orçamento base zero - fabio giambiagi

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    21.03.2000

    UMA PROPOSTA DE POLTICA FISCAL: O ORAMENTO BASE ZERO

    Fabio Giambiagi

    1. Introduo

    O Governo brasileiro est implementando um importante programa de ajustefiscal que, se bem sucedido, dever permitir ao pas estabilizar a relaoDvida lquida do setor pblico/PIB (Ministrio da Fazenda, 1998).1 Para isso,nos termos do acordo alcanado com o Fundo Monetrio Internacional (FMI)em maro de 1999, o Governo se comprometeu a perseguir metas desupervit primrio do setor pblico consolidado de 3,3 e 3,4 % do PIB em2000 e 2001, respectivamente. Nesse contexto, o supervit primrio do

    Governo Central seria de 2,7 e 2,6 % do PIB, nesses mesmos anos. Esteartigo discute algumas questes que pode vir a ser importante aprofundar, natentativa de dar continuidade a esse processo de ajuste, ao longo da dcada,de modo a assegurar uma trajetria no ascendente da relao Dvidapblica/PIB.

    O programa fiscal que visa alcanar as metas mencionadas provavelmenteo esforo oficial de planejamento econmico mais elaborado que tenha sidoadotado no Brasil nos ltimos 25 anos e representou um avano considervelem relao ao quadro at ento vigente, tanto em termos da definio de umhorizonte de mdio prazo para as aes governamentais, como tambmpelas medidas concretas de ajustamento que foram anunciadas, aprovadas eencontram-se em fase de implementao.

    Entretanto, o ajuste em curso inclui 3 elementos indesejveis. Em primeirolugar, baseia-se fortemente em componentes temporrios de receita, quedevero se esgotar com o passar do tempo, o que alimenta certas dvidasnos analistas, acerca do cenrio fiscal de longo prazo. Em segundo lugar eassociado ao primeiro ponto, ele implica uma carga tributria onerosa, paraum pas de nvel de renda mdio como o Brasil. E, em terceiro, no que dizrespeito aos cortes feitos no gasto pblico, no pde ser precedido por umaanlise precisa e minuciosa acerca da estrutura da despesa e daconvenincia de realizao de formatos alternativos de corte das despesas.

    Em outras palavras, o gasto pblico, com os cortes, diminuiu, mas isso nosignifica necessariamente que a sua alocao tenha se tornado mais racionale eficiente.

    Ao mesmo tempo que o ajuste implementado, comea a se pensar, nombito federal, em modificar o conceito de oramento, no sentido detransformar este em um conjunto de programas especficos. Assim, as

    1Para algumas crticas acerca do uso deste coeficiente como indicador de avaliao da poltica fiscal

    no Brasil, ver Bevilaqua e Werneck (1998).

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    verbas dos diversos Ministrios passariam a ser alocadas em funo dosprogramas que estes implementassem nas suas respectivas reas deatuao. Esse um passo importante para uma maior racionalizao dogasto e as idias aqui discutidas devem ser entendidas como umcomplemento dessa modificao que j est em curso.

    Na elaborao deste artigo, partimos de duas premissas:a) com o fim das receitas extraordinrias, se nada for feito, o supervitprimrio do Governo Central - e, conseqentemente, do setor pblico -cair significativamente depois de 2001, algo que no desejvel queocorra, em uma conjuntura de provvel incerteza poltica como a que seviver na proximidade das eleies presidenciais de 2002; e

    b) importante que a estrutura da despesa pblica seja condicionada aoscritrios definidos acerca do papel do Estado e, especficamente, doGoverno Federal na economia.

    luz dessas consideraes, o que se pretende com este artigo darsubsdios para, simultneamente: i) diminuir o gasto pblico como proporo

    do PIB; e ii) melhorar a racionalidade alocativa e a eficincia do gasto.

    Para isso, iremos concentrar a anlise na rubrica conhecida como outrasdespesas de custeio e capital (OCC), representada pelo gasto da Unio queexclui os itens de pagamento de (i) pessoal; (ii) benefcios previdencirios;(iii) vinculaes legais e (iv) juros da dvida pblica. O OCC corresponde,portanto, parcela do gasto mais propensa discricionalidade dasautoridades, pelo fato de no ter o grau de rigidez dos quatro itens acimamencionados.

