção de que a ordem judiciária constitucional se estabelece em graus de jurisdição.

    De fato, a primeira premissa denota que para se conhecer a estrutura do Poder Judiciário brasileiro deve-se conhecer a Constituição Federal. Esta constatação é conseqüência da garantia do Juiz Natural, também conhecida como “Princípio da naturalidade do Juízo” (HC 73.801-MG, Celso Mello, DJU 27.06.1997), positivada no texto constitucional no Artigo 5º, LIII (“Ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente”). Esta expressão significa que o juiz natural ou a autoridade competente, no Brasil, é o órgão jurisdicional cujo poder derive de fontes constitucionais, de competência devidamente indicada pela Constituição Federal.

    Assim, só é legítimo o juízo previsto pela Constituição e reconhecido por ela como natural, invalidando-se, em razão deste princípio, qualquer órgão jurisdi-cional criado à margem da Carta Magna, também chamado de juízo de exceção (Art. 5º, XXXVII, da CF: “Não haverá Juízo ou Tribunal de exceção”). Nesta di-mensão, o Artigo 92 da Constituição estabelece a estrutura do Poder Judiciário brasileiro, integrado por diversos órgãos, repudiando todos aqueles que ali não se encontrem como integrantes do Poder Judiciário, ainda que recebam a deno-minação de juiz ou tribunal. Logo, não integram esta estrutura — e, portanto, não são órgãos do Poder Judiciário — o Tribunal Marítimo, os Tribunais de Contas, da União e dos Estados ( e dos municípios do Rio de Janeiro e de São Paulo) e o Superior Tribunal de Justiça Desportiva.

    A segunda premissa decorre do princípio do dualismo judiciário, por meio do qual convivem, no mesmo sistema, um Poder Judiciário organizado pela União e o Poder Judiciário organizado por cada Estado-membro da Fe-deração. Há, portanto, em decorrência de tal premissa, o Poder Judiciário da União (também chamado por muitos de Federal) e diversos Poderes Ju-diciários Estaduais, formando o Poder Judiciário Nacional.

    A União organiza e mantém as Justiças Especializadas (ou, Especiais) do Tra-balho, Eleitoral e Militar da União; e a Justiça Comum Federal e Comum do Distrito Federal e Territórios. É de sua responsabilidade, também, o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça. Por sua vez, cada Estado-mem-bro organiza, de acordo com sua Constituição, o respectivo Poder Judiciário local (Art. 125 da Constituição Federal), composto da Justiça Comum Estadual e da Justiça Militar Estadual. Cabe ressaltar que as Justiças administradas pela União possuem sua estrutura definida na Constituição Federal, sendo sua organização judiciária definida em legislação federal. Já as Justiças Estaduais têm sua estrutura definida nas Constituições Estaduais, respeitadas as diretrizes fixadas na Consti-tuição Federal (Art. 125, caput). Sua organização judiciária é fixada por meio de legislação estadual, em regra denominada Código de Organização Judiciária.

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    Finalmente, a terceira premissa, denominada princípio do duplo grau de jurisdição. Por tal princípio, toda causa que ingressa no Sistema Judiciário está sujeita a um duplo exame: o exame inicial, que é o julgamento originário da causa, e um exame posterior, que possui caráter revisional do primeiro jul-gamento. Por este princípio, haverá a possibilidade de duas decisões válidas e completas num mesmo processo, emanadas por juízes diferentes, prevalecen-do sempre a segunda sobre a primeira. Consoante decisão do STF, a formula-ção do duplo grau de jurisdição exige que o exame inicial e o exame posterior, também chamado de reexame, sejam promovidos por órgãos jurisdicionais diversos. Neste teor: “Para corresponder à eficácia instrumental que lhe costuma ser atribuída, o duplo grau de jurisdição há de ser concebido, à moda clássica, com seus dois caracteres específicos: a possibilidade de um reexame integral da sentença de primeiro grau e que esse reexame seja confiado a órgão diverso do que a proferiu e de hierarquia superior na ordem judiciária.”(ROHC nº 79.785-7/RJ. Min.: Sepúlveda Pertence. DJU 22/11/2002).

    Esta terceira premissa, denominada duplo grau de jurisdição, possui os seguintes fundamentos:

    (a) Satisfazer o inconformismo do vencido. Há uma relação de auto-ridade entre o juiz, que fala em nome do Estado, e a parte, como cidadão, que tem que se curvar às decisões da autoridade. Mas o inconformismo do vencido é um fator grave de intranqüilidade social. A finalidade da jurisdi-ção é não só atuar a vontade da lei, como também pacificar os cidadãos para que eles voltem, encerrado o litígio, a viver harmoniosamente num instinto de solidariedade. A instituição do recurso visa atender a esse clamor, a essa revolta, a essa insatisfação do vencido, dando uma segunda oportunidade de obter uma decisão favorável e, portanto, contribuindo para que ao final dessa segunda decisão, mesmo que continue sendo desfavorável, voltem a viver pacificamente.

    (b) Coibir o arbítrio do juiz. O juiz que sabe que sua decisão pode ser reformada pelo tribunal superior, sente-se vigiado, controlado e cede com menos freqüência à tentação do arbítrio. Já o juiz que sabe que sua decisão é irrecorrível, possui maior tendência ao arbítrio, até mesmo em busca de uma justiça melhor que a justiça da lei. Ele acaba vendo na irrecorribilidade, se não tiver um espírito crítico muito aguçado, um poder absoluto, fazendo a melhor justiça da sua consciência, que não é necessariamente a justiça da lei.

    (c) Melhorar a qualidade das decisões. O juiz pode ter examinado mal a prova, ou a matéria ser muito complexa, ou ainda pode ter uma opinião jurídica que não é a melhor, não é aceita pelos tribunais superiores. Uma segunda oportunidade de julgamento dá ao tribunal de superior instância a oportunidade de examinar a causa com base na motivação do juiz de pri-meiro grau e outros fundamentos, além daqueles expostos pelo juiz na sua

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    decisão. Dois julgamentos aumentam a probabilidade de acerto da decisão. Neste contexto, percebe-se que temos, portanto, na terminologia brasileira, juízos, que são órgãos de primeiro grau, em regra monocráticos, ou seja, o julgamento é realizado por um único juiz, e temos também os tribunais, ór-gãos de segundo grau, cujo julgamento, em regra, se dá de forma colegiada. São órgãos inferiores e superiores.

    Observe o Organograma a seguir, que representa a Organização Judiciária brasileira, com fundamento em dispositivos da Constituição Federal:

    12

    ORGANOGRAMA DO PODER JUDICIÁRIO

    S.T.F. (art. 101 e 102)

    CNJ (art. 103-B)

    S.T.J. (art. 104 e 105 )

    Justiça Estadual

    Tribunais de Justiça (art.125§1º e CEs)

    Turmas Recursais

    TJMilitar

    Justiça Federal

    Tribunais Regionais Federais

    (106, I, 107 e 108)

    Turma Recursal

    Justiça do Trabalho Justiça Eleitoral Justiça Militar TST

    (art. 111,I, e A) TSE

    (art. 118, I e 119)

    TRT’s (art.111, II e 115)

    TRE’s (art. 118, II e 120)

    Juízes do Trabalho (art.111,III e 114)

    Juízes e Juntas Eleitorais(118,III) (art. 118, III e IV)

    Juízes Militares (art. 122, II)

    STM (art. 122, I e 123)

    Justiça Comum Justiça Especial ou Especializada

    Juízes Federais (art. 106, II e 109) Juízes de Direito

    2ª Instância

    1ª Instância

    Tribunais Superiores

    Este organograma acompanhará nosso estudo, quando analisarmos cada um dos ramos da Organização Judiciária.

    Após examiná-lo, responda?

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    EXISTE ENTRE OS JUÍZOS E OS TRIBUNAIS UMA HIERARQUIA?

    A resposta é não. Há que se ressaltar que não existe entre eles qualquer hierarquia jurisdicional. Não há poder de mando dos ór-gãos superiores aos inferiores no que tange aos julgamentos a serem realizados. O que há é um poder de revisão, dentro do princípio já examinado do duplo grau de jurisdição, mas cada juiz é livre para proferir a sua sentença.

    Diferentemente, no plano administrativo, existe sim uma hierar-quia. Isto porque, os Tribunais de Justiça e os Tribunais Regionais são responsáveis pela administração da Justiça na sua área de atuação, ca-bendo-lhes prover cargos, realizar concursos, aplicar penalidades etc.

    Acima de todos os juízos e tribunais estão o Supremo Tribunal Federal e o Conselho Nacional de Justiça, com funções jurisdicionais e administrativas, compondo assim o Poder Judiciário nacional.

