onda selvagem

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22 apenas a população ribeirinha do baixo Ama- zonas conhecia realmente a força da tal onda. Do tupi, poro’roka, de poro’rog, significa es- trondar. E o termo poroc poroc, dos indígenas, significa grande estrondo. O registro de surfe na Pororoca brasileira deu-se em 1997, com os surfistas Eraldo Guei- ros e Guga Arruda, no Rio Araguari. Paralela- mente, Noélio Sobrinho, presidente da Asso- ciação Brasileira de Surfe na Pororoca (Abraspo) já organizava a expedição para co- nhecer a Pororoca em São Domingos do Capim, também no Pará, surfada meses de- pois. Desde então, lendas e mitos vêm sendo desvendados. Uma das fábulas contadas às crianças da re- gião fala sobre o perigo da onda que levou três irmãos negros que nadavam no rio. Portanto, é sempre bom pedir licença e proteção aos três na hora de nadar nos rios. Muitos também acreditam que dar três goles na água da Poro- roca revigora e dá força. Para contar essa história, a reportagem da A+ partiu com destino a Arari, cidade localiza- da a 156 quilômetros da capital São Luís, onde os moradores abrem as portas para o surfe. E admiram os “malucos” que de um tempo para cá interagem com a temida e lendária onda. No hotel, uma informação surpreendente: – Amanhã o ônibus parte às 5h – avisou Ge- rônimo Júnior, presidente da Associação Ma- ■■■ A magia da onda mais longa do mundo está apenas no início de sua história. Faz me- nos de nove anos que a Pororoca foi surfada pela primeira vez. E, no último fim de semana de maio, rolou, em Arari, no Maranhão, a últi- ma etapa do 4º Circuito Brasileiro de Surfe na Pororoca. A Revista A+, claro, estava lá. A onda quebra somente nas mudanças das fases das luas nova e cheia, especialmente nos meses de fevereiro, maio, agosto e setembro. Isso no Brasil, porque tem Pororoca também na França e na Inglaterra (já surfadas), além de Alasca, China, Índia, Malásia e Autrália, ainda inéditas para surfistas. No Brasil, ela quebra em três estados: Pará (Rio Amazonas), Amapá (Araguari e São Domingos do Capim) e Mara- nhão ( Mearim). A Pororoca foi registrada pela primeira vez em 1973, por helicóptero. Mas, na verdade, A Pororoca maranhense é encontrada em Arari, cidadezinha a 156 quilômetros de São Luís Onda selvagem POROROCA FERNANDO POFFO [email protected] LIKOSKA/DIVULGAÇÃO

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apenas a população ribeirinha do baixo Ama-zonas conhecia realmente a força da tal onda.Do tupi, poro’roka, de poro’rog, significa es-trondar. E o termo poroc poroc, dos indígenas,significa grande estrondo.

O registro de surfe na Pororoca brasileiradeu-se em 1997, com os surfistas Eraldo Guei-ros e Guga Arruda, no Rio Araguari. Paralela-mente, Noélio Sobrinho, presidente da Asso-ciação Brasileira de Surfe na Pororoca(Abraspo) já organizava a expedição para co-nhecer a Pororoca em São Domingos do

Capim, também no Pará, surfada meses de-pois. Desde então, lendas e mitos vêm sendodesvendados.

Uma das fábulas contadas às crianças da re-gião fala sobre o perigo da onda que levou trêsirmãos negros que nadavam no rio. Portanto, ésempre bom pedir licença e proteção aos trêsna hora de nadar nos rios. Muitos tambémacreditam que dar três goles na água da Poro-roca revigora e dá força.

Para contar essa história, a reportagem daAA++ partiu com destino a Arari, cidade localiza-da a 156 quilômetros da capital São Luís, ondeos moradores abrem as portas para o surfe. Eadmiram os “malucos” que de um tempo paracá interagem com a temida e lendária onda. Nohotel, uma informação surpreendente:

– Amanhã o ônibus parte às 5h – avisou Ge-rônimo Júnior, presidente da Associação Ma-

■ ■ ■ A magia da onda mais longa do mundoestá apenas no início de sua história. Faz me-nos de nove anos que a Pororoca foi surfadapela primeira vez. E, no último fim de semanade maio, rolou, em Arari, no Maranhão, a últi-ma etapa do 4º Circuito Brasileiro de Surfe naPororoca. A RReevviissttaa AA++, claro, estava lá.

