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Diz a lenda... ...quem bebe desta água sempre volta! FOTO: GERSON LOPES / ON ESPECIAL 158 ANOS DE PASSO FUNDO

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Diz a lenda...

...quem bebe desta água sempre volta!

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SEXTA-FEIRA 9/05/2014

ANO X • Nº XR$ 2,00

� especial

158 ANOS DE PASSO FUNDO

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Especial - Aniversário de Passo Fundosexta-feira, 7 de agosto de 20152

O NACIONALMC- Rede Passo Fundo de Jornalismo Ltda

Rua Silva Jardim, 325 A - Bairro AnnesCEP 99010-240 – Caixa postal 651

Fone: 54- 3045-8300 - Passo Fundo RS

www.onacional.com.br

Diretor Presidente: Múcio de Castro Filho

Editora Chefe: Zulmara Colussi

Projeto Gráfico:Ângela Prestes

ContatosAssinaturas:

[email protected]:

[email protected]ção:

[email protected]:

[email protected]

JORNal

O que dizer de uma cidade com 158 anos de existência, Polo Regio-nal em Serviços, Saúde e Educação, com uma população de 200 mil habitantes, 6º melhor PIB do Rio Grande do Sul sem ser repetitivo, vago ou técnico em demasia? Nos deparamos com este dilema na reunião de pauta que definiu o modelo do Caderno Especial comemorativo

ao aniversário de Passo Fundo. Um Jornal com 90 anos de participação nesta história já teve a oportunidade de produzir todo o tipo de especial comemorativo. É claro que os tempos foram outros e as gerações que comandaram estes trabalhos também mu-daram.

O consenso de renovação do olhar diante de acontecimentos rotineiros, nos permite soltar a imaginação, dando vazão ao processo criativo. E se as pessoas manifestassem o seu amor por Passo Fundo? E se mostrássemos o quanto a cidade é hospitaleira? E se contássemos as lendas e histórias deste povo? E se... e se... Tantos e se...

Decidimos então desvendar um mistério: o encanto da água do Chafariz da Mãe Pre-ta. Será mesmo que aqueles que tomam sempre voltam? É claro que a água que hoje jorra da fonte não é mais própria para consumo. Então, vamos dar à nossa lenda ur-bana uma interpretação bairrista. Partindo de um olhar histórico, resgatamos a lenda e fomos conhecer a trajetória de vida de pessoas que amam esta terra, que nasceram aqui e não trocam Passo Fundo por lugar nenhum do mundo, ou que aqui se estabe-leceram para trabalhar, estudar e constituir família. No imaginário popular, estas pes-soas, que se multiplicam pela cidade, teriam bebido da água do Chafariz da Mãe Preta.

O Caderno Especial em homenagem a Passo Fundo é uma declaração de amor à ci-dade, traduzida pelas histórias reais de passo-fundenses natos e filhos do coração. Fica o convite à leitura.

Era uma vez...

A lenda e a vida real

� A pequena Sofia, de ape-

nas dois anos, na primeira vi-

sita ao chafariz, aproveitou para

brincar com a água enquanto era fotografada,

sob os olhares atentos de sua

mãe

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3Especial - Aniversário de Passo Fundosexta-feira, 7 de agosto de 2015

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Especial - Aniversário de Passo Fundosexta-feira, 7 de agosto de 20154

Quem bebe desta água sempre volta

A água da Mãe

Preta é a vida

que retorna para

Passo Fundo

LuIz CArLOs sChNeIder [email protected]

M ais do que um ícone p a s s o -f u n-dense, o Cha-fariz da Mãe

Preta representa a vida na história de Passo Fundo. Tem origem em uma len-da indígena, onde a água jorra pela vida da comunidade, e carrega a imagem de uma escrava ama de leite. É a água da vida que retorna. Uma fonte que foi um referencial para o início do povoado. Uma nascente que forneceu água para os viajantes e para aqueles que aqui se estabeleceram. “Quem bebe desta água sempre volta”. Muitos dos tro-peiros que dela beberam, acabaram retornando e por aqui ficaram. Com um perfil cosmopolita, Passo Fundo foi agregando muita gente. Não im-porta de onde vieram, aqui eles fica-ram. E, segundo a lenda, tudo gira em torno da água desta mística fonte.

O local que conhecemos como Chafariz da Mãe Preta, tem uma his-tória que ultrapassou séculos. Começou com uma lenda indígena, pois a área era habitada pelos caingangues (kaingáng) ou coroados. A água sempre teve importância vital e, assim, era reverenciada pelos índios. “A água, a mulher, a fertilidade, o milho a mandioca... as lendas eram sempre em torno desses temas”, explica o mestre em História Ney Eduardo Possapp d’Avila. É a Lenda de Goiexim (ou Goyci), a Mãe Ín-dia. Goiexim, palavra caingangue formada por goie ou goio (água) + xim (pequeno), significa córrego ou arroio. Goiexim é o nome da nascente, do córrego e da índia que originou a fonte. Segundo Ney, a lenda teria surgido, aproximadamente, pelo ano 1.500. “Existem muitas em torno desse tema, como a Fonte da Canequinha em Cruz Alta e outra em La-goa Vermelha”, exemplificou.

A lenda de GoieximA índia Goiexim tinha um filho que era ervateiro. Ele saiu para co-lher Cogoim (erva-mate) e não voltou mais. A mãe ficou desespe-rada e chorou muito pela perda do filho. O Urubu-Rei a consolou, dizendo que o filho estava em um bom lugar e transformou-a num pé de milho. Quando a tribo arrancou o pé de milho, para alimento, brotou uma fonte d’água que formou um arroio, o Goiexim. Os índios caingangues consideravam que daquela fonte fluía a alma de Goiexim. Entendiam que essa fonte não iria secar e continuaria jorrando para o bem da comunidade.

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Goiexim - a Mãe ÍndiaOs caingangues reverenciaram a

água e a mulher

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5Especial - Aniversário de Passo Fundosexta-feira, 7 de agosto de 2015

Um chafariz é uma fonte pública, uma bica que fornece água. Como chafariz tam-bém são conhecidas as obras arquitetônica ou artísticas com bicos que jorram água. O Chafariz da Mãe Preta foi ponto inicial de abastecimento de água para formação do povoado. Está localizado na esquina da Rua Uruguai com a 10 de Abril. A infraestrutura urbana iniciou em 1863. Em 1925, na admi-nistração de Armando Annes, foram cons-truídos vários chafarizes nas já tradicionais fontes em que a população se abastecia, dentre esses o Chafariz da Mãe Preta. Por muitos anos o local serviu para o forneci-mento de água para o consumo e, principal-mente, como lavadouro de roupas. Depois recebeu melhorias, mas com a água impró-pria para o consumo, o local foi ajardinado e consolidou-se como um ponto turístico. Em 2002, através de um acordo, foi remodelada e adotada pelo Condomínio Centro Comer-cial Unicred, localizado em frente.

