omar abdel aziz | governador · apresentaÇÃo o tema “entre dois fins de século” é uma...
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Governo do Estado do Amazonas Omar Abdel Aziz | Governador
José Melo de Oliveira | Vice-Governador Odenildo Teixeira Sena | Secretário de C&T
Maria Olívia de Albuquerque Ribeiro Simão | Diretora-Presidenta FAPEAM
Universidade do Estado do Amazonas José Aldemir de Oliveira | Reitor
Marly Guimarães Fernandes Costa | Vice-Reitora
Editora Universitária Otávio Rios Portela | Diretor
Juliana Sá | Assessora Técnica Lorena Nobre Tomás | Chefe do Núcleo de Revisão
Gilson Chaves | Revisor Paulo N. Leão | Designer
Conselho Editorial Ademir Castro e Silva |Cristiane da Silveira
Maria da Graças Vale Barbosa |Otávio Rios Portela (Presidente) Patrícia Melchionna Albuquerque | Sergio Duvoisin Junior
Silvana Andrade Martins|Simone Cardoso Soares |Valmir César Pozzetti
Revisão Técnica Veronica Prudente
Revisão Final Gilson Chaves
Todos os Direitos Reservados © Universidade do Estado do Amazonas. Permitida a reprodução parcial desde que citada a fonte.
RIOS, Otávio & PRUDENTE, Veronica. Anais do IV Congresso Norte-Nordeste da ABRAPLIP.
Manaus: UEA Edições; ABRAPLIP: Manaus, 2012. ISBN 978-85-7883-216-2
UEA Edições Av. Djalma Batista, 3578 - Flores | Manaus - AM - Brasil
Cep 69050-010 | (92) 3878.4463
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IV Congresso Norte-Nordeste da ABRAPLIPA literatura portuguesa entre dois fins de século
6, 7 e 8 de novembro de 2013 Universidade do Estado do Amazonas
Otávio Rios & Veronica Prudente (Orgs.). Anais do IV Congresso Norte-Nordeste da Associação Brasileira de Professores de Literatura Portuguesa (ABRAPLIP). Manaus: UEA Edições, 2012. ISBN: 978-85-7883-216-2
EXPEDIENTE DO IV CONGRESSO NORTE-NOR-DESTE DA ABRAPLIP
DIRETORIA DA ABRAPLIP 2012/2013 Presidente: Rosana Zanelatto Santos (UFMS) Vice-Presidente: Otávio Rios (UEA) Primeiro-Secretário: José Batista de Sales (UFMS) Segundo-Secretário: Jorge Valentim (UFSCar) Primeiro-Tesoureiro: Wellington Furtado Ramos (UFMS) Segunda Tesoureira: Lucilene Soares da Costa (UEMS) Primeira-Secretária Adjunta: Germana Maria Araújo Sales (UFPA) Segundo-Secretário Adjunto: Edvaldo Bergamo (UnB)
COMISSÃO ORGANIZADORA Veronica Prudente (Presidente)
Otávio Rios (Vice-Presidente) Cristiane da Silveira
Débora de Lima Santos Elaine Andreatta
Kenedi Santos Azevedo Mariana Marques de Oliveira
COMITÊ CIENTÍFICO
Francisco Ferreira de Lima (UEFS) Germana Maria Araújo Sales(UFPA/CNPq)
José Rodrigues de Paiva (UFPE) Luciana Marino do Nascimento (UFAC)
Márcia Manir Miguel Feitosa (UFMA) Márcio Coelho Muniz (UFBA/CNPq)
Maria Elvira Brito Campos (UFPI) Maria Lúcia Dal Farra (UFBA/CNPq)
Rosana Cristina Zanelatto Santos (UFMS/CNPq/ ABRAPLIP)
MONITORES
Aline Beatriz Braga de Souza Ana Noelia Dias Nates Cristina César Corrêa
Débora Renata de Freitas Braga Eduardo de Alencar Serudo
Eleonara Castro da Silva Eliete da Costa Queiroz
Esmeralda Frota Ferreira José Francisco Barros de Araújo
Josiane Saquiray Pinho Leandro Da Vinci Babilônia Brandão
Márcia Regina Guedes de Menezes Maria Cristalina Silva Santos
Patrícia Maria da Silva Ferreira Renata Fabiane Mello
Valéria Gonçalves de Menezes Ytanajé Coelho Cardoso
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APRESENTAÇÃO
O tema “Entre dois fins de século” é uma referência direta a um texto do crítico e ensa-ísta português Eduardo Lourenço, e, da mesma forma, foi uma homenagem ao ensaísta e tema gerador do IV Congresso Norte-Nordeste da ABRAPLIP(Associação Brasileira de Professores de Literatura Portuguesa), realizado em Manaus em novembro de 2012 nas dependências da UEA com o apoio da FAPEAM.
Os textos desta coletânea abordam uma reflexão crítica, sobretudo, do período com-preendido entre os séculos XIX e XX, chegando às raias da contemporaneidade. Os artigos e resumos expandidos nestes anais apresentam o resultado de pesquisas de professores, estudan-tes de graduação e pós-graduação, cujos textos revelam as relações entre as literaturas de Lín-gua Portuguesa desenvolvidas desde os projetos de Iniciação Científica a projetos de pesquisa de professores universitários altamente qualificados.
Esperamos que estes anais cheguem às mãos dos leitores e possam se constituir como referência bibliográfica tanto para os investigadores especializados em Literatura Portuguesa quanto para os estudantes de Letras de uma forma geral, que ávidos por uma fortuna crítica possam se debruçar sobre as letras lusas dos séculos XIX e XX encontrarão em “Entre dois fins de século” uma fonte substancial para a sua formação acadêmica.
(Orgs) Otávio Rios e Veronica Prudente
IV Congresso Norte-Nordeste da ABRAPLIPA literatura portuguesa entre dois fins de século
6, 7 e 8 de novembro de 2013 Universidade do Estado do Amazonas
Otávio Rios & Veronica Prudente (Orgs.). Anais do IV Congresso Norte-Nordeste da Associação Brasileira de Professores de Literatura Portuguesa (ABRAPLIP). Manaus: UEA Edições, 2012. ISBN: 978-85-7883-216-2
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SUMÁRIOARTIGOS 01. ESCRITOS DA SELVA: BIOGRAFIA, MEMÓRIA E TESTEMUNHO EM FERREIRA DE CASTRO E PEPETELA Adriana Aguiar ...............................................................................................................................................................11
02. O PLANALTO E A ESTEPE SOB A PERCEPÇÃO DA PAISAGEM Alessandro Barnabé Ferreira Santos Márcia Manir Miguel Feitosa ........................................................................................................................................24
03. A PERCEPÇÃO DA PAISAGEM EM A SELVA: a experiência de um português na Amazônia brasileira, durante a decadência do “ouro negro Antonio Cordeiro Feitosa ..............................................................................................................................................31
04. AS CANTIGAS SATÍRICAS GALEGO-PORTUGUESAS E A EDUCAÇÃO FEMININA Bianca Costa Ramos Silva Márcio Ricardo Coelho Muniz .....................................................................................................................................42
05. O ABRASAMENTO SEXUAL NOS SERINGAIS AMAZÔNICOS, POR ALBERTO RANGEL E FERREIRA DE CASTRO Carlos Antônio Magalhães Guedelha ..........................................................................................................................53
06. ÁLVARO DE CAMPOS – O HOMEM DA MODERNIDADE Catarina Lemes Pereira ..................................................................................................................................................70
07. O DESENVOLVIMENTO CONTEMPORÂNEO DA PRODUÇÃO LITERÁRIA AFRICANA DE LÍNGUA PORTUGUESA Clecio Marques dos Santos Flavia Regina Neves da Silva Mayara Crystina Rego da Silva Conceição de Maria de Araujo Ramos ........................................................................................................................77
08. SOB(RE) RUÍNAS: SILÊNCIO E PALAVRA EM ANTES DE NASCER O MUNDO E CINZAS DO NORTE Cristiana Mota ................................................................................................................................................................87
09. A VISÃO DE WILKENS SOBRE A FIXAÇÃO PORTUGUESA NA AMAZÔNIA Débora de Lima Santos Veronica Prudente Costa ...............................................................................................................................................99
10. REPRESENTAÇÕES FEMININAS EM QUEM ME DERA SER ONDA Débora Feitosa Azevedo Veronica Prudente Costa .............................................................................................................................................109
Otávio Rios & Veronica Prudente (Orgs.). Anais do IV Congresso Norte-Nordeste da Associação Brasileira de Professores de Literatura Portuguesa (ABRAPLIP). Manaus: UEA Edições, 2012. ISBN: 978-85-7883-216-2
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11. PRÓSPERO E CALIBAN N’A SELVA Débora Renata de Freitas Braga .................................................................................................................................119
12. O LUGAR DE ENUNCIAÇÃO DA LITERATURA CONTEMPORÂNEA: A LITERATURA PERIFÉRICA Delma Pacheco Sicsú ...................................................................................................................................................133
13. MÁGICA: TEATRO MUSICAL SATÍRICO, COM ELEMENTOS FANTÁSTICOS, NA PAISAGEM DE LISBOA (EÇA DE QUEIROZ) Denise Rocha ................................................................................................................................................................145
14. O LABIRINTO DA MEMÓRIA EM “O ARQUIPÉLAGO DA INSÓNIA” DE ANTÓNIO LOBO ANTUNES Dilce Pio Nascimento ..................................................................................................................................................157
15. “O POEMA FAZ-SE CONTRA A CARNE E O TEMPO”: HERBERTO HELDER Djanine Belém. .............................................................................................................................................................166
16. “A JUSTIÇA SALOMÔNICA BRECHTIANA NO TEATRO ANGOLANO” Dorine Cerqueira .........................................................................................................................................................174
