organizacao da justica e do mp 2012-1

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GRADUAÇÃO 2012.1 ORGANIZAÇÃO DA JUSTIÇA E DO MINISTÉRIO PÚBLICO AUTORES: ANABELLE MACEDO SILVA E CARLOS ROBERTO DE C. JATAHY

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GRADUAÇÃO 2012.1

ORGANIZAÇÃO DA JUSTIÇA E DO

MINISTÉRIO PÚBLICOAUTORES: ANABELLE MACEDO SILVA E CARLOS ROBERTO DE C. JATAHY

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SumárioOrganização da Justiça e do Ministério Público

INTRODUÇÃO AO CURSO DE ORGANIZAÇÃO DA JUSTIÇA E DO MINISTÉRIO PÚBLICO ............................................................. 3

AULAS 1 E 2: O PODER JUDICIÁRIO BRASILEIRO. A ORGANIZAÇÃO JUDICIÁRIA. A MAGISTRATURA NACIONAL. O CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. ....................................................................................................................................................... 6

AULA 3: SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL .................................................................................................................. 44

AULAS 4 E 5: O SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA E A JUSTIÇA FEDERAL .......................................................................... 76

AULA 6 E 7: A JUSTIÇA COMUM ESTADUAL ............................................................................................................. 106

AULA 8: JUSTIÇAS ESPECIAIS INDIVIDUALIZADAS ................................................................................................... 122

AULAS 9, 10 E 11: O MINISTÉRIO PÚBLICO BRASILEIRO ............................................................................................ 144

AULA 12: A POLÍCIA FEDERAL ............................................................................................................................. 191

AULA 13: ADVOCACIA, DEFENSORIA PÚBLICA E ADVOCACIA PÚBLICA........................................................................... 199

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ORGANIZAÇÃO DA JUSTIÇA E DO MINISTÉRIO PÚBLICO

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INTRODUÇÃO AO CURSO DE ORGANIZAÇÃO DA JUSTIÇA E DO MINISTÉRIO PÚBLICO

A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, visando evi-tar o arbítrio e o desrespeito aos direitos fundamentais do homem, previu a existência dos poderes constituídos do Estado e da instituição do Ministério Público, independentes e harmônicos entre si, repartindo entre eles as fun-ções estatais e prevendo prerrogativas e imunidades para que bem pudessem exercê-las, assim como criando mecanismos de controles recíprocos, sempre como garantia da perpetuidade do Estado Democrático de Direito.

É a célebre Separação de Poderes, esboçada pela primeira vez por Aristó-teles na obra “Política”, detalhada, posteriormente, por John Locke, no “Se-gundo Tratado do Governo civil” e, fi nalmente, consagrada por Montesquieu no “O Espírito das Leis”.

É no estudo de algumas dessas instituições que iremos nos ater neste se-mestre que se inicia.

O curso de Organização da Justiça e do Ministério Público tem como objeto o exame da estrutura constitucional e infraconstitucional das institui-ções que integram o Sistema da Justiça Brasileira, ou seja:

- Poder Judiciário;- Ministério Público; e- as demais Instituições constitucionalmente incumbidas das funções

essenciais à Justiça, que são: Advocacia Pública, Advocacia e a De-fensoria Pública.

Um capítulo referente à Polícia Federal foi acrescentado, visando a uma análise desta instituição, que vem chamando a atenção da sociedade.

O Poder Judiciário é um dos Três Poderes clássicos previstos na Consti-tuição (Art. 2º), e que tem como função a administração da Justiça e como verdadeiro mister a guarda da Constituição.

Não se consegue conceituar um Estado Democrático de Direito sem a existência de um Poder Judiciário, autônomo e independente, para o pleno exercício de suas funções. Daí as garantias que seus membros gozam, assegu-radas pela própria Constituição, como a vitaliciedade, a inamovibilidade e a irredutibilidade de subsídios.

Já o Ministério Público, consagrado em nossa Constituição e situado fora da estrutura dos demais poderes da República, é instituição permanente, es-sencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático de Direito e dos interesses sociais e individuais indisponíveis (Artigo 127 da CF). Para tanto, também lhe foi conferida uma estrutura organizacional própria, com autonomia, independência e garantias.

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ORGANIZAÇÃO DA JUSTIÇA E DO MINISTÉRIO PÚBLICO

FGV DIREITO RIO 4

1 D’ÁVILA, Thiago Cássio. Conceito e

características da advocacia. Disponível

em jus2.uol.com.br. Acesso em 07 de

dezembro de 2007.

A Advocacia Pública, inovação da Constituição de 1988, é instituição que, diretamente ou por intermédio de órgão vinculado, representa a União, os Estados e os Municípios, judicial e extrajudicialmente, cabendo-lhe as ati-vidades de consultoria e assessoramento jurídico do Poder Executivo.

A advocacia é uma função essencial à justiça, que visa à garantia das li-berdades e ao cumprimento da ordem jurídica vigente, solucionando con-fl itos com base em normas e princípios jurídicos pré-estabelecidos, através da mediação, ou por postulação perante os órgãos administrativos ou ju-risdicionais, sendo privativa de bacharel em ciências jurídicas, atendidas as demais qualifi cações exigidas em lei, que a desempenha com múnus público em atendimento a ministério conferido pela Constituição Federal1.

Por fi m, a Defensoria Pública, prevista na Constituição Federal como ins-tituição essencial à função jurisdicional do Estado, está incumbida da orien-tação jurídica, da promoção dos direitos humanos e da defesa em todos os graus, judicial e extrajudicial, dos direitos individuais e coletivos, de forma integral e gratuita, dos necessitados.

Este é o panorama a ser vislumbrado.O curso foi montado com base na constatação de que um bom profi ssio-

nal do direito necessariamente precisa conhecer as instituições estatais que integram o sistema de Justiça, a forma como operam, que funções institu-cionais desempenham e que competências lhes foram atribuídas pelo consti-tuinte e pelo legislador.

Só assim, tendo o domínio desses conceitos técnicos, o futuro profi ssional poderá maximizar a utilização do sistema em todas as suas instâncias, for-mando opinião e pensamento crítico para o aprimoramento e transformação das estruturas examinadas.

Procura-se, por meio da utilização de diferentes metodologias, uma abor-dagem analítica e uma visão crítica como elementos permeadores de todo o curso. O objetivo é a interatividade dos alunos com o conteúdo apresentado e o caráter cooperativo que deve propiciar uma aproximação maior entre alunos e professor.

Como o programa incorpora conteúdos dos mais variados, como ciência política, direito constitucional, direito administrativo, teoria geral do proces-so e organização judiciária, algumas aulas serão mais expositivas enquanto outras serão mais abertas a discussões. Em todos os momentos, porém, ire-mos adotar uma postura de incentivo ao aluno no estabelecimento de links com assuntos correlatos.

Durante todo o curso, casos práticos serão apresentados aos alunos, como forma de aproximar a teoria estudada com a realidade social em que vivemos, mediante debates, construções ideológicas e solução dos mesmos.

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A Ciência do Direito, apesar de estudada de forma estratifi cada, requer uma visão global para ser potencialmente compreendida. O que se idealiza é uma interdisciplinaridade entre todos os ramos do Direito.

Durante o semestre, os alunos serão avaliados de acordo com os seguintes critérios:

- dois testes aplicados em sala de aula, abordando toda a matéria do curso, um na metade e o outro ao fi nal do semestre; e

- Programa “Conhecendo as Instituições”, que poderá acrescer até um ponto à nota fi nal do semestre. Este programa de atividades complementares propõe a realização de visitas a algumas institui-ções que compõem a Sistema da Justiça em nosso Estado (Ministé-rio Público, Judiciário, Defensoria Pública ou Procuradoria Geral do Estado), como instrumento de fi xação e observação concreta do funcionamento das estruturas estudadas.

Passemos, pois, ao conteúdo programático do nosso curso!Sejam bem vindos e encarem com prazer o desafi o de conhecer a estrutura

do Poder Judiciário e demais instituições essenciais à Justiça!

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AULAS 1 E 2: O PODER JUDICIÁRIO BRASILEIRO. A ORGANIZAÇÃO JUDICIÁRIA. A MAGISTRATURA NACIONAL. O CONSELHO NACIO-NAL DE JUSTIÇA.

1) O PODER JUDICIÁRIO BRASILEIRO.

Historicamente, o Poder Judiciário, apesar de estar no mesmo plano dos demais poderes, sempre teve uma menor participação nas decisões do Esta-do, em comparação com o Executivo e o Legislativo. Isto porque, em muitos Estados da velha Europa, os juízes eram meros servos da nobreza, atuando como longa manus do soberano. Subordinado, não podia se desenvolver a contento.

A instauração do Estado de Direito (Estado Liberal, Constitucional) fez surgir a primeira geração de direitos (direitos de liberdade, direitos civis e políticos), fazendo nascer também a linguagem jurídica. Esta, por conter ter-mos rebuscados e imprecisos (como, por exemplo, “boa fé” e “mulher hones-ta”), provocou um distanciamento entre o Judiciário e o povo, intermediado pelos advogados, que falavam a linguagem acessível aos magistrados.

Acrescente-se ainda que no Estado liberal e absenteísta, as questões eram relativas às demandas individuais, em que somente se discutiam interesses particulares. Não havia repercussão social nas decisões do Judiciário, mas já havia uma maior participação do Judiciário nas questões diuturnas.

Com a instituição do Estado Social, em que o Estado passou a ser pres-tador de obrigações (direitos sociais), criando direitos que deveriam ser providos, a inércia do Estado obrigava o indivíduo a buscar a solução de seus confl itos no Judiciário. Decorre daí o aumento da demanda judicial e um confl ito entre os poderes.

De fato, vamos assistir a confl itos entre o Executivo e o Judiciário na grande depressão americana (quando a Suprema Corte quis interferir nas ações do pre-sidente Roosevelt) e na criação da Justiça Constitucional, quando o Judiciário interfere na decisão do Parlamento, considerando uma lei inconstitucional.

A par disto, vamos ver a sociedade industrial criar um novo tipo de con-fl ito. O confl ito meta-individual ou transindividual, com um número mui-to grande de interessados na sua solução: as denominadas “class actions”. O Judiciário sai de uma posição secundária e subalterna para uma situação de protagonista, sendo capaz de produzir consequências profundas nas relações sociais, políticas e do cotidiano. O juiz, antes inerte, passa a adotar uma pos-tura mais ativa, podendo, por exemplo, paralisar a construção de uma estrada que está afetando o equilíbrio ecológico em uma determinada região; obri-gando o Estado ao fornecimento de medicamentos básicos aos hipossufi cien-

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tes; determinando a Administração Pública a contratar médicos e professores, visando a plena implementação de políticas sociais.

No Estado Democrático de direito hoje existente, em que o Estado, o di-reito e a sociedade assumem um compromisso com a Constituição, o Judici-ário passa a ter uma importância maior, diante de seu maior ativismo judicial.

Consequentemente, surge a necessidade de um maior controle sobre o “Gigante adormecido”. Afi nal, controle faz parte da teoria dos “checks and balances”.

A Constituição Brasileira de 1988, seguindo esta tendência mundial dos países democráticos, conferiu ao Poder Judiciário lugar de destaque, confi an-do-lhe a tutela de direitos subjetivos até mesmo contra o Poder Público e a função de efetivar os direitos e garantias individuais, abstratamente inscritos em seu texto.

O Poder Judiciário, consoante o artigo 2º da CF, possui a função precípua de julgar os confl itos de interesse que surgem na sociedade, fazendo aplicar a Lei e o Direito ao caso concreto. Deve, portanto, manter a paz social, impon-do aos cidadãos o cumprimento das leis do país, intervindo, quando provo-cado nos litígios existentes e solucionando os confl itos de interesse.

E como é feita essa pacifi cação? Mediante a atuação da vontade do direito objetivo que rege o caso concreto. Assim, duas pessoas em confl ito num pro-cesso judicial terão seus problemas solucionados por meio da aplicação da lei ao caso concreto. É o juiz exercendo a jurisdição.

Ressalve-se que a jurisdição é una. Como expressão do poder estatal, ela é eminentemente nacional e não comporta divisões. Porém, para uma distri-buição racional do trabalho, é importante que se criem organismos distintos, para os quais serão destinadas determinadas espécies de causas. São diversos os critérios determinantes na distribuição dos processos: em razão da matéria, da qualidade da pessoa etc. É o Estado, fazendo a divisão das Justiças, com vistas à melhor atuação da função jurisdicional. Trata-se da denominada OR-GANIZAÇÃO JUDICIÁRIA.

2) A ORGANIZAÇÃO JUDICIÁRIA

Com efeito, a Organização Judiciária tem como objetivo estabelecer nor-mas sobre a constituição dos órgãos encarregados do exercício da jurisdição. Para análise da matéria, deve-se partir de três premissas básicas:

(a) A estrutura judiciária brasileira é defi nida basicamente pela Cons-tituição, sendo o Capítulo III (Arts. 92 a 126) do título IV (Da Organização dos Poderes) da Carta Maior o texto básico para a compreensão e estudo do tema;

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(b) O Poder Judiciário brasileiro, em razão da forma de Estado federati-vo adotado pelo texto constitucional, é dual. Com tal modelo, ha-verá um ramo da Justiça que é administrado e mantido pela União e outro ramo administrado pelos Estados-membros da Federação brasileira; e

(c) A noção de que a ordem judiciária constitucional se estabelece em graus de jurisdição.

De fato, a primeira premissa denota que para se conhecer a estrutura do Poder Judiciário brasileiro deve-se conhecer a Constituição Federal. Esta constatação é consequência da garantia do Juiz Natural, também conhecida como “Princípio da naturalidade do Juízo” (HC 73.801-MG, Celso Mello, DJU 27.06.1997), positivada no texto constitucional no Artigo 5º, LIII (“Ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente”). Esta expressão signifi ca que o juiz natural ou a autoridade competente, no Brasil, é o órgão jurisdicional cujo poder derive de fontes constitucionais, de competência devidamente indicada pela Constituição Federal.

Assim, só é legítimo o juízo previsto pela Constituição e reconhecido por ela como natural, invalidando-se, em razão deste princípio, qualquer órgão jurisdicional criado à margem da Carta Magna, também chamado de juízo de exceção (Art. 5º, XXXVII, da CF: “Não haverá Juízo ou Tribunal de exce-ção”). Nesta dimensão, o Artigo 92 da Constituição estabelece a estrutura do Poder Judiciário brasileiro, integrado por diversos órgãos, repudiando todos aqueles que ali não se encontrem como integrantes do Poder Judiciário, ain-da que recebam a denominação de juiz ou tribunal. Logo, não integram esta estrutura — e, portanto, não são órgãos do Poder Judiciário — o Tribunal Marítimo, os Tribunais de Contas da União e dos Estados e o Superior Tri-bunal de Justiça Desportiva.

A segunda premissa decorre do princípio do dualismo judiciário, por meio do qual convivem, no mesmo sistema, um Poder Judiciário organizado pela União e um Poder Judiciário organizado por cada Estado-membro da Federação. Há, portanto, em decorrência de tal premissa, o Poder Judiciário da União (também chamado por muitos de Federal) e diversos Poderes Judi-ciários Estaduais, formando o Poder Judiciário Nacional.

A União organiza e mantém as Justiças Especializadas (ou, Especiais) do Trabalho, Eleitoral e Militar da União; e a Justiça Comum Federal e Comum do Distrito Federal e Territórios. É de sua responsabilidade, também, o Su-premo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça. Por sua vez, cada Estado-membro organiza, de acordo com sua Constituição, o respectivo Po-der Judiciário local (Art. 125 da Constituição Federal), composto da Justiça Comum Estadual e da Justiça Militar Estadual. Cabe ressaltar que as Justiças administradas pela União possuem sua estrutura defi nida na Constituição

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Federal, sendo sua organização judiciária defi nida em legislação federal. Já as Justiças Estaduais têm sua estrutura defi nida nas Constituições Estaduais, respeitadas as diretrizes fi xadas na Constituição Federal (Art. 125, caput). Sua organização judiciária é fi xada por meio de legislação estadual, em regra denominada Código de Organização Judiciária.

Finalmente, a terceira premissa, denominada princípio do duplo grau de jurisdição. Por tal princípio, toda causa que ingressa no Sistema Judiciário está sujeita a um duplo exame: o exame inicial, que é o julgamento originário da causa, e um exame posterior, que possui caráter revisional do primeiro jul-gamento. Por este princípio, haverá a possibilidade de duas decisões válidas e completas num mesmo processo, emanadas por juízes diferentes, prevalecen-do sempre a segunda sobre a primeira. Consoante decisão do STF, a formula-ção do duplo grau de jurisdição exige que o exame inicial e o exame posterior, também chamado de reexame, sejam promovidos por órgãos jurisdicionais diversos. Neste teor: “Para corresponder à efi cácia instrumental que lhe costuma ser atribuída, o duplo grau de jurisdição há de ser concebido, à moda clássica, com seus dois caracteres específi cos: a possibilidade de um reexame integral da sentença de primeiro grau e que esse reexame seja confi ado a órgão diverso do que a proferiu e de hierarquia superior na ordem judiciária”. (ROHC nº 79.785-7/RJ. Min.: Sepúlveda Pertence. DJU 22/11/2002).

Esta terceira premissa, denominada duplo grau de jurisdição, possui os seguintes fundamentos:

(a) Satisfazer o inconformismo do vencido. Há uma relação de auto-ridade entre o juiz, que fala em nome do Estado, e a parte, como cidadão, que tem que se curvar às decisões da autoridade. Mas o inconformismo do vencido é um fator grave de intranquilidade so-cial. A fi nalidade da jurisdição é não só atuar a vontade da lei, como também pacifi car os cidadãos para que eles voltem, encerrado o litígio, a viver harmoniosamente num instinto de solidariedade. A instituição do recurso visa atender a esse clamor, a essa revolta, a essa insatisfação do vencido, dando uma segunda oportunidade de obter uma decisão favorável e, portanto, contribuindo para que ao fi nal dessa segunda decisão, mesmo que continue sendo desfavorá-vel, voltem a viver pacifi camente.

(b) Coibir o arbítrio do juiz. O juiz que sabe que sua decisão pode ser reformada pelo tribunal superior, sente-se vigiado, controlado e cede com menos frequência à tentação do arbítrio. Já o juiz que sabe que sua decisão é irrecorrível, possui maior tendência ao arbí-trio, até mesmo em busca de uma justiça melhor que a justiça da lei. Ele acaba vendo na irrecorribilidade, se não tiver um espírito crítico

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muito aguçado, um poder absoluto, fazendo a melhor justiça da sua consciência, que não é necessariamente a justiça da lei.

(c) Melhorar a qualidade das decisões. O juiz pode ter examinado mal a prova, ou a matéria ser muito complexa, ou ainda pode ter uma opinião jurídica que não é a melhor, não é aceita pelos tribunais superiores. Uma segunda oportunidade de julgamento dá ao tribu-nal de superior instância a oportunidade de examinar a causa com base na motivação do juiz de primeiro grau e outros fundamentos, além daqueles expostos pelo juiz na sua decisão. Dois julgamentos aumentam a probabilidade de acerto da decisão. Neste contexto, percebe-se que temos, portanto, na terminologia brasileira, juízos, que são órgãos de primeiro grau, em regra monocráticos, ou seja, o julgamento é realizado por um único juiz, e temos também os tribunais, órgãos de segundo grau, cujo julgamento, em regra, se dá de forma colegiada. São órgãos inferiores e superiores.

Observe o Organograma a seguir, que representa a Organização Judiciária brasileira, com fundamento em dispositivos da Constituição Federal:

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Este organograma acompanhará nosso estudo, quando analisarmos cada um dos ramos da Organização Judiciária.

Após examiná-lo, responda?

Existe entre os juízos e os tribunais uma hierarquia?

A resposta é não. Há que se ressaltar que não existe entre eles qual-quer hierarquia jurisdicional. Não há poder de mando dos órgãos supe-riores aos inferiores no que tange aos julgamentos a serem realizados. O que há é um poder de revisão, dentro do princípio já examinado do du-plo grau de jurisdição, mas cada juiz é livre para proferir a sua sentença.

Diferentemente, no plano administrativo, existe sim uma hierar-quia. Isto porque, os Tribunais de Justiça são responsáveis pela admi-nistração da Justiça do Estado, cabendo-lhes prover cargos, realizar concursos, aplicar penalidades etc.

Acima de todos os juízos e tribunais estão o Supremo Tribunal Fe-deral e o Superior Tribunal de Justiça, cuja função é a de julgar recursos provenientes das Justiças que compõem o Poder Judiciário nacional.

3) A MAGISTRATURA NACIONAL

A Magistratura é o conjunto de juízes que integram o Poder Judiciário.Além das disposições constitucionais acima descritas, que organizam a es-

trutura da Justiça no Brasil, existe ainda a Lei Complementar nº 35, de 14 de março de 1979, mais conhecida como LOMAN, que estrutura a carreira da magistratura nacional, estabelecendo as garantias, prerrogativas, deveres, direitos, vencimentos, vantagens, forma de ingresso, dentre outras coisas. É a Lei Orgânica da Magistratura Nacional.

A magistratura é organizada em carreira.A investidura se dá por meio de concurso público, exigência inserida no

Artigo 37, II da Constituição, para todos os cargos iniciais da magistratura nacional.

Já para o Supremo Tribunal Federal e Tribunais Superiores, a forma de investidura é diversa, como veremos nas próximas aulas.

Para concorrer ao cargo de magistrado, o candidato deverá preencher os seguintes requisitos:

1- Nacionalidade brasileira — aqui não existe distinção entre brasi-leiros natos ou naturalizados, sendo vedado somente o acesso aos estrangeiros.

2- Diploma de bacharel em Direito — curso de Direito em faculdade ofi cial ou reconhecida pelo Ministério da Educação.

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2 Revogou a Resolução nº 11/CNJ de 31

de janeiro de 2006.

3- Três anos de atividade jurídica — inovação trazida pela Emenda Constitucional nº 45. Como a expressão “atividade jurídica” não é muito precisa, logo após a publicação da Emenda, iniciou-se uma discussão a respeito de sua defi nição. A matéria hoje se encontra regulamentada pela Resolução nº 75 do Conselho Nacional de Jus-tiça2, na forma que se coloca abaixo.

“Art. 59. Considera-se atividade jurídica, para os efeitos do art. 58, § 1º, alínea “i”:

I — aquela exercida com exclusividade por bacharel em Direito; II — o efetivo exercício de advocacia, inclusive voluntária, me-

diante a participação anual mínima em 5 (cinco) atos privati-vos de advogado (Lei nº 8.906, 4 de julho de 1994, art. 1º) em causas ou questões distintas;

III — o exercício de cargos, empregos ou funções, inclusive de magistério superior, que exija a utilização preponderante de conhecimento jurídico;

IV — o exercício da função de conciliador junto a tribunais judiciais, juizados especiais, varas especiais, anexos de juizados especiais ou de varas judiciais, no mínimo por 16 (dezesseis) horas mensais e durante 1 (um) ano;

V — o exercício da atividade de mediação ou de arbitragem na composição de litígios.

§ 1º É vedada, para efeito de comprovação de atividade ju-rídica, a contagem do estágio acadêmico ou qualquer outra atividade anterior à obtenção do grau de bacharel em Direito.

§ 2º A comprovação do tempo de atividade jurídica relativamen-te a cargos, empregos ou funções não privativos de bacharel em Direito será realizada mediante certidão circunstanciada, expedi-da pelo órgão competente, indicando as respectivas atribuições e a prática reiterada de atos que exijam a utilização preponderante de conhecimento jurídico, cabendo à Comissão de Concurso, em decisão fundamentada, analisar a validade do documento.”

4- Regularidade no serviço militar5- Estar no gozo dos direitos políticos — comprovação por meio de

certidão fornecida pela Justiça Eleitoral6- Integridade física e mental — demonstrada por meio de um exame

psicotécnico, bem como por uma entrevista pessoal com a Banca Examinadora.

7 Boa conduta social — o candidato deve ter conduta ilibada peran-te a sociedade, não podendo registrar antecedentes criminais que sejam incompatíveis com o exercício da função. Mas veja! Não se trata de qualquer antecedente. Para ser impeditivo ao cargo de juiz

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FGV DIREITO RIO 14

3 Resolução do CNJ nº 75 de 12 de maio

de 2009.

4 Artigo 93, II, e da Constituição

Federal.

deve ser incompatível com as funções que um juiz de Direito irá as-sumir. Assim, por exemplo, uma lesão corporal culposa no trânsito, em regra, não será causa impeditiva ao cargo.

No que se refere ao concurso de ingresso na carreira da magistratura, o CNJ uniformizou as regras em todos os ramos do Poder Judiciário nacional.3

A partir da nova Resolução, o concurso deverá ser realizado em cinco eta-pas, ao contrário da antiga que previa apenas quatro fases.

Na primeira etapa, o candidato realizará uma prova objetiva seletiva de caráter eliminatório e classifi catório. Exclusivamente para a execução desta fase, os Tribunais poderão contratar os serviços de instituições especializadas.

Para a segunda etapa, também de caráter eliminatório e classifi catório, o candidato deverá responder questões discursivas e elaborar uma sentença.

A terceira é constituída de três fases de caráter apenas eliminatório: sin-dicância da vida pregressa e investigação social; exame de sanidade física e mental e, por último, exame psicotécnico.

Vencidas essas três etapas, o candidato deverá ser arguido através da prova oral pela Banca do Concurso. A fi m de dar maior transparência e confi abili-dade a esta fase, a Resolução determinou o registro em gravação de áudio ou por qualquer outro meio que possibilite a sua posterior reprodução.

Por fi m, a quinta e última etapa, com a apresentação dos títulos que even-tualmente o candidato possua, é meramente classifi catória, chegando-se ao fi nal do concurso com a classifi cação fi nal.

Para esta etapa, a Resolução 75/CNJ trouxe uma inovação referente à defi -nição dos títulos admitidos, assim como a fi xação de percentual máximo para efeito de pontuação.

Haverá possibilidade de recurso em todas as etapas, exceto para a prova oral.Assim, os juízes iniciam a carreira em cargos inferiores, com possibilidade

de acesso a cargos mais elevados, segundo critérios de promoção, por antigui-dade e merecimento, alternadamente, conforme dispõe o Artigo 93, II da CF.

Se o magistrado desejar prosseguir na carreira, poderá obter promoções e chegar ao segundo grau de jurisdição, quando passará a integrar o tribunal respectivo.

A aferição de merecimento será avaliada com base no desempenho, nos critérios objetivos de produtividade e presteza no exercício da função, bem como a frequência e aproveitamento em cursos ofi ciais ou reconhecidos de aperfeiçoamento.

Exemplo disso foi a introdução pela EC nº 45 de um critério impeditivo de promoção do magistrado. Trata-se do juiz que injustifi cadamente retiver autos em seu poder além do prazo legal4.

Há, também, outra forma pela qual um profi ssional do Direito pode vir a integrar a magistratura. Por meio do instituto jurídico denominado “Quinto

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constitucional.” O quinto constitucional tem previsão na Constituição Fede-ral e estabelece a forma de integração de advogados e membros do Ministério Público aos quadros dos tribunais estaduais (Art. 94 da CF) e federais (art. 107, I; 111-A, I; 115, I; 123, Parágrafo único, I e II da CF). A partir de uma lista tríplice encaminhada pelo próprio Tribunal, o Governador do Estado escolherá um de seus integrantes para nomeação, matéria que estudaremos mais profundamente no decorrer do curso.

4) A INDEPENDÊNCIA DO PODER JUDICIÁRIO E SUAS GARANTIAS

Como já estudado, o objetivo inicial da clássica separação das funções do Estado e distribuição entre órgãos autônomos e independentes tem como fi nalidade a proteção da liberdade individual, dos direitos fundamentais e do Estado Democrático de direito.

Para tanto, atribuiu-lhes um mecanismo de controles recíprocos, denomi-nado freios e contrapesos (checks and balances).

A estes órgãos (Legislativo, Executivo, Judiciário) a Constituição Federal confi ou parcela da autoridade soberana do Estado, garantindo-lhes autono-mia e independência.

O legislador constituinte, no intuito de preservar este mecanismo recípro-co de controle e a perpetuidade do Estado democrático, previu, para o bom exercício das funções estatais, diversas prerrogativas, imunidades e garantias a seus agentes políticos.

As garantias conferidas aos membros do Poder Judiciário têm, assim, o condão de conferir à instituição a necessária independência para o exercício da jurisdição.

Podemos então dividir tais garantias, para melhor visualização e estudo, em garantias institucionais e garantias aos membros.

Ao Poder Judiciário como instituição, a Constituição assegura a prerroga-tiva do autogoverno. E em que consiste o autogoverno? Consiste na autono-mia funcional, administrativa e fi nanceira. É o exercício pelo Poder Judiciário de atividades normativas e administrativas de auto-organização e auto-regu-lamentação. Compreende ainda a autonomia fi nanceira, consistente na prer-rogativa de elaboração de proposta orçamentária e na gestão das dotações pelos próprios tribunais.

É o próprio Judiciário ainda quem organiza suas secretarias e serviços auxilia-res, elege seus órgãos diretivos e elabora seus regimentos internos, concede licen-ças, férias e afastamentos a seus membros e aos juízes e servidores, dá provimen-to, por concurso público, aos cargos necessários à administração da Justiça etc.

Já as garantias conferidas aos membros do Poder Judiciário dividem-se em garantias de independência e garantias de imparcialidade.

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ORGANIZAÇÃO DA JUSTIÇA E DO MINISTÉRIO PÚBLICO

FGV DIREITO RIO 16

5 Artigo 93, II, c da Constituição

Federal.

6 O CNJ aprovou a Resolução 34, de

abril de 2007, que regulamenta a ati-

vidade de magistério pelo Magistrado.

Basicamente, veda ao magistrado o

exercício de atividade de magistério

ligada à gestão.

As primeiras se destinam a tutelar a independência do magistrado perante órgãos ou entidades estranhas ao Poder Judiciário ou até mesmo pertencentes à própria organização judiciária.

São elas: vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade de subsídios, to-das elas disciplinadas no Artigo 95 da Constituição.

A vitaliciedade é a impossibilidade de perda do cargo senão por sentença transitada em julgado, dentro de determinadas hipóteses previstas em lei.

Não é possível, portanto, após o vitaliciamento, a exoneração do magistra-do de seu cargo por mero procedimento administrativo.

Sua aquisição se dá após o chamado estágio probatório, ou seja, após dois anos de efetivo exercício da carreira, mediante aprovação no concurso de provas e títulos.

Durante este período de prova, o magistrado deverá prestar conta de sua atuação por meio de relatórios periódicos, além das correições a que será submetido.

A Emenda Constitucional nº 45 acrescentou mais um requisito. Trata-se da necessária participação do magistrado em cursos ofi cial ou reconhecido por escola nacional de formação e aperfeiçoamento de magistrados5.

A inamovibilidade, por sua vez, consiste na impossibilidade de se remover membro da instituição do órgão onde esteja lotado, sem a sua manifestação voluntária.

A inamovibilidade não sofre exceção sequer em caso de promoção, que não pode ocorrer sem a aquiescência do magistrado. Em caso de interesse público, porém, reconhecido pelo voto da maioria absoluta do Tribunal ou do Conselho Nacional de Justiça, dispensa-se essa anuência.

Por fi m, a irredutibilidade de subsídios emerge da necessidade de se ga-rantir ao juiz, para o bom desempenho de suas relevantes funções institucio-nais, imunidade a eventuais retaliações dos governantes no que concerne à diminuição de sua remuneração.

Ressalte-se, porém, que tal garantia não é impeditiva da incidência de quaisquer tributos sobre os vencimentos dos juízes.

As garantias de imparcialidade são impedimentos constitucionais dos ju-ízes que consistem em vedações que visam a dar-lhes melhores condições de imparcialidade, representando, assim, uma garantia para os litigantes.

O juiz é impedido, consoante o Artigo 95, parágrafo único da CF, de:“I — exercer, ainda que em disponibilidade, outro cargo ou função, salvo

uma de magistério;6

II — receber, a qualquer título ou pretexto, custas ou participação em

processo;

III — dedicar-se à atividade político-partidária.

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FGV DIREITO RIO 17

7 Artigo 95, parágrafo único da

Constituição Federal.

8 Artigo 128, §6º da Constituição

Federal.

9 TAVARES, André Ramos. Reforma do

Judiciário no Brasil Pós-88. Saraiva,

2005, p.86.

IV — receber, a qualquer título ou pretexto, auxílios ou contribuições

de pessoas físicas, entidades públicas ou privadas, ressalvadas as exceções

previstas em lei;

V — exercer a advocacia no juízo ou tribunal do qual se afastou, antes

de decorridos três anos do afastamento do cargo por aposentadoria ou exo-

neração.7”

Este inciso V é mais uma inovação tra zida pela Reforma do Judiciário — EC nº 45. Trata-se da quarentena, imposta aos juíze s e membros do Minis-tério Público8.

A fi nalidade da no rma é preservar a imparcialidade-neutralidade dos juízes e tribunais nos quais o ex-juiz ou ex-promotor tenha atuado. O trabalho, como é sabido, cria laços de amizade e companheirismo entre colegas da pro-fi ssão. Surge daí a necessidade de se evitar o tráfi co de infl uência que poderia ocorrer nestes casos.

Parte dos estudiosos festeja a inovação, sendo um dos reclamos atendidos pelo constituinte derivado, como garantia de uma maior imparcialidade nas decisões do Poder Judiciário.

Outros, porém, criticam a forma como isto restou estipulado:

“A norma não se apresenta apta a inibir o exercício da advocacia nos

termos estipulados, vez que juízes e promotores poderão utilizar-se de outras

pessoas para atuarem em seu nome. Ademais, não será pelo mero decurso do

período de três anos (prazo temporal desacompanhado de qualquer outra

exigência mais fi rme) que os possíveis laços de amizade e infl uência de um

magistrado desaparecerão. Pelo contrário, o comum é que a mera passagem

do tempo os fortaleça, se já existiam realmente. Se não existiam, o problema

não se põe e a restrição é inadmissível. Assim, a medida não se mostra efi caz

na prática.

Há um pressuposto sinistro, além disso, de que juízes e promotores, que

até então eram responsáveis pela prestação da Justiça, no dia seguinte pas-

sariam a adotar atitudes imorais e desonestas, para atender a interesses pes-

soais escusos.

Por fi m, impedir pura e simplesmente, o exercício da advocacia, por

juízes ou promotores que se aposentaram ou foram exonerados, signifi ca

restringir direitos individuais, o que só tem sentido se for para salvaguar-

dar o interesse público, o que não parece ser facilmente demonstrável no

caso em tela.9”

A OAB deverá passar a averiguar e controlar o triênio na atribuição da carteira funcional aos ex-integrantes do Judiciário e Ministério Público.

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10 Artigo 36, III da Lei Complementar

35/79.

Outro impedimento, previsto na LOMAN, veda ao magistrado se “ma-nifestar, por qualquer meio de comunicação, opinião sobre processo pendente de julgamento, seu ou de outrem, ou juízo depreciativo sobre despachos, votos ou sentenças, de órgãos judiciais, ressalvada a crítica nos autos e em obras técnicas ou no exercício do magistério.10”

O CNJ através da Resolução n. 10, de 19 de dezembro de 2005, proibiu o exercício pelo magistrado de funções nos Tribunais de Justiça Desportiva e em Comissões Disciplinares.

Visa-se com todas estas vedações obter a dedicação exclusiva do magistra-do às suas funções constitucionais.

O quadro abaixo é elucidativo:

Garantias

Da instituição Autogoverno• Autonomia funcional• Autonomia administrativa• Autonomia fi nanceira

Dos membros

Garantias deindependência

• Vitaliciedade• Inamovibilidade• Irredutibilidade de subsídios

Garantias de impar-cialidade

(vedações)

• exercício de outro cargo ou função, salvo uma de magistério;

• recebimento de custas e participações em processos;

• dedicar-se à atividade político-partidária;• receber, a qualquer título ou pretexto,

auxílios ou contribuições de pessoas físicas, entidades públicas ou privadas, ressalvadas as exceções previstas em lei;

• exercer a advocacia no juízo ou tribunal do qual se afastou, antes de decorridos três anos do afastamento do cargo por aposentadoria ou exoneração;

• manifestar-se, por qualquer meio de comu-nicação, opinião sobre processo pendente de julgamento, seu ou de outrem, ou juízo depreciativo sobre despachos, votos ou sentenças, de órgãos judiciais, ressalvada a crítica nos autos e em obras técnicas ou no exercício do magistério.

• exercer funções nos Tribunais de Justiça Des-portiva e em Comissões Disciplinares

Finalmente, cabe ressalvar que os magistrados, face ao regime jurídico es-pecial que possuem, têm ainda prerrogativas e deveres previstos na LOMAN, onde se destacam:

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FGV DIREITO RIO 19

Prerrogativas do Magistrado

“Art. 33 — São prerrogativas do magistrado:I — ser ouvido como testemunha em dia, hora e local previamente ajustados com

a autoridade ou Juiz de instância igual ou inferior;II — não ser preso senão por ordem escrita do Tribunal ou do órgão especial

competente para o julgamento, salvo em fl agrante de crime inafi ançável, caso em que a autoridade fará imediata comunicação e apresentação do magistrado ao Presidente do Tribunal a que esteja vinculado (vetado);

III — ser recolhido a prisão especial, ou a sala especial de Estado-Maior, por ordem e à disposição do Tribunal ou do órgão especial competente, quando sujeito à prisão antes do julgamento fi nal;

IV — não estar sujeito à notifi cação ou à intimação para comparecimento, salvo se expedida por autoridade judicial;

V — portar arma de defesa pessoal.Parágrafo único — Quando, no curso de investigação, houver indício da prática

de crime por parte do magistrado, a autoridade policial, civil ou militar, remeterá os respectivos autos ao Tribunal ou órgão especial competente para o julgamento, a fi m de que prossiga na investigação.

Deveres do Magistrado

“Art. 35 — São deveres do magistrado:I — Cumprir e fazer cumprir, com independência, serenidade e exatidão, as

disposições legais e os atos de ofício;II — não exceder injustifi cadamente os prazos para sentenciar ou despachar;III — determinar as providências necessárias para que os atos processuais se rea-

lizem nos prazos legais;IV — tratar com urbanidade as partes, os membros do Ministério Público, os

advogados, as testemunhas, os funcionários e auxiliares da Justiça, e atender aos que o procurarem, a qualquer momento, quanto se trate de providência que reclame e possibilite solução de urgência.

V — residir na sede da Comarca salvo autorização do órgão disciplinar a que estiver subordinado;

VI — comparecer pontualmente à hora de iniciar-se o expediente ou a sessão, e não se ausentar injustifi cadamente antes de seu término;

VIl — exercer assídua fi scalização sobre os subordinados, especialmente no que se refere à cobrança de custas e emolumentos, embora não haja reclamação das partes;

VIII — manter conduta irrepreensível na vida pública e particular.”

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Todas estas garantias e deveres, que constituem uma “blindagem” para o exercício pleno das atividades da magistratura, são imprescindíveis à de-mocracia, à perpetuidade da separação dos poderes e ao respeito aos direitos fundamentais, confi gurando suas ausências, supressões ou mesmo reduções, obstáculos inconstitucionais ao Poder Judiciário, no exercício do seu mister constitucional.

Em outubro de 2007, a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal decidiu afetar ao Plenário o julgamento do recurso extraordinário em que se discute se o foro especial por prerrogativa de função estende-se ou não àque-les que se aposentam em cargos cujos ocupantes ostentam tal prerrogativa.

“Juiz Aposentado: Vitaliciedade e Prerrogativa de Foro

A Turma, em questão de ordem, decidiu, por maioria, afetar ao Plenário julga-mento de recurso extraordinário em que se discute se o foro especial por prerrogativa de função estende-se ou não àqueles que se aposentam em cargos cujos ocupantes ostentam tal prerrogativa. Trata-se, na espécie, de agravo de instrumento convertido em recurso extraordinário criminal interposto, por desembargador aposentado, contra decisão da Corte Especial do STJ que declinara de sua competência, em ação penal contra ele instaurada, ao fundamento de que, em decorrência de sua aposentadoria, não teria direito à prerrogativa de foro pelo encerramento defi nitivo da função. O ora recorrente sustenta a incidência do art. 95, I, da CF, assegurador da vitaliciedade aos magistrados, sob a alegação de que esta somente poderia ser afastada por sentença ju-dicial transitada em julgado, na qual consignada a perda do cargo. Alega, ainda, que a correta leitura do art. 105, I, a, da CF, incluiria também os desembargadores apo-sentados, uma vez que interpretação diversa desse dispositivo o colocaria em situação inusitada, pois, o submeteria, na qualidade de ex-presidente e ex-corregedor-geral, a juiz que eventualmente tenha recebido alguma sanção disciplinar. Por fi m, pleiteia o reconhecimento da negativa de vigência aos artigos 5º, XXXV, LIV, LV, e § 2º e 93, IX, ambos da CF e, alternativamente, requer sejam tidos como transgredidos os artigos 94, I e 105, I, da CF. Vencidos, quanto ao deslocamento, os Ministros Carlos Britto e Cármen Lúcia que, tendo em conta a existência de precedentes da Corte, consideravam que a matéria poderia ser decidida pela própria Turma. RE 549560/CE, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 23.10.2007. (RE-549560)”

Informativo nº 485 do STF — de 22 a 26 de outubro de 2007.

Quanto aos Juízes de primeiro grau que são convocados pelos Tribunais de Justiça para exercer a função de desembargador, o Superior Tribunal de Jus-tiça já decidiu que eles não possuem a prerrogativa de foro prevista no artigo 105 da Constituição Federal. A prerrogativa é vinculada ao cargo e não ao eventual exercício da função em substituição:

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“PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL. JUÍZA DE 1º GRAU EM SUBSTITUIÇÃO NO TRIBUNAL DE JUSTIÇA. AUSÊNCIA DE PRERRO-GATIVA DE FORO. AGRAVO IMPROVIDO.

1. Os Juízes de 1º grau em substituição nos Tribunais de Justiça não possuem a prerrogativa de foro assegurada pelo art. 105, inciso I, da Constituição da República.

2. Agravo regimental improvido.”(AgRg na Representação nº 368 — BA (2007/0195172-5), Relator Ministro

Arnaldo Esteves Lima. Acórdão publicado em 15/05/2008)

CASO DE SEDIMENTAÇÃO 1:

Magistrado tem que se explicar em CPI?Após ter estudado bastante para seu concurso público, relembrando todo o ma-

terial da graduação da FGV (notadamente as aulas de Organização da Justiça e do MP!!) você se encontra no exercício da magistratura federal. Recentemente, atuou em processo rumoroso, que lhe rendeu bastante trabalho, tendo proferido 20 laudas de decisão para o deferimento de liminar em favor da Empresa X, a qual litigava contra a Caixa Econômica Federal acerca de expressivo numerário que teria sido irregularmente utilizado por esta estatal com violação a direitos contratuais da Empresa X. Passados dois meses do deferimento da liminar, eis que surge uma correspondência do Senado Federal em seu gabinete, convocando-o a “prestar esclarecimentos perante a Comissão Parlamentar de Inquérito dos Bin-gos”, tendo em vista ter você proferido decisão contra a CEF, em favor da Empresa X, ambas sob investigação da CPI. Está você obrigado a comparecer? Está obriga-do a prestar esclarecimentos acerca de sua decisão? Em caso de respostas negativas, o que você poderia fazer?

LEITURA OBRIGATÓRIA:

HC 86581/DF. Rel. Min. Ellen Gracie, 23/2/2006, disponível no sítio ele-trônico do Supremo Tribunal Federal

5) O CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA

Após a análise sobre o Poder Judiciário e a necessidade de sua imparcia-lidade e independência, convém tratarmos da legitimidade de um controle externo sobre suas atividades.

A Emenda Constitucional nº 45, de 30 de dezembro de 2004, denomi-nada Reforma do Judiciário, estabeleceu, como órgão do Poder Judiciário, o Conselho Nacional de Justiça. Trata-se da implementação do controle exter-

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ORGANIZAÇÃO DA JUSTIÇA E DO MINISTÉRIO PÚBLICO

FGV DIREITO RIO 22

11 Disponíveis para consulta no link

http://www.cnj.jus.br

12 Um exemplo disso é a Emenda

Constitucional n. 50, que se originou

da PEC 347/96, e que o CNJ pediu, em

seu relatório de 2005 a prioridade do

Poder Legislativo para a sua aprovação

(ver página 94 do relatório).

no da administração da Justiça em nosso ordenamento, como ocorre já de há muito tempo em alguns países da Europa.

Diversas motivações nortearam o Congresso Nacional. Uma delas, de grande apelo popular, dizia respeito à moralidade administrativa, sacrifi cada por atos de nepotismo, falta de concursos públicos para contratação de asses-sores e abuso de poder encontráveis, em maior ou menor grau, na magistra-tura estadual e federal.

As questões levantadas são tipicamente de administração da Justiça, en-contrando no âmbito do Conselho criado um foro adequado para a sua dis-cussão ampla.

Está previsto ainda o controle da atuação administrativa e fi nanceira, com a consequente elaboração anual de relatório11, propondo as providências ne-cessárias sobre a situação do Poder Judiciário no país e da prestação do servi-ço jurisdicional, sugerindo, inclusive, alterações nas legislações e na própria Constituição12. Controle de atuação administrativa e fi nanceira signifi cam uma avaliação do serviço prestado. O sistema de Justiça e subsistemas que o integram são considerados atualmente não simplesmente como o exercício de uma potestade pública, mas como serviços públicos, suscetíveis de serem organizados, dirigidos e avaliados da mesma maneira como podem sê-lo a saúde, a educação, o transporte etc. A transparência é essencial. Esta compe-tência teve como motivação a necessidade de o Estado brasileiro oferecer às cidadãs e cidadãos do país uma administração de Justiça ágil, transparente e efi caz para a proteção dos direitos e reparação das violações.

Neste cenário, foi criado o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), órgão integrante do Poder Judiciário brasileiro, com atuação em todo o território na-cional, instalado em 14 de junho de 2005, com sede em Brasília, e composto pelo Presidente do Supremo Tribunal Federal e mais 14 membros nomeados pelo presidente da República, depois de aprovada a escolha pela maioria abso-luta do Senado Federal, para um mandato de dois anos, admitida uma recon-dução. Em sua maioria (nove integrantes), o CNJ é composto por membros do próprio Poder Judiciário e pode ser dividido da seguinte forma:

(a) Membros do Judiciário (9):

- o Presidente do Supremo Tribunal Federal;- um ministro do Superior Tribunal de Justiça, indicado pelo respec-

tivo tribunal;- um ministro do Tribunal Superior do Trabalho, indicado pelo res-

pectivo tribunal;- um desembargador de Tribunal de Justiça, indicado pelo Supremo

Tribunal Federal;

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ORGANIZAÇÃO DA JUSTIÇA E DO MINISTÉRIO PÚBLICO

FGV DIREITO RIO 23

- um juiz estadual, indicado pelo Supremo Tribunal Federal;- um juiz de Tribunal Regional Federal, indicado pelo Superior Tri-

bunal de Justiça;- um juiz federal, indicado pelo Superior Tribunal de Justiça;- um juiz de Tribunal Regional do Trabalho, indicado pelo Tribunal

Superior do Trabalho;- um juiz do trabalho, indicado pelo Tribunal Superior do Trabalho;

(b) Membros das Funções essenciais à Justiça (4):

Ministério Público (2):- um membro do Ministério Público da União, indicado pelo procu-

rador-geral da República;- um membro do Ministério Público estadual, escolhido pelo pro-

curador-geral da República dentre os nomes indicados pelo órgão competente de cada instituição estadual;

Advocacia (2):- dois advogados, indicados pelo Conselho Federal da Ordem dos

Advogados do Brasil;

(c) Membros da sociedade escolhidos pelo Legislativo (2):

- dois cidadãos, de notável saber jurídico e reputação ilibada, indica-dos um pela Câmara dos Deputados e outro pelo Senado Federal.

Cabe destacar que, com a alteração promovida pela Emenda Consti-tucional nº 61/2009, caberá ao Presidente do STF presidir o Conselho Nacional de Justiça e, nas suas ausências e impedimentos, caberá ao Vice-Presidente do STF.

Para o Supremo Tribunal Federal, “a existência, no Conselho, de membros alheios ao corpo da magistratura, além de viabilizar a erradicação do corporati-vismo, estende uma ponte entre o Judiciário e a sociedade, permitindo a oxigena-ção da estrutura burocrática do Poder e a resposta a críticas severas” (STF — Ple-no — ADIN nº 3.367/DF — Rel. Min. César Peluso, decisão: 13-4-2005).

Doutrina e jurisprudência muito divergiam a respeito da constitucionali-dade da criação deste controle externo. A discussão passava principalmente por dois pontos: a independência dos poderes (Art. 2º da CF) e a vulneração das cláusulas pétreas (Art. 60,§ 4º da CF).

Pense, medite e responda:

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FGV DIREITO RIO 24

13 Ministro Nelson Jobim, então

Ministro do STF, em artigo “Judiciário:

Construindo um novo modelo; in “A

reforma do Poder Judiciário no Estado

do Rio de Janeiro. Fundação Getúlio

Vargas-Rio de Janeiro, 2005.

Viola a criação do CNJ a independência entre os poderes e as cláusulas pétreas?

Até que ponto a criação desse órgão controlador não iria ferir a inde-pendência dos poderes, tão preservada em nossa Constituição e que veio inclusive coberta pelo manto da imutabilidade das cláusulas pétreas?

Ocorre que, como é cediço, as estruturas do Poder — Legislativo, Execu-tivo e Judiciário — vêm sofrendo um grande desgaste nas últimas décadas. Questões relevantes precisam ser discutidas para a reestruturação do Estado e dos poderes públicos. O Parlamento não mais, necessariamente, refl ete a vontade popular, havendo necessidade de uma ampla reforma política, prin-cipalmente no tocante ao sistema eleitoral.

No campo do Poder Executivo, problemas semelhantes se apresentam. A transformação do Estado Liberal para o Estado do Bem-Estar Social mudou completamente a relação Executivo — Sociedade. São as privatizações, as agên-cias reguladoras, a ingerência cada vez maior do Estado na vida do particular...

Da mesma forma, é inegável também a crise no Judiciário brasileiro. O nosso Judiciário é considerado lento, inefi caz e caro. O Judiciário tornou-se protagonista de uma série de confl itos, mas não vem sendo capaz de dar as tão almejadas respostas à sociedade.

Quais as causas para esta crise do Judiciário?

Para o STF, as causas são muitas, mas especialmente:— A criação dos Juizados Especiais na Justiça Estadual, em 1995, e

na Justiça Federal, em 2002, que elevou signifi cativamente o acesso à Justiça;

— A intensa judicialização das denominadas lesões de massa, como por exemplo, as questões decorrentes dos planos econômicos;

— O aumento da criminalidade organizada;— O aumento do controle de constitucionalidade, tanto a nível

concentrado quanto a nível difuso.13

Uma das soluções encontradas para se acabar com a crise no Judiciário foi a sua Reforma, ocorrida em 2004, com a EC nº 45, que criou o então órgão de controle externo, denominado Conselho Nacional de Justiça.

Tal criação já foi objeto de Ação de Declaração de Inconstitucionalidade, ADIN nº 3367, julgada em abril de 2005, tendo como relator o ministro Cezar Peluso, tendo sido reconhecida a constitucionalidade do Conselho Na-cional de Justiça.

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FGV DIREITO RIO 25

Trata-se de um órgão cuja natureza é meramente administrativa. Órgão interno do Poder Judiciário de controle administrativo, fi nanceiro e disci-plinar da magistratura. Não há infringência nas funções típicas do Judici-ário. Preserva-se a imparcialidade e a independência do magistrado, apesar do mesmo passar a se submeter a um controle administrativo externo por parte do CNJ. Esta decisão inova não somente em relação ao CNJ, cuja constitucionalidade foi declarada, mas também reforça e centraliza na força do Supremo Tribunal Federal todo o ordenamento jurídico-constitucional brasileiro. Torna o STF não só a cúpula jurisdicional do Poder Judiciário brasileiro, como já tradicionalmente estabelecido, como também, a partir da EC nº 45/04, sua cúpula administrativa, fi nanceira e disciplinar, pois todas as decisões do CNJ sobre o controle da atuação administrativa e fi nanceira dos tribunais e sobre a atuação funcional dos magistrados serão passíveis de controle jurisdicional pelo STF, que fi xará o último posicionamento. Leia a seguir o trecho da decisão acerca deste ponto:

“(...) 4. PODER JUDICIÁRIO. Conselho Nacional de Justiça. Órgão de

natureza exclusivamente administrativa. Atribuições de controle da ativi-

dade administrativa, fi nanceira e disciplinar da magistratura. Competência

relativa apenas aos órgãos e juízes situados, hierarquicamente, abaixo do

Supremo Tribunal Federal. Preeminência deste, como órgão máximo do Po-

der Judiciário, sobre o Conselho, cujos atos e decisões estão sujeitos a seu con-

trole jurisdicional. Inteligência dos art. 102, caput, inc. I, letra “r”, e § 4º,

da CF. O Conselho Nacional de Justiça não tem nenhuma competência sobre

o Supremo Tribunal Federal e seus ministros, sendo esse o órgão máximo do

Poder Judiciário nacional, a que aquele está sujeito. (...)”

Seria constitucional um Estado da Federação criar um órgão similar ao CNJ no âmbito estadual?

O Supremo Tribunal Federal também já teve a oportunidade de so-lucionar tal questão, na mesma ADIN, nos seguintes termos:

“(...) 3. PODER JUDICIÁRIO. Caráter nacional. Regime or-

gânico unitário. Controle administrativo, fi nanceiro e discipli-

nar. Órgão interno ou externo. Conselho de Justiça. Criação por

Estado membro. Inadmissibilidade. Falta de competência consti-

tucional. Os Estados membros carecem de competência constitu-

cional para instituir, como órgão interno ou externo do Judiciá-

rio, conselho destinado ao controle da atividade administrativa,

fi nanceira ou disciplinar da respectiva Justiça.(...)”

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ORGANIZAÇÃO DA JUSTIÇA E DO MINISTÉRIO PÚBLICO

FGV DIREITO RIO 26

Como já ressaltado acima, a jurisdição é una. Como expressão do poder estatal, ela é eminentemente nacional e não comporta divisões. Desta forma, como bem assinalou o STF, o Poder Judiciário é nacional e seu regime orgânico é unitário, não comportando a instituição de novos órgãos controladores em âmbito estadual.

Desta forma, três são os pontos caracterizadores do CNJ que afastam a possibilidade de declaração de sua inconstitucionalidade sob alegação de in-terferência na separação de Poderes:

- é órgão integrante do Poder Judiciário;- sua composição apresenta maioria absoluta de membros do Poder

Judiciário;e- existe possibilidade de controle de seus atos pelo órgão da cúpula do

Poder Judiciário, o Supremo Tribunal Federal.

Resta, portanto, agora, saber quais são as tão discutidas atribuições do CNJ.

A Constituição Federal trouxe, em seu Artigo 103—B, § 4º, um rol exempli-fi cativo das mais importantes atribuições do CNJ. Passam elas pelo controle da atuação administrativa e fi nanceira do Poder Judiciário e do cumprimento dos deveres funcionais dos juízes.

Para uma maior aproximação do Conselho Nacional de Justiça com a sociedade, garantindo maior efetividade na sua atuação, a EC nº 45/2004 previu ainda no Art. 103-B, §7º, a criação de Ouvidorias de Justiças, com competência para receber reclamações e denúncias de qualquer interessado contra membros ou órgãos do Poder Judiciário, ou contra seus serviços auxi-liares, representando diretamente ao CNJ.

Questão que tem encontrado grande divergência jurisprudencial e dou-trinária diz respeito aos limites do poder normativo do CNJ. A Reforma do Judiciário lhe conferiu a importante atribuição de zelar pela autonomia do Poder Judiciário e pelo cumprimento do Estatuto da Magistratura, podendo expedir atos regulamentares, no âmbito de sua competência, ou recomendar providências.

Porém, quais os limites destes atos regulamentares? Seriam eles regula-mentos autônomos? Teriam eles força de lei?

Por exemplo, no dia 18 de outubro de 2005, o CNJ expediu a Resolução nº 7, que disciplina o exercício de cargos, empregos e funções por parentes,

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FGV DIREITO RIO 27

14 “Art. 37. A administração pública dire-

ta e indireta de qualquer dos Poderes da

União, dos Estados, do Distrito Federal e

dos Municípios obedecerá aos princípios

de legalidade, impessoalidade, morali-

dade, publicidade e efi ciência (...)”

cônjuges e companheiros de magistrados e de servidores investidos em car-gos de direção e assessoramento, no âmbito dos órgãos do Poder Judiciário, vedando a prática de nepotismo no âmbito de todos os órgãos do Poder Ju-diciário, sendo nulos os atos assim caracterizados.

Pode o CNJ, por intermédio de mera resolução, coibir a prática de nepo-tismo? Não haveria necessidade de lei para tanto?

Há que se explicitar qual o real objetivo do constituinte ao conferir tal poder regulamentar ao CNJ. Seria um grande equívoco imaginar que a so-ciedade tivesse conferido ao CNJ o poder de, mediante resoluções, substituir a vontade geral do povo, ou seja, substituir o Poder Legislativo. Da mes-ma forma, seria errôneo o entendimento de que o CNJ poderia substituir o próprio Poder Judiciário, por meio de concessão de medidas liminares, por exemplo, de caráter jurisdicional. Não pode o CNJ romper com os princípios da reserva da lei e da reserva de jurisdição. O poder de expedir atos regulamen-tares tem um objetivo específi co, qual seja, o controle administrativo. Aliás, essa é a ratio essendi da criação do CNJ. Tratando-se de atos de fi scalização administrativa, apenas podem dizer respeito à situações concretas. Essa é a distinção. A matéria reservada à lei, geral e abstrata, diz respeito a previsão de comportamentos futuros. Já a matéria reservada aos atos regulamentares do CNJ diz respeito as diversas situações que surjam da atividade concreta dos juízes, exercendo o CNJ um controle destas. São dois os limites, portanto:

• não pode expedir atos regulamentares com caráter geral de abstrato, em face da reserva de lei; e

• não pode se ingerir nos direitos e garantias fundamentais dos cida-dãos, face a cláusula de proibição de restrição a direitos e garantias fundamentais, que se sustenta na reserva de lei.

Desta forma, os atos regulamentadores do CNJ esbarram assim na im-possibilidade de inovar e na impossibilidade de restringir direitos e garantias pessoais, funcionais e institucionais. Deve-se restringir, portanto, a emitir atos regulamentares de carárter fi scalizatório, porém, somente em sede ad-ministrativa.

Voltando a Resolução nº 7 do CNJ, percebe-se que a mesma se en-contra dentro dos parâmetros constitucionais delineados para o poder regulamentar do Conselho.

Isto porque, conforme dispõe o Artigo 103-B, §4º, II da CR, o CNJ tem o dever de zelar pela observância do artigo 37 da Constituição Federal14 e apreciar, de ofício ou mediante provocação, a legalidade dos

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atos administrativos, podendo desconstituí-los, revê-los ou fi xar prazo para que se adotem providências necessárias ao exato cumprimento da lei. Ora, a proibição do preenchimento de cargos em comissão por cônjuges e parentes de servidores públicos é medida que homenageia e concretiza o princípio da moralidade administrativa, o qual deve norte-ar toda a Administração Pública, em qualquer esfera do poder. Legítima e constitucional, portanto, a atuação do Conselho Nacional de Justiça.

Pode o CNJ, por meio de um Procedimento Administrativo, anular con-curso público para Juiz de Direito substituto? E mais, poderia fazê-lo ex

offi cio?Sim, tendo em vista a previsão contida nos artigos 91 e 93 do novo Re-

gimento Interno do CNJ.

Art. 91. O controle dos atos administrativos praticados por membros ou órgãos do Poder Judiciário será exercido pelo Plenário do CNJ, de ofício ou mediante provocação, sempre que restarem contrariados os princípios estabeleci-dos no art. 37 da Constituição, especialmente os de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e efi ciência, sem prejuízo da competência do Tribunal de Contas da União e dos Tribunais de Contas dos Estados.

Art. 93. A instauração de ofício do procedimento de controle administrativo poderá ser determinada pelo Plenário, mediante proposição de Conselheiro, do Procurador-Geral da República ou do Presidente do Conselho Federal da OAB.

Foi com base nestes dois artigos, que o Plenário do STF, por unanimida-de de votos, negou o Mandado de Segurança 26163-DF impetrado contra decisão do CNJ que anulou, de ofício, o VII Concurso Público para a Ma-gistratura do Amapá.

Outra decisão importante do CNJ, a respeito do concurso público, foi a proferida no PCA (Procedimento de Controle Administrativo) nº 347 com relação ao concurso para ingresso na magistratura no Estado de São Paulo, que limitava a participação no certame somente àqueles que haviam com-pletado 45 anos de idade no último dia da inscrição.

O Plenário do CNJ, por unanimidade, afastou tal dispositivo do edital de abertura do concurso por considerar que a limitação de idade não coa-duna com a interpretação sistêmica do ordenamento jurídico pátrio, além de representar afronta aos princípios da isonomia, da razoabilidade e da legalidade.

Considerou-se a proibição constitucional de qualquer discriminação em razão da idade, notadamente no que se refere à inserção dos indivíduos no mercado de trabalho. Sendo assim, a legislação ordinária ou os editais de

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concursos públicos só poderão fi xar limites etários para ingresso no servi-ço público quando a natureza do cargo o exigir (art. 39, § 3º, CF). E que, ainda que possível em determinados casos a estipulação de idade mínima ou máxima para ingresso em cargo público, tal exigência dependerá de ex-pressa previsão legal, em razão do princípio da legalidade.

Cumpre-nos ressaltar, porém, que o Supremo Tribunal Federal, apesar da criação do Conselho Nacional de Justiça como órgão integrante do Poder Judiciário Brasileiro, continua sendo a Corte máxima deste Poder, sendo o órgão legitimado para o julgamento de questões que envolvam decisões to-madas pelo CNJ ou regulamentos por este expedidos.

Tendo em vista o material exposto a respeito do tema “Conselho Nacional de Justiça”, examine o caso a seguir:

CASO DE SEDIMENTAÇÃO:

Carla, estudante de direito e fi lha de um desembargador do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, trabalhava diariamente como assessora no gabinete de seu pai no Tribunal, ocupando um cargo em comissão, isto é, de livre nomeação pelo Tribunal, sem a exigência do concurso público.

Ocorre que, em outubro de 2005, o Conselho Nacional da Justiça editou a Resolução número 07, vedando a prática de nepotismo no âmbito de todo o Poder Judiciário, conceituando ainda como nepotismo, dentre outras situ-ações, o exercício de cargo de provimento em comissão ou de função gratifi -cada, no âmbito da jurisdição de cada Tribunal ou Juízo, por cônjuge, com-panheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afi nidade, até o terceiro grau, inclusive, dos respectivos membros ou juízes vinculados. Irresignada, Carla foi obrigada a abandonar o cargo.

Pergunta-se: Poderia o CNJ editar referida Resolução, vinculando todo o Poder Judiciário?

LEITURA OBRIGATÓRIA:

Resolução nº 07 do CNJ (Atualizada com a redação da Resolução nº 09/05 e nº 21/06) (www.cnj.jus.br)

Finalmente, é importante um olhar crítico aos limites dos poderes do CNJ e de seu congênere, o CNMP.

Para tanto, torna-se indispensável a leitura do artigo dos professores Ingo Sarlet, Lenio Luiz Streck e Clèmerson Clève, acerca do assunto: Os limites

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ORGANIZAÇÃO DA JUSTIÇA E DO MINISTÉRIO PÚBLICO

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15 Disponível no site http://jus2.uol.

com.br/doutrina/texto.asp?id=7694,

acesso em 27/11/2009.

constitucionais das resoluções do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e Conselho Nacional do Ministério Público(CNMP) 15

JURISPRUDÊNCIA

Poder Judiciário

ART. 93, XI, DA CF: TRIBUNAL PLENO E ÓRGÃO ESPECIAL — 1

O Tribunal iniciou julgamento de liminar em mandado de segurança im-petrado por desembargadores do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo — TJSP contra decisão do Conselho Nacional de Justiça — CNJ que defe-rira, em parte, medida liminar em procedimento de controle administrativo — PCA para anular a expressão “a ser submetida à apreciação do Tribunal Ple-no”, contida no art. 1º e todo o art. 5º da Portaria 7.348/2006 do Presiden-te do TJSP, bem como para cassar todas as deliberações administrativas ou normativas do Tribunal Pleno que usurparam atribuições do Órgão Especial, em violação do Enunciado Administrativo 2 do CNJ e das Constituições Es-tadual e Federal. Entendera o voto condutor da decisão do CNJ que, criado o Órgão Especial, passariam automaticamente para a sua competência todas as atribuições administrativas e jurisdicionais que eram do Pleno, exceto a eletiva. Na espécie, diante da extinção dos Tribunais de Alçada paulistas (EC 45/2004, art. 4º), o Presidente do TJSP convocara o Plenário para deliberar sobre as competências a delegar ao seu Órgão Especial, haja vista o dispos-to no novo inciso XI do art. 93 da CF, o que resultara no requerimento de instauração do aludido PCA, ao CNJ, por integrantes do Órgão Especial, visando manter a supremacia jurisdicional e administrativa deste (CF, art. 93: “XI — nos tribunais com número superior a vinte e cinco julgadores, pode-rá ser constituído órgão especial, com o mínimo de onze e o máximo de vinte e cinco membros, para o exercício das atribuições administrativas e jurisdicionais delegadas da competência do tribunal pleno, provendo-se metade das vagas por antiguidade e a outra metade por eleição pelo tribunal pleno;”).

