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Organizadores João Paulo Saraiva Leão Viana Patrícia Mara Cabral de Vasconcellos Vinícius Valentin Raduan Miguel

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Integração Sul-Americana: desafios e perspectivas

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OrganizadoresJoão Paulo Saraiva Leão Viana

Patrícia Mara Cabral de Vasconcellos Vinícius Valentin Raduan Miguel

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Ficha catalográfica

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Integração Sul-Americana: desafios e perspectivas

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OrganizadoresJoão Paulo Saraiva Leão Viana

Patrícia Mara Cabral de Vasconcellos Vinícius Valentin Raduan Miguel

Porto Velho - 2011Editora da Universidade Federal de Rondônia

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Organizadores

Colaboradores

Apresentação

Política externa brasileira, integração e segurança regionaisShiguenoli Miyamoto

A adesão da Venezuela ao Mercosul no Congresso BrasileiroFabiano Santos - Márcio Vilarouca

A nova integração regional e a expansão do capitalismo brasileiro na América do Sul

Daniela Ribeiro - Regina Kfuri

Educação superior, desenvolvimento e integração regional na América do Sul

Máximo Augusto Campos Masson

A Comunidade Sul-Americana das Nações: Um projeto de integração

Alessandra Prado Marchiori

SUMÁRIO

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Integração Descolonizadora do Poder ou a Integração dos Povos pelos Povos

Francisco Uribam Xavier de Holanda

A IIRSA e a Segurança Regional: Os Reversos da Integração da Amazônia no Eixo Peru-Brasil-Bolivia

Patrícia Mara Cabral de Vasconcellos

A Bolívia e os desafios da integração regional: crise de hegemonia, instabilidade e refundação institucional

Clayton M. Cunha Filho - João Paulo S. L. Viana

O servilismo colombiano e o seu papel para a consolidação da hegemonia imperial estadunidense: subalternização sul-americana e (des)equilíbrio estratégico

Vinícius Valentin Raduan Miguel

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OrganizadOres:

JOÃO PaULO saraiVa LeÃO Viana

Mestrando em Relações Internacionais na América do Sul pelo Centro Brasileiro de Estudos Latino-Americanos (CEBELA-RJ); Bacharel em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Ceará (UFC); Assessor da Diretoria da Escola de Contas, órgão vinculado ao Instituto de Estudos e Pesquisas do Tribunal de Contas do Estado de Rondônia (IEP/TCE-RO); Professor da Faculdade de Rondônia (FARO) e da União das Escolas Superiores de Rondônia (UNIRON); Pesquisador do Observatório das Nacionalidades (ON-UFC).

PaTrÍCia Mara CaBraL de VasCOnCeLLOs

Doutoranda em Relações Internacionais pela Universidade de Brasília (UnB); Mestre em Relações Internacionais pelo programa San Tiago Dantas (UNICAMP; UNESP; PUC-SP); Professora do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal de Rondônia (UNIR).

VinÍCiUs VaLenTin radUan MigUeL

Mestre em Direitos Humanos e Política Internacional pela University of Glasgow; Bacharel em Ciências Sociais pela Universidade Federal de Rondônia (UNIR); Bacharel em Direito pela Faculdade de Rondônia (FARO); Professor do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Rondônia (IFRO).

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sHigUenOLi MiYaMOTO

Doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo (USP); Livre Docente e Professor Titular do Departamento de Ciência Política da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP).

FaBianO sanTOs

Doutor em Ciência Política pelo Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (IUPERJ); Professor e Pesquisador do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (IESP-UERJ); Presidente da Associação Brasileira de Ciência Política (ABCP).

MarCiO ViLarOUCa

Doutor em Ciência Política pelo Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (IUPERJ); Professor e Pesquisador da Fundação Getúlio Vargas (CPDOC/FGV-Rio).

MÁXiMO aUgUsTO CaMPOs MassOn

Doutor em Educação e mestre em Sociologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ); Professor adjunto de Sociologia da Educação da UFRJ e pesquisador colaborador do Centro Brasileiro de Estudos Latino-Americanos (CEBELA-RJ).

FranCisCO UriBaM XaVier de HOLanda

Doutor em Sociologia pela Universidade Federal do Ceará (UFC); Professor adjunto do Departamento de Ciências Sociais da UFC; Membro da Rede de Pesquisadores sobre a América Latina (RUPAL).

regina KFUri

Doutoranda em Ciência Política pelo Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (IESP-UERJ); Mestre em Relações Internacionais (PUC-Rio); Pesquisadora Observatório Político Sul-Americano (OPSA).

danieLa riBeirO

Doutoranda em Ciência Política pelo Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (IESP-UERJ); Mestre em Ciência Política pela Universidade de Brasília (UnB).

CLaYTOn M. CUnHa FiLHO

Doutorando em Ciência Política pelo Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (IESP-UERJ) e Mestre em Ciência Política pelo IUPERJ; Pesquisador do Observatório Político Sul-Americano (OPSA) do Observatório das Nacionalidades (ON-UFC).

aLessandra PradO MarCHiOri

Mestre em Relações Internacionais na América do Sul pelo Centro Brasileiro de Estudos Latino-Americanos (CEBELA-RJ); Pesquisadora do Grupo de Pesquisa Intelectuais e Poder no Mundo Ibero-Americano.

COLaBOradOres:

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Apresentação

O continente sul-americano é marcado, nas últimas décadas, por im-portantes eventos políticos que definiram anseios e experiências sociais específicas nos planos nacional, regional e mundial. Assim, foram, a partir da década de 30, o populismo clássico latino-americano, as ditaduras mili-tares no decorrer dos anos 60 até meados dos 80 e, posteriormente, a onda neoliberal que varreu o continente durante a década de 90. Recentemente, ainda sem contornos definidos, observa-se o retorno do Estado à cena po-lítica, econômica e social, tornando-se mais presente na vida dos cidadãos. Nesse contexto, o processo de integração regional evidencia-se como um dos elementos chaves na busca por uma alternativa de construção social e econômica numa conjuntura de globalismo capitalista.

Nos últimos anos do século XX, a consolidação democrática das insti-tuições na América do Sul, após anos de regimes militares, foi acompanha-da pela introdução de modelos neoliberais com base na idéia predominante de reforma econômica do Estado. Sob a égide do Consenso de Washington, a democracia associou-se ao neoliberalismo como alternativa ao nacional--desenvolvimentismo e o modelo de substituição de importações.

Entre avanços e retrocessos, o descompasso entre o discurso do mer-cado e os anseios populares produziu relativa estabilização monetária. No entanto, foi insuficiente para alavancar o progresso, destacando-se as consi-

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deráveis taxas de desemprego, o baixo índice de crescimento econômico, o aumento da concentração de renda e da miséria na região. Diante dos fatos, observou-se a incapacidade dos Estados Sul-Americanos em promover a inclusão social das massas marginalizadas em âmbito nacional e de ocupar um espaço político e econômico nas relações interestatais.

No início do século XXI, observa-se a ascensão de governos sociais – democratas, de centro-esquerda, no cone sul, e a emergência nos paí-ses andinos de governos de esquerda, de retórica nacionalista, dotados de forte componente étnico, numa realidade caracterizada pela instabilidade política crônica, desigualdades sociais e miséria. Na política externa, o for-talecimento do discurso em torno das instituições multilaterais como Mer-cosul, Unasul, Alba, entre outras, têm contribuído consideravelmente para mudanças no cenário político-institucional, econômico e social na região, evidenciando dilemas e novas perspectivas.

Não obstante a existência de democracias mais estabilizadas, como o caso de Brasil e Chile no cone-sul, as incertezas da institucionalização de-mocrática na Venezuela sob o comando de Chávez, o tráfico de drogas e as Farcs na Colômbia, a América Andina, com maior intensidade na Bolívia e no Equador, marcada por um histórico de golpes de Estado, insurreições populares e violência vem logrando razoável incremento nos indicadores sociais e na inserção política dos cidadãos. Nesses países, sob a reorganiza-ção dos movimentos sociais, de cunho essencialmente étnico, evidencia-se a emergência dos povos indígenas tradicionais, maioria absoluta da popu-lação, que começam a sentir-se integrados por intermédio de uma maior aproximação entre o Estado e a sociedade.

Assim, a integração regional voltou a ocupar espaço na agenda dos Es-tados sul-americanos. Entretanto, se o sonho da união dos povos do con-tinente vem de longe, pois, suas origens remontam ao século XVIII, é no século XIX, através da obra libertadora de Simon Bolívar que o ideal de construção da união sul-americana consolidar-se-ia no imaginário popular.

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Em que pese os obstáculos e as dificuldades, a efetivação da integração sul-americana depende exclusivamente do êxito político, econômico e so-cial desses países e sua capacidade de inserção social da grande maioria da população. Dessa forma, o papel brasileiro é fundamental para a consolida-ção regional. O gigante Brasil do continente sul-americano é visto como a liderança natural desse processo.

Em meio a essa perspectiva de desenvolvimento, o Estado de Rondônia, localizado no coração da Amazônia, em posição estratégica para a inte-gração sul-americana com os países andinos, terra do agronegócio, de um dos maiores rebanhos brasileiros, importante produtor de arroz, soja, cacau, café, mandioca e milho, além da extração de borracha, madeira e miné-rios, consolida-se como uma das regiões em que o ideário integracionista apresenta-se mais pujante. A construção das hidrelétricas do Rio Madeira e a conclusão das obras da estrada do Pacífico, também conhecida como Rodovia Interoceânica, que liga a fronteira do Brasil, a partir do Estado do Acre, aos portos do Pacífico no Peru, representam a esperança de um hori-zonte de crescimento e desenvolvimento para a região.

Nesse sentido, é com muita honra que apresentamos esta obra organi-zada por jovens pesquisadores da incipiente Ciência Política rondoniense. Nas páginas que se seguirão são analisados temas relacionados à política externa brasileira, segurança regional, adesão da Venezuela ao Mercosul, liderança e expansão do capitalismo brasileiro na região, desenvolvimento científico e tecnológico, consolidação da Comunidade Sul-Americana de Nações - Casa - atual União Sul-Americana de Nações - Unasul -, a Inicia-tiva para a Integração da Infra-estrutura Sul-Americana - Iirsa- nos eixos Brasil-Bolívia-Peru, o contexto político-cultural da integração dos povos latino-americanos, a instalação das bases militares americanas na Colômbia e o processo de institucionalização democrática na Bolívia.

A idéia dos organizadores foi reunir renomados estudiosos da Ciência Política brasileira, como Fabiano Santos, professor do IESP-UERJ, e pre-

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sidente da Associação Brasileira de Ciência Política - ABCP; Shiguenoli Miyamoto, professor titular e livre docente da Unicamp; Máximo Masson, professor da UFRJ; Marcio Vilarouca, professor da FGV-Rio; e Francisco Uribam Xavier de Holanda, docente da UFC.

Ao lado de experientes estudiosos, reunimos pesquisadores de mestrado e doutorado, que abrilhantaram ainda mais a coletânea, como a jornalista e internacionalista Alessandra Prado Marchiori, e os cientistas políticos, doutorandos do IESP-UERJ e membros do Observatório Político Sul-Ame-ricano - OPSA -, Regina Kfuri, Daniela Ribeiro e Clayton M. Cunha Filho. Nosso objetivo é oferecer, ao público em geral, um material rico em sub-sídios para a compreensão de alguns dos temas mais candentes da política sul-americana na atualidade.

Gostaríamos de registrar os agradecimentos ao professor Dr. Nilson Santos, Diretor do Núcleo de Educação da Universidade Federal de Ron-dônia, pelo apoio e incentivo à publicação deste trabalho. Agradecemos também ao professor Dr. José Lucas Pedreira Bueno, editor da Editora da Universidade Federal de Rondônia – Edufro, que, ao acolher este projeto, dá um salto à frente para a institucionalização do debate acadêmico sobre os desafios e perspectivas da Integração Sul-Americana.

Porto Velho, março de 2011

Profº João Paulo Saraiva Leão VianaProfª Patrícia Mara Cabral de Vasconcellos

Profº Vinícius Valentin Raduan Miguel(Organizadores)

Integração Sul-Americana: desafios e perspectivas

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OrganizadoresJoão Paulo Saraiva Leão Viana

Patrícia Mara Cabral de Vasconcellos Vinícius Valentin Raduan Miguel

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Introdução

No fim de abril de 2009, 36 militantes nazistas foram presos na periferia de Buenos Aires, quando festejavam os 120 anos de nascimento de Adolf Hitler. O fato teve significativa repercussão no país vizinho, onde a comu-nidade judaica é a maior da América Latina.

Depois da Segunda Guerra Mundial, a Argentina sempre foi considera-da reduto de nazistas, que para lá se encaminharam, buscando porto seguro. A partir de então, entre acusações de existência de grupos simpatizantes ou neonazistas, que não se esqueceram das lições do III Reich, acontecimen-tos vários envolvendo a comunidade judaica, têm periodicamente ocupado espaço na imprensa regional. Por exemplo, em 1992 uma bomba destruiu a embaixada de Israel em Buenos Aires, enquanto dois anos depois foi a

Política externa brasileira, integração e segurança regionais

Shiguenoli Miyamoto 1

1 Livre-Docente e Professor Titular do Departamento de Ciência Política da Universidade Estadual de Campinas. Este texto contou com recursos do Conselho Nacional de Desenvol-vimento Cientifico e Tecnológico (CNPq), através de Bolsa de Produtividade em Pesquisa (1B) concedida ao autor.

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Associação Mutual Israel-Argentina (AMIA) a afetada. Nesses dois ata-ques, 114 pessoas foram mortas e mais de 300 feridas.

Apesar de também haver, periodicamente, notícias sobre grupos anti--semitas no Brasil, aqui nunca houve qualquer atentado com tal finalidade e magnitude semelhante a do país vizinho. Por outro lado, problemas que ocorrem aqui, não se verificam lá, como os ataques do crime organizado nas grandes cidades e presídios brasileiros. Um desses exemplos pode ser remetido ao ocorrido em São Paulo, em maio de 2006.

Um problema que afeta determinado país, não necessariamente preocu-pa as autoridades de outros, ou tem igual impacto, mesmo sendo vizinhos. Cada país tem preocupações distintas dos demais em muitos casos, e tam-bém coincidentes em igual ou maior número. Por isso, itens como as guer-rilhas e tráfico de drogas recebem tratamentos diferenciados no continente, já que não atingem a todos por igual.2 Este é um dos primeiros fatores que devem ser considerados na formulação e implementação das políticas pú-blicas de um país, no sentido mais amplo, envolvendo a atuação no plano internacional, nas áreas de política externa, de defesa e segurança regional.

A política de um país visando atuar no cenário regional e mundial é sempre formulada em função dos constrangimentos internos e externos. Os governos levam na devida conta os interesses dos grupos, agentes, pressões internas e a conjuntura internacional. Por isso, muitas das intenções iniciais de governantes quando assumem o poder, principalmente de grandes mu-danças e/ou políticas de colaboração com vizinhos, não são concretizadas ao logo de seus mandatos.

No conjunto, esses elementos facilitam ou dificultam, viabilizando ou impossibilitando, a formulação e implementação de políticas independen-

2 Enquanto a Colômbia enfrenta dificuldades com as FARCs e o Peru sofria o mesmo com o Sendero Luminoso, o Brasil e outros não tinham que se preocupar com tais proble-mas. Da mesma forma, a própria questão das drogas tem recebido tratamentos diferentes na América do Sul. Se é visto como item de segurança nacional (Colômbia, Peru, por exemplo) em alguns Estados, em outros não é tratado sob a perspectiva militar (Cuba e Chile).

Política externa brasileira, integração e segurança regionais

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tes, verdadeiramente soberanas, a não ser que o país detenha poder adequa-do e o utilize de forma unilateral, não considerando as vontades alheias de outros governos. Um agente com tal grandeza não se vê na obrigação de prestar contas à comunidade internacional, não temendo ser punido ou sofrer quaisquer constrangimentos em termos bilaterais por parte de seus parceiros ou das instituições intergovernamentais.

Ainda que no âmbito econômico-comercial possam ser derrotados em institutos como a Organização Mundial do Comércio (OMC), e sofrer reta-liações por causa de políticas protecionistas, as conseqüências para eles são bastante modestas. É assim que se comportam as grandes potências como os Estados Unidos, sem se preocupar, por exemplo, com o Tribunal Pe-nal Internacional (TPI). Por isso, agem com desenvoltura em regiões onde considera que seus interesses devam ser defendidos, por motivos variados, como no Iraque, no Afeganistão, ou na base de Guantánamo, mantendo presos de maneira irregular, e fazendo uso de recursos considerados con-trários a política de direitos humanos.

Isto não significa que possam agir impunemente, ou que mandam no mundo. O que ocorre, entretanto, é que operam numa relação de custos e benefícios, e medindo possíveis desgastes perante a comunidade mundial. No cômputo geral, se não conseguem impor suas vontades, pelo menos podem impedir que diversas medidas sejam tomadas contra seus interesses. Ou seja, afetam muito mais os demais países e o sistema internacional do que são diretamente atingidos por esses últimos.

Para atuar da forma como desejam, os países procuram, destarte, au-mentar seu poder nacional. Poder entendido não como fim, mas como meio, como instrumento, e que vai ser utilizado para atender seus objetivos e interesses (nacionais ou não), toda vez que se fizer necessário. Se não agir dessa forma, perderá sua credibilidade, não estando aqui em discussão a legitimidade de seus atos, os critérios de justiça com que o poder deva ser utilizado, etc.

Um dos problemas quando se pensa sob este prisma, é o preço que o país paga, amargando fracassos, se resolver atuar não dispondo dos recur-

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sos de poder reais para fazer valer seus interesses, aspirações e/ou necessi-dades. Por isso, as políticas públicas têm que ser devidamente calculadas, sopesadas, e não podem ser feitas de improviso, de arroubos, nem em mo-mentos de comoção.

Quando um país atua, ou faz guerra, tudo é planejado com antecedên-cia, por causa da necessidade de logística, tem que se medir as conseqüên-cias, etc. A não ser, obviamente, quando é invadido repentinamente e tem que responder de imediato, se sua segurança nacional estiver em risco e a soberania ameaçada. Mas em circunstância como esta, isto significaria que os serviços de inteligência, as Forças Armadas e outros setores responsá-veis pela defesa e segurança nacional foram incompetentes, porque não souberam fazer análises de risco e detectar os perigos eminentes.

Deve-se, também, levar em consideração que muitas vezes autoridades de um país, nas mais distintas esferas, fazem promessas que nem sempre podem ser cumpridas, pela impossibilidade ou falta de recursos adequados, sendo muito mais discursos de improviso, e que são de igual forma facil-mente esquecidos.

É levando em consideração todos esses fatores, que países como o Brasil elaboram suas políticas externa, de defesa e segurança, dando ênfase maior ou menor a uma ou mais variáveis (ou todas por igual, simultaneamente), dependendo, portanto, do jogo e das intempéries da política doméstica e das conjunturas regional e global.

Da ALALC ao fim da guerra fria Como o Brasil tem se defrontado com a agenda da política externa, de

defesa e segurança? Quais fatores e atores têm influenciado a formulação e implementação dessas escolhas?

De forma ampla, pode-se dizer que na pauta do governo brasileiro, os temas da integração e da segurança há muito se fazem presentes. O que se verifica, ao longo da história é que, de acordo com o cenário, a política de in-tegração nunca caminhou pari passu com a política de defesa e segurança.

Política externa brasileira, integração e segurança regionais

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Nem poderia ser diferente, porque embora sejam políticas públicas e façam parte do planejamento governamental como um todo, este fato por si só não é suficiente para que sejam definidos idênticos pontos de vista sobre a atuação do país nessas áreas. Isto é fácil de se entender, se levar-mos em consideração que diversos são os atores que formulam as políticas nacionais, e que existem, com freqüência, choques dentro do mesmo setor e entre eles.

Como é natural, há concepções de mundo distintas que se batem, procu-rando definir as políticas acerca do papel que o país deve exercer no con-tinente e em nível mundial. Embora devessem trabalhar conjugadamente, uma vez que políticas externa e de defesa e segurança se referem ao país como um todo, e são políticas de governo e/ou de Estado, a multiplicidade de atores e interesses impede a formulação de uma política única para to-dos os setores.

Em termos da projeção do país no cenário internacional, ainda que o Ministério das Relações Exteriores seja a instância responsável pela área, divide cada vez mais (ou ficando até em posição subalterna) as decisões com os setores econômicos que operam igualmente com as instituições multilaterais em todos os planos. Nem sempre pontos de vista coincidentes são observados, até pelo contrário, estilos e métodos bastante distintos para a inserção internacional do país marcam a atuação desses agentes.

Em princípio há, porém, limites e esferas de atuação para cada um desses atores: temas políticos e diplomáticos ficam sob responsabilidade do Itamaraty, e políticas econômicas, a cargo dos ministérios que tratam do assunto.

Da mesma forma, são os institutos militares os responsáveis, em primei-ra mão, pela defesa nacional. Por isso, pensam e operam de forma distante daquela utilizada pelos diplomatas e economistas, conforme se pode perce-ber na tradição política brasileira.

De um lado, verificamos a existência de agentes que privilegiam a ne-gociação, a cooperação, o aumento do grau de confiança recíproco e, no limite, a integração regional; do outro lado, observamos instâncias que

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pensam, por excelência, de maneira conspirativa, considerando não a exis-tência de amigos, mas sim de aliados, quando as circunstâncias assim o exigirem, podendo ser relegados a plano secundário de acordo com as conveniências.

Se utilizarmos como referência, ainda que de maneira não tão rígida, os últimos 50 anos, a partir da década de 1960, é possível perceber, com clareza como tais assuntos foram tratados pelas autoridades brasileiras. A Associação Latino-Americana de Livre Comércio (ALALC) pode ser to-mada como ponto de partida nas políticas regionais em que se pensou em aprofundar a cooperação regional mais intensamente.

Como membro da entidade, o Brasil participou da mesma, segundo a conjuntura local assim o requeria. Nesse caso especifico, os avanços não foram significativos em virtude de a própria proposta ter sofrido rápidas modificações, com a entidade pouco realizando nas duas décadas em que sobreviveu. Por isso mesmo, o papel do Brasil nesta iniciativa restringiu-se a participação bastante limitada. Leve-se, ainda, em consideração, o am-biente doméstico passando por grandes mudanças. Observamos primeira-mente a renúncia de Jânio da Silva Quadros em agosto de 1961, e, depois, a subida de João Belchior Marques Goulart à Presidência da República, cuja atuação esteve restringida pelo modelo parlamentarista até janeiro de 1963.

Esses fatos aliados, - grandiosidade da proposta inicial da ALALC, difí-cil de ser cumprida no pouco tempo que se propunha, e o ambiente domés-tico desfavorável no caso brasileiro, - fizeram com que a cooperação e inte-gração ficassem relegadas a segundo plano.3 No nível mais amplo, deve-se, também, ponderar o agudo clima da guerra fria, com a fracassada invasão da Baía dos Porcos em 1961, e a crise dos mísseis em agosto de 1962, e

Política externa brasileira, integração e segurança regionais

3 Sobre um histórico da integração regional, consultar o texto de BARBOSA, Rubens - América Latina em perspectiva: a integração regional da retórica a realidade. São Paulo: Aduaneiras, 1991.

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que afetavam sobremaneira outras iniciativas de cooperação e integração regionais. O tema da segurança desde 1947 circunscrevia-se ao acordado pelo Tratado Interamericano de Assistência Recíproca (TIAR).

Com o final da política externa independente, que caracterizou os go-vernos de Jânio Quadros e João Goulart, mudanças significativas foram verificadas a partir de 1964.

A subida do estamento militar ao poder, controlando o aparato de Esta-do, durante uma geração, não significou a vitória de uma das concepções existentes, como responsável única e exclusiva das políticas públicas em todos os níveis.

O que se percebeu em todo o período castrense foram inúmeras discor-dâncias entre as diversas tendências vigentes, primeiro dentro das próprias Forças Armadas, e que podem ser claramente verificadas no processo de sucessão em cada período; em segundo lugar, as disputas entre os setores econômicos com os diplomáticos, e desses últimos com os militares.

Embora, no caso de divergências, os problemas fossem arbitrados pelo Conselho de Segurança Nacional, nem sempre a perspectiva militar preva-leceu em todos os assuntos, em nome da Doutrina de Segurança Nacional. Assim, temas afeitos a área econômica ficaram sob responsabilidade dos ministérios a eles ligados, enquanto problemas estritamente diplomáticos sob a esfera do Itamaraty. Problemas relacionados com as fronteiras, ainda que de alçada do Ministério das Relações Exteriores, ficaram a cargo dos setores militares, em nome da segurança nacional. Certamente muitos assuntos, que diziam respeito a mais de uma das pastas ministeriais, foram alvo de intensas discordâncias.

Mas, se, no conjunto, observaram-se iniciativas que privilegiavam a perspectiva militar, a ótica diplomática igualmente marcou presença em várias oportunidades, tanto no espaço mais amplo do sistema internacional, quanto do plano regional, onde os interesses brasileiros mais estavam pre-sentes. Exemplos de cooperação em termos amplos podem se verificados com a UNCTAD em 1964, nas reuniões dos países não-alinhados, como também no Grupo dos 77. Já em âmbito regional, temos iniciativas desde

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o Tratado da Bacia do Prata em 1969, o Tratado de Cooperação Amazônica de 1978, o Tratado de Itaipu e uma série de acordos bilaterais e multilate-rais.

No primeiro mandato militar, sob regência de Castello Branco, sobrou pouco espaço para tentativas de cooperação mais ampla, uma vez que as preocupações maiores se davam no âmbito doméstico. Se a cooperação regional se restringiu ao necessário, o contrário já se verificou em termos de segurança regional. Pautada pela visão do conflito Leste-Oeste, conside-rando os Estados Unidos como líder e guardião do mundo ocidental,a polí-tica brasileira para o setor orientou-se para a defesa dos princípios vigentes nesta parte do Hemisfério, de acordo com o propugnado pelo Tratado Inte-ramericano de Assistência Recíproca e sob liderança norte-americana.

Daí a vigência do conceito de segurança hemisférica ou segurança con-tinental, segundo o qual as Américas eram prioritárias para os interesses nacionais, e que foi retratado de maneira bem clara no discurso de Castello Branco aos jovens diplomatas em 31 de julho de 1964.4

Ao considerar o mundo interdependente, no mundo ocidental, a defesa dos interesses nacionais se fazia através da teoria dos círculos concêntricos, com primazia para a Bacia do Prata. Por isso, o envio de tropas brasileiras, que fizeram parte da Força Interamericana de Paz, à República Dominicana em 1965. Naquela oportunidade, o contingente brasileiro foi chefiado pelo então coronel Carlos de Meira Mattos, tendo o Brasil cedido, ainda, por duas vezes o comandante geral da missão, com os generais Hugo Panasco Alvim e Álvaro da Silva Braga.

Se Castello Branco raciocinava pela ótica do conflito Leste, daí a sua concepção de segurança hemisférica, o mesmo não pode ser dito de seu sucessor, Arthur da Costa e Silva. Pertencente a grupo distinto dos sor-bonistas, Costa e Silva implementou políticas distintas em quase todos os

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4 Cf. MRE – A política exterior da Revolução Brasileira. Brasília: MRE/Seção de Publica-ções, 1966.

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sentidos: privilegiou o conflito Norte-Sul na política externa, vinculou-se a grupos nacionalistas e deu continuidade a repressão iniciada no governo anterior.

Defendendo os interesses sob outra perspectiva, sua diplomacia foi cunhada com o nome de “diplomacia da prosperidade”, sob a administra-ção de Magalhães Pinto. Por isso mesmo, considerando o problema eco-nômico como mais importante do que a vertente estritamente castrense, sua visão de segurança deslocava-se para o ambiente econômico, colocando os problemas do desenvolvimento e subdesenvolvimento, como fatores im-portantes na feitura do sistema internacional. Recusou-se, também, a assi-nar o Tratado de Não-Proliferação Nuclear, já que via este como elemento importante para alavancar o próprio desenvolvimento nacional, embora não se falasse na necessidade de ter acesso a este tipo de tecnologia para fins militares. A cooperação maior verificada no governo Costa e Silva, em âm-bito sul-americano pode ser lembrada através do Tratado da Bacia do Prata assinado em 4 de abril de 1969. Tendo como membros, Brasil, Uruguai, Paraguai e Argentina, o referido tratado tinha como preocupação operar de forma conjugada, o que possibilitaria o “desenvolvimento harmônico e equilibrado assim como o ótimo aproveitamento dos grandes recursos da região”; agindo com esse espírito estaria assegurada a preservação dos recursos da Bacia do Prata, para as gerações futuras através de sua utiliza-ção racional.5

Quando Emilio Garrastazu Médici ascendeu ao poder, encontrou já todo um aparato repressivo à sua disposição, consolidado com o Ato Institucio-

5 O Tratado da Bacia do Prata entrou em vigor em 14 de agosto de 1970. O mesmo foi pro-mulgado pelo governo brasileiro poucos dias depois, através do Decreto nº 67.084, de 19 de agosto de 1970. Cf. http://www2.mre.gov.br/dai/m_67084_1970.htm. Acesso em 27 de abril de 2010.6 Análises sobre esse período podem ser encontradas na coletânea organizada por MUNTE-AL Filho, Oswaldo et alii – Tempo negro, temperatura sufocante: Estado e Sociedade no Brasil do AI-5. Rio de Janeiro: Editora PUC-Rio/Contraponto, 2008.

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nal nº 5, de 13 de dezembro de 1969.6 O viés anticomunista mais acentuado do que nos anos anteriores pode

ser constatado através da doutrina da teoria do cerco, segundo a qual, os inimigos ao longo das fronteiras deveriam ser neutralizados. Gestado pela comunidade de informações e segurança, o establishment, a idéia de fron-teiras ideológicas orientou a atuação governamental desse governo. Por isso, preparou-se para ocupar o Uruguai, com a denominada Operação Trin-ta Horas, caso o representante da Frente Ampla, Líber Seregni, ganhasse as eleições de 1971.7 De forma semelhante, o governo interferiu no golpe militar ocorrido no mesmo ano na Bolívia, quando foi deposto Juan José Torres, sendo substituído por Hugo Banzer Suarez.8 Ainda que em terri-tório mais distante, a presença e cooperação do aparato repressivo se fez presente no golpe militar de 1973 que vitimou Salvador Allende Gossens.9

Com a idéia de Brasil Potência expressa no Plano de governo, dois pro-blemas se verificaram10: de um lado, desconfianças surgiram no plano re-gional, com um discurso anti-brasileiro, rotulando o país de imperialista, subimperialista, país-chave, gendarme continental e designações outras que davam o tom do clima que vigorava na Bacia do Prata.

O discurso de Richard Nixon em 1971, quando visitou a Venezuela,

Política externa brasileira, integração e segurança regionais

8 Sobre o assunto ver NEEDLEMAN, Ruth – Bolívia: Brazil’s geopolitical prisoner. NACLA’S Latin America & Empire Report, VIII (2): 24-26, fevereiro de 1974.

9 Documentação sobre o período Médici pode ser encontrada em The National Security Archive http://www.gwu.edu/~nsarchiv/NSAEBB/NSAEBB282/índex.htm. Acesso em 27 de novembro de 2009. Ver, também, SUMMA, Renata de Figueiredo – Une amitié calculée. Les relations entre les États Unis et le Brésil durant les dix premières années de La dictature militaire (1964-1974). Master Recherche en Relations Internationales, Institut d’Études Po-litiques de Paris, École Doctorale de Sciences Po. Paris, 2009.

7 Cf. GRAEL, Cel Dickson M. – Aventura. Corrupção, Terrorismo: À sombra da impunida-de. Petrópolis: Vozes, 1985.

10 Cf. PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA – Metas e Bases para a Ação do Governo. Rio de Janeiro: Fundação IBGE, jan/1971, especialmente p. 15.

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declarando que para onde o Brasil se inclinar o resto da America Latina faria o mesmo, certamente não ajudou a dissipar as dúvidas sobre o projeto brasileiro de ascender internacionalmente. Em segundo lugar, como con-seqüência, a cooperação foi colocada em plano secundário, se bem que a integração jamais tivesse sido diretamente abordada.

Sob o pragmatismo responsável de Ernesto Geisel, a concepção de Brasil Potência foi substituída pela de potência emergente, como se pode perceber através do II Plano Nacional de Desenvolvimento.11 Com ótica diferente do governo anterior, Ernesto Geisel abriu o leque de alternativas da política externa brasileira com grandes potências como a França, Reino Unido, Alemanha e Japão, para onde viajou em seu mandato. Reconheceu países da esfera socialista, recém-libertos do jugo colonialista, como Ango-la e Moçambique, além de privilegiar a China Continental em detrimento de Taiwan, e considerou o sionismo como forma de racismo no âmbito da Organização das Nações Unidas. Foi assinado o Acordo de Cooperação Nuclear com a República Federal da Alemanha em 1975, enquanto dois anos depois, o Brasil denunciava o acordo militar que mantinha com os Estados Unidos desde 1952.

Embora em todos os governos, atenção especial tenha sido conferida à América do Sul, e também a África, a partir de 1968, sob a gestão do chan-celer Mário Gibson Barboza, a verdade é que em face da especificidade do regime militar, os temas da defesa e da segurança nacional e regional suplantavam em muito as políticas de cooperação com os países da região, visando aprofundá-las, a não ser em casos especiais.

Foi assim, portanto, que no crescendo das críticas á questão ambiental e para romper o Pacto Andino de 1969, o Brasil chamou em março de 1977 os países da região amazônica, para discutir mecanismos de cooperação

11 Cf. PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA – II Plano Nacional de Desenvolvimento (1975-1979). Rio de Janeiro: IBGE, s/d. Ver Parte I – Desenvolvimento e grandeza: o Brasil como Potência Emergente, p. 21-78.

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amplos, o que foi rapidamente aceito e assinado por mais sete vizinhos, menos de um ano e meio depois, em julho de 1978, sob a rubrica de Tratado de Cooperação Amazônica (TCA).12

O fechamento do ciclo militar deu prosseguimento à política iniciada com Geisel, sob o rótulo de pragmatismo universalista. Resolveu-se o contencioso de Itaipu, tendo o governo enfrentado situação delicada com a guerra das Malvinas em 1982, envolvendo britânicos e argentinos pela posse das ilhas do Atlântico Sul. Data desses anos, mais precisamente em 1980, a substituição da ALALC pela Associação Latino-Americana de In-tegração (ALADI).

Ainda que as diferenças mais agudas no plano regional tivessem sido re-solvidas, sobretudo nas negociações tripartite com o Paraguai e Argentina, o clima obviamente não era propicio para se falar em temas como a inte-gração. Mesmo pessoas que nos anos 90 tornaram-se férreos defensores da integração regional, ocupando postos vários na administração pública ar-gentina, eram reticentes sobre essa possibilidade no final da década de 70.13

O relacionamento bilateral brasileiro-argentino ou envolvendo os de-mais parceiros da Bacia do Prata era contaminado pelas desconfianças mú-tuas, com ásperas críticas sobretudo ao papel que o Brasil estaria exercitan-do na região, em busca da hegemonia nessa parte do mundo. Pouco espaço era reservado, portanto, para colaborações mais estreitas, menos ainda fa-lar em integração regional.14

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12 Cf. MINISTÉRIO DAS RELAÇÕES EXTERIORES – Tratado de Cooperação Amazôni-ca. Brasília, MRE, 1978.

13 Cf., por exemplo – PEÑA, Felix – América Latina, Argentina, Brasil : es posible una alianza de imaginación pragmática? Texto apresentado no seminário internacional O Brasil e a Nova Ordem Internacional. promovido pela Fundação Ford/IUPERJ/PECLA-UFMG, e realizado em Nova Friburgo/RJ, 1º a 3 de dezembro de 1978, versão mimeografada.14 As divergências entre os países do Cone Sul não impediram, contudo, que redes de colabo-ração repressivas contra os opositores dos regimes ditatoriais vigentes, prosperassem, como a própria Operação Condor.

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Se o regime militar foi encerrado de forma melancólica, a ascensão de José Sarney a Presidência da República teve elementos altamente favorá-veis para impulsionar a cooperação regional. De um lado, já ocorrera a mudança do regime no país vizinho em 1983, logo após a derrota argentina no conflito pelas ilhas Malvinas no ano anterior, e a subida de Raul Alfonsín ao cargo maior da Casa Rosada. Por isso, depois que chegou ao poder, foi possível que ambos os países, recém-saídos de regimes de exceção assi-nassem os protocolos de integração em Foz do Iguaçu, algo impensável em anos bem próximos. Tal iniciativa serviu para alavancar os processos de integração regional e que se iriam ampliar nos anos posteriores. Não se deve esquecer, igualmente, as medidas tomadas em âmbito militar quando dois simpósios de estudos estratégicos reunindo o Estado-Maior das Forças Armadas brasileiras (EMFA) e o Estado-Maior Conjunto das Forças Arma-das argentinas (EMCFA) foram realizados em Buenos Aires e São Paulo em abril de 1987 e abril de 1988, respectivamente.15

No governo de Sarney, ao lado de iniciativas como essas, problemas outros se fizeram sentir com intensidade, deixando à mostra as vulnerabi-lidades nacionais. Entre essas, a questão ambiental se tornou parte impor-tante da agenda brasileira em âmbito doméstico e na política externa, com múltiplos agentes operando simultaneamente, desde os ligados ao governo em diversos setores, as organizações não-governamentais, a universidade, a Igreja e mesmo representantes de outros países, e organizações interna-cionais preocupados com os desmandos nas grandes florestas tropicais.

O tema da segurança, que anteriormente estava concentrado na Bacia do Prata, assim que se resolveu o contencioso de Itaipu voltou-se para a Bacia Amazônica. Ao mesmo tempo que foram assinados os protocolos de

15 Iniciativas consideradas importantes, essas reuniões contaram com a presença de mem-bros dos dois governos. Os textos apresentados foram publicados, posteriormente, pelo Centro de Estudos Estratégicos do Convívio - Sociedade Brasileira de Cultura. Cf. Política e Estratégia, São Paulo, CEE/SBC, vol. 5 (3), julho-setembro de 1987; Política e Estratégia, São Paulo, CEE/SBC, vol. 6 (3), julho-setembro de 1988.

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integração com a Argentina, tornou-se público o Projeto Calha Norte em 1986. No plano diplomático, inúmeras foram as reuniões entre chefes de Estado e ministros da Bacia Amazônica, com documentos diversos como a Declaração da Amazônia. Iniciativas governamentais como o Programa Nossa Natureza, ao lado do Projeto Calha Norte, ocuparam espaços apre-ciáveis na agenda dos anos 80, se bem que a crise que assolou a década na América Latina impediu avanços maiores em outras iniciativas como o próprio Tratado de Cooperação Amazônica.

E foi com discussões inúmeras sobre a segurança amazônica que se en-cerrou o primeiro governo civil pós-regime militar, e que foram também claramente retratadas por ocasião da feitura da nova Constituição de 1988.

Embora fosse reduzido o mandato de Fernando Collor de Mello, marca-do pelo fim de guerra fria, algumas decisões mostraram-se importantes para aumentar o grau de confiança regional. Por exemplo, foram interrompidos os programas nucleares da Marinha e da Aeronáutica, em Iperó e com o fechamento da base de Cachimbo, no Pará. Ao mesmo tempo, iniciou-se a demanda por uma vaga como membro permanente no Conselho de Segu-rança das Nações Unidas, aproximação mais forte com os Estados Unidos, mesma característica da última metade do governo Sarney, realizou-se a Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e Desenvolvimento (ECO 92) no Rio de Janeiro, e, ambiciosamente, projetava-se o MERCO-SUL para um período bastante rápido.

O final do século: as novas preocupações

Uma continuidade de políticas, no período de 1992 a 2003, vai mar-car a atuação brasileira nos cenários regional e internacional. De um lado, Itamar Franco à frente da Presidência da República tornou possível vigor maior à iniciativa de integração regional, desta vez com mais dois parcei-ros, construindo um bloco com intenções até então inexistentes. Pode-se dizer que a estabilidade econômica no plano doméstico se converteu na maior preocupação do governo, com a nova moeda, o real. A integração

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regional, contudo, por isso mesmo, pouco avançou, tendo os temas da defesa e segurança, igualmente, ocupado pouco espaço, inclusive pelo pe-ríodo reduzido do governo de Itamar Franco.

A eleição de Fernando Henrique traz algumas novas interpretações so-bre a realidade mundial, já no contexto denominado interdependente e glo-balizado. Nesse novo cenário, ainda em formatação, o presidente chamava atenção para a necessidade de ao mesmo tempo manter vínculos com os grandes países, mas dentro de uma visão altamente competitiva.

Foi isso que colocou em duas oportunidades, em 1996, ao fazer pales-tras em Nova Deli e na cidade do México. Na Índia ressaltou que, além de considerar que a globalização trouxe mudanças ao papel do Estado, este novo cenário “alterou radicalmente a ênfase da ação governamental, agora dirigida quase exclusivamente para tornar possível as economias nacionais desenvolverem e sustentarem condições estruturais de competitividade em escala global”.16

Em face desse novo mundo, com o acirramento da competição, tornava--se também possível o aumento da cooperação sob diversas formas. Era para essa faceta da globalização que Fernando Henrique Cardoso chamava atenção no México, ao dizer que uma das possibilidades de cooperação seria através da integração regional. Nesse caso, o MERCOSUL se conver-tia no principal projeto da diplomacia nacional.17 Pelo menos no plano da retórica isto se converteu em verdade.

Dentro das novas realidades, em que as incertezas ainda eram a marca do que poderia ser o formato do mundo ora em construção, uma conclusão havia sido feita: a necessidade de enfrentar os grandes problemas globais, e que não poderiam ser deixados de lado na agenda brasileira, como os temas dos direitos humanos e da questão ambiental.

16 Cf. CARDOSO, Fernando Henrique – Globalização (Duas Conferências). Idéias & Deba-te, Brasília: Instituto Teotônio Vilela, nº 10, 1997, p. 8.

17 Cf. Ibidem, p. 21.

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Ou seja, dever-se-ia ter posturas definidas sobre esses problemas. Por isso, a atuação no plano multilateral passou a ser mais intensa, ao mesmo tempo que se definiam novas alianças, dentro daquilo que se convencionou chamar de “parcerias seletivas”, isto é, com agentes que poderiam de fato desempenhar papel de importância no cenário global.

Isto significou, por outro lado, deixar em plano secundário, ainda que não desmerecessem atenção, os países menos desenvolvidos. Assim a Amé-rica do Sul continuou recebendo importância, pelas suas próprias particu-laridades regionais, se bem que posteriormente críticas fossem tecidas ao governo, acusando-o de relegar o próprio MERCOSUL. Segundo os que discordavam da política externa daquele momento, o MERCOSUL estava longe de ser considerado prioritário na agenda brasileira.

As constantes viagens de Cardoso serviram como pretexto para cunhar seu governo de diplomacia presidencial, aliás, mesmo rótulo com que se costumava designar o período de João Baptista Figueiredo.

Entendendo a dificuldade que os países teriam para resolver isolada-mente seus problemas, frente aos novos desafios que se colocavam em um mundo tão competitivo, tornou-se necessário, portanto, investir em solu-ções compartilhadas com outros parceiros.

Daí a ênfase, muito restrita diziam os opositores, em projetos como o MERCOSUL, ainda que Brasil e Argentina tivessem projetos individu-ais diferentes. O que se verificou, assim, é que embora fosse considerado significativo, o MERCOSUL não pode ser classificado como a alternativa maior da política externa brasileira e na qual mais se investiu. Tornou-se, obviamente, importante em função da própria localização dos agentes par-ticipantes, com visível desequilíbrio, em uma relação de poder bastante di-ferenciada entre os 4 parceiros.

As constantes divergências entre Brasil e Argentina, em praticamente todos os setores, foi destarte marca quotidiana do relacionamento no bloco. Ainda que juridicamente todos fossem considerados iguais, era patente, em termos práticos, a assimetria de poder. Foi esse tom, de lenta caminhada, que o processo de integração experimentou no final da última década do

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século, como não poderia deixar de ser, em contexto altamente desfavo-rável para países que naquele momento não eram possuidores de grandes capacidades já anteriormente acumuladas.

Além da questão do MERCOSUL, a região amazônica se converteu no grande desafio, motivo pelo qual, as políticas nas áreas externa, de defesa e segurança, tinham como foco principal a proteção da região norte do pais. Havia duas grandes frentes que deveriam ser objeto de atenção.

A primeira delas, localizada na tríplice fronteira Brasil-Argentina-Para-guai. Nessa região, considerada estratégica no Cone Sul, concentravam-se problemas de origem variada. Entre esses, o contrabando de produtos entre Ciudad del Este e Foz do Iguaçu, desde roupas, cigarros, equipamentos eletrônicos até armas.

Difícil de ser protegida a região tornava-se propicia para o desenvol-vimento de atividades criminosas, facilitada inclusive pela dificuldade na agilização de mecanismos para coibir os delitos dos dois lados da fronteira brasileiro-paraguaia. Isto porque envolviam instâncias diferentes como os Ministérios das Relações Exteriores e da Justiça, e a necessidade de trami-tar toda a documentação para solicitar providências, prender os infratores, atravessar fronteiras, etc.

O crime organizado e o tráfico de drogas, igualmente, se colocam como fatores importantes para que a preocupação governamental fosse dirigida para esse lugar.

Denúncias que começaram a surgir davam conta também, da existên-cia de grupos simpatizantes das causas árabes, que enviavam recursos para viabilizar ataques terroristas ao redor do mundo. Contudo, esta não foi preocupação que atingisse diretamente as autoridades brasileiras, mas sim, motivadas pelas denúncias oriundas basicamente por parte dos Es-tados Unidos.

A outra grande frente se referia a região bastante longínqua do Cone Sul, isto é, relacionada com a defesa e soberania do território amazônico. Por isso, após discussões que já haviam se iniciado no período Collor, através do Centro de Estudos Estratégicos da Secretaria de Assuntos Estratégicos

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da Presidência da República, foi levado a conhecimento o primeiro docu-mento sobre Política de Defesa Nacional (PDN) em 1996.18 As preocupa-ções prioritárias do país estavam claramente definidas nesse documento. A avaliação inicial, segundo o item 2.5 , era de que o contexto internacional continuava marcado por incertezas, daí a necessidade de que a vertente militar deveria receber a devida importância, inclusive para a sobrevivência dos próprios Estados como unidades independentes. Embora a América do Sul fosse considerada a região mais desmilitarizada do mundo, nem por isso, deixava de existir preocupações. Segundo a PDN,

persistem zonas de instabilidade que podem contrariar interesses brasilei-

ros. A ação de bandos armados que atuam em países vizinhos, nos lindes

da Amazônia brasileira, e o crime organizado internacional são alguns dos

pontos a provocar preocupações.19

Levando em conta tanto o cenário global, quanto o regional, a postura brasileira era de que se deveria adotar uma postura dissuasória de caráter defensivo. Deviam ser objeto de inquietação, portanto, aquelas que esta-vam mencionadas no corpo do documento, quais sejam: proteger a Ama-zônia brasileira, com o apoio de toda a sociedade e com a valorização da presença militar (item j) e priorizar ações para desenvolver e vivificar a faixa de fronteira, em especial nas regiões norte e centro-oeste (item l).

Ainda que se tratasse de uma minuta – que não recebeu as devidas aten-ções em instâncias como o Congresso Nacional – o documento tornou-se a primeira iniciativa governamental na área, como um todo, procurando definir problemas e estratégias. Extremamente abrangente, contudo, a PDN se tornou o ponto indicador de quais seriam as prioridades nacionais a partir

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18 Este documento foi publicado pela revista Parcerias Estratégicas, Brasília, Centro de Estudos Estratégicos da Secretaria de Assuntos Estratégicos, vol. 1 (2): 7-15, dezembro de 1996. Desta publicação foram retiradas as citações mencionadas nos parágrafos seguintes. Neste mesmo exemplar encontram-se vários estudos sobre a Política de Defesa Nacional.

19 Idem, Op. Cit., p. 9

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de então na formulação e implementação das políticas nacionais voltadas para a proteção dos interesses nacionais.

Na realidade, a ineficácia do Projeto Calha Norte, com nome alterado para Programa Calha Norte, não tendo conseguido dar conta dos problemas amazônicos, obrigou a que o governo elaborasse políticas mais efetivas.20 Dai a criação do Sistema de Vigilância da Amazônia/Sistema de Proteção da Amazônia (SIVAM/SIPAM), cujo primeiro estágio foi concluído em 2002. Entre as diversas tarefas dessa iniciativa estavam a de mapear quei-madas, monitorar o espaço aéreo, instalação de radares fixos e móveis e proteção das fronteiras.

A etapa seguinte foi a criação do próprio Ministério da Defesa em 1999, convertendo os antigas pastas da Marinha, Aeronáutica e Exército em co-mandos militares, ainda que seus titulares usufruíssem de status ministe-rial. Algumas dificuldades em torno do novo ministério passaram a se fazer presentes. Em primeiro lugar, as divergências sobre a origem do titular, se militar ou civil. Em segundo lugar, a possibilidade de não entendimento entre os comandantes militares a aceitarem políticas voltadas para sua área, elaboradas por civis. Em terceiro lugar, o próprio prestígio de quem assu-miria o Ministério da Defesa, se conseguiria “impor sua vontade” como chefe da área.

Em termos da política de defesa e segurança, o Brasil passou a par-ticipar, também regularmente, das reuniões dos Ministros da Defesa do Hemisfério, a cada dois anos, depois do primeiro encontro realizado nos Estados Unidos, na cidade de Williamsburg/VA em 1995. Ainda que em tais oportunidades fossem apenas estabelecidas diretrizes gerais, as mes-mas mostraram-se importantes, porque propiciaram a realização de ne-gociações bilaterais, aproveitando a oportunidade da presença de todos os titulares da Defesa do continente nesses eventos.

20 Informações pormenorizadas sobre as atividades do PCN podem ser encontradas no se-guinte site: https://www.defesa.gov.br/programa_calha_norte/index.php. Acesso em 20 de abril de 2010.

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A agenda atual

No inicio do novo século, a política externa brasileira passou a operar em um cenário caracterizado pelo alto grau de competição, que já marcava os últimos anos do governo anterior. Algumas características poderiam ser mencionadas como objetivos procurados pelo governo: a vaga como mem-bro permanente do Conselho de Segurança das Nações Unidas; ênfase no relacionamento com a América Latina, primordialmente a América do Sul, como seu grande espaço regional; as negociações internacionais, principal-mente em Doha.

Ao longo dos anos outros elementos igualmente importantes foram acrescentados à pauta da política externa nacional, como a demanda por cargos de alta direção das organizações internacionais, a possibilidade de agir como ator de importância, mediando conflitos, ou oferecendo-se para tal, ajuda a países menos favorecidos tanto na África quanto no próprio continente, participação em missões de paz, formação de blocos alternati-vos ao G-8, e forte ênfase no relacionamento Sul-Sul. Alem disso, em ter-mos da concepção estratégica, reformulou-se a Política de Defesa Nacional de 1996, com novo documento em 2005, ao mesmo tempo que divulgou em dezembro de 2008, a Estratégia Nacional de Defesa.

Com agenda tão ampla e diversificada, certamente que nem todos os tópicos recebem igual atenção. Por isso, apesar do discurso, com o pas-sar do tempo, em face das prioridades estabelecidas e também por causa das dificuldades no contexto regional, o MERCOSUL esteve longe de ocupar o primeiro plano da política externa brasileira. Teve e continua tendo papel importante, é bem verdade,e continua como prioridade, mas muito mais no plano retórico do que no sentido prático de progresso do mesmo, ainda que outros parceiros tenham sido incorporados nos últimos anos.

Desde que assumiu o governo em 2003, Lula obteve uma série de su-cessos, mas igualmente amargou vários revezes. A retórica para a resolução dos grandes problemas mundiais, como a fome e o combate a pobreza ren-

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deram altos dividendos. Tanto é assim que ao longo de seu mandato recebeu inúmeras premiações tanto de governos, quanto de instituições internacio-nais, sendo inclusive aclamado como uma das grandes lideranças mundiais. A seu favor, portanto, deve-se contar tais iniciativas, ainda que estritamente no plano retórico, e sem chances de se converterem em políticas mundiais práticas. Deve-se considerar, entretanto, que nesses anos observou-se tam-bém de forma visível a falta de grandes lideranças internacionais, e os pró-prios problemas enfrentados pelas grandes nações, envolvidas em conflitos longe de seus territórios, e motivo de fortes discussões domésticas sobre como deixar ou não o palco de guerra.

A ênfase no relacionamento com o Sul pouco trouxe de produtivo, não se convertendo em frente efetiva contra as grandes potências. Por isso mes-mo, ao lado dos países em desenvolvimento o governo deu importância não apenas ao relacionamento com os Estados Unidos, com a União Européia e com o Japão, mas abriu frentes com outros de igual porte, os dito emergen-tes, formando blocos variados segundo interesses específicos, seja através do G3, G4, IBAS, BRIC, etc. Nesse contexto, países como a Índia, a China, Rússia e África do Sul desempenham papel significativo na agenda externa brasileira.

Da mesma forma, a busca incessante por cargos de direção nas orga-nizações internacionais foi marca constante das demandas brasileiras. Po-dem ser listadas desde as ambições para a ocupação de cargos no Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), na Organização Internacional do Trabalho (OIT), Organização Mundial do Comércio (OMC), sem nos esquecermos da procura maior no Conselho de Segurança da ONU.

Entre demandas de tal tipo, procurou aumentar seus espaços na tentativa de mediar conflitos, oferecendo-se para exercer tais cargos, embora nem sempre tivesse sucesso, como pode ser visto na questão do Oriente Médio ou do Irã. Mas marcou forte presença em regiões de conflito, como no caso haitiano, antes e depois do terremoto que devastou o pais. Certamente tal papel não foi feito gratuitamente, mas visando mostrar ao mundo que, além de suas próprias políticas domésticas e de suas demandas, o país se preo-

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cupa realmente com a sorte dos menos favorecidos, mostrando, simultane-amente que está apto a desempenhar papel de relevo no concerto mundial, ao lado das grandes potências que formatam a ordem mundial, ou seja, que ditam as regras de como deva funcionar o mundo.

No que nos interessa mais de perto, e que diz respeito a integração re-gional, em principio o governo investiu fortemente na aproximação com os países sul-americanos, mormente com o vizinho portenho. Ainda que discussões tenham se sucedido ao longo do tempo, nem sempre com os re-sultados esperados, mesmo assim o governo brasileiro não deixou de lado o tema. Tanto é assim, que, em grande parte por suas iniciativas, Bolívia e Venezuela foram posteriormente incorporados ao MERCOSUL, ampliando sobremaneira não apenas o bloco, mas estendendo-o geograficamente para o norte do continente.

A Integração da Infra-Estrutura Regional Sul-Americana (IIRSA) e os fundos destinados pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social se colocam como agentes importantes da política externa brasileira nesse quesito.21 Deve-se ponderar que a parte de integração física , além das próprias dificuldades geográficas, tem elementos difíceis de serem con-cretizados. Entre esses, a falta de recursos pelos países da região, e que, necessariamente, teriam que obter tais divisas, por intermédio das grandes agências internacionais, ou através de parceiros locais como o Brasil, que detém condições mais favoráveis que os vizinhos.

Certamente a política ativa e altiva, como se refere o presidente à con-duta externa do país, nem sempre atingiu os objetivos almejados. Além

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21 Para informações mais precisas sobre a IIRSA, consultar o site: http://www.iirsa.org/in-dex.asp?CodIdioma=ESP. Acesso em 23 de abril de 2010. Um estudo sobre o papel de-sempenhado pelo BNDES no cenário regional pode ser encontrado em ALVES, Rodrigo Maschion – A temática financeira na agenda da política externa do governo Lula. O BNDES e o modelo de participação e exportação financeira do Brasil na América do Sul. Dissertação de mestrado defendida no Programa de Pos-Graduação em Relações Internacionais UNESP--Unicamp-PUC/SP, 2008, digitalizada. Texto disponível em: http://www.santiagodantassp.locaweb.com.br/br/arquivos/defesas/MaschionAlves.pdf. Acesso em 28 de abril de 2010.

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dos insucessos na procura de cargos, nos apoios muito polêmicos como no caso da sucessão do diretor da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), de episódios polêmicos como a extradição de Cesare Battisti para a Itália onde é acusado de ter cometido crimes, de interferência em assuntos internos no caso de Honduras, ou de relacionamentos difíceis com países como o Irã, justificando a soberania de seus atos, o Brasil enfrentou dificuldades, em grande parte, pela opções realizadas, e que não conseguiram convencer a comunidade internacional sobre a certeza de suas decisões, que foram contrárias ao que do país se esperava.

Em termos da política de defesa e segurança, o início do governo Lula não foi tão auspicioso como se desejaria, já que uma semana apenas de-pois da posse, o ministro Roberto Amaral da Ciência e Tecnologia dizia em alto e som que o país estava interessado na tecnologia atômica, visando a construção de bombas. Algumas áreas mereceram especial atenção e que, na prática, pouco diferiam dos governos anteriores. Assim, a Amazônia, e o Atlântico mantiveram-se como regiões as quais o governo deveria estar atento. Ao lado das prioridades geográficas, dois elementos devem ser men-cionados: o primeiro, a reformulação do documento da Política de Defesa Nacional, agora em sua versão mais elaborada de acordo com o Decreto nº 5.484, de 30 de junho de 200522; o segundo, a elaboração da Estratégia de Defesa Nacional conforme o Decreto nº 6.703, de 18 de dezembro de 2008, sob supervisão de Roberto Mangabeira Unger, então na Secretaria de Assuntos Estratégicos.23

Em sua segunda edição, a Política de Defesa Nacional considera o am-biente internacional pós-guerra fria suscetível a conflitos de caráter étnico e religioso, exacerbação de nacionalismos e fragmentação de Estados que

22 Cf. MINISTÉRIO DA DEFESA – Política de Defesa Nacional. Brasília: Gráfica do Exér-cito, 2005. Este documento pode, também, ser acessado em http://www.defesa.gov.br. 23 Consultar este texto em http://www.defesa.gov.br. Acesso em 15 de março de 2010.

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ameaçam a ordem estabelecida. Nesta ordem, o desafio para os países em desenvolvimento é o de uma

inserção positiva no mercado mundial. Assim, a PDN defende o multilate-ralismo e fortalecimento das organizações internacionais, apoiadas no res-peito ao direito internacional e nas regras de convivência harmônica entre os diversos Estados para que o bem-estar da humanidade seja preservado.

Percebendo o quadro internacional como distinto do período da guerra--fria, agora com novos atores, como os não-estatais, deve-se levar na devida conta as novas ameaças que podem desestabilizar a paz, a segurança e a ordem democrática existente.