A onda quebra somente nas mudanças dasfases das luas nova e cheia, especialmente nosmeses de fevereiro, maio, agosto e setembro.Isso no Brasil, porque tem Pororoca tambémna França e na Inglaterra (já surfadas), além deAlasca, China, Índia, Malásia e Autrália, aindainéditas para surfistas. No Brasil, ela quebraem três estados: Pará (Rio Amazonas), Amapá(Araguari e São Domingos do Capim) e Mara-nhão ( Mearim).

A Pororoca foi registrada pela primeira vezem 1973, por helicóptero. Mas, na verdade,

A Pororocamaranhense éencontrada em Arari,cidadezinha a 156quilômetros de São Luís

Onda selvagem

POROROCA FERNANDO [email protected]

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ranhense e organizador do campeonato.Denis Sarmanho, head-judge (juiz supremo)

do evento e de todos os realizados desde a cria-ção do Circuito, explicou que a onda passariaexatamente às 6h. Sarmanho sabia, pois haviaacabado de chegar do Rio Mearim, onde con-feriu, surfou e calculou o horário da maré nodia seguinte. O mar invade o rio duas vezes aodia. E o campeonato só rola com a luz do dia.

Todos partiram na sexta-feira, às 5h, até oCurral da Igreja, no bairro do Bonfim, em Arari.Pouco menos de 30 minutos nos sete quilôme-

tros de estrada de terra. Pilotos, organizadores,surfistas e imprensa. Todos foram para os bar-cos – seis no total – que desceram o rio em dire-ção ao mar, com forte correnteza a favor.

Em razão de um pequeno atraso, os barcosnão chegaram ao ponto ideal para a espera daonda, que já vinha na direção da tripulação. AAA++ estava no barco com os dois surfistas quedisputariam a bateria inaugural.

Quando os barcos ficaram com a onda emseu vácuo, Noélio Sobrinho, diretor de prova ,deu o sinal para o início da bateria, que duracinco minutos no máximo.

Depois de alguns minutos de incertezas,Adilton Mariano (CE) saltou do barco e surfou a

A onda quebra só nasmudanças das fases dasluasnovas e cheias, e sóalguns meses por ano

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Na hora em que a maré enche, a onda do mar sobe o rio, vence sua correnteza e forma a Pororoca

A maneira de surfar a pororoca é dife-rente do que ocorre em ondas oceânicas.– Você tem menos flutuação. Por isso preci-sa de uma prancha com mais borda, queflutua mais – ensina Adilton Mariano, cam-peão da etapa realizada no Mearim.Adilton participou do Circuito Brasileiro deSurfe na Pororoca nos últimos três anos evenceu todas. Não participou do primeiro.– Fico tranqüilo e ligado para não dar mole.Já passou o tempo de ficar com medo do bi-cho – diverte-se o campeão.Como os dois atletas que disputam a bateriasurfam a onda ao mesmo tempo, o posicio-namento desde o salto pode serdeterminante.Já na onda, a dica é o surfista ficar semprepróximo à espuma. Na parede, a pororocanão tem força para levar o competidor.