17. ÊXODOS E RETORNOS CULTURAIS ENTRE ÁFRICA E PORTUGAL: UMA LEITURA DO ROMANCE AS NAUS, DE ANTÓNIO LOBO ANTUNES Egberto Guimarães Seixas. ..........................................................................................................................................182
18. O ATO DE (DES)MASCARAR O CORPO EM QORPO-SANTO E BERNARDO SANTARENO Elaine Pereira Andreatta ..............................................................................................................................................189
19. OS EX-ALUNOS DO “INSTITUTO BENJAMENTA” E A SOCIEDADE DO ESPETÁCULO Ermelinda Maria Araújo Ferreira...............................................................................................................................200
20. A SELVA: NARRATIVA LITERÁRIA E NARRATIVA HISTÓRICA Fabiana Santos Martins................................................................................................................................................216
21. A MULHER DO MÉDICO: A HEROINA DE ENSAIO SOBRE A CEGUEIRA, DE JOSÉ SARAMAGO Fabíola Tânia Leitão Eulálio ........................................................................................................................................226
22. REPRESENTAÇÕES DE VIVÊNCIAS: UMA LEITURA EXISTENCIALISTA DA CRÔNICA EM CASO DE ACIDENTE Francisca Marciely Alves Dantas Maria Elvira Brito Campos .........................................................................................................................................234
23. INTERNOS E INTERNADOS: EDUCAÇÃO E MEMORIALISMO EM RAUL POMPÉIA E VERGÍLIO FERREIRA Franco Baptista Sandanello .........................................................................................................................................245
Otávio Rios & Veronica Prudente (Orgs.). Anais do IV Congresso Norte-Nordeste da Associação Brasileira de Professores de Literatura Portuguesa (ABRAPLIP). Manaus: UEA Edições, 2012. ISBN: 978-85-7883-216-2
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24. RESISTÊNCIA E AFETOS – TRAJETÓRIA POÉTICA DE MARIA TERESA HORTA Gabriel Arcanjo Santos de Albuquerque ...................................................................................................................257
25. AS PERSONAGENS FEMININAS EM TEOLINDA GERSÃO E CLARICE LISPECTOR: BUSCANDO APROXIMAÇÕES Geisiane Dias Queiroz Maria Elvira Brito Campos ........................................................................................................................................266
26. O BELO ORDENADO EM SOPHIA BREYNERANDRESEN Isadora Santos Fonseca Rita do P. Socorro B.de Oliveira .................................................................................................................................272
27. A PRODUÇÃO DE GOMES DE AMORIM SOBRE A AMAZÔNIA Iziane Meireles Veronica Prudente ........................................................................................................................................................280
28. AS IMAGENS DE PORTUGAL NO ROMANCE HISTÓRICO DE PINHEIRO CHAGAS Jane Adriane Gandra ....................................................................................................................................................289
29. AS RELAÇÕESDE PODER E SUBMISSÃO EM UM RIO CHAMADO TEMPO, UMA CASA CHAMADA TERRA, DE MIA COUTO José Benedito dos Santos Rita do Perpétuo Socorro Barbosa de Oliveira .........................................................................................................301
30. LIRISMO E NARRATIVIDADE: A PROSA POÉTICA DE MÁRIO DE SÁ-CARNEIRO Karine Costa MIRANDA Maria Elvira Brito CAMPOS ......................................................................................................................................311
31. ALBERTO E F. ANTONINO BACELAR: O EROTISMO EM DEVANEIO Kenedi Santos Azevedo ...............................................................................................................................................319
32. AS MARCAS DA ORALIDADE NO PROJETO ESTÉTICO DE MANOEL DE BARROS E DE ONJAKI Keyla Cirqueira Cardoso Nunes .................................................................................................................................328
33. OS MAIAS DE MARIA ADELAIDE AMARAL: RELEITURAS EM TORNO DA COMPOSIÇÃO DA MULHER E DA CONDUÇÃO DA NARRATIVA DE EÇA DE QUEIRÓS Kyldes Batista Vicente ..................................................................................................................................................341
34. UM HOMEM SORRI À MORTE - COM MEIA CARA: EXÍLIO, MEMÓRIA E AUTOBIOGRAFIA EM JOSÉ RODRIGUES MIGUÉIS Laerte Fernando Levai .................................................................................................................................................352
35. A PRODUÇÃO LITERÁRIA DE LOBO ANTUNES EM OS CUS DE JUDAS: UMA ANÁLISE NARRATI-VA E FICCIONAL Lila Léa Cardoso Chaves Costa ..................................................................................................................................361
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36. A TRAGÉDIA ENTRE IRMÃOS RECONTADA EM “CAIM” E EM DOIS IRMÃOS Luziane Jaques Danta Veronica Prudente Costa .............................................................................................................................................372
37. HENRIQUETA LISBOA E SOPHIA DE MELLO B. ANDRESEN: DIÁLOGO E CONCEPÇÃO DO FAZER POÉTICO SIMBOLIZADO PELA MORTE Marcia de Mesquita ARAÚJO Cid Ottoni BYLAARDT. .............................................................................................................................................378
38. AS TOADAS DE BOI BUMBÁ E AS CANTIGAS MEDIEVAIS Maria Celeste de Souza Cardoso ................................................................................................................................387
39. FERNANDO AGUIAR E ARNALDO ANTUNES: PALAVRA POÉTICA PARA ALÉM DA ESCRITA Maria das Graças Vieira da Silva ................................................................................................................................400
40. MEMÓRIAS DE MIGRAÇÕES E A INSERÇÃO DE “RETORNADOS” EM NARRATIVAS PORTUGUESAS CONTEMPORÂNEAS: O ESPLENDOR DE PORTUGAL (ANTUNES, 1998) Maria de Fátima Maia Ribeiro. ...................................................................................................................................411
41. EUGÊNIO VISITADO POR HELDER Maria de Pompeia Duarte Santana e Souza ..............................................................................................................420
42. UMA VIAGEM À ÍNDIA, DE GONÇALO M. TAVARES: UMA EPOPEIA CONTEMPORÂNEA Maria Isabel da Silveira Bordini .................................................................................................................................430
43. IV CONGRESSO NORTE-NORDESTE DA ABRAPLIP “Entre dois fins de século” Brinquedo de Palavras Maria Sebastiana de Morais Guedes ..........................................................................................................................438
44. A MORTE COMO FIM E A ETERNIDADE DA VIDA EM APARIÇÃO Mariana Marques de Oliveira .....................................................................................................................................446
45. O EROTISMO: DA CRIAÇÃO À MANIFESTAÇÃO DO DESEJO E SEDUÇÃO NA POESIA HATHERLIANA Matthews Carvalho Rocha Cirne Rita do Perpétuo Socorro Barbosa de Oliveira .........................................................................................................457
46. PORTUGAL EM REVISTA: O ROMANCE DE LÍDIA JORGE (1980-2011) Mauro Dunder ..............................................................................................................................................................467
47. TRADIÇÃO E MODERNIDADE EM FREI LUÍS DE SOUSA Mayara Gonçalves Rodrigues Veronica Prudente Costa .............................................................................................................................................476
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48. A CONFIGURAÇÃO DA PERSONAGEM DO PARVO NO AUTO DA AVE MARIA, DE ANTÔNIO PRESTES Mayara Rosa Lima de Souza Márcio Ricardo Coelho Muniz ...................................................................................................................................483
49. ROMANCE PORTUGUÊS: ALGUNS APONTAMENTOS Moizeis Sobreira de Sousa ...........................................................................................................................................488
50. O ESPAÇO INTERCULTURAL NA POESIA DE CASIMIRO DE BRITO: UM LEGADO PARA SE PENSAR O PRESENTE Monica Simas ................................................................................................................................................................498
51. ELEMENTOS HISTÓRICO-SOCIAIS E A INFLUÊNCIA GREGA NA POESIA DE SOPHIA DE MELLO BREYNER ANDRESEN: UMA LEITURA DO POEMA “CANTAR” Nathália Macri Nahas ..................................................................................................................................................508
52. O ROMANCE-FOLHETIM LUSÓFONO NO JORNAL DIÁRIO DO GRAM-PARÁ DO SÉCULO XIX. Neila Mendonça Garcês Lima .....................................................................................................................................519
