onde a organização e o conhecimento fazem a diferença

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A experiência da comunidade de Lajedo de Timbaúba do município de Soledade-PB revela como as famílias agricultoras superaram as dificuldades para melhor convivência com as condições locais. Até o ano de 1922, a área de 200 hectares pertencia a um único dono conhecido pelo nome de Vô Goiano que foi pai de 11 filhos. A partir daí a propriedade começou a ser dividida em heranças. Nesta época, a região que tinha um grande lajedo era rica em mata nativa com árvores de sipaúba, daí seu nome - Lajedo de Timbaúba. Hoje a comunidade é formada por mais de 26 famílias com propriedades que variam de 3 a 19 hectares. Estas famílias têm como principal atividade a agricultura seguida pela criação animal. A divisão de terras por herança, a exploração agrícola e a necessidade de retirar a madeira provocou um desequilíbrio na área deixando a terra fraca. Também não havia água suficiente para atender as necessidades de todas famílias, de seus plantios e suas criações. Segundo elas, a região antes era abastecida com carros-pipa que colocavam água no tanque da emergência. Essa água era para o consumo humano, mas era insuficiente para agüentar o verão. Os animais bebiam a água do poço que era salgada. Diante dessa dificuldade, as famílias começaram a deixar o local. A maioria dos jovens, por falta de alternativa, foi embora para outras regiões. Teve casos na comunidade onde um único agricultor, seu Inácio Tota, fez 26 viagens para o sul do país. Numa destas andanças assistiu no programa de televisão uma reportagem sobre a experiência das barragens subterrâneas de Ouricurí-PE. A partir desta informação, ele percebeu que se fizesse algo parecido, a vida no Cariri poderia ser melhor e resolveu experimentar. A necessidade de sobrevivência fez com que as famílias se organizassem para buscar novos conhecimentos. A organização se fortalece no ano de 1999 por ocasião de uma grande seca, quando eles buscaram o Sindicato para apoiar e reforçar seus interesses, pois estava claro para estas famílias que sozinhos eles não iam avançar muito. De acordo com dona Maria do Céu, uma mão lava a outra e as duas lavam o rosto e, assim, a organização foi a forma encontrada para superar as dificuldades presentes na vida destas famílias. A partir das iniciativas da comunidade conquistaram o apoio de algumas instituições como sindicato, igreja e organizações não governamentais o que favoreceu trocas de experiências e conhecimentos para melhor aproveitar os recursos disponíveis. As cisternas, as barragens subterrâneas, o beneficiamento e armazenamento de frutas e forragem e o banco de sementes são algumas das alternativas encontradas para melhorar a convivência com a região. A mudança começa a ganhar forma com a chegada das cisternas de placas que armazenam água da chuva para o consumo humano. Este processo se deu a partir do fundo rotativo organizado na comunidade. Uniam-se em grupos de 5 famílias onde 3 recebiam as cisternas e Ano 1 | nº 04 |Julho | 2007 Soledade - Paraíba Boletim Informativo do Programa Uma Terra e Duas Águas 1 Projeto Demonstrativo Onde a organização e o conhecimento fazem a diferença

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A experiência da comunidade de Lajedo de Timbaúba do município de Soledade-PB revela como as famílias agricultoras superaram as dificuldades para melhor convivência com as condições locais.

Até o ano de 1922, a área de 200 hectares pertencia a um único dono conhecido pelo nome de Vô Goiano que foi pai de 11 filhos. A partir daí a propriedade começou a ser dividida em heranças. Nesta época, a região que tinha um grande lajedo era rica em mata nativa com árvores de sipaúba, daí seu nome - Lajedo de Timbaúba. Hoje a comunidade é formada por mais de 26 famílias com propriedades que variam de 3 a 19 hectares. Estas famílias têm como principal atividade a agricultura seguida pela criação animal. A divisão de terras por herança, a exploração agrícola e a necessidade de retirar a madeira provocou um desequilíbrio na área deixando a terra fraca. Também não havia água suficiente para atender as necessidades de todas famílias, de seus plantios e suas criações. Segundo elas, a região antes era abastecida com carros-pipa que colocavam água no tanque da emergência. Essa água era para o consumo humano, mas era insuficiente para agüentar o verão. Os animais bebiam a água do poço que era salgada. Diante dessa dificuldade, as famílias começaram a deixar o local. A maioria dos jovens, por falta de alternativa, foi embora para outras regiões. Teve casos na comunidade onde um único agricultor, seu Inácio Tota, fez 26 viagens para o sul do país. Numa destas andanças assistiu no programa de televisão uma reportagem sobre a experiência das barragens subterrâneas de Ouricurí-PE. A partir desta informação, ele percebeu que se fizesse algo parecido, a vida no Cariri poderia ser melhor e resolveu experimentar.