  LAvANdO CArrOsHá muito acabou a época das lavadeiras

que se utilizavam das águas da Mãe Preta. Hoje o local prevalece como um ponto tu-rístico e recebe visitantes. Porém, muitas pessoas utilizam a água para lavar automó-veis. Ademir Silva do Carmo, aposentado, diz que sempre vai à fonte “para lavar o car-ro e passear”. Em uma gaiola, dois pássaros o acompanham no passeio de sábado. “É que eu moro em apartamento”, justifica. Após lavar as mãos na bica, diz que “a água é gela-da, mas nunca tomei. Antes tinha um cartaz

Mariana - a Mãe Preta

A lenda na versão luso-brasileira

Com a chegada dos luso-brasileiros, em 1827, também desembarcaram no-vos comportamentos e práticas culturais. As mudanças iniciaram com a che-gada do Cabo Neves e outros. “Os ‘pelo-duro’ ao se fixarem próximo à fonte nos arredores da fonte e do arroio, por preconceito anti-indígena, substituí-ram a Mãe Índia - Goiexim pela Mãe Preta - Mariana, escrava afro-brasileira do Cabo Neves e ama de leite dos filhos do casal Neves”, explica Ney d’Avila. “Os índios eram considerados como feras. Como iriam manter uma lenda sobre uma fera como uma pessoa bondosa?” Assim, a mãe índia foi substituída pela ama de leite. Os recém-chegados cristãos também trocaram a divindade Uru-bu-Rei por Jesus Cristo. A fonte ficou conhecida como Chafariz da Mãe Preta e o córrego Goiexim como o Arroio do Chafariz.

Quem bebe, volta!

A expressão - quem bebe da água do Chafariz sempre volta - está integrada à cultura popular de Passo Fundo. Para incrédulos ou crentes é cultura oral e escrita. Até agora, cientificamente, esse ditado popular nunca foi comprovado. Mas também nunca foi desmentido. Não incomoda e até faz bem ao ego coletivo, servindo como lastro para uma pitada de bairrismo. “Em data imprecisa e antiga criou-se o dito popular, que em outros lugares também existe, de que quem bebe da água daquela fonte termina um dia voltando para Passo Fundo”, explica o professor Ney. Ora, então não somos os únicos que cultuam uma fonte d’água. Os valores da Lenda de Goiexim não se perderam com o passar dos séculos, aquela água foi sinônimo de vida para os índios e para aqueles que chegaram depois. Não importa a época, a água sempre é reverenciada. A fonte é um ponto de referência, até mesmo os animais acabam retornando ao mesmo local para beber da sua água. Mas, em relação a Passo Fundo, esse dito popular teria apenas uma conotação mística? A verdade é que muitos que dela beberam já retornaram.

Antes, depois e agora

Mutaçoes culturais e atração turística

No livro “Passo Fundo Terra de Passagem”, publicado em 1996, Ney Eduardo Possap d’Avila, relata sobre a chegada de Manoel José das Neves, o Cabo Neves. Era o início do povoado que ori-ginou Passo Fundo e, também, provocou um choque cultural com os habitantes da área: o povo caingangue. “A lenda sinteti-za uma cultura. No tempo dos índios, estava voltada para a na-tureza, para a água, a maternidade e a questão da alimentação, o milho e a mandioca. Eram esses os elementos. Depois, com a chegada dos portugueses e outros europeus, foi adaptada para uma cultura escravagista que reconhecia o papel da negra, pela maternidade e como ama de leite”. O professor considera im-portante a preservação da lenda e, inclusive, “o entendimento de que ela sofreu mutação se adaptando a uma nova cultura. Ela não é uma lenda estática”, explica. Lembra que existe uma

espiritualidade, “que se preservou pelo ape-lo por questões simples e despertou na

mente um atrativo. Isso faz com que a lenda se conserve.

Hoje, pela antiga ou nova forma, o local é uma atra-ção turística”. Nascido

em Passo Fundo, Ney já residiu em Sertão, São Luiz

Gonzaga e por 17 anos na Eu-ropa. “Depois, voltei”, diz enfá-tico. Mas confessa que nunca bebeu da água do Chafariz da

Mãe Preta.

� Ney d’Avila: “não é uma lenda estática”

dizendo que não era para beber dessa água, mas tem gente que tá levando para casa”, conta. Enquanto isso, alguns moradores de rua utilizam os bancos do parquinho que integra o complexo da Mãe Preta. Eles usam a água para se lavar e também para matar a sede.

  POLuIçãO: um trIste retOrNO

A água do Chafariz da Mãe Preta atraiu muitas pessoas que, em seu entorno, forma-ram uma grande cidade. Ironicamente, esta cidade acabou poluindo a água que lhe deu vida. A água da fonte, altamente poluída, tor-nou-se imprópria para o consumo. “A bica já passou por algumas reformas e, anos atrás, estava em situação mais grave com altos ín-dices de poluição, principalmente por esgoto doméstico”, explica Paulo Fernando Oliveira Cornélio, do Grupo Ecológico Sentinela dos Pampas. “Foram feitas canalizações e con-duziram parte do esgotamento doméstico para outro local”. Isso, porém, não garante que possamos beber da água do Chafariz da Mãe Preta. “Atualmente necessitaria realizar um novo trabalho para verificar a sua pota-bilidade que, neste momento, não recomen-damos para o consumo”, afirma Paulo Fer-nando. E, seguindo no caminho das águas, enfatiza que “a Bica da Mãe Preta é a nascen-te do arroio que deságua em outros riachos menores que são formadores da microbacia hidrográfica do Arroio Pinheiro Torto, e pos-teriormente, deságua do Rio Jacuí, que per-tence à bacia hidrográfica do Alto Jacuí”.

-Uma bica, uma fonte públicaAs múltiplas utilidades da água do Goiexim

� Chafariz: esquina da Uruguai com 10 de Abril

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B uscando o multicolorido das Américas, a tradição da Europa, a inquietude do Oriente e o aconchego de quem é do lar, o Festival Internacional de Folclore é tradicional, em Passo Fundo, há 23 anos.

Quando a lona se instala no Parque da Gare, a população já sabe: é hora de encontrar culturas e identidades diferentes daquelas que vemos pelas ruas da cidade. Ali, encrustada na terra, a lona viaja pelo mundo e busca, em cada parte dele, um pouco de música, cultura e diversidade. Para o passo-fundense, são nove dias de intensas trocas culturais e brilho no olhar. Para Jorge Rios, no entanto, o Festival é mais que isso: em 2014, a 12ª edição do evento foi a opor-tunidade que o argentino encontrou para mudar de vida e escolher Passo Fundo como o novo lar.

  dIfICuLdAdes NA ArgeNtINAEm busca de um futuro na dança, Jorge foi embora da casa

dos pais, no interior de Santa Fé, ainda aos 13 anos, para es-tudar em um internato. Mais tarde, o destino escolhido foi Rosário, uma cidade no centro do estado e que, no olhar de Jorge, ofereceria a oportunidade de se dedicar ao sonho de viver da dança. Pouco a pouco, viu o sonho cada vez mais longe. “Viver da dança é difícil em qualquer lugar do mundo. Além de dançar, sempre trabalhei em diferentes coisas. Tra-balhei de garçom, trabalhei dirigindo uma retroescavadei-ra... Mas também me dedicava à dança, dando aulas”, conta.