    3) A MAGISTRATURA NACIONAL

    A Magistratura é o conjunto de juízes que integram o Poder Judiciário.Além das disposições constitucionais acima descritas, que organizam a es-

    trutura da Justiça no Brasil, existe ainda a Lei Complementar nº 35, de 14 de março de 1979, mais conhecida como LOMAN, que estrutura a carreira da magistratura nacional, estabelecendo as garantias, prerrogativas, deveres, direitos, vencimentos, vantagens, forma de ingresso, dentre outras coisas. É a Lei Orgânica da Magistratura Nacional. Que apesar de ser anterior à CF, foi expressamente recepcionada, conforme já decidiu o STF:

    “Até o advento da lei complementar prevista no art. 93, caput, da Constituição de 1988, o Estatuto da Magistratura será disciplinado pelo texto da LC 35/1979, que foi recebida pela Constituição.” (ADI 1.985, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 3-3-2005, Plenário, DJ de 13-5-2005.) No mesmo sentido: ADI 2.580, Rel. Min. Carlos Velloso, julgamento em 26-9-2002, Plenário, DJ de 21-2-2003; AO 185, Rel. Min. Ellen Gracie, julgamento em 17-6-2002, Plenário, DJ de 2-8-2002.

    A magistratura é organizada em carreira. A investidura se dá por meio de concurso público, com a obrigatória participação da OAB, exigência inserida no Artigo 37, II da Constituição, para todos os cargos iniciais da magistratu-ra nacional. Confira-se a decisão do STF:

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    1 Revogou e consolidou a Res nº 75/CnJ

    “Concurso para a magistratura: exigência constitucional de participação da Ordem dos Advogados do Brasil ‘em todas as suas fases’: consequente plausibi-lidade da arguição de inconstitucionalidade das normas regulamentares do cer-tame que: (a) confiaram exclusi vamente ao presidente do Tribunal de Justiça, com recurso para o Plenário deste, decidir sobre os requerimentos de inscrição; (b) predeterminaram as notas a conferir a cada cate goria de títulos: usurpação de atribuições da comissão, da qual há de participar a Ordem.” (ADI 2.210-MC, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, julgamento em 28-9-2000, Plenário, DJ de 24-5-2002.) No mesmo sentido: ADI 2.204-MC, Rel. Min. Sydney Sanches, julgamento em 8-11-2000, Plenário, DJ de 2-2-2001.

    Já para o Supremo Tribunal Federal e Tribunais Superiores, a forma de investidura é diversa, como veremos nas próximas aulas.

    Para concorrer ao cargo de magistrado, o candidato deverá preencher os seguintes requisitos:

    Nacionalidade brasileira — aqui não existe distinção entre brasileiros natos ou naturalizados, sendo vedado somente o acesso aos estrangeiros.

    Diploma de bacharel em Direito — curso de Direito em faculdade ofi-cial ou reconhecida pelo Ministério da Educação.

    Três anos de atividade jurídica — inovação trazida pela Emenda Constitu-cional nº 45. A matéria é hoje regulamentada pelo CNJ, através da Resolução 118, que alterou e consolidou a Resolução nº 75, norma reguladora anterior.

    Como a expressão “atividade jurídica” não é muito precisa, logo após a pu-blicação da Emenda, iniciou-se uma discussão a respeito de sua definição. A matéria hoje se encontra regulamentada pela citada Res. 118/2001, na forma que se coloca abaixo.

    “Art. 59. Considera-se atividade jurídica, para os efeitos do art. 58, § 1º, alínea “i”:

    I — aquela exercida com exclusividade por bacharel em Direito;II — o efetivo exercício de advocacia, inclusive voluntária, mediante a

    participação anual mínima em 5 (cinco) atos privativos de advogado (Lei nº 8.906, 4 de julho de 1994, art. 1º) em causas ou questões distintas;

    III — o exercício de cargos, empregos ou funções, inclusive de magistério superior, que exija a utilização preponderante de conhecimento jurídico;

    IV — o exercício da função de conciliador junto a tribunais judiciais, juizados especiais, varas especiais, anexos de juizados especiais ou de varas judiciais, no mínimo por 16 (dezesseis) horas mensais e durante 1 (um) ano;

    V — o exercício da atividade de mediação ou de arbitragem na com-posição de litígios.

    1. Revogou e consolidou a Res nº 75/CnJ

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    FGV DIREITO RIO 13

    2 Resolução do CnJ nº 118/2010. www.cnj.jus.br

    § 1º É vedada, para efeito de comprovação de atividade jurídica, a contagem do estágio acadêmico ou qualquer outra atividade anterior à obtenção do grau de bacharel em Direito.

    § 2º A comprovação do tempo de atividade jurídica relativamente a cargos, empregos ou funções não privativos de bacharel em Direito será realizada mediante certidão circunstanciada, expedida pelo órgão compe-tente, indicando as respectivas atribuições e a prática reiterada de atos que exijam a utilização preponderante de conhecimento jurídico, cabendo à Comissão de Concurso, em decisão fundamentada, analisar a validade do documento.”

    4 — Regularidade no serviço militar5 — Estar no gozo dos direitos políticos — comprovação por meio de

    certidão fornecida pela Justiça Eleitoral6 — Integridade física e mental — demonstrada por meio de um exame

    psicotécnico, bem como por uma entrevista pessoal com a Banca Examina-dora.

    7 — Boa conduta social — o candidato deve ter conduta ilibada pe-rante a sociedade, não podendo registrar antecedentes criminais que sejam incompatíveis com o exercício da função. Mas veja! Não se trata de qualquer antecedente. Para ser impeditivo ao cargo de juiz deve ser incompatível com as funções que um magistrado irá assumir. Assim, por exemplo, uma lesão corporal culposa no trânsito, em regra, não será causa impeditiva ao cargo.

    No que se refere ao concurso de ingresso na carreira da magistratura, o CNJ uniformizou as regras em todos os ramos do Poder Judiciário nacional.2

    A partir da nova Resolução, o concurso deverá ser realizado em cinco eta-pas, ao contrário da antiga que previa apenas quatro fases.

    Na primeira etapa, o candidato realizará uma prova objetiva seletiva, de caráter eliminatório e classificatório. Exclusivamente para a execução desta fase, os Tribunais poderão contratar os serviços de instituições especializadas.

    Para a segunda etapa, também de caráter eliminatório e classificatório, o candidato deverá responder questões discursivas e elaborar uma sentença.

    A terceira etapa é constituída de três fases de caráter apenas eliminatório: sindicância da vida pregressa e investigação social; exame de sanidade física e mental e, por último, exame psicotécnico.

    Vencidas essas três etapas, o candidato deverá ser argüido através da prova oral (quarta etapa) pela Banca do Concurso. A fim de dar maior transparência e confiabilidade a esta fase, a Resolução determinou o registro em gravação de áudio ou por qualquer outro meio que possibilite a sua posterior reprodução.

    Por fim, a quinta e última etapa, com a apresentação dos títulos que eventualmente o candidato possua, é meramente classificatória, chegando-se ao final do concurso com a classificação final. 2. Resolução do CnJ nº 118/2010.

    www.cnj.jus.br

    http://www.cnj.jus.brhttp://www.cnj.jus.brhttp://www.cnj.jus.br

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    FGV DIREITO RIO 14

    3 Artigo 93, ii, e da Constituição Federal.

    Assim, os juízes iniciam a carreira em cargos inferiores (Juiz substituto – Art 93-I da CF), com possibilidade de acesso a cargos mais elevados, segundo critérios de promoção, por antiguidade e merecimento, alternadamente, con-forme dispõe o Artigo 93, II da CF.

    Para prosseguir na carreira, haverá promoções por antiguidade e por mere-cimento, chegando ao segundo grau de jurisdição, quando passará a integrar o tribunal respectivo.

    A aferição de merecimento se dará com base no desempenho, nos critérios objetivos de produtividade e presteza no exercício da função, bem como a freqüência e aproveitamento em cursos oficiais ou reconhecidos de aperfei-çoamento.

    Exemplo disso foi a introdução pela EC nº 45 (Reforma do Judiciário), de um critério impeditivo de promoção do magistrado. Trata-se do juiz que injustificadamente retiver autos em seu poder além do prazo legal3.

    Há, também, outra forma pela qual um profissional do Direito pode vir a integrar a magistratura. Por meio do instituto jurídico denominado “Quin-to constitucional.” O quinto constitucional tem previsão na Constituição Federal e estabelece a forma de integração de advogados e membros do Mi-nistério Público aos quadros dos tribunais estaduais (Art. 94 da CF) e federais (art. 107, I; 111-A, I; 115,I; 123, Parágrafo único, I e II da CF). Em regra, a partir de uma lista tríplice encaminhada pelo próprio Tribunal, o governador do estado ou o Presidente da República escolherá um de seus integrantes para nomeação, matéria que estudaremos mais profundamente no decorrer do curso.

    4) A INDEPENDÊNCIA DO PODER JUDICIÁRIO E SUAS GARANTIAS

    Como já estudado, o objetivo inicial da clássica separação das funções do Estado e distribuição entre órgãos autônomos e independentes tem como finalidade a proteção da liberdade individual, dos direitos fundamentais e do Estado Democrático de direito.

    Para tanto, atribuiu-lhes um mecanismo de controles recíprocos, denomi-nado freios e contrapesos (checks and balances).