53. TRAVESSIAS DO “BARCO NEGRO” – O SEQUESTRO DA MÃE NEGRA Osmar Pereira Oliva .....................................................................................................................................................527
54. UMA LEITURA FOUCAULTIANA DE CONTOS EXEMPLARES. Priscila Gomes Rodrigues ...........................................................................................................................................535
55. DA AUTENCIDADE E MÁ-FÉ COMO CONCEITOS EXISTENCIALISTAS EM UMA CRÔNICA OU LÁ O QUE É DE ANTONIO LOBO ANTUNES Rafael Gonçalves Freire Maria Elvira Brito Campos .........................................................................................................................................544
56. OLHARES PERDIDOS ENTRE FANTASMAS E O NÚCLEO DA VIDA Rita do Perpétuo S B de Oliveira ................................................................................................................................552
57. NARRATIVAS FICCIONAIS PORTUGUESAS EM FOLHETIM N’A PROVÍNCIA DO PARÁ (1880-1889) Sara Vasconcelos Ferreira Germana Maria Araújo Sales ......................................................................................................................................560
58. CAMILO CASTELO BRANCO E JOSÉ DO TELHADO: A CONSTRUÇÃO DO HERÓI AMBIVALENTE Silvana Bento Andrade Henriqueta Maria Gonçalves ......................................................................................................................................568
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59. “CHEIRE OS MEUS LENÇÓIS: CHEIRAM A INCENSO, A CERA DA IGREJA... NÃO CHEIRAM A HOMEM”: FIGURAÇÕES DO EROTISMO EM A PROMESSA, DE BERNARDO SANTARENO Solange Santos Santana ................................................................................................................................................581
60. TRADIÇÃO E MODERNIDADE EM OS LUSÍADAS, O SENTIMENTO DUM OCIDENTAL E MENSAGEM: UMA BREVE (RE)DISCUSSÃO DO CÂNONE Sônia Maria de Araújo Cintra. ....................................................................................................................................593
61. A FANTÁSTICA LITANIA DA LINGUAGEM EM SÔBOLOS RIOS QUE VÃO, DE ANTÓNIO LOBO ANTUNES Sônia Maria Vasques Castro .......................................................................................................................................605
62. TAL ADÃO QUAL COSTELA, AS PERSONAGENS FEMININAS DE O VENTO ASSOBIANDO NAS GRUAS Soraia Lima Arabi .........................................................................................................................................................617
63. DIZENDO POEMAS E NARRATIVAS NO PROJETO FIO DE LINHO DA PALAVRA: A EXPRESSÃO VERBAL E CORPORAL Suely Barros Bernardino da Silva ...............................................................................................................................628
64. A CRÍTICA À SOCIEDADE MEDIEVAL NO AUTO DA BARCA DO INFERNO DE GIL VICENTE Thyaggo Kauwhê José Leite Mesquita Maria Sebastiana de Morais Guedes ..........................................................................................................................637
65. RELAÇÃO ENTRE LITERATURA, MEMÓRIA E HISTÓRIA: REPRESENTAÇÕES DA INQUISIÇÃO EM MIGUEL TORGA Vagner da Silva Ferreira Francisco Ferreira de Lima .........................................................................................................................................649
66. AMOR E EROTISMO NA POESIA DE FLORBELA ESPANCA Valéria Gonçalves de Menezes Otávio Rios ....................................................................................................................................................................660
67. MIGUEL TORGA (1907-1995): IMIGRANTE ADOLESCENTE NA ZONA DA MATA MINEIRA Vanda Arantes do Vale .................................................................................................................................................667
68. CAMPO X CIDADE: ANÁLISE DA PAISAGEM ATRAVÉS DE UMA LEITURA DE A CIDADE E AS SERRAS Vanessa Soeiro Carneiro Márcia Manir Miguel Feitosa ......................................................................................................................................677
69. HAGIOGRAFIA NOS AUTOS DE AFONSO ÁLVARES: UM OLHAR ALÉM DA DEVOÇÃO POPULAR. Verônica Cruz Cerqueira Márcio Ricardo Coelho Muniz ...................................................................................................................................683
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70. A PRESENÇA DE NIETZSCHE NUM CONTO DE ANTÓNIO PATRÍCIO Ytanajé Coelho Costa Otávio Rios ...................................................................................................................................................................692
RESUMOS
71. O EROTISMO EM LUIZA NETO JORGE: A CORPOREIDADE DO POEMA Carolina Alves Ferreira de Abreu Rita do P. Socorro B. de Oliveira ................................................................................................................................703
72. A MÚSICA DE CASIMIRO DE BRITO E DE ZEMARIA PINTO Cinelândia de Oliveira Vilacorte Cláudio Sampaio Barbosa ...........................................................................................................................................707
73. O MITO EM PASSOS DA CRUZ, DE FERNANDO PESSOA ORTÔNIMO, E EM APARIÇÃO DO CLOWN, DE LUIZ RUAS. Hervelyn Tatyane dos Santos Ferreira Rita do Perpetuo Socorro Barbosa de Oliveira .........................................................................................................712
74. O SENSACIONISMO DE ALBERTO CAEIRO João Paulo Cardoso Alves ...........................................................................................................................................716
75. SOPHIA ANDRESEN E ASTRID CABRAL NO INTERVALO DA VIDA E MORTE Maria Socorro da Silva Dantas Elaine Pereira Andreatta ..............................................................................................................................................720
76. A BIOLOGIA DA MEMÓRIA NOS POEMAS DE REIS-SÁ Matheus José Santos da Silva Rita do Perpetuo Socorro Barbosa de Oliveira .........................................................................................................723
77. “NUNO JÚDICE E AS CONCEPÇÕES DO AMOR” Salomão de Oliveira Praia Rita do P. Socorro B.de Oliveira .................................................................................................................................728
78. O JOGO METALINGUISTICO NA POESIA DE TANIA TOMÉ E DE ARNALDO ANTUNES Valéria Moisin de Araújo Cláudio Sampaio Barbosa ...........................................................................................................................................733
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ESCRITOS DA SELVA: BIOGRAFIA, MEMÓRIA E TESTEMUNHO EM FERREIRA DE CASTRO E PEPETELA
Adriana Aguiar (UFAM/FAPEAM)1
RESUMO: o artigo analisa a representação dos arquivos pessoais de dois escritores de língua portu-
guesa – Ferreira de Castro e Pepetela –, bem como suas implicações no processo de criação estética, apontando
como autoria, sujeito biográfico e experiência traumática entremeiam, não só a escrita literária dos mesmos,
como também a produção crítica acerca de seus romances.
PALAVRAS-CHAVE: Sujeito; Escrita; Testemunho.
ABSTRACT: The article analyzes the representation of the personal files of two Portuguese-speaking
writers - Ferreira de Castro and Pepetela-, and discusses the implications of the writers for the process of aes-
thetic creation. The paper indicates as authorship, subject biographical intermingle and traumatic experience,
not just the literary writing thereof, and also, criticism about the production of their novels.
KEYWORDS: Subject; Writing; Testimony.
Gostaríamos de iniciar rememorando dois célebres e conhecidos textos, os quais se intitulam: “A mor-
te do autor”, escrito por Roland Barthes em 1968, e “O que é um autor?” do filósofo Michel Foucault, proferido
em 1969 como tema de uma conferência. No primeiro texto, Barthes, em poucas páginas, tende a um discurso
contra a escritura como marca do corpo e da voz que escrevem o texto literário, ao afirmar: “a escrita é a des-
truição de toda a voz, de toda a origem. A escrita é esse neutro, esse compósito, esse oblíquo para onde foge o
nosso sujeito, o preto-e-branco aonde vem perder-se toda a identidade, a começar precisamente pela do corpo
que escreve” (2012, p. 57). Seguindo a mesma linha teórica, Foucault, em tom interrogativo, parte de um mote
beckettiano para asseverar: “que importa quem fala, alguém disse que importa quem fala. Nessa indiferença,
acredito que é preciso reconhecer um dos princípios éticos fundamentais da escrita contemporânea” (2006, p.
267-268, grifo nosso). Tanto um autor quanto outro parte de uma revisão do papel do indivíduo como autor
de discursos literários.
Contrariando as recomendações desses dois autores, trataremos aqui das experiências autorais de
Ferreiras de Castro e Pepetela, respectivamente autores de A Selva (1930) e Mayombe (1980). Assim o fazemos
porque de alguma maneira tem-nos parecido relevante para a Teoria da Literatura o fato de que experiências
1 Aluna do Programa de Pós-Graduação em Letras, Estudos Literários; Bolsista vinculada à Fundação de Amparo à Pesquisa do Amazonas. Email: [email protected]. O texto é parte de uma pesquisa mais ampla que desenvolvemos enquanto mestranda do PPGL-UFAM.