Vindo de uma família humilde, Jorge é filho de uma dona de casa e de um pedreiro e aprendeu com eles a importân-cia do trabalho. “Nos finais de semana trabalhava com meu

Em Passo Fundo, uma nova vida

Dançarino

desde a infância,

o argentino

Jorge Rios viu

no Festival

de Folclore

de 2012 uma

oportunidade

de usar a dança

para melhorar

de vida

sAmmArA gArbeLOttO [email protected]

pai. Sempre trabalhei para poder viver em uma cidade como Rosário, que equivale a Porto Alegre, aqui. Uma cidade gran-de, com muitos estudantes e com dificuldade para encontrar trabalho... Talvez, hoje, a realidade esteja ainda mais difícil. Mas naquele momento, fiquei dez meses sem trabalhar. Alu-gava uma casa em uma cidadezinha perto de Rosário e dava aulas de dança. Conseguia ganhar um pouco de dinheiro, mas não dava pra viver”, Com cinco meses de aluguel atrasa-do, Jorge decidiu que voltaria para o interior, com a família. “Estava desistindo da dança, porque não tinha mais como continuar. Não poderia ficar em Rosário. Resolvi que iria vol-tar e trabalhar com meu pai”, lembra.

  um CONvIte, umA PAssAgem e um PALCOAntes de voltar para a casa dos pais, Jorge recebeu um

convite dos professores responsáveis pela sua formação, Alejandro Piñeyro e Vanessa Faraoni. “Eles falaram comigo e disseram que havia surgido uma oportunidade de vir ao Brasil, em uma apresentação no Festival Internacional de Folclore”. Jorge recusou. “Em qualquer viagem ao exterior para um Festival, o Festival se encarrega da alimentação, da hospedagem e da locomoção dos participantes. A passagem, no entanto, é responsabilidade de grupo. Eu não tinha con-dições de pagar. Seria ridículo eu sair da Argentina com um monte de dívidas e pagar uma passagem para o Brasil e ficar 15 dias viajando. Eu não tinha como”, comenta.

O talento para a dança falou mais alto: Alejandro e Vanessa não queriam deixar Jorge de fora da apresentação e paga-ram a passagem para que o argentino pudesse vir a Passo Fundo. “Eu vim para o XI Festival, em 2012, como uma espé-

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7Especial - Aniversário de Passo Fundosexta-feira, 7 de agosto de 2015

cie de despedida da dança, porque iria mudar de vida. Iria voltar para o interior”.

  CIdAde de geNte COm bOm COrAçãOA intensidade que carrega a Argentina pelo palco, chamou

a atenção da cidade. “Conheci a Raquel e o Mário Pereira, da Baillar Centro de Danças. Eles são voluntários e Mário é vice-presidente do Festival. Conheci eles, fomos conver-sando e eles gostaram da minha apresentação em cima do palco”, lembra. Logo, novas oportunidades começaram a surgir. “Na época, estava procurando outros horizontes, precisava mudar a minha realidade, porque estava muito di-fícil. E eles gostaram de mim sem me conhecer, sem saber como eu era como pessoa ou professor. Eles acreditaram no meu trabalho”.

Mas não foi apenas Mário e Raquel que perceberam o ta-lento de Jorge. A responsabilidade pelo encontro do argen-tino e dos dançarinos é de Paula Polese, guia da Argentina durante o Festival. “Ela foi um anjo para mim. Fez o conta-to com Mário e Raquel e me apresentou a eles”. O encontro resultou em um convite: durante dois meses, Jorge seria o professor de danças latinas na Baillar. Ele aceitou. “Paula foi quem me hospedou nesses primeiros dois meses. Sem me conhecer, sem saber quem eu era. Morei com ela e com o namorado. Os dois me acolheram. Acabei conhecendo Passo Fundo e não foi uma despedida, mas um recomeço”, lembra.

Depois da última apresentação no palco do Festival, Jorge voltou para a Argentina para falar com os pais e com o dono da casa onde morava. “Com o dinheiro que eu ganharia nesses dois meses, eu pagaria todas as minhas dívidas. Falei para ele que havia surgido a oportunidade no Brasil e pro-meti que voltaria em dois meses para pagar tudo. E foi isso

que fiz”. Sem falar português e com a ajuda de Mário, Jorge concentrou esforços na dança durante os dois meses em que ficou por aqui. “Mário foi um parceiro para mim. Conheci um amigo, Rafael Rocha, que me levou para conhecer a cidade, conhecer pessoas. Depois, Raquel e Nara, diretoras da Baillar, gostaram do meu trabalho e me convidaram para voltar no outro ano. Dessa vez, não era um ou dois meses. Era defini-tivo”.

O convite assustou Jorge. “Era outra coisa. Eu teria que aprender a falar português e teria que pensar se Passo Fundo era o lugar que eu queria morar, se era o lugar que eu queria ficar. E tudo foi se encai-xando. Todas as pessoas que cruzei, são pessoas que me ajudaram muito. Não conheci uma pessoa que me empurrou pra trás.” No dia 10 de outubro, Jorge chegou em Passo Fundo com uma mochila, um computador e o necessário para viver durante uns dias. Hoje, três anos depois, tem uma vida cons-truída: saiu do apartamento que dividia com Rafael e encarou o desafio de mroar sozinho. “Bom... não exatamente sozinho”, se diverte. Além da oportunidade de viver da dança, Jorge encontrou, em Passo Fundo, alguém para dividir a nova vida que construiu. “Ela se chama Soyla e fazia dança do ventre, também na Baillar. Começamos a conversar, combinamos de sair, começamos a nos entender.Vai fazer dois anos que estamos juntos”, conta.

Agradecido, Jorge encontrou o lar em Passo Fundo. “Eu considero Passo Fundo como minha casa. A minha namorada é daqui, meus amigos são daqui, meu trabalho é aqui. Tenho uma vida nova aqui. Me sinto muito bem. Já aconteceu de eu ter convites para voltar para a Argentina. Mas não tem como. Não posso mais deixar a cidade. Minha vida mudou completamente e eu sou agradecido a Passo Fundo e às pessoas daqui. Aqui eu ainda posso acreditar nas pessoas, todo mundo se respeita. Isso não se per-deu aqui. Não mudaria por nada. Aqui, as pessoas gostam não somente pelo que tu faz, mas, sim, pelo que tu é. Eu valorizo isso. Passo Fundo é uma cidade de gente de bom coração. Em três anos não tive uma má experiência. Não me sinto um estrangeiro. E hoje digo que acredito em Passo Fundo como Passo Fundo acreditou em mim.”, conclui.

Uma nova vida

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Especial - Aniversário de Passo Fundosexta-feira, 7 de agosto de 20158

Ação que se reflete na comunidade

Experiência

profissional de

Júlio Andrades

determinou

a idealização

da Campanha

Transforme

Seu Leão em

Leãozinho

NAtáLIA fáverO [email protected]

H á quase cinco décadas morando em Pas-so Fundo, Júlio Ferreira de Andrades, 72 anos, é casado com Otília Pelc Andrades. Possui duas filhas e quatro netos. Com orgulho, exalta que foi integrante da

primeira turma do curso de Ciências Contábeis da Universidade de Passo Fundo (UPF) em 1967. Além de contador, é formado em Direito. Foi vereador entre 1997 a 2000 e é autor de algumas leis importantes na área de incentivos fiscais para empresas. Tam-bém é um dos idealizadores da campanha Transforme seu Leão em Leãozinho.