    A estes órgãos (Legislativo, Executivo, Judiciário) a Constituição Federal confiou parcela da autoridade soberana do Estado, garantindo-lhes autono-mia e independência.

    O legislador constituinte, no intuito de preservar este mecanismo recípro-co de controle e a perpetuidade do Estado democrático, previu, para o bom exercício das funções estatais, diversas prerrogativas, imunidades e garantias a seus agentes políticos.

    3. Artigo 93, ii, e da Constituição Federal.

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    FGV DIREITO RIO 15

    4 Artigo 93, ii, c da Constituição Federal.

    As garantias conferidas aos membros do Poder Judiciário têm, assim, o condão de conferir à instituição a necessária independência para o exercício da jurisdição.

    Podemos então dividir tais garantias, para melhor visualização e estudo, em garantias institucionais e garantias aos membros.

    Ao Poder Judiciário como instituição, a Constituição assegura a prerroga-tiva do autogoverno funcional. E em que consiste o autogoverno? Consiste na autonomia administrativa e financeira. É o exercício pelo Poder Judici-ário de atividades normativas e administrativas de auto-organização e auto--regulamentação. Compreende ainda a autonomia financeira, consistente na prerrogativa de elaboração de proposta orçamentária e na gestão das dotações pelos próprios tribunais.

    É o próprio Judiciário ainda quem organiza suas secretarias e serviços au-xiliares, elege seus órgãos diretivos e elabora seus regimentos internos, con-cede licenças, férias e afastamentos a seus membros e aos juízes e servidores, dá provimento, por concurso público, aos cargos necessários à administração da Justiça etc.

    Já as garantias conferidas aos membros do Poder Judiciário dividem-se em garantias de independência e garantias de imparcialidade.

    As primeiras se destinam a tutelar a independência do magistrado perante órgãos ou entidades estranhas ao Poder Judiciário ou até mesmo pertencentes à própria organização judiciária.

    São elas: vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade de subsídios, to-das elas disciplinadas no Artigo 95 da Constituição.

    A vitaliciedade é a impossibilidade de perda do cargo senão por sentença transitada em julgado, dentro de determinadas hipóteses previstas em lei.

    Não é possível, portanto, após o vitaliciamento, a exoneração do magistra-do de seu cargo por mero procedimento administrativo.

    Sua aquisição se dá após o chamado estágio probatório, ou seja, após dois anos de efetivo exercício da carreira, mediante aprovação no concurso de provas e títulos.

    Durante este período de prova, o magistrado deverá prestar conta de sua atuação por meio de relatórios periódicos, além das correições a que será submetido.

    A Emenda Constitucional nº 45 acrescentou mais um requisito. Trata-se da necessária participação do magistrado em cursos oficial ou reconhecido por escola nacional de formação e aperfeiçoamento de magistrados4.

    A EC 45 permitiu, entretanto, que o CNJ possa quebrar a vitaliciedade do magistrado em procedimento próprio. Portanto, a única hipótese de um magistrado vitalício perder o cargo sem processo judicial é através de proce-dimento determinado pelo CNJ.

    4. Artigo 93, ii, c da Constituição Federal.

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    FGV DIREITO RIO 16

    5 O CnJ aprovou a Resolução 34, de abril de 2007, que regulamenta a atividade de magistério pelo Magistrado. Basica-mente, veda ao magistrado o exercício de atividade de magistério ligada à gestão.

    Confira-se decisão do STF:

    “Poder Judiciário. CNJ. Competência. Magistratura. Magistrado vitalício. Cargo. Perda mediante decisão administrativa. Previsão em texto aprovado pela Câmara dos Deputados e constante do Projeto que resultou na EC 45/2004. Supressão pelo Senado Federal. Reapre ciação pela Câmara. Desnecessidade. Sub-sistência do sentido normativo do texto residual aprovado e promulgado (art. 103-B, § 4º, III). Expressão que, ademais, ofenderia o disposto no art. 95, I, parte final, da CF. Ofensa ao art. 60, § 2º, da CF. Não ocorrência. Arguição repelida. Precedentes. Não precisa ser reapreciada pela Câmara dos Deputados expressão suprimida pelo Senado Federal em texto de projeto que, na redação remanescente, aprovada de ambas as Casas do Congresso, não perdeu sentido normativo.” (ADI 3.367, Rel. Min. Cezar Peluso, julgamento em 13-4-2005, Plenário, DJ de 22-9-2006.)

    A inamovibilidade, por sua vez, consiste na impossibilidade de se remo-ver membro da instituição do órgão onde esteja lotado, sem a sua manifesta-ção voluntária.

    A inamovibilidade não sofre exceção sequer em caso de promoção, que não pode ocorrer sem a aquiescência do magistrado. Em caso de interesse público, porém, reconhecido pelo voto da maioria absoluta do Tribunal ou do Conselho Nacional de Justiça, dispensa-se essa anuência.

    Por fim, a irredutibilidade de subsídios emerge da necessidade de se garantir ao juiz, para o bom desempenho de suas relevantes funções institu-cionais, imunidade a eventuais retaliações dos governantes no que concerne à diminuição de sua remuneração.

    Ressalte-se, porém, que tal garantia não é impeditiva da incidência de quaisquer tributos sobre os vencimentos dos juízes.

    As garantias de imparcialidade são impedimentos constitucionais dos juízes que consistem em vedações que visam a dar-lhes melhores condições de imparcialidade, representando, assim, uma garantia para os litigantes.

    O juiz é impedido, consoante o Artigo 95, parágrafo único da CF, de:

    “I — exercer, ainda que em disponibilidade, outro cargo ou fun-ção, salvo uma de magistério;5

    II — receber, a qualquer título ou pretexto, custas ou participa-ção em processo;

    III — dedicar-se à atividade político-partidária.IV — receber, a qualquer título ou pretexto, auxílios ou contri-

    buições de pessoas físicas, entidades públicas ou privadas, ressalva-das as exceções previstas em lei;

    5. O CnJ aprovou a Resolução 34, de abril de 2007, que regulamenta a atividade de magistério pelo Magistra-do. Basicamente, veda ao magistrado o exercício de atividade de magistério ligada à gestão.

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    FGV DIREITO RIO 17

    6 Artigo 95, parágrafo único da Consti-tuição Federal.

    7 Artigo 128, §6º da Constituição Fe-deral.

    8 TAVARES, André Ramos. Reforma do Judiciário no Brasil Pós-88. Saraiva, 2005, p.86.

    V — exercer a advocacia no juízo ou tribunal do qual se afastou, antes de decorridos três anos do afastamento do cargo por aposenta-doria ou exoneração.6”

    Este inciso V é mais uma inovação trazida pela Reforma do Judiciário — EC nº 45. Trata-se da quarentena, imposta aos juízes e membros do Minis-tério Público7.

    A finalidade da norma é preservar a imparcialidade-neutralidade dos juízes e tribunais nos quais o ex-juiz ou ex-promotor tenha atuado. O trabalho, como é sabido, cria laços de amizade e companheirismo entre colegas da pro-fissão. Surge daí a necessidade de se evitar o tráfico de influência que poderia ocorrer nestes casos.

    Parte dos estudiosos festeja a inovação, sendo um dos reclamos atendidos pelo constituinte derivado, como garantia de uma maior imparcialidade nas decisões do Poder Judiciário.

    Outros, porém, criticam a forma como isto restou estipulado:

    “A norma não se apresenta apta a inibir o exercício da advo-cacia nos termos estipulados, vez que juízes e promotores poderão utilizar-se de outras pessoas para atuarem em seu nome. Ademais, não será pelo mero decurso do período de três anos (prazo temporal desacompanhado de qualquer outra exigência mais firme) que os possíveis laços de amizade e influência de um magistrado desapare-cerão. Pelo contrário, o comum é que a mera passagem do tempo os fortaleça, se já existiam realmente. Se não existiam, o problema não se põe e a restrição é inadmissível. Assim, a medida não se mostra eficaz na prática.

    Há um pressuposto sinistro, além disso, de que juízes e promoto-res, que até então eram responsáveis pela prestação da Justiça, no dia seguinte passariam a adotar atitudes imorais e desonestas, para atender a interesses pessoais escusos.

    Por fim, impedir pura e simplesmente, o exercício da advocacia, por juízes ou promotores que se aposentaram ou foram exonerados, significa restringir direitos individuais, o que só tem sentido se for para salvaguardar o interesse público, o que não parece ser facil-mente demonstrável no caso em tela.8”

    A OAB deverá passar a averiguar e controlar o triênio na atribuição da carteira funcional aos ex-integrantes do Judiciário e Ministério Público.