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pessoais tenham se tornado, ao menos desde a segunda metade do século XX, matéria de textos literários. A
obra de Castro e Pepetela têm nos instigado desde os anos finais da graduação: por atrelarem, em um mesmo
discurso, texto literário, experiências traumáticas e biográficas. Além disso, os discursos dos autores cujas
obras serão estudadas vinculam-se a contextos referenciais, isto é, a momentos históricos vivenciados nas
florestas – uma na Amazônia e outra na África – que extrapolam, portanto, os limites entre ficção e fato, tão
demarcados em textos narrativos.
Beatriz Sarlo desenvolve alguns argumentos acerca de uma valorização das experiências subjetivas
e da memória como suportes do texto na atualidade. Examina especialmente as razões de uma confiança na
primeira pessoa, que ressurge como forma privilegiada de discurso. Para ela, nas últimas décadas “proliferam
as narrações chamadas ‘não ficcionais’ [...]: testemunhos, histórias de vida, entrevistas, autobiografias, lem-
branças e memórias, relatos identitários. [...] Isso acontece tanto no discurso cinematográfico e plástico como
no literário e no midiático” (2007, p. 38).
Em linha teórica análoga, Diana Klinger propõe pensar o sujeito da escrita depois da crítica estrutu-
ralista, ou seja, depois de sua descentralização. A autora apresenta alguns exemplos da literatura produzida na
América Latina, na França e em Cuba, e constata que a primeira pessoa aparece como marca, problemática,
da literatura contemporânea universal. Conforme a autora, “assistimos hoje a uma proliferação de narrativas
vivenciais, ao grande sucesso mercadológico das memórias, das biografias, das autobiografias e dos testemu-
nhos” (2006, p. 20).
Concluindo que a escrita de si afeta não somente a produção literária, mas os diversos discursos con-
temporâneos, Klinger propõe um questionamento: “que sentido dar ao retorno na cena literária de uma es-
crita do eu? [...] Qual é o sujeito que retorna?” (2006, p. 40). Partindo desses questionamentos, sugere que “a
escritura como destruição da voz e do corpo que escreve seria um conceito datado, e talvez historicamente
ultrapassado” (2006, p. 35). Entre diferentes concepções do eu e de sua relação com a escrita, é fato que a partir
da segunda metade do século XX outro eu emerge: o sujeito testemunhal, marcado no corpo e na memória por
experiências traumáticas.
1 Memórias de um português na Amazônia
Em 1911, José Maria Ferreira de Castro, aos onze anos de idade, saiu de Portugal para o Brasil. Tra-
zia a esperança de encontrar na ex-colônia maneira de fazer fortuna com a borracha amazônica. Chegando a
Belém, no estado do Pará, embarca novamente, desta vez no navio Justo Chermont, rumo ao seringal Paraíso,
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localizado às margens do rio Madeira, onde permaneceu até 1914. Não há muitos registros sobre a experiência
de Ferreira de Castro enquanto esteve no seringal. As biografias citam a passagem pelo lugar, sua localização
e o trabalho que desenvolveu por lá, mas o dia-a-dia não é descrito. Não obstante, a passagem do menino pela
Amazônia tornar-se-ia um dos principais temas de sua obra literária e é a ela que parte da crítica recorre para
ler a ficção e para falar do autor, enquanto sujeito de uma experiência histórica dolente.
A Selva, publicado em 1930, tem sido compreendido, de modo genérico, como o relato de um viajante
europeu, que de fato viveu na Amazônia, que experimentou a rotina nos seringais da borracha e nesse mesmo
período dava os primeiros passos no universo da criação literária. Jaime Brasil, ao biografar o autor, escreve:
“sem a ida ao Brasil, na idade e nas circunstâncias em que o fez, Ferreira de Castro, embora viesse a ser um
grande escritor, não teria escrito A Selva” (1961, p. 21). Seguindo esse pressuposto, faremos uma leitura de
textos críticos que se voltam para o período que Ferreira de Castro passou na Amazônia, isto é, entre 1911 e
1914, expondo as razões que nos levam a considerar a relação vida e obra sob o viés conceitual do testemunho.
Experiência e linguagem caminharam lado a lado com as publicações do autor, e de fato, a passagem
pela selva está assinalada em muitas de suas produções. As biografias acentuam o peso das vivências na forma-
ção autoral: o livro Ferreira de Castro: a obra e o homem (1961), por exemplo, retoma a infância do menino de
Ossela, cidade pequena de Portugal, relatando que este não teve contatos com livros e que sua carreira escolar
não passou do primeiro ano. Os únicos textos que Castro leu antes de tornar-se um escritor, segundo Jaime
Brasil, foram os livros escolares e alguns folhetos. “Como se formou essa cultura, eis um fenômeno que me-
rece estudo especial” (1961, p. 28), afirma o biógrafo. Analisando pela perspectiva do adolescente com quase
nenhum estudo regular, de poucas leituras, portanto, excluído de uma tradição literária, o autor é levado a crer
que, pela experiência, Ferreira de Castro “foi o construtor da sua própria personalidade literária” (Brasil, 1961,
p. 62).
Não obstante a publicação do romance ter-se dado quinze anos após a passagem do português pela
Amazônia, cada nova edição, traduzida para diversos idiomas, por intermédio de paratextos – prefácios, co-
mentários, orelhas, pórtico –, não deixava de associar as experiências do autor e a narrativa que chegava ao
leitor de países europeus e da América. Essas produções, ligadas a um estilo (ingênuo) de crítica biográfica,
acabaram criando uma tradição no modo como se leram os arquivos e a ficção do autor. Observemos como
essa relação é referenciada em três paratextos que acompanharam A Selva e estão incluídos na biografia escrita
por Jaime Brasil.
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A primeira publicação do romance na Alemanha surge em 1932. Doutor Richard Bermann, um turis-
ta que visitou a Amazônia, resolve traduzir A Selva para o alemão. Junto com a obra, publica um prefácio, no
qual escreve:
Na minha volta pelo interior do Amazonas, caiu-me nas mãos, por acaso, um livro português que finalmente quebra o silêncio sobre a selva verde. [...] O autor chama-se José Maria Ferreira de Castro [...]. O que descreve, com tanta realidade, no seu romance A Selva, tudo isso ele viveu. Neste romance, Ferreira de Castro não descreve somente o inferno dos pesquisadores da borracha de uma forma para sempre inolvidável, mas também a majestosa natureza da floresta virgem, em toda a sua trágica beleza. Na sua obra, a selva do Amazonas foi vista, pela primeira vez, por um homem que não viajou, mas que viveu dentro dela própria. (1961, p. 108, grifos nossos)
Bermann identifica-se com o escritor por terem, ambos, conhecido a floresta. Todavia, o alemão con-
cede a Castro maior autoridade sobre a realidade, uma vez que o homem/escritor testemunhou o que narra no
romance.
Na Bélgica, um crítico do país, o acadêmico Henri Liebrecht, além do prefácio que escreveu para A
Selva, publicou um extenso ensaio, no qual afirma: “foi preciso que um escritor português tivesse vivido na
sua juventude a existência dos colonos e passasse longos meses no coração da floresta virgem, [...] para trazer
os elementos e as impressões com os quais comporia A Selva, esse documentário” (1961, p. 128, grifo nosso).
E continua: “se este livro saiu duma obsessão do autor, enfeitiçado pela floresta virgem e pelo imenso rio que
a atravessa, ele soube traduzi-la com uma força tal que ela se comunica ao seu leitor” (p. 128, grifo nosso). O
discurso de Liebrecht opera um desdobramento da obra do autor na sua vida, tratando o romance como docu-
mento, como uma tradução da Amazônia, uma janela que se abre para o canteiro do látex.
As notas dos prefaciadores revelam uma justaposição entre ficção e real. Todos partem de um discurso
que confere ao texto o estatuto de veracidade, de modo que a literatura é entendida (por essa crítica) não ape-
nas como um texto autorreferente, mas como um evento, no qual texto e contexto comungam um mesmo espa-
ço. Nota-se, portanto, como diacronicamente fez-se o emaranhado, realidade e literatura, história e memória,
que intercala o romance A Selva e a biografia de Castro, uma tradição construída e que foi se intensificando em
grande medida pela inserção de paratextos, que sempre acompanharam e acompanham as traduções da obra.
Uma das leituras dos arquivos pessoais de Castro que mais chama a atenção é o livro de Abrahim
Baze, intitulado Ferreira de Castro: um imigrante português na Amazônia. Chama atenção por alguns motivos:
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primeiro porque o autor apresenta um discurso claramente desestabilizado entre ficção, história e biografia.