Em termos regionais, percebe-se a existência de zonas de instabilidade e de ilícitos transnacionais, que podem atravessar as fronteiras e afetar outros países da América do Sul. No caso, poderíamos imediatamente lembrar dos casos colombiano e das tríplices fronteiras do norte (Letícia) e do sul (Foz do Iguaçu).

Para o estabelecimento das diretrizes da política nacional de defesa, re-força-se que os princípios adotados obedecem sempre a Constituição Fede-ral de 1988, que tem, como um de seus princípios, o repúdio ao terrorismo. Ao mesmo tempo que se defende o uso da tecnologia nuclear como bem econômico para fins pacíficos, considera-se como um dos grandes objetivos do país, a projeção no concerto das nações e sua maior inserção em proces-sos decisórios internacionais. O aumento da presença militar no Atlântico Sul, a denominada Amazônia Azul e a Amazônia são elementos altamente considerados, ao mesmo tempo que se reforça a necessidade de proteção dos espaços aéreo e marítimo e, para tal, a necessidade de recursos a altura.

Por sua vez, a Estratégia Nacional de Defesa focaliza suas atenções em três grandes eixos: reorganização das Forças Armadas, reestruturação da indústria brasileira de material de defesa e política de composição dos efe-tivos das Forças Armadas.

Dentre as diretrizes da END pode-se destacar um dos princípios básicos, qual seja, o de dissuadir a concentração de forças hostis nas fronteiras ter-restres, nos limites das águas jurisdicionais brasileiras e impedir-lhes o uso

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do espaço aéreo nacional. Das áreas que merecem atenção deve-se estar atento para a faixa que vai de Santos a Vitória e aquela em torno da foz do rio Amazonas. Não se descarta a necessidade de submarinos de propul-são nuclear, motivo pelo qual apesar de ser signatário de tratados de não--proliferação nuclear, o país não deve se despojar dessa tecnologia. Afinal de contas, o setor nuclear tem valor considerado estratégico, sendo difícil, haver uma precisa divisão entre desenvolvimento e defesa. Para dar conta de seus compromissos, assegurar a projeção do país, necessário se torna a reorganização da indústria de material de defesa, para ela estabelecendo um regime legal, regulatório e tributário especial.

Ainda que se trate mais de uma carta de intenções, havendo necessidade de discussões maiores, como o próprio documento sinaliza, com a socie-dade, trata-se de um ambicioso projeto que procura alavancar o país nesse setor, promovendo os vetores necessários para dois aspectos: tornar-se um pais poderoso e, com essa variável, apto a proteger e projetar os interesses nacionais.

Considerações finais

Conforme vimos, ao longo do texto, nem sempre ocorreram momentos favoráveis que pudessem fazer com que as políticas externa, de defesa e segurança e de integração regional marchassem na mesma cadência. Fatos dessa natureza são perfeitamente normais, em virtude das oscilações das conjunturas regional e internacional. O contexto interno, da forma como apresentamos, também se apresenta como elemento que dificulta a elabora-ção de políticas uniformes, sobretudo para um período mais elástico.

O que podemos observar nas últimas décadas, e no início deste novo século é que, embora haja uma nova ordem ainda em gestação, e a exis-tência de um discurso chamando a atenção para o mundo globalizado e interdependente, onde os Estados estariam desempenhando papel de menor importância do que atores como as grandes empresas transnacionais ou or-ganizações intergovernamentais e não-governamentais, a realidade tem se

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apresentado de forma bastante distinta. Os interesses nacionais têm marcado forte presença e de maneira cons-

tante na definição das políticas públicas. Ao assim se comportarem, pode--se entender as dificuldades encontradas pelos Estados quando se analisa a possibilidade de aprofundamento da colaboração, rumo a uma efetiva in-tegração regional. As inquietações de cada país têm sido colocadas como prioridades para seus governantes, ficando a cooperação em plano secundá-rio.

Contudo, pode-se, igualmente, considerar que, nas últimas décadas, inú-meras iniciativas caminharam no sentido de aproximar povos e governos no continente. As dificuldades para que ocorram um processo integrativo, como se poderia desejar, está diretamente ligada a ótica prevalente de que as fronteiras devem ser obedecidas, e o conceito de soberania, ainda que de forma distinta do tradicional, ocupa lugar crucial para os governantes e os Estados.

Como a política externa, de defesa e segurança, ao lado da integração, são temas sensíveis e envolvem a questão da soberania (ou perda da mes-ma), em um mundo conturbado, de indefinição de como será a ordem in-ternacional nas próximas décadas, políticas conjuntas envolvendo muitos países dificilmente serão acolhidas e levadas a cabo, deixando de lado as prioridades individuais. A recente crise pela qual passou a União Européia (que já tem mais de meio século de experiência em políticas de integração) para solucionar os problemas envolvendo a Grécia deixaram muito claro o que se pode esperar de iniciativas e políticas mais ousadas, visando romper com os interesses particulares de cada Estado.

No caso do continente sul-americano, encontram-se países com mode-los políticos que não se identificam plenamente. Aqui ocorrem fortes diver-gências políticas, econômicas e mesmo envolvendo questões territoriais. Por isso, avanços mais significativos serão pouco provaveis nos próximos anos, com o intuito de construir um bloco regional unificado, coeso, e que possa, no contexto global, onde imperam as relações de poder, fazer frente aos grandes agentes e ocupar seu lugar junto a eles nas decisões que afetam

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a estrutura do sistema internacional. Mas pode-se também dizer que inicia-tivas recentes como a União de Nações Sul-Americanas (UNASUL) e o Conselho de Defesa Sul-Americano teriam como finalidades justamente a de aglutinar os povos da região em torno de uma proposta para a resolução de problemas comuns e de defesa de interesses compartilhados.

Por último, vale lembrar que, independentemente das políticas governa-mentais, as grandes empresas tanto do setor comercial e industrial quanto do financeiro e de prestação de serviços, têm investido em outros países da região, e mesmo fora do continente, em busca de novas oportunidades e alternativas. Assim, tornou-se rotineiro encontrar nos territórios vizinhos empresas brasileiras como Banco Itaú, Banco do Brasil, Petrobrás, Ode-brecht, aproximando a região por outros mecanismos.

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A tramitação do protocolo de adesão da Venezuela ao Mercosul na Ar-gentina e no Uruguai ocorreu de forma célere, do recebimento da matéria no Congresso até a sanção presidencial decorreram apenas 22 e 106 dias, respectivamente. Na Argentina, o mais surpreendente é que a matéria foi votada e aprovada no plenário das duas casas legislativas no mesmo dia, praticamente sem debates. Já no caso do Uruguai, apesar do também exíguo tempo de tramitação, o protocolo foi alvo de intenso debate em plenário com acusações mútuas entre o governo da Frente Ampla e os partidos de oposição – Colorado e Nacional – de que o tema estava sendo tratado de forma ideológica. No Brasil, o protocolo tramitou durante 34 meses, um tempo bastante estendido se comparado aos seus vizinhos, à exceção do Pa-raguai que até o momento ainda não se manifestou sobre o tema. A análise dos recursos institucionais dos presidentes e a distribuição de preferências nas casas legislativas ajudam a explicar parcialmente a diferença de resul-tados (Santos, Almeida e Vilarouca, 2008).

Quais fatores adicionais explicariam a conturbada tramitação do proto-colo, além da ausência de maiorias bicamerais consistentes tais como as en-contradas na Argentina e no Uruguai? Neste artigo tentaremos demonstrar que as imprevisíveis ações políticas do mandatário venezuelano alteraram

A adesão da Venezuela ao Mercosul no Congresso Brasileiro

A adesão da Venezuela ao Mercosul no Congresso Brasileiro

Fabiano Santos (IESP/UERJ) Márcio Vilarouca (CPDOC/FGV)

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constantemente os termos do debate no Congresso, gerando incerteza e pro-vocando oscilações nos posicionamentos dos parlamentares acerca dos cri-térios relevantes a nortear a apreciação da adesão: superávit comercial, ade-quação ao quadro normativo do Mercosul, democracia ou direito de veto em acordos internacionais? Ou tal como expresso nos termos da disputa partidária: a questão deveria ser tratada de forma estratégica, sem conside-ração do mandatário temporário, portanto, como política de Estado, ou a separação artificial entre Chávez e a Venezuela deveria ser considerada im-procedente para os interesses do bloco? Neste estudo de caso, enfatizamos que o “fator Chávez” é parte da equação, embora insuficiente como fator explicativo, porque devemos levar em conta a questão de fundo principal, que é a divergência de preferências entre as principais lideranças partidárias e parlamentares do governo e oposição em torno dos temas relativos à política externa ou acerca do modelo adequado de inserção internacional brasileira.

O artigo está divido em três seções principais. Na primeira parte, pro-cedemos a uma rápida descrição do protocolo, referenciando os pontos que geraram maior controvérsia durante os debates parlamentares, para a se-guir apresentar uma cronologia do conturbado início da tramitação, marca-da pelo conflito entre Chávez e o Senado brasileiro, justamente na câmara legislativa onde o governo Lula apresentava os maiores problemas para a aprovação de suas leis. Neste caso, a oposição percebeu rapidamente a potencialidade do issue Chávez como mecanismo de desgaste do gover-no, fato que, adicionalmente apresentava potencial de extravasar o conflito para além da clivagem governo versus oposição. No entanto, como haví-amos mencionado, não se deve obscurecer o ponto principal, qual seja, a existência de diferenças significativas entre os partidos sobre as escolhas de política externa. Nas duas seções seguintes, analisamos a tramitação na Câmara dos Deputados e no Senado, incluindo os debates nas comissões e nos plenários, os pareceres dos relatores e os resultados das votações. Na parte final, daremos destaque aos posicionamentos de governo e oposição sobre as diversas dimensões do protocolo de adesão da Venezuela através de um quadro-resumo.

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A Mensagem Presidencial e o Protocolo de Adesão. Em curta exposi-ção de motivos, contida na mensagem presidencial enviada à Câmara, o Ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, ressaltava a dimensão econômica do bloco que, com a adesão da Venezuela, passaria a somar 250 milhões de habitantes, com um PIB equivalente a 76% do total da América do Sul. Na dimensão estratégica ressaltou-se o potencial de produção mun-dial de “alimentos, energia e manufaturas” e os efeitos positivos sobre o desenvolvimento do setor de infra-estrutura, que contribuiriam para o apro-fundamento da integração da região (Mensagem presidencial n° 82/2007). Neste caso, conforme subscrito no preâmbulo do Protocolo entre os Estados contratantes, a referência de longo prazo é a “consolidação do processo de integração da América do Sul no contexto da integração latino-americana”. O Protocolo, em seu artigo 3°, determina que a Venezuela deverá se ade-quar ao acervo normativo do Mercosul no prazo de quatro anos, contado a partir da entrada em vigência do protocolo. Para consecução de tal objetivo determinou-se a criação de um grupo de trabalho com o prazo de 180 dias para a conclusão das negociações de caráter econômico - o cronograma de liberalização comercial que incluiria, entre outras coisas, as definições acerca da Tarifa Externa Comum e das listas de produtos em exceção (art. 11) -, e também as relativas a acordos anteriores com terceiros países (art. 7). O artigo 8°, por sua vez, incluía de forma imediata a participação de uma delegação da Venezuela nas negociações futuras do bloco com tercei-ros países. No artigo 5° fora firmado datas limites diferenciadas para o es-tabelecimento do livre comércio de forma a respeitar as assimetrias entre os países1. Importante ressaltar que em 2006, a Venezuela havia se retirado do Pacto Andino que, por sua vez, havia anteriormente concluído um acordo de complementação econômica com o Mercosul, o ACE 59, que havia ge-

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1 Por isso, por exemplo, o deadline de liberalização do Brasil e Argentina em relação à Ve-nezuela era 1˚ de janeiro de 2010, mas da última para os primeiros era de 1˚ de janeiro de 2012, à exceção dos produtos sensíveis cujo prazo foi estendido até 2014.

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rado efeitos imediatos nos fluxos de comércio entre o Brasil e a Venezuela. Como forma de adequar esta sobreposição normativa, já que a Venezuela era participante do ACE 59, o artigo 6 definiu que seus efeitos deixariam de vigorar em 1˚ de janeiro de 2014. Como veremos, mais a frente, os artigos 6, 7, 8 e 11 foram alvos de intensa disputa entre governo e oposição.

Antecedentes e a “cronologia do conflito”. Um dia após a chegada da mensagem presidencial à Câmara, os senadores Eduardo Azeredo (PSDB/MG) e Flexa Ribeiro (PSDB/PA) convidaram o ex-embaixador brasileiro nos Estados Unidos, Roberto Abdenur, para comparecer à Comissão de Re-lações Exteriores e Defesa Nacional (CRE), em virtude de seu depoimento concedido à revista Veja, na qual afirmara que estava em curso um pro-cesso de ideologização do Itamaraty, que teria como desdobramentos mais imediatos a seleção ideológica dos embaixadores e, por conseguinte, no longo prazo, uma política marcadamente anti-americanista. Respondendo a um questionamento do senador Arthur Virgílio, Abdenur teria afirmado que a entrada da Venezuela no Mercosul seria “inadequada, indesejável e contraproducente por razões políticas e econômicas” (Agência Senado, 27/02/2007), já que, entre outras coisas, o comportamento do governo Chá-vez se chocaria com as exigências da cláusula democrática do Mercosul. Parece óbvio que os partidos de oposição no Senado, antes mesmo da men-sagem adentrar aquela casa, viram na reportagem de Abdenur uma ótima oportunidade de carimbar no governo Lula uma imagem de cunho esquer-dista-autoritário, e a associação imediata com a figura de Chávez ajudaria a reforçar esta estratégia. Entretanto, a polarização em torno da política ex-terna não parecia se resumir a um mero movimento de desgaste do governo, visto que assumiria também a forma de um embate em torno de policies, o que pode ser evidenciado pelas declarações do senador Marco Maciel (PFL/PE), nesta mesma reunião, de que o Mercosul deveria se aproximar e retomar negociações com a União Européia e com a ALCA. Avaliação semelhante foi apresentada por Arthur Virgílio (PSDB/AM) com críticas a estratégia “terceiro-mundista” adotada pelo Brasil, com o conseqüente dis-tanciamento dos Estados Unidos. Em sua avaliação, o Brasil “tem sofrido”

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prejuízos econômicos ao deixar de seguir a estratégia de acordos bilaterais, tal como adotado pelo México (Agência Senado, 11/05/2007).

O fator de instabilidade: Chávez e o Senado brasileiro. Apesar da maio-ria folgada da coalizão do governo na Câmara, uma série de incidentes con-tribuíram no sentido de tornar incerta a adesão da Venezuela ao Mercosul, sendo o fator inicial a revogação da concessão de funcionamento da RCTV em 27 maio de 2007. Poucos dias depois, por meio de iniciativa do senador Eduardo Azeredo (PSDB/MG), a CRE aprovou um requerimento em forma de apelo para a reabertura do canal de televisão, com 15 votos favoráveis e apenas dois contrários2 (FSP, 31/05/2007). Não obstante, ao institucio-nalmente fraco apelo seguiram-se outras manifestações mais radicais, tais como a sugestão encampada pelos senadores Gerson Camata (PMDB/ES) e Marisa Peirano (PSDB/MS) de expulsar a Venezuela do Mercosul, com apoio do presidente da CRE, senador Heráclito Fortes (DEM/PI). (Agência Senado, 30/05/2007)

A crise ganhou fôlego no dia seguinte com a reação de Chávez, acu-sando o Congresso brasileiro, mas referindo-se mais especificamente ao Senado, de ser papagaio de Washington e representante da direita. Tal de-claração adicionou um ingrediente institucional à crise, justamente na Casa legislativa onde Lula enfrentou as maiores resistências em seu primeiro mandato de governo (Vilarouca, 2008) e, adicionalmente, aumentou o risco de que o conflito extravasasse a clivagem inicial governo versus oposição. Há que se destacar que neste momento a proposição nem tinha ainda aden-trado a comissão de relações exteriores e de defesa nacional da Câmara dos Deputados (CREDN). No início de junho, o líder do PSDB, senador Ar-thur Virgílio, em discurso no Senado, anunciou que seu partido iria obstruir qualquer votação sobre a entrada da Venezuela no Mercosul, em ambas as

A adesão da Venezuela ao Mercosul no Congresso Brasileiro

2 Os únicos votos contrários foram de José Nery (PSOL-PA) e Inácio Arruda (PCdoB-CE). Nesta época, do total de 19 membros da comissão, apenas 7 pertenciam ao bloco de oposi-ção formado por PSDB-DEM. Na Câmara dos Deputados, também no dia 30 de maio, foram apresentadas duas moções de repúdio, uma pelo deputado João Almeida (PSDB/BA) e outra pelo deputado Júlio Redecker (PSDB/RS).

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Casas, até que o governo Chávez se retratasse acerca de suas declarações, ao que foi acompanhado pelos Democratas. O Senador lembrou a impor-tância da cláusula democrática do Mercosul, que foi usada quando da ame-aça de golpe no Paraguai em 1996 e apresentou um requerimento na CRE solicitando voto de repúdio às referidas declarações. A ofensiva prosseguiu com um convite de autoria de Eduardo Azeredo (PSDB-MG), para que o presidente da RCTV comparecesse a CRE para comentar sobre a cassação da concessão3. O ponto a ser ressaltado é que, antes da desmedida atitude de Chávez, a oposição já tinha percebido a oportunidade de estigmatizar a política externa do governo Lula de ideológica. No entanto, o “fator Chá-vez” deu maior ímpeto a estratégia de associar o governo a um regime au-toritário, por meio da evocação da Cláusula Democrática. No dia 3 de julho, com uma nova contribuição para a escalada da crise, o presidente Chávez estabeleceu o prazo de 3 meses para que os congressos do Brasil e Paraguai se manifestassem sobre o protocolo de adesão. A ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, reagiu imediatamente repudiando o ultimato. Novamente, a crise ganhou maior visibilidade no Senado Federal. O senador Jefferson Péres (PDT/AM) sugeriu que o Congresso não iniciasse a análise do proto-colo até que se esgotasse o prazo do ultimato. O governo, contudo, já havia tomado a dianteira com uma nova estratégia de contenção do conflito, orga-nizando uma visita do embaixador da Venezuela as comissões de relações exteriores do Congresso4.

3 A vinda do presidente da RCTV teria sido feita inicialmente através de convite da ABERT - Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão. Diversos líderes de movimentos sociais, entidades sindicais e estudantis apresentaram manifesto “contra golpista da RCTV no Brasil”, entre elas a CUT, a UNE, UBES e o MST (site do Partido dos Trabalhadores, 30/06/2007).4 A crise se amplificou com as preocupações e resistências apresentadas pelo setor empresa-rial, com a interpretação de que os ganhos crescentes de comércio pudessem ser revertidos por custos políticos futuros de negociação com a União Européia e EUA, preocupação que se intercalava com a identificação da “incompletude” do processo de negociação. Ao mes-mo tempo as federações comerciais e industriais das regiões Norte e Nordeste firmaram o “Manifesto de Manaus” avalizando o potencial de complementaridade da Venezuela com as duas regiões e, adicionalmente, reivindicando que a integração deixasse de ser um projeto que beneficiasse apenas o Sul e o Sudeste.

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A tramitação na Câmara dos Deputados

A mensagem presidencial, oriunda do Protocolo de Adesão subscrito pe-los países membros e plenos do Conselho do Mercado Comum (CMC) em meados de 2006, deu entrada na Câmara dos Deputados em 26 de fevereiro de 2007. Inicialmente, o texto tramitou em regime de prioridade na Comis-são Parlamentar Conjunta do Mercosul5 (CPCM), onde aguardava a nome-ação do relator desde março de 2007. Os membros da CPCM, em momento seguinte, passaram a fazer parte da delegação brasileira no Parlamento do Mercosul, que foi oficialmente instaurado em maio de 2007. Parte do atraso na tramitação da mensagem presidencial na Câmara pode ser creditada a conseqüente extinção da CPCM, que impedia que a tramitação da matéria tivesse prosseguimento. Em virtude disto, somente quatro meses depois a mensagem foi remetida à CREDN, cuja relatoria ficou sob responsabilidade do deputado Doutor Rosinha (PT/PR), que emitiu parecer favorável a ma-téria no final de agosto.

Aprovação na Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional. O parecer do deputado Rosinha deve ser analisado sob vários prismas, com a identificação de diversos eventos e fatos arregimentados para conferir coerência à escolha da Venezuela como parceira estratégica e, ademais, da sua inclusão como membro pleno do Mercosul. O relator, após descrever os artigos do protocolo, esboça um rápido histórico sobre a situação política e econômica daquele país, ressaltando, entre outras coisas:1) a relação de dependência com os EUA, por meio da exportação do petróleo, 2) fato que teria conduzido o país ao isolamento diplomático (inclusive em relação ao Brasil), por meio da doutrina Bettancourt, que restringia as relações di-plomáticas do país às nações democráticas; uma espécie de subproduto da

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5 A comissão era formada por igual número de deputados e senadores, perfazendo um total de dezoito parlamentares, dos quais apenas seis eram de partidos declaradamente de oposi-ção - PSDB, DEM e PPS.

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influência norte-americana que tinha por intenção o isolamento de Cuba. De certa forma, não deve passar despercebido a associação intencional feita pelo relator entre exigências democráticas e isolamento. Argumento caro a oposição, a cláusula democrática, relembra o autor, só poderia ser usada em caso de “ruptura da ordem democrática”, tal como estabelecido no Proto-colo de Ushuaia, firmado em 1998. Desta forma, não poderia ser evocado, particularmente, no que concerne a cassação da concessão da RCTV, mas poderia ter sido utilizada quando do golpe empreendido pela oposição ve-nezuelana contra Chávez, em 2002.

Outro foco importante na argumentação do deputado passa por um apa-nhado do “adensamento” das relações bilaterais entre Brasil e Venezuela, processo de longa data, que incluiu esforços do governo Itamar Franco, desembocando na mensagem proposta por Lula. O fato que ganha destaque no parecer foram os diversos encontros entre Fernando Henrique Cardoso e Chávez e o correspondente intercâmbio de idéias, em 1999, sobre a criação de uma área de livre comércio entre o Mercosul e a Comunidade Andina. O autor tentar tornar explícito que já era vislumbrado a oportunidade de integração da Venezuela pré-Chávez ao Mercosul. Todo este percurso tinha como elemento discursivo subjacente a defesa de que o protocolo de adesão da Venezuela não era uma opção entre governos, que são transitórios, mas sim uma política de Estados com interesses estratégicos de longo prazo6, ou como diz o autor “uma realização de vários governos de diferentes matizes político-ideológicos” (Parecer Dr. Rosinha, 21/08/2007). De forma clara, a influência norte-americana aparece como aspecto negativo no parecer, seja através da ALCA, seja por meio da presença em solo colombiano. Ao mes-mo tempo a experiência da União Européia é invocada como uma aposta

6 Quais os interesses estratégicos apontados pelo relator? O deputado menciona a importân-cia da ampliação dos fluxos comerciais (o superávit brasileiro e os investimentos externos naquele país), a complementaridade energética, a criação do corredor de exportação para o Caribe e a possibilidade futura de integração da América do Sul, como forma de ampliar o “protagonismo internacional desse bloco econômico em foros estratégicos de negociação”.

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de longo prazo, bem sucedida na resolução das diferenças e disputas entre os países, como um símbolo de que “instabilidades” podem ser superadas. Neste sentido, o relator sugere que não se deve temer que “a retórica de Chávez” se sobreponha aos interesses estratégicos da Venezuela, e nem a aproximação entre esta última e a Argentina, numa referência indireta a temores expressos pelos partidos de oposição.

Obviamente que o relator não descurou da abordagem das questões eco-nômicas, lembrando que o superávit brasileiro com a Venezuela, em 2006, havia sido de US$ 3 bilhões. Ao mesmo tempo, o autor advertiu sobre o problema concernente ao artigo 6° do protocolo, constantemente ignorado pela oposição, de que, na realidade, o ACE 59 ficaria sem efeito a partir de 1˚ de janeiro de 2011, com a eliminação das atuais preferências tarifárias e prejuízos consideráveis às exportações brasileiras.

No dia 28 de setembro, por meio de acordo entre líderes, a votação do parecer foi adiada, devido às reiteradas críticas da oposição concernentes às indefinições do cronograma tarifário e das negociações de acordos comer-ciais anteriores a firma do protocolo, mas também devido à nova declaração de Chávez, ocorrida no dia 20, em Manaus, de que o atraso da apreciação no Congresso brasileiro se devia à “mão do império” (Agência da Câmara, 28/09/2007). No Encontro, que tinha como um dos objetivos a discussão da parceria para a construção de uma refinaria em Pernambuco, por meio de acordo entre a PDVSA e a Petrobrás, Chávez teria se queixado de que o aumento das exportações brasileiras para a Venezuela fora resultado de “von-tade política” por parte de seu governo (OESP, 20/08/2007), fato que faz refe-rência a sua saída da Comunidade Andina e, posterior, opção pelo Mercosul.

Depois de sucessivos adiamentos, finalmente, em 24 de outubro, a CREDN votou o parecer favorável à Mensagem, com o governo angarian-do 15 votos favoráveis, de um total de 30 membros da comissão. Como os partidos de oposição (PSDB, DEM e PPS)7 estavam em obstrução, as

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7 O bloco PSDB, DEM e PPS era composto de apenas 9 deputados.

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presenças de Fernando Gabeira (PV/RJ), que se absteve, e do Democrata Francisco Rodrigues (DEM/RR), que votou favoravelmente, viabilizaram a obtenção do quorum mínimo de presença para que a deliberação não fos-se adiada novamente. O bloco governista, formado por PMDB/PT/PP/PR/PTB/PSC/PTC/PTdoB, reuniu 10 votos favoráveis, do total de 16 vagas do bloco na comissão. Por sua vez, o bloco PSB/PDT/PCdoB/PMN/PAN forneceu todos os seus 4 votos disponíveis e o PSOL, forneceu mais um voto. Em resumo, o governo conseguiu o apoio de 66% dos deputados não oposicionistas. Importante observar que os cinco suplentes que votaram fa-voravelmente a matéria na comissão, tinham um “índice de governismo” superior aos titulares que se ausentaram ou que assinaram a lista de presen-ça, mas não votaram8. Nesta última condição estava a quase totalidade dos membros titulares do PMDB (4) e do PR (2).

A aprovação na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania. O pro-tocolo deu entrada na CCJC em 31 de outubro, tendo recebido parecer favorável do relator Paulo Maluf (PP/SP), aproximadamente duas semanas depois. No mesmo dia, os deputados acordaram adiar a discussão da maté-ria, até a realização da audiência pública requerida pelos deputados Matteo Chiarelli (DEM/RS), Antônio Carlos Magalhães Neto (DEM/BA) e Rober-to Magalhães (DEM/PE).

O parecer do deputado Maluf continha críticas veementes ao go-verno Chávez, devido aos incidentes com o Congresso Brasileiro, mas

8 De forma indireta, através da utilização do índice, nossa intenção era tentar apreender a participação dos suplentes na votação, o que forneceria indícios de que alguns deputados podem ter preferido se abster de votar a matéria (e indícios indiretos de que pode ter havido substituição de membros na comissão). Em conversa por telefone, a assessoria da CREDN argumentou que esta participação de suplentes ocorreu porque o debate e a votação foram muito longos, de forma que vários titulares saiam e retornavam à comissão. Neste sentido, não teria havido “substituição explícita” de deputados pelo governo. Todavia, cremos que não devemos aceitar este fato como base para o entendimento do comportamento de todos os deputados, ainda mais numa matéria com tal grau de contenciosidade e de importância na agenda governamental.

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também pelo crédito de Chávez em vários eventos na América Latina que teriam afetado particularmente o Brasil, sendo o exemplo mais em-blemático a expropriação da Petrobrás na Bolívia e, não menos impor-tante, seus gastos militares que, segundo o relator, teriam o potencial de criar uma corrida armamentista no continente. No contexto interno, o relator avalizou que Chávez “vem, paulatinamente, corroendo as es-truturas institucionais da Venezuela” e que “pretende impor, mediante um simulacro de referendo, reformas políticas que lhe permitirão a per-petuação no poder” (Parecer Maluf, 21/10/2007). Apesar de ter tratado o governo Chávez como prenúncio de uma ditadura socialista, o depu-tado defendeu que a consideração com o povo venezuelano está acima de seu governante, um elemento transitório. O relator deu parecer pela constitucionalidade, argumentando que a adesão não fere o artigo cons-titucional que norteia os princípios de nossas relações internacionais, mais especificamente o artigo 4°, que estabele, entre outras coisas, a autodeterminação dos povos.

Os oposicionistas Matteo Chiarelli (DEM/RS), Antônio Carlos Ma-galhães Neto (DEM/BA), Roberto Magalhães (DEM/PE), apresentaram um voto em separado, basicamente tratando da questão democrática. O deputado Moreira Mendes (PPS/RO) criticou o regime de governo ve-nezuelano por pretender “destruir o Estado democrático de direito por meio da utilização de mecanismos aparentemente legais, constitucionais e representativos” e se contrapôs ao argumento governista de que o número de eleições, referendos e plebiscitos poderia ser usado como um indicador de que “não falta democracia” no país (Voto em separado, 21/11/2007). Mendes afirmou, ainda, que a política externa deveria se pautar pelo prag-matismo e não por considerações ideológicas, e advertiu que seria neces-sário considerar os possíveis impactos negativos da adesão em negocia-ções futuras do Mercosul, mas ainda dado o caráter confrontacionista de Chávez com os EUA e a União Européia, fato que se estende aos outros âmbitos multilaterais.

Os deputados Régis de Oliveria (PSC/SP) e Flávio Dino (PCdoB/MA),

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por sua vez, coincidiram na interpretação de que não se deve ignorar os as-pectos de “democracia substantiva” na Venezuela, como contraposição ao acento restrito dos membros da oposição à questões formais, com o foco na independência de poderes9. Adicionalmente, em sua manifestação de voto, Flávio Dino sugeriu que a internacionalização permitiria compatibilizar a autodeterminação dos povos e os compromissos democráticos. Neste sen-tido “para os que criticam o atual governo venezuelano, seria mais positiva a sua integração ao Mercosul, o que implicará a submissão daquele país a instâncias supranacionais de monitoramento e controle” (Voto em separa-do, 20/11/2007).

No dia 21 de novembro, o parecer foi aprovado na CCJC por 44 votos favoráveis e 17 contrários. Como esperado, dado as discussões na comis-são, PSDB, DEM e PPS votaram contra o parecer, todavia, fato surpreen-dente, o PMDB votou de forma quase unânime, à exceção do deputado Nel-son Trad (PMDB/MS)10. O PR também forneceu dois votos favoráveis11. Diferentemente do que ocorrera na CREDN, não houveram ausências e os partidos foram bem sucedidos em conduzir seus parlamentares a expres-sarem seus votos em linhas partidárias. Como consequência, na CCJC o governo atingiu uma maioria de 65% de votos favoráveis em relação ao total de membros da comissão, enquanto que na CREDN havia reunido apenas 50%, contando com a ajuda de um membro do DEM para garantir a votação. Ao mesmo tempo, a tramitação na CREDN demorou 106 dias,

10 Não obstante, no plenário o deputado votou a favor da adesão da Venezuela, ou seja, aca-tou a indicação partidária!11 Os votos favoráveis – PMDB e PT (13 cada), PP, PSB e PCdoB (3), PR e PSC (2), PDT, PSOL, PTB, PTC e PV (1 cada). Votos contrários - PSDB (5), DEM (10) e PPS (1) e PMDB (1).

9 No plenário, novamente emergiu a dicotomia entre democracia formal e substantiva, por meio do deputado Eduardo Valverde (PT/GO) que defendeu que Chávez luta contra a ex-clusão e promove a justiça social (Plenário da CD, 17/12/2008). Na maioria das vezes, no entanto, os governistas apresentam uma posição “envergonhada” em relação ao problema da democracia venezuelana.

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contra 28 dias na CCJC12. Aprovação no plenário da Câmara dos Deputados. Um ponto comum

com as fases anteriores do debate é a “personalização da adesão” por parte da oposição. Os governistas, ao contrário, insistem na separação do gover-nante, de caráter temporário, de um lado, e o país e o povo venezuelano de outro. Todavia, nesta fase do debate um evento se fez sentir com força, modificando a relevância do issue democracia. O reconhecimento oficial por parte de Chávez da derrota do seu governo no referendo constitucional, no final de 2007, ajudou indiretamente a remover uma objeção importante; desta feita os argumentos centrados na cláusula democrática não se fizeram tão presentes no debate em plenário, como havia ocorrido reiteradamente nas comissões, conduzindo-se à expectativa de que o debate fosse menos carregado politicamente, como se pode observar no posicionamento de uma liderança importante da oposição, o deputado Luiz Carlos Hauly (PSDB/PR), que teria afirmado que “se os impedimentos técnicos forem resolvidos, não haverá barreiras para a entrada da Venezuela no Mercosul” (Agência CD, 03/12/2007)13. No mesmo sentido, o deputado Panuzzio (PSDB/SP), juntamente com Antônio Carlos Magalhães Neto (DEM/BA), apresentou reclames de que Chávez ainda não havia concluído as negociações acerca da tarifa externa comum, da adoção do acervo normativo do Mercosul (o

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12 Podemos levantar a hipótese, em consonância com a literatura (Santos, 2003), de que na comissão de controle - a CCJC - sobressai o comportamento partidário, diferentemente do que ocorre nas outras comissões, como a CREDN, em que a auto-seleção dos deputados (intensidade de preferências individuais), pode fazer sobressair o aspecto informacional. Isto não implica que os efeitos da auto-seleção não possam ser revertidos por meio da subs-tituição dos titulares por suplentes, tal como evidenciado nos indícios apresentados na seção anterior.

13 Outro exemplo emblemático foi a intervenção do deputado Duarte Nogueira (PSDB/SP) que afirmou em plenário que reconhecia a Venezuela como uma democracia: “(...) em pri-meiro lugar, quero deixar claro que reconhecemos que a Venezuela é uma democracia, mes-mo que seu Presidente, Hugo Chávez, tenha comportamento às vezes histriônico, por vezes até ditatorial, mas a questão não é política nem ideológica. O interesse comercial do Brasil tem que falar mais alto neste momento” (Plenário da Câmara, 17/12/2008).

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que, por vezes, nos referiremos como “questões técnicas” do protocolo) e também no que se refere aos acordos anteriormente assinados com terceiros países. Apesar da importância política e conjuntural da derrota no referen-do, o protocolo ficou congelado na pauta da Câmara por cerca de 13 meses, o que pode ser um indicativo de que o governo não estava certo do sucesso do empreendimento.

No debate em plenário, em dezembro de 2008, o primeiro a se manifes-tar foi o deputado Antônio Carlos Pannunzio (PSDB/SP) declarando que o veto ao projeto não era contra a Venezuela, mas sim ao governo de Chávez. O deputado reconhece a importância comercial da Venezuela para o Bra-sil, mas adverte que a política externa do bloco se dá por consenso e que Chávez teria o potencial de inviabilizar acordos com outros países. Por sua vez, o deputado Arnaldo Madeira (PSDB/SP) concordou que a integração da Venezuela já vinha ocorrendo desde o governo Fernando Henrique, mas fez a ressalva de que “as relações e o comércio com a Venezuela aprofun-daram-se, independentemente da participação no Mercosul”. Desta feita, no plenário, o discurso da oposição foi centrado no poder de veto de Chávez, num processo de integração considerado já complicado e, essencialmente, na “questão econômica”. Entretanto, a questão econômica é vista, não sob o prisma dos interesses comerciais mais imediatos com a Venezuela, mas sim com a lente voltada para a potencial inviabilização de acordos futuros14.

“Já percebemos hoje algumas limitações na política econômica externa do

Brasil por conta de compromissos no Mercosul. Tem sido freqüente que o

Brasil não dê passos à frente exatamente por obstruções de parceiros do

Mercosul, isso sem ter a Venezuela dentro do Mercosul. Pois bem, a in-

clusão da Venezuela só vai implicar o aprofundamento das dificuldades de

relacionamento econômico e comercial com regiões que nos interessam e

14 Como veremos mais a frente, no debate no Senado, também é recorrente na oposição a idéia de que o Mercosul restringe e limita a política externa brasileira. Por detrás desta cons-tatação, aparentemente óbvia, há uma opção por um determinado tipo de integração, como tentaremos demonstrar.

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com as quais visivelmente o Presidente Chávez provoca conflitos.” (Arnaldo

Madeira, Plenário da Câmara, 17/12/2008)

José Genoíno (PT-SP), por sua vez, contra-argumentou que a integração não deve ser feita por meio de crivo ideológico, considerando-a uma “for-ma ultrapassada” de fazer política externa, lembrando que este não foi o modo de agir da União Européia e nem mesmo do Mercosul - que integrou governos que enfrentavam séria crise de legitimidade. Neste caso, a men-ção indireta refere-se ao fato de que o PT, ao apoiar o Tratado de Assunção, teria ignorado, por exemplo, a figura de Menem em prol de considerações estratégicas de mais longo prazo. Segundo o parlamentar, o filtro ideológi-co teria tido como resultado o isolamento. Não obstante, ao mesmo tempo, o deputado advertiu que a defesa da inclusão “não significa concordância com o regime político” e que “cada país tem seu processo histórico, cada país tem sua identidade”, no sentido dado por Henrique Fontana (PT/RS) de que se deve respeitar a soberania dos povos.

Os discursos nos permitem reunir evidências de que há percepções va-riadas sobre o formato mais adequado da política externa brasileira e do processo de integração. Os governistas mencionam a importância de “for-talecer o Mercosul” e, constantemente, a idéia da integração sul-americana, que para Ivan Valente (PSOL/SP) envolve um sentimento de comunalida-de, diferentemente de Luciano Castro (PR/RR) que analisa a questão como simplesmente um “acordo de mercado”. O deputado Ciro Gomes (PSB/CE), por sua vez, menciona a dimensão estratégica da integração, defen-dendo que num mundo globalizado os países sul-americanos, “por impera-tivo de sobrevivência”, devem “agrupar-se”.

“Quando esse processo começou, os Estados Unidos representavam mais de

um terço do destino das exportações brasileiras. Só para revelar a importân-

cia disso, na recessão grave que se está abrindo na América, o Brasil quebra-

ria. Hoje, o Mercosul já é o maior destino das exportações brasileiras. (...)

eu não consigo compreender, embora respeite, a atual posição do PSDB. (..)

Hoje, o Brasil detém um saldo comercial bilateral com a Venezuela superior

A adesão da Venezuela ao Mercosul no Congresso Brasileiro

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a 3 bilhões de dólares. A Venezuela é uma reserva de petróleo estratégica

(...)” (Ciro Gomes, Plenário da Câmara, 17/12/2008).

Já a oposição tende a acentuar as dificuldades enfrentadas pelo Merco-sul, ao qual se acrescentaria o direito de veto de Chávez e o seu potencial de “inviabilizar” uma política externa mais “autônoma”. Neste caso, a menção é feita diretamente à Chávez, sem alusão a importância da economia vene-zuelana; tendo como norte a integração com a União Européia e os EUA. No caso dos governistas, Chávez é tratado como uma parte da equação que vai ser eliminada num futuro indeterminado em prol de uma agenda estra-tégica e não ideológica15 (como uma política de Estado).

A apreciação do protocolo de adesão no plenário ocorreu somente no último dia de votações na Câmara dos Deputados, dia 17 de dezembro de 2008, ou seja, quase um ano depois de ter sido aprovada na CCJC. Nes-te dia, os líderes governistas apresentaram e aprovaram requerimento de urgência (Art. 155 do RICD), ao mesmo tempo em que o líder do PSDB, deputado José Aníbal, retirou dois requerimentos protelatórios de sua auto-ria. Na verdade, houve um acordo bem-sucedido entre os governistas e os democratas; os últimos acatariam a viabilização da votação do protocolo de adesão da Venezuela e os primeiros a votação do ex-senador José Jorge (DEM/PE) para o cargo de ministro do Tribunal de Contas da União16. O acordo incluía também a votação da proposta de reestruturação do Con-selho Administrativo de Defesa Econômica (CADE). Houve considerável esforço para coordenar, convocar e manter os deputados em plenário para viabilizar o acordo, com o PSDB atuando como o principal empecilho, evi-tando num primeiro momento que se lançasse mão de expedientes proce-dimentais mais rápidos. Como esperado, no mérito da matéria tucanos e

15 Como se opção da oposição não fosse estratégica, mas sim puramente ideológica. A opo-sição também adota a mesma perspectiva ao associar a escolha da Venezuela, como uma escolha condicionada pelo perfil “esquerdista” de Chávez.16 A indicação foi aprovada com 270 votos favoráveis, 60 contrários e 6 abstenções.

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democratas indicaram conjuntamente votação contrária, mas o PPS optou por liberar a bancada. Todos os outros partidos indicaram votação favorável ao projeto, que reuniu 265 votos favoráveis, 61 contrários e 6 abstenções. Na tabela 1, considerando uma medida mais exigente (última coluna), ba-seado no total de votos favoráveis dividido pelo tamanho da bancada total, podemos observar que quase 18% dos democratas e 54% dos membros do PPS votaram a favor do protocolo de adesão da Venezuela. O PMDB, por sua vez, colaborou com o apoio de cerca 59% de sua bancada e o PP conse-guiu mobilizar somente 49% da sua bancada para votar a favor o protocolo.

Tabela 1 – Votação Nominal da Adesão da Venezuela ao Mercosul

Partido Bancada nominal Sim Não abstenção Ausência

**% sim/bancada

nominal

PMDB, PTC* 95 56 3 1 35 58,9PT 80 60 20 75,0PSB, PDT, PCdoB, PMN, PRB* 75 51 24 68,0PSDB 58 1 31 2 24 1,7DEM17 56 10 22 3 21 17,9PR 43 26 1 16 60,5PP 41 20 2 19 48,8PTB 20 13 7 65,0PV 14 11 3 78,6PPS 13 7 2 4 53,8PSC 11 5 6 45,5PSOL 3 3 0 100,0PHS, PTdoB, PRTB 4 2 2 50,0Total 513 265 61 6 51,7

* Bloco partidário na Câmara; ** Ausência – votos nominais menos a bancada nominal

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17 Deputado ACM Neto (DEM/BA), referindo-se a dois parlamentares de Roraima, declarou que compreendia que alguns democratas votariam a favor. Dos 10 votos favoráveis do DEM, 8 vieram do NO e NE e os outros dois vieram de SE e de MG!

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A tramitação no Senado Federal

A tramitação na Câmara levou cerca de 660 dias, sendo que a CREDN e a CCJC apreciaram a matéria em 106 e 28 dias, respectivamente. Portanto, a demora na tramitação se deve ao período em que a matéria ficou congela-da na pauta do plenário, uma espera de 13 meses, correspondendo ao perí-odo entre dezembro de 2007, quando Chávez foi derrotado no referendo de reforma constitucional, e o final de dezembro de 2008, quando ocorreram as eleições provinciais na Venezuela. O Senado, por sua vez, concluiu a tramitação em 358 dias, sendo 231 dias despendidos na CRE, devido a diversas manobras protelatórias da oposição. No entanto, esta observação é parcialmente injusta, dado que os pedidos de convocatórias de audiências públicas foram intercalados com a aprovação de diversos requerimentos da oposição solicitando informações ao Ministério das Relações Exteriores sobre as negociações “inconclusas” com a Venezuela, fato que, seguindo o regimento, interrompia a tramitação. O MRE levou cerca de 113 dias para concluir as respostas aos três diferentes requerimentos, com implicações di-retas no andamento dos trabalhos dos grupos de trabalho, objeto de cobran-ça oposicionista desde a tramitação na primeira casa. Portanto, de forma inegável, a ação da oposição aumentou a transparência e o accountability do inconcluso processo de negociação. De qualquer forma, as informações prestadas pelo MRE engendraram uma série de apartes e disputas retóricas, na CRE e no plenário, para definir se o processo de “negociação técnica” havia sido concluído ou não.

O contexto da discussão do protocolo já não era favorável no Sena-do, mas a situação se deteriorou, no início de 2009, pela disputa entre PT e PMDB pela presidência da casa, com vitória do senador José Sarney (PMDB/AP) que teria negociado a quebra da regra de proporcionalidade na distribuição das presidências das comissões com o PTB18. O PTB reivin-

18 A derrota do senador Tião Vianna, e o sucesso do PTB (junto com o PMDB) em deslocar

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dicava a indicação do ex-presidente Fernando Collor para a presidência da CRE, mas tal iniciativa foi prontamente obstruída pelo PSDB, que garantiu a eleição do senador Eduardo Azeredo (PSDB/MG)19. Adicionalmente, an-tes do processo eleitoral, Sarney havia sinalizado aos partidos de oposição que se fosse eleito “dificultaria” o ingresso da Venezuela (FSP, 29/01/2009). Tal posicionamento gerou a reação dos senadores Aloizio Mercadante (PT/SP) e Pedro Simon (PMDB/RS), o primeiro por meio de uma nota, que assi-nava como presidente da Representação Brasileira no Mercosul, na qual ad-vertia que o protocolo envolvia “compromissos de longo prazo assumidos por Estados, e não por governos específicos”20. Além disso, posteriormente, o senador Pedro Simon se manifestaria sobre o tema chamando à atenção que a intenção de ampliar o bloco teria como passo seguinte a negociação de acordos com o Pacto Andino (FSP, 18/02/2009). Neste movimento, para os governistas, a intenção de incluir a Colômbia deveria soar como uma sinalização de que a integração não seria contaminada pelo filtro referente aos perfis ideológicos de governos. Após a polêmica, ao qual Sarney já teria

A adesão da Venezuela ao Mercosul no Congresso Brasileiro

o PT no processo de escolha da comissão de infra-estrutura, demonstrou a fraqueza relativa do partido naquela casa. Na CRE o governo contava apenas com 5 senadores, PMDB tinha 4 e PDT, PP e PTB (Fernando Collor) um cada. Não obstante, os partidos de oposição, PSDB (3) e DEM (4), somavam 37% das cadeiras na comissão.19 O Presidente da CRE Azeredo, no início de 2009, vinha dando sinais ambíguos sobre a adesão da Venezuela ao Mercosul. O senador reconhecia que Chávez saíra fortalecido com o resultado do referendo de dezembro de 2008, embora com margem de votos menor do que em eleições anteriores, fato que poderia aumentar as chances de aprovação do protocolo. Porém, ao mesmo tempo, fazia ressalvas sobre as questões tarifárias em aberto e questionava a falta de alternância no poder. Por fim, afirmava que Chávez ainda devia um pedido de des-culpas ao Senado pela exigência de aprovação rápida da adesão (Agência Senado, 17/02/09). Todavia, logo a após a eleição para a presidência da CRE o senador teria se manifestado de forma mais categórica sobre o assunto: “Eu pessoalmente sou contrário (...) A Venezuela caminha rapidamente para um regime totalitário. Ela não atende à cláusula democrática e sua dedicação a uma economia de mercado está em dúvida também.” (Estadão, 16/03/09)20 Durante vários momentos da tramitação, os governistas reiteradamente citavam declara-ções e ações referentes ao período da presidência de Fernando Henrique, como demonstra-tivo do anterior comprometimento com adesão da Venezuela, como forma de reforçar que a questão deveria ser tratada como política de Estado.

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se retratado ao afirmar que não obstruiria a tramitação da matéria, a Re-presentação Brasileira no Parlamento do Mercosul finalmente se reuniu no dia 18 de fevereiro e aprovou o parecer do relator Dr. Rosinha por 9 votos favoráveis e 4 contrários.

O parecer favorável do deputado Dr. Rosinha repetiu em linhas gerais os argumentos apresentados na CREDN, embora com algumas novidades. O fator Chávez é minimizado no discurso, como “idiossincrasia política” e suas declarações atenuadas como meros “arroubos retóricos”21. No mesmo sentido, em momento anterior, Pedro Simon teria sugerido que a inclusão, ao invés do isolamento, poderia ajudar a “conter os exageros de Chávez” (Agência Senado, 29/01/2009). O relator chama à atenção, em seu parecer, que a oposição venezuelana também faz parte do problema, pelo fato de ter adotado práticas abstencionistas; no entanto, quando teria decidido partici-par se mostrou competitiva, fato atestado pela derrota de Chávez no refe-rendo de reforma da constituição e pelas vitórias oposicionistas nas provín-cias mais importantes daquele país nas eleições de novembro de 2008. Por outro lado, o relator respondeu as reiteradas objeções técnicas alegando que o Tratado de Assunção teria que ser revisado dado várias incompletudes referentes a união aduaneira e a dupla cobrança da TEC22. Para contrabalan-

21 No dia da votação na Representação Brasileira no Mercosul, o relator Dr. Rosinha acres-centaria que a inclusão teria outro efeito importante - iria viabilizar a fiscalização da situação dos direitos humanos na Venezuela por meio da inspeção obrigatória de uma comissão do PARLASUL (Agência Senado, 18/02/2009).

22 Sobre o argumento referente a indefinição das tarifas, o senador Mercadante fez menção às assimetrias entre os países, expresso pelo tamanho do superávit comercial brasileiro, mesmo argumento utilizado por Dr. Rosinha, que complementou com o exemplo dos mil produtos na lista de exceção e ainda em negociação dentro da União Européia. Ao mesmo tempo, o relator compara o processo de integração presente com o da União Européia, no sentido de que conflitos e assimetrias geram uma dinâmica que não é nunca harmônica. Durante uma audiência pública, o líder do governo Romero Jucá (PMDB/RR) teria contra-argumentado que Uruguai e Paraguai teriam entrado no bloco com vários GTs pendentes e que “(...) O Mercosul está a dez anos discutindo questões técnicas. O balizamento é técnico, é econômi-co, mas as questões são políticas.”

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çar estes aspectos negativos, Dr. Rosinha recorreu a dados econômicos para colocar em evidência que, em 2008, o superávit brasileiro com os EUA era de US$ 1,8 bilhão e com a União Européia (composta de 27 países) de US$ 10,2 bilhões, mas apenas com a Venezuela a cifra teria atingido o valor de US$ 4,6 bilhões.

Comissão de Relações Exteriores. O PDC 430/2008, que trata da ade-são da Venezuela, deu entrada na CRE no dia 12 de março de 2009, sen-do distribuído ao senador Tasso Jereissati (PSDB/CE) para relatar. A partir deste momento, o relator solicitou duas audiências, com nomes adicionais sugeridos pelo presidente da CRE, senador Eduardo Azeredo (PSDB/MG). Durante as audiências, as críticas mais agudas e “personalizadas” vieram do ex-presidente Collor ao identificar que Chávez atuava como elemento de discórdia no continente. Todavia, de forma geral, os discursos foram mais matizados do que em fases anteriores do debate, e no final prevaleceria a solução intermediária apresentada pelo ex-embaixador Sérgio Amaral e encampada por Jereissati de aprovar a adesão desde que as negociações dos grupos de trabalho fossem concluídas. Todavia, a par dos argumentos com base na controversa figura de Chávez e nas inconclusas “negociações técnicas”, era possível distinguir posicionamentos bem diversos em esco-lhas de política externa no longo prazo. O ministro Celso Amorim, em uma segunda audiência pública, considerou que a Venezuela tem importância estratégica na conformação da integração sul-americana; sinalização que contrastava com a posição de importante liderança do PSDB que defendia a entrada do Brasil na ALCA.

“Temos que entender como o Chávez poderá influenciar os futuros acordos

comerciais do Mercosul. Eu, por exemplo, sou favorável ao ALCA, acho

que o Brasil perdeu uma oportunidade de ouro ao não aceitar a ALCA. Eu

vou perguntar ao ministro Amorim: ministro, como o Chávez irá afetar a

entrada do Brasil na ALCA?” (Arthur Virgílio, audiência pública, 16/04/09)

O mês de maio foi marcado por dois eventos importantes, primeiro, a leitura de uma carta endereçada ao presidente do Senado, José Sarney

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(PMDB/MA), de autoria do importante líder oposicionista venezuelano e prefeito de Caracas, Antonio Ledezma, na qual solicitava a rejeição do protocolo23. Embora sem relação com o fato precedente, dias depois, foi aprovado na CRE o requerimento 445, de autoria de Jereissati (PSDB/CE) que demandava ao Ministro Amorim informações sobre as pendências dos grupos de trabalho24. Adicionalmente, o presidente da CRE, em conjunto com Mozarildo Cavalcanti (PTB/RR) e Efraim Morais (DEM/PB), reque-reu uma nova audiência pública, que foi realizada em 9 de julho, sendo a oposição bem-sucedida, por meio de requerimento aprovado em votação simbólica, em convidar duas lideranças de oposição a Chávez, com a ex-pectativa de que tal fato pudesse criar um novo incidente político. Neste sentido, tiveram algum nível de acerto, dado que o Embaixador da Vene-zuela no Brasil, Julio Garcia Montoya, rejeitou em protesto o convite, e enviou um fax endereçado a Azeredo com comentários que foram conside-rados desrespeitosos pelos senadores25. Neste ínterim, final de julho e início de agosto, o MRE já tinha encaminhado os documentos com as informa-ções requeridas pelos parlamentares de oposição sobre as “pendências téc-

23 Ledezma afirmava que seria: “um grave precedente admitir no Mercosul um Presidente cujos atos demonstram uma escalada autoritária; que não acredita nos princípios de merca-do, no processo de integração e que insulta ao Senado Brasileiro (...)”. (Carta endereçada ao Senado, 26/05/2009)24 Principalmente acerca da lista de produtos sensíveis e os cronogramas de desgravação tari-fária e, não menos relevante, a resposta da Venezuela em relação aos acordos do Mercosul já firmados com terceiros países. Neste ínterim outra audiência pública foi requerida pelo sena-dor Fernando Collor (PTB/AL). Dando continuidade à tática do partido, o senador Eduardo Azeredo, por meio de outro requerimento (596/09) solicitou informações sobre a reunião do GT 11 que acontecera no dia 19 de maio. Em resposta ao requerimento o MRE apresentou os pontos em que as negociações avançaram. O senador Arthur Virgílio reconheceu tal fato, embora tivesse reclamado de que ainda teriam permanecido algumas indefinições.

25 O senador Collor tentou colocar em votação um requerimento de voto de censura ao em-baixador, sendo derrotado por 5 votos contra e apenas 4 favoráveis. Em meio à controvérsia, por meio de sugestão de Heráclito Fortes (DEM/PI), decidiu-se pela devolução da carta ao embaixador. Na sessão da CRE, ao responder a crítica do relator ao embaixador, o senador

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nicas”. No entanto, fato que atesta o caráter contencioso da matéria, outro requerimento foi aprovado (Requerimento 775/09), desta vez por membros do governo - os senadores João Pedro (PT/AM) e Eduardo Suplicy (PT/SP) solicitaram informações sobre os relatórios da OEA referentes as eleições presidenciais venezuelanas de 2006 e sobre os informes da comissão de direitos humanos de 2008.

No dia 29 de setembro, após a realização de quatro audiências públicas, o senador Tasso Jereissati (PSDB/CE) entregou à CRE parecer pela rejei-ção do Protocolo. No parecer, o senador identifica um processo de estagna-ção do Mercosul, com poucos avanços na questão do livre comércio e nas negociações da TEC, e critica a cláusula de ajustamento competitivo apli-cada pela Argentina, como um indicador de insegurança jurídica no bloco. Segundo o relator, a adesão do novo membro não alteraria este padrão, não obstante, o reconhecimento de que o fim das preferências tarifárias decor-rentes do ACE 59 significaria “um aumento quase proibitivo” ao intercâm-bio econômico com a Venezuela (Parecer do relator Jereissati, 29/09/2009). No entanto, o relator manifestou a percepção de que seria possível manter as preferências por meio da renovação de um acordo bilateral. Ao enfatizar os aspectos jurídicos, o senador adverte que “não se trata (..) de mero tec-nicismo jurídico”, dado que o Congresso se viu forçado a aprovar um texto sem informações prévias sobre o conteúdo das negociações26, devido as diversas prorrogações dos grupos de trabalhos. Há que se destacar o papel

A adesão da Venezuela ao Mercosul no Congresso Brasileiro

Inácio Arruda (PCdoB/CE), assim justificou: “È que tinham naquele dia dois golpistas na Mesa, participaram do golpe diretamente”. (sessão da CRE, 1/10/2009)

26 No final do parecer, Jereissati apresentou um projeto de resolução com vistas a regulamen-tar as futuras apresentações por parte do executivo de protocolos de adesão a serem aprecia-dos pelo Congresso, de forma a fortalecer o seu papel em temas de política externa. Neste sentido chama à atenção que, por decisão política, os governantes do Mercosul, deixaram de aplicar as normas do Conselho Mercado Comum (CMC n.28), que determinava que os resultados das negociações devem estar “presentes a priori” nos textos dos protocolos em consideração. Outro documento importante, foi a apresentação de uma solicitação formal

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da oposição nesta questão. A pressão do PSDB e DEM forçou o governo a ser mais transparente acerca do cronograma de liberalização comercial e, também, induziu-o a cumprir o processo negociador através da apresenta-ção de resultados concretos por meio dos grupos de trabalho.27

No dia da votação, Jereissati complementou a parte referente aos ar-gumentos políticos acentuando que, embora, não tenha ocorrido ruptura democrática, “fica cada hora mais evidente o processo de cerceamento das liberdades democráticas naquele país, com sucessivas mudanças jurídicas, políticas e na ordem econômica promovidas pelo governo central” (Jereis-sati, CRE, 1/10/2009). No parecer, o relator utilizou-se dos relatórios da OEA28 para enfatizar a violação de direitos humanos e políticos, pontos que os governistas se eximiram de discutir ao longo do processo, com a promes-sa de reversão futura através de mecanismos de controle supranacionais. Outra parte importante, do argumento político, é a insegurança gerada por Chávez no cenário sul-americano, com a emergência de crises constantes que seriam particularmente prejudiciais aos interesses brasileiros, tais como

a Representação Brasileira no Parlamento do Mercosul, como forma de “modernizar” o processo decisório, de uma proposta de “revisão da sistemática de tomada de decisão em suas instâncias deliberativas para que incorpore critérios de ponderação socioeconômica na quantificação dos votos; adoção de vinculação para negociação em bloco de acordos multi-laterais; e controle das possibilidades de vetos individuais em razão das matérias” (Parecer do relator Jereissati, 29/09/2009).27 E conforme reconhece o relator, o MRE teria prestado contas sobre a finalização dos cronogramas de desgravação tarifária referentes ao comércio bilateral, embora ainda per-manecessem pendentes questões referentes a acordos com terceiros países. Adicionalmente, no requerimento 596, o MRE afirmava que seria proposto um regime de adequação para produtos sensíveis venezuelanos, com prorrogação do limite de 2014 para 2018, concessão que segundo o relator “não estava prevista no Protocolo de Adesão e adiará ainda mais a liberalização do comércio entre os dois países”. Entretanto, conclui o relator: “Apesar dessas lacunas (...) o cronograma aprovado conclui os elementos centrais da negociação bilateral prévia à entrada da Venezuela no Mercosul (...)” (Parecer do relator Jereissati, 29/09/2009).