    Outro impedimento, previsto na LOMAN, veda ao magistrado se “ma-nifestar, por qualquer meio de comunicação, opinião sobre processo pendente de julgamento, seu ou de outrem, ou juízo depreciativo sobre despachos, votos ou

    6. Artigo 95, parágrafo único da Constituição Federal.

    7. Artigo 128, §6º da Constituição Federal.

    8. TAVARES, André Ramos. Reforma do Judiciário no Brasil Pós-88. Saraiva, 2005, p.86.

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    FGV DIREITO RIO 18

    9 Artigo 36, iii da Lei Complementar 35/79.

    sentenças, de órgãos judiciais, ressalvada a crítica nos autos e em obras técnicas ou no exercício do magistério.9”

    Veja o que decidiu o STF sobre o assunto:

    “O magistrado é inviolável pelas opiniões que expressar ou pelo con-teúdo das decisões que proferir, não podendo ser punido nem preju-dicado em razão de tais pronunciamentos. É necessário, contudo, que esse discurso judiciário, manifestado no julgamento da causa, seja com-patível com o usus fori e que, desprovido de intuito ofensivo, guarde, ainda, com o objeto do litígio, indissociável nexo de causalidade e de pertinência. A ratio subjacente à norma inscrita no art. 41 da Loman decorre da necessidade de proteger os magistrados no desempenho de sua atividade funcional, assegurando-lhes condições para o exercício independente da jurisdição. É que a independência judicial constitui exigência política destinada a conferir, ao magistrado, plena liberda-de decisória no julgamento das causas a ele submetidas, em ordem a permitir-lhe o desempenho autônomo do officium judicis, sem o temor de sofrer, por efeito de sua prática profissional, abusivas instaurações de procedimentos penais ou civis.” (Inq 2.699-QO, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 12-3-2009, Plenário, DJE de 8-5-2009.)

    Acerca das vedações, destaque-se que o CNJ, através da Resolução n. 10/2005, proibiu o exercício pelo magistrado de funções nos Tribunais de Justiça Desportiva e em Comissões Disciplinares. Visa-se com todas estas vedações obter a dedicação exclusiva do magistrado às suas funções constitu-cionais. Veja decisão do STF sobre o tema:

    “Mandado de segurança. Resolução 10/2005 do CNJ. Vedação ao exercício de funções, por parte dos magistrados, em tribunais de justi-ça desportiva e suas comissões disciplina res. Estabelecimento de prazo para desligamento. Norma proibitiva de efeitos concretos.

    1166.Inaplicabilidade da Súmula 266/STF. Impossibilidade de acu-mulação do cargo de juiz com qualquer outro, exceto o de magistério. A proibição jurídica é sempre uma ordem, que há de ser cumprida sem que qualquer outro provimento administrativo tenha de ser praticado. O efeito proibitivo da conduta – acumulação do cargo de integrante do Poder Judiciário com outro, mesmo sendo este o da Justiça Desportiva – dá-se a partir da vigência da ordem e impede que o ato de acumula-ção seja tolerado. A Resolução 10/2005, do CNJ, consubstancia nor-ma proibitiva, que incide, direta e imediatamente, no patrimônio dos bens juridicamente tutelados dos magistrados que desempenham fun-ções na Justiça Desportiva e é caracteri zada pela autoexecutoriedade, prescindindo da prática de qualquer outro ato administrativo para que 9. Artigo 36, iii da Lei Complemen-

    tar 35/79.

    http://1166.Inaplicabilidade

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    FGV DIREITO RIO 19

    as suas determinações operem efeitos imediatos na condição jurídico--funcional dos impetrantes. Inaplicabilidade da Súmula 266 do STF. As vedações formais impostas constitucionalmente aos magistrados ob-jetivam, de um lado, proteger o próprio Poder Judi ciário, de modo que seus integrantes sejam dotados de condições de total independência e, de outra parte, garantir que os juízes dediquem-se, integralmente, às funções inerentes ao cargo, proibindo que a dispersão com outras atividades deixe em menor valia e cuidado o desempenho da atividade jurisdicional, que é função essencial do Estado e direito funda mental do jurisdicionado. O art. 95, parágrafo único, I, da CR vinculou-se a uma proibição geral de acumulação do cargo de juiz com qualquer outro, de qualquer natureza ou feição, salvo uma de magistério.” (MS 25.938, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgamento em 24-4-2008, Plená-rio, DJE de 12-9-2008.)

    O quadro abaixo é elucidativo:

    Garantias

    Da instituição Autogoverno— Autonomia funcional— Autonomia administrativa— Autonomia financeira

    Dos membros

    Garantias deindependência

    — Vitaliciedade— Inamovibilidade— Irredutibilidade de subsídios

    Garantias de imparcialidade

    (vedações)

    — exercício de outro cargo ou função, salvo uma de magistério;

    — recebimento de custas e participações em pro-cessos;

    — dedicar-se à atividade político-partidária;— receber, a qualquer título ou pretexto, auxílios ou

    contribuições de pessoas físicas, entidades públi-cas ou privadas, ressalvadas as exceções previstas em lei;

    — exercer a advocacia no juízo ou tribunal do qual se afastou, antes de decorridos três anos do afasta-mento do cargo por aposentadoria ou exoneração;

    — manifestar-se, por qualquer meio de comunica-ção, opinião sobre processo pendente de julga-mento, seu ou de outrem, ou juízo depreciativo sobre despachos, votos ou sentenças, de órgãos judiciais, ressalvada a crítica nos autos e em obras técnicas ou no exercício do magistério.

    — exercer funções nos Tribunais de Justiça Desporti-va e em Comissões Disciplinares

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    FGV DIREITO RIO 20

    Finalmente, cabe ressalvar que os magistrados, face ao regime jurídico es-pecial que possuem, têm ainda prerrogativas e deveres previstos na LOMAN, onde se destacam:

    Prerrogativas do Magistrado

    “Art. 33 — São prerrogativas do magistrado:I — ser ouvido como testemunha em dia, hora e local previamente ajus-

    tados com a autoridade ou Juiz de instância igual ou inferior;II — não ser preso senão por ordem escrita do Tribunal ou do órgão es-

    pecial competente para o julgamento, salvo em flagrante de crime inafian-çável, caso em que a autoridade fará imediata comunicação e apresentação do magistrado ao Presidente do Tribunal a que esteja vinculado (vetado);

    III — ser recolhido a prisão especial, ou a sala especial de Estado-Maior, por ordem e à disposição do Tribunal ou do órgão especial competente, quando sujeito à prisão antes do julgamento final;

    IV — não estar sujeito à notificação ou à intimação para compareci-mento, salvo se expedida por autoridade judicial;

    V — portar arma de defesa pessoal.Parágrafo único — Quando, no curso de investigação, houver indício

    da prática de crime por parte do magistrado, a autoridade policial, civil ou militar, remeterá os respectivos autos ao Tribunal ou órgão especial compe-tente para o julgamento, a fim de que prossiga na investigação.

    Deveres do Magistrado

    “Art. 35 — São deveres do magistrado:I — Cumprir e fazer cumprir, com independência, serenidade e exati-

    dão, as disposições legais e os atos de ofício;II — não exceder injustificadamente os prazos para sentenciar ou des-

    pachar;III — determinar as providências necessárias para que os atos processu-

    ais se realizem nos prazos legais;IV — tratar com urbanidade as partes, os membros do Ministério Pú-

    blico, os advogados, as testemunhas, os funcionários e auxiliares da Justiça, e atender aos que o procurarem, a qualquer momento, quanto se trate de providência que reclame e possibilite solução de urgência.

    V — residir na sede da Comarca salvo autorização do órgão disciplinar a que estiver subordinado;

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    FGV DIREITO RIO 21

    VI — comparecer pontualmente à hora de iniciar-se o expediente ou a sessão, e não se ausentar injustificadamente antes de seu término;

    VIl — exercer assídua fiscalização sobre os subordinados, especialmente no que se refere à cobrança de custas e emolumentos, embora não haja re-clamação das partes;

    VIII — manter conduta irrepreensível na vida pública e particular.”

    Todas estas garantias e deveres, que constituem uma “blindagem” para o exer-cício pleno das atividades da magistratura, são imprescindíveis à democracia, à perpetuidade da separação dos poderes e ao respeito aos direitos fundamentais, configurando suas ausências, supressões ou mesmo reduções, obstáculos incons-titucionais ao Poder Judiciário, no exercício do seu mister constitucional.

    Em outubro de 2007, a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal decidiu afetar ao Plenário o julgamento do recurso extraordinário em que se discute se o foro especial por prerrogativa de função estende-se ou não àque-les que se aposentam em cargos cujos ocupantes ostentam tal prerrogativa.