Propondo-se a fazer um ensaio biográfico sobre o escritor, vai ao longo do texto entremeando história do ciclo
da borracha, arquivo memorialístico e corporal de Castro e personagens do romance A Selva. Outro motivo
que instiga é que a obra foi publicada no Brasil em 2005, sendo, portanto, muito recente no rol da crítica cas-
triana. Vê-se bem que o autor do livro, ao embaralhar a experiência do homem e a obra, intensifica o modo
como a crítica leu os arquivos pessoais do escritor.
Abrahim Baze passa da pura narrativa histórica às personagens do romance, sem sequer anunciar ao
leitor que está tratando de ficção. Discurso intencional ou um produto desestabilizado entre realidade e arte, o
texto chega a causar uma confusão teórica, uma teia em que o leitor desavisado pode perder-se rapidamente.
Sem deixar claro se personagens do romance – como é o caso de Balbino, Juca Tristão, entre outros, citados
várias vezes –, são históricos ou literários, o biógrafo amazonense coloca sobre o mesmo plano de análise per-
sonagens e pessoas, fatos históricos e enredo.
Há no livro um total de vinte e duas notas de rodapé, nas quais o autor, após descrições da vida de
Castro no seringal, faz referência direta ao romance. Baze toma fragmentos de A Selva para recriar falas que
atribui a Ferreira de Castro, sem citar sequer outras fontes, além da literária, que o possibilitaram escrever em
discurso direto. Como afirma Maria Eva Letízia: no “estudo, dedicado à fase amazonense da vida atribulada de
Ferreira de Castro, Abrahim Baze procurou basear-se na trama do célebre romance [...]. O estudioso de Ma-
naus resolveu conservar, na sua pesquisa, o plano de organização macroestrutural da obra de referência” (2005,
p. 18). Consequentemente, o ensaísta, ao operar com tal método, envolve-se, ao longo do seu livro, numa teia
que o fisga e o lança numa miscelânea de discursos histórico, ficcional e memorialístico.
Como afirmamos anteriormente, a passagem de Ferreira de Castro pela Amazônia tornar-se-ia um
dos principais temas de sua escrita, e são sobretudo os registros deixados pelo próprio autor, que elucidam
como a experiência marcou sua vida e seu projeto literário. Seguindo a linha memorialística, em 1955, por
ocasião do vigésimo quinto ano de aniversário do romance, o autor lusitano escreve e publica um texto intitu-
lado “Pequena história de A Selva”, no qual expõe desde a sua passagem pelo seringal Paraíso até descrições de
como se deu o processo de escrita da narrativa. O texto organiza-se a partir da rememoração de três eventos.
O escritor volta-se inicialmente para o momento em que deixou o seringal e revela o anseio ininter-
rupto de deixar o “cárcere verde”: “eu tinha, então, dezasseis anos. E dos quatro que passara ali, não houve um
só dia em que não desejasse evadir-me para a cidade, libertar-me da selva, tomar um barco e fugir, fugir de
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qualquer forma, mas fugir” (1989, p. 18). O segundo evento é a concretização desse desejo, ou seja, o retorno
à cidade de Belém. Nesse ponto, Castro descreve o choque que o tempo transcorrido na Amazônia lhe causa a
cada vez que tais reminiscências retornam:
Foi esse momento tão extraordinariamente grave para meu espírito, que desde então não corre uma única semana sem eu sonhar que regresso à selva, como, após a evasão frustrada, se volta, de cabeça para baixo e braços caídos, a um pre-sídio. E quando o terrível pesadelo me faz acordar, cheio de aflição, tenho de acender a luz e de olhar o quarto até me convencer de que sonho apenas [...]. Este velho terror dominou-me sempre que tentei aproximar-me da selva nos meus primeiros livros. (p. 19)
O terceiro evento reporta-se ao processo de escrita e publicação do romance (uma espécie de registro
genético), no qual o escritor confessa a árdua tarefa de produzir um romance a partir de fatos de sua vida:
[...] Enfim, quinze anos volvidos tormentosamente sobre a noite em que abandonei o seringal [...], pude sentar-me à mesa de trabalho para começar este livro. (p. 19) Tão fatigado me sentia por essa nova fusão com a vida dos seringais, tão doloroso me fora beber, na transposição literária, do meu próprio sangue, que, na mesma noite em que concluí o livro, disse [...] que não voltaria, durante muito tempo a escrever romances (p. 21).
O conteúdo de “Pequena história de A Selva” torna-se relevante, dentro dos estudos sobre a obra do
autor, porque situa nitidamente como, para ele, a escrita associa-se a uma impossibilidade de desvencilhar-se
da situação traumática, decorrente de sua passagem por um evento-limite, isto é, a situação de exploração
e aprisionamento no seringal. Como assevera Ricardo António Alves – responsável pelo Museu Ferreira de
Castro e diretor da Revista Castriana –, o “trauma do desterro na infância e adolescência, que inclusivamente
perturbou a escrita de A Selva, interrompendo-a frequente vezes [...], explica a relutância, a inibição e o medo
de Castro se desnudar e expor, antes de mais diante de si próprio, sem a mediação romanesca” (2002, p. 23).
Nesses termos, o trauma parece ter sido, infortunadamente, a herança mais profunda e real que o ciclo da bor-
racha e a selva legaram ao autor, como relata ao concluir a história da elaboração do romance: “dir-se-ia que A
Selva, drama dos homens perante as injustiças de outros homens e as violências da natureza, estava destinada
a ser, desde o princípio ao fim, para seu próprio autor, uma pequena parcela da grande dor humana, dessa dor
que nenhum livro consegue dar senão uma pálida sugestão” (1989, p. 24).
Se, passados mais de oitenta anos da primeira publicação de A Selva, ainda é fato que os arquivos
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de José Maria Ferreira de Castro impõem-se, frequentemente, como dados imprescindíveis à leitura de sua
obra; e se A Selva tem fortes marcas de uma experiência histórica e traumática sobre o período da borracha,
acreditamos que o aporte teórico do testemunho apresenta-se como um método para interpretação e análise
que considera tanto a vivência de opressão, pelo qual passou o homem, como também a obra do escritor. Isso
porque, entendendo a literatura a partir desse conceito, categorias como, memória, condição autoral, história e
literatura, deixam de ser compreendidas de forma estanques, e passam a ser analisadas como um conjunto de
produções, cujo suporte são as reminiscências da testemunha, seja testis ou superstes.
Como afirma Seligmann-Silva, “se a arte e a literatura contemporâneas têm como seu centro de gra-
vidade o trabalho com a memória [...], a literatura que situa a tarefa do testemunho no seu núcleo, por sua vez,
é a literatura par excellence da memória” (2003, p. 388). Desse modo, ponderamos que ler a obra e a vida de
Castro como um testemunho consiste em outra forma de olhar sua produção, sua história e um meio de reti-
ficar alguns estrabismos da crítica. Como se refere Alves à escrita memorialística do autor: “trata-se de um le-
gado testemunhal de inequívoca importância de alguém que atravessou e marcou grande parte do século XX”
(2002, p. 24). E mais adiante, ao citar especificamente o romance, declara: “estamos diante de um testemunho
em parte autobiográfico duma experiência intensamente vivida. O que é intemporal neste livro é o homem
confrontado consigo próprio num meio adverso, hostil, encarcerado na densa floresta amazónica, no inferno
verde” (2002, p. 55).
2 Escritos de um guerrilheiro em Cabinda
De modo geral, Artur Carlos Maurício Pestana dos Santos (Pepetela) é lembrado e lido como um
autor participante da guerrilha. Textos que circulam na internet apontam com frequência para a vivência de
guerra do escritor e como esse fato incide em suas obras. Daniel Conte, por exemplo, assim pondera: “é rele-
vante salientar que Pepetela é um sujeito que viveu a História de seu país. Uma testemunha ocular da libertação
construída por Angola” (2008, p. 18, grifos nossos). Esse fato da vida do escritor torna-se importante na cons-
tituição de sua obra porque dá origem ao que Eloísa Aldás (2001, p. 30) denomina “narrador sujeito-históri-
co” – traço preponderante na literatura de testemunho –, compreendido como o sujeito que viveu parte das
experiências que narra.
Para apreender melhor essas relações entre a experiência da guerrilha e a literatura do escritor ango-
lano, analisaremos três entrevistas concedidas pelo mesmo: 1) recolhida por Carlos Serrano, em 1985; 2) reali-
zada por Daniel Conte, em 2001, intitulada “Pepetela, viva voz”; e 3) feita por Aguinaldo Cristóvão, intitulada
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“O escritor é um ditador no momento da escrita” (s/d). Tentamos apreender nesses textos, três pontos-chave:
a relação entre o militante e a formação do escritor; a gênese do romance; a guerrilha e a escrita testemunhal.