MS 26411/DF, rel. Min. Sepúlveda Pertence, 22.3.2007. (MS-26411) — Informativo 460

ART. 93, XI, DA CF: TRIBUNAL PLENO E ÓRGÃO ESPECIAL — 2

Inicialmente, o Tribunal, por maioria, em questão de ordem, admitiu que o pedido liminar fosse submetido ao Pleno pelo relator. Vencido, no ponto, o Min. Marco Aurélio que considerava caber ao próprio relator defi nir a procedência ou não do pedido de concessão de liminar, tendo em conta o disposto na Lei

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1.533/51 e no Regimento Interno do STF, bem como o Enunciado da Súmula 622 do STF (“Não cabe agravo regimental contra decisão do relator que con-cede ou indefere liminar em mandado de segurança”). Em seguida, afi rmou-se a legitimidade ativa dos impetrantes. Salientou-se estar diante de mandado de segurança utilizado como substitutivo do confl ito de competências ou atribuições entre órgãos não personalizados de estatura constitucional, e citou-se jurispru-dência da Corte no sentido de ser reconhecida a legitimação do titular de uma função pública para requerer segurança contra ato do detentor de outra tendente a obstar ou usurp ar o exercício da integralidade de seus poderes ou competên-cias (MS 21239/DF, DJU de 23.4.93; MS 20499/DF, DJU de 6.11.87). As-severou-se ser improcedente, ademais, objeção acerca da legitimidade em virtude de a ordem ter sido impetrada por uma parcela de integrantes do Plenário do TJSP, e não por titular individual do direito-função vindicado. Considerou-se bastar a legitimá-los para impetração que, como desembargadores, participem do Plenário, cuja competência sustentam, e, nessa condição, se pretendam titu-lares do direito de voto nas suas deliberações respectivas, incidindo, no caso, o § 2º do art. 1º da Lei 1.533/51 (“Quando o direito ameaçado ou violado cou-ber a várias pessoas, qualquer delas poderá requerer o mandado de segurança”).MS 26411/DF, rel. Min. Sepúlveda Pertence, 22.3.2007. (MS-26411)

ART. 93, XI, DA CF: TRIBUNAL PLENO E ÓRGÃO ESPECIAL — 3

Quanto à questão de mérito, o Min. Sepúlveda Pertence, relator, deferiu a liminar para suspender, até a decisão do mandado de segurança, a efi cácia da decisão impugnada. Reputou densa a plausibilidade dos fundamentos do pedido de segurança, haja vista que a decisão do CNJ minimiza a inovação substancial do texto ditado pela EC 45/2004 para o inciso XI do art. 93 da CF. Ressaltou, de início, ser de importância decisiva a menção, nele contida, ao exercício de atribuições delegadas da competência do Tribunal Pleno, ine-xistente nos textos anteriores concernentes à instituição do Órgão Especial — compulsória na EC 7/77 à Carta decaída, e facultada no texto original da Constituição. Afi rmou que a Constituição não delega competências, mas as confere aos órgãos que ela própria constitui, e que, por isso, a delegação in-troduzida pela EC 45/2004 tem dois pressupostos sucessivos: primeiro, que o seu objeto seja da competência original do órgão delegante e, segundo, o ato deste que delega a outro o seu exercício. Assim, a Constituição nem ins-titui, ela própria, o Órgão Especial nos grandes tribunais — diferentemente do que determinava a EC 7/77 —, nem lhe concede todas as atribuições jurisdicionais e administrativas do Tribunal Pleno, mas apenas faculta a este que, por meio de delegação, transfi ra o exercício dessas atribuições ao Órgão Especial que resolva instituir. Diante disso, concluiu caber ao Tribunal Pleno

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constituir ou manter o Órgão Especial e delegar-lhe parcial ou total mente suas atribuições com, pelo menos, uma única exceção, qual seja, o poder normativo de elaborar o regimento interno do tribunal e nele dispor sobre a competência e o funcionamento dos respectivos órgãos jurisdicionais e admi-nistrativos. Considerou, por fi m, que, patente a relevância constitucional dos fundamentos da impetração, o risco de manter a efi cácia do ato impugnado, até a decisão defi nitiva do mandamus, seria manifesto na eventualidade de ter-se um regimento votado pelo Órgão Especial, cuja invalidade seria de declaração provável, com todas as consequências que poderiam advir para o funcionamento o TJSP. Após, pediu vista o Min. Cezar Peluso.

MS 26411/DF, rel. Min. Sepúlveda Pertence, 22.3.2007. (MS-26411) — Informativo 460

ADI E AUTONOMIA FINANCEIRA E ADMINISTRATIVA DO PODER JUDICIÁRIO

Por considerar caracterizada a ofensa à independência e harmonia dos Pode-res e à autonomia administrativa e fi nanceira do Poder Judiciário (CF, artigos 2º, 96 e 99, respectivamente), o Tribunal julgou procedente pedido formulado em ação direta ajuizada pela Associação dos Magistrados Brasileiros — AMB para declarar a inconstitucionalidade da Lei alagoana 5.913/97, que cria a Central de Pagamentos de Salários do Estado de Alagoas — CPSAL, e inclui entre as responsabilidades desta a de “aferir, e endossar, a legalidade funcional, e os proven-tos, de cada servidor público”, “produzir os documentos e relatórios necessários ao pagamento dos estipêndios do funcionalismo público”, e “prover, com exclusividade, o pagamento de todos os servidores públicos, abrangendo os das administrações dire-ta e indireta, fundacional pública e autárquica, dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, do Ministério Público Estadual e do Tribunal de Contas do Estado” — v. Informativo 67. Reportou-se, ademais, ao que decidido na ADI 3367/DF (DJU de 22.9.2006), em que declarada a constitucionalidade da criação do Conselho Nacional de Justiça — CNJ exatamente por se tratar de órgão inter-no de controle administrativo, fi nanceiro e disciplinar da magistratura, ou seja, por não constituir órgão externo à estrutura do Poder Judiciário, salientando o fato de se ter posto ali em evidência a vedação constitucional a interferências externas que possam, de alguma forma, afetar negativamente a independência da magistratura. Observou-se, ainda, que a circunstância de a CPSAL ser com-posta também por representante do Poder Judiciário não afastaria o vício da inconstitucionalidade, e que esse fato, além de permitir que o Poder Judiciário interferisse indevidamente nos demais Poderes, não garantiria que sua atuação, as suas ponderações e escolhas, quanto a seus servidores, prevalecessem. Outros precedentes citados: ADI 1051/SC (DJU de 13.10.95); ADI 135/PB (DJU de 15.8.97); ADI 183/MT (DJU de 31.10.97); ADI 98/MT (DJU de 31.10.97);

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FGV DIREITO RIO 33

ADI 137/PA (DJU de 3.10.97); ADI 2831 MC/RJ (DJU de 28.5.2004). ADI 1578/AL, rel. Min. Cármen Lúcia, 4.3.2009. (ADI-1578) Informativo 537

PREENCHIMENTO DE CARGO DE DESEMBARGADOR E CRITÉRIO DE MERECI-MENTO — 1

O Tribunal, por maioria, negou provimento a agravo regimental inter-posto, por juízes de direito, contra decisão que deferira pedido de suspensão da execução de liminar, concedida em mandado de segurança em trâmite no Tribunal de Justiça do Estado do Mato Grosso — TJMT, que suspendera o preenchimento de cargo aberto pela aposentadoria de desembargador, pelo critério de merecimento. Sustentavam os agravantes que impetraram o referi-do writ para assegurar o direito de serem votados para compor a lista tríplice de acesso, por merecimento, ao cargo de desembargador, independentemen-te de integrarem a primeira quinta parte da lista de antiguidade da entrância especial, afastando, dessa forma, a incidência da Resolução 4/2006/OE da-quela Corte, fundada no art. 6º da Resolução 6/2005 do Conselho Nacional de Justiça — CNJ. Tendo em conta a publicação do edital do concurso de acesso, a liminar no mandado de segurança fora concedida para suspender o preenchimento desse cargo até o julgamento do mérito da impetração.

SS 3457 AgR/MT, rel. Min. Ellen Gracie, 14.2.2008. (SS-3457) — In-formativo 494

PREENCHIMENTO DE CARGO DE DESEMBARGADOR E CRITÉRIO DE MERECI-MENTO — 2

Entendeu-se que a decisão agravada deveria ser mantida em razão de não te-rem sido infi rmados ou ilididos os fundamentos por ela adotados. Asseverou-se que o Estado requerente demonstrara a situação confi guradora da grave lesão à ordem pública, qual seja, a de que a decisão impugnada impediria a aplicação da Resolução do CNJ, inibindo o exercício de suas atribuições institucionais. Além disso, a grave lesão à ordem pública restaria também comprovada, con-siderada em termos de ordem jurídico-constitucional, porque, se se adotasse o entendimento de que a EC 45/2004 teria estabelecido o retorno ao regime de merecimento puro na promoção de magistrados para os Tribunais de Justiça, permitir-se-ia que magistrados não integrantes da primeira quinta parte da lis-ta de antiguidade da última entrância pudessem alcançar o cargo máximo da magistratura estadual, o que levaria ao desvirtuamento do sistema previsto na Constituição para a promoção por merecimento dos juízes estaduais.

SS 3457 AgR/MT, rel. Min. Ellen Gracie, 14.2.2008. (SS-3457) — In-formativo 494

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ORGANIZAÇÃO DA JUSTIÇA E DO MINISTÉRIO PÚBLICO

FGV DIREITO RIO 34

PREENCHIMENTO DE CARGO DE DESEMBARGADOR E CRITÉRIO DE MERECI-MENTO — 3

Aduziu-se, ainda, que a Constituição haveria de ser interpretada com ra-zoabilidade e que os agravantes estariam a interpretar o inciso III do art. 93 da CF, na redação que lhe foi dada pela EC 45/2004, de forma literal e es-tanque, o que produziria distorções. Salientou-se, ademais, que os agravantes estariam tentando contornar a orientação fi rmada pelo CNJ que, ao editar a Resolução 6/2005, teria agido dentro do âmbito de sua competência (CF, art. 103-B, § 4º, I e II), a fi m de zelar pela observância da impessoalidade e da máxima objetividade na escolha dos juízes a compor a lista de promoção por merecimento. Ressaltou-se, por fi m, a possibilidade de ocorrência do denominado “efeito multiplicador”, em face da existência de magistrados em outras unidades da federação em situação idêntica à dos agravantes. Venci-dos os Ministros Marco Aurélio e Carlos Britto, que davam provimento ao recurso, por considerar que o ato atacado mediante o agravo não teria uma concretude maior, haja vista que, suspensa a liminar no mandado de segu-rança, o TJMT, como autor dela própria, não implementaria, de qualquer forma, o preenchimento, aguardando o julgamento fi nal do feito, bem como em razão de a EC 45/2004 ter suprimido do art. 93, II, da CF a expressão “de acordo com o inciso II”, o qual dispunha sobre a exigência de integrar o juiz a primeira quinta parte da lista de antiguidade para fi ns de promoção por me-recimento de entrância para entrância, implicando, portanto, o alargamento da clientela.

SS 3457 AgR/MT, rel. Min. Ellen Gracie, 14.2.2008. (SS-3457) — In-formativo 494

MAGISTRATURA NACIONAL

ADI e Cargos de Direção de Tribunal de Justiça

O Tribunal referendou decisão concessiva de liminar, proferida pelo

Min. Gilmar Mendes, Presidente, em ação direta de inconstitucionalida-

de ajuizada pelo Procurador-Geral da República, para suspender os §§

2º e 3º do art. 100 do Regimento Interno do Tribunal de Justiça do Estado

de Minas Gerais. Referidos dispositivos estabelecem, respectivamente, que

a eleição para Presidente e Vice-Presidente do Tribunal, Corregedor-Ge-

ral de Justiça e Vice-Corregedor, “será feita entre os membros integrantes

da metade mais antiga da Corte Superior que ainda não tenham exercido

o cargo, sendo considerado eleito o desembargador que obtiver a maioria

de votos da totalidade dos membros do Tribunal Pleno” e que “a metade

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ORGANIZAÇÃO DA JUSTIÇA E DO MINISTÉRIO PÚBLICO

FGV DIREITO RIO 35

referida no parágrafo anterior será apurada depois de excluídos os desem-

bargadores inelegíveis, os impedidos e os que, antecipadamente, declara-

rem que não são candidatos”. Entendeu-se que os preceitos impugnados,

ao ampliar o rol de magistrados aptos a serem eleitos para os cargos de

direção daquela Corte, afrontam, em princípio, o disposto no art. 93 da

CF, por tratar de matéria reservada à lei complementar de iniciativa do

STF, bem como não observam o art. 102 da Lei Orgânica Nacional da

Magistratura — LOMAN (LC 35/79), que prevê a eleição de magi stra-

dos para os cargos de direção dos tribunais de forma diversa. Precedentes

citados: ADI 3566/DF (DJU de 15.6.2007); ADI 3976 MC/SP (DJE de

15.2.2008). ADI 4108 Referendo-MC/MG, rel. Min. Ellen Gracie, 2.2.2009. (ADI-4108) Informativo nº 534

Magistrado e Horário para Magistério

O Tribunal julgou parcialmente procedente pedido formulado em ação direta proposta pela Associação dos Magistrados Brasileiros — AMB para declarar a inconstitucionalidade do art. 2º do Provimento 4/2005, da Corre-gedoria Geral de Justiça do Tribunal de Justiça do Estado do Mato Grosso do Sul, que veda ao magistrado o exercício do magistério em horário coincidente com o expediente do foro, excepcionando-se o exercício em cursos especia-lizados pela Escola Superior da Magistratura. Entendeu-se que o dispositivo impugnado ofende a competência reservada à lei complementar, nos termos do art. 93 da CF, haja vista se tratar de matéria estatutária, já prevista no art. 26, § 1º, da LOMAN (“O exercício de cargo de magistério superior, público ou particular, somente será permitido se houver correlação de matérias e compatibi-lidade de horários, vedado, em qualquer hipótese, o desempenho de função de di-reção administrativa ou técnica de estabelecimento de ensino”). Vencido o Min. Marco Aurélio, que julgava o pleito totalmente improcedente, por considerar que o referido dispositivo é harmônico com a CF que permite que o magis-trado ocupe um cargo de magistério, desde que não prejudique a atividade judicante. Vencidos, também, os Ministros Cezar Peluso e Joaquim Barbosa, que superavam a inconstitucionalidade formal para dar interpretação con-forme ao referido art. 2º, para que se entenda que o horário seja coincidente com o expediente a que está obrigado o magistrado, e não necessariamente com o expediente do foro de caráter geral. ADI 3508/MS, rel. Min. Sepúlve-da Pertence, 27.6.2007. (ADI-3508) — Informativo 473

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FGV DIREITO RIO 36

Juiz Aposentado: Vitaliciedade e Prerrogativa de Foro — 1

O Tribunal iniciou julgamento de recurso extraordinário, afetado ao Pleno pela 1ª Turma, em que se discute se o foro especial por prerrogativa de fun-ção se estende ou não àqueles que se aposentam em cargos cujos ocupantes ostentam tal prerrogativa. Trata-se, na espécie, de agravo de instrumento con-vertido em recurso extraordinário criminal interposto, por desembargador aposentado, contra decisão da Corte Especial do STJ que declinara de sua competência, em ação penal contra ele instaurada, ao fundamento de que, em decorrência de sua aposentadoria, não teria direito à prerrogativa de foro pelo encerramento defi nitivo da função. O ora recorrente sustenta a incidên-cia do art. 95, I, da CF, assegurador da vitaliciedade aos magistrados, sob a alegação de que esta somente poderia ser afastada por sentença judicial tran-sitada em julgado, na qual consignada a perda do cargo. Alega, ainda, que a correta leitura do art. 105, I, a, da CF, incluiria também os desembargadores aposentados, uma vez que interpretação diversa desse dispositivo o colocaria em situação inusitada, pois, o submeteria, na qualidade de ex-presidente e ex-corregedor-geral, a juiz que eventualmente tenha recebido alguma sanção disciplinar. Por fi m, pleiteia o reconhecimento da negativa de vigência aos artigos 5º, XXXV, LIV, LV, e § 2º e 93, IX, ambos da CF e, alternativamente, requer sejam tidos como transgredidos os artigos 94, I e 105, I, a, da CF — v. Informativo 485.

RE 549560/CE, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 20.2.2008. (RE-549560) — Informativo 495

Juiz Aposentado: Vitaliciedade e Prerrogativa de Foro — 2

O Min. Ricardo Lewandowski, relator, negou provimento ao recurso por entender que a pretensão do recorrente esbarra na orientação jurisprudencial fi xada pelo Supremo. Reportou-se ao que decidido no HC 80717/SP (DJU de 5.3.2001), no qual se consignara que, com o cancelamento do Enunciado da Súmula 394 do STF, estaria afastada a competência originária do STJ para proceder ao julgamento de juiz do TRT aposentado, entendimento baseado no julgamento do Inq 687 QO/SP (DJU de 9.11.2001). Citou, também, o que estabelecido pela Corte no RE 291485/RJ (DJU de 23.4.2003), no sen-tido de que o foro especial por prerrogativa de função tem por objetivo o res-guardo da função pública; que o magistrado, no exercício do ofício judicial, goza da prerrogativa de foro especial, garantia que está voltada não à pessoa do juiz, mas aos jurisdicionados; e que, não havendo mais o exercício da fun-ção judicante, não há de perdurar o foro especial, haja vista que o resguardo dos jurisdicionados, nesse caso, não é mais necessário. Ressaltou, ainda, que o

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ORGANIZAÇÃO DA JUSTIÇA E DO MINISTÉRIO PÚBLICO

FGV DIREITO RIO 37

provimento vitalício é o ato que garante a permanência do servidor no cargo, aplicando-se apenas aos que integram as fi leiras ativas da carreira pública. Por fi m, aduziu não haver se falar em parcialidade do magistrado de 1ª ins-tância para o julgamento do feito, porquanto a lei processual prevê o uso de exceções capazes de afastar essa situação. Em seguida, o Min. Marco Aurélio levantou questão acerca da impossibilidade de se discutir a matéria, que já se encontraria julgada por esta Corte, em processo objetivo (ADI 2797/DF, DJU de 19.12.2006), sob pena de se atuar como legislador positivo, restabe-lecendo, embora de forma mitigada, o § 1º do art. 84 do CPP. No ponto, o relator acompanhou essa manifestação, mantendo seu voto.

RE 549560/CE, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 20.2.2008. (RE-549560) — Informativo 495

Juiz Aposentado: Vitaliciedade e Prerrogativa de Foro — 3

Em divergência, o Min. Menezes Direito deu provimento ao recurso para assegurar ao magistrado aposentado plena prerrogativa das garantias que são inerentes à magistratura, ao fundamento de que o ato que é objeto do proces-so foi praticado no exercício das funções judicantes. Salientou, inicialmente, estar-se diante de situação exemplar não contemplada em nenhum dos pre-cedentes citados, que deveria ser analisada pela Corte, qual seja, o fato de que um ex-desembargador, aposentado hoje, ter praticado um delito no exercício da função judicante. Disse que, se o magistrado é vitalício no exercício da função judicante, e se ele, eventualmente, em razão dessa atividade, comete certo ato que pode ser objeto de determinada ação, essa ação não se referiria a nenhuma atividade posterior ao exercício da atividade judicante, mas con-cretamente ao exercício da atividade judicante. Assim, quando um magistra-do, sob qualquer circunstância, em qualquer instância, exercesse atividade judicante, ele teria de ter, até por princípio de responsabilidade do sistema constitucional, a proteção que a CF lhe assegura (CF, art. 95, I). Mencionou, ademais, dispositivo constante do Estatuto de Roma, que aprovou o Estatuto do Tribunal Penal Internacional, integrado pela adesão brasileira e relativo à garantia dos juízes que dele fazem parte (“Artigo 48º... 2 — Os juízes, o procu-rador, os procuradores-adjuntos e o secretário gozarão, no exercício das suas fun-ções ou em relação a estas, dos mesmos privilégios e imunidades reconhecidos aos chefes das missões diplomáticas, continuando a usufruir de absoluta imunidade judicial relativamente às suas declarações, orais ou escritas, e aos atos que prati-quem no desempenho de funções ofi ciais após o termo do respectivo mandato.”). Após, o julgamento foi suspenso com o pedido de vista do Min. Eros Grau.

RE 549560/CE, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 20.2.2008. (RE-549560) — Informativo 495

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ORGANIZAÇÃO DA JUSTIÇA E DO MINISTÉRIO PÚBLICO

FGV DIREITO RIO 38

CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA

Conselho Nacional de Justiça e Atribuições — 1

O Tribunal iniciou julgamento de questão de ordem suscitada pelo Min. Se-púlveda Pertence em dois mandados de segurança, dos quais relator, impetra-dos contra o Conselho Nacional de Justiça — CNJ, que julgara improcedente Procedimento de Controle Administrativo — PCA, formulado com o objetivo de trancar procedimento disciplinar instaurado, contra o impetrante, juiz fede-ral, no TRF da 3ª Região, para apurar supostas ilegalidades no processamento e julgamento de habeas corpus. O Min. Sepúlveda Pertence, relator, resolveu a questão de ordem no sentido de referendar a decisão de indeferimento da liminar e não conhecer da segurança. Salientou, inicialmente, a necessidade de se proceder a uma redução teleológica da alínea r do inciso I do art. 102 da CF, aditada pela EC 45/2004, que conferiu ao Supremo a competência originária para processar e julgar as ações contra o CNJ, de modo a não converter a Corte, por meio do mandado de segurança, em verdadeira instância ordinária de revi-são de toda e qualquer decisão do Conselho. Asseverou, no ponto, ser preciso distinguir as deliberações do CNJ que implicam intervenção na órbita da com-petência ordinária confi ada, em princípio, aos juízos ou tribunais submetidos ao seu controle das que traduzem a recusa de intervir. Esclareceu, quanto às primeiras, as positivas, não haver dúvida de que o CNJ se torna responsável pela eventual lesão ou ameaça de lesão a direito consequentes, submetidas ao controle jurisdicional do Supremo, como, por exemplo, as que avoquem pro-cessos disciplinares em curso nos tribunais, apliquem sanções administrativas, desconstituam ou revejam decisões deles ou lhes ordene providências, mas que, diversamente, quanto às segundas, as negativas, o Conselho não substitui por ato seu o ato ou a omissão dos tribunais, objeto da reclamação, que, por conse-guinte, remanescem na esfera de competência ordinária destes.

MS 26710 QO/DF, rel. Min. Sepúlveda Pertence, 2.8.2007. (MS-26710) MS 26749 QO/DF, rel. Min. Sepúlveda Pertence, 2.8.2007. (MS-26749) — Informativo 474

Conselho Nacional de Justiça e Atribuições — 2

O relator considerou que, no caso, o CNJ, ao recusar o pedido do interes-sado de ordenar ao TRF que não instaurasse o processo disciplinar cogitado, nada decidira a respeito de sua instauração ou não, deixando à deliberação do órgão judicial reclamado. Ressaltou que nem mesmo a motivação da decisão negativa do CNJ vincularia o tribunal federal, que estaria livre para acolher qualquer das alegações do interessado, seja mediante decisão administrativa

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ORGANIZAÇÃO DA JUSTIÇA E DO MINISTÉRIO PÚBLICO

FGV DIREITO RIO 39

de não instaurar o processo disciplinar, seja, a fortiori, no exercício do con-trole jurisdicional de deliberação administrativa em sentido contrário, o qual, mediante mandado de segurança, é de sua competência originária (LOMAN, art. 21, VI). Desse modo, afi rmou que a ameaça de abertura do processo dis-ciplinar, contra a qual se insurge o impetrante, continuaria imputável exclu-sivamente ao tribunal a que está subordinado, e que careceria o Supremo de competência originária para conhecer do pedido de mandado de segurança. Após, pediu vista dos autos o Min. Cezar Peluso.

MS 26710 QO/DF, rel. Min. Sepúlveda Pertence, 2.8.2007. (MS-26710)MS 26749 QO/DF, rel. Min. Sepúlveda Pertence, 2.8.2007. (MS-26749)

— Informativo 474

Repercussão Geral: Vedação ao Nepotismo e Aplicação aos Três Poderes — 1

O Tribunal deu parcial provimento a recurso extraordinário interposto contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Norte que reputara constitucional e legal a nomeação de parentes de vereador e Vice-Prefeito do Município de Água Nova, daquela unidade federativa, para o exercício dos cargos, respectivamente, de Secretário Municipal de Saúde e de motorista. Asseverou-se, inicialmente, que, embora a Resolução 7/2007 do CNJ seja restrita ao âmbito do Judiciário, a vedação do nepotismo se estende aos demais Poderes, pois decorre diretamente dos princípios conti-dos no art. 37, caput, da CF, tendo aquela norma apenas disciplinado, em maior detalhe, aspectos dessa restrição que são próprios a atuação dos órgãos jurisdicionais. Ressaltou-se que o fato de haver diversos atos normativos no plano federal que vedam o nepotismo não signifi caria que somente leis em sentido formal ou outros diplomas regulamentares fossem aptos para coi-bir essa prática, haja vista que os princípios constitucionais, que não con-fi guram meras recomendações de caráter moral ou ético, consubstanciam regras jurídicas de caráter prescritivo, hierarquicamente superiores às demais e positivamente vinculantes, sendo sempre dotados de efi cácia, cuja mate-rialização, se necessário, pode ser cobrada por via judicial. Assim, tendo em conta a expressiva densidade axiológica e a elevada carga normativa que en-cerram os princípios contidos no caput do art. 37 da CF, concluiu-se que a proibição do nepotismo independe de norma secundária que obste for-malmente essa conduta. Ressaltou-se, ademais, que admitir que apenas ao Legislativo ou ao Executivo fosse dado exaurir, mediante ato formal, todo o conteúdo dos princípios constitucionais em questão, implicaria mitigar os efeitos dos postulados da supremacia, unidade e harmonização da Carta Magna, subvertendo-se a hierarquia entre esta e a ordem jurídica em geral.RE 579951/RN, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 20.8.2008. (RE-579951)

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FGV DIREITO RIO 40

Repercussão Geral: Vedação ao Nepotismo e Aplicação aos Três Poderes — 2

Aduziu-se que art. 37, caput, da CF/88 estabelece que a Administração Pública é regida por princípios destinados a resguardar o interesse público na tutela dos bens da coletividade, sendo que, dentre eles, o da moralidade e o da impessoalidade exigem que o agente público paute sua conduta por pa-drões éticos que têm por fi m último alcançar a consecução do bem comum, independentemente da esfera de poder ou do nível político-administrativo da Federação em que atue. Acrescentou-se que o legislador constituinte originá-rio, e o derivado, especialmente a partir do advento da EC 1/98, fi xou balizas de natureza cogente para coibir quaisquer práticas, por parte dos administra-dores públicos, que, de alguma forma, buscassem fi nalidade diversa do inte-resse público, como a nomeação de parentes para cargos em comissão ou de confi ança, segundo uma interpretação equivocada dos incisos II e V do art. 37 da CF. Considerou-se que a referida nomeação de parentes ofende, além dos princípios da moralidade administrativa e da impessoalidade, o princípio da efi ciência, haja vista a inapetência daqueles para o trabalho e seu completo despreparo para o exercício das funções que alegadamente exercem. Frisou-se, portanto, que as restrições impostas à atuação do administrador público pelo princípio da moralidade e demais postulados do art. 37 da CF são auto-aplicáveis, por trazerem em si carga de normatividade apta a produzir efeitos jurídicos, permitindo, em consequência, ao Judiciário exercer o controle dos atos que transgridam os valores fundantes do texto constitucional. Com base nessas razões, e fazendo distinção entre cargo estritamente administrativo e cargo político, declarou-se nulo o ato de nomeação do motorista, consi-derando hígida, entretanto, a nomeação do Secretário Municipal de Saúde.RE 579951/RN, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 20.8.2008. (RE-579951)

Repercussão Geral: Vedação ao Nepotismo e Aplicação aos Três Poderes — 3

O Tribunal aprovou o Enunciado da Súmula Vinculante 13 nestes termos: “A nomeação de cônjuge, companheiro, ou parente, em linha reta, colateral ou por afi nidade, até o 3º grau, inclusive, da autoridade nomeante ou de servidor da mes-ma pessoa jurídica, investido em cargo de direção, chefi a ou assessoramento, para o exercício de cargo em comissão ou de confi ança, ou, ainda, de função gratifi cada na Administração Pública direta e indireta, em qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, compreendido o ajuste mediante designações recíprocas, viola a Constituição Federal.”. A edição do verbete ocorreu após o julgamento do recurso extraordinário acima relatado. Precedentes citados: ADI 1521/RS (DJU de 17.3.2000); ADC 12 MC/DF (DJU de 1º.9.2006); MS 23780/MA (DJU de 3.3.2006); RE 579951/RN (j. em 20.8.2008).

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FGV DIREITO RIO 41

LEITURA COMPLEMENTAR:

Constitucionalidade e Legitimidade da criação do Conselho Nacional de Justiça. Luís Roberto Barroso. Artigo disponível na internet: http://www.justi-çavirtual.com.br >artigos clássicos constitucional

QUESTÕES ACERCA DA MATÉRIA:

01.Assinale a alternativa INCORRETA:

(a) A Constituição Federal assegura ao Poder Judiciário autonomia ad-ministrativa e fi nanceira

(b) Somente pelo voto da maioria absoluta de seus membros ou dos membros do respectivo órgão especial poderão os tribunais declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público

(c) Os juízes não podem dedicar-se à atividade político-partidária(d) O Supremo Tribunal Federal é competente para alterar o número

de membros dos tribunais inferiores, criar e extinguir cargos e fi xar ven cimentos de seus membros, dos juízes e, onde houver, dos servi-ços auxiliares e os juízos que lhe forem vinculados.

(e) Os juízes não podem receber custas ou participação em processo.

02.Analise as afi rmações abaixo: (Magistratura — TJ/SP).

I. O Magistrado só poderá exercer uma função no Magistério se esti-ver em disponibilidade.

II. Desde seu ingresso na carreira, o Magistrado só poderá perder seu cargo por sentença judicial transitada em julgado.

III. Somente poderão ingressar no STF os Ministros que exerceram du-rante dois anos suas funções no STJ.

IV. Os Tribunais poderão declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público, pelo voto da maioria de seus mem-bros ou dos membros do seu órgão especial.

Pode-se afi rmar que:(a) Todas as afi rmações estão incorretas;(b) Todas as afi rmações estão corretas;(c) Apenas as afi rmações I e II estão corretas;(d) Apenas a afi rmação III está correta.(e) Apenas as afi rmações III e IV estão corretas

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03.Em relação às garantias da magistratura, é correto afi rmar que: (OAB/Exame de Ordem).

(a) A vitaliciedade é sempre adquirida pelos magistrados após dois anos de exercício no cargo;

(b) A inamovibilidade pode ser afastada por motivo de interesse publico;(c) A irredutibilidade de subsídio torna os juízes imunes à tributação por

meio do imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza;(d) A Vitaliciedade impede defi nitivamente a perda do cargo pelos juízes.(e) Nenhuma das respostas acima.

04. O Conselho Nacional de Justiça (Magistratura — TJ/SP — 177º Concurso):

(a) é composto por 15 (quinze) membros com mais de 30 (trinta) e menos de 66 (sessenta e seis) anos de idade, com mandato de dois anos, admitida uma recondução.

(b) será presidido pelo Ministro do Supremo Tribunal Federal, que vo-tará em caso de empate.

(c) terá competência, caso a isso provocado, para rever os processos disciplinares de juízes e membros de tribunais julgados há menos de 02 (dois) anos.

(d) será composto, dentre outros, por 02 (dois) membros do Ministério Público Estadual, escolhidos pelo Procurador-Geral da República entre aqueles indicados pelo órgão competente de cada instituição estadual.

(e) N.R.A

05. Há alguma exceção à garantia de inamovibilidade dos Juízes? Resposta objetivamente justifi cada (TJ/SP — Magistratura)

06. Em relação às garantias e funções do Poder Judiciário é correto: (Pro-curador do Estado de Goiás — 8o concurso)

(a) Lei específi ca, de iniciativa do Congresso Nacional, disporá sobre o Estatuto da Magistratura.

(b) A promoção por merecimento pressupõe quatro anos de exercício na respectiva entrância e integrar o juiz a primeira quinta parte da lista de antiguidade desta, salvo se não houver com tais requisitos quem aceite o lugar vago.

(c) Um quinto dos lugares dos TRF´s, dos Tribunais dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios será composto de membros do

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Ministério Público e de advogados com mais de quinze anos de efe-tiva atividade profi ssional, indicados em lista sêxtupla pelos órgãos de representação das respectivas classes.

(d) Vitaliciedade, que, no primeiro grau, só será adquirida depois de dois anos de exercício, dependendo a perda do cargo, nesse perío-do, de deliberação do tribunal a que o juiz estiver vinculado, e, nos demais casos, de sentença judicial transitada em julgado.

(e) N.R.A

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AULA 3: SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

1. INTRODUÇÃO

O Supremo Tribunal Federal (STF) e o Superior Tribunal de Justiça (STJ) são Tribunais da União que possuem a especifi cidade de não pertencerem a qualquer das Justiças.

São, na verdade, órgãos cuja competência originária vem determinada de forma expressa na Constituição, além da competência para julgar recursos interpostos em causas que já tenham exaurido todos os graus das Justiças comuns e especiais. São, neste último caso, órgãos de superposição.

A principal distinção entre estes dois tribunais reside no fato do STF jul-gar questões exclusivamente constitucionais, enquanto ao STJ compete as questões federais infraconstitucionais.

Quanto ao exercício desta competência de superposição, esses dois tribu-nais julgam os recursos especial (STJ) e extraordinário (STF). São recursos de extrema excepcionalidade, onde apenas questões de direito são apreciadas e não questões de fato.

E mais: somente exame do direito nacional (aplicação em todo o território brasileiro) e não do direito local (estadual e municipal).

Há que se ressaltar, porém, que o sistema brasileiro não consagra a existên-cia de uma corte constitucional encarregada somente de resolver as questões constitucionais do processo sem decidir a causa.

Esse é o modelo de Justiça constitucional europeu, que se fundamenta essencialmente e, em regra, na noção de um Tribunal Constitucional com competência específi ca para conhecer os litígios constitucionais.

O Supremo Tribunal Federal constitui-se, no sistema brasileiro, na corte constitucional por excelência, sem deixar de ser autêntico órgão judiciário.

O Supremo Tribunal Federal representa o ápice da estrutura judiciária na-cional e articula-se quer com a Justiça comum, quer com as Justiças especiais.

Não chefi a administrativamente os demais órgãos da jurisdição, face a independência jurídica dos magistrados, mas sem dúvida os encabeça funcio-nalmente: o STF é a máxima instância de superposição, em relação a todos os órgãos da jurisdição.

2. ORGANIZAÇÃO

O Supremo Tribunal Federal, ao qual iremos nos ater agora de forma mais detalhada, tem sede na Capital Federal e jurisdição em todo o território nacional.

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FGV DIREITO RIO 45

Sua composição vem discriminada na Constituição Federal, Art. 101, num total de 11 membros.

Os ministros devem estar no gozo dos direitos políticos, ter mais de 35 anos e menos de 65 de idade, notável saber jurídico e reputação ilibada.

Outro requisito para nomeação encontra-se inscrito no art. 12, § 3º, IV da Constituição, ao exigir sejam eles brasileiros natos.

O STF, assim como os outros tribunais, tem a prerrogativa de organizar sua atuação interna mediante a elaboração do próprio regimento interno. O STF o fez fi xando o seu funcionamento no plenário ou em turmas. A distri-buição dos 11 ministros se dá em duas turmas, estando cinco ministros em cada uma delas, sendo certo que o presidente apenas participa das sessões plenárias (RISTF, Art. 2º ao 4º)

O ingresso ao Supremo Tribunal Federal não se faz por carreira, mas por nomeação do Presidente da República, depois de aprovada a escolha pelo Senado Federal.

O Presidente da República, presentes os requisitos constitucionais para investidura, escolhe livremente o candidato, que será sabatinado pelo Senado Federal, devendo ser aprovado pela maioria absoluta de seus membros, para poder ser nomeado pelo chefe do Poder Executivo.

Vê-se, portanto, que o STF não exige a obrigatoriedade do bacharelado em ciências jurídicas e, tão pouco, que seus membros sejam provenientes da magistratura. O critério de escolha é eminentemente político, com a parti-cipação do chefe do Poder Executivo e do Legislativo, por meio do Senado Federal.

Este critério vem gerando grandes discussões não só no meio jurídico, mas também no meio político e social, crise agravada pelo recente julgamento do chamado “Caso Mensalão”, esquema montado para distribuir recursos para partidos aliados ao governo, provocando a maior crise política no governo do Presidente Luis Inácio Lula da Silva. Naquele momento, 7 (sete) dos 11 (onze) ministros que compõem o STF haviam sido indicados pelo Presiden-te. Desta forma, pergunta-se:

Os critérios para a investidura do ministro do STF são justos? Leia os textos abaixo, extraídos da revista eletrônica Consultor Jurídico, de autoria de membros da magistratura.

Indicação ao SupremoAo invés de mudar, é melhor fazer o sistema funcionar

por Flávio Portinho Sirangelo

Está em curso o debate sobre o modo de provimento dos cargos de minis-tro do Supremo Tribunal Federal. Já existe inclusive um projeto de emenda constitucional que tende a restringir a ampla liberdade dada ao presidente

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FGV DIREITO RIO 46

da República para fazer a indicação. A Constituição prevê que os ministros do STF sejam nomeados pelo presidente da República, depois de aprovada a escolha pela maioria absoluta do Senado Federal.

Tudo decorre, na verdade, de um fato recente: o anúncio da iminente saída, por razões diversas, de alguns dos atuais ministros, o que daria ao presi-dente Lula, consideradas as nomeações já feitas por ele até agora, o privilégio incomum de compor, na prática, a maioria da Suprema Corte.

A pergunta que tem sido feita é a seguinte: haverá risco de abalo à inde-pendência da Corte Suprema e do próprio Judiciário se restar concentrado nas mãos de um único presidente o poder de indicação da maioria dos juízes?

A resposta a esta indagação não é singela. Se é válida a premissa de que há um risco para o equilíbrio dos poderes, diante da coincidência de várias sucessões de cadeiras no STF durante um mesmo mandato presidencial, por que a atual Constituição — e bem assim as constituições anteriores — já não teriam estabelecido um sistema diferente e mais controlado? A premissa, como se vê, não é necessariamente correta.

Na minha opinião, ao invés de mudar o que já existe — e correr o risco provável de mudar para pior —, é mais razoável esperar que os ritos políticos de indicação, aprovação e nomeação se cumpram efetivamente e se completem.

O processo de nomeação é um processo de natureza política, já que os juízes do STF não integram qualquer tipo de carreira no serviço público, como ocor-re, a contrário senso, com os juízes das instâncias ordinárias. Por esta razão, é indispensável que o Senado faça uma avaliação profunda e efetiva da indicação. Nesta atuação, o Senado é governo e exerce funções executivas de governo, compartilhando-as com o presidente. É legítimo esperar, inclusive, que o Sena-do exerça a tarefa de recusar a indicação se ela se mostrar equivocada do ponto de vista do interesse republicano e institucional, mesmo que se trate de alguém possuidor de notável saber jurídico e reputação ilibada.

Nos Estados Unidos, não é incomum a recusa pelo Legislativo de indica-ções judiciais feitas pelo chefe do Executivo. George Washington, o líder da independência e primeiro presidente dos EUA, teve, ele próprio, recusada pelo Senado americano uma indicação que fez para a Suprema Corte. O candidato John Rutlege, segundo conta a história, era qualifi cado, já exercia funções judiciais e havia sido inclusive um dos convencionais que escreveram a Constituição, mas foi mesmo assim rejeitado pela maioria dos senadores porque se opusera ao tratado de paz com o Reino Unido.

Durante os dois séculos seguintes, muitas indicações presidenciais para a Suprema Corte dos Estados Unidos foram recusadas no Senado por inúmeras e variadas motivações. Entidades e organizações reconhecidas como repre-sentativas da sociedade civil participam ativamente e infl uenciam as decisões do presidente e dos senadores. Dentre as motivações de recusa, sobressaem o comprometimento excessivamente ideológico ou partidário do candida-

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FGV DIREITO RIO 47

to, que atingiram indiscriminadamente democratas e republicanos, liberais e conservadores.

George W. Bush, o todo-poderoso presidente atual, detendo a maioria republicana nas duas casas do Congresso em boa parte do primeiro mandato e durante todo o mandato em curso, nem assim vem conseguindo emplacar a totalidade das suas indicações para vagas de tribunais federais. Mais do que isso: teve de amargar a retirada de uma indicação que fez para a Suprema Corte, no fi nal do ano passado, em face da resistência de entidades da so-ciedade civil e, principalmente, porque o Senado sinalizou a virtual recusa daquela que havia sido nomeada pelo presidente.

No momento em que escrevo, o juiz federal Samuel Alito, que foi indica-do em substituição àquela frustrada nomeação, vem sendo duramente com-batido pelos principais líderes democratas no Senado americano por meio de uma rigorosa sabatina. O interrogatório dos senadores já ocupou uma boa parte deste mês de janeiro e o indicado ainda não conseguiu, apesar de suas inegáveis qualidades pessoais como jurista, receber o sinal verde para assumir a cadeira que lhe foi acenada pelo presidente.

Se é possível resumir o modo de atuação do Senado dos Estados Unidos em face de indicações do presidente para a Suprema Corte, pode-se afi rmar que ele tende, independente de quem detenha a maioria ocasional, a rejeitar os chamados “ideológicos” e a buscar alguém que mostre capacidade para comprometer-se com os valores fundamentais do país na tarefa de interpretar e aplicar o direito.

Como adotamos aqui o mesmo modelo e a mesma sistemática para prover os cargos de ministro do nosso Supremo Tribunal Federal, não faríamos mal se adotássemos práticas políticas semelhantes na análise do acerto ou do de-sacerto da indicação feita pelo presidente.

Revista Consultor Jurídico, 25 de janeiro de 2006

Ministra diz que deveria haver mandato no STFpor Marina Ito

A ministra Cármen Lúcia, do Supremo Tribunal Federal, defendeu man-dato para ministro da mais alta Corte de Justiça do país. Tempo de perma-nência: 9 a 12 anos. Ela participou do evento Diálogos com o Supremo, na FGV Direito Rio, na sexta-feira (6/11).

“A pessoa passa a ser chamada de excelência todos os dias. Daqui a pouco, começa a acreditar que é mesmo”, disse com o bom humor que lhe é peculiar. A plateia era formada de juízes, desembargadores, professores e estudantes da escola de Direito da FGV. A ministra demonstrou que, embora não saiba

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ORGANIZAÇÃO DA JUSTIÇA E DO MINISTÉRIO PÚBLICO

FGV DIREITO RIO 48

qual o modelo ideal de indicação para os ministros, entende que as opções que estão sendo cogitadas demandam refl exão.

Ela considera complicada a indicação de parte dos integrantes do STF pelo Congresso. Hoje, a indicação é feita pelo presidente da República. Os indicados são sabatinados pelo Senado. Para o Supremo, disse de modo vee-mente, não existe interesses partidários. “Entrou no Supremo e pôs a toga, o ministro tem compromisso com ele mesmo.”

Cármen Lúcia questionou se o Parlamento brasileiro indicaria um minis-tro sem pensar que depois não poderia chegar perto para lhe pedir um favor. “Os partidos vão se coligar para aprovar nomes indicados por tal ou qual partido?” Esse tipo de indicação, entende a ministra, pode gerar problemas.

Ela lembrou que, se o juiz “não pode deixar coração no congelador e o fí-gado na geladeira”, tem de se declarar suspeito ou impedido. “Ninguém paga nada, muito menos com a toga”.

Ela também falou sobre a possibilidade de ter parte de ministros represen-tantes de juízes de carreira. “O Supremo não é local de magistrado de carreira porque é cúpula de Poder e exerce papel político”, afi rmou sem hesitar. Até o Superior Tribunal de Justiça, entende, pode ter cotas de representantes de tribunais, de advogados e procuradores.

“Não vejo que modelo melhor poderia substituir o atual. Não é nem que eu ache que não tenha; pode ter.” Ela entende que o controle da sociedade está cada vez maior.

Cármen Lúcia também contou que, durante seus três anos e meio no Supremo Tribunal Federal, já votou contra si própria para fi car ao lado da Constituição. “A Justiça está na lei, não a que eu penso, a que eu quero”, disse. Ela também contou que, entre as coisas que tem aprendido, é a de que o bom juiz tem de ter muita disciplina, autocontrole e compaixão. Afi rmou ainda que o juiz deve escrever para que as pessoas entendam.

Indicação polêmica

No fi nal de agosto deste ano, convidado abrir a série Diálogos com o Supre-mo, o ministro Ricardo Lewandowski também foi questionado sobre a indi-cação de ministros para o STF. Na ocasião, ele falou sobre a independência dos ministros em casos julgados contra supostos interesses de quem os indica.

Lewandowski citou um caso recente que, segundo ele, demonstra que a indicação de ministro para o Supremo pelo presidente da República não in-terfere na independência dos julgadores sobre temas que podem ser delicados ao governo. No julgamento sobre o recebimento da denúncia contra o ex-ministro da Fazenda, Antonio Palocci, no caso Francenildo, disse Lewando-wski, os integrantes do STF divergiram.

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ORGANIZAÇÃO DA JUSTIÇA E DO MINISTÉRIO PÚBLICO

FGV DIREITO RIO 49

Três ministros indicados pelo presidente Lula votaram pelo arquivamento da denúncia contra seu ex-ministro Palocci e foram acompanhados pelos dois indicados pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Dois ministros também indicados por Lula votaram pelo recebimento da denúncia, seguidos de um ministro indicado pelo ex-presidente Fernando Collor e outro indica-do pelo ex-presidente José Sarney.

Revista Consultor Jurídico, 09 de novembro de 2009

LEITURAS COMPLEMENTARES

A indicação para a vaga de ministro do Supremo. Vladimir Passos de Freitas (Des. Federal Aposentado do TRF 4ª Região). Artigo disponível no site: http://www.conjur.com.br/2011-set-25/segunda-leitura-indicacao-va-ga-ministro-supremo

Refl exões às vésperas de uma escolha para o Supremo. Maria Tereza Sa-dek (Doutora em ciência política, professora do Departamento de Ciência Política da USP e diretora de pesquisa do Centro Brasileiro de Estudos e Pes-quisas Judiciais). Artigo disponível no site: http://www.conjur.com.br/2011-set-09/participacao-juizes-composicao-stf-claramente-decrescente

Vantagens e desvantagens. Merval Pereira.http://direitorio.fgv.br/node/1756

Um Supremo petista? Merval Pereira.http://direitorio.fgv.br/node/1749

Alinhamentos. Merval Pereira.http://direitorio.fgv.br/node/1757

O que será então este notável saber jurídico? Vocês concordam com isso?

Apesar de ser uma tradição constitucional brasileira, este requisito sempre foi questionado e criticado na doutrina. Alguns defendem um mínimo de cinco juízes de carreira na composição do STF. Outros entendem que esta ex-pressão deveria ser substituída por requisitos subjetivos, como, por exemplo, 10 anos de atividade profi ssional como advogado, membro do Ministério Público, magistrado ou comprovação da qualifi cação de jurista, através do título de doutor em Direito etc.

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FGV DIREITO RIO 50

Nomeados, os ministros passam a gozar de todas as garantias e impedi-mentos dirigidos aos juízes togados, dispostos no Artigo 95 e parágrafo da Constituição.

Adquirem ainda uma prerrogativa especial, qual seja: nos crimes de res-ponsabilidade, são processados e julgados pelo Senado Federal (Art. 52, II, CR) e nos crimes comuns, pelo próprio Supremo (Art. 102, I, b, CR).

Esta a atual composição do STF, consoante o sítio eletrônico da Corte (www.stf.gov.br):

Ministro Cezar Peluso Presidente

Ministro

Ayres Britto Vice-

Presidente

Ministro

Dias Toffoli

Ministro Celso de

Mello

Ministro Marco Aurélio

Ministra Cármen Lúcia

Ministro Gilmar Mendes

Ministro Joaquim Barbosa

Ministro Luiz Fux

Ministro Ricardo

Lewandowski

Ministra

Rosa Maria Weber

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ORGANIZAÇÃO DA JUSTIÇA E DO MINISTÉRIO PÚBLICO

FGV DIREITO RIO 51

3. COMPETÊNCIA

A Constituição Federal descreveu a competência do STF nos artigos 102 e 103, dividindo-a em dois grupos, conforme a maneira de acioná-lo: com-petência originária e recursal.

No primeiro caso, o STF é acionado diretamente por meio de ações que lhe cabe processar e julgar originariamente, ou, seja, será o STF o primeiro órgão jurisdicional a ter contato com o confl ito posto.

Já na competência recursal, o STF é acionado mediante recursos, ordiná-rios ou extraordinários, analisando a questão em última instância (competên-cia recursal).

3.1 Competência originária:

Sua função básica é a de manter o respeito à Constituição e sua unidade substancial em todo o país, garantindo a prevalência das normas constitu-cionais no ordenamento jurídico, o que faz, principalmente, por meio do controle concentrado de constitucionalidade no Direito Brasileiro.

Assim, compete ao STF processar e julgar as ações diretas de inconstitu-cionalidade, as ações de inconstitucionalidade por omissão, as ações decla-ratórias de constitucionalidade e a arguição de descumprimento de preceito fundamental.

Além disso, cabe ainda ao STF o julgamento de casos em que fi gurem como parte — seja réu ou autor — as mais altas autoridades da República, quando direitos fundamentais estiverem sendo ameaçados ou sob real viola-ção, conforme preceitua a Carta Magna:

“Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe:

I — processar e julgar, originariamente:d) o “habeas-corpus”, sendo paciente qualquer das pessoas referidas nas alíneas

anteriores; o mandado de segurança e o “habeas-data” contra atos do Presidente da República, das Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, do Tribunal de Contas da União, do Procurador-Geral da República e do próprio Supremo Tri-bunal Federal;

i) o habeas corpus, quando o coator for Tribunal Superior ou quando o coator ou o paciente for autoridade ou funcionário cujos atos estejam sujeitos diretamente à jurisdição do Supremo Tribunal Federal, ou se trate de crime sujeito à mesma juris-dição em uma única instância;

q) o mandado de injunção, quando a elaboração da norma regulamentadora for atribuição do Presidente da República, do Congresso Nacional, da Câmara dos

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ORGANIZAÇÃO DA JUSTIÇA E DO MINISTÉRIO PÚBLICO

FGV DIREITO RIO 52

16 Inquérito 687/SP – Informativo do

STF nº 159

Deputados, do Senado Federal, das Mesas de uma dessas Casas Legislativas, do Tri-bunal de Contas da União, de um dos Tribunais Superiores, ou do próprio Supremo Tribunal Federal”

Por fi m, ainda dentro da competência originária, cabe ao STF processar e julgar, originariamente:

“Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe:

I — processar e julgar, originariamente

b) nas infrações penais comuns, o Presidente da República, o Vice-Presidente, os membros do Congresso Nacional, seus próprios Ministros e o Procurador-Geral da República;

c) nas infrações penais comuns e nos crimes de responsabilidade, os Ministros de Estado e os Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, ressalvado o disposto no art. 52, I, os membros dos Tribunais Superiores, os do Tribunal de Contas da União e os chefes de missão diplomática de caráter permanente;”

Quanto ao alcance da expressão “infrações penais comuns”, o STF já se manifestou no sentido de alcançar todas as modalidades de infrações penais, estendendo-se, inclusive, aos delitos eleitorais e às contravenções penais.

Como se vê, a competência do STF abrange infrações penais comuns co-metidas por pessoas que possuem foro por prerrogativa de função, enquanto durarem seus mandatos ou cargos, esteja ou não a infração relacionada com o exercício das funções.

Consequentemente, cessado o exercício deste mandato ou cargo, encerra-se também o foro por prerrogativa de função, não subsistindo mais a compe-tência do STF.

Cabe ressaltar que, até pouco tempo atrás, não era este o entendimento dominante em nossa jurisprudência.

De acordo com a Súmula 394 do STF, se o crime fosse cometido duran-te o exercício funcional, a competência especial por prerrogativa de função permanecia, ainda que o inquérito ou a ação penal fossem iniciados após a cessação daquele exercício.

Em 1999, entretanto, o plenário da Corte, reformulando seu entendi-mento, cancelou a referida súmula. Entendeu-se que o objetivo da Consti-tuição de 1988, com a redação do Artigo 102, I, b, era proteger as pessoas no exercício do mandato ou cargo. Era a dignidade da função que estava sob proteção e não a pessoa em si. Ou seja, o foro por prerrogativa de função visa a garantir o exercício do cargo ou do mandato, e não a proteger quem o exerce, menos ainda quem deixa de exercê-lo16.

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ORGANIZAÇÃO DA JUSTIÇA E DO MINISTÉRIO PÚBLICO

FGV DIREITO RIO 53

Por fi m, cumpre ressaltar que neste julgamento, o Pretório Excelso deter-minou ainda que os efeitos da revogação da Súmula 394 seriam ex nunc, ou seja, não retroativos, não afetando as decisões proferidas e atos praticados anteriormente de acordo com a súmula.

3.1.1 CONFLITO DE COMPETÊNCIA

Último ponto a ser analisado em relação à competência originária do STF, diz respeito ao confl ito de competência que deve por ele ser dirimido.

Dispõe o Artigo 102, I, “o” da Constituição:

“o) os confl itos de competência entre o Superior Tribunal de Justiça e quaisquer tribunais, entre Tribunais Superiores, ou entre estes e qualquer outro tribunal”

Sendo assim, caberá ao STF resolver os confl itos de competência entre o STJ e TRE; STJ e TRT; STJ e TJM:

TRE

STJ TRT

TJM

Observe-se que não constam, na demonstração acima, o TRF e o TJ, isso porque o STJ é órgão hierarquicamente superior a eles. Onde há hierarquia jurisdicional não há confl ito de competência. A decisão do STJ vincula o TRF e os TJ Estaduais.

De acordo com o texto constitucional, o STF também resolverá os con-fl itos de competência existentes entre os Tribunais Superiores, conforme de-monstração abaixo:

STJ TSE TST STM

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ORGANIZAÇÃO DA JUSTIÇA E DO MINISTÉRIO PÚBLICO

FGV DIREITO RIO 54

Caberá, ainda, ao STF resolver os confl itos de competência existentes en-tre os Tribunais Superiores e qualquer outro tribunal:

TSE

TRF TJ TRE TRT TJM

TST

TRF TJ TRE TRT TJM

STM

TRF TJ TRE TRT TJM

Cumpre ressaltar que, apesar da omissão constitucional, o STF tem com-petência para resolver o confl ito entre Tribunais Superiores e juízes perten-centes a outros Tribunais, já que o STJ não é hierarquicamente superior aos demais Tribunais Superiores.

Exemplo: Juiz Federal X TST.

3.2. Competência recursal:

Ao STF foi atribuída ainda pela Constituição Federal a competência re-cursal para julgar:

3.2.1. RECURSO ORDINÁRIO, NOS CASOS DE:

- crimes políticos;- Habeas Corpus, Mandado de Injunção, Mandado de Segurança e

Habeas Data, decididos em única instância pelos Tribunais Supe-

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ORGANIZAÇÃO DA JUSTIÇA E DO MINISTÉRIO PÚBLICO

FGV DIREITO RIO 55

riores, quando denegatória a decisão, incluindo aqui tanto as deci-sões de mérito quanto as decisões que extinguem o processo sem julgamento do mérito.

(Artigo 102, II, a e b, CR)

3.2.2. RECURSO EXTRAORDINÁRIO

Meio idôneo para a parte interessada, no âmbito do controle difuso de constitucionalidade, levar ao conhecimento do STF controvérsia constitucio-nal concreta, suscitada nos juízos inferiores.

Assim dispõe a Constituição:

“Art. 102

(...)

III — julgar, mediante recurso extraordinário, as causas decididas em

única ou última instância, quando a decisão recorrida:

a) contrariar dispositivo desta Constituição;

b) declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal;

c) julgar válida lei ou ato de governo local contestado em face desta Cons-

tituição.

d) julgar válida lei local contestada em face de lei federal”.

Essa competência constitucional extraordinária é mais um mecanismo para assegurar a supremacia das normas constitucionais, possibilitando, por-tanto, ao Pretório Excelso somente a análise jurídico-constitucional do recur-so, e não o reexame da matéria fática.

Pela leitura da alínea a, já de início percebe-se que o constituinte não exige que a decisão recorrida tenha provindo de um tribunal, o que nos faz con-cluir que o recurso extraordinário é cabível até mesmo contra decisões pro-feridas por juiz singular, nas hipóteses em que não existir recurso ordinário e dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais.

Três são os requisitos exigidos para a impetração do recurso:

A — Prequestionamento — exige-se o debate e a existência de decisão sobre o tema jurídico versado no recurso. O requisito justifi ca-se pela ne-cessidade de verifi car-se o enquadramento do recurso num dos permissivos constitucionais, devendo ser indicado, na petição de encaminhamento, obri-gatoriamente, a hipótese constitucional permissiva.

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ORGANIZAÇÃO DA JUSTIÇA E DO MINISTÉRIO PÚBLICO

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Daí a necessidade do órgão recorrido ter se manifestado sobre a questão constitucional, emitindo juízo de valor sobre o tema. Deve, portanto, haver o esgotamento de todos os meios possíveis de prequestionamento.

B — Ofensa direta e frontal à Constituição. A decisão deve dar interpre-tação direta e frontal diversa do texto constitucional. Não se admite alegação de ofensa refl exa. A via refl exa se caracteriza quando a apuração da ofensa à norma constitucional depender do reexame das normas infraconstitucionais aplicados pelo Poder Judiciário ao caso concreto; ou ainda, quando para atin-gir a violação do preceito constitucional houver necessidade de interpretação do teor e sentido da legislação infraconstitucional.

C — Repercussão Geral das questões constitucionais — inovação trazida pela EC nº 45, com a introdução do parágrafo terceiro ao texto do artigo 102 da CF. A matéria, regulada pela Lei 11.418, de 19 de dezembro de 2006, passou a exigir que o recorrente demonstre a repercussão geral das questões constitucionais discutidas no caso, de cunho econômico, político, social ou jurídico, que ultrapassem os interesses subjetivos da causa, nos termos da alu-dida lei, a fi m de que o STF examine a admissão do recurso extraordinário. A medida, que já existe nos Estados Unidos, na Alemanha e no Japão, funciona como uma espécie de fi ltro dos recursos extraordinários levados ao Supremo.

Não obstante a Lei 11.418/06 ter produzido alterações apenas no CPC, o requisito da repercussão geral também é exigido no processo penal, conforme decisão do Supremo proferida no AI-QO 664567/RS.

Para o STF, o requisito constitucional da repercussão geral aplica-se aos recursos extraordinários em geral. A inclusão do § 3º no art. 102 da CF fez com que a exigência da repercussão geral passasse a integrar o núcleo comum da disciplina constitucional do recurso extraordinário. Sendo assim, o fato da alteração ter se dado apenas no CPC não tem maior relevo, tendo em vista que as normas nele inseridas possuem um caráter geral.

A partir da EC 45/04, então, cabe verifi car, no âmbito do juízo de admis-sibilidade — seja na origem, seja no Supremo — se o recorrente, em prelimi-nar do recurso extraordinário, desenvolveu fundamentação especifi camente voltada para a demonstração, no caso concreto, da existência de repercussão geral (art. 543-A, § 2º, CPC), sob pena de seu recurso não ser admitido. A repercussão geral passou, portanto, a ser pressuposto constitucional de ad-missibilidade do recurso.

Essa demonstração cabe ao recorrente, em preliminar, para que o STF comece a análise do recurso por esse ponto. É uma espécie de preliminar da preliminar, pois será analisada antes mesmo das questões atinentes aos pres-supostos processuais.

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ORGANIZAÇÃO DA JUSTIÇA E DO MINISTÉRIO PÚBLICO

FGV DIREITO RIO 57

Após a análise do requisito, se o STF entender que a questão constitucio-nal nele versada não oferece repercussão geral nos termos do artigo 543-A do CPC, recusará o recurso pela manifestação de dois terços de seus membros.

Criou-se, assim, um mecanismo de contenção dos recursos, permitindo que haja uma valoração da matéria na esfera da admissibilidade, descartando-se as questões que não apresentem relevância.

De qualquer forma, a referida lei esclarece que, quando se tratar de im-pugnação à jurisprudência dominante ou súmula do STF, sempre haverá re-percussão geral e o recurso não poderá ser inadmitido por esse motivo (Art. 543-A, §3º do CPC). Trata-se de um caso que a lei já defi ne objetivamente a existência do requisito de admissibilidade do recurso extraordinário.

Há ainda uma questão procedimental muito importante. Quando houver vários casos idênticos no Tribunal de origem, deverá este remeter somente um deles, como exemplo, ao Supremo. Os demais fi carão sobrestados até o pronunciamento do STF. Cria-se, desse modo, uma espécie de Recurso Ex-traordinário retido. Note-se que, negado o recurso enviado como exemplo, todos os demais serão automaticamente inadmitidos. Pelos parágrafos 1º e 2º do Artigo 543-B, criou-se instâncias nos tribunais como se fossem sucursais do STF. Desta forma, a inadmissão pela repercussão geral, aos poucos, impe-dirá a subida dos autos ao STF.

Essa foi a solução encontrada pelo constituinte derivado para evitar que controvérsias concretas insignifi cantes, de absoluta irrelevância jurídica, se-jam submetidas à apreciação do Supremo. É uma espécie de fi ltragem das matérias a serem defi nidas pelo STF via recursal. Tal requisito serve para re-duzir a distribuição de recursos extraordinários ao Supremo Tribunal Federal e racionalizar o seu processamento em todo o Poder Judiciário. Ele permite que uma única decisão em cada questão constitucional. Assim, a Corte não precisa se pronunciar em outros processos com idêntica matéria. Ao mesmo tempo, convertidos em última instância para as ações que envolvem questões de interesse exclusivo das partes, o Superior Tribunal de Justiça, o Tribunal Superior do Trabalho e os Tribunais de Justiça saem fortalecidos. É mais um mecanismo, como já estudado, na tentativa de reduzir o número de processos que chegam ao STF todos os anos.

Tratando-se a repercussão geral de conceito juridicamente indeterminado, caberá ao Supremo Tribunal Federal avaliar, diante do caso concreto, se o julgamento da questão constitucional tem importância geral, nos aspectos de sua relevância política, econômica, social ou jurídica.

No site do Supremo Tribunal Federal, é possível realizar uma pesquisa avançada dos temas da Repercussão Geral, através de seus títulos, números, situação do leading case ou status do julgamento do mérito, sendo possível delimitar o período desejado, além de permitir ao usuário o acompanhamen-to da votação dos temas que estão no Plenário Virtual.

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ORGANIZAÇÃO DA JUSTIÇA E DO MINISTÉRIO PÚBLICO

FGV DIREITO RIO 58

17 TAVARES, André Ramos. Reforma do

Judiciário no Brasil Pós-88. Saraiva.

2005, p.101.

18 COSTA, Priscyla. Relevância Suprema.

Disponível no sítio www.conjur.

estadao.com.br. Acesso em o6 de

junho de 2008.

Ainda é possível consultar as matérias que foram submetidas à análise do STF através dos recursos representativos, sobrestando de imediato os recursos que versam sobre o mesmo tema nos tribunais e turmas recursais de origem.

A análise dessa nova questão inaugura um sistema próximo do sistema americano, em que os Ministros exercem um sistema de discricionariedade ao escolherem os processos que vão julgar, e ao recusarem outros, in limine, que são classifi cados como questões menores.

O jurista André Ramos Tavares faz uma breve pesquisa de semelhante re-quisito no direito comparado e sintetiza as hipóteses que possivelmente serão consideradas como de repercussão geral em nosso ordenamento:

“Em síntese, e procurando aplicar as idéias anteriores à situação brasileira, de-verá se compreender como de “repercussão geral” (i) a temática que afete um grande número de pessoas (Bianchi, 1994:184); (ii) que trate de “assuntos signifi cativos” (Morello, 1997:4); (iii) que possua um signifi cado geral, socialmente relevante; que transcenda os interesses egoísticos e pessoais das partes processuais envolvidas; que tenha “repercussão considerável sobre o conjunto do ordenamento jurídico e político” (Favoreu, 1997:103). Ou, ainda, as causas quando envolvam (i) aspectos econômi-cos de monta; (ii) temas já amplamente debatidos mas ainda pendentes em diver-sas instâncias judiciais, com decisões contraditórias; (iii) assuntos intrinsecamente relacionados a causas pendentes de julgamento no STF. Evidentemente, e seria até desnecessário dize-lo, a enumeração não pretende ser exaustiva.17”

Em menos de um ano após a regulamentação da repercussão geral pela Lei 11.418/2007, o Supremo Tribunal Federal já tinha devolvido 26% dos recursos por falta deste requisito. Com a utilização deste instituto o Pleno não precisou decidir questões de interesse meramente individual tais como18:

- dano moral para torcedor que se sentiu prejudicado com o rebaixa-mento de seu time (RE 565.138);

- se o Estado tem que indenizar por emitir CPF em duplicidade (RE 570.846);

- possibilidade de redução de multa quando a sentença já transitou em julgado (RE 556.385);

- obrigatoriedade da colocação de semáforos em faixas de pedestres (RE 565.506).

Outra importante inovação trazida pela Emenda Constitucional nº 45/2004, em relação ao cabimento do recurso extraordinário perante o STF, foi a ampliação das hipóteses de cabimento, passando a dispor que o recurso será cabível, também, quando a decisão recorrida tiver julgado válida lei local contestada em face de lei federal (alínea d). Essa competência, antes da alteração era do STJ, que conhecia a questão através do recurso especial. Com isso, houve o reconhecimento de que

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ORGANIZAÇÃO DA JUSTIÇA E DO MINISTÉRIO PÚBLICO

FGV DIREITO RIO 59

confl ito entre lei local e lei federal implica controvérsia constitucional, não mera-mente legal, como se entendia. Andou bem o constituinte derivado, pois a questão envolve a partilha e exercício de competências entre os entes federativos.

4. SÚMULA VINCULANTE

Uma grande inovação da Emenda Constitucional nº 45, com certeza a maior delas, foi a súmula vinculante, recentemente regulamentada pela Lei nº 11.417, de 19 de dezembro de 2006. Objeto de acirradas discussões dou-trinárias já há muitos anos, veio a ser instituída fi nalmente em nosso ordena-mento jurídico em 2004.

E o que vem a ser a Súmula vinculante?Antes de mais nada, cabe fazer aqui uma distinção entre jurisprudência,

súmula e a nova súmula vinculante. A jurisprudência é a reiteração uniforme e constante de uma decisão, sempre no mesmo sentido. É o que se chama de ubi idem ratio, ibi idem jus, ou seja, onde houver a mesma razão, aplica-se o mesmo direito. Quando chega a surgir um consenso quase absoluto sobre o modo de se decidir uma questão, o tribunal pode sintetizar tal entendimento por meio de um enunciado objetivo, sintético e conciso, denominado súmula.

Nem a jurisprudência, nem a súmula possuem caráter cogente. É apenas uma orientação para os juízes em seus próximos julgados. Eles estão livres para decidir de acordo com a sua convicção pessoal, optando por aplicar o entendimento jurisprudencial sumulado ou não.

Na prática, sabe-se que acabam tendo grande infl uência nas próximas decisões, inclusive com juízes diferentes, mas trata-se de uma faculdade do julgador.

Passemos, agora sim ao conceito de súmula vinculante, previsto pelo cons-tituinte reformador, da EC nº 45/2004:

“Art. 103-A. O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por pro-

vocação, mediante decisão de dois terços dos seus membros, após reiteradas

decisões sobre matéria constitucional, aprovar súmula que, a partir de sua

publicação na imprensa ofi cial, terá efeito vinculante em relação aos demais

órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas

esferas federal, estadual e municipal, bem como proceder à sua revisão ou

cancelamento, na forma estabelecida em lei.

§ 1º A súmula terá por objetivo a validade, a interpretação e a efi cácia de

normas determinadas, acerca das quais haja controvérsia atual entre órgãos

judiciários ou entre esses e a administração pública que acarrete grave insegu-

rança jurídica e relevante multiplicação de processos sobre questão idêntica.