    “Juiz Aposentado: Vitaliciedade e Prerrogativa de ForoA Turma, em questão de ordem, decidiu, por maioria, afetar ao Plenário

    julgamento de recurso extraordinário em que se discute se o foro especial por prerrogativa de função estende-se ou não àqueles que se aposentam em cargos cujos ocupantes ostentam tal prerrogativa. Trata-se, na espécie, de agravo de instrumento convertido em recurso extraordinário criminal interposto, por desembargador aposentado, contra decisão da Corte Especial do STJ que de-clinara de sua competência, em ação penal contra ele instaurada, ao fun-damento de que, em decorrência de sua aposentadoria, não teria direito à prerrogativa de foro pelo encerramento definitivo da função. O ora recorrente sustenta a incidência do art. 95, I, da CF, assegurador da vitaliciedade aos magistrados, sob a alegação de que esta somente poderia ser afastada por sen-tença judicial transitada em julgado, na qual consignada a perda do cargo. Alega, ainda, que a correta leitura do art. 105, I, a, da CF, incluiria também os desembargadores aposentados, uma vez que interpretação diversa desse dis-positivo o colocaria em situação inusitada, pois, o submeteria, na qualidade de ex-presidente e ex-corregedor-geral, a juiz que eventualmente tenha recebi-do alguma sanção disciplinar. Por fim, pleiteia o reconhecimento da negativa de vigência aos artigos 5º, XXXV, LIV, LV, e § 2º e 93, IX, ambos da CF e, alternativamente, requer sejam tidos como transgredidos os artigos 94, I e 105, I, da CF. Vencidos, quanto ao deslocamento, os Ministros Carlos Britto e Cármen Lúcia que, tendo em conta a existência de precedentes da Corte, consideravam que a matéria poderia ser decidida pela própria Turma. RE 549560/CE, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 23.10.2007. (RE-549560)”

    Informativo nº 485 do STF — de 22 a 26 de outubro de 2007.

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    FGV DIREITO RIO 22

    Quanto aos Juízes de primeiro grau que são convocados pelos Tribunais de Justiça para exercer a função de desembargador, o Superior Tribunal de Jus-tiça já decidiu que eles não possuem a prerrogativa de foro prevista no artigo 105 da Constituição Federal. A prerrogativa é vinculada ao cargo e não ao eventual exercício da função em substituição:

    “PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL. JUÍZA DE 1º GRAU EM SUBSTITUIÇÃO NO TRIBUNAL DE JUSTIÇA. AU-SÊNCIA DE PRERROGATIVA DE FORO. AGRAVO IMPROVIDO.

    1. Os Juízes de 1º grau em substituição nos Tribunais de Justiça não possuem a prerrogativa de foro assegurada pelo art. 105, inciso I, da Cons-tituição da República.

    2. Agravo regimental improvido.”(AgRg na Representação nº 368 — BA (2007/0195172-5), Relator

    Ministro Arnaldo Esteves Lima. Acórdão publicado em 15/05/2008)

    CASO DE SEDIMENTAÇÃO 1:

    Magistrado tem que se explicar em CPI?Após ter estudado bastante para seu concurso público, relembrando todo o

    material da graduação da FGV, você se encontra no exercício da magistratura federal. Recentemente, atuou em processo rumoroso, que lhe rendeu bastante tra-balho, tendo proferido 20 laudas de decisão para o deferimento de liminar em favor da Empresa X, a qual litigava contra a Caixa Econômica Federal acerca de expressivo numerário que teria sido irregularmente utilizado por esta estatal com violação a direitos contratuais da Empresa X. Passados dois meses do deferimento da liminar, eis que surge uma correspondência do Senado Federal em seu gabi-nete, convocando-o a “prestar esclarecimentos perante a Comissão Parlamentar de Inquérito dos Bingos”, tendo em vista ter você proferido decisão contra a CEF, em favor da Empresa X, ambas sob investigação da CPI. Está você obrigado a comparecer?Está obrigado a prestar esclarecimentos acerca de sua decisão? Em caso de respostas negativas, o que você poderia fazer?

    Leitura obrigatória:

    HC 86581/DF. Rel. Min. Ellen Gracie, 23/2/2006, disponível no sítio eletrônico do Supremo Tribunal Federal

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    FGV DIREITO RIO 23

    10 Disponíveis para consulta no link http://www.cnj.jus.br/relatorios

    11 Um exemplo disso é a Emenda Cons-titucional n. 50, que se originou da PEC 347/96, e que o CnJ pediu, em seu re-latório de 2005 a prioridade do Poder Legislativo para a sua aprovação (ver página 94 do relatório).

    5) O CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA

    Após a análise sobre o Poder Judiciário e a necessidade de sua imparcia-lidade e independência, convém tratarmos da legitimidade de um controle externo sobre suas atividades.

    A Emenda Constitucional nº 45, de 30 de dezembro de 2004, denomi-nada Reforma do Judiciário, estabeleceu, como órgão do Poder Judiciário, o Conselho Nacional de Justiça. Trata-se da implementação do controle exter-no da administração da Justiça em nosso ordenamento, como ocorre já de há muito tempo em alguns países da Europa.

    Diversas motivações nortearam o Congresso Nacional. Uma delas, de grande apelo popular, dizia respeito à moralidade administrativa, sacrificada por atos de nepotismo, falta de concursos públicos para contratação de asses-sores e abuso de poder encontráveis, em maior ou menor grau, na magistra-tura estadual e federal.

    As questões levantadas são tipicamente de administração da Justiça, en-contrando no âmbito do Conselho recém criado um foro adequado para a sua discussão ampla.

    Por isso, a competência do Conselho para o controle do cumprimento dos deveres funcionais de juízes. Está previsto ainda o controle da atuação admi-nistrativa e financeira, com a conseqüente elaboração anual de relatório10, propondo as providências necessárias sobre a situação do Poder Judiciário no país e da prestação do serviço jurisdicional, sugerindo, inclusive, alterações nas legislações e na própria Constituição11. Controle de atuação administra-tiva e financeira significam uma avaliação do serviço prestado. O sistema de Justiça e subsistemas que o integram são considerados atualmente não sim-plesmente como o exercício de uma potestade pública, mas como serviços públicos, suscetíveis de serem organizados, dirigidos e avaliados da mesma maneira como podem sê-lo a saúde, a educação, o transporte etc. A transpa-rência é essencial. Esta competência teve como motivação a necessidade de o Estado brasileiro oferecer às cidadãs e cidadãos do país uma administração de Justiça ágil, transparente e eficaz para a proteção dos direitos e reparação das violações.

    Neste cenário, foi criado o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), órgão integrante do Poder Judiciário brasileiro, com atuação em todo o territó-rio nacional, instalado em 14 de junho de 2005, com sede em Brasília, e composto pelo Presidente do Supremo Tribunal Federal e mais 14 membros nomeados pelo presidente da República, depois de aprovada a escolha pela maioria absoluta do Senado Federal, para um mandato de dois anos, admiti-da uma recondução. Em sua maioria (nove integrantes), o CNJ é composto por membros do próprio Poder Judiciário e pode ser dividido da seguinte forma:

    10. Disponíveis para consulta no link http://www.cnj.jus.br/relatorios

    11. Um exemplo disso é a Emenda Constitucional n. 50, que se originou da PEC 347/96, e que o CnJ pediu, em seu relatório de 2005 a prioridade do Poder Legislativo para a sua aprovação (ver página 94 do relatório).

    http://www.cnj.jus.br/relatorioshttp://www.cnj.jus.br/relatorios

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    FGV DIREITO RIO 24

    (a) Membros do Judiciário (9):

    — o Presidente do Supremo Tribunal Federal;— um ministro do Superior Tribunal de Justiça, indicado pelo respec-

    tivo tribunal;— um ministro do Tribunal Superior do Trabalho, indicado pelo res-

    pectivo tribunal;— um desembargador de Tribunal de Justiça, indicado pelo Supremo

    Tribunal Federal;— um juiz estadual, indicado pelo Supremo Tribunal Federal;— um juiz de Tribunal Regional Federal, indicado pelo Superior Tribu-

    nal de Justiça;— um juiz federal, indicado pelo Superior Tribunal de Justiça;— um juiz de Tribunal Regional do Trabalho, indicado pelo Tribunal

    Superior do Trabalho;— um juiz do trabalho, indicado pelo Tribunal Superior do Trabalho;

    (b) Membros das Funções essenciais à Justiça (4):

    Ministério Público (2):— um membro do Ministério Público da União, indicado pelo procu-

    rador-geral da República;— um membro do Ministério Público estadual, escolhido pelo pro-

    curador-geral da República dentre os nomes indicados pelo órgão competente de cada instituição estadual;

    Advocacia (2):— dois advogados, indicados pelo Conselho Federal da Ordem dos

    Advogados do Brasil;

    (c) Membros da sociedade escolhidos pelo Legislativo (2):

    — dois cidadãos, de notável saber jurídico e reputação ilibada, indica-dos um pela Câmara dos Deputados e outro pelo Senado Federal.

    Cabe destacar que, com a alteração promovida pela Emenda Constitucional nº 61/2009, caberá ao Presidente do STF presidir o Conselho Nacional de Justiça e, nas suas ausências e impedimentos, caberá ao Vice-Presidente do STF.

    Para o Supremo Tribunal Federal, “a existência, no Conselho de membros alheios ao corpo da magistratura, além de viabilizar a erradicação do corporati-

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    FGV DIREITO RIO 25

    12 Ministro nelson Jobim, então Minis-tro do STF, em artigo “Judiciário: Cons-truindo um novo modelo; in “A reforma do Poder Judiciário no Estado do Rio de Janeiro. Fundação getúlio Vargas-Rio de Janeiro, 2005.

    vismo, estende uma ponte entre o Judiciário e a sociedade, permitindo a oxigena-ção da estrutura burocrática do Poder e a resposta a críticas severas” (STF — Ple-no — ADIN nº 3.367/DF — Rel. Min. César Peluso, decisão: 13-4-2005).