Daniel Conte (DC) introduz a entrevista com uma nota, na qual afirma que a trajetória da obra de
Pepetela revela “a construção de um guerrilheiro/escritor que, aos poucos, vai abandonando o fuzil para dar
continuidade à luta empunhando, agora, a pena” (2001, p. 1). A associação é reforçada na pergunta lançada
pelo entrevistador: “Mayombe foi escrito durante a guerra. Quem o escreveu foi o Pepetela guerrilheiro ou o
escritor? A distância é muita entre os dois?” (2001, p. 13). Ao que Pepetela argumenta: “na altura em que es-
crevi Mayombe não sentia diferença. [...] Acho que era o Pepetela escritor sim, mas que correspondia bem ao
guerrilheiro” (2001, p. 13). A resposta aponta para uma aproximação entre os objetivos de sua atuação militar
e de seu projeto literário, ou seja, atuar como guerrilheiro e como escritor é agir politicamente.
Aguinaldo Cristóvão (AC) também se volta para a associação entre Pepetela e a guerrilha. Interrogado
acerca de sua frequente identificação como um “autor-guerrilheiro”, o escritor contrapõe-se: “Não dou grande
importância. Nem a escolas literárias ou coisa assim” (s/d, p. 1). Entretanto, Cristóvão insiste na temática, ar-
guindo sobre fatores condicionantes e determinantes das guerras de libertação para as carreiras de escritores
que viveram essa experiência:
AC: Queria que falasse do que sabe sobre os autores que, como Pepetela, partici-param nas guerras de libertação de Angola, quanto aos aspectos condicionantes e determinantes das suas carreiras: Pepetela: Penso que essa participação pode ter sido uma boa fonte de inspiração [...]; uma experiência insubstituível. Na época, não havia pretensão nem possibi-lidades de publicar, de modo que penso que os escritores escreviam muito mais para si próprios, o que implica grande liberdade de criação. (s/d, p. 2)
O argumento de escrever para si mesmo acerca de uma experiência insubstituível, como refere Pepe-
tela, poderia dar ao leitor a impressão de que aquele que escreve em meio a um evento violento faz muito mais
um registro pessoal e intimista do que um texto que se destina ao outro, como um testemunho. O escritor, com
frequência, volta a esse ponto nas entrevistas e reforça que não pretendia publicar o romance, uma vez que a
escrita era, sobretudo, um exercício pessoal de compreensão da realidade na qual que ele estava inserido. Não
obstante a primeira impressão que as palavras de Pepetela poderiam causar no leitor, a afirmativa pode ser
melhor acolhida se tivermos em conta que, pelo prisma conceitual do testemunho, aquele que escreve o faz por
uma necessidade de testemunhar. Em outras palavras, diz-se que o sobrevivente vive um processo dialético e
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complexo ao testemunhar, pois “recordar e esquecer são dois fatores dinâmicos e inseparáveis (ele em certa
medida recorda para se esquecer e porque não consegue esquecer-se precisa narrar)” (Seligmann-Silva, 2003,
p. 15).
Daí a persistência de Pepetela em afirmar que sua escrita tem mais a ver com uma necessidade de
compreensão da realidade do que com uma aparente preocupação editorial ou com o leitor. Como arremata o
próprio Pepetela na entrevista concedida a Daniel Conte:
Não havia muita gente em Angola com capacidade e gosto de escrita que tivesse vivido em uma sociedade colonial, que tivesse contribuído para o fim da socieda-de colonial, lutando contra ela, lutando pela independência e que tivesse assistido, no sítio onde nasceu, depois dum percurso grande pelo mundo e por todo lado, ao fim, à derrocada dessa sociedade [...]. Tive a oportunidade de ver isso, de assis-tir a isso tudo e senti-me na obrigação de escrever. (2001, p. 204)
A dualidade exposta no escrever para si ou escrever para o outro, pode ser observada mais propria-
mente quando os entrevistadores se voltam para o processo de criação de Mayombe, o segundo aspecto que
buscamos analisar nas entrevistas. Conforme os depoimentos de Pepetela, a criação do romance surge de um
comunicado de guerra que lhe cabia escrever para os membros do MPLA:
Esse livro apareceu dum comunicado de guerra. Nós fizemos uma operação mili-tar e eu era o responsável por mandar informações, redigir o comunicado, como tinha passado a operação e enviar depois para o nosso departamento de infor-mação, que veiculava no rádio, no jornal. Eu escrevi aquela operação com que o livro começa e que é real. Acabei de escrever o comunicado, uma coisa objetiva, assim fria. E não foi nada disso que se passou. E continuei o comunicado, tirei a primeira parte e mandei pra eles, no departamento de informações e continuei. (2001, p. 206, grifos nossos)
A associação entre o surgimento do romance e um episódio real de guerra, explicita bem a equação
entre sujeito-mundo na escrita testemunhal, que ora pende para o subjetivo, ora para o objetivo (Seligmann-
Silva, 2003, p. 42). Destarte, é essa natureza da memória, juntamente com a marcação de um sujeito histórico,
presentes na composição de Mayombe, que constituem os traços principais do testemunho literário na narra-
tiva (cf. Aldás, 2001, p. 30). Outro aspecto refere-se às características da linguagem empregada para redigir
um comunicado (objetiva e fria), em oposição à operação de guerra, realidade na qual o ser humano está pro-
fundamente envolvido. Uma vez que a testemunha estabelece uma relação afetiva com a memória, o registro
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comunicativo torna-se insuficiente para dar conta da experiência violenta.
A relação entre a história da guerrilha e a composição de Mayombe é também assunto de Aguinaldo
Cristóvão, que foca esse aspecto a partir do par ficção e realidade:
AC: Algumas divergências no seio dos combatentes e as dificuldades existentes descri-tas em Mayombe são reais. Pode contar-nos mais sobre este período da sua vida? Pepetela: – [...] Poderia ser um diário, mas nunca gostei de diários. Uma parte foi escrita à noite, nas bases do interior de Cabinda, enquanto os companheiros dormiam. Uma segunda parte foi escrita em Dolisie, no Congo, perto da fronteira, onde tínhamos a base mais importante de apoio à guerrilha. E a parte final foi escrita em Brazzaville. Ele foi acompanhando a minha vida nessa época de Cabinda e por isso tem muitas referências verídicas, embora as personagens não correspondam a pessoas reais. Uma ou outra tem traços que a um momento dado até confundiram os intervenientes, mas eram apenas um traço aqui, outro traço ali. (s/d, p. 3)
O testemunho do guerrilheiro engendra, além do ficcional, o histórico, que remete ao contexto locali-
zado no tempo e no espaço de onde emerge o trauma (ferida) e a violência, que gerou a própria narrativa. Nesse
aspecto é possível notar também outra característica da literatura de teor testemunhal: o cruzamento da litera-
tura com a história, que está ao mesmo tempo dentro e fora da narrativa. Ocorre que, no processo de transposi-
ção da realidade para o texto literário, os dados históricos são embaralhados e tratados estética e politicamente.
Como explica Seligmann-Silva ao comparar o registro historiográfico com a experiência do sobrevivente, essa
forma de narrar é limitada e não dá conta da experiência. Não obstante, se a reflexão sobre o testemunho leva
a uma problematização da divisão estanque entre literatura e história, as fronteiras entre essas duas categorias
não são, de todo, apagadas (2003, p. 10), sendo necessário atentar para a distinção entre os dois paradigmas.
Carlos Serrano, em linha análoga a adotada por Cristóvão, aborda em sua entrevista as afinidades
entre personagens e pessoas históricas, mas vai além, e questiona as escolhas de Pepetela no que se refere ao
suporte/gênero escolhido para narrar: “Por que então escolheste a ficção quando poderias ter elaborado uma
análise sociológica do tipo acadêmico? Foi tua posição como escritor ou a forma que encontraste de melhor
objetivares os problemas?” (1985, p. 136). E Pepetela redargui: “Claro que podia fazê-lo com um ensaio acadê-
mico, não era essa a minha intenção. Eu vejo a coisa como ficcionista” (1985, p. 136).
Conforme Roney Cytrynowicz, embora a memória do sobrevivente constitua um peso terrível do
qual jamais se está livre, ela é, ao mesmo tempo, o único registro seguro e confiável. De tal modo, a História
jamais ampara ou consola o sobrevivente, não importa quantos livros sejam escritos ou centros de documen-
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tação organizados, porque o compromisso da História pode romper a segurança afetiva da memória enquanto
parte de uma identidade de uma pessoa ou de um grupo (2003, p. 125). Por sua vez, a literatura, como gênero
mais discursivo do que factual, acolhe a memória, permitindo e possibilitando que o escritor acerque-se dela.
Elucidação que em muito justifica a opção de Pepetela por um suporte ficcional, em detrimento de um tratado
sociológico.