28 O senador Pedro Simon, demonstrou seu descontentamento com o requerimento de Su-plicy e com a utilização dos relatórios da OEA: “Claro que a OEA não quer, claro que o americano não quer” (Pedro Simon, sessão da CRE, 1/10/2009).

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as ocorridas na Bolívia, Paraguai, Argentina, Equador e Honduras29.Após a discussão do parecer contrário, na sessão de 1 de outubro, o

senador Romero Jucá (PMDB/RR), como esperado, pediu vista coletiva, com intenção de elaborar um voto em separado para confrontar o parecer de Jereissati. Em seu voto em separado, o senador tentou desqualificar a idéia de que a Venezuela pré-Chávez era uma democracia plena, citando o pacto de Punto Fijo (patrocinado pelos EUA), o Caracazo em 1989, e o golpe contra Chávez, em 2002. Em relação ao tema direitos humanos, o relator censurou o caráter não imparcial de várias organizações, entre elas a OEA, e tentou desqualificar algumas das acusações de violações como dramáticas e sensacionalistas. Tanto neste caso, como no que se refere à liberdade de imprensa30, ou na veiculação de fatos que caracterizam Chávez como elemento de discórdia e de conflito no continente, o relator contrapõe variados contra-relatos, com alusão direta ao Itamaraty ou refe-rindo-se em termos genéricos à “análises internas do governo brasileiro”. Apesar de não desconsiderar por todo estes problemas, o senador justifi-ca que os “estados apresentam assimetrias não apenas econômicas, mas também políticas”. Tendo em vista tais fatos, Romero Jucá sugere que o problema seja visto sob a ótica dos interesses de Estado, com críticas ao parecer do senador Jereissati que teria pecado pela ênfase exagerada “em

A adesão da Venezuela ao Mercosul no Congresso Brasileiro

29 Nas palavras de José Agripino (DEM/RN) “Quando a refinaria da Petrobras na Bolívia foi invadida, foi cercada por militares da Bolívia, quem é que chegou lá para hipotecar solida-riedade à Bolívia? O Presidente Chávez. Na hora em nós tivemos desavenças no Equador, com o Presidente Rafael Correa, com quem é que Chávez ficou? Com o Equador. Na hora em que se discute a elevação de tarifa da energia elétrica de Itaipu, com quem é que o Chá-vez está? Com o Lugo. Ele está sempre contra o interesse dos brasileiros” (Sessão da CRE, 29/10/2009).30 “Essa polarização alcançou momentos paroxísticos de crise - como durante o golpe de Estado de 2002, em que a RCTV transmitiu imagens de desenho animado para prevenir a mobilização popular; ou em 2008, quando a Globovisión transmitiu entrevista em que editor de jornal previa (e apoiava) que o Presidente Chávez ‘acabaria morto como Mussolini, pen-durado pelos pés, de cabeça para baixo’” (Voto em separado de Romero Jucá, 29/10/2009).

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riscos hipotéticos”, e em outro sentido, em considerações de aspectos po-líticos circunstanciais, o que revelaria “certa miopia estratégica”. Neste sentido, conclui que a adesão da Venezuela ao Mercosul nos conduzirá a outro patamar, onde a “segurança jurídica significa não apenas o conjunto das relações comerciais e contratuais, mas também as relações de nature-za política”.

Sobre as constantes avaliações da crise do Mercosul feita pela opo-sição, inclusive com as críticas sobre as medidas protecionistas editadas pela Argentina, o relator adota um tom mais conciliatório, evocando nova-mente a idéia de assimetrias, sugerindo que a resposta a crise, não seria o “aprofundamento” do bloco, mas sim a “ampliação”, conforme a dicoto-mia anteriormente estabelecida no relatório do senador Jereissati31. Outro ponto importante, que demonstra diferenças substantivas com as posições dos partidos de oposição, refere-se ao modo como é encarada a saída de Venezuela da Comunidade Andina. O argumento central, que justificaria a saída venezuelana, foi a “incompatibilidade criada pelos tratados de livre comércio”, como o celebrado entre Colômbia e os EUA. Para o senador este é um modelo de economia política que é concorrente com os interesses do Mercosul. Tal posição destoa da percepção dos partidos de oposição sobre o real papel do Mercosul na política externa brasileira. Neste sentido, Arthur Virgílio questiona por que o processo não se iniciou através de uma

31 “O Mercosul não foi criado para que ‘vença o melhor’, mas para distribuir benefícios a to-dos os membros com a possível equidade. É falaciosa a conclusão de que se deve concentrar o esforço em aprofundar o Mercosul. Não há condições políticas óbvias para isso no médio prazo. Vamos ter que aprender a viver com as imperfeições e corrigi-las progressivamente no longo prazo. A Cláusula de Adaptação Competitiva, negociada com a Argentina, constitui o reconhecimento de que ambições excessivas podem prejudicar a unidade do bloco. Cabe notar, por outro lado, que os demais sócios do Brasil também se queixam de práticas brasi-leiras que, segundo eles, são protecionistas (...) Nos casos em que há legítima sensibilidade comercial, seria um erro pretender forçar o aprofundamento do bloco (...) O alargamento do Mercosul, contudo, abre a oportunidade de compensar as dificuldades encontradas no aprofundamento do bloco” (Voto separado, Romero Jucá, 29/10/2009)

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área de livre comércio com a Venezuela. No entanto, no calor do debate os autores desnudam suas percepções sobre o Mercosul ou sobre o formato de política externa mais apropriado para o país. A oposição trata o Mercosul como “encargo econômico-financeiro”, como impedimento à possibilidade do Brasil optar por acordos bilaterais.

“A questão econômica, ela é mais grave. O Mercosul, ao ser criado, já criou

prejuízos irrecuperáveis para o Brasil, mas vamos esquecer o Tratado de

Ouro Preto. Vamos para as conseqüências posteriores.” (Heráclito Fortes,

DEM/PI, sessão da CRE, 29/10/2009)

“Estamos, hoje, antecipando a missa de sétimo dia do Mercosul. A tendên-

cia, com a entrada da Venezuela, será do isolamento do Mercosul, que já não

vai bem das pernas, que não é uma prioridade do Governo atual. É um en-

cargo econômico-financeiro para o Brasil. (...) O Brasil tem feito concessões

incríveis, ao longo do tempo, para manter o Mercosul.” (Arthur Virgílio,

PSDB/AM, sessão da CRE, 29/10/2009).

“Nós já perdemos muito no Mercosul num ato de boa vontade na Carta

de Ouro Preto quando abrimos mãos de algumas conquistas industriais e

comerciais nossas, em nome da integração. Não é possível agora, num mo-

mento como esse, se fazer concessões exageradas” (Heráclito Fortes, sessão

da CRE, 1/10/2009).

“(...) o Mercosul, que tem um início torto, com cláusula de veto, com direito

de veto, que impede que os países se desenvolvam a partir de acordos bi-

laterais, que tem sido um ônus para o Brasil.” (Arthur Virgílio, PSDB/AM,

sessão da CRE, 29/10/2009)

Finalmente, no dia de apreciação da matéria na CRE, o início da ses-são foi marcado pelas divergências acerca do requerimento (Requerimento 93/09) apresentado pelo senador Mozarildo Cavalcanti (PTB/RR), que so-licitava a viagem de uma delegação de senadores brasileiros à Venezuela, em decorrência de convite feito pelo prefeito de Caracas para “verificação in loco” das denúncias que haviam sido feitas anteriormente na comissão.

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A partir daí, estabeleceu-se uma disputa se a visita deveria ser feita antes da votação em plenário ou depois. Interessante a posição de Pedro Simon de que não seria necessário ir à Venezuela, porque “muito daquilo que o prefeito disse é verdade”. Por sua vez, Antônio Valadares (PSB/SE), in-sistiu que a aprovação da adesão tornaria factível, em termos jurídicos, a averiguação dos requisitos democráticos, por meio da Comissão de Direi-tos Humanos do Mercosul32. O requerimento foi derrotado por dez votos a oito, com os governistas justificando que aceitariam a visita e o controle em momento posterior33.

Cerca de duas semanas antes da votação do parecer e do voto em sepa-rado, o líder oposicionista, Antonio Ledezma, mudou de idéia e pediu a in-clusão da Venezuela ao Mercosul com o argumento de que “Chávez é muito mais perigoso isolado. (...) Essa seria uma medida muito positiva para a democracia venezuelana.” (OESP, Caderno Internacional, 7/10/2009). Por fim, o parecer negativo do relator Tasso Jereissati (PSDB/CE) foi derrotado por 11 votos contrários, 6 favoráveis e uma abstenção do senador Moza-

32 José Agripino (DEM/RN), iniciou uma polêmica, ao declarar que votaria a favor no ple-nário se Chávez revisse sua postura conflitiva com Israel, com o qual o Mercosul tem um acordo em andamento, e se aceitasse uma delegação da OEA para averiguar as denúncias referentes a direitos humanos. Neste ínterim, Pedro Simon retrucou: “Porque a OEA e não o Mercosul?” Agripino respondeu que o bloco não atuava nesta área, ao que foi contestado por Geraldo Mesquita Júnior (PMDB/AC) que mencionou a existência da comissão de direitos humanos do Mercosul, que emite relatório anual sobre os integrantes do bloco. Agripino, então justificou a não factibilidade “pelo fato de a Venezuela não estar participando no Mer-cosul”!

33 O mal-estar com a violação dos direitos humanos, devidos as constantes provocações dos oposicionistas de que alguns membros do governo esqueceram suas próprias biografias, é contornado por meio do argumento, tal como expresso por Romero Jucá, de que “não am-pliamos democracia, isolando ninguém”. Outra maneira de rebater as críticas consistia em matizar a questão interna da Venezuela como uma disputa política entre atores radicalizados. Há, porém, outras estratégias argumentativas. De qualquer forma, permanece o mal-estar na base de governo, como exemplificado na posição de Flávio Torres (PDT/CE): “quero deixar bem claro que eu vou votar a favor da Venezuela, mas eu não voto a favor do que acontece na Venezuela” (Sessão da CRE, 29/10/2009).

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rildo Cavalcanti34. A votação seguiu a clivagem governo versus oposição também na aprovação do voto em separado de Romero Jucá, com 12 votos favoráveis e 5 contrários na comissão.

Plenário do Senado Federal. No plenário, tal como havia ocorrido nas comissões, a dicotomia entre o “risco de inclusão” versus o “risco do isola-mento” da Venezuela foi explorada ao máximo. Quando o debate se iniciou na Câmara dos Deputados os partidos de oposição afirmavam que a adesão da Venezuela não propiciaria nenhum ganho econômico, fato rapidamente relativizado pelo crescente fluxo de comércio entre os países e, ainda mais significativo, dado o gigantesco superávit comercial auferido pelo Brasil. Reconhecido estes ganhos, o debate foi polarizado acerca da possibilidade de manutenção dos ganhos consolidados com o ACE 59, tendo a oposição sugerido que o fluxo de comércio poderia ser mantido, sem problemas, por meio de acordo bilateral.

Entretanto, nesta reta final de tramitação os argumentos econômicos fo-ram ofuscados pelas avaliações do regime de governo venezuelano, que ocuparam grande parte do debate35. Os governistas advertiam que os pro-blemas internos são anteriores a Chávez e que a postura da oposição vene-zuelana deveria ser levada em conta, num cenário que era de polarização política. Não obstante, reconheciam plenamente o caráter controverso da figura de Chávez, alguns assumindo discordância com suas práticas anti-democráticas. O divisor é que os oposicionistas lançavam mão da cláusula democrática como um impedimento legal para a entrada da Venezuela no Mercosul, enquanto que os governistas a interpretavam como um mecanis-

A adesão da Venezuela ao Mercosul no Congresso Brasileiro

34 Os votos favoráveis vieram do PSDB (4) e do DEM (2). Os votos contrários vieram do PMDB (3), PT (2), PSB (2), PP, PR, PDT e PCdoB (1 voto cada). Mozarildo Cavalcanti (PTB/RR) se absteve.35 A oposição utilizou uma infinidade de termos para definir o “modelo chavista” – ditato-rial, neopopulista, caudilhismo, democracia totalitária -, fato que demonstra que a ascensão destes novos governos na América Latina têm sido avaliados eminentemente pela ótica da instabilidade, como fazendo parte de uma zona cinzenta institucional, que oscila entre de-mocracia plebiscitária e ditadura.

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mo supranacional de controle. Por fim, a questão que assumiu maior relevância, segundo a oposição,

era que a presença de Chávez no Mercosul causaria dois tipos de proble-mas. Em primeiro lugar, acrescentaria ao bloco um parceiro que, de forma geral, se colocava em diversos eventos de forma contrária aos interesses brasileiros. Em segundo lugar, talvez o tema mais sensível, teríamos o “poder de veto” de Chávez a potenciais acordos com a União Européia, Estados Unidos e Japão. O Contrafactual governista, por sua vez, se base-ava na idéia de que ao rejeitar a opção política de Chávez pelo Mercosul, com sua saída do Pacto Andino, aquele governo seria levado a buscar outras alternativas de estabelecimento de preferências tarifárias. Toda-via, o efeito seria não só econômico, dado que havia a percepção de que Chávez poderia, por outro lado, radicalizar seus intentos políticos, pela iniciativa da ALBA. Álvaro Dias ironizava (PSDB/PR): “nós o queremos no Mercosul, como uma espécie de macaco em loja de louças?” (Plenário, 10/12/2009). Mercadante (PT/SP), por sua vez, perguntou “o que quer a oposição? Empurrar a Venezuela para outra área de influência, para bus-car parceria com a China, com a Rússia, com outras economias?” (Diário do Senado Federal, 15/10/2009).

Como vimos, as negociações incompletas e as ações de Chávez fize-ram com que o protocolo assumisse um contorno multidimensional. E a ambigüidade se manifestou tanto no discurso dos governistas em relação à Chávez e a questão da democracia, quanto na oposição, sobre a impor-tância do fator econômico e, mais relevante, sobre a real visão da impor-tância do Mercosul ou do formato adequado de integração do Brasil no cenário internacional. Assim, alguns membros da oposição não negavam a importância da adesão da Venezuela, declaravam que seriam favoráveis a ela em um momento futuro. Um exemplo desta ambigüidade podia ser encontrado na defesa que o senador Artur Virgilio (PSDB/AM) fez de uma “integração forte”, ao mesmo tempo, que relativizava o papel do Mercosul e os limites que este impunha na condução da política externa brasileira.

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“(...) somos ambos integracionistas, ou seja, ambos queremos um Mercosul

sólido e forte. Eu entendo, pura e simplesmente, que essa união aduaneira,

que não está sequer conseguindo ser uma verdadeira união aduaneira, até

porque não consegue superar as dificuldades com o protecionismo argen-

tino, pretenderia, vencida essa etapa, ser uma entidade política, com Parla-

mento forte, com moeda única, com convergência nas políticas econômicas

dos países integrantes, como aconteceu na União Européia que não nasceu

do dia para a noite, veio do Mercado Comum Europeu e levou décadas e

décadas para chegar até aqui. Eu vejo o Mercosul mal. O Brasil tem sido

prejudicado pelo Mercosul, o Brasil não realiza acordos bilaterais porque

não pode fazer nada fora do Mercosul. O Mercosul é cheio de cláusulas que

são excludentes, e o Mercosul não tem sido capaz, até pela desunião que o

marca, de realizar nenhum acordo multilateral com ninguém. (...) eu não

vejo que o Mercosul tenha sido priorizado nesses anos da política externa do

Presidente Lula, porque teve outras prioridades; eu questiono isso.” (Arthur

Virgílio, Plenário, 10/12/2009)

No dia 10 de dezembro, após a realização de várias audiências públi-cas, o líder do governo Romero Jucá (PMDB/RR) e integrantes da oposi-ção, senadores José Agripino (DEM/RN) e Arthur Virgílio (PSDB/AM), acordaram esgotar a discussão da matéria com o compromisso de votá-la posteriormente, na terça-feira, dia 15 de dezembro. A votação em plenário seguiu o padrão partidário governo versus oposição, com a exceção dos vo-tos contrários, mas esperados, dos senadores Jarbas Vasconcelos (PMDB/PE) e Fernando Collor (PTB/AL), e do parlamentar Valter Pereira (PMDB/MS) que possuía índice mediano de governismo36.

A adesão da Venezuela ao Mercosul no Congresso Brasileiro

36 Os dois primeiros casos eram bastante previsíveis, ainda mais se levarmos em conta seus discursos nas comissões e no plenário. O senador Jarbas Vasconcelos (PMDB/PE), adicio-nalmente possuía um índice de governismo muito inferior (0,07) em contraposição ao se-nador Valter Pereira (0,57). Collor, por sua vez, apresentava índice elevado de governismo (0,80). A escala varia de um mínimo representador por zero e pelo máximo de 1, indicando que o parlamentar votou 100% das vezes com o governo.

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Integração Sul-Americana: desafios e perspectivas

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Tabela 2 – Votação Nominal da adesão da Venezuela ao Mercosul no Senado

Bancada Sim Não Falta % sim/ bancada

DEM 13 12 1PSDB 14 11 3PMDB 16 9 2 5 56,3PT 11 7 4 63,6PTB 8 7 1 87,5PDT 6 4 2 66,7PR 3 2 1 66,7PRB 2 2 100PSB 2 2 100PC do B 1 1 100PP 1 1 100PSC 1 1 PSOL 1 1PV 1 1Total 80 35 27 18 43,8

O governo angariou 35 votos favoráveis, com 27 senadores contrários a adesão da Venezuela. Segundo comunicado do Senador Suplicy, seis se-nadores que estavam em missão oficial, na Conferência do Clima em Co-penhague, pediram para informar que sua posição era favorável a aprova-ção do protocolo. Contando estes parlamentares e outros que discursaram contra, mas não estiveram presentes no dia da votação, teríamos um placar estimado de 41 votos favoráveis e 33 contrários, mesmo assim uma votação apertada, que coloca em evidência o dissenso em torno do tema.

Utilizando dados de uma pesquisa de opinião com os senadores37, du-rante a tramitação da matéria, pudemos verificar que o posicionamento da

37 Uma pesquisa de intenção de voto com todos os senadores, antes da votação na CRE, nos auxiliou a reunir alguns indícios para avaliar o comportamento dos legisladores. Os dados foram cedidos gentilmente pela consultoria Llorente y Cuenca, com a condição de que não revelássemos os nomes dos senadores.

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maioria parlamentar coincidiu com a posição das lideranças na votação final no plenário, com a única exceção do PR, no qual a maioria contrá-ria a adesão terminou por acompanhar a posição do governo. Nos maiores partidos pudemos identificar quatro membros do DEM e do PMDB com posições diferentes da maioria partidária (cerca de 31% e 24% da bancada, respectivamente). No PSDB, apenas um membro, havia declarado ser favo-rável ao protocolo. Ou seja, por meio desta sondagem de opinião reunimos evidências acerca do alto grau de coesão dos partidos em relação à adesão da Venezuela ao Mercosul. Ao mesmo tempo, tanto na oposição, quanto no governo, os senadores com posições divergentes do partido terminaram por seguir a indicação do líder em plenário. Tais “conversões” atingiram quatro membros do DEM, dois do PR, e um no PSDB, PMDB e PTB. Dito de outra forma, havia no Senado elevado grau de consenso dentro dos par-tidos sobre a posição a ser tomada em relação à integração da Venezuela ao Mercosul. Não obstante, os poucos dissidentes acataram a indicação da liderança partidária no plenário.

Considerações finais

Por meio deste artigo procuramos demonstrar a correção de algumas hi-póteses sobre o conturbado processo de tramitação do protocolo de adesão da Venezuela ao Mercosul no Congresso brasileiro. A primeira questão é que, embora, de um lado, (1) as ações do mandatário venezuelano fossem um elemento importante de instabilidade e incerteza durante o processo de tramitação, demonstrado pelas oscilações que ocasionava no posiciona-mento dos parlamentares acerca dos critérios relevantes de apreciação da matéria – superávit econômico, democracia, negociações técnicas ou poder de veto de Chávez; de outro, argumentamos que a questão fundamental era (2) a divergência de preferências dos principais partidos em torno do mode-lo adequado de inserção internacional brasileiro.

Outro ponto é que (3) a frágil maioria do governo no Senado teve duas conseqüências. A primeira é que o Senado teve papel fundamental na tenta-

A adesão da Venezuela ao Mercosul no Congresso Brasileiro

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tiva da oposição em associar o governo Lula à imagem “esquerdista-auto-ritária” de Chávez, como um subproduto do aspecto mais fundamental, que era a discordância do modelo de política externa por eles cunhado de “ter-ceiro-mundista”. Neste sentido, os senadores oposicionistas foram efetivos em acentuar o conflito em torno do tema, logo no início da tramitação da matéria na Câmara dos Deputados. Por outro lado, a segunda conseqüência, a oposição foi bem sucedida em aprovar diversos requerimentos direciona-dos ao MRE com a cobrança de informações sobre o andamento do pro-cesso de negociação, fato que obrigou o governo a avançar nas “questões técnicas” da adesão, aumentando a transparência e o accountability do pro-cesso. De qualquer forma, a tramitação também não ocorreu sem sobressal-tos na Câmara dos Deputados, pois o governo sofreu resistências logo no início da tramitação na CREDN, dependendo de membros da oposição para conseguir garantir quorum para a votação. Na CCJC, o processo foi menos tumultuado, e embora a votação tenha tido certa folga no plenário, não de-vemos esquecer que o protocolo ficou estagnado na pauta durante 13 meses.

Em resumo, tentamos neste artigo argumentar que o perfil e as ações imprevisíveis de Chávez fizeram com que a análise do protocolo, por parte dos parlamentares, assumisse um caráter multidimensional. Considerações sobre o papel estratégico da integração da Venezuela, logo foram ofuscados por temas associados com questões de cunho conjuntural, em conseqüência do processo de polarização política interno à Venezuela, que ocasionou po-sições ambíguas tanto por parte de membros do governo, quanto da oposi-ção. Neste sentido, tentamos demonstrar como estes aspectos conjunturais afetaram os issues que eram considerados relevantes pelos parlamentares. Mas a análise não se resume a isto. A disputa entre governo e oposição acerca de tema tão controverso, nos permitiu reunir evidências acerca das posições manifestas dos parlamentares sobre o adequado direcionamento da política externa brasileira. Por fim, o quadro que apresentamos a seguir resume de forma sintética os principais elementos discursivos do governo e da oposição acerca dos diversos temas envolvidos na integração da Vene-zuela ao Mercosul.

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QUADRO – Perspectivas sobre a adesão/rejeição da Venezuela ao MERCOSULOPOSIÇÃO - “Risco da inclusão” GOVERNO - “Risco do isolamento”

ADESÃO DA VENEZUELA

Não é possível separar a Venezuela de Hugo Chávez. A inclusão é uma - OPÇÃO IDEOLÓGICA”.

Chávez é temporário. O PT acatou criação do Mercosul ignorando Menem. FHC se aproximou da Venezuela. Inclusão é “POLÍTICA DE ESTADO”.

AÇÕES DE CHÁVEZ

INSTABILIDADE política na América do Sul. Chávez age consistentemente contra os interesses brasileiros. Corrida armamentista.

“Arroubos retóricos”. Chávez fez OPÇÃO POLÍTICA pelo Mercosul ao sair da Comunidade Andina.

QUESTÃO ESTRATÉGICA

INTERNALIZA temas NEGATIVOS como TERRORISMO, IRÃ, CÓREIA DO NORTE.

Infra-estrutura, energia, IMPEDIR que CHINA e RÚSSIA entrem na ÁREA de INFLUÊNCIA brasileira.

REGIME VENEZUELANO, DEMOCRACIA E DIREITOS HUMANOS

Ditatorial, neopopulista, caudilhismo, democracia totalitária. ELEIÇÕES E REFERENDOS são simulacros para a concentração de poder.

Governo e oposição com práticas de polarização e radicalização política. Número de ELEIÇÕES E REFERENDOS atesta que o regime é democrático.

Governo sem freios e contrapesos. Oposição adotou práticas abstencionistas que permitiram a Chávez maioria legislativa incontestávelDemocracia substantiva – melhora nos indicadores sociais.

Venezuela não é uma democracia sob o governo Chávez. Fechamento da RCTV.

Também não era uma democracia plena antes dele – Pacto de Punto Fijo, Caracazo, golpe de 2002.

Violação de direitos humanos - relatório da OEA

Instância supranacional do Mercosul através da Comissão de Direitos Humanos permitiria controle supranacional. Crítica que a OEA reproduz interesse norte-americano.

IMPEDIR a adesão devido ao conflito com a CLÁUSULA DEMOCRÁTICA.

Não houve ruptura democrática. Adesão favorecerá a democracia por meio de CONTROLE SUPRANACIONAL.

ECONOMIA

Em 2008, o superávit brasileiro com os EUA era de US$ 1,8 bilhão e com a União Européia (composta de 27 países) de US$ 10,2 bilhões, mas apenas com a Venezuela a cifra teria atingido o valor de US$ 4,6 bilhões.

REJEIÇÃO NÃO necessariamente ALTERARÁ FLUXO DE COMÉRCIO. É possível manter as preferências tarifárias através de acordo bilateral.

Rejeição afetará o SUPERÁVIT COMERCIAL, devido ao fim das preferências tarifárias do ACE 59 em 2011. Prejuízos econômicos para exportação.

Instabilidade institucional gera INSEGURANÇA JURÍDICA para investimentos e fluxo de comércio.

Adesão e controle supranacional vão gerar segurança jurídica.

A adesão da Venezuela ao Mercosul no Congresso Brasileiro

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QUESTÃO TÉCNICA

NEGOCIAÇÕES INCONCLUSAS nos grupos de trabalho sobre questões econômicas (e acordos internacionais anteriores ao protocolo).

OPÇÃO POLÍTICA do governo brasileiro, justificadas pelas enormes assimetrias econômicas

MERCOSUL

APROFUNDAR o bloco. Diagnóstico de ESTAGNAÇÃO DO MERCOSUL. Adesão levará ao ENFRAQUECIMENTO do bloco, aumentará os conflitos internos.

AMPLIAR para DINAMIZAR o MERCOSUL.

CRISE NO MERCOSUL . CONFLITO com a Argentina - cláusula de adaptação competitiva

Justifica as concessões brasileiras dadas as assimetrias no bloco

Mercosul LIMITA e RESTRINGE a POLITICA EXTERNA Adesão FORTALECE o bloco regional

NEGOCIAÇÕES INTERNACIONAIS

PODER de VETO de Chávez impedirá acordos futuros com Estados Unidos, União Européia, Japão e Israel.

Aumenta a possibilidade de ampliar os parceiros na AMÉRICA DO SUL. Inclusão dos parceiros do Pacto Andino.

Concepção positiva de acordos bilaterais

Governo contra este “modelo de economia política”

Referências

Agência Câmara, Sílvia Mugnatto, 03/12/2007, “Referendo na Vene-zuela deve favorecer adesão ao Mercosul”. Reportagem da Rádio Câmara, Edição - Regina Céli Assumpção.

Agência Câmara, Geórgia Moraes, 28/09/2007, “Mercosul: entrada da Venezuela volta à pauta no dia 24”, Reportagem da Rádio Câmara, Edição Regina Céli Assumpção.

Agência Senado, 18/02/2009, “Representação brasileira aprova ingres-so da Venezuela no Mercosul”, Notícias, Mercosul.

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A adesão da Venezuela ao Mercosul no Congresso Brasileiro

Agência Senado, Da Redação, 29/01/2009, “Simon defende inclusão da Venezuela no Mercosul”, Notícias, especial.

Agência Senado, Gorette Brandão, 11/05/2007, “Arthur Virgílio diz que o Brasil paga caro por erros na política externa”. Notícias, Plenário.

Agência Senado, Marcos Magalhães , 17/02/09, “Aprovação de reelei-ção indefinida não dificultará ingresso de Venezuela, prevêem senadores” Notícias, Mercosul.

Agência Senado, Marcos Magalhães, 27/02/2007, “Ingresso da Vene-zuela no Mercosul é inadequado e indesejável, diz Abdenur”. Comissões, notícias.

Agência Senado, Simone Franco, 30/05/2007, “Senado aprova apelo por reabertura de TV venezuelana”. Notícias, Plenário.

Folha de São Paulo, 31/05/2007, “Senado aprova moção do PSDB pe-dindo para Chávez reabrir RCTV”, da Efe, no Rio de Janeiro.

Folha de São Paulo, Gabriela Guerreiro, 18/02/2009, “Representação brasileira no parlamento do Mercosul aprova adesão da Venezuela”, da Fo-lha Online, em Brasília

Folha de São Paulo, Renata Giraldi, 29/01/2009, “Simon critica Sarney por dificultar ingresso da Venezuela no Mercosul e deve ‘trair’ PMDB”, da Folha Online, em Brasília.

O Estado de São Paulo, 7/10/2009, “Ledezma: ‘Fui vítima de um golpe de Estado de Chávez’”, Caderno Internacional.

SANTOS, Fabiano & VILAROUCA, Márcio (2007), “Adesão da Vene-zuela ao Mercosul: Des-ideologizar como forma de Atingir o Interesse Na-cional.” Papel Legislativo, n° 4. Disponível em: (http://necon.iuperj.br/)

SANTOS, Fabiano (2003), O Poder Legislativo no Presidencialismo de Coalizão, Editora: UFMG.

SANTOS, Fabiano; ALMEIDA, Acir & VILAROUCA, Márcio (2008), “Um Modelo de Governança de Esquerda com Aplicação para o Caso da Venezuela e o Mercado Comum do Sul - Mercosul” In: Maria Regina Soares (Org.), Desempenho de Governos Progressistas no Cone Sul: Agendas Alternativas ao Neoliberalismo. Rio de Janeiro: Edições

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Integração Sul-Americana: desafios e perspectivas

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IUPERJ, pp. 23-46.VILAROUCA, Márcio (2008-2009), Newsletter Necon, As Comissões

de Relações Exteriores do Congresso brasileiro [Ns˚ 1-10]VILAROUCA, Márcio. (2008), “Taxa de Sucesso Legislativo do Exe-

cutivo no Processo Bicameral: Comparando os Governos de FHC e Lula (1995-2006)”. Paper apresentado no 6º Encontro da ABCP, UNICAMP, 29 de julho a 1˚ de agosto, Campinas.

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“(...) cooperação internacional requer a participação e apoio de atores públi-

cos e privados no mundo da política, da economia, da academia, da mídia,

dos movimentos sociais, em geral. A diplomacia é instrumento de indução e

suporte, mas é o movimento em direção à região desta pluralidade de atores

que dá densidade econômica, política e social à iniciativa diplomática. Ora,

a necessidade desta densidade torna parceiros os atores estatais e não esta-

tais, mas também competidores em potenciais, aumentando as dificuldades

de coordenação no plano doméstico (...) Para uma política sul-americana

bem sucedida é necessário que as elites governamentais consigam mobili-

zar nas esferas pública e privada os insumos para este investimento inter-

nacional, bem como demonstrem capacidade de coordenação das diversas

agências burocráticas, com vistas à intensificação da política regional. Estas

condições são particularmente desafiadoras para o Brasil em vista de um

certo descompasso entre aspiração internacional e disposição da sociedade

para arcar com os ônus da cooperação internacional (...)” (Lima, 2008: 54-6)

1. Introdução

A América do Sul presencia nos últimos anos a conformação de um novo modelo de regionalismo, voltado mais para aspectos físicos, energé-ticos, institucionais e sociais, do que para o comercial – foco do modelo

A nova integração regional e a expansão do capitalismo brasileiro na América do Sul

A nova integração regional e a expansão do capitalismo

brasileiro na América do Sul Daniela Ribeiro

Regina Kfuri

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de integração na década de 90. Esse novo formato de regionalismo – aqui chamado de estrutural – constrói-se em um contexto mundial de aceleração dos fluxos de investimento estrangeiros, que conferiu um novo dinamismo às economias sul-americanas. A construção do regionalismo estrutural é lenta, mas seus sinais já são perceptíveis, seja no adensamento da integra-ção estrutural, seja no envolvimento de atores públicos e privados.

Este artigo se propõe a analisar a conformação de uma nova integra-ção regional vis-à-vis o processo de expansão do capitalismo brasileiro na América do Sul, buscando mapear o envolvimento do setor privado bra-sileiro, bem como do governamental no novo modelo de integração. Para tanto, primeiramente, contextualizamos o modelo de inserção internacio-nal brasileiro frente aos dois momentos de regionalismo sul-americano que antecederam o atual: o fechado e o aberto. Posteriormente, tratamos do regionalismo estrutural e dos mecanismos de garantia aos investimentos sul-americanos. Em um terceiro momento, apresentamos a atuação do Bra-sil nesse contexto, por meio do mapeamento do adensamento dos investi-mentos estrangeiros brasileiros na América do sul, bem como das políticas domésticas que pretendem dar suporte à nova dinâmica de expansão do capitalismo brasileiro. Finalmente, à guisa de conclusão, tecemos breves considerações sobre os desafios de aprofundamento da integração regional face à alteração da estratégia de inserção internacional do país e apresen-tamos a possibilidade de que a integração regional e o modelo de inserção internacional do Brasil sejam estratégias completares de desenvolvimento.

Antes de iniciar a discussão sobre o novo modelo de regionalismo e o formato de inserção do capitalismo brasileiro, cabe realizar duas consi-derações teórico-analíticas, uma sobre o papel do Estado na condução do desenvolvimento e outra sobre a concepção de integração. Com relação à primeira dessas considerações, avalia-se que na história do capitalismo a intervenção estatal foi importante para que os Estados desenvolvidos se conformassem como tais (Chang, 2002; 2007; Reinert, 2007). Temos como ponto de partida, portanto, a concepção de que países se tornaram desenvol-vidos porque fizeram escolhas estratégicas que misturavam instrumentos de

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proteção, regulação e subsídios e, não porque aplicaram práticas liberais e de desregulamentação (Chang, 2007). Nesse sentido, a perspectiva analíti-ca adotada vai de encontro à visão globalizante de ausência de alternativas sobre os caminhos e escolhas para se alcançar o desenvolvimento, confe-rindo importância à atuação estatal por meio da formulação de políticas e instituições de caráter estratégico.

Quanto à segunda consideração teórico-analítica – esta de cunho mais conceitual – cabe esclarecer que, entendemos a integração regional de ma-neira bastante ampla, como um processo de adensamento das relações em uma determinada região, entre partes que formam um todo ou criam inter-dependência (Herz e Ribeiro Hoffmann, 2004; Nye, 1968). A integração regional apresenta-se, portanto, um fenômeno complexo e multifacetado e, como tal, pode ser desmembrado em suas múltiplas esferas. Entre as prin-cipais vantagens da desagregação está em, como indica Nye (1968), com-preender que não apenas diferentes aspectos podem progredir em ritmos diferentes, mas também que é possível que haja integração em determina-das áreas e desintegração em outras. Sendo assim, mesmo em períodos de retração das trocas comerciais, é possível que a integração siga avançando em outras áreas, tal como os projetos infra-estruturais ou a coordenação política, por exemplo.

2. As fases do regionalismo e a estruturação do capi-talismo brasileiro

2.1. Regionalismo fechado

Durante os anos 50 e 60, o desenvolvimento econômico era uma preocu-pação comum aos países da América Latina, que acumulavam períodos de redução da taxa de crescimento. Nesse contexto, ganharam força na região as idéias desenvolvimentistas encampadas pelos economistas da Comis-são Econômica para a América Latina (CEPAL), que defendiam a adoção de um modelo de industrialização através da substituição de importações,

A nova integração regional e a expansão do capitalismo brasileiro na América do Sul

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como forma de os países periféricos alcançarem o centro. Segundo este ideário cepalino, a chave para alcançar o desenvolvimento era a capacidade de produzir internamente aquilo que era importado. Um fator central no modelo cepalino era a necessidade de um mercado interno consumidor dos produtos industrializados que, na maioria dos países latino-americanos, era limitado. A integração regional era apresentada como resposta a essa limi-tação. A formação e a proteção de um mercado regional e a articulação das políticas industriais dos países da região de forma a torná-las complemen-tares eram um caminho para que a América Latina alcançasse o desenvol-vimento econômico. Assim, o regionalismo fechado era promovido como estratégia de desenvolvimento econômico, sustentado pela idéia de que os países atrasados não podiam competir com os países mais desenvolvidos e precisavam, portanto, proteger-se para a promoção da industrialização (Saraiva, 1999; Barbosa, 1996).

Entre as experiências de integração ocorridas nesse período encontra--se a Associação Latino-Americana de Livre Comércio (ALALC), bloco formado pelos países sul-americanos e o México, em 1960, que, embora as-similasse propostas da CEPAL, limitava seus objetivos à formação de uma área de livre comércio. O Brasil teve participação ativa nas negociações, iniciadas em 1958, para a formação da Alalc, cujo objetivo era promover o incremento do comércio regional com vistas ao desenvolvimento econômi-co dos países membros (Barbosa,1996). No entanto, embora nos primeiros anos houvesse avanços na tentativa de reduzir as barreiras comerciais entre os países, a partir de meados da década de 1960, o arranjo regional deixou de avançar. Os resultados positivos alcançados pelo bloco diziam respeito ao comércio entre os países, não ao desenvolvimento dos mesmos. Entre as causas para a paralisação do processo pode-se apontar a não-articulação de políticas industriais que seria necessária ao ideário cepalino, a falta de complementaridade de economias, as deficiências de infra-estrutura de transportes ou serviços financeiros adequados, a falta de apoio dos agentes econômicos ao projeto e a emergência de governos militares e autoritários na região (Saraiva, 1999).

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No Brasil, apesar do discurso a favor da integração, na prática as atitu-des adotadas eram bastante restritivas no que dizia respeito às negociações. (Barbosa, 1996: 140) Em 1967, os chefes de Estado, reunidos na Organi-zação dos Estados Americanos (OEA), decidiram criar o Mercado Comum Latino-americano, mas a diplomacia brasileira manteve-se cética quanto às possibilidades de sua implementação (Cervo e Bueno, 2002: 416). Assim, apesar da influência das idéias geradas pela CEPAL, as iniciativas brasilei-ras em direção à América do Sul eram incipientes e a política de atuação terceiro-mundista do Brasil dizia respeito à atuação em regimes econômi-cos internacionais em prol da promoção de mudanças em favor dos interes-ses dos países em desenvolvimento (Lima, 2003).

Internamente, entre as décadas de 30 e de 70, o Brasil passou por um processo de industrialização baseado na dinâmica da substituição de im-portações assentado sobre o corporativismo estatal. Tal prática de incor-poração, ainda que em bases de níveis diferentes1, conferiu ao país a estru-turação de um parque industrial complexo e diversificado (Diniz, 1992), com a formação de uma forte indústria de base – siderurgia, petroquímica, construção naval e geração de energia hidrelétrica. A política industrial, que privilegiava o fortalecimento do capital nacional, era definida por meio de uma elite burocrática com certo grau de autonomia e de canais setorializa-dos de acesso ao Estado por parte de grupos empresariais. Esse formato de desenvolvimento que conferia peso especial à empresa nacional – “ocupava um espaço bem demarcado entre os demais agentes dinâmicos da econo-

A nova integração regional e a expansão do capitalismo brasileiro na América do Sul

1 Durante o primeiro governo Vargas, estruturas coorporativas institucionalizaram um padrão de relação entre Estado e sociedade, marcada pela articulação de organizações patronais e sindicais por meio de estruturas verticais, hierárquicas e centralizadas ligadas diretamente ao Estado. Tal dinâmica se aprofundou no Estado Novo (1937-1945) e, com o passar do tempo, o chamado corporativismo estatal tornou-se a principal via de incorporação política da classe empresarial e operária. Este formato teve diferentes efeitos para cada um desses setores da sociedade: “viabilizou a participação das elites industriais nas estruturas de poder, mas excluiu os trabalhadores como parceiros dos acordos cooperativos” (Diniz, 1992).

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mia” – ganhou força nos anos 50 e 60 e arregimenta-se durante o regime militar (1964-1985), que articulou o modelo do tripé, assentado sob empre-sas estatais, o capital estrangeiro e o nacional.

É inegável a importância do período para a estruturação do capitalis-mo brasileiro. Cabe ressaltar, contudo, que a produção industrial do Brasil era predominantemente voltada para o mercado doméstico e, no âmbito regional, nem se quer chegou-se a esboçar qualquer dinâmica cooperativa que conferisse complementaridade entre as políticas industriais adotadas pelos países domesticamente. Nos anos 80, frente à intensa crise fiscal do Estado e à conjuntura econômica internacional desfavorável2, o modelo de substituição de importação esgotou-se e houve forte redução de incentivos estatais para a indústria.

A falência de tal modelo de desenvolvimento foi seguida por reformas liberalizantes que confluíram no desmantelamento de capacidades estatais (Boschi, 2007) e no desmonte do corporativismo estatal. Frente à descons-trução legal e institucional do padrão anterior e ainda sem um novo mode-lo de inserção internacional, o projeto integracionista também não ocupa, nesse período, um papel de destaque. É verdade que, as adversidades da chamada década perdida incitam o início do processo de superação da riva-lidade com a Argentina e a criação, juntamente com o Peru e o Uruguai, do Grupo de Apoio a Contadora, mas somente no final dos anos 80 e durante a década de 90, no contexto de um novo ordenamento internacional, com a superação da ordem bipolar, que novos esquemas de integração tomaram forma na região.

2 Endividados e sofrendo forte pressão inflacionária, no âmbito doméstico, os países da região enfrentaram, no plano internacional, a queda dos preços internacionais das commo-dities somada à redução do volume exportado aos países industrializados, às altas nas taxas de juros internacionais, à redução de liquidez internacional para empréstimos bancários e à desvalorização cambial.

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2.2. Regionalismo aberto

O fim da Guerra Fria trouxe uma nova dinâmica à economia mundial, com a predominância do paradigma neoliberal no campo econômico. Dian-te dessa nova ordem, os novos modelos de integração buscaram unir forças para a inserção no mercado externo. Países com pouco poder de negocia-ção, os latino-americanos precisavam competir em um mercado globali-zado, por insumos e investimentos, assim como enfrentar as pressões re-sultantes dessa nova ordem econômica. Os arranjos regionais buscavam, portanto, aumentar a capacidade de competição desses países diante dessa nova realidade internacional.

Nesse momento, o Brasil, em consonância com a tendência mundial de adoção das medidas do Consenso de Washington, abraça políticas libera-lizantes. No âmbito externo, o país intensifica sua presença em instâncias multilaterais, adere a regimes internacionais, arquiteta uma reordenação do diálogo com os EUA, adota práticas de valorização do espaço sul-america-no, mas apresenta-se pouco atuante nas articulações políticas e questões de terceiro mundo (Lima, 2003: 95). No âmbito doméstico, a absorção de pre-ceitos pró-mercado traduz-se na drástica redefinição da agenda pública e na criação de condições políticas para reformas liberalizantes (Diniz, 2004: 4).

A integração regional recebe a função de consolidar o processo de aber-tura econômica e de superar o modelo de industrialização por substituição de importações. Nesse contexto, o adensamento da cooperação entre os vi-zinhos sul-americanos assume caráter prioritariamente comercial. Além de garantir a continuidade das reformas econômicas liberais e do ambiente democrático, criando um ambiente de lock-in institucional que dificultas-se o desmantelamento de tais reformas, a integração servia à necessidade de inserção internacional, que justificava a adoção de um modelo de re-gionalismo aberto. Assim, vinculada em grande medida pela globalização produtiva e financeira, a integração surge “(...) como mecanismo defensivo e adicionador de barganha internacional” e o “ineditismo, do ângulo da política externa, está no fato de o movimento equilibrador estar localizado

A nova integração regional e a expansão do capitalismo brasileiro na América do Sul

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no âmbito regional.” (Lima, 2005: 17). Sendo assim, a criação do Mercosul, através da assinatura do Tratado de

Assunção, em 1991, foi, em parte, uma resposta aos desafios lançados pela globalização, vista pelos países em desenvolvimento, como os da América do Sul, como uma oportunidade para superar a situação periférica, através da integração a uma economia global (Mecham, 2003). O Mercosul era, em seu núcleo, um projeto político para aproximar Argentina e Brasil, com objetivos econômicos fortes, ao mesmo tempo em que procurava a acele-ração do desenvolvimento econômico com justiça social, atraindo também Paraguai e Uruguai. Logo após a criação do bloco, há uma significativa expansão do comércio entre seus membros. Entre 1991 e 1997, o volume do intercâmbio comercial intra-Mercosul se multiplica por três e chega a responder por 23% do total comercializado por esses países (Coutinho et al, 2008).

No plano doméstico, a abertura comercial e a implantação de políticas de liberalização foram marcadas por políticas governamentais essencial-mente voltadas para a atração de investimentos externos (Guedes, 2006), em detrimento de políticas que contemplassem o fortalecimento de empre-sas de capital nacional. Desse modo, a inserção internacional do país ocorre a custo de uma alta concentração de grandes corporações transnacionais com o desmantelamento do empresariado nacional que “esgota-se como protagonista de uma nova ordem econômica e enquanto categoria política, destituído da parceria que lhe foi concedido e do papel que lhe fora confe-rido pelas estratégias de desenvolvimento do passado” (Diniz, 2004: 07).

O resultado desse modelo foi que, o período muitas vezes apontado como “a era de ouro” da expansão do capitalismo brasileiro, desaguou em um quadro – não só do Brasil, mas de países sul-americanos de uma ma-neira geral – de alta vulnerabilidade em relação às oscilações externas, de congelamento de um status quo excludente, de estruturação de um aparato produtivo altamente desnacionalizado (Lima e Coutinho, 2006). É possível afirmar, desse modo, que as transformações desse período apontam para “redução das margens de viabilidade de um projeto de desenvolvimento

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autônomo e auto-sustentado” (Lima, 2003: 94).

3. Novo Regionalismo

O regionalismo aberto enfrenta no final da década de 90 grandes dificul-dades para se manter do modo como operava. Embora em seus primeiros anos de funcionamento, o Mercosul tenha sido bem sucedido em aumentar o intercâmbio comercial entre seus membros, o modelo comercialista dos anos 90 começou a dar mostras de desgaste a partir do princípio do século XXI (Coutinho et al, 2007). Assim, apesar de tal modelo ter contribuído para estabelecer um novo padrão de relacionamento político entre os atores, ficou muito aquém das expectativas econômicas da integração.

Os investimentos em infra-estrutura na região, por exemplo, sofreram grande redução por mais de duas décadas – os investimentos privados in-crementados com as reformas liberalizantes não foram capazes de com-pensar a queda dos investimentos públicos nos países da região. Segundo a Cepal (2007), para que investimentos em infra-estrutura gerassem cres-cimento econômico, a sua porcentagem em relação ao PIB teria que ficar entre 5% e 7% e, como aponta recente relatório da Unctad (2008) sobre o investimento das empresas transnacionais em infra-estrutura, para objeti-vos mais audaciosos de crescimento econômico acompanhado de redução da pobreza, essa taxa deveria estar entre 7% e 9%. Entretanto, o total de investimentos das maiores economias da região não passou de 1,5% ao longo da década de 90.

Segundo estudo da Cepal sobre alianças público-privadas como estra-tégias nacionais de desenvolvimento em longo prazo, os países da região adentram os anos 2000 não somente com sérios problemas em relação ao nível de investimento, mas também com grandes deficiências em maté-ria de produtividade, em transformação produtiva e no modelo de inser-ção internacional. Tal quadro indica que os países da região apresentam como desafio em comum a necessidade de “incentivar o desenvolvimento mediante a implementação eficaz de uma estratégia nacional de trans-

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formação produtiva de médio e longo prazo, orientada para a inserção internacional”. Ainda segundo o trabalho, a experiência internacional de-monstra que, para tanto, é necessário uma atitude proativa dos governos em relação ao estabelecimento de uma aliança público-privada (Devlin e Moguillansky, 2009).

Na virada do século, identifica-se um movimento comum na região de recuperação das capacidades do Estado de fazer frente a essa situação. As novas forças políticas que emergiram na região nos anos 2000, guia-das em grande parte por ideologias de esquerda, produziram governos que buscaram a revisão das políticas econômicas da década anterior e trouxeram preocupações sociais para o centro da arena de debate. É pos-sível notar um movimento comum a vários dos países sul-americanos de preocupação com a recuperação de capacidades estatais para promover o desenvolvimento3 .

No Brasil, o quadro de descontentamento frente aos resultados de re-formas pró-mercado da década de 90 levou ao questionamento acerca da intensa redução do Estado e a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva para a presidência da República. A disposição para a conformação de um novo modelo de inserção internacional está explicita nas diretrizes de política externa do Brasil do governo Lula (Diniz, 2005; Soares, 2005) – crescente

3 Examinado comparativamente os casos da Argentina, do Brasil e do Chile, Boschi e Gaitán (2008) tratam da agenda pós-neoliberal, avaliando a construção de capacidade institucional e burocrática de gerar desenvolvimento. Com algumas ressalvas, apontam que o Brasil esta-ria construindo condições institucionais favoráveis para o desenvolvimento. As políticas de financiamento de inovação que tiveram início durante o governo de Fernando Henrique Car-doso (1995-2002) estariam sendo potencializadas atualmente por meio do fortalecimento de antigas instituições como o BNDES. No que se refere à diversificação da pauta comercial, é destacada a reversão do déficit comercial em 2000 e o incentivo das políticas do Programa Industrial, Tecnológico e de Comércio Exterior (PITCE) e o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Quanto à capacidade de programar políticas que garantam que o cres-cimento econômico seja desfrutado por toda a população, não somente o Brasil como todos os países analisados ainda teriam um grande caminho pela frente.

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valorização da América do Sul e integração regional como possibilidade não só de incrementar as relações econômicas regionais, mas também de aumentar o poder de barganha da região nas arenas hemisféricas e interna-cionais (Lima e Coutinho, 2006).

Afigura-se, nesse contexto, um novo modelo de regionalismo que am-plia a agenda de integração sul-americana. A integração regional adquire caráter multidimensional, procurando dar conta não apenas das questões econômicas, mas também de demandas sociais, culturais, políticas e infra--estruturais. Este regionalismo estrutural, também chamado de pós-liberal, abre espaço para a discussão de impactos distributivos do comércio e a questão das assimetrias. Exemplos hemisféricos desse novo regionalismo e da constante participação brasileira nesse processo são a recente criação da União de Nações Sul-Americanas (Unasul) e o relançamento do Mercosul em 2003.

A Unasul é herdeira de uma iniciativa brasileira que levou à criação, em dezembro de 2004, da Comunidade Sul-Americana de Nações (Casa), durante uma reunião de cúpula no Peru. A Declaração de Cuzco continha cinco páginas nas quais se estabelecia a implementação progressiva de um novo âmbito de ação coletiva. Dois anos mais tarde, na cúpula de dezembro de 2006, na Bolívia, o presidente Lula enfatizou a importância do com-prometimento com a consolidação da integração energética e do fortaleci-mento das políticas sociais na região. Na ocasião também foram abordados pontos referentes à livre circulação de pessoas na região e à proteção do meio ambiente. No ano seguinte, na Venezuela, os presidentes concordaram em mudar o nome da Casa para Unasul e, em maio de 2008, a instituição ganhou personalidade jurídica.

Na mesma reunião realizada em abril de 2007 na Isla Margarita, na Ve-nezuela, teve lugar a I Cúpula Energética Sul-americana, com a presença de nove dos 12 chefes de Estado e de governo da região, que acordaram a criação de um Conselho Energético, com o objetivo de desenhar uma estra-tégia energética, um plano de ação e um tratado energético para a América do Sul. O tratado, proposto pelo governo da Venezuela, estaria centrado

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em quatro linhas de ação estratégica: petróleo, gás, energias alternativas e poupança de energia. Entretanto, a despeito da grande importância do que vem se consolidando como o maior e mais ousado projeto de integração sul-americana já desenhado, a Unasul tem suas principais ações vinculadas a temas direitos humanos e defesa4 .

A nova fase do Mercosul, por sua vez, iniciada a partir de 2003, indica não apenas a retomada do processo de integração, mas uma mudança de pa-radigma em direção à construção de um novo formato de regionalismo: aos poucos a idéia de um Mercosul puramente comercial vai dando lugar a uma preocupação maior com a integração física e social dos países. A criação de novos órgãos destaca a inclusão de instituições para tratar de direitos hu-manos, democracia e questões sociais. É também nessa fase que começa a ser tratado o tema das assimetrias no Mercosul. Em 2005, durante a XXVIII Reunião de Cúpula do Mercosul, foi criado o Fundo de Convergência Es-trutural do Mercosul (Focem), “destinado a promover a competitividade e a coesão social dos Estados Partes, reduzir as assimetrias – em particular dos países e regiões menos desenvolvidas (...), impulsionar a convergência estrutural no Mercosul e fortalecer a estrutura institucional do processo de

4 Um bom exemplo de articulação aconteceu em agosto de 2009 durante a reunião de Cúpula da Unasul convocada para discutir as bases norte-americanas na Colômbia. Ao término des-sa reunião extraordinária, em Bariloche, na Argentina, o grupo emitiu um documento final, no qual não se condenou a instalação das bases e se estabeleceu que qualquer país poderá ter tropas estrangeiras em seu território, desde que não ameace a soberania e a integridade territorial dos demais membros da região. O documento instruiu o Conselho de Defesa da Unasul a elaborar medidas de fomento da confiança e da segurança e estabeleceu mecanis-mos de verificação. Em outro episódio, em setembro de 2008, foi convocada em Santiago do Chile uma reunião extraordinária da Unasul para discutir a crise da Bolívia, onde se estabeleceu a formação de uma comissão para investigar o suposto massacre de Porvenir, no departamento boliviano de Pando. Em dezembro, o presidente da Bolívia, Evo Morales, recebeu o relatório produzido pela comissão que confirmava a ocorrência do massacre e afirmava que pelo menos 20 camponeses haviam morrido no conflito com a conivência ou a participação direta de autoridades locais (Banco de eventos Opsa).

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integração”5 , conforme explicitado no Quadro 1 abaixo.

Quadro 1 – Estrutura do Focem

Objetivos Programas Projetos passíveis de financiamento

(i) promoção de convergência estrutural dos países-membros do Mercosul;

Desenvolvimento e ajuste estrutural das econo-mias menores e menos desenvolvidas, inclusa a melhoria dos sistemas de integração de fronteiras

Construção, modernização e recuperação de vias de transporte modal e multimodal que otimizem o movimento da produção e promovam a integração física entre os ‘Estados Partes’ e entre suas sub-regiões; exploração, transporte e distribuição de com-bustíveis fósseis e biocombustíveis; geração, transporte e distri-buição de energia elétrica; e implementação de obras de infra-estrutura hídrica para contenção e condução de água bruta, de saneamento ambiental e de macro drenagem

(ii) desenvolvimen-to da competitivi-dade econômica dos ‘Estados Par-tes’;

Promoção da competitivi-dade produtiva do Mer-cosul com incentivo de processos de reconversão produtiva e laboral que favoreçam o comércio interno do bloco.

Geração e difusão de conhecimentos tecnológicos dirigidos a se-tores produtivos dinâmicos; metrologia e certificação da qualida-de de produtos e processos; rastreamento e controle da sanidade de animais e vegetais e garantia da segurança e da qualidade de seus produtos e subprodutos de valor econômico; promoção do desenvolvimento de cadeias produtivas em setores econômicos dinâmicos e diferenciados; promoção da vitalidade de setores empresariais, formação de consórcios e grupos produtores e ex-portadores; fortalecimento da reconversão, crescimento e associa-tivismo das pequenas e médias empresas, e sua vinculação com mercados regionais; promoção da criação e do desenvolvimento de novos empreendimentos; e capacitação profissional e em auto-gestão, organização produtiva para o cooperativismo e o associa-tivismo e a incubação de empresas.

(iii) favorecimento da coesão social no Cone Sul

Desenvolvimento so-cial, especialmente nas regiões fronteiriças

Implementação de unidades de serviço de atenção básica à saúde; melhoria da capacidade hospitalar; erradicação de epidemias e endemias; ensino fundamental, educação de jo-vens e adultos e ensino profissionalizante; orientação e ca-pacitação profissional; concessão de microcrédito; fomento do primeiro emprego e de atividades econômicas solidárias; combate à pobreza; e acesso a habitação, saúde, alimentação e educação para setores vulneráveis das regiões mais pobres e de fronteira.

(iv) fortalecimen-to do processo de integração regio-nal e da estrutura institucional do bloco.

Aperfeiçoamento da estrutura institucional do Mercosul

Aumento da eficiência das próprias instituições do Merco-sul.

Fonte: elaboração própria com informações da página do MPOG/ SPI, 2009, em agosto de 2009.

5 MERCOSUL/CMC/DEC. Nº 45/04, disponível em http://www.mercosur.int/msweb/por-tal%20intermediario/Normas/normas_web/Decisiones/PT/DEC_045_04_Fundo%20Estru-tural_Ata_02_04.PDF

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A criação do Focem atende a demandas dos sócios menores do bloco, Paraguai e Uruguai, que manifestavam frustração com relação ao processo de integração. O Focem tem caráter redistributivo e representa a disposição de Brasil e Argentina em arcar com certos custos da integração, uma vez que são os maiores contribuintes do fundo, mas recebem a menor parte dos recursos. Desse modo, de acordo com a histórica proporção dos PIBs dos países, o Brasil ficaria responsável por arcar com 70% do capital; a Argen-tina, com 27%; o Uruguai, com 2% e Paraguai, com 1%. A alocação dos recursos se daria de maneira inversa, com o Paraguai sendo contemplado com 48% do capital do fundo, o Uruguai, com 32% e a Argentina e o Brasil igualmente com 10%.

“O surgimento do Fundo derivou-se da premissa de que o Mercosul deve ser

uma via para o desenvolvimento econômico e social de seus ‘Estados Par-

tes’. Complementarmente, tem-se por princípio que a solidariedade interna-

cional impulsiona a integração regional, favorecendo a formação do mer-

cado comum, e que condições econômicas assimétricas impedem o pleno

aproveitamento das oportunidades geradas pela ampliação dos mercados.”