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ORGANIZAÇÃO DA JUSTIÇA E DO MINISTÉRIO PÚBLICO

FGV DIREITO RIO 60

19 FREITAS. Vladimir Passos de. A

morosidade continua. Decisões são

delegadas da primeira instância para

o STF. Texto publicado no sítio www.

conjur.estadao.com.br. Acesso em 06

de junho de 2008.

§ 2º Sem prejuízo do que vier a ser estabelecido em lei, a aprovação, revi-

são ou cancelamento de súmula poderá ser provocada por aqueles que podem

propor a ação direta de inconstitucionalidade.

§ 3º Do ato administrativo ou decisão judicial que contrariar a súmula

aplicável ou que indevidamente a aplicar, caberá reclamação ao Supremo

Tribunal Federal que, julgando-a procedente, anulará o ato administrativo

ou cassará a decisão judicial reclamada, e determinará que outra seja profe-

rida com ou sem a aplicação da súmula, conforme o caso.”

É, portanto, um enunciado sobre matéria constitucional, que já havia sido reiteradamente julgada num determinado sentido, vindo a ser aprovado pelo Supremo Tribunal Federal vinculando toda a Administração Pública direta e indireta e os demais órgãos do Poder Judiciário. Sua edição, revisão e cance-lamento foram regulamentados pela Lei Federal nº 11.417/2006.

A idéia de instituir a súmula vinculante surgiu da necessidade de reforço à idéia de uma única interpretação jurídica para o mesmo texto constitucional ou legal.

Isto porque nossa Constituição, por ser tão abrangente nos direitos que assegura, por vezes se mostra inefi caz na prática diante de tantas omissões estatais, decisões divergentes nos tribunais, morosidade, enfi m, causas que le-vam ao enfraquecimento do Poder Judiciário, ao desprestígio do Direito. Foi a crescente insatisfação e a perda da legitimidade do Judiciário que levou o constituinte derivado a instituir a súmula vinculante como forma de restabe-lecer a segurança jurídica (por meio da diminuição do número de diferentes interpretações jurídicas de uma mesma norma), o princípio da igualdade (a mesma interpretação legal deve ser aplicada aos casos concretos semelhantes) e a celeridade jurídica (impedindo a eternização dos confl itos sobre matérias que o STF já decidiu).

Além disso, por certo, foi criada com a fi nalidade de produzir uma drásti-ca redução do número de processos. É uma tentativa de reduzir os gigantes-cos números do nosso Judiciário.

Cabe ressaltarmos que estamos diante de uma forte mudança estrutural no que diz respeito à competência das Cortes revisoras devido ao incontro-verso acúmulo de processos em todos os níveis do Poder Judiciário.

A situação do Supremo Tribunal Federal se agravou após a Constituição de 1988, conforme demonstra a doutrina19:

“Mas foi a Constituição de 1988 que alterou sobremaneira a situação dando nova dimensão ao Poder Judiciário que, além de ter se tornado bem maior (p. ex., com a criação do Superior Tribunal de Justiça e dos Tribunais Regionais Federais), assumiu uma competência mais ampla, inclusive com intervenção nas políticas pú-blicas do Poder Executivo. Tudo isto, aliado à facilidade de levar os recursos até as

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ORGANIZAÇÃO DA JUSTIÇA E DO MINISTÉRIO PÚBLICO

FGV DIREITO RIO 61

20 Informações obtidas junto ao sítio

www.stf.gov.br em 26.12.2011.

instâncias superiores, inclusive o Supremo Tribunal Federal, fez com que a Justiça se tornasse, pouco a pouco, abarrotada de processos e exposta a críticas.

A partir dos anos noventa, várias tentativas de controlar a explosão de processos e a consequente morosidade foram feitas. Entre outras, a criação de varas, aumento de tribunais, fusão de tribunais de Justiça e Alçada, criação de Juizados Especiais, inclusive Federais, convocações de juízes para atuar em segunda instância, mutirões, reformas do Código de Processo Civil, reforma do Poder Judiciário pela Emenda Constitucional 45/2004. Sem sucesso. A morosidade continua.”

De fato, o Supremo tem buscado das mais variadas formas reduzir o nú-mero de processos que lhes chegam todos os anos. E são muitos, consideran-do o número ínfi mo de 11 ministros. Observe na tabela abaixo o demons-trativo de movimentação processual no Supremo nos anos de 2003 a 201120.

Movimen-tação STF

2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011

Proc. Proto-colados

87.186 83.667 95.212 127.535 119.324 100.781 84.369 71.670 59.581

Proc. Distri-buídos

109.965 69.171 79.577 116.216 112.938 66.873 42.729 41.014 35.476

Julgamen-tos

107.867 101.690 103.700 110.284 159.522 130.747 121.316 103.869 90.607

Acórdãos publicados

10.840 10.674 14.173 11.421 22.257 19.377 17.704 10.814 13.080

Fonte: Portal de Informações Gerenciais do STF. *Dados de 2011 atualizados até 30 de novembro.

Obs: Julgamentos — engloba decisões monocráticas (despachos) e deci-sões colegiadas (acórdãos).

E as súmulas editadas pelo Supremo antes da EC nº 45? Será que elas ganharam efeito vinculante automaticamente?

A Emenda 45 tratou do tema em seu artigo 8º, determinando que as sú-mulas anteriormente editadas pelo STF “somente produzirão efeito vinculante após sua confi rmação por dois terços dos seus integrantes e publicação na imprensa ofi cial”.

E quais serão os requisitos exigidos para que estas súmulas anteriores ganhem efeito vinculante? Será que basta o preenchimento dos dois terços dos integrantes do STF? Ou será necessário observar todos os requisitos do Artigo 103-A?

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FGV DIREITO RIO 62

21 CAPEZ, Fernando. Súmula vinculante.

Jus navigandi, Teresina, ano 10, n.911,

31 dez. 2005. Disponível em: http://

jus2.uol.com.br/doutrina/texto.

asp?id=7710. Acesso em 07 nov.2006.

22 Agravo Regimental no Agravo de

Instrumento, n. 414207-RJ, rel. Min.

Gilmar Mendes, j. em 02.05.2006.

Para Fernando Capez21 “todos os requisitos da EC nº 45/2004 deverão estar preenchidos, pois não se podem criar duas categorias de súmula vinculante, uma com e outra sem conteúdo constitucional.”

É o que parece que será realmente exigido, tendo em vista decisão do STF no sentido de que, além dos requisitos previstos no art. 8º da EC 45/04, as súmulas anteriores devem preencher os requisitos previstos na Constituição para que possam ser dotadas de efeito22.

E o que acontecerá quando um ato administrativo ou uma decisão ju-dicial desrespeitar a súmula vinculante, seja contrariando, seja aplicando-a indevidamente?

Caberá reclamação perante o STF, conforme determina o parágrafo 3º do Artigo 103-A da Constituição Federal. Julgada procedente, o Supremo anulará o ato administrativo ou cassará a decisão judicial e determinará que outra seja proferida de acordo com a súmula vinculante.

A Lei 11.417/06 prevê a responsabilização civil, administrativa e até mes-mo penal, dos órgãos da administração pública que não observarem o co-mando da súmula vinculante. Entretanto, não dispôs sobre qualquer sanção aplicável aos membros do Judiciário, sob pena de estar punindo o juiz por exercer algo inerente a sua profi ssão, ou seja, a interpretação de leis. Desta forma, garantiu-se ao magistrado “a liberdade de apreciar os elementos para defi nir se a conclusão do processo deve ser harmônica ou não com o verbete” (Mi-nistro Marco Aurélio in notícias do STF, 08 de fevereiro de 2007).

O Ministro destacou que a única hipótese plausível para que os tribunais não apliquem a súmula vinculante se dará quando houver por parte do ma-gistrado, a percepção de alguma peculiaridade no caso concreto.

São muitas as divergências acerca do tema. Posições antagônicas vêm sen-do tomadas pelos nossos juristas.

Em síntese, a discussão gira em torno dos seguintes argumentos: a adoção da súmula vinculante em nosso ordenamento acabaria por engessar o Judici-ário brasileiro, paralisando a evolução do Direito e transformando nossos juí-zes de primeiro grau em simples máquinas copiadoras de decisões já tomadas.

Assim pensam alguns juristas como, por exemplo, Luiz Flávio Gomes:

“A inconstitucionalidade da súmula vinculante é evidente (cf. Gomes, L. Flávio, A dimensão da magistratura no Estado de Direito, São Paulo, RT, 1997, p.202 e ss). Toda interpretação, dada por um Tribunal a uma lei ordinária, por mais sábia que seja, jamais pode vincular os juízes das instâncias inferiores, que devem julgar com absoluta e total independência. A súmula vinculante viola a independência jurídica do juiz, isto é, sua independência interna (dentro da e frente à própria instituição a que pertence).”

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ORGANIZAÇÃO DA JUSTIÇA E DO MINISTÉRIO PÚBLICO

FGV DIREITO RIO 63

23 MORAES, Alexandre de. Direito

Constitucional. 20 ed. Atlas. São Paulo.

2006, p.537.

Ou ainda a boa argumentação de Renato Marcão:

“A súmula vinculante, além de outras sérias implicações que não comportam abordagem nas linhas deste trabalho, mitigou de forma signifi cativa os limites da coisa julgada e impôs ao órgão jurisdicional de Superior Instância a tarefa de “dizer o direito em tese”, em caráter genérico e universal, atribuição para a qual nunca esteve autorizado politicamente, carecendo de legitimação democrática, a confi gurar, ain-da, perigoso desvio de sua missão de dizer o direito casos a caso, compondo os confl itos de interesse na exata medida de suas realidades.”

Mas há também juristas renomados a favor da súmula vinculante:

“Não concordamos com esse posicionamento, nem tampouco nos parece que a edi-ção de súmulas vinculantes poderá acarretar o engessamento e consequente paralisia na evolução e interpretação do Direito.

(...)A EC nº 45/04 possibilitou ao supremo Tribunal Federal, assim como à Corte

Suprema Americana e à Câmara dos Lordes inglesa, a não vinculação ad eternum a seus próprios precedentes, podendo, a partir de novas provocações, refl exões e di-versas decisões futuras, alterar a interpretação dada em matéria constitucional e, consequentemente, proceder a revisão ou cancelamento da súmula, o que impedirá qualquer forma de engessamento e paralisia na evolução do Direito, sem, contudo, desrespeitar os princípios da igualdade, segurança jurídica e celeridade processual.23”

Alexandre de Moraes e Fernando Capez concordam que como forma de não engessar a atividade do julgador, este poderá, ao constatar que não há plena similitude entre a súmula vinculante e a matéria no caso concreto que está sendo apreciada, concluir pela presença de um elemento diferenciador e não aplicar a súmula, desde que o faça fundamentadamente.

É o que ocorre de maneira semelhante no direito norte-americano por meio de um mecanismo processual chamado distinguishing, ou seja, é a dis-tinção entre o caso concreto e o precedente judicial, quando não será obriga-tório o uso deste último.

Este é o cenário com o qual nos deparamos atualmente, sendo necessário aguardar que o tempo transcorra para sabermos como irá se posicionar o Supremo, os juízes e a doutrina.

Já começam a surgir as primeiras decisões acerca de questões ventiladas em súmulas vinculantes, como por exemplo, a proferida pelo Supremo na Reclamação 6963, em que a Defensoria Pública da União questionava a de-

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FGV DIREITO RIO 64

24 Decisão de 21/10/2009, publicada no

DJE nº 203, divulgado em 27/10/2009.

cisão de juíza federal que determinou o uso de algema nos pés e nas mãos de sul-africano durante depoimento.

Para a Defensoria a decisão desrespeitou a dignidade do réu e a autoridade da súmula vinculante nº 11.

A Egrégia Corte, entretanto, entendeu que a decisão não afrontou a sú-mula e negou seguimento à reclamação, sob o fundamento de que fora devi-damente justifi cado o uso das algemas no caso em questão.

Da mesma forma, foi decidido pelo Ministro Joaquim Barbosa na Recla-mação 716524, apresentada contra ato de juiz que manteve o réu algemado durante toda a audiência, apesar dele ser primário, ter bons antecedentes, não ter resistido à prisão, nem representar risco concreto de fuga.

Para o Ministro, a justifi cativa do juiz neste caso concreto foi satisfatória, tendo em vista a alegação da falta de segurança da sala de audiência e do pró-prio Fórum, e que, desde a sua instalação, já ocorreram três fugas de réus que estavam algemados. Considerou, ainda, que o julgamento que deu origem à Súmula Vinculante tratava de um caso diferente, pois naquela ocasião foi dis-cutido o “emprego de algemas em sessão de julgamento de Tribunal de Júri, cujos jurados poderiam ser infl uenciados pelo fato de o réu ter permanecido algemado no decorrer do julgamento”.

No Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, meses após a aprova-ção e publicação da Súmula Vinculante nº 11, ocorreram três episódios nos Plenários do Tribunal do Júri de Comarcas diversas. Os réus, estando livres das algemas durante o julgamento, se investiram violentamente contra os Magistrados que presidiam as sessões e os Promotores de Justiça em atuação naqueles Juízos.

Diante dos fatos ocorridos, o Procurador-Geral de Justiça do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro encaminhou ofício ao Governador do Estado do Rio de Janeiro sugerindo o cancelamento da referida súmula, haja vista o rol de legitimados previsto no art. 3º, da Lei nº 11.417/2006.

O pedido foi encaminhado à Procuradoria-Geral do Estado para análise, tendo se concluído pela falta de motivação para propor a ação de cancela-mento do Enunciado nº 11 do STF, uma vez que o uso das algemas deve ser conduzido pela razoabilidade e pelo bom senso.

É o que consta em outros dispositivos normativos em vigor, como, por exemplo, a Portaria nº 288/JSF/GDG/1976 do Estado do Rio de Janeiro, a qual determina que os agentes estatais evitem o uso de algemas, desde que não haja perigo ou agressão por parte do preso. Desta forma, em caso de “eventual correção legislativa, esta seria exatamente no sentido de unifi car a necessidade de motivação do uso de algemas, restringindo-o nas situações de resistência à prisão, fundado receio de fuga ou para preservar a integridade física do executor, do preso ou de terceiros”.

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FGV DIREITO RIO 65

25 Consulta realizada em 23.09.2011 no

site www.stf.jus.br, pedido pendente

de julgamento.

No entanto, nada impede que esta súmula vinculante seja cancelada atra-vés da solicitação de outros legitimados. Com efeito, em consulta ao site do Supremo Tribunal Federal, podemos encontrar a Proposta de Súmula Vincu-lante nº 13 (PSV nº 13), na qual a Confederação Brasileira dos Trabalhadores Policiais Civis — COBRAPOL propõe o seu cancelamento25.

Eis as súmulas vinculantes já aprovadas pelo Supremo Tribunal Federal:

SÚMULA VINCULANTE Nº 1OFENDE A GARANTIA CONSTITUCIONAL DO ATO JURÍDI-

CO PERFEITO A DECISÃO QUE, SEM PONDERAR AS CIRCUNS-TÂNCIAS DO CASO CONCRETO, DESCONSIDERA A VALIDEZ E A EFICÁCIA DE ACORDO CONSTANTE DE TERMO DE ADESÃO INSTITUÍDO PELA LEI COMPLEMENTAR Nº 110/2001.

SÚMULA VINCULANTE Nº 2É INCONSTITUCIONAL A LEI OU ATO NORMATIVO ESTADU-

AL OU DISTRITAL QUE DISPONHA SOBRE SISTEMAS DE CON-SÓRCIOS E SORTEIOS, INCLUSIVE BINGOS E LOTERIAS.

SÚMULA VINCULANTE Nº 3NOS PROCESSOS PERANTE O TRIBUNAL DE CONTAS DA

UNIÃO ASSEGURAM-SE O CONTRADITÓRIO E A AMPLA DEFE-SA QUANDO DA DECISÃO PUDER RESULTAR ANULAÇÃO OU REVOGAÇÃO DE ATO ADMINISTRATIVO QUE BENEFICIE O IN-TERESSADO, EXCETUADA A APRECIAÇÃO DA LEGALIDADE DO ATO DE CONCESSÃO INICIAL DE APOSENTADORIA, REFORMA E PENSÃO.

SÚMULA VINCULANTE Nº 4SALVO NOS CASOS PREVISTOS NA CONSTITUIÇÃO, O SALÁRIO

MÍNIMO NÃO PODE SER USADO COMO INDEXADOR DE BASE DE CÁLCULO DE VANTAGEM DE SERVIDOR PÚBLICO OU DE EM-PREGADO, NEM SER SUBSTITUÍDO POR DECISÃO JUDICIAL.

SÚMULA VINCULANTE Nº 5A FALTA DE DEFESA TÉCNICA POR ADVOGADO NO PROCES-

SO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR NÃO OFENDE A CONSTI-TUIÇÃO.

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FGV DIREITO RIO 66

SÚMULA VINCULANTE Nº 6NÃO VIOLA A CONSTITUIÇÃO O ESTABELECIMENTO DE RE-

MUNERAÇÃO INFERIOR AO SALÁRIO MÍNIMO PARA AS PRAÇAS PRESTADORAS DE SERVIÇO MILITAR INICIAL.

SÚMULA VINCULANTE Nº 7A NORMA DO §3º DO ARTIGO 192 DA CONSTITUIÇÃO, REVO-

GADA PELA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 40/2003, QUE LIMI-TAVA A TAXA DE JUROS REAIS A 12% AO ANO, TINHA SUA APLI-CAÇÃO CONDICIONADA À EDIÇÃO DE LEI COMPLEMENTAR.

SÚMULA VINCULANTE Nº 8SÃO INCONSTITUCIONAIS O PARÁGRAFO ÚNICO DO ARTI-

GO 5º DO DECRETO-LEI Nº 1.569/1977 E OS ARTIGOS 45 E 46 DA LEI Nº 8.212/1991, QUE TRATAM DE PRESCRIÇÃO E DECADÊN-CIA DE CRÉDITO TRIBUTÁRIO.

SÚMULA VINCULANTE Nº 9O DISPOSTO NO ARTIGO 127 DA LEI Nº 7.210/1984 (LEI DE

EXECUÇÃO PENAL) FOI RECEBIDO PELA ORDEM CONSTITU-CIONAL VIGENTE, E NÃO SE LHE APLICA O LIMITE TEMPORAL PREVISTO NO CAPUT DO ARTIGO 58.

SÚMULA VINCULANTE Nº 10VIOLA A CLÁUSULA DE RESERVA DE PLENÁRIO (CF, ARTIGO

97) A DECISÃO DE ÓRGÃO FRACIONÁRIO DE TRIBUNAL QUE, EMBORA NÃO DECLARE EXPRESSAMENTE A INCONSTITUCIO-NALIDADE DE LEI OU ATO NORMATIVO DO PODER PÚBLICO, AFASTA SUA INCIDÊNCIA, NO TODO OU EM PARTE.

SÚMULA VINCULANTE Nº 11SÓ É LÍCITO O USO DE ALGEMAS EM CASOS DE RESISTÊNCIA

E DE FUNDADO RECEIO DE FUGA OU DE PERIGO À INTEGRI-DADE FÍSICA PRÓPRIA OU ALHEIA, POR PARTE DO PRESO OU DE TERCEIROS, JUSTIFICADA A EXCEPCIONALIDADE POR ES-CRITO, SOB PENA DE RESPONSABILIDADE DISCIPLINAR, CIVIL E PENAL DO AGENTE OU DA AUTORIDADE E DE NULIDADE DA PRISÃO OU DO ATO PROCESSUAL A QUE SE REFERE, SEM PRE-JUÍZO DA RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO.

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FGV DIREITO RIO 67

SÚMULA VINCULANTE Nº 12A COBRANÇA DE TAXA DE MATRÍCULA NAS UNIVERSIDADES

PÚBLICAS VIOLA O DISPOSTO NO ART. 206, IV, DA CONSTITUI-ÇÃO FEDERAL.

SÚMULA VINCULANTE Nº 13A NOMEAÇÃO DE CÔNJUGE, COMPANHEIRO OU PARENTE

EM LINHA RETA, COLATERAL OU POR AFINIDADE, ATÉ O TER-CEIRO GRAU, INCLUSIVE, DA AUTORIDADE NOMEANTE OU DE SERVIDOR DA MESMA PESSOA JURÍDICA INVESTIDO EM CARGO DE DIREÇÃO, CHEFIA OU ASSESSORAMENTO, PARA O EXERCÍCIO DE CARGO EM COMISSÃO OU DE CONFIANÇA OU, AINDA, DE FUNÇÃO GRATIFICADA NA ADMINISTRAÇÃO PÚ-BLICA DIRETA E INDIRETA EM QUALQUER DOS PODERES DA UNIÃO, DOS ESTADOS, DO DISTRITO FEDERAL E DOS MUNI-CÍPIOS, COMPREENDIDO O AJUSTE MEDIANTE DESIGNAÇÕES RECÍPROCAS, VIOLA A CONSTITUIÇÃO FEDERAL.

SÚMULA VINCULANTE Nº 14É DIREITO DO DEFENSOR, NO INTERESSE DO REPRESENTA-

DO, TER ACESSO AMPLO AOS ELEMENTOS DE PROVA QUE, JÁ DOCUMENTADOS EM PROCEDIMENTO INVESTIGATÓRIO RE-ALIZADO POR ÓRGÃO COM COMPETÊNCIA DE POLÍCIA JUDI-CIÁRIA, DIGAM RESPEITO AO EXERCÍCIO DO DIREITO DE DE-FESA.

SÚMULA VINCULANTE Nº 15O CÁLCULO DE GRATIFICAÇÕES E OUTRAS VANTAGENS DO

SERVIDOR PÚBLICO NÃO INCIDE SOBRE O ABONO UTILIZA-DO PARA SE ATINGIR O SALÁRIO MÍNIMO.

SÚMULA VINCULANTE Nº 16OS ARTIGOS 7º, IV, E 39, § 3º (REDAÇÃO DA EC 19/98), DA

CONSTITUIÇÃO, REFEREM-SE AO TOTAL DA REMUNERAÇÃO PERCEBIDA PELO SERVIDOR PÚBLICO.

SÚMULA VINCULANTE Nº 17DURANTE O PERÍODO PREVISTO NO PARÁGRAFO 1º DO AR-

TIGO 100 DA CONSTITUIÇÃO, NÃO INCIDEM JUROS DE MORA SOBRE OS PRECATÓRIOS QUE NELE SEJAM PAGOS.

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ORGANIZAÇÃO DA JUSTIÇA E DO MINISTÉRIO PÚBLICO

FGV DIREITO RIO 68

SÚMULA VINCULANTE Nº 18A DISSOLUÇÃO DA SOCIEDADE OU DO VÍNCULO CONJU-

GAL, NO CURSO DO MANDATO, NÃO AFASTA A INELEGIBILI-DADE PREVISTA NO § 7º DO ARTIGO 14 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL.

SÚMULA VINCULANTE Nº 19A TAXA COBRADA EXCLUSIVAMENTE EM RAZÃO DOS SERVI-

ÇOS PÚBLICOS DE COLETA, REMOÇÃO E TRATAMENTO OU DES-TINAÇÃO DE LIXO OU RESÍDUOS PROVENIENTES DE IMÓVEIS, NÃO VIOLA O ARTIGO 145, II, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL.

SÚMULA VINCULANTE Nº 20A GRATIFICAÇÃO DE DESEMPENHO DE ATIVIDADE TÉC-

NICO-ADMINISTRATIVA — GDATA, INSTITUÍDA PELA LEI Nº 10.404/2002, DEVE SER DEFERIDA AOS INATIVOS NOS VALO-RES CORRESPONDENTES A 37,5 (TRINTA E SETE VÍRGULA CIN-CO) PONTOS NO PERÍODO DE FEVEREIRO A MAIO DE 2002 E, NOS TERMOS DO ARTIGO 5º, PARÁGRAFO ÚNICO, DA LEI Nº 10.404/2002, NO PERÍODO DE JUNHO DE 2002 ATÉ A CONCLU-SÃO DOS EFEITOS DO ÚLTIMO CICLO DE AVALIAÇÃO A QUE SE REFERE O ARTIGO 1º DA MEDIDA PROVISÓRIA NO 198/2004, A PARTIR DA QUAL PASSA A SER DE 60 (SESSENTA) PONTOS.

SÚMULA VINCULANTE Nº 21É INCONSTITUCIONAL A EXIGÊNCIA DE DEPÓSITO OU AR-

ROLAMENTO PRÉVIOS DE DINHEIRO OU BENS PARA ADMISSI-BILIDADE DE RECURSO ADMINISTRATIVO.

SÚMULA VINCULANTE Nº 22A JUSTIÇA DO TRABALHO É COMPETENTE PARA PROCESSAR

E JULGAR AS AÇÕES DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E PATRIMONIAIS DECORRENTES DE ACIDENTE DE TRABALHO PROPOSTAS POR EMPREGADO CONTRA EMPREGADOR, IN-CLUSIVE AQUELAS QUE AINDA NÃO POSSUÍAM SENTENÇA DE MÉRITO EM PRIMEIRO GRAU QUANDO DA PROMULGAÇÃO DA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 45/04.

SÚMULA VINCULANTE Nº 23A JUSTIÇA DO TRABALHO É COMPETENTE PARA PROCESSAR

E JULGAR AÇÃO POSSESSÓRIA AJUIZADA EM DECORRÊNCIA

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FGV DIREITO RIO 69

DO EXERCÍCIO DO DIREITO DE GREVE PELOS TRABALHADO-RES DA INICIATIVA PRIVADA.

SÚMULA VINCULANTE Nº 24NÃO SE TIPIFICA CRIME MATERIAL CONTRA A ORDEM

TRIBUTÁRIA, PREVISTO NO ART. 1º, INCISOS I A IV, DA LEI Nº 8.137/90, ANTES DO LANÇAMENTO DEFINITIVO DO TRIBUTO.

SÚMULA VINCULANTE Nº 25É ILÍCITA A PRISÃO CIVIL DE DEPOSITÁRIO INFIEL, QUAL-

QUER QUE SEJA A MODALIDADE DO DEPÓSITO.

SÚMULA VINCULANTE Nº 26PARA EFEITO DE PROGRESSÃO DE REGIME NO CUMPRIMEN-

TO DE PENA POR CRIME HEDIONDO, OU EQUIPARADO, O JU-ÍZO DA EXECUÇÃO OBSERVARÁ A INCONSTITUCIONALIDADE DO ART. 2º DA LEI N. 8.072, DE 25 DE JULHO DE 1990, SEM PRE-JUÍZO DE AVALIAR SE O CONDENADO PREENCHE, OU NÃO, OS REQUISITOS OBJETIVOS E SUBJETIVOS DO BENEFÍCIO, PO-DENDO DETERMINAR, PARA TAL FIM, DE MODO FUNDAMEN-TADO, A REALIZAÇÃO DE EXAME CRIMINOLÓGICO.

SÚMULA VINCULANTE Nº 27COMPETE À JUSTIÇA ESTADUAL JULGAR CAUSAS ENTRE

CONSUMIDOR E CONCESSIONÁRIA DE SERVIÇO PÚBLICO DE TELEFONIA, QUANDO A ANATEL NÃO SEJA LITISCONSORTE PASSIVA NECESSÁRIA, ASSISTENTE, NEM OPOENTE.

SÚMULA VINCULANTE Nº 28É INCONSTITUCIONAL A EXIGÊNCIA DE DEPÓSITO PRÉVIO

COMO REQUISITO DE ADMISSIBILIDADE DE AÇÃO JUDICIAL NA QUAL SE PRETENDA DISCUTIR A EXIGIBILIDADE DE CRÉ-DITO TRIBUTÁRIO.

SÚMULA VINCULANTE Nº 29É CONSTITUCIONAL A ADOÇÃO, NO CÁLCULO DO VALOR

DE TAXA, DE UM OU MAIS ELEMENTOS DA BASE DE CÁLCULO PRÓPRIA DE DETERMINADO IMPOSTO, DESDE QUE NÃO HAJA INTEGRAL IDENTIDADE ENTRE UMA BASE E OUTRA.

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ORGANIZAÇÃO DA JUSTIÇA E DO MINISTÉRIO PÚBLICO

FGV DIREITO RIO 70

SÚMULA VINCULANTE Nº 31É INCONSTITUCIONAL A INCIDÊNCIA DO IMPOSTO SOBRE

SERVIÇOS DE QUALQUER NATUREZA — ISS SOBRE OPERAÇÕES DE LOCAÇÃO DE BENS MÓVEIS.

SÚMULA VINCULANTE Nº 32O ICMS NÃO INCIDE SOBRE ALIENAÇÃO DE SALVADOS DE

SINISTRO PELAS SEGURADORAS.

5 — SÚMULA IMPEDITIVA DE RECURSO

A reforma processual instituída por diversas leis promulgadas nos últimos anos, restou por determinar a inadmissibilidade de apelações deduzidas con-tra sentenças apoiadas em súmulas do STJ e do STF.

Trata-se da chamada súmula impeditiva de recurso, trazida ao ordena-mento pela Lei 11.276/2006, mais um instrumento processual criado para diminuir e difi cultar o acesso aos tribunais superiores.

Assim, a nova redação do Artigo 518, §1º do Código de Processo Civil:

“O juiz não receberá o recurso de apelação quando a sentença estiver em con-formidade com súmula do Superior Tribunal de Justiça ou do Supremo Tribunal Federal.”

Aqui, é o próprio magistrado de primeiro grau que, analisando a confor-midade da sentença recorrida com a súmula dos Tribunais Superiores, não receberá o recurso.

Sua manifestação dirige-se ao mérito do recurso sem que se trate de súmu-la vinculante (até porque não existe essa fi gura com relação ao STJ).

A questão deve guardar simetria entre o decidido e o enunciado. Caso contrário, a apelação deve prosseguir.

Duas novas situações surgem em relação a esta inovação.Vamos supor que uma apelação seja recebida, chegando ao segundo grau.

Ocorre que o caso se enquadra perfeitamente ao Artigo 518, §1º do CPC, ou seja, seria caso de aplicação da súmula impeditiva de recurso ainda em sede de juízo de primeiro grau. Deve o Ministério Público alertar sobre o fato em seu parecer?

Entendemos positivamente, pois a nova regra é parte integrante do juízo de admissibilidade do recurso, devendo ser abordada pelo Parquet no momento do exame dos pressupostos processuais, logo no início.

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FGV DIREITO RIO 71

26 Em termos bem gerais, apenas para

se situarem no assunto, o Agravo é o

recurso cabível para questionamento

das decisões interlocutórias proferidas

em juízo. Já a Apelação tem cabimento

contra as sentenças (Artigos 522 e 513

do Código de Processo Civil).

Questão diferente ocorreria se o Ministério Público, ainda em primeiro grau, tomasse ciência que o juiz de primeiro grau inadmitiu um recurso sob o fundamento da súmula impeditiva, quando não era caso de sua aplicação. Sendo o Parquet chamado a se manifestar, qual o recurso cabível? Na opinião de Luís Rodrigues Wambier, o recurso cabível é o agravo de instrumento, sendo certo que as razões do agravo devem se dirigir ao Artigo 518, §1º e não às razões da apelação, por força do princípio da dialeticidade26. Desta forma, pode-se discutir o alcance da súmula, que não atingiria o caso concreto, por-que os fatos deste não se ajustam à hipótese da súmula.

Uma novidade apontada por Cassio Scarpinella Bueno é a de que Recurso Extraordinário ou Especial interpostos contra acórdão fundado em súmula do STF ou STJ pode ter seu trânsito negado na origem por aplicação deste dispositivo.

JURISPRUDÊNCIA

Súmula Vinculante

NEPOTISMO E CONSELHEIRO DE TRIBUNAL DE CONTAS — 1

Por vislumbrar ofensa à Súmula Vinculante 13 (“A nomeação de cônjuge, companheiro, ou parente, em linha reta, colateral ou por afi nidade, até o tercei-ro grau, inclusive, da autoridade nomeante ou de servidor da mesma pessoa ju-rídica investido em cargo de direção, chefi a ou assessoramento, para o exercício de cargo em comissão ou de confi ança ou, ainda, de função gratifi cada na Ad-ministração Pública direta e indireta, em qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, compreendido o ajuste median-te designações recíprocas, viola a Constituição Federal.”), o Tribunal deu provi-mento a agravo regimental inte rposto contra decisão que indeferira pedido de liminar em reclamação ajuizada contra decisão de 1º grau que, no bojo de ação popular movida pelo reclamante, mantivera a posse do irmão do Governador do Estado do Paraná no cargo de Conselheiro do Tribunal de Contas local, para o qual fora por este nomeado. Asseverou-se, de início, que o caso sob exa-me apresentaria nuances que o distinguiriam da situação tratada no julgamento do RE 579951/RN (DJE de 24.10.2008), na qual se declarara que a prática do nepotismo no âmbito dos três Poderes da República afronta à Lei Maior, e, ressaltando-se a diferença entre cargo estritamente administrativo e cargo polí-tico, reputara-se nulo o ato de nomeação de um motorista e hígido o do Secre-tário Municipal de Saúde, não apenas por se tratar de um agente político, mas por não ter fi cado evidenciada a prática do nepotismo cruzado, nem a hipótese de fraude à lei. Esclareceu-se, no ponto, que, em 24.6.2008, o Presidente do

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ORGANIZAÇÃO DA JUSTIÇA E DO MINISTÉRIO PÚBLICO

FGV DIREITO RIO 72

Tribunal de Contas daquela unidade federada encaminhara ofício ao Presiden-te da Assembléia Legislativa, informando a vacância de cargo de Conselheiro, em decorrência de aposentadoria, a fi m de que se fi zesse a seleção de um novo nome, nos termos dos artigos 54, XIX, a e 77, § 2º, da Constituição estadual. O expediente fora lido em sessão no mesmo dia em que recebido, mas proto-colizado no dia subsequente. Neste dia, a Comissão Executiva da Assembléia Legislativa editara o Ato 675/2008, abrindo o prazo de 5 dias para as inscrições de candidatos ao aludido cargo vago, além de estabelecer novas regras para o procedimento de escolha e indicação da Casa, em especial para transformar a votação de secreta em nominal, segundo uma única discussão. Destacou-se que tal ato fora publicado em jornal no Diário da Assembléia somente em 9.7.2008, e que, no mesmo dia, em Sessão Especial Plenária, os Deputados Estaduais integrantes da Assembléia Legislativa elegeram o irmão do Governador para ocupar o cargo de Conselheiro do Tribunal de Contas, tendo o Governador, no dia 10.7.2008, assinado o Decreto 3.041, que aposentou o anterior ocupante do cargo de Conselheiro do Tribunal de Contas estadual, o Decreto 3.042, que exonerou o irmão do cargo de Secretário do Estado da Educação, e o De-creto 3.044, que o nomeou para exercer o mencionado cargo de Conselheiro.Rcl 6702 AgR-MC/PR, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 4.3.2009. (Rcl-6702) Informativo 537

NEPOTISMO E CONSELHEIRO DE TRIBUNAL DE CONTAS — 2

Entendeu-se que estariam presentes os requisitos autorizadores da con-cessão da liminar. Considerou-se que a natureza do cargo de Conselheiro do Tribunal de Contas não se enquadraria no conceito de agente político, uma vez que exerce a função de auxiliar do Legislativo no controle da Ad-ministração Pública, e que o processo de nomeação do irmão do Governa-dor, ao menos numa análise perfunctória dos autos, sugeriria a ocorrência de vícios que maculariam a sua escolha por parte da Assembléia Legislativa do Estado. Registrou-se o açodamento, no mínimo suspeito, dos atos le-vado a cabo na referida Casa Legislativa para ultimar o processo seletivo, o que indicaria, quando mais não seja, a tentativa de burlar os princípios da publicidade e impessoalidade que, dentre outros, regem a Administração Pública em nossa sistemática constitucional. Observou-se que a aprovação do irmão do Governador para o cargo dera-se inclusive antes de escoado integralmente o prazo aberto para a inscrição de candidatos ao mesmo, cuja vacância, ao menos do ponto de vista formal, ocorrera apenas em 10.7.2009. Afi rmou-se, também, ser de duvidosa constitucionalidade, em face do prin-cípio da simetria, a escolha de membros do Tribunal de Contas pela Assem-bléia Legislativa por votação aberta, tendo em conta o disposto no art. 52, III, b, da CF. Concluiu-se que, além desses fatos, a nomeação do irmão,

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ORGANIZAÇÃO DA JUSTIÇA E DO MINISTÉRIO PÚBLICO

FGV DIREITO RIO 73

pelo Governador, para ocupar o cargo de Conselheiro do Tribunal de Con-tas, agente incumbido pela Constituição de fi scalizar as contas do nomeante, estaria a sugerir, em princípio, desrespeito aos mais elementares postulados republicanos. Por conseguinte, deferiu-se, por unanimidade, a liminar, para sustar os efeitos da nomeação sob exame até o julgamento da mencionada ação popular. Por maioria, determinou-se a imediata comunicação da deci-são, fi cando vencido, neste ponto, o Min. Marco Aurélio. O Min. Menezes Direito fez ressalva no sentido de não se comprometer com a manifestação do relator acerca da natureza do cargo de Conselheiro do Tribunal de Contas.Rcl 6702 AgR-MC/PR, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 4.3.2009. (Rcl-6702) Informativo 537

Súmula Impeditiva de Recurso

USO DE ALGEMAS E EXCEPCIONALIDADE — 4

O Tribunal aprovou o Enunciado da Súmula Vinculante 11 nestes termos: “Só é lícito o uso de algemas em caso de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, por parte do preso ou de terceiros, justifi cada a excepcionalidade por escrito, sob pena de responsabilida-de disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade da prisão ou do ato processual a que se refere, sem prejuízo da responsabilidade civil do Estado”. A edição do verbete ocorreu após o julgamento de habeas corpus im-petrado em favor de condenado pela prática de crime doloso contra a vida que permanecera algemado durante toda a sessão do Júri — v. Informativo 514. O Tribunal reconheceu, também, que esta e as demais Súmulas Vinculantes pas-sam a ser dotadas das caracterís ticas das Súmulas impeditivas de recursos. HC 91952/SP, rel. Min. Marco Aurélio, 13.8.2008. (HC-91952) Informativo 515

LEITURAS COMPLEMENTARES

Jurisdição Constitucional: Breves Notas Comparativas sobre a estrutura do Su-premo Tribunal Federal e a Corte Suprema Norte Americana. Alexandre de Moraes. Artigo disponível no site: http://www.justicavirtual.com.br artigos clássicos constitucional.

Súmula vinculante. José Joaquim Calmon de Passos. Artigo disponível no site: http://www.direitodoestado.com.br/rede.asp

Perplexidade do novo instituto da súmula vinculante no direito brasilei-ro. André Tavares Ramos. Artigo disponível no site: http://www.direitodoes-tado.com.br/rede.asp

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ORGANIZAÇÃO DA JUSTIÇA E DO MINISTÉRIO PÚBLICO

FGV DIREITO RIO 74

QUESTÕES DE CONCURSOS:

01. A instituição da súmula vinculante (Artigo 103-A da Constituição) pela Reforma do Judiciário (EC 45/04) viola a independência funcional dos juízes? Resposta objetivamente justifi cada.

02. Sobre a fi gura da Súmula com efeito vinculante, prevista na EC nº. 45/2004, é CORRETO afi rmar que: (MP/MG 2005)

(a) o STF somente poderá aprovar súmula com efeito vinculante com relação aos demais órgãos do Poder Judiciário, respeitada o princí-pio da separação e harmonia entre os Poderes.

(b) o STF poderá, de ofício ou por provocação, cujo quorum é de 2/3, aprová-la com aquele efeito tanto em relação ao demais órgãos do Poder Judiciário; quanto em relação à Administração Pública Dire-ta e Indireta, nas esferas federal, estadual e municipal.

(c) uma vez aprovada não poderá proceder à sua revisão ou cancela-mento, salvo nova controvérsia no STF, e após 2 (dois) anos da sua aprovação.

(d) cabe ação de descumprimento de preceito fundamental contra ato da Administração Pública ou de decisão que contrariar a súmula vinculante.

(e) somente ação rescisória perante o STF poderá alterar o conteúdo de súmula com efeito vinculante, nos termos e prazos previstos na lei processual específi ca.

03. No Supremo Tribunal Federal: (Ministério Público Federal — 23º concurso)

I — A fi m de que o Tribunal examine a admissão do recurso extraordiná-rio, deverá o recorrente demonstrar a repercussão geral das questões consti-tucionais discutidas no caso, nos termos da lei, somente podendo o Tribunal recusá-lo pela manifestação de dois terços de seus membros.

II — Declarada a inconstitucionalidade por omissão na ação direta, por falta de norma regulamentadora da Constituição, será expedida de imediato pela Corte medida para tornar efetiva a norma constitucional, dando-se ci-ência ao Congresso Nacional e ao Poder Executivo.

III — As decisões defi nitivas de mérito proferidas pelo Tribunal nas ações diretas de inconstitucionalidade e nas ações declaratórias de constitucionali-dade produzirão efi cácia contra todos e efeito vinculante, relativamente aos

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ORGANIZAÇÃO DA JUSTIÇA E DO MINISTÉRIO PÚBLICO

FGV DIREITO RIO 75

demais órgãos do Poder Judiciário e à Administração pública direta e indire-ta, nas esferas federal, estadual e municipal.

IV — Não há a atuação do Procurador-Geral da República nas causas relativas ao controle concentrado de constitucionalidade

Analisando-se as asserções acima, podemos afi rmar que:

(a) que estão corretas apenas as de números I e III;(b) somente as de números II e IV estão corretas;(c) estão corretas apenas as de números I, III e IV;(d) todas estão corretas;(e) N.R.A.

04. O julgamento dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, nos crimes de responsabilidade, cabe: (TRF 1ª Região — Juiz Federal — 1991):

(a) Ao Senado Federal(b) Ao Supremo Tribunal Federal(c) À Câmara dos Deputados(d) Ao Congresso Nacional(e) N.R.A

05. Compete ao Supremo Tribunal Federal processar e julgar, originaria-mente, (182º Concurso da Magistratura de SP — 2009)

(a) nas infrações penais comuns, os Governadores dos Estados e os de-sembargadores dos Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal.

(b) as ações contra o Conselho Nacional do Ministério Público.(c) o mandado de segurança impetrado contra ato do Superior Tribu-

nal de Justiça.(d) os confl itos de atribuições entre autoridades judiciárias de um Es-

tado e administrativas de outro ou do Distrito Federal, ou entre as deste e as da União.

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ORGANIZAÇÃO DA JUSTIÇA E DO MINISTÉRIO PÚBLICO

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27 WAGNER Junior, Luiz Guilherme

da Costa [et al]. “Poder Judiciário e

Carreiras Jurídicas”, Editora Del Rey,

2006, pág. 76 e seguintes.

28 GRINOVER, Ada Pellegrini [et al].

Teoria Geral do Processo. Editora

Malheiros, 22ª edição. 2006.

AULAS 4 E 5: O SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA E A JUSTIÇA FEDERAL

1) O SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

No organograma do Judiciário, logo abaixo do Supremo Tribunal Federal, cúpula de todo o Poder Judiciário brasileiro, está o Superior Tribunal de Justi-ça, órgão previsto no Artigo 92, II da Constituição Federal, também com sede na Capital Federal e jurisdição em todo o território nacional. Alguns juristas27 criticam tal colocação topográfi ca, que daria ao STJ uma proeminência hie-rárquica em relação aos demais Tribunais Superiores (TSE, TST e STM). Não concordam, portanto, com o fato de ser o STJ, juntamente com o Supremo, um órgão de superposição, como pensa Ada Pellegrini Grinover28.

O Superior Tribunal de Justiça, de fato, relaciona-se com a Justiça comum (Justiça Federal e Justiça Estadual), sendo o órgão de jurisdição máxima de tal Justiça. Com efeito, não recebe causas oriundas das Justiças especiais (di-reito trabalhista, eleitoral e militar), apesar de serem estas matérias de compe-tência legislativa da União. Para estes juristas, mais correto seria considerar o Superior Tribunal de Justiça como instância máxima para assuntos de direito federal comum infraconstitucional, ou seja, é o Superior Tribunal de Justiça a última instância da Justiça brasileira para as causas infraconstitucionais não relacionadas diretamente à Constituição. Como órgão de convergência da Justiça comum, aprecia causas oriundas de todo o território nacional, em todas as vertentes jurisdicionais não-especializadas.

O Tribunal é inovação da Constituição de 1988, sendo a corte responsá-vel por uniformizar a interpretação da lei federal em todo o Brasil, seguindo os princípios constitucionais e a garantia e defesa do Estado de Direito. Foi criado com a função de absorver parte da competência que até então era afeta ao Supremo Tribunal Federal. O Ato das Disposições Constitucionais Tran-sitórias, regulamentando a transição entre a Constituição anterior e a atual, dispôs em seu artigo 27 sobre a extinção do antigo Tribunal Federal de Re-cursos e a criação do STJ. Instalado inicialmente sobre a presidência do STF, o STJ teve sua composição defi nida mediante dois critérios: aproveitamento dos ministros do TFR e nomeação de ministros necessários para completar o número de 33 magistrados, defi nido na CR/88.

2) COMPOSIÇÃO

Composto por no mínimo 33 ministros, que serão nomeados pelo pre-sidente da República dentre brasileiros com mais de 35 e menos de 65 anos

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ORGANIZAÇÃO DA JUSTIÇA E DO MINISTÉRIO PÚBLICO

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29 Mandado de Segurança n. 23972-

7-DF, Pleno, rel. Min. Carlos Velloso, j.

12.09.2001, DJ 29.08.2003.

30 Mandado de Segurança n. 20597-1-

DF, Pleno, rel. Min. Octávio Galotti, j.

22.10.1986, DJ 05.12.1986.

de idade, notável saber jurídico e reputação ilibada, depois de aprovada a escolha pela maioria absoluta do Senado Federal. São os mesmos requisitos e condições especiais impostas para o cargo de Ministro do Supremo Tribunal Federal, exceto o de tratar-se de brasileiro nato (Art. 12, § 2º e §3º, IV). Estão excluídos da possibilidade de nomeação, portanto, somente os estran-geiros. A composição atual do STJ conta hoje com o ministro Felix Fischer, que é natural de Hamburgo, Alemanha. O eminente ministro é, portanto, brasileiro naturalizado.

Existem regras pré-determinadas para a escolha de seus ministros, aplican-do-se a regra do que poderíamos chamar de terço constitucional.

• 1/3 de juízes do Tribunal Regional Federal;• 1/3 de desembargadores dos Tribunais de Justiça Estaduais;• 1/3, em partes iguais, dentre advogados e membros do Ministério

Público Federal, Estadual, do Distrito Federal e Territórios, alterna-damente. É o “princípio constitucional da paridade entre as duas clas-ses”, conforme disposto pelo min. Carlos Velloso29 no julgamento de um mandado de segurança sobre semelhante questão.

E como deve ser resolvida a questão para o caso do Tribunal contar com um número ímpar de vagas para o terço constitucional? Não teríamos como atingir a paridade plena entre as classes. Como se resolver tal questão?

O Supremo, no mesmo julgamento supramencionado, determinando que quando for ímpar o número de vagas destinadas ao terço constitucional, uma delas será, alternada e sucessivamente, preenchida por advogado e por mem-bro do Ministério Público, de tal forma que, também sucessiva e alternada-mente, os representantes de uma dessas classes superem os da outra em uma unidade.

Isso foi o que o então ministro do Supremo Tribunal Federal, min. Octa-vio Galotti, chamou de “critério subsidiário de alternância.30”

“De toda essa evolução legislativa, pode deduzir-se que a instituição do quinto constitucional restringiu-se, de início, à regra da cooptação, para os Tribunais, de representantes dos dois ramos básicos da atividade forense, alheios aos quadros da magistratura.

Passou-se, em seguida, a garantir também o equilíbrio de oportunidade entre os concorrentes oriundos da advocacia e do Ministério Público, equilíbrio hoje traduzi-do no princípio de igualdade do número de representantes de ambas as classes, só se apelando para o critério subsidiário de alternância, na hipótese especial prevista no art. 100, §2º, da Lei Orgânica.

Digo que a paridade é o princípio geral e a alternância uma regra subsidiária, porque o primeiro emana da Constituição e a segunda é explicitada em norma infra-

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ORGANIZAÇÃO DA JUSTIÇA E DO MINISTÉRIO PÚBLICO

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constitucional; e ainda porque a alternância é dirigida apenas àquela “hipótese ex-cepcional”, assim qualifi cada no parecer do Ministro Xavier de Albuquerque, e des-tinada ao preenchimento de vaga excedente do número par imediatamente inferior.”

É o próprio Superior Tribunal de Justiça quem formula a lista tríplice para preenchimento das vagas na corte destinadas a juízes de Tribunal Regional Federal e Tribunais de Justiça Estaduais e envia para o presidente da Repúbli-ca realizar a escolha (Art. 26 do RISTJ).

Dentro deste contexto, um juiz de Tribunal Regional Federal foi esco-lhido pelo presidente da República, dentre os integrantes da lista tríplice, para ser ministro do Superior Tribunal Justiça. Ao enviar sua mensagem de escolha para a devida sabatina no Senado Federal, o presidente da República foi surpreendido por um mandado de segurança impetrado pela Associação dos Juízes Federais do Brasil — AJUFE. O argumento utilizado foi que este magistrado passara a integrar os quadros do TRF pela regra do quinto cons-titucional, sendo originariamente pertencente aos quadros da advocacia. Isso gerou muita controvérsia e indignação dentre os juízes federais, por enten-derem que tal escolha teria ferido o princípio instituído pelo Art. 93, III da Constituição.

Pergunta-se: procede tal argumentação? Estão corretos os juízes federais? Ou o juiz escolhido tem o direito de ser nomeado, se assim entender o Se-nado Federal?

Essa questão chegou ao STF, tendo o referido órgão decidido da seguinte maneira:

“MS-AgR 23445 / DF — DISTRITO FEDERAL

AG.REG.NO MANDADO DE SEGURANÇA

Relator(a): Min. NÉRI DA SILVEIRA

Julgamento: 18/11/1999

Órgão Julgador: Tribunal Pleno

EMENTA: — Mandado de segurança. 2. Ato do Presidente da

República. Mensagem 664, de 21 de maio de 1999, que submeteu

ao Senado Federal nome de Juiz de TRF para o provimento de

cargo de Ministro do Superior Tribunal de Justiça, em vaga des-

tinada a juiz de Tribunal Regional Federal (Constituição, art.

104, parágrafo único, inciso I, 1ª parte). 3. Alegação de que o juiz

indicado não é originário da carreira da magistratura federal,

violando-se assim, o princípio instituído pelo art. 93, III, da CF.

4. Liminar indeferida. Agravo regimental contra despacho inde-

feritório da liminar não conhecido, por intempestivo e incabível.

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ORGANIZAÇÃO DA JUSTIÇA E DO MINISTÉRIO PÚBLICO

FGV DIREITO RIO 79

5. Não é o Superior Tribunal de Justiça corte de segundo grau,

em termos a invocar-se a aplicação do art. 93, III, da Lei Magna.

6. A regra expressa da Constituição dispõe sobre a composição e

forma de preenchimento dos cargos de Ministro no Superior Tri-

bunal de Justiça, a teor de seu art. 104, parágrafo único, incisos

I e II. 7. A carreira dos Juízes Federais tem seu segundo grau nos

Tribunais Regionais Federais. 8. Para o provimento dos cargos a

que se refere o art. 104, parágrafo único, inciso I, 1ª parte, não

cabe distinguir entre juiz de TRF, originário da carreira da ma-

gistratura federal, ou proveniente do Ministério Público Federal

ou da advocacia (CF, art. 107, I e II). 9. Hipótese em que o juiz

do TRF indicado proveio da advocacia (CF, art. 107, I), estando,

desse modo, enquadrado no âmbito do art. 104, parágrafo único,

inciso I, 1ª parte, da Constituição. 10. Objeção à investidura

como Ministro do Superior Tribunal de Justiça improcedente.

11. Incabível, também, a aplicação por analogia, à espécie, dos

arts. 93, III, e 111, § 1º, I, da Constituição. 12. Mandado de

segurança indeferido.”

Sobre este assunto, leia abaixo artigo da Min. Eliana Calmon, publicado no Jornal O Globo em 24/11/09:

Magistratura pede socorro

Para a magistratura de carreira, o órgão maior do Poder Judiciário é o Superior Tribunal de Justiça. De formação eclética, dos 33 integrantes, 22 são de carreira e onze escolhidos dentre membros do Ministério Público e Advogados.

Às vagas da magistratura concorrem desembargadores federais ou esta-duais, e para as vagas do Ministério Público e dos Advogados concorrem os seus representantes com mais de dez anos de atividade. As categorias têm formação distinta, e, na composição das turmas de julgamento, tem-se a pre-ocupação de mesclar a formação, de modo a se manter equilíbrio.

Quando da elaboração da Constituição de 1988, pretendeu-se estabele-cer, regra que consagrasse o equilíbrio, a exemplo da formação do Tribunal Superior do Trabalho; na escolha dos ministros daquela Corte, observa-se a origem dos magistrados.

Seja por atrofi a política, seja por falta do necessário empenho dos órgãos representativos, o certo é que deixou de constar no texto constitucional a observância da gênese dos magistrados na composição do STJ.

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ORGANIZAÇÃO DA JUSTIÇA E DO MINISTÉRIO PÚBLICO

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A falta de texto escrito tem ensejado grave distorção na formação do “Tri-bunal da Cidadania”. Como dos tribunais de justiça e dos tribunais federais participam representantes do quinto, a não observância da origem tem en-sejado acesso desses ao STJ, concorrendo nas vagas dos desembargadores de carreira, porque, a partir da nomeação, estão aptos a alcançarem o tribunal superior, sem interstício algum. A prática desequilibra a formação eclética da Corte, porque esses magistrados, com os representantes da sua categoria, passam a fi gurar em número que tende a superar os magistrados de carreira.

No passado, a escolha dos desembargadores para comporem as listas de escolha ao STJ dava-se entre os que tinham realce na Corte, identifi cados como vocacionados, e para os desembargadores do quinto, o tempo era de, no mínimo, dez anos no tribunal.

Nos últimos anos, as escolhas passaram a obedecer a critérios outros, de tal forma que advogados recém chegados aos tribunais, com um ou dois anos de magistratura, passaram a concorrer às vagas do STJ, disputando com desem-bargadores com mais de vinte ou trinta anos de magistratura.

Além da quebra de paridade, a prática é de fl agrante injustiça para com a magistratura, cujos integrantes a escolheram em tenra idade, prepararam-se, após se submeterem a concurso, viverem em longínquas cidades, padecerem com as difi culdades de escolha até ascenderem aos tribunais e, quando po-dem almejar o coroamento da carreira, enfrentam como concorrentes os co-legas do quinto constitucional recém chegados — se juízes de carreira fossem, não estariam aptos a disputar sequer vaga nos tribunais inferiores.

A face mais perversa da disfunção aqui registrada está nas poucas chances de um magistrado de carreira, dentro do STJ, exercer as funções de direção da magistratura. Raros são os juízes de carreira que, como ministros, chegam à presidência, vice-presidência e corregedoria, entre outras funções exercidas pelos ministros mais antigos. Os magistrados de carreira chegam ao STJ com bem mais idade do que os seus colegas do quinto, e, antes de chegarem à an-tiguidade necessária às funções de direção, são alcançados pela aposentadoria compulsória.

Tenho observado a absurda distorção, lamentando estar a magistratura sendo dirigida e conduzida quase que exclusivamente pelos advogados trans-formados em juízes pelo mecanismo constitucional do quinto. Tenho me indignado com a omissão dos órgãos representativos da magistratura. São incapazes de encetar uma efi ciente defesa institucional em favor da magistra-tura imparcial e equilibrada.

Até aqui tenho mantido a discrição necessária ao exercício do meu mister, na esperança de ver corrigida a distorção. Entretanto, chego à conclusão da necessidade de falar para que se possa ver o óbvio: as insensatas e injustas es-colhas desestimulam, desprestigiam os juízes de carreira que, céticos quanto ao acesso, vão aos poucos se transformando em modestos servidores, sem

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ORGANIZAÇÃO DA JUSTIÇA E DO MINISTÉRIO PÚBLICO

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a pujança que se espera de um agente político. A disfunção traz prejuízos institucionais irreversíveis, pela inserção de julgadores com pouca vivência e sem formação adequada em um tribunal eminentemente técnico como é o Superior Tribunal de Justiça. Calar faz-me parecer covardemente acomodada. É preciso combater todas as práticas que possam macular a última das trin-cheiras de cidadania, o Judiciário.

ELIANA CALMON é ministra do Superior Tribunal de Justiça.

Já para a escolha dos advogados e membros do Ministério Público que comporão o terço oriundo do MP e da OAB, serão preparadas listas sêxtuplas por cada instituição, que as encaminhará ao Superior Tribunal de Justiça, na forma do Art. 26, 1º do RISTJ, abaixo transcrito:

CAPÍTULO VII

SEÇÃO I

Art. 26. A indicação, pelo Superior Tribunal de Justiça, de Juízes, Desem-

bargadores, Advogados e membros do Ministério Público, a serem nomeados

pelo Presidente da República, para comporem o Tribunal, far-se-á em lista

tríplice.

§ 1º. Ocorrendo vaga destinada a Advogado ou a membro do Ministé-

rio Público, o Presidente do Tribunal, nos cinco dias seguintes, solicitará ao

órgão de representação da classe que providencie a lista sêxtupla dos candi-

datos, observados os requisitos constitucionais (Constituição, art. 104, pa-

rágrafo único).

§ 2º. Tratando-se de vaga a ser preenchida por Juiz ou Desembargador,

o Presidente solicitará aos Tribunais Regionais Federais e aos Tribunais de

Justiça que enviem, no prazo de dez dias, relação dos magistrados que con-

tem mais de trinta e cinco e menos de sessenta e cinco anos de idade, com in-

dicação das datas de nascimento (Constituição, art. 104, parágrafo único).

§ 3º. Recebida a lista sêxtupla, ou esgotado o prazo indicado no pará-

grafo anterior, convocará o Presidente, de imediato, sessão do Tribunal para

elaboração da lista tríplice.

§ 4º. Para a composição da lista tríplice, o Tribunal reunir-se-á, em sessão

pública, com o quorum de dois terços de seus membros, além do Presidente.

§ 5º. Somente constará de lista tríplice o candidato que obtiver, em primeiro ou subsequente escrutínio, a maioria absoluta dos votos dos membros do Tribunal, observado o disposto no artigo 27, § 3º.

§ 6º. Os candidatos fi gurarão na lista de acordo com a ordem decrescente dos sufrágios que obtiverem, respeitado, também, o número de ordem do escrutínio. Em caso de empate, terá preferência o mais idoso.

§ 7º. A escolha dos nomes que comporão lista tríplice far-se-á em votação secreta, realizando-se tantos escrutínios quantos forem necessários.

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ORGANIZAÇÃO DA JUSTIÇA E DO MINISTÉRIO PÚBLICO

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§ 8º. Para colocação dos nomes na lista, em caso de empate far-se-á o desempate em favor do candidato mais idoso; se ainda persistir o empate, adotar-se-á o critério do tempo de serviço público no cargo, para os magistrados e membros do Ministério Público, ou tempo de inscrição na Ordem como advogado, para os advogados.”

O STJ, por sua vez, elaborará lista tríplice a ser encaminhada ao presidente da República para escolha e posterior sabatina pelo Senado Federal.

Pergunta-se: e quando o STJ rejeita a lista sêxtupla encaminhada pela OAB ou pelo Ministério Público?

Essa questão também chegou ao STF, tendo a 2ª Turma decidido da seguinte maneira:

Quanto ao tema relativo à determinação ao STJ para que

promovesse a redução da lista sêxtupla encaminhada pela recor-

rente, aduziu-se que a seleção de futuro integrante do STJ é um

ato complexo e que tal escolha não consubstancia mera decisão

administrativa, daquelas a que respeita o inciso IX do art. 93 da

Constituição, devendo ser apurada de forma a prestigiar-se o ju-

ízo dos membros do Tribunal. Enfatizando que nenhum dos in-

dicados obtivera a maioria absoluta de votos, reputou-se que isso

signifi caria recusa, pelo STJ, da lista a ele remetida. Registrou-se

a excepcionalidade da situação, em que a Corte recorrida cons-

tatara a ocorrência de impasse insolúvel diante da legitimidade

da norma de seu regimento interno que prevê a necessidade de

obtenção de maioria absoluta dos votos pelo candidato à vaga

de Ministro. No ponto, entendeu-se que a divulgação, por cada

um dos Ministros votantes, dos motivos pelos quais nenhum in-

tegrante da lista sêxtupla alcançara a maioria absoluta de votos,

além de não trazer solução para o impasse, provocaria desarra-

zoada exposição dos advogados que dela constam, além de eli-

minar a natureza secreta da votação. Concluiu-se pela ausência

de direito líquido e certo da OAB a que determinados advoga-

dos fossem incluídos em lista tríplice a ser formada pelo STJ, sob

pena de se impor àquela Corte a obrigação de ratifi car a escolha

de indivíduos que lá não obtiveram o voto da maioria absoluta

de seus atuais integrantes. Vencidos os Ministros Joaquim Bar-

bosa e Celso de Mello que proviam parcialmente o recurso por

julgar que o ato impugnado careceria de motivação.

RMS 27920/DF, rel. Min. Eros Grau, 6.10.2009. (RMS-27920)

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ORGANIZAÇÃO DA JUSTIÇA E DO MINISTÉRIO PÚBLICO

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CASO:

Em 12 de fevereiro de 2008, ao votar a lista sêxtupla apresentada pela OAB para preenchimento de vaga de ministro, oriundo da classe dos advo-gados, o Plenário do Superior Tribunal de Justiça a rejeitou em sua totalidade devolvendo-a a OAB.

Impetrado o mandado de segurança pela entidade de classe, o pedido foi rejeitado. Dessa decisão, recorreu-se ao STF alegando a OAB a ilegalidade e o descumprimento dos deveres constitucionalmente conferidos ao STJ.

O Recurso (RMS 27920) foi decidido por maioria pela Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal. Três votos foram proferidos contra a entidade classista e dois a favor. Joaquim Barbosa e Celso de Mello foram favoráveis à entidade, votando pela anulação do ato por falta de motivação. Para eles, pelo princípio da transparência, o STJ deveria justifi car a razão do veto.

Já Cezar Peluso, Eros Grau e Ellen Gracie, votaram pela rejeição do re-curso. O voto decisivo foi da Ministra Ellen, entendendo que a justifi cativa da rejeição por parte dos ministros que participaram do escrutínio tiraria o caráter secreto da sessão; tolheria a liberdade para escolha dos nomes para fi gurar na lista tríplice e exporia desnecessariamente os advogados indicados pela OAB.

3) ORGANIZAÇÃO

A organização do STJ pode ser representada pelo gráfi co abaixo descrito:ORGANOGRAMA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

TRIBUNAL PLENO

33 ministros (CF, art. 104)

Conselho da Justiça

Federal

(105, parág. Único,

Corte Especial

21 ministros

2º Seção

10 ministros3º Seção

10 ministros 1º Seção

10 ministros

1ª Turma 5 ministros

2ª Turma 5 ministros

3ª Turma 5 ministros

4ª Turma 5 ministros

5ª Turma 5 ministros

6ª Turma 5 ministros

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ORGANIZAÇÃO DA JUSTIÇA E DO MINISTÉRIO PÚBLICO

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Obs.: A competência da Corte Especial, das seções e das Turmas, ratione matariae, é defi nida no Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça. O Tribunal Pleno só exerce funções administrativas. O Conselho da Justiça Federal exerce a supervisão administrativa e orçamentária da Justiça Federal de 1º e 2º graus.

Para que possa cumprir melhor sua missão institucional, o Superior Tri-bunal de Justiça (STJ) foi organizado pelo critério da especialização. Três seções de julgamento, cada uma delas composta por duas turmas, analisa e julga matérias de acordo com a natureza da causa submetida à apreciação. Acima delas está a Corte Especial, órgão máximo do Tribunal. As funções administrativas do STJ são exercidas pelo plenário, integrado pela totalidade dos ministros da Casa.

3.1) Seções de julgamento:

Existem três seções especializadas de julgamento no Superior Tribunal de Justiça (STJ). Cada seção é formada por duas turmas especializadas, e cada tur-ma é integrada por cinco ministros. A Primeira Seção, composta por ministros da Primeira Turma e da Segunda Turma, aprecia matérias de Direito Público, com destaque para as questões administrativas e tributárias, entre outras. A Se-gunda Seção, composta por ministros da Terceira Turma e da Quarta Turma, decide sobre matérias de Direito Privado, examinando questões de Direito Civil e Comercial. Já a Terceira Seção, composta por ministros da Quinta Turma e da Sexta Turma, julga causas que envolvam matérias de Direito Pe-nal, como habeas-corpus, bem como questões previdenciárias, mandados de segurança contra ministros de Estado e matérias de Direito Público e Privado não cobertas pela Primeira e Segunda seções. É nas seções especializadas que são julgados os processos de competência originária do STJ, aqueles que têm início no próprio Tribunal. São exemplos de processos originários os manda-dos de segurança, as ações rescisórias, os confl itos de competência e, ainda, os embargos de divergência, que buscam uniformizar a interpretação do Direito entre as turmas de uma mesma seção, quando estas divergirem.

Quando há divergência de interpretação do Direito entre as turmas de uma mesma seção, os feitos são remetidos à respectiva seção. Nos casos em que há divergência de interpretação entre turmas de diferentes seções, o exa-me da questão é remetido à Corte Especial.

No STJ, as turmas reúnem-se com a presença de, pelo menos, três minis-tros. Têm prioridade de julgamento as causas criminais, havendo réu preso, e os habeas-corpus.

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ORGANIZAÇÃO DA JUSTIÇA E DO MINISTÉRIO PÚBLICO

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3.2) Plenário:

Constituído pela totalidade dos ministros do Tribunal, o Plenário é o ór-gão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que resolve as questões adminis-trativas sob responsabilidade dos magistrados. É o Plenário do STJ que dá posse aos membros do Tribunal e elege, a cada dois anos, o presidente e o vice-presidente da Corte. É ali também onde se vota o Regimento Interno do STJ e suas emendas, assim como os nomes que compõem as listas tríplices dos juízes, desembargadores, advogados e membros do Ministério Público que devam compor o Tribunal. Como a Corte Especial, o Plenário é diri-gido pelo presidente do STJ, a quem cabe fazer a convocação dos ministros quando houver matéria em pauta. Tanto quanto os ministros do Supremo, os ministros do STJ, qualquer que seja a origem, uma vez empossados, fi cam sob as garantias e vedações constitucionais, já estudadas, que são destinadas aos juízes togados.