O conhecimento na área da contabilidade foi um dos gran-des responsáveis pelo ingresso de Andrades na vida pública. Em 1981, foi secretário municipal de Finanças, durante o mandato do ex-prefeito Dr. Firmino da Silva Duro. “Quando cheguei na Pre-feitura, a situação era um caos. Acho que pior do que a situação econômica em que vivemos atualmente. A situação financeira do município na época era terrível. Mas, como eu tinha uma visão contábil, fiz uma reunião com a equipe e montamos um plano para enfrentar a situação”, revelou.

Um dos episódios marcantes nesta época era a falta de estrutu-ra para arrumar as estradas. “Tinha um empresário que era difícil de pagar os impostos e então o prefeito pediu que a Prefeitura pe-gasse algum bem dele para pagar a dívida. Pegamos uma retro-escavadeira. O prefeito entregou a máquina para o secretário de Agricultura da época, Sinval Bernardon, que vivia se queixando que não tinha máquinas para arrumar as estradas. A surpresa foi que além de arrumar as estradas do interior, ele começou a fazer terraplanagem e acesso para aviários, que começaram a crescer na região”, lembrou o ex-secretário de Finanças.

Como secretário de Finanças teve que começar a estudar direi-to tributário e, foi neste momento que surgiu o seu interesse pelo Direito. Nesta mesma época, Andrades passou no concurso para exator estadual e começou a atuar na parte financeira pública, cobrando impostos, e também foi coordenador regional da arre-cadação estadual. “Tinha o poder de assinar escrituras em nome do estado e recebia os bens. Lembro que como pagamento de im-postos de empresas pegamos três terrenos do antigo frigorífico Planaltina e permutamos por 15 terrenos na vila Cruzeiro, onde hoje tem a escola Tiradentes. Foram nove meses de negociações”, relembrou Andrades.

  CAmPANhAAndrades foi um dos idealizadores da campanha Transforme

seu Leão em Leãozinho onde os contribuintes do Imposto de

Renda podem destinar anualmente das parcelas de 1% a 6% ao Fundo Municipal dos Direitos da Criança e Adolescente (Fumdi-ca), gerido pelo Comdica, para o custeio das ações de assistência e proteção às crianças e adolescentes em situação de risco e vulne-rabilidade. “Durante um jogo do Inter em Porto Alegre encontrei o auditor da receita federal Jorge Fila e comentei se ainda era pos-sível fazer doações e abater no imposto. E ele disse que podia sim e explicou que empresas podem doar para o Fundo Municipal da Criança e do Adolescente. E foi assim que montamos, em parce-ria com a Receita Federal, um plano. Foi no primeiro ano do meu mandato e começou a funcionar em 1998”, relembrou Andrades.

  CArINhO POr PAssO fuNdOAndrades nasceu em Cruz Alta, mas foi em Passo Fundo que

formou sua família e sua carreira política e profissional. Morador do bairro Santa Maria, é casado com Otília Pelc Andrades com quem possui duas filhas e quatro netos. “Passo Fundo representa muito na minha vida. Aqui houve o crescimento e o desenvolvi-mento pessoal meu e da minha família”, salientou. “Utilizei o meu conhecimento, juntamente com um grupo de pessoas, para fazer com que o município se desenvolvesse. Acredito que contribuí-mos para o crescimento desse município”, declarou Andrades.

� Júlio Ferreira de Andrades foi verea-

dor em Pas-so Fundo

entre 1977 e 2000

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9Especial - Aniversário de Passo Fundosexta-feira, 7 de agosto de 2015

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Especial - Aniversário de Passo Fundosexta-feira, 7 de agosto de 201510

S entado ao lado da lareira, seu João recebe de um familiar os últimos retoques na barba. Uma exigência feita por ele antes de iniciar a entrevista. “Pronto, agora podemos começar”, diz o homem que passou boa parte dos seus 104 anos, completados no início do mês passado, per-

correndo os cerca de 50 quilômetros que separam a localidade de Posse Muller de Passo Fundo.

Com a voz mansa, Manoel João Rodrigues Muller, o seu João, como é conhecido, vai aos poucos buscando na memória as razões que o fize-ram dividir a vida calma do campo pela cidade. Natural de Soledade, mudou-se para Passo Fundo nos anos 60 para que seus seis filhos se-guissem com os estudos. No entanto, a relação com Passo Fundo come-çou bem mais cedo e de uma maneira que ficaria marcada para sempre em sua vida.

As imagens ficam cada vez mais vivas na lembrança. Ele retorna aos seis anos e começa a descrever a viagem de oito dias de Soledade a Passo Fun-do no lombo de um cavalo. “Vim com meu pai, só que quando cheguei aqui roubaram meu petiço” conta. Era início do século XX e a gripe espanhola se alastrava. Sem o petiço, não havia maneira de retornar para Soledade. O pai parte deixando o pequeno João na casa de uma tia. Foram três meses longe dos pais e dos outros nove irmãos, mas para ele, uma eternidade que parece não ter passado toda vez que lembra do episódio. “Os pais não po-diam buscá-lo por causa da gripe espanhola” diz uma das filhas. Pelo mes-mo motivo, a tia não o deixava brincar com as crianças na rua. Desta épo-ca, um som que se repetia a cada final de tarde ainda ecoa nos ouvidos de seu João, que interrompe a narrativa e imita com a voz o apito do trem que cruzava por Passo Fundo. “Eu corria atrás dele. Chorava de saudade dos meus pais e dos meus irmãos. Aquele som me dava muita tristeza” recorda.

Nos anos 60, já com 50 anos de vida, seu João mantém a lida com a pe-cuária na Posse Muller, mas decide com a esposa Eremita Dias Rodrigues (já falecida), fixar residência em Passo Fundo para facilitar os estudos dos filhos. O bairro Boqueirão é o endereço escolhido pela família.

“A cidade era muito tranquila nesta época. Lembro que o pai man-tinha umas vacas leiteiras em um terreno descendo a avenida Bra-sil. Ele trazia os animais aqui no pátio da nossa casa fazia a ordenha e as levava de volta. Naquela época isso era possível. O Boqueirão não tinha nem calçamento” comenta uma das filhas. Religioso, seu João ajudou na construção da igreja São Vicente e por muitos anos colaborou na tradicional festa de São Miguel. “Este fato que aconte-ceu comigo na infância aqui me marcou, mas tenho muito carinho por Passo Fundo” diz seu João.