(MPOG/ SPI, 2009: 6)

A carteira do Focem prevista seria formada por contribuições não--reembolsáveis de US$ 100 milhões por ano, em aportes realizados em quotas semestrais pelos Estados Partes do Mercosul na proporção men-cionada acima. Entretanto, nos dois primeiros anos os montantes destina-dos ao fundo não corresponderam a esse total, de modo que o aporte de recursos foi progressivo: no primeiro ano, 50% do previsto foi depositado pelos Estados membros e, no ano seguinte, esse número subiu para 75%. Somente a partir do terceiro ano os recursos atingiram os US$ 100 mi-lhões.

Do total de recursos anuais, até 0,5% deve ser destinado à manutenção das atividades administrativas do Fundo, relacionadas a despesas da Se-cretaria do Mercosul (SM), bem como aos recursos para funcionamento da

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Unidade Técnica do Focem (UTF)6 . Com o intuito de facilitar a integração, a prioridade de destinação dos recursos do Focem são os projetos do pro-grama I descrito no Quadro I acima. A priorização de projetos do Focem em desenvolvimento e ajuste estrutural das economias menores e menos desen-volvidas por meio de projetos em infra-estrutura é um exemplo marcante da conformação de um novo modelo de integração regional7.

Até junho de 2010, já haviam sido aprovados 25 projetos no âmbito do Focem, sendo que oito inseriam-se na área prioritária i, como se observa no Quadro 2. O Paraguai foi beneficiado com a aprovação de 13 projetos, o Uruguai, seis, a SM, quatro, o Brasil, um, e um deles foi apresentado de maneira conjunta, sendo, portanto, classificado como pluriestatal. Segundo a página oficial do Focem, havia em junho de 2010, nove projetos em pro-cesso de análise e nenhum dos aprovados havia sido concluído até então. A previsão é de que o Focem opere por ao menos dez anos, a contar a partir da entrada dos aportes em 2007. Após esse período, a continuidade da inicia-tiva regional vai depender de avaliação sobre a sua efetividade, bem como sobre a conveniência de sua existência (MPOG/ SPI, 2009: 6).

6 As unidades técnicas são os instrumentos pelos quais se dão os vínculos operativos do Fundo, ou seja, são instâncias técnicas de avaliação e acompanhamento da execução dos projetos financiados pelo fundo. No Brasil, o papel de UTF é realizado pela Secretaria de Planejamento e Investimentos Estratégicos do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão (SPI/MPOG).7 Nos moldes do Focem já foram, inclusive, criados outros fundos que reforçam a idéia de fortalecimento da integração nessas bases, difundindo a percepção de que tal adensamento só é possível com devido tratamento das assimetrias entre os países do bloco, ou seja, com a Argentina e, principalmente, com o Brasil, arcando com os custos dessa integração. Em dezembro de 2009, durante Cúpula de Chefes de Estado do Mercosul, na Costa do Sauípe, na Bahia, os presidentes do bloco anunciaram a criação do Fundo do Mercosul de Garantias para Micro, Pequenas e Médias Empresas, com o objetivo de conceder garantias a emprés-timos para empresas que participem de atividades de integração produtiva no Mercosul. Os recursos do Fundo cuja parcelas de contribuição assemelham-se a do Focem deve ser admi-nistrada por um comitê formado pelos quatro países. Na mesma ocasião, e tendo ainda o Fo-cem como formato inspirador, foi constituído o Fundo de Agricultura Familiar do Mercosul, que pretende destinar US$ 300 mil para o financiamento de programas de desenvolvimento agrícola (Banco de Eventos Opsa).

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Quadro 2 – Projetos aprovados

País Programa FOCEM Contrapartida Nacional Total US$

MERCOSUL-Habitat de Promoção Social, Fortalecimento de Capital Humano e Social em assentamentos em condições de pobreza (Decisão CMC Nº 08/07)

PY (iii) 7.500.000 5.414.680 12.914.680

MERCOSUR ROGA. (Decisão CMC Nº 08/07) PY (iii) 7.500.000 2.205.882 9.705.882

Reabilitação e melhoramento de estradas de acesso e anéis viários da Grande Assunção (Decisão CMC Nº 08/07)

PY (i) 12.631.000 2.229.000 14.860.000

Programa de Apoio Integral a Microempresas (Decisão CMC Nº 08/07) PY (ii) 4.250.000 750.000 5.000.000

Laboratório de Biossegurança e Fortalecimento do Laboratório de Controle de Alimentos (Decisão CMC Nº 08/07)

PY (ii) 4.080.000 720.000 4.800.000

Rota 26 -trechos Melo -“Arroyo Sarandi de Barceló (Decisão CMC Nº 08/07) UY (i) 5.310.000 2.619.00 7.929.000

Internacionalização da especialização produtiva – desenvolvimento e capacitação tecnológica dos setores de ‘software’, biotecnologia e eletrônica e suas respectivas cadeias de valor (Decisão CMC Nº 08/07)

UY (ii) 1.275.000 225.000 1.500.000

Economia Social de Fronteira (Decisão CMC Nº 08/07) UY (iii) 1.399.800 247.020 1.646.820

Projeto “MERCOSUL Livre de Febre Aftosa”, apresentado pelo Comitê MERCOSUL Livre de Febre Aftosa (Decisão CMC Nº 08/07)

Pluriestatal (ii) 13.888.550 2.450.920 16.339.470

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Fortalecimento Institucional da Secretaria do MERCOSUL para o Sistema de Informação da Tarifa Externa Comum (Decisão CMC Nº 08/07)

SM (iv) 50.000 0 50.000

Base de Dados Jurisprudenciais do MERCOSUL (Decisão CMC Nº 08/07)

SM (iv) 50.000 0 50.000

Reabilitação de Corredores Viários (Decisão CMC Nº 11/07) PY (i) 14.441.758 2.548.536 16.990.294

Desenvolvimento de Capacidades e Infra-estrutura para Classificadores Informais de Resíduos Urbanos nas Localidades do Interior do Uruguai (Decisão CMC Nº 11/07)

UY (iii) 1.600.000 282.000 1.882.000

Intervenções Múltiplas em Assentamentos Localizados em Territórios de Fronteira com Situações de Extrema Pobreza e Emergência Sanitária, Ambiental e Habitacional (Decisão CMC Nº 11/07)

UY (iii) 1.200.000 211.765 1.411.765

Rota 12: Trecho de conexão Rota 54 – Rota 55 (Decisão CMC Nº 23/07) UY (i) 2.928.000 1.443.000 4.371.000

Identificação de necessidades de Convergência Estrutural no MERCOSUL (Decisão CMC Nº 39/07)

SM (iv) 70.900 0 70.900

Construção e melhoramento dos sistemas de água potável e saneamento básico em pequenas comunidades rurais e indígenas do país (Decisão CMC Nº 47/07)

PY (i) 28.516.221 10.954.481 39.470.702

Recapeamento asfáltico do trecho alimentador da Rota 8, corredor de integração regional, Rota 8 -San Salvador -Borja Iturbe y Ramal a Rojas Potrero (Decisão CMC Nº 48/07)

PY (i) 4.902.900 1.442.800 6.344.800

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Desenvolvimento de Produtos Turísticos Competitivos na Rota Integrada Iguazú-Misiones, atração turística do MERCOSUL. (Decisão CMC Nº 07/08)

PY (ii) 992.300 310.430 1.302.730

Pavimentação asfáltica sobre empedrado do trecho alimentador das Rotas 6 e 7, corredores de integração regional, Presidente Franco-Cedrales. (Decisão CMC Nº 08/08)

PY (i) 4.517.000 1.329.500 5.846.500

Recapeamento do trecho alimentador das Rotas 1 e 6, corredores de integração regional, Rota 1 (Carmen del Paraná)-La Paz, Rota “Graneros del Sur” (Decisão CMC Nº 10/08)

PY (i) 3.092.750 911.250 4.004.000

“Mercosur Yporâ” – Promoção de acesso a água potável e saneamento básico em comunidades em situação de pobreza e extrema pobreza (Decisão CMC Nº 11/08)

PY (iii) 5.835.090 1.621.082 7.456.172

Projeto para o Desenvolvimento Tecnológico, Inovação e Avaliação de Conformidade – DeTIEC

PY (ii) 5.000.000 1.470.588 6.470.588

Projeto de implantação da BIBLIOTECA UNILA - BIUNILA e do INSTITUTO MERCOSUL DE ESTUDOS AVANÇADOS - IMEA, da UNIVERSIDADE FEDERAL DA INTEGRAÇÃO LATINO-AMERICANA - UNILA, na região trinacional em Foz do Iguaçu, no Estado do Paraná, Brasil.

BR (iii) 17.000.000 5.000.000 22.000.000

Totais 130.039.269 39.094.846 169.133.215

Fonte: Site do Mercosul (http://www.mercosur.int/focem/index.php?id=proyectos-apro-bados) e do Focem (http://www.mercosur.int/focem/index.php?id=proyectos).

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A nova integração regional e a expansão do capitalismo brasileiro na América do Sul

Nota-se que a nova integração regional configura-se tendo como ques-tão central a preocupação em superar a dificuldade comum aos países sul--americanos de mobilizar investimentos em infra-estrutura – ponto essen-cial para se alavancar o desenvolvimento da região e propiciar maior auto-nomia de inserção internacional dos países sul-americanos.

3.1. Mecanismos regionais de proteção de investi-mentos

A sustentação desse novo modelo de integração passa pelo suporte de investimentos capazes de garantir o desenvolvimento em longo-prazo e conferir uma inserção mais autônoma da região no mundo. Apesar da cria-ção de mecanismos de proteção de investimentos especificamente dirigidos aos países do Mercosul e de o tema estar presente em discussões na Unasul, os investimentos na região são protegidos em sua grande maioria pelo Con-vênio de Pagamentos e Créditos Recíprocos (CCR), da Associação Latino--Americana de Integração (Aladi).

No Mercosul há dois protocolos sobre a questão dos investimentos ex-ternos, sejam diretos ou indiretos: o Protocolo de Colônia para a Promoção e a Proteção Recíproca de Investimentos, que se refere aos Estados-mem-bros do bloco, e o Protocolo sobre Promoção e Proteção de Investimen-tos Provenientes de Estados não-Partes do Mercosul. Este último destaca a “necessidade de harmonizar os princípios jurídicos gerais a serem apli-cados por cada um dos Estados Partes aos investimentos provenientes de Estados não-integrantes do Mercosul, visando a não criar condições dife-renciais que distorçam o fluxo de investimentos”.

Como mecanismos de solução de controvérsia entre investidores e Es-tados, o Protocolo de Colônia estabelece que a controvérsia, esgotadas as tentativas de solução amigável, pode ser submetida (1) aos tribunais com-petentes da Parte Contratante em cujo território se realizou o investimento; ou (2) à arbitragem internacional; ou (3) ao sistema permanente de solução de controvérsias com particulares que, eventualmente, venha a ser estabe-

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lecido no quadro do Tratado de Assunção. No que diz respeito à arbitragem internacional, a controvérsia poderá ser levada, à escolha do investidor, ao Centro Internacional de Solução de Controvérsias Relativas a Investimen-tos (ICSID, na sigla em inglês), ou a um tribunal de arbitragem ad hoc es-tabelecido de acordo com as regras de arbitragem da Comissão das Nações Unidas para o Direito Comercial Internacional (UNCITRAL). Vale notar que, dentre os Estados-membros do Mercosul, apenas o Brasil não aderiu ao convenio do ICSID8 .

O CCR, da Aladi, subscrito pelos 12 bancos centrais da América Lati-na9, é, como dissemos, o mais utilizado mecanismo de garantia de investi-mentos da região. Trata- se de um instrumento que permite a compensação pelos bancos centrais de pagamentos decorrentes de exportações e impor-tações entre países da região. Para tanto, o Convênio está estruturado como um sistema de pagamentos formado por mecanismos de compensação mo-netária entre os signatários e por acordos de créditos estabelecidos entre cada banco central com cada um dos demais bancos. Os acordos variam em função da importância das transações comerciais entre os países e o grau de participação do país depende das normativas internas de cada um. Quando os pagamentos entre os países signatários passam a ser regidos pelo con-vênio, os débitos se tornam irrevogáveis, uma vez que resguardados pela garantia de conversibilidade, transferibilidade e pagamento por parte do banco central devedor.

De acordo com trabalho realizado por técnicos do Banco Nacional de

9 Argentina, Bolívia, Colômbia, Chile, Equador, México, Paraguai, Peru, República Domi-nicana, Uruguai e Venezuela.

8 Documento sobre a internacionalização das empresas brasileiras explica: “De acordo com o MRE, a postura brasileira de não negociar acordos tradicionais de proteção a investi-mentos deve-se a não aceitação de algumas cláusulas muito comuns neste tipo de acordo, referentes à proteção de investidores internacionais em detrimento de interesses e políticas nacionais. Em função disso, o governo tem trabalhado na elaboração de um modelo aceitá-vel para o Estado brasileiro.“ (MDCI, 2009: 19)

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Desenvolvimento Econômico e Social do Brasil (BNDES), o grande de-safio de conceder financiamentos para os países da região tem residido no estabelecimento de garantias adequadas e com um custo competitivo (Rut-timann et al, 2008). è nesse sentido que o CCR é um importante instrumen-to para estruturação de garantias dos financiamentos brasileiros na região10. Entretanto, o mais relevante instrumento regional de garantia de investi-mentos não está livre de questionamentos, como indica os desdobramentos da expulsão, em setembro de 2008, da construtora brasileira Odebrecht do Equador.

A empresa, que realiza investimentos no país desde 1987, quando par-ticipou da primeira etapa do Sistema de Irrigação Santa Helena, na região de Guayaquil, foi acusada de não corrigir falhas na construção da hidre-létrica de San Francisco, o que justificaria a necessidade de proteção das instalações e do pessoal por parte do governo equatoriano11. A questão que

10 Entre 1997 e 2007, aproximadamente 70% dos US$ bilhões desembolsados pelo BNDES para financiamentos em países da América do Sul lançaram mão do CCR como minimizador de risco. (Ruttimann et al, 2008)

11 Na ocasião da expulsão da empresa, foi declarado estado de emergência para evitar o racionamento de energia, os bens da empresa foram embargados e foi proibida a saída do país de quatro funcionários da empresa. A hidrelétrica, avaliada no valor de US$ 800 mi-lhões e com capacidade de produção de 12% da demanda energética do país, foi paralisada no dia 06 de junho de 2008, devido a falhas em uma de suas turbinas. Por esta razão, o governo do país passou a exigir da empresa US$ 200 mil por dia de paralisação a título de indenização, além do ressarcimento do prêmio recebido pela empresa, mais o necessário para o conserto da turbina e a ampliação da garantia da central por cinco anos. Apesar de a empresa brasileira ter concordado em depositar US$ 43 milhões como garantia até que uma auditoria internacional avaliasse as responsabilidades, o presidente do Equador manteve sua decisão, declarando que se tratava de um caso de desrespeito da empresa para com a população equatoriana, já que esta havia postergado o acordo por dois meses. O contrato entre o país e o consórcio Hidropastaza, formado majoritariamente por Odebrecht, além de Alston e Vatech, havia sido firmado em março de 2000. As obras para a construção da hidrelétrica, no entanto, só foram iniciadas em janeiro de 2004, terminando em junho de 2007. A obra havia sido entregue antecipadamente e, por esta razão, o consórcio recebeu US$ 12,5 milhões a título de prêmio.

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se coloca não é, contudo, avaliar a posição de cada um dos lados sobre o impasse que resultou, ainda, na interrupção de outros quatro projetos12 dos quais a empresa participava.

O ponto a ser explorado é como desdobramentos do impasse podem informar sobre a possibilidade de esvaziamento de mecanismos de garantia de investimentos13. Como o empréstimo, realizado por meio da Odebrecht para a construção da hidrelétrica, está garantido pelo CCR14, uma eventual suspensão no pagamento significaria um rompimento com esse sistema o que poderia acarretar em um grande retrocesso no processo de integração dos sistemas financeiros regionais, devido ao esvaziamento de um mecanis-mo institucional fundamental para assegurar a dinâmica de investimentos na região. Cabe ressaltar, entretanto, que desde que o BNDES começou a utilizar o CCR como instrumento de garantia de investimento, este foi o único caso de contencioso – dado que o Equador contesta as condições de financiamento à construção de uma hidrelétrica em tribunal internacional – enfrentado pelo banco. Além disso, a despeito da disputa, os pagamentos do

12 O aeroporto de Tena, as hidrelétricas de Toachi-Pilatón e Baba e o projeto de irrigação de Carrizal-Chone

13 Na ocasião, o presidente do Equador, Rafael Correa, baseado em um relatório da Co-missão de Auditoria Interna que apontou irregularidades no empréstimo feito pelo BNDES para o financiamento do projeto, declarou que estudaria a possibilidade de não pagamento da dívida. O BNDES confirmou que o valor do empréstimo de US$ 242,9 milhões já havia sido 100% desembolsado, mas informou que estaria resguardado pelo sistema de garantias dentro do qual o financiamento foi concedido. Agência Brasil, 24/09/2008.

14 O financiamento do BNDES à obra no Equador, que teve por objetivo a exportação de equipamentos brasileiros e serviços de engenharia da Odebrecht para a construção da usina de San Francisco, foi operacionalizado por meio de um contrato específico realizado dire-tamente com o Banco Central do Equador. Este, por sua vez, ficou responsável por isolar os fluxos destinados ao pagamento dos investimentos e garantir o cumprimento do serviço da dívida. Junto com a Argentina, o Equador está entre os países da região que mais utiliza o mecanismo de garantia para estruturar operações de financiamento, principalmente, para desenvolver projetos de infra-estrutura (Ruttimann et al, 2008). Para explicação mais deta-lhada do mecanismo ver Ruttimann et al (2008).

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Equador ao BNDES não foram interrompidos.15 De todo modo, cabe ressaltar que pesquisa da Confederação Nacional da

Indústria (CNI) constatou que, para o empresariado brasileiro, a ausência de tratados de proteção de investimentos não é empecilho para a interna-cionalização na região. Embora o tema de fortalecimento dos instrumentos de garantia de investimentos esteja na agenda governamental, a pesquisa não identificou pressa por parte do empresariado para a discussão de tais mecanismos.

4. A expansão do capitalismo brasileiro via interna-cionalização de empresas nacionais

Como vimos, no contexto regionalismo fechado, o Brasil era marcada-mente protecionista, enquanto que, no regionalismo aberto, o modelo de in-serção internacional se modifica radicalmente com a liberalização do mer-cado e a mudança na configuração capital sustentador do sistema produtivo, antes nacional e agora internacional. As reformas pró-mercado, materiali-zadas em grande medida na intensificação do processo de privatização, na abertura da economia e no privilegio a atração de capitais externos, promo-veram uma significativa reestruturação do parque industrial. Entre os prin-cipais resultados destas medidas estão os inúmeros processos de falências, aquisições, fusões, bem como a formação de grandes conglomerados de capital internacional. Como argumenta Diniz (2004: 6), “a desnacionaliza-ção da economia alcançou proporções até então inéditas. Em conseqüência, o espaço da empresa privada nacional estreitou-se cada vez mais.”

Atualmente afigura-se no Brasil uma mudança de estratégia na inserção internacional. Tem-se no Brasil – vis-à-vis a nova configuração no regio-nalismo sul-americano – um processo de revalorização do capital nacional com ênfase no processo de internacionalização das empresas. Tal movi-

15 Folha de São Paulo, 08/03/2010, BNDES bate recorde de desembolsos à América Latina.

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mento, iniciado primordialmente como conseqüência da atuação indepen-dente do setor privado, ganha corpo na medida em que passa a integrar as estratégias políticas de desenvolvimento doméstico. Essas últimas tornam--se possíveis, como já sugerido, a partir do questionamento das medidas liberalizantes e do resgate do papel do Estado como indutor da estratégia de inserção do país na esfera internacional.

Apesar da recorrente argumentação de que o processo de internaciona-lização de empresas nacionais poderia levar ao prejuízo no balanço de pa-gamentos, além causar a “exportação” de empregos e a redução dos níveis de investimento doméstico, é possível interpretar a internacionalização das empresas nacionais como uma estratégia de desenvolvimento. Como argu-mentam técnicos do BNDES, a internacionalização pode ser, não somente um importante meio de sobrevivência dessas empresas, mas, principalmen-te, um elemento fundamental para o desenvolvimento do país, na medida em que contribui para o aumento da competitividade interna e para a redu-ção da vulnerabilidade externa do país (Alem e Cavalcanti, 2005).

Além disso, estudos já teriam demonstrado que o foco das empresas no mercado interno não tem contribuído para o desenvolvimento regional (Guedes, 2006)16 e que a atuação do Estado no sentido de incentivar a in-ternacionalização das empresas por meio da promoção de políticas estraté-gicas pode trazer benefícios não apenas para o desenvolvimento doméstico, mas também para a construção de um modelo de desenvolvimento próprio da região, de modo que esta ganhe mais autonomia no cenário internacio-nal. Nessa perspectiva, para além dos ganhos econômicos, o processo de expansão do capitalismo brasileiro estaria relacionado a estratégias nacio-nais de desenvolvimento, bem como a uma visão geopolítica no plano re-gional. Isso não quer dizer que esse processo de expansão do capitalismo

16 Segundo Guedes, estudo da Unctad (2004) demonstrou que os investimentos estrangeiros diretos não estariam contribuindo para a redução das disparidades econômicas regionais e seriam responsáveis por apenas 2,1% do total dos empregos da economia brasileira.

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brasileiro não seja repleto de incertezas, principalmente no que se refere aos reflexos ante a integração regional.

4.1. Internacionalização das empresas brasileiras na América do sul

Nos últimos cinco anos, é possível notar um incremento substancial nos investimentos privados brasileiros nos países vizinhos da América do Sul. Esse movimento, que antecedeu a atual crise econômica, se deu em um contexto mundial de aceleração dos fluxos de investimento estrangeiros, com crescente aumento da importância dos aportes das empresas de países em desenvolvimento17. Em 2007, o Brasil alcançou o posto de segundo lugar na realização de investimentos externos entre os países em desenvol-vimento e ficou em primeiro lugar entre os latino-americanos. Em 2006, o total de investimento de empresas brasileiras no exterior chegou a US$ 28 bilhões e superou o aporte do valor recebido pelo Brasil. Nesse ano, a parti-cipação dos investimentos diretos realizados pelo Brasil no âmbito mundial ampliou-se de 0,3%, em 1990, para 2,3%. O que importa ressaltar aqui é que o Brasil passou da condição de receptor de investimentos estrangeiros diretos para a condição de investidor.

Entre os países da América do Sul, a Argentina, tendo em vista o porte de seu mercado interno, bem como as facilidades propiciadas pelo Merco-sul, apresenta-se como o país que mais recebe investimentos brasileiros. Os interesses das empresas investidoras pelo crescimento potencial do mer-cado argentino data da década de 1990 e pode ser, em parte, creditado à criação do Mercosul, que estimulou, em um primeiro momento, o ambiente de negócios dos dois países. Outro atrativo do mercado argentino apontado

17 Na década de 1970, os investimentos estrangeiros diretos realizados por empresas locali-zadas nos países em desenvolvimento representavam somente 1,2% do fluxo mundial. Nas duas décadas seguintes, esse número aumentou progressivamente e, na virada do século, chegou a 13% (Unctad, 2007).

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pelas empresas brasileiras é a vantagem tecnológica de que dispõem em relação às concorrentes locais, e a conseqüente possibilidade de consolida-ção de suas marcas. Entre as principais empresas brasileiras que investiram na Argentina entre 2002 e 2005, estão a Petrobras e a Camargo Correa, que juntas foram responsáveis por 72% do total dos investimentos brasi-leiros no período. Parte significativa desse investimento foi feito por meio de aquisições, incentivadas pelos preços dos ativos no período posterior à crise argentina de 2001, mas que continuaram sendo realizadas no período posterior. (CNI, 2008)

No Chile, embora a participação brasileira seja tradicionalmente pe-quena proporcionalmente ao investimento estrangeiro total, ela teve um crescimento a partir dos anos 2005-2006. Ainda assim, os investimentos brasileiros representaram apenas pouco mais de 1% do total nos dois anos, chegando a 2,7% em 2007. As empresas brasileiras que investem no Chile apontam como atrativo a localização do país, que permite menores custos de logísticas nas exportações feitas via Oceano Pacífico ou para países da região andina.

Após a crise financeira que teve início em 2008, as empresas intensi-ficaram ainda mais o investimento nos vizinhos. Em relação ao primeiro trimestre de 2009, o aporte das empresas brasileiras na Argentina passar de US$ 51 milhões para US$ 78 milhões, aumentando em 52,9%. Já os recur-sos destinados ao Chile que eram de US$ 11 milhões, atingiram US$ 191 milhões, um incremento de 1636%.18

Além dos vizinhos do Cone Sul, é possível notar crescente interesse das firmas brasileiras pelos países andinos. Em 2006, das oito multinacionais brasileiras mais importantes19, somente a Embraer e a CSN não apresenta-

18 DCI- SP,05/05/2010, Empresas brasileiras elevam aporte no exterior em 748%.19 No ranking de 2006 das 20 maiores multinacionais em termos de ativos no exterior, as oito primeiras são Companhia Vale do Rio Doce, Petrobras, Gerdau, Embraer, Votorantin, Companhia Siderúrgica Nacional, Camargo Corrêa, Odebrecht (Ribeiro e Lima, 2008 apud Fundação Dom Cabral).

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vam investimentos nesses países (Ribeiro e Lima, 2008). Com exceção da Bolívia, cuja participação brasileira no total de investimentos estrangeiros diretos do país apresentou queda a partir de 200220 , a atuação do Brasil nes-ses países vem se intensificando substancialmente. Em 2007, a participação brasileira no total de investimentos estrangeiros diretos saiu de percentuais próximos a 1% para 26% no Equador, 6% na Colômbia e 2% no Peru (Rios e Iglesias, 2008), como é possível notar na tabela a seguir.

Entre os pontos centrais que têm incentivado o aporte de investimentos de empresas brasileiras em seus vizinhos sul-americanos, em especial nos países andinos, está a exploração de recursos naturais. Além disso, desta-

20 Em maio de 2006, com o decreto de nacionalização dos hidrocarbonetos, o Estado boli-viano recuperou a propriedade e o controle desses recursos, o que provocou a renegociação de contratos e reduziu significativamente o fluxo de investimentos brasileiros nesse país. A Petrobras foi uma das empresas mais afetadas, pois além de ter que arcar com o aumento da carga tributária, a estatal brasileira ainda teve que vender as duas refinarias que mantinha no país. Desde a nacionalização a Bolívia vem sofrendo com a falta de investimentos no setor, o que provocou a queda na produção. Recentemente, no fim de 2007, o assessor especial da Presidência da República do Brasil, Marco Aurélio Garcia, declarou que a Petrobras voltaria a investir na Bolívia. O anúncio foi feito depois que o ministro boliviano de Hidrocarbone-tos, Carlos Villegas, e o presidente da estatal Yacimientos Petrolíferos Fiscales Bolivianos (YPFB), Guillermo Aruquipa, estiveram em Brasília e solicitaram que a estatal ampliasse suas atividades no país andino (Banco de eventos OPSA; Rios e Iglesias, 2008).

País 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007

Bolívia 8,9 8,0 3,4 13,8 4,9 8,2 18,2 10,8 4,1 2,2 n.d n.d

Chile 0,3 0,5 0,4 0,3 0,2 0,4 0,3 0,5 -0,3 1,1 1,0 2,7

Colômbia 0,8 0,1 0,1 -0,1 0,2 0,0 0,5 0,0 0,2 0,1 0,3 5,9

Equador n.d n.d n.d n.d n.d n.d 2,4 0,6 22,5 58,4 136,3 26,4

Peru 0,6 0,6 0,5 0,6 0,5 0,3 0,4 0,3 0,3 1,8 2,2 2,2

Fonte: Rios e Iglesias, 2008.

Tabela 1 – Participação Brasileira no Investimento Direto Estran-geiro dos Países Andinos (%)

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cam-se uma combinação de fatores como facilidades logísticas e culturais de acesso aos mercados domésticos (Ribeiro e Lima, 2008).

A despeito das políticas domésticas de incentivo à internacionalização – exploradas na próxima subseção –, a intensificação da internacionalização das empresas brasileiras tem sido resultado muito mais do amadurecimento da empresa do que de políticas governamentais voltadas para o apoio e a promoção de investimentos. Trabalho de Sennes e Mendes (2008) sobre serviços de logística e integração regional sugere que como a realização de investimentos diretos estrangeiros por parte das empresas brasileiras é um movimento recente – da última década –, o setor público ainda não te-ria tido tempo de desenvolver uma visão estratégica que corroborasse um conjunto bem definido de políticas. Aqui, sugerimos que, como preenchi-mento desta lacuna, durante os oito anos de governo Lula, estariam sendo arquitetadas políticas – potencialmente completares – direcionadas tanto à intensificação da integração infra-estrutural, como à estratégia de desenvol-vimento do país como um todo.

4.2. Políticas domésticas“A internacionalização das empresas brasileiras é uma política de Estado

a favor da qual devem se utilizar todos os recursos de poder, dos merca-

dos de capitais até os investimentos em infra-estrutura, o desenvolvimento

tecnológico e a plena utilização da diplomacia” 21 (Luciano Coutinho, Pre-

sidente do BNDES)

“O delineamento de estratégias permite definição clara de prioridades e

problemas, oportunidades e obstáculos, bem como a definição da atuação

e da coordenação das ações pertinentes tanto do setor público como do

privado e academia no apoio à internacionalização das empresas. Nessa

perspectiva, o governo brasileiro tem ciência de que é necessária a adoção

21 31/05/2009, O Clarín, Las transnacionales brasileñas descuentan el respaldo de Lula.

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de políticas mais ativas em relação ao tema. No entanto, a remoção prévia

de algumas barreiras, com a devida análise de impacto e viabilidade, já

pode ter desdobramentos significativos no incentivo à internacionalização

(MDIC, 2009: 18).

Cabe ao governo debater qual modelo de política de internacionalização

deve ser adotado, levando em conta os objetivos pretendidos e os cons-

trangimentos decorrentes da escassez de recursos financeiros e humanos

característica do Estado brasileiro (Idem: 22).

A declaração do presidente do BNDES, bem como as afirmações conti-das em documento elaborado pelo governo22, é emblemática da importância conferida à internacionalização das empresas brasileiras não somente como cerne da mudança de estratégia de inserção internacional, mas também como peça chave das políticas de desenvolvimento nacional. Juntamente com a recuperação de capacidades estatais para promover o desenvolvi-mento, a expansão do mercado interno e a restauração do papel da política

22 O documento intitulado “Termo de Referência: Internacionalização de Empresas Bra-sileiras”, lançado em dezembro de 2009, pela Câmara de Comércio Exterior (Camex) e pela Secretaria de Comércio Exterior (Secex) do Ministério do Desenvolvimento, Indús-tria e Comércio Exterior (MDIC), durante evento organizado na sede da Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp), em São Paulo, apresenta iniciativas do governo para in-ternacionalização de empresas e pretende ser fonte informação para a discussão do tema entre os setores público e privado, incluindo o meio acadêmico. Como consta em notícia de divulgada da iniciativa no site do MDIC, “a elaboração do Termo foi realizada, ao lon-go de cinco meses, por um grupo de trabalho coordenado pela Camex e constituído por representantes de oito órgãos do governo envolvidos com o tema. O Grupo de trabalho é integrado por representantes do MDIC, do Ministério das Relações Exteriores (MRE); do Ministério da Fazenda (MF); da Casa Civil da Presidência da República; do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES); da Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex-Brasil); da Agência Brasileira de De-senvolvimento Industrial (ABDI); e do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).” (MDIC, Governo Federal lança termo de referência para internacionalização de empresas. Disponível em http://www.mdic.gov.br/portalmdic/sitio/interna/noticia.php?area=1&noticia=9508).

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externa como instrumento de desenvolvimento, a reinserção internacional do país com o apoio à internacionalização da economia brasileira aparece como novidade integrante da política de desenvolvimento arquitetada du-rante o governo Lula.

O documento oficial que trata da internacionalização das empresas no Brasil e pretende embasar as propostas de políticas que auxiliem empresas brasileiras a conquistarem espaço no exterior, sugere algumas medidas que poderiam ser adotadas como facilitadoras do processo de internacionaliza-ção das empresas. Entre as propostas concretas de políticas públicas – que, de acordo com o documento, devem ser devidamente debatidas com o setor privado e academia – estão: (1) o fortalecimento da atuação da Apex-Brasil no auxílio a empresas no sentido de ajudá-las a superar o receio de investir no exterior; (2) a promoção de incentivos financeiros e fiscais (como em-préstimos e apoio para realização de estudos de viabilidade); (3) a informa-ção sobre seguro de riscos e sobre a existência de acordos de bitributação, tratados ou zonas de livre comércio que contenham regras sobre investi-mentos; (4) a organização de seminários regulares sobre internacionaliza-ção com vistas a promover a troca de experiências entre empresas (grandes e pequenas); e (5) a melhoria de sistemas de estatísticas para o fornecimen-to de informações que facilitem a análise de estratégias de internacionaliza-ção (compilação de dados para exame de quais países e setores econômicos recebem os investimentos das empresas dos países em desenvolvimento e de quais políticas funcionaram e quais falharam.)

Entretanto, tal como a internacionalização das empresas não é fruto so-mente de uma política de Estado, mas também – e principalmente – de ini-ciativas do setor privado, ainda não está claro o curso de ações que contri-buam para a interação entre políticas de desenvolvimento e aquelas voltadas para integração regional de modo a gerar complementaridades positivas.

No que se refere às políticas de incentivo à internacionalização de em-presas na América do Sul especificamente, é possível identificar medidas dissonantes que variam principalmente em relação às diversas percepções em relação à importância que deva ser dada à América do Sul. A divergên-

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A nova integração regional e a expansão do capitalismo brasileiro na América do Sul

cia de posições seria um fator que contribuiria para certa lentidão da disse-minação da dimensão regional entre os formuladores de políticas públicas.

“Com exceção do Ministério das Relações Exteriores (MRE), a maioria dos

órgãos do governo que são responsáveis ou interferem nas relações com os

países vizinhos não leva em conta a idéia de integração nas decisões opera-

cionais ou na formulação de políticas públicas. Ou seja, a dimensão regional

ainda não faz parte da matriz de políticas públicas para a quase totalidade do

executivo (...)” (Cindes, 2007)

Desse modo, apesar da crescente importância que o MRE tem conferido à integração regional estrutural, escapa ao órgão a competência de opera-cionalizar instrumentos domésticos de incentivo a investimentos na região. Além disso, a visão do MRE, encampada por alguns órgãos responsáveis pela elaboração de políticas de promoção de investimentos, vai de encontro com a concepção do Ministério da Fazenda, para o qual a internacionali-zação das empresas deve continuar a ocorrer somente por meio do “natu-ral” processo de amadurecimento nacional das empresas (Ribeiro e Lima, 2008).

Entre os órgãos domésticos articuladores de políticas integração regio-nal estrutural destacam-se as, já mencionadas, ABDI e APEX-Brasil, além do BNDES (Ribeiro e Lima, 2008). Este último é responsável pelo único instrumento direto de estímulo a investimentos na região. Trata-se de uma linha de financiamento destinado a fortalecer empresas de capital nacional no mercado internacional, por meio do apoio financeiro a projetos a serem realizados em países da América Latina. (Alem e Cavalcanti, 2005; Ribeiro e Lima, 2008) Os financiamentos relacionam-se, principalmente, a obras de infra-estrutura realizadas por empresas brasileiras, que abarcam hidrelétri-cas, gasodutos, rodovias, ônibus, linhas de metrô entre outros. Esta linha de financiamento não contempla bens, serviços e mão de obra da obra.

Com base nesta linha financiamento das exportações de bens e serviços brasileiros para os países da região, o BNDES tem adquirido uma importân-

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cia crescente no incentivo aos investimentos diretos em países da América do Sul realizados por empresas brasileiras. Lançada em 1997, tal linha ga-nhou mais relevância durante o governo Lula. No primeiro mandato (2003-2006), a média anual de desembolsos foi de US$ 352,1 milhões – 26% mais do que a média do segundo governo Fernando Henrique Cardoso –, en-quanto que, no segundo mandato, a média anual ficou em US$ 622 milhões; o que significa um incremento de 77% em relação ao primeiro governo. Responsável pela liberação de US$ 4,9 bilhões em créditos para América Latina entre 1997 e 2009, esta linha de financiamento atingiu o recorde de US$ 726 milhões de desembolsos em 200923 .

No âmbito da relevância do BNDES na promoção de políticas domés-ticas que estruturam o modelo de integração infra-estrutural e também in-centivam a internacionalização de empresas brasileiras, merece destaque a inauguração de um escritório do BNDES no Uruguai, em agosto de 2009. O objetivo é que o escritório sirva como base de apoio das operações do ban-co nos países do Mercosul e ajude a diminuir as assimetrias no interior do bloco. Segundo Luciano Coutinho, a importância da iniciativa se justifica pela aceleração dos financiamentos do BNDES à exportação de serviços e bens na América do Sul e pelo peso da carteira de projetos do banco para o financiamento de infra-estrutura na região24 .

Em reforço à crescente importância do BNDES enquanto agência ar-ticuladora de políticas de incentivo ao desenvolvimento, foi lançada em 2008 a Política de Desenvolvimento Produtivo (PDP). Como revela rela-tório de avaliação, a Integração Produtiva com América Latina e Caribe aparece como destaque estratégico da PDP, bem como é tema de agenda

23 BNDES, acessado em 31/08/2009, “BNDES inaugura escritório em Montevidéu e reforça internacionalização”; Folha de São Paulo, 08/03/2010, “BNDES bate recorde de desembol-sos à América Latina”.24 Valor Econômico, 27/08/2009. “Carteira do BNDES na América do Sul soma US$ 15,6 bilhões”.

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especial elaborada como resultado dos comitês executivos (MDIC, 2009). Com avanços substantivos em relação à Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior (PITCE)25, tendo como principal objetivo promover a competitividade de longo prazo com o fortalecimento e expansão da base industrial brasileira por meio da melhoria da capacidade inovadora das em-presas, mesmo frente às dificuldades impostas pela crise financeira interna-cional, a avaliação de um ano de PDP foi positiva, conforme relatório do governo divulgado recentemente26 (MDIC, 2009).

No que se refere à estratégia de apoio à internacionalização de empresas brasileiras especificamente, a PDP estaria incentivando – via empréstimos do BNDES – o movimento de internacionalização das empresas brasileiras. Entretanto, cabe a ressalva de que, como alerta estudo sobre os desafios da política industrial brasileira, a promoção de fusões e aquisições – com a criação de empresas brasileiras globais – incentivada pela PDP, com vistas a conformar um novo modelo de inserção internacional, não estaria levan-do a mudança na estrutura produtiva de modo a fortalecer indústrias com maior intensidade tecnológica. Ao contrário, o atual processo estaria con-solidando uma estrutura produtiva concentrada em setores intensivos de recursos naturais e commodities (Almeida, 2009).

Entretanto, é importante ressaltar que a política industrial e as diretrizes de integração regional apresentam pontos de intersecção, como, por exem-

25 A PDP estabeleceu metas e diretrizes mais específicas do que sua antecessora, a PITCE – esta, por sua vez, consistia em um plano de ação do governo que tinha como objetivo aumen-tar da eficiência da estrutura produtiva, a capacidade de inovação das empresas brasileiras e as exportações, a fim de promover uma maior inserção do país no comércio internacional, estimulando os setores onde o Brasil tem maior capacidade ou necessidade de desenvolver vantagens competitivas, abrindo caminhos para inserção nos setores mais dinâmicos dos fluxos de troca internacionais (MDIC, http://www2.desenvolvimento.gov.br/sitio/ascom/ascom/polindteccomexterior.php).26 Entre os resultados destacados estão: ampliação da participação da formação bruta de capital fixo no PIB, aumento da participação das exportações brasileiras nas exportações mundiais, elevação do gasto privado em pesquisa e desenvolvimento (P&D) e ampliação das MPEs exportadoras (MDIC, 2009:15).

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plo, o declarado objetivo de melhorar a qualidade das exportações brasi-leiras da PDP e o espaço para intensificar a exportação de manufaturados para países da região27. Entretanto, a complementaridade – que no exemplo tende a ser positiva – não é tão evidente quando o assunto são as políticas investimentos do Brasil na região.

5. Considerações finais – integração regional e inter-nacionalização de empresas: estratégias complementa-res de desenvolvimento?

Da análise exploratória da estruturação de um novo regionalismo vis--à-vis a mudanças no modo de inserção do capitalismo brasileiro, pode-se inferir que as iniciativas regionais, a internacionalização das empresas e as políticas domésticas para o desenvolvimento nacional e regional são pouco coordenadas, porém potencialmente complementares.

De fato, são muitos os desafios em relação à coordenação entre estra-tégias domésticas para o desenvolvimento e o fortalecimento da integra-ção estrutural, de modo que não estão claras quais são as possibilidades de que as políticas existentes sejam convergentes ou se repilam. Afinal, quais são as complementaridades – positivas e negativas – entre as políticas domésticas e as iniciativas de integração regional? Tais complementarida-des emperram ou favorecem o desempenho econômico? Até que ponto há complementaridades positivas e qual é o caminho ainda há ser percorrido?

Essas questões ainda estão em aberto e suscitam o debate sobre o papel que o Estado deve exercer nesta coordenação. A nossa sugestão é de que, no atual contexto de reorganização do sistema capitalista, o Brasil tem a oportunidade de fortalecer o processo, já em curso, de desenvolvimento

27 Com o aprofundamento das relações com os países em desenvolvimento, tem-se a e ex-pansão do comércio exterior brasileiro: cerca de 55% das exportações brasileiras são dire-cionadas a esses países, a maior parte produtos manufaturados (Celso Amorim, Folha de São Paulo, 30.12.2007).

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de longo prazo. Isso exige o desenho de uma estratégia que deve abarcar além do objetivo final de bom desempenho econômico e social, o constante ajuste de trajetória, ou seja, de “políticas públicas, procedimentos e regras para se formatar e re-formatar continuamente em um novo país” (Sicsú, 2009: 20). Afinal, é natural que tais políticas como processos paralelos e não necessariamente coincidentes não surjam coordenadas.

Acredita-se que essa coordenação exige uma atuação do Estado na arti-culação dos setores público, privado e acadêmico para a elaboração de polí-ticas públicas que contemplem a intersecção que resulta dos compromissos da integração regional e das políticas que preconizam uma nova estratégia de inserção internacional com a expansão do capitalismo brasileiro via for-talecimento e internacionalização do capital nacional. Entretanto, trata-se de uma dinâmica complexa de um processo ainda em curso, mas que ganha envergadura para impulsionar uma maior autonomia nacional e regional.

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Ao curso do processo de conformação da modernidade no ocidente, in-trinsecamente vinculado à constituição do capitalismo como modo domi-nante de produção e fundamento ordenador das sociedades contemporâne-as, a geração e a disseminação dos conhecimentos científicos e filosóficos ocuparam, progressivamente, um papel de importância singular tanto para o próprio desenvolvimento das relações de produção capitalistas, como para a instituição e legitimação das formas de sociabilidade e organização política que passaram a desempenhar um papel paradigmático a partir do século XX.

As ciências (igualmente a filosofia e mesmo as artes) cada vez mais se fizeram presentes no universo econômico, por meio da promoção do domí-nio e intervenção sobre a natureza, mediante o desenvolvimento contínuo de novas tecnologias; da racionalização, sob a lógica da acumulação do capital, dos processos de produção e circulação de bens materiais e simbó-

Educação superior, desenvolvimento e integração regional na América do Sul

Máximo Augusto Campos Masson1

1 Bacharel e licenciado em Ciências Sociais (UFRJ), mestre em sociologia (UFRJ) e doutor em educação (UFRJ). Professor Adjunto de Sociologia da Educação da UFRJ e pesquisador associado do Centro Brasileiro de Estudos Latinoamericanos.

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licos e da compreensão das relações sociais e do processo de individuação que assinalam a modernidade.

A produção e a disseminação de novos conhecimentos e informações, em escala inédita na história da humanidade, tornaram obrigatória a cons-tituição de sistemas de ensino vinculados aos Estados Modernos, cada vez mais abrangentes do ponto de vista das classes, dos gêneros, das etnias e dos grupos etários, dada a sua importância para o desenvolvimento eco-nômico e a afirmação de dispositivos comportamentais próprios ao “viver moderno”. Não unicamente, mas de modo especial, a chamada educação superior ganhou papel de destaque, fazendo com que as instituições por esta responsável – sobretudo as universidades – não fossem tão somen-te locais de formação de quadros profissionais qualificados, por meio da transmissão de saberes reconhecidos como legítimos, seguindo, em maior ou menor grau, o “modelo de ensino superior napoleônico”, mas também se afirmassem, gradativamente, como espaços da produção científica, em articulação a institutos e demais centros de pesquisa, fossem estes públicos ou privados.

Deste modo, nas sociedades que historicamente ocupam posições cen-trais no sistema econômico internacional, se evidenciaram – e continuam se evidenciando- de forma quase “natural”, os elos entre produção do co-nhecimento científico (e acadêmico em geral) e a organização de estruturas institucionais essenciais para o próprio progresso das ciências e, em sentido similar, para a formação e a qualificação dos quadros técnicos socialmente necessários à continuidade do crescimento econômico e da ordem pública dominante. Para tal sempre se fez presente a ação estatal, mesmo quando coadjuvada pela iniciativa privada, objetivando a promoção e a reorganiza-ção dessas estruturas institucionais quando, por força de mudanças histó-ricas, assim o fosse preciso, pois como, ao final do século XIX, afirmava Durkheim em suas lições sobre a educação moderna: o Estado não pode desconsiderar o sistema educacional, sob pena de prejuízos impensáveis, dada a importância do mesmo (em todas as suas dimensões) para a repro-dução da própria sociedade (DURKHEIM, 1984).

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Se para as sociedades capitalistas avançadas a produção do conhecimen-to científico e as consequentes aplicações tecnológicas e organizacionais foram - e são - cruciais para a continuidade da expansão do processo de acumulação capitalista e da superação de crises conjunturais que ciclica-mente incidem sobre o sistema econômico como um todo, para as socieda-des que, por força das transformações históricas, romperam politicamente com o estatuto colonial, mas sem que essa ruptura viesse a situá-las em posições que não fossem, com maior ou menor força, as de dependentes e periféricas, empreender o desenvolvimento da pesquisa científica e tec-nológica bem como promover a ampliação dos níveis de escolarização de suas populações em ritmos necessários à superação da condição subalterna terminou por se constituir em um dilema, quase uma impossibilidade, em função das estruturas econômicas, políticas e culturais que nelas se confi-guraram ao longo dos últimos dois séculos.

Educação superior e o cenário sulamericano ao final do século XX

No caso da América do Sul, a educação superior, no curso de todo o sé-culo XX, foi sempre objeto de esperanças significativas, tendo sido pratica-mente permanente o debate sobre o papel e a importância das universidades e demais instituições de ensino superior para a modernização, o desenvol-vimento capitalista (ou a construção de possíveis alternativas socialistas) e a superação do atraso e das desigualdades sociais, embora as característi-cas concretas dos diversos sistemas de ensino superior sulamericanos nem sempre viessem a confirmar essas expectativas positivas.

Neste sentido, tanto a presença, por décadas, do movimento estudan-til na história das repúblicas latino-americanas - expressão dos anseios de parte das classes médias de nosso subcontinente por mobilidade social e mudanças estruturais – como a recorrência das polêmicas sobre a “reforma do ensino superior”, evidenciam a importância particularmente atribuída às instituições universitárias para o desenvolvimento dos países da região.

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Hoje, quando cada vez mais se fazem presentes os efeitos do processo de globalização, intensificado nas décadas finais do século passado, continua--se afirmando, de modo contínuo, o quão importante a educação superior vem a ser para nossas sociedades, como demonstram os inúmeros pronun-ciamentos de governantes da região, bem como de organizações da socieda-de civil, sejam ou não diretamente vinculadas a instituições educacionais, as quais ressaltam os ainda mais fortes vínculos entre educação e desenvol-vimento.

Se a educação superior quase permanentemente esteve entre nós, sula-mericanos, relacionada às temáticas da modernização e do desenvolvimen-to, esta última, por sua vez, também se encontra, de forma direta ou indi-reta, vinculada à da integração regional. Embora presentes em todo correr do século XX, os pontos de interseção entre desenvolvimento e integração regional foram significativamente sublinhados no cenário aberto pela inten-sificação do processo de globalização2, tornando-se, especialmente a partir da segunda metade do século XX, um dos pontos políticos relevantes da região.

Iniciativas de cooperação e integração regionais, como o MERCOSUL, configuram-se como estratégicas para a recuperação e retomada do cresci-mento das economias periféricas no contexto de um capitalismo “desregu-lamentado” e “globalizado”, ainda que possam emergir, com relativa faci-lidade, conflitos de interesses entre os participantes dessas iniciativas. De modo especial, a constituição de blocos econômicos de países emergentes lhes permite, sobretudo, almejar maior grau de autonomia e de capacidade de ação política frente aos Estados e/ou blocos regionais que exercem he-gemonia3 no cenário político internacional, em particular os EUA. Contra-

2 Para uma apresentação das principais polêmicas relacionadas à cooperação no campo educacional, especialmente no tocante ao ensino superior, veja-se, entre outros GARCIA GUADILLA, (2005)3 Empregamos o conceito de hegemonia nas relações internacionais tal como formulado por Cox (2007).

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põem-se, assim, à tradição dos acordos bilaterais entre governos de estados periféricos e centrais ou às propostas de incorporação a blocos regionais capitaneados por países que exercem poder hegemônico na cena econômi-ca mundial, cujo exemplo maior é o NAFTA (North American Free Trade Agreement4) .

Mesmo com a implementação de políticas econômicas de inspiração neoliberal que acompanharam o processo de democratização política na grande maioria dos países do subcontinente, desenvolvimento e integração regional permaneceram como itens da pauta política da América do Sul, embora sob um novo design político, bastante distinto daquele que marcou o chamado período “desenvolvimentista”.

Seja em decorrência das medidas de “flexibilização econômica” e “re-forma do Estado”, concretizadas em maior ou menor dimensão conforme as características políticas de cada sociedade da região, em especial da ca-pacidade de resistência por parte dos segmentos sociais mais duramente atingidos por essas medidas, seja pelo próprio esgotamento do modelo “na-cional-desenvolvimentista”, independente das dimensões conservadoras--autoritárias ou progressistas-democráticas que este modelo veio a adotar, seja, notadamente, pelos aspectos que configuram o capitalismo e a ordem mundial no principiar do século XXI, as problemáticas do desenvolvimen-to e da integração regional – e o lugar e o papel das instituições de ensino superior no interior das mesmas - devem ser, necessariamente, analisadas sob novas perspectivas. Perspectivas que sejam capazes de, em primeiro lugar, apreender a hoje marcante diversidade de interesses presentes nas sociedades sulamericanas, os quais não mais se configuram unicamente em torno da relação que estabelecem com os processos econômicos, ainda que esta permaneça sendo a principal relação constituinte das identidades

4 O Tratado Norte-Americano de Livre Comércio (NAFTA) formado por Estados Unidos, Canadá e México, com efeitos legais a partir de 1º de janeiro de 1994, tornou-se, para os seus críticos, o símbolo da inserção subalterna e associada das economias periféricas no na “nova” ordem econômica mundial, aberta com o fim da “era de Bretton Woods”

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dos agentes sociais. Em segundo lugar, elas devem propiciar uma melhor compreensão das particularidades das sociedades da América do Sul, as quais, embora se vejam quase que “forçadas à integração e à internaciona-lização”, possuem características decorrentes de suas trajetórias históricas mais recentes que as diferenciam entre si. Por exemplo, se na tradicional perspectiva nacional-desenvolvimentista, em sociedades periféricas, como as sulamericanas, o Estado seria o principal empreendedor de um projeto de crescimento centrado no mercado interno, visto que a frágil condição subalterna e associada das burguesias locais, as impediriam de exercer um papel de maior envergadura econômica tanto em termos nacionais como internacionais, hoje é crescente a presença de empresas da America do Sul, sobretudo brasileiras, que realizam investimentos diretos no exterior (BAR-ROS e GIAMBIAGI, 2008), manifestando-se, assim, a agressiva busca por posições no mercado mundial, situação que amplia a demanda empresarial por geração de novos conhecimentos científicos e sua aplicação tecnoló-gica dentro e fora do subcontinente e não mais tão somente a formação de profissionais dotados da mínima qualificação necessária – mesmo quando graduados - para operar e adaptar, quando necessário, tecnologias transpos-tas dos centros metropolitanos.

Sublinhemos que se o “nacional-desenvolvimentismo” esgotou-se como caminho para a “superação do atraso”, tampouco as tentativas de imple-mentar a modernização através de estratégias econômicas neoliberais re-solveram dilemas históricos das sociedades sulamericanas. Ao contrário, o agravamento das condições de vida de grande parte das populações da região, traduzidas em maior empobrecimento, índices elevados de informa-lidade e desemprego, perpetuação (em alguns casos, maior precarização) de serviços públicos de baixa qualidade, redução dos parques industriais, intensificação da violência urbana e da criminalidade, foram, entre outros, parte significativa dos resultados alcançados pelos governos que adotaram postulações neoliberais em nome da estabilidade monetária.

Por sua vez, os governos que se seguiram a onda neoliberalizante do-minante nos anos noventa não empreenderam, salvo as situações mais

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pontuais de Venezuela, Bolívia e Equador, rupturas mais profundas com a ordem dominante, especialmente no que diz respeito à manutenção de determinadas diretrizes de política econômica adotadas por governos de espectro mais conservador como os de Carlos Menem, Fernando Henrique Cardoso e Albeto Lacalle. Correlações de força favoráveis à mudança, mas não a rupturas estruturais de maior radicalidade, fizeram com que governos de centro-esquerda e herdeiros dos (in)sucessos neoliberais, como os de Lula, Nestor e Cristina Kirshner, Vasquez, Aylwyn e demais presidentes da Concertación chilena, apesar de suas bases partidárias estarem situadas majoritariamente à esquerda do espectro político, optassem por assegurar a governabilidade, combinando a persistência de princípios conservadores para a política econômica, garantidores de taxas de crescimento moderado, com a ampliação de políticas de combate à pobreza extrema e o aumento da oferta de serviços de assistência social, saúde e educação, como vem a ser, principalmente, os casos do Brasil (sob os governos Lula) e, dentro das particularidades de uma sociedade que ainda não rompeu totalmente com a herança política do regime ditatorial, do Chile.

Nos países onde os sistemas partidários até então existentes não foram mais capazes de possibilitar o consenso necessário e incorporar, gradual-mente, interesses de segmentos sociais historicamente subalternos e politi-camente desconsiderados (como as populações indígenas do altiplano bo-liviano), os efeitos mais desastrosos das políticas neoliberais colaboraram para a emergência de movimentos sociais de base popular, que respaldaram a ascensão, por vias eleitorais, de governos de espectro mais à esquerda (Chavez, Morales, Correa). Estes buscam, localmente, promover processos de desenvolvimento nacional de matiz mais estatizante e, regionalmente, empreender ações de integração que se contraponham às forças políticas (dentro e fora de seus países) mais alinhadas com as diretrizes mais tradi-cionais da política externa norte-americana para a América do Sul, embora quanto à educação superior (e ao desenvolvimento de ciência e tecnologia) não estejam delineadas de forma mais explícitas que orientações devem nortear as políticas para esse setor educacional.

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No contexto particular da primeira década do século XXI na América do Sul, projetos políticos que tenham em consideração as especificidades próprias das sociedades da região e que não mais pretendam simplesmen-te promover adequações locais pontuais a fórmulas gerais que se apresen-tam como verdadeiros receituários supranacionais, se vêem obrigados a ter como seus objetivos centrais a busca pelo estabelecimento e fortalecimento de elos de integração econômica, política e cultural entre os países da re-gião e, concomitantemente, a construção da democracia política, a minimi-zação das desigualdades sociais e o desenvolvimento sustentável. É em tal quadro que devem ser avaliados os possíveis papéis da educação superior para o sucesso de tais projetos.

Neste sentido, cabe preliminarmente perguntarmos se a educação su-perior, que ocupou papel significativo nas propostas de desenvolvimento nacional e modernização da região durante, especialmente, a segunda me-tade do século XX, apesar, salvo exceções5 , das insuficiências apresentadas pelas políticas educacionais empreendidas, continuaria mantendo, de fato, uma posição de destaque e relevância. Considerando os objetivos econômi-cos dominantes e as perspectivas atuais de inserção associada no cenário econômico mundial não seria mais politicamente sensato que os governos sulamericanos se esforçassem prioritariamente em promover as devidas adequações de seus sistemas de ensino superior a um modelo cosmopolita, mais conveniente às exigências dos tempos atuais?

A resposta a esta questão não pode ser dada de forma acrítica. A educação é hoje, reconhecidamente um instrumento de importância

para o desenvolvimento e modernização de qualquer sociedade, seja por promover a capacitação necessária às atividades laborais modernas, em es-pecial nos setores industrial e de serviços, seja por também poder possibi-litar (embora não necessariamente) a consecução de meios favoráveis ao

5 Como exemplo de construção de política educacional relativamente bem sucedida, mesmo que orientada predominantemente por um viés conservador, temos o caso da constituição do sistema de pós-graduação brasileiro a partir do final dos anos sessenta.

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exercício da cidadania e de práticas políticas democráticas. Neste sentido, todo projeto global de desenvolvimento econômico que tenha entre os seus objetivos políticos maiores a redução significativa de desigualdades sociais como as existentes entre nós, decorrentes de nossa ainda subalterna condi-ção no sistema econômico mundial, não poderá desconsiderar o caráter es-tratégico da educação em geral e particularmente da educação superior, em virtude do significado da formação de quadros suficientemente qualificados para responder com sucesso às exigências postas pelas transformações em curso no cenário internacional.

Contudo, é preciso ter em conta que a mera transposição de formas orga-nizacionais de ensino superior, notadamente sob o argumento da tendência à homogeneização das instituições e da inevitabilidade da adoção de mo-delos “únicos”, em virtude da globalização, termina por ser falaciosa. Não é possível desconsiderar na análise dos sistemas de ensino bem como na elaboração de propostas para os mesmos, as especificidades de cada socie-dade, suas características estruturais singulares, a diversidades de interesses das classes e segmentos sociais, enfim, as histórias dessas sociedades.