    O ponto de partida da anlise o fato de que, geralmente, a razo para aexistncia de uma rubrica no oramento simplesmente o fato dessa mesmarubrica constar do oramento do ano anterior, lgica essa que no hgarantias de que no ser mantida na modalidade de oramentao porprograma. Isso acarreta trs problemas:

    engessa a estrutura oramentria; mantm gastos que no seriam justificveis, no fosse pelo fato de

    simplesmente j existirem; e prejudica a adoo de novos programas e despesas, pela dificuldade de

    encontrar espao para abrigar uma nova fonte, dado que esse espao jfoi tomado pelas rubricas ou programas j existentes.

    Por isso, nossa proposta estabelecer um rankingde prioridades, na formade uma remontagem da pea oramentria da Unio, que parta danecessidade de justificar a existncia de cada rubrica ou programa. Isso oque na literatura sobre finanas pblicas se conhece como oramento basezero (OBZ), idia essa que aqui nos propomos a desenvolver.

    O artigo se divide em seis sees. Depois desta breve introduo, so feitasalgumas consideraes acerca da importncia de se dar ao ajustamento umcarter permanente. Posteriormente, explica-se de forma resumida o que o

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    oramento base zero, cujas caractersticas e benefcios so comentados naquarta seo. A quinta expe os principais nmeros das contas do GovernoCentral no ano 2000. Por ltimo, apresentam-se as concluses e sugere-seuma proposta para o desdobramento do debate em torno do assunto.

    2. Ajuste temporrio vs. Ajuste permanente: consideraes conceituais2

    A literatura econmica h muito que registra a reflexo de que to importantecomo o dficit pblico - entendido como a simples diferena entre despesase receitas -, para a formao de expectativas dos agentes econmicosacerca da solvncia do Governo e do futuro da poltica inflacionria, oconceito de core deficit, definido como ... the difference between thepermanent level of expenditure and the permanent level of revenue ... (Tanzi, 1989, pgina 23, grifos do original).

    A influncia negativa desta medida de dficit - em geral, no apuradaoficialmente, entre outras coisas pelo fato de que a fronteira entrecomponentes permanentes e temporrios nas contas pblicas no

    totalmente ntida - pode ser explicada com base no raciocnio exposto aseguir. Se os agentes econmicos vislumbram que, aps certo perodo emque o dficit fiscal X1, vir um perodo em que ele ser de X2, com X2 >X1, a expectativa de que isso ocorra levar os agentes a exigirem um prmiode risco - na compra de ttulos pblicos - maior do que exigiriam se X1 fosseentendido como permanente, haja vista as conseqncias potencialmentenegativas que disso adviriam, na forma de um aumento do nvel de preos -associado monetizao do dficit - e/ou de uma trajetria ascendente darelao Dvida pblica/PIB.

    Nesse sentido, o quadro fiscal do Brasil nos ltimos anos revelou-se bastantegrave. Isto porque no apenas o dficit pblico consolidado foi extremamenteelevado - atingindo, em mdia, 7 % do PIB, no conceito nominal, no perodo1995/1999 -, como tambm porque as contas pblicas foram beneficiadaspor uma srie de fatores tipicamente temporrios de conteno ourepresso fiscal, tais como o Fundo de Estabilizao Fiscal (FEF), asreceitas de concesses de servios pblicos e a cobrana da ContribuioProvisria sobre Movimentao Financeira (CPMF).

    O conceito de receita temporria razoavelmente claro e refere-se existncia de uma fonte de recursos que beneficia a arrecadao e cujavigncia est prevista por um perodo definido no tempo. O mesmo no sepode dizer, porm, do que poderia ser denominado de reduo temporria

    do gasto e que nos interessa aqui discutir. Isto porque, se uma despesa fordiminuda, poder haver uma margem de dvida acerca do carterdefinitivo ou no dessa diminuio.

    Cortes como os implementados em 1999 diferem da eliminao, porexemplo, de uma fonte de dficit associada privatizao de uma empresa

    2Para um embasamento conceitual mais abrangente acerca das questes aqui discutidas, ver Ohana

    (1997). Para uma discusso especfica sobre a margem de manobra do Governo Federal para a

    realizao de cortes de despesa, ver Giambiagi (1998).