Campeão explicacomo surfar a onda

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PRAÇA CENTRAL DE ARARI, UM DOS POUCOS LOCAIS PÚBLICOS DA CIDADE ONDE OS JOVENS SE REÚNEM À NOITE

Água do marÁgua do mar

Água do rioÁgua do rio

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CONCURSO GAROTA POROROCA, ORGANIZADO DURANTE A FESTA OFICIAL DO EVENTO, ATRAI ADOLESCENTES DE TODA REGIÃO DE ARARI E ANIMA OS SURFISTAS PRESENTES

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Um indício das mudanças que a po-roroca provocou na cidade é a receptivi-dade dos moradores. Desde que a onda foisurfada pela primeira vez lá, em 2001, aatração de Arari deixou de ser apenas oanual “Festival da Melancia”.Prova disso foi a forma como duas senho-ras acolheram os membros da expedição,depois que o ônibus atolou na estrada,enquantos alguns foram pedir ajuda.Ao ver os que ficaram, a simpática DonaRita recebeu todos em sua casinha detaipa. Depois de duas horas de espera, to-dos resolveram partir. Já na estrada, a pé,surge a vizinha Dona Concita, aos berros,brava porque todos iam embora.– Agora que acabei de preparar um almo-ço para vocês, vocês vão embora?Arroz, macarrão e carne de sol – comidamais comum na cidade–, um copo comágua e uma banana de sobremesa. Quando um fotógrafo voltou, ela fez ques-tão que ele também almoçasse.– Eu sinto vergonha por vocês terem atola-do aqui na minha cidade.Receptividade e comida aprovadas!

Pororoca trouxemudanças a Arari

pororoca numa boa, por mais de um minuto. Aonda estava baixa, menos de meio metro, maspercebeu-se que tinha força. Stanley Gomes(PA) perdeu o timming da onda e nem pulou.

A Pororoca é assim, passa arrastando o queestá em sua frente e quebra em forma de onda,dependendo do fundo do rio (como as ondasno mar). O barco voltou para resgatar Adilton e,por trás da onda, é impressionante como o cur-so do rio se inverteu. A correnteza seguiu forte,mas, agora, rio acima.

Rapidamente a Pororoca ficou para trás.Sérgio Laus venceu Sérgio Roberto e ÁlvaroBacana pegou a maior do dia para eliminar Ale-xandre Melo, que, além de surfista, é médicoem Arari. Depois de duas baterias, a quarta eúltima do dia não aconteceu porque a Pororo-ca sumiu. Ou simplesmente não quebrou.Pouco mais de 8h e já não havia como surfarnaquele dia. A Pororoca já passou.

– Se o surfista não entender tudo que envolvea Pororoca, ele não vai sentir o que é surfaraqui – disse Laus, antes de explicar o significa-do desse “tudo que envolve”.

No segundo dia na cidade, alguns apurosforam registrados. Primeiro, o motor do barcoestranhamente morreu. Depois de uns 20 se-gundos de incertezas e com os fotógrafos guar-dando equipamentos em uma caixa imper-meável, o piloto percebeu que um dos tripu-lantes havia sentado sobre uma almofada malposicionada em cima da mangueira que trans-mitia a gasolina do tanque para o motor.

Depois do susto, foi possível perceber a biodi-

versidade em volta do rio, com destaques paraos babaçus, típica palmeira da região, e para asaves, que fazem revoadas conforme a Pororocapassa. Ao observar a última bateria do dia, maisterror: um dos barcos, em que estavam os sur-fistas Álvaro Bacana e Adilton Mariano, foi atin-gido pela Pororoca e virou. Os surfistas já es-tavam no rio e, por pouco, Adilton não foi atingi-do pelo barco.

Apenas um susto. No entanto, na volta à ter-ra, vários “curiosos” esperavam os surfistas. A

curiosidade era tanta em ver quem eram essescaras que desafiam lendas para surfar a Poro-roca que, apesar de haver uma típica competi-ção local – o “laço de bode”, em que o objetivoé laçar o bode solto em uma pequena arena –vê-se que a onda era a atração do dia. O pratooferecido no almoço? Feijoroca.

Tratar bem o turista é uma preocupação dapopulação local. Os surfistas são idolatrados,com destaque para Sérgio Laus, que é paradoem cada esquina da cidade para darautógrafos. Um ídolo da única cidade brasilei-ra onde é possível hospedar-se e ainda surfara Pororoca. Um lugar dos sonhos para qual-quer surfista.

Apesar de baixa, a onda daPororoca chega comforça,arrastando tudo queencontra pela frente

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