Minimizar na análise ou proposição de políticas setoriais de Estado, a importância das trajetórias constituintes de um campo social, como, por exemplo, o educacional (ou mais especificamente o acadêmico), em uma dada realidade histórica particular, é submeter-se ao que, já nos anos setenta foi classificado como sendo a mera assimilação de “idéias que estariam fora de seu lugar” (Cardoso, 1980) e que, mais recentemente, Pierre Bourdieu (2000) denominou simplesmente de “imperialismo cultural ou analítico”, o qual impõe para todos os lugares do mundo e todas as regiões, modelos ou paradigmas únicos de políticas públicas.

Se a crítica à adoção de modelos, que se pretendem universais, é justa e politicamente necessária, todavia, incidem, igualmente, no mesmo tipo de equívoco conceitual, aquelas análises que, buscando se contrapor à pura e simples submissão a modelos institucionais “mundializados”, terminam, ainda que dotadas de sentido ideológico aparentemente inverso, por se sub-meter a uma similar lógica de percepção da realidade, visto também des-

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considerarem as particulares históricas das sociedades e as diferenças de cada momento conjuntural, universalizando “a subserviência ao imperialis-mo” como móvel determinante de toda proposição política governamental das últimas décadas6 .

Frente aos esquematismos de toda ordem, é preciso salientar a dimen-são positiva de enfoques analíticos que tenham em conta a relatividade e a descontinuidade da própria produção científica. Este é um aspecto de so-bremaneira fundamental, visto que somente assim poderemos aprender as características próprias do espaço social latino-americano contemporâneo - particularmente no que diz respeito às sociedades sulamericanas - e, em consequencia, contribuir positivamente para intervenções de ordem polí-tica que objetivem a superação dos entraves ao estabelecimento de uma sociedade em que a igualdade social se constitua em objetivo majoritário, possibilitando a conformação de uma ordem econômica, social, cultural e politicamente democrática.

O capitalismo contemporâneo e as instituições de en-sino superior

Como tem sido por tantas vezes salientado, as mudanças na ordem eco-nômica internacional repercutiram diretamente no cenário educacional, tanto nas sociedades capitalistas avançadas como naquelas outras que se encontram em uma posição periférica e subalterna. No novo contexto mun-dial, os sistemas educacionais se confrontam com a necessidade de atender a demandas correlacionadas diretamente aos interesses capitalistas como também àqueles mais imediatos dos trabalhadores, resultantes de contextos caracterizados por incertezas e instabilidades econômicas.

Da parte do empresariado, é preciso desenvolver ou aperfeiçoar novas formas organizacionais e tecnológicas baseadas em informações mais deta-

6 Como exemplo, podemos mencionar Leher (2004)

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lhadas e precisas, disponibilizáveis em tempo real, bem como formar uma força de trabalho polivalente, devidamente qualificada e disciplinada, habi-tuada a processos avaliativos mais constantes e capaz de se adequar às exi-gências diferenciadas do mercado, segundo o ritmo em que essas últimas se apresentam.

A concretização desses projetos e objetivos demanda, por parte dos agentes sociais (sejam gestores, sejam trabalhadores), o domínio de novas competências e habilidades, as quais possam agregar maior valor aos bens e serviços a serem comercializados. E é pela ampliação da socialização es-colar, inclusive, por sua extensão a níveis pós-secundários e superiores, que esse domínio se torna mais facilmente possível.

Da parte dos trabalhadores, espera-se que os sistemas de ensino pos-sam instrumentalizá-los, permitindo que obtenham as desejadas inserção e a permanência no mercado de trabalho, considerando as oscilações que so-bre este incidem, seja conjunturalmente em função do cenário de incerteza que ainda hoje se ressente a economia mundial em função da crise iniciada em 2008 e não plenamente revertida. Se os anos finais o século XX foram décadas de “desemprego estrutural”, a crise mundial agravou a questão da eliminação de postos de trabalho, inclusive para os indivíduos dotados de maior grau de escolarização.

Portanto, é sob este cenário que devemos compreender as mudanças em curso nos sistemas de educação superior e as possíveis relações com o de-senvolvimento de áreas periféricas, observando que no caso das sociedades sulamericanas, esses sistemas, além das questões postas pela conjuntura internacional contemporânea, se defrontaram ainda durante todo o século XX, com outras duas grandes problemáticas. A primeira, a definição pre-cisa do papel das instituições de ensino (independente de sua modalidade administrativa e/ou acadêmica) no processo de desenvolvimento nacional e a segunda, a contínua e crescente demanda por acesso a cursos superiores, intensificada conforme se processaram a urbanização e a industrialização, com as conseqüentes alterações na estrutura de classes dessas sociedades.

Nas últimas décadas, agências internacionais como a UNESCO, o Ban-

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co Mundial, a Organização Mundial do Comércio, a Organização para Coo-peração e Desenvolvimento Econômico (OCDE), mesmo apresentando, em certos aspectos, perspectivas diametralmente opostas, formularam projetos de adequação e/ou reforma das instituições de ensino superior, em função das transformações econômicas, políticas e culturais do final do século XX, conformando, dessa forma, as discussões e decisões internacionais sobre educação superior. Para alguns analistas (KERR, 1990; 2005), as reflexões e propostas de reforma institucional, conformariam um modelo “cosmopo-lita” de educação superior, implicitamente presente em iniciativas intergo-vernamentais de cooperação – como, por exemplo, os programas ERAS-MUS (European Action Scheme for the Mobility of University Students) e UMAP (Univesity Moblity in Asia and Pacific) - e nas tentativas de estabe-lecimento de padrões institucionais comuns, como é exemplo o Processo de Bolonha7. Porém, menos do que um “modelo” propriamente dito, podemos dizer que temos na atualidade uma agenda de debate sobre a educação su-perior, a qual é composta por temas como:

- o aumento da “população universitária” para atender favoravelmente às demandas por quadros técnicos qualificados, temática que, no caso bra-sileiro e de grande parte dos países sulamericanos, se constitui em ponto de pauta absolutamente relevante, dada o proporcionalmente reduzido número de ingressos em cursos superiores nesses países;

- a democratização do acesso ao ensino superior (e permanência após o ingresso) para que sejam superadas as barreiras impostas pelas desigualda-des de classe bem com os efeitos excludentes sobre segmentos sociais que, historicamente, têm sido objeto de discriminação, seja esta de ordem étnica ou não, mesmo em países onde formalmente não existem barreiras restriti-vas para concluintes do ensino secundário;

- a manutenção ou, principalmente, a obtenção por parte dos países de-

7 Iniciado em 1999 e envolvendo mais de quarenta países signatários de toda a Europa, con-cretiza as mais expressivas iniciativas de construção concertada de um projeto internacional de estabelecimento de parâmetros comuns para a reforma da educação universitária.

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nominados “em desenvolvimento ou emergentes” de padrões elevados de qualidade de ensino e pesquisa - estratégicos para o maior domínio e produ-ção de tecnologia - mesmo quando, concomitantemente, sejam implemen-tados processos de massificação da educação superior e/ou pós-secundária;

- as formas de financiamento das instituições de educação superior, o que envolve assuntos bastante polêmicos como limites orçamentários go-vernamentais e propostas de vinculação de investimentos públicos ao cum-primento de metas institucionais;

- a autonomia das instituições de educação superior quanto a ensino e pesquisa, temática que também inclui o debate acerca de critérios internos e externos presentes nos processos de tomada de decisão e as formas de controle social sobre essas instituições, sejam elas públicas ou privadas;

- as relações entre o setor público e o setor privado nos sistemas de educação superior e a conseqüente definição da situação e papel das ins-tituições privadas nesses sistemas, bem como as formas de sua regulação pelo Estado;

- a contribuição dos sistemas de educação superior para a obtenção de condições de melhor competitividade, traduzida em ganhos circunstanciais e inserção mais bem sucedida da produção econômica no mercado interna-cional, em função de maiores possibilidades de agregação de valor aos bens e serviços, dada a presença (em setores de gestão, produção e pesquisa) de uma força de trabalho mais capacitada e devidamente qualificada

- a internacionalização de modelos de cursos e instituições de ensino superior, tendo por conseqüência a intensificação do intercâmbio institu-cional, não apenas entre docentes e pós-graduados, mas também entre gra-duandos;

- a padronização de currículos (notadamente em áreas como engenharia, medicina, odontologia e economia) e a instituição de mecanismos interna-cionais de acreditação de diplomas, objetivando o reconhecimento univer-sal; tema bastante caro aos países sulamericanos, em especial, aos integran-tes do MERCOSUL;

- a possibilidade de comercialização internacional da educação superior,

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conceituada pela OMC (Organização Mundial de Comércio) como um ser-viço a ser ofertado mediante transações comerciais em todo o mundo, tal como outros bens e serviços mercantilizáveis. A posição adotada pela OMC sobre a comercialização de serviços educacionais originou uma dos mais polêmicos debates sobre políticas educacionais no cenário mundial.

Se desde os anos oitenta, O Banco Mundial defende repetidamente a contenção de investimentos por parte do Estado e ampliação da presença de instituições privadas, inclusive mediante o apoio técnico e financeiro do próprio setor público, a UNESCO, reafirmou reiteradamente, ao longo dos últimos trinta anos, a importância estratégica do comprometimento do Estado com investimentos diretos na educação superior, dada a condição de bem público e direito individual da educação.

Dessa maneira, independente de suas configurações ideológicas, as pro-postas de reestruturação dos sistemas de educação superior ganham hoje cada vez mais uma dimensão intergovernamental.

Embora deva ser observado, com imprescindível atenção, o quadro das discussões sobre a educação superior em todo o mundo e as tentativas de implementação de modelos institucionais mais favoráveis à lógica atual da acumulação capitalista, não podemos, como já sublinhamos, delimitar nos-sas análises por um reducionismo mecanicista que termina por estabelecer as orientações de certas agências internacionais – especialmente as mais diretamente representativas do grande capital – como maior fator determi-nante das ações políticas empreendidas pelos governos nacionais dos países periféricos. Como acima mencionamos, isto seria considerá-los, em última instância, como meros elementos executores de forças externas dominantes, numa perspectiva analítica que desconsidera as especificidades nacionais e, conseqüentemente, as formas como as lutas entre as classes se afiguram efetivamente nos espaços constituintes dessas mesmas sociedades, ou seja, nos diversos campos sociais, entre os quais se inscreve o educacional. Em outras palavras, é a diversidade conflituosa dos interesses locais o elemento delineador final das políticas públicas. Assim, permanece como elemento imprescindível para o estudo da natureza e função contemporâneas dos sis-

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temas de educação superior, as relações destes últimos com as característi-cas estruturais das sociedades em que estão situados.

Como sabemos, desde a primeira metade do século XX a trajetória do desenvolvimento capitalista nas sociedades da América do Sul, principal-mente em países como Brasil e Argentina, ampliou a demanda por profissio-nais qualificados nas áreas de administração, planejamento e modernização tecnológica, alterando a tradição do ensino superior, originada no século XIX, de formar especialmente graduados nas áreas do direito, da medicina e, em menor escala, da engenharia, que atuavam como profissionais liberais ou se direcionavam para os postos da burocracia estatal.

Apesar da progressiva diversificação da oferta de cursos de graduação e das modificações na legislação educacional, ilustradas nas reformas do en-sino superior realizadas no subcontinente, especialmente a partir dos anos setenta, as quais possibilitaram maior a oferta do ensino superior, graças não somente, mas, sobretudo, a posturas governamentais favorecedoras da criação de instituições privadas na maioria dos países da região, as socieda-des sulamericanas convivem, por mais de quatro décadas, com um quadro ambíguo. Por um lado, o recorrente problema da escassez de vagas, sempre aquém da demanda existente, a exceção, em tese, dos países onde o acesso voltou a ser irrestrito; por outro, o fato do aumento da população com titula-ção superior (ou em processo de graduação) ser insuficiente para responder positivamente às necessidades de modernização, de modo especial no que diz respeito à formação de quadros pós-graduados (mestres e doutores) e das engenharias.

Quantitativos insuficientes da população ingressa em cursos superiores ou portadora de títulos de graduação expressam os efeitos da lenta e ainda inconclusa universalização do acesso à educação básica e as dificuldades quanto a assegurar a permanência na escola dos segmentos mais destituídos de capital econômico e cultural, os quais formam a grande maioria da po-pulação em idade escolar dos países da região. Dessa forma, a continuidade das trajetórias de grande parte dos estudantes sulamericanos se vê obstacu-lizada por efeitos de fatores estruturais ainda não superados.

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Saliente-se que as políticas educacionais promovidas pelas ditaduras militares e pelos governos subseqüentes à “redemocratização política” per-mitiram o agravamento da distinção entre as instituições escolares públicas e privadas. Seja no que tange ao ensino fundamental e secundário, seja quanto ao ensino superior, intensificou-se o hiato entre as redes públicas de ensino fundamental e médio e a rede privada, produzindo, em conseqüên-cia, efeitos diretos no acesso às instituições de ensino superior.

Os estudantes pertencentes aos segmentos mais próximos do pólo do-minante da sociedade – e quase sempre portadores de maior capital econô-mico, cultural e social – tendem a se direcionar para os cursos mais presti-giados das melhores instituições de ensino superior, em geral, públicas. Já os que se encontram em posições mais subalternas do campo social quase sempre se encaminham para cursos oferecidos por instituições particulares (geralmente consideradas academicamente inferiores) ou aos cursos de me-nor prestígio social das instituições públicas.

A oferta da educação superior tem se concentrado em cursos da área de ciências humanas, em sua maioria localizados em instituições privadas ou em cursos de curta duração (dois anos), ambas modalidades de curso ofe-recidas predominantemente por instituições não-universitárias e de menor reconhecimento acadêmico.

A ampliação da oferta de cursos superiores, predominantemente nas re-giões de maior urbanização como o sudeste e o sul brasileiros ou a região metropolitana de Buenos Aires, veio a atender, principalmente, à demanda de determinados segmentos da sociedade, notadamente camadas das classes médias urbanas. Estas, objetivamente, consideram o acesso ao ensino supe-rior, antes de tudo, um instrumento individual de mobilidade social. Mesmo os programas de pós-graduação e pesquisa, originariamente estruturados dentro de uma perspectiva desenvolvimentista, não raro sob ótica política conservadora, também tendem hoje, objetivamente, a se constituírem muito mais em instrumentos de ascensão social desses mesmos segmentos sociais do que propriamente um meio de promoção planejada do desenvolvimento científico nacional.

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Salvo poucas exceções, maiores vínculos entre as instituições uni-versitárias e os complexos empresariais ainda são raros. Embora reto-ricamente mencionado em discursos oficiais de inspiração desenvolvi-mentista ou, mesmo neoliberal, a educação superior ainda não se cons-tituiu efetivamente em um instrumento estratégico para o crescimento econômico, salvo, sobretudo no caso do Brasil, no tocante a programas de pós-graduação que buscam, pontualmente, estabelecer laços com o setor empresarial.

Ainda que o debate sobre a necessidade da “reforma universitária” também tenha passado a integrar o conjunto das propostas de reestrutu-ração do Estado, a partir da generalização das proposições neoliberais, as medidas formuladas para a educação superior, em sua maioria, podem ser consideradas muito mais tentativas (não necessariamente sistemáticas) de responder à crescente e contínua pressão por ingresso no ensino superior, sobredeterminadas pela redução dos gastos públicos, de acordo às diretri-zes políticas econômicas então adotadas. Assim, as proposições a respeito da “reforma da educação superior”, longe de conformarem concretamente uma “reforma” ou mesmo uma “contra-reforma” (aos moldes, por exem-plo, das implementadas por governos ditatoriais em grande parte da Amé-rica do Sul, como, por exemplo, no Chile e no Brasil), na prática tendem a ser, acima de tudo, uma recomposição dos interesses dominantes nos campos educacional e político, mesmo que isto venha a se realizar de modo diferenciado e, em alguns casos, sob a égide de formulações mais conservadoras que enfatizam: a diferenciação do sistema, a busca por fon-tes alternativas de recursos para as instituições e a redução da intervenção da “comunidade universitária”, especialmente quando essa intervenção pode se expressar através de movimentos sociais como o estudantil e o sindical docente.

Apesar da vitória das coalizões de centro-esquerda após a “década ne-oliberal” em boa parte dos países da região, as medidas ora propostas con-tinuam destacando temáticas sublinhadas por seus antecessores, como: au-tonomia universitária; modalidades de instituição de ensino superior (com

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propostas de adoção de modelos institucionais semelhantes aos “colleges” norteamericanos ou aos indicados no “Processo de Bolonha”); formas de ingresso nos cursos de graduação; avaliação das instituições de ensino su-perior, notadamente as do setor privado; mudanças nas estruturas curricula-res dos cursos de graduação; sendo claramente perceptível, particularmente no caso brasileiro, que o ponto das maiores atenções governamentais con-tinua sendo o atendimento à demanda crescente por mais vagas no ensino superior.

A preocupação dominante com a ampliação do ingresso nos cursos de graduação, indica que, na atualidade, a educação superior é compreendi-da, fundamentalmente, como um meio de promoção da mobilidade social, contribuindo, em seus limites, para a constituição, mesmo que em moldes mínimos, de um possível projeto de estado de bem estar social e, somente em menor escala, como um elemento estratégico para o desenvolvimento nacional e regional de caráter mais autônomo.

No entanto, não se pode desconsiderar avanços no âmbito da Améri-ca do Sul quanto à maior integração das instituições de ensino superior e propostas de ação cooperada entre os países da região, notadamente na esfera do MERCOSUL. Neste sentido, são objeto de destaque: o estabe-lecimento de acordos para o reconhecimento e certificação mútua de di-plomas de graduação; o desenvolvimento de iniciativas comuns visando a expansão das atividades de pós-graduação; a ação conjunta objetivando o maior intercâmbio entre instituições de diferentes países, afora, iniciativas de constituição de universidades voltadas para a admissão de estudantes das diferentes nacionalidades do subcontinente, como vem a ser o caso mais re-cente da criação da Universidade da Integração Latinoamericana (UNILA). Ainda que de forma bastante preliminar, essas iniciativas poderão ganhar corpo no cenário sul-americano, desde que se configurem cenários políticos mais favoráveis, possibilitando que novas diretrizes políticas para o setor se contraponham às tradições de reduzido (ou quase nulo) intercâmbio que marcam a história das relações entre as instituições de ensino superior su-lamericanas.

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Considerações finais

Os sistemas de ensino superior, como o afirmamos e não poderia ser de outro modo, resultam das características das sociedades em que estão localizados. A dinâmica dos mesmos é determinada pelos interesses eco-nômicos e políticos produzidos pelas relações entre os diversos segmentos e campos da sociedade em que estes sistemas se desenvolvem. Não há for-ma de transplantar mecanicamente modelos externos ou implantá-los “ar-tificialmente” em uma determinada sociedade, sem que existam interesses de agentes sociais internos que possam ser favorecidos pela adoção desses modelos.

A história das sociedades sulamericanas assinala a persistente demanda popular por medidas que, possibilitando o atendimento dos interesses mais imediatos da grande maioria da população, fossem instrumentos políticos para a reestruturação de uma ordem social produtora das mais extremas desigualdades.

Com a democratização política era esperado que aspirações presentes desde as lutas sociais que antecederam a emergência dos regimes ditato-riais-militares na região, somadas àquelas provenientes das mudanças re-lacionadas à modernização conservadora das sociedades sulamericanas pu-dessem ser atendidas.

Contudo, com respeito ao campo educacional na América do Sul, conti-nua se perpetuando a sua condição subalterna. Para isto contribuiu decisiva-mente a predominância de governos norteados pelo objetivo de assegurar a estabilidade monetária, mesmo que a custos sociais elevados, entre os quais a redução relativa dos recursos para o desenvolvimento dos sistemas de en-sino, inclusive o superior, situação que não foi plenamente revertida pelos governos de centro-esquerda que assumiram o poder na primeira década deste novo século. E aos efeitos das ações de governos de inspiração neo-liberal, não nos esqueçamos, somam-se a perpetuação do conservadorismo acadêmico e a força dos interesses privatistas, dois fatores importantes na preservação e reprodução das fragilidades do ensino superior sulamericano,

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sobretudo quanto às suas possibilidades de intervir positivamente para o atendimento das demandas por modernização, desenvolvimento econômico e igualdade social existentes na região.

Embora seja sempre reiterada a importância das relações entre a edu-cação superior e o desenvolvimento nacional, as propostas feitas até o mo-mento não demonstram existir projetos de desenvolvimento econômico nacional e integração regional de maior vulto, aos quais as instituições de ensino superior – em particular as universidades – e de pesquisa possam ser vinculadas na condição de instrumentos estratégicos, contribuindo, assim, de forma mais incisiva para a superação das condições de subordinação que persistem caracterizando dominantemente o capitalismo na América do Sul.

Ao contrário, ao iniciarmos o século XXI, o ensino superior na região parece ter assumido, de fato, conforme a classificação de Tilak (TILAK, 2003), a condição de bem privado e não de bem público, com sua oferta sendo cada vez mais regulada pelas leis de mercado e pelo “arbítrio” do consumidor, apesar da legislação de boa parte dos países, como é exem-plo a mais recente lei sobre ensino superior argentina (Lei 26.206 de 27 de dezembro de 2006 – Lei de Educação Nacional), afirmar claramente e seguindo recomendações aprovadas pela UNESCO, que a educação é um bem público e um direito individual.

Contraria-se, assim, na prática, toda tradição do ideário desenvolvimen-tista que definia a educação superior como ferramenta fundamental para o crescimento planejado do país (DIAS SOBRINHO, 2000), um mecanismo produtor de efeitos de longo prazo sobre a economia e a sociedade. Sem dúvida, a contradição entre as afirmações legais quanto a educação (inclu-sive a superior) ser um bem público e as práticas institucionais que a tratam como um bem privado, cria dificuldades significativas tanto para o planeja-mento educacional, quanto para a própria viabilidade de certas instituições de ensino, cuja sobrevivência termina sendo determinada pelas flutuações dos mercados, inclusive o de bens simbólicos como os certificados e diplo-mas. Em tal quadro, além da inserção das instituições de ensino superior e

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de pesquisa em projetos de desenvolvimento terminar sendo secundarizada, nem mesmo é assegurado o oferecimento de um ensino de mínima quali-dade, pois as condições em que se realiza o trabalho docente são precárias, sendo a dedicação exclusiva à docência uma situação de excepcionalidade e a não a norma comum, principalmente nas instituições de menor grau de excelência, geralmente sob administração privada, nas quais a pesquisa acadêmica é reduzida ou mesmo inexistente.

Diante, portanto, da presença diversificada e contraditória dos fatores que atuam sobre os sistemas de ensino da região, conformando-os de acor-do com os interesses socialmente dominantes, é imprescindível que se de-finam novos rumos para o ensino superior na América do Sul. Rumos que permitam, ao mesmo tempo, tanto responder positivamente às demandas, reprimidas por décadas seguidas, por acesso ao ensino superior, instrumen-to ímpar de mobilidade social para as classes médias e demais segmentos sociais subalternos, como possibilitar que as instituições de ensino superior possam cumprir suas duas funções básicas: formar, em nível de excelência, quadros profissionais qualificados e desenvolver criativamente a pesqui-sa científica, em particular, e acadêmica, em geral. É necessário para que essas funções se concretizem em toda a sua plenitude que medidas gover-namentais, objetivando o desenvolvimento e fortalecimento do campo edu-cacional, assumam com maior força o planejamento e a regulação estatal na esfera educacional e, igualmente, permitam o estreitamento das relações das instituições de educação superior com o setor empresarial e demais segmentos da sociedade civil.

É preciso que ocorram modificações nas políticas educacionais dos es-tados sulamericanos, as quais propiciem alterações nas posições ocupadas por determinadas áreas de conhecimento no campo educacional das so-ciedades da região, buscando romper com o desequilíbrio numérico hoje existente entre os ingressos nos diferentes cursos superiores, importante condição para que se desenvolvam, de modo mais autônomo, as tecnologias necessárias ao desenvolvimento e sejam também assegurada a oferta para a população de serviços públicos com qualidade na área da saúde.

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Neste sentido, cursos, como os de engenharia, devem ocupar uma posi-ção não apenas de prestígio no espaço acadêmico, mas, sobretudo, torna-rem-se predominantes quanto ao quantitativo de matrículas ou, pelo me-nos, se aproximarem do total apresentado pelos cursos da área de ciências humanas – que são hoje a ampla maioria dos oferecidos no subcontinente, mas cuja excelência acadêmica é, em muitos casos, bastante questionável.

Por sua vez, atenção particular deve ser dada aos cursos de formação de professores para a educação básica, como os de licenciatura existentes no Brasil. Estes também devem ser objeto de mudanças significativas, que devem ser acompanhadas de ações políticas governamentais que invertam a trajetória de desvalorização/desqualificação do magistério sulamericano, submetido nas últimas décadas a intenso e contínuo processo de empobre-cimento.

Igualmente, é preciso, não somente para que se concretizem e ampliem as iniciativas de cooperação objetivando o desenvolvimento e a integração regional, que se atente para um aspecto que ainda incide negativamente sobre os sistemas de ensino superior da América do Sul: a insuficiência numérica (e também de ordem qualitativa em diversos casos) de programas de pós-graduação stricto sensu na maioria dos países da região.

A educação superior (e o conjunto de suas instituições de ensino e pes-quisa) será um importante instrumento para o sucesso de projetos de inte-gração regional na América do Sul, especialmente se docentes e pesqui-sadores sulamericanos forem capazes de através do trabalho investigativo dimensionar e avaliar a realidade histórica, econômica, política e social da região e desenvolverem suas atividades sob a égide da interdisciplinarieda-de e da cooperação institucional internacional.

Ultrapassar o isolamento das áreas de conhecimento, das instituições de ensino, dos centros de pesquisa e dos docentes deve ser um objetivo polí-tico educacional permanentemente presente, pois como considerou Helgio Trindade, em meados da década de noventa: é preciso promover um “es-forço de investigação cooperativo, que possa desvendar novas realidades” (MOROSINI, 1994: 12), intensificando o intercâmbio entre os países da re-

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Educação superior, desenvolvimento e integração regional na América do Sul

gião, dentro de melhores condições de trabalho e de formação, obtidas com sustentação financeira e institucional seja dos pesquisadores, seja daqueles em processo de formação, ou seja, graduandos e pós-graduandos.

Urge, portanto, para que seja possível um processo de desenvolvimento que supere nossos profundos e absurdos níveis de desigualdades sociais, articular de modo concertado estado, sociedade civil e instituições de en-sino superior. Não de forma a tão somente promover o atendimento de de-mandas imediatas de acumulação de capital, que tantas vezes se comungam com a também imediata promoção da ascensão social por parte dos seg-mentos sociais subalternas, mas, em outro nível de intervenção e planifica-ção, possibilitar o favorecimento de interesses estratégicos de mais longo prazo, que permitam a concretização de um processo de integração regional na América do Sul, pautado pela cooperação entre os países que a integram, objetivando o desenvolvimento sustentável e autônomo, a afirmação dos direitos humanos e a consolidação de estruturas políticas democráticas.

Por fim, não podemos deixar de salientar que quaisquer propostas rela-cionadas à educação superior devem ser elaboradas considerando às polí-ticas desenvolvidas para os demais níveis e setores educacionais e a estas articuladas. Sem uma educação básica de qualidade universalizada não te-remos também uma educação superior capaz de responder positivamente às demandas presentes nas sociedades da América do Sul.

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A experiência do Mercosul1 esteve na base da criação da CASA2, do mesmo modo como esta constitui esforço complementar aos processos an-teriores de integração regional (ALADI3, CAN4). Mas, a experiência his-tórica de integração da América Latina é anterior ao século XX e pode ser encontrada durante o processo de luta travado no início do século XIX na busca pela independência frente à metrópole espanhola. O ideal de união latino-americana formulado por alguns dos “heróis da independência” aca-bou se encontrando com a interpretação bem como a visão norte-americana de como deveria ser a integração do continente americano.

Idéias a respeito da necessidade dos países iberoamericanos construírem um pacto de solidariedade podem ser encontradas desde o século XVIII. O padre Alexandre de Gusmão, brasileiro que servia na corte do D. João I em Portugal, e um dos responsáveis pela elaboração do Tratado de Madri (1750) falou no dever de ser construída uma “paz perpétua” entre as duas

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Alessandra Prado Marchiori

2 Comunidade Sul-Americana de Nações.

1 Mercado Comum do Sul.

3 Associação Latino-Americana da Integração.4 Comunidade das Nações Andinas.

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Coroas (portuguesa e espanhola). Do ponto de vista histórico, os ideais pan-americanos podem ser en-

contrados desde o século XVIII. É bem verdade que esta proposta tinha como finalidade muito mais evitar confrontos entre as duas metrópoles do que propriamente incentivar uma união ibero-americana. De toda maneira, as idéias lançadas por Alexandre de Gusmão podem ser vistas como tendo plantado as primeiras sementes de um ideal de união dentro da Hispanoa-mérica. O peruano Plabo Olavide, influenciado pelas idéias do Iluminismo, organizou em Madri (1795) a Junta das Cidades e Províncias da América Meridional. Esta era uma sociedade secreta, cujo objetivo era empreen-der ações destinadas a propiciar a independéncia da América. Considerava Olavide, importante que as sociedade americanas se unissem para que, em conjunto, lutassem pela independência. É bem verdade que a idéia de união por ele defendida ficava restrita à América do Sul e não englobava todo o mundo Iberoamericano.

Em 1797, Francisco de Miranda afirmava que este era o momento de unir a América pelo interesse comum e propunha, então, a necessidade de se estabelecer uma aliança entre EUA e a América Latina. Mais tarde, Juan Egaria, em seu “projeto para uma declaração dos Direitos para o povo Chileno”, de 1810, destacava ser imprescindível se promover a união dos povos da América, para garantia da paz e tranqüilidade. No Chile, Juan Martínez de Rosas, integrante da Primeira Junta Governativa e autor da De-claração dos Direitos do Povo Chileno, defendeu, arduamente, a solidarie-dade entre as sociedades hispanoamericanas. Acreditava ser necessário unir todos os povos americanos em uma confederação, única forma de garantir a manutenção da independência diante das investidas européias. Em 1818, Bernardo O’Higgins, que assumiu a liderança da luta pela independência do Chile, falava sobre as vantagens da existência de uma confederação la-tina das América (ROBLEDO, 1958, p. 39-40). Na Argentina, San Martin, um dos líderes da independência, proclamava que deveria haver uma união da América do Sul visando garantir a liberdade e a paz. Propunha também a realização de um congresso pan-americano para melhor resistir a eventuais

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ameaças da Espanha.Em 1790, quando apresentara ao gabinete inglês o plano para libertar a

América da tutela espanhola, Francisco Miranda propunha uma América única, geográfica e administrativa. Pensava, então, na possibilidade de se construir um grande Estado que ia do Mississipi ao Cabo Horn. Foi, por-tanto, no momento em que as colônias se libertavam do jugo metropolitano que ganhou força e expressão o ideal de união panamericana. Diante da necessidade de defesa ante a ameaça representada pelas antigas metrópo-les, as raízes históricas contribuíram para forjar um ideal de solidariedade continental, imprescindível para manter a independência e preservar a paz no continente.

Ninguém mais que Bolívar encarou, porém, esse ideal de União Conti-nental e lutou por isso. Nenhum outro, precursor ou libertador possuía tão profundo e completo conhecimento da interdependência dos destinos das repúblicas americanas bem como da necessidade de uma íntima solidarie-dade continental. Para firmar tais idéias convocara Bolívar o Congresso de Panamá, em 1826.

O Bolivarismo foi, portanto, o modo como Simon Bolívar (1783-1830), venezuelano que dirigiu a luta pela independência da Venezuela, Colôm-bia, Peru, Bolívia e Equador concebeu a União Pan-Americana. Em vários escritos (cartas e proclamações) defendeu a necessidade de união face à possível contra-ofensiva da Espanha, apoiada pela Santa Aliança. Essa pro-posta foi feita por Bolívar já antes da redação de sua famosa Carta da Ja-maica. Ela aparece em informe enviado pela junta de governo de Caracas ao Gabinete britânico datado de 08 de setembro de 1810. Nesta ele advertia que caso os os venezuelanos fossem obrigados a declarar guerra à Espanha, fariam convite aos povos da América para se unirem em uma confedera-ção. A mesma idéia apareceu expressa no Manifesto de Cartagena, escrito em 1812. Em 1814, quando Bolívar envia uma circular onde condicionava a liberdade dos novos Estados ao que denominou de união de toda a Améri-ca do Sul em um único corpo político. (PEIXOTO, 2005; ACIOLLY, 1947; FERRAZ, 1940; LIMA, 1907; PÉPIN,1938)

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Bolívar não propôs a criação de um país único que reunisse a antiga possessão espanhola na América. Propunha que entre os países que se for-massem como resultado do processo de independência houvesse solidarie-dade. Dessa forma, após o término da guerra pela independência, Bolívar passou a expor seu projeto para união dos países hispano-americanos. Em dezembro de 1824, Bolívar enviou uma nota-circular convidando os gover-nos americanos a se reunirem com o objetivo de organizarem uma confe-deração.

Dois anos mais tarde, foi convocado o Congresso do Panamá, com sessões realizadas entre 22 de junho e 15 de julho de 1826. Ao Con-gresso compareceram apenas os representantesda Grã-Colômbia, Peru, México e Províncias Unidas de Centro-América. Os EUA também en-viaram observadores. Neste momento Bolívar apresentou suas idéias, que geraram o documento conhecido como Um Pensamento sobre o Congresso do Panamá (BOLÍVAR,1976, p. 215-220). Através deste do-cumento saudava a realização do Congresso, já que este tornaria viável a consolidação da liga “mais vasta, ou mais extraordinária ou mesmo mais forte que surgiu até hoje sobre a terra”. Através dela, seria gerado um equilíbrio perfeito entre todas as nações que compunham a liga e sua força adviria dessa aliança.

Já no ano anterior, com o fim da guerra no Peru, Bolívar procurou em documento enviado ao general Santander, expor seu projeto para constru-ção de um organismo destinado a promover a união dos países hispano--americanos: “cada dia me convenço mais de que é necessário dar a nossa existência uma base de garantia” (BOLÍVAR, 1976, p. 196-197). A preo-cupação central de Bolívar era com a liberdade que implicava na reorgani-zação da sociedade de modo a que pudesse construir um corpo de cidadãos capaz de se autogovernar. Além das muitas reformas preconizadas por Bo-lívar ele também apontava para a necessidade de que fossem instituídos mecanismos visando a união entre os países hispano-americanos, uma vez que dela dependeria a consolidação da Hispano-América e a conquista de um lugar destacado no rol das nações modernas.

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Na prática este projeto resultou na criação da Grã-Colômbia (1819), de duração efêmera, pois em 1830, após a morte do criador, a Grã-Colômbia se fragmentou em três Estados; Venezuela, Equador e Colômbia. Seus es-forços no sentido de unir o Peru e a Bolívia foram infrutíferos diante da resistência oposta pelo profundo regionalismo daquelas sociedades sul--americanas. O Congresso Panamericano, convocado por Bolívar, é con-siderado pelos historiadores como a primeira grande manifestação da idéia Panamericana. Este Congresso aprovou: um Tratado de União, Liga e Con-federação Perpétua entre os Estados hispano-americanos; a cota que cabe-ria a cada país para a organização de uma força militar de 60.000 homens para a defesa comum do hemisfério; a adoção do princípio do arbitramento na solução dos desacordos interamericanos; o compromisso de preservar a paz continental; a abolição da escravidão.

Em 1864, por iniciativa do Peru, foi convocada a Segunda Conferência de Lima, com a finalidade de criar uma confederação de caráter defensivo. Assim, Peru, Bolívia, Chile, Colômbia, Equador, Guatemala, Argentina e Venezuela concordaram em organizar uma confederação, única forma de se protegerem diante das constantes ameças de intervenções estrangeiras no continente e que se configuravam como uma ameaça à segurança do continente. Uma vez que em 1855, o aventureiro norte-americano William Walker invadiu e conquistou a Nicarágua. Em 1861 a Espanha ocupou São Domingos, ali estabelecendo um protetorado. Em 1861-1862, Espanha, França e Inglaterra desembarcaram tropas no México e Napoleão III colo-cou no trono Maximiliano de Habsburgo, ainda que seu reinado tenha sido efêmero (1863-1867) e terminado de forma trágica com o imperador tendo sido enforcado.

Outros congressos foram ainda realizados em Lima (1874), Caracas (1883) e Montevidéu (1888). Em Montevidéu chegou a se projetar um Có-digo Interamericano, incluíndo questões comuns do Direito Internacional e Privado. Assim, apesar das inúmeras dificuldades para que as propostas aprovadas nos diferentes congressos fossem implementadas, as bases da solidariedade continental foram assentadas.

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A temática da união americana fez parte, também, da política for-mulada pelo presidente norte-americano James Monroe que negava aos europeus, em mensagem enviada ao Congresso em 1823, o direito de inter-venção no continente ameicano, fosse para criar colônias ou para suprimir a independência recém-conquistada. O projeto de solidariedade continental foi desenvolvido, no entanto, sob duas modalidades distintas: o Bolivaris-mo e o Monroísno.

O que se convencionou chamar “doutrina Monroe” não constituiu um documento ou programa político. Foi fruto de uma série de circunstancias históricas e resultou do aproveitamento pelos EUA e Inglaterra de um mo-vimento que se originara e desenvolvera na América Latina, paralelamente ao processo de independência dessa área, o Panamericanismo.

O movimento do pan-americanismo pode ser dividido em três fases:

1- A fase Bolivariana (1815/1889) – Cujos marcos iniciais seriam

a “Carta da Jamaica” e o congresso reunido no Panamá por Si-

mon Bolívar (1826), encerrando-se em Washington em 1889. Este

período foi caracterizado pela preocupação em consolidar a inde-

pendência política latino-americana face às investidas da metrópole

(Espanha), principalmente após o congresso de Viena, que marcou

um recrudescimento dos movimentos absolutistas na Europa e sua

tentativa de expansão nas antigas áreas coloniais. Nesta primeira

fase os EUA só intervieram através da formulação da “Doutrina

Monroe”.

2- Na segunda fase (1889/1948) – Nota-se uma mudança de atitu-

de, pela crescente expansão da influencia norte-americana na área

continental. O período que se iniciou a partir da conferencia de Wa-

shington e se estendeu até a conferencia de Bogotá, e caracterizou-

-se pela continentalização da Doutrina Monroe, após 1836, dando

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inicio a chamada “política da boa vizinhança”, com a adoção de

princípios de cooperação para a manutenção da paz continental e

a instituição de reuniões de consulta entre ministros do exterior da

área. Na conferência sobre os problemas de guerra e paz (México,

1945), integrou-se o sistema Pan-Americano à ONU.

3- A terceira fase teve inicio em 1948 com a conferência de Bogotá,

onde se estruturou a carta da OEA e reafirmaram-se os princípios

de solidariedade continental. Assistia-se à permanência da influên-

cia norte-americana, paralela a intensificação da auto-afirmação

latino-americana. Ainda que em 1962 na conferência de Punta Del

Este, Cuba tenha sido excluída da OEA, por pressão norte-ameri-

cana.

Em 1889 realizou-se o Congresso de Washington, por iniciativa do se-cretário de Estado norte-americano J. G. Blaine. Este foi, por assim dizer, o primeiro congresso realmente pan-americano, por ter contado inclusive com a participação dos EUA. O motivo principal do congresso foi o inte-resse norte-americano em estender seu comércio com os países latino-ame-ricanos, ter onde colocar seus capitais excedentes e assegurar a tranqüili-dade nessas áreas, para o perfeito sucesso de seus empreendimentos. Em contrapartida, os países latinos não estavam tão interessados nos aspectos econômicos da questão, mas, sim em afiançar sua independência política.

O programa do congresso era extremamente longo, mas, dentre as reso-luções tomadas podem ser destacadas:

a) promoção da entrada de capitais para a construção de uma ferrovia intercontinental

b) subvenção às companhias de vapores internacionais c) estabelecimento de um banco e um sistema monetário americano.d) estabelecimento de um sistema de arbitragem para resolver as pen-

dências entre os países americanos (CHAUNU, 1971, p. 81-83).Ao final do século XIX, quando o capitalismo e a industrialização nor-

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te-americana conheceram acelerado desenvolvimento, nova manifestação do Monroísmo ocorreu graças aos esforços de James Blaine, Secretário de Estado dos EUA. Reuniram-se então em Washington, 18 países america-nos entre Outubro de 1889 e Abril de 1890, na Primeira Conferência Inter-nacional Americana, cujas decisões mais importantes foram:

a) condenar a guerra e afirmar a nulidade de cessões territoriais decor-rentes de operações de conquista ou sob ameaça de guerra.

b) aprovar o recurso ao arbitramento para solução de eventuais diver-gências interamericanas.

c) recomendar a construção de uma ferrovia intercontinental para me-lhor relacionamento entre os povos americanos.

d) aprovar a criação de um órgão coordenador das relações comerciais. Os EUA iniciaram uma prática política expansionista destinada a garantir sua supremacia no mercado americano.

Progressivamente vai se consolidando essa supremacia deixando para trás o sonho de unidade formulado por Bolívar.

O período seguinte (1890/1914) marcou o desenvolvimento da política agressiva norte-americana face à América Latina. A partir deste momento, principiava a hegemonia norte-americana no continente.

Após sua independência, os Estados Unidos não cessaram sua expansão, alcançando no início do século XX, o Golfo do México e toda a costa do Pacífico. A exceção do Alaska, da Luisiana e da Flórida, que foram com-prados, esta expansão se dera às custas da América Latina. Até 1890, os Estados Unidos tinham como política ocupar-se de seus próprios negócios - Isolamento Salutar - (REMOND, 1971, p. 97-100). Após esse ano, sua ação tornou-se nitidamente agressiva, com intervenções deliberadas nas outras nações do continente. Pode-se tentar explicar tal modificação pelo desen-volvimento interno do país, com uma crescente prosperidade e predomínio dos republicanos, cuja política sempre fora expansionista.

O capital americano numa fase sem igual crescimento, já não era com-portado por suas fronteiras, razão pela qual se expandia vertiginosamente em outras áreas. Nas indústrias canadenses, nos poços de petróleo e ferro-

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vias do México, da Colômbia e da Venezuela; nas minas de cobre e estanho do Peru e da Bolívia; nas plantações de cana de Cuba, formando poderosos “enclaves” que só beneficiavam os Estados Unidos (CARDOSO, 1972, p. 74-88). Estes investimentos, ainda que particulares, foram garantidos pelo governo, que prometia apoio naquilo que se convencionou chamar “a diplo-macia do dólar”, - exportação de capitais, acompanhado de intervenção polí-tica dos EUA nos países latino-americanos - (CHAUNU, 1971, p. 117-119).

No governo de Grover Cleveland, os Estados Unidos tiveram mais uma oportunidade de se imiscuir em assuntos latino-americanos, por ocasião da guerra hispano-americana (PERKINS, 1964, p. 163-164). De há muito que as colônias espanholas estavam em luta com a Metrópole, em função de sua política espoliativa e pelos altos e baixos que suas economias apresentavam face ao monopólio que lhes era imposto.

Em 1890, os Estados Unidos tornam-se compradores do açúcar cuba-no, o que aumentou a prosperidade da Ilha e fez recrudescer as lutas pela sua independência, com o pedido de fazerem parte da União americana. A guerra entre Cuba e Espanha se tornou realidade. A opinião pública nor-te-americana se sensibilizou com a situação dos cubanos e esse interesse foi habilmente explorado pelos capitalistas americanos, que tinham feito grandes investimentos nas plantações cubanas. Aproveitando a explosão do couraçado americano Maine, no porto de Havana, os Estados Unidos declararam guerra à Espanha. Afirmavam, porém, que pretendiam apenas libertar Cuba e não estender o seu domínio sobre ela.

A curta luta foi decisiva para os Estados Unidos, que receberam como “prêmio” Guam e as Filipinas no Pacífico e Porto Rico nas Antilhas, tendo a Espanha abandonado Cuba, cuja independência deveria ser concedida pe-los Estados Unidos.

Com o fim da guerra os Estados Unidos já eram os líderes do continente e uma das grandes potências mundiais, com a posse de vastas áreas colo-niais, fenômeno novo na história americana (sua expansão para o Oeste não fora colonialista, pois se constituíam territórios, que mais tarde passaram a estados com regiões estratégicas, que lhes garantia o livre comércio ma-

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rítimo, além de fontes de matérias primas vitais). Nessa época, os Estados Unidos adquiriram as ilhas do Havaí, o que lhes asseguravam preponderân-cia no Pacífico.

O apogeu da agressividade norte-americana ocorreu no período de The-odore Roosevelt (1901/1909), naquilo que se convencionou chamar “Po-lítica do Big Stick” (CHAUNU, 1971 p. 190-192), que se manteve até a presidência de Franklin Delano Roosevelt. Suas medidas iniciais foram no sentido de se assenhorear do Panamá, a fim de construir um canal que ligas-se os dois oceanos por onde transitavam sem rivais seus navios – o Pacífico e o Atlântico. Isto se concretizou em 1901, quando a Companhia france-sa que estava encarregada dessa construção ofereceu, aos Estados Unidos, seus direitos, os quais foram comprados no ano seguinte por 10 milhões de dólares. Cabendo a Colômbia a taxa anual de 250.000 dólares para a travessia do istmo. Favoreceu-os a circunstância de estar a Venezuela em dívida com alguns países europeus. Assim, em 1902, estes países credores bloquearam os portos da Venezuela. Os Estados Unidos então reagiram, imediatamente, passando a arbitrar a questão. Paralelamente, houve uma revolta no Panamá, a partir da qual este se tornou independente,tendo sido a independência imediatamente reconhecida pelos Estados Unidos. Com isso, ganharam perpetuamente a posse de uma área de 15 km de largura ao longo do istmo, oceano a oceano, o que permitiu a construção do almejado canal, que em 1914 estava pronto.

Essas medidas consubstanciaram umas das “interpretações” dadas por Roosevelt “a Doutrina Monroe, qual seja a de que sempre que alguma na-ção americana estivesse com suas dívidas atrasadas, os Estados Unidos po-deriam intervir, no sentido de facilitar o pagamento delas. Era o “Corolário Roosevelt”, o qual muitas vezes foi invocado no sentido de justificar as intenções de Tio Sam (PERKINS, 1964, p. 200-210).

Semelhante atitude calou fundo no sentimento de todas as demais na-ções latino-americanas, que viram crescer suas hostilidades face aos Esta-dos Unidos. A Colômbia se tornou inimiga declarada face à perda de tão importante zona.

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No Congresso, em 1904, Theodore Roosevelt formalizava o seu corolá-rio, deixando claro que aos Estados Unidos cabia uma espécie de policia-mento das nações do hemisfério Ocidental, fazendo com que elas cumpris-sem suas obrigações (PERKINS, 1964, p. 213-220). A isso se opunham os interesses latino-americanos, os quais foram expressos por meio da Doutri-na Drago, onde se estabelecia que nenhuma nação deveria recorrer à força para cobrar dívida a outros Estados, mas sim, a arbitragem. Esse foi um documento proposto pela Argentina sendo, portanto, um instrumento unila-teral. Roosevelt, porém, ignorando isso, voltou a aplicar seu “corolário” em 1905, aos problemas da República Dominicana.

A presidência de Woodrow Wilson apresentou uma série de peculiarida-des face à própria situação internacional. Em relação à América Latina era o momento da revolução mexicana, na qual a posição americana de se manter os Estados Unidos afastados levava a crer que chegara ao fim a aplicação do Corolário Roosevelt. Em sua intervenção mais importante nessa área, ou seja, a invasão de Vera Cruz aceitou, caso raro, a mediação de outros paí-ses (O ABC Argentina, Brasil, Chile) e se retirou, ainda que os capitalistas americanos, com grandes interesses no México, tivessem protestado.

No restante da América Latina, observava-se um período de certa cal-ma, com os países resolvidos a findar suas divergências através do sistema de arbitragem e não mais com guerra e com um bom nível de crescimento econômico, notadamente o Chile, o Brasil e a Argentina. De uma maneira geral, às vésperas da primeira guerra mundial, não houve maiores interven-ções. Os investimentos americanos e europeus levaram a América Latina a vivenciarem um esboço de industrialização. Foi uma era de maior preocu-pação social, tentativa de acerto de dívidas, maior abertura constitucional, à exceção do México que continuava sua revolução.

Este era o quadro quando sobreveio a primeira guerra, que forçou os Es-tados Unidos a abandonarem aquilo que era ponto pacífico de sua política, ou seja, a não interferência nos problemas europeus. De uma maneira geral, foi adotada, de início, uma atitude de neutralidade. A guerra se estendeu por um longo período e com isso a demanda de matérias-primas por parte dos

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Aliados se ampliou, em face de destruição de suas economias. Isso trouxe a reativação do comércio com os latinos e americanos. Ora, diante de tal situação a neutralidade já não era mais possível.

Terminada a guerra, os países americanos que haviam direta ou indi-retamente participado rumaram para a Conferência de Paz em Versalhes. À testa da representação americana vai Wilson, que pretendia jogar sua influência e o prestígio dos Estados Unidos para fazer aprovar seus 14 pon-tos, destinados a banir a guerra do mundo e estimular a criação de um organismo internacional que resolvesse todas as pendências mundiais sem o recurso à guerra – a sociedade das nações.

Os resultados da guerra colocavam os Estados Unidos na posição de credores internacionais, além disso, houve tendência a diminuir a interfe-rência que faziam na América Latina. Houve o que poderia se dizer uma nova re-interpretação, e a interferência quando se deu foi em outros níveis. Adotou-se uma política pacífica, muito mais voltada aos investimentos. Um outro fator que talvez haja contribuído para essa mudança foi o de que até então, os Estados Unidos lutavam para crescerem no caribe para em última análise defenderem o canal de Panamá, mas, a esta altura dos acontecimen-tos, não havia a quem recear, nem mesmo a Europa. Poder-se-ia, portanto, mudar a atitude e não serem tão agressivos (mais tarde isso se consubstan-cia na política de Boa Vizinhança). Os próprios países latino-americanos passam a ver os Estados Unidos, em face de seus enormes investimentos em todas as esferas econômicas, com melhores olhos. De tal forma evoluiu a situação que em 1928, Franklin D. Roosevelt solenemente aboliu o Co-rolário Roosevelt.

A União Interamericana

A partir de 1889 com a realização da Primeira Conferência Interna-cional Americana, realizada em Washington entre 2 de outubro de 1889 a 10 de abril de 1890, já era possível se falar no surgimento de um Sistema Interamericano. Pela primeira vez os países da região se reuniram objeti-

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vando encontrar um ideário comum capaz de reunir o continente americano na busca por um maior desenvolvimento. As bases do pan-americanismo começaram, então, a ser fixadas. Estabeleceu-se que seriam buscados meios pacíficos para resolução das controvérsias bem como mecanismos capazes de tornar viável a cooperação econômica entre os Estados americanos.

Outras Conferências foram realizadas com a finalidade de aprofundar os mecanismos para essa cooperação. Devem ser destacadas as seguintes: Segunda Conferência, no México, entre 22 de outubro de 1901 a 22 de ja-neiro de 1902. Neste momento foram assinados 10 tratados e um protocolo de adesão às convenções de Haya.

Das reuniões realizadas uma das mais importantes foi, sem dúvida, a que ocorreu no México em 1945 e que recebeu a denominação de “Con-ferência Interamericana sobre Problemas da Guerra e da Paz”, na qual foi confeccionada a Ata de Chapultepec. A finalidade desta Reunião foi a re-organização, consolidação e fortalecimento do Sistema Interamericano no pós-guerra. Em 1948, em meio a Nona Conferência Internacional America-na, que se realizou na cidade de Bogotá e que contou a participação de 21 países americanos, ocorria a criação da OEA. Organizada com a finalidade de readequar o Sistema Interamericano diante da criação da Organização das Nações Unidas (ONU), ocorrida em 25 de junho de 1945, foram esta-belecidos os seguintes documentos: a Carta da Organização dos Estados Americanos (Carta de Bogotá); o Pacto de Bogotá e a Declaração Ameri-cana dos Direitos e Deveres do Homem, que entraram em vigor em 13 de dezembro de 1951.

O pan-americanismo teve desde o século XIX a finalidade de aproxi-mar os países da América buscando estabelecer uma política de paz e “boa vizinhança”. Paulatinamente, foi necessária uma ação mais direta, espe-cialmente no terreno das negociações econômicas. Após a concretização de diversos acordos no plano jurídico, era importante a consolidação de medidas capazes de integrar economicamente os países americanos, espe-cialmente da América Latina. A década de 1940, especialmente após o fim da II grande guerra mundial, assistiu ao incremento do ideário desenvol-

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vimentista na América Latina. Nesse sentido, há que se destacar o papel desempenhado pela CEPAL - Comissão Econômica para a América Latina - (BIELSCHOWSKY, 2000; RODRIGUEZ, 1981) que atuou como inspi-radora de diversos planos de desenvolvimento. Instituição voltada, funda-mentalmente, para a formulação de projetos, a CEPAL foi a responsável pela estruturação de políticas desenvolvimentistas implantadas em muitos países latino-americanos.

A CEPAL foi criada no final da década de 1940, momento em que a América Latina procurava se desvencilhar da imagem de área colonial dos países adiantados. A CEPAL se dedicou a estudar as razões do atraso latino--americano frente às economias centrais bem como os meios capazes de superá-lo. Para a CEPAL o subdesenvolvimento da América Latina bem como de outras regiões pobres do mundo era decorrência das relações de produção estabelecidas entre centro e periferia do sistema capitalista que estavam calcadas na chamada “lei das vantagens comparativas”. Isto sig-nificava que essas relações eram desvantajosas para a periferia e não eram estabelecidas em proporções igualitárias. E advertia que a continuarem as relações desta forma, o abismo entre o centro e a periferia tendia a se agravar. Para os cepalinos a saída para este quadro deveria englobar esfor-ços conjuntos feitos pelos países centrais bem como pelos periféricos. Ao centro caberia rever as relações comerciais que mantinham com os países periféricos e a estes competia reestruturarem suas relações de produção in-ternas para que pudessem obter maiores vantagens na divisão internacional do trabalho.

A implementação de uma política industrial nos países periféricos era, para a CEPAL, a única forma de viabilizar que a economia dos países pe-riféricos pudesse gerar um aumento da renda nacional bem como gerar um aumento de produtividade capaz de evitar a deterioração que sofriam nas relações comerciais com os países centrais, uma vez que até então os paí-ses latino-americanos mantinham sua posição de produtores e exportado-res de produtos primários e importadores de produtos industrializados e serviços- situação esta altamente desfavorável aos países periféricos-. O

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processo industrial dos países periféricos era bastante complexo, uma vez que não dispunham dos capitais necessários precisando, para isto, contar com o investimento oriundo dos países centrais. Havia na América Lati-na uma quantidade bastante grande de mão de obra disponível, ainda que esta também padecesse de baixa qualificação técnica. Por outro lado, a CE-PAL preconizava a importância da intervenção estatal para criar as bases indispensáveis à promoção do processo industrial. Dessa forma, a proposta cepalina era intervencionista por um lado (Estado) e liberal por outro (in-centivo à introdução de investimentos estrangeiros).

Os Estados Unidos não receberam bem a criação da CEPAL nem tam-pouco seus projetos desenvolvimentistas. Ainda que houvesse recomenda-ção explícita para que os países buscassem a entrada de capitais estrangei-ros com a finalidade de possibilitar a industrialização, os Estados Unidos temiam que os países latino-americanos pudessem se transformar em con-correntes para os manufaturados norte-americanos, na medida em que eles perderiam o mercado cativo já conquistado na América Latina, já que os manufaturados seriam produzidos nos diferentes países diminuindo subs-tancialmente a compra dos produtos manufaturados norte-americanos.

Na década de 1950, mais precisamente durante o governo do presidente Juscelino Kubitschek, a diplomacia brasileira apresentou um projeto desti-nado a rever as relações interamericanas. A partir de uma percepção de que crescia, consideravelmente, na América Latina o sentimento contra os Es-tados Unidos, e do fato de que havia uma ampla insatisfação com as linhas de cooperação norte-americanas destinadas a promover o desenvolvimento da América Latina, a diplomacia brasileira passou a defender a tese de que não poderia haver estabilidade sistêmica mantendo-se níveis altos de desi-gualdade econômica e social. Num momento em que o mundo vivia sob a guerra fria e em meio a bi-polaridade ideológica e política representadas pelo capitalismo de um lado e pelo comunismo de outro, a forma de afas-tar a América Latina do contágio da ideologia comunista e da influência política da União Soviética seria através da promoção do desenvolvimento econômico da região.

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Ainda que não tenha tido vida longa, a OPA gerou alguns frutos impor-tantes, como a criação em 1959 do Banco Interamericano de Desenvolvi-mento (BID)5 bem como a ALAC, criada em 1960. O BID se tornou uma instituição importante na área de financiamento de projetos , e a A ALALC, ainda que sem resultados prático imediatos, foi substituída pela Associação Latino Americana de Desenvolvimento e Integração (ALADI) em 1980, forneceu as bases jurídicas para a criação do Mercosul.

No governo John Fitzgerald Kennedy, Washington partiu para uma ação unilateral com relação a América Latina, qual seja a criação da Aliança para o Progresso. Criada, oficialmente, no Encontro Extraordinário do Conselho Econômico e Social Interamericano, realizado em Punta del Este, no Uru-guai, entre 5 e 17 de agosto de 1961, a “Aliança para o Progresso” tinha por finalidade contribuir para acelerar o desenvolvimento econômico na América Latina, mediante melhoria na distribuição de renda, incentivo à re-forma agrária e ao planejamento econômico e social. Os países latino-ame-ricanos comprometeram-se a investirem 80 bilhões de dólares no período de 10 anos, enquanto os Estados Unidos da América se comprometiam a fornecer 20 bilhões de dólares. A Aliança para o Progresso não conseguiu cumprir a meta falhou em alcançar a meta de construir sociedades democrá-ticas, prósperas e socialmente justas. A partir de meados da década de 1960 a atenção dos Estados Unidos voltou-se para a guerra do Vietnã e nesse sentido os recursos para a América Latina foram drasticamente reduzidos. Em 1973 a OEA extinguiu o conselho permanente criado para implementar

5 O Banco Interamericano de Desenvolvimento é uma organização financeira internacional com sede na cidade de Washington. Criada em 1959 com o propósito de financiar projetos de desenvolvimento econômico e social além de promover a integração comercial na Amé-rica Latina e o Caribe. Atualmente o BID é o maior banco regional de desenvolvimento e serviu como modelo para outras instituições similares. Ainda que tenha sido criado no seio da Organização de Estados Americanos (OEA) não guarda nenhuma relação com essa insti-tuição, nem com o Fundo Monetário Internacional (FMI) ou com o Banco Mundial, os quais dependem da Organização das Nações Unidas. Os Estados Unidos detém 30% de poder de voto enquanto Brasil e Argentina 10.75% cada um.