A necessidade de sobrevivência fez com que as famílias se organizassem para buscar novos conhecimentos. A organização se fortalece no ano de 1999 por ocasião de uma grande seca, quando eles buscaram o Sindicato para apoiar e reforçar seus interesses, pois estava claro para estas famílias que sozinhos eles não iam avançar muito. De acordo com dona Maria do Céu, uma mão lava a outra e as duas lavam o rosto e, assim, a organização foi a forma encontrada para superar as dificuldades presentes na vida destas famílias. A partir das iniciativas da comunidade conquistaram o apoio de algumas instituições como sindicato, igreja e organizações não governamentais o que favoreceu trocas

de experiências e conhecimentos para melhor aproveitar os recursos disponíveis. As cisternas, as barragens subterrâneas, o beneficiamento e armazenamento de frutas e forragem e o banco de sementes são algumas das alternativas encontradas para melhorar a convivência com a região.

A mudança começa a ganhar forma com a chegada das cisternas de placas que armazenam água da chuva para o consumo humano. Este processo se deu a partir do fundo rotativo organizado na comunidade. Uniam-se em grupos de 5 famílias onde 3 recebiam as cisternas e

Ano 1 | nº 04 |Julho | 2007Soledade - Paraíba

Boletim Informativo do Programa Uma Terra e Duas Águas

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Projeto Demonstrativo

Onde a organização e o

conhecimento fazem a diferença

todas pagavam para construção das outras duas. Depois de todas receberem suas cisternas, o grupo apoiava a formação de um outro com o repasse do dinheiro das três primeiras cisternas. As cisternas trouxeram inúmeros benefícios como a melhoria na saúde devido ao consumo de água de boa qualidade; a economia de tempo para buscar água, principalmente, para as mulheres que carregavam lata de água na cabeça provocando até problemas de coluna.

Outra iniciativa foi implementação da barragem subterrânea que possibilita a estocagem de água para produção diversificada de alimentos para família e para criação de animais. Em uma área de aproximadamente um hectare podemos observar a presença de 20 tipos de

plantas como: feijão, laranja, pinha, acerola, manga, goiaba, graviola, macaxeira, coco, abóbora, melancia, batata doce, caju, cana, sorgo, gliricídea, banana, palma, capim elefante, etc. Outro aspecto importante é a integração da família proporcionada pelo trabalho coletivo nas barragens. O seu Chico Santo conta o exemplo de sua casa onde os 3 filhos manejam os recursos da barragem. Também tem proporcionado o aumento da criação animal devido o crescimento da oferta de forragens e água. Neste espaço todos os recursos são aproveitados o que faz com que hoje uma comunidade de 200 hectares tenha aproximadamente 500 cabeças de cabras e ovelhas. E isto muitas vezes não é possível em áreas muito maiores na região. Além destas formas de captação e armazenamento de água existem outras experiências na comunidade como: barreiros, poços amazonas e artesianos e os tanques de pedra.

Todo este trabalho só foi possível porque foi realizado através dos mutirões que além de garantir as implementações fortaleceram a organização comunitária, pois tudo isso aproximou muito as pessoas criando laços de solidariedade. Nestes espaços também pode ser observado que todas estas atividades, até então, estavam muito concentradas pelos homens da comunidade. Foi assim que as mulheres sentiram a necessidade de se organizar e desenvolver atividades de geração de renda. Foi quando surgiu a oportunidade de realizar uma visita a uma experiência de beneficiamento de frutas nativas na Bahia. Em 2004, formou-se um grupo 10 mulheres Mulheres Ativas no Desenvolvimento de Frutas Nativas (MADFN) e começaram a beneficiar as frutas da região. Cláudia conta que, no início o grupo enfrentou várias dificuldades, cada mulher trazia de casa um quilo de açúcar para poder produzir. Hoje o grupo conseguiu a valorização e admiração da comunidade além do maquinário e um local para a produção que já está bastante diversificada.

Segundo Inácio Tota, de 2000 para cá a vida das famílias agricultoras melhorou muito porque hoje se tem água, ração animal, alimento para família e dignidade. Tudo isso foi possível pela força de vontade e reestruturação da associação comunitária que deixou de ser politicagem para ser de fato representação dos desejos das famílias agricultoras, respeitando os direitos de cada um - velho, jovem, criança, mulher e homem. Para o futuro a comunidade deseja potencializar todas estas iniciativas e continuar seu trabalho de multiplicação das experiências e trocas de conhecimentos.

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www.asabrasil.org.br

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