3.3) Conselho de Justiça Federal

O Conselho da Justiça Federal (CJF), com sede em Brasília-DF, tem como missão promover e assegurar a integração e o aprimoramento humano e ma-terial das instituições que compõem a Justiça Federal, sem prejuízo da auto-nomia necessária ao bom desempenho dessas unidades. O Colegiado do CJF é formado por cinco ministros do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e pelos presidentes dos cinco Tribunais Regionais Federais do país, sendo presidido pelo presidente e vice-presidente do STJ. A competência do CJF está prevista no parágrafo único do art. 105 da Constituição Federal — exercer a supervisão administrativa e orçamentária da Justiça Federal de primeiro e segundo graus — e na Lei n. 8.472/1992. As propostas orçamentárias aprovadas pelos Tri-bunais Regionais Federais (TRFs), propostas de criação ou extinção de TRFs, de criação de novos cargos de juiz federal ou de varas federais são examinadas pelo Colegiado do CJF e encaminhadas à apreciação do Superior Tribunal de Justiça. Passam pela aprovação exclusiva do Colegiado do CJF as propostas de normatização de procedimentos administrativos para a Justiça Federal, ou de fi xação das políticas e diretrizes de atuação das Secretarias do CJF. As decisões do Colegiado do CJF que fi xam normas são objeto de Resoluções, atos nor-mativos cujo cumprimento é obrigatório em toda a Justiça Federal.

Por meio de seus atos administrativos, o CJF tem regulamentado uma série de atividades essenciais à celeridade na prestação jurisdicional da Justiça Federal. Em decorrência da criação dos Juizados Especiais Federais, pela Lei 10.259/2001, o Conselho dotou-se, ainda, de função jurisdicional.

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ORGANIZAÇÃO DA JUSTIÇA E DO MINISTÉRIO PÚBLICO

FGV DIREITO RIO 86

Em setembro de 2002 começou a funcionar junto ao CJF a Turma Na-cional de Uniformização da Jurisprudência dos Juizados Especiais Federais, órgão julgador colegiado que aprecia, em grau de recurso, processos oriundos dos Juizados. A uniformização da Jurisprudência dos Juizados, promovida pela Turma Nacional, é de fundamental importância para a garantia da cele-ridade e da segurança jurídica desses juízos.

A partir da entrada em vigor da Emenda Constitucional nº45, o CJF passou a ter também poderes correicionais, cujas decisões terão caráter vin-culante.

4) COMPETÊNCIA

O Superior Tribunal de Justiça é considerado o guardião do ordenamento jurídico federal. É o defensor da lei federal e unifi cador do Direito. Da mes-ma forma que o Supremo, o STJ também possui competências originária e recursal.

Competência originária

Compete ao STJ processar e julgar originariamente os casos em que as altas autoridades da República, que não estejam sob a jurisdição do STF, te-nham seus direitos fundamentais ameaçados ou concretamente violados, ou quando estas mesmas autoridades estiverem violando direitos fundamentais dos cidadãos.

Assim, compete ao STJ, processar e julgar, originariamente, consoante o Artigo 105 da CF:

“Art. 105 — Compete ao Superior Tribunal de Justiça I — processar e julgar, originariamente:a) nos crimes comuns, os Governadores dos Estados e do Distrito Federal, e, nestes

e nos de responsabilidade, os desembargadores dos Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal, os membros dos Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal, os dos Tribunais Regionais Federais, dos Tribunais Regionais Eleitorais e do Trabalho, os membros dos Conselhos ou Tribunais de Contas dos Municípios e os do Ministério Público da União que ofi ciem perante tribunais;

b) os mandados de segurança e os habeas data contra ato de Ministro de Es-tado, dos Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica ou do próprio Tribunal;

c) os habeas corpus, quando o coator ou paciente for qualquer das pessoas men-cionadas na alínea “a”, ou quando o coator for tribunal sujeito à sua jurisdição,

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ORGANIZAÇÃO DA JUSTIÇA E DO MINISTÉRIO PÚBLICO

FGV DIREITO RIO 87

Ministro de Estado ou Comandante da Marinha, do Exército ou da Aeronáutica, ressalvada a competência da Justiça Eleitoral;

d) os confl itos de competência entre quaisquer tribunais, ressalvado o disposto no art. 102, I, “o”, bem como entre tribunal e juízes a ele não vinculados e entre juízes vinculados a tribunais diversos;

h) o mandado de injunção, quando a elaboração da norma regulamentadora for atribuição de órgão, entidade ou autoridade federal, da administração direta ou in-direta, excetuados os casos de competência do Supremo Tribunal Federal e dos órgãos da Justiça Militar, da Justiça Eleitoral, da Justiça do Trabalho e da Justiça Federal;

De acordo com o texto da alínea “d”, acima, caberá ao STJ resolver con-fl itos de competência:

a) Entre quaisquer tribunais, ressalvada a competência do STF:

TRF TJ TRE TRT TJM

b) Entre tribunais e juízes a eles não vinculados:

Juízes Estaduais

TRF Juízes Eleitorais

Juízes Trabalhistas

Juízes Militares

Juízes Federais

TJ Juízes Eleitorais

Juízes Trabalhistas

Juízes Militares

Juízes Federais

TRE Juízes Estaduais

Juízes Trabalhistas

Juízes Militares

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ORGANIZAÇÃO DA JUSTIÇA E DO MINISTÉRIO PÚBLICO

FGV DIREITO RIO 88

31 O STF manteve a competência para

processar e julgar, originariamente,

o litígio entre Estado estrangeiro ou

organismo internacional e a União, o

Estado, o Distrito Federal ou o Território

e a extradição solicitada por Estado

estrangeiro (Artigo 102, I, alíneas e e g

da Constituição Federal).

Juízes Federais

TRT Juízes Estaduais

Juízes Eleitorais

Juízes Militares

Juízes Federais

TJM Juízes Estaduais

Juízes Eleitorais

Juízes Trabalhistas

c) Entre Juízes vinculados a tribunais diversos:

Juízes

Federais

Juízes

Estaduais

Juízes

Eleitorais

Juízes

Trabalhistas

Juízes

Militares

Em 2005, como parte da reforma do Judiciário, o STJ assumiu também a competência para analisar algumas matérias internacionais, como a con-cessão de cartas rogatórias e o processamento e julgamento da homologação de sentenças estrangeiras. Até então, a apreciação desses pedidos era feita no Supremo Tribunal Federal (STF)31.

Competência Recursal

Recuso Ordinário constitucional

Compete ao Superior Tribunal de Justiça julgar, em recurso ordinário:a) os “habeas-corpus” decididos em única ou última instância pelos Tribu-

nais Regionais Federais ou pelos tribunais dos Estados, do Distrito Federal e Territórios, quando a decisão for denegatória;

b) os mandados de segurança decididos em única instância pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos tribunais dos Estados, do Distrito Federal e Ter-ritórios, quando denegatória a decisão; e

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ORGANIZAÇÃO DA JUSTIÇA E DO MINISTÉRIO PÚBLICO

FGV DIREITO RIO 89

c) as causas em que forem partes Estado estrangeiro ou organismo inter-nacional, de um lado, e, do outro, Município ou pessoa residente ou domi-ciliada no País;

Recurso Especial

É uma modalidade de recurso cuja fi nalidade precípua é a defesa do direi-to federal e a unifi cação da jurisprudência, preservação da unidade e da au-toridade do direito federal. Não abrange, porém, o exame da matéria de fato. Deve se restringir à análise jurídico-constitucional do recurso. Compete ao STJ julgar, mediante recurso especial, as causas decididas em única ou última instância, pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos tribunais dos Estados, Distrito Federal e Territórios, quando a decisão recorrida:

a) contrariar tratado ou lei federal, ou negar-lhes vigência;Isso é o mesmo que tê-la por inexistente, negar-lhe vigência, deixar de

aplicá-la ou violá-la. É obrigatória aqui a indicação do dispositivo legal vio-lado.

b) julgar válido ato de governo local contestado em face de lei federal;c) dar a lei federal interpretação divergente da que lhe haja atribuído outro

tribunal.A Súmula 13 do STJ ressalta que a divergência deve se dar entre tribunais

diferentes. Divergência entre julgados do mesmo tribunal não enseja recurso especial. Tal divergência, ainda, deve ser atual. Se o entendimento trazido à colação como paradigma já se encontra superado no tribunal que o proferiu, o recurso não será admitido. Ressalte-se também aqui a necessidade de pre-questionamento e consequente análise por parte do Tribunal Regional Fede-ral ou dos Tribunais Estaduais ou do Distrito Federal da questão federal a ser posteriormente analisada pelo Superior Tribunal de Justiça.

Recentemente, uma alteração foi produzida em nosso Código de Processo Civil a respeito do processamento do recurso especial. Trata-se da Lei 11.672, de 8 de maio de 2008, que entrou em vigor em agosto de 2008 e introduziu o Artigo 543-C, desta forma redigido:

Art. 543-C. Quando houver multiplicidade de recursos com fundamento em idêntica questão de direito, o recurso especial será processado nos termos deste artigo.

§ 1o Caberá ao presidente do tribunal de origem admitir um ou mais recursos representativos da controvérsia, os quais serão encaminhados ao Superior Tribunal de Justiça, fi cando suspensos os demais recursos especiais até o pronunciamento defi niti-vo do Superior Tribunal de Justiça.

§ 2o Não adotada a providência descrita no § 1o deste artigo, o relator no Su-perior Tribunal de Justiça, ao identifi car que sobre a controvérsia já existe jurispru-dência dominante ou que a matéria já está afeta ao colegiado, poderá determinar a

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ORGANIZAÇÃO DA JUSTIÇA E DO MINISTÉRIO PÚBLICO

FGV DIREITO RIO 90

suspensão, nos tribunais de segunda instância, dos recursos nos quais a controvérsia esteja estabelecida.

§ 3o O relator poderá solicitar informações, a serem prestadas no prazo de quinze dias, aos tribunais federais ou estaduais a respeito da controvérsia.

§ 4o O relator, conforme dispuser o regimento interno do Superior Tribunal de Justiça e considerando a relevância da matéria, poderá admitir manifestação de pes-soas, órgãos ou entidades com interesse na controvérsia.

§ 5o Recebidas as informações e, se for o caso, após cumprido o disposto no § 4o deste artigo, terá vista o Ministério Público pelo prazo de quinze dias.

§ 6o Transcorrido o prazo para o Ministério Público e remetida cópia do relatório aos demais Ministros, o processo será incluído em pauta na seção ou na Corte Espe-cial, devendo ser julgado com preferência sobre os demais feitos, ressalvados os que envolvam réu preso e os pedidos de habeas corpus.

§ 7o Publicado o acórdão do Superior Tribunal de Justiça, os recursos especiais sobrestados na origem:

I — terão seguimento denegado na hipótese de o acórdão recorrido coincidir com a orientação do Superior Tribunal de Justiça; ou

II — serão novamente examinados pelo tribunal de origem na hipótese de o acór-dão recorrido divergir da orientação do Superior Tribunal de Justiça.

§ 8o Na hipótese prevista no inciso II do § 7o deste artigo, mantida a decisão diver-gente pelo tribunal de origem, far-se-á o exame de admissibilidade do recurso especial.

§ 9o O Superior Tribunal de Justiça e os tribunais de segunda instância regula-mentarão, no âmbito de suas competências, os procedimentos relativos ao processa-mento e julgamento do recurso especial nos casos previstos neste artigo.”

O dispositivo simplifi ca o julgamento dos recursos múltiplos fundados em matérias idênticas para que o recurso seja mais célere.

Com a nova lei, conhecida como “lei dos recursos repetitivos”, o trâmite dos recursos especiais passa a funcionar da seguinte maneira: verifi cada a grande quantidade de recursos sobre uma mesma matéria, o presidente do tribunal de origem (Tribunal de Justiça ou Tribunal Regional Federal) po-derá selecionar um ou mais processos referentes ao tema e encaminhá-los ao Superior Tribunal de Justiça. O julgamento dos demais feitos idênticos fi ca suspenso até a decisão fi nal da Corte superior.

No julgamento do recurso repetitivo, caberá à Seção competente estabele-cer corretamente as questões de direito do caso concreto, na medida em que estas é que estão relacionadas à matéria de fundo do recurso especial, ou seja, ao mérito da questão.

Esse é o elemento identifi cador da controvérsia, que irá determinar a exis-tência ou não de multiplicidade de recursos acerca do tema.

A referida lei dispõe ainda que caso o presidente do tribunal de origem não determine a suspensão dos processos, o relator no STJ, ao verifi car que,

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ORGANIZAÇÃO DA JUSTIÇA E DO MINISTÉRIO PÚBLICO

FGV DIREITO RIO 91

32 Em termos gerais, a ação civil

pública, instituída pela Lei 7.347/85,

disciplina a responsabilidade por danos

causados aos direitos transindividuais,

assim entendidos o dano ao meio

ambiente, ao consumidor, a bens e

direitos de valor artístico, estético, his-

tórico, turístico e paisagístico. Trata-se

de uma das funções institucionais do

Ministério Público, conforme disposto

no artigo 129, III da CF.

Cabe ressaltar os motivos que

levaram a introdução da ação civil

pública, ao lado da ação popular (Lei

4717/65), em nosso ordenamento

jurídico. Teve o legislador em

mente, principalmente, a ampliação

do acesso à justiça, permitindo que

inúmeras pessoas lesadas pudessem

vindicar seus direitos de maneira mais

efi caz. Objetivou também atender

ao princípio da economia processual,

substituindo um número incalculável

de demandas, com idêntico objeto,

por ações coletivas, visando a atender,

num único processo, o maior número

de interessados. Levou em conta

ainda o princípio da segurança jurí-

dica, evitando-se inúmeras decisões

judiciais contraditórias, proferidas em

processos individuais (MENDES, 2002, p.

27-36), privilegiando a possibilidade

de uma única decisão judicial – mais

facilmente executável – atingir maior

número de jurisdicionados.

A lei 8.078/90 pormenorizou e con-

ceituou os interesses transindividuais

na forma que se segue:

“Art. 81. A defesa dos interesses e

direitos dos consumidores e das vítimas

poderá ser exercida em juízo individual-

mente, ou a título coletivo.

Parágrafo único. A defesa coletiva

será exercida quando se tratar de:

I - interesses ou direitos difusos, assim

entendidos, para efeitos deste código, os

transindividuais, de natureza indivisível,

de que sejam titulares pessoas indeter-

minadas e ligadas por circunstâncias

de fato;

II - interesses ou direitos coletivos,

assim entendidos, para efeitos deste

código, os transindividuais, de natureza

indivisível de que seja titular grupo,

categoria ou classe de pessoas ligadas

entre si ou com a parte contrária por

uma relação jurídica base;

III - interesses ou direitos individuais

homogêneos, assim entendidos os

decorrentes de origem comum.”

já existe jurisprudência dominante ou que a matéria acerca da controvérsia já está afeta ao colegiado, poderá decidir pela suspensão, até que se julguem os recursos especiais em curso naquele superior tribunal.

Trata-se de mais um mecanismo de contenção dos recursos, a exemplo do que acontece no Supremo Tribunal Federal, conforme já estudado acima, que tem por fi nalidade reduzir o número de processos que chegam ao Superior Tribunal de Justiça, permitindo que esta Corte julgue as questões mais rele-vantes para a sociedade, de forma mais célere, reduzindo substancialmente o número de julgamentos produzidos.

Em menos de 03 (três) meses de vigência da lei, as notícias já informa-vam uma redução de aproximadamente 40% do número de recursos. Dados informados pelo próprio STJ em notícia publicada em 02/11/2008 em seu sítio da internet:

“A uma semana de completar três meses de vigência, a Lei dos Recursos Repe-titivos já deu provas signifi cativas da sua efi cácia. No mês de outubro, chegaram ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) 5.590 recursos especiais, volume 40,32% menor do que o registrado no mesmo período do ano passado. Comparado a agosto deste ano, quando foram recebidos 9.454 recursos, a queda é de 40,87%. É um indicativo claro de desafogamento da Corte Superior e de que a justiça está che-gando mais rápido à sociedade.”

Tais inovações, como já visto, trouxeram em si controvérsias a respeito dos benefícios e malefícios que delas advieram, seja pela celeridade, por um lado, seja pelo cerceamento da defesa no caso concreto, de outro.

CASO DE SEDIMENTAÇÃO

Ação civil púbica proposta pelo MP para tratamento de saúde de

criança.

Felizardo, 9 anos, residente em Porciúncula/RJ, sofre de enfermidade au-ditiva, cujo tratamento somente se encontra disponível na cidade do Rio de Janeiro. Acompanhado de sua mãe Piedade, após ter procurado a Secretaria de Saúde do Município sem sucesso, dirigiu-se ao seu gabinete, ou seja, à Promotoria de Justiça da Comarca de Porciúncula. Sendo profi ssional atu-ante, comprometido com a concretização dos direitos fundamentais e com a atuação socialmente responsável do direito, você propôs Ação Civil Pública32 em favor do menino, para custeio das viagens rodoviárias (Porciúncula x Rio) necessárias ao tratamento hospitalar já obtido na rede pública (Hospital da UFRJ). Com a ação, obteve sentença de procedência junto ao Juízo de Por-ciúncula, a qual foi, entretanto, reformada pelo TJERJ, que deu provimento à Apelação interposta pelo Município de Porciúncula, sob o fundamento de que não teria o MP legitimidade para propor ACP em favor de uma criança,

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ORGANIZAÇÃO DA JUSTIÇA E DO MINISTÉRIO PÚBLICO

FGV DIREITO RIO 92

33 CAVALCANTI, Themistocles Brandão.

Manual da Constituição, 2 ed., p. 205).

eis que se trataria de direito individual, insuscetível de tutela pela via da ação civil pública. Considerando o direito individual indisponível de Felizardo (direito à saúde), como poderia o Ministério Público recorrer da decisão pro-ferida pelo TJERJ?

CASO DE SEDIMENTAÇÃO 2

No dia 20 de novembro de 2006, o promotor de Justiça da 34ª Vara Cri-minal do Rio de Janeiro recebe em seu gabinete peças de informação relatando o crime de lesão corporal gravíssima praticado por um desembargador do Tri-bunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro contra sua esposa. Estando certa a autoria e havendo justa causa para tanto, o promotor de Justiça forma sua opinio delict e denuncia o desembargador pela prática do crime perante o juízo de primeira instância. O Juiz da 34ª Vara Criminal, por sua vez, recebe a de-núncia, dando prosseguimento à ação penal. Ao ser citado, o desembargador aciona seus advogados que impetram um hábeas corpus em favor do paciente.

Pergunta-se: Para que tribunal foi endereçado o HC? Qual a fundamen-tação?

5) JUSTIÇA FEDERAL

A estrutura orgânica da Justiça Federal é composta por juízes federais, em primeira instância, e pelos Tribunais Regionais Federais, em segunda instân-cia. Com a promulgação da Constituição Federal de 1988, houve a extinção do antigo Tribunal Federal de Recursos e o segundo grau de jurisdição, no âmbito federal, passou a ser exercido pelos Tribunais Regionais Federais en-tão criados. O objetivo foi a regionalização dos serviços jurisdicionais do segundo grau da Justiça Federal.

E por que surgiu a Justiça Federal, em contraposição à Justiça Estadual?

Isso se deu em decorrência da proclamação da República, que também instituiu o regime federalista, quando se visualizou a conveniência de dis-tribuir as funções jurisdicionais entre Estados e União. Reservou-se para a Justiça Federal a competência para julgamento das causas em que a União é parte, tudo isto para que o Estado federal não fi casse com seus interesses subordinados ao julgamento das magistraturas das unidades federadas.

É o “sistema da dualidade da Justiça — federal e estadual”33.Há discussão doutrinária acerca de ser a Justiça Federal de natureza co-

mum ou especializada.

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ORGANIZAÇÃO DA JUSTIÇA E DO MINISTÉRIO PÚBLICO

FGV DIREITO RIO 93

34 CINTRA, Antônio Carlos de Araújo [et

al]. Teoria Geral do Processo. Malheiros.

22 ed., p. 160.

35 CARNEIRO, Athos de Gusmão. Jurisdi-

ção e Competência. 9ª ed., p. 22.

36 ALVIM, Arruda. Manuela de direito

processual civil. 7ed., V. 1, p 345.

37 Recurso Extraordinário n. 144.880-

6-DF, rel. Min. Celso de Mello, j. em

31.10.2000, DJ em 02.03.2001, p. 12.

Antônio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco34 entendem ser a Justiça Federal pertencente à Justiça co-mum. Isto porque, quanto a Justiça Especial, a Constituição atribuiu com-petência para causas de determinada natureza, ramos específi cos do Direito como direito trabalhista, eleitoral e militar. Já a Justiça Comum (Estadual e Federal) conhecem qualquer matéria que não esteja contida na competência das Justiças especializadas.

Já para Athos de Gusmão Carneiro35, a Justiça Federal é uma Justiça Es-pecializada já que a competência desta última vem expressamente prevista na Constituição, o que também ocorre com os outros ramos da Justiça adminis-trados pela União (Militar, do Trabalho e Eleitoral).

Há ainda uma posição intermediária, de Arruda Alvim36, que entende que “a justiça federal pode ser considerada, em relação à estadual, como uma justiça de índole especializada. Todavia, a Justiça Federal é comum tendo em vista o critério das normas por ela aplicadas”.

Os julgados do Supremo Tribunal Federal, por seu turno, referem-se sis-tematicamente à Justiça comum Federal, priorizando, assim, a primeira cor-rente examinada37.

A Constituição Federal de 1988, em seu Ato de Disposições Constitucio-nais Transitórios, fi xou em cinco o número dos Tribunais Regionais Federais a serem criados.

“Art. 27-

(...)

§ 6º — Ficam criados cinco Tribunais Regionais Federais, a serem insta-

lados no prazo de seis meses a contar da promulgação da Constituição, com

a jurisdição e sede que lhes fi xar o Tribunal Federal de Recursos, tendo em

conta o número de processos e sua localização geográfi ca.”

São cinco regiões que, em conjunto, cobrem todo o território nacional.Em cumprimento à disposição constitucional, o extinto Tribunal Federal

de Recursos editou a Resolução 1/88 que defi niu:

a) O TRF da primeira região, com sede em Brasília e jurisdição sobre o Distrito Federal e os Estados do Acre, Amapá, Amazonas, Bahia, Goiás, Maranhão, Mato Grosso, Minas Gerais, Pará, Piauí, Rondô-nia, Roraima e Tocantins;

b) O TRF da segunda região, como sede no Rio de Janeiro e jurisdição sobre os Estados do Rio de Janeiro e Espírito Santo;

c) O TRF da terceira região, com sede em São Paulo e jurisdição sobre os Estados de São Paulo e Mato Grosso do Sul;

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ORGANIZAÇÃO DA JUSTIÇA E DO MINISTÉRIO PÚBLICO

FGV DIREITO RIO 94

38 Confl ito de Competência 14051/SP,

Min. Humberto Gomes de Barros.

d) O TRF da quarta região, com sede em Porto Alegre e jurisdição sobre os Estados do Rio Grande do Sul, Paraná e Santa Catarina; e

e) O TRF da quinta região, com sede em Recife e jurisdição sobre os Estados de Pernambuco, Alagoas, Ceará, Paraíba, Rio Grande do Norte e Sergipe.

Cada região é integrada por diversas seções judiciárias, tendo em vista que abrange vários Estados. Cada seção judiciária é composta por varas federais, cujo número é variável, criadas por lei e localizadas onde ela dispuser. Não fi cam necessariamente sediadas apenas nas capitais dos Estados. A tendên-cia atual é a interiorização da justiça federal de primeira instância. As varas federais são titularizadas por juízes federais de carreira. A Justiça Federal de primeiro grau, portanto, é representada pelos juízes federais, presentes em todos os Estados e no Distrito Federal. São juízes monocráticos ao lado dos quais funciona também o Tribunal do Júri.

O ingresso na magistratura federal se dá mediante concurso público de provas e títulos para os cargos de juiz substituto, conforme exigência do já estudado Artigo 93, I da CF. A Lei Orgânica da Magistratura Nacional exige do candidato à judicatura federal a idade mínima de 25 anos. Por meio de promoção, por antiguidade ou merecimento, o juiz federal substituto chega a juiz federal. Os juízes federais de carreira são responsáveis pelo julgamento das causas federais arroladas no Artigo 109 da Constituição.

O Superior Tribunal de Justiça já teve a oportunidade de se manifestar acerca do rol de competências e decidiu que “a competência da justiça federal está limitada mediante enumeração exaustiva, pelo Artigo 109 da Constituição.38”

E o que deve fazer, por exemplo, um aposentado que deseje ingressar em juízo com uma ação previdenciária, se a cidade onde ele vive com sua família não possui vara federal? Terá ele que se locomover até a Capital do seu Estado?

É disso que trata o Art. 109, § 3º da CF:

“Art. 109 —

(...)

§ 3º — Serão processadas e julgadas na justiça estadual, no foro do domi-

cílio dos segurados ou benefi ciários, as causas em que forem parte instituição

de previdência social e segurado, sempre que a comarca não seja sede de vara

do juízo federal, e, se verifi cada essa condição, a lei poderá permitir que

outras causas sejam também processadas e julgadas pela justiça estadual.”

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ORGANIZAÇÃO DA JUSTIÇA E DO MINISTÉRIO PÚBLICO

FGV DIREITO RIO 95

39 STJ – Recurso Especial 517.719-RS,

rel. Min Eliana Calmon, j. 26.04.2005,

DJ 13.06.2005.

40 STF – Recurso Extraordinário

239594-2-RS – rel. Min. Sepúlveda

Pertence, j. 17.11.1998, DJ 12.02.1999.

41 Confl ito de competência n. 45199,

rel. Min Castro Meira.

42 Confl ito de competência n. 106413,

rel. Min. Arnaldo Esteves Lima.

São causas federais que podem ser julgadas em condições especiais, por juízes estaduais de primeira instância. É o que a ministra Elia na Calmon convencionou chamar de “competência delegada da justiça estadual.”39

A condição constitucional para que a delegação se dê é que não haja vara federal instalada na Comarca em que o segurado/benefi ciário é domiciliado. Veja que tal previsão é um favor constitucional. Trata-se de uma faculdade, uma opção colocada à disposição do segurado e não uma imposição. Assim, pode o benefi ciário entender melhor ingressar no juízo federal da capital do Estado, tendo que até lá se locomover, do que ingressar no juízo estadual de sua cidade. Esta é sua opção e deve ser respeitada40.

O Artigo 109, §3º autoriza ainda que a lei preveja a delegação de compe-tência para outras causas. Foi o que fez a Lei nº 5010/1966, que ainda hoje organiza a Justiça Federal em primeiro grau e já declarada recepcionada pela Constituição de 198841, ao dispor em seu artigo 15:

“Art. 15. Nas Comarcas do interior onde não funcionar Vara da Justi-

ça Federal (artigo 12), os Juízes Estaduais são competentes para processar e

julgar:

I — os executivos fi scais da União e de suas autarquias, ajuizados contra

devedores domiciliados nas respectivas Comarcas;

II — as vistorias e justifi cações destinadas a fazer prova perante a ad-

ministração federal, centralizada ou autárquica, quando o requerente for

domiciliado na Comarca;

III — os feitos ajuizados contra instituições previdenciárias por segura-

dos ou benefi ciários residentes na Comarca, que se referirem a benefícios de

natureza pecuniária.“

Decisão recente do STJ42 fi xou a competência da Justiça Federal para processar e julgar o furto ocorrido no MASP (Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand) em 2007. Na ocasião, foram subtraídas duas obras de arte: “O Lavrador de Café”, de Cândido Portinari, e “O Retrato de Suzanne Block”, de Pablo Picasso, ambas tombadas pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).

Para o relator, Min. Arnaldo Esteves Lima, o que desloca a competência para a Justiça Federal não é o fato do furto ter ocorrido dentro do MASP, mas sim o fato da coleção de arte que compõe o seu acervo ser tombada pelo IPHAN, cabendo a este a sua manutenção e vigilância.

A União, por intermédio do IPHAN, possui efetivo interesse na preser-vação e manutenção do patrimônio histórico e artístico nacional, resguar-dando os bens de excepcional valor cultural e artístico.

Sendo assim, concluiu o Ministro relator que “compete à Justiça Federal o processo e o julgamento de eventual ação penal”, tendo a 3ª Turma, por

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ORGANIZAÇÃO DA JUSTIÇA E DO MINISTÉRIO PÚBLICO

FGV DIREITO RIO 96

unanimidade, conhecido o confl ito e declarado a nulidade da sentença pro-ferida pelo Juízo Estadual.

Os recursos interpostos contra atos dos juízes federais de primeiro grau, bem como dos juízes estaduais que se pronunciem no exercício da competên-cia delegada, são processados e julgados pelos Tribunais Regionais Federais da região na qual estejam os julgadores de primeiro grau.

“Art. 108. Compete aos Tribunais Regionais FederaisII — julgar, em grau de recurso, as causas decididas pelos juízes federais e pelos

juízes estaduais no exercício da competência federal da área de sua jurisdição”

Essa é a competência recursal dos Tribunais Regionais Federais, porém, duas exceções devem ser mencionadas. Quando os juízes federais julgam em primeiro grau os crimes políticos, cabe ao Supremo Tribunal Federal julgar o recurso ordinário contra tal decisão, funcionando, neste caso, como órgão de segundo grau.

“Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar:

IV — os crimes políticos e as infrações penais praticadas em detrimento

de bens, serviços ou interesse da União ou de suas entidades autárquicas ou

empresas públicas, excluídas as contravenções e ressalvada a competência da

Justiça Militar e da Justiça Eleitoral;

Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guar-

da da Constituição, cabendo-lhe:

II — julgar, em recurso ordinário:

b) o crime político;”

De forma similar, quando os juízes federais julgam em primeiro grau as causas fundadas em tratado ou contrato da União com Estado estrangeiro ou organismo intern acional, o recurso cabível também é o ordinário e compete ao Superior Tribunal de Justiça julga-lo, na função de órgão de segundo grau de jurisdição.

“Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar:

III — as causas fundadas em tratado ou contrato da União com Estado

estrangeiro ou organismo internacional;

Art. 105. Compete ao Superior Tribunal de Justiça:

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ORGANIZAÇÃO DA JUSTIÇA E DO MINISTÉRIO PÚBLICO

FGV DIREITO RIO 97

II — julgar, em recurso ordinário:

c) as causas e m que forem partes Estado estrangeiro ou organismo int er-

nacional, de um lado, e, do outro, Município ou pessoa residente ou domici-

liada no País”

Além da competência recursal mencionada, os Tribunais Regionais Fede-rais possuem ainda competência originária, estabelecida no Artigo 108, I da Constituição Federal.

“Art. 108. Compete aos Tribunais Regionais Federais:

I — processar e julgar, originariamente:

a) os juízes federais da área de sua jurisdição, incluídos os da Justiça

Militar e da Justiça do Trabalho, nos crimes comuns e de responsabilidade,

e o s membros do Ministério Público da União, ressalvada a competência da

Justiça Eleitoral;

b) as revisões criminais e as ações rescisórias de julgados seus ou dos juízes

federais da região;

c) os mandados de segurança e os “habeas-data” contra ato do próprio

Tribunal ou de juiz federal;

d) os “habeas-corpus”, quando a autoridade coatora for juiz federal;

e) os confl itos de competência entre juízes federais vinculados ao Tribunal;”

Passemos então ao estudo da estrutura orgânica do Tribunal Regional Fe-d eral.

6) TRIBUNAIS REGIONAIS FEDERAIS

As manifes tações dos Tribunais Regionais Federais são, em regra, colegia-das. São proferidas em reunião plenária ou por meio de um de seus órgãos fracionários. O pleno dos tribunais é composto pela totalidade de seus mem-bros. Quando o tribunal é composto por mais de vinte e cinco julgadores, pode ser constituído um órgão especial para o exercício das atribuições dele-gadas da competência do pleno, conforme preceitua a CF:

“Art. 93

(...)

XI nos tribunais com número superior a vinte e cinco julgadores, poderá

ser constituído órgão especial, com o míni mo de onze e o máximo de vinte e

cinco membros, para o exercício das atribuições administrativas e jurisdicio-

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ORGANIZAÇÃO DA JUSTIÇA E DO MINISTÉRIO PÚBLICO

FGV DIREITO RIO 98

43 Artigo 107, I c/c Artigo 94, ambos da

Constituição.

44 Lei 8906/94 – dispõe sobre o

Estatuto da Advocacia e a Ordem dos

Advogados do Brasil.

45 Lei Complementar 75/93 – dispõe

sobre a organização, as atribuições

e o Estatuto do Ministério Público

da União.

nais delegadas da competência do tribunal pleno, provendo-se metade das

vagas por antiguidade e a outra metade por eleição pelo tribunal pleno;”

Os tribunais se dividem ainda em turmas julgadoras, as quais se reúnem normalmente em seções especializadas.

No Tribunal Regional Federal da segunda região, por exemplo, que abran-ge o Rio de Janeiro e o Espírito Santo, são quatro seções e oito turmas com diferentes matérias de especialização.

Os juízes que compõem os Tribunais Regionais Federais são chamados de desembargadores federais e origina m-se de duas classes:

1 — Classe do quinto constitucional

É composta de advogados com mais de dez anos de efetiva atividade pro-fi ssional e membros do Ministério Público Federal com mais de dez anos de carreira, que são indicados em lista sêxtupla pelos órgãos de representação das respectivas classes43. A indicação, desta forma, inicia-se na intimidade dos órgãos de representação de classe.

No caso dos advogados, a representação é feita pela Ordem dos Advoga-dos do Brasil:

“Art. 44. A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), serviço público, dotada de personalidade jurídica e forma federativa, tem por fi nalidade:

II — promover, com exclusividade, a representação, a defesa, a seleção e a disci-plina dos advogados em toda a República Federativa do Brasil.

Art. 54 — Compete ao Conselho FederalXIII — elaborar as listas constitucionalmente previstas, para o preenchimento

dos cargos nos tribunais judiciários de âmbito nacional ou interestadual, com ad-vogados que estejam em pleno exercício da profi ssão, vedada a inclusão de nome de membro do próprio Conselho ou de outro órgão da OAB;44”

No caso do Ministério Público, a lista sêxtupla é elaborada pelo Colégio de Procuradores da República:

“Art. 53. Compete ao Colégio de Procuradores da República:II — elaborar, mediante voto plurinominal, facultativo e secreto, a lista sêxtupla

para a composição dos Tribunais Regionais Federais, sendo elegíveis os membros do Ministério Público Federal, com mais de dez anos de carreira, que contém mais de trinta e menos de sessenta e cinco anos de idade, sempre que possível lotados na res-pectiva região;45”

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ORGANIZAÇÃO DA JUSTIÇA E DO MINISTÉRIO PÚBLICO

FGV DIREITO RIO 99

46 Art. 94 § único e Art. 107, caput,

c/c Art. 84, XVI, todos da Constituição

Federal.

47 Mandado de Segurança n. 23789-0-

PE, rel. Min. Ellen Gracie, j. 30.06.2005,

DJ 23.09.2005.

48 Consulta realizada no site www.stf.

jus.br em 08.12.2011.

Encaminhadas as listas sêxtuplas, cabe ao Tribunal Regional Federal for-mar lista tríplice, enviando ao presidente da República que, nos vinte dias subsequentes, escolherá um de seus integrantes para nomeação46.

2 — Classes da magistratura de carreira

Já a classe da magistratura de carreira é integrada por juízes federais que chegam ao tribunal por meio de promoção, por antiguidade ou merecimen-to, devendo para tanto contar com mais de cinco anos de exercício. É uma exigência constitucional (Art. 107, II da CF).

O Supremo Tribunal Federal já se pronunciou sobre o tema e decidiu que nestes cinco anos também se computa o tempo de exercício no cargo de juiz substituto47.

Questão importante diz respeito à interpretação das normas constitucio-nais que disciplinam a promoção de juízes nas carreiras da magistratura na-cional (art. 93, incisos II e III da CF): indaga-se se a regra da obrigatoriedade de promoção por merecimento daquele que fi gure por três vezes consecutivas ou cinco alternadas em lista de merecimento alcança também o acesso dos juízes federais aos Tribunais Regionais Federais.

Tal assunto foi motivado pela decisão da Presidente Dilma Rousseff de não nomear um desembargador do TRF 2ª da Região que fi gurou por três vezes consecutivas na lista tríplice elaborada pela corte. Para a Presidente, as regras contidas nas alíneas do inciso II do art. 93, CF não se aplicam na hipótese do inciso III, mas tão somente nas promoções entre cargos públicos no Poder Judiciário de primeiro grau.

No entanto, para as Associações de Classe dos Magistrados, a Constituição Federal determina a nomeação automática daquele que aparecer três vezes na lista tríplice elaborada pelo respectivo tribunal. Sendo assim, impetraram o Mandado de Segurança nº 30.585 no Supremo Tribunal Federal, o qual teve a liminar concedida pelo relator, ministro Ricardo Lewandowski48.

LEITURA COMPLEMENTAR

Dilma errou ao não nomear o mais votado para o TRF-2. Marília Scri-boni. Artigo disponível no site: http://www.conjur.com.br/2011-set-20/bar-roso-faz-parecer-nomeacao-desembargador-trf#autores

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ORGANIZAÇÃO DA JUSTIÇA E DO MINISTÉRIO PÚBLICO

FGV DIREITO RIO 100

49 § 3o No foro onde estiver instalada

Vara do Juizado Especial, a sua

competência é absoluta.

50 § 1o Não se incluem na competência

do Juizado Especial Cível as causas:

I - referidas no art. 109, incisos II,

III e XI, da Constituição Federal, as

ações de mandado de segurança, de

desapropriação, de divisão e demar-

cação, populares, execuções fi scais e

por improbidade administrativa e as

demandas sobre direitos ou interesses

difusos, coletivos ou individuais

homogêneos;

II - sobre bens imóveis da União,

autarquias e fundações públicas

federais;

III - para a anulação ou cancelamen-

to de ato administrativo federal, salvo

o de natureza previdenciária e o de

lançamento fi scal;

IV - que tenham como objeto a

impugnação da pena de demissão

imposta a servidores públicos civis ou

de sanções disciplinares aplicadas a

militares.

7) JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS

A Justiça Federal é composta ainda, com apoio no Artigo 98, §1º da Constituição e Lei nº10259/2001, pelos Juizados Especiais Federais, cíveis e criminais. Compete ao Juizado Especial Federal Criminal “processar e jul-gar os feitos de competência da Justiça Federal relativos às infrações de menor potencial ofensivo, respeitada as regras de continência e conexão” (Art. 2º da Lei 10259/01), assim entendidos os crimes cuja pena máxima não ultrapasse 2 anos, cumulada ou não com multa.”

Aos Juizados Especiais Federais Cíveis compete processar e julgar causas de competência da Justiça Federal até o valor de sessenta salários mínimos, bem como executar as suas sentenças, ressalvadas as matérias excluídas pelo parágrafo 1º do Artigo 3º da Lei nº 10259/2001. Dentro da estrutura dos Juizados existem ainda as Turmas Recursais, competentes para rever as deci-sões dos Juizados. Trata-se de órgão colegiado, composto por três juízes, em exercício no primeiro grau de jurisdição, reunidos na sede do Juizado.

Existem também as Turmas de Uniformização, competentes para julgar pedido de uniformização baseado em divergência entre decisões de turmas de diferentes regiões ou da decisão proferida em contrariedade à súmula ou jurisprudência dominante do STJ.

O acesso aos juizados federais cíveis é optativo nos Municípios onde não houver a Vara do Juizado Especial Federal Cível, permitindo-se ao cidadão a livre escolha entre o procedimento adotado pela Justiça comum ou aquele previsto para os juizados especiais. Já nos Municípios que possuem vara do Juizado Especial Federal Cível, ele é obrigatório, conforme art. 3°, § 3° da Lei 10.259/0149, excetuada as causas do §1° do mesmo artigo50. O processo nesses juízos valoriza os critérios da oralidade, da simplicidade, da informali-dade, da economia processual e da celeridade, buscando sempre que possível a conciliação das partes. Nos juizados especiais valoriza-se a prática de atos processuais da maneira mais simples possível, possibilitando, assim, a sua realização em horário noturno, conforme dispuserem as normas locais de organização judiciária.

Exemplos da celeridade e economia processual existente nos Juizados Es-peciais Cíveis podem ser divididos em duas classes: uma destinada a qualquer parte do processo, e outra à União, autarquias, fundações e empresas públicas federais. Em relação às partes processuais, no Juizado Especial Federal não se admite recurso que não seja da sentença e da concessão ou denegação da medidas cautelares (art. 5°). Quanto à União, autarquias, fundações e empre-sas públicas federais, elas são tratadas de maneira idêntica ao particular, não possuindo esses entes prazo diferenciado para a prática de qualquer ato pro-cessual ou recursal (art. 9°), possibilidade de essas pessoas conciliarem, tran-sigirem ou desistirem (art. 10, Parágrafo único e art. 11, Parágrafo único), a

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ORGANIZAÇÃO DA JUSTIÇA E DO MINISTÉRIO PÚBLICO

FGV DIREITO RIO 101

não obrigatoriedade do reexame necessário (art. 13) e o pagamento de valor até 60 salários mínimos ser feito de forma integral e independentemente de precatório (art. 17, §§ 1° e 3°). Caso o valor ultrapasse os 60 salários míni-mos, o pagamento deverá ser realizado integralmente por precatório judicial, facultado ao exequente a renúncia ao crédito excedente para receber integral-mente e sem precatórios (art. 17, § 4°).

A regulamentação dos juizados pugna pela conciliação prévia das partes, desejando-se, assim, que a demanda não prossiga em seus trâmites regulares, mas que antes seja solucionada na audiência de conciliação. Para tanto, valo-riza a presença dos conciliadores e dos árbitros, que são os primeiros juízes da causa: examinam previamente o pedido, reúnem-se com as partes e, se possível, conseguem a conciliação, que será posteriormente submetida ao juiz togado.

No caso dos Juizados Especiais Criminais, verifi cada a ocorrência de infração penal de menor potencial ofensivo pela autoridade policial, um simples termo circunstanciado substitui o inquérito policial, garantindo-se, assim, o exercício do princípio da oralidade. Juntamente com a autuação sumária, deve a autorida-de policial encaminhar o autor do fato e o ofendido ao juizado, cumprindo-lhe, ainda, diligenciar no sentido da realização dos exames periciais necessários. Caso não seja possível a realização imediata da audiência preliminar, o juiz designa outra data, saindo as partes intimadas. A composição nos Juizados Criminais pode operar-se por meio da composição dos danos, em que o autor da infração supre o prejuízo patrimonial por ele causado à vítima, e da transação, proposta do Ministério Público de aceitação pelo autuado de pena não privativa de liberdade. É possível ainda que no momento do oferecimento da denúncia oral pelo Mi-nistério Público seja feita a proposta de suspensão condicional do processo, pelo qual o acusado fi cará submetido a um período de prova por dois a quatro anos.

Pelo exposto, induvidosamente, são duas as funções principais desempe-nhadas pelos Juizados Especiais Cíveis e Criminais. A primeira é relativa ao acesso ao Poder Judiciário; a segunda é, consequentemente, a de reverter o descrédito na Justiça ocasionado pela reconhecida morosidade no andamento dos processos.

8) FEDERALIZAÇÃO DOS CRIMES CONTRA OS DIREITOS HUMANOS E INCIDENTE DE DESLOCAMENTO DE COMPETÊNCIA

A Emenda Constitucional nº 45 de 2004 trouxe uma importante inova-ção ao ordenamento jurídico brasileiro tendo sido objeto de grandes discus-sões doutrinárias.

Trata-se do Incidente de Deslocamento de competência para a Justiça Fe-deral, previsto no Artigo 109, §5:

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ORGANIZAÇÃO DA JUSTIÇA E DO MINISTÉRIO PÚBLICO

FGV DIREITO RIO 102

51 TAVARES, André Ramos. Reforma do

Judiciário no Brasil pós-88. Saraiva,

2005, p.49.

“Art. 109 —(...)5º Nas hipóteses de grave violação de direitos humanos, o Procurador-Geral da

República, com a fi nalidade de assegurar o cumprimento de obrigações decorrentes de tratados internacionais de direitos humanos dos quais o Brasil seja parte, poderá suscitar, perante o Superior Tribunal de Justiça, em qualquer fase do inquérito ou processo, incidente de deslocamento de competência para a Justiça Federal.”

Com esta inovação, o Superior Tribunal de Justiça foi “alçado à condição de tribunal da federação, responsável pela relevante tarefa de equacionar as difi -culdades relacionadas ao cumprimento judicial de obrigações relacionada aos di-reitos humanos, inclusive aquelas decorrentes de tratados internacionais versando essa temática.51”

Como já mencionado, há grande discussão doutrinária acerca do novo instituto. Parte da doutrina vê com bons olhos a alteração feita pela EC nº 45. Isto porque a União é a responsável, internacionalmente, pelo cumpri-mento dos tratados internacionais em que o Brasil seja parte. Ocorre que, antes da EC nº 45 não havia um mecanismo de controle da União sobre a aplicação do tratado quando a Justiça Estadual era, no caso, a responsável pela sua aplicação. Era um contra-senso. Outros, porém, vem taxando de inconstitucional o instituto por violação ao princípio do juiz natural, pelo qual não só o juízo ou o tribunal para a causa devem ser previamente iden-tifi cados, como também regras prévias e objetivas para a determinação da competência dos órgãos julgadores.

Tendo em vista a excessiva abertura da expressão “grave violação dos direitos humanos” pode ocorrer de um processo judicial já instaurado vir a ser deslo-cado para a Justiça Federal com base em critérios vagos e imprecisos, ferindo desta forma a garantia que seria conferida pelo princípio do juiz natural. São quatro as condições fi xadas pela Constituição, de forma cumulativa:

1 — estar originalmente a competência atribuída à Justiça Estadual, po-dendo o processo judicial estar em qualquer fase ou mesmo ainda ser apenas um inquérito policial;

2 — haver grave violação dos direitos humanos. Muito se critica a indefi -nição desta expressão por ser alta a discricionariedade conferida ao Superior Tribunal de Justiça. Critérios objetivos deveriam ter sido defi nidos de forma a limitar essa prerrogativa do Tribunal Superior.

3 — obter o cumprimento de obrigações decorrentes de tratados inter-nacionais dos quais o Brasil seja parte. Basta que o Brasil seja signatário do tratado. A norma não exige, portanto, que aquele processo específi co de re-

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ORGANIZAÇÃO DA JUSTIÇA E DO MINISTÉRIO PÚBLICO

FGV DIREITO RIO 103

cepção do tratado ao ordenamento jurídico pátrio, previsto no Artigo 5º, §3º da CF, seja defl agrado.

4 — ser suscitado pelo procurador-geral da República. Essa legitimidade exclusiva também tem sido criticada. Teria havido um retrocesso, contrarian-do a moderna orientação da Constituição quanto à abertura para acionar o controle de constitucionalidade.

CASO DE SEDIMENTAÇÃO:

No dia 05 de janeiro de 2008, uma cidade foi cenário de um terrível cri-me. Pessoas estavam sendo escravizadas numa fazenda no interior do Estado, duas delas vindo a falecer naquele mesmo dia. O acontecimento virou notícia nos jornais do Brasil e do mundo, devido à crueldade a que eram submetidas essas pessoas.

Os autores foram presos em fl agrante e o promotor de Justiça da comarca denunciou os mesmos pelo crime imediatamente. O juiz competente recebeu a denúncia, dando prosseguimento à ação penal, já estando o júri marcado para outubro de 2008.

Em maio de 2008, porém, o procurador-geral da República suscitou pe-rante o Superior Tribunal de Justiça um incidente de deslocamento de com-petência para a Justiça Federal, alegando se tratar o caso em questão de grave violação aos direitos humanos.

Pergunta-se: Deve o Superior Tribunal de Justiça deferir o deslocamento?

CASO DE SEDIMENTAÇÃO 2:

Em 2003, no interior do Estado do Maranhão, ocorreu um homicídio. Um homem foi brutalmente assassinado por cerca de dez índios Guajajara. O crime aconteceu em uma pequena cidade, vizinha à reserva indígena. O delito teria sido motivado por questões de disputa de terras e riquezas mi-nerais, eis que a vít ima era conhecida como segurança de um fazendeiro da região, que teria interesse na exploração de riquezas existentes no interior da reserva indígena. Os índios foram processados e julgados pela Justiça Es-tadual da pequena cidade, tendo sido condenados pelo Tribunal do Júri. O defensor público da comarca impetrou habeas corpus perante o TJ do Estado do Maranhão sustentando a incompetência da Justiça Estadual, tendo sido denegatória a decisão. O Superior Tribunal de Justiça (art.105, II, a CR), por seu turno, conheceu e julgou improcedente o recurso ordinário em habeas

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ORGANIZAÇÃO DA JUSTIÇA E DO MINISTÉRIO PÚBLICO

FGV DIREITO RIO 104

corpus interposto pelos índios. Na qualidade de famoso advogado especiali-zado em causas afetas aos Direitos Humanos, você, que se encontra de férias na região dos Lençóis Maranhenses, é procurado pelo cacique Guajajara, para que avalie as possibilidades de defesa que ainda restam aos Índios, visto que, segundo o chefe da tribo, estes não compartilhariam dos mesmos valores e costumes da sociedade como um todo, encontrando-se em estágio de desen-volvimento diverso.

Decidindo ajudá-los, que medida judicial proporia?

Leitura obrigatória ao inteiro teor do acórdão proferido no RHC 84308, do STF, cuja ementa segue abaixo:

INDIOS GUAJAJARA — CONDENAÇÃO PELA JUSTIÇA ESTA-DUAL

Nulidade Absoluta e Laudo Antropológico

A Turma deu provimento a recurso ordinário em habeas corpus interposto por índios Guajajara condenados por crime de latrocínio pela justiça esta-dual, sem que fossem realizadas as perícias antropológica e biológica, para se aferir, respectivamente, o grau de incorporação à sociedade e a idade dos pacientes. No caso concreto, os mencionados laudos não foram efetivados ao argumento de que o tema estaria precluso, bem como de que seriam des-necessários, haja vista a existência de outros elementos capazes de evidenciar o pretendido. Tendo em conta que a questão de preclusão é puramente de direito, passível de análise em habeas corpus, entendeu-se pelo afastamento do aludido óbice, uma vez que se trata de nulidade absoluta e a ausência de requerimento da perícia somente poderia ser atribuída ao Ministério Público. No ponto, asseverou-se que o grau de instrução e a maioridade não se presu-mem e que a sua demonstração é ônus do Parquet, a quem caberia comprovar a legitimidade ad causam dos pacientes. Ademais, ressaltando que a nulidade não decorre propriamente da falta de perícia, que não se exige, quando não necessária, aduziu-se que nos autos não se encontram demonstrados fatos que concretizem as conclusões das instâncias anteriores. RHC provido para anular o processo a partir da decisão que julgou encerrada a instrução, permi-tindo-se a realização de perícias necessárias para a verifi cação do grau de inte-gração dos pacientes e para aferir a idade de dois deles. Mantida, no entanto, a prisão, dado que, anulada a condenação, restabelece-se o decreto da prisão preventiva antecedente, cuja validade não é objeto do recurso. RHC 84308/MA, rel. Min. Sepúlveda Pertence, 15.12.2005. (RHC-84308)

QUESTÕES ACERCA DA MATÉRIA

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ORGANIZAÇÃO DA JUSTIÇA E DO MINISTÉRIO PÚBLICO

FGV DIREITO RIO 105

01. Ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) compete julgar: (Magistratura — TJ/SP).

(a) Os governadores dos estados, nos crimes de responsabilidade;(b) Os Desembargadores, nos crimes comuns e de responsabilidade;(c) Os membros dos Tribunais de Contas, apenas nos crimes comuns;(d) Os membros dos Ministérios Públicos que ofi ciem perante tribu-

nais;(e) Nenhuma das respostas anteriores

02. Quanto aos ministros do Superior Tribunal de Justiça (Magistratura — TJ/SP — 177º Concurso):

(a) um terço deles, em partes iguais, será composto por advogados e membros do Ministério Público, alternadamente.

(b) um quinto deles, em partes iguais, será composto por advogados e membros do Ministério Público, alternadamente, com mais de 15 (quinze) anos de efetiva atividade profi ssional ou de carreira.

(c) um terço deles será composto por desembargadores dos Tribunais de Justiça indicados em lista tríplice elaborada pelo Conselho Na-cional de Justiça.

(d) um terço deles será composto por juízes dos Tribunais Regionais Federais indicados em lista sêxtupla elaborada pelo Conselho da Justiça Federal.

(e) N.R.A

3. Ao Superior Tribunal de Justiça compete julgar em recurso ordinário os habeas corpus decididos em: (Promotor de Justiça — MG — 2007)

(a) única instância pelos Tribunais de 2º grau(b) última instância pelos Tribunais Federais(c) única ou última instância pelos Tribunais de 2º grau, federais e es-

taduais, quando denegatória a decisão(d) única ou última instância pelos Tribunais estaduais(e) única instância pelos Tribunais Federais

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ORGANIZAÇÃO DA JUSTIÇA E DO MINISTÉRIO PÚBLICO

FGV DIREITO RIO 106

AULA 6 E 7: A JUSTIÇA COMUM ESTADUAL

A Justiça Estadual é o ramo da Justiça comum competente para apreciar as matérias que não estejam afetas constitucionalmente à Justiça especializada ou à Justiça Federal, também pertencente à Justiça comum. Trata-se, portan-to, de uma competência residual. Conforme preceitua o Artigo 125 da Cons-tituição Federal “os Estados organizarão sua Justiça de acordo com a respectiva Constituição.” A matéria vem disciplinada não só na Constituição Federal (Art. 93 — 100 e 125), como também na Lei Orgânica da Magistratura Na-cional (LC/35/79), na Constituição Estadual do respectivo ente federativo e pela sua Lei de Organização Judiciária (CODJERJ).

A Constituição Estadual e a Lei de Organização Judiciária são editadas no exercício do chamado poder constituinte derivado decorrente, sendo com-plementares à Constituição Federal. Portanto, são elaboradas de forma autô-noma pelo Estado-membro, respeitados os princípios cogentes da Constitui-ção Federal e da LOMAN.

No Rio de Janeiro a matéria é disciplinada nos Artigos 151 e seguintes da Constituição Estadual, com as alterações realizadas pela Emenda Constitu-cional nº 37, de 1º de junho de 2006. A Constituição Estadual remete ainda para a Lei de Organização Judiciária (Resolução nº 1 de 1975 — CODJERJ) e para o Regimento Interno do Tribunal de Justiça.

ESTRUTURA DO PODER JUDICIÁRIO ESTADUAL.

A Constituição Federal prevê como órgãos do Poder Judiciário Estadual os Tribunais e Juízes dos Estados e do Distrito Federal e Territórios. São, portan-to, dois graus de jurisdição. O segundo grau de jurisdição é integrado pelos Tribunais de Justiça, com sede na capital do Estado e jurisdição em todo o território estadual. São órgãos colegiados compostos por membros chamados desembargadores.

Dentro do próprio tribunal, para uma melhor prestação da Justiça, há subdivisões que serão por nós rapidamente estudadas. No Rio de Janeiro, o Tribunal de Justiça compõe-se de 180 (cento e oitenta) desembargadores e tem como órgãos julgadores as Câmaras Isoladas, a Seção Criminal, o Con-selho da Magistratura, o Órgão Especial, a que alude o item XI do artigo 93, da Constituição da República e, como integrante de sua estrutura adminis-trativa, a Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro.

Ordinariamente, os desembargadores reúnem-se em órgãos fracionários denominados Câmaras. Como órgãos colegiados que são, deliberam por maioria ou unanimidade. Os desembargadores são distribuídos em vinte e oito (28) Câmaras, sendo 20 (vinte) cíveis e 8 (oito) criminais, distinguindo-

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ORGANIZAÇÃO DA JUSTIÇA E DO MINISTÉRIO PÚBLICO

FGV DIREITO RIO 107

se as de igual competência, dentro de cada seção, por números ordinais. As Câmaras Cíveis julgam recursos de decisões proferidas pelos juízes de primei-ra instância em matéria cível, com exclusão dos Juizados Especiais Cíveis. Em similitude, existem as Câmaras Criminais, que julgam recursos de decisões proferidas por juízes de primeira instância em matéria criminal, com exclusão das decisões dos Juizados Especiais Criminais.

A reunião de todas as Câmaras, em função de sua especialidade material gera um órgão fracionário denominado Seção. No Rio de Janeiro existe uma Seção Criminal, presidida pelo 2º vice-presidente do Tribunal de Justiça e constituída pelos dois desembargadores mais antigos lotados em cada uma das Câmaras Criminais. A competência é específi ca para matéria criminal como, por exemplo, o julgamento de prefeitos por crimes comuns (Artigo 29, X da Constituição Federal). A reunião de todos os desembargadores for-ma o Tribunal Pleno.

O quadro abaixo demonstra a organização do Tribunal de Justiça:

TRIBUNAL DE JUSTIÇA

ÓRGÃO ESPECIAL

SEÇÃO CRIMINAL

CÂMARAS CRIMINAIS

CÂMARAS CÍVEIS

JUÍZES DE DIREITO

JUIZADO DA INFÂNCIA E JUVENTUDE

TURMAS RECURSAIS (art. 98, CF e Lei 9099 / 95)

JUIZADOS ESPECIAIS (art. 98, CF E Lei 9099 / 95)

TRIB. DE JUSTIÇA MILITAR

AUD. MILITAR (art. 25, § 4º, CF)

JUSTIÇA DE PAZ (art. 98, II, CF)

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ORGANIZAÇÃO DA JUSTIÇA E DO MINISTÉRIO PÚBLICO

FGV DIREITO RIO 108

OBS:1. As atribuições dos órgãos de Justiça Estadual estão previstas nos

Códigos de Organização Judiciária (1º e 2º instâncias) e nos Regi-mentos internos dos Tribunais.

2. Tribunal de Justiça Militar Estadual (art. 125 § 3°, CRFB) só existe em alguns Estados, onde foram implantados (São Paulo, Minas Gerais e Rio Grande do Sul).

Há uma previsão na Constituição Federal (Art. 93, XI), específi ca para Tribunais de Justiça que possuam mais de vinte e cinco desembargadores, permitindo a constituição de um novo órgão, denominado Órgão Especial, para o exercício das atribuições administrativas e jurisdicionais delegadas da competência do Tribunal Pleno. Metade das vagas do Órgão Especial será provida por antiguidade. A outra metade por eleição pelo Tribunal Pleno.

As matérias reservadas à competência do Órgão Especial serão enumera-das no regimento interno do respectivo Tribunal de Justiça. Aliás, o Supremo Tribunal Federal já decidiu que é do próprio Regimento Interno do Tribunal de Justiça a competência para a criação do órgão especial, sendo desnecessária lei formal nesse sentido.

“E M E N T A: I. STF: competência originária (art. 102, I, n): reconheci-

mento, na hipótese em que os demais juízes de um dado tribunal impetram

mandado de segurança visando a assegurar sua própria participação no exer-

cício de competências que a si mesmos se reservaram com exclusividade os inte-

grantes do Órgão Especial, ao qual tocaria conhecer da impetração. II. Poder

Judiciário: órgão especial dos Tribunais: competência do próprio Tribunal, e

não da lei, para criá-lo, que pressupõe, no entanto, composição efetiva superior

a 25 juízes. 1. A competência para criar o Órgão Especial se contém no poder

dos Tribunais — segundo o art. 96, I, “a”, CF — para dispor, no regimento in-

terno, “sobre a competência e o funcionamento dos respectivos órgãos jurisdi-

cionais e administrativos” (ADIn 410/SC, m.c., Lex 191/166) 2. Só pode criar

Órgão Especial o Tribunal integrado por mais de vinte e cinco juízes (CF, art.

93, XI): para esse fi m, considera-se a composição já implementada da Corte,

não bastando a existência de vagas recém-criadas, mas ainda não preenchidas.

(Ação Ordinária n. 232-0-PE, Pleno, rel. Min Sepúlveda Pertence, j.

03.05.95, DJ 20.04.2001)”

São exemplos de matérias acometidas ao Órgão Especial os crimes come-tidos por juízes e membros do Ministério Público, dentre outras.

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ORGANIZAÇÃO DA JUSTIÇA E DO MINISTÉRIO PÚBLICO

FGV DIREITO RIO 109

CASO DE SEDIMENTAÇÃO

Carlos impetra uma ação ordinária em primeiro grau, pedindo a repetição de indébito de imposto que indevidamente lhe foi cobrado, tendo como cau-sa de pedir a inconstitucionalidade da lei instituidora do referido imposto. O juiz competente para a causa, julga improcedente o pedido de Carlos. Inter-posta a Apelação, o desembargador competente, analisando o caso, julga pro-cedente o pedido de Carlos, entendendo que a lei de fato é inconstitucional por se tratar de imposto caracterizado como confi scatório.

Pergunta-se: É correta a decisão do desembargador?

Existem ainda outros órgãos na estrutura do Tribunal de Justiça.

A PRESIDÊNCIA

À Presidência compete um extenso rol de atividades administrativas (Ar-tigo 30 do CODJERJ) e de atividades jurisdicionais, quando de julgamen-to no Órgão Especial, no Tribunal Pleno e no Conselho de Magistratura. Recebe o auxílio, em suas atividades, por três vice-presidentes. Ao 1º vice-presidente compete a substituição do presidente quando se fi zer necessário e a distribuição cível, além de outras funções (Artigo 31 do CODJERJ). Ao 2º vice-presidente compete a substituição do 1º vice-presidente, a Presidência da Seção Criminal e a distribuição criminal, dentre outras funções (Art.32 do CODJERJ). Ao 3º vice-presidente compete a substituição do corregedor-geral de Justiça e o deferimento ou o indeferimento dos recursos especial e extraordinário, resolvendo-se os incidentes que se suscitarem (Art. 32 do CODJERJ).

A CORREGEDORIA-GERAL DE JUSTIÇA

É um órgão correcional. A correição consiste na inspeção dos serviços judiciários, para que sejam executados com regularidade, e no conhecimento de denúncias ou pedidos de providências. Compete à Corregedoria as fun-ções administrativas de disciplina e fi scalização de toda atividade administra-tiva da primeira instância do Tribunal de Justiça, bem como sobre todas as serventias extrajudiciais.

E o que são serventias extrajudiciais?

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ORGANIZAÇÃO DA JUSTIÇA E DO MINISTÉRIO PÚBLICO

FGV DIREITO RIO 110

São os Cartórios de Notas, os Tabelionatos, os Cartórios de Registro de Imóveis, Registros de Títulos de Documentos e Registro Civil das Pessoas Naturais.

O CONSELHO DE MAGISTRATURA.

O Conselho da Magistratura é integrado pelo presidente, vice-presidentes, corregedor-geral e cinco desembargadores que não façam parte do Órgão Especial, eleitos por este, em sessão pública e escrutínio secreto, para um mandato de dois anos. É o órgão censório do Tribunal de Justiça. Compete a ela conhecer as representações em face de magistrados. Os órgãos de segunda instância comunicarão ao Conselho da Magistratura os erros e irregularida-des passíveis de sanções disciplinares, praticados por magistrados. Qualquer pessoa poderá representar, por petição, ao Conselho da Magistratura, por abusos, erros ou omissões de magistrados, ou quaisquer auxiliares da Justiça.

ESCOLA DA MAGISTRATURA ESTADUAL DO RIO DE JANEIRO

Órgão integrante da estrutura administrativa do Tribunal de Justiça. Tra-ta-se de uma escola de formação e aperfeiçoamento de magistrados. Tem também sob sua responsabilidade Curso de Preparação à carreira da Magis-tratura.

QUINTO CONSTITUCIONAL

No que concerne à composição do Tribunal de Justiça, tem aplicabilidade a regra do quinto constitucional, já estudado quando da análise do Supremo Tribunal Federal e Superior Tribunal de Justiça. Assim, um quinto dos luga-res do tribunal será composto por advogados em efetivo exercício da profi ssão e membros do Ministério Público, conforme se abra a vaga no primeiro ou segundo quadro, todos de notório merecimento e idoneidade moral, com dez anos pelo menos de prática forense, indicados em lista tríplice. Para apura-ção do quinto, o número de desembargadores do tribunal será dividido por cinco, considerando-se apenas o número de unidades alcançado, desprezadas quaisquer frações de unidades. Tornando-se ímpar o número de vagas desti-nadas ao quinto constitucional, uma delas será, alternada e sucessivamente, preenchida por advogado e por membro do Ministério Público, de tal forma que, também sucessiva e alternadamente, os representantes de uma dessas classes superem os de outras em uma unidade.

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FGV DIREITO RIO 111

Em recente decisão, o Supremo Tribunal Federal declarou a nulidade de listas sêxtuplas elaboradas pela Ordem dos Advogados do Brasil e pelo Tribu-nal de Justiça do Estado de São Paulo por desrespeitarem a norma inserta no artigo 94 da Constituição Federal de 1988:

“EMENTA: I. Mandado de Segurança: processo de escolha de candidatos a cinco vagas de Desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo, correspondente à cota no “quinto constitucional” da advocacia: composição de lista sêxtupla pelo Tribunal de Justiça que, desprezando a lista sêxtupla específi ca organizada pelo Conselho Sec-cional da OAB para a primeira das vagas, substituiu os seus integrantes por nomes re-manescentes das listas indicadas para as vagas subsequentes e, dentre eles, elaborou a lista tríplice: contrariedade ao art. 94 e seu parágrafo único da Constituição Federal: declaração de nulidade de ambas as listas, sem prejuízo da eventual devolução pelo Tribunal de Justiça à OAB da lista sêxtupla apresentada para a vaga, se fundada em razões objetivas de carência, por um ou mais dos indicados, dos requisitos constitucio-nais, para a investidura e do controle jurisdicional dessa recusa, acaso rejeitada pela Ordem. II. O “quinto constitucional na ordem judiciária constitucional brasileira: fórmula tradicional, a partir de 1934 — de livre composição pelos tribunais da lista de advogados ou de membros do Ministério Público — e a fórmula de compartilha-mento de poderes entre as entidades corporativas e os órgãos judiciários na seleção dos candidatos ao “quinto constitucional” adotada pela Constituição vigente (CF, art. 94 e parágrafo único). 1. Na vigente Constituição da República — em relação aos textos constitucionais anteriores — a seleção originária dos candidatos ao “quinto” se transferiu dos tribunais para “os órgãos de representação do Ministério Público e da advocacia”-, incumbidos da composição das listas sêxtuplas — restando àqueles, os tribunais, o poder de reduzir a três os seis indicados pelo MP ou pela OAB, para sub-metê-los à escolha fi nal do Chefe do Poder Executivo. 2. À corporação do Ministério Público ou da advocacia, conforme o caso, é que a Constituição atribuiu o primeiro juízo de valor positivo atinente à qualifi cação dos seis nomes que indica para o ofício da judicatura de cujo provimento se cogita. 3. Pode o Tribunal recusar-se a compôr a lista tríplice dentre os seis indicados, se tiver razões objetivas para recusar a algum, a alguns ou a todos eles, as qualifi cações pessoais reclamadas pelo art. 94 da Constitui-ção (v.g. mais de dez anos de carreira no MP ou de efetiva atividade profi ssional na advocacia.) 4. A questão é mais delicada se a objeção do Tribunal fundar-se na ca-rência dos atributos de “notório saber jurídico” ou de “reputação ilibada”: a respeito de ambos esses requisitos constitucionais, o poder de emitir juízo negativo ou positivo se transferiu, por força do art. 94 da Constituição, dos Tribunais de cuja composição se trate para a entidade de classe correspondente. 5. Essa transferência de poder não elide, porém, a possibilidade de o tribunal recusar a indicação de um ou mais dos componentes da lista sêxtupla, à falta de requisito constitucional para a investidura, desde que fundada a recusa em razões objetivas, declinadas na motivação da delibe-ração do órgão competente do colegiado judiciário. 6. Nessa hipótese ao Tribunal en-

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FGV DIREITO RIO 112

volvido jamais se há de reconhecer o poder de substituir a lista sêxtupla encaminhada pela respectiva entidade de classe por outra lista sêxtupla que o próprio órgão judicial componha, ainda que constituída por advogados componentes de sextetos eleitos pela Ordem para vagas diferentes. 7. A solução harmônica à Constituição é a devolução motivada da lista sêxtupla à corporação da qual emanada, para que a refaça, total ou parcialmente, conforme o número de candidatos desqualifi cados: dissentindo a entidade de classe, a ela restará questionar em juízo, na via processual adequada, a rejeição parcial ou total do tribunal competente às suas indicações.