O terceiro ponto sobre o qual focalizamos as entrevistas refere-se à temática da guerrilha e sua relação
com a escrita testemunhal. Pensando no gesto diário de escrever, efetivado por Pepetela, devemos indagar: por
que e para quem o autor escrevia, cotidianamente, em meio a operações e a comunicados de guerra que redi-
gia? E é o próprio autor quem indica o caminho para compreendermos tal questionamento:
Daqui a uns tempos não haverá pessoas que tenham vivido a situação colonial por “dentro”. E toda a nova geração deverá ouvir falar, apenas. Há de haver textos de história sobre o que era o colonialismo, o que era a mentalidade do colono, etc., mas forçosamente texto de história, é uma coisa fria... e as pessoas acabam por imaginar o que seria, mas não compreender profundamente, e aí é o papel do romance, fundamental, para a nova geração conseguir “viver” um pouco o que era a vida antes. Aí há também uma preocupação de registrar para a história. E há pouca gente que escreve, que tenha tido essa vivência. E aí eu pensei, eu te-nho essa vivência da sociedade colonial, eu tenho a vivência dos que se opuseram à sociedade colonial, eu sou um dos raros cinco, seis ou dez que possam fazer isso. Eram esses os meus objetivos. (1985, p. 138-139)
Novamente Pepetela sugere em sua fala a relação afetiva com o seu passado, que não passa. Como
afirma Seligmann-Silva, do ponto de vista do sobrevivente, a memória refreia a arrogância do discurso histo-
riográfico, pois por esse prisma, o passado é ativo e justamente não passa (2003).
Walter Benjamin, nas teses “Sobre o conceito da história”, aponta que: “nunca houve um monumento
da cultura que não fosse também um documento da barbárie. E, assim como a cultura não é isenta de barbárie,
não o é, tampouco o processo de transmissão da cultura” (1994, p. 225); Cytrynowicz, afinado com o pensa-
mento de Benjamin, conclui: “é preciso que cada documento da barbárie seja recuperado, estudado, criticado,
entendido, conservado, arquivado, publicado e exposto, de forma a tornar a história uma forma presente de
resistência e de registro digno dos mortos” (2003, p. 137). Eis então o ponto fulcral da escrita testemunhal em
Mayombe: ser um rastro, uma marca afetiva e perene da luta contra o sistema colonial, atuando, mormente,
como um testemunho daqueles que feneceram – resistindo até os limites da própria existência – na luta por
uma conquista da qual sequer chegaram a desfrutar, e cuja herança ficou para as gerações presentes. Essa pode
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ser também outra forma de tornar o passado ativo e estabelecer um diálogo íntimo entre o ontem e o hoje.
Referências
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Francia (1940-1942). 2001, 449f. Tesis (Doctoral en Comunicación Audiovisual y Publicidad) – Departamen-
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culo. Lisboa: Âncora Editora, 2002.
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Tradução Sérgio Paulo Rouanet; prefácio Jeanne Marie Gagnebin. 7. ed. São Paulo: Brasiliense, 1994. (Obras
escolhidas, v.1).
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O PLANALTO E A ESTEPE SOB A PERCEPÇÃO DA PAISAGEM
Alessandro Barnabé Ferreira Santos1 Márcia Manir Miguel Feitosa2
RESUMO: Julio e Sarangerel, indivíduos de nações distintas e que são compelidos a vivenciarem,
distantes um do outro, a terrível experiência do exílio. São eles as figuras centrais de O planalto e a estepe, obra
lançada em 2009 pelo escritor angolano Pepetela, que protagonizam uma linda história de amor e separação,
a partir de um cenário recente da nossa História. Ele, de Angola, e ela, da Mongólia, muito embora nutram
por suas respectivas terras natais um forte laço de amor, topofilia, tornam-se, para si, seus próprios lugares de
acolhimento/afetividade; quando são separados, por questões políticas, tornam-se seres fraturados, longe de
seus lares, eles mesmos. Julio e Sarangerel vivem, portanto, a experiência do exílio e toda a dor que essa “fratura
incurável”, como nos diz Said (2003), provoca nos sujeitos que a ela são compelidos. Pretendemos, pois, reali-
zar uma leitura da espacialidade neste romance angolano, mantendo o diálogo Literatura e Geografia, a partir
da percepção da paisagem, marcada pela experiência do exílio.
PALAVRAS-CHAVE: Exílio; Espaço; Percepção da paisagem.
ABSTRACT: Julio and Sarangerel, people from distinct nations who are compelled to live, apart from
themselves, the painful experience of exile. They are the main characters of O planalto e a estepe, book relea-
sed in 2009 by the Angolan writer Pepetela, and who live a beautiful story of love and break ups, on a recent
scenario of our History. He, from Angola, She, from Mongolia, despite the stronger bond of love they nurture
for their homelands, topophilia, they become, for each other, their own place of cuddle/affection; when they
are forced to live apart, because of political issues, they turn into fractured beings; apart from their own home,
themselves. Julio and Sarangerel live, therefore, the experience of exile and all the pain this “fratura incurável”,
as Said (2003) says, provokes on the people who are compelled to live it. Therefore, we intend to perform a
spatiality reading of this above mentioned Angolan novel, keeping up the dialogue between Literature and
Geography, as of the landscape perception, marked by the experience of exile.
KEYWORDS: Exile; Space; Landscape perception.
1 Estudante do curso de Letras da Universidade Federal do Maranhão. Pesquisador do Grupo de Pesquisa Estudos de Paisa-gem nas Literaturas de Língua Portuguesa (UFMA/UFF) e Bolsista PIBIC-CNPq com a pesquisa “A EXPERIÊNCIA DO EXÍLIO NA LITERATURA CONTEMPORÂNEA DE LÍNGUA PORTUGUESA: a perspectiva do sujeito no espaço e na memória” (2011-2013), orientada pela Profa. Dra. Márcia Manir Miguel Feitosa. Email: [email protected]. 2 Professora Nível Associada III da Universidade Federal do Maranhão. Doutora em Literatura Portuguesa pela Universida-de de São Paulo. Vice-Líder do Grupo de Pesquisa Estudos de Paisagem nas Literaturas de Língua Portuguesa (UFMA/UFF). Email: [email protected].
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1 ESPAÇO, EXÍLIO E HIS/ESTÓRIA(S): acerca da paisagem n’O planalto e a estepe
As Literaturas Africanas de Língua Portuguesa, bem como o universo cultural que envolve o continen-
te africano, têm ganhado enorme importância por parte das instituições oficiais, que reconhecem o contributo
africano na formação de uma cultura genuinamente brasileira3. Têm ganhado, também, amplo destaque nas
pesquisas que se desenvolvem no âmbito da graduação e pós-graduação, no terreno dos estudos literários, à luz
de perspectivas e orientações teórico-metodológicas diversas e enriquecedoras. Afirmada a sua importância,
aqui tecemos uma leitura da espacialidade e a experiência do exílio n’O planalto e a estepe, obra recentemente
publicada (2009) pelo escritor angolano Pepetela.
Escritor, intelectual, professor e sociólogo, a prosa de Pepetela se reveste de uma intensa e constante
preocupação com o social4, com os movimentos que ocorrem no ser da sociedade, em especial o da angola-
na, que a este tempo ainda vivencia sua jovial independência do colonialismo português, conquistada em 11
de novembro de 1975 por meio da luta ativa dos movimentos de guerrilha (MPLA – Movimento Popular de
Libertação de Angola) no país. Pepetela constrói estórias e reescreve, via fazer literário/narrativa, a própria
História, como já apontado por alguns críticos que se debruçam sobre sua obra, e, assim, desvela as fragilida-
des e contradições de um país que ainda busca se afirmar enquanto nação. Em entrevista, concedida em 1991,
assim nos fala o autor acerca da relação literatura-crítica social em sua obra:
[...] realmente, a literatura nasceu muito antes em mim, antes da sociologia... Sei lá, lembro-me que a primeira coisa que eu escrevi, que tenho, que guardei, foi um pequenino conto – uma redacção de escola, que foi depois publicada no boletim do colégio – em que havia preocupação social, devia eu ter dez ou onze anos... [...] Portanto, a dimensão social já estava presente nessa altura, antes de eu pensar que estava a escrever [...] A literatura e essa preocupação social apareceram ligadas em mim desde o princípio, portanto, agora, é um bocado tarde para mudar..., há é que aperfeiçoar isso...(Laban, 1991)
O entrelaçamento das estórias, provenientes da cultura angolana e da tradição, com a História (oficial)
constitui a espinha dorsal do processo construtivo de O planalto e a estepe e atestam, no caso do autor em pers-3 Vide a Lei No. 10.639, de 9 de Janeiro de 2003, que estabelece a obrigatoriedade do ensino de História e Cultura Afro-Brasi-leira em instituições de Ensino Fundamental e Médio, quer públicas ou privadas, cujos conteúdos devem ser dissolvidos nas discipli-nas de Educação Artística, Literatura e História Brasileiras. Diz ainda o texto do artigo: “§ 1o O conteúdo programático a que se refere o caput deste artigo incluirá o estudo da História da África e dos Africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade nacional, resgatando a contribuição do povo negro nas áreas social, econômica e política pertinentes à História do Brasil.” (Site do Planalto. Acesso em: 21/09/2012) [grifo original]. 4 “A ficção de Pepetela se caracteriza por um constante e lúcido olhar sobre a história de Angola. Uma história a contrapelo, transfigurada por uma escritura alegórica que investiga os interstícios e não-ditos do que ficou reprimido nos desvãos do imaginário social angolano.” (SECCO, 2009, p. 151)
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pectiva, a já referida preocupação com o social que lança ecos audíveis em sua prosa. E se entrelaçam porque
não são opositivas. Dessa maneira, da nota prévia que acompanha a primeira edição desta narrativa e antecipa
ao leitor esse entrelaçamento típico de que falamos acima, lemos o que segue:
Nota Prévia A estória aconteceu. No essencial, mais ou menos como se conta. As personagens são de ficção. Todas. Mesmo aquelas que fazem lembrar alguém. (Pepetela, 2009, s/p)
Ao escrever a narrativa de Julio e Sarangerel, “a história real de um amor impossível”, Pepetela revi-
sita e reconstrói a própria história do homem e da nação angolana, resgatando, via memória – memória esta
que poderia ser a do próprio Pepetela, que lutara pela independência de Angola, junto ao MPLA, nos anos de
guerrilha –, os acontecimentos político-sociais de seu país desde os anos 60 do século XX até a atualidade. Para
além da própria história de seu país, a prosa de Pepetela flagra a movimentação das teias de uma História que
é mundial, recuperando o período em que o mundo se viu polarizado econômica e politicamente pela Guerra
Fria.