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    estatal que seja tipicamente deficitria. Quando isto ltimo ocorre, h umaparcela do gasto - na forma de cobertura do dficit dessa unidade estatal -que no apenas diminui, mas simplesmente desaparece, e para sempre, dacomposio do dficit. O mesmo raciocnio aplica-se ao eventual fechamentode algum rgo.

    Em contraste com essa estratgia, quando adota-se um corte - mesmo queno seja linear - nos programas de um Ministrio, sem afetar a existncia denenhum deles programas, mesmo que o corte seja profundo, a existncia deuma memria viva referente a cada um dos programas faz da tentativa derecompor o nvel de gasto anterior ao corte a reivindicao natural de todosos rgos afetados. Conseqentemente, para efeitos da anlise econmica,o verdadeiro significado do corte, em termos de uma anlise prospectiva demdio prazo, uma incgnita, j que no se sabe como o Governo resistirno futuro reivindicao de retomar os valores antigos de gasto.

    Um programa de ajuste baseado em cortes a respeito dos quais no exista aconvico generalizada de que com certeza sero mantidos , por definio,

    mais frgil do que um programa que inclua cortes que sejam entendidos portodos - isto , pelas partes afetadas e pelo mercado - como permanentes.Em outras palavras, quanto maior a dificuldade poltica de manter o atualnvel de gasto, ou seja, quanto maior a expectativa sobre o carterprovisrio dos cortes, maior ser o temor acerca da expectativa derecorrncia do quadro de crise que motivou os prprios cortes .

    A filosofia tradicional dos cortes pode ser sintetizada na expresso cortarum pouco de tudo. O que ns advogamos, neste artigo, a idiaalternativa de cortar tudo de um pouco, isto , abolir definitivamentedeterminadas rubricas, preservando intactas outras, de modo a aumentar o

    grau de focalizao do gasto e evitar a perda de eficincia que resulta dese ter cortes muitas vezes justificados do ponto de vista macroeconmicoagregado, mas que podem no ser apropriados do ponto de vista setorial.

    Naturalmente, uma deciso desse tipo impe uma reflexo prvia acerca deque critrios devem nortear os cortes a serem feitos. guisa de sugesto,julgamos que os gastos do Governo Federal a serem preservados devem seraqueles que, entre outras coisas:

    geram externalidades positivas para uma extenso geogrfica que no selimita a um Municpio ou a um Estado, justificando o interesse do GovernoFederal no gasto; exemplo disso pode ser uma estrada que corta a

    extenso territorial de vrios Estados; correspondem a aes tpicas de Governo ou nas quais o Governo,

    tradicionalmente, na maioria dos pases, tem uma atuao marcante e emreas nas quais os incentivos para a atuao das autoridades estaduaisou locais so escassos, por falta de interesse ou por uma questo deescala mnima; exemplo disso pode ser o apoio rea de cincia etecnologia;

    esto associados a atividades que so intrinsecamente governamentais,como as relaes exteriores, a defesa nacional ou a justia;

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    referem-se a atividades consideradas importantes, que geram gastos afundo perdido; exemplo tpico disso so certas dotaes de gasto com arealizao de assentamentos rurais, para efeitos de reforma agrria;

    relacionam-se a atividades consideradas importantes, mas nas quais osetor privado no manifesta interesse, por no apresentar perspectivas degrande lucratividade; exemplo disso, por exemplo, pode ser a eletrificao

    rural, na forma de um subsdio para determinada regio; e/ou representam compromissos associados ao que se poderia entender como

    um contrato social bsico entre o Governo e a sociedade, na forma deum piso de gasto para determinadas atividades sociais; exemplo dissopodem ser certas rubricas de gasto do setor de sade, relacionados com amanuteno de hospitais.

    Por contraste, prope-se retirar do oramento os gastos que:

    no gerem externalidades positivas que justifiquem a sua continuidade; no representem gastos tpicos do Governo Federal; possam ser assumidos pelo setor privado, desde que este tenha

    condies de ser devidamente remunerado; e representem aes que deveriam ser objeto de iniciativas estaduais e/ou

    locais, como por exemplo certas obras pblicas de alcance especfico paraum determinado Estado ou localidade.