(MS 25624 / SP — SÃO PAULO. MANDADO DE SEGURANÇA. Relator: Min. SEPÚLVEDA PERTENCE. Julgamento: 06/09/2006. Órgão Julgador: Tri-bunal Pleno)”

PRIMEIRO GRAU DE JURISDIÇÃO

Logo abaixo dos Tribunais de Justiça estão os juízes de Direito e o Tribunal do Júri, primeiro grau de jurisdição da Justiça Estadual.

O Tribunal do Júri

O Júri é instituição referida no Artigo 5º, XXVIII da Constituição Fe-deral, competente para o julgamento de crimes dolosos contra a vida, quais sejam, o homicídio, o infanticídio, o aborto e o induzimento, instigação ou auxílio ao suicídio. É um órgão colegiado especial. Seus julgamentos são pro-feridos por um colegiado e não monocraticamente. É especial porque em sua composição estão representantes do povo funcionando como jurados que, juntamente com o juiz de direito, decidirão o caso. A primeira fase do jul-gamento se perfaz perante o juiz togado e a segunda fase em Plenário, com julgamento pelos representantes do povo. No Rio de Janeiro há quatro Tri-bunais do Júri na Capital, designados por números ordinais, e um em cada uma das demais Comarcas.

Os Juízos de Direito

Os juízos de direito são órgãos monocráticos, compostos por um único juiz. Sua competência é determinada pelo Código de Organização e Divisão Judiciárias do Estado do Rio de Janeiro (CODJERJ). Os juízos são distri-buídos pelo território estadual, localizando-se em comarcas, que são as uni-dades em que se divide o território do Estado para efeito de administração da Justiça Estadual. A comarca não se confunde com município. Enquanto

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FGV DIREITO RIO 113

o município é uma unidade político-administrativa, a comarca é uma uni-dade judiciária, embora muitas vezes sejam equivalentes. Para a criação e a classifi cação das comarcas, serão considerados os números de habitantes e de eleitores; a receita tributária; o movimento forense e a extensão territorial dos municípios do Estado. No Estado do Rio de Janeiro, as comarcas são classifi -cadas em três entrâncias: especial, segunda e primeira entrâncias. A entrância é um grau de classifi cação administrativa das comarcas. Não há entre elas qualquer espécie de hierarquia. São comarcas de entrância especial: Capital, Campos de Goytacazes, Duque de Caxias, Niterói, Nova Iguaçu, Petrópolis, São João de Meriti, São Gonçalo, Volta Redonda, Belford Roxo, Teresópolis e Nova Friburgo. As comarcas de primeira entrância são: Arraial do Cabo, Bom Jardim, Cambuci, Cantagalo, Carapebus/Quissamã; Carmo, Casimiro de Abreu, Conceição de Macabu, Cordeiro, Duas Barras, Engenheiro Paulo de Frontin, Guapimirim, Iguaba Grande, Italva (Cardoso Moreira), Itaocara, Itatiaia; Laje de Muriaé, Mangaratiba, Mendes, Miguel Pereira, Natividade, Paracambi, Parati, Paty do Alferes, Pinheiral, Piraí, Porciúncula, Porto Real-Quatis, Rio Claro, Rio das Flores, Santa Maria Madalena, São Francisco do Itabapoana, São José do Vale do Rio Preto, São Sebastião do Alto, Sapucaia, Silva Jardim, Sumidouro, Tanguá e Trajano de Moraes.

São comarcas de segunda entrância: Angra dos Reis, Araruama, Armação dos Búzios, Barra Mansa, Barra do Piraí, Bom Jesus do Itabapoana, Cabo Frio, Cachoeiras de Macacu, Itaboraí, Itaguaí, Itaperuna, Japeri, Macaé, Magé, Maricá, Mesquita, Miracema, Nilópolis, Paraíba do Sul, Queimados, Resende, Rio Bonito, Rio das Ostras, Santo Antônio de Pádua, São Fidélis, São João da Barra, São Pedro da Aldeia, Saquarema, Seropédica, Três Rios, Valença e Vassouras.

A promoção dos juízes se dá de entrância em entrância até que, por anti-guidade ou merecimento, alternadamente, alcancem uma vaga no Tribunal de Justiça como desembargadores.

A comarca é o foro em que tem competência o juiz de primeiro grau. Em cada comarca poderá haver um ou mais juízos, ou seja, uma ou mais varas. Pode ocorrer de uma comarca possuir apenas uma vara. Na vara única to-das as causas são decididas pelo mesmo juiz, independentemente da matéria. Quando uma comarca possui mais de uma vara, teremos varas especializa-das em determinadas matérias conforme dispuser o Código de Organização Judiciária. Pode haver assim Vara Cível, Fazendária, Empresarial, Criminal, dentre outras.

A comarca da Capital poderá ainda ser dividida em foro central e foros regionais.

Ex: Foro Regional da Ilha do Governador, da Pavuna, de Bangu, da Barra da Tijuca, de Jacarepaguá, dentre outros.

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Os juízes se dividem conforme a matéria. Os juízes de direito do cível têm sua competência estabelecida no artigo 84 e seguintes do CODJERJ. A competência vem discriminada conforme a matéria para as quais sejam com-petentes, como por exemplo, Família, Fazenda Pública, Órfãos e sucessões, Infância, Juventude e Idosos, dentre outros. Já os juízes de direito em matéria criminal têm sua competência fi xada no artigo 93 do CODJERJ.

CASO DE SEDIMENTAÇÃO:

No quinto dia útil do mês de setembro de 2003, dia de pagamento de aposentados, pensionistas e de pagamento de inúmeras empresas, os con-sumidores permaneceram mais de duas horas em imensas fi las em agência bancária localizada no centro da cidade do RJ. Encontrava-se presente na fi la o aposentado JOSEMAR, portador de necessidade especial de locomoção, o qual, após demandar pela cadeira de rodas da agência, recebeu do funcioná-rio do banco resposta negativa quanto a existência de tal equipamento. Ante a situação caótica verifi cada, fi scais da Secretaria Estadual de Defesa do Con-sumidor lavraram autos de infração contra o Banco ante o descumprimento da Lei estadual n° 3.213/1999, que impõe a Bancos o oferecimento, em suas agências, de cadeiras de rodas a clientes maiores de 65 anos, que apresentem difi culdade de locomoção, bem como da Lei municipal n° 6.652/1998, que estabelece prazo máximo de vinte minutos na fi la para atendimento a clientes em agências bancárias.

• O Banco demanda da Federação Brasileira dos Bancos — FEBRA-BAN a propositura de ação coletiva para defesa dos interesses dos Bancos, eis que as leis importariam em custos adicionais para estes. Como atuaria na condição de advogado da FEBRABAN?

• Na condição de Procurador do Estado do Rio de Janeiro, como atua-ria para sustentar a legitimidade da atuação dos fi scais dos direitos do consumidor com base nas leis atacadas pela FEBRABAN?

Varas Agrárias Especializadas

Não é nenhuma novidade para vocês a questão agrária, eis que muitos con-fl itos decorrentes da posse e propriedade da terra ocorreram em nosso país, por ser o Brasil uma nação em desenvolvimento com caráter latifundiário. Quantas não foram as matérias jornalísticas dando notícia de confl itos por causa da terra. Movimentos foram criados, como o MST (Movimento dos Sem-Terra) e tristes episódios foram assistidos, como em Eldorado dos Carajás (PA) e no Pontal do Paranapanema (SP), dentre tantos outros. Daí a grande

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52 TAVARES, André Ramos. Reforma

do Judiciário no Pós-88. Saraiva, São

Paulo, 2005, p. 151.

importância da inovação trazida pela Emenda Constitucional 45, de 2004, ao prever, no Artigo 126 da Constituição, a criação de varas especializadas para confl itos fundiários. A especialização jurisdicional permite um conhecimento mais profundo sobre a área de atuação do juiz; decisões mais adequadas e tec-nicamente mais precisas, oferecendo uma maior garantia de acerto; desenvol-vimento e uso de uma metodologia própria; maior e melhor aproveitamento de magistrados com talento restrito à respectiva área, respeitando as aptidões naturais do indivíduo. Essas são as vantagens trazidas com a referida inovação.

E o que vem a ser “questão agrária”?

Essa expressão vaga e ampla não restou conceituada pala Constituição Federal. Nesse sentido, são importantes as conclusões trazidas por André Ra-mos Tavares52:

Assim, estariam incluídas como questões agrárias as controvérsias relacionadas ao domínio e posse da terra e aquelas decorrentes da prática da atividade agrária e dos negócios com os bens agrários. Já os confl itos fundiários podem ser considerados como aqueles relacionados à disputa do solo, seus acessórios naturais e benfeitorias (...)

Indica Laranjeira (2000:390), exemplifi cativamente, algumas causas que se-riam agrárias por natureza, com as quais se pode concordar: (i) relativas ao cum-primento ou não da função social da propriedade rural; (ii) as de política agrária; (iii) partilha, divisão, demarcação, parcelamento, desmembramento e loteamento de imóveis rurais (iv) arrecadação de imóvel rural abandonado; (v) questões decorrentes do imóvel rural instituído com bem de família”.

Espera-se com essas varas especializadas um maior engajamento da Justi-ça, que ela se torne mais justa e efi caz neste tema tão importante para toda a sociedade.

Juízes de Paz

Em cada distrito e subdistrito das comarcas do interior e em cada circuns-crição do Registro Civil, na comarca da capital, haverá um juiz de paz e dois suplentes.

O juiz de paz será competente, nos limites territoriais das respectivas ju-risdições para habilitar e celebrar casamentos. Neste sentido, dispõe o Artigo 98, II da Constituição Federal:

“Art. 98. A União, no Distrito Federal e nos Territórios, e os Estados criarão:

II — justiça de paz, remunerada, composta de cidadãos eleitos pelo voto

direto, universal e secreto, com mandato de quatro anos e competência para,

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ORGANIZAÇÃO DA JUSTIÇA E DO MINISTÉRIO PÚBLICO

FGV DIREITO RIO 116

na forma da lei, celebrar casamentos, verifi car, de ofício ou em face de im-

pugnação apresentada, o processo de habilitação e exercer atribuições conci-

liatórias, sem caráter jurisdicional, além de outras previstas na legislação.”

Apesar da Constituição Federal estabelecer eleição para o cargo, no Rio de Janeiro são nomeados pelo governador do Estado, mediante escolha em lista elaborada pelo presidente do Tribunal de Justiça, conforme dispõe o Artigo 158 do CODJERJ:

“Art. 159 — O Juiz de Paz será nomeado pelo Governador do Estado, para servir pelo prazo de quatro anos mediante escolha em lista tríplice organizada pelo presidente do Tribunal de Justiça.”

O exercício do cargo de juiz de paz constitui serviço público relevante, assegurará o direito a prisão especial em caso de crime comum, até defi nitivo julgamento e não causa impedimento para o exercício simultâneo de cargo público, não sendo, no entanto, computado para qualquer efeito, o tempo de serviço prestado nessa função.

Justiças Militares Estaduais

Quanto as Justiças Militares Estaduais, prevista no Artigo 125, §§3º, 4º e 5º da Constituição Federal, iremos estudá-las juntamente com a análise da Justiça Militar.

Juizados Especiais

A Constituição Federal, em seu artigo 98, previu a criação dos Juizados Especiais Estaduais, tendo a Lei nº 9.099/1995 regulamentado a matéria.

A estrutura da Lei que regula os Juizados Especiais se assenta em alguns pilares fundamentais:

Acessibilidade — descentralização da Justiça: expediente noturno; dispen-sa de assistência advocatícia nos juizados cíveis; dispensa em primeiro grau do pagamento de custas, taxas e despesas; obrigatoriedade de implantação de serviços de assistência judiciária.

Operosidade — equivalentes jurisdicionais como a conciliação e a arbi-tragem; juízes leigos; concentração e informalidade do procedimento; preo-cupação com os costumes e regras da vida da comunidade; afastamento da exigência de certeza, priorizando as possibilidades e probabilidades.

Utilidade — prioridade para a celeridade como forma de atingir a efetivi-dade do processo; oralidade, simplicidade, informalidade e economia proces-

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sual; execução no próprio Juizado; cominação de multa diária para garantir a utilidade da sentença (astreinte).

Proporcionalidade — possibilidade de citação de pessoa jurídica mediante a entrega de correspondência em mãos de recepcionista (mas a revelia só se produzirá se o contrário não resultar da convicção do juiz); sacrifício do di-reito de defesa com minimização de suas consequências.

Os Juizados Especiais são compostos por juízes de direito — chamados de juízes togados —, conciliadores, juízes leigos e Turmas Recursais. O juiz diri-girá o processo com liberdade para determinar as provas a serem produzidas, para apreciá-las e para dar especial valor às regras de experiência comum ou técnica. Os conciliadores e juízes leigos são auxiliares da Justiça, recrutados, os primeiros, preferentemente, entre os bacharéis em direito, e os segundos, entre advogados com mais de cinco anos de experiência.

No âmbito do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro foram criadas as funções de juiz leigo e conciliador através da alteração legal da Lei 2.556/96. A atividade veio regulamentada na Lei 4.578 de 2005. A primeira seleção dos candidatos ao preenchimento das vagas, inicialmente um total de 50, já foi realizada, sendo permitida somente a inscrição dos alunos da Escola de Magis-tratura do Rio de Janeiro (EMERJ). Puderam concorrer a uma vaga alunos da EMERJ que estivessem cursando a partir do quarto período ou aqueles egres-sos da escola formados no máximo há um ano. Os novos juízes atuarão nos Juizados Especiais Cíveis. Eles irão realizar audiências, conciliações, proferir sentenças, mas todos os seus atos serão submetidos ao juiz togado.

A Ordem dos Advogados do Brasil contestou a constitucionalidade da Lei 4.578 através de uma Representação de Inconstitucionalidade. O Órgão Especial do TJ, no entanto, julgou, por maioria, improcedente tal ação por entender que a atividade de juiz leigo não se caracteriza como cargo público e, portanto, não depende de concurso para ser exercida.

Os Juizados Especiais Cíveis são responsáveis pela conciliação, processo e julgamento das causas cíveis de menor complexidade, assim consideradas as causas cujo valor não exceda a quarenta vezes o salário mínimo; as enumera-das no art. 275, inciso II, do Código de Processo Civil; a ação de despejo para uso próprio e as ações possessórias sobre bens imóveis de valor não excedente a quarenta salários mínimos.

Os Juizados Especiais Criminais são competentes para a conciliação, pro-cesso e julgamento das infrações penais de menor potencial ofensivo, assim consideradas as contravenções penais e os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a dois anos, cumulada ou não com multa, respeitadas as regras de conexão e continência.

O processo perante o juizado especial orientar-se-á pelos critérios da orali-dade, informalidade, economia processual e celeridade, objetivando, sempre que possível, a reparação dos danos sofridos pela vítima, a aplicação de pena

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não privativa de liberdade e a conciliação entre as partes. Da sentença proferi-da pelo juiz no âmbito do juizado especial, caberá recurso para o próprio jui-zado a ser dirimido pelas chamadas Turmas Recursais. Prevista no Artigo 41 e 82 da Lei 9.0099/95, a Turma Recursal é formada por três juízes no exercício do primeiro grau de jurisdição. Não se trata, portanto, de um tribunal.

Da mesma forma que nos Juizados Especiais Federais já estudados, a regu-lamentação dos juizados pugna pela conciliação prévia das partes, desejando-se, assim, que a demanda não prossiga em seus trâmites regulares, antes seja solucionada na audiência de conciliação. Para tanto, valoriza a presença dos conciliadores e dos árbitros, que são os primeiros juízes da causa: examinam previamente o pedido, reúnem-se com as partes e, se possível, conseguem a conciliação, que será posteriormente submetida ao juiz togado.

No caso dos Juizados Especiais Criminais, verifi cada a ocorrência de infra-ção penal de menor potencial ofensivo pela autoridade policial, um simples termo circunstanciado substitui o inquérito policial, garantindo-se, assim, o exercício do princípio da oralidade. Juntamente com a autuação sumária, deve a autoridade policial encaminhar o autor do fato e o ofendido ao jui-zado, cumprindo-lhe, ainda, diligenciar no sentido da realização dos exames periciais necessários. Caso não seja possível a realização imediata da audiência preliminar, o juiz designa outra data, saindo as partes intimadas.

A composição nos Juizados Criminais pode operar-se por meio da com-posição dos danos, em que o autor da infração supre o prejuízo patrimonial por ele causado à vítima, e da transação, proposta do Ministério Público de aceitação pelo autuado de pena não privativa de liberdade. É possível ainda que no momento do oferecimento da denúncia oral pelo Ministério Público seja feita a proposta de suspensão condicional do processo, pelo qual o acusa-do fi cará submetido a um período de prova por dois a quatro anos.

Pelo exposto, induvidosamente, são duas as funções principais desempenha-das pelos Juizados Especiais Cíveis e Criminais. A primeira é relativa ao acesso ao Poder Judiciário; a segunda é, consequentemente, a de reverter o descrédito na Justiça ocasionado pela reconhecida morosidade no andamento dos processos.

Recentemente foi sancionada pelo Presidente da República a Lei denomi-nada de “Maria da Penha”, elaborada tendo como principal objetivo evitar a banalização da violência cometida contra as mulheres, o que sem sombra de dúvidas é bastante salutar.

A Lei 11.340, de agosto de 2006 criou mecanismos para coibir a violên-cia doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8o do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres e da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher.

De acordo com o artigo 14, deve haver a criação de Juízos especializa-dos, denominados de “Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a

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ORGANIZAÇÃO DA JUSTIÇA E DO MINISTÉRIO PÚBLICO

FGV DIREITO RIO 119

Mulher”. Os Juizados, órgãos da Justiça Ordinária com competência cível e criminal, poderão ser criados pela União, no Distrito Federal e nos Territó-rios, e pelos Estados, para o processo, o julgamento e a execução das causas decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a mulher.

Enquanto não estruturados os Juizados de Violência Doméstica e Fami-liar contra a Mulher, as varas criminais acumularão as competências cível e criminal para conhecer e julgar as causas decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a mulher.

No Estado do Rio de Janeiro, a Resolução 23/2006 do TJRJ alterou a denominação dos Juizados Especiais Criminais para Juizados da Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher e Especiais Criminais, incluindo em sua competência o processo e o julgamento dos fatos a que se refere a Lei nº 11.340/06.

Da mesma forma ocorreu com os Juizados Especiais Adjuntos Criminais, que passaram a ser denominados Juizados da Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher e Especiais Adjuntos Criminais, mantendo, contudo, sua vinculação aos órgãos ao qual estavam subordinados.

Em atendimento ao disposto na Lei 11.340/2006, o Tribunal de Justiça Estadual já criou nove Juizados de Violência Doméstica, cinco na Comarca da Capital, um na Comarca de Nova Iguaçu, um na Comarca de Niterói, um na Comarca de Duque de Caxias e outro na Comarca de São Gonçalo.

CASO DE SEDIMENTAÇÃO

Sentença prolatada em sede de Juizados Especiais (Lei nº 9.099/1995). O sucumbente impetra uma Apelação perante o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro.

Pergunta-se: está correta a impetração deste recurso perante o Tribunal de Justiça? Em caso negativo, qual seria o recurso correto? Para onde de-veria ser endereçado? E da decisão proferida no julgamento deste recurso? Cabível a impetração de outros recursos? Quais? E para onde deverão ser endereçados?

QUESTÕES ACERCA DA MATÉRIA

01. Quanto à organização do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Ja-neiro/ TJERJ, é correto afi rmar que: (Concurso para Técnico Administrativo do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro — março de 2007)

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ORGANIZAÇÃO DA JUSTIÇA E DO MINISTÉRIO PÚBLICO

FGV DIREITO RIO 120

(a) A competência do TJERJ encontra-se defi nida na Constituição do Estado, conforme os princípios estabelecidos na Constituição Fede-ral de observância obrigatória pelo constituinte estadual;

(b) A Constituição Federal instituiu os Tribunais estaduais, elencando suas competências e estrutura organizacional;

(c) A competência do TJERJ encontra-se detalhada na Constituição Federal, sendo a lei de organização judiciária de iniciativa privativa do Presidente do Tribunal de Justiça do Estado;

(d) Cabe aos Estados a instituição de representação de inconstituciona-lidade de leis ou atos normativos estaduais em face da Constituição Federal;

(e) Cabe aos Estados a instituição de representação de inconstituciona-lidade de leis ou atos normativos estaduais e municipais em face da Constituição Federal.

02. Relativamente à Cláusula de Reserva de Plenário, assinale a alternativa correta: (Ministério Público do Estado de São Paulo — 85º concurso)

(a) Toda demanda que suscite questão constitucional deve ser aprecia-da, originalmente, pelo Supremo Tribunal Federal, em sessão ple-nária, sob pena de nulidade de julgamento.

(b) Toda demanda que suscite questão constitucional deve ser apre-ciada, originalmente,pelo Supremo Tribunal Federal, que, somente pelo voto de 2/3 (dois terços) de seus membros poderá declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público.

(c) Compete ao Supremo Tribunal Federal, privativamente, tanto em suas ações originárias, quanto no exercício de sua competência re-cursal, declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo pelo voto da maioria de seus ministros.

(d) Somente pelo voto de 2/3 de seus membros poderão os Tribunais declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, sob pena de nulidade do julgamento.

(e) Somente pelo voto da maioria absoluta de seus membros ou dos membros do respectivo órgão especial poderão os tribunais declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público.

03. A respeito dos órgãos judiciários de segunda instância, assinale a op-ção correta com base no CODJERJ. (XL Concurso para Analista Judiciário do TJRJ — 2008)

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ORGANIZAÇÃO DA JUSTIÇA E DO MINISTÉRIO PÚBLICO

FGV DIREITO RIO 121

(a) O TJRJ compõe-se de 150 desembargadores e tem como órgãos julgadores as Câmaras Isoladas, a Seção Criminal, o Conselho da Magistratura e o Órgão Especial.

(b) O TJRJ é presidido por um dos seus membros e terá três vice-pre-sidentes, além do corregedor-geral da justiça. Concorrerão à eleição para os referidos cargos os membros efetivos do TJRJ, sendo facul-tativa a aceitação do cargo.

(c) O Órgão Especial do TJRJ é constituído de 25 membros, dele fa-zendo parte o presidente, os vice-presidentes e o corregedor-geral da justiça, provendo-se metade das vagas por antiguidade, em or-dem decrescente, e a outra metade por eleição pelo Tribunal Pleno, respeitada a representação de advogados e membros do Ministério Público, inadmitida a recusa do encargo.

(d) O chefe do Poder Judiciário do Rio de Janeiro é o presidente do TJRJ, a quem compete dirigir os trabalhos do tribunal, presidir as eleições para os cargos de direção e as sessões do Órgão Especial do TJRJ e do Conselho da Magistratura e distribuir, em audiência pública, na forma da lei processual, os feitos de natureza cível.

(e) Serão presididos pelo presidente do TJRJ os processos instaurados contra juízes, mediante determinação do Conselho da Magistra-tura, funcionando como escrivão o diretor-geral da Secretaria da Corregedoria.

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ORGANIZAÇÃO DA JUSTIÇA E DO MINISTÉRIO PÚBLICO

FGV DIREITO RIO 122

AULA 8: JUSTIÇAS ESPECIAIS INDIVIDUALIZADAS

1) JUSTIÇA MILITAR

A Justiça Militar também é conhecida como Justiça Castrense, em virtude do termo latino castrum (uma fortifi cação que servia de acampamento militar romano, tido como antecessor dos castelos medievais). Como já estudado, é uma Justiça especializada, administrada pela União, ao lado da Justiça do Trabalho e da Justiça Eleitoral.

Sua competência vem expressamente defi nida na Constituição Federal, nos artigos 122 a 124 e 125, parágrafo único, além da Lei nº 8457, de 1992, que organiza a Justiça Militar da União e regula o funcionamento de seus serviços auxiliares.

A Justiça Militar da União tem como órgãos de sua composição o Superior Tribunal Militar, a Auditoria de Correição, o Conselho de Justiça, os Juízes-Auditores e os Juízes-Auditores Substitutos.

Para efeito de administração da Justiça Militar, o território nacional é di-vidido em Circunscrições Judiciárias Militares.

Atualmente são 12 Circunscrições e cada Circunscrição possui uma ou mais Auditorias da Justiça Militar:

Circunscrição da Justiça MilitarNúmero de Auditorias

1ª — Estados do Rio de Janeiro e Espírito Santo 4

2ª — Estado de São Paulo 2

3ª — Estado do Rio Grande do Sul 3

4ª — Estado de Minas Gerais 1

5ª — Estados do Paraná e Santa Catarina 1

6ª — Estados da Bahia e Sergipe 1

7ª — Estados de Pernambuco, Rio Grande do Norte, Paraíba e Alagoas

1

8ª — Estados do Pará, Amapá e Maranhão 1

9ª — Estados do Mato Grosso do Sul e Mato Grosso 1

10ª — Estados do Ceará e Piauí 1

11ª — Distrito Federal e Estados de Goiás e Tocantins 2

12ª — Estados do Amazonas, Acre, Roraima e Rondônia 1

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ORGANIZAÇÃO DA JUSTIÇA E DO MINISTÉRIO PÚBLICO

FGV DIREITO RIO 123

As Auditorias são competentes para conhecer os feitos relativos à Mari-nha, Exército e Aeronáutica. Cada Auditoria tem um juiz-auditor e um juiz-auditor Substituto. Ambos são juízes togados, integrantes da Magistratura Militar, tendo nela ingressado após regular aprovação em concurso público de provas e títulos. O ingresso na carreira se dá no cargo de juiz-auditor subs-tituto, e, por meio de promoção, chega-se ao cargo de juiz-auditor.

A competência dos juízes—auditores vem defi nida no Artigo 30 da Lei nº 8457/1992:

“I — decidir sobre recebimento de denúncia, pedido de arquivamento, de

devolução de inquérito e representação;

II — relaxar, quando ilegal, em despacho fundamentado, a prisão que

lhe for comunicada por autoridade encarregada de investigações policiais;

III — manter ou relaxar prisão em fl agrante, decretar, revogar e resta-

belecer a prisão preventiva de indiciado, mediante despacho fundamentado

em qualquer caso;

IV — requisitar de autoridades civis e militares as providências necessá-

rias ao andamento do feito e esclarecimento do fato;

V — determinar a realização de exames, perícias, diligências e nomear

peritos;

VI — formular ao réu, ofendido ou testemunha suas perguntas e as re-

queridas pelos demais juízes, bem como as requeridas pelas partes para se-

rem respondidas por ofendido ou testemunha;

VII — relatar os processos nos Conselhos de Justiça e redigir, no prazo de

oito dias, as sentenças e decisões;

VIII — proceder ao sorteio dos conselhos, observado o disposto nos arts.

20 e 21 desta lei;

IX — expedir alvará de soltura e mandados;

X — decidir sobre o recebimento de recursos interpostos;

XI — executar as sentenças, inclusive as proferidas em processo origi-

nário do Superior Tribunal Militar, na hipótese prevista no § 3° do art. 9°

desta lei;

XII — renovar, de seis em seis meses, diligências junto às autoridades

competentes, para captura de condenado;

XIII — comunicar, à autoridade a que estiver subordinado o acusado, as

decisões a ele relativas;

XIV — decidir sobre livramento condicional;

XV — revogar o benefício da suspensão condicional da pena;

XVI — remeter à Corregedoria da Justiça Militar, no prazo de dez dias,

os autos de inquéritos arquivados e processos julgados, quando não interpos-

tos recursos;

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ORGANIZAÇÃO DA JUSTIÇA E DO MINISTÉRIO PÚBLICO

FGV DIREITO RIO 124

XVII — encaminhar relatório ao Presidente do Tribunal, até o dia trinta

de janeiro, dos trabalhos da Auditoria, relativos ao ano anterior;

XVIII — instaurar procedimento administrativo quando tiver ciência de

irregularidade praticada por servidor que lhe é subordinado;

XIX — aplicar penas disciplinares aos servidores que lhe são subordina-

dos;

XX — dar posse, conceder licenças, férias e salário-família aos servidores

da Auditoria;

XXI — autorizar, na forma da lei, o pagamento de auxílio-funeral de

magistrado e dos servidores lotados na Auditoria;

XXII — distribuir alternadamente, entre si e o Juiz-Auditor Substituto

e, quando houver, o Substituto de Auditor estável, os efeitos aforados na Au-

ditoria, obedecida a ordem de entrada;

XXIII — cumprir as normas legais relativas às gestões administrativa,

fi nanceira e orçamentária e ao controle de material;

XXIV — praticar os demais atos que lhe forem atribuídos em lei.”

Apesar do vasto rol de competências, não são responsáveis pelo julgamen-to dos crimes militares isoladamente. O primeiro grau de jurisdição da Jus-tiça Militar, fugindo à tradição do Poder Judiciário, é um órgão colegiado. Trata-se do Conselho de Justiça, composto pelo Conselho Especial de Justiça e pelo Conselho Permanente de Justiça. São eles responsáveis pelo processo e julgamento dos casos de competência da Justiça Militar da União, os crimes militares defi nidos em lei.

Em recente julgado, assim decidiu o Superior Tribunal de Justiça:

“CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. CONSTITUCIONAL E PENAL MILITAR. CORRELAÇÃO DA CONDUTA COM TIPOS PRE-VISTOS NO CÓDIGO PENAL MILITAR. AUTORES MILITARES E VÍ-TIMA BOMBEIRO MILITAR. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA MILITAR.

Os delitos previstos na denúncia, tipifi cados nos artigos 129, caput, 147 e 331, do Código Penal, possuem equivalência nos artigos 209, caput, 233 e 299 do Código Penal Militar, como exige o art. 124 da CF/88 para os processos de competência da Justiça Castrense.

A qualifi cação como crime militar encontra guarida na combinação do previs-to na alínea ‘a’ do inciso II, do art. 9º, do CPM, que considera crime militar em tempo de paz, aquele que tiver sido, em tese, praticado ‘por militar em situação de atividade ou assemelhado, contra militar na mesma situação ou assemelhado’, com a defi nição de bombeiro como militar do art. 42 da CF/88.

Confl ito conhecido para declarar competente a Justiça Militar da União para processar e julgar o feito.”

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ORGANIZAÇÃO DA JUSTIÇA E DO MINISTÉRIO PÚBLICO

FGV DIREITO RIO 125

(Confl ito de competência n.º 62.095-RJ (2006/0008902-0), Ministro Relator Paulo Medina, julgado em 14 de março de 2007, DJ em 02/04/2007)

Em outro processo, tendo como acusado e vítima agentes militares, as-sim decidiu o STJ o confl ito de competência entre a Justiça Comum e a Militar:

“PROCESSO PENAL. HOMICÍDIO CULPOSO. POLICIAL MILITAR. VEÍCULO PARTICULAR. ACIDENTE DE TRÂNSITO FORA DO PERÍO-DO DE CASERNA. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA COMUM.

1. Cabe à Justiça Comum Estadual julgar homicídio decorrente de acidente automobilístico em que o acusado e a vítima, embora agentes militares, não se encontravam em exercício militar.

2. Ademais, diante de atividade de natureza individual e particular não se há por correto cogitar-se de atividade militar ratione materiae.(Precedentes).

3. Confl ito conhecido para declarar competente o Juízo de Direto do Foro Distrital de Ipuã, da Comarca de São Joaquim da Barra, SP.”

(Confl ito de competência 26986 (1999/0070357-0), Ministro Re-lator Th ereza de Assis Moura, julgado em 14 de março de 2007, DJ em 26/03/2007, p. 192)

E O QUE SÃO CRIMES MILITARES?

Os crimes julgados pela Justiça Militar da União estão defi nidos no Códi-go Penal Militar. De forma geral, em tempos de paz, eles podem ser defi nidos da seguinte forma:

• crimes militares contra o serviço militar e contra o dever militar;• crimes contra autoridade ou disciplina militar;• crimes contra militares;• crimes contra a administração e contra o patrimônio militar;• crimes cometidos em locais sob a administração militar;• crimes contra a segurança externa do país.

Com os crescentes índices de criminalidade, o perfi l dos crimes julgados pela Justiça Militar da União foi ampliado. Antes, os casos de deserção, por exemplo, eram os mais comuns.

Atualmente, é frequente a tramitação, nas instâncias da Justiça Militar da União, de crimes como tráfi co e uso de drogas, roubo de armas e estelionato, dentre outros.

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ORGANIZAÇÃO DA JUSTIÇA E DO MINISTÉRIO PÚBLICO

FGV DIREITO RIO 126

53 A exceção feita a essa regra se refere

aos ofi ciais generais, cujo processo e

julgamento compete, originariamente,

ao Superior Tribunal Militar, conforme

dispõe o artigo 6º, I, a, Lei 8457/92.

Em recente decisão, datada de 23 de outubro de 2007, o Supremo Tribu-nal Federal assim se manifestou a respeito da especialidade da legislação penal militar e da justiça castrense:

“EMENTA: HABEAS CORPUS. PENAL MILITAR E PROCESSUAL PE-NAL. CRIME DE PORTE DE SUBSTÂNCIA ENTORPECENTE PARA USO PRÓPRIO PREVISTO NA LEI N. 11.343/06: LEI MAIS BENÉFICA: NÃO-APLICAÇÃO EM LUGAR SUJEITO À ADMINISTRAÇÃO MILITAR. ART. 290 DO CÓDIGO PENAL MILITAR. PRECEDENTES. PRINCÍPIO DA ES-PECIALIDADE. PRECEDENTES. HABEAS CORPUS INDEFERIDO. 1. O art. 290 do Código Penal Militar não sofreu alteração pela superveniência da Lei n. 11.343/06, por não ser o critério adotado, na espécie, o da retroatividade da lei penal mais benéfi ca, mas, sim, o da especialidade. O fundamento constitucional do crime militar é o art. 124, parágrafo único, da Constituição da República: trata-mento diferenciado do crime militar de posse de entorpecente, defi nido no art. 290 do Código Penal Militar. 2. Jurisprudência predominante do Supremo Tribunal Fe-deral reverencia a especialidade da legislação penal militar e da justiça castrense, sem a submissão à legislação penal comum do crime militar devidamente caracterizado. Precedentes. 3. Habeas corpus indeferido.

(HC 92462 / RS — RIO GRANDE DO SUL. HABEAS CORPUS. Relator(a): Min. CÁRMEN LÚCIA. Julgamento: 23/10/2007. Órgão Julgador: Primeira Tur-ma)”

O Conselho Especial de Justiça é competente para o julgamento dos ofi -ciais53, sendo composto por um juiz-auditor, quatro juízes militares (leigos), sob a presidência de um ofi cial-general ou ofi cial-superior. Os juízes militares são escolhidos por sorteio dentre militares de posto superior ao do acusado, por respeito a hierarquia militar, prevista no Artigo 14 da Lei nº 6880/1980.

“Art. 14. A hierarquia e a disciplina são a base institucional das Forças

Armadas. A autoridade e a responsabilidade crescem com o grau hierárquico.

§ 1º A hierarquia militar é a ordenação da autoridade, em níveis di-

ferentes, dentro da estrutura das Forças Armadas. A ordenação se faz por

postos ou graduações; dentro de um mesmo posto ou graduação se faz pela

antiguidade no posto ou na graduação. O respeito à hierarquia é consubs-

tanciado no espírito de acatamento à sequência de autoridade. “

Este conselho é constituído especialmente para cada processo, dissolven-do-se após a conclusão dos trabalhos.

O Conselho Permanente de Justiça é competente para o julgamento dos praças, sendo composto por um juiz-auditor, um ofi cial superior que será o presidente, e três ofi ciais de posto até o capitão-tenente ou capitão. Este

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ORGANIZAÇÃO DA JUSTIÇA E DO MINISTÉRIO PÚBLICO

FGV DIREITO RIO 127

conselho é constituído para funcionar durante três meses, coincidindo com o trimestre do ano civil.

Esses dois conselhos podem se instalar e funcionar apenas com a maioria de seus integrantes, sendo indispensável somente a presença do juiz auditor e do presidente. De suas decisões caberá recurso ao Superior Tribunal Militar.

Na primeira instância podemos encontrar ainda a Auditoria de Correição. Trata-se de um órgão de fi scalização e orientação judiciário-administrativa, composto por um juiz-auditor corregedor, um diretor de secretaria e auxilia-res que trabalham com o objetivo de uniformizar procedimentos e corrigir eventuais equívocos cometidos nas auditorias militares.

Superior Tribunal Militar

Órgão de segundo grau de jurisdição, o Superior Tribunal de Justiça tem sede na Capital Federal e jurisdição em todo o território nacional.

É composto por 15 (quinze) ministros:

• 3 (três) ofi ciais-generais da Marinha;• 4 (quatro) ofi ciais-generais do Exército;• 3 (três) ofi ciais-generais da Aeronáutica• 5 (cinco) civis, sendo 3 (três) advogados (de notório saber jurídico e

conduta ilibada, com mais de 10 anos de efetiva atividade profi ssio-nal) e 2 (dois) por escolha paritária, dentre juízes-auditores e mem-bros do Ministério Público Militar.

São todos nomeados pelo Presidente da República, depois de aprovada a indicação pelo Senado Federal. A escolha do presidente é livre, não estando ele limitado a qualquer lista tríplice ou sêxtupla. O Superior Tribunal Militar tem competência originária e recursal. Sua competência originária veio defi -nida no artigo 6º, I da Lei 8457/92:

“I — processar e julgar originariamente:a) os ofi ciais generais das Forças Armadas, nos crimes militares defi nidos em lei;b) revogado;c) os pedidos de habeas corpus e habeas data, nos casos permitidos em lei;d) o mandado de segurança contra seus atos, os do Presidente do Tribunal e de

outras autoridades da Justiça Militar;e) a revisão dos processos fi ndos na Justiça Militar;f ) a reclamação para preservar a integridade da competência ou assegurar a au-

toridade de seu julgado;

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ORGANIZAÇÃO DA JUSTIÇA E DO MINISTÉRIO PÚBLICO

FGV DIREITO RIO 128

g) os procedimentos administrativos para decretação da perda do cargo e da dis-ponibilidade de seus membros e demais magistrados da Justiça Militar, bem como para remoção, por motivo de interesse público, destes últimos, observado o Estatuto da Magistratura;

h) a representação para decretação de indignidade de ofi cial ou sua incompatibi-lidade para com o ofi cialato;

i) a representação formulada pelo Ministério Público Militar, Conselho de Justi-ça, Juiz-Auditor e advogado, no interesse da Justiça Militar;”

Já a competência recursal do Superior Tribunal Militar está fi xada no arti-go 6º, II da Lei 8457/1992:

II — julgar:a) os embargos apostos às suas decisões;b) os pedidos de correição parcial;c) as apelações e os recursos de decisões dos juízes de primeiro grau;d) os incidentes processuais previstos em lei;e) os agravos regimentais e recursos contra despacho de relator, previstos em lei

processual militar ou no regimento interno;f ) os feitos originários dos Conselhos de Justifi cação;g) os confl itos de competência entre Conselhos de Justiça, entre Juízes-Auditores,

ou entre estes e aqueles, bem como os de atribuição entre autoridades administrativa e judiciária militares;

h) os pedidos de desaforamento;i) as questões administrativas e recursos interpostos contra atos administrativos

praticados pelo Presidente do Tribunal;j) os recursos de penas disciplinares aplicadas pelo Presidente do Tribunal, Corre-

gedor da Justiça Militar e Juiz-Auditor;”

Eventual recurso ordinário ou extraordinário de decisão proferida nas causas de competência originária será da competência do Supremo Tribunal Federal se ocorrerem as hipóteses dos incisos II e III do Artigo 102 da Cons-tituição Federal.

Eventualmente, será competente ainda a Justiça Militar da União para julgar civis. Isso ocorrerá nos casos de cometimento de crimes contra o patri-mônio e contra a administração militar e crimes contra militares no exercício de funções militares.

JUSTIÇA MILITAR ESTADUAL

Ao lado da Justiça Militar da União, a Constituição Federal prevê a possi-bilidade de criação da Justiça Militar Estadual. É possível a criação por meio

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ORGANIZAÇÃO DA JUSTIÇA E DO MINISTÉRIO PÚBLICO

FGV DIREITO RIO 129

54 Hábeas Corpus n. 70604-SP, rel.

Min. Celso de Mello, j. 10.05.1994, DJ

01.07.1994.

de lei estadual ordinária, mediante proposta de iniciativa privada do Tribunal de Justiça Estadual.

A Justiça Militar Estadual é formada por juízes de direito e conselhos de Justiça, no primeiro grau de jurisdição, sendo o Tribunal de Justiça Estadual seu órgão de segundo grau. Nos estados em que o efetivo militar seja superior a 20 mil integrantes, é possível a criação do Tribunal de Justiça Militar, o segundo grau de jurisdição.

Compete aos juízes de direito no primeiro grau de jurisdição julgar, sin-gularmente, os crimes militares cometidos contra civis e as ações judiciais contra atos disciplinares militares.

Ao Conselho de Justiça, sob a presidência do juiz de direito, compete pro-cessar e julgar os demais crimes militares.

São dois os critérios, portanto:

• ratione materiae — ocorrência de crime militar, ou seja, os assim defi -nidos de forma concentrada no Código Penal Militar;

• ratione causae — qualidade do agente, que dever ser policial militar ou bombeiro.

É o que já decidiu o Supremo Tribunal Federal:

“EMENTA: HABEAS CORPUS — CRIME COMETIDO POR CIVIL CONTRA O PATRIMÔNIO DA POLICIA MILITAR DO ESTADO — IN-COMPETENCIA ABSOLUTA DA JUSTIÇA MILITAR ESTADUAL (CF, ART 125, PAR. 4.). — PRINCÍPIO DO JUIZ NATURAL — NULIDADE DOS ATOS DECISORIOS PROFERIDOS PELA JUSTIÇA MILITAR DO ESTADO — PEDIDO DEFERIDO. — A Justiça Militar estadual não dispõe de competência penal para processar e julgar civil que tenha sido denunciado pela pratica de crime contra a Policia Militar do Estado. Qualquer tentativa de submeter os réus civis a procedimentos penais-persecutórios instaurados perante órgãos da Justiça Militar estadual representa, no contexto de nosso sistema jurídico, clara violação ao princípio constitucional do juiz natural (CF, art. 5., LIII). — A Constituição Federal, ao defi nir a competência penal da Justiça Militar dos Estados-membros, delimitou o âmbito de incidência do seu exercício, impondo, para efeito de sua confi guração, o concurso necessário de dois requisitos: um, de ordem objetiva (a pratica de crime militar defi nido em lei) e outro, de índole subjetiva (a qualifi cação do agente como policial militar ou como bombeiro militar). A competência constitucional da Justiça Militar estadual, portanto, sendo de direito estrito, estende-se, tão-somente, aos inte-grantes da Policia Militar ou dos Corpos de Bombeiros Militares que hajam cometido delito de natureza militar54.”

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ORGANIZAÇÃO DA JUSTIÇA E DO MINISTÉRIO PÚBLICO

FGV DIREITO RIO 130

55 Recurso Extraordinário n. 260.404-

MG, rel. Min. Moreira Alves, j.

22.03.2001.

Assim, não é competente a Justiça Militar Estadual para julgar crimes comuns, ainda que praticado por militar estadual. Cabe ressaltar que não é só porque um militar praticou um crime comum que este vai se transformar automaticamente em crime militar.

Crimes militares são somente aqueles defi nidos no Código Penal Militar. Exemplo disso é o crime de abuso de autoridade que, por não estar previsto no Código Penal Militar, ainda quando praticado por militar, será julgado na Justiça comum. É o que dispõe a Súmula 192 do STJ “Compete à Justiça Comum processar e julgar militar por crime de abuso de autoridade, ainda que praticado em serviço.”

Também não é competente a Justiça Militar Estadual para julgar crimes praticados por civil. A Justiça Militar Estadual só julga policial militar e bom-beiro militar. Para fi nalizar o estudo sobre a Justiça Militar, devemos nos ater a uma última questão.

Por que órgão judicial serão julgados os crimes dolosos contra a vida previstos no Código Penal Militar (homicídio, instigação, induzimento ou auxílio ao suicídio e genocídio)?

Muita dúvida já surgiu em torno do tema. Compete ao Júri ou à Justiça Castrense? A Emenda Constitucional 45 de 2004 constitucionalizou a questão.

No Artigo 125, §4º, ao tratar da Justiça Militar Estadual, ressalvou a com-petência do júri, pelo que, hoje, crime doloso contra a vida praticado por militar contra civil deve ser julgado pelo júri. Não tem a Justiça Militar Esta-dual competência para processar e julgar tais crimes. Quanto a Justiça Militar da União, como a Constituição Federal não fez a mesma ressalva, aplica-se a Lei nº 9299/1996, cuja constitucionalidade já foi atestada pelo Supremo Tribunal Federal55 e que de igual forma excluiu da Justiça Castrense Federal a competência para julgar tais crimes.

A questão, portanto, se encontra uniformizada tanto na Justiça Militar Estadual, quanto da União, não tendo a Justiça Militar competência para julgar crimes dolosos contra a vida.

O quadro abaixo é elucidativo:

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ORGANIZAÇÃO DA JUSTIÇA E DO MINISTÉRIO PÚBLICO

FGV DIREITO RIO 131

JUSTIÇA MILITAR DA UNIÃOJUSTIÇA MILITAR

ESTADUAL

COMPETÊNCIA

Processa e julga os integran-tes das Forças Armadas (Ma-rinha, Exército e Aeronáutica) acusados de crime militar, de-fi nido no Código Penal Militar. Diferentemente da Justiça Mi-litar Estadual, a Justiça Militar da União pode julgar civis em casos especiais.

Processa e julga os crimes mi-litares e as ações judiciais con-tra atos disciplinares pratica-dos pelos ofi ciais e praças da Polícia Militar e do Corpo de Bombeiros, bem como os cri-mes cometidos por militares da reserva e reformados, nos casos especifi cados na legisla-ção penal militar.

COMPOSIÇÃO

O Superior Tribunal Militar, a mais alta corte da Justiça Mili-tar, compõe-se de 15 ministros vitalícios, nomeados pelo pre-sidente da República, depois de aprovada a indicação pelo Senado Federal. Três dos in-dicados dever ser ofi ciais-ge-nerais da Marinha, quatro, do Exército, e três, da Aeronáutica, todos da ativa e do posto mais elevado da carreira. Os outros cinco indicados devem ser ci-vis, 3 advogados e os outros 2, de forma paritária, dentre Juízes-Auditores e membros do Ministério Público Militar.

Juízes de Direito, com exercí-cio nas varas da Justiça Militar e nos Conselhos de Justiça (primeiro grau de jurisdição). Na segunda instância, é com-posto pelos Tribunais de Jus-tiça Estaduais ou pelos Tribu-nais de Justiça Militar, no caso dos estados em que o efetivo militar seja superior a 20 mil.

CASO DE SEDIMENTAÇÃO:

No dia 05 de abril de 2006, José, que voltava para casa após um dia de trabalho, foi abordado por um desconhecido na estação de trem, que lhe ofe-receu fi os e cabos elétricos a um preço bem convidativo, cerca de R$ 20,00. José, sabendo do alto valor que aquele objeto possui no mercado, sem qual-quer questionamento sobre a procedência da res, aceitou a oferta e então comprou os cabos acondicionados numa sacola plástica.

Momentos depois, quando já chegava em casa, policiais militares, sob fun-dada suspeita, revistaram José e lograram êxito na apreensão da res e na prisão em fl agrante de José.

No caso, os fi os e cabos elétricos pertenciam a estabelecimento militar da União, confi gurando-se o crime de receptação culposa: art. 255 do Código Penal Militar. José agiu culposamente, ao desrespeitar o dever objetivo de

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ORGANIZAÇÃO DA JUSTIÇA E DO MINISTÉRIO PÚBLICO

FGV DIREITO RIO 132

cuidado, coincidentemente com a presente suspeita de que a coisa não podia ter origem lícita.

Pergunta-se: A quem compete, portanto, o julgamento de José?

2) JUSTIÇA DO TRABALHO

Prevista nos artigos 111 a 117 da Constituição Federal, com certeza este foi o ramo do Judiciário que mais profundamente sofreu alterações com a Emenda Constitucional 45 — Reforma do Judiciário — não só no que tan-ge à sua composição mas também à sua competência. São órgãos da Justiça Trabalhista: o Tribunal Superior do Trabalho; os Tribunais Regionais do Tra-balho e os Juízes do Trabalho.

É uma das Justiças especializadas, ao lado da Justiça Militar e da Justiça Eleitoral, sendo sua competência expressamente prevista na Constituição Fe-deral. Antes de iniciarmos o estudo de cada órgão em separado, é importante ressaltar que a Emenda Constitucional nº 24, de 9 de dezembro de 1999, extinguiu a participação de juízes classistas na Justiça Trabalhista em todas as instâncias. Não há mais juízes classistas no Tribunal Superior do Trabalho ou no Tribunal Regional do Trabalho. No primeiro grau de jurisdição, o órgão colegiado denominado Junta de Conciliação e Julgamento, transformou-se em Vara do Trabalho, cuja jurisdição é exercida por um só juiz singular.

TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO

O Tribunal Superior do Trabalho é o órgão de cúpula da Justiça do Tra-balho. Em sua composição estão 27 Ministros escolhidos da seguinte forma:

“Art. 111-A. O Tribunal Superior do Trabalho compor-se-á de vinte e sete

Ministros, escolhidos dentre brasileiros com mais de trinta e cinco e menos de

sessenta e cinco anos, nomeados pelo Presidente da República após aprova-

ção pela maioria absoluta do Senado Federal, sendo:

I— um quinto dentre advogados com mais de dez anos de efetiva ativi-

dade profi ssional e membros do Ministério Público do Trabalho com mais de

dez anos de efetivo exercício, observado o disposto no art. 94;

II— os demais dentre juízes dos Tribunais Regionais do Trabalho, oriun-

dos da magistratura da carreira, indicados pelo próprio Tribunal Superior.”

Aplica-se ao Tribunal Superior do Trabalho, como visto, a regra do quinto constitucional, em respeito ao mandamento do Artigo 94 da Constituição. O diferencial aqui é que em relação aos membros oriundos da magistratura

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ORGANIZAÇÃO DA JUSTIÇA E DO MINISTÉRIO PÚBLICO

FGV DIREITO RIO 133

de carreira, a Constituição Federal não faz menção a lista tríplice, sendo a in-dicação feita diretamente pelo Tribunal Superior do Trabalho ao Senado Fe-deral. A nomeação dos membros se dará pelo presidente da República, após aprovação pela maioria do Senado Federal. Funcionarão junto ao Tribunal Superior do Trabalho a Escola de Formação e Aperfeiçoamento da Magis-tratura do Trabalho, cabendo-lhe regulamentar os cursos ofi ciais para o in-gresso e promoção da carreira, e o Conselho Superior da Justiça do Trabalho, cabendo-lhe exercer a supervisão administrativa, orçamentária, fi nanceira e patrimonial da Justiça Trabalhista em primeiro e segundo graus, como órgão central do sistema, cujas decisões terão efeito vinculante.

Em sua forma organizacional, o Tribunal Superior do Trabalho está divi-dido em:

ÓRGÃO COMPOSIÇÃO COMPETÊNCIA

PLENÁRIOTotalidade dos Ministros do TST, ou seja, 27 Ministros.

Dar posse à direção do Tribunal e dar posse aos Ministros do Tribunal.

ÓRGÃO ESPECIAL

11 Ministros mais antigos do Tri-bunal.

Questões administrativas, arguições de inconstitucionalidade, manda-dos de segurança contra ato de Mi-nistro do Tribunal e contra ato do Presidente do TRT.

SEÇÃO ESPECIALIZADA EM DISSÍDIOS COLETIVOS

9 Ministros, dentre o presidente, o vice-presidente, o corregedor e os seis ministros mais antigos do Tribunal.

Julgam dissídios coletivos, embargos infringentes, recurso ordinário, agra-vo de instrumento em recurso ordi-nário, agravo regimental, mandado de segurança e recurso ordinário em mandado de segurança, todos de-correntes de dissídios coletivos.

SEÇÃO ESPECIALIZADA

EM DISSÍDIOS INDIVIDUAIS

SBDI I

11 ministros, dentre o presidente, o vice-presidente, o corregedor e 8 ministros integrantes das tur-mas. Quorum de sete ministros para funcionar.

Julgamento de embargos de di-vergência e agravo regimental em embargos.

SBDI II

9 ministros, dentre presidente, vi-ce-presidente, corregedor e cinco integrantes de turmas.Quorum de cinco ministros para funcionar

Ações rescisórias; mandados de se-gurança; agravos regimentais em ações rescisórias e em mandado de segurança; recursos ordinários em agravos regimentais e manda-dos de segurança; agravos de ins-trumento em recursos ordinários e em agravos regimentais e man-dados de segurança; confl itos de competência.

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ORGANIZAÇÃO DA JUSTIÇA E DO MINISTÉRIO PÚBLICO

FGV DIREITO RIO 134

TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO

Previsto no Artigo 115 da Constituição Federal, o Tribunal Regional do Trabalho é órgão de segundo grau de jurisdição da Justiça Trabalhista.

Sua composição está prevista no Artigo 115 da seguinte forma:

“Art. 115. Os Tribunais Regionais do Trabalho compõem-se de, no mí-

nimo, sete juízes, recrutados, quando possível, na respectiva região, e nome-

ados pelo Presidente da República dentre brasileiros com mais de trinta e

menos de sessenta e cinco anos, sendo:

I — um quinto dentre advogados com mais de dez anos de efetiva ativi-

dade profi ssional e membros do Ministério Público do Trabalho com mais de

dez anos de efetivo exercício, observado o disposto no art. 94;

II — os demais, mediante promoção de juízes do trabalho por antiguida-

de e merecimento, alternadamente.”

Aplica-se aos Tribunais Regionais do Trabalho, como visto, a regra do quinto constitucional, em respeito ao mandamento do Artigo 94 da Consti-tuição. Duas importantes inovações prometem conferir à Justiça do Trabalho a celeridade e efi ciência tão almejadas: a Justiça Itinerante (Art. 115, §1º) e a possibilidade de funcionar descentralizadamente por meio de Câmaras Re-gionais (Art. 115, §2º), ambas já estudadas na primeira aula de nosso curso. Os Tribunais Regionais do Trabalho funcionam em Plenário ou divididos em Turmas e Grupos de Turmas, dependendo exclusivamente do seu tamanho e das disposições do seu Regimento Interno.

O Tribunal Regional do Trabalho do Rio de Janeiro, por exemplo, está di-vidido em: Plenário (todos os desembargadores); Órgão Especial (13 desem-bargadores); Seções — são duas: uma seção especializada pelos dissídios cole-tivos e a outra seção especializada pelos dissídios individuais; e nove Turmas.

Funciona junto ao Tribunal Regional do Trabalho do Rio de Janeiro, ain-da, a Escola de Magistratura da Justiça do Trabalho no Estado do Rio de Janeiro — EMATRA-RJ — com as fi nalidades de preparação, formação, aperfeiçoamento e especialização dos magistrados do trabalho.

Hoje, no Brasil, existem 24 Tribunais Regionais do Trabalho, sendo o maior, em número de juízes, o de São Paulo, com 64 magistrados. Só Amapá, Roraima, Acre e Tocantins não possuem ainda Tribunal Regional em sua área territorial, pertencendo a tribunais situados em outros Estados.

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ORGANIZAÇÃO DA JUSTIÇA E DO MINISTÉRIO PÚBLICO

FGV DIREITO RIO 135

56 “Art. 112. A lei criará varas da Justiça

do Trabalho, podendo, nas comarcas

não abrangidas por sua jurisdição,

atribuí-la aos juízes de direito, com

recurso para o respectivo Tribunal

Regional do Trabalho.”

JUÍZES DO TRABALHO

O primeiro grau de jurisdição da Justiça do Trabalho é composta por ju-ízes trabalhistas que ingressam na carreira mediante aprovação em concurso público de provas e títulos. Ingressam como juízes do trabalho substitutos e, por meio de promoção, por merecimento ou antiguidade, alternadamente, chegam a juízes do trabalho. Há ainda a possibilidade do jurisdicionado, do-miciliado em comarca não abrangida pela Justiça do Trabalho, ingressar em juízo junto à Justiça Estadual Comum, cujo juiz de direito terá competência para julgar a causa, com recurso para o respectivo Tribunal Regional do Tra-balho da Região56. Trata-se de um grande incentivo e implemento do acesso à Justiça na área trabalhista.

COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO

A competência da Justiça do Trabalho veio enumerada no Artigo 114 da Constituição Federal, que trazemos à colação:

“Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar:

I — as ações oriundas da relação de trabalho, abrangidos os entes de direito pú-blico externo e da administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios;

II — as ações que envolvam exercício do direito de greve;III — as ações sobre representação sindical, entre sindicatos, entre sindicatos e

trabalhadores, e entre sindicatos e empregadores;IV — os mandados de segurança, habeas corpus e habeas data, quando o ato

questionado envolver matéria sujeita à sua jurisdição;V — os confl itos de competência entre órgãos com jurisdição trabalhista, ressal-

vado o disposto no art. 102, I, o;VI — as ações de indenização por dano moral ou patrimonial, decorrentes da

relação de trabalho;VII — as ações relativas às penalidades administrativas impostas aos empregado-

res pelos órgãos de fi scalização das relações de trabalho;VIII — a execução, de ofício, das contribuições sociais previstas no art. 195, I, a,

e II, e seus acréscimos legais, decorrentes das sentenças que proferir;IX — outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho, na forma da lei.”

No que se refere ao inciso I do Artigo 114 supra descrito, cabe mencionar que o Supremo Tribunal Federal, conforme noticiado no Informativo 422, conferiu interpretação conforme à Constituição para suspender da compe-tência da Justiça do Trabalho a apreciação de causas instauradas entre o Poder

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ORGANIZAÇÃO DA JUSTIÇA E DO MINISTÉRIO PÚBLICO

FGV DIREITO RIO 136

57 Confl ito de Competência 7204-MG,

Pleno, rel. Min. Carlos Britto, j.

29.06.2005.

Público e os servidores a ele vinculados por típica relação de ordem estatutá-ria ou de caráter jurídico-administrativo.

Já no que se refere ao inciso VI do mesmo Artigo, cabe ressaltar que a par-tir da Emenda Constitucional nº 45, de 30 de dezembro de 2004, as ações de indenização, inclusive por dano moral, com base em acidente de trabalho, proposta por empregado contra (ex)empregador, são da competência da Jus-tiça do Trabalho, conforme decisão do STF no CC 7204/MG57.

Cumpre-nos trazer à colação, recente julgado do Superior Tribunal de Justiça a respeito de confl ito de competência entre a Justiça do Trabalho e a Justiça Estadual Comum (Vara Empresarial):

“Justiça Empresarial do Rio de Janeiro é competente para julgar as

questões da falência da Varig

Em decisão unânime, a Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reconheceu a competência do juiz da 1ª Vara Empresarial da Comarca do Rio de Janeiro para julgar as ações referentes à falência da Varig. A 1ª Vara sucedeu a 8º Vara Empresarial, que, por decisão liminar do próprio STJ, já estava processando as ações da empresa.

O confl ito de competência foi suscitado pelo Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro porque as Justiças estadual e trabalhista declararam-se competen-tes para julgar a ação proposta na Justiça do Trabalho pelo Sindicato Nacional dos Aeronautas (SNA) e associações de comissários, mecânicos de vôo e pilotos da Varig e da Nordeste Linhas Aéreas. Na ação foi pedido o bloqueio dos US$ 75 milhões levantados com o leilão da Unidade Produtiva da Varig (UPV) como garantia de pagamento das ações trabalhistas.

Em seu voto, o ministro Ari Pargendler ressaltou que somente o Tribunal de Justiça estadual poderá rever a decisão judicial que livrou a empresa Aéreo Transportes Aéreos S/A — subsidiária da Varig Log e arrematante da Unidade Produtiva da Varig — de arcar com as despesas trabalhistas. O juiz da 8ª Vara Empresarial se recusou a cumprir a decisão do juiz da 33ª Vara do Trabalho, que havia determinado o bloqueio do dinheiro. O ministro Ari Pargendler ressaltou que tal exigência não constava no edital do leilão.

Caso seja mantida a decisão de primeiro grau, a empresa Aéreo Transportes Aéreos S/A poderá continuar a dispor do capital destinado ao plano de recupera-ção da empresa.”

Por fi m, recentemente, o STJ decidiu que esta justiça especializada tam-bém é competente para julgar ações relativas à representação sindical após a EC nº 45. O Ministro Humberto Martins destacou que, “após o advento da EC nº 45/2004, passou a justiça especializada a ser competente para julgar e

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ORGANIZAÇÃO DA JUSTIÇA E DO MINISTÉRIO PÚBLICO

FGV DIREITO RIO 137

processar os feitos que envolvam a cobrança de contribuição sindical prevista no artigo 578 da Constituição das Leis Trabalhistas (CLT), em ações propostas por sindicatos, federações ou confederações. O relator ressaltou que a única exceção é referente aos casos em que existiam sentenças proferidas anteriormente ao advento da EC nº 45/2004.”

CASO DE SEDIMENTAÇÃO

No dia 10 de dezembro de 2004, João sofreu um acidente enquanto tra-balhava. Tendo procurado ajuda, o diretor da empresa o encaminhou para a enfermaria, a qual aconselhou a remoção para o hospital mais próximo. A di-retoria, porém, não permitiu a saída de João, que ferido, foi obrigado a con-tinuar o seu turno de trabalho. Tendo em vista o ocorrido e estando ciente da Reforma do Judiciário (EC nº45/2004), no dia 28 de dezembro de 2004, João ingressa com uma ação de reparação de danos morais e patrimoniais decorrentes de acidente do trabalho na Justiça Trabalhista. O juiz trabalhista, em primeiro grau extinguiu o feito por entender ser incompetente para o julgamento de referida ação. João, então, impetra embargos de declaração, alegando a existência de omissão e de contradição na sentença impugnada, porquanto essa interpretou o tema debatido — competência para o processo e julgamento de ação de reparação de danos morais e patrimoniais decor-rentes de acidente do trabalho — em desconformidade com o decido pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal no julgamento do CC 7.204/MG, Relator o Ministro Carlos Britto.

Pergunta-se: Qual o Juízo competente para julgar a ação?

3) JUSTIÇA ELEITORAL

Prevista no Artigo 92, V da Constituição Federal, a Justiça Eleitoral é mais um órgão do Poder Judiciário. É uma justiça especializada, ao lado da Justiça Militar e da Justiça do Trabalho, pertencente também ao ramo da Justiça da União. São órgãos da Justiça Eleitoral: o Tribunal Superior Eleitoral; os Tri-bunais Regionais Eleitorais; os Juízes Eleitorais e as Juntas Eleitorais. Trata-se de uma justiça sui generis tendo em vista sua total composição por membros integrantes de outros órgãos judiciários. Não há ingresso diretamente na car-reira da magistratura eleitoral.

O Artigo 121 da Constituição Federal exige Lei Complementar para dis-por sobre a organização e competência dos Tribunais, Juízes de Direito e Juntas Eleitorais. Como o Código Eleitoral que disciplina esta matéria é lei

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ORGANIZAÇÃO DA JUSTIÇA E DO MINISTÉRIO PÚBLICO

FGV DIREITO RIO 138

58 A matéria relativa à organização

dos tribunais eleitorais, disciplinada

no Código Eleitoral, foi recepcionada,

com forca de Lei Complementar, pela

vigente Constituição, fi rmando-se a

jurisprudência do Tribunal Superior

Eleitoral, outrossim, no sentido de que

os parágrafos do art. 25 do Código

Eleitoral não foram revogados pela

Lei 7.191/84 (Resoluções 12.391 e

18.318). (Recurso Especial Eleitoral

n. 12641-TO, rel. Min. Paulo Roberto

Saraiva da Costa Leite, j. 29.02.1996.)

59 Artigo 121, 2º da CF.

60 MORAES, Alexandre de. Direito

Constitucional. P. 547.

ordinária e datada de 1965 — Lei nº 4737 — procedeu-se à chamada re-cepção da referida Lei pela Constituição de 1988, como se Lei Complemen-tar fosse58. Para melhor organização, o território nacional foi dividido em circunscrições eleitorais. Cada Estado e o Distrito Federal constituem uma circunscrição. A circunscrição, por sua vez, é dividida em zonas eleitorais. Passemos agora ao estudo estratifi cado de cada órgão.

TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL

O Tribunal Superior Eleitoral é o órgão máximo da estrutura da Justiça Eleitoral. É o ápice da estrutura. É composto por sete membros: três juízes dentre os ministros do Supremo Tribunal Federal, eleitos por voto secreto; dois juízes dentre os ministros do Superior Tribunal de Justiça, eleitos por voto secreto; dois juízes, dentre seis advogados de notável saber jurídico e idoneidade moral, indicados pelo Supremo Tribunal Federal e nomeados pelo presidente da República.

Como se pode ver, não se aplica aqui a regra do quinto constitucional, até porque a própria Constituição já determinou uma composição bastante mista para o Tribunal.

A Constituição, no Artigo 119, II, fez somente duas exigências para os advogados indicados: notável saber jurídico e idoneidade moral.

O Supremo Tribunal Federal, porém, julgando a questão em âmbito do Tribunal Regional Eleitoral, decidiu ser também exigível 10 anos de efetivo exercício da atividade profi ssional. A Constituição Federal se omitiu quanto a este requisito somente quando tratou da Justiça Eleitoral. Assim é cons-titucional tal exigência e este entendimento deve ser também aplicado ao Tribunal Superior Eleitoral.

A Constituição Federal faz uma limitação temporal ao exercício do cargo de ministro do Tribunal Superior Eleitoral. Eles servirão por dois anos, no mínimo, e nunca por mais de dois biênios consecutivos59.

E porque isso?