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A Comunidade Sul-Americana das Nações: Um projeto de integração

e gerenciar a Aliança para o Progresso. O final do século XX introduziu uma nova modificação no mundo ca-

pitalista e desta forma o mercado passou a ser caracterizado pela formação de blocos econômicos que exercem em relação a seus parceiros comerciais força centrípeta, pois atraem negócios de maior vulto para o mercado am-pliado, e força centrífuga, pois podem afastar o ingresso de bens e serviços através de barreiras protecionistas. Dentro desse novo cenário de capitalis-mo globalizado e na expectativa de fugir do predomínio dos Estados Uni-dos, alguns dos mais importantes países da América do Sul, como Brasil, Argentina e Uruguai, uniram-se na tentativa de criar um bloco econômico regional. A experiência do Mercosul desaguou na criação em 2004 da Co-munidade Sul-Americana das Nações (CASA)

A Criação da Comunidade Sul-Americana das Na-ções

Em dezembro de 2004 (dias 8 e 9) foi criada a Comunidade Sul-Ameri-cana de Nações (CASA) em Cuzco - Ayacucho (Perú), quando se celebrava o 180º aniversário da batalha que consolidou o fim do processo de indepen-dência da América Espanhola. Para seu principal promotor, o ex-presidente argentino Duhalde, este foi um passo histórico, pois marcou a retomada do sonho dos libertadores. A principal finalidade desta medida seria, então, dar à América do Sul condições de competividade com a União Européia permitindo a planificação de um mercado, parlamento e moeda comuns.

A Comunidade é constituída por:• Integrantes do Pacto Andino (Comunidade Andina): - Bolívia, Colômbia, Equador, Peru, Venezuela.• Membros do Mercosul: - Argentina, Brasil, Paraguai, Uruguai.• Outros países: - Chile, Guiana, Suriname

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A ata de criação dessa Comunidade foi assinada pelos presidentes Luiz Inácio Lula da Silva (Brasil), Carlos Mesa (Bolívia), Álvaro Uribe (Colôm-bia), Ricardo Lagos (Chile), Bharrat Jagdeo (Guiana), Alejandro Toledo (Peru), Ronald Venetiaan (Suriname) e Hugo Chávez (Venezuela) e pela primeira vez Suriname e Guiana são aceitos plenamente num fórum sul--americano.

Acredita-se que a Comunidade Sul - Americana será constituída por uma área de 17 milhões de quilômetros quadrados, 361 milhões de consu-midores, Produto Interno Bruto (PIB) de US$ 1 trilhão, exportações acima de US$ 200 bilhões, e 27% da água doce do planeta. Além de 8 milhões de Km² de bosques, recursos em gás e petróleo capazes de durar até um sécu-lo, além da liderança em vários produtos alimentícios. Comparada a outros blocos/países, a situação da CASA seria:

Comunidade Sul-Americana das Nações

Entidade Área km² População PIB

milhões de $USPIB per capita $US

Países membros

CSN 17.715.335 366.669.975 2.635.349 7.187 12

NAFTA 21.588.638 430.495.039 12.889.900 29.942 3

União Européia 3.977.487 456.285.839 11.064.752 24.249 25

ASEAN 4.400.000 553.900.000 2.172.000 4.044 10

Países grandes

Divisões políticas

Índia 3.287.590 1.065.070.607 3.033.000 2.900 34

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CHINA 9.596.960 1.298.847.624 6.449.000 5.000 33

EUA1 9.631.418 293.027.571 10.990.000 37.800 50

CANADÁ1 9.984.670 32.507.874 958.700 29.800 13

RÚSSIA 17.075.200 143.782.338 1.282.000 8.900 89

* Membro da NAFTA em 2003. Azul para o maior valor, verde para o menor, entre os blocos comparados. Fonte: CIA World Factbook 2004, IMF-WEO-Database

A importância, tanto simbólica quanto histórica, desses fatos é explicita-da pela própria Declaração de Cuzco:

Os Presidentes dos países da América do Sul, reunidos na cidade de

Cuzco, por ocasião da celebração das façanhas libertadoras de Junín

e Ayacucho e da convocação do Congresso Anfictiônico do Panamá, se-

guindo o exemplo do Libertador Simón Bolívar, do Grande Marechal de

Ayacucho, Antonio José de Sucre, do Libertador José de San Martín, de

nossos povos e heróis independentistas que construíram, sem fronteiras, a

grande Pátria Americana e interpretando as aspirações e anseios de seus

povos a favor da integração, unidade e construção de um futuro comum,

decidimos formar a Comunidade Sul-Americana de Nações. 6

A Comunidade Sul-Americana das Nações: Um projeto de integração

6 Cf MRE. Declaração de Cuzco sobre a Comunidade Sul-Americana de Nações. Disponí-vel em: http://www.mre.gov.br

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Conforme ressalta o Secretário Geral da Comunidade Andina, a Comu-nidade Sul-Americana de nações será considerado seu PIB, a quinta maior potência mundial, a quarta em população – com 360 milhões de habitantes (67 % da população da América Latina) – e possuirá um território de 17 milhões de km2, com enorme potencial de riquezas em recursos minerais e biodiversidade (WAGNER,1990), desta forma, será o terceiro maior blo-co do mundo, ficando atrás apenas da UE (União Européia) e do NAFTA (Acordo de Livre Comércio da América do Norte)7. O PIB dos países da América do Sul em 2004 em milhões de dólares está expresso na tabela abaixo.

Estatísticas e indicadores econômicos – Contas nacionais Produto interno bruto - (Milhões de dólares)

Ano de 2004

Argentina 287 402.0

Bolívia 9 363.9

Brasil 716 709.3

Chile 87 879.2

7 Em 1994, EUA, Canadá e México deram os primeiros passos rumo à formação de um economia supranacional, com a criação do NAFTA ( Acordo de Livre Comércio da América do Norte ). Juntos, formam um mercado de aproximadamente 380 milhões de habitantes e respondem por um PIB de 7 bilhões de dólares. O acordo prevê a criação de uma zona de livre comércio, onde a abolição total das tarifas aduaneiras só será colocada em prática no ano 2015.

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Colômbia 107 813.7

Equador 19 572.2

Paraguai 7 826.9

Peru 61 303.2

Uruguai 20 613.6

Venezuela 120 458.2

Fonte: CEPAL: Comisión Económica para América Latina y el Caribe – Estatísticas de América Latina e Caribe. Sobre la base de información oficial http://www.websie.eclac.cl/sisgen/ConsultaIntegrada.

Este processo de integração comunitária sul-americana sustenta-se em

três pilares básicos, que são:I - cooperação política, social e cultural – ações conjuntas nas áreas de

segurança, fortalecimento da democracia, políticas culturais conjuntas,

cooperação regional em projetos de inclusão social e desenvolvimento

sustentado etc.

II - integração econômica, comercial e financeira – numa perspectiva

já apresentada pela ACE 59 do XIII Conselho de Ministros da ALADI

(18/10/2004)

III - desenvolvimento da infraestrutura física, energética e de telecomu-

nicações através da IIRSA – com o destaque para dez grandes projetos-

-chave para a consecução desta meta, além de uma carteira de trezentos e

trinta e cinco a serem desenvolvidos nos próximos trinta anos e trinta e um

a serem executados nos próximos cinco anos.

A Comunidade Sul-Americana das Nações: Um projeto de integração

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A integração ocorrerá de maneira gradual a partir da compatibilização e convergência dos instrumentos econômicos, políticos e jurídicos da Co-munidade Andina de Nações (CAN) e do Mercado Comum do Cone Sul (MERCOSUL) além da definição de calendários de trabalhos em conjun-to, com o aproveitamento dos organismos regionais já existentes – como ALADI, OTCA, SELA8, a fim de acelerar o processo de integração. Tal processo, contudo, busca ir além de um tratado de livre comércio, tendo como meta uma real integração sul-americana, tanto no seu aspecto econô-mico, quanto nos seus aspectos sociais e institucionais.

Do ponto de vista econômico a moldagem da CASA remonta a 1960, momento de criação da Associação Latino-Americana de Livre Comércio (ALALC), que contou com apoio de Juscelino Kubitscheck. Objetivava-se

8 Criada em 12 de agosto de 1980 pelo Tratado de Montevidéu, a ALADI objetivava a construção de um mercado comum latino-americano, através da concessão de preferências tarifárias e acordos regionais e de alcance parcial. A ALADI substituiu a ALALC, a antiga Associação Latino-americana de Livre Comércio, que foi criada em 1960. Congrega uma população de 449,7 milhões de habitantes, formando um PIB de US$ 1,760,4 trilhão, geran-do exportações no valor de US$ 362,3 bilhões e importações que alcançam os US$ 365,5 bilhões. Cuba é o mais recente país-membro da ALADI. São Países-Membros da ALADI: Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, Cuba, Equador, México, Paraguai, Peru, Uru-guai e Venezuela. Cf www.camara.gov.br/mercosul. Em 3 de julho de 1978 foi assinado pela Tratado Bolívia, Brasil, Colômbia, Equador, Guiana, Peru, Suriname e Venezuela o Tratado de Cooperação Amazônica, com o objetivo de promover ações conjuntas para o desenvol-vimento harmônico da Bacia Amazônica. Em 1995, as oito as oito nações decidiram criar a OTCA (Organização do Tratado de Cooperação Amazônica) para fortalecer e implementar os objetivos do Tratado. Os Países Membros assumiram à época o compromisso comum com a preservação do meio ambiente e o uso racional dos recursos naturais da Amazônia. Cf www.otca.org.br. O Sistema Econômico Latino-americano e do Caribe (SELA) é um orga-nismo intergovernamental com sede em Caracas e é integrado por 27 países da América La-tino e do Caribe. Foi criado em 17 de outubro de 1975 através do Convenio Constitutivo do Panamá. Atualmente integram a SELA os seguintes países: Argentina, Bahamas, Barbados, Belize, Bolívia, Brasil, Colômbia, Costa Rica, Cuba, Chile, Equador, Granada, Guatemala, Guiana, Haiti, Honduras, Jamaica, México, Nicaragua, Panamá, Paraguai, Peru, República Dominicana, Suriname, Trinidad y Tobago, Uruguay e Venezuela. Objetiva a organização a promoção um sistema de consulta e coordenação para ações conjuntas em matéria econômi-ca, impulsionar a cooperação e integração entre os países da América Latina y Caribe. Cf. www.sela.org.

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com a ALALC a criação de uma zona de livre comércio, mas, embora ti-vesse nascido numa conjuntura altamente otimista seu objetivo central não chegou a se concretizar. A ALALC não chegou nem mesmo a ser implemen-tada. Em 1980 foi, então, criada a ALADI que forneceu a base institucional legal para a criação da Comunidade Sul-Americana de Nações. O objetivo da ALADI era, uma vez mais, criar um mercado comum latino-americano e para isto incorporou as bases de negociações comerciais da ALALC.

Outras entidades foram criadas dentro desse espírito de tornar possível a integração latino-americana e dentre elas cabe destacar o Pacto Andino, criado pelo Acordo de Cartagena de 1969, cuja finalidade era “facilitar o processo de integração regional com vistas à formação gradual de um mer-cado comum latino americano”.9 O Acordo de Cartagena criou um modelo de integração supranacional bem como um tribunal com poder para sancio-nar qualquer tipo de não cumprimento das normas estabelecidas. O proces-so de integração andino foi bastante conturbado e sofreu duros golpes com a saída do Chile (1976) e da Venezuela (2006).

O cenário internacional favorável à formação de blocos econômicos desde os finais da década de 1980 estimulou a que os países membros rea-vivassem o Pacto Andino. Dessa forma, em 1997, foi assinado o Protocolo de Trujillo, criando a Comunidade Andina (CAN) e o Sistema Andino de Integração (SAI). A formulação de uma política externa comum foi impor-tante para que a presença andina se fortalecesse no plano internacional e contribuiu, decisamente, para que houvesse uma maior integração entre os países que compunham a CAN e o MERCOSUL. Este último criado em 1991, a partir da celebração do “Tratado de Assunção” que reuniu Argen-tina, Brasil, Paraguai com o objetivo de “integração dos quatro Estados Partes, através da livre circulação de bens, serviços e fatores de produção, o estabelecimento de uma tarifa externa comum e a adoção de uma política

A Comunidade Sul-Americana das Nações: Um projeto de integração

9 Os dados sobre a comunidade andina foram extraídos do site oficial da organização. www.comunidadandina.org

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comercial comum, a coordenação de políticas macroeconômicas e setoriais e a harmonização de legislações nas áreas pertinentes, a fim de alcançar o fortalecimento do processo de integração”.10

Assim, a proposta de criação da CASA acompanhou a tendência histó-rica de formação de blocos econômicos e políticos já existentes na Améri-ca do Sul. A integração ocorrerá, portanto, de maneira gradual a partir da compatibilização e convergência dos instrumentos econômicos, políticos e jurídicos da Comunidade Andina de Nações e do Mercado Comum do Cone Sul, além da definição de calendários de trabalhos em conjunto, com o aproveitamento dos organismos regionais já existentes, a fim de acelerar o processo. Busca-se, contudo, ir além de um tratado de livre comércio, tendo como meta uma real integração sul-americana, tanto no seu aspecto econômico, quanto nos seus aspectos sociais e institucionais.

Como conseqüência do diálogo político e do processo de desgravação tarifária desencadeado os Membros da CAN e do Mercosul pasaram a ter, respectivamente, status de países associados. Isto significa que todos os membros da CAN são considerados membros associados do Mercosul e vice-versa. O Chile também é membro associado do Mercosul (desde 1997) e da CAN (desde 2006).

Mas, sem dúvida, a existência do Mercosul e sua recente revitalização constituiu-se em fator decisivo para a criação da CASA. A presença de um núcleo duro constituído pelas três das maiores nações da região (Brasil, Argentina e Venezuela), bem como da coesão política do Mercosul – con-solidada com a vitória da esquerda uruguaia e principalmente a restauração da questão nacional e de uma agenda desenvolvimentista nesses países con-tribuiu, inevitavelmente, para revogar quaisquer movimentos de resistência à unidade e integração da região.

É preciso também se levar em consideração a presença de movimen-

10 Ibidem.

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tos que afirmam resistência à ordem atual e configuram uma aliança sul--sul dos países em desenvolvimento em torno de causas progressistas e de interesse comum. Dentre essas iniciativas podem ser destacadas a criação do G-20 no âmbito da Organização Mundial de Comércio, a XI Unctad (United Nations Conference on Trade and Development), em São Paulo; o relançamento do Sistema Geral de Preferências Comerciais entre os países em desenvolvimento (SGPC); a revitalização de articulações como a do Grupo do Rio, o G-77 e o Movimento dos Não-alinhados; a aliança de uma centena de países no âmbito da ONU contra a fome e a pobreza; a confor-mação do fórum IBAS (Índia, Brasil e África do Sul). No âmbito regional, o já referido recrudescimento do Mercosul, a protelação da formação da ALCA bem como a intensa participação de países da região na gestão de crises regionais como as que envolveram a Venezuela e o Haiti.

Apesar de todos esses fatores favoráveis, há que se considerar que a criação da CASA se deu em um contexto internacional representado pela reeleição de George W. Bush, configurando um cenário favorável à ofensi-va neoliberal, que por sua vez constitui-se como obstáculo para a integração da região. (ABREU, 1999) Para o Brasil a integração regional é importante, razão pela qual o governo Lula tem dado a ela um lugar de destaque na sua agenda de política externa. Desde a I Reunião de Cúpula Sul-Americana, realizada em Brasília, em 2000, que a política externa brasileira passou a enfatizar a “América do Sul”. O então Chanceler Celso Lafer chegou a afirmar que, “para o Brasil, a América do Sul não é opção e, sim, para falar como Ortega y Gasset, a ‘circunstância’ do nosso eu diplomático” (LAFER, 2001, p. 56). Desse modo, o processo de integração passou da fase de plane-jamento para um momento de implementação e maior institucionalização.

Durante a III Reunião de Cúpula Sul-Americana, realizada em Cuzco, em 2004, foi criada a Comunidade Sul-americana de Nações (CASA), re-sultado da aproximação entre o Mercosul e a Comunidade Andina de Na-ções (CAN). No encontro, os 12 presidentes do subcontinente reforçaram a importância da integração da infra-estrutura nas áreas de transporte, energia e comunicações.

A Comunidade Sul-Americana das Nações: Um projeto de integração

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O processo de institucionalização da CASA e as decisões tomadas nas diversas reuniões dos países membros da Comunidade de 2005 a 2007

A Iª Reunião de Chefes de Estado da Comunidade Sul-Americana de Nações foi realizada em 30 de setembro de 2005 em Brasília e contou com a participação dos presidentes que estabeleceram as principais linhas de ação da CASA. Nesse sentido foi solicitado aos secretariados da ALADI (Associação Latino-Americana de Integração), do MERCOSUL (Mercado Comum do Sul), da CAN (Comunidade Andina) e do CARICOM (Comuni-dade do Mercado Comum das Caraíbas), que em cooperação com o Chile, a Guiana e o Suriname preparassem até o primeiro semestre de 2006, estudos sobre a convergência dos acordos de complementação econômica entre os países da América do Sul. Estes estudos seriam destinados à promoção do crescimento e desenvolvimento, preservando os avanços alcançados na Re-solução 59 do Conselho de Ministros da ALADI. Foi decidido também que deveria ser colocada em prática um conjunto de ações visando os seguintes objetivos:11

1. Acelerar o processo de execução dos projetos prioritários para a in-tegração sul-americana nas áreas de infra-estrutura (principalmente na área energética), de transporte e de comunicações.

Para consecução desses objetivos a Secretaria Pro-Tempore deverá so-

licitar aos organismos financeiros regionais que juntamente com os bancos

e instituições nacionais de desenvolvimento, identificassem os mecanismos

inovadores e buscassem soluções que permitissem o financiamento da Car-

teira Estratégica de Projetos.

11 Os dados a seguir foram obtidos através do site do Ministério das Relações Exteriores. Cf. http://casa.mre.gov.br/

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2. Convocar reunião ministerial setorial na área de transportes para iden-tificar as restrições e propor um programa de ação com medidas concretas destinadas a acelerar a execução de projetos prioritários de integração fí-sica.

3. Constituir um grupo de trabalho técnico que juntamente com orga-nismo governamentais responsáveis pelas políticas de serviços de comu-nicação de modo a desenvolver uma infra-estrutura de redes, que inclua pontos de intercâmbio de Internet, troncos regionais e servidores primários, respeitando a situação e as necessidades da região.

4. Reafirmar a importância da integração energética da América do Sul, ratificando os resultados a que chegou a I Reunião de Ministros de Energia da CASA, realizada em Caracas, em 26 de setembro de 2005.

Os ministros dos países envolvidos na iniciativa da Rede de Gasodutos do Sul foram chamados a avançar no desenvolvimento desse projeto, levan-do em conta os aspectos institucionais, legais, técnicos e econômicos que possibilitem sua viabilização.

Além disso, reafirmou-se a agenda prioritária feita em Cuzco, sob ins-piração de valores comuns como: democracia, solidariedade, direitos hu-manos, liberdade, justiça social, respeito à integridade territorial e à diver-sidade, não-discriminação e afirmação de autonomia e igualdade soberana dos Estados bem como a predisposição por sempre buscar uma solução pa-cífica para as controvérsias. Os chefes de governo reunidos ratificaram que a essência da CASA é o entendimento político e a integração econômica e social dos povos da América do Sul.

Estabeleceu-se, também, que a institucionalidade da CASA se efetiva-ria evitando-se a duplicação bem como a superposição de esforços. Dessa forma, ela não geraria novos gastos financeiros, e procuraria utilizar os or-ganismos de integração existentes buscando, apenas, aperfeiçoar seu fun-cionamento.

As reuniões dos Ministros de Relações Exteriores que serão realizadas semestralmente objetivam promover o diálogo político, preparar as reuni-ões dos Chefes de Estado e adotar as decisões executivas para implementar

A Comunidade Sul-Americana das Nações: Um projeto de integração

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as diretrizes presidenciais. Enquanto que as reuniões de Chefes de Estado constituem a instância máxima da condução política da Comunidade. Elas serão anuais e realizadas em todos os países membros em ordem alfabética.

As reuniões na área de infra-estrutura promoverão a implementação da agenda de projetos prioritários para a integração da infra-estrutura regional Sul-Americana (IIRSA), e contarão com a participação das comunidades envolvidas sempre se levando em conta a proteção ao meio ambiente. E, uma vez que a água é um recurso natural soberano de inquestionável im-portância estratégica para a região, a CASA reitera sua firme decisão de res-guardar seu aproveitamento de maneira racional, eqüitativa e sustentável, preservando a conservação de suas fontes.

Decidiu-se, ainda, pela convocação de uma reunião das autoridades da aviação civil e ministros de turismo, com o fim de estudar as bases de um programa sul-americano de conexão aérea, visando fomentar o turismo e o comércio regional.

Os Ministros de Cultura e seus equivalentes se reunirão no primeiro se-mestre de 2006 e estudarão uma proposta de agenda cultural sul-americana. Dessa agenda poderia constar, entre outros itens, um festival rotativo de cultura, produções cinematográficas conjuntas e um prêmio sul-americano de cultura.

Reafirmou-se a importância da integração energética da América do Sul tendo sido ratificados os resultados da I Reunião de Ministros de Energia da Comunidade Sul-Americana de Nações, realizada em Caracas, em 26 de setembro de 2005, na qual se decidiu dar prosseguimento a passos concre-tos no âmbito da Iniciativa Petroamérica, com base nos princípios contidos na sua Declaração.

Foi reiterado convite a todos os países sul-americanos para que conside-rem sua incorporação ao processo de estudo de um acordo de complemen-tação energética regional, proposto pelo Uruguai na Reunião de Ministros de Energia do Mercosul, do Chile, do Peru e da Bolívia, realizada em Mon-tevidéu, em 22 de agosto de 2005.

Ademais, os Ministros dos países envolvidos na iniciativa da Rede de

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Gasodutos do Sul foram convidados a avançar no desenvolvimento desse projeto, levando em conta os aspectos institucionais, legais, técnicos e eco-nômicos que possibilitem sua pronta viabilização.

Decidiu-se que a Secretaria Pro-Tempore solicitará aos organismos fi-nanceiros regionais que, em conjunto com os bancos e instituições nacio-nais de desenvolvimento, dêem impulso aos trabalhos do Processo Setorial, para identificar mecanismos inovadores e encontrar soluções que permitam o financiamento da Carteira Estratégica de Projetos IIRSA.

A Secretaria Pro-Tempore convocará ainda um seminário, com a parti-cipação de representantes dos setores público e privado e dos organismos financeiros regionais, para discutir formas alternativas de financiamento de projetos de investimento econômico e de coesão social, nas condições mais vantajosas, especialmente em apoio a pequenas e médias empresas e a co-operativas.

Será constituído um grupo de trabalho técnico, com a participação dos órgãos governamentais responsáveis pela formulação de políticas, normas e regulamentação dos serviços de comunicações e de Internet, para estudar a possibilidade de dar impulso ao desenvolvimento de uma infra-estrutura de redes, indispensável a uma sociedade regional da informação e que inclua pontos de intercâmbio de Internet.

Diante da necessidade de avançar na superação das desigualdades so-ciais sul-americanas, a Secretaria Pro-Tempore da Comunidade Sul-Ame-ricana de Nações convocará uma reunião de peritos e responsáveis por pro-gramas governamentais de desenvolvimento social, combate à pobreza e de emergência social, a fim de recomendar propostas de ação relativas a essas questões, o mais brevemente possível.

Os Ministros de Turismo estudarão, ainda no decorrer do segundo se-mestre de 2005, um programa de cooperação para promover a responsabi-lidade ética em turismo, dando especial atenção à prevenção da exploração de crianças e adolescentes e aos efeitos do turismo sobre o meio ambiente.

Acordou-se, também, sobre a necessidade de elaboração de um Plano de Cooperação em Inovação, Pesquisa e Desenvolvimento, com especial

A Comunidade Sul-Americana das Nações: Um projeto de integração

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referência a assuntos de ciência e tecnologia e suas aplicações ao desen-volvimento da produção e de serviços, dando-se ênfase à ampliação das potencialidades dos recursos naturais disponíveis na região.

Declaração Presidencial e Agenda Prioritária

Nos dias 29 e 30 de setembro de 2005 se reuniram em Brasília os Chefes

de Governo dos Países da Comunidade Sul-Americana em cumprimento ao acordado na Declaração Presidencial de Cuzco, de 8 de dezembro de 2004, e inspirados em valores comuns tais como a democracia, a solidariedade, os direitos humanos, a liberdade, a justiça social, o respeito à integridade terri-torial, à diversidade, à não-discriminação e à afirmação de sua autonomia, a igualdade soberana dos Estados e a solução pacífica de controvérsias. Ficou acordado que:

1. A essência da Comunidade Sul-Americana de Nações é o entendimento

político e a integração econômica e social dos povos da América do Sul.

2. A Comunidade Sul-Americana de Nações fortalecerá a identidade da

América do Sul e contribuirá, em coordenação com outras experiências

de articulação regional e sub-regional, para o fortalecimento da integração

dos povos da América Latina e do Caribe.

3. A associação recíproca dos Estados- partes do MERCOSUL e da CAN,

assim como a associação do Suriname, da Guiana e do Chile, são essen-

ciais para a conformação da Comunidade Sul-Americana de Nações, com

vistas à finalidade última da união sul-americana.

4. A Comunidade Sul-Americana de Nações tem como objetivo o forta-

lecimento dos valores e princípios comuns estabelecidos na Declaração

Presidencial de Cuzco.

5. No campo econômico, os propósitos da Comunidade Sul-Americana

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de Nações incluem o avanço e consolidação do processo de convergência

rumo ao estabelecimento de uma zona de livre comércio sul-americana,

com vistas a seu aperfeiçoamento, assim como a promoção do crescimento

econômico e a redução das assimetrias, quando possível, mediante a com-

plementação das economias dos países da América do Sul.

6. Nesse sentido, e conforme o disposto na Declaração de Cuzco, de-

cidiram solicitar à Secretaria-Geral da ALADI, em coordenação com

a Secretaria-Geral da Comunidade Andina e a Secretaria Técnica do

MERCOSUL, a preparação de uma proposta no marco da Resolução

59 do Conselho de Ministros da ALADI, sobre a convergência CAN

- MERCOSUL e outros acordos comerciais da região, para o aper-

feiçoamento de uma área de livre comércio sul-americana, tendo em

conta o tratamento preferencial e diferenciado. Os esforços da Comu-

nidade estarão orientados principalmente para a promoção de melho-

res níveis de qualidade de vida, geração de trabalho decente, justa dis-

tribuição de renda e extensão de benefícios sociais aos seus habitantes.

Organização:

7. A Comunidade Sul-Americana de Nações estabelecer-se-á com base

na institucionalidade existente, evitando a duplicação e superposição de

esforços, sem novos gastos financeiros, estabelecendo coordenação entre

as Chancelarias, com o apoio dos organismos de integração existentes e

aperfeiçoando seu funcionamento.

8. As Reuniões de Chefes de Estado constituem a instância máxima da

condução política da Comunidade. Elas serão anuais, realizar-se-ão em

todos os países membros, preferencialmente em ordem alfabética.

A Comunidade Sul-Americana das Nações: Um projeto de integração

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Integração Sul-Americana: desafios e perspectivas

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9. As reuniões dos Ministros de Relações Exteriores têm por objeto pri-

mordial: promover o diálogo político, preparar as reuniões dos Chefes de

Estado e adotar as decisões executivas para implementar as diretrizes pre-

sidenciais. Terão periodicidade semestral.

10. Os Vice-Ministros de Relações Exteriores coordenarão as posições dos

países da Comunidade e prepararão as reuniões de Chanceleres.

11. As Reuniões Ministeriais Setoriais serão convocadas pelos Chefes de

Estado e examinarão e promoverão projetos e políticas específicas de in-

tegração sul-americana em áreas como saúde, educação, cultura, ciência e

tecnologia, segurança cidadã, infra-estrutura de energia, transportes, co-

municações e desenvolvimento sustentável. Nesse sentido, essas reuniões

realizar-se-ão, valendo-se dos mecanismos existentes no MERCOSUR e

na CAN.

12. As reuniões na área de infra-estrutura promoverão a implementação

da agenda consensuada de projetos prioritários da Iniciativa para a Inte-

gração da Infra-estrutura Regional Sul-Americana (IIRSA), entre outros,

tomando em conta os projetos de desenvolvimento nacionais, bilaterais

e regionais, contando com a participação das comunidades envolvidas e

protegendo o meio ambiente.

13. A coordenação e concertação política e diplomática que afirme a região

como um fator diferenciado e dinâmico em suas relações externas é um

objetivo prioritário da Comunidade Sul-Americana de Nações, que, nesta

etapa, se expressará em torno de um diálogo e intercâmbio de informação

sobre os assuntos de interesse mútuo. Seus pronunciamentos serão adota-

dos por consenso.

14. A Secretaria Pro Tempore da Comunidade Sul-americana de Nações

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será exercida em forma rotativa por cada um dos países membros, em pe-

ríodos anuais, que culminarão na Reunião de Chefes de Estado. O Brasil

exercerá a Secretaria Pro Tempore até a realização da Segunda Reunião

de Chefes de Estado da Comunidade Sul-Americana de Nações, que se

realizará na Bolívia no ano de 2006.

15. A “Troika” da Comunidade será constituída pelo país sede da Reunião

de Presidentes e pelos países-sede das reuniões do ano anterior e do ano

seguinte. A “Troika” apoiará as atividades da Secretaria Pro Tempore.

A CASA vem preencher uma lacuna em matéria de articulação política em nosso continente. Todas as regiões do mundo estão politicamente estru-turadas em torno de um mecanismo de articulação política e de integração. Por exemplo, os países do Caribe, organizados em sua Comunidade, a CA-RICOM, da mesma forma que os da América Central se congregaram na SICA e os da América do Norte, nos mecanismos do NAFTA. Seria, pois, pouco compreensível que a América do Sul, continente de claros contor-nos geográficos, que congrega 12 países, não dispusesse de uma institui-ção política comunitária. Importa ressaltar que a CASA não se baseia na contraposição ou antagonismo perante outros blocos e regiões, mas serve para explorar fundamentalmente as virtudes intrínsecas ao processo de in-tegração. Nesse sentido, a CASA constitui esforço complementar aos de-mais processos de integração regional (Mercosul, ALADI, CAN), e deverá contribuir, ademais, para o fortalecimento da unidade de toda a América Latina e Caribe.

A integração sul-americana não se dá, pois, em contraposição às rela-ções da América do Sul – e do Brasil em particular – com os parceiros

A Comunidade Sul-Americana das Nações: Um projeto de integração

12 Em abril de 2007, durante a primeira cúpula energética sul-americana, ocorrida na cidade de Porlamar na Venezuela, a CASA passou a chamar-se de UNASUL (União de Nações Sul-Americanas).

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extra-regionais, desenvolvidos ou em desenvolvimento. Em suma, a Comu-nidade Sul-Americana de Nações não é um projeto excludente, exclusivista ou contraposto a outro12. Tendo por inspiração a União Européia, a CASA tem como um de seus pilares o setor energético, uma vez que se espera que ao saber explorar suas reservas a América do Sul possa alcançar um lugar de destaque no cenário internacional.

Sem dúvida a CASA deu um passo à frente diante da experiência do Mercosul. Bem mais do que a integração energética, o que se pretende é uma integração o mais completa possível que levará inclusive a criação no futuro de uma moeda única, passaporte e parlamento comum. Toda uma infra-estrutura de transporte também está sendo projetada de modo a permi-tir a conexão transoceânica Atlântico/Pacífico. As dificuldades são de natu-reza financeira, já que a América do Sul encontra dificuldades de poupança interna para financiar um projeto de tamanha envergadura.

Fontes

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A Comunidade Sul-Americana das Nações: Um projeto de integração

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Integração Sul-Americana: desafios e perspectivas

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A economia e a ciência política quando tratam da integração a fazem, principalmente a primeira, mirando o foco na articulação entre mercados e intercâmbios de processos produtivos. Os governos, por sua vez, não empreendem esforços para que se efetive uma real confraternização en-tre gente de todas as etnias, línguas e idades. O avanço dos processos de democratização tem ajudado a ciência política a tematizar sobre a impor-tância da sociedade civil local, e até planetária, mas não se tem notícias de que governos sejam de países pobres ou ricos, tenham se encontrado para elaborar cartas de intenções ou tratados para construção de uma sociedade civil planetária ou de um governo mundial. Muito se tem falado sobre a falência do sistema das Organizações das Nações Unidas – ONU, alguns falam que ele já não é mais adequado para nova configuração da ordem

Integração Descolonizadora do Poder ou a Integração dos Povos pelos Povos

Integração Descolonizadora do Poderou a Integração dos Povos pelos Povos

Francisco Uribam Xavier de Holanda1

1 Uribam Xavier – Licenciado em Filosofia Política, doutor em Sociologia pela Universi-dade Federal do Ceará (UFC), professor do Departamento de Ciências Sociais da UFC e membro da Rede Universitária de Pesquisadores sobre a América Latina – RUPAL (www.ufc.rupal.br). Contato: [email protected].

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mundial contemporânea; mas o sistema da ONU nunca foi uma iniciativa para a integração cultural dos povos.

O mundo contemporâneo, para alguns interesses, é uma realidade glo-balizada, mas, no cotidiano, a maioria das pessoas, com suas culturas e diferenças, permanecem localizadas em suas formas de sociabilidades, en-frentando, de forma consciente ou inconsciente, uma rivalidade com os pro-dutos materiais e imateriais produzidos globalmente pela indústria cultural. Se recuperarmos a idéia de Paz Perpétua, em Kant, verificaremos que uma das suas exigências é a necessidade de um governo planetário. Será que atualmente estamos nos aproximando desse ideal kantiano? Que instrumen-tos de integração mais se aproximam desse ideário? Bem, podemos citar o parlamento europeu e, bem perto de nós, o parlamento do Mercosul. Mas quem mora na região sabe disso? Já elegeu alguma vez um deputado para a referida instância de poder? O Mercosul não faz parte da vida das pessoas, seus interesses maiores são de ordem econômica, trata-se da integração dos mercados do Sul.

Quando falamos de integração estamos totalmente contaminados ou colonizados por sentidos economicistas, e não percebemos, muitas vezes, que a integração de coisas ou mercadorias não é da mesma natureza que a integração das pessoas. É possível argumentar que, do ponto de vista da coerência lógica, não haja contradição entre integração de mercados e de pessoas. Todavia, a contradição não é de ordem lógica, mas da ordem prá-tica dos interesses e dos valores.

Os mesmos países que se ancoram na idéia de que vivemos numa aldeia global, numa economia mundializada, que afirmam que passamos por um processo de globalização são os responsáveis pela efetivação e difusão de práticas xenófilas, de preconceito racial, e, mesmo defendendo o livre co-mércio, são promotores de políticas protecionistas contra produtos e mão--de-obra na anunciada aldeia global.

Países como Espanha, Inglaterra, França, Alemanha, Bélgica e Estados Unidos são famosos por barrar em seus aeroportos ou tratar com precon-ceito pessoas de outras nacionalidades, principalmente quando a origem

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dessas pessoas é dos países pobres ou de sua ex-colonias. A Espanha2 já chegou a tomar medidas humilhantes, de desrespeitos ao direito de ir e vir e a tratados internacionais de circulação entre cidadãos brasileiros que se deslocaram àquele país para participar de seminários profissionais ou aca-dêmicos, fazer turismo, chegando mesmo a reter e enviar de volta pessoas que apenas fazem escala em seus aeroportos passando pelo controle de mi-gração para ter acesso ao vôo que completa a conexão.

A integração latino-americana foi um sonho defendido, pela primeira vez, em 1815, por Simon Bolívar, ao lançar a idéia de integração hispano--americana, que consistia na instituição de um sistema de cooperação entre as nações latino-americanas para proteção contra as ameaças dos países eu-ropeus de restabelecerem a ordem colonial e da Doutrina Monroe praticada pelos Estados Unidos. Mas somente em 1826, no Congresso do Paraná, conseguiu-se constituir uma confederação americana de países.

Embora a história registre a nobreza e o heroísmo de Bolívar, somente a partir da metade do século XX, com a crise econômica e a escassez de recursos para investimentos vinda dos países desenvolvidos, os países lati-nos criaram, em fevereiro de 1960, a Associação Latinoamericana de Livre Comércio – ALALC, que previa o estabelecimento, ao longo de 12 anos, de uma área de livre comércio. Todavia, como a ALALC não prosperou, em 12 de agosto de 1980, foi assinado um novo tratado criando a Associação Latinoamericana de Integração – ALADI.

Integração Descolonizadora do Poder ou a Integração dos Povos pelos Povos

2 O aumento da intolerância política, religiosa e étnica é uma das respostas ao processo de maior mobilidade internacional e de incremento dos fluxos migratórios promovidos pelo processo de globalização. Um exemplo, que envolve o Brasil, é o da estudante universitária Carolina Becker, curitibana de 23 anos, que iria fazer intercâmbio na Itália e foi barrada e deportada quando realizava uma ponte aérea no aeroporto de Barajas, em Madri. Mesmo explicando que estava no aeroporto de passagem, foi levada para uma sala onde outras 15 pessoas, entre elas três brasileiros, foram tratadas, de acordo com seu depoimento, como bandidos. O Jornal Folha de São Paulo, edição de 06.03. 2008, informa que a Espanha, só no mês de fevereiro de 2008, havia barrado e deportado 452 brasileiros.

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Integração Sul-Americana: desafios e perspectivas

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Nos últimos 30 anos do século XX, várias tentativas, com objetivos de integração econômica, foram empreendidas na América do Sul:

a - A Comunidade Andina de Nações – CAN, instituída no Acordo de Cartagena, em maio de 1969, com objetivo de facilitar a integração econô-mica entre Bolívia, Chile, Colômbia, Equador e Peru;

b – A Organização do Tratado de Cooperação Amazônico – OTCA, assi-nado em Brasília – no dia 3 de julho de 1978, por Bolívia, Brasil, Colômbia, Equador, Guiana, Peru, Suriname e Venezuela, cujo tema central, na época, era o efeito estufa e suas conseqüências para o clima;

c – O Mercado Comum do Sul – MERCOSUL, constituído em mar-ço de 1991, conhecido como Tratado de Assunção, surgiu na carona provocada pela tendência, pós queda do Muro de Berlin, de construção de blocos econômicos para superação de vulnerabilidades internas das economias;

d – Criação da Iniciativa para Integração das Infraestruturas Regionais Sul- Americana – IIRSA, instituída em agosto de 2000, na cidade de Brasí-lia, durante reunião de presidentes de países da América do Sul. Na época, estabelecia como objetivo a promoção do desenvolvimento da infraestrutu-ra de transporte, energia e telecomunicações;

e – A União das Nações do Sul – UNASUL, instituída em 23 de maio de 2008 em Brasília, com objetivo de congregar os 12 países sul-americanos na cooperação econômica, política e social.

Muita tinta, fosfato e papel já foram gastos para falar dos esforços e da importância da integração dos mercados. Contudo, atualmente, o Mercosul e a ALBA são as duas articulações mais vivas. A Aliança Bolivariana para as Américas - ALBA apresenta um fundamento mais ideológico sobre a necessidade da integração cultural entre os povos, principalmente campo-neses e indígenas.

O Mercado Comum do Sul - Mercosul

O Mercosul ganhou maior visibilidade, ao mesmo tempo em que enfren-

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tou sua maior crise3, nos primeiros anos do século XXI, quando o governo George W. Bush empreendeu um conjunto de esforços para implantar a Aliança do Livre Comércio das Américas - ALCA, a partir de 2005, em 34 países, exceto Cuba. O projeto de implantação da ALCA representava, além do domínio americano no continente, uma ameaça direta e violenta contra as particularidades culturais, valores e tradições dos povos latino--americanos.

A diferença entre a ALCA e o Mercosul está no modelo de integração econômica. A proposta da ALCA, como zona de livre comércio, era a de que os países membros deveriam eliminar todas as barreiras tarifárias e não tarifárias para o comércio recíproco. O Mercosul (Ratter, 2002) como mercado comum, é definido como uma união aduaneira a qual se agregam a livre mobilidade de fatores produtivos entre os países membros e uma política comercial comum. Contempla, ainda, a cooperação de políticas macroeconômicas e a proposta de harmonização das legislações nacionais. Com o Fenômeno da chegada de governos de esquerdas nos principais pa-íses Latinoamericanos, no início do século XXI, a idéia de implantação da ALCA foi jogada na gaveta.

Aliança Bolivariana para as Américas – ALBA

A proposta de construção da ALBA foi formulada, pela primeira vez, em dezembro de 2001, pelo presidente da Venezuela Hugo Chávez, durante a III Cúpula de chefes de estados que aconteceu na Ilha Margarita - Venezuela. Em 14 de dezembro de 2004, realizou-se, em Havana - Cuba,

Integração Descolonizadora do Poder ou a Integração dos Povos pelos Povos

3 A crise vivida pelo Mercosul é composta por um leque de variáveis. No início do sécu-lo, ele passou por um período de incertezas devido, entre outros fatores, à instabilidade econômica do Paraguai e da Argentina, à movimentação contestatória contra as políticas neoliberais protagonizadas pelos MST no Brasil, à crise financeira vivida pelo México , e à proposta dos Estados Unidos de implantar a Alca.

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Integração Sul-Americana: desafios e perspectivas

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a primeira Cúpula da ALBA. Integram a ALBA os seguintes países:

País Superfície/km2 População

Venezuela 916.445 27.000.000

Cuba 110.860 11.400.000

Bolívia 1.098.545 9.630.000

Nicarágua 129.494 5.470.000

Mancomunidad de Dominica 754 70.000

Honduras 122.702 7.326.000

San Vicente y las Granadinas 389 117.500

Equador 256.370 14.233.000

Antigua y Barbuda 443 68.700

Total 2.636.002 75.315.200

Fonte: www.alianzabolivariana.org. Acesso em 05.06.2010. A ALBA é uma aliança de integração política cujo objetivo maior é a

garantia da autonomia e da liberdade dos povos em relação às pretensões de domínio econômico e militar dos Estados Unidos. É uma iniciativa de unidade dos povos latinoamericanos e caribenhos. Trata-se da recuperação de uma idéia ousada e original de Simón Bolívar de criar uma Confedera-ção de Repúblicas.

A ALBA se fundamenta em quatro valores que se confrontam com a lógica capitalista: a complementaridade, a cooperação, a solidariedade e o respeito pela soberania dos países. Para os países membros, sem a integra-

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ção participativa dos povos, não será possível a construção de uma indepen-dência e de um processo de ruptura com a colonialidade do poder imposta pela herança européia e pela hegemonia do modo de vida consumista e belicista da América do Norte.

A forma na qual se materializa o processo de integração da ALBA é através dos tratados de comércio dos povos, dos projetos e das empresas grannacionais, ou seja, por meio de acordos entre os países membros para que possam seguir avançando no desenvolvimento sustentável e no apro-veitamento das vantagens de cada país mediante a celebração de convênios financeiros entre os países membros.

Empresa grannacional é um conceito que se baseia em três fundamentos: i - histórico e geopolítico, que se expressa na visão bolivariana de união das repúblicas latino-americanas e caribenhas para construção de uma grande nação; ii - socioeconômico, que se apóia na estratégia de desenvolvimento econômico dos países membros com o objetivo de produzir a satisfação das necessidades sociais das grandes maiorias; iii- e ,por fim, o fundamento ide-ológico, que se manifesta numa visão crítica em relação ao neoliberalismo, à defesa do desenvolvimento sustentável com justiça social e à defesa da autodeterminação dos povos.

A integração latino-americana, para parte do pensamento de esquerda, será insuficiente se não for construída uma ordem mundial não capitalista, mas para que isso aconteça, é preciso que os povos sintam os benefícios da integração. Nesse sentido, a ALBA quer ser, para seus membros, um espaço político de integração cultural que trata o econômico não de forma instru-mental, mas como ação solidária entre nações amigas que compartilhem o desejo e os esforços de uma América livre.

Integração Descolonizadora

A integração regional, continental e planetária entre os povos é um prin-cípio ético fundamental que desafia o fazer político contemporâneo, pois tem haver com a capacidade de exercício de solidariedade entre os indiví-

Integração Descolonizadora do Poder ou a Integração dos Povos pelos Povos

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duos e os povos de diferentes etnias, línguas, cosmologias e histórias. Uma integração latino-americana deverá adotar como desafio central a constru-ção de um processo de descolonialidade do poder. A colonialidade do poder foi o primeiro dos padrões de domínio com caráter e vocação global.

Em nossa epocalidade, o que chamamos de globalização4 é um momen-to de desenvolvimento histórico do padrão de colonialidade do poder. Se-gundo Quijano (2002), “é necessário indagar pelo o que tem ocorrido nas relações entre o padrão de exploração capitalista e os dois níveis do padrão de dominação, o Estado e a colonialidade do poder”. É necessário, ainda, refletir sobre a questão das relações entre dominação e exploração no atual padrão de poder, pois ninguém explora ninguém se não o domina. Assim, dois desafios se colocam como pertinentes: evidenciar as tendências mais dinâmicas que estão em desenvolvimento nas mudanças de configuração do capitalismo e demonstrar as configurações que ocorrem nas estruturas de autoridade coletiva e de dominação política. Todavia, deve-se ter clareza de que, num padrão de poder, as relações entre dominação e exploração não são sempre claras, sistemáticas e orgânicas.

Do ponto de vista conceitual, é preciso diferenciar colonialismo de co-lonialidade. Colonialismo se refere à dominação político-econômica de al-guns povos sobre outros, e é milhares de ano anterior à colonialidade. Co-lonialidade se refere à classificação social da população mundial de acordo com a idéia de raça. É uma construção mental que expressa a experiência básica da dominação colonial e que, desde então, permeia as dimensões mais importantes do poder mundial. Trata-se, portanto, da “base inter-subjetiva mais universal de dominação política dentro do padrão de poder (2002, p.4)”.

4 O processo de globalização, na elaboração de Aníbal Quijano, é conduzido por um bloco imperial mundial formado pelos Estados-nação mundialmente hegemônicos (G-8), pelas entidades de controle e exercício da violência (como a OTAN), pelas entidades intergo-vernamentais e privadas de controle do fluxo mundial de capital (BM, BIR, FMI, Clube de Paris) e pelas grandes companhias transnacionais. Essa trama institucional já constitui, de fato, um tipo de governo mundial invisível.

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A tese seminal de Aníbal Quijano é a de que foi na América Latina que, pela primeira vez, se produziu e se estabeleceu o padrão de poder, hoje globalmente hegemônico, no qual o caráter constitutivo peculiar é a asso-ciação entre colonialismo, modernidade e capitalismo. Para ele, a América Latina foi a primeira entidade/identidade histórica do atual sistema mundo colonial moderno e de todo o período da modernidade. Cito-o:

A região que hoje chamamos de América Latina foi se constituindo com e

como parte do atual padrão de poder dominante no mundo. Aqui se confi-

guraram e estabeleceram a colonialidade e a globalidade como fundamen-

tos e modos formadores do novo padrão de poder. Daqui partiu o processo

histórico que definiu a dependência histórico-estrutural da América Latina

e deu lugar, no mesmo movimento, à constituição da Europa Ocidental

como centro mundial de controle desse poder. E nesse mesmo movimento

definiram-se também os novos elementos materiais e subjetivos que fun-

daram o modo de existência social que recebeu o nome de modernidade

(2006, p. 49).

Em “Os Fantasmas da América Latina (2006, p. 60-61)”, Quijano afirma que a produção histórica da idéia de América Latina, por parte de nossos colonizadores, teve início com a ação perversa de destruição de todo um mundo histórico, ou seja, das cosmologias ameríndias e de seus produtores. Para ele, talvez a invenção da América Latina se constitua na maior des-truição sociocultural e demográfica da história por tratar:

1 – da desintegração dos padrões de poder e de civilização de algumas das mais avançadas experiências históricas da espécie;

2 – do extermínio físico, em pouco mais de três décadas, as primeiras do século XVI, de mais da metade da população dessas sociedades, cujo total, imediatamente antes da sua destruição, era estimado em mais de 100 milhões de pessoas;

3 – da eliminação deliberada de muitos dos mais importantes produto-res, não apenas portadores, daquelas experiências: dirigentes, intelectuais,

Integração Descolonizadora do Poder ou a Integração dos Povos pelos Povos

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engenheiros, cientistas, artistas;4 – da continuada repressão material e subjetiva dos sobreviventes, du-

rante os séculos seguintes, até submetê-los à condição de camponeses ile-trados, explorados e culturalmente colonizados e dependentes, ou seja, até o desaparecimento de qualquer padrão livre e autônomo da objetivação de ideais, imagens, símbolos em outras palavras, alfabeto, escrita, artes visu-ais, sonoras e audiovisuais.

O mesmo movimento histórico que forjou a idéia de América Latina criou um sistema de dominação, padrão de conflito e exploração social que teve como elemento fundante a idéia de raça. Para Quijano, raça foi a pri-meira categoria social de modernidade:

foi um produto mental e social específico daquele processo de destruição

de um mundo histórico e de estabelecimento de uma nova ordem, de um

novo padrão de poder, e emergiu como um modo de naturalização das

novas relações de poder impostas aos sobreviventes desse mundo em des-

truição: a idéia de que os dominados são o que são, não como vítimas de

um conflito de poder, mas sim como inferiores em sua natureza material e

, por isso, em sua capacidade de produção histórico-cultural. Essa idéia de

raça foi tão profunda e continuamente imposta nos séculos seguintes sobre

o conjunto da espécie, que para muitos, lamentavelmente muitos mesmo,

ficou associada não só à materialidade das relações sociais, mas à materia-

lidade das próprias pessoas (2006, p. 62).

As idéias de raça e identidade racial foram estabelecidas como instru-mentos de classificação básica da sociedade e para outorgar legitimidade às relações de dominação impostas pela conquista; relações que eram basea-das em valores de superioridade/inferioridade. Em torno da idéia de raça, foram se associando novas identidades ao padrão de poder: brancos, índios, negros (cor conhecida pelos europeus desde os romanos, sem que a idéia de raça estivesse em jogo), criolos, mestiços, amarelos, mulatos. Articulado

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ao sistema de dominação racial emergiu também um sistema de exploração social do trabalho voltado à produção de mercadoria para o mercado mun-dial. Para Quijano (2006, p. 74):

Não há, pois, modo de não admitir que contra as propostas teóricas euro-

cêntricas o capital se desenvolveu na Europa não apenas associado, como

também e antes de mais nada apoiado nas demais formas de exploração do

trabalho e sobretudo na escravidão negra, que produzia os vegetais precio-

sos, e na servidão índia, produtora de metais preciosos [p. 72]. Para a Améri-

ca e em particular para a atual América Latina, no contexto da colonialidade

do poder, esse processo implicou que à dominação colonial, à exploração do

trabalho gratuito, surperpôs-se a emergência da Europa ocidental como cen-

tro de controle do poder e da modernidade/irracionalidade, como a própria

sede do modelo histórico avançado da civilização.

A ideologia eurocêntrica5, a partir da dominação racial e da exploração do trabalho e das riquezas materiais na América Latina, passou a ser he-gemônica, o projeto de modernidade passou a ser admitido como verdade absoluta, e os movimentos de independência, ocorridos na região, puseram fim ao colonialismo político, mas não conseguiram por fim ao processo de colonialidade do poder. A colonialidade do poder implica na invisibilidade dos não-europeus: índios, negros, mestiços, sem-terra, sem-tetos, os cata-dores de lixo, os desempregados, ou seja, a maioria silenciosa da América Latina, da Ásia e da África.

Para Quijano, o poder é constituído pela co-presença permanente de do-

Integração Descolonizadora do Poder ou a Integração dos Povos pelos Povos

5 Para Quijano (2002): o eurocentrismo é a perspectiva de conhecimento que foi elabora-da sistematicamente a partir do século XVII na Europa, como expressão e como parte do processo de eurocentralização do padrão de poder colonial/moderno/capitalista. Em outros termos, como expressão das experiências de colonialismo e de colonialidade do poder, das necessidades de tal padrão de poder; Foi mundialmente imposta e admitida nos séculos se-guintes, como única racionalidade legítima.

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minação, exploração e conflito. Trata-se de um tipo de relação social que se expressa na disputa pelo controle dos recursos e dos produtos de quatro áreas básicas da existência social: o trabalho, o sexo, a autoridade coletiva ou pública e a subjetividade/intersubjetividade. Essas formas de existência social não nascem umas das outras, mas também não existem e nem operam de forma independente entre si, uma vez que formam um complexo estru-tural histórico e específico ou um padrão histórico de poder. Para o autor (2002, p. 4), o atual padrão mundial de poder consiste:

1 – na Colonialidade do poder, isto é, na idéia de raça como fundamento do padrão universal de classificação social básica e de dominação social;

2 – no capitalismo, como padrão universal de exploração social;3 – no Estado, como forma central e universal de controle da autoridade

coletiva, e no moderno Estado-Nação como sua variante hegemônica; 4 – no eurocentrismo, como forma hegemônica de controle da subjeti-

vidade/intersubjetividade, e, em particular, no modo de produzir conheci-mento.

A Integração dos Povos pelos Povos

Uma integração dos povos como forma de confronto com a coloniali-dade do poder reafirma que o capitalismo é um sistema socioeconômico injusto conosco e com a natureza, uma vez que vem, sistematicamente, produzindo relações de desigualdade e exclusão de povos e países; sua ma-triz de desenvolvimento é, portanto, de consumidora voraz e de predadora da natureza.

Se a América Latina foi o espaço territorial em que a colonialidade do poder forjou suas condições de existência, é também do seu território que vai surgir uma proposta viva de integração dos povos contra a colonialidade de caráter planetário. Tal proposta já foi expressa, num sentimento ético--político de esperança, pelos construtores do Fórum Social Mundial – FSM cuja idéia força é a de que “outro mundo é possível”.

O Fórum Social Mundial, lançado entre os dias 25 a 30 de janeiro de

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2001, em Porto Alegre, foi a primeira grande iniciativa da América Lati-na, no século XXI, de integração cultural e política dos povos do planeta. Tratava-se de uma proposta de construção de uma articulação de processos de resistências mundiais, cuja origem6 surgiu com a manifestação reali-zada em janeiro de 1999, em Davos, na Suíça, para protestar contra o Fó-rum Econômico Mundial que preconiza um liberalismo sem reservas e sem fronteiras, na linha de seu fundador, Friedrich Von Hayek (Holanda, 2000), que, em 1947, na pequena estação de veraneio Mont-Pèlerin (Suíça), reuniu os que partilhavam a orientação econômica de uma sociedade de mercado, alimentando um movimento que se tornaria hegemônico, a partir dos anos de 1980, e que seria conhecido mundialmente como neoliberalismo.

O FSM surgiu somente depois que a ofensiva neoliberal, com sua políti-ca de ajuste estrutural, produziu, de forma planetária, um agravamento das desigualdades, um aumento da degradação ambiental, um aumento da ex-ploração de trabalhadores, camponeses e indígenas, e, principalmente, por-que promoveu o aumento do sofrimento de crianças e idosos pelo mundo.

Em busca de um internacionalismo solidário, o FSM congrega múltiplas identidades políticas, nacionais, étnicas, ideológicas e culturais. Tal esforço tem se demonstrado positivo e alegre na sua forma de fazer política. Porém, a alegria e o afeto que envolve o FSM têm recebido, por parte de alguns setores da mídia televisiva e escrita, uma classificação negativa como es-paço de “ampliação da esquerda festiva em escala planetária”, “carnaval de esquerda” ou “fórum brancaleone”. Entretanto, sua realização, reflete uma integração que amplia a resistência ao modelo dominante de colonialidade.

A resistência ao caráter predatório do modelo dominante foi sendo amplia-

da. A ação coletiva dos cidadãos, o engajamento em associação, o esfor-

Integração Descolonizadora do Poder ou a Integração dos Povos pelos Povos

6 Antes dessa iniciativa, muitas outras de menor visibilidade aconteceram como a criação em 1996 do Fórum Mundial de Alternativa- FMA que reuniu representantes de movimentos sociais latino-americanos e seus intelectuais orgânicos. O objetivo do FMA é a mundializa-ção das lutas sociais.

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ço de apropriação coletiva das condições de existência e do conteúdo do

trabalho e da cultura multiplicaram-se infinitamente. Um impressionante

movimento, antes subterrâneo, foi aflorando para superfície. As resistências

e as lutas sociais caminharam para o universalismo. As inovações sociais,

antes dispersas, precisavam convergir para uma dimensão planetária. Era

hora de materializar o slogan da Associação pela Tributação das Transações

Financeiras em Apoio aos Cidadãos (ATTAC): Pensar globalmente, agir lo-

calmente (CATTANI, 2001, p. 10).

O FSM quer ser um espaço público cosmopolita, uma sociedade civil planetária, um espaço de socialização de saberes, de troca de experiências, e de expressão de diferentes culturas e etnias. Mas também que ser é um espaço político de reflexão, de debate, produção de conhecimento político diferenciado e de denúncia; um espaço para ensaios de práticas e trocas solidárias de produtos fabricados com tecnologias que incorporam o saber ancestral, a criatividade e a inovação com respeito ao meio ambiente; e um espaço de festa, encontros, danças e confraternização dos povos.

O FSM é a mais bem sucedida rede de articulação das lutas pela eman-cipação social de todos os tempos. É o responsável pelo questionamento mais radical da globalização neoliberal e o articulador de alternativas entre as lutas locais, regionais, nacionais e globais. Os novos sujeitos políticos, que gravitam em sua órbita, contribuíram bastante para a onda política que elegeu governos progressistas ou de esquerda (Elias, 2006) na América La-tina no início do século XXI, como na Venezuela, Brasil, Bolívia, Chile, Uruguai e Argentina.

Dado o seu alcance e sua diversidade, o FSM desafia não só os processos de dominação política, mas as teorias políticas hegemônicas e as discipli-nas das Ciências Sociais convencionais marcadas pelo eurocentrismo. Para uma compreensão dos novos movimentos sociais emergentes, precisamos de uma nova teoria social e de novos conceitos analíticos, ou seja, precisa-mos de uma nova epistemologia. Boaventura de Sousa Santos (2005), um

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dos intelectuais orgânicos do Fórum, diz que precisamos de uma epistemo-logia do Sul que consiste em dois processos designados de sociologia das ausências7 e sociologia das emergências.