    Doutrina e jurisprudência muito divergiam a respeito da constitucionali-dade da criação deste controle externo. A discussão passava principalmente por dois pontos: a independência dos poderes (Art. 2º da CF) e a vulneração das cláusulas pétreas (Art. 60,§ 4º da CF).

    Pense, medite e responda:Viola a criação do CNJ a independência entre os poderes e as cláusulas

    pétreas?Até que ponto a criação desse órgão controlador não iria ferir a inde-

    pendência dos poderes, tão preservada em nossa Constituição e que veio inclusive coberta pelo manto da imutabilidade das cláusulas pétreas?

    Ocorre que, como é cediço, as estruturas do Poder — Legislativo, Execu-tivo e Judiciário — vêm sofrendo um grande desgaste nas últimas décadas. Questões relevantes precisam ser discutidas para a reestruturação do Estado e dos poderes públicos. O Parlamento não mais, necessariamente, reflete a vontade popular, havendo necessidade de uma ampla reforma política, prin-cipalmente no tocante ao sistema eleitoral.

    No campo do Poder Executivo, problemas semelhantes se apresentam. A transformação do Estado Liberal para o Estado do Bem-Estar Social mudou completamente a relação Executivo — Sociedade. São as privatizações, as agên-cias reguladoras, a ingerência cada vez maior do Estado na vida do particular...

    Da mesma forma, é inegável também a crise no Judiciário brasileiro. O nosso Judiciário é considerado lento, ineficaz e caro. O Judiciário tornou-se protagonista de uma série de conflitos, mas não vem sendo capaz de dar as tão almejadas respostas à sociedade.

    QUAIS AS CAUSAS PARA ESTA CRISE DO JUDICIÁRIO?

    Para o STF, as causas são muitas, mas especialmente:— A criação dos Juizados Especiais na Justiça Estadual, em 1995,

    e na Justiça Federal, em 2002, que elevou significativamente o acesso à Justiça;

    — A intensa judicialização das denominadas lesões de massa, como por exemplo, as questões decorrentes dos planos econômicos;

    — O aumento da criminalidade organizada;— O aumento do controle de constitucionalidade, tanto a nível

    concentrado quanto a nível difuso.1212. Ministro nelson Jobim, então Ministro do STF, em artigo “Judiciário: Construindo um novo modelo; in “A reforma do Poder Judiciário no Estado do Rio de Janeiro. Fundação getúlio Vargas-Rio de Janeiro, 2005.

    http://3.367/DF

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    FGV DIREITO RIO 26

    Uma das soluções encontradas para se acabar com a crise no Judiciário foi a sua Reforma, ocorrida em 2004, com a EC nº 45, que criou o então órgão de controle externo, denominado Conselho Nacional de Justiça.

    Tal criação já foi objeto de Ação de Declaração de Inconstitucionalidade, ADIN nº 3367, julgada em abril de 2005, tendo como relator o ministro Ce-zar Peluso, tendo sido reconhecida a constitucionalidade do Conselho Nacio-nal de Justiça.

    Trata-se de um órgão cuja natureza é meramente administrativa. Órgão interno do Poder Judiciário de controle administrativo, financeiro e disci-plinar da magistratura. Não há infringência nas funções típicas do Judici-ário. Preserva-se a imparcialidade e a independência do magistrado, apesar do mesmo passar a se submeter a um controle administrativo externo por parte do CNJ. Esta decisão inova não somente em relação ao CNJ, cuja constitucionalidade foi declarada, mas também reforça e centraliza na força do Supremo Tribunal Federal todo o ordenamento jurídico-constitucional brasileiro. Torna o STF não só a cúpula jurisdicional do Poder Judiciário brasileiro, como já tradicionalmente estabelecido, como também, a partir da EC nº 45/04, sua cúpula administrativa, financeira e disciplinar, pois todas as decisões do CNJ sobre o controle da atuação administrativa e financeira dos tribunais e sobre a atuação funcional dos magistrados serão passíveis de controle jurisdicional pelo STF, que fixará o último posicionamento. Leia a seguir o trecho da decisão acerca deste ponto:

    “(...) 4. PODER JUDICIÁRIO. Conselho Nacional de Justiça. Órgão de natureza exclusivamente administrativa. Atribuições de controle da atividade administrativa, financeira e disciplinar da magistratura. Competência relativa apenas aos órgãos e juízes si-tuados, hierarquicamente, abaixo do Supremo Tribunal Federal. Preeminência deste, como órgão máximo do Poder Judiciário, sobre o Conselho, cujos atos e decisões estão sujeitos a seu controle jurisdi-cional. Inteligência dos art. 102, caput, inc. I, letra “r”, e § 4º, da CF. O Conselho Nacional de Justiça não tem nenhuma competência sobre o Supremo Tribunal Federal e seus ministros, sendo esse o ór-gão máximo do Poder Judiciário nacional, a que aquele está sujeito. (...)”

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    FGV DIREITO RIO 27

    Seria constitucional um Estado da Federação criar um órgão similar ao CNJ no âmbito estadual?

    O Supremo Tribunal Federal também já teve a oportunidade de solucionar tal questão, na mesma ADIN, nos seguintes termos:

    “(...) 3. PODER JUDICIÁRIO. Caráter nacional. Regime or-gânico unitário. Controle administrativo, financeiro e discipli-nar. Órgão interno ou externo. Conselho de Justiça. Criação por Estado membro. Inadmissibilidade. Falta de competência consti-tucional. Os Estados membros carecem de competência constitu-cional para instituir, como órgão interno ou externo do Judiciá-rio, conselho destinado ao controle da atividade administrativa, financeira ou disciplinar da respectiva Justiça.(...)”

    Como já ressaltado acima, a jurisdição é una. Como expressão do poder estatal, ela é eminentemente nacional e não comporta divi-sões. Desta forma, como bem assinalou o STF, o Poder Judiciário é nacional e seu regime orgânico é unitário, não comportando a insti-tuição de novos órgãos controladores em âmbito estadual.

    Desta forma, três são os pontos caracterizadores do CNJ que afastam a possibilidade de declaração de sua inconstitucionalidade sob alegação de in-terferência na separação de Poderes:

    é órgão integrante do Poder Judiciário;sua composição apresenta maioria absoluta de membros do Poder

    Judiciário;eexiste possibilidade de controle de seus atos pelo órgão da cúpula do Poder

    Judiciário, o Supremo Tribunal Federal.Resta, portanto, agora, saber quais são as tão discutidas atribuições do

    CNJ.A Constituição Federal trouxe, em seu Artigo 103-B, § 4º, um rol exem-

    plificativo das mais importantes atribuições do CNJ. Passam elas pelo con-trole da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário e do cumpri-mento dos deveres funcionais dos juízes.

    Veja uma decisão do STF acerca do tema:

    “O CNJ, embora integrando a estrutura constitucional do Poder Judiciário como órgão interno de controle administrativo, financeiro e disciplinar da magistratura — excluídos, no entanto, do alcance de referida competência, o próprio STF e seus ministros (ADI 3.367/DF) —, qualifica-se como instituição de caráter eminentemente adminis-

    http://3.367/DF

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    FGV DIREITO RIO 28

    trativo, não dispondo de atribuições funcionais que lhe permitam, quer colegialmente, quer mediante atuação monocrática de seus conselhei-ros ou, ainda, do corregedor nacional de justiça, fiscalizar, reexaminar e suspender os efeitos decorrentes de atos de conteúdo jurisdicional emanados de magistrados e tribunais em geral, razão pela qual se mos-tra arbitrária e destituída de legitimidade jurídico-constitucional a de-liberação do corregedor nacional de justiça que,

    1419 Art. 103-B, § 4º, II agindo ultra vires, paralise a eficácia de de-cisão que tenha concedido mandado de segurança.” (MS 28.611-MC--AgR, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 14-10-2010, Plená-rio, DJE de 1º-4-2011.) No mesmo sentido: MS 28.598-MC-AgR, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 14-10-2010, Plenário, DJE de 9-2-2011; MS 27.148-AgR, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 11-5-2011, Plenário, DJE de 25-5-2011.

    Para uma maior aproximação do Conselho Nacional de Justiça com a sociedade, garantindo maior efetividade na sua atuação, a EC nº 45/2004 previu ainda no Art. 103-B, §7º, a criação de Ouvidorias de Justiças, com competência para receber reclamações e denúncias de qualquer interessado contra membros ou órgãos do Poder Judiciário, ou contra seus serviços auxi-liares, representando diretamente ao CNJ.

    Questão que tem encontrado grande divergência jurisprudencial e doutriná-ria diz respeito aos limites do poder normativo do CNJ. A Reforma do Judiciá-rio lhe conferiu a importante atribuição de zelar pela autonomia do Poder Judi-ciário e pelo cumprimento do Estatuto da Magistratura, podendo expedir atos regulamentares, no âmbito de sua competência, ou recomendar providências.