Alexandre de Moraes60 traz a resposta, afi rmando que o objetivo é a preser-vação da imparcialidade do Judiciário e o afastamento das ingerências polí-ticas nos Tribunais Eleitorais. Como Tribunal Superior, possui competências originárias e recursais determinadas no Código Eleitoral:

“Art. 22. Compete ao Tribunal Superior:

I — Processar e julgar originariamente:

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ORGANIZAÇÃO DA JUSTIÇA E DO MINISTÉRIO PÚBLICO

FGV DIREITO RIO 139

61 Artigo 22, parágrafo único c/c Artigo

281, ambos do Código Eleitoral.

a) o registro e a cassação de registro de partidos políticos, dos seus diretó-

rios nacionais e de candidatos à Presidência e vice-presidência da República;

b) os confl itos de jurisdição entre Tribunais Regionais e juízes eleitorais

de Estados diferentes;

c) a suspeição ou impedimento aos seus membros, ao Procurador Geral e

aos funcionários da sua Secretaria;

d) os crimes eleitorais e os comuns que lhes forem conexos cometidos pelos

seus próprios juízes e pelos juízes dos Tribunais Regionais;

e) o habeas corpus ou mandado de segurança, em matéria eleitoral, rela-

tivos a atos do Presidente da República, dos Ministros de Estado e dos Tri-

bunais Regionais; ou, ainda, o habeas corpus, quando houver perigo de se

consumar a violência antes que o juiz competente possa prover sobre a im-

petração;

f) as reclamações relativas a obrigações impostas por lei aos partidos po-

líticos, quanto à sua contabilidade e à apuração da origem dos seus recursos;

g) as impugnações á apuração do resultado geral, proclamação dos eleitos

e expedição de diploma na eleição de Presidente e Vice-Presidente da Repú-

blica;

h) os pedidos de desaforamento dos feitos não decididos nos Tribunais

Regionais dentro de trinta dias da conclusão ao relator, formulados por par-

tido, candidato, Ministério Público ou parte legitimamente interessada.

i) as reclamações contra os seus próprios juízes que, no prazo de trinta

dias a contar da conclusão, não houverem julgado os feitos a eles distribuí-

dos.

j) a ação rescisória, nos casos de inelegibilidade, desde que intentada den-

tro de cento e vinte dias de decisão irrecorrível, possibilitando-se o exercício

do mandato eletivo até o seu trânsito em julgado.

II — julgar os recursos interpostos das decisões dos Tribunais Regionais

nos termos do Art. 276 inclusive os que versarem matéria administrativa.”

As decisões proferidas pelo Tribunal Superior Eleitoral são irrecorríveis, salvo as que declararem a invalidade de lei ou ato contrário à Constituição Federal e as denegatórias de “habeas corpus” ou mandado de segurança, das quais caberá recurso ordinário para o Supremo Tribunal Federal, interposto no prazo de 3 (três) dias61.

Tribunal Regional Eleitoral

Logo abaixo do Tribunal Superior Eleitoral estão os Tribunais Regionais Eleitorais, órgãos de segundo grau de jurisdição. Existe um tribunal regional na capital de cada Estado e um no Distrito Federal. Sua composição é de dois

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ORGANIZAÇÃO DA JUSTIÇA E DO MINISTÉRIO PÚBLICO

FGV DIREITO RIO 140

62 Artigo 28 do Código Eleitoral.

juízes dentre os desembargadores do Tribunal de Justiça, escolhidos mediante eleição, pelo voto secreto do respectivo Órgão Especial; dois juízes de direito, escolhidos entre os magistrados estaduais, mediante eleição, pelo voto secreto; um juiz do Tribunal Regional Federal respectivo, ou, não havendo, um juiz federal, escolhido, em qualquer caso, pelo aludido Tribunal Regional Federal; dois juízes dentre seis advogados de notável saber jurídico e idoneidade moral, indicados pelo Tribunal de Justiça, por nomeação do presidente da República.

O Tribunal Regional Eleitoral não é fracionado organicamente, sendo suas decisões proferidas por maioria de votos, em sessão pública, colegiadamente62.

COMPETÊNCIA

Os Tribunais Regionais Eleitorais também possuem competência originá-ria e recursal previstas no Código Eleitoral:

“Art. 29. Compete aos Tribunais Regionais:

I — processar e julgar originariamente:

a) o registro e o cancelamento do registro dos diretórios estaduais e muni-

cipais de partidos políticos, bem como de candidatos a Governador, Vice-Go-

vernadores, e membro do Congresso Nacional e das Assembléias Legislativas;

b) os confl itos de jurisdição entre juizes eleitorais do respectivo Estado;

c) a suspeição ou impedimentos aos seus membros ao Procurador Regional e

aos funcionários da sua Secretaria assim como aos juizes e escrivães eleitorais;

d) os crimes eleitorais cometidos pelos juizes eleitorais;

e) o habeas corpus ou mandado de segurança, em matéria eleitoral, con-

tra ato de autoridades que respondam perante os Tribunais de Justiça por

crime de responsabilidade e, em grau de recurso, os denegados ou concedidos

pelos juizes eleitorais; ou, ainda, o habeas corpus quando houver perigo de

se consumar a violência antes que o juiz competente possa prover sobre a

impetração;

f) as reclamações relativas a obrigações impostas por lei aos partidos po-

líticos, quanto a sua contabilidade e à apuração da origem dos seus recursos;

g) os pedidos de desaforamento dos feitos não decididos pelos juizes elei-

torais em trinta dias da sua conclusão para julgamento, formulados por par-

tido candidato Ministério Público ou parte legitimamente interessada sem

prejuízo das sanções decorrentes do excesso de prazo.

II — julgar os recursos interpostos:

a) dos atos e das decisões proferidas pelos juizes e juntas eleitorais.

b) das decisões dos juizes eleitorais que concederem ou denegarem habeas

corpus ou mandado de segurança.”

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ORGANIZAÇÃO DA JUSTIÇA E DO MINISTÉRIO PÚBLICO

FGV DIREITO RIO 141

63 Artigo 121, §4º da Constituição

Federal.

64 Agravo Regimental no Agravo de

Instrumento n. 164491-6-MG, 1ª

Turma, rel. Min. Sydney Sanches, j.

18.12.1995, DJ 22.03.1996.

65 Artigo 32, parágrafo único do Código

Eleitoral.

66 Artigos 40 e 41 do Código Eleitoral.

As decisões do Tribunal Regional Eleitoral são irrecorríveis, salvo quando forem proferidas contra disposição expressa da Constituição ou de lei; ocor-rer divergência na interpretação de lei entre dois ou mais tribunais eleitorais; versarem sobre inelegibilidade ou expedição de diplomas nas eleições federais ou estaduais; anularem diplomas ou decretarem a perda de mandatos eletivos federais ou estaduais; denegarem “habeas-corpus”, mandado de segurança, “habeas-data” ou mandado de injunção, quando então será cabível recurso ao Tribunal Superior Eleitoral63. Ressalve-se, por oportuno, que não cabe recurso direto do Tribunal Regional Eleitoral ao Supremo Tribunal Federal, conforme já decidido pelo STF64.

Juízes Eleitorais e Juntas Eleitorais

Abaixo do Tribunal Regional Eleitoral na estrutura orgânica da Justiça Eleitoral estão os juízes eleitorais e as juntas eleitorais. Quem exerce as fun-ções de juiz eleitoral é um juiz de direito estadual, conforme determina o Artigo 11 da Lei Orgânica da Magistratura Nacional — a LOMAN.

Quando, na comarca, houver mais de uma vara da Justiça Estadual, é o Tribunal Regional Eleitoral quem designa a qual incumbe o serviço eleito-ral65, consoante critérios estabelecidos nas Resoluções do TSE nº 20505/1999 e nº 21009/2002 e mediante aspectos objetivos de rodízio e antiguidade. Os juízes eleitorais exercem jurisdição nas zonas eleitorais, conforme o Artigo 35 do Código Eleitoral.

JUNTAS ELEITORAIS

As Juntas Eleitorais são órgãos da Justiça Eleitoral competentes para apu-rar as eleições; resolver impugnações e incidentes durante a apuração dos votos, expedir boletins de urnas; e diploma de candidatos eleitos (no caso de eleições municipais).66 São compostas por um juiz de direito e de dois a quatro membros escolhidos pelo Tribunal Regional Eleitoral dentre cidadãos de notória idoneidade, que exercem funções de juízes de fato. O voto de cada um dos componentes da turma tem o mesmo valor.

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ORGANIZAÇÃO DA JUSTIÇA E DO MINISTÉRIO PÚBLICO

FGV DIREITO RIO 142

CASO DE SEDIMENTAÇÃO

Fernanda, fi liada ao Partido X e fi lha do governador do Estado do Amazonas, eleito no ano de 2004 pelo Partido Y, resolve se candidatar a governadora do Es-tado por discordar veementemente da administração de seu pai, motivo de brigas familiares que levaram ao rompimento entre os dois. Ocorre que, após efetuar o seu registro, Fernanda vê sua candidatura impugnada por um outro candidato.

Pergunta-se: qual terá sido o fundamento legal para a impugnação ao registro? Fernanda, afi nal, poderá ou não concorrer ao cargo?

LEITURAS COMPLEMENTARES

Tribunal do Júri na Justiça Militar Estadual. Fernando A. N. Galvão da Ro-cha. Artigo disponível no site: http://www.tjm.mg.gov.br > artigos.

Prefeitos e Deputados Estaduais e a competência para o processamento e julga-mento nos crimes militares. Ricardo Henrique Alves Giuliani. Artigo Pu-blicado na Revista de Estudos e Informações da Justiça Militar do Estado de Minas Gerais nº 21. Disponível no site: http://www.tjm.mg.gov.br.

JURISPRUDÊNCIA

ADI: Composição e Competência da Justiça Militar

O Tribunal julgou procedente pedido formulado em ação direta ajui-zada pelo Procurador-Geral da República para declarar a inconstitucio-nalidade dos §§ 1º e 3º do art. 57, bem como do art. 58, da Constituição do Estado de Goiás, que dispõem sobre a composição e a competência da Justiça Militar daquela unidade federativa. Entendeu-se que os disposi-tivos impugnados ofendem o art. 125, § 3º, da CF, que atribui à lei ordi-nária, cuja iniciativa é reservada ao Tribunal de Justiça local, a criação da Justiça Militar estadual. Precedente citado: ADI 725/RS (DJU de 4.9.98).ADI 471/GO, rel. Min. Eros Grau, 3.4.2008. (ADI-471) — Informativo 500

Indenização por Danos Decorrentes de Acidente do Trabalho: Competência

As ações de indenização propostas por empregado contra empregador, fun-dadas em acidente do trabalho, são da competência da justiça do trabalho. Com base nesse entendimento, que altera a jurisprudência consolidada pelo Supremo no sentido de que a competência para julgamento dessa matéria

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ORGANIZAÇÃO DA JUSTIÇA E DO MINISTÉRIO PÚBLICO

FGV DIREITO RIO 143

seria da justiça comum estadual, por força do disposto no art. 109, I, da CF, o Plenário, em Confl ito de Competência suscitado pelo TST — Tribunal Su-perior do Trabalho em face do extinto Tribunal de Alçada do Estado de Minas Gerais, conheceu da ação e determinou a remessa do feito à Corte suscitante. Entendeu-se que não se pode extrair do referido dispositiv o a norma de com-petência relativa às ações propostas por empregado contra empregador em que se pretenda o ressarcimento por danos decorrentes de acidente de trabalho. Esclareceu-se que, nos termos da segunda parte do inciso I do art. 109 da CF, excluem-se, da regra geral contida na primeira parte — que defi ne a compe-tência dos juízes federais em razão da pessoa que integra a lide — as causas de acidente do trabalho em que a União, entidade autárquica ou empresa pública federal forem interessadas, na condição de autora, ré, assistente ou oponente (CF: “Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar: I — as causas em que a União, entidade autárquica ou empresa pública federal forem in-teressadas na condição de autoras, rés, assistentes ou oponentes, exceto as de falência, as de acidentes de trabalho e as sujeitas à Justiça Eleitoral e à Justiça do Trabalho;”). Afi rmou-se que referidas causas consistem nas ações acidentá-rias propostas pelo segurado contra o INSS, nas quais se discute controvérsia acerca de benefício previdenciário, e que passaram a ser da competência da justiça comum pelo critério residual de distribuição de competência (Enun-ciado da Súmula 501 do STF). Não se encaixariam, portanto, em nenhuma das partes do mencionado dispositivo as ações reparadoras de danos oriundos de acidente do trabalho, quando ajuizadas pelo empregado contra o seu em-pregador, e não contra o INSS, em razão de não existir, nesse caso, interesse da União, de entidade autárquica ou de empresa pública federal, exceto na hipótese de uma delas ser empregadora. Concluiu-se, destarte, ressaltando ser o acidente de trabalho fato inerente à relação empregatícia, que a competência para julgamento dessas ações há de ser da justiça do trabalho, a qual cabe con-ciliar e julgar os dissídios individuais e coletivos entre trabalhadores e empre-gadores, e outras controvérsias decorrentes daquela relação. Asseverou-se que tal entendimento veio a ser aclarado com a nova redação dada ao art. 114 da CF, pela EC 45/2004, especialmente com a inclusão do inciso VI (“Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar:... VI — as ações de indeni-zação por dano moral ou patrimonial, decorrentes da relação de trabalho;”). Acrescentou-se, ainda, que o direito à indenização em caso de acidente de tra-balho, quando o empregador incorrer em dolo ou culpa, está enumerado no art. 7º da CF como autêntico direito trabalhista, cuja tutela, deve ser, por isso, da justiça especial. Fixou-se, como marco temporal da competência da justiça laboral, a edição da EC 45/2004, por razões de política judiciária. Vencido, no ponto, o Min. Marco Aurélio, que estabelecia o termo inicial dessa compe-tência a partir da redação original do art. 114 da CF. CC 7204/MG, rel. Min. Carlos Britto, 29.6.2005. (CC-7204) Informativo 394)

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ORGANIZAÇÃO DA JUSTIÇA E DO MINISTÉRIO PÚBLICO

FGV DIREITO RIO 144

67 A origem das expressões “Parquet” e

“Ministério Público” advém da época do

Reinado de Felipe IV, o Belo, na França,

em 1302, eis que os procuradores do

rei, em correspondências que trocavam

entre si, denominavam sua função

como um ofício ou ministério público,

visando distinguí-lo do ofício privado

dos advogados, sendo certo que, a ex-

pressão Parquet, utilizada atualmente

como sinônimo da Instituição, tem

origem no estrado existente nas salas

de audiência, onde os procuradores do

rei podiam sentar-se lado a lado com

os magistrados.

68 O Artigo 85, II, da Carta Magna e o

Artigo 146, II, da Carta Fluminense,

por exemplo, consideram crimes de

responsabilidade, respectivamente, do

Presidente da República e do Governa-

dor do Estado, qualquer ato atentatório

ao livre exercício do Ministério Público.

69 Informado por MELLO JÚNIOR, João

Câncio de. A função de controle dos

atos da Administração Pública pelo

Ministério Público. Belo Horizonte:

Líder, 2001, p. 49.

AULAS 9, 10 E 11: O MINISTÉRIO PÚBLICO BRASILEIRO

1) INTRODUÇÃO

O Ministério Público, consoante o art. 127, caput, da Constituição Fe-deral, é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis. Tal norma encontra-se inserida no capítulo constitucional dedicado às “Funções essenciais à Justiça” ao lado da Advocacia-Geral da União e da Defensoria Pública. A fi nalidade da existência do Ministério Público é a função de defesa da sociedade no regime democrá-tico instituído pela Carta de 1988. As palavras “permanente” e “essencial” ge-ram refl exos impeditivos ao próprio poder de reforma da Constituição, com a fi nalidade de extirpar do texto constitucional o “Parquet”67, considerando-se, pois, o Ministério Público como cláusula pétrea implícita à função jurisdi-cional do Estado68.

A Carta Magna deferiu ao Parquet a condição de guardião dos interesses sociais e individuais indisponíveis, vinculando-o assim à tutela (coletiva ou individual) dos direitos mais expressivos da sociedade, aqueles de relevante valor social. Esses valores recebem atenção dos membros do Ministério Pú-blico, seja quando estes se encarregam da persecução penal, deduzindo em juízo a pretensão punitiva do Estado e postulando a repressão ao crime, seja quando no juízo cível se ocupam de certas instituições como a família, de cer-tos bens e valores fundamentais como o meio ambiente, ou de certas pessoas como os incapazes e os consumidores.

O Ministério Público, no Brasil, é confi gurado como instituição autôno-ma que não integra o Poder Judiciário, embora desenvolva as suas funções essenciais, primordialmente, no processo e perante os juízos e tribunais. A natureza jurídica da instituição e seu posicionamento na Carta de 1988 são questões que têm gerado controvérsia na doutrina. Na visão do jurista Al-fredo Valadão, o Ministério Público seria um verdadeiro Quarto Poder do Estado69. Na verdade, não há que se falar em quarto poder. Trata-se de um órgão de extração constitucional.

Ofi ciando os membros do Ministério Público junto ao Poder Judiciário, e compondo-se este, como já estudado, de diversos ramos distintos, é compre-ensível que também o Parquet se apresente diversifi cado em vários organis-mos. Assim, temos o Ministério Público da União, integrado pelo Ministério Público Federal, Ministério Público do Trabalho, Ministério Público Militar e Ministério Público do Distrito Federal e dos Territórios, além do Ministério Público dos Estados, presente em cada uma das unidades federativas.

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ORGANIZAÇÃO DA JUSTIÇA E DO MINISTÉRIO PÚBLICO

FGV DIREITO RIO 145

70 MAZZILLI, Hugo Nigro. Regime

Jurídico do Ministério Público. 5ª ed. São

Paulo: Saraiva, 2001, p. 155

2) PRINCÍPIOS INSTITUCIONAIS

Para a garantia de tão importantes funções, a instituição foi dotada de uma série de garantias e princípios, os quais analisaremos a partir de agora. O §1º do art.127 da Carta Magna fi xa os princípios institucionais do Ministé-rio Público. Sua observância é cogente e qualquer ato que destoar deles será inválido, eivado de inconstitucionalidade.

São três os princípios institucionais enumerados no texto da Carta Magna: a unidade; a indivisibilidade; e a independência funcional.

A Unidade Institucional

A unidade traduz a identidade do Ministério Público como Instituição. Seus membros não devem ser identifi cados na sua individualidade, mas sim como integrantes de um mesmo organismo. Ao atuarem, ofi ciam em nome da Instituição. A Instituição se faz presente com o comparecimento de um de seus membros. “Unidade signifi ca que os membros do Ministério Público inte-gram um só órgão sob a direção de um só chefe”70. Não há unidade, porém, entre Ministérios Públicos de estados distintos, nem tampouco, entre o Ministério Público estadual e o Ministério Público da União. A unidade signifi ca tam-bém que, para cada função institucional deferida ao Ministério Público na Constituição, só exista um único ramo do Ministério Público apto para de-sempenhá-la, ou seja, para um determinado caso concreto, apenas um ramo do Ministério Público terá atribuição para atuar.

Indivisibilidade

O princípio da indivisibilidade signifi ca que os membros do Ministério Público podem ser substituídos uns pelos outros, sem solução de continuida-de das funções institucionais. Um membro do Ministério Público, observada a sistemática legal, poderá substituir um outro quando se fi zer necessário, como por exemplo, férias, licenças, impedimentos, suspeições ou outros ti-pos de afastamentos, em nada comprometendo a atividade institucional, já que os atos devem ser compreendidos como se produzidos pela instituição e não pelo seu agente. Para tanto, as substituições não podem ocorrer arbitra-riamente, mas somente segundo a forma estabelecida em lei. A indivisibilida-de está estreitamente vinculada ao Princípio do Promotor Natural. Impede, portanto, a odiosa designação do promotor de encomenda bem como as de-signações especiais para essa modalidade de substituição.

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ORGANIZAÇÃO DA JUSTIÇA E DO MINISTÉRIO PÚBLICO

FGV DIREITO RIO 146

71 Súmula 2 da Assessoria de Assuntos

Institucionais do Ministério Público do

Rio de Janeiro.

Independência Funcional

Princípio mais importante da Instituição, a independência funcional pre-coniza que os membros do Parquet, no desempenho de suas atividades não estão subordinados a nenhum órgão ou poder, mas somente à sua consciên-cia, devendo sempre, fundamentar suas manifestações processuais (art. 129, VIII, CRFB). No âmbito do Ministério Público só se concebe hierarquia entre o chefe da instituição e seus integrantes no sentido administrativo, nunca no sentido de índole funcional ou técnica. Os membros do Ministério Público estão sujeitos a recomendações dos órgãos da administração supe-rior. Tais recomendações podem ser de cunho administrativo ou mesmo de cunho institucional, entretanto, não vinculam o membro da instituição, face ao princípio da independência funcional. As recomendações administrativas, no entanto, se diferem das decisões administrativas da Administração Supe-rior, as quais devem ser obrigatoriamente atendidas pelo membro da Insti-tuição. Por exemplo: dever de atender às convocações, dever de encaminhar relatórios periódicos, etc.

Do princípio ora em análise, decorre também a imunidade quanto à res-ponsabilidade civil por seus eventuais erros de atuação. De fato, os membros do Parquet não podem ser responsabilizados pelos atos que praticarem no estrito exercício de suas funções, a menos que tenham agido com dolo ou fraude (art.85 do Código de Processo Civil).

A despeito disso, crescente vem sendo o número de ações de ressarcimento movidas diretamente contra o membro do Ministério Público, motivo pelo qual o Ministério Público do Rio de Janeiro editou uma súmula para garantir a presença da Instituição como assistente simples nestes processos, auxiliando a defesa do promotor71.

A indivisibilidade e a independência funcional

O princípio da indivisibilidade não implica a vinculação de pronunciamen-tos dos agentes do Ministério Público no processo de um modo a obrigar que um membro da instituição que substitui a outro observe a mesma linha de pen-samento de seu antecessor. Questão controvertida versa sobre a possibilidade de um membro do Ministério Público recorrer de uma sentença que tenha acolhi-do o pedido de absolvição de outro promotor. Exemplo: Um promotor X pede a absolvição do réu e logo depois sai de férias com sua família. A sentença acolhe o pedido do Ministério Público, absolvendo o réu. O promotor Y, substituto, tomando ciência da sentença, apela, pedindo a condenação do réu. Apesar de divergente a matéria, o entendimento majoritário é pela possibilidade de mani-festações díspares, apoiado no princípio da independência funcional.

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ORGANIZAÇÃO DA JUSTIÇA E DO MINISTÉRIO PÚBLICO

FGV DIREITO RIO 147

72 STF - HC 80.315-SP- 2000 - Rel. Min.

Sepúlveda Pertence - inf.206.

73 STJ - 6ªTurma- Resp. 92.666RJ – Rel.

Min.Vicente Leal, 20.05.97: “Processo

Penal. MP. Princípio da Unidade e da

Indivisibilidade. Alcance. Vinculação

de pronunciamento de seus agentes.

Inexistência.”

74 Vide STF - HC 67759/RJ, Rel.Min.

Celso de Mello.

75 “O Promotor ou procurador não pode

ser designado sem obediência ao critério

legal a fi m de garantir o julgamento

imparcial e isento. O réu tem direito

público subjetivo de conhecer o órgão

do Ministério Público que vai lhe acusar,

como ocorre com o juiz natural.” (RSTJ

39/461)

“I. Ministério Público: Sucumbência no provimento da apelação da defe-

sa, apesar de com ela se ter posto de acordo Promotor de Justiça. A indepen-

dência funcional é, de fato, incompatível com a pretensão de que a concor-

dância do Promotor com a apelação vinculasse os órgãos da Instituição que

ofi ciem junto ao Tribunal, de modo a inibi-los de interpor recurso especial

contra decisão que, provendo o recurso da defesa, desclassifi cou a infração.72”

“se um representante do MP manifestou-se na fase de alegações fi nais em

prol da exclusão de qualifi cantes, o que foi acolhido na sentença de pronún-

cia, um outro membro do Parquet que o substitui no processo pode interpor

recurso pugnando para que se preserve a acusação inicial, não merecendo

abrigo a tese de falta de interesse processual.73”

PRINCÍPIO DO PROMOTOR NATURAL

Similar ao princípio do juiz natural, constitucionalmente tutelado no art. 5º, XXXVII e LIII, da CRFB, o princípio do promotor natural procura repe-lir, a partir da vedação de designações casuísticas, com propósitos políticos e pouco recomendáveis, efetuadas pela chefi a da instituição, a fi gura do “acusa-dor de exceção”. Consagra uma garantia da ordem jurídica destinada tanto a proteger o membro do Parquet, na medida em que lhe assegura a inamovibi-lidade, quanto a tutelar a própria coletividade, a quem reconhece o direito de ver atuando em quaisquer causas apenas o promotor cuja intervenção se jus-tifi que a partir de critérios abstratos e predeterminados estabelecidos em lei. Antes de ser uma prerrogativa institucional, tal princípio é direito inalienável do cidadão de se ver processado por membro do Ministério Público isento e imparcial, que proverá a Justiça sem odiosas discriminações74. Tal princípio é reconhecido pelo Supremo Tribunal Federal, bem como pelo Superior Tri-bunal de Justiça.75

GARANTIAS INSTITUCIONAIS

Especifi camente, em relação ao Ministério Público, a Constituição Fe-deral assegurou, de forma expressa, a autonomia funcional e administrativa e, implicitamente, lhe garantiu autonomia fi nanceira. A Lei nº 8625/1993 — Lei Orgânica Nacional do Ministério Público — em seu artigo 3º fez referência expressa à autonomia nessas três vertentes. O Artigo 127 § 2° da Constituição prevê que o Ministério Público goze de autonomia funcional e administrativa, podendo, portanto, estruturar-se na forma prevista na respec-tiva lei orgânica, prover seus cargos diretamente, editar atos relativos ao seu quadro de pessoal, inclusive provendo seus cargos e os de seu serviço auxiliar,

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ORGANIZAÇÃO DA JUSTIÇA E DO MINISTÉRIO PÚBLICO

FGV DIREITO RIO 148

76 Artigo 128, §3º, §4º e §5º, I, a,

respectivamente, da Constituição

Federal.

77 MORAES, Alexandre de. Constituição

do Brasil Interpretada, p. 1523.

78 Art. 24 do CPP.

79 “A ação penal que depende de

representação, reclama manifestação

de vontade do ofendido para atuação

do Ministério Público. Sem essa

iniciativa, a ação penal nasce com vício

insanável.” (RSTJ 106/436)

80 MIRABETE, Júlio Fabbrini. Código

Penal Interpretado. São Paulo: Atlas,

1999. p. 525

enfi m, reger seus destinos sem qualquer vinculação a outro Organismo ou Poder. A Instituição está imune a qualquer infl uência externa no exercício de sua atividade fi nalística.

Há limitações, entretanto, à autonomia administrativa prevista na própria Constituição. Com efeito, a nomeação do procurador-geral é realizada pelo chefe do Poder Executivo; a destituição do procurador-geral é deliberada pelo Legislativo; e o membro da Instituição vitalício somente pode perder o cargo por força de sentença judicial transitada em julgado76.

No que concerne à autonomia fi nanceira, a Carta Magna, diferentemen-te do tratamento conferido ao Poder Judiciário (Artigo 99 da CF), onde o termo é expressamente previsto, optou por conferir à Instituição, no § 3º do Artigo 127, a iniciativa de elaboração de sua proposta orçamentária, dentro dos limites estabelecidos na LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias).

Teria havido alguma restrição ao Ministério Público face ao tratamento diferenciado? Entendemos que não, com o apoio de Alexandre de Moraes77.

A autonomia fi nanceira, como consectário da autonomia funcional e ad-ministrativa, traduz-se na prerrogativa que o órgão possui de elaborar sua proposta orçamentária, prevendo sua gestão fi nanceira anual, assim como o Judiciário. Há que se fazer menção, ainda, a autonomia legislativa, prevista no artigo 128 § 5º da Carta Magna, legitimando o respectivo procurador-geral a defl agrar o processo visando a estabelecer a organização, as atribuições e o estatuto de cada Ministério Público.

Competências e principais atribuições constitucionais

A ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO NA ÁREA PENAL

Sem sombra de dúvida, a persecução penal é uma das mais importantes atribuições ministeriais, confundindo-se com a própria essência do Ministé-rio Público. A Carta Magna, ao deferir privativamente ao Parquet o mono-pólio da persecução penal, baniu de nosso ordenamento os procedimentos penais ex offi cio, revogando o artigo 26 do CPP e todas as leis especiais que permitiam a instauração da ação penal pública, sem denúncia do Parquet ou queixa, nas hipóteses legais. A ação penal, em regra, é de iniciativa pública incondicionada, cabendo ao Ministério Público promovê-la, independen-temente da manifestação da vontade de qualquer um que seja. Há casos, expressamente previstos em lei78, em que a iniciativa do Ministério Públi-co dependerá da representação do ofendido79 ou da requisição do Ministro da Justiça. Há, ainda, a hipótese da ação penal ser promovida pelo próprio ofendido ou por quem tenha qualidade para representá-lo. É a ação penal de iniciativa privada, “onde ocorre uma espécie de substituição processual, em que se defende interesse alheio em nome próprio”.80

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ORGANIZAÇÃO DA JUSTIÇA E DO MINISTÉRIO PÚBLICO

FGV DIREITO RIO 149

A ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO NA ÁREA CÍVEL

A atuação ministerial no âmbito cível não pode ser estudada dissociada dos artigos 81 e 82 do Código de Processo Civil:

“Art. 81. O Ministério Público exercerá o direito de ação nos casos previs-

tos em lei, cabendo-lhe, no processo, os mesmos poderes e ônus que às partes.

Art. 82. Compete ao Ministério Público intervir:

I — nas causas em que há interesses de incapazes;

II — nas causas concernentes ao estado da pessoa, pátrio poder, tutela,

curatela, interdição, casamento, declaração de ausência e disposições de úl-

tima vontade;

III — nas ações que envolvam litígios coletivos pela posse da terra rural e

nas demais causas em que há interesse público evidenciado pela natureza da

lide ou qualidade da parte.”

Tendo em vista os mencionados dispositivos, infere-se que a atuação do Parquet no processo civil pode ser sintetizada em duas hipóteses: quando exerce o direito de ação, conforme o Artigo 81 do CPC, será órgão agente e nos casos enumerados no artigo 82 do CPC, atuará como órgão interve-niente. Nesse contexto, é importante observar que a intervenção ministerial por força do artigo 82 do CPC não pode ser equiparada ao que a doutrina convencionou chamar de funções custos legis, embora inúmeros autores o façam, eis que a correta aplicação da lei deve ser verifi cada pelo membro da Instituição, conforme mandamento constitucional (CF, Art. 127), qualquer que seja a sua participação processual, seja ela como órgão agente ou in-terveniente. A atuação ministerial como órgão agente advém de dispositivo constitucional (art.129, II e III da CRFB), bem como de inúmeros textos legais, codifi cados ou não (vide CC/2003, CPC, L. 7347/85, L.8560/92, L.7853/89, L.8429/92, L.8069/90 etc.).

Preliminarmente, cumpre fazer uma crítica ao art. 81 do CPC, quando afi rma que os poderes e ônus do Parquet são idênticos aos das demais partes na relação processual. Ora, qualquer que seja a atuação ministerial, existem algumas prerrogativas processuais inerentes ao munus público desempenha-do, que diferem o Parquet das demais partes, como por exemplo, a intimação pessoal e o prazo em dobro, dentre outros.

A atuação do Ministério Público como órgão interveniente, de acordo com o Artigo 82 do CPC, está disposta em três hipóteses de intervenção do Parquet. O inciso I determina a intervenção quando houver interesse de inca-pazes na causa. Muita divergência há na doutrina quanto à natureza dessa in-tervenção. Para alguns, diante da hipossufi ciência dos incapazes, o Ministério

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ORGANIZAÇÃO DA JUSTIÇA E DO MINISTÉRIO PÚBLICO

FGV DIREITO RIO 150

81 Barbi, Celso Agrícola. Comentários ao

Código de Processo Civil. V.1, 3ª ed. Rio

de Janeiro: Forense, 1983, p. 378

82 Tornagui, Hélio. Comentários ao

Código de Processo Civil. São Paulo:

Revista dos Tribunais, v. 1, p. 281 e

Alcides Mendonça Lima. Atividade

do Ministério Público no Processo Civil,

Revista do Processo, 10/72. v.1

83 Hugo Nigro Mazzilli. Regime Jurídico

do Ministério Público, p. 735.

84 “O Art. 82, III é norma discricionária.

O titular deste poder discricionário é o

Ministério Público. Ao Judiciário cabe,

ao nível da legalidade, controlar o

exercício deste poder.” Arruda Alvim,

A interpretação do Artigo 82, III do

Código de Processo Civil. Revista de

Processo, 3:139-41. No mesmo sentido.

Milton Sanseverino, “O Ministério Pú-

blico e o interesse público no Processo

Civil. RF, 254:205-06. Contra: Antonio

Cláudio Costa Machado, ob cit, p. 384,

entendendo que não há discricio-

nariedade do órgão do Parquet mas

mera aferição ou não da existência do

interesse público, a ser demonstrado

em Juízo.

85 Celso Agrícola Barbi, ob. cit., Vol.

1, p. 381.

Público intervém para reequilibrar o contraditório81. Para outros, a atuação do Ministério Público é apenas fi scalizatória, desvinculada dos interesses do incapaz. Propugna pela correta aplicação da lei, ainda que isso signifi que opi-nar contra o interesse da parte menor de idade82. Por fi m, uma posição tem-perada83 afi rma que o Ministério Público pode ter opinião livre não podendo, entretanto, tomar qualquer medida judicial em desfavor do incapaz, como arguição de prescrição, por exemplo. No que concerne ao inciso II do art.82, há consenso na doutrina de que a intervenção possui natureza fi scalizatória, em todas as causas e hipóteses ali descritas.

Por derradeiro, em relação ao inciso III, note-se que a primeira parte do dispositivo faz alusão a litígios coletivos pela posse de terra rural, enume-rando, portanto, hipótese que torna obrigatória a intervenção do Ministério Público. Já na segunda parte, o dispositivo é mais abrangente, vez que não enumera as hipóteses de intervenção, tão somente determinando a atuação ministerial em caso de evidência de interesse público, seja pela natureza da lide ou pela qualidade da parte. O dispositivo assume vital importância, eis que os artigos 84 e 246 do CPC preconizam a nulidade de qualquer feito, face a não intervenção do Ministério Público. Como não há norma discipli-nando tais hipóteses, diversamente dos incisos I e II, caberá ao Ministério Público, discricionariamente84, decidir se deverá ou não intervir, submetendo sua decisão ao crivo do Judiciário,85 a quem competirá tão somente aferir a legalidade, ou seja, o exercício regular deste poder discricionário.

Estas são as formas de intervenção do Ministério Público na área cível, sendo bastante variada as áreas onde atua, como, por exemplo, no sistema de provedoria de fundações, na Promotoria da Infância, Juventude e Idosos, nas Promotorias de Família, nas Promotorias das massas falidas e liquidações extrajudiciais, na Promotoria de Fazenda Pública, dentre outros.

Controle Externo da Atividade Policial

Função ministerial geradora de controvérsias é o controle externo da ati-vidade policial.

A Lei Complementar nº 75/1993 (LOMPU), em seu artigo 9º, veio disci-plinar a matéria, valendo lembrar sua incidência imediata em relação a todos os Ministérios Públicos Estaduais, por força da aplicação subsidiária de suas normas, prevista no Artigo 80 da LONMP. A Lei Complementar Estadual nº 106/2003 (LOMPRJ) também regulou a matéria, fazendo menção genérica a tal dispositivo, em seu artigo 36. O controle externo permite ao Ministério Público buscar um trabalho policial dedicado e bem conduzido, para que sejam fornecidos subsídios capazes de gerar a justa causa necessária para o de-sencadeamento da ação penal pública. É oportuno asseverar que tal controle

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ORGANIZAÇÃO DA JUSTIÇA E DO MINISTÉRIO PÚBLICO

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86 DECOMAIN, Pedro Roberto.

Comentários à Lei Orgânica Nacional

do Ministério Público. Florianópolis:

Editora Obra Jurídica. 1996. p. 184.

87 Artigo 5º, I, II e VII da Resolução nº

20 do CNMP.

possui índole técnica e tem por objetivo apurar omissões, eventuais desvios de conduta das autoridades policiais e seus agentes e abuso de poder. Pedro Roberto Decomain86, defi ne, com acerto, tão importante função ministerial afi rmando que

“o termo “controle” tem aqui o sentido de acompanhamento, observação, orienta-ção, e não de subordinação hierárquica. Cuida-se de possibilitar o acesso do Ministé-rio Público a todas as atividades-fi m exercidas pela polícia, em especial as de polícia judiciária, na medida em que antes de tudo são para ele voltadas. Naturalmente que, no exercício desse controle, cabe também ao Ministério Público verifi car a ocorrência de eventuais desvios no exercício das funções da polícia, quer representem prejuízos para a coletividade (porque eventualmente não se apura crime ocorrido), quer para algum indivíduo em particular (que se torne vítima de alguma forma de abuso de poder ou autoridade), tomando as providências que a hipótese possa recomendar para que tal situação tenha fi m.”

Em maio de 2007 o Conselho Nacional do Ministério Público editou a Resolução nº 20 regulamentando o art. 9º da Lei Complementar nº 75/93 e o art. 80 da Lei nº 8.625/93, disciplinando, no âmbito do Ministério Públi-co, o controle externo da atividade policial.

Inovando a legislação até então existente acerca do assunto, a resolução dispôs em seu artigo 1º a respeito dos sujeitos passivos dessa atividade fi s-calizadora do Ministério Público. São eles não só os organismos policiais relacionados no artigo 144 da CF (polícia federal, polícia rodoviária federal, polícia ferroviária federal, polícia civil, polícia militar e corpo de bombei-ros militares), bem como as polícias legislativas ou qualquer outro órgão ou instituição, civil ou militar, à qual seja atribuída parcela de poder de polícia, relacionada com a segurança pública e persecução criminal.

Duas são as formas de se exercer o controle em estudo: através do controle difuso (por todos os membros do Ministério Público com atribuição cri-minal, quando do exame dos procedimentos que lhes forem atribuídos) ou através do controle concentrado (membros com atribuições específi cas para o controle externo da atividade policial, conforme disciplinado no âmbito de cada instituição).

Os órgãos do Ministério Público, no exercício das funções de controle externo da atividade policial têm livre acesso aos estabelecimentos prisionais, aos documentos relativos à atividade-fi m policial, bem como aos presos a qualquer momento87.

No exercício de suas atribuições rotineiras na fi scalização da atividade policial, incumbe ao membro do Ministério Público; a) havendo fundada necessidade e conveniência, instaurar procedimento investigatório referente a ilícito penal que tenha ocorrido no exercício da atividade policial; b) ins-

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ORGANIZAÇÃO DA JUSTIÇA E DO MINISTÉRIO PÚBLICO

FGV DIREITO RIO 152

88 Artigo 4º, §§ 1º, 2º e 3º da Resolução

nº 20 do CNMP.

taurar procedimento administrativo visando sanar as defi ciências ou irregu-laridades detectadas no exercício do controle externo da atividade policial; c) apurar as responsabilidades decorrentes do descumprimento injustifi cado das requisições que tenha feito; d) encaminhar cópias dos documentos ou peças de que dispõe ao órgão da instituição com atribuição para a instauração de inquérito civil público ou ajuizamento de ação civil por improbidade admi-nistrativa.88

Em suma, o controle externo da atividade policial pelo Ministério Público tem como objetivo a constatação da regularidade e adequação de procedimen-tos empregados na realização da atividade de polícia judiciária, bem como a integração das funções do Ministério Público e da Polícia judiciária voltada para a persecução penal e o interesse público, devendo o Parquet atentar, nes-ta atividade, para a prevenção da criminalidade; a fi nalidade, a celeridade, o aperfeiçoamento e a indisponibilidade da persecução penal; a prevenção ou a correção de irregularidades, ilegalidades ou abuso de poder relacionados com a atividade de investigação criminal; e buscar superar as falhas na produção da prova, inclusive técnica, para fi ns de investigação criminal.

CONSELHO NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO

Tendo em vista a independência e a autonomia do Ministério Público, muito se discutiu sobre a necessidade de haver um controle externo da entida-de, a fi m de evitar eventuais abusos cometidos por seus membros. A Emenda Constitucional nº 45 criou o Conselho Nacional do Ministério Público, ao qual se aplicam, com algumas ressalvas, os mesmos comentários feitos em re-lação ao Conselho Nacional de Justiça. Não é possível tratá-los, porém, como se fossem sinônimos. O CNMP difere em alguns aspectos peculiares. Inicial-mente, cabe ressaltar não se tratar de órgão que integra o Ministério Público, quer da União, quer dos Estados. Também não se encontra inserido na estru-tura de nenhum dos Poderes Estatais. O CNMP, de forma similar ao Ministé-rio Público e ao Tribunal de Contas, é órgão constitucional autônomo disso-ciado dos Poderes do Estado. É um órgão de “extração constitucional” (Min. Carlos Ayres), ou seja, deriva da própria Constituição e não está vinculado nem ao Poder Executivo, nem ao Poder Judiciário e nem ao Poder Legislativo. Trata-se de mais uma inovação na linha evolutiva dos tradicionais mecanismos de checks and balances que permeiam as relações entre os órgãos de soberania.

Composição do CNMP

Conforme disciplina o Artigo 130-A da Constituição Federal:

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ORGANIZAÇÃO DA JUSTIÇA E DO MINISTÉRIO PÚBLICO

FGV DIREITO RIO 153

“Art. 130-A. O Conselho Nacional do Ministério Público compõe-se de quatorze membros nomeados pelo Presidente da República, depois de aprovada a escolha pela maioria absoluta do Senado Federal, para um mandato de dois anos, admitida uma recondução, sendo:

I — o Procurador-Geral da República, que o preside;II — quatro membros do Ministério Público da União, assegurada a representa-

ção de cada uma de suas carreiras;III — três membros do Ministério Público dos Estados;IV — dois juízes, indicados um pelo Supremo Tribunal Federal e outro pelo

Superior Tribunal de Justiça;V — dois advogados, indicados pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados

do Brasil;VI — dois cidadãos de notável saber jurídico e reputação ilibada, indicados um

pela Câmara dos Deputados e outro pelo Senado Federal”

Trata-se de uma composição híbrida, havendo nítido desequilíbrio entre o Ministério Público da União e os Ministérios Públicos Estaduais. De fato, enquanto o MPU tem cinco representantes no Conselho, o MPE, dentre os 26 Ministérios Públicos Estaduais do Brasil, tem apenas três representantes.

Atribuições do CNMP

“Art. 130-A(...)§ 2º Compete ao Conselho Nacional do Ministério Público o controle da atuação

administrativa e fi nanceira do Ministério Público e do cumprimento dos deveres funcionais de seus membros, cabendo-lhe:

I — zelar pela autonomia funcional e administrativa do Ministério Público, podendo expedir atos regulamentares, no âmbito de sua competência, ou recomendar providências;

II — zelar pela observância do art. 37 e apreciar, de ofício ou mediante pro-vocação, a legalidade dos atos administrativos praticados por membros ou órgãos do Ministério Público da União e dos Estados, podendo desconstituí-los, revê-los ou fi xar prazo para que se adotem as providências necessárias ao exato cumprimento da lei, sem prejuízo da competência dos Tribunais de Contas;

III — receber e conhecer das reclamações contra membros ou órgãos do Minis-tério Público da União ou dos Estados, inclusive contra seus serviços auxiliares, sem prejuízo da competência disciplinar e correicional da instituição, podendo avocar processos disciplinares em curso, determinar a remoção, a disponibilidade ou a apo-sentadoria com subsídios ou proventos proporcionais ao tempo de serviço e aplicar outras sanções administrativas, assegurada ampla defesa;

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ORGANIZAÇÃO DA JUSTIÇA E DO MINISTÉRIO PÚBLICO

FGV DIREITO RIO 154

IV — rever, de ofício ou mediante provocação, os processos disciplinares de mem-bros do Ministério Público da União ou dos Estados julgados há menos de um ano;

V — elaborar relatório anual, propondo as providências que julgar necessárias sobre a situação do Ministério Público no País e as atividades do Conselho, o qual deve integrar a mensagem prevista no art. 84, XI.”

Essas são as atribuições constitucionalmente conferidas ao Conselho Na-cional do Ministério Público. O relacionamento do CNMP com as insti-tuições controladas tem natureza preventiva no que concerne a autonomia fi nanceira e repressiva quanto à autonomia funcional e administrativa. Res-salve-se que as sanções aplicáveis ao membro do Ministério Público pelo con-selho não abrangem a perda do cargo. O constituinte derivado preocupou-se em enumerar exaustivamente as sanções aplicáveis pelo conselho, que são a remoção, a disponibilidade e a aposentadoria (Artigo 130, §2º, III), não abrangendo, portanto, a perda do cargo.

Corregedor Nacional do Ministério Público

Um dos integrantes do conselho será escolhido para atuar como Corre-gedor Nacional do Ministério Público. A escolha será feita por votação se-creta, da qual participarão todos os integrantes do Conselho Nacional. As atribuições do corregedor estão voltadas às atividades de cunho disciplinar e correicional, cabendo-lhe o recebimento e a colheita de informações para fi ns de submissão ao conselho, órgão com atribuição para valorá-las e decidir. Sua atividade é instrumental e não fi nalística. Poderá ainda, no exercício de suas funções, realizar inspeções em qualquer dependência do Ministério Pú-blico da União ou dos Estados, bem como requisitar e designar membros do Ministério Público ou servidores, delegando-lhes atribuições para a apuração das reclamações e denúncias.

CASO DE SEDIMENTAÇÃO

O Conselho Nacional do Ministério Público recebeu uma reclamação anônima narrando o fato de ter o Procurador-Geral de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, atuando conforme sua iniciativa legislativa, proposto a cria-ção de 10 cargos de confi ança, sem submeter a proposta ao Órgão Especial do Colégio de Procuradores de Justiça como determina a Lei nº 8625/1993, Artigo 10, III. Tendo em vista o relatado, e sendo competência do CNMP zelar pela legalidade dos atos administrativos dos membros do Ministério Público da União e dos Estados (Artigo 130-A, parágrafo 2º, II da CR/88), desconstituiu o ato e aplicou uma sanção administrativa ao chefe da Insti-

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ORGANIZAÇÃO DA JUSTIÇA E DO MINISTÉRIO PÚBLICO

FGV DIREITO RIO 155

tuição (suspensão por três dias), assegurada a ampla defesa no procedimento administrativo.

Pergunta-se: Foi legal a atuação do CNMP?

ESTATUTO FUNCIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO

Passemos agora ao estudo das Garantias, Vedações, prerrogativas e respon-sabilidades dos membros do Ministério Público.

Garantias dos membros do Ministério Público

A par das garantias institucionais, o constituinte outorgou aos membros do Ministério Público três garantias, visando o pleno e independente exer-cício das funções ministeriais, previstas no artigo 128, §5º, I, “a” a “c” da CRFB, que agora serão analisadas:

A VITALICIEDADE

É a impossibilidade de perda do cargo após dois anos de efetivo exercício, senão por sentença transitada em julgado, dentro de determinadas hipóteses previstas em lei.

A vitaliciedade dos membros do Parquet, preconizada no Artigo 128, § 5º, I “a” da CF difere da estabilidade garantida aos servidores públicos, após três anos de efetivo exercício, prevista no Artigo 41 da Carta Magna, porque somente poderá ser quebrada mediante processo judicial, com decisão trânsi-to em julgado. Deve-se ressalvar que, para alcançar a vitaliciedade, o membro da instituição deverá contar com dois anos de exercício efetivo, isto, é, não computados quaisquer períodos de férias, licenças ou afastamentos, consoan-te comando insculpido no Artigo 53, caput, da LONMP. Enquanto não vi-taliciado, o promotor de Justiça pode perder o cargo mediante manifestação voluntária (pedido de exoneração) ou ser demitido em processo administra-tivo disciplinar. Isto não ocorre após o vitaliciamento quando, então, perderá o cargo somente por decisão judicial transitada em julgado.

Após ser vitaliciado, o Promotor de Justiça somente poderá perder o cargo, consoante determinado pela LONMP em seu Artigo 38 § 1º, por sentença judicial proferida em ação civil própria e transitada em julgado, se ocorrerem quaisquer das seguintes hipóteses: abandono do cargo por mais de trinta dias corridos; exercício da advocacia e prática de crime incompatível com a função. A LC Estadual nº 106/2003 acresceu mais uma hipótese a este rol: a prática de

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ORGANIZAÇÃO DA JUSTIÇA E DO MINISTÉRIO PÚBLICO

FGV DIREITO RIO 156

improbidade administrativa, em decorrência da Lei Federal n° 8.429/1992, que não havia sido prevista na LONMP. Inovou também a legislação estadual ao es-tipular, nos § 3º e 4° do aludido Art. 134, os crimes considerados incompatíveis com o exercício funcional, a ensejar a perda do cargo do promotor vitaliciado. Assim, são considerados incompatíveis com o exercício do cargo os crimes dolo-sos contra o patrimônio, contra a administração e fé pública, os que importem lesão aos cofres públicos e aqueles previstos no Artigo 5º, XLIII da Carta Magna.

A INAMOVIBILIDADE

A inamovibilidade, preconizada no Artigo 128 § 5, I, “b” da Carta Magna e disciplinada nos Artigos 38, II da LONMP c/c 79, II da LC nº 106/2003, é a impossibilidade de se remover um membro da Instituição do órgão onde esteja lotado, sem sua manifestação voluntária, impedindo até a própria pro-moção sem a prévia aquiescência, salvo motivo de interesse público, após manifestação do órgão colegiado competente.

Por não ser uma garantia de caráter absoluto, a inamovibilidade pode ser afastada por decisão da maioria absoluta dos membros do Conselho Superior do Ministério Público, em caso de interesse público (remoção compulsória), assegurada ao membro do Parquet a ampla defesa e o devido processo legal (Arts 15, VIII da LONMP c/c 22 V da LC 106/03), cabendo recurso de tal decisão ao Órgão Especial do Colégio de Procuradores de Justiça (Art. 12, VIII “d” da LONMP c/c 74 § único da LC 106/03).

A IRREDUTIBILIDADE DE SUBSÍDIOS

A irredutibilidade de subsídios foi outorgada aos membros do Ministério Público pela Carta de 1988.

E o que vem a ser subsídio?

A Constituição Federal, em seu artigo 39, §4º dispõe ser o subsídio uma remuneração exclusiva, fi xada em parcela única, vedado o acréscimo de qual-quer gratifi cação, adicional, abono, prêmio, verba de representação ou outra espécie remuneratória. Para tanto, há que se obedecer, em qualquer caso, os Artigos 37, X e XI.

A razão da irredutibilidade de vencimentos ou subsídios emerge da ne-cessidade de se garantir ao membro do Parquet, para o bom desempenho de suas relevantes funções institucionais, imunidade às eventuais retaliações dos governantes no que concerne à diminuição de sua remuneração.

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ORGANIZAÇÃO DA JUSTIÇA E DO MINISTÉRIO PÚBLICO

FGV DIREITO RIO 157

89 “Compete aos Tribunais de Justiça

o julgamento de juizes estaduais,

mesmo que acusados de crime de

competência da Justiça Federal (CF, Art.

96, III)”(STF-Pleno –HC nº 77.558/ES)

90 “HC. Homicídio praticado por

Promotor de Justiça. Competência

originária do Tribunal de Justiça.”(STF

– 1ª Turma – HC 73.112-1/MG –Min.:

Ilmar Galvão)

FORO ESPECIAL

Outro predicado constitucional dos membros do Parquet é o do foro es-pecial por prerrogativa de função. A CF, em seu artigo 96, III, outorga aos membros do MP Estadual o foro por prerrogativa no TJ do Estado onde estiver vinculado. Trata-se de exceção do princípio do “locus delicti comissi”, local do cometimento do crime, regra geral do Direito processual, outorgada também pelos artigos 40, IV da LONMP c/c 81, V da LC 106/03. Ressalte-se que os membros do Ministério Público da União possuem foro especial no STJ (artigo 105, I, “a” da CRFB) ou nos TRFs (artigo 108, I, “a” da CRFB) de sua região. O procurador-geral da República, por sua vez, é processado e julgado originariamente, nas infrações penais comuns, perante o STF (Art. 102, I “b” da CF). Vale ressalvar que tal garantia é de ordem absoluta, só havendo exceção na hipótese de crime eleitoral, quando o promotor será julgado no TRE onde estiver vinculado. Assim, mesmo que cometa crime de competência da Justiça Federal89, Militar ou ainda crime doloso contra a vida90, o juiz natural do membro do Ministério Público Estadual (promotor ou procurador de Justiça) será o Tribunal de Justiça do Estado onde estiver vinculado, pelo órgão defi nido para tanto pelo regimento interno da Corte. No Rio de Janeiro, a competência é do Órgão Especial.

Há ainda duas questões interessantes sobre a matéria: o crime de responsa-bilidade praticado pelo procurador-geral de Justiça, que tem por juiz natural, consoante o artigo 99, XIV da Constituição Estadual, a Assembléia Legisla-tiva do Estado, que será presidida, excepcionalmente, pelo presidente do TJ e o julgamento do procurador geral da República, na mesma hipótese, que será feito no Senado Federal e presidido pelo presidente do STF (art. 52, II da CRFB).

Ressalte-se, por oportuno, que o foro especial cessa quando o membro do Ministério Público se aposenta, já que a garantia é destinada ao cargo e não ao seu ocupante.

CASO DE SEDIMENTAÇÃO

Tendo prestado concurso público para ingresso no Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, Juliana logrou êxito em ser aprovada nas provas e to-mou posse como promotora de Justiça substituta no dia 10 de maio de 2004.

Durante o tempo em que esteve submetida ao estágio probatório, Juliana entregou regularmente os relatórios exigidos ao CEJUR (Centro de Estudos Jurídicos), atuando conforme os princípios reitores da Instituição.

Ocorre que, no dia 20 de maio de 2006, sem que ainda houvesse sido ofi -cialmente vitaliciada pelo Conselho Superior do Ministério Público, Juliana praticou um ato de improbidade administrativa (Lei nº 8429/1992).

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ORGANIZAÇÃO DA JUSTIÇA E DO MINISTÉRIO PÚBLICO

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91 Inclusive verba honorária. Confi ra-se

Informativo STF nº 120, Agravo em

Agravo Regimental 189.430/SP, rel.

Min. Sepúlveda Pertence.

92 Confi ra-se o Artigo 165 da LC 106/03,

que reitera a norma transitória do

Artigo 29 § 3º do ADCT.

Tendo em vista o ocorrido, foi instaurado um processo administrativo disciplinar, respeitada a ampla defesa e o contraditório, e Juliana veio a perder o cargo no dia 10 de junho de 2006.

Pergunta-se: Agiu corretamente o Conselho Superior?

As vedações constitucionais dos membros do Ministério Público

PERCEPÇÃO DOS HONORÁRIOS OU VERBAS EQUIVALENTES

Ao membro do Ministério Público é vedado auferir a qualquer título ou pretexto, honorários, porcentagens ou custas processuais, já que sua remu-neração consiste nos vencimentos ou subsídios, como anteriormente visto. No que concerne à sucumbência obtida em ações por ele ajuizadas91, a Ins-tituição — e não seu membro — pode cobrá-la, devendo o montante ser creditado ao Fundo Especial do Ministério Público (Lei estadual nº 2.819, de 07 de novembro de 1997, art. 4o, inciso XII), destinado ao aperfeiçoamento institucional do Ministério Público.

EXERCÍCIO DA ADVOCACIA

O exercício da advocacia é vedado aos membros do Ministério Público, consoante os Artigos 128 § 5º, II, “b” da CF. A prática da advocacia, para o membro vitalício do Parquet enseja a perda do cargo, consoante previsto no Artigo 38 § 1º, II da LONMP c/c 134 I, “b” da LC 106/03, gerando a demissão, mediante processo administrativo, daquele não vitalício. Ressalve-se que o Artigo 29 § 3º do ADCT resguardou aos membros do Ministério Público Estadual o direito à advocacia, se ingressos na Instituição antes do advento da LC 40/8192. Isto porque a primeira lei orgânica do Ministério Público Estadual já vedava esta atividade, sendo seguida, neste mister, pela LC 28/82, antiga Lei orgânica do Ministério Público Fluminense (Art. 159, VIII) que apenas ressalvava o direito aos já inscritos em 15 de Dezembro de 1981. Note-se que os membros do Ministério Público da União, que não possuíam qualquer vedação em seus respectivos estatutos, somente passaram a ter a restrição com o advento da Carta Magna.

PARTICIPAÇÃO EM SOCIEDADES COMERCIAIS

Outra vedação ao membro do MP (Art. 128 § 5º, II, “c” da CF c/c Arts. 44, III da LONMP e 119, III da LC 106/03) é a de exercer o comércio ou

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participar de sociedade mercantil. Há ressalva, entretanto, para a condição de quotista ou acionista sem, no entanto, poder de gestão. O intuito da vedação é afastar o membro do Parquet das atividades estranhas ao exercício fun-cional, permitindo, entretanto que participe de atividades empresariais, na qualidade de mero capitalista, sem dispêndio de qualquer esforço gerencial ou de direção.

EXERCÍCIO DE OUTRA FUNÇÃO PÚBLICA

A Constituição Federal, em seu Artigo 128 § 5º, II “d”, veda ao membro do Ministério Público o exercício de qualquer outra função pública, salvo um magistério da mesma natureza. A essência da vedação é evitar que o membro do Ministério Público possa desempenhar qualquer outra atividade, mesmo pública, salvo um magistério, em detrimento do exercício daquelas funções institucionais deferidas ao Parquet.

ATIVIDADE POLÍTICO-PARTIDÁRIA

Até o advento da Emenda Complementar nº 45/2004, os membros do Ministério Público podiam, nos casos previstos em lei, exercer atividade po-lítico-partidária. Para tanto, uma série de requisitos e prazos deveriam ser obedecidos. A Emenda 45 inovou totalmente o tema. Não há mais a ressalva constitucional. O constituinte vedou de forma absoluta a atividade político-partidária por membro do Ministério Público.

As prerrogativas

As prerrogativas dos Membros do Ministério Público encontram previsão legal, respectivamente, nos artigos 40 a 42 da LONMP e nos artigos 81 a 83 da LC 106/2003. Inicialmente, cabe ressalvar que as prerrogativas não são privilégios outorgados aos membros do Parquet, mas, na verdade, constituem atributo com a fi nalidade de assegurar o pleno exercício das funções institu-cionais deferidas pela Carta Magna.

A PRISÃO E A INVESTIGAÇÃO DO MEMBRO DO MINISTÉRIO PÚBLICO

A Lei 8625 estabelece que o membro do Ministério Público somente po-derá ser investigado, em caso de conduta delituosa, pelo Procurador Geral de Justiça. Desta forma, se no curso da investigação surgem indícios de que

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93 Conforme art. 41, §único da LONMP

quem cometeu o ilícito foi um Promotor, deve a autoridade policial remeter os autos, imediatamente, sob pena de prática de abuso de autoridade (art. 3º, “j” da Lei nº 4898/1965), ao Procurador Geral de Justiça, não podendo mais continuar nas investigações.93 A investigação prosseguirá por parte do procurador-geral de Justiça. O feito é distribuído para um desembargador do órgão especial do Tribunal de Justiça para servir de juiz natural à causa. Pode-rá o PGJ oferecer denúncia em face do membro do parquet, ou determinar o arquivamento (não requer, determina). A prisão do membro do MP pode se dar por ordem judicial proferida por autoridade competente.

QUEM É A AUTORIDADE JUDICIÁRIA COMPETENTE?

Se for uma decisão criminal, somente um desembargador integrante do Órgão Especial poderá mandar prender o promotor de Justiça, sendo dele a competência para julgar o promotor. Já no caso do promotor não pagar a pensão alimentícia devida ou for depositário infi el, poderá ser preso pelo juiz da vara de família ou da vara cível. Pode ocorrer também a prisão em fl a-grante na hipótese de crimes inafi ançáveis. Nesta hipótese, cabe à autoridade policial lavrar o auto de prisão em fl agrante, remetê-lo ao Tribunal de Justiça e apresentar o membro do Parquet ao procurador geral de Justiça. A não apre-sentação no prazo hábil acarretará a perda da condição coercitiva de liberdade do instrumento fl agrancial, sendo cabível o relaxamento da prisão. Assim, a autuação é feita imediatamente, mas, a apresentação do promotor de Justiça ao procurador-geral é indispensável para a regularidade do instrumento fl a-grancial. A lei determina, portanto, um plus no que concerne à validade do fl agrante. A prerrogativa de ser investigado apenas pela chefi a institucional não pode ser estendida aos membros aposentados do Parquet. Com efeito, não se tratando de atributo pessoal, mas de cunho institucional, o membro aposentado não pode utilizá-lo.

INTIMAÇÃO PESSOAL DAS DECISÕES

A intimação pessoal do membro do Ministério Público está prevista nos artigos 41, IV da LONMP e no artigo 82, III da LC nº 106/2003. Antiga-mente, entendia-se que a prerrogativa da intimação pessoal só era aperfeiço-ada com o “ciente” do promotor. Não bastava a entrada do processo no es-caninho destinado ao Ministério Público na secretaria da vara ou mesmo nas dependências do Ministério Público. A intimação deveria se dar mediante a entrega dos autos, com vista, certifi cada pelo escrivão. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal era pacífi ca nesse sentido, mas recentemente hou-ve alteração no entendimento da Corte, no que concerne ao cômputo do pra-

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ORGANIZAÇÃO DA JUSTIÇA E DO MINISTÉRIO PÚBLICO

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zo processual, que para a nova tendência jurisprudencial inicia-se na data que o feito tiver ingressado nas dependências do Ministério Público. A entrega dos autos com vista continua em vigor. O que o STF mudou foi o cômputo do prazo processual. A intimação continua se realizando por meio da entrega dos autos com vista ao promotor. Ocorre que, considera-se como iniciado o cômputo do prazo processual no momento em que os autos ingressam na secretaria da Promotoria de Justiça. Não está se exigindo mais, para o início do prazo, o ciente do promotor de Justiça, como se dava anteriormente.

PORTE DE ARMA

Dispõe o artigo 42 da LONMP sobre a licença legal para porte de arma que gozam os membros do Ministério Público, prerrogativa esta que inde-pende de qualquer ato formal de licença ou autorização.

CASO DE SEDIMENTAÇÃO

Lei da Mordaça — O MP pode falar com a imprensa?

Dois procuradores da República que investigam corrupção no governo federal foram procurados por jornal de grande circulação para dar entrevista acerca do caso. Após a publicação das declarações prestadas, onde foram ana-lisadas as diligências já realizadas pelo MP e os elementos de prova até então recolhidos, duas situações ocorreram:

• Uma assídua leitora do jornal, a velhinha de Taubaté, sentiu-se muito orgulhosa pela atuação do MP contra a corrupção. Reacendeu-se nela, e em todos seus vizinhos, após conhecer o trabalho que o MP vinha desenvolvendo, a esperança de que a impunidade e a corrupção no Brasil estão sendo combatidas com vigor.

• Os políticos envolvidos no escândalo de corrupção propuseram ação de responsabilidade civil contra os dois procuradores da República (pessoalmente) buscando elevados valores de indenização pelos danos morais decorrentes da publicação das informações.

A- Na qualidade de advogado dos Procuradores da República, o que você alegaria em resposta à ação proposta.

B- Na qualidade de advogado dos Políticos, o que alegaria na ação proposta.

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ORGANIZAÇÃO DA JUSTIÇA E DO MINISTÉRIO PÚBLICO

FGV DIREITO RIO 162

A ESTRUTURA LEGISLATIVA E ORGANIZACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO

Como já visto, a Instituição é dividida, pelo Artigo 128 da Carta Maior, em duas grandes vertentes: O Ministério Público da União, que se encontra disciplinado na LC 75/93 e que abrange o Ministério Público Federal, o Ministério Público do Trabalho, o Ministério Público Militar e o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios; e os Ministérios Públicos dos Es-tados, regidos por uma Lei Orgânica de cunho nacional (Lei nº 8625/1993 — LONMP), que estabelece parâmetros, balizas e preceitos que devem ser obrigatoriamente obedecidos pelos diversos Ministérios Públicos locais, res-peitado é claro, a autonomia decorrente do pacto federativo. Cada Ministério Público Estadual possui ainda uma Lei Orgânica própria, consubstanciada formalmente em Lei Complementar Estadual, cuja iniciativa é facultada aos respectivos procuradores-gerais de Justiça (art.128, par. 5º da CF). A Lei Orgânica especifi camente do Estado do Rio de Janeiro é a LC nº 106/2003. Ressalte-se que o Artigo 80 da LONMP autoriza a aplicação subsidiária, aos Ministérios Públicos Estaduais, das normas previstas na Lei Orgânica do Mi-nistério Público da União (LC nº 75/1993), numa clara demonstração do legislador da existência de um pensamento institucional monolítico a nível nacional acerca do Parquet.

MINISTÉRIO PÚBLICO DA UNIÃO

O Ministério Público da União é chefi ado pelo Procurador-Geral da Repú-blica, escolhido livremente pelo presidente da República, dentre os integrantes da carreira maiores de 35 anos, com a chancela do Senado Federal, para man-dato de dois anos, admitida sua recondução ao cargo, respeitado o mesmo processo (art.128, parágrafo 1º da Carta da República). O chefe do Ministério Público da União pode ser reinvestido indeterminadamente em suas funções, obedecido o critério constitucional. Ressalve-se que o procurador-geral da Re-pública pode ser integrante de qualquer uma das quatro carreiras que integram o Ministério Público da União. A destituição do procurador-geral da Repúbli-ca, no exercício de sua investidura “pro tempore”, dar-se-á apenas por iniciati-va do presidente da República, mediante autorização do Senado Federal, por maioria absoluta de seus membros (CF, Art. 128, §5º).

O Ministério Público Federal

O Ministério Público Federal compreende o ramo do Ministério Público da União que atua perante o Supremo Tribunal Federal, o Superior Tribunal

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ORGANIZAÇÃO DA JUSTIÇA E DO MINISTÉRIO PÚBLICO

FGV DIREITO RIO 163

94 Art. 37, I da LC 75/93.

95 Para o rol das funções institucionais

do Ministério Público do Trabalho,

confi ra-se o Art. 83 da LC 75/93.

96 Art. 90 da LC 75/93.

de Justiça, os Tribunais Regionais Federais e juízes federais e os Tribunais e juízes eleitorais.94 É chefi ado pelo Procurador-Geral da República (Art. 45 da LC 75/93), investido em tais funções na forma acima descrita e que acumula a chefi a com a direção superior do Ministério Público da União e a função de Procurador-Geral Eleitoral. Incumbe ao Procurador-Geral da República exercer as funções do Ministério Público junto ao Supremo Tribunal Federal, manifestando-se previamente em todos os processos de sua competência.

A carreira do Ministério Público Federal possui três classes, que compre-endem os cargos de Procurador da República (ofi ciam perante as varas fede-rais); os Procuradores Regionais da República (ofi ciam perante os TRFs) e os Subprocuradores-Gerais da República (atuando perante o STF, o STJ e o TSE (art.66 da LC 75/93). Certo é que, no STF e no TSE, os subprocuradores-ge-rais atuam por delegação do PGR. Os procuradores da República são lotados em ofícios, nas Procuradorias da República sediadas nos Estados e no Distrito Federal. Já os procuradores regionais da República são lotados nas Procurado-rias Regionais da República, sediadas nas cidades onde há Tribunais Regionais Federais (Rio de Janeiro, São Paulo, Recife, Porto Alegre e Brasília).