A integração dos povos não é uma mera tentativa de congratulação entre culturas diferentes, mas é também uma tentativa de estabelecer outro pro-cesso de desenvolvimento econômico que garanta para todos uma melhor qualidade de vida, um outro padrão de consumo e uma relação de respeito do homem com a natureza. Assim, Evo Morales Ayma (2010) apresentou, no dia 23 de abril de 2008, em Nova York, durante o Fórum Permanente para Questões Indígenas das Nações Unidas, dez mandamentos para salvar o planeta, a humanidade e a vida. Cito-os a seguir:

1 – Acabar com o sistema capitalista. Se quisermos salvar o planeta Terra para salvar a vida e a humanidade, temos a obrigação de acabar com o sistema capitalista;

2 – Renunciar a guerra. Quem ganha com a guerra? Com as guerras os povos não ganham nada, somente ganham os impérios e as empresas trans-nacionais;

3 – Construir um mundo sem imperialismo e sem colonialismo. As rela-ções entre países devem ser orientadas no marco da complementaridade e não da competição desleal;

4 – Tratar a água como direito humano. A água é vida, não podemos viver sem água;

5 – Gerar energia limpa e amigável com a natureza. Em apenas 100 anos, estamos acabando com toda energia fóssil criada durante milhões de anos. Devemos por fim a era do carbono;

Integração Descolonizadora do Poder ou a Integração dos Povos pelos Povos

7 Para Santos (2005), sociologia das ausências é uma pesquisa que visa demonstrar que o que não existe é, na verdade, ativamente produzido como não existente, isto é, como uma al-ternativa não-credível ao que existe. Seu objetivo é transformar objetos impossíveis, objetos ausentes em presentes. Já a sociologia das emergências visa identificar e ampliar os sinais de possíveis experiências futuras e latências que são ativamente ignoradas. É a pesquisa por alternativas que caibam no horizonte das possibilidades concretas.

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6 – Respeitar a Mãe Terra. A Terra não pode ser entendida como merca-doria. Quem poderia vender, privatizar ou alugar a sua própria mãe?

7 – Produzir e consumir localmente. Se os serviços básicos são um di-reito humano, não podem ser negócio privado, têm que ser um serviço pú-blico;

8 – Consumir só o necessário e priorizar o que produzimos. Devemos acabar com o consumismo e renunciar ao luxo;

9 – Promover a diversidade de culturas e economias. Devemos apostar na unidade da diversidade e construir vários modelos de relações econômi-cas de caráter cooperativo e solidário;

10 – Viver bem não é viver melhor à custa dos outros; viver bem é construir relações socialistas e comunitárias em harmonia com a Mãe Terra.

A natureza, que não renuncia ao seu modo de ser, vem nos demonstran-do que os estragos causados pelos deslizamentos de morros, em Angras do Reis, no Rio de Janeiro no final do ano passado, pelas enchentes em Ala-goas e Pernambuco, em junho de 2010, bem como pelo processo avançado de desertificação no semi-árido nordestino e no cerrado do Centro-Oeste e pelos desmatamentos da região Amazônica são fenômenos que provocam desorganização social, prejuízos econômicos e mortes. Não são reflexos da revolta da natureza, mas da ação estúpida de homens que, cegamente, fazem tudo em troca de dinheiro e poder. O século XXI nos convida a supe-ramos nossa própria estupidez construindo novas relações com a natureza e com todas as pessoas que habitam o planeta. Assim, aceitando o convite de nossa epocalidade, o grande desafio posto é a edificação pluricultural de um processo civilizador a partir da integração dos povos pelos povos. É o momento de sermos protagonistas de ações e em defesa da vida, da huma-nidade e da Pacha8 Mama.

8 Pacha Mama vem do Quechua. Pacha significa universo, tempo, mundo, lugar. Mama significa Mãe.

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Referências

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CATTANI, Antonio Davi (Org.). Fórum Social Mundial – A cons-trução de um mundo melhor. Editora da UFRGS-VOZES, Porto Alegre, 2001.

ELÌAS, Antonio (Org.). Los gobiernos progresistas en debate: Argen-tina, Brasil, Chile, Venezuela y Uruguay. CLASCO, Buenos Aires, 2006.

HOLANDA, Francisco Uribam Xavier de. Do Liberalismo ao Neolibe-ralismo – O Itinerário de uma Cosmovisão Impenitente. EDIPUCRS, 2ª edição, Porto Alegre, 2002.

_________. A Democracia na América Latina: Desafios Contemporâne-os para um Território-Poblema In: Fernando Pires (0rg.). Poder e Políticas Públicas na América Latina. Edições UFC, Fortaleza, 2010.

QUIJANO, Aníbal. Os Fantasmas da América Latina. In: Eduardo No-vaes (Org.). Oito Visões da América Latina. Editora SENAC, São Paulo, 2006.

__________. Colonialidade do Poder, Eurocentrismo e América Lati-na. In: Edgardo Lander (Org.) A Colonialidade do Saber: Eurocentrismo e Ciências Sociais. Perspectiva Latino-Americanas. Colección Sur Sur, CLACSO, Buenos Aires, 2005.

__________. Colonialidade, Poder, Globalização e Democracia. Novos Rumos, ano 17, n.º37, São Paulo, 2002.

Integração Descolonizadora do Poder ou a Integração dos Povos pelos Povos

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RATTNER, Henrique. Mercosul e Alca – O futuro incerto dos países sul-americanos. Edusp, São Paulo, 2002.

SANTOS, Boaventura de Souza. O fórum social mundial – Manual de uso. Cortez Editora, São Paulo, 2005.

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IntroduçãoNa Iniciativa de Integração da Infraestrutura Sul-Americana – IRSA -

assim como em outros processos de integração, em geral, o que se observa é que o discurso político integracionista enfatiza os aspectos positivos dessa dinâmica, apresentando-a como promotora de uma maior integração entre os povos, como um processo capaz de estabilizar as regiões, proporcionar o desenvolvimento econômico e conduzir à resolução de problemas sociais.

Este é o discurso descrito, por exemplo, no Tratado de Cooperação Ama-zônica (atualmente Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA), principal tratado de cooperação entre os países amazônicos, cujas ações conjuntas têm por objetivo “promover o desenvolvimento harmônico de seus respectivos territórios amazônicos, de modo a que essas ações con-juntas produzam resultados equitativos e mutuamente proveitosos” (TCA, Artigo 1°). No Tratado Constitutivo da União das Nações Sul-Americanas (UNASUL), que incorpora a IIRSA pode-se ler que a integração é neces-

A Iirsa e a Segurança Regional: Os Reversos da Integração da Amazônia no Eixo Peru-Brasil-Bolivia

A IIRSA e a Segurança Regional: Os Reversos da Integração da

Amazônia no Eixo Peru-Brasil-Bolívia

Patrícia Mara Cabral de Vasconcellos1

1 Docente do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal de Rondônia (UNIR). Mestre em Relações Internacionais pela Unicamp – Programa San Tiago Dantas (UNESP-PUC/SP- UNICAMP). E-mail: [email protected]

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sária para “avançar rumo ao desenvolvimento sustentável e o bem-estar de nossos povos” (UNASUL, preâmbulo do Tratado Constitutivo), comple-menta-se a lógica na afirmativa do processo de integração como solução de problemas sociais que afetam a região.

O que o discurso não ressalta é a problemática que envolve um processo de integração, como é o caso da IIRSA, que objetiva promover uma inte-gração da infra-estrutura regional almejando, consequentemente, promover o desenvolvimento da América do Sul. A problemática não está centrada no processo de integrar em si, mas sim, nas retóricas perguntas: integrar o quê, para quem e de que forma. Tal questionamento só pode ser respondido se observada à lógica do desenvolvimento que está inserida no discurso de integração e as consequências desse modelo de inserção econômica.

A iniciativa para a Integração da Infraestrutura Regional Sul-Americana (IIRSA) é um projeto de integração física que visa interligar os países sul--americanos desenvolvendo projetos na área de transportes, energia e te-lecomunicações com o objetivo de promover um maior desenvolvimento econômico da região ao facilitar o fluxo das cadeias de produção dos res-pectivos países.

A IIRSA foi acordada na Cúpula de Brasília (I Reunião de Presidentes da América do Sul) em 2000, entre os doze Estados participantes, Brasil, Peru, Bolívia, Argentina, Colômbia, Venezuela, Chile, Paraguai, Uruguai, Equador, Guiana e Suriname.). Para a execução dos projetos foram esta-belecidos 10 Eixos de Integração e Desenvolvimento (EID), Eixo Andino, Eixo Andino do Sul, Eixo Capricórnio, Eixo Hidrovia Paraguai-Paraná, Eixo do Amazonas, Eixo do Escudo Guianense, Eixo do Sul, Eixo Intero-ceanico Central, Eixo Mercosul-Chile e Eixo Peru-Brasil-Bolívia.

O desenvolvimento proposto pela IIRSA para a Amazônia está baseado na exploração de seus recursos naturais, uma vez que, determinado em fun-ção dos “corredores econômicos” (Eixo de Desenvolvimento e Integração - EID) para a sua suposta “vocação econômica”, o que insere um complexo problema que relaciona Integração, Desenvolvimento e Segurança Regio-nal.

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Os EID foram definidos conforme a “vocação econômica” de cada re-gião, que no caso da região Amazônica é preocupante, pois a suposta vi-são de negócios refere-se aos seus recursos naturais. Eixo de Integração e Desenvolvimento é um principio orientador da IIRSA cuja definição é a seguinte: “dispõe sobre a organização do espaço sul-americano em faixas multinacionais que concentram fluxos de comércio atuais e potenciais para promover o desenvolvimento de negócios e cadeias produtivas” 2. Ao lado desse princípio orientador têm-se outros como, por exemplo, o regionalis-mo aberto e o aumento do valor agregado da produção.

Dentre os eixos assinalados destaca-se, neste artigo, o Eixo de Integra-ção Peru-Brasil-Bolivia em que se concentram importantes obras no ponto de vista geopolítico, em especial para o Brasil, como a Rodovia do Pacífico (previsão de término no final de 2010) e as Usinas Hidrelétricas do Comple-xo do Madeira (primeira fase com previsão de término em 2012).

No mais, a análise dos riscos à segurança regional que tem por base a área de influência desse Eixo é capaz de representar a região amazônica, tendo em vista que nela, por meio das obras citadas, reproduz-se o modelo econômico de exportação, produção e desenvolvimento da Amazônia como um todo. Na figura 01 é possível visualizar a área de influência do Eixo: Figura 01: Localização e área de influência do Eixo Peru-Brasil- Bolívia

Fonte: IIRSA - Bancos Medios/Documentos. In: www.irsa.org

A Iirsa e a Segurança Regional: Os Reversos da Integração da Amazônia no Eixo Peru-Brasil-Bolivia

2 A definição sobre Eixo de Integração e Desenvolvimento (EID) é encontrada no sitio do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão (Brasil) no link sobre a Inicitiva para a

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Os projetos de integração física com a construção de rodovias, hidro-vias, hidrelétricas, gasodutos, transformam a dinâmica da vida amazônica inserindo-a de forma preocupante e desordenada no contexto do capitalis-mo globalizado.

Por se tratar de um projeto de infraestrutura produtiva, a IIRSA in-sere uma série de questões desde um planejamento macroeconômico da região a debates sobre a segurança regional. Ao interligar as fronteiras aumentando o fluxo econômico, também se aumenta os riscos a que a região está exposta, em especial no que se refere a riscos transfronteiri-ços, pois a integração ocorre em regiões de fronteira com baixa presença do Estado.

Na realidade duas vertentes são preocupantes neste contexto, primei-ro a questão da proteção ambiental e segundo os delitos transnacionais. Concretizando-se as ameaças, significa que a integração provocaria a desin-tegração social e o fracasso de um modelo de desenvolvimento sustentável para a Amazônia.

Em uma breve análise do processo de integração da IIRSA, no eixo Peru-Brasil-Bolívia, verificam-se riscos à segurança da região amazônica, sendo exacerbados, os desmatamentos, as atividades madeireiras ilegais, o conflito pelas terras, migrações, a urbanização desordenada, o aumento da criminalidade e a desagregação social, consequências de uma visão de de-senvolvimento e integração não acompanhada de uma visão de segurança regional.

A instabilidade política e econômica da região somada a essas ameaças pode tornar a relação entre os países (Brasil, Peru e Bolívia) não confiáveis, marcada pela desconfiança, o que seria um entrave para uma integração multifacetada (econômica, política e cultural) da América do Sul. Há ainda

Integracao da Infraestrutura Resgional Sul-Americana (IIRSA). Para maiores informações ver: http://www.mp.gov.br/secretaria.asp?cat=156&sub=302&sec=10. Consultado em abril de 2010.

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de se considerar como um ponto de reflexão, a possível postura hegemônica do Brasil nesse processo.

Neste ponto, o questionamento principal é sobre como conduzir um real processo de integração com todas as suas promessas de desenvolvimen-to, se a integração econômica não está acompanhada de um processo de integração política e um processo de cooperação na área de Segurança e Defesa.

No âmbito da IIRSA e, portanto, no que se refere a UNASUL, so-mente em 15 de dezembro de 2008 foi aprovada a criação do Conselho de Defesa Sul-Americano (CDS) cujos objetivos, conforme Estatuto do Conselho de Defesa Sul – Americano da UNASUL3, podem ser sinte-tizados em consolidar a região Sul-americana como uma zona de paz, construir uma identidade regional em matéria de defesa e propiciar a formação de um consenso para fortalecer a cooperação na temática da Defesa. As ameaças na região são abordadas de modo segmentado, o que em parte é reflexo das discussões sobre os riscos serem debatidos no âmbito interno dos países sem que haja uma política eficaz de segurança integrada para a região.

A integração proposta e executada é uma integração econômica que, caso não acompanhada de um aprofundamento nos debates sobre princí-pios e conseqüências, o que significa uma ausência de integração política, pode conduzir a um efeito reverso, ao invés de desenvolvimento social pode causar desestruturação social.

De tal modo que o conceito de segurança regional deve ser repensa-do para ser entendido, no caso da Amazônia, não somente como as novas ameaças que agrega, mas também como um processo maior de integração política e de respeito aos povos.

A Iirsa e a Segurança Regional: Os Reversos da Integração da Amazônia no Eixo Peru-Brasil-Bolivia

3 O Estatuto do Conselho de Defesa Sul – Americano da UNASUL e outros documentos oficiais do Conselho podem ser acessados na página da internet do Conselho de Defesa Sul Americano: http://www.cdsunasur.org. Consultado em julho de 2010.

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Integração Sul-Americana: desafios e perspectivas

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Riscos a Segurança Regional no Eixo Peru-Brasil-Bolí-via

Diante de uma integração política frágil da América Latina, Félix Peña durante o Seminário sobre Integração Latino-Americana, realizado na Co-missão de Relações Exteriores da Câmara dos Deputados de 30 a 31 de outubro de 1980, afirmou:

Nada mais perigoso para a saúde de determinado sistema internacional,

como o latino-americano, que um excesso de interesse pelo mercado, pelos

recursos naturais, pelo que a região possua de valor. Isso pode levar tanto

ao conflito, como se inserido em outro espírito, em outra visão de conjun-

to, a um sistema de interdependência essencialmente cooperativo. (PEÑA,

1982:157)

A IIRSA e os “grandes empreendimentos” na região, como a construção do Complexo do Madeira e a Rodovia do Pacífico são exemplos desse ex-cesso de interesse pelo mercado. Vale lembrar que a região de que se fala é a região Amazônica, rica em água, rica em biodiversidade, madeira, mi-nérios. Essa integração torna-se um risco à saúde desse sistema, na medida em que se invertem os valores de proteção do meio ambiente e de princípios sociais que não serão garantidos se a integração for meramente uma pers-pectiva econômica. Há de se inserir, como afirma Pena, tal interesse pelo mercado e o processo de integração “em outro espírito”.

Pondera-se que os benefícios trazidos pela integração física não podem ser desconsiderados, mas ao mesmo tempo, também não podem ser consi-derados acima de qualquer circunstância. A segurança e a defesa da Ama-zônia devem ser repensadas com a consciência da especificidade da região, inclusive em termos geoestratégicos.

A denominada “Rodovia do Pacífico”, projeto que faz parte do Eixo Peru-Brasil- Bolívia, por exemplo, significa uma estrada que interliga o território brasileiro através da região de Rondônia e Acre (BR 364) com

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os portos de Ilo, Matarani e San Juan no Peru, permitindo uma saída com menor distância para o Pacífico. A interoceânica para a sua construção en-frentou barreiras geográficas e naturais, uma vez que perpassa territórios de baixa densidade populacional e de variável relevo. A rodovia corta o pla-nalto andino, a Cordilheira dos Andes e selva amazônica. Na figura abaixo é possível visualizar a extensão do projeto. Figura 2: Interoceânica.

Fonte: Peru, Ministério de Transportes e Comunicaciones (www.mtc.gob.pe)

Amayo (1993) relata que o projeto da construção da Interoceânica é idealizado desde os anos 90 quando a saída para o Pacifico vislumbrava-se como uma acesso principalmente, ao mercado do Japão, diferentemente do contexto atual que visa, em especial, ao mercado chinês. A função estraté-gica da rodovia é realizar um desenvolvimento socioeconômico das regiões do sul do Peru e dos Estados do Acre e de Rondônia no Brasil, além de promover um acesso mais fácil ao mercado internacional (IIRSA, 2009).

O acesso ao Pacifico pela rodovia impõe duas perspectivas em que se evidencia a questão da segurança regional. A primeira é denominada de impactos imediatos; trata-se das conseqüências derivadas da abertura física

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dessa região. O fluxo de mercadorias pela Rodovia do Pacífico, fato tão fortemente lembrado pelos empreendedores, DNIT, Odebrecht, setores do turismo e produtores agrícolas, também permitirá o fluxo de problemas tí-picos de fronteira e de áreas com ocupação desordenada.

Ao longo da rodovia, na medida em que se abre caminho em território até então de difícil acesso, tem-se um complexo de atividades e de inte-resses que se ramificam. Na ausência de planejamento e poder público as ameaças como narcotráfico, tráfico de biodiversidade, desmatamento, instabilidade provocada pelos movimentos guerrilheiros, crime organizado, garimpo ilegal, são alguns fatos que tendem a se agravar provocando im-pactos sócio-econômicos e ambientais.

Sobre a devastação da mata, Ab’Saber (2005) afirma que os rasgões na região amazônica, seja por meio das rodovias, gasodutos ou eixos-viários que não tenham sido considerados em todos os aspectos (não somente pelo retorno econômico), podem multiplicar a devastação. Além disso, podem ser considerados fatores de risco à incidência e exposição de doenças conta-giosas e à gradual perda de valores culturais tradicionais. A análise do autor tem como base a abertura de estradas ocorridas, em especial, na década de 80, rumo ao Norte do país, onde ocorreram o aumento dos conflitos am-bientais e uma ocupação desordenada do território. O modelo de desenvol-vimento para a Amazônia visualizado durante o período militar brasileiro parece se revigorar na lógica da globalização.

No mesmo sentido alertado por Ab’Saber, Leonel et all (2008), afirma que uma estrada não é uma obra isolada uma vez que, ao longo dela, ou-tras atividades são introduzidas transformando a dinâmica da região. Diante desse fato é fundamental reforçar a idéia de um zoneamento prévio socio-ambiental consistente acima de interesses de construtoras e de mercados emergentes.

Dourojeanni (2006) relata que a região amazônica por que passa a rodo-via no Peru é uma área de grande concentração de biodiversidade além de ser habitada por povos indígenas que vivem em isolamento voluntário. Bio-diversidade e culturas que devem ser preservadas. O autor ainda descreve

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que a propaganda governamental em torno da construção e seus possíveis benefícios econômicos criam um ambiente de entusiasmo geral ainda que objeções sejam apresentadas e haja dúvidas sobre a veracidade de impacto socioambiental mínimo.

Em reportagens vinculadas pelo site OperaMundi4 no dia 31 de julho de 2010 há relato de como o garimpo e o desmatamento estão ocorrendo ao longo da Rodovia. A reportagem revela o problema do garimpo versus a questão ambiental e a ausência do poder público. Outra problemática abor-dada foi o aumento da prostituição infantil nas margens da nova estrada.

No eixo Amazonas, que envolve regiões do Peru, Equador, Colômbia e Brasil, a visão estratégica não se centra em uma rodovia, mas nas hidrovias. São sete agrupamentos do Eixo baseados na construção de hidrovias, com o intuito de melhorar as condições de navegabilidade na Bacia Amazônica. Juntamente com as hidrovias prevê-se a construção dos portos fluviais, bem como rodovias de acesso. O impacto na região é reconhecido pela IIRSA:

A construção, adequação ou melhoramentos de obra de infraestrutura pode

gerar impactos biogeofísicos e socioeconômicos sobre a área de influencia

dos mesmos. Temas como o avanço da fronteira agrícola com o conseqüente

desmatamento e os conflitos que isso gera pelo uso do solo e dos recursos

naturais, pela integração das comunidade isoladas; assim como as mudan-

ças climáticas em níveis mundial e regional ou mudanças na qualidade da

água, são fatores que devem ser analisados cuidadosamente na Amazônia.

Em uma avaliação realizada em 2006 sobre os projetos da IIRSA incluídos

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4 OperaMundi é um jornal online de notícias das Américas e do Mundo (provedor UOL). Ver: http://operamundi.uol.com.br/. As reportagens são: “Rodovia Interoceânica rasga Ama-zônia com garimpo e desmatamento entre Brasil e Peru” e “Prostituição Infantil se dissemi-na ao longo da nova rodovia do Peru”, ambas publicadas em 31/07/2010. Consultado em 01 de agosto de 2010.

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na Agenda Consensuada, concluiu-se que o eixo com maior sensibilidade de

território era o Eixo Multimodal do Amazonas. (IIRSA, 2009)

A segunda vertente em que se evidencia a questão da segurança regional exige que se reflita sobre o objetivo econômico almejado com a Transoce-ânica. A saída para o Pacífico está embasada nas riquezas naturais como fonte de expansão da economia mundial, isto é, como modelo de desen-volvimento. Assim, os países amazônicos exportariam pela rodovia suas riquezas naturais, na atualidade, sem uma política que agregue valor a esses produtos.

Procópio (2009) aponta que o modelo exportador do Brasil, por exem-plo, está baseado nas denominadas monoculturas, em especial do mercado da carne (agropecuária), soja e mais, recentemente, do bioetanol (milho), que são comercializados sem valor agregado, fazendo do Brasil um expor-tador de commodities. O caso do Peru, não difere em essência e ilustra a afirmativa, uma vez que a sua economia depende, principalmente, da ex-portação de minérios (cobre, prata, ouro, pedras preciosas). Frisa-se que é esse tipo de comércio que se deseja prosperar, aumentando-se os lucros com uma saída mais curta para o Pacifico. Procópio (2009) aponta que essa é uma lógica que conduz ao “subdesenvolvimento sustentável”5

De acordo com os dados do documento da IIRSA sobre o Eixo Peru--Brasil-Bolívia os cinco principais produtos exportados pelos países do Eixo são: petróleo cru, minério de ferro, grãos de soja, minério de cobre e ouro. A soma dos cinco produtos representa 29,13% do valor total ex-portado em 2008. De modo geral o perfil produtivo do eixo resume-se na produção agrícola, na exploração de minérios e na pecuária bovina. Simi-

5 Ver: Procópio (2009). A idéia central do autor é que uma lógica de desenvolvido pautada na exploração dos recursos naturais de modo não sustentável, aliado ao pragmatismo cir-cunstancial dos Estados e a uma econômica de exportação que não agrega valor aos produtos primários, não conduz ao “desenvolvimento” e sim ao “subdesenvolvimento” que se per-petua ao longo do tempo.

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larmente, os cincos produtos mais exportados pelo Eixo Amazonas são os mesmos mencionados acima e na mesma ordem, com exceção do quinto produto que, nesse caso, entram os produtos derivados do petróleo.

No documento da IIRSA sobre a visão de negócios do Eixo Peru-Brasil--Bolívia a proposta não se altera.

Dentro de La “Visión de Negócios” se puede señalar que los principales

productos de exportaci[on a través de esta carretera seríam el hierro y cobre,

con importantes yacimientos que estén empezando a explotarse en esta regi-

ón, además del oro, en pequeñas cantidades, de toda la región del Madre de

Dios, los fosfatos y la bayota hacia Brasil, además del tránsito del estado de

Acre en Brasil que cuenta con suelo basáltico, de soya no transgénica hacia

los puertos de Perú. (IIRSA, Visión de Negocios, 2007)

De modo geral, a linguagem do desenvolvimento não tem se traduzido em uma perspectiva de segurança regional. A facilidade de escoar a produ-ção de modo mais direto, do Brasil, Peru, Bolívia, não contempla entre es-ses países uma discussão sobre responsabilidade que os países teriam com os problemas derivados de uma maior fronteira que se abre para promessas e desafios.

Como consequência, no contexto da IIRSA, pode-se visualizar a Ama-zônia como um conflito de diferentes interesses, marcado pelo desequilí-brio entre as partes. No discurso da modernidade e da integração alerta-se sobre o modelo de desenvolvimento para a Amazônia, uma vez que a região é transformada em “capital”e os riscos não-econômicos são negligencia-dos. As controversas em torno dos impactos ambientais, culturais e de se-gurança são constantes e o caso do complexo hidrelétrico do Madeira, que tem como objetivo mudar a matriz energética para uma fonte renovável de energia, é exemplo emblemático nesse sentido.

O projeto das hidrelétricas do Madeira, em sua totalidade, contempla a construção de duas hidrelétricas no Estado de Rondônia - Brasil, que são as hidrelétricas de Santo Antonio e Jirau, uma hidrelétrica binacional Bolívia-

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-Brasil e outra em território boliviano – Cachoeira Esperança. Na figura 3 se visualiza a localização desses empreendimentos.Figura 3: Complexo Hidrelétrico do Madeira e área de influência.

Fonte: Site Bank Information Center6

As usinas de Santo Antonio e Jirau, em construção no Estado de Rondô-nia e com previsão de funcionamento para 2012, transformam a realidade da região, em especial, da capital Porto Velho. As ameaças à segurança são visíveis à sua população. A especulação imobiliária, ocupação urba-na desordenada e migração de grande número de trabalhadores formam o panorama vivenciado desde o início das obras. Esses são os chamados im-pactos especulativos que são acompanhados dos impactos processuais que

6 Site Bank Information Center. Disponível em <www.bicusa.org/es/Article.11411.aspx>. Consultado em junho de 2009. O mapa não sofreu alterações em essência, somente foram destacados os nomes das hidrelétricas no lado direito para facilitar a identificação.

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se somam aos conflitos já existentes como o aumento da criminalidade, da prostituição e do tráfico de drogas.

Devem-se ainda ressaltar as divergências sobre o impacto ambiental com as hidrelétricas e as controvérsias sobre as licenças ambientais. Ilustra a questão o Parecer Técnico nº 014/2007 – COHID/CGENE/DILIC/IBA-MA (Brasília, 21 de março de 2007) que recomendava a não emissão da Licença Prévia.

A Bacia do rio Madeira é transfronteiça, abrange o território do Bra-sil, da Bolívia e Peru, composta, em essência, pelo rio Guaporé (Brasil), Mamoré (Brasil e Bolívia), Bene (Bolívia) e Madre de Dios (Peru) e seus afluentes, o que significa, provavelmente, que o impacto gerado em um dos pontos da Bacia terá reflexo ao longo de sua extensão.

Nesse sentido, sobre as licenças ambientais, o governo boliviano tem manifestado sua preocupação com o descaso sobre a fiscalização dos pro-jetos, inclusive apresentando questionamento sobre a expedição, pelo IBA-MA/RO, da licença prévia (LP) e a licença de instalação (LI) para a cons-trução das usinas de Jirau e Santo Antonio, cujas águas do Rio Madeira nascem em território boliviano.

A preocupação é com o possível impacto para a Bolívia com a cons-trução do Complexo do Madeira, uma vez que, alterada a dinâmica do rio alterar-se-ia também a dinâmica da vida da população que depende do rio. A mudança no meio ambiente, no fluxo das águas, na área pesqueira, as áreas de alagamento com a possível proliferação de malária, são fatos que apresentariam reflexos em território boliviano. Quanto a área alagada em território boliviano, por exemplo, Philip Fearnside (apud CARPIO) apre-senta as seguintes considerações:

Mesmo que o efeito de sedimentação seja ignorado, a água do reservatório

de Jirau afetaria a Bolívia... A sedimentação também elevará o nível do

leito fluvial do Madeira na altura da boca do Rio Abunã, criando assim um

efeito de represamento que elevará os níveis de água no Rio Abunã. Este

rio é binacional, formando parte da fronteira entre o Brasil e a Bolívia.

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Integração Sul-Americana: desafios e perspectivas

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Não foram incluídos efeitos nele, nem nos estudos de viabilidade e nem

nos relatórios do EIA e Rima. Além disso, isto se refere ao nível operacio-

nal normal, embora o máximo maximorum estaria em 92 m sobre o nível

médio do mar, assim implicando que ainda mais inundação na Bolívia

ocorreria quando acontecerem fluxos mais altos que os normais. (Philip

Fearnside apud CARPIO, 2008, p.58)

O rio não conhece fronteiras. O impacto não se restringe somente a uma margem ficando a outra intacta. A integração, nesse sentido, pode ser pro-motora de conflitos e não de mais estabilidade na região. De acordo com Garzon (2009), o governo brasileiro tem negado a possibilidade de qualquer impacto das usinas em território boliviano. As negociações bilaterais, que requerem compromissos assumidos pela diplomacia brasileira não prevêem “detalhamento operacional para o cumprimento das metas estabelecidas”.

Em acordos e princípios regulados por organizações internacionais para o uso dos recursos e da biodiversidade da Amazônia propõem-se uma ex-ploração racional, dentro do ideal de desenvolvimento sustentável e respei-to aos direitos humanos.

O Tratado de Cooperação Amazônica, de que são signatários os três pa-íses do Eixo (Brasil, Peru e Bolívia) afirma em seu artigo 5º:

Considerando-se a importância e a multiplicidade que os rios amazônicos

desempenham no processo de desenvolvimento econômico e social da re-

gião, as partes contratantes procurarão empenhar esforços com vistas à uti-

lização racional dos recursos hídricos. (Tratado de Cooperação Amazônica,

1978)

O principio contido no Tratado revela que o uso racional da bacia ama-zônica pressupõe um consenso entre as partes. Assim, quando positiva, a integração contribui para uma relação amistosa entre os países baseada no diálogo, propondo uma perspectiva de paz e não de desconfiança e insegu-rança.

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Diante desse contexto, o aproveitamento energético do Rio Madeira e suas conseqüências devem ser acompanhadas, verificando-se qual a lógica presente: se a lógica mercadológica ou a lógica da segurança humana7.

O fato é que não se abriu um verdadeiro espaço de debate, um canal de comunicação com os demais Estados, ou seja, as trocas de informações são escassas e os estudos em conjuntos são pontuais. A integração econômica impõe o tempo e o espaço do capital. As questões de segurança e defesa não são esquecidas, só ocorrem em tempo e espaços diferentes o que gera um prejuízo social e político.

A IIRSA e a Integração Política: Conflito ou Coope-ração

Segundo Mariano (2007) o processo de integração está interligado à re-definição do papel do Estado no mundo globalizado diante das redes mun-diais de interação e os novos significados da soberania e redefinição do poder estatal.

A Amazônia, como centro de um processo de integração, compõe a es-tratégia da inserção do Brasil e dos países amazônicos no mundo globali-zado dos mercados. A integração não é um fim em si mesma, mas um meio para promover o desenvolvimento dos países da América do Sul através do aperfeiçoamento de suas estruturas produtivas, com toda a problemática que isso significa conforme demonstrado.

Para a Amazônia não se trata de defender o “desenvolvimento zero”, mas sim de defender o desenvolvimento consciente com base nos princípios que

A Iirsa e a Segurança Regional: Os Reversos da Integração da Amazônia no Eixo Peru-Brasil-Bolivia

7 O conceito de segurança humana é relatado no Human Development Report, que é um Relatório sobre o Desenvolvimento Humano do Programa das Nações Unidas, em 1994. O conceito é centrado na segurança que deve ser proporcionada a pessoa humana, protegendo os indivíduos de ameaças militares e não – militares. Tem como parâmetro a busca pela qualidade de vida conforme os preceitos dos Direitos Humanos.

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são elencados e defendidos nas Organizações Internacionais (UNASUL, OEA, OTCA), ou no que é próprio da América do Sul, relembrando os pressupostos bolivarianos.

O compromisso moral da região é com a integração e é natural que uma estrutura física melhor facilite de alguma forma o desenvolvimento, mas para um desenvolvimento que se prolongue e seja real, não pode haver o esquecimento de quem devem ser os beneficiários desse desenvolvimento.

Os riscos existentes que tornariam os discursos diferentes da prática, distorcendo os objetivos da integração, precisam de uma política de se-gurança e defesa regional e de uma integração política. Em especial, é a articulação da IIRSA com um processo de integração política que permite a vertente econômica ser saudável, sem que ocorram assimetrias no beneficio ou malefícios que se convertem em obstáculo institucional.

A integração política é resultado de um processo dialogado entre as par-tes, pensado em seus princípios e conseqüências, evidenciando um claro posicionamento e vontade política dos Estados envolvidos. A integração política definida desse modo não é o que se verifica na IIRSA. Segundo Couto (2008:8-9) “os países estariam integrando suas infra-estruturas sem ter claro que tipo de desenvolvimento querem – se algo que impulsione o desenvolvimento regional ou que alimente ainda mais o modelo agro--exportador típico da maioria dos países da região.” Em outras palavras, a integração com uma sutileza quase natural e inevitável realiza-se sem que o debate político em questões fundamentais, como o modelo de desenvol-vimento, seja formulado.

Analisar o aspecto político de um processo de integração significa corre-lacionamente entender a relação entre integração e poder, atentando para o fato de que a própria definição de política apresenta-se com o sentido de ser uma ciência que analisa as relações de poder, de tomadas de decisão, tais como explicitada pelo autor Max Weber ou da clássica definição da relação amigo-inimigo, de Carl Schimitt.

Para uma melhor conceituação do termo “integração política”, Felix Peña destaca dois aspectos. Primeiro, é o caráter externo decorrente da re-

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lação de poder entre os países. Para o autor, devem-se considerar as assi-metrias existentes entre os Estados. No caso da IIRSA, a possível relação hegemônica do Brasil para com os dois vizinhos, Peru e Bolívia, deve ser considerada. Segundo, a relação de poder dentro do Estado, verificando-se o impacto interno causado pelo compromisso assumido com o processo de integração e qual a importância aferida pelo Estado a esse processo. Uma das questões pertinentes seria, portanto, qual a importância e significado da IIRSA para cada um dos países envolvidos, em especial, internamente.

Com relação ao primeiro ponto, indicativos apontam que as relações bilaterais Brasil-Peru e Brasil-Bolívia podem ser permeadas de entraves, desconfianças devido a relação de hegemonia visualizada no debate que envolve as principais obras de infra-estruturas do eixo.

No caso da Hidrelétrica do Madeira, como já abordado, existem ques-tionamentos do governo boliviano sobre os possíveis impactos da cons-trução das hidrelétricas de Jirau e Santo Antonio em seu território. Qual a preocupação com os impactos, em território boliviano, das construções que se efetivam em território brasileiro? E a preocupação internacional com a preservação dos recursos naturais e ambientais? A postura do go-verno brasileiro de negar ou minimizar os riscos a que estão expostos o povo e o território boliviano, sem um estudo detalhado e consensual, é questionável.

Entende-se que o projeto é tratado em território brasileiro como decisão absolutamente soberana. Neste caso, o diálogo sobre problemas e coope-ração transfronteiriça é menorizado. Não se quer com isso afirmar que o Estado não detenha a soberania sobre o seu território, mas que a soberania no direito internacional da ordem mundial pós Guerra Fria, corresponde a decisões que consideram a responsabilidade de todos no que se refere aos direitos humanos e respeito aos povos. Que tipo de responsabilidades poderia o Brasil assumir com os países vizinhos? A resposta é incerta, uma vez que a omissão em segurança e defesa passa a compor os compromissos regionais de integração.

Na relação Brasil-Peru as desconfianças também permeiam as relações

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entre os países. Leonel (2008) relata a preocupação peruana com as rela-ções assimétricas na construção da estrada do Pacifico.

Perguntado sobre o impacto da integração viária com o Brasil, José Del Ma-

estro, presidente da Frente de Defesa de Madre de Dios, respondeu à revista

Sur, de Cuzco: “Este projeto pode chegar a realizar-se, mas em igualdade

de condições. Não podemos, por uma estrada, asfaltada ou não, hipotecar

nossos recursos naturais. Todos sabemos as intenções que tem o Brasil. So-

mos vizinhos a um país irmão, a Bolívia, com quem podemos compartilhar

quase a mesma estrutura econômica. Mas não com o Brasil, que é um país

hegemônico” (Leonel, 2008: 234).

Zevallos (1993) também demonstra preocupação com o significado que o Peru tem para o Brasil para além de uma estrada, ou melhor, de uma rota mais curta para o Pacifico. O autor questiona dessa forma o quão fecundas são as relações entre os dois países. Na fala do presidente Lula os projetos de integração em curso (em especial a rodovia do pacifico) comprovariam que os séculos de distanciamento entre os dois países ficaram para trás, afirmando que chegava ao fim o fato de que “nem o Peru enxergava o Bra-sil, nem o Brasil enxergava o Peru”8. Cabe a pergunta será que os países realmente se enxergam hoje?

Na definição de empreendimentos “binacionais” como a Rodovia do Pacífico - Brasil e Peru - e Complexo do Madeira – Brasil e Bolívia - a ausência de um acordo político resulta em um processo de interdependência que não é sinônimo nem de integração, nem de desenvolvimento regional.

Outras variáveis políticas também podem dificultar o processo de inte-gração como as assimetrias econômicas e sociais entre os países e, também

8 Diário da Amazônia. Brasil e Peru anunciam ligação rodoviária. Online, 14/12/2009. Disponível em: <http://www.diariodaamazonia.com.br/diariodaamazonia/index2.php?sec=News&id=1532>. Consultado em maio de 2010.

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ou em conseqüência disso, a instabilidade política e o grau de funcionamen-to da democracia. Cabe salientar que a integração política é uma integração democrática. A democracia é o regime político que condiz com os ideais do diálogo, cooperação, respeito mútuo, entre outros. Esta deveria ser o elemento capaz de promover uma integração forte e estável, atendendo ao objetivo final a que se propõe a IIRSA. No entanto, o contexto da América Sul é de democracia instáveis marcadas por crises econômicas que geram significados políticos, como altos índices de percepção da corrupção e des-confiança nas instituições políticas e sociais (congresso, partido político, sistema judiciário), sendo as realidades da Bolívia, Venezuela e Colômbia especialmente consideráveis na avaliação midiática.

No mais, a princípio vale salientar que o diagnóstico de fragilidade dos processos de integração da América do Sul é em alguma medida previsível. Mariano (2007:137), por exemplo, destaca que “em alguns momentos, a participação em um processo de integração é mais importante que os seus resultados concretos”. O processo de integração tem inicio, essa é uma par-ticipação política importante, que independe, na visão dos Estados, sobre a sua efetivação e responsabilidades.

A integração pelo desenvolvimento, para ser viável, deve pressupor a integração política que nesse sentido significa em essência comportar a co-operação, o dialogo e o olhar da população tradicional da Amazônia. Na corrente de uma neointegração, a lógica é a do mercado, do capital privado, cabendo ao Estado intervir e dialogar para garantir que o lado social não seja menosprezado.

Até o momento, contudo, a integração regional Brasil-Peru-Bolivia tem como foco o âmbito econômico de que a rodoviária interoceânica Atlânti-co-Pacífico e a “integração energética” são exemplos e na qual o diálogo político não compõe a estratégia de integração na região da Amazônia, sendo apenas instrumento de discursos demagógicos do capital.

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Considerações Finais

No encerramento da I Reunião de Presidentes da América do Sul (Cú-pula de Brasília), que institucionaliza a IIRSA, no ano 2000, o Presidente Fernando Henrique Cardoso9 profere um discurso em que a perspectiva da Iniciativa da integração através dos projetos de infraestrutura e coordena-ção macroeconômica é apresentada, implicitamente, como uma forma que conduzirá ao “ambicioso objetivo” de livrar a região de mazelas sociais.

A mesma idéia de que uma melhoria de infraestrutura apresenta benefí-cios para a sociedade e melhoria nas condições de vida da população está presente na fala do então presidente da Federação das Indústrias do Estado de Rondônia (Fiero), Miguel de Souza, em viagem na caravana da Integra-ção Brasil-Peru-Bolívia em 1992, quando expressa a sua opinião sobre a perspectiva de desenvolvimento da região com relação ao custo do empre-endimento da estrada do Pacífico.

Só o fato de trazer perspectivas de melhorias de vida para o povo dessa

região, sem considerar as vantagens econômicas que dela poderão advir, já

justificaria o volume de recursos a serem aplicados na construção da Transo-

ceânica. (Miguel de Souza, 1993:32)

No entanto, para que a integração promova o desejo de uma sociedade com melhores condições de vida, deve ser concebida como um processo multifacetário, compondo um compromisso entre os países para a popu-lação daquela região. Herz e Hoffman (2004:168) definem a integração regional como “um processo dinâmico de intensificação em profundidade e abrangência das relações entre os atores levando à criação de novas formas

9 Ver: Documentos da IIRSA – Primeira Reunião de Presidentes da América do Sul. Dis-ponível em: <http://www.iirsa.org/HistoricoReunionesPresidencialesyMinisteriales.asp?CodIdioma=ESP> Consultado em: junho de 2010.

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de governança político-institucionais de escopo regional”. Nesse sentido a integração reforça os laços políticos entre os países,

provocando uma harmonização de seus ideais político-econômicos, tradu-zindo-os em tratados internacionais nas mais diversas áreas. A integração é uma dinâmica diferenciada da cooperação. A cooperação refere-se a uma estratégia contextualizada e específica, de caráter mais restrito, que pode ser alterado com menores custos econômicos e políticos sendo, portanto, mais flexível. A cooperação é ainda condicionada por uma preocupação marcante com a soberania.

A integração, por outro lado, refere-se a um processo mais amplo, que envolve novas unidades ou entidades políticas, na qual os custos para aban-donar o processo tende a ser mais alto. Sendo assim, acordar com um pro-cesso de integração produz ao Estado um impacto político maior, ou seja, um grau maior de comprometimento do que o verificado em um processo de cooperação.

Integrar é um processo múltiplo e de relações profundas. O descom-passo existente entre a integração política entre os países e a integração econômica fomentada pela dinâmica que surge da imposição do sistema econômico global, produz impactos sociais e culturais, bem como proble-mas transnacionais que revelam a conjuntura dos reversos da integração da Amazônia. Não se pode integrar somente o físico, a aparência, trata-se de compartilhar um projeto e responsabilidades sociais. O discurso do “inte-grar e desenvolver” é a construção de uma expressão ideológica do lema do progresso e da competitividade. A medida é ter claro como esse projeto de desenvolvimento vai resolver e não causar maiores problemas.

Os benefícios imediatos do projeto da IIRSA mescla, na região amazôni-ca, os “sonhos” do desenvolvimento com os riscos de uma integração que subestima o diálogo político e as questões de segurança e defesa. Há de se averiguar de que modo os Estados dialogam e cooperam para solucionar os riscos derivados da construção de rodovias, hidrelétricas, portos e analisar se as políticas sociais e de segurança estão sendo discutidas e harmoniza-das. Nos interesses nacionais de cada um dos países envolvidos minimizar

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as desconfianças sobre as possíveis assimetrias e projeções hegemônicas. As fronteiras em uma região integrada constituem um espaço de grande

fluxo de interações, no qual é difícil demarcar com um traçado imaginário onde começa uma soberania e termina a outra. São zonas de cooperação com recursos humanos, culturais e econômicos importantes. Diferentemen-te, portanto, de uma concepção de fronteira em Estados nacionais que não buscam a integração. Neste caso, a fronteira possui a definição clássica de uma linha que separa dois Estados, tendo cada um dos lados características e necessidades específicas.

As fronteiras da Amazônia são ainda, em sua maioria, espaço isolados de difícil acesso e baixa densidade demográfica. Fronteiras que ao longo dos séculos - Peru-Brasil-Bolívia – pouco dialogaram. A relação do Brasil com os dois países em questão são escassas e pontuais. Com a Amazô-nia transformando-se no foco de uma política externa, somente uma visão de segurança regional pode minimizar as desconfianças impedindo que as fronteiras se acirrem ao invés de se afrouxarem.

Em suma, um projeto de infraestrutura não é capaz por si só de promo-ver o desenvolvimento político e social dos países. É um passo que adquire validade somente quando acompanhado de uma reflexão sobre os benefici-ários das obras enquanto distribuição de renda, qualidade de vida e respeito a dignidade da vida humana. A segurança regional da Amazônia refere-se a essas dimensões conduzidas de maneira compartilhada e responsável pelos Estados.

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Uma das abordagens mais recorrentes da ciência política acerca da Bo-lívia tem sido sua frequente instabilidade política e suposta falta de insti-tucionalização adequada, combinadas ou não com as perspectivas ou sua ausência de consolidação democrática no país (ver, por exemplo, CRAB-TREE; WHITEHEAD, 2001; GUIMARÃES ET AL., 2005). O Failed Sta-tes Index, elaborado anualmente pela revista Foreign Policy, por exemplo, coloca a Bolívia em 2010 como o 53º Estado mais fracassado do mundo com uma pontuação de 84,91 e o estudo clássico feito por James Malloy (1970) acerca da Revolução de 52 considera como seu principal fracasso a incapacidade de construir uma institucionalidade sólida. Desde a inde-

A Bolívia e os desafios da integração regional: crise de hegemonia, instabilidade e refundação institucional

A Bolívia e os desafios da integração regional: crise de hegemonia,

instabilidade e refundação institucionalClayton M. Cunha Filho1*

João Paulo S. L. Viana*

1 Quanto menor o número, mais bem-sucedido e estável é o país. A Noruega, por exemplo, classificada pelo mesmo índice como o Estado mais bem-sucedido, tem uma pontuação de 18,7 e a Somália, o mais fracassado, tem um índice de 114,3.

* Doutorando em Ciência Política pelo Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Univer-sidade do Estado do Rio de Janeiro (IESP-UERJ), ex-Iuperj. Pesquisador do Observatório Político Sul-Americano (OPSA/IESP-UERJ) e do Observatório das Nacionalidades (ON/UFC).* Mestrando em Relações Internacionais na América do Sul pelo Centro Brasileiro de Estu-dos Latino-Americanos (CEBELA-RJ). Professor da Faculdade de Rondônia (FARO) e da União das Escolas Superiores de Rondônia (UNIRON). Pesquisador do Observatório das Nacionalidades (ON/UFC).

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pendência aos dias atuais, 83 presidentes chegaram ao poder, dos quais 36 duraram menos de um ano (ver MESA GISBERT, 2006; SIVAK, 2008) e guerras contra países vizinhos acarretaram ao longo dos anos em perdas territoriais significativas, como a saída ao mar para o Chile na Guerra do Pacífico (1878-83), o território do Acre para o Brasil (1899-1902) e a região do Chaco Boreal ao Paraguai (1932-35). De ocupação geográfica central no continente e possuidora de cinco tríplices fronteiras, a Bolívia possuiria um papel natural no processo de integração sul-americano que é, no entanto, frequentemente frustrado em suas promessas por essa instabilidade e por feridas mal cicatrizadas do passado.

De fato, em 2005 a Bolívia parecia viver “uma crise que se recusa a ceder” (GUIMARÃES ET AL., 2005), retratando o ápice de uma crise de hegemonia no modelo político de Democracia Pactuada inaugurado após a redemocrati-zação. Após um período de caos e instabilidade, evidenciado pelas “guerras” da água e do gás e o total de quatro presidentes em cinco anos, o quinquênio 2000-2005 chegou ao fim com a eleição de Evo Morales à presidência pelo Movimento ao Socialismo – MAS. A chegada ao poder de seu primeiro presidente indígena abriu caminho em direção a uma nova ordem institu-cional e despertou a expectativa da maioria absoluta dos bolivianos, que ob-serva nele a liderança política capaz de encabeçar o processo de mudança.

A promulgação da nova constituição do com ela rebatizado Estado Plu-rinacional da Bolívia2 em 07 de fevereiro de 2009 marca um importante momento do “proceso del cambio” promovido pelo governo de Evo Mo-rales. Por um lado, pode ser visto como o desfecho favorável desta que sem dúvidas figurou entre as principais demandas do movimento social contemporâneo no país e entre as prioridades políticas do governo após longo e conturbado percurso (ver, por exemplo, CUNHA FILHO, 2008; INTERNATIONAL CRISIS GROUP, 2008). Por outro, representa apenas uma condição necessária, o início de um possivelmente ainda mais longo

2 Anteriormente República da Bolívia.

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processo de construção estatal que, esperam seus promotores, poderá dotar a Bolívia de um Estado sólido e funcional ou, nas palavras do próprio Mo-rales, “um Estado de verdade” (apud. SIVAK, 2008).

Este texto se propõe precisamente a analisar mais de perto o fenôme-no da instabilidade política boliviano, entendendo-o como um sintoma da maneira como o Estado boliviano foi construído e que uma vez superado poderia destravar o imenso potencial do país nos processos de integração regional. Num contexto de fragmentação política, econômica e social, fun-dada na exploração de riquezas minerais pelo colonizador espanhol, no do-mínio oligárquico expresso pela concentração da terra na mão de poucos e no preconceito e exclusão do indígena pela minoria branca, a partir do início do século XXI a Bolívia defronta-se com a emergência de um novo modelo político de inclusão, baseado, sobretudo, na participação popular e na ampliação dos direitos sociais e políticos às comunidades indígenas originárias e na retomada e atualização do projeto social e econômico en-saiado pela Revolução de 52. Para tanto, começamos nossa análise pelo período da redemocratização e seu modelo de Democracia Pactuada que, ao contrário do foco recente na crise e no caos, recebeu elogios por sua estabi-lidade e governabilidade (ver, por exemplo, HOFMEISTER, 2004) até seu colapso por muitas das mesmas razões pelas quais era inicialmente saudado (ver PACHANO, 2006). Em seguida retrocedemos no século XX boliviano analisando alguns pontos-chave da construção do Estado no país e sua inca-pacidade de enraizar-se de maneira e estável para, por fim, concluir tecendo algumas considerações sobre a natureza do Estado na Bolívia e como as tentativas por sua refundação nos governos de Evo Morales afetam o tema.

1. Democracia Pactuada, ajuste neoliberal e crise hegemônica

Após confuso e tenso processo de saída da ditadura militar no final dos anos 1970 e início dos 1980 (ver DUNKERLEY, 1984; WHITEHEAD, 1986), a Bolívia finalmente retorna à democracia em 1982 com Hernán

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Siles Suazo que no que pese o seu rotundo fracasso econômico, faz um go-verno marcado pela busca da consolidação das instituições democráticas e que deixa como legado uma reforma constitucional, mudanças nos critérios de nomeação de ministros para a Corte Suprema de Justiça, a criação de um tribunal constitucional e, sobretudo, modificações substanciais na lei eleitoral, o que garantiria a efetivação de eleições justas, diminuindo dras-ticamente a fraude e a corrupção eleitoral.

O amadurecimento da democracia boliviana pode ser observado na pas-sagem regular da faixa presidencial de Siles Suazo a Paz Estenssoro, em 1985, até a transição entre Sanchez de Lozada e Hugo Banzer, em 1997. Durante esse período, os governos se sucederam normalmente, sem qual-quer ruptura institucional3 e se inaugurava o período conhecido como “De-mocracia Pactuada”, devido ao fato de que os presidentes se elegiam a partir de maiorias menores que a absoluta de votos (ou mesmo com uma minoria destes, ver Tabela 1) e governavam a partir de acordos entre os partidos no Congresso, chegando o regime boliviano do período a ser por isso classifi-cado pela Ciência Política como de semipresidencialismo.

3 Poucas tentativas de golpes foram registradas nesse período. Um dos episódios mais co-nhecidos é o sequestro de Siles Suazo em 1985, encabeçado por militares. Entretanto, a tentativa golpista não logrou êxito e os militares golpistas acabaram presos.

Tabela 1: Resultados Eleitorais Pós-redemocratização (1982-2005)

1980* 1985 1989 1993 1997 2002 2005

Candidato Eleito

(Partido)

Votação Nacional

Hernán Siles Zuazo

(UDP)

38,74%

Victor Paz Estenssoro (MNR)a 30,36%

Jaime Paz Zamora (MIR)b

21,82%

Sánchez de Lozada (MNR) 35,55%

Hugo Bánzer (ADN) 22,26%

Sánchez de Lozada (MNR 22,46%

Evo Morales (MAS) 53,74%

Fonte: Elaboração própria a partir de dados disponíveis em MESA GISBERT, 2006.

* Devido ao golpe militar encabeçado por Luis García Meza, o presidente eleito somente tomaria posse em 1982. a Segundo colocado no sufrágio popular. b Terceiro colocado no sufrágio popular.

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Além da normalização nas sucessões democráticas, o período é tam-bém fortemente marcado pelo forte ajuste neoliberal executado por Paz Estenssoro em 1985. Iniciado com a promulgação do decreto 21.060, ele encerrava um ciclo de políticas econômicas e estruturais iniciadas com a Revolução de 52 que havia evoluído para uma situação de disfuncionalida-de e caos econômico. De imediato, a busca pela estabilidade monetária e o controle inflacionário eram os principais pontos a serem alcançados através de medidas para a redução do déficit fiscal e dos gastos estatais, a efetiva-ção de uma reforma tributária e a abertura econômica, além da substituição do peso pelo boliviano, como nova moeda do país. As medidas adotadas permitiram a reaproximação do país com o FMI, o que acarretou direta-mente na reabertura de crédito e na possibilidade de novos acordos para a renegociação da dívida externa.

As mudanças estruturais na economia foram acompanhadas pelo colap-so na cotação mundial do preço do estanho, o que acarretaria na queda dos salários e no aumento do desemprego. Em agosto de 1986, a demissão de milhares de trabalhadores da estatal COMIBOL daria início a uma nova cri-se. Milhares de mineiros marcharam de Oruro a La Paz reivindicando a per-manência no emprego. Num clima de tensão, o governo decretaria estado de sítio, enviando o exército para conter a multidão. Após muita negocia-ção, os mineiros cederam às medidas governamentais evitando o confronto direto com as tropas militares. O episódio marca o declínio do movimento sindical boliviano, dando impulso a outras formas de organização de cunho étnico e coorporativo, como entidades de camponeses indígenas até os co-mitês cívicos regionais.

Do ponto de vista econômico, o ajuste estrutural iniciado por Paz Es-tenssoro, mantido pelos sucessivos governos e aprofundado por Gonzalo Sánchez de Lozada (1993-1997), obteve sucesso no controle da inflação e estabilização macroeconômica, mas resultou em um baixo crescimento médio e em baixa geração de emprego e renda que foram incapazes de dar resposta à crônica pobreza e desigualdades do país, tendo-os mesmo em grande medida aprofundado. O sistema, tão aclamado por sua estabilidade

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e capacidade de gerar governos a partir de consensos entre os principais partidos (ver HOFMEISTER, 2004) começa a dar sinais claros de incapa-cidade de processar as demandas sociais e mesmo de incompatibilidade aguda com sua sociedade civil a partir do governo de Hugo Banzer (1997-2001). O aumento nos conflitos sociais, em especial com os sindicatos co-caleiros pelo aumento na repressão e erradicação de cocais, e o episódio conhecido como Guerra da Água de 2000, que forçou o governo a reverter a privatização do sistema de abastecimento de água de Cochabamba de-vido à pressão popular marcam o início de uma grave crise hegemônica no modelo de Democracia Pactuada que levaria cinco anos por começar a solucionar-se.

Motivada pela privatização do sistema de abastecimento d’água da ci-dade de Cochabamba a um consórcio liderado pela empresa californiana Bechtel, durante a presidência constitucional de Hugo Banzer, a Guerra da Água consistiu de amplos protestos que uniram diversos setores sociais (agricultores, ambientalistas, trabalhadores urbanos, setores da classe mé-dia, associações de vizinhos, estudantes, sindicatos de professores entre ou-tros) em torno da Coordenadora de Defesa da Água e da Vida.

Após violentos confrontos com as forças de segurança, a Coordenadora obteve a reversão do projeto de privatização, mas, para além da vitória dos movimentos então sublevados frente ao Estado, sinalizando o início de um processo de enfraquecimento cada vez maior da ordem instaurada em 1985, o caráter mais importante da Guerra da Água reside no fato de que começou ali um processo de consolidação de uma agenda política alternativa ampla. Agenda que, no decorrer da conturbada conjuntura que atingirá seu ápice em 2003 e prosseguirá até pelo menos as eleições antecipadas de 2005, logrará aglutinar aos diversos setores descontentes em um projeto contra--hegemônico de alcance nacional.

Um importante elemento de aglutinação das massas que participaram do movimento foi o caráter transversal do elemento em disputa, a água e seus custos, afetando igualmente a todos como uma espécie de salário indireto para além das diferenças de classe e ocupação dos setores que o compuse-

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ram (GARCÍA LINERA, 2008a, p. 299; VARGAS; KRUSE, 2000). Além disso, em alguns momentos a Coordenadora chegou a controlar o poder e a soberania territorial de facto, atuando como uma espécie de protoestado alternativo (ainda que limitado) que operava através de formas próprias de legitimidade como assembleias abertas, ação política direta etc. Isto levou seus membros ao longo da radicalização do movimento no embate contra o Estado constituído a extrapolar as demandas pela reversão da privatiza-ção da água (demandas defensivas, de restauração do status quo ante) por demandas políticas de criação de novos direitos e alteração da institucio-nalidade (demandas ofensivas) cujo ápice seria a convocação de uma As-sembleia Constituinte (GARCÍA LINERA, 2008a; HYLTON; THOMSON, 2007; TAPIA, 2008; VARGAS; KRUSE, 2000).

Embora a bandeira de convocação de uma constituinte remonte à histó-rica Marcha por Território e Dignidade empreendida pelos povos indígenas da Amazônia e terras baixas do oriente de Trinidad a La Paz em 1991, foi a partir da Guerra da Água que a demanda começou a se consolidar como um elemento central dos setores descontentes. Já nas eleições presidenciais seguintes, de 2002, a demanda seria parte importante da agenda eleitoral, seja como promessa de campanha ou negação de sua necessidade pelos candidatos em disputa, e no ano de 2003 atingiria sua consolidação defini-tiva na próxima guerra, a do gás.