O romance apresenta um mosaico de espaços, percebidos de maneiras distintas por Julio e Sarange-
rel, personagens sobre os quais a narrativa se desdobra. Ele, nascido em Angola, tem inscrito em seu íntimo
a própria imagem da fenda da Tundavala, localizada no planalto africano; trata-se de uma paisagem, das mais
belas é notável, e que exerce forte influência na vida de nosso personagem angolano. Ela, mongol que era, tem,
pois, a visão marcada pelas vastas e imensas estepes da Mongólia, o local onde a vida não-urbana se desenvolve
em seu país e que sugerem o sentimento experiencial de espaciosidade/liberdade: ambos são, portanto, as duas
grandes representações metonímicas dos próprios lugares de sua vida.
O planalto e a estepe certamente ganha uma dimensão muito maior e profunda se pensado a partir da
categoria geográfica do lugar, porque este interage com as personagens da narrativa e se articula ao íntimo de
suas vivências; entretanto, de modo e intensidade diversos, é preciso acentuar: a experiência íntima do lugar e
a impressão que ele deixa na alma do sujeito são muito mais intensas e vivas se observamos o modo como Julio
se reporta à sua Angola, à sua fenda da Tundavala, enquanto a experiência de Sarangerel com sua terra natal é
pouco acentuada e marcada por movimentos de tensão:
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Os olhos dele continham o céu do Planalto. Na Huíla da Chela, Dezembro, quando o azul mais fere. Nos olhos dela estavam gravadas suaves ondulações da estepe mongol. Tons sobre o castanho. [...] (Pepetela, 2009, p. 9)
Falar sobre a categoria experiencial e geográfica do lugar e do sentimento de pertença é, pois, falar
da experiência5, de valores, atitudes6 e visão de mundo7, que interferem diretamente no modo como os sujei-
tos percebem (ou podem perceber) uma mesma paisagem. Sobre essas questões é que se debruça o geógrafo
chinês, radicado nos Estados Unidos, Yi-Fu Tuan, conceituando, a partir das reflexões no campo da Geografia
Humanista-Cultural, acerca das noções de espaço e lugar:
‘Espaço’ e ‘lugar’ são termos familiares que indicam experiências comuns. Vive-mos no espaço [...] O lugar é segurança e o espaço é liberdade: estamos ligados ao primeiro e desejamos o outro. Não há lugar como o lar [...] Na experiência, o significado de espaço freqüentemente se funde com o de lugar [...] As idéias de espaço e lugar não podem ser definidas uma sem a outra. (Tuan, 1983, p. 3/6.)
Julio e Sarangerel, num dado momento, passam a viver, de fato, no espaço, com toda a implicação de
liberdade e vastidão que a ele é inerente: Julio, tendo ido para Portugal estudar medicina, o que logo percebe
não ser sua vocação, segue para Paris, de onde parte para Argel e ruma para a antiga URSS (aliada dos movi-
mentos de independência que surgiam na Angola), a fim de estudar e participar dos movimentos de libertação
de seu país do colonialismo português, atitude que aponta, uma vez mais, para o caráter social da prosa de
Pepetela. O caso de Sarangerel é menos complicado: ela, filha de um distinto senhor da política da Mongólia,
também aliada política da URSS, é enviada à União Soviética para que possa cumprir seus estudos acadêmicos.
5 O ser humano aprende por meio da experiência, que abarca desde as sensações promovidas pelos sentidos humanos à ex-periência simbólica (Literatura e artes), “[...] é um termo que abrange as diferentes maneiras através das quais uma pessoa conhece e constrói a realidade. Estas maneiras variam desde os sentidos mais diretos e passivos como o olfato, paladar e tato, até a percepção visual ativa e a maneira indireta de simbolização.” (TUAN, 1983, p. 10)
6 A atitude “[...] é primariamente uma postura cultural, uma posição que se toma frente ao mundo. Ela tem maior estabilidade do que a percepção e é formada de uma longa sucessão de percepções, isto é, de experiências. [...] As atitudes implicam experiência e uma certa firmeza de interesse e valor.” (TUAN, 1980, p. 4)
7 Visão de mundo “[...] é a experiência conceitualizada. Ela é parcialmente pessoal, em grande parte social. Ela é uma atitude ou um sistema de crenças; a palavra sistema implica que as atitudes e crenças estão estruturadas, por mais arbitrárias que as ligações possam parecer, sob uma perspectiva impessoal (objetiva)” (ibidem, p. 5)
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Distantes de seus lares, é na antiga União Soviética onde serão arrebatados pela mais íntima sensação
de liberdade que o espaço pode lhes dar. O espaço indistinto, contudo, sofre um revés a partir do momento em
que os dois se conhecem e se apaixonam. O espaço indistinto, que não representa acolhimento ou segurança,
realiza-se, enquanto dimensão da experiência humana, neles próprios, tornando-os os lugares, os lares de si
próprios: “Foi então tempo de muito amor. Os meses de ausência mostraram a cada um de nós a impossibili-
dade de estar sem o outro. Inevitável [...].” (Pepetela, 2009, p. 56).
O amor que perceberão mais tarde ser impossível de viver. Com a gravidez de Sarangerel, o destino
de ambos é duramente selado: a separação forçada, motivada por questões de ordem política e cultural, afinal,
sendo seu pai membro da alta cúpula da política na Mongólia, ter “A filha com um caso quando ainda estu-
dante e, ainda por cima, com um tipo branco, de outro país, de outra cultura, apesar de dizer revolucionário...
hum, dava para destronar qualquer ministro da Defesa.” (Pepetela, 2009, p. 86).
A separação entre Julio e Sarangerel é, entretanto, de uma dimensão dupla, porque, além de afetiva/
emocional, é geográfica, uma vez que ela é enviada de volta para a Mongólia e ele, inconsolavelmente fraturado,
continua na União Soviética para concluir seu ciclo de estudos, ao fim dos quais ruma de volta para sua Angola,
para lutar de modo mais direto nas frentes de libertação do país. É, portanto, na separação afetivo-geográfica
que o fenômeno do exílio se manifesta e se concretiza como uma das mais devastadoras experiências a que um
ser humano pode ser destinado a “viver”.
O fenômeno do exílio que identificamos n’O planalto e a estepe e que se materializa na separação do
jovem angolano e da jovem mongol é, certamente, curioso, na medida em que, no fim das contas, seguem,
ambos, para seus lares, seus respectivos países, que, apesar de tudo, continuam sendo percebidos enquanto um
lugar de acolhimento e aconchego, na perspectiva de Tuan (1980); contudo, como já afirmamos, é no ser um do
outro que se materializa de maneira muito mais intensa a própria concepção de lugar e, nesse sentido, a volta
pra casa (Angola e Mongólia) e a vida que levarão pelos anos que se seguem será toda ela perpassada por uma
característica “fratura incurável”, a dimensão da perda, assinalada por Said (2003), por estarem ambos, Julio e
Sarangerel, distantes fisicamente um do outro.
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CONCLUSÃO
As estratégias narrativas usadas pelo autor conjugam elementos da modernidade e da tradição, recuperando dessa última os aspectos culturais fundamentais, ao mesmo tempo em qu