O Ministério Público do Trabalho

O Ministério Público do Trabalho é o ramo do Ministério Público da União que atua perante a Justiça do Trabalho, competindo-lhe, entre outras funções institucionais, a promoção da ação civil pública, para a defesa de in-teresses coletivos, quando desrespeitados direitos sociais constitucionalmente garantidos; a promoção das demandas que lhe sejam atribuídas pela Consti-tuição Federal e pelas Leis trabalhistas, podendo inclusive propor ações para a declaração de nulidade de cláusulas de contrato, acordo coletivo ou conven-ção coletiva que violem liberdades individuais ou coletivas ou ainda direitos individuais indisponíveis dos trabalhadores; e ainda ofi ciar em qualquer fase do processo trabalhista, por iniciativa própria, do Juiz ou das partes.95

O Ministério Público do Trabalho tem por chefe o Procurador— Geral do Trabalho, nomeado pelo Procurador-Geral da República, dentre integrantes da instituição, com mais de trinta e cinco anos de idade e cinco na carreira, que integrem lista tríplice escolhida mediante votação plurinominal por toda a classe. A investidura se dá por dois anos, admitida uma recondução, por igual período, respeitado o mesmo procedimento. A exoneração, antes do término do mandato, dar-se-á por ato do procurador-geral da República, me-diante solicitação do Conselho Superior do Ministério Público do Trabalho. O procurador-geral do Trabalho tem assento perante o plenário do Tribunal Superior do Trabalho, propondo as ações cabíveis e manifestando-se nos pro-cessos de sua competência96. O procurador-geral do Trabalho é substituído,

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ORGANIZAÇÃO DA JUSTIÇA E DO MINISTÉRIO PÚBLICO

FGV DIREITO RIO 164

97 Art. 89 da LC 75/93.

98 Arts. 110 a 112 da LC 75/93.

99 Art. 166 da Constituição do Estado do

Rio de Janeiro.

100 Art. 120 e 121 da LC 75/93.

101 Art. 122 da LC 75/93.

em suas faltas e impedimentos, pelo vice-procurador-geral do Trabalho, por ele designado dentre os subprocuradores-gerais do Trabalho.97 A carreira do Ministério Público do Trabalho é constituída de três classes: os Procuradores do Trabalho, os Procuradores Regionais do Trabalho e os Subprocuradores-Gerais do Trabalho. Os procuradores do Trabalho e procuradores regionais do Trabalho atuam perante os TRTs, os primeiros especialmente nos litígios trabalhistas que envolvam interesses de menores e incapazes98. Os subprocu-radores-gerais do Trabalho ofi ciam perante o TST e na Câmara de Coorde-nação e Revisão, órgão de coordenação e integração do exercício funcional da instituição.

O Ministério Público Militar

O Ministério Público Militar é o ramo do Ministério Público da União que ofi cia perante os órgãos da Justiça Militar da União, compreendidas as Circunscrições da Justiça Militar, distribuídas, em número de onze, por todo o território nacional, compostas por auditorias de Justiça Militar (primeira instância) e o Superior Tribunal Militar. Convém ressaltar que, no Rio de Janeiro, consoante facultado pelo Artigo 125 § 3º da Carta Magna, há Justiça Militar Estadual de primeira instância, constituída de Conselhos de Justiça Militar99, competente para processar e julgar policiais militares e integrantes do Corpo de Bombeiros Militar nos crimes militares defi nidos em Lei. Os membros do Ministério Público que atuam perante a Auditoria da Justiça Militar Estadual não pertencem ao Ministério Público Militar e sim ao Mi-nistério Público Estadual.

O chefe da Instituição é o Procurador-Geral da Justiça Militar, nomea-do pelo Procurador-Geral da República, dentre integrantes da instituição, com mais de trinta e cinco anos de idade e cinco na carreira, que integrem lista tríplice escolhida mediante votação plurinominal por toda a classe. A investidura se dá por dois anos, admitida uma recondução, por igual perí-odo, respeitado o mesmo procedimento. A exoneração, antes do término do mandato, dar-se-á por ato do procurador-geral da República, mediante solicitação do Conselho Superior do Ministério Público Militar. O procura-dor-geral da Justiça Militar tem assento perante o Superior Tribunal Militar, propondo as ações cabíveis e manifestando-se nos processos de sua compe-tência100. O procurador-geral da Justiça Militar é substituído, em suas faltas e impedimentos, pelo vice-procurador-geral da Justiça Militar Trabalho, por ele designado dentre os subprocuradores-gerais da Justiça Militar.101 A carrei-ra do Ministério Público Militar é constituída de três classes: os Promotores de Justiça Militar, os Procuradores da Justiça Militar e os Subprocuradores-Gerais da Justiça Militar. Os promotores e os procuradores da Justiça Militar

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ORGANIZAÇÃO DA JUSTIÇA E DO MINISTÉRIO PÚBLICO

FGV DIREITO RIO 165

102 Arts. 144 e 146 da LC 75/93.

103 Art. 140 da LC 75/93.

104 Art. 156 da LC 75/93.

105 Art. 26, IV da LC 75/93.

106 Art. 156 § 2º da LC 75/93.

107 Art. 158 da LC 75/93.

108 Art. 157 da LC 75/93.

109 Arts. 178 e 179 da LC 75/93.

110 Arts. 167 e 175 da LC 75/93.

atuam perante a primeira instância, lotados em ofícios nas Procuradorias da Justiça Militar espalhadas por todo o território nacional.102 Os subprocura-dores-gerais da Justiça Militar ofi ciam perante o STM e na Câmara de Coor-denação e Revisão, órgão de coordenação e integração do exercício funcional da instituição.103

O Ministério Público do Distrito Federal e Territórios

O Ministério Público do Distrito Federal e Territórios é o ramo do Mi-nistério Público da União que ofi cia perante o Tribunal de Justiça e juízes do Distrito Federal e Territórios. O chefe da Instituição é o Procurador-Geral de Justiça, que é nomeado pelo Presidente da República104 e empossado pelo Procurador-Geral da República105, dentre integrantes da instituição, com mais de cinco anos na carreira, que integrem lista tríplice escolhida mediante votação plurinominal por toda a classe. A investidura se dá por dois anos, admitida uma recondução, por igual período, respeitado o mesmo procedi-mento. A exoneração, antes do término do mandato, dar-se-á por deliberação da maioria absoluta do Senado Federal, mediante representação do presi-dente da República106. O procurador-geral de Justiça tem assento perante o Plenário do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, propondo as ações cabíveis e manifestando-se nos processos de sua competência107. É substituído, em suas faltas e impedimentos, pelo vice-procurador-geral da Justiça, por ele designado dentre os procuradores de Justiça.108

A carreira do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios é cons-tituída de três classes: os Promotores de Justiça Adjuntos, os Promotores de Justiça e os Procuradores de Justiça. Os promotores adjuntos e os promotores de Justiça atuam perante a primeira instância, lotados em ofícios nas Promo-torias de Justiça.109 Os procuradores de Justiça ofi ciam perante o Tribunal de Justiça e nas Câmaras de Coordenação e Revisão, órgãos setoriais de coorde-nação e integração do exercício funcional da instituição.110

MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL

Como já asseverado neste trabalho, uma das grandes vertentes do Ministé-rio Público Brasileiro é o Ministério Público dos Estados, regidos, cada qual, por duas ordens jurídicas: A primeira, correspondente a Lei Orgânica Nacio-nal (Lei nº 8625/1993 — LONMP), que estabelece parâmetros, balizas e pre-ceitos que devem ser obrigatoriamente obedecidos pelos diversos Ministérios Públicos locais, respeitado é claro, a autonomia estadual em decorrência do pacto federativo. A segunda, específi ca para cada Ministério Público Estadual,

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ORGANIZAÇÃO DA JUSTIÇA E DO MINISTÉRIO PÚBLICO

FGV DIREITO RIO 166

111 Art. 73 da LC 75/93.

112 Arts. 73 §único e 74 § único da

LC 75/93.

consubstanciada em Lei Complementar Estadual, cuja iniciativa é facultada aos respectivos procuradores-gerais de Justiça (art.128, par. 5º da CF).

A Lei Orgânica Nacional do Ministério Público tem por objetivo estabe-lecer normas gerais e princípios que devem ser seguidos por todos os Minis-térios Públicos Estaduais, sendo vedado a qualquer Ministério Público Esta-dual dispor, em sua Lei Orgânica, de modo diferente. Determina, ainda, a estrutura dos órgãos da administração superior do Ministério Público, fi xan-do-lhes a competência e os mecanismos de controle interno da instituição, além das atribuições dos seus membros e dispositivos acerca da autonomia do Parquet. Ressalte-se, por oportuno, que o Artigo 80 da LONMP autoriza a aplicação subsidiária, aos Ministérios Públicos Estaduais, das normas previs-tas na Lei Orgânica do Ministério Público da União (LC nº 75/1993).

O Ministério Público tem por chefe o Procurador-Geral de Justiça, no-meado pelo governador do Estado, dentre integrantes da carreira, com mais de dois anos de atividade, indicados em lista tríplice, para mandato de dois anos, permitida uma recondução sendo observado o mesmo procedimento. O ingresso na carreira se dá mediante concurso público de provas e títulos, em obediência ao disposto no Artigo 37 da Constituição Federal, no cargo de Promotor de Justiça Substituto, atuando perante o primeiro grau de jurisdi-ção. Após dois anos de estágio probatório o promotor de Justiça é vitaliciado e no decorrer da carreira, por merecimento ou antiguidade, alternadamente, será promovido a procurador de Justiça, passando a atuar junto ao segundo grau de jurisdição.

O MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL

O Ministério Público Eleitoral não é uma instituição dotada de autono-mia administrativa, fi nanceira e orçamentária, não constituindo ramo autô-nomo do Ministério Público, com as prerrogativas previstas no Artigo 127 da Carta Magna. Trata-se, na verdade, de uma função institucional afeta ao Ministério Público Federal, nos precisos termos do art. 72 da LC 75/93. O chefe do Ministério Público Eleitoral é o Procurador-Geral da República que, nestas funções, recebe a denominação de Procurador-Geral Eleitoral111, competindo-lhe exercer as funções do Ministério Público Eleitoral junto ao Tribunal Superior Eleitoral, podendo para tanto designar, para auxiliá-lo neste mister, um vice-procurador-geral eleitoral, dentre os Subprocuradores-Gerais da República além de membros do Ministério Público Federal, para ofi ciarem naquela corte, sob sua aprovação.112

Em cada Estado da Federação e no Distrito Federal há um Procurador-Regional Eleitoral, designado pelo procurador-geral eleitoral dentre os pro-curadores regionais da República, onde houver, ou procuradores da Repúbli-

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ORGANIZAÇÃO DA JUSTIÇA E DO MINISTÉRIO PÚBLICO

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113 Art. 76 da LC 75/93.

114 Art. 78 da LC 75/93.

115 MENDES, Aluisio Gonçalves de

Castro. Ações Coletivas no direito com-

parado e nacional. São Paulo, Editora

Revista dos Tribunais, 2002, p. 27-36.

ca já vitaliciados, para exercerem as funções do Ministério Público Eleitoral perante os respectivos Tribunais Regionais Federais.113.

As funções eleitorais junto aos juízes e juntas eleitorais são exercidas pelo Ministério Público Estadual, por meio dos promotores de Justiça, que são denominados promotores eleitorais.114

O MINISTÉRIO PÚBLICO JUNTO AO TRIBUNAL DE CONTAS

A Carta Magna de 1988 previu, em seus Artigos 73 § 2º, I e 130, a existên-cia de um Ministério Público junto ao Tribunal de Contas, gerando contro-vérsias acerca da natureza e a autonomia dessa Instituição. O STF, entretanto, entendeu que ”O Ministério Público que atua perante o TCU qualifi ca-se como órgão de extração constitucional, eis que sua existência jurídica resulta de expressa previsão normativa constante da Carta Política... O Ministério Público junto ao TCU não dispõe de fi sionomia institucional própria e, não obstante as expressi-vas garantias de ordem subjetiva concedidas aos seus Procuradores pela própria Constituição (Art. 130), encontra-se consolidado na intimidade estrutural dessa Corte de Contas, que se acha investida — até mesmo em função do poder de auto-governo que lhe confere a Carta Política (Art. 73, caput, in fi ne) — da prerrogativa de fazer instaurar o processo legislativo concernente à sua organiza-ção, à sua estruturação interna, à defi nição de seu quadro de pessoal e à criação dos cargos respectivos.”

A ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO NA DEFESA DOS INTERESSES TRANSINDIVIDUAIS

Inicialmente, cabe ressaltar os motivos que levaram a introdução desta categoria de interesses em nosso ordenamento jurídico. Teve o legislador em mente, principalmente, a ampliação do acesso à Justiça, permitindo que inú-meras pessoas lesadas pudessem vindicar seus direito de maneira mais efi caz. Objetivou também atender ao princípio da economia processual, substituin-do um número incalculável de demandas, com idêntico objeto, por ações coletivas, visando a atender, num único processo, o maior número de interes-sados. Levou em conta ainda o princípio da segurança jurídica, evitando-se inúmeras decisões judiciais contraditórias, proferidas em processos individu-ais115, privilegiando a possibilidade de uma decisão judicial — mais facilmen-te executável — atingir maior número de jurisdicionados.

Interesses difusos são aqueles em que uma parcela indeterminada de pes-soas, ligadas por uma mesma circunstância de fato, estão sendo atingidas nos

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ORGANIZAÇÃO DA JUSTIÇA E DO MINISTÉRIO PÚBLICO

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seus direitos de natureza indivisível, conforme preceitua o artigo 81, §único, I do Código de Defesa do Consumidor (CDC).

No caso dos interesses coletivos, previstos no inciso II do §único do citado artigo, os destinatários são determináveis, isto porque identifi cados por uma relação jurídica base, sendo direitos coletivos de natureza indivisível, assim como os anteriores.

Diversamente dos interesses referidos anteriormente, os direitos indivi-duais homogêneos são divisíveis, já que sua determinação é tão somente por advir de uma origem comum, sendo seus titulares determináveis (artigo 81, § único, III do CDC)

Assim, percebe-se que esses direitos possuem pontos comuns e divergentes entre si. Os interesses difusos e os interesses coletivos têm natureza indivi-sível, diferem pela origem da lesão (circunstância de fato e relação jurídica fática) e pela abrangência do grupo (indetermináveis e determináveis). Os di-reitos coletivos e os individuais homogêneos, por sua vez, igualam-se, no que diz respeito ao grupo lesado, sendo ambos determináveis; porém, diferem quanto à divisibilidade do interesse (indivisíveis e divisíveis) e pela origem da lesão (relação jurídica básica e origem comum).

O Ministério Público é o legitimado mais adequado para a defesa de to-dos os interesses protegidos pela Lei da Ação Civil Pública, inclusive com as alterações impostas pela Lei nº 8078/1990.

Legitimado adequado é aquele que, de forma mais idônea, pode defender em juízo o interesse em jogo, idoneidade técnica, moral e econômica. Assim, não há dúvidas de que o Ministério Público, dotado de garantias e prerroga-tivas constitucionais, além da autonomia fi nanceira, orçamentária e adminis-trativa, é o legitimado mais apto à defesa dos anseios sociais.

A Ação Civil Pública é pautada sobre os princípios da obrigatoriedade e da indisponibilidade. Desta forma, verifi cando a existência dos elementos exigidos em lei para a propositura da Ação Civil Pública, o Ministério Pú-blico não tem discricionariedade para deixar de agir. Não se trata, portanto, de um direito, mas sim de um dever de agir. Inteligentemente, o legislador tratou dos meios de controle de observância do princípio da obrigatoriedade pelo membro do Ministério Público. Um deles se refl ete na função atribuída ao Conselho Superior (art. 9º e seus parágrafos da Lei 7347/85) de rever pedido de arquivamento formulado por promotor de Justiça. Outro meio de controle encontra-se na legitimidade ativa concorrente dos outros co-legitimados, que poderão propor Ação Civil Pública quando o Ministério Público não o fi zer, caso em que atuará como custos legis, na forma do art. 5º, §1º da Lei 7347/85.

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ORGANIZAÇÃO DA JUSTIÇA E DO MINISTÉRIO PÚBLICO

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O inquérito civil

O inquérito civil é procedimento administrativo preparatório, previsto no artigo 8º e seguintes da Lei nº 7347/1985, de cunho inquisitorial e que tem por objetivo dotar o Ministério Público de instrumento investigatório para a apuração de fatos tidos como infracionais a interesses meta-individuais e, consequentemente, embasar a Ação Civil Pública. Trata-se de procedimento prescindível, assim como o inquérito policial, sendo dispensável, se for possível, a produção do lastro probatório por meio de peças de informação. O inqué-rito civil não possui litigantes, muito menos partes, regendo-se pelo Princípio do Informalismo. Assim, a jurisprudência dominante entende não ser possível obstaculizar o procedimento do inquérito civil mediante Habeas Corpus ou Mandado de Segurança, eis que o instrumento por si só não tem o condão de tolher a liberdade individual ou constranger fi sicamente alguém. Por ser apenas um procedimento inquisitivo, em seu bojo não pode ser praticado nenhum ato que cause constrangimento a cidadão, não se lhe aplicando o princípio do devido processo legal. Diferentemente da Ação Civil Pública, que tem diversos co-legitimados, o Inquérito Civil é exclusivo do Ministério Público, somente podendo ser instaurado pelos Promotores de Tutela Coletiva e pelo Procura-dor-Geral de Justiça nas hipóteses de sua atribuição originária (artigo 29, VIII da LONMP, quando a autoridade reclamada for presidente de Tribunal de Jus-tiça, presidente da Assembléia Legislativa ou governador do Estado).

O Inquérito Civil é instaurado mediante portaria do promotor, com atri-buição, que pode agir de ofício ou em face de representação de qualquer do povo. Pode haver, ainda, a requisição para a instauração do inquérito civil pelo Conselho Superior do Ministério Público em hipóteses em que tenha rejeitado arquivamento de procedimento preparatório anterior. Se o promo-tor sentir necessidade de “esclarecimentos complementares”, poderá instau-rar PPIC (Procedimento Preparatório de Inquérito Civil), pelo prazo de 90 dias, prorrogável por igual período, uma única vez, por meio de promoção fundamentada (artigos 7º, § 2º da Res. GPGJ 1.522/09), quando então, se não concluído o procedimento, deverá ser instaurado o inquérito civil.

No curso da investigação, pode o promotor requisitar diligencias, notifi -car, inclusive coercitivamente, testemunhas e outras providências visando a formação de seu conhecimento. Finda a investigação, três providências po-dem ser tomadas pelo representante do Parquet:

a) Ajuizamento da Ação Civil Pública no foro competente, que deverá ser acompanhada pelo próprio Promotor de Tutela Coletiva;

b) Celebração de Termo ou Compromisso de Ajustamento de Condu-ta, estipulando cláusula penal em caso de descumprimento de suas obrigações;

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ORGANIZAÇÃO DA JUSTIÇA E DO MINISTÉRIO PÚBLICO

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116 CARNEIRO, Paulo Cezar Pinheiro.

Acesso à Justiça: Juizados Especiais

Cíveis e Ação Civil Pública. 1ªed. Rio de

Janeiro: Forense, 1999, p. 119.

c) Promoção de arquivamento do inquérito civil, fundamentada-mente, submetendo no prazo de três dias (artigo 9º, §1º da Lei nº 7347/1985), sob pena de falta grave, sua decisão ao reexame neces-sário do Conselho Superior do Ministério Público.

Ressalve-se que eventuais vícios do inquérito civil não maculam a Ação Civil Pública posteriormente ajuizada, sendo certo ainda que mesmo neste caso, eventualmente, o inquérito civil pode servir de lastro, ou seja, suporte probatório mínimo para a ação penal.

Após arquivado o inquérito civil, este poderá ser desarquivado por pro-vocação do promotor de Justiça com atribuição, ao Conselho Superior do Ministério Público.

Termo de Ajustamento de Conduta (TAC)

O Termo de Ajustamento de Conduta ou Compromisso de Ajustamento de Conduta foi uma inovação trazida pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei 8069, em 1990, por meio de seu artigo 211 (“os órgãos públicos legitimados poderão tomar dos interessados compromisso de ajustamento de conduta às exigên-cias legais...”). Naquele mesmo ano, o Código de Defesa do Consumidor (Lei 8078) acrescentou o parágrafo 6º à Lei da Ação Civil Pública (Lei 7347/85), expandindo de vez a utilização de tão importante instrumento de operosidade das demandas coletivas. O Ministério Público deve participar diretamente da atividade judicial ou extrajudicial por ser, constitucionalmente, aquele que deve zelar pela ordem jurídica. Deve, assim, pautar sua atuação focando as formas mais produtivas possíveis que assegurem o acesso a uma ordem jurídica justa. O Termo de Ajustamento de Conduta é uma dessas formas.

Como bem salientou Paulo Cezar Pinheiro Carneiro116, “o compromisso de ajustamento de conduta funciona, à semelhança da conciliação e da transação, como verdadeiro equivalente jurisdicional, permitindo a solução rápida e amigá-vel do confl ito, seja na fase pré-processual seja no curso do próprio processo”.

Mediante o Termo de Ajustamento de Conduta, o próprio interessado, por meio de uma declaração unilateral, se obriga a ajustar a sua conduta àquilo que a lei determina. O causador do dano assume uma obrigação que visa evi-tar ou reparar lesão a direito ou interesse público. Dada a grande aplicação que ganhou o Termo de Ajustamento de Conduta, sua abrangência ultrapassou a mera obrigação de fazer ou não fazer, passando a alcançar, devido a seu caráter consensual, até mesmo medidas compensatórias, como a medida de coerção multa, como forma de buscar o cumprimento da obrigação nele assumida.

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117 Hábeas Corpus 81326.

CASO DE SEDIMENTAÇÃO

Caio e sua esposa Maria fi rmaram contrato de fi nanciamento habitacio-nal com a Caixa Econômica Federal, com duração de 120 meses. Ocorre que, quando estava para efetuar o pagamento da 15ª parcela, Caio foi infor-mado por um amigo contador que os juros previstos no contrato fi rmado eram abusivos pois, apesar de baseados em uma Lei sobre fi nanciamentos, a mesma era inconstitucional. Indignado, Caio procura o Ministério Público, que, analisando os documentos apresentados, propõe uma ação civil pública contra a Caixa Econômica Federal, postulando a repetição de indébito dos valores pagos a maior por todos os contratados e à obrigação de não mais in-serir nos contratos futuros a referida cláusula, tudo isso tendo como causa de pedir o reconhecimento da inconstitucionalidade da lei, para que o decisum surta efeitos erga omnes.

Pergunta-se: é possível o pedido feito pelo Ministério Público mediante Ação Civil Pública?

A INVESTIGAÇÃO DIRETA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO

A persecução criminal no nosso ordenamento jurídico divide-se, em regra, em duas fases. A primeira, de cunho extraprocessual, com o inquérito poli-cial ou consectários. A segunda fase, de índole processual, com a ação penal. Questão controvertida versa sobre a possibilidade do Ministério Público rea-lizar, na fase extraprocessual, investigação direta. A controvérsia se acentuou devido a decisão do Supremo Tribunal Federal, da lavra do ministro Nelson Jobim, nos seguintes termos:

“A constituição Federal dotou o Ministério Público do poder de requisitar di-ligências investigatórias e a instauração de inquérito policial (CF, art. 129, VIII).

A norma constitucional não contemplou a possibilidade do Parquet realizar e presidir inquérito policial.

Não cabe, portanto, aos seus membros inquirir diretamente pessoas suspeitas de autoria de crime, mas requisitar diligência neste sentido à autoridade policial. Pre-cedentes.

O recorrente é delegado de polícia e, portanto, autoridade administrativa.Seus atos estão sujeitos aos órgãos hierárquicos próprios da corporação, Chefi a de

Polícia e Corregedoria.Recurso conhecido e provido.”117

Inicialmente, o STF empreendeu análise histórica, concluindo que desde 1936 até os dias de hoje, apesar das tentativas de modifi cação do modelo de

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ORGANIZAÇÃO DA JUSTIÇA E DO MINISTÉRIO PÚBLICO

FGV DIREITO RIO 172

investigação policial, nunca foi concedido ao Ministério Público o poder de realizar diligências investigatórias. É inoperante o método histórico utiliza-do. A nova hermenêutica preconiza que nenhum método de interpretação é capaz de, isoladamente, resolver em defi nitivo uma questão de tamanha com-plexidade. Com a Constituição de 1988, o Ministério Público teve seu papel amplamente aumentado, passando de Instituição vinculada e subordinada ao Poder Executivo, para um perfi l independente, recebendo o papel maior de guarda do Estado Democrático de Direito, da defesa da ordem jurídica e dos interesses sociais e individuais indisponíveis. Desta forma, há um novo fun-damento de validade a embasar a atuação da Instituição, não podendo, por-tanto, o intérprete se utilizar de posicionamentos doutrinários, leis e julgados anteriores à Constituição de 1988 para concluir que o Ministério Público não possui poderes investigatórios.

Outro importante argumento utilizado foi o de ser competência exclusi-va da Polícia Judiciária a atividade investigatória, não tendo o Parquet essa função institucional. Ora, pela simples leitura do artigo 144, §1º da Carta da República pode-se observar que a verdadeira vontade do constituinte não foi de conferir exclusividade à Polícia no que tange à investigação, mas sim delimitar o âmbito de atuação de cada uma das Polícias ali mencionadas, re-servando, em especial, para a Polícia Federal a apuração das infrações penais, a prevenção e repressão ao tráfi co de drogas e o exercício, com exclusividade, das funções de polícia judiciária da União. Não deixou também o constituin-te de ressalvar para a Polícia Civil as funções de polícia judiciária e apuração de infrações penais, quando não colidentes com a competência da União. Quis o legislador, portanto, apenas delimitar a atribuição de cada uma delas, tanto é assim, que em seguida elencou as funções da Polícia Militar, Polícia Ferroviária e Rodoviária Federal. Na verdade, o poder de investigação não é exclusividade da polícia, nem o seria desta e do Ministério Público. Existem outros órgãos do Estado para os quais a lei prevê a possibilidade de realização de diligências investigatórias.

Exemplos:

Constituição Federal de 1988“Art. 58§ 3º — As comissões parlamentares de inquérito, que terão poderes de investiga-

ção próprios das autoridades judiciais, além de outros previstos nos regimentos das respectivas Casas, serão criadas pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal, em conjunto ou separadamente, mediante requerimento de um terço de seus mem-bros, para a apuração de fato determinado e por prazo certo, sendo suas conclusões, se for o caso, encaminhadas ao Ministério Público, para que promova a responsabi-lidade civil ou criminal dos infratores.”

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ORGANIZAÇÃO DA JUSTIÇA E DO MINISTÉRIO PÚBLICO

FGV DIREITO RIO 173

118 RHC 9340 / SP, Relator Min. José

Arnaldo da Fonseca, j. 16/12/1999,

quinta turma.

LC 64/90“Art. 22. Qualquer partido político, coligação, candidato ou Ministério Público

Eleitoral poderá representar à Justiça Eleitoral, diretamente ao Corregedor-Geral ou Regional, relatando fatos e indicando provas, indícios e circunstâncias e pedir aber-tura de investigação judicial para apurar uso indevido, desvio ou abuso do poder econômico ou do poder de autoridade, ou utilização indevida de veículos ou meios de comunicação social, em benefício de candidato ou de partido político(...)”

Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal“Art. 43. Ocorrendo infração à lei penal na sede ou dependência do Tribunal, oPresidente instaurará inquérito, se envolver autoridade ou pessoa sujeita à sua

jurisdição, ou delegará esta atribuição a outro Ministro.”

LC35/79 — Lei Orgânica da Magistratura Nacional“Art. 33 — São prerrogativas do magistrado:Parágrafo único — Quando, no curso de investigação, houver indício da prática

de crime por parte do magistrado, a autoridade policial, civil ou militar, remeterá os respectivos autos ao Tribunal ou órgão especial competente para o julgamento, a fi m de que prossiga na investigação.”

Vale lembrar, também, não ser o inquérito policial indispensável ao lastro da peça acusatória. O Artigo 12 do CPP é claro ao deixar patente a pres-cindibilidade do inquérito, sendo certo que o Superior Tribunal de Justiça, apreciando a questão, inclusive assim já decidiu.118 Para reforçar esta idéia de prescindibilidade do inquérito policial, lembre-se do artigo 27 do CPP que permite que qualquer do povo provoque a iniciativa do Ministério Público, fornecendo-lhe informações necessárias sobre o crime de seu conhecimento, admitido-se no ordenamento processual, portanto, inclusive, a investigação particular. O artigo 39, § 5º do CPP também não pode ser esquecido, visto que ele admite expressamente que o Ministério Público dispense o inquérito se a representação recebida vier acompanhada de dados sufi cientes para que desde já, seja defl agrada a ação penal. Vale ressalvar, que o artigo 28 e o artigo 67, I, ambos do CPP falam em “peças de informação”, corroborando assim com a existência de investigação criminal fora da sede de inquérito policial.

Por tudo o que foi exposto, portanto, nos dias atuais, com a nova ordem constitucional vigente, não há que se falar em monopólio da Polícia no que tange ao poder de investigação criminal.

O poder investigatório do Ministério Público encontra-se lastreado em diversos diplomas legais:

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ORGANIZAÇÃO DA JUSTIÇA E DO MINISTÉRIO PÚBLICO

FGV DIREITO RIO 174

Constituição Federal de 1988“Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público:I — promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da lei;VI — expedir notifi cações nos procedimentos administrativos de sua competên-

cia, requisitando informações e documentos para instruí-los, na forma da lei com-plementar respectiva;

VIII — requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito poli-cial, indicados os fundamentos jurídicos de suas manifestações processuais;

IX — exercer outras funções que lhe forem conferidas, desde que compatíveis com sua fi nalidade, sendo-lhe vedada a representação judicial e a consultoria jurídica de entidades públicas.”

LC 75/93“Art. 8º Para o exercício de suas atribuições, o Ministério Público da União po-

derá, nos procedimentos de sua competência:I — notifi car testemunhas e requisitar sua condução coercitiva, no caso de au-

sência injustifi cada;V — realizar inspeções e diligências investigatórias;VII — expedir notifi cações e intimações necessárias aos procedimentos e inqué-

ritos que instaurar;”

Lei 8625/93 — LONMP“Art. 26. No exercício de suas funções, o Ministério Público poderá:I — instaurar inquéritos civis e outras medidas e procedimentos administrativos

pertinentes e, para instruí-los:a) expedir notifi cações para colher depoimento ou esclarecimentos e, em caso de

não comparecimento injustifi cado, requisitar condução coercitiva, inclusive pela Po-lícia Civil ou Militar, ressalvadas as prerrogativas previstas em lei;

b) requisitar informações, exames periciais e documentos de autoridades federais, estaduais e municipais, bem como dos órgãos e entidades da administração direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios;

c) promover inspeções e diligências investigatórias junto às autoridades, órgãos e entidades a que se refere a alínea anterior;

II — requisitar informações e documentos a entidades privadas, para instruir procedimentos ou processo em que ofi cie;

IV — requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial e de inquérito policial militar, observado o disposto no art. 129, inciso VIII, da Cons-tituição Federal, podendo acompanhá-los;

4º A falta ao trabalho, em virtude de atendimento à notifi cação ou requisição, na forma do inciso I deste artigo, não autoriza desconto de vencimentos ou salário, considerando-se de efetivo exercício, para todos os efeitos, mediante comprovação es-crita do membro do Ministério Público.”

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ORGANIZAÇÃO DA JUSTIÇA E DO MINISTÉRIO PÚBLICO

FGV DIREITO RIO 175

119 Apelação Criminal 4174/2000.

Primeira Câmara Criminal – Desembar-

gador Paulo Ventura – j. 27.03.2001.

120 Apud Ofício encaminhado pela

CONAMP – Associação Nacional dos

Membros do Ministério Público ao

Secretário da Reforma do Judiciário a

propósito das investigações criminais

realizadas pelo Ministério Público, in

www.conamp.org.br/noticias/investi-

ga.htm, acesso em 10/09/03, p. 4.

Alguns juristas se insurgem contra o poder investigatório ministerial, tendo como argumentação a suposta ausência de controle de legalidade dos seus atos. Mais uma vez não merece prosperar tal questionamento. A própria Constitui-ção assegurou no seu artigo 5º, XXXV, como direito fundamental do homem, que a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito. Na hipótese de excesso ou subversão da lei por parte do Ministério Público quando de suas investigações, lícito será ao ofendido a impetração dos remédios constitucionalmente previstos para todos os casos de abuso de autoridade e agressão a lei, quais sejam, o Habeas Corpus ou o Mandado de Segurança, devendo fi gurar o Ministério Público como agente coator, já tendo o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro decidido neste sentido.119

Apesar de toda a previsão legal e opiniões doutrinárias e jurisprudenciais no sentido de reconhecer ao Ministério Público o poder investigatório, se nada disso fosse sufi ciente para se reconhecer ao Ministério Público tal po-der investigatório, ainda assim, não prosperariam os argumentos contrários a tal autorização diante da Teoria dos Poderes Implícitos. Valendo-se da máxima de quem pode o mais pode o menos, Pinto Ferreira, invocando a Teoria dos Poderes Implícitos, cunhada pela Suprema Corte norte-americana no julgamento do caso McCulloch X Maryland, de aplicação corrente no direito constitucional pátrio, segundo a qual, se o constituinte concede a de-terminado órgão ou instituição, uma função (atividade-fi m), implicitamente estará concedendo-lhe os meios necessários ao atingimento do seu objetivo, sob pena de ser frustrado o exercício do múnus constitucional que lhe foi cometido120. De fato, de que adiantaria a Constituição da República dotar o Ministério Público de tamanha grandeza institucional, fornecer-lhe objetivos a serem conquistados, se não lhe proporcionasse os meios para atingi-los?

Se o constituinte originário dotou o Ministério Público da privativa pro-moção da ação penal, forneceu-lhe a faculdade, de quando entender necessá-rio, requisitar informações ou expedir notifi cações, por que haveria ele de se manter inerte diante de casos em que a Polícia Judiciária se fi zesse inoperante na promoção da investigação de que o Parquet tanto necessita.

Recente decisão da Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal, no HC 89.837/DF, esposou a tese de não haver óbice à investigação criminal pelo Ministério Público, tendo por base justamente os fundamentos anteriormen-te apontados:

E M E N T A: “HABEAS CORPUS” — CRIME DE TORTURA ATRIBU-ÍDO A POLICIAL CIVIL — POSSIBILIDADE DE O MINISTÉRIO PÚBLI-CO, FUNDADO EM INVESTIGAÇÃO POR ELE PRÓPRIO PROMOVIDA, FORMULAR DENÚNCIA CONTRA REFERIDO AGENTE POLICIAL — VALIDADE JURÍDICA DESSA ATIVIDADE INVESTIGATÓRIA — CON-DENAÇÃO PENAL IMPOSTA AO POLICIAL TORTURADOR — LEGITI-

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ORGANIZAÇÃO DA JUSTIÇA E DO MINISTÉRIO PÚBLICO

FGV DIREITO RIO 176

MIDADE JURÍDICA DO PODER INVESTIGATÓRIO DO MINISTÉRIO PÚBLICO — MONOPÓLIO CONSTITUCIONAL DA TITULARIDADE DA AÇÃO PENAL PÚBLICA PELO “PARQUET” — TEORIA DOS PODE-RES IMPLÍCITOS — CASO “McCULLOCH v. MARYLAND” (1819) — MA-GISTÉRIO DA DOUTRINA (RUI BARBOSA, JOHN MARSHALL, JOÃO BARBALHO, MARCELLO CAETANO, CASTRO NUNES, OSWALDO TRI-GUEIRO, v.g.) — OUTORGA, AO MINISTÉRIO PÚBLICO, PELA PRÓPRIA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA, DO PODER DE CONTROLE EXTER-NO SOBRE A ATIVIDADE POLICIAL — LIMITAÇÕES DE ORDEM JU-RÍDICA AO PODER INVESTIGATÓRIO DO MINISTÉRIO PÚBLICO — “HABEAS CORPUS” INDEFERIDO. NAS HIPÓTESES DE AÇÃO PENAL PÚBLICA, O INQUÉRITO POLICIAL, QUE CONSTITUI UM DOS DIVER-SOS INSTRUMENTOS ESTATAIS DE INVESTIGAÇÃO PENAL, TEM POR DESTINATÁRIO PRECÍPUO O MINISTÉRIO PÚBLICO. — O inquérito policial qualifi ca-se como procedimento administrativo, de caráter pré-processual, ordinariamente vocacionado a subsidiar, nos casos de infrações perseguíveis median-te ação penal de iniciativa pública, a atuação persecutória do Ministério Público, que é o verdadeiro destinatário dos elementos que compõem a “informatio delicti”. Precedentes. — A investigação penal, quando realizada por organismos policiais, será sempre dirigida por autoridade policial, a quem igualmente competirá exercer, com exclusividade, a presidência do respectivo inquérito. — A outorga constitucio-nal de funções de polícia judiciária à instituição policial não impede nem exclui a possibilidade de o Ministério Público, que é o “dominus litis”, determinar a abertura de inquéritos policiais, requisitar esclarecimentos e diligências investigatórias, estar presente e acompanhar, junto a órgãos e agentes policiais, quaisquer atos de investi-gação penal, mesmo aqueles sob regime de sigilo, sem prejuízo de outras medidas que lhe pareçam indispensáveis à formação da sua “opinio delicti”, sendo-lhe vedado, no entanto, assumir a presidência do inquérito policial, que traduz atribuição privativa da autoridade policial. Precedentes. A ACUSAÇÃO PENAL, PARA SER FORMU-LADA, NÃO DEPENDE, NECESSARIAMENTE, DE PRÉVIA INSTAURA-ÇÃO DE INQUÉRITO POLICIAL. — Ainda que inexista qualquer investigação penal promovida pela Polícia Judiciária, o Ministério Público, mesmo assim, pode fazer instaurar, validamente, a pertinente “persecutio criminis in judicio”, desde que disponha, para tanto, de elementos mínimos de informação, fundados em base empí-rica idônea, que o habilitem a deduzir, perante juízes e Tribunais, a acusação penal. Doutrina. Precedentes. A QUESTÃO DA CLÁUSULA CONSTITUCIONAL DE EXCLUSIVIDADE E A ATIVIDADE INVESTIGATÓRIA. — A cláusula de exclusividade inscrita no art. 144, § 1º, inciso IV, da Constituição da República — que não inibe a atividade de investigação criminal do Ministério Público — tem por única fi nalidade conferir à Polícia Federal, dentre os diversos organismos poli-ciais que compõem o aparato repressivo da União Federal (polícia federal, polícia rodoviária federal e polícia ferroviária federal), primazia investigatória na apuração

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dos crimes previstos no próprio texto da Lei Fundamental ou, ainda, em tratados ou convenções internacionais. — Incumbe, à Polícia Civil dos Estados-membros e do Distrito Federal, ressalvada a competência da União Federal e excetuada a apuração dos crimes militares, a função de proceder à investigação dos ilícitos penais (crimes e contravenções), sem prejuízo do poder investigatório de que dispõe, como atividade subsidiária, o Ministério Público. — Função de polícia judiciária e função de inves-tigação penal: uma distinção conceitual relevante, que também justifi ca o reconheci-mento, ao Ministério Público, do poder investigatório em matéria penal. Doutrina. É PLENA A LEGITIMIDADE CONSTITUCIONAL DO PODER DE INVES-TIGAR DO MINISTÉRIO PÚBLICO, POIS OS ORGANISMOS POLICIAIS (EMBORA DETENTORES DA FUNÇÃO DE POLÍCIA JUDICIÁRIA) NÃO TÊM, NO SISTEMA JURÍDICO BRASILEIRO, O MONOPÓLIO DA COM-PETÊNCIA PENAL INVESTIGATÓRIA. — O poder de investigar compõe, em sede penal, o complexo de funções institucionais do Ministério Público, que dispõe, na condição de “dominus litis” e, também, como expressão de sua competência para exercer o controle externo da atividade policial, da atribuição de fazer instaurar, ainda que em caráter subsidiário, mas por autoridade própria e sob sua direção, procedimentos de investigação penal destinados a viabilizar a obtenção de dados informativos, de subsídios probatórios e de elementos de convicção que lhe permitam formar a “opinio delicti”, em ordem a propiciar eventual ajuizamento da ação pe-nal de iniciativa pública. Doutrina. Precedentes. CONTROLE JURISDICIONAL DA ATIVIDADE INVESTIGATÓRIA DOS MEMBROS DO MINISTÉRIO PÚBLICO: OPONIBILIDADE, A ESTES, DO SISTEMA DE DIREITOS E GARANTIAS INDIVIDUAIS, QUANDO EXERCIDO, PELO “PARQUET”, O PODER DE INVESTIGAÇÃO PENAL. — O Ministério Público, sem prejuízo da fi scalização intra-orgânica e daquela desempenhada pelo Conselho Nacional do Ministério Público, está permanentemente sujeito ao controle jurisdicional dos atos que pratique no âmbito das investigações penais que promova “ex propria auctorita-te”, não podendo, dentre outras limitações de ordem jurídica, desrespeitar o direito do investigado ao silêncio (“nemo tenetur se detegere”), nem lhe ordenar a condução coercitiva, nem constrangê-lo a produzir prova contra si próprio, nem lhe recusar o conhecimento das razões motivadoras do procedimento investigatório, nem submetê-lo a medidas sujeitas à reserva constitucional de jurisdição, nem impedi-lo de fazer-se acompanhar de Advogado, nem impor, a este, indevidas restrições ao regular de-sempenho de suas prerrogativas profi ssionais (Lei nº 8.906/94, art. 7º, v.g.). — O procedimento investigatório instaurado pelo Ministério Público deverá conter todas as peças, termos de declarações ou depoimentos, laudos periciais e demais subsídios probatórios coligidos no curso da investigação, não podendo, o “Parquet”, sonegar, selecionar ou deixar de juntar, aos autos, quaisquer desses elementos de informação, cujo conteúdo, por referir-se ao objeto da apuração penal, deve ser tornado acessível tanto à pessoa sob investigação quanto ao seu Advogado. — O regime de sigilo, sempre excepcional, eventualmente prevalecente no contexto de investigação penal

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121 Habeas Corpus nºs 87.610, 90.099

e 94.173, Relator Ministro Celso de

Mello, julgados em 27/10/09.

122 Habeas Corpus nº 100042, Relator

Ministro Celso de Mello, julgado em

02/10/09.

promovida pelo Ministério Público, não se revelará oponível ao investigado e ao Advogado por este constituído, que terão direito de acesso — considerado o princípio da comunhão das provas — a todos os elementos de informação que já tenham sido formalmente incorporados aos autos do respectivo procedimento investigatório.

A C Ó R D Ã OVistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tri-

bunal Federal, em Segunda Turma, sob a Presidência da Ministra Ellen Gracie, na conformidade da ata de julgamentos e das notas taquigráfi cas, por unanimidade de votos, em indeferir o pedido de “habeas corpus”, nos termos do voto do Relator. Falou, pelo Ministério Público Federal, o Dr. Wagner Gonçalves. Ausente, justifi cadamente, neste julgamento, o Senhor Ministro Cezar Peluso. Brasília, 20 de outubro de 2009. CELSO DE MELLO — RELATOR (HC nº 89.837/DF)

Além do HC 89.837/DF, a Segunda Turma julgou mais três habeas cor-pus121, em que se discutia a legitimidade investigatória do Ministério Público em matéria criminal. Mais uma vez, por unanimidade, reconheceu-se que a investigação criminal realizada pelo MP é constitucional e legítima, possuin-do um caráter concorrente e subsidiário.

Cabe ressaltar, no entanto, que o Ministro Celso de Mello122, apesar de reconhecer que o Ministério Público possa formar sua opinio delicti com apoio aos elementos de convicção resultantes das atividades investigatórias por ele próprio promovida, não poderá se utilizar de dados informativos que derivem de documentos ou escritos anônimos, nem os tenham como único fundamento causal.

A RESOLUÇÃO Nº 13 DO CNMP

Em 13 de outubro de 2006 o Conselho Nacional do Ministério Público editou a Resolução nº 13 regulamentando o art. 8º da Lei Complementar 75/93 e o art. 26 da Lei n.º 8.625/93, disciplinando, no âmbito do Mi-nistério Público, a instauração e tramitação do procedimento investigatório criminal, e dá outras providências.

Dispõe a resolução que o procedimento investigatório criminal é instru-mento de natureza administrativa e inquisitorial, instaurado e presidido pelo membro do Ministério Público com atribuição criminal, e terá como fi na-lidade apurar a ocorrência de infrações penais de natureza pública, servindo como preparação e embasamento para o juízo de propositura, ou não, da respectiva ação penal.

Ressalva a resolução, porém, que o procedimento investigatório criminal não é condição de procedibilidade ou pressuposto processual para o ajuiza-mento de ação penal e não exclui a possibilidade de formalização de investi-gação por outros órgãos legitimados da Administração Pública.

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Em poder de quaisquer peças de informação, o membro do Ministério Público poderá promover a ação penal cabível, instaurar procedimento inves-tigatório criminal, encaminhar as peças para o Juizado Especial Criminal, caso a infração seja de menor potencial ofensivo, promover fundamentadamente o respectivo arquivamento, ou requisitar a instauração de inquérito policial.

O procedimento investigatório criminal poderá ser instaurado de ofício, por membro do Ministério Público, no âmbito de suas atribuições criminais, ao tomar conhecimento de infração penal, por qualquer meio, ainda que informal, ou mediante provocação.

Dispondo desta forma, resta clara a intenção do Conselho Nacional do Ministério Público em regulamentar o poder investigatório do Ministério Público, restando normatizado o que na prática já vinha ocorrendo mas sem um procedimento previamente determinado.

Em 10 de outubro de 2006, a Associação dos Delegados de Polícia do Bra-sil ajuizou no Supremo Tribunal Federal a Ação Direta de Inconstitucionali-dade — ADI 3806 — sob o fundamento de que a Resolução, além de violar a exclusividade da condução das investigações criminais pela polícia judiciária, ao legislar sobre matéria processual penal, confronta a Constituição Federal em seu artigo 22, inciso I, por tratar-se de matéria de competência privativa da União.

Em 21 de dezembro de 2006, a Ordem dos Advogados do Brasil ajuizou outra Ação Direta de Inconstitucionalidade — ADI 3836 — com os mesmos fundamentos acima explicitados.

Em pesquisa realizada em julho de 2011 contatou-se que ambas as ações ainda estavam em tramitação. Na ADI 3806, foram deferidos os pedidos da CONAMP (Associação Nacional dos Membros do Ministério Público e da ADPF (Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal) para funcio-narem como amicus curiae.

CASO DE SEDIMENTAÇÃO

O governo do Estado do Rio de Janeiro realizou um convênio com uma instituição fi nanceira para a concessão de empréstimos, que seriam subsi-diados pelo Estado, com base em plano de governo, a empresas do setor portuário, tendo como objetivo a reativação do referido setor. A instituição fi nanceira realizou a operação na condição de executor da política creditícia e fi nanceira do Governo Estadual, que deliberou sobre sua concessão e ainda se comprometeu a proceder à equalização da taxa de juros, sob a forma de subvenção econômica ao setor produtivo. Ocorre que, o Ministério Público do Estado recebeu uma denúncia anônima por intermédio de sua Ouvidoria e instaurou um procedimento administrativo para investigar a suspeita de

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fraude na concessão desses empréstimos. Face à documentação inicialmente obtida e restando fundadas as suspeitas perpetradas pela denúncia anôni-ma, o Ministério Público determinou diretamente a Instituição fi nanceira o fornecimento da lista de benefi ciários de liberação de recursos, em caráter emergencial, pedindo ainda esclarecimentos quanto à natureza das operações e a respectiva situação. O Banco, então, impetra um mandado de segurança sob a alegação de não poder informar os benefi ciários dos aludidos emprés-timos, por estarem protegidos pelo sigilo bancário, previsto no art. 38 da Lei nº 4.595/1964, e, ainda, ao entendimento de que dirigente da instituição fi nanceira não é autoridade, para efeito do art. 8º, da LC nº 75/1993. E mais: alega que o Ministério Público deve requerer ao Poder Judiciário a quebra do sigilo bancário e não fazê-lo diretamente, já que não tem poderes para tanto.

Pergunta-se: Tendo em vista o direito fundamental à intimidade e o poder de requisição do Ministério Público, ambos assegurados constitucionalmen-te, como deve decidir o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro?

JURISPRUDÊNCIA

SEGUNDA TURMA

MINISTÉRIO PÚBLICO E PODER INVESTIGATÓRIO — 1

O Ministério Público dispõe de competência para promover, por autori-dade própria, investigações de natureza penal, desde que respeitados os di-reitos e garantias que assistem a qualquer indiciado ou a qualquer pessoa sob investigação do Estado, observadas, sempre, pelos agentes de tal órgão, as prerrogativas profi ssionais de que se acham investidos os advogados, sem pre-juízo da possibilidade — sempre presente no Estado Democrático de Direito — do permanente controle jurisdicional dos atos praticados pelos promoto-res de justiça e procuradores da república. Com base nesse entendimento, a Turma indeferiu habeas corpus em que se alegava a nulidade de ação penal promovida com fulcro em procedimento investigatório instaurado exclusiva-mente pelo Ministério Público e que culminara na condenação do paciente, delegado de polícia, pela prática do crime de tortura. HC 89837/DF, rel. Min. Celso de Mello, 20.10.2009. (HC-89837)

MINISTÉRIO PÚBLICO E PODER INVESTIGATÓRIO — 2

Inicialmente, asseverou-se que não estaria em discussão, por indisputável, a afi rmativa de que o exercício das funções inerentes à Polícia Judiciária com-

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petiria, ordinariamente, às Polícias Civil e Federal (CF, art. 144, § 1º, IV e § 4º), com exceção das atividades concernentes à apuração de delitos militares. Esclareceu-se que isso signifi caria que os inquéritos policiais — nos quais se consubstanciam, instrumentalmente, as investigações penais promovidas pela Polícia Judiciária — serão dirigidos e presididos por autoridade policial competente, e por esta, apenas (CPP, art. 4º, caput). Enfatizou-se, contudo, que essa especial regra de competência não impediria que o Ministério Pú-blico, que é o dominus litis — e desde que indique os fundamentos jurídicos legitimadores de suas manifestações — determinasse a abertura de inquéritos policiais, ou, então, requisitasse diligências investigatórias, em ordem a pro-ver a investigação penal, conduzida pela Polícia Judiciária, com todos os ele-mentos necessários ao esclarecimento da verdade real e essenciais à formação, por parte do representante do parquet, de sua opinio delicti. Consignou-se que a existência de inquérito policial não se revelaria imprescindível ao ofere-cimento da denúncia, podendo o Ministério Público, desde que disponha de elementos informativos para tanto, deduzir, em juízo, a pretensão punitiva do Estado. Observou-se que o órgão ministerial, ainda quando inexistente qualquer investigação penal promovida pela Polícia Judiciária, poderia, assim mesmo, fazer instaurar, validamente, a pertinente persecução criminal. HC 89837/DF, rel. Min. Celso de Mello, 20.10.2009. (HC-89837)

MINISTÉRIO PÚBLICO E PODER INVESTIGATÓRIO — 3

Em seguida, assinalou-se que a eventual intervenção do Ministério Públi-co, no curso de inquéritos policiais, sempre presididos por autoridade policial competente, quando feita com o objetivo de complementar e de colaborar com a Polícia Judiciária, poderá caracterizar o legítimo exercício, por essa Instituição, do poder de controle externo que lhe foi constitucionalmente de-ferido sobre a atividade desenvolvida pela Polícia Judiciária. Tendo em conta o que exposto, reputou-se constitucionalmente lícito, ao parquet, promover, por autoridade própria, atos de investigação penal, respeitadas — não obs-tante a unilateralidade desse procedimento investigatório — as limitações que incidem sobre o Estado, em tema de persecução penal. Realçou-se que essa unilateralidade das investigações preparatórias da ação penal não auto-riza o Ministério Público — tanto quanto a própria Polícia Judiciária — a desrespeitar as garantias jurídicas que assistem ao suspeito e ao indiciado, que não mais podem ser considerados meros objetos de investigação. Dessa for-ma, aduziu-se que o procedimento investigatório instaurado pelo Ministério Público não interfere nem afeta o exercício, pela autoridade policial, de sua irrecusável condição de presidente do inquérito policial, de responsável pela condução das investigações penais na fase pré-processual da persecutio crimi-

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nis e do desempenho dos encargos típicos inerentes à função de Polícia Judi-ciária. HC 89837/DF, rel. Min. Celso de Mello, 20.10.2009. (HC-89837)

MINISTÉRIO PÚBLICO E PODER INVESTIGATÓRIO — 4

Ponderou-se que a outorga de poderes explícitos, ao Ministério Público (CF, art. 129, I, VI, VII, VIII e IX), supõe que se reconheça, ainda que por implicitude, aos membros dessa instituição, a titularidade de meios destina-dos a viabilizar a adoção de medidas vocacionadas a conferir real efetivida-de às suas atribuições, permitindo, assim, que se confi ra efetividade aos fi ns constitucionalmente reconhecidos ao Ministério Público (teoria dos poderes implícitos). Não fora assim, e desde que adotada, na espécie, uma indevi-da perspectiva reducionista, esvaziar-se-iam, por completo, as atribuições constitucionais expressamente concedidas ao Ministério Público em sede de persecução penal, tanto em sua fase judicial quanto em seu momento pré-processual. Afastou-se, de outro lado, qualquer alegação de que o reco-nhecimento do poder investigatório do Ministério Público poderia frustrar, comprometer ou afetar a garantia do contraditório estabelecida em favor da pessoa investigada. Nesse sentido, salientou-se que, mesmo quando condu-zida, unilateralmente, pelo Ministério Público, a investigação penal não le-gitimaria qualquer condenação criminal, se os elementos de convicção nela produzidos — porém não reproduzidos em juízo, sob a garantia do contradi-tório — fossem os únicos dados probatórios existentes contra a pessoa inves-tigada, o que afastaria a objeção de que a investigação penal, quando realizada pelo Ministério Público, poderia comprometer o exercício do direito de de-fesa. Advertiu-se, por fi m, que à semelhança do que se registra no inquérito policial, o procedimento investigatório instaurado pelo Ministério Público deverá conter todas as peças, termos de declarações ou depoimentos e laudos periciais que tenham sido coligidos e realizados no curso da investigação, não podendo o membro do parquet sonegar, selecionar ou deixar de juntar, aos autos, qualquer desses elementos de informação, cujo conteúdo, por se referir ao objeto da apuração penal, deve ser tornado acessível à pessoa sob investi-gação. HC 89837/DF, rel. Min. Celso de Mello, 20.10.2009. (HC-89837)

MINISTÉRIO PÚBLICO E INVESTIGAÇÃO CRIMINAL — 1

A Turma negou provimento a recurso extraordinário, em que se sustentava invasão das atribuições da polícia judiciária pelo Ministério Público Federal, porque este estaria presidindo investigação criminal, e ilegalidade da quebra do sigilo de dados do recorrente. Na espécie, o recorrente tivera seu sigilo

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bancário e fi scal quebrado para confrontação de dados da CPMF com a de-claração de imposto de renda, com o intuito de se apurar possível sonegação fi scal. Quanto à questão relativa à possibilidade de o parquet promover pro-cedimento administrativo de cunho investigatório e à eventual violação da norma contida no art. 144, § 1º, I e IV, da CF, considerou-se irrelevante o debate. Asseverou-se que houvera a devida instauração de inquérito policial para averiguar fatos relacionados às movimentações de signifi cativas somas pecuniárias em contas bancárias, bem como que o Ministério Público reque-rera, a título de tutela cautelar inominada, ao juízo competente, a concessão de provimento jurisdicional que afastasse o sigilo dos dados bancários do re-corrente. RE 535478/SC, rel. Min. Ellen Gracie, 28.10.2008. (RE-535478) Informativo 526

MINISTÉRIO PÚBLICO E INVESTIGAÇÃO CRIMINAL — 2

Considerou-se, ademais, que, mesmo que se tratasse da temática dos po-deres investigatórios do Ministério Público, melhor sorte não assistiria ao recorrente, haja vista que a denúncia pode ser fundamentada em peças de informação obtidas pelo órgão do Ministério Público sem a necessidade do prévio inquérito policial, como já previa o CPP. Reputou-se não haver óbice a que o Ministério Público requisite esclarecimentos ou diligencie diretamen-te a obtenção da prova de modo a formar seu convencimento a respeito de determinado fato, aperfeiçoando a persecução penal, especialmente em casos graves como o presente que envolvem altas somas em dinheiro movimen-tadas em contas bancárias. Aduziu-se, tendo em conta ser princípio basilar da hermenêutica constitucional o dos “poderes implícitos”, segundo o qual, quando a Constituição Federal concede os fi ns, dá os meios, que se a ativi-dade fi m — a promoção da ação penal pública — foi outorgada ao parquet em foro de privatividade, não haveria como não lhe oportunizar a colheita de prova para tanto, já que o CPP autoriza que peças de informação embasem a denúncia. Dessa forma, concluiu-se pela possibilidade de, em algumas hipó-teses, ser reconhecida a legitimidade da promoção de atos de investigação por parte do Ministério Público, especialmente quando se verifi que algum moti-vo que se revele autorizador dessa investigação. No mais, afastou-se a apon-tada violação ao princípio da irretroatividade das leis, devido à invocação do disposto na Lei 10.174/2001 para utilização de dados da CPMF, haja vista que esse diploma legal passou a autorizar a utilização de certas informações bancárias do contribuinte para efeitos fi scais, mas, mesmo no período ante-rior a sua vigência, já era possível a obtenção desses dados quando houvesse indícios de prática de qualquer crime. Não se trataria, portanto, de efi cácia retroativa dessa lei, e sim de apuração de ilícito penal mediante obtenção das

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informações bancárias. No que tange aos demais argumentos apresentados, não se conheceu do recurso, já que as matérias teriam natureza infraconstitu-cional. RE 535478/SC, rel. Min. Ellen Gracie, 28.10.2008. (RE-535478) Informativo nº 526

AÇÃO CIVIL PÚBLICA E LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO

O Ministério Público possui legitimidade para propor ação civil pública com o fi m de obter certidão parcial do tempo de serviço que segurado tem averbado em seu favor. Com base nesse entendimento, a Turma negou provi-mento a agravo regimental em recurso extraordinário em que o Instituto Na-cional do Seguro Social — INSS sustentava ofensa aos artigos 127 e 129, III, da CF. Considerou-se que o direito à certidão traduziria prerrogativa jurídica, de extração constitucional destinada a viabilizar, em favor do indivíduo ou de uma determinada coletividade (como a dos segurados do sistema de previ-dência social), a defesa (individual ou coletiva) de direitos ou o esclarecimen-to de situações, de tal modo que a injusta recusa estatal em fornecer certidões, não obstante presentes os pressupostos legitimadores dessa pretensão, autori-zaria a utilização de instrumentos processuais adequados, como o mandado de segurança ou como a própria ação civil pública, esta, nos casos em que se confi gurasse a existência de direitos ou interesses de caráter transindividual, como os direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos. Enfatizou-se que a existência, na espécie, de interesse social relevante, amparável median-te ação civil pública, restaria ainda mais evidenciada, ante a constatação de que os direitos individuais homogêneos ora em exame estariam revestidos, por efeito de sua natureza mesma, de índole eminentemente constitucional, a legitimar desse modo, a instauração, por iniciativa do parquet, de pro-cesso coletivo destinado a viabilizar a tutela jurisdicional de tais direitos.RE 472489 AgR/RS, rel. Min. Celso de Mello, 29.4.2008. (RE-472489) — Informativo 504

AÇÃO CIVIL PÚBLICA E LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO

A Turma iniciou julgamento de recurso extraordinário em que se discute a legitimidade do Ministério Público estadual para propor ação civil pública para impugnar majoração supostamente abusiva da tarifa de transporte cole-tivo público. O Min. Gilmar Mendes, relator, deu provimento ao recurso e assentou o cabimento da ação civil pública, ajuizada pelo parquet com base nos artigos 127, caput e 129, III, ambos da CF, assim como da Lei 7.437/85 e na Lei 8.625/93, com o objetivo de impugnar a ilegalidade do reajuste de

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tarifas de transporte público urbano. Considerou que a mencionada ação estaria voltada à proteção dos usuários (consumidores) do transporte coletivo público, indeterminados, o que faria transparecer o interesse difuso em jogo, tal como defi nido pelo art. 81, I, do CDC. Ademais, esclareceu que não se estaria diante de tributo, mas de preço público cobrado como contrapresta-ção ao serviço de transporte público urbano. De outro lado, rejeitou a tese utilizada no acórdão recorrido, de que o Poder Judiciário não poderia se pro-nunciar sobre o assunto. Enfatizou que, no caso, tratar-se-ia de controle da legalidade dos atos e contratos fi rmados pelo Poder Público municipal para a prestação à população dos serviços de transporte público urbano. Após, o julgamento foi suspenso em virtude do pedido de vista do Min. Eros Grau. RE 228177/MG, rel. Min. Gilmar Mendes, 1º.4.2008. (RE-228177) — In-formativo 500

CONFLITO DE ATRIBUIÇÕES ENTRE MINISTÉRIOS PÚBLICOS E COMPETÊNCIA DO SUPREMO

Compete ao Supremo Tribunal Federal dirimir confl ito de atribuições en-tre Ministérios Públicos (CF, art. 102, I, f ). Confi rmando esse entendimen-to, o Tribunal, por maioria, conheceu de confl ito negativo de atribuições entre os Ministérios Públicos do Estado de São Paulo e do Estado do Mato Grosso do Sul, e, por unanimidade, reconheceu a competência do primeiro para apreciar suposto crime de receptação (CP, art. 180). Considerou-se que não teria sido praticado nenhum ato de conteúdo jurisdicional com força bastante para atrair a tipifi cação de confl ito negativo de competência. Ven-cido, quanto à preliminar, o Min. Carlos Britto que, reportando-se ao que decidido na ACO 756/SP (DJU de 31.3.2006), não conhecia do feito, ao fundamento de que a Constituição não incluiu na competência judicante do STF confl ito de atribuições entre nenhuma autoridade. Precedentes citados: Pet 3528/BA (DJU de 3.3.2006); ACO 853/RJ (DJU de 27.4.2007). Pet 3631/SP, rel. Min. Cezar Peluso, 6.12.2007. (Pet-3631) — Informativo 491

CONCURSO PARA PROCURADOR DA REPÚBLICA E CARGO PRIVATIVO DE BA-CHAREL EM DIREITO

O Tribunal indeferiu medida cautelar em mandado de segurança impetrado contra ato do Procurador-Geral da República que cancelara a inscrição preli-minar do impetrante no 24º Concurso Público para provimento de cargos de Procurador da República (Edital 24/2007). Salientou-se, inicialmente, a neces-sidade de se apresentar o pedido de liminar à apreciação do Plenário, em razão

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de manifestação divergente, em sede de liminar, de dois Ministros da Corte so-bre questão aparentemente idêntica, o que poderia gerar consequências concre-tas que violariam o princípio da igualdade. Esclareceu-se que o ora impetrante, que exerce o cargo de auditor fi scal da Secretaria de Estado da Fazenda do Para-ná, desde 30.4.96, e é bacharel em Direito desde 1º.3.93, anteriormente impe-trara o MS 27014/DF contra a Resolução 93/2007 do Conselho Superior do Ministério Público Federal, alegando que a exigência, para a comprovação de atividade jurídica, de exercício de cargo, emprego ou função públicas privativos de bacharel em Direito para inscrição no concurso para provimento de cargos de Procurador da República feria os princípios da legalidade, da isonomia e da razoabilidade. O pedido de liminar, nesse writ, fora indeferido, com base no que decidido na ADI 3460/DF (DJU de 15.6.2007). Ocorre que outra candi-data, ocupante do cargo de analista tributário da Receita Federal do Brasil, des-de 13.1.93, e bacharel em Direito desde 27.2.99, impetrara o MS 27013/DF, questionando a mesma Resolução, tendo obtido, entretanto, o deferimento da liminar pleiteada. Concluiu-se não haver razões sufi cientes para reputar ilegal ou inconstitucional o ato ora impugnado, tendo em conta que, ao menos no plano formal, o cargo exercido pelo impetrante não seria privativo de bacharel em Direito, não atendendo, em princípio, o disposto no art. 129, § 3º, da CF, nos termos do que defi nido no julgamento da ADI 3460/DF.

MS 27158 MC-QO/DF, rel. Min. Gilmar Mendes, 21.2.2008. (MS-27158) — Informativo 495

NOTÍCIA DO STF EM 23.12.2010

Ministro Celso de Mello reafi rma validade de investigação conduzida pelo MP

O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Celso de Mello negou recurso ordinário em Habeas Corpus (RHC 83492) que pretendia anular investigação feita pelo Ministério Público do Rio de Janeiro. Em sua decisão, o ministro ressaltou que “o Ministério Público dispõe de competência para promover, por autoridade própria, investigação de natureza penal”.

O pedido de anulação foi feito pela defesa do empresário José Caruzzo Escafura, que responde por crime de corrupção ativa (suborno) por supos-tamente contribuir para um fundo destinado ao pagamento de propinas a funcionários públicos no estado.

No recurso apresentado ao Supremo, a defesa argumentou que o MP do Rio de Janeiro teria agido como polícia ao instaurar inquérito criminal e oferecer denúncia contra o empresário. De acordo com os advogados, o ato deveria ser considerado nulo desde o início.

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DecisãoFundamentado em jurisprudência do STF, especialmente em decisões da

Segunda Turma da Corte, o ministro Celso de Mello destacou que, apesar de a presidência do inquérito policial caber à autoridade policial, nada impede que o órgão da acusação penal (Ministério Público) possa solicitar, à Polícia Judiciária, novos esclarecimentos, novos depoimentos, ou novas diligências, sem prejuízo de poder acompanhar, ele próprio, os atos de investigação reali-zados pelos organismos policiais.

Celso de Mello ressaltou ainda que “a atuação do Ministério Público no contexto de determinada investigação penal, longe de comprometer ou de reduzir as atribuições de índole funcional das autoridades policiais — a quem sempre caberá a presidência do inquérito policial — representa, na realidade, o exercício concreto de uma típica atividade de cooperação, que, em última análise, mediante requisição de novos elementos informativos e acompanha-mento de diligências investigatórias, além de outras medidas de colaboração, promove a convergência de dois importantes órgãos estatais (a Polícia Judi-ciária e o Ministério Público) incumbidos, ambos, da persecução penal e da concernente apuração da verdade real”.

O ministro lembrou, no entanto, que nem o Ministério Público e nem a Polícia Judiciária estão autorizados a desrespeitar as garantias jurídicas que assistem ao suspeito e ao indiciado, que não mais podem ser considerados meros objetos de investigação. “O indiciado é sujeito de direitos e dispõe, nessa condição, de garantias legais e constitucionais”, destacou.

Ele também ressaltou que a pessoa investigada tem o direito assegurado de ter acesso a toda informação já produzida e formalmente incorporada aos au-tos como provas, pois tais informações podem servir para sua própria defesa.