“O apito do trem cortava meu coração”

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A relação

com a

cidade na

lembrança

de um

centenário

gersON LOPes [email protected]

� Esbanjando saúde, ele viu a cidade se transformar

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11Especial - Aniversário de Passo Fundosexta-feira, 7 de agosto de 2015

Q uando nos acostumamos com um local ele passa a ser comum, simples, rotineiro. Não passa pela nossa cabeça que andar pela Mo-rom, pegar um Coleurb ou passear no Bella pode ser uma aventura para alguém. Para

Abbas Zahid, essa é a palavra que define sua viagem para Pas-so Fundo, traduzida para o Urdu no título acima. A língua que Abbas cresceu ouvindo, no município de Karachi, no Paquistão, de repente substituída pelo português. A comida apimentada e a cidade praiana, de repente substituídas pelo arroz e feijão e pelo frio da capital do Planalto Médio. Abbas chegou a Passo Fundo em janeiro de 2013, com uma mala na mão e a expecta-tiva de visitar o país que conhecia tão pouco. Talvez a distância ou aquela velha mania que possuímos de rotular, fez com que a imagem que ele conhecia fosse a das florestas e das festas. Imagem essa compartilhada por tantos outros mundo afora. Mas bastou pouco tempo na cidade para perceber que o país é muito mais.

Abbas tem 24 anos e veio a Passo Fundo para realizar um in-tercâmbio profissional na área de tecnologia da informação. A viagem foi por meio da Aiesec, uma organização que conecta jovens do mundo todo a fim de incentivar a liderança e a tro-ca de culturas. Foi a vaga de trabalho que chamou a atenção de Abbas para a cidade. Ele havia mandado seu currículo para outros países, mas a resposta que chegou primeiro veio de Santa Maria, que é ligada à Aiesec Passo Fundo. Depois de uma entrevista e das despedidas, ele desembarcou em uma cidade muito menor e diferente de Karachi. “Onde eu morava é muito grande, cerca de 20 milhões de habitantes, aqui é menor, mais tranquilo. Não tem tantas coisas para fazer, mas não tem muita violência e é muito limpo”. Ele foi o terceiro intercambista a vir para Passo Fundo pela organização, que hoje já trouxe mais de 100 pessoas, dos mais variados países. O intercâmbio de Abbas era de seis meses, porém, o bom trabalho realizado na empre-sa fez com que ele permanecesse lá por um ano e sete meses. Após esse tempo, a vontade de aprender coisas novas fez com que ele mudasse. Hoje, ele ainda trabalha com a área de tec-nologia da informação, em outra empresa, e se sente muito a vontade com o jeito brasileiro e passo-fundense de trabalhar. “Passo Fundo é um município muito bom para a área de TI. E quando eu preciso de ajuda, principalmente por causa do por-tuguês, meus colegas sempre me auxiliam”. Além do emprego, ele também estuda. Está finalizando o curso que iniciou no Pa-quistão, de ciência da computação, na Universidade de Passo Fundo.

  O AmOr dO OutrO LAdO dO muNdONunca se sabe o que um intercâmbio reserva. Um dos maio-

res impactos sentidos por ele foi se ver, de repente, sozinho. “Lá eu tinha meu pai e minha mãe que faziam coisas por mim, é diferente, era uma vida mais tranquila”. Foi em uma palestra na Faculdade Imed, quando Abbas foi convidado para falar so-bre a história do seu país, que ele conheceu sua atual esposa. “Adicionei ela no Facebook, começamos a namorar e 10 meses depois nos casamos”. Ela foi a razão pela qual Abbas ficou mo-rando em Passo Fundo. Hoje, a família dela é também a dele. “Aqui tenho a família da minha esposa que é muito boa, eles me tratam como a um filho”.

  A OutrA PALAvrA é sAudAde“No final do ano, provavelmente em dezembro, eu vou voltar

para visitar a minha terra”. Apesar de conversar com os irmãos e os pais todas as semanas, Abbas sente muita falta da culinária paquistanesa, dos temperos e do amor da família. “Eu falo com eles todas as semanas, mas a diferença do fuso-horário é de 8 horas, o que às vezes atrapalha”. Ele conta que teve uma infân-cia muito tranquila. “Eu tinha muitos sonhos quando criança. Gostava muito de jogar críquete. Aqui as pessoas não conhe-

کسہاسA palavra

aventura –

em urdu, no

título acima

– traduz uma

das tantas

histórias

vividas por

estrangeiros

em Passo

Fundo

ÂNgeLA Prestes [email protected]

cem, mas é um esporte muito famoso no meu país. O segundo esporte do Paquistão é o futebol, mas não temos time nacional”. Segundo ele, o que mais gosta na comida daqui é o churrasco e conta que já visitou vários lugares do Brasil, como Ceará, Flo-rianópolis, Curitiba, Porto Alegre e algumas cidades perto de Passo Fundo.

  O PAquIstãOA história do país começa há mais de 3.000 anos a.C., quan-

do os habitantes do vale do rio Indo resolveram se agrupar em estados. Depois disso, diversos povos assentaram-se na região, criando uma das civilizações mais avançadas da antiguidade. Ao longo dos séculos os conquistadores foram diversos: persas, árabes, mongóis e ingleses. “O Brasil nasceu agora. O Paquistão é muito antigo”, explica Abbas. Karachi fica no sul do país, ba-nhado pelo Oceano Índico, uma parte do Paquistão muito tran-quila. “Vocês escutam alguns problemas, mas eles acontecem apenas no Nordeste do país”. Abbas é muçulmano, como 95% dos paquistaneses. “Aqui em Passo Fundo, eu vou à mesquita todas as sextas-feiras para orar”.

  um IdIOmA, umA CuLturAA língua traduz a complexidade de um povo. Hoje, Abbas

sabe falar cinco idiomas, contando com o português. “Nos pri-meiros seis meses eu não falava nada. Só ‘obrigado’ e ‘de nada’. Mas, depois, quando conheci minha esposa, ela me ensinou muito”. Ele conta que, sempre que alguém percebe que ele é de fora, pergunta sobre o seu país e pede para que ele converse em inglês. “Falar a língua é entender a cultura do lugar. É muito im-portante”. Para Abbas, há diferenças entre a cultura brasileira e a paquistanesa, mas a principal delas é a liberdade. “Aqui se tem liberdade para todas as pessoas. Meninos e meninas. Às vezes é legal e às vezes não, porque faltam limites. Muitas crianças e jovens que não respeitam os pais. E também falta respeito com as meninas. Por exemplo, aqui você vai a uma festa, conhece alguém, e no outro dia não sabe nem o nome dessa pessoa”. Apesar de existir contrapontos, há também muitas semelhan-ças. “Não tem muita diferença. Política é igual, saúde é igual, educação é igual”.

Passo Fundo se tornou o lar de um paquistanês sério e ao mesmo tempo aventureiro, assim como se torna lar para tantas outras pessoas da região e do mundo. Uma cidade de oportuni-dades. Foi uma delas que trouxe Abbas e poderá ser uma delas que o levará embora. “Depende da oportunidade. Se em outra cidade do Brasil eu receber alguma boa chance de trabalho, eu vou. É importante procurar o melhor para crescer na vida”.

Foto

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Especial - Aniversário de Passo Fundosexta-feira, 7 de agosto de 201512

P erder um filho é algo inimaginável para uma mãe. Muitas mulheres, quando passam por esta situação, mergulham num mundo de dor e desespero, difícil de sair. Ainda mais quando se pensa no futuro brilhante que esse filho po-

deria ter. Uma criança que, apesar da pouca idade, tinha um tino espe-cial para a escrita e, mesmo tendo deixado este plano tão cedo, deixou um legado em livros publicados.