    3. O que o oramento base zero3

    O OBZ representa uma reviso fundamental - no sentido de que se baseianuma anlise dos fundamentos de cada programa - do oramento. O objetivodo mesmo o de viver de acordo com os recursos disponveis e correspondea um meio de eliminar programas e projetos no econmicos (Premchand,

    1998, pgina 82).Para entender melhor essa filosofi,a vlido citar as palavras que Pyhrrmenciona no primeiro captulo do seu livro sobre o OBZ, reproduzindo asidias que Arthur Burns, um assessor do ento Presidncia dos EUA,manifestou no jantar anual da Tax Foundation, em 1969, acerca do controledas despesas do Governo:

    Costumeiramente, os funcionrios encarregados de um programa jestabelecido s precisam justificar o aumento que esto pedindo em relao dotao do ano anterior. Em outras palavras, o que j esto gastandogeralmente aceito como necessrio, sem exame. Poderiam ser feitaseconomias substanciais, sem dvida alguma, se (fose exigido que) todo rgo

    pblico justificasse toda a dotao solicitada todos os anos, exatamente comose seu programa ou programas fossem inteiramente novos (citado em Pyhrr,1981, pgina 1, grifos nossos).

    A forma tradicional de fazer o oramento, como uma verso refeita dooramento do ano anterior, gera como resultado vrios vcios administrativos,

    3Para os interessados em conhecer mais a fundo o tema do oramento base zero, sugere-se a leitura de

    Pyhrr (1981). Para maiores referncias da literatura, consultar a bibliografia exposta em Premchand e

    Antonaya (1988).

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    entre os quais cabe ressaltar a perda de funcionalidade que ocorregradativamente com o tempo; a falta de agilidade para se adaptar s novascircunstncias; a existncia de uma despesa inchada pela sobrevivncia deresduos de gasto pblico associados a demandas sociais ou polticasantigas que no mais se justificam e cujos recursos oramentrios so porvezes diminudos, mas nunca eliminados; etc..

    O Governo vtima ento do que se poderia denominar de escassez emmeio abundncia, pois a continuidade de programas antigos, muitas vezescom recursos que declinam ao longo do tempo, mas permanecemimportantes como um todo, se choca com o surgimento de novas demandas.Como estas muitas vezes no conseguem ser satisfeitas, ao mesmo tempoque os beneficirios de antigos pleitos vem seus recursos minguarem, noraramente o descontentamento generalizado. Do ponto de vistaeconmico, entretanto e mesmo do ponto de vista poltico, pode fazer maissentido eliminar definitivamente certas rubricas do oramento - ao invs decondenar os beneficirios da mesma a um longo e lento declnio das suasrendas apropriadas -, remanejando parte dos recursos para o melhor

    atendimento de outras carncias e ao atendimento de novas demandas, aoinvs de repetir a estratgia de cortar um pouco de tudo qual j fizemosaluso.

    A idia-sntese do OBZ a de que cada unidade da administraopblica, a cada ano, deve justificar por que deve gastar os recursos queesto sendo pleiteados. Nessa justificativa, idealmente, deveriam constar:

    uma explicao acerca das conseqncias do no-desempenho da funopblica que se pretende iniciar, continuar ou ampliar com o programa emquesto;

    uma apresentao das alternativas disponveis no caso de cada programa,com a identificao das aes requeridas; e uma avaliao de custos e benefcios de cada alternativa.

    Isto posto, o Poder Executivo - ao elaborar o oramento - e o Congresso - aodebat-lo e aprov-lo - teriam os elementos de julgamento necessrios para,primeiro, avaliar at que ponto uma certa despesa necessria ou no; esegundo, estabelecer uma hierarquia de prioridades para definir o que mais importante o Governo fazer.

    4. Caractersticas e benefcios do oramento base zero

    Nos termos da elaborao de um OBZ, conforme salientado, as atividadesde cada Ministrio teriam que ser realizadas na forma de programas, cadaum dos quais teria que incluir uma exposio de motivos, contendo, entreoutros elementos:

    a) Finalidade. Identificao dos objetivos gerais a que se destina o programa.b) Benefcios. Explicitao dos resultados tangveis que se pretende alcanar

    com o programa, enfatizando as metas quantitativas, na medida dopossvel, sempre que o programa se prestar a isso.