A importância da Guerra da Água na construção da conjuntura que per-mitiria a ascensão de Evo Morales e do MAS é inegável ainda que ambos não tenham tido nenhum papel de especial destaque naquele protesto espe-cífico. O caráter “didático” da vitória frente ao governo serviu de estímulo aos cocaleiros em sua resistência contra as políticas de erradicação da coca, reforçadas, como nunca antes, durante o mandato Banzer – Quiroga4 (1997-

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4 Convalescente de um câncer no pulmão, Hugo Banzer renunciou à presidência em 2001 e foi substituído por seu vice, Jorge Quiroga, que concluiu o mandato.

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2002), através de bloqueios de rodovias que se repetiram várias vezes en-tre 2000 e 2003. Outros movimentos sociais independentes (e por vezes mesmo rivais do MAS), como os aimarás liderados por Felipe Quispe no altiplano de La Paz, também seguiam o exemplo bloqueando em ações por vezes (mais ou menos) coordenadas com os cocaleiros do Chapare, por vezes independentes, mas cada vez mais frequentes que deixavam clara a situação de profunda crise política por que passava o país.

Quando das eleições de 2002, Morales era já um líder político importan-te no país e sua quase vitória naquelas eleições (obteve 20,94% dos votos frente aos 22,46% do ganhador) confirmou sua posição pivotal bem como a de seu partido (MAYORGA, 2007). Quando, em 2003, estourou a Guerra do Gás, Morales e o MAS tampouco a lideraram, mas puderam colher os frutos de mais uma importante acumulação dos setores populares e canali-zar posteriormente as energias de protesto e indignação através dos canais institucionais de transformação política (HYLTON; THOMSON, 2007).

A Guerra do Gás de 2003 marca o auge dessa conjuntura de efervescên-cia revolucionária na interpretação de Forrest Hylton e Sinclair Thomson (2007) e de James Dunkerley (2007); de descolamento entre poder consti-tuinte e poder constituído, segundo Luis Tapia (2008); de empate catastró-fico, segundo Álvaro García Linera (2008b); de instabilidade institucional, segundo Fernando Mayorga (2007). Como quer que se queira chamá-la, o mais importante e inegável é que o conflito marca um ponto de inflexão definitivo na política boliviana pós-democratização, o colapso dos partidos políticos tradicionais até bem pouco tempo dominantes no monopólio da representação e intermediação política e a consolidação de um projeto po-lítico alternativo de ampla convocatória cristalizado na Agenda de Outubro (em referência ao mês em que se deram os mais violentos confrontos da Guerra do Gás e a renúncia do então presidente Sánchez de Lozada) e que mais tarde seria apropriado pelo MAS e pelo governo de Evo Morales: na-cionalização do gás e demais recursos naturais, convocação da Assembleia Constituinte, punição aos responsáveis pelas mortes do “Outubro Negro”.

Além disso, o modus operandi dos atores repetiu, em grande medida,

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os acontecimentos da Guerra da Água (ações decididas em assembleias de participação aberta, atuação em redes flexíveis, intervenção direta e inclu-sive a criação de um Coordenadora pela Defesa e Recuperação do Gás), atestando a importância didática daquele evento na conformação dos novos horizontes do possível no atuar político boliviano. Além disso, certamente, o caráter vitorioso daquela jornada de lutas deve ter alimentado o moral dos “guerreiros do gás” a avançar até a vitória como os da água que os precederam.

A Guerra do Gás fora antecedida em fevereiro de 2003 por um motim policial motivado pela criação pelo governo de novos impostos destinados a cobrir o déficit orçamentário e que terminou em confrontos entre a polícia e o exército com saldo de 29 mortos, 205 feridos, a suspensão dos impostos criados, o apedrejamento do palácio presidencial e o incêndio da sede da vice-presidência por populares e o aumento da sensação de falta de legiti-midade do novo governo eleito apenas alguns meses antes.

Em setembro de 2003, o princípio do fim veio em protestos simultâ-neos contra a prisão de um líder indígena acusado de assassinato, contra a erradicação de cocais na região de Yungas e contra impostos municipais em El Alto, todos incluindo bloqueios de rodovias e barricadas que deixa-ram a capital e quase todo o departamento de La Paz incomunicáveis. Ao mesmo tempo, rumores de que o governo estava por concretizar acordos de exportação do gás natural aos EUA através de portos chilenos começaram a circular e demandas pela suspensão dos acordos e pela industrialização do gás na própria Bolívia começaram a ser agregadas ao caldo de cultura de descontentamento que se formava. Quando o ministro da Defesa, Carlos Sánchez Berzaín, conhecido como “a raposa”, ordenou o envio das forças armadas em 20 de setembro para “libertar” um grupo de turistas que ficara ilhado pelos bloqueios de estradas em Sorata, causando a morte de 4 cam-poneses, estavam criadas as condições para a eclosão da Guerra do Gás.

Os protestos foram se radicalizando, com chamadas à ocupação de terras pelo Movimento Sem-Terra boliviano, a conclamação de greve geral pela Central Operária Boliviana (COB), novos bloqueios de estradas no departa-

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mento de La Paz e no departamento de Cochabamba e pedidos de renúncia do presidente e cancelamento dos planos de exportação do gás via Chile. A decisão do governo de utilizar a força para romper os bloqueios e dispersar os protestos foram deixando mortos e feridos. Em vez de conseguir dissi-par o movimento e restabelecer a ordem, fazia com que aumentasse a fúria popular contra o presidente e a radicalização dos protestos. Novamente, configurava-se uma rede de protesto ampla na qual, apesar da Federação de Juntas Vicinais (FEJUVE) e a Central Operária Regional (COR) de El Alto poderem, com alguma credibilidade clamar para si algum papel de desta-que, nenhum grupo tinha efetivamente liderado os protestos. Trabalhadores fabris, mineiros, camponeses, indígenas, cocaleiros, classe média e mesmo alguns setores das Forças Armadas que nos momentos finais da Guerra do Gás se recusaram a seguir as ordens do presidente e utilizar força letal para deter os mineiros que marchavam rumo à capital tiveram papel importante no movimento em ações muitas vezes espontâneas e descoordenadas e sem uma liderança de vanguarda a orientar os próximos passos. Quando Sán-chez de Lozada finalmente renunciou em 17 de outubro, deixou um saldo de 112 mortos em 14 meses de governo e o fim efetivo (se ainda não o ofi-cial) do sistema político inaugurado em 1985 por Paz Estenssoro.

É possível especular, dada a magnitude dos eventos de outubro de 2003, que o desfecho não tenha sido uma “revolução clássica”, com a tomada de poder pelas massas insurrectas por dois fatores principais. Em primei-ro lugar, pela presença de um vice-presidente, Carlos Mesa, que já havia demarcado sua distância do presidente antes do desfecho final e que, por sua trajetória intelectual e por não ser filiado a nenhum partido político, podia clamar com alguma credibilidade representar uma alternativa viá-vel de transição institucional com mudança significativa. E em segundo lugar, pelo papel jogado por Evo Morales e pelo MAS, com sua respeitável bancada de 35 congressistas (27 deputados e 8 senadores) e que, ao longo das jornadas de outubro, atuou como um elemento moderador de apoio à institucionalidade democrática em uma provável estratégia de médio prazo em que se antevia como o herdeiro natural dos votos de descontentes nas

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próximas eleições.Conforme analisado pelo cientista político Fernando Mayorga (2007), o

MAS tem por marca um discurso radical que lhe permite colher os frutos das conjunturas de protestos, colocando-se de maneira bem-sucedida como uma espécie de representante dos movimentos sociais e de suas demandas dentro do Estado, ao mesmo tempo em que tem uma atitude prática prag-mática e bem mais moderada que sua retórica que lhe permite encaixar-se dentro do processo institucional. Assim, quando da renúncia de Sánchez de Lozada, Morales e o MAS colocaram-se a favor da transição constitucional do mando presidencial ao então vice, Carlos Mesa, exigindo-lhe no entanto a atenção das demandas da Agenda de Outubro.

A aliança tácita entre Mesa e Morales (MAS) garantiu-lhe apoio político suficiente para o início de seu governo sem o respaldo de uma máquina par-tidária própria e a barganha de cargos entre a base de apoio no congresso, fato inédito até então, e certa trégua inicial com os movimentos sociais que haviam participado de uma ou outra forma da recente Guerra do Gás. O tema da nacionalização dos hidrocarbonetos bolivianos e da convocação da Assembleia Constituinte mobilizavam amplos debates ao longo do país. Mesa, que havia prometido cumprir com as demandas da Agenda de Ou-tubro em seu discurso de posse, mudara um pouco de atitude com relação aos temas, adotando posições mais moderadas. Em fevereiro de 2004, pro-mulgou uma reforma constitucional que incorporava alguns mecanismos de democracia participativa, como a convocação de referendos, e se bem in-corporava no texto constitucional a possibilidade e os procedimentos para a convocação de uma constituinte, não chegou a propriamente convocá-la. E utilizando-se do novo mecanismo de referendo recém-constitucionalizado, Mesa convocou para julho uma consulta vinculante sobre o tema dos hi-drocarbonetos que não contemplava a possibilidade de nacionalização dos mesmos, o que, segundo ele, seria tecnicamente inviável e afugentaria in-vestidores estrangeiros do país.

O referendo convocado continha cinco perguntas. A primeira indagava sobre a necessidade de alterar a lei de hidrocarbonetos; a segunda sobre

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o Estado ter direitos sobre os hidrocarbonetos após sua extração do solo; a terceira sobre a necessidade de restabelecer a estatal YPFB como con-troladora da cadeia de exploração do setor; a quarta se o Estado deveria utilizar o gás como estratégia para recuperar sua saída soberana ao mar; e a quinta sobre se o gás deveria ser exportado mediante o pagamento pelas multinacionais de impostos de 50% sobre os lucros e com o investimento dos recursos arrecadados em saúde, educação e infraestrutura. Muitas das organizações que participaram da Guerra do Gás (FEJUVE, COB, Coor-denadora...) chamaram ao boicote puro e simples do referendo, enquanto Morales e o MAS chamaram ao voto “Sim” às três primeiras perguntas e ao “Não” às duas últimas. O resultado foi uma abstenção de cerca de 40%, dando argumentos aos que pregaram o boicote para se julgarem fortaleci-dos, a vitória do “Sim” a todas as cinco perguntas, dando argumentos de vitória ao presidente Mesa, e uma quantidade significativamente menor de votos pelo “Sim” nas últimas duas perguntas, confirmando o poder de con-vocatória do MAS (ver MAYORGA, 2007). A postura do presidente frente ao tema, entretanto, ocasionou o rompimento da trégua concedida pelos movimentos sociais e da aliança tácita com o MAS, ocasionando o retorno de protestos e bloqueios em 2005.

Em janeiro, capitaneados pela FEJUVE, os habitantes de El Alto força-ram a revogação do contrato de fornecimento de água com a francesa Suez e bloqueios foram retomados em março diante das tentativas do presidente em adiar a saída da companhia, desta vez contando com o auxílio dos co-caleiros e outros movimentos de Cochabamba. Diante de um país nova-mente paralisado, Mesa anunciou sua renúncia, rejeitada pelo Congresso controlado pela direita, e obteve um fortalecimento momentâneo diante de elites regionais que começavam a reagir e se reagrupar sob a bandeira de autonomias departamentais5 e em rejeição à Agenda de Outubro. Fortale-

5 O Estado boliviano, desde a independência e fundação da República, sempre foi marcado pelo extremo centralismo administrativo. Com a deficiente infraestrutura com que conta-

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cimento que se mostrou uma vitória de Pirro, já que provocou também o reagrupamento da esquerda boliviana e de grupos e líderes muitas vezes rivais, como Morales e o ex-presidente da Central Sindical Única de Traba-lhadores Camponeses da Bolívia (CSUTCB) e líder do Movimento Indíge-na Pachakuti (MIP), Felipe Quispe.

Ao mesmo tempo, discutia-se no Congresso a aprovação da nova Lei de Hidrocarbonetos nos termos do resultado do referendo do ano anterior e aprovou-se, sob forte pressão popular e com a atuação parlamentar do MAS, uma versão diferente ao anteprojeto enviado pelo presidente, que em seguida recusou-se a sancioná-la. Novos protestos massivos exigindo a nacionalização do Gás seguiram-se ao longo do mês de maio e início de junho e Mesa renunciou de vez no dia 7 de junho. Diante de uma linha sucessória que contemplava o presidente do Senado, Hormando Vaca Díez (MIR), seguido pelo presidente da Câmara, Mario Cossío (MNR), ambos amplamente rejeitados pelo conjunto de movimentos sociais sublevados, os protestos seguiram contra a sucessão de ambos. O país permaneceu acéfalo até que em 9 de junho tanto Vaca Díez quanto Cossío renunciaram a assu-mir a presidência, entregue então ao presidente da Corte Suprema, Eduardo Rodríguez Veltzé, a quem caberia convocar eleições antecipadas para de-zembro do mesmo ano.

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va (e em grande medida ainda conta) o país, muitas regiões permaneceram durante muito tempo sob grande isolamento do resto do território, o que por um lado explica parte do recorrente drama boliviano de perda de territórios para os países vizinhos e por outro fez com que a bandeira de maior autonomia administrativa contasse sempre com importante respaldo popular em diversas regiões. Diante da ofensiva popular entre os anos 2000-2005, as elites regionais de Santa Cruz (departamento economicamente mais dinâmico do país), politicamente na defensiva, voltaram a se agrupar e recuperar terreno sob essa bandeira, culpando o centralismo do país por seu subdesenvolvimento e exigindo autonomia para os departamentos, no que ficou conhecido como Agenda de Janeiro (em contraposição à de Outubro já citada). Sobre o histórico das polêmicas sobre a autonomia e suas consequências, ver BARRAGÁN, 2008 e ROCA, 2008. Sobre como a autonomia se tornaria a principal bandeira de mobilização contra o governo Morales, ver CUNHA FILHO, 2008 e 2010.

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Convocadas as eleições, ganhou Evo Morales com inéditos quase 54% (ver Tabela 1) e obteve a maioria absoluta da Câmara de Deputados (73 deputados de 130) e a segunda maior bancada no Senado (12 senadores de 27), confirmando o MAS como o partido mais importante do país e, a essa altura, o único com real enraizamento em todo o território nacional, garantindo-lhe o papel central que hoje ocupa no processo de redefinição institucional do país e que recoloca reais de possibilidades de consolidação de uma nova hegemonia política no país. Mas antes de analisar com mais detalhes o processo de transformação institucional em curso, convém fazer uma pequena digressão e analisar algumas conjunturas históricas que de certa forma seguem influenciando decisivamente o atual momento.

2. A construção do Estado na Bolívia: idas e vindas

O sociólogo René Zavaleta Mercado, certamente o maior intelectual bo-liviano do século XX, descrevia a Bolívia como uma sociedade abigarra-da6, composta por muitas sociedades e civilizações justapostas, com tempos socioeconômicos distintos e onde nenhuma é capaz de impor-se completa-mente sobre as outras. A maneira pela qual se deu a colonização espanhola no que viria a ser a Bolívia explicaria parte da gênese desse abigarramento, pois apesar da brutalidade da conquista os espanhóis em grande medida se adaptaram a formas de governo e extração de excedente econômico das civilizações autóctones pré-existentes em vez de buscar reconstruir pro-fundamente a colônia. Esse modus operandi teria sido seguido em suas linhas gerais após a independência e daí nasceria um “Estado sem nação”, mais aparente que real e incapaz de impor sua soberania em grande parte do território do qual era oficialmente o responsável (ZAVALETA MERCA-

6 Abigarrado, em espanhol, seria traduzido ao português como variegado, feito de retalhos justapostos. Como a tradução parece perder um pouco do sentido original, optamos por manter o termo no original.

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DO, 1986). Essa ausência da nação e essa incapacidade de impor soberania sobre todo o seu território seriam, para Zavaleta, justamente as principais causas das perdas territoriais da Bolívia frente a seus vizinhos: por um lado, pela dificuldade prática de defender territórios que de fato não controlava; por outro, pela incapacidade de mobilizar a população na defesa militar de uma pátria que em grande medida não lhes pertencia.

Houve, no entanto, dois grandes momentos do século XX boliviano em que se tentou de alguma maneira romper essa lógica: o experimento do chamado Socialismo Militar nos anos 1930 e a Revolução de 1952, que não por acaso teve muitas de suas lideranças formadas naquele período anterior.

O Socialismo Militar (1936-39) é um desenvolvimento direto da Guerra do Chaco (1932-35) que, de acordo com René Zavaleta (1986) representou um “encontro com a nação” ao colocar em contato no fronte a bolivianos das mais diversas regiões e extratos sociais do país, proporcionando-lhes muitas vezes pela primeira vez uma noção de como era realmente a Bolívia. Indígenas, mestiços e brancos combateram lado a lado e regressariam da guerra com um sentimento comum de nação antes largamente inexistente e com ideais de justiça social e transformação política que teriam importantes consequências.

Daniel Salamanca, o presidente que levara o país à guerra, foi deposto pelo exército antes mesmo do fim da mesma em 1934, mas a era moder-na de participação política do exército começaria mesmo em 1936 com o início do experimento reformista que ficou conhecido como Socialismo Militar. Uma junta de jovens oficiais do exército descontentes com a des-moralização imposta à corporação pela corrupção do alto oficialato e com os rumos do país e tendo o herói de guerra Germán Busch7 como seu prin-cipal líder anunciaram em 17 de maio que as forças armadas assumiriam o governo sob a presidência do coronel David Toro.

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7 Busch foi, possivelmente, um dos únicos verdadeiros heróis bolivianos na Guerra do Cha-co. Sua liderança e competência militar foram decisivas para a vitória boliviana na Batalha

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Sob as presidências de Toro e posteriormente de Busch, o Socialismo Militar deixaria como legado um modelo marcado pela tentativa de maior participação estatal na economia e sociedade, a primeira nacionalização de hidrocarbonetos na América Latina em 1937 e a conformação da estatal YPFB, o primeiro código trabalhista do país e uma Constituição inovado-ra e socialmente avançada, a primeira a considerar a propriedade privada como um direito condicionado a sua função social, a reconhecer os direitos do trabalho e a garantir a propriedade do Estado sobre os recursos naturais do país (RODRÍGUEZ VELTZÉ, 2007).

Esse modelo político-social ensaiado no período, embora tenha sido posteriormente abortado com o suicídio de Busch em 1939 e a reversão por seu sucessor de grande parte das políticas implementadas, foi a primeira ex-periência política relevante de líderes como Victor Paz Estenssoro, Hernán Siles Suazo e Juan Lechín que moldariam parte significativa dos rumos da Revolução de 52, revolução essa que não por acaso retomaria e aprofunda-ria boa parte das experiências dos anos 1930.

No início dos anos 50, o Estado boliviano vivia uma crise multidimen-sional. O atraso do setor agrícola era acompanhado também pelo mínimo, quase nulo, sistema industrial, que detinha menos de 5% da população eco-nomicamente ativa. No plano educacional, 69% da população era composta por analfabetos em 1950. O triste retrato educacional se repetia em grande parte dos indicadores sócio-econômicos. A Bolívia “típico estado racista em que o camponês índio que não falava castelhano era controlado por uma pequena elite branca de língua castelhana, se baseava em última instância na violência mais do que no consenso” (KLEIN, 1984, p. 282).

A tomada do poder pelos revolucionários levou Paz Estenssoro e Siles

de Villamontes, em 1935, que freou a ofensiva paraguaia e evitou perdas territoriais ainda maiores para a Bolívia. Sua atuação no fronte colocou-lhe como líder nato do grupo de jovens oficiais que voltou da guerra com ânsias de reformar o país, mesmo com sua reconhe-cida falta de sofisticação intelectual e política (ver KLEIN, 1965, 1967, 2003).

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Suazo à presidência e vice-presidência, respectivamente. Apesar da pressão popular por mudanças imediatas, os primeiros meses que se seguiram a abril de 1952 foram de cautela e negociação, mas o que a caracteriza como uma Revolução e não um simples putsch como tantos outros da história boliviana8 foi, primeiramente, o nível de participação popular (operária e indígena-camponesa) envolvida9 e em segundo lugar o alcance das medidas adotadas pelo novo governo revolucionário. A nacionalização das minas de estanho, a reforma agrária e a adoção do sufrágio universal decretados no primeiro governo de Paz Estenssoro (1952-56) tiveram efeitos transforma-dores que não devem ser minimizados, ainda que a vantagem de olhar em retrospectiva já sabendo dos insucessos futuros da revolução boliviana pos-sa às vezes fazê-la parecer pálida em seu alcance frente às outras grandes revoluções do século XX.

As minas de estanho constituíam o núcleo central da economia bolivia-na de então e eram controladas por uma pequena oligarquia nucleada por Simón Patiño10, Carlos Aramayo e Mauricio Hochschild e conhecida popu-larmente como La Rosca11. Controlar e diminuir o poder político da rosca tinha sido já, sem sucesso, parte importante da agenda política de Gualberto Villarroel e do socialismo militar de Toro e Busch, de modo que a concreti-zação do feito apenas seis meses após a revolução (outubro de 1952) não é um acontecimento menor.

A reforma agrária concretizada em 1953 foi “uma das mais abrangentes

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8 O que, tudo indica, era de fato o plano inicial do MNR. Ver DUNKERLEY, 1984; KLEIN, 2003; WHITEHEAD, 2003.9 Tanto na participação e definição do levantamento através das milícias populares, quanto na pressão organizada e ações diretas espontâneas que definiriam o curso posterior do go-verno pós-revolucionário, especialmente em seus primeiros anos.10 Simón Patiño chegou a ser um dos homens mais ricos do mundo em sua época e conta-se que teria sido a inspiração para o personagem Tio Patinhas, de Walt Disney.11 Por fazer o país girar em torno desse pequeno eixo oligárquico.

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iniciativas de distribuição de terras conduzidas na região” (GRAY MO-LINA, 2003, p. 349) e aboliu efetivamente o latifúndio e as práticas de pongueaje no altiplano ocidental e nos vales de Cochabamba12, garantindo a posse da terra e inclusive permitindo a restauração de algumas comuni-dades indígenas.

E a concessão do sufrágio universal, embora provavelmente tenha sido implementada com o objetivo nada altruísta de garantir a futura hegemo-nia eleitoral do MNR com a incorporação das massas favorecidas por suas reformas, era então algo inédito na região. Cabe recordar que o Brasil, por exemplo, somente após a Constituição de 1988 reconheceria o voto de anal-fabetos. O fato de que as eleições conduzidas durante o regime do MNR (1956, 1960 e 1964) não tenham sido completamente limpas13 e de que seu governo tenha sido seguido por um longo período de ditaduras que se estenderia até 1982 obscurece um pouco a importância do feito, mas os precedentes para a consolidação da democracia eleitoral como fundadora da legitimidade dos governos radica sem dúvidas nesse período. O sufrágio universal instituído em julho de 1952 estabelecia um critério de igualda-de entre todos os bolivianos através da cidadania, que se sem dúvidas era muito mais formal do que real graças às enormes desigualdades sociais que persistiam após a revolução, “há que se convir que a igualdade sempre co-meça por sua forma. A forma igualdade precede a condição igualdade” (ZA-VALETA MERCADO, 1983, p. 4) e fornece muitas vezes uma espécie de pré-condição para demandas por igualdade efetiva. A abolição da “barreira mental” que separava, muitas vezes por autoexclusão, os indígenas campo-neses analfabetos do resto dos cidadãos “de bem” não deve ser subestimada

12 Embora, é verdade, o oriente do país tenha permanecido praticamente intocado pela re-distribuição de terras e a formação de grandes latifúndios capitalistas tenha sido de fato incentivada pelo governo do MNR (e subsequentes).13 Há diversos registros de pequenas fraudes, manipulações, intimidações etc. Ver DUNKER-LEY, 2007, pp. 58-62.

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como condição de possibilidade para os movimentos mais autônomos e radicais dessas massas posteriormente.

Além disso, não há como negar que o processo político atual levado adiante por Evo Morales e a Revolução de 1952 têm, mutatis mutandis, paralelismos importantíssimos já apontados por diversos autores (por exemplo, DO ALTO, 2007; DUNKERLEY, 2007; HYLTON; THOMSON, 2007; ROCHA, 2006; SVAMPA; STEFANONI, 2007; ZANELLA ET AL., 2007). A Revolução de 1952 foi, afinal, um momento constitutivo cujas es-truturas seguiram determinando em grande medida a forma de fazer política na Bolívia por muitos anos mesmo após a queda do MNR e representou o momento máximo do nacional-popular no país (TAPIA, 2002; ZAVALE-TA MERCADO, 1986), sendo impossível articular um projeto com algum contorno dessa tradição sem fazer referência (ainda que implícita) a esse acontecimento ou a suas consequências, o que nos leva de volta ao momen-to atual.

2. Conclusão

George Gray Molina (2008) descreve como a construção do Estado na Bolívia não foi, como costuma acontecer, fruto de um processo linear de expansão territorial da soberania de um núcleo pré-existente, mas sim um processo de negociação de limites e fronteiras da legitimidade da ação esta-tal frente a soberanias locais constituídas. Desse processo descontínuo que viria desde a colônia espanhola, teria resultado um “Estado com furos”14, que são preenchidos por caudilhos locais, ONGs, comunidades indígenas, sindicatos etc. que exercem muitas vezes funções protoestatais e se consti-tuem em verdadeiras instâncias locais de poder. Para Gray Molina, existiria na Bolívia um pluralismo institucional de facto como resultado desses “fu-

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14 “State with holes”, no original em inglês.

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ros”, o que não significaria que o Estado abdica “completamente de exercer sua autoridade; em vez disso, ele se engaja em uma forma indireta de man-do que envolve múltiplos agentes e parceiros locais” (2008, p. 112). No que ele chama de “força da fraqueza”, Gray Molina mostra como esse arranjo, por frágil que possa parecer, possui certa eficácia em diversos contextos e foi capaz de manter suficientemente coeso um país que por todas suas hete-rogeneidades étnicas e culturais e sua patente deficiência infraestrutural te-ria tudo para ter implodido em guerras civis ou movimentos secessionistas.

À colônia espanhola da Audiência de Charcas sucedeu-se a República da Bolívia independente de 180915 sem que isto representasse maiores rupturas em termos de reestruturação social no país. O novo Estado independente permanecia extremamente restrito a alguns pequenos núcleos urbanos de-pendentes de uma economia de enclave mineiro e acordos de coexistência e tributação de terras indígenas sobre as quais não possuía maior controle e cujos membros não eram tidos como cidadãos ainda que fossem maioria no país. As ligações entre a capital, primeiro Sucre, depois La Paz, com muitas das regiões eram extremamente precárias ou inexistentes e por essa razão o controle do Estado sobre grande parte de seu território oficial era pouco mais do que virtual. Tentativas de dotar o Estado boliviano de maior eficácia e alcance foram, como já citado no relato de Gray Molina (2008), descontínuas e um dos frutos disso é a existência no país de certo senso comum douto que divide dicotomicamente os diversos presidentes do país entre um grupo de presidentes liberal-oligárquicos e outro de nacionalistas (MESA GISBERT, 2006, p. 97). No primeiro grupo, associado com valores europeus e ideias de progresso através do livre mercado, figurariam todos os presidentes do período da redemocratização pós-1985, além das ditadu-ras militares de René Barrientos e Hugo Banzer e a maioria dos presidentes

15 Data da proclamação da independência. A ela seguiram-se, entretanto, dezesseis anos de lutas contra o domínio espanhol até a conquista definitiva da independência em 1825.

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pré-Guerra do Chaco. No segundo, associado com a defesa dos recursos naturais, a integração das classes populares e a recuperação do poder do Estado, presidentes como Germán Busch, David Toro, Juan José Torres e o legado da Revolução de 52.

De modo geral, é neste segundo grupo de governantes que se costumam buscar os momentos constitutivos16 mais importantes do State building bo-liviano e é inegável que qualquer análise séria do fenômeno no país não pode ignorar as marcas indeléveis de episódios como a Guerra do Chaco e o “Socialismo Militar” que lhe seguiu e da Revolução de 52 na conformação da Bolívia contemporânea. Mas tratar o grupo liberal-oligárquico como se não tivesse contribuído para a formação dos contornos do Estado boliviano contemporâneo, como muitas vezes é feito, seria uma simplificação gros-seira e equivocada. Afinal, mesmo que fosse verdade que não tenham feito nada pela construção do Estado, essa suposta inação carregaria consequên-cias importantes para a conformação do fenômeno do “Estado com furos” descrito por Gray Molina (2008) e o não-fazer deliberado é também ele um tipo de ação orientada por determinados valores e conceitos, de modo que também nessa tradição do pensamento e fazer político da Bolívia é necessário buscar momentos constitutivos importantes, como as reformas

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16 René Zavaleta considerava que o presente político podia ser muito melhor explicado atra-vés da inquisição de sua origem histórica que pela descrição de suas instituições e atores so-ciais contemporâneos. Ele desenvolveu assim a noção de momento constitutivo, processos e conjunturas normalmente marcados por algum tipo de crise intensa (guerra, mortalidade, de-pressão econômica aguda) nos quais se produzem os marcos dentro dos quais se enquadrará a luta política e as estruturas sociais de determinada polis pelos próximos anos. Na medida em que um momento constitutivo, em última instância, tem por resultado a modificação do que sobrou das estruturas criadas pelo momento constitutivo anterior, o conceito não prevê a criação de uma estrutura estanque e imutável que a tudo sobredetermina. O caráter mais ou menos transitório de um momento constitutivo é quase autoevidente, mas o seu poder explicativo segue importante por períodos de tempo tão longos quanto a intensidade da rees-truturação por eles trazida. A Revolução de 52, por exemplo, seguiu marcando a natureza da disputa política boliviana por pelo menos 30 anos apesar de todos os golpes, contragolpes e reviravoltas que se lhe seguiram. Para uma explicação da importância do conceito na obra de Zavaleta, ver TAPIA, 2002.

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estruturais que buscaram desmontar o “Estado de 52” a partir dos anos 1980 e em reação às quais encontram-se parte importante das demandas do pro-cesso atual.

Mas há ainda um terceiro elemento importantíssimo na consideração da construção do Estado no país, hoje bastante evidente, mas por muito tempo relegado a segundo plano: o indigenismo. A República crioula inaugurada após a independência excluía sistematicamente os indígenas da vida públi-ca boliviana e a nação era imaginada17 sem sua presença ainda que estes se constituíssem em maioria populacional. Mas como o Estado dependia ainda fortemente do tributo indígena herdado18 do período colonial como forma de arrecadação, prevaleceu por muito tempo ainda uma autonomia indígena de facto nas terras comunitárias remanescentes que tanto impacto teve na conformação desse engajamento indireto do Estado central com agentes locais descrito por Gray Molina (2008, p. 112). Mas as progressivas ten-tativas de usurpação das terras comunitárias e sua incorporação ao sistema comercial das haciendas também geraram inúmeros momentos de conflito com revoltas indígenas que reavivavam periodicamente nas elites brancas o medo de uma nova conflagração generalizada como o cerco de Tupaj Katari a La Paz19 que poderia vir a representar seu extermínio físico direto pela maioria populacional indígena.

Essas “revoltas indígenas”, recorrentes durante boa parte do século XIX

19 Em 1781, o líder aimará Tupaj Katari liderou junto a sua companheira, Bartolina Sisa, um exército de cerca de 40.000 pessoas que sitiou a cidade de La Paz durante 109 dias em uma importante revolta anticolonial. A memória coletiva do grande cerco indígena é considerada por muitos historiadores como fator explicativo importante de certo medo da elite boliviana, em sua grande maioria embranquecida, de uma iminente jacquerie da maioria indígena con-tra seus opressores. Ver HYLTON; THOMSON, 2007; THOMSON, 2003.

17 Imaginada no sentido proposto por Benedict Anderson em seu magistral Imagined Com-munities (2006).18 Imposto cobrado desde a Colônia das comunidades indígenas autônomas cujas terras não haviam sido expropriadas e que mantinham sua organização tradicional em grande medida preservada.

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e início do século XX, não eram, entretanto, explosões de violência irra-cional como queriam fazer crer essas elites e boa parte da historiografia oficial do período, mas demonstravam frequentemente elevados graus de organização política e coerência com relação a objetivos. Como mostram os historiadores Forrest Hylton e Sinclair Thomson (2007), as revoltas in-dígenas possuíam na maioria das vezes o claro objetivo de defender a posse e usufruto de terras comunais contra a ameaça de expropriação e chegavam mesmo a recorrer a argumentos legalistas que apelavam a cartas de con-cessão dos tempos da coroa espanhola. Além disso, na guerra civil entre os conservadores de Sucre e os liberais de La Paz de 1899 que culminou com a vitória dos últimos e a transferência da capital a esta cidade, tropas indí-genas lideradas por Pablo Zárate “Willka” aliaram-se ao lado paceño sob o comando do coronel José Manuel de Pando e tiveram papel preponderante em sua vitória militar. O “exército índio” havia se integrado à luta em nome de objetivos “modernos” como terminar com a opressão que sofriam em suas comunidades frente a funcionários do governo central e elites econô-micas locais e com promessas dos liberais de manutenção dos autogover-nos indígenas comunais em uma verdadeira aliança política programática, que no entanto foi traída pelos liberais uma vez terminada a guerra e as principais lideranças indígenas presas e/ou executadas, incluindo o próprio Willka.

Excluído durante bastante tempo da agenda política oficial, é possível de certa forma considerar o indigenismo como uma espécie de rio subter-râneo correndo ao longo da história do país de maneira oculta e que aflora abruptamente em determinados momentos alterando significativamente a paisagem quando o fez. Essa situação começa a mudar lentamente apenas a partir da efervescência política da década de 1920 e após a Guerra do Chaco (1932-35), considerada por muitos como o grande “encontro com a nação” ao colocar lado a lado no fronte de combate a jovens intelectuais da classe média urbano e indígenas de diversas regiões isoladas do país, evidencian-do como não fora antes ainda possível a importância da questão indígena e que de uma forma ou de outra passaria a integrar os programas políticos

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de grupos à esquerda do espectro até o advento da Revolução de 52. Mas a incorporação da agenda indígena à política boliviana e por consequência ao Estado que se construía se deu em grande medida de forma subordinada e tutelada e mesmo a Revolução com sua massiva reforma agrária buscou subsumir o indígena enquanto tal sob uma identidade camponesa e imagi-nar a nação em termos de uma mestiçagem homogeneizante.

Foi em reação a essa nova política oficial, que passou a reconhecer a questão indígena em grande medida negando-a, entretanto, que se estrutu-raram os movimentos conhecidos como Katarismo20 com suas demandas por reconhecimento e organização política autônoma dos indígenas. Em-bora os primeiros partidos kataristas tenham tido escasso êxito eleitoral, a agenda katarista penetrou a esfera pública boliviana e conseguiu o primei-ro reconhecimento da diversidade étnica e cultural do país com a reforma constitucional de 1994 (ver MÁIZ, 2009) e moldou grande parte da agenda indigenista contemporânea e essa agenda tem, por sua vez, moldado parte significativa dos rumos da estruturação do Estado e da construção nacional na Bolívia de hoje.

Moldado de alguma maneira por influências positivas ou negativas des-sas três tradições, o processo de refundação institucional e política em curso carrega, com sua nova Constituição, uma grande virtude: o reconhecimento do pluralismo institucional existente de facto com suas formas de legitimi-dade política de origem não liberal, da institucionalização dos mecanismos de democracia direta como formas de mediação política (ver PÉREZ FLO-RES ET AL., 2010), bem como o estabelecimento de mecanismos de regu-lação e coordenação anteriormente inexistentes entre os “furos estatais”,

20 Movimento político-cultural aimará iniciado na década de 1970, buscava a revalorização da cultura e da identidade indígena subsumida na identidade camponesa como política ofi-cial de Estado a partir da Revolução de 1952. O nome katarismo é uma referência ao aimará Tupac Katari, líder de uma revolta anticolonial entre 1780-1. Deu origem a diversos grupos e partidos políticos de importâncias variadas e teve papel fundamental na reconstrução da identidade indígena como fator político na Bolívia.

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poderia sentar as bases para a criação dessa esfera pública mais ampla capaz de dotar o Estado boliviano de uma funcionalidade menos “convulsiva”21 Certamente não há qualquer garantia de que a constitucionalização desses mecanismos levará necessariamente a uma estabilização política do país, mas dado o fracasso notório da hipocrisia constitucional de prescrever uma lógica única de funcionamento mesmo reconhecendo na prática a mescla de sistemas realmente existente no país, a tentativa não deixa de ser válida e possuir consideráveis chances de sucesso, o que contribuiria significativa-mente para um processo efetivo de integração regional no continente.

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21 A realização de um referendo revogatório de mandatos em 2008, antes mesmo da cons-titucionalização do mecanismo (mais um exemplo do pragmatismo legal e do pluralismo institucional efetivo do país), por exemplo, teve importante papel na superação da grave crise política por que passava o país então. Ver CUNHA FILHO, 2008.

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1. Introdução

Este ensaio é uma tentativa de reflexão sobre do pacto EUA-Colômbia, acordo negociado secretamente e que permitiu a instalação de bases milita-res estadunidenses no território colombiano, permitindo a consolidação da hegemonia1 imperial na América do Sul. As instalações militares compre-endem as Bases Aéreas de Germán Olano Moreno (Palenquero), Alberto Pawells Rodríguez (Malambo) e Capitán Luís Fernando Gómez Niño (Apí-ay), as fortificações militares do Exército em Tolemaida (Nilo) e Larandia (Florencia); e, alfim, as bases navais de ARC Bolívar (Cartagena) e de ARC

O servilismo colombiano e o seu papel para a consolidação da

hegemonia imperial estadunidense: subalternização sul-americana e

(des)equilíbrio estratégicoVinícius Valentin Raduan Miguel

1 Usamos aqui hegemonia no sentido de Mearsheimer: “A meta central de cada Estado é maximizar sua parcela de poder mundial, o que implica na obtenção de poder às expensas de outros Estados. Mas as Grandes Potências não apenas disputam para serem as mais pode-rosas de todas entre elas, embora essa seja uma resultante bem-vinda. O objetivo derradeiro é se tornar um hegemon – isto é, a única grande potência no sistema”. No original: “The overriding goal of each state is to maximize its share of world power, which means gaining power at the expense of other states. But great powers do not merely strive to be the stron-gest of all the great powers, although that is a welcome outcome. Their ultimate aim is to be the hegemon – that is, the only great power in the system” (MEARSHEIMER, 2001, p. 2).

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Málaga (Bahía Málaga). Compreendem, portanto, complexos militares das Forças Armadas, até então colombianos, de forma espraiada por todo o seu território. Os acordos autorizam o acesso, uso e permanência ilimitada aos militares estadunidenses, assim como permite a realização de operações no território colombiano.

A princípio, é preciso res saltar a importância da temática, seja em ter-mos militares ou humanitários da alongada crise colombiana que já se ar-rasta por quatro décadas, provocando gastos anuais no montante de 5% do PIB colombiano apenas em despesas militares e gerando mais de três milhões de refugiados e deslocados2, além do incalculável número de ví-timas fatais, quer entre aqueles envolvidos nas hostilidades, quer entre os não-combatentes.

Politicamente, a “soberania compartilhada” do acordo Uribe-Bush (e seus respectivos legatários), se não é um elemento novo, vez que o auxílio financeiro técnico-militar é antigo3, sendo elemento presente desde a Guer-ra Fria, o robustecimento da atuação dos EUA representa um forte com-ponente de desequilíbrio nas relações internacionais sul-americanas, tendo por conseqüências o surgimento/acirramento da corrida armamentista e a fragmentação político-ideológica em escala regional.

Frise-se, antecipadamente, que as apreciações aqui oferecidas não sig-nificam empréstimo de qualquer tipo de apoio a qualquer dos beligerantes

O servilismo colombiano e o seu papel para a consolidação da hegemonia imperial estadunidense: subalternização sul-americana e (des)equilíbrio estratégico

2 Alto Comissariado de Direitos Humanos da ONU apud Human Rights Watch, 2009.3 Apenas retendo-nos aos últimos anos, os EUA ofertaram, em 2006, 728 milhões de dólares em ajuda para a Colômbia (dos quais, 80% foram destinados ao incremento militar), no ano seguinte, em 2007, foram outros 727 milhões (dos quais, aproximadamente 82% foram utilizados para a segurança nacional) e, em 2008, 670 milhões no mesmo pacote de ajuda (Amnesty International, 2007; 2008; 2009). Ainda quanto ao “novo” tratado, vê-se em seu texto a menção aos documentos que o precederam, como o Pacto para a assistência militar entre os EUA e a República da Colômbia, assinado em Bogotá, em 17 de abril de 1952; o Acordo Geral para assistência econômica e técnica entre o Governo dos EUA e da Colôm-bia, assinado em Bogotá em 23 de julho de 1962 e o Tratado entre o Governo dos EUA e a República da Colômbia relativo à Missão da Aeronáutica, Exército e Marinha de ambos os países, assinado em Bogotá, em 7 de outubro de 1974.

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e/ou dos atores políticos envolvidos4. No entanto, isso não representa que a abordagem aqui trazida é politicamente asséptica. Ao contrário, a presen-te análise é marcadamente posicionada, como será facilmente perceptível. Deixo, de antemão, o alerta para os leitores.

2. O Plano Colômbia e a recriação do Estado

A vitória eleitoral de Uribe para a Presidência da República (para man-datos entre 2002-2010) foi seguida pela política de enfrentamento seletivo aos grupos armados. Se, por um lado, se favorecia o diálogo, medidas de reinserção social e anistia para os ex-integrantes das Autodefesas Unidas da Colômbia (AUC), se ampliavam as operações de enfrentamento contra as FARC e de negligência estratégico para com o ELN, territorialmente reduzido e, numericamente, com efetivo inferior e, portanto, militarmente anêmico em relação aos outros agrupamentos.

Essas políticas foram implementadas por meio de dois eixos estrutu-rantes, distintos, mas indissociáveis e com clara relação de causalidade: redução do déficit público e ampliação do dispêndio com as forças armadas. A prática sempre teve objetivos nítidos: a diminuição de gastos do Poder Público no âmbito social, como políticas sociais e seguridade social, tor-naria possível a transferência de iguais valores para os setores envolvidos com a segurança.

4 Não se trata igualmente de criar uma peça acusatória contra os grupos de esquerda (como bem conhecidos, as FARC-EP e o ELN) ou de constituir uma reflexão sobre a adequação do uso da via armada por esses grupos para a tomada do poder na Colômbia. Também não acentuarei os possíveis crimes de guerra ou crimes contra a humanidade dessas organiza-ções ou dos integrantes de forças paramilitares e governistas. Isso fugiria do escopo desse brevíssimo trabalho que se concentrará nas implicações do conflito no campo das Relações Internacionais. Violações ao Direito Internacional Humanitário, atrocidades que se confi-guram como atentados contra os Direitos Humanos e práticas disputáveis para o Direito Internacional estão largamente documentadas por organismos como International Amnesty, Human Rights Watch e agências especializadas da ONU.

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A diminuição das despesas públicas colocadas em curso pela adminis-tração de Uribe seguiram a ortodoxia neoliberal, com flexibilização/redu-ção da legislação trabalhista5 e previdenciária e iteradas privatizações de estatais e desregulamentação da normatização do petróleo, facilitando a en-trada de investimentos estrangeiros e promovendo a associação do capital internacional para com o nacional. Além disso, o incremento nos gastos militares também foi possível, como já sobremencionado, por meio dos recursos distribuídos pelos EUA, através de seus programas de ajuda para o aparelhamento e cooperação com o treinamento do exército colombiano (LEITE e CARPES, 2007).

Dessa forma, o Estado colombiano foi sendo recriado: ao passo em que se diminuíam as políticas e garantias sociais, os aparelhos de segurança eram modernamente equipados. Em termos salariais, enquanto os servi-dores públicos civis eram demitidos e o sistema previdenciário refeito, a remuneração dos militares era aumentada. O robustecimento das forças po-liciais permitiu maior patrulhamento sobre os oleodutos.

Agora é preciso perquirir: quem são os protegidos pelo Estado colom-biano? Essa mesma pergunta permite identificar a que título os EUA forne-cem recursos consideráveis, quantia suficiente para situar a Colômbia como o terceiro maior receptor mundial de ajuda financeira norte-americana, fi-cando atrás apenas dos tradicionais aliados, Israel e Egito.

Defendemos, em outra oportunidade, que há uma composição de in-teresses militares/geopolíticos com as necessidades econômicas dos EUA (MIGUEL, 2009). A Colômbia, sendo o quarto maior produtor de petróleo da América do Sul, figura como uma alternativa relevante para a diversi-ficação de fontes do ouro negro, ainda mais em momentos de acirramento com o Irã e, especificamente no contexto latino-americano, de exasperação retórica mútua com a Venezuela. Preservar a Colômbia como um parceiro

O servilismo colombiano e o seu papel para a consolidação da hegemonia imperial estadunidense: subalternização sul-americana e (des)equilíbrio estratégico

5 Com o alongamento da jornada de trabalho e achatamento dos benefícios sociais.

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comercial não serve, dentro desse escopo, apenas para servir como vitri-ne da bondade estadunidense e da sua generosidade em distribuir ajuda financeira para um país encurralado em um longo conflito armado, mas, primordialmente, para assegurar a segurança energética do país-suserano6.

Ao incluir a variável da estrutural ambição estadunidense por recursos naturais, não ignoramos os demais vetores que motivam a expansão mi-litar7: é imperativo, entretanto, realçar o caráter belicoso dos EUA para a criação e preservação de condições favoráveis às suas boas relações econô-micas internacionais com parceiros dispostos a se sujeitarem à cessão par-cial de soberania, como é o caso das bases militares. Essa correlação entre o expansionismo militar e a dimensão econômica é desanuviada quando enfrentada a realidade: entre 10-15% das forças armadas colombianas, em associação com o efetivo estadunidense, são utilizados para a proteção de oleodutos/gasodutos, exatamente o setor econômico que conta com o maior número de investimentos diretos dos EUA.

Não é de causar estranheza que, desse modo, a vigilância do transporte do petróleo, contra os atos de sabotagem da esquerda armada, venha sendo favorecida pela utilização de forças especiais e financiamento dos EUA8. Em igual sentido, considerando o apoio dos EUA, Doug Stokes, inquiriu: “Por que os EUA apóiam o Estado colombiano?”. Em arguição conclusiva,

8 Ver as seguintes referências, que versam sobre o envolvimento militar dos EUA e Colôm-bia para a guarda de empresas petrolíferas (privatizadas após o Governo Uribe): FORERO, 2002; LEITE & CARPES, 2007, op. cit; PENHAUL, 2002.

6 Além da importância do petróleo e gás, outros produtos colocam a Colômbia como forne-cedora de matérias-primas para os EUA. 39% de toda a exportação colombiana é destinada aos EUA, colocando-o como o principal parceiro comercial. Igualmente, os EUA são os maiores em aplicações de investimento externo direto na Colômbia, primordialmente no setor petrolífero. Essas informações são disponibilizadas pelo governo estadunidense: U.S. Department of State, 2010.7 Castro (2009) disserta sobre a existência de múltiplos vetores e justificativas dos EUA, sem destacar o predomínio de fatores econômicos ou políticos.

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o professor da Universidade de Kent alega que as razões são a “configura-ção de uma situação de estabilidade para o contínuo fluxo de investimentos e para a manutenção da extração de recursos”9.

Passaremos a expor sobre as demais variáveis que motivam a instalação das bases militares estadunidenses na Colômbia.

3. A Deterrence Policy e o Balance of Power na Amé-rica do Sul

Há uma continuidade da política externa estadunidense desde o fim da Guerra Fria, com o claro objetivo de asseverar e conservar a sua primazia no cenário interestatal10. Ao fazê-lo, considerando a retórica de Chavez, os ideólogos do expansionismo militar pensam em termos já caros das Re-lações Internacionais, como o Balance of Power e a Deterrence Policy11. Como a(s) Teoria(s) das Relações Internacionais já apontaram, a inserção de um elemento que coloque em proeminência um dos atores políticos, ten-de a motivar uma espiral interminável de movimentos seqüentes visando o restabelecimento da situação anterior, ou seja, a equiparação de forças dos agentes envolvidos e retomar o ponto de equilíbrio estratégico.

Assim, com a explícita entrada dos EUA na Colômbia, tem se verifica-do uma reprodução do pensamento militarista. Como resposta imediata ao acordo EUA-Colômbia, Chavez comprou 2.2 bilhões de dólares em arma-mento russo, em setembro de 2009, aquisições essas que podem perfazer o montante de 5 bilhões. Sua justificativa foi explícita: a Venezuela não

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9 Em tradução livre. No original: “Why does the U.S. support Colombian state terror? The-re are two main reasons: to create stability for continued inward investment and to sustain resource extraction” (STOKES, 2005).

10 HERRING, 2007.

11 “Equilíbrio de poder” e “Política de desencorajamento”, respectivamente, em tradução literal.

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detém planos para atacar ninguém, entretanto, o incremento militar é neces-sário para a defesa nacional e para balancear a crescente presença dos EUA. Evidentemente, outras razões são apontadas para a ampliação dos gastos militares, além da rivalidade inter-regional, como o aumento da receita pú-blica e a necessidade de substituição de equipamentos já existentes, embora antigos e agora inservíveis12. Assim, o aumento dos gastos não estaria im-plicando no aumento da capacidade militar venezuelana, mas a manutenção das condições existentes.

Se a corrida armamentista entre Colômbia-Venezuela vem sendo res-posta à instalação das bases estadunidenses na Colômbia, quais as outras motivações, extra-econômicas, que impulsionaram tal acordo entre EUA-Colômbia?

Os EUA, além dos objetivos indiretos/não-militares, tem manifesta in-tenção em conter o intitulado “Socialismo do Século XXI”, projeto encar-nado pela aspiração bolivariana de Hugo Rafael Chavez. Nesse sentido, é possível perceber uma transmutação discursiva da War on Drugs (Guerra contra as Drogas) à War on Terror (Guerra contra o Terror). Desde o “11 de Setembro”, a lógica das intervenções militares ultramarinas ganhou força nos círculos neoconservadores dos EUA, o combate ao tráfico de drogas passou a ser associado cada vez mais ao conjunto de medidas de “contrain-surgência narcoguerrilheira”. As FARC foram inseridas, no amplo panora-ma internacional, como um grupo “narcoterrorista” e sua imagem passou a ser, no pós-onze-de-setembro, como de um grupo sem sustentáculo social e sem demandas de ordem político-econômica – tal quais os demais grupos insurgentes, como o Hamas ou o Hezbollah. Na tentativa de demonizar a Venezuela, somam-se as notícias de uma possível aliança entre Chavez e Ahmadinejad, que, ao invés de ser percebida como resultado da presença

12 Editoriais denunciando uma corrida armamentista em curso na América do Sul são cada vez mais constantes. Ver, também: DEEN, 2010; FOOTE, 2009.

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estadunidense, união essa que é retratada como a motivação para a vigilân-cia imperial.

Com os processos de securitização do tráfico de drogas e da questão colombiana, com um que de paranóia ao incluir o Irã no quadro, os EUA le-gitimaram internamente o “direito à intervenção” na América do Sul. Com os vultosos recursos, a chantagem econômica persuadiu facilmente as elites colombianas à ofertarem vastas áreas territoriais para o alojamento de suas bases militares. Com o estacionamento de suas forças armadas, os EUA tencionam ameaçar a Venezuela e manter um olho sobre toda a região sul--americana, que agora está totalmente acessível aos seus militares.

4. Problemas para a integração sul-americana

As Relações Internacionais na América do Sul vem reproduzindo, com relativas oscilações, o cenário hobbesiano de incerteza e guerra perpétua de todos contra todos, no pré-civilizacional estado de natureza. Essa socieda-de anárquica, tal qual postulado pela análise Realista das Relações Inter-nacionais, conduz ao vigente padrão comportamental patológico, em que cada unidade atua de forma egoística/não-cooperativa para obter/preservar mecanismos de detenção das capacidades de agressão das outras unidades do sistema. Nessa espiral de incerteza e insegurança, um recinto sem com-portamentos éticos e princípios morais, não há espaço para a cooperação ou mútua assistência para a promoção de seus interesses (BAYLIS & SMITH, 2006).

Rememorando as premissas do Realismo, nessa situação, a sociedade internacional é tomada pela incerteza e precariedade em suas relações. Consequentemente, na impossibilidade de recorrer à formas organizadas de socorro contra eventual agressão e, considerando que todos os atores sociais têm capacidades plenas de promover a destruição do outro em uma bellum omnium erga omnes, “a guerra de todos contra todos”, todos os indi-víduos agem egoisticamente com o intento de assegurar somente a própria sobrevivência.

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Essa limitação estrutural confina as possibilidades de cooperação inte-restatal e desencoraja a solidariedade econômica, reduzindo os eventuais ganhos que poderiam ser auferidos. Por fim, as expectativas de auxílio so-cioeconômico são subordinadas aos interesses políticos, no caso, às neces-sidades de segurança estatal. Desse modo, em virtude da interação entre (i) o egoísmo dos agentes estatais e (ii) a anarquia internacional, o Poder assume função nuclear nas Relações Internacionais, obstando as tentativas de cooperação, desprezadas como idealistas. Essa noção de conflito perma-nente, iniciada na Teoria Realista das Relações Internacionais formatou o policy-making dos EUA e da Colômbia.

Assim, a entrada de forças militares estadunidenses é explicada com a tese da guerra de todos contra todos do Realismo hobbesiano. No entanto, a instalação dessas bases militares retroalimenta a dúvida entre os demais Es-tados na região, desmotivando outras formas de cooperação interregional. A presença estadunidense impõe-se como embaraço à integração dos povos sul-americanos o que, por sua vez, obsta uma intensificação da colaboração regional para o enfretamento do conflito colombiano. Em última instância, essa falta de apoio latino-americano à mediação13 do enfrentamento entre as FARC e o Estado colombiano, pode, em um cenário pessimista, diminuir os resultados dos esforços internacionais para a pacificação do país.

De todo modo, a forma de integração da Colômbia apresenta dois graves problemas: primeiro, a integração com o Norte e a conseguinte desconexão com a América do Sul e, em segundo, o favorecimento de colaboração in-ternacional estendida apenas à ampliação de gastos militares, ao invés de oportunizar interligação infra-estrutural, econômico-tarifária e financeira ou cultural. Adia-se, portanto, os planos de um consenso e unidade sul-

13 Por razões até simples: um dirigente de orientação mais à esquerda, ainda que tendente à não apoiar à forma de atuação das FARC, irá abster-se de emprestar solidariedade ao go-verno colombiano para não ver-se associado aos EUA e, por isso, ser criticado na política interna de seu país.

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-americana, cedendo espaço institucional para a consolidação da hegemo-nia estadunidense. A visão colombiana sobre o restante da América do Sul não trata, doravante, de um problema epistemológico, fundado puramente no Realismo. Trata-se, pois, de uma situação concreta, que, permeada por uma concepção ideológica conservadora, virou-se aos EUA como parceiro preferencial.

5. Considerações finais

No campo internacional, é evidente a apropriação do discurso de con-trainsurgência utilizado por Uribe, cujo primeiro mandato presidencial, em 2002, coincidiu-se com as medidas intervencionistas “antiterroristas” dos EUA, no cenário pós-onze-de-setembro. Também não é possível descurar que as bases militares fazem parte da estratégia estadunidense de espraiar sua jurisdição a todos os recantos do globo. Eram 71 os países militarmente ocupados pelos EUA, até 200314, incluindo o Afeganistão e o Iraque15. Às 865 bases então existentes, somam-se às outras sete, agora em território sul-americano, colocando em prática a possibilidade estratégica de guerras preventivas por todo o mundo, situação até então não observada na geopo-lítica mundial.

Considerando a doutrina de segurança que prevalece nos EUA pós-11--de-setembro, com o redescobrimento do ultranacionalismo, em que esse Estado se considera no direito (i) de empreender ofensivas militares contra países que representem uma ameaça e (ii) de perseguir Estados que aco-lham terroristas, as novas bases militares fazem parte dessa justificativa para um clima de guerra perpétua, sem nenhum esforço para mascarar um

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14 MÉSZÁROS, 2006.15 Os dados são controversos, A. Jalife-Rahme menciona a existência de 40 países com ba-ses militares, perfazendo um total bem inferior ao apresentado por Mészáros. Atílio Bóron fala em 128 países. Ver JALIFE-RAHME, 2009. Também, BORON, 2005.

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projeto de acúmulo interminável de poder (CHOMSKY, 2005).As bases militares são uma acelerada transformação na política latino-

-americana que, infelizmente, nunca esteve imune das ambições do império e da influência da 4ª Frota. As bases e o reposicionamento de tropas na América do Sul situam-se nesse novo estágio da unipolaridade estaduni-dense;, permitindo a rápida reorganização e mobilização de contingentes para operações, agora capazes de serem lançadas em escala mundializada. A supremacia do hegemon garante seu unilateralismo, até então incontestá-vel em termos militares.

Tragicamente, no meio do fogo cruzado, os graves problemas sociais colombianos (e sul-americanos) são escamoteados, seguindo não-solucio-nados. Fatores que desencadearam o surgimento de forças organizadas a questionar a legitimidade do Estado colombiano, como a crescente pobreza e desigualdade de renda, são tratados como problemas no plano militar, na contumaz rejeição à crítica da oposição. O Estado colombiano se coloca como um estado vassalo, favorecendo a consolidação do projeto hegemôni-co estadunidense. Seu papel, ao ofertar seu território para a instalação das bases militares, permite a subalternização da América do Sul e o desequilí-brio das relações de poder na região, consolidando assim o plano imperial dos EUA. Na outra ponta, resta uma ameaça à unidade latino-americana e à integridade territorial de seus Estados.

A militarização da questão colombiana e sua redução ao “combate ao narcoterrorismo”, tenta esvaziar as reivindicações de uma agenda baseada em negociações multilaterais, no fortalecimento de mecanismos regionais e na promoção de programas com enfoque nos direitos humanos, desenvolvi-mento e democracia. O desprezo da política externa colombiana em relação às nações latino-americanas, empregado pelo governo Uribe, denota o não--lugar da região e o tipo de inclusão que o país quer: uma soberania com-partilhada para a criação de um Estado servil à hegemonia estadunidense.

Forçosa, então, a elaboração de cenários estratégicos para mitigar os efeitos do intervencionismo dos EUA na América do Sul, com a intensifica-ção da segurança e serviços de inteligência nos locais fronteiriços, formas

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de promoção de um desenvolvimento socioeconômico capaz de pensar a dimensão ambiental e multicultural da região amazônica e integração po-lítico-institucional e cultural dos povos dessa região – meios capazes de abrandar a hegemonia imperial e de evitar a inclusão subalternizada no con-tinente.

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