Essa mãe é Raquel Pirovano. E o filho, Roberto Pirovano Zanatta, que foi vítima de uma doença grave aos 10 anos de idade. O gosto de Roberto pela leitura e pelos livros, em especial, está sendo perpetuado por Raquel e Claudio (pai). Em 2010 eles criaram o Instituto Roberto Za-natta, que tem como meta fomentar a leitura. E em 2011, inauguraram o Quiosque da Leitura, na praça Antonino Xavier e Oliveira, onde são promovidas oficinas de xadrez, teatro, violão e flauta, oferecidas gratui-tamente às crianças de Passo Fundo, além de ser um espaço de muitos livros e leitura.

E para Raquel, a breve passagem de Roberto no plano terrestre é a principal motivação para desmedir esforços em prol da formação de leitores e de crianças atuantes. “Minha motivação em desenvolver ações que promovam a leitura em nossa cidade tem como inspiração a grande importância do exercício de ler e escrever na vida de meu filho Roberto, que adorava escrever estórias, criar personagens, viajar pelo mundo do possível e do impossível... Após a sua morte, criamos o Insti-tuto Roberto Pirovano Zanatta com a intenção de promover ações para despertar o interesse pela leitura em outras crianças”, conta Raquel.

A iniciativa mais que deu certo. E para comprovar isso basta uma rá-pida visita ao espaço em um sábado qualquer, para conferir o empenho das crianças que participam as oficinas e de seus instrutores. Vale tam-bém olhar ao redor para ver prateleiras repletas de livros e pessoas es-colhendo novas leituras. Para tudo isso, nada é cobrado da comunida-de, é só ter vontade de mergulhar nesse mundo de oficinas e literatura.

Para responder à questão de se valeu a pena o empenho e a dedica-ção para idealizar, construir e participar da vida do Quiosque, Raquel responde: “penso que sim, e uma prova concreta disso é o grande in-teresse pelas oficinas que se realizam no Quiosque de Leitura Roberto Pirovano Zanatta. As oficinas são realizadas todos os sábados, gratuita-mente, numa parceria entre o Instituto e a Prefeitura de Passo Fundo, e contemplam a iniciação musical em violão e flauta, o aprendizado do jogo de xadrez e a arte teatral. Estamos com interessados em fila de es-pera, pois a nossa proposta, mais do que as oficinas propriamente ditas, vai mais além, oferecendo a oportunidade de interação e desenvolvi-mento pessoal e social às crianças que participam”, destaca.

  POr que A LeIturA, POr que PAssO fuNdO?“Moro em Passo Fundo há 25 anos, e vim para cá por motivos de tra-

balho. Ingressei no curso de Direito na UPF e fui me afeiçoando à cida-de, aos colegas, fiz belas amizades, me casei e construí uma família. Fui usufruindo da melhoria constante na qualidade de vida que Passo Fun-do foi oferecendo ao longo dos anos”, comenta Raquel, que retribuiu a acolhida da melhor forma possível.

Para ela, garantir a continuidade do apoio e valorização por parte do poder público para iniciativas como esta é o presente que ela gostaria de deixar para Passo Fundo. “Temos muito ainda a construir e conquis-tar nesta área onde as mudanças são constantes já que o ser humano está em ritmo acelerado na aquisição de conhecimento através das múltiplas ferramentas que o mundo moderno disponibiliza. Gostaria que mudasse o olhar das pessoas que moram em nossa cidade, no sen-tido de contribuir mais com o coletivo, de dar o exemplo, de perceber a importância da educação e da cultura. Quando admiramos alguém bem educado, podemos ter certeza de que nessa pessoa houve inves-timento pessoal, familiar e social, e o resultado se reflete para o grupo, para o bem comum”, sentencia.

Por uma Passo Fundo com mais leitores

Raquel

Pirovano

escolheu

Passo

Fundo

como sua

cidade há

25 anos. E,

em meio a

uma triste

história

de perda,

encontrou

força no

incentivo à

formação

de novos

leitores

gLeNdA vívIAN [email protected]

Organização não governamental sem fins lucrativos, Instituto Roberto Zanatta, foi fundado em 19 de março de 2010. Essa iniciativa teve por ob-jetivo proporcionar o envolvimento de jovens e crianças com o mundo da leitura e da cultura como Roberto teve em vida. O interesse pela leitura e a escrita foram os principais incen-tivos à vida do menino escritor.

Saiba mais em institutorobertoza-natta.org e facebook.com/Rober-toPirovanoZanatta.

O Instituto

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13Especial - Aniversário de Passo Fundosexta-feira, 7 de agosto de 2015

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Especial - Aniversário de Passo Fundosexta-feira, 7 de agosto de 201514

N em sempre a mudança de cidade é algo fácil. É necessário ter uma programação, encon-trar uma moradia, um emprego... Mesmo com tudo organizado as dificuldade sempre apare-cem. Agora, imagine percorrer 240 quilôme-

tros em uma kombi, com nove filhos na carona, sem emprego mas com a bagagem cheia de expectativas de que era o certo a se fazer. Assim começa história de Francisco Spinelli Júnior com a cidade de Passo Fundo. Por motivos de trabalho a cidade se tornou um ponto estratégico nesta nova etapa de sua vida e de sua família. Com o pas-sar do tempo, a evolução e o desenvolvimento de Passo Fundo andou lado a lado com a história de vida da família.

  A deCIsãOA história começa em 1977. Francisco decidiu que era hora de mu-

dar. Trabalhando com eletrônica e vendas, ele precisava viajar para diversos municípios todas as semanas. Morando em Bom Jesus, a ro-tina de viagens para cidades da serra e missões acabava se tornando algo cansativo. “Como trabalhava nas missões e morava em Bom Jesus, ficava muito complicado. A distância era grande, sem contar que na época nem tinha asfalto nas estradas”, lembra. Foi então que o nome de Passo Fundo surgiu para Francisco como uma oportunida-de. “Para mim Passo Fundo era uma cidade central. Ficava próximo de todas as regiões que eu trabalhava. Fiquei na dúvida entre Santa Maria, mas vi que aqui era o lugar certo para trabalhar. Acho que algo iluminou a minha vinda para cá”, comenta. Ainda, pesou na decisão a questão da educação. Alguns de seus filhos já estavam terminando as séries iniciais e não havia muitas escolas na época em Bom Jesus onde pudessem continuar os estudos

Em uma kombi e com seus nove filhos a bordo, Francisco percor-reu cerca de 240 quilômetros para chegar até Passo Fundo. Aqui, conhecia apenas seu sobrinho que o ajudou a alugar uma casa na

Uma kombi, nove filhos e uma oportunidade

Em busca de uma cidade

que facilitasse seu

trabalho e permitisse

uma boa educação

para seus filhos,

Francisco veio

para Passo Fundo

no susto. Entre

incertezas, viu que é

possível transformar

as dificuldades em

oportunidades

bruNA tOdesCAtO [email protected]

rua Rio Branco, bairro Cruzeiro. “Eu liguei para ele e pedi que me alu-gasse uma casa. Então ele me pediu quando eu pretendia ir. Eu disse ‘agora’. Ele era bem de vida e alugou uma casa nos padrões dele, só que eu não podia pagar. Não tinha emprego. Foram meses muito di-fíceis e consegui cumprir o contrato a pau e corda”, conta.