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    c) Conseqncias da no-aprovao do programa. Avaliao dos custos dano-aprovao da verba solicitada, com critrios similares aos do itemanterior.

    d) Alternativas. Meno possibilidade de aprovao de alternativas,eventualmente menos dispendiosas, citando custos e benefcios dasmesmas vis a viso programa proposto.

    e) Quantificao dos recursos necessrios. Valorao do programa.

    A lgica oramentria teria que ser adaptada a essa filosofia de modo apermitir ao administrador pblico, de um lado; e ao Congresso Nacional, deoutro, i) ter os elementos que lhe permitam fazer um julgamento adequado arespeito das vantagens e inconvenincias de cada alternativa; e ii) priorizaros programas, para adaptar o conjunto destes disponibilidade de recursosdefinida por uma restrio oramentria agregada.

    O objetivo, em ltima instncia, mudar a prtica oramentria, de modo apoder responder s seguintes questes:

    Qual o total de recursos disponveis? Onde os recursos devem ser gastos? Que objetivos se deseja atingir? As atividades/programas em curso so adequados face aos objetivos

    traados? Os programas existentes podem ser eliminados ou repassados, para as

    unidades subnacionais da Federao ou para o setor privado, semprejuzo dos objetivos das polticas pblicas?

    Que programas devem ser priorizados? H outros programas alternativos que permitiriam cumprir melhor com os

    objetivos perseguidos?

    Quais as atividades de cada programa que devem ser inicialmenteapoiadas e em que montantes? Como as atividades devem ser escalonadas no tempo?

    Os benefcios que podem advir da adoo de um OBZ so de trs tipos. Emprimeiro lugar, a melhoria do processo oramentrio. O fato de cadaprograma ser questionado vai obrigar os diversos Ministrios a fazerem umesforo no sentido de apresentar programas de melhor qualidade tcnica emais justificados, promovendo uma espcie de seleo natural e criandouma forma de filtro que implicaria abandonar os programas tecnicamentemais vulnerveis.

    Em segundo lugar, os aperfeioamentos posteriores. Ao contrrio decertas inovaes interessantes que depois perdem continuidade, acaracterstica de o OBZ ser um processo contnuo, em que a cada ano osprogramas devem ser avaliados, tende a gerar, como subproduto, uma novacultura, favorvel ao aperfeioamento sistemtico dos procedimentos, comvistas a uma maior eficcia na utilizao dos recursos e no cumprimento dasmetas.

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    Finalmente, o terceiro benefcio o desenvolvimento de pessoal. Anecessidade de justificar devidamente cada programa vai levar as diversasunidades governamentais a se empenharem no desenvolvimento de umamo-de-obra que esteja capacitada para atingir esse fim, atravs de umamaior qualificao dos funcionrios e da criao de uma cultura especficadestinada para isso.

    5. As contas pblicas e o OCC de 2000

    A Tabela 1 mostra a evoluo do resultado primrio ou seja, excluindo adespesa de juros - das contas do Governo Central ao longo dos ltimos 5anos. Observe-se que as outras despesas experimentaram um saltoexpressivo entre 1996 e 1998, quando passaram de 4,0 para 5,8 % do PIB.O ajuste de 1999 representou uma reverso parcial desse aumento.

    Tabela 1Superavit primrio Governo Central (% PIB)

    _____________________________________________________________

    1994 1995 1996 1997 1998 1999_____________________________________________________________Receita 18,9 18,3 17,5 18,6 20,4 21,0(-) Transferncias a Est.&Munic. 2,6 2,8 2,7 2,8 3,0 3,2Receita lquida 16,3 15,5 14,8 15,8 17,4 17,8

    Despesa no financeira 14,0 14,8 14,6 15,5 16,8 15,6Pessoal 5,1 5,6 5,3 4,8 5,1 4,9Benefcios INSS 4,9 5,0 5,3 5,5 5,9 5,8Outras /a 4,0 4,2 4,0 5,2 5,8 4,9

    Discrepncia estatstica /b 0,9 - 0,2 0,2 - 0,6 0,0 0,1

    Supervit primrio /c 3,2 0,5 0,4 - 0,3 0,6 2,3_____________________________________________________________/a Inclui o dficit do Banco Central./b Diferena entre os dados apurados pela Secretaria do Tesouro Nacional epelo Banco Central. Um resultado positivo indica uma contribuio favorvelpara o supervit primrio./c (-) = Dficit.Fonte: Secretaria de Poltica Econmica Ministrio da Fazenda.