Ao concluir que a investigação por parte do Ministério Público reveste-se de integral legitimidade constitucional, o ministro negou o recurso para con-siderar válida a investigação promovida pelo Ministério Público fl uminense.

Esse caso envolveu extensa investigação criminal promovida pelo Ministé-rio Público do Estado do Rio de Janeiro contra chefes do crime organizado, delegados de polícia e outros agentes policiais, supostamente envolvidos em práticas como corrupção ativa e passiva.

Envolvido na investigação, o empresário José Caruzzo Escafura teve ne-gada pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro alegação quanto à nulidade da investigação conduzida pelo Ministério Público — decisão que foi poste-riormente confi rmada pelo Superior Tribunal de Justiça e contra a qual foi impetrado o RHC 83492 no Supremo.

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LEITURAS COMPLEMENTARES

O controle externo do Ministério Público. Hugo Nigro Mazzili. Artigo dispo-nível no site: http://www.mundojuridico.adv.br

A Constituição e os requisitos para investidura do Chefe do Ministério Público nos Estados. Clèmerson Merlin Clève. Artigo disponível no site: http://www.cleveadvogados.com.br > artigos

Investigação Criminal e Ministério Público. Clèmerson Merlin Clève.Artigo disponível no site: http://www.cleveadvogados.com.br > artigos

Direito Individual Homogêneo e Legitimidade do Ministério Público: visão dos Tribunais Superiores. Humberto Dalla Bernadino Pinho. Artigo disponível no site: http://www.humbertodalla.pro.br

QUESTÕES ACERCA DA MATÉRIA

01. Sobre o Conselho Nacional do Ministério Público, é correto afi rmar que: (Concurso para Técnico Administrativo do Ministério Público do Esta-do do Rio de Janeiro — março de 2007)

(a) É presidido sempre por membro do Ministério Público, alternan-do-se na função, a cada biênio, um representante da União e um dos Estados;

(b) Tem seus membros nomeados pelo Procurador-Geral da República, depois de aprovada a escolha pela maioria absoluta do Senado Fede-ral, para um mandato de dois anos, admitida uma recondução;

(c) Limita-se a receber e conhecer reclamações contra membros do Mi-nistério Público;

(d) Cabe-lhe rever e desconstituir os atos administrativos ilegais pra-ticados por membros ou órgãos do Ministério Público da União e dos Estados;

(e) Compete ao Corregedor nacional requisitar servidores do Ministé-rio Público e, após autorização do Congresso Nacional, requisitar membros do Ministério Público.

02. De acordo com as normas constitucionais, é correto afi rmar que o Con-selho Nacional do Ministério Público: (Concurso para Técnico Superior Pro-cessual do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro — março de 2007)

(a) Não possui poder regulamentar;(b) Tem legitimidade para propor ação judicial para demissão de mem-

bro vitalício;

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(c) É órgão subordinado diretamente ao Ministério Público da União;(d) Age apenas por provocação, por tratar-se de órgão excepcional de

controle externo do Ministério Público;(e) Pode aplicar sanções administrativas aos membros Ministério Pú-

blico, incluindo remoção compulsória.

03. Em caso de extinção de vara judicial junto à qual atua órgão de exe-cução, o Promotor de Justiça que dele era titular se submete a qual situação funcional? Explique as possibilidades decorrentes dessa situação, com base nas garantias constitucionais e na disciplina normativa institucional. O acrés-cimo ou supressão da competência do juízo alteram imediatamente a atribui-ção do órgão de execução?

RESPOSTA OBJETIVAMENTE JUSTIFICADA.(XXX Concurso para Ingresso Ministério Público/RJ — 2008 — Princí-

pios Institucionais do Ministério Público — Prova específi ca)

04. O Corregedor Nacional do Ministério Público recebe uma mensagem eletrônica apócrifa noticiando que determinado Promotor de Justiça omite-se deliberadamente no exercício de suas funções, deixando de oferecer ação penal contra indiciado com quem supostamente manteria relações de ami-zade, embora todos os elementos para o ajuizamento da denúncia estivessem presentes. Determinando a instauração direta de procedimento disciplinar, o Corregedor Nacional constata a veracidade dos fatos e aplica a sanção de remoção do membro do Ministério Público, com a consequente designação direta de outro Promotor de Justiça para o oferecimento imediato da denún-cia. As providências adotadas estão corretas?

RESPOSTA OBJETIVAMENTE JUSTIFICADA.(XXX Concurso para ingresso no Ministério Público/RJ — 2008 — Prin-

cípios Institucionais do Ministério Público — Prova preliminar)

05. Determinado agente público é notifi cado pelo órgão com atribuição do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro para prestar esclarecimen-tos em inquérito civil que apura o seu possível envolvimento na prática de atos de improbidade administrativa.

Irresignado com a situação, referido agente busca amparo no Conselho Nacional do Ministério Público, argumentando que: (a) o juízo valorativo do membro do Ministério Público em relação aos fatos é equivocado, já que to-dos os atos, no seu entender, foram praticados para a salvaguarda do interesse público; (b) a investigação gera uma ruptura do sistema constitucional de divisão dos poderes, pois afronta a total liberdade política do Administrador, sendo manifestamente ilícita. Após a regular tramitação do processo admi-nistrativo, o Conselho Nacional do Ministério Público acolhe os argumentos

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apresentados para trancar o inquérito civil e, face à gravidade do fato, aplicar ao Promotor de Justiça a sanção de aposentadoria compulsória com proven-tos proporcionais ao tempo de serviço.

À luz desses fatos, questiona-se: é juridicamente correta a decisão do Con-selho? RESPOSTA OBJETIVAMENTE JUSTIFICADA.

(XXIX Concurso para ingresso no MP/RJ — 2007 — Direito Constitu-cional — Prova preliminar)

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AULA 12: A POLÍCIA FEDERAL

A POLÍCIA FEDERAL

O constituinte originário fez questão de estabelecer de forma expressa as diretrizes principais da segurança pública em nosso país. Assim, dentro do Título destinado à Defesa do Estado e das Instituições Democráticas, prevê a Carta Magna de 1988 um capítulo específi co sobre a Segurança Pública (Capítulo III), nos seguintes termos:

“Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos:

I — polícia federal;II — polícia rodoviária federal;III — polícia ferroviária federal;IV — polícias civis;V — polícias militares e corpos de bombeiros militares.”

Salvo as três primeiras, as demais polícias são estaduais.A polícia federal, instituída por lei como órgão permanente, organizado

e mantido pela União e estruturado em carreira, destina-se a: I — apurar infrações penais contra a ordem política e social ou em detrimento de bens, serviços e interesses da União ou de suas entidades autárquicas e empresas públicas, assim como outras infrações cuja prática tenha repercussão interes-tadual ou internacional e exija repressão uniforme, segundo se dispuser em lei; II — prevenir e reprimir o tráfi co ilícito de entorpecentes e drogas afi ns, o contrabando e o descaminho, sem prejuízo da ação fazendária e de outros órgãos públicos nas respectivas áreas de competência; III — exercer as fun-ções de polícia marítima, aeroportuária e de fronteiras; IV — exercer, com exclusividade, as funções de polícia judiciária da União.

A polícia rodoviária federal é um órgão permanente, organizado e man-tido pela União e estruturado em carreira, destina-se, na forma da lei, ao patrulhamento ostensivo das rodovias federais.

A polícia ferroviária federal é um órgão permanente, organizado e man-tido pela União e estruturado em carreira, destina-se, na forma da lei, ao patrulhamento ostensivo das ferrovias f ederais.

Às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apura-ção de infrações penais, exceto as militares.

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123 CARVALHO FILHO, José dos Santos.

Manual de Direito Administrativo. 15ª

edição, rev. amp. e at., Lúmen Júris,

2006, p. 69.

Às polícias militare s, por sua vez, cabem a polícia ostensiva e a preservação da ordem pública.

Aos corpos de bombeiros militares, por fi m, a lém das atribuições defi nidas e m lei, incumbe a execução de atividades de defesa civil.

A doutrina clássica costuma classifi car a polícia em dois grandes ramos: a polícia administrativa e a polícia judiciária.

Segundo José dos Santos Carvalho Filho123:

“ A Polícia Administrativa á atividade d a Administração que se exaure em si mesma, ou seja, inicia e se completa no âmbito da função administrativa. Os mesmo não ocorre com a Polícia Judiciária, que, embora seja atividade administrativa, pre-para a atuação da função jurisdicional penal, o que a faz regulada pelo Código de Processo Penal (arts. 4º e seguintes) e executada por órgãos de segurança (polícia civil ou militar), ao passo que a Polícia Administrativa o é por órgãos administrativos de caráter mais fi scalizador.

Outra diferença reside na circunstância de que a Polícia Administrativa incide basicamente sobre atividades dos indivíduos, enquanto a polí cia judiciária preordena-se ao indivíduo em si, ou seja, aquele a quem se atribui o cometimento do ilícito penal.

(...)Por pretender evitar a ocorrência de comportamentos nocivos à coletividade,

reveste-se a Polícia Administrativa de caráter eminentemente prev entivo: pretende a Administração que o dano social sequer chegue a consumar-se. Já a Polícia Judiciária tem natureza predominantemente repressiva, eis que se destina à responsabilização penal do indivíduo. (...)”

No âmbito estadual, portanto, nós temos a presença das polícias civis e militares. Às polícias militares cabem a polícia ostensiva e a preservação da ordem pública. Já as polícias civis são dirigid as por delegados de polícia de carreira (ingressos por meio de concurso público de provas ou de provas e títulos), incumbindo-lhes, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares.

Em âmbito federal, consoante expressa previsão constitucional, é atribui-ção da Polícia Federal exercer, com exclusividade, as funções de polícia judi-ciária da União. É no estudo da polícia federal que iremos nos ater um pouco mais nesta aula.

A POLÍCIA FEDERAL

A Polícia Federal, nos termos da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, é órgão permanente, organizado e mantido pela União e estruturado em carreira. Compõe a segurança pública que, é dever do Estado,

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direito e responsabilidade de todos e é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio.

Como órgão específi co singular, é autônomo administrativa e fi nancei-ramente e tem por fi nalidade a execução, em todo o território nacional, das atribuições constitucionais previstas no art.144, §1º, além das previstas em legislação complementar. (v. Decreto nº. 5834, de 06 de julho de 2006)

ORIGEM

A origem do Departamento de Polícia Federal (DPF) é controvertida, ten-do sido, inclusive, missão de um grupo de trabalho o estudo e pesquisa de subsídios que possibilitassem a decisão pelo Conselho Superior de Polícia da data real de criação do Departamento de Polícia Federal.

O resultado deste trabalho foi publicado no livro editado com o objetivo de comemorar os 60 (sessenta) anos do DPF; “Departamento de Polícia Fe-deral — 60 anos — a serviço do Brasil” em 2004.

O Conselho Superior de Polícia concluiu, de maneira simplifi cada, que a Polícia Federal foi criada pelo Decreto nº. 6378, de 28 de março de 1944, quando a Polícia Civil do Distrito Federal foi transformada em Departa-mento Federal de Segurança Pública objetivando a federalização da atividade policial.

Em 1967, com o advento do Decreto-Lei nº. 200, há alteração de nomen-clatura, nos termos do art.210 daquele dispositivo legal. Art.210: “o atual De-partamento Federal de Segurança Pública passa a denominar-se Departamento de Polícia Federal, considerando-se automaticamente substituída por esta deno-minação a menção à anterior constante de quaisquer leis ou regulamentos.”

O decreto nº 6378, de 28 de março de 1944, vige até o dia 16 de novem-bro de 1964, quando a Lei nº 4.483 determina a reorganização do Departa-mento. Esta é a data que parte dos policiais federais acreditava ser a origem do DPF.

ATRIBUIÇÃO CONSTITUCIONAL

O art.144, §1º da Constituição da República Federativa do Brasil prevê dentre as atribuições da Polícia Federal, o exercício, com exclusividade, das funções de Polícia Judiciária da União.

Neste contexto, destaque-se não haver dúvida acerca da atribuição cons-titucional para a investigação policial. Atente-se que o Ministério Público tem, dentre suas atribuições constitucionais, a de requisitar a instauração de procedimento policial, bem como diligências em procedimentos existentes.

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Prevê a Carta Magna que compete à Polícia Federal, apurar infrações pe-nais contra a ordem política e social ou em detrimento de bens, serviços e interesses da União ou de suas entidades autárquicas e empresas públicas, assim como outras infrações cuja prática tenha repercussão interestadual ou internacional e exija repressão uniforme, segundo se dispuser em lei. (Lei 10.446/2002)

É atribuição do DPF a prevenção e repressão ao tráfi co ilícito de entorpe-centes e drogas afi ns, o contrabando e o descaminho de bens e valores, sem prejuízo da ação fazendária e de outros órgãos públicos nas respectivas áreas de competência.

Por fi m, o texto constitucional diz ser atribuição da Polícia Federal o exer-cício das funções de polícia marítima, aeroportuária e de fronteiras.

Além das atribuições contitucionais existem outras atribuições da Polícia Federal, senão vejamos:

O Departamento de Polícia Federal, sem prejuízo dos demais órgãos da segurança pública, poderá atuar nas investigações dos crimes dispostos no art. 1º, caput, da Lei 10.446/02, desde que tais crimes tenham repercussão interestadual ou internacional, bem como exijam repressão uniforme.

Os crimes previstos no dispositivo são: sequestro, cárcere privado e extorsão mediante sequestro, praticado por motivação política ou em razão da função pública exercida pela vítima; formação de cartel; violação a direitos humanos; furto, roubo ou receptação de cargas, inclusive bens e valores, transportadas em operação interestadual ou internacional, quando houver indícios da atua-ção de quadrilha ou bando em mais de um Estado da Federação.

Outros crimes não dispostos no caput, do art. 1º, da Lei 10.446/02, mas que também tenham repercussão interestadual ou internacional dependem de determinação do Ministro da Justiça para apuração pelo Departamento de Po-lícia Federal.

A Polícia Federal atua também quando há turbação e esbulho possessório dos bens da União e das entidades integrantes da Administração Pública Fe-deral, sem prejuízo da manutenção da ordem pública pelas Polícias Militares dos Estados. Instaura ainda inquéritos relacionados aos confl itos agrários ou fundiários e os deles decorrentes, quando se tratar de crime de competência federal, bem como previne e reprime esses crimes.

Cumpre destacar a relevância social e a importância jurídica dos trabalhos desenvolvidos pelo DPF no exercício de suas atribuições.

A liberdade de iniciativa, inerente ao poder de investigar, traz consequên-cias e refl exos imediatos para a sociedade. Mais do que apurar fatos pretéritos, o exercício da polícia judiciária da União permite o desenvolvimento de uma atividade bastante dinâmica. Quando fundadas em atividades de inteligên-cia, as investigações podem identifi car e interromper a atuação de organi-zações criminosas que causam, de maneira continuada, prejuízo direto aos

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cofres públicos com refl exo danoso para toda a sociedade. A simples desarti-culação de tais organizações (portanto, antes mesmo de haver processo penal ou formação de culpa) traz o efeito imediato de estancar as ações criminosas que atingem a Administração Pública e a impedem de promover a sua função social. Por consequência, valores antes desviados para enriquecer as contas da corrupção poderão fi nalmente chegar ao seu destino original, benefi ciando a população com a melhoria dos serviços públicos prestados, como a educação e saúde.

Além de repercutir diretamente em favor da sociedade, a atividade da po-lícia judiciária da União traz importantes consequências na esfera jurídica. As ações policiais provocam constantes posicionamentos do Ministério Público e do Poder Judiciário, na medida em que os inquéritos são concluídos e re-latados. É nesse instante que as diversas teses jurídicas sustentadas durante a fase de investigação, tanto no âmbito do direito formal quanto substancial (como, por exemplo, em matéria de produção de prova, adequação da tipifi -cação penal, etc.) serão apreciadas e decididas. Em outras palavras, o primeiro juízo em matéria penal e processual penal (v. g. o exercício da subsunção e verifi cação da legalidade dos procedimentos de investigação) é feito na esfera policial, ainda que condicionados a uma apreciação posterior pelo Ministério Público e pelo Judiciário, o que evidencia o caráter de carreira jurídica do cargo de delegado de polícia federal.

ESTRUTURA ORGANIZACIONAL

A estrutura organizacional do Departamento de Policia Federal está prevista na Portaria 1825/2006. O DPF é composto de unidades centrais e descentrali-zadas cujas atribuições estão disciplinadas na Instrução Normativa nº 13, de 15 de junho de 2005, que defi ne as competências específi cas de cada unidade e as atribuições de seus dirigentes.

Veja abaixo, o organograma da Instituição:

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ORGANOGRAMAORGANOGRAMA

CONCLUSÃO

Objetivando apresentar de maneira breve a Polícia Federal ao aluno, o presente texto demonstra suas atribuições constitucionais, sua estrutura or-gânica, a importância da atuação combinada das diversas instituições com o objetivo de prevenção e repressão a crimes.

Pretende-se mostrar estrutura de uma instituição que muitas vezes é co-nhecida apenas pelo resultado que seus trabalhos alcançam na mídia e que teve sua credibilidade recentemente reconhecida em pesquisa sobre as insti-tuições que compõem o aparelho criminal estatal, estimulando o estudante de direito a conhecer mais uma Instituição da qual poderá fazer parte após a sua formação.

CASO DE SEDIMENTAÇÃO

No dia 17 de maio de 2007, João, estudante de Direito que se preparava para ir à aula enquanto assistia os primeiros jornais da manhã pela televisão se deparou com a seguinte notícia:

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124 Notícia publicada no portal do site

Terra no dia 17 de maio de 2007: www.

terra.com.br.

“A Operação Navalha da Polícia Federal, defl agrada às 6h desta quinta-

feira, já deteve 46 suspeitos de participar de um esquema de desvio de recur-

sos públicos federais, por meio de fraudes em licitações. Entre os detidos estão

ex-governadores, prefeitos e deputados, funcionários públicos e empresários.

Cerca de 400 policiais federais estão mobilizados na captura dos suspeitos

no Distrito Federal e em nove Estados (Alagoas, Bahia, Goiás, Mato Grosso,

Sergipe, Pernambuco, Piauí, Maranhão, São Paulo). Há ainda 84 manda-

dos de busca e apreensão a serem cumpridos”.124

Interessado, João acessou a internet e leu ainda outras notícias acerca da operação:

“As investigações começaram em novembro de 2006. Segundo a PF, o esquema tinha três etapas: primeiro, garantia o direcionamento de verbas públicas para obras de interesse da quadrilha; segundo, obtinha a vitória das empresas envolvidas nas licitações para executar as obras e, por fi m, assegurava a liberação de pagamentos de obras superfaturadas, irregulares ou mesmo inexistentes.

O grupo era organizado em três níveis. No primeiro, atuavam pessoas direta-mente ligadas à construtora Gautama. No segundo, estavam os auxiliares e inter-mediários, principalmente os responsáveis pelo pagamento das propinas. No último havia autoridades públicas que tinham a função de remover obstáculos à atuação da organização criminosa.

A quadrilha desviou recursos do Ministério de Minas e Energia, da Integração Nacional, das Cidades, do Planejamento, e do DNIT. Em nível estadual, as frau-des ocorreram nos Estados de Alagoas, Maranhão, Sergipe, Piauí e Distrito Federal. Quanto a obras municipais, estariam envolvidas autoridades de cidades Camaçari (BA) e Sinop (MT).”

Os mandados de busca e apreensão foram decretados pela Ministra do Su-perior Tribunal de Justiça, Min. Eliana Calmon, tendo a mesma determinado o bloqueio de contas e a indisponibilidade de bens imóveis dos integrantes do esquema, além do encaminhamento de todos os presos na operação para Brasília.

Com base nestes dados João se pergunta: está correta a atuação da Polícia Federal neste caso? Não seria hipótese de atuação da polícia civil presente em cada Estado da Federação? O que, objetivamente, ocasionou a atuação da polícia federal?

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CASO DE SEDIMENTAÇÃO

Em novembro de 2007, João, estudante de Direito, ao se preparar para ir à aula enquanto lia os jornais, se deparou com a seguinte notícia:

“O criminoso conhecido como Zé, preso por tráfi co internacional de dro-gas, interpôs Habeas Corpus junto ao Tribunal de Justiça contra denúncia oferecida por Promotor de Justiça. Segundo o acusado, o membro do Par-quet estaria impedido de funcionar na fase processual tendo em vista que ele mesmo, pessoalmente, colheu as declarações das testemunhas de acusação em seu gabinete, oferecendo posteriormente a exordial acusatória. Além disso, a defesa de Zé alega ser da polícia federal a exclusividade das atividades de polícia judiciária da União”.

João se questiona: O crime em questão — tráfi co internacional de drogas —, não suscita a atuação investigatória pela Polícia Federal? Não dispõe a Constituição de 1988 que a função de polícia judiciária é de exclusividade da polícia federal? Procedem os argumentos apresentados pela defesa do tra-fi cante internacional?

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125 Manual do advogado, 1926, apud

LANGARO, Luiz Lima. Curso de deonto-

logia jurídica, 2. ed, 1996.

AULA 13: ADVOCACIA, DEFENSORIA PÚBLICA E ADVOCACIA PÚBLICA

ADVOCACIA

A Constituição de 1988 deu, pela primeira vez, estatura constitucional à advocacia, institucionalizando-a no Título IV “Da Organização da Justiça”, ao lado do Ministério Público e da Advocacia-Geral da União. Os advogados são “pessoas que, por seu conhecimento do direito, legislação e jurisprudência, aconselham as partes litigantes e sustentam seus direitos em juízo, esclarecem os juízes e, devidamente habilitados, com procuração legítima e bastante das partes, dirigem a causa, alegando de fato e de direito tudo quanto convenha aos interesses de seus constituintes125”.

O constituinte erigiu a princípio constitucional a indispensabilidade e a imunidade do advogado, prescrevendo em seu artigo 133: “O advogado é indispensável à administração da Justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profi ssão, nos limites da lei.”

A denominação advogado é privativa dos inscritos na Ordem dos Advoga-dos do Brasil, sendo o advogado profi ssional legalmente habilitado a orientar, aconselhar e representar seus clientes, bem com a defender-lhes os direitos e interesses em juízo ou fora dele. A Ordem dos Advogados do Brasil, criada pelo art. 17 do Dec. Nº 19.408/1930, é serviço público, dotado de perso-nalidade jurídica e forma federativa, tendo fi nalidades fi xadas no próprio Estatuto da Advocacia.

“I — defender a Constituição, a ordem jurídica do Estado democrático de di-reito, os direitos humanos, a justiça social, e pugnar pela boa aplicação das leis, pela rápida administração da justiça e pelo aperfeiçoamento da cultura e das instituições jurídicas;

II — promover, com exclusividade, a representação, a defesa, a seleção e a disci-plina dos advogados em toda a República Federativa do Brasil.”

Para inscrição em seu quadro é preciso ser bacharel em Direito, com di-ploma ou certidão de graduação em direito, obtido em instituição de ensino ofi cialmente autorizada e credenciada e aprovação em Exame de Ordem. Para o regular exercício da profi ssão de advogado, o interessado não poderá ainda ter qualquer impedimento ou incompatibilidade. O Estatuto da OAB, Lei nº 8.906/1994, em seu artigo 27 distingue a incompatibilidade, que seria uma proibição total, do impedimento, que é a proibição parcial para o exercício da advocacia.

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São atividades privativas da advocacia a postulação a qualquer órgão do Poder Judiciário e aos juizados especiais, bem como as atividades de consul-toria, assessoria e direção jurídicas (Art. 1º do Estatuto da OAB). Conclui-se, portanto, que as atividades dos advogados podem se desdobrar em judicial (de caráter predominantemente contencioso) e extrajudicial (eminente-mente preventiva). Cumpre ressaltar que o Estatuto da Advocacia (Lei nº 8906/1994) foi objeto de ação direta de inconstitucionalidade com relação a vários de seus dispositivos, tendo o STF suspendido liminarmente a efi cácia do artigo que prescreve a obrigatoriedade de advogado perante os juizados especiais, por ter vislumbrado na norma ofensa ao princípio constitucional do amplo acesso à Justiça (ADI 1127/DF — Medida Cautelar na Ação Di-reta de Inconstitucionalidade — Min. Paulo Brossard — julgamento em 06/10/1994).

O advogado, na defesa judicial de seu cliente, age com legítima parciali-dade institucional.

“Art. 2º§ 2º No processo judicial, o advogado contribui, na postulação de decisão favorável

ao seu constituinte, ao convencimento do julgador, e seus atos constituem múnus público”

Muito se discute a respeito da natureza jurídica da advocacia. Moder-namente, fi xou-se o entendimento de que a advocacia é, ao mesmo tempo, ministério privado e indispensável ao serviço público. Trata-se, portanto, do exercício privado de função pública e social. Entre juízes de qualquer ins-tância, advogados e membros do Ministério Público não há hierarquia nem subordinação, devendo-se todos consideração e respeito recíprocos.

Há que lembrar aqui, porém, que o princípio da indispensabilidade da intervenção do advogado não é absoluto, como se poderia pensar. É possível que a lei em casos excepcionais outorgue o ius postulandi a qualquer pessoa.

Isso já ocorre com o habeas corpus, pois sua interposição há que ser feita à luz do princípio do direito de defesa assegurada constitucionalmente (Artigo 5º, LX), que inclui, sem sombra de dúvida, o direito à autodefesa, e também na revisão criminal, conforme dispõe o artigo 623 do Código de Processo Penal. Por fi m, nesta exposição geral sobre a advocacia, cumpre reforçar que a inviolabilidade do advogado, por seus atos e manifestações no exercício da profi ssão, não é absoluta, sujeitando-se aos limites legais. Foi o que decidiu o Supremo Tribunal Federal no RHC 69619/SP.

Desta forma, haverá excesso impunível se a ofensa irrogada for vinculada à atividade funcional e pertinente à pretensão que esteja o advogado defen-dendo em juízo. A imunidade inexistirá quando a ofensa for gratuita, des-vinculada do exercício profi ssional e não guardar pertinência com a discussão da causa. Por exemplo, o Código Penal, em seu artigo 142, I, prevê que “não

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constituem injúria ou difamação punível: I — a ofensa irrogada em juízo, na discussão da causa, pela parte ou por seu procurador”.

São causas de exclusão do crime apenas com relação aos delitos que men-ciona — injúria e difamação —, mas não quanto à calúnia, que omitira. Assim, a imunidade do advogado não foi estendida à calúnia nem com a superveniência da Lei nº 8.906/1994, — o Estatuto da Advocacia e da OAB —, cujo art. 7º, § 2º, só lhe estendeu o âmbito material — além da injúria e da difamação, nele já compreendidos conforme o código, ao desacato.

Quanto ao desacato inclusive, o Supremo Tribunal Federal, na Adin nº 1127-8, rel. Min Paulo Brossard, suspendeu liminarmente a efi cácia da ex-pressão “ou desacato” contida no Artigo 7º, §2º do Estatuto da OAB, que alargava a abrangência da imunidade material dos advogados. Da mesma forma, limita-se a imunidade do advogado quando a ofensa se dirige contra magistrado:

“HC 82190 / RN — RIO GRANDE DO NORTEHABEAS CORPUSRelator(a): Min. GILMAR MENDESJulgamento: 22/10/2002 Órgão Julgador: Segunda TurmaEMENTA: HABEAS CORPUS. ADVOGADO DENUNCIADO PELA PRÁ-

TICA DE CRIMES DE DIFAMAÇÃO E INJÚRIA CONTRA MAGISTRADO. — Não há como se trancar a ação penal se a conduta confi gura, em tese, crime. — A

conduta do denunciado não encontra respaldo na imunidade profi ssional do

advogado, que nem é absoluta, nem agasalha a ofensa dirigida a magistra-

do. — Não há como, por meio de habeas corpus, investigar-se a existência ou não do dolo, em face da inexistência de dilação probatória. — Habeas corpus indeferido.”

Por fi m, cabe lembrar que a profi ssão de advogado tem assegurada, por lei, alguns direitos que se constituem, na verdade, prerrogativas para o fi el e correto desempenho da função. São exemplos destes direitos o Artigo 6º e 7º do Estatuto da OAB, Artigos 20 e 40 do Código de Processo Civil. Por outro lado, também restaram previstos na legislação diversos deveres e consequen-tes infrações a que se submetem os advogados. Eis alguns deles: Artigo 2º, 8º a 19, 44 a 46 do Código de Ética e Disciplina; Artigo 34 do Estatuto da Advocacia e Artigo 14 e 39 do Código de Processo Civil.

ADVOCACIA PÚBLICA

A Constituição Federal de 1988 rompeu a tradição existente da representa-ção judicial da União ser atribuição do Ministério Público. Inovando substan-cialmente a instituição, o constituinte originário reconheceu o Ministério Públi-

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co como defensor da sociedade e criou uma outra instituição diretamente ligada ao Poder Executivo, para defendê-lo. A Advocacia-Geral da União, portanto, é organismo criado pela Constituição de 1988 e instituído pela Lei Complemen-tar nº 73/1993, que diretamente, ou por meio de órgão vinculado, representa a União, judicial e extrajudicialmente, cabendo-lhe as atividades de consultoria e assessoramento jurídico do Poder Executivo. Como exceção, temos a execução da dívida ativa de natureza tributária cuja competência foi constitucionalmente atribuída a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (Artigo 131, §3º).

O ingresso nas carreiras da Advocacia-Geral da União ocorre nas cate-gorias iniciais, mediante nomeação, em caráter efetivo, de candidatos habi-litados em concursos públicos, de provas e títulos, e obedecida a ordem de classifi cação. A Advocacia-Geral da União tem por chefe o Advogado-Geral da União, de livre nomeação pelo presidente da República dentre cidadãos maiores de trinta e cinco anos, de notável saber jurídico e reputação ilibada. Essa liberdade de escolha se justifi ca pelo fato da necessária relação de con-fi ança que deve existir entre representado (presidente da República, como chefe do Poder Executivo Federal) e representante. Por isso, o Advogado-Geral da União está submetido à direta, pessoal e imediata supervisão do pre-sidente da República. Tendo em vista esta especifi cidade, o Advogado-Geral da União não possui as mesmas garantias que dispõe o Procurador Geral da República, não possuindo investidura garantida por tempo determinado, podendo ser demitido ad nutum conforme conveniência do Poder Executivo. São nomeações que se caracterizam por ser pessoais e políticas e, como tais, possuem uma volatilidade que lhes é inerente.

Todavia, a Constituição reconhece o status especial dos Advogados Públi-cos, pois exercem uma função essencial à Justiça. Daí a necessidade de que as Instituições de advocacia pública tenham autonomia administrativa, fi nan-ceira e orçamentária, para melhor cumprir sua missão.

A composição da Advocacia-Geral da União, consoante a LC nº 73/1993 compreende:

“Art. 2º — A Advocacia-Geral da União compreende:I — órgãos de direção superior:a) o Advogado-Geral da União;b) a Procuradoria-Geral da União e a da Fazenda Nacional;c) Consultoria-Geral da União;d) o Conselho Superior da Advocacia-Geral da União; ee) a Corregedoria-Geral da Advocacia da União;II — órgãos de execução:a) as Procuradorias Regionais da União e as da Fazenda Nacional e as Procu-

radorias da União e as da Fazenda Nacional nos Estados e no Distrito Federal e as Procuradorias Seccionais destas;

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b) a Consultoria da União, as Consultorias Jurídicas dos Ministérios, da Secre-taria-Geral e das demais Secretarias da Presidência da República e do Estado-Maior das Forças Armadas;

III — órgão de assistência direta e imediata ao Advogado-Geral da União: o Gabinete do Advogado-Geral da União”.

Os pareceres do advogado-geral da União, aprovados pelo Presidente da República e publicados, vinculam a Administração Federal, cujos órgãos e entidades fi cam obrigados a lhe dar fi el cumprimento (Artigos 39 e seguintes da LC 73/93). Da mesma forma ocorre como as súmulas da Advocacia-Geral da União que têm caráter obrigatório quantos aos órgãos jurídicos enumera-dos no Artigo 2º supra descrito e quanto aos órgãos jurídicos das autarquias e fundações.

CASO DE SEDIMENTAÇÃO:

Um partido político com representação no Congresso Nacional propõe uma Ação Declaratória de Constitucionalidade perante o STF visando ver afastada a incerteza jurídica quanto à constitucionalidade de uma lei estadual que exige, como uma das etapas do concurso público para professores, a sub-missão a exame psicotécnico.

O STF, após manifestação do procurador-geral da República, julga a ação procedente, com base inclusive em sua súmula 686 (Só por lei se pode su-jeitar a exame psicotécnico a habilitação de candidato a cargo público). O advogado-geral da União, então, tendo em vista ser esta decisão irrecorrível (Art. 26 da Lei nº 9868/1999), ingressa com embargos de declaração alegan-do ser obrigatória a sua intervenção no feito (omissão quanto a questão de ordem pública).

Pergunta-se: procede a alegação do AGU?

PROCURADORIA GERAL DO ESTADO

Em simetria a este organismo representativo, porém, na esfera estadual, existem as Procuradorias-Gerais do Estado. Os Procuradores dos Estados e do Distrito Federal exercerão a representação judicial e consultoria jurídica das respectivas unidades federadas e serão organizadas em carreira, na qual o ingresso dependerá de concurso público de provas e títulos. A Emenda Cons-titucional nº 19/1998, inovou ao exigir a participação obrigatória da Ordem dos Advogados do Brasil em todas as fases do concurso.

Suas principais atribuições estão previstas no Artigo 132 da Constituição Federal e no Artigo 176 a Constituição do Estado, destacando-se as de fun-

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cionar como órgão central do sistema jurídico estadual, de supervisionar os serviços jurídicos da administração direta e indireta no concernente às Au-tarquias, Fundações, Empresas Públicas e Sociedades de Economia Mista no âmbito do Poder Executivo, de ofi ciar no controle interno da legalidade dos atos da Administração Pública e de exercer a defesa dos interesses legítimos do Estado.

No caso do Estado do Rio de Janeiro, a organização e funcionamento da Procuradoria Geral do Estado estão descritos na Lei Complementar Estadual nº 15 de 1980, que dispõe sobre a carreira de Procurador do Estado, seu modo de ingresso, cargos, direitos, deveres, garantias e prerrogativas.

A estabilidade será adquirida pelos procuradores após três anos de efetivo exercício, mediante a avaliação de desempenho perante os órgãos próprios, após relatório circunstanciado das corregedorias.

A competência para legislar sobre a organização administrativa e judiciária da PGE é da Assembléia Legislativa, sendo de iniciativa privativa do governa-dor do Estado a lei complementar que irá tratar da matéria. A Procuradoria Geral do Estado possui dotação orçamentária própria, autonomia fi nanceira e também administrativa. Possui ainda competência privativa para a cobran-ça judicial e extrajudicial da dívida ativa do Estado.

PROCURADORIA GERAL DO MUNICÍPIO

Em simetria a Procuradoria Geral do Estado existe, nos Municípios, a Procuradoria Geral do Município. No Rio de Janeiro, a previsão encontra-se na Lei Orgânica do Município do Rio de Janeiro — Artigos 134-136 — e na Lei 788/85. A PGM/RJ é o órgão do Poder Executivo ao qual compete a representação judicial do Município e de suas autarquias, a cobrança admi-nistrativa e judicial da dívida ativa do Município, a defesa em juízo ou fora dele, ativa ou passivamente, dos atos e prerrogativas do prefeito, o exercício de funções de consultoria jurídica da Administração, defender em juízo ou fora dele o Legislativo municipal e responder a consultas por ele formuladas, dentre outras competências disciplinadas no Art. 3º da Lei nº 788/1985.

“Lei Orgânica do Município do Rio de Janeiro

Título III — Da Organização dos Poderes

Capítulo III — Do Poder Executivo

Seção VII — Da Procuradoria-Geral do Município

Subseção I — Das Atribuições e Organização

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Art. 134 — A representação judicial e a consultoria jurídica do Município, ressalvadas as competências da Procuradoria-Geral da Câmara Municipal, são exer-cidas pelos Procuradores do Município, membros da Procuradoria-Geral, instituição essencial à Justiça, diretamente vinculada ao Prefeito, com funções, como órgão cen-tral do sistema jurídico municipal, de supervisionar os serviços jurídicos da adminis-tração direta, indireta e fundacional no âmbito do Poder Executivo.

§ 1º — Os Procuradores do Município, com iguais direitos e deveres, são organi-zados em carreira na qual o ingresso depende de concurso público de provas e títulos realizado pela Procuradoria-Geral do Município, assegurada em sua organização a participação da Ordem dos Advogados do Brasil, observados os requisitos estabeleci-dos em lei complementar.

§ 2º — A Procuradoria-Geral ofi ciará obrigatoriamente no controle interno da legalidade dos atos do Poder Executivo e exercerá a defesa dos interesses legítimos do Município, incluídos os de natureza fi nanceiro-orçamentária, sem prejuízo das atribuições do Ministério Público do Estado e da Procuradoria Especial do Tribunal de Contas do Município.

§ 3º — O exercício de cargos comissionados na Procuradoria-Geral do Muni-cípio, excetuados aqueles dos serviços de apoio, é privativo de Procuradores do Mu-nicípio.

§ 4º — A Procuradoria-Geral do Município prestará qualquer informação dos dados que dispuser a qualquer do povo que o requerer.

§ 5º — Lei complementar disciplinará a organização e o funcionamento da Procuradoria-Geral, bem como a carreira e o regime jurídico dos Procuradores.

Título III — Da Organização dos Poderes

Capítulo III — Do Poder Executivo

Seção VII — Da Procuradoria-Geral do Município

Subseção II — Da Competência Privativa

Art. 135 — Além de outras competências estabelecidas em lei, compete privati-vamente à Procuradoria-Geral do Município a cobrança judicial e extrajudicial da dívida ativa do Município.

Título III — Da Organização dos Poderes

Capítulo III — Do Poder Executivo

Seção VII — Da Procuradoria-Geral do Município

Subseção III — Do Assessoramento Jurídico

Art. 136 — Integram o sistema jurídico municipal as Assessorias Jurídicas da administração direta, autárquica e fundacional do Município, as quais serão chefi a-das preferencialmente por Procurador do Município ou por Assistente Jurídico.

§ 1º — Os Assistentes Jurídicos do Poder Executivo e dos órgãos a este vinculados exercem suas funções, sob supervisão da Procuradoria-Geral do Município, no siste-ma jurídico municipal, sem representação judicial.

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§ 2º — Ao Assistente Jurídico são reservadas as funções de assessoramento jurídi-co, atividade da advocacia cujo exercício lhe é inerente.

§ 3º — A carreira de Assistente Jurídico é composta de advogados aprovados em concurso público de provas ou de provas e títulos.”

Na área de urbanismo e do meio-ambiente, a PGM atua no plano admi-nistrativo e no judicial para a proteção do patrimônio cultural e ambiental, para o desenvolvimento da política habitacional, da regularização da ocupa-ção do solo urbano, zoneamento e edifi cações. Na área tributária, a Procu-radoria exerce a defesa do Tesouro em face do contribuinte, e do Município enquanto contribuinte em face das demais entidades tributantes. As desa-propriações, necessárias à condução da política de obras e serviços públicos no âmbito municipal, são conduzidas pela PGM, bem como as negociações de dissídios coletivos e causas trabalhistas relativos ao pessoal celetista em-pregado pelo Município. Além disso, a PGM atua na elaboração de contra-tos, licitações e convênios celebrados pela administração municipal, zelando tanto pela otimização dos serviços públicos prestados pela prefeitura, como também pela garantia da legalidade nas relações do Município para com o seu quadro de pessoal estatutário (servidores públicos). A PGM faz também a cobrança dos tributos municipais inscritos em dívida ativa, isto é, os im-postos e taxas não pagos, que precisam ser cobrados de forma amigável ou através de execução judicial.

A direção da instituição compete ao Procurador Geral, com as prerrogati-vas de Secretário Municipal, nomeado em comissão dentre bacharéis em Di-reito maiores de 35 anos. A PGM, diretamente subordinada ao prefeito, será composta de procuradores e de órgãos que integram a sua estrutura orgânica. O quadro de Procuradores do Município é constituído de 75 (setenta e cinco) cargos distribuídos em categorias (1ª, 2ª e 3ª categorias). O ingresso na car-reira de Procurador do Municíp io far-se-á na 3ª categoria, mediante concurso público de provas e títulos, com a participação de representante da Ordem dos Advogados do Brasil, podendo a ele concorrer bacharéis em Direito.

A PGE possui autonomia administrativa e fi nanceira e disporá de dotação orçamentária própria.

DEFENSORIA PÚBLICA

A Defensoria Pública, prevista na Constituição Federal como uma das instituições essenciais à função jurisdi cional do Estado, é competente pela orientação jurídica, a promoção dos direitos humanos e a defesa, em todos os graus, judicial e extrajudicial, dos direitos individuais e coletivos, de forma integral e gratuita, dos necessitados, assim considerados na forma do inciso LXXIV do art. 5º da CF. Segundo o Artigo 134 da CF, as Defensorias são

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essenciais, perante todos os juízos e tribunais do país. Por esta razão não só a União estruturará adequadamente a sua, como também os Estados deverão fazê-lo (Art.134, §1º). Não obstante isso, poucos são os Estados brasileiros que já o fi zeram. No Estado de São Paulo, por exemplo, um dos maiores Estados do nosso país, com uma população carente de número bastante ex-pressivo, só no ano de 2006 veio a promulgar uma lei complementar implan-tando a Defensoria Pública.

Quais os requisitos para se fazer jus a gratuidade de Justiça?

A pessoa que se enquadrar no conceito legal de necessitado, deve apresen-tar uma afi rmação de hipossufi ciência. É uma petição simples, sem formali-dades, que será anexada à petição inicial. Esta afi rmação goza de presunção relativa, presumindo-se pobre, até prova em contrário, quem afi rmar essa condição nos termos desta lei, sob pena de pagamento até o décuplo das custas judiciais.

“Lei nº 1.060/1950Art. 2º-(...)§2 Considera-se necessitado, para os fi ns legais, todo aquele cuja situação econô-

mica não lhe permita pagar as custas do processo e os honorários de advogado, sem prejuízo do sustento próprio ou da família.”

Este é o conceito legal de necessitado econômico.

E no que consiste essa gratuidade?

O necessitado, com esta afi rmação, fi ca dispensado de pagar as taxas ju-diciárias e os selos; os emolumentos e custas devidos aos juízes, órgãos do Ministério Público e serventuários da Justiça; as despesas com as publica-ções indispensáveis no jornal encarregado da divulgação dos atos ofi ciais; as indenizações devidas às testemunhas que, quando empregados, receberão do empregador salário integral, como se em serviço estivessem, ressalvado o direito regressivo contra o poder público federal, no Distrito Federal e nos Territórios; ou contra o poder público estadual, nos Estados; os honorários de advogado e peritos; as despesas com a realização do exame de código ge-nético — DNA que for requisitado pela autoridade judiciária nas ações de investigação de paternidade ou maternidade.

Os benefícios da assistência judiciária compreendem todos os atos do pro-cesso até decisão fi nal do litígio, em todas as instâncias. Cabe ressaltar que a

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Lei nº 1060/1950, conhecida como a Lei de Assistência Judiciária ou Lei de Gratuidade de Justiça, não é privativa da Defensoria Pública. Assim, todo e qualquer advogado pode requerer a gratuidade para seu cliente, desde que de acordo com os requisitos da lei, quando, então, estará prestando assistência judiciária gratuita.

E como se estrutura a Defensoria Pública?

A Estrutura Nacional da Defensoria compreende a Defensoria Pública da União, a Defensoria Pública do Distrito Federal e Territórios e a Defensoria Pública dos Estados. O ingresso na classe inicial da carreira se perfaz median-te concurso público, em atendimento à exigência constitucional (Art. 37 da CF). Em atendimento ainda ao disposto no Artigo 134, §1º da Constituição, foi promulgada a Lei Complementar nº 80, de 1994, chamada Lei Orgânica da Defensoria Pública, alterada pela Lei Complementar nº 132 de 2009.

Esta Lei tem uma tríplice função, pois: (a) Organiza a Defensoria Pú-blica da União; (b) organiza a Defensoria Pública do Distrito Federal e dos Territórios; e (c) prescreve normas gerais para a organização das Defensorias Públicas nos Estados.

No Estado do Rio de Janeiro, por exemplo, é a Lei Complementar nº 06/1977 que organiza a Defensoria Pública no Estado.

A chefi a da Defensoria Pública da União fi ca a cargo do Defensor Públi-co-Geral Federal, nomeado pelo Presidente da República, dentre membros estáveis da carreira, maiores de trinta e cinco anos, escolhidos em lista trí-plice formada pelo voto direto, secreto, plurinominal e obrigatório de seus membros, após a aprovação de seu nome pela maioria absoluta dos membros do Senado Federal, para mandato de dois anos, permitida uma recondução, precedida de nova aprovação do Senado Federal. Da mesma forma ocorre nas Defensorias Públicas dos Estados, cujo chefe será o Defensor Público-Geral, nomeado pelo Governador do Estado.

Autonomia funcional, administrativa e orçamentária

Por fi m, cumpre-nos falar um pouco sobre o grande salto que a Defensoria Pública deu no cenário jurídico após a Emenda Constitucional nº 45/2004, com o acréscimo do §2º do Art. 134:

§ 2º Às Defensorias Públicas Estaduais são asseguradas autonomia funcional e administrativa e a iniciativa de sua proposta orçamentária dentro dos limites estabe-lecidos na lei de diretrizes orçamentárias e subordinação ao disposto no art. 99, § 2º.

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Antes da Emenda, a autonomia funcional e administrativa tinha respal-do infraconstitucional. Isso prejudicava a real autonomia da instituição. Já a autonomia fi nanceira não existia. Hoje, atendendo os reclamos da doutrina, existe a iniciativa para a proposta orçamentária, o que deverá tornar este ór-gão mais fortalecido. Deve-se lembrar que, muitas vezes, a Defensoria Públi-ca em suas atividades se voltava contra o próprio Poder Executivo ou fi sco. Eram ações propostas em nome do assistido contra o Estado. Ocorre que este mesmo Estado era o patrocinador da entidade. Era o Poder Executivo o responsável pelo repasse orçamentário à Defensoria Pública, o que tornava a situação, ao menos desconfortável naquelas demandas em que o próprio patrocinador da entidade era por esta caracterizado como réu.

Com a alteração trazida pela Lei Complementar nº 132 de 07 de outubro de 2009, tal autonomia passou a constar também na Lei Orgânica da Defen-soria Pública (art. 97-A, incisos I a VII, da LC 80/94).

De acordo com o art. 97-B, da Lei Orgânica, caberá à Defensoria Pública do Estado elaborar sua proposta orçamentária dentro dos limites defi nidos na lei de diretrizes orçamentárias e encaminhá-la ao Chefe do Poder Executivo dentro do prazo estabelecido.

Caso a proposta não seja enviada dentro do prazo ou esteja em desacordo com os limites estipulados pela lei de diretrizes, caberá ao Poder Executivo considerar os valores aprovados na lei orçamentária vigente ou proceder aos ajustes necessários para fi m de consolidação da proposta orçamentária anual.

Caberá ao Poder Legislativo, mediante o controle externo e interno, a fi scalização contábil, fi nanceira, orçamentária, operacional e patrimonial da Defensoria Pública do Estado, quanto à legalidade, legitimidade, aplicação de dotações e recursos próprios e renúncia de receitas (art. 97-B e parágrafos).

Essa inovação, portanto, certamente permitirá um substancial aumento orçamentário e consequentemente uma desejável efetiva e imparcial atuação. Desta forma, mostra-se de imensurável importância a atuação da Defensoria Pública, intuindo-se sua imprescindibilidade para realização do Estado De-mocrático de Direito.

Legitimidade da Defensoria Pública nas ações coletivas lato sensu

No dia 16 de janeiro de 2007 foi publicada a Lei 11.448/2007, alterando o artigo 5º da Lei 7.347/85 (Lei da Ação Civil Pública), legitimando para a sua propositura a Defensoria Pública.

Mas, quais são os direitos que podem ser legitimamente defendidos pela De-fensoria Pública? A questão passou a ser bastante discutida nos meios jurídicos.

A Defensoria Pública sustenta que o objetivo da lei foi incluir mais um órgão no rol dos legitimados para a defesa dos interesses transindividuais,

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126 PINHO, Humberto Dalla Bernadino.

A Legitimidade da Defensoria Pública

para a propositura de Ações Civis Pú-

blicas: primeiras impressões e questões

controvertidas. Disponível em www.

humbertodalla.pro.br. Acesso em 17 de

outubro de 2007.

possibilitando o maior acesso possível à Justiça. Desta forma, estaria a Defen-soria Pública legitimada a defender qualquer interesse transindividual através da ação civil pública.

Outros organismos, ao contrário, entendem que a lei conferiu a Defen-soria Pública a legitimidade para propor ações civis públicas direcionados à tutela coletiva, genericamente considerada, apenas de hipossufi cientes, tendo em vista que essa é a sua legitimação constitucional (Constituição da Repú-blica, Título IV, Capítulo IV, artigos 127 a 135) cabendo à Defensoria Públi-ca a defesa dos hipossufi cientes.

Nada impede, porém, superadas as divergências, a atuação litisconsorcial, por exemplo, da Defensoria Pública e do Ministério Público, na hipótese de haver cumulação de pedidos. Assim, no caso de uma poluição de um rio com o rompimento de um dique e consequente alagamento das casas ribeiri-nhas, poderia atuar o Ministério Público na defesa do meio ambiente com o pedido de reparação ambiental, e a Defensoria Pública atuaria na defesa das pessoas hipossufi cientes que tiveram suas casas alagadas devido ao desastre ecológico. Nada impediria, da mesma forma, a prevalecer este entendimento da legitimidade genérica, que o Ministério Público e a Defensoria Pública ajuizassem conjuntamente uma ação civil pública na defesa desses mesmos bens e pessoas lesadas.

Nesse sentido também é o entendimento do Ilustre Dr. Humberto Dalla Bernardina de Pinho126:

“Nesse sentido, e tendo em vista que, em geral, normas defi nidoras de direito e garantias devem ser interpretadas de forma extensiva, estamos em que a Defensoria Pública, ao menos hoje, tem legitimidade para a tutela das três espécies de direitos (difusos, coletivos e individuais homogêneos).

Caberá ao Defensor, no caso concreto, aferir se aquela situação demanda a atu-ação da Defensoria Pública, levando em conta todas as circunstâncias que puder examinar, sobretudo as econômicas, sociais, culturais e jurídicas.”

Entendemos que muito ainda há que se discutir acerca do tema. Uma norma regulamentadora há de ser prontamente elaborada a fi m de evitar que celeumas doutrinárias e disputas políticas acabem por prejudicar a coletivi-dade. Até que esta norma seja editada, entendemos que a previsão genérica é que deva prevalecer.

Caso se conclua que a Defensoria Pública só poderá atuar na seara coletiva em prol dos necessitados, cabe lembrar que o Ministério Público atua como custos legis nas ações civis públicas propostas por outros legitimados e con-tinuará o fazendo em sede de ação proposta pela Defensoria Pública. Desta forma, atuando a Defensoria em matéria que não seja referente a hipossufi -cientes, caberá ao Parquet, como custos legis, alertar para esta preliminar de

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127 ADI nº 3943.

ilegitimidade ativa e, com isso, assumir o pólo ativo da demanda quando for necessário.

No dia 16 de agosto de 2007, a Associação Nacional dos Membros do Mi-nistério Público — CONAMP — ajuizou no Supremo Tribunal Federal uma ação direta de inconstitucionalidade127 contestando a Lei 11.448/2007. A ADIn tem como relatora a Ministra Carmen Lúcia e até dezembro de 2011 ainda não havia sido julgada.

CASO DE SEDIMENTAÇÃO

No dia 30 de outubro de 2005, Tício, que conduzia seu veículo distrai-damente, subiu na calçada e atropelou Mévio, morador de rua, lesionando-o em suas pernas gravemente. Tício foi processado pelo crime de lesão corporal culposa praticada na direção de veículo automotor (Artigo 303 da Lei nº 9503/1997), vindo a ser condenado em março de 2006. Sabendo-se que a sentença penal condenatória transitada em julgado torna certa a obrigação de indenizar o dano, sendo, portanto, título executivo judicial, o Ministério Público ajuíza a ação de execução no juízo cível.

Diante da redação do Artigo 68 do Código de Processo Penal e do que acabamos de estudar, pergunta-se: agiu corretamente o membro do Minis-tério Público ao impetrar a ação civil ex delito?

JURISPRUDÊNCIA

Defensoria Pública

PROCURADORES ESTADUAIS E OPÇÃO PELO CARGO DE DEFENSOR PÚBLICO

O Tribunal julgou improcedente pedido formulado em ação direta ajuizada pelo Procurador-Geral da República para declarar a inconstitucionalidade do art. 11 do Ato das Disposições Transitórias da Constituição do Estado de São Paulo e do caput, incisos e § 3º do art. 3º e do § 1º do art. 4º das Disposições Transitórias da Lei Complementar 988/2006, do mesmo Estado-membro, que facultam aos Procuradores estaduais, no prazo de 60 dias da promulgação da Lei Orgânica da Defensoria Pública, optarem pela permanência no quadro da Procuradoria-Geral do referido Estado-membro, ou na carreira de Defen-sor Público, garantidas as vantagens, os níveis e as proibições. Entendeu-se que as normas impugnadas seriam harmônicas com a Constituição Federal, haja vista que os Procuradores do Estado de São Paulo, aos quais viabilizada a opção pela carreira de Defensor Público, teriam ingressado na Administração

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Pública mediante concurso de provas e títulos. Além disso, asseverou-se que a Lei Complementar estadual 478/86 teria previsto as atribuições próprias ao cargo de Procurador do Estado, estabelecendo a divisão da Procuradoria em três áreas de atuação: o Contencioso Geral, a Consultoria Geral e a As-sistência Judiciária. Assim, os candidatos ao cargo de Procurador estadual, aos quais facultada a opção, teriam feito concurso para prestar serviços nessas diversas áreas, entre elas a de prestar assistência judiciária aos menos favore-cidos. Tendo isso em conta, ressaltou-se que o Supremo, da mesma forma como admitira a junção de carreiras (ADI 1591/RS, DJU de 30.6.2000), ha-veria de admitir situação inversa, em que observada simplesmente a cisão de carreira que se mostrava única e que, até o surgimento da Defensoria Pública, viera a ser preservada quanto ao Contencioso Geral e à Consultoria Geral.ADI 3720/SP, rel. Min. Marco Aurélio, 31.10.2007. (ADI-3720) — Infor-mativo 486

AÇÃO PENAL PÚBLICA CONDICIONADA E ILEGITIMIDADE DA DEFENSORIA PÚBLICA

A Turma negou provimento a recurso ordinário em habeas corpus em que a Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro alegava a ilegitimidade do Ministério Público para propor ação penal pública condicionada à represen-tação pela suposta prática dos delitos de estupro (CP, art. 213) e atentado violento ao pudor (CP, art. 214) quando, não obstante a pobreza da víti-ma, o ente da federação possui Defensoria Pública devidamente aparelhada. Rejeitou-se o argumento de inconstitucionalidade do art. 225, §§ 1º e 2º, do CP pelo simples fato de o Estado-membro ser provido de Defensoria Pública estruturada. Asseverou-se, no ponto, ser distinto o dever de o Estado prestar assistência judiciária às pessoas menos favorecidas e as condições estabelecidas no Código Penal para a propositura da ação penal. Desse modo, considerou-se despropositada a construção da recorrente no sentido de invocar, para a es-pécie, a norma do art. 68 do CPP e a jurisprudência fi xada pela Corte quanto a esse dispositivo — até que viabilizada, em cada Estado, a implementação da Defensoria Pública, o parquet deteria legitimidade para o ajuizamento de ação civil ex delicto, quando o titular do direito à reparação do dano for po-bre —, a fi m de converter a ação penal pública condicionada em ação penal privada, que passaria a ter como parte legitimada ativa a Defensoria Pública. Aduziu-se que a opção do legislador pela convivência entre os artigos 32 do CPP (autoriza o juiz, comprovada a pobreza da parte, a nomear advogado para a promoção da ação penal privada) e 225 do CP (concede titularidade ao Ministério Público para a propositura de ação penal pública condiciona-da) tem como consequência impedir que, na hipótese do art. 225, § 1º, I, do CP (vítima pobre), depois de formalizada a representação, possa haver

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concessão de perdão ou abandono da causa. Por fi m, entendeu-se que tal eleição não fora alterada com a criação e instalação das defensorias públicas nos Estados, pois a norma visa impedir que, nas hipóteses de pobreza decla-rada da ofendida, após a representação formalizada, não haja disposição de conteúdo material do processo. RHC 88143/RJ, rel. Min. Joaquim Barbosa, 24.4.2007. (RHC-88143) — Informativo 464

ADI E VINCULAÇÃO DA DEFENSORIA PÚBLICA ESTADUAL À SECRETARIA DE JUSTIÇA

O Tribunal julgou procedente pedido formulado em ação direta ajuiza-da pelo Diretório Nacional do Partido Trabalhista Brasileiro — PTB para declarar a inconstitucionalidade da alínea c do inciso IV do art. 2º da Lei 12.775/2005, do Estado de Pernambuco, que vincula a Defensoria Pública Estadual à Secretaria de Justiça e Direitos Humanos — SEJUDH que cria. Entendeu-se que o dispositivo impugnado viola o § 2º do art. 134 da CF, in-cluído pela EC 45/2004, que assegura às Defensorias Públicas Estaduais auto-nomia funcional e administrativa e a iniciativa de sua proposta orçamentária. Asseverou-se que a EC 45/2004 não conferiu à Defensoria Pública a iniciativa legislativa para criação de cargos, outorgada ao Ministério Público, continu-ando ela vinculada, no ponto, ao Poder Executivo estadual (CF, art. 61, §1º). Ressaltou-se, entretanto, que, no caso, a vinculação da Defensoria Pública à Secretaria de Justiça submete a primeira à tutela do Secretário de Estado, que sobre ela deterá poder de controle de legalidade, que é incompatível com o vigente status constitucional da Defensoria Pública. Além disso, afastou-se a alegação de que a ação seria desprovida de utilidade, em razão de o dispositivo impugnado repetir orientação prévia fi xada pelo art. 2º da Lei Complementar estadual 20/98, a qual, por não ter sido objeto de impugnação, subsistiria ain-da que declarada a inconstitucionalidade do dispositivo questionado. Aduziu-se que, quando da sanção da Lei 12.755/2005, o art. 2º da Lei Complementar 20/98 já estava revogado, por não estar em harmonia com o texto constitu-cional modifi cado. A Min. Cármen Lúcia ressalvou que a vinculação, por si só, não acarretaria a quebra da autonomia, mas tendo em conta o que foi dito na ação com relação à tutela, acompanhou o relator. ADI 3569/PE, rel. Min. Sepúlveda Pertence, 2.4.2007. (ADI-3569) — Informativo 462

Advocacia

INTERROGATÓRIO DO ACUSADO E PRESENÇA DE DEFENSOR

A Turma deu provimento a recurso extraordinário para declarar a nulidade de processo, em que condenado o recorrente, a partir da realização do inter-

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rogatório sem a presença do respectivo defensor. No caso, a Defensoria Pú-blica da União interpusera recurso extraordinário contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul que assentara que o interrogatório não estaria sujeito ao princípio do contraditório, porquanto ato privativo do magistrado, sendo absolutamente dispensável o comparecimento do defensor. Considerou-se que se aquele que está simplesmente preso deve ser informado dos respectivos direitos, com assistência de advogado, com mais razão tal ga-rantia há de ser conferida àquele que já possui contra si ação penal instaurada. Assim, tendo em conta o princípio de que ninguém pode ser processado sem assistência técnica, asseverou-se que o interrogatório é fase do próprio processo e que cumpre observar a imposição constitucional (CF, art. 5º, LV) e também a legal (CPP, art. 261). Ressaltou-se, ainda, que a edição da Lei 10.792/2003, que alterou a redação do art. 185 do CPP, apenas explicitara algo que já decor-reria do próprio sistema legal, qual seja, a exigência da presença do advogado no interrogatório. Precedente citado: HC 83836/RS (DJU de 23.9.2005).RE 459518/RS, rel. Min. Marco Aurélio, 23.10.2007. (RE-459518) — In-formativo 485

Advocacia Pública

PROCURADOR-GERAL DO ESTADO: ESCOLHA — 2

O Tribunal, por maioria, julgou improcedente pedido formulado em ação direta ajuizada pelo Governador do Estado de São Paulo contra a expressão “entre os Procuradores que integram a carreira”, contida no parágrafo único do art. 100 da Constituição do referido Estado-membro (“O Procurador-Geral do Estado será nomeado pelo Governador, em comissão, entre os Procuradores que integram a carreira, e deverá apresentar declaração pública de bens, no ato da posse e de sua exoneração.”) — v. Informativo 336. Entendeu-se que a Constituição estadual, subordinada aos princípios contidos na Constituição Federal, no exercício da auto-organização conferida pelo art. 25, teria com-petência para a defi nição dos critérios para a escolha do Procurador-Geral, na forma prevista no inciso VIII do art. 235, e em consonância com o art. 132, que estabelece a representatividade do Estado por integrantes da carreira (“Art. 235... VIII — até a promulgação da Constituição Estadual, responderão pela Procuradoria-Geral, pela Advocacia-Geral e pela Defensoria-Geral do Esta-do advogados com notório saber, com trinta e cinco anos de idade, no mínimo, nomeados pelo Governador eleito e demissíveis ad nutum;”). Nesta assentada, o Min. Sepúlveda Pertence, em voto de desempate, na linha de outros votos já proferidos, acompanhou o relator, ao fundamento de não ser essencial do cargo em comissão, segundo a Constituição Federal, a inexistência de quais-quer limites à clientela passível desta nomeação. Vencidos os Ministros Mau-

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rício Corrêa, Joaquim Barbosa, Gilmar Mendes, Ellen Gracie e Nelson Jobim que julgavam o pedido procedente por considerar que a norma impugnada, ao impor limitação ao exercício do poder discricionário de escolha conferido ao Governador, ofenderia o art. 61, § 1º, II, c, da CF, bem como o princípio da separação entre os Poderes.

ADI 2581/SP, rel. orig. Min. Maurício Corrêa, rel. p/ o acórdão Min. Marco Aurélio, 16.8.2007. (ADI-2581) — Informativo 476

LEITURAS COMPLEMENTARES

A Legitimidade da Defensoria Pública para a propositura de Ações Civis Públi-cas: primeiras impressões e questões controvertidas. Humberto Dalla Berna-dino Pinho. Artigo disponível no site: http://www.humbertodalla.pro.br > artigos.

ADI nº 3943: atentado contra a democracia. Cirilo Augusto Vargas. Artigo dispo-nível no site: http://www.jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=10490.

QUESTÕES ACERCA DO TEMA

01. Assinale abaixo a alternativa em que se descreve prerrogativa compa-tível com estatuto constitucional de Procurador do Estado. (Concurso para Procurador do Distrito Federal — 2004)

(a) Foro Especial por prerrogativa de função junto ao Tribunal de Jus-tiça, nos crimes de resposnsabilidade defi nidos em lei

(b) Estabilidade após 03 (três) anos de exercício efetivo aplicando-se-lhe, no tocante a esta, a mesma disciplina prevista para os servidores públicos ocupantes de cargo de provimento efetivo em virtude de concurso público, inclusive quanto a perda do cargo, naquilo em que o regime que lhe é próprio não for derrogante do regime co-mum

(c) Monopólio da representação judicial da pessoa jurídica de direi-to público a que estiver vinculado, excludente da capacidade desta para conferir mandado ad judicia a outros advogados para causas especiais

(d) Foro especial por prerrogativa de função junto ao Tribunal de Justi-ça, nos crimes dolosos contra a vida

(e) Independência funcional

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02. A Defensoria Pública possui: (Consurso Defensoria Pública do Estado de São Paulo — 2006)

(a) Iniciativa de lei referente à sua estrutura.(b) Iniciativa de sua proposta orçamentária(c) Iniciativa de lei referente à criação e extinção de cargos e à fi xação

de vencimentos e vantagens.(d) Prerrogativa de se manifestar sobre projetos de lei referentes à sua

estrutura.(e) Poder de veto sobre projetos de lei referentes à sua estrutura.

03. Aos defensores públicos é vedado: (Concurso Público da Defensoria Pública do Estado de São Paulo — 2006)

(a) Filiar-se a partido político.(b) Exercer o magistério.(c) Fazer parte de sociedade comercial.(d) Integrar associação civil.(e) Exercer a advocacia fora de suas atribuições institucionais.

04. Relativamente às funções essenciais da justiça, vigora no sistema cons-titucional brasileiro a seguinte regra: (Magistratura do Estado de Minas Ge-rais — 2003/2004)

(a) A Advocacia Geral da União é instituição essencial à função jurisdi-cional, que representa a União, judicial e extrajudicialmente.

(b) A Advocacia Geral da União é instituição permanente essencial à função jurisdicional, que representa a União, judicial e extrajudi-cialmente.

(c) A Advocacia é instituição permanente para a função jurisdicional do Estado.

(d) A Defensoria Pública é instituição essencial à função jurisdicional do Estado.

(e) O Ministério Público é instituição não permanente essencial à fun-ção jurisdicional.

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CARLOS ROBERTO JATAHYProcurador de Justiça no Estado do Rio de Janeiro desde 2002, sendo membro do MPERJ desde 1988. Foi membro do Conselho Superior do MPERJ de 2005 a 2008. É Subprocurador-Geral de Justiça no biênio 2009-2011. É mestre pela UNESA. Autor das obras Curso de Princípios Institucionais do MP, Lúmen Júris, 3ª edição, 2008, O Ministério Público e o Estado Democrático de Direito: perspectivas institucionais de atuação institucional. Lúmen Júris, 2007 e Ministério Público– Legislação Institu-cional, 2ª edição 2006, Rio de janeiro: Ed. Roma Victor, 2000. É bacharel em Direito pela UERJ. Leciona no magistério jurídico desde 1988.

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FICHA TÉCNICA

Fundação Getulio Vargas

Carlos Ivan Simonsen LealPRESIDENTE

FGV DIREITO RIO

Joaquim FalcãoDIRETOR

Sérgio GuerraVICE-DIRETOR DE ENSINO, PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO

Rodrigo ViannaVICE-DIRETOR ADMINISTRATIVO

Thiago Bottino do AmaralCOORDENADOR DA GRADUAÇÃO

Rogério Barcelos AlvesCOORDENADOR DE METODOLOGIA E MATERIAL DIDÁTICO

Paula SpielerCOORDENADORA DE ATIVIDADES COMPLEMENTARES E DE RELAÇÕES INSTITUCIONAIS

Andre Pacheco MendesCOORDENADOR DO NÚCLEO DE PRÁTICA JURÍDICA

Thais Maria L. S. AzevedoCOORDENADORA DE TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO

Márcia BarrosoNÚCLEO DE PRÁTICA JURÍDICA – PLACEMENT

Diogo PinheiroCOORDENADOR DE FINANÇAS

Milena BrantCOORDENADORA DE MARKETING ESTRATÉGICO E PLANEJAMENTO