Após seis longos meses, Francisco e sua família se mudaram para uma pequena casa no bairro Santa Marta. Como o lugar era mais afastado, era complicado até conseguir transporte coletivo, pois o ônibus só chegava até um pedaço. A casa também não tinha energia elétrica e nem água encanada. Mas como sempre, seu Chico con-seguiu encontrar uma oportunidade na dificuldade. Graças a seus conhecimentos e com muita criatividade o resultado intrigou os vi-zinhos. “A água era de poço e a luz não tinha. Então como eu mexia com eletrônica, consegui inventar um gerador a diesel. Até causei muita estranheza nos vizinhos, porque eles queriam saber de onde eu estava pegando energia. Então eu os levava para a salinha onde estava o gerador que fazia um barulhão. Eu tinha uma televisão, ar-rumei uma antena e pronto, tinha luz e tv em casa”.

Em suas viagens a Santo Ângelo, Francisco conheceu Catarina de Oliveira, a mulher que mudou a sua vida. Ele a trouxe para Passo Fundo e acredita que conseguiu superar muitas dificuldades graças a presença dela. “Fui criado em um berço, não digo de ouro, mas de porcelana. Não estava acostumado com as dificuldades. Minha sorte que encontrei uma companheira que me ajudou. Ninguém faz nada sozinho. Ela abraçou um pobre morador de uma casa numa barran-ca de rio, sem água nem luz e com nove filhos. Ela acolheu a todos nós com muito amor e foi fundamental”, afirma. Antes os nove filhos, José, Saul, Luis, Beto, Eliane, Alda, Sara, Viviane, Giovana, se tornaram onze com a vinda de Betinho e Jaqueline.

Depois de alguns anos, Francisco conseguiu abrir sua oficina, lo-calizada na rua Moron, em frente a um posto de combustível. Com o nome de “A Televisão”, consertava rádios e aparelhos de tv. Foram

Foto

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soAL

� Fran-cisco com sua esposa Catarina

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15Especial - Aniversário de Passo Fundosexta-feira, 7 de agosto de 2015

mais de 25 anos trabalhando no local. Quando sobrava algum dinheiro, começou a investir na compra de

terrenos onde hoje é o Bairro Professor Schisler. Os primeiros mo-radores do bairro foram os pais de sua esposa Joaquim e Docelina de Oliveira. “Comprei um terreno lá. O vendedor já me conhecia e quando tinha outros terrenos para comprar ele vinha na minha loja, tomava um café e me avisava. E eu ia comprando. Muitas pessoas me diziam que o lugar era longe, que não tinha ônibus e nunca iria ter um asfalto. Eu sempre pensava que a cidade iria crescer. E olha como é hoje. Na época nem sabíamos como escrever o nome do bairro. Fo-mos nos envolvendo com a comunidade, organizando as entidades e lutando por melhorias”, relembra. Ainda hoje, seu Francisco mora com Catarina em um dos terrenos que adquiriu naquela época. Com 80 anos, tem 11 filhos, 39 netos e 15 bisnetos.

“Para quem saiu lá de Bom Jesus, Passo Fundo para mim era uma Nova York. A cidade tinha muitos recur-sos e estava crescendo bastante. Muitas pessoas esta-vam vindo para cá em busca de oportunidade e eu fui uma delas. Até hoje é assim. Eu gosto muito daqui. Hoje as coisas são mais fáceis. Por exemplo, em todos os bairros tem escola de primeiro e segundo grau, tem saúde. Antigamente não era assim. Minha vinda para cá foi iluminada . Se tivesse que escolher de novo, eu vinha para Passo Fundo. Não me arrependo. A gente faz o lugar que a gente vive. Atualmente não saio tanto de casa. Mas o que eu mais gostava era da rua Moron. Mais do que a Avenida Brasil. Às vezes eu paro e penso e como vai estar tudo daqui a 50 anos. Acho que vai estar tudo diferente”, relata Francisco.

Ontem e hoje

� Na foto, a famosa kombi e três dos filhos de Francisco

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Especial - Aniversário de Passo Fundosexta-feira, 7 de agosto de 201516

I vo Ferrão tem 85 anos e destes 65 dedi-cados a vida pública e comunitária, em Passo Fundo. Oriundo de Campos No-vos, SC é filho de Adolfo e Clementina, pai carpinteiro e a mãe do lar. De uma

família humilde de 10 filhos, Ferrão fixou residência em Passo Fundo no distrito de São Roque trabalhando em uma pedreira própria.

Nesta época a pedreira foi visitada pelo empresário Ze-ferino Costi que se surpreendeu por toda a família estar trabalhando e convidou o grupo para se juntar a ele no projeto de criação de um frigorífico, que mais tarde seria o Z. de Costi. Adolfo Ferrão designou seu filho Ivo para acompanhar Zeferino e começar trabalhar na constru-ção, sendo que por seis meses o jovem recebeu três au-mentos de salário pela produção e responsabilidade no trabalho. Logo depois toda a família veio trabalhar com o Costi. Ao fundarem o Frigorífico Planaltina Ivo transfe-riu-se de empresa e por lá ficou por 22 anos sendo por 16 anos capataz. Casamento

Em 1954 o jovem Ivo Ferrão casou com a namorada Maria de Lurdes sua colega de trabalho. Com ajuda do en-tão patrão Zererino Costi, comprou alguns e mais tarde teve apoio para adquirir terreno e casa onde reside desde 1969. Da união de Ivo e Maria de Lurdes nasceram os filhos Elia-ne, Marlene, Sandra, Vera, Jair, Ana Maria (in memoriam) e Ledir Salete (in memoriam), sete netos e três bisnetos.

  vIdA POLítICAO envolvimento comunitário com a criação das esco-

las Cecy Leite Costa, Monteiro Lobato, Jerônimo Coelho, CTG Don Felipe, CTG União Campeira e vários outras

"Passo Fundo me dá tudo o que preciso" ações chegou a Câmara de Vereadores em 1976 e depois sucessivamente por 20 anos, sempre pelo PMDB, parti-do do qual foi fundador. Para se deslocar até o Legisla-tivo, sempre utilizou o transporte coletivo, uma forma encontrada por ele para ouvir a comunidade. Ele afir-ma que nunca prometia nada e sim apenas o trabalho e esforço para resolver as demandas. “Fomos mais de 20 vezes para conseguir o centro social urbano na Planal-tina, onde fica hoje a EMEI Fofão, ambulatório e CRAS e também garantir o ensino médio no Monteiro Lobato.” O Prefeito Wolmar Salton nos ajudou muito no centro social Urbano e o Padre Alcides no ensino médio da es-cola”, reconhece.

Na vida pública ele lembra quando fizeram um bone-co seu em protesto ao seu voto no projeto que permitiu a abertura do comercio nos finais de semana e também para a instalação do pólo petrolífero na Petrópolis, mas que seu objetivo foi sempre de proporcionar mais empre-gos e impostos para a cidade. “Nunca fui de faltar com a pa-lavra e nem ficar encima de muro e por isto ganhei amigos na situação e oposição”, diz Ivo.