    Essa Tabela deve ser complementada pela leitura da Tabela 2. Ela mostra

    as principais rubricas que geram o resultado primrio das contas do GovernoCentral, com base na proposta original do Oramento Geral da Unio (OGU)referente ao ano de 2000, em percentagem do PIB. Os nmeros foramajustados e j contemplam as medidas de ajuste adotadas pelas autoridadesface deciso do Supremo Tribunal Federal (STF) considerandoinconstitucional a cobrana de taxao previdenciria sobre os servidoresinativos. A Tabela 3, por sua vez, desagrega o OCC.

    Tabela 2

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    Governo Central: Supervit primrio - Oramento Geral da Unio 2000Discriminao % PIBReceita tributria 21,23(-) Transferncias constitucionais e legais 3,05Receita lquida 18,18

    Despesa total 15,53Pessoal e encargos sociais 4,83Benefcios previdencirios 5,86Outras despesas 4,84

    Outras vinculaes /a 1,28Outras despesas de custeio e capital 3,56

    Supervit primrio 2,65/a Inclui FAT, sentenas judiciais, TDAs e efeitos da Lei Complementar 87.Fonte: Oramento Geral da Unio para 2000, com ajustes posteriores frustrao de receita associada deciso do Supremo Tribunal Federalsobre a inconstitucionalidade da cobrana de inativos.

    A Tabela 2 mostra que as despesas de OCC representam aproximadamente20 % das despesas totais da Unio, se nestas computarmos astransferncias constitucionais e legais a Estados e Municpios. Dada aescassa flexibilidade dos demais itens gasto com pessoal, INSS e outrasvinculaes -, o fato ressalta a relevncia de se analisar a possibilidade deque o OCC venha a sofrer no futuro a incidncia de novos cortes, com vistasa melhorar o resultado primrio das contas do Governo Central, contribuindoassim para facilitar a obteno das metas de supervit primrio que vierem aser definidas para os prximos anos, uma vez esgotado o acordo com o FMI.

    A Tabela 3 indica que cerca de 50 % da despesa de OCC localiza-se nas

    reas de sade e educao. Mesmo que estas duas reas se consideremintocveis e mesmo que se deixe de lado as despesas do Legislativo e doJudicirio (4 % do OCC), h uma certa margem de manobra para examinarprograma por programa e realizar eventuais cortes nos rgos responsveispelos restantes 46 % da despesa de OCC no mbito do Poder Executivo.

    Um exerccio bastante simples permite entender qual o tamanho dos cortesque deveria ser perseguido. No ano 2000, a meta de supervit primrio doGoverno Central de 2,65 % do PIB. Neste ano, as receitas extraordinriassomam aproximadamente 2,5 % do PIB, incluindo 1,6 % do PIB de CPMF;0,5 % do PIB de concesses e outros 0,4 % do PIB de um conjunto deiniciativas isoladamente modestas mas que como um todo geram umacontribuio importante para o ajuste. Todas essas receitas temporriastero sido completamente eliminadas at dezembro de 2002 e portanto serozeradas no Oramento de 2003.

    Tabela 3 Custeio e investimento Oramento Geral da Unio 2000 /aDiscriminao R$ milhes % totalLegislativo 458 1,12

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    Judicirio/MPU 1192 2,92

    Poder Executivo 39215 95,96Sade 15024 36,77Educao 5384 13,19Ministrios militares/Defesa 3381 8,27

    Transportes 2853 6,98Agricultura 2216 5,42Previdncia e Assistncia 1839 4,50Fazenda 1707 4,18Cincia e Tecnologia 1148 2,81Poltica Fundiria 962 2,35Oramento e gesto 758 1,85Integrao nacional 699 1,71Justia 602 1,47Minas e energia 447 1,09Comunicaes 380 0,93Desenvolv., indstria e comrcio exterior 344 0,84

    Relaes exteriores 320 0,78Desenvolvimento urbano 274 0,67Meio ambiente 269 0,66Esporte e turimso 214 0,52Cultura 139 0,34Presidncia da Repblica 89 0,22Trabalho e emprego 71 0,17Outros /b 95 0,24