    Há que se explicitar qual o real objetivo do constituinte ao conferir tal poder regulamentar ao CNJ. Seria um grande equívoco imaginar que a so-ciedade tivesse conferido ao CNJ o poder de, mediante resoluções, substituir a vontade geral do povo, ou seja, substituir o Poder Legislativo. Da mes-ma forma, seria errôneo o entendimento de que o CNJ poderia substituir o próprio Poder Judiciário, por meio de concessão de medidas liminares, por exemplo, de caráter jurisdicional. Não pode o CNJ romper com os princípios da reserva da lei e da reserva de jurisdição. O poder de expedir atos regulamen-tares tem um objetivo específico, qual seja, o controle administrativo. Aliás, essa é a ratio essendi da criação do CNJ. Tratando-se de atos de fiscalização administrativa, apenas podem dizer respeito à situações concretas. Essa é a distinção. A matéria reservada à lei, geral e abstrata, diz respeito a previsão de comportamentos futuros. Já a matéria reservada aos atos regulamentares do CNJ diz respeito as diversas situações que surjam da atividade concreta dos juízes, exercendo o CNJ um controle destas. São dois os limites, portanto:

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    FGV DIREITO RIO 29

    não pode expedir atos regulamentares com caráter geral de abstrato, em face da reserva de lei; e

    não pode se ingerir nos direitos e garantias fundamentais dos cidadãos, face a cláusula de proibição de restrição a direitos e garantias fundamentais, que se sustenta na reserva de lei.

    Desta forma, os atos regulamentadores do CNJ esbarram assim na im-possibilidade de inovar e na impossibilidade de restringir direitos e garantias pessoais, funcionais e institucionais. Deve-se restringir, portanto, a emitir atos regulamentares de carárter fiscalizatório, porém, somente em sede ad-ministrativa.

    Pode o CNJ, por meio de um Procedimento Administrativo, anular concurso público para Juiz de Direito substituto? E mais, poderia fazê-lo ex officio?

    Sim, tendo em vista a previsão contida nos artigos 91 e 93 do novo Regimento Interno do CNJ.

    Art. 91. O controle dos atos administrativos praticados por mem-bros ou órgãos do Poder Judiciário será exercido pelo Plenário do CNJ, de ofício ou mediante provocação, sempre que restarem contrariados os princípios estabelecidos no art. 37 da Constituição, especialmente os de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, sem prejuízo da competência do Tribunal de Contas da União e dos Tribunais de Contas dos Estados.

    Art. 93. A instauração de ofício do procedimento de controle admi-nistrativo poderá ser determinada pelo Plenário, mediante proposição de Conselheiro, do Procurador-Geral da República ou do Presidente do Conselho Federal da OAB.

    cargo público, tal exigência dependerá de expressa previsão legal, em razão do princípio da legalidade. Foi com base nestes dois artigos, que o Plenário do STF, por unanimidade de votos, negou o Mandado de Segurança 26163-DF impetrado contra decisão do CNJ que anulou, de ofício, o VII Concurso Público para a Magistratura do Amapá.

    Outra decisão importante do CNJ, a respeito do concurso público, foi a proferida no PCA (Procedimento de Controle Administrativo) nº 347 com relação ao concurso para ingresso na magistratura no Estado de São Paulo, que limitava a participação no certame somente àqueles que haviam comple-tado 45 anos de idade no último dia da inscrição.

    O Plenário do CNJ, por unanimidade, afastou tal dispositivo do edital de abertura do concurso por considerar que a limitação de idade não coaduna

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    FGV DIREITO RIO 30

    com a interpretação sistêmica do ordenamento jurídico pátrio, além de repre-sentar afronta aos princípios da isonomia, da razoabilidade e da legalidade.

    Considerou-se a proibição constitucional de qualquer discriminação em ra-zão da idade, notadamente no que se refere à inserção dos indivíduos no mer-cado de trabalho. Sendo assim, a legislação ordinária ou os editais de concursos públicos só fixar limites etários para ingresso no serviço público quando a na-tureza do cargo o exigir (art. 39, § 3º, CF). E que, ainda que possível em de-terminados casos a estipulação de idade mínima ou máxima para ingresso em

    Cumpre-nos ressaltar, porém, que o Supremo Tribunal Federal, apesar da criação do Conselho Nacional de Justiça como órgão integrante do Poder Judiciário Brasileiro, continua sendo a Corte máxima deste Poder, sendo o órgão legitimado para o julgamento de questões que envolvam decisões to-madas pelo CNJ ou regulamentos por este expedidos.

    DEBATES: ATIVISMO JUDICIAL E JUDICIALIZAÇÃO DA POLÍTICA.

    JURISPRUDÊNCIA

    Poder Judiciário

    Art. 93, XI, da CF: Tribunal Pleno e Órgão Especial — 1O Tribunal iniciou julgamento de liminar em mandado de segurança im-

    petrado por desembargadores do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo — TJSP contra decisão do Conselho Nacional de Justiça — CNJ que defe-rira, em parte, medida liminar em procedimento de controle administrativo — PCA para anular a expressão “a ser submetida à apreciação do Tribunal Ple-no”, contida no art. 1º e todo o art. 5º da Portaria 7.348/2006 do Presiden-te do TJSP, bem como para cassar todas as deliberações administrativas ou normativas do Tribunal Pleno que usurparam atribuições do Órgão Especial, em violação do Enunciado Administrativo 2 do CNJ e das Constituições Es-tadual e Federal. Entendera o voto condutor da decisão do CNJ que, criado o Órgão Especial, passariam automaticamente para a sua competência todas as atribuições administrativas e jurisdicionais que eram do Pleno, exceto a eletiva. Na espécie, diante da extinção dos Tribunais de Alçada paulistas (EC 45/2004, art. 4º), o Presidente do TJSP convocara o Plenário para deliberar sobre as competências a delegar ao seu Órgão Especial, haja vista o dispos-to no novo inciso XI do art. 93 da CF, o que resultara no requerimento de instauração do aludido PCA, ao CNJ, por integrantes do Órgão Especial, visando manter a supremacia jurisdicional e administrativa deste (CF, art. 93: “XI — nos tribunais com número superior a vinte e cinco julgadores, pode-

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    FGV DIREITO RIO 31

    rá ser constituído órgão especial, com o mínimo de onze e o máximo de vinte e cinco membros, para o exercício das atribuições administrativas e jurisdicionais delegadas da competência do tribunal pleno, provendo-se metade das vagas por antigüidade e a outra metade por eleição pelo tribunal pleno;”).

    MS 26411/DF, rel. Min. Sepúlveda Pertence, 22.3.2007. (MS-26411) — Informativo 460

    Art. 93, XI, da CF: Tribunal Pleno e Órgão Especial — 2Inicialmente, o Tribunal, por maioria, em questão de ordem, admitiu que o

    pedido liminar fosse submetido ao Pleno pelo relator. Vencido, no ponto, o Min. Marco Aurélio que considerava caber ao próprio relator definir a procedência ou não do pedido de concessão de liminar, tendo em conta o disposto na Lei 1.533/51 e no Regimento Interno do STF, bem como o Enunciado da Súmula 622 do STF (“Não cabe agravo regimental contra decisão do relator que concede ou indefere liminar em mandado de segurança”). Em seguida, afirmou-se a legitimidade ati-va dos impetrantes. Salientou-se estar diante de mandado de segurança utilizado como substitutivo do conflito de competências ou atribuições entre órgãos não personalizados de estatura constitucional, e citou-se jurisprudência da Corte no sentido de ser reconhecida a legitimação do titular de uma função pública para requerer segurança contra ato do detentor de outra tendente a obstar ou usurpar o exercício da integralidade de seus poderes ou competências (MS 21239/DF, DJU de 23.4.93; MS 20499/DF, DJU de 6.11.87). Asseverou-se ser improce-dente, ademais, objeção acerca da legitimidade em virtude de a ordem ter sido impetrada por uma parcela de integrantes do Plenário do TJSP, e não por titular individual do direito-função vindicado. Considerou-se bastar a legitimá-los para impetração que, como desembargadores, participem do Plenário, cuja competên-cia sustentam, e, nessa condição, se pretendam titulares do direito de voto nas suas deliberações respectivas, incidindo, no caso, o § 2º do art. 1º da Lei 1.533/51 (“Quando o direito ameaçado ou violado couber a várias pessoas, qualquer delas poderá requerer o mandado de segurança”).