  LeãO XIIIForam 39 anos de trabalho dedicados a Presidência do

Leão XIII e Ivo conta que tudo começou com o convite do seu saudoso amigo Juarez Zílio. Quando entramos na enti-dade tinha apenas um centro social urbano na Vitor Issler e hoje são seis espalhados pela cidade. Uma sede nova e um pavilhão com a marcenaria proporcionando cursos técni-cos. São mais de 3.000 crianças atendidas pela entidade de forma gratuita e nosso trabalho de dos demais integrantes da diretoria é voluntário. Me orgulho deste trabalho.

  CIdAde“Mesmo não tendo nascido aqui, Passo Fundo é minha

terra. Amo Passo Fundo. Aqui tenho tudo que preciso”, diz. A receita para chegar aos 85 anos é vida ativa, muita calma, família unida e o amor de minha esposa que tem sido ao longo de 61 anos a minha grande amiga e companheira. Cuido do meu jardim, vou ao mercado e quando reúno a família damos boas risadas, contamos casos da cidade e ainda sobra tempo para jogar pontinho.

Ivo Ferrão conta que se aposentou com 5.8 salários mí-nimos e que hoje vive com R$ 1.200,00. “É pequeno o valor, mas vivemos com humildade e gastamos apenas o que ga-nhamos, não é preciso roubar para viver”, ensina.

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A ssumidamente bairrista, o me-cânico Renato Cesar Almeida da Silva, 57 anos, é natural de Pas-so Fundo. Defensor da sua terra, sempre teve aqui um porto segu-

ro. Talvez a água da vertente da Mãe Preta o tenha ajuda-do a firmar raízes na cidade natal. Com certeza, o amor à esposa, à família e à terra que ajudou a construir são os maiores motivos de orgulho e da vontade de ficar. É aqui que estão as amizades, as lembranças da infância e da ju-ventude e também os frutos de uma vida.

Na casa na Rua São Sebastião, na Vera Cruz, criou, junto com a esposa Ceci, os três filhos Ana Cristina, Caroline e César. Essa rua é a mesma em que nasceu e a região da cidade a qual morou por praticamente toda a vida. “Mo-rei na Rua Erechim e na Rua Itaqui, estudei no Eenav, que antes se chamava Cenav. Tive toda minha infância nessas ruas. Não tinha calçamento e nem água encanada. E em poucos anos Passo Fundo teve um boom e cresceu mui-to, se organizou. Sai algumas vezes de Passo Fundo, mas depois voltei”, lembra.

Sobre a experiência fora do município, Silva conta que morou em Nonoai e também em Não-Me-Toque por al-gum tempo, mas logo retornou a Passo Fundo. “As duas vezes que sai foram na década de 1970. Aqui é minha ci-dade, aqui que sou conhecido, aqui que eu me sinto bem e quis ficar. Tive proposta de sair para trabalhar e acabei não indo”, reafirma.

  PrOfIssãOCom o pai, aprendeu a profissão que mantém até hoje.

“Meu pai me ensinou a trabalhar desde cedo. Naquela época em que valia mais a prática do que a gramática ti-nha que aprender uma profissão para sobreviver. Era me-nos estudo”, conta sobre como começou a trabalhar como assistente em uma mecânica em um posto de combustíveis.

Um bairrista convictoEntre a água

da Fonte da

Mãe Preta e

o amor pela

companheira

de 38 anos

vários são os

motivos que

reforçam o

carinho e o

orgulho pela

terra natal

LeONArdO ANdreOLI [email protected]

Com os filhos a situação foi diferente. Ele e a esposa Ceci, conhecida como Cica, sempre deram importância à edu-cação dos filhos. “Meus filhos foram estudar, e a minha mentalidade é diferente da dos meus pais. Sempre achei que eles deveriam estudar”, afirma.

  defeNder A terrAO cuidado com o que é daqui é repassado aos filhos e

aos netos, os pequenos, Franco, Enrico e Maria da Silva Le-onardi. “Além de bairrista eu tenho esse gosto de defender o que é Passo Fundo e até fico triste pela falta de cuidado das pessoas. Às vezes eu levo algum dos meus filhos para algum lugar e eu mostro os rios que existem dentro de Passo Fundo. A nossa cidade é uma grande vertente para o Rio Grande do Sul. Grandes rios nascem aqui”, lembra fazendo referência ao Berço das Águas onde nascem as bacias do Rio Passo Fundo, do Alto Jacuí, do Rio da Várzea, do Apuaê-Inhandava e do Taquari-Antas. “No Arroio Mi-randa, que chamávamos de Caraguatá, pesquei com meus avós e meus pais, mas Passo Fundo não tem cuidado da água”, lamenta.

Às lições repassadas aos filhos e netos não são apenas pela oralidade. O exemplo é a principal ferramenta. “Eu te-nho árvores frutíferas no pátio de casa e quando eu posso, recolho as sementes e as lanço em alguns locais para nas-cerem. Tenho pitanga, butiá, guabijú e são as sementes que eu lanço, geralmente perto de algum rio”, conta.

  CAsAmeNtOA esposa com quem divide a vida há quase 40 anos tam-

bém é natural de Passo Fundo. Quando crianças, época em que se conheceram, moravam a poucas quadras um do outro. “Ela tem grande influência nessa minha ida e vinda e por eu ter ficado aqui. Já somos casados há 38 anos. Aqui eu nasci, aqui eu me encontrei e aqui eu vou morrer, provavelmente”, enfatiza.

� Para os filhos e netos, as lições de uma vida são repassadas sempre que estão juntos

Na Fonte da Mãe Preta ele bebeu a água e lavou muitas das amoras que colheu nas plantas existen-tes na região, que era conhecida como Mato Barão. “Minha infância foi muito boa. Usufrui dessa beleza que era Passo Fundo. Minha geração foi a última que bebeu água nas fontes de Passo Fundo, depois chegou a poluição. Me criei na área da Fonte da Mãe Preta comendo amorinha. Ali tudo era um ba-nhado cheio de vertente e me criei tomando água lá”, lembra sem esconder o saudosismo. A esposa o ajuda a lembrar que as escolas realizavam ativida-des com as crianças naquela região. “Era como se fosse ir para o interior”, lembra.

Apesar de ter visto muitas coisas bonitas da cidade se acabarem com o desenvolvimento urbano, hoje ele comemora as demonstrações de recuperação da natureza. “De manhã cedo tem um bando de papagaio que passa aqui por casa. Além disso, tem curucaca e os tucanos que no final da tarde chegam para comer frutas”, exemplifica. O gosto pela preservação foi aprendido do avô paterno que tinha a consciência da necessidade de se preservar os recursos naturais. “Hoje tento passar isso para meus filhos e dos filhos para os netos. Tenho galinha e os meus netos tem prazer em dar comida pra elas, meu neto é apaixonado por cavalos. Ensinamos eles a não quebrarem as plantas e eles entendem isso”, reforça.

Fonte da Mãe Preta

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19Especial - Aniversário de Passo Fundosexta-feira, 7 de agosto de 2015

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