    Total 40865 100,00 /a No foram considerados gastos com LOAS, benefcios previdencirios,

    FAT, transferncias constitucionais e legais, sentenas judiciais, aquisio dettulos, subvenes econmicas, formao de estoques pblicos, FCVS eCONAB./b Vice-Presidncia da Repblica, Advocacia-geral da Unio, transfernciasao Governo do Distrito Federal e outros recursos sob superviso doMinistrio da Fazenda.Fonte: Secretaria do Tesouro Nacional, com base no Oramento Geral daUnio para 2000.

    razovel que, uma vez passada a fase mais aguda do ajuste, o supervitprimrio no precise ser to elevado quanto o de 1999/2001. Uma possvelmeta para o supervit primrio do Governo Central a ser estabelecido para

    2003, j sem receitas extraordinrias, seria de 2,0 % do PIB.4

    Se o gastolquido de transferncias a Estados e Municpios no ano 2000 de 15,53 %do PIB (Tabela 2) e se ele, por hiptese, cresce a uma taxa real de 2,5 %a.a., enquanto que no trinio 2001/2003 o PIB se expande a uma taxa mdiade 4,5 %, em 2003 essa despesa teria cado para 14,66 % do PIB,permitindo uma reduo do gasto do Governo Central de 0,87 % do PIB nosprximos 3 anos. Vamos admitir, por ltimo, que dos 2,5 % de receitas

    4Para uma defesa do por que desta meta, ver Giambiagi (1999), pgina 15.

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    extraordinrias em 2000, 0,5 % do PIB seja transformado em receitapermanente, por meio de legislao a ser aprovada em 2001/2002 porexemplo, instituindo em carter permanente a sobrealquota do Imposto deRenda para as faixas superiores de renda. Nesse caso, o supervit primriodo Governo Central em 2003, em % do PIB, seria igual a:

    Supervit primrio em 2000 2,65(-) Eliminao de receitas extraordinrias 2,00(+) Queda da relao Gasto/PIB causada pelo crescimento do PIB 0,87 ______________________________________________________ ___Total 1,52

    Nesse caso, seria necessrio cortar 0,48 % do PIB do OCC para atingir ameta primria de 2,00 % do PIB. Considerando que em 2000 o OCCcorresponde a 3,56 % do PIB e que este percentual cairia para 3,36 % doPIB em funo dos clculos acima explicados, a concluso que os cortesdefinitivos de programas deveriam atingir algo como 15 % do OCC.

    6. Concluses e proposta

    O leitor atento pode ter percebido certa semelhana entre algumas dasidias aqui discutidas e os critrios que norteariam a operao desmonteque o Governo tentou - sem xito - em 1989 para se contrapor a algumastendncias de aumento do gasto estabelecidas na Constituio de 1988. Oque estamos propondo aqui mais abrangente e implica questionar, porprincpio, a validade de todos os programas do OCC, para, a partir dessequestionamento, conservar apenas aqueles que se revelassem justificados.

    Para isso, essencial que, se a idia for aceita, o Governo se engaje na suaimplementao e esteja decidido a enfrentar os custos a isso associados,que devero resultar da resistncia das partes que perderiam acesso sjanelas oramentrias existentes, por saberem que teriam dificuldades emjustificar a permanncia das suas verbas. fundamental, nesse sentido, quea idia seja encarada como uma proposta de Governo.

    A idia que, aps a reorganizao do gasto dos Ministrios por programas,cada um destes tenha a sua continuidade questionada, obrigando os seusdefensores a justificar a permanncia do mesmo e, em funo doselementos de que se dispor para fazer um julgamento equilibrado, atribuir acada um dos programas/itens oramentrios, um dos seguintes 4 destinos:

    i) Continuidade, quando isto for julgado apropriado ii) Privatizao, quando fizer sentido que o setor privado assuma a funo iii) Estadualizao/Municipalizao, quando: a) se julgar improcedente

    que o programa continue sob a alada federal; b) o setor privado no tiverinteresse no mesmo, seja por falta de retorno econmico e/ou por no serpolitica ou socialmente recomendvel que a funo atendida peloprograma seja administrada com fins lucrativos; e c) o gasto pblico se justificar com base em critrios como as externalidades positivas por elegeradas

  • 8/7/2019 Oramento Base Zero - Fabio Giambiagi

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