    MS 26411/DF, rel. Min. Sepúlveda Pertence, 22.3.2007. (MS-26411)

    Art. 93, XI, da CF: Tribunal Pleno e Órgão Especial — 3Quanto à questão de mérito, o Min. Sepúlveda Pertence, relator, deferiu

    a liminar para suspender, até a decisão do mandado de segurança, a eficácia da decisão impugnada. Reputou densa a plausibilidade dos fundamentos do pedido de segurança, haja vista que a decisão do CNJ minimiza a inovação substancial do texto ditado pela EC 45/2004 para o inciso XI do art. 93 da CF. Ressaltou, de início, ser de importância decisiva a menção, nele contida, ao exercício de atribuições delegadas da competência do Tribunal Pleno, ine-xistente nos textos anteriores concernentes à instituição do Órgão Especial — compulsória na EC 7/77 à Carta decaída, e facultada no texto original da

    http://www.stf.jus.br/processos/processo.asp?PROCESSO=26411&CLASSE=MS&ORIGEM=AP&RECURSO=0&TIP_JULGAMENTO=M

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    FGV DIREITO RIO 32

    Constituição. Afirmou que a Constituição não delega competências, mas as confere aos órgãos que ela própria constitui, e que, por isso, a delegação in-troduzida pela EC 45/2004 tem dois pressupostos sucessivos: primeiro, que o seu objeto seja da competência original do órgão delegante e, segundo, o ato deste que delega a outro o seu exercício. Assim, a Constituição nem ins-titui, ela própria, o Órgão Especial nos grandes tribunais — diferentemente do que determinava a EC 7/77 —, nem lhe concede todas as atribuições jurisdicionais e administrativas do Tribunal Pleno, mas apenas faculta a este que, por meio de delegação, transfira o exercício dessas atribuições ao Órgão Especial que resolva instituir. Diante disso, concluiu caber ao Tribunal Pleno constituir ou manter o Órgão Especial e delegar-lhe parcial ou total mente suas atribuições com, pelo menos, uma única exceção, qual seja, o poder normativo de elaborar o regimento interno do tribunal e nele dispor sobre a competência e o funcionamento dos respectivos órgãos jurisdicionais e admi-nistrativos. Considerou, por fim, que, patente a relevância constitucional dos fundamentos da impetração, o risco de manter a eficácia do ato impugnado, até a decisão definitiva do mandamus, seria manifesto na eventualidade de ter-se um regimento votado pelo Órgão Especial, cuja invalidade seria de declaração provável, com todas as conseqüências que poderiam advir para o funcionamento o TJSP. Após, pediu vista o Min. Cezar Peluso.

    MS 26411/DF, rel. Min. Sepúlveda Pertence, 22.3.2007. (MS-26411) — Informativo 460

    ADI e Autonomia Financeira e Administrativa do Poder JudiciárioPor considerar caracterizada a ofensa à independência e harmonia dos Po-

    deres e à autonomia administrativa e financeira do Poder Judiciário (CF, arti-gos 2º, 96 e 99, respectivamente), o Tribunal julgou procedente pedido for-mulado em ação direta ajuizada pela Associação dos Magistrados Brasileiros — AMB para declarar a inconstitucionalidade da Lei alagoana 5.913/97, que cria a Central de Pagamentos de Salários do Estado de Alagoas — CPSAL, e inclui entre as responsabilidades desta a de “aferir, e endossar, a legalidade funcional, e os proventos, de cada servidor público”, “produzir os documentos e relatórios necessários ao pagamento dos estipêndios do funcionalismo público”, e “prover, com exclusividade, o pagamento de todos os servidores públicos, abran-gendo os das administrações direta e indireta, fundacional pública e autárquica, dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, do Ministério Público Estadual e do Tribunal de Contas do Estado” — v. Informativo 67. Reportou-se, ademais, ao que decidido na ADI 3367/DF (DJU de 22.9.2006), em que declarada a constitucionalidade da criação do Conselho Nacional de Justiça — CNJ exa-tamente por se tratar de órgão interno de controle administrativo, financeiro e disciplinar da magistratura, ou seja, por não constituir órgão externo à es-trutura do Poder Judiciário, salientando o fato de se ter posto ali em evidên-

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    FGV DIREITO RIO 33

    cia a vedação constitucional a interferências externas que possam, de alguma forma, afetar negativamente a independência da magistratura. Observou-se, ainda, que a circunstância de a CPSAL ser composta também por represen-tante do Poder Judiciário não afastaria o vício da inconstitucionalidade, e que esse fato, além de permitir que o Poder Judiciário interferisse indevidamente nos demais Poderes, não garantiria que sua atuação, as suas ponderações e es-colhas, quanto a seus servidores, prevalecessem. Outros precedentes citados: ADI 1051/SC (DJU de 13.10.95); ADI 135/PB (DJU de 15.8.97); ADI 183/MT (DJU de 31.10.97); ADI 98/MT (DJU de 31.10.97); ADI 137/PA (DJU de 3.10.97); ADI 2831 MC/RJ (DJU de 28.5.2004). ADI 1578/AL, rel. Min. Cármen Lúcia, 4.3.2009. (ADI-1578) Informativo 537

    Juiz Aposentado: Vitaliciedade e Prerrogativa de Foro — 1O Tribunal iniciou julgamento de recurso extraordinário, afetado ao Pleno

    pela 1ª Turma, em que se discute se o foro especial por prerrogativa de fun-ção se estende ou não àqueles que se aposentam em cargos cujos ocupantes ostentam tal prerrogativa. Trata-se, na espécie, de agravo de instrumento con-vertido em recurso extraordinário criminal interposto, por desembargador aposentado, contra decisão da Corte Especial do STJ que declinara de sua competência, em ação penal contra ele instaurada, ao fundamento de que, em decorrência de sua aposentadoria, não teria direito à prerrogativa de foro pelo encerramento definitivo da função. O ora recorrente sustenta a incidên-cia do art. 95, I, da CF, assegurador da vitaliciedade aos magistrados, sob a alegação de que esta somente poderia ser afastada por sentença judicial tran-sitada em julgado, na qual consignada a perda do cargo. Alega, ainda, que a correta leitura do art. 105, I, a, da CF, incluiria também os desembargadores aposentados, uma vez que interpretação diversa desse dispositivo o colocaria em situação inusitada, pois, o submeteria, na qualidade de ex-presidente e ex-corregedor-geral, a juiz que eventualmente tenha recebido alguma sanção disciplinar. Por fim, pleiteia o reconhecimento da negativa de vigência aos artigos 5º, XXXV, LIV, LV, e § 2º e 93, IX, ambos da CF e, alternativamente, requer sejam tidos como transgredidos os artigos 94, I e 105, I, a, da CF — v. Informativo 485.

    RE 549560/CE, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 20.2.2008. (RE-549560) — Informativo 495

    Juiz Aposentado: Vitaliciedade e Prerrogativa de Foro — 2O Min. Ricardo Lewandowski, relator, negou provimento ao recurso por

    entender que a pretensão do recorrente esbarra na orientação jurisprudencial fixada pelo Supremo. Reportou-se ao que decidido no HC 80717/SP (DJU de 5.3.2001), no qual se consignara que, com o cancelamento do Enunciado da Súmula 394 do STF, estaria afastada a competência originária do STJ para

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    FGV DIREITO RIO 34

    proceder ao julgamento de juiz do TRT aposentado, entendimento baseado no julgamento do Inq 687 QO/SP (DJU de 9.11.2001). Citou, também, o que estabelecido pela Corte no RE 291485/RJ (DJU de 23.4.2003), no sen-tido de que o foro especial por prerrogativa de função tem por objetivo o res-guardo da função pública; que o magistrado, no exercício do ofício judicial, goza da prerrogativa de foro especial, garantia que está voltada não à pessoa do juiz, mas aos jurisdicionados; e que, não havendo mais o exercício da fun-ção judicante, não há de perdurar o foro especial, haja vista que o resguardo dos jurisdicionados, nesse caso, não é mais necessário. Ressaltou, ainda, que o provimento vitalício é o ato que garante a permanência do servidor no cargo, aplicando-se apenas aos que integram as fileiras ativas da carreira pública. Por fim, aduziu não haver se falar em parcialidade do magistrado de 1ª ins-tância para o julgamento do feito, porquanto a lei processual prevê o uso de exceções capazes de afastar essa situação. Em seguida, o Min. Marco Aurélio levantou questão acerca da impossibilidade de se discutir a matéria, que já se encontraria julgada por esta Corte, em processo objetivo (ADI 2797/DF, DJU de 19.12.2006), sob pena de se atuar como legislador positivo, restabe-lecendo, embora de forma mitigada, o § 1º do art. 84 do CPP. No ponto, o relator acompanhou essa manifestação, mantendo seu voto.

    RE 549560/CE, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 20.2.2008. (RE-549560) — Informativo 495

    Juiz Aposentado: Vitaliciedade e Prerrogativa de Foro — 3Em divergência, o Min. Menezes Direito deu provimento ao recurso para

    assegurar ao magistrado aposentado plena prerrogativa das garantias que são inerentes à magistratura, ao fundamento de que o ato que é objeto do proces-so foi praticado no exercício das funções judicantes. Salientou, inicialmente, estar-se diante de situação exemplar não contemplada em nenhum dos pre-cedentes citados, que deveria ser analisada pela Corte, qual seja, o fato de que um ex-desembargador, aposentado hoje, ter praticado um delito